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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

Faculdade de Arquitetura
Programa de Pesquisa e Pós Graduação em Arquitetura - PROPAR

INICIAÇÃO AO ENSINO DO PROJETO ARQUITETÔNICO:


pa r ad i g mas e r e du ci o ni s mo s
Angela Becker Maciel

Tese de Doutorado apresentada como requisito parcial


para obtenção do grau de Doutor em arquitetura.
Orientador: Prof. Dr. Rogério de Castro Oliveira

Porto Alegre
2009
M152i Maciel, Angela Becker
Iniciação ao ensino do projeto arquitetônico :
paradigmas e reducionismos / Angela Becker Maciel
; orientação de Rogério de Castro Oliveira. 
Porto Alegre : UFRGS, Faculdade de Arquitetura,
2009.

194 p.: il.

Tese (doutorado)  Universidade Federal do


Rio Grande do Sul. Faculdade de Arquitetura.
Programa de Pesquisa e Pós-graduação em
Arquitetura. Porto Alegre, RS, 2009.

CDU: 72.011.1
72.07

DESCRITORES

Projeto arquitetônico
72.011.1

Ensino da arquitetura
72.07

Bibliotecária Responsável

Elenice Avila da Silva – CRB-10/880

2
Aos meus alunos.

3
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos aqueles que, de uma maneira ou


outra, contribuíram para o êxito desta tese
Agradecimentos especiais, ao meu orientador Prof.
Dr. Rogério Castro de Oliveira, à minha, sempre,
orientadora Profª Drª Anna Maria Becker Maciel e à
acadêmica Athena Eguia Guimarães, pelo
prestimoso auxílio na formatação final do trabalho.

4
- Já estou pronto - disse o Imperador. – Acham que esta roupa me
assenta bem? E novamente mirou-se no espelho, a fim de fingir que se
admirava vestido com a roupa nova a andar com as mãos no ar. 0
Imperador foi ocupar seu lugar no cortejo da procissão, embaixo do
luxuoso dossel e todos os que estavam nas ruas e nas janelas
exclamaram:
- Como está bem vestido o Imperador! Que cauda magnífica! A roupa
assenta nele como uma luva!
Ninguém queria dar a perceber que não podia ver coisa alguma, para não
passar por tolo ou por incapaz. 0 caso é que nunca a roupa do Imperador
alcançara tanto sucesso.
- Mas eu acho que ele não veste roupa alguma! - exclamou então um
menino.
- Ouçam! Ouçam o que diz esta criança inocente! - observou seu pai a
quantos o rodeavam. Imediatamente todo mundo comunicou pelo
ouvido as palavras que o menino acabava de pronunciar.
- Não veste roupa alguma. Foi isso o que assegurou este menino.
- O Imperador está sem roupa! - começou a gritar o povo.
O Imperador fez um trejeito, pois sabia que aquelas palavras eram a
expressão da verdade, mas pensou:
- A procissão tem de continuar.
E assim, continuou mais impassível que nunca e os camaristas
continuaram segurando a sua cauda invisível.

Hans Christian Andersen

5
RESUMO

Esta tese discute pressupostos teóricos subjacentes a procedimentos


didáticos usualmente tidos como adequados às práticas pedagógicas adotadas nas
disciplinas de iniciação ao projeto nas escolas de arquitetura. Por extensão,
examina a própria noção de iniciação ao fazer arquitetônico como parte de
contextos paradigmáticos que permanecem implícitos para professores e alunos,
evidenciando com freqüência descontinuidades e contradições desvinculadas do
conhecimento projetual. Essa situação introduz na relação de ensino-aprendizagem
um descompasso entre objetivos didáticos e referenciais teóricos, colocando em
segundo plano a compreensão que o aluno vai construindo do que seja a atividade
projetual. A investigação dos quadros paradigmáticos que se mesclam na iniciação
ao projeto se apóia na leitura de livros-texto que comumente consubstanciam as
atividades efetuadas nessas disciplinas introdutórias, identificados pela recorrência
com que comparecem nas relações bibliográficas dos programas de ensino. A
análise crítica do conteúdo desses manuais fornece as evidências que permitem
discutir, no plano hermenêutico, a maior ou menor adequação do que comumente
se entende por iniciação à prática do projeto arquitetônico, num esforço de
clarificação que constitui o próprio contexto de justificação da tese.

6
ABSTRACT

This present theses discusses theoretical presuppositions underlying didactic


procedures usually regarded as adequate to the pedagogical practice adopted in
project initiation courses in architecture schools. By extension, it examines the very
notion of initiation to architectural practice as part of the paradigmatic contexts
that remain implicit to teachers and students often evidencing discontinuities and
contradictions disconnected from the projectual knowledge. This situation brings
about a mismatch between didactic objectives and theoretical referential in the
teaching-learning relation and leaves aside the comprehension the student is
construing as projectual activity. The research of the paradigmatic framework
interweaving in the project initiation lies on text-books that commonly
consubstantiate the activities performed in these introductory courses. The critical
content analysis of these manuals provides evidence points that allow the
discussion, on the hermeneutical level, of the greater or smaller adequacy of what
is usually understood by initiation to architectural project. This effort of clarification
constitutes the very justification context of the dissertation.

7
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 8

1.1 Apresentação 9

1.2 Situação Atual 13


1.3 Fundamentação teórica 19
1.4 Métodos 25

2. MANUAIS DIDÁTICOS PRECURSORES 30

2.1. Manuais didáticos da École des Beaux-Arts 31


2.1.1 Précis des Leçons d’Architecture 35
2.1.2 Éléments et Théorie de l’Architecture 41
2.2. Manuais didáticos da Bauhaus 49
2.1 Do material à arquitetura 68
2.2 Ponto e linha sobre o plano 74
2.3 Contribuições para a teoria plástica da forma 79
2.3. Considerações 82

3. MANUAIS DIDÁTICOS BEST-SELLERS 90

3.1 Saber Ver Arquitetura 92


3.2 Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem 105
3.3 Lições de Arquitetura 137
3.4 Considerações 149

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 153

REFERÊNCIAS 162

APÊNDICE A – Precedents in architecture 171

APÊNDICE B – Architecture Design Notebook 178

APÊNDICE C – Claves del construir arquitectónico 187

8
1. INTRODUÇÃO

9
1.1 Apresentação

Esta tese trata dos paradigmas subjacentes aos procedimentos didáticos


usualmente utilizados na prática pedagógica das disciplinas para iniciação ao
projeto arquitetônico. Embora discorra, indiretamente, sobre processos de
aprendizagem implicados na adoção de tais paradigmas, a tese não coloca em
discussão teorias pedagógicas, a não ser em caráter secundário, quando
estritamente necessárias ao entendimento da argumentação. O foco é investigar
as noções arquitetônicas que permanecem implícitas nas práticas de ensino e, em
particular, na adoção de pressupostos epistemológicos (explicitados ou não)
empregados para caracterizar aquele conhecimento arquitetônico considerado
"iniciático" para o aluno inexperiente que se defronta com a atividade projetual.
Nesse percurso, a investigação que sustenta o trabalho de tese se interroga sobre
as distinções que, na teoria e na prática, atribuem um caráter pedagógico próprio
à iniciação ao projeto, produzindo um recorte no panorama do ensino do projeto
em estágios mais avançados do aprendizado. Delimita-se assim, o campo
discursivo, evitando generalizações do estudo à formação projetual do arquiteto
em seus aspectos globais e finais e, muito menos, ao ensino de arquitetura como
um todo. As razões dessa delimitação constituem, evidentemente, um enunciado
preliminar da tese, elucidadas no desenvolvimento da argumentação que a
constitui.

Desde o ponto de vista crítico, igualmente constitutivo da tese, este


trabalho apresenta-se, já no início, como contraposição ao discurso hegemônico
que predomina nos manuais didáticos voltados para a prescrição de métodos e
modelos comumente adotados como exemplares na apresentação ao novato das
práticas do ofício de arquiteto. Esse contraponto origina-se e fundamenta-se em
estudos preliminares desenvolvidos como investigação doutoral que se
incorporaram a presente tese exemplificados, em particular, por estudos de caso,

10
mais adiante discutidos detalhadamente. Esses resultados iniciais identificaram
muito cedo inconsistências recorrentes no discurso das introduções ao projeto
arquitetônico que autorizaram tomar como hipótese inicial de trabalho o
reconhecimento da insuficiência das referências paradigmáticas vigentes frente ao
desafio de propor ao aluno um quadro explicativo capaz de efetivamente
"apresentá-lo" à prática projetual. Igualmente por hipótese, a investigação parte
do princípio de que a eleição de tais métodos e procedimentos não é feita ao
acaso, mas é amparada pela escolha de manuais didáticos considerados acessíveis
ao aluno, ou com suficiente conteúdo explicativo para amparar a atividade
docente. É interessante relembrar que Kuhn1 já associava a delimitação de um
domínio paradigmático ao conjunto de livros-texto adotados, sem discussão, como
base na formação em uma prática. Aceita-se, portanto, o princípio de que a leitura
crítica desses textos permite explicitar a origem e o contexto de enunciação das
noções tacitamente aceitas pelo docente, que delas se dá conta, ou não. Esses
livros são o testemunho de um corpus de crenças compartilhadas pelos
ministrantes.

A investigação histórica cuidadosa de uma determinada especialidade num


determinado momento revela um conjunto de ilustrações recorrentes e quase
padronizadas de diferentes teorias nas suas aplicações conceituais, instrumentais e
na observação. Essas são os paradigmas da comunidade, revelados nos seus
manuais, conferências e exercícios de laboratórios. Ao estudá-los e utilizá-los na
prática, os membros da comunidade considerada aprendem seu ofício.2

O objetivo inicial dessa investigação é, portanto, lançar um olhar crítico


sobre referências paradigmáticas que se instalam, com múltiplas variantes, na
manualística comumente acessível ao aluno e ao professor nos cursos de iniciação
ao projeto. É curioso e significativo verificar, já numa primeira e rápida revisão das
publicações oferecidas nas bibliografias e catálogos, o limitado leque de opções

1
KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2005. p. 70.
2
Ibidem, p.67.

11
disponíveis: a restrita oferta editorial faz com que, no âmbito da grande dispersão
das escolas de arquitetura nos cenários nacional e internacional, verifique-se uma
impressionante padronização nos títulos sugeridos nas referências bibliográficas a
que se tem acesso em programas de ensino e artigos publicados sobre o tema. Os
casos estudados nesta tese, selecionados, qualitativamente, a partir de um amplo
percurso de leitura, não têm a pretensão de esgotar a relação dos manuais (ou
pseudomanuais) com maior presença nas práticas de ensino, mas sustentam
plausivelmente sua recorrência e exemplaridade na aceitação tácita que lhes é
dada, no dizer de Kuhn, pelos "praticantes" envolvidos na difusão dos paradigmas.

Como argumento inicial, o trabalho da tese considera que essas práticas


incorporam, redutoramente, princípios e métodos empregados em escolas
consideradas, pelo corpus, paradigmáticas: a École des Beaux-Arts e a Escola da
Bauhaus. A adoção de tais propedêuticas se deve, em parte, a uma leitura
superficial dos livros-texto publicados pelos professores destas escolas. Esta
simplificação, caracterizada pelo uso híbrido dos dois paradigmas, acentua alguns
aspectos, em detrimento de outros. Os aspectos valorizados são constantes nas
duas escolas: a preocupação com as regras definidoras do estilo, na primeira, de
uma maneira evidente, na outra, subliminar e não confessa. As conseqüências
desta atitude tornam-se cruciais quando aplicadas à iniciação ao projeto,
colocando em discussão o problema dos fundamentos da prática projetual e de sua
didática.

Os objetivos específicos da pesquisa que servem de fios condutores da tese


podem ser, portanto, assim descritos:

• desvelar as referências paradigmáticas subentendidas nos manuais que


embasam os procedimentos didáticos aplicados aos estudantes para iniciá-
los no projeto arquitetônico;
• discutir a pertinência da manutenção de tais paradigmas;

12
• sugerir critérios para eleição de manuais didáticos que possam,
efetivamente, balizar os procedimentos didáticos que iniciam o estudante no
aprendizado do projeto arquitetônico.

Os objetivos acima arrolados remetem todos para o ensino de projeto em


contexto institucional, não levando em consideração possibilidades informais de
treinamento que tradicionalmente se deram – e se dão – no âmbito da relação
mestre discípulo. A especificidade da institucionalização do ensino justifica, por si
só, este recorte, tendo em vista a própria natureza da investigação que sustenta
esta tese: a iniciação ao projeto colocada fundamentalmente como um problema
de construção de uma escola, isto é, de um ambiente de transmissão e construção
de um conhecimento que vê a formação nas práticas do ofício uma tarefa
essencialmente coletiva e aberta.

O papel inaugural da contribuição de Durand3 à vulgarização do


conhecimento arquitetônico é bem conhecido, assim como os episódios da
fundação da École des Beaux-Arts e da École Polytechnique e o esforço
pedagógico renovador da Bauhaus, porta-voz das vanguardas modernistas. Esta
tese parte do reconhecimento da aceitação tácita dada a esses modelos, no âmbito
da formação do arquiteto: as escolas de arquitetura, tal como existem hoje, lhes
são devedoras. O que não é tacitamente reconhecido no âmbito das escolas é o
que se deve, e de que maneira, a um e a outro. Esta hesitação entre duas
referências freqüentemente invocadas, mas pouco entendidas, motiva e impulsiona
a reflexão proposta nesta tese.

3
DURAND, Jean N. L. Précis des Leçons d’Architecture donnés à l’ècole Polytechnique. Paris, 1819.

13
1.2 Situação Atual

A conformação das escolas atuais é variável. Salama4 comenta que,


atualmente, as instituições voltadas ao ensino da arquitetura apresentam-se como
unidades independentes, ou como departamentos ligados a escolas de engenharia,
artes ou design, podendo fazer parte do sistema universitário ou, ainda, adquirir
status independente como escolas técnicas, geralmente de nível superior, mas não
necessariamente. Castle5 observa que a maneira de abordar a disciplina vai diferir
de acordo com a situação, ocasionando opiniões diversas sobre o caráter do ensino
de arquitetura. Logo, um breve olhar sobre o que é ministrado nas escolas
(fartamente documentado e acessível) atesta que há similaridades, mas também
diferenças consideráveis, quanto aos procedimentos adotados, embora não seja
claro o quanto estas similaridades ou diferenças afetam a experiência e a
performance dos graduados. Dessa forma, embora a profissão de arquiteto tenha,
no cenário mundial, certa identidade própria, independentemente do contexto
formativo que a ampara, concordo com esse autor quando sugere que, desde o
ponto de vista do ensino de arquitetura, não há, sob as aparências, consenso
sobre os fundamentos cognitivos que podem sustentar uma escola de arquitetura.

Entretanto, a maneira de organizar as disciplinas que compõem o curso


parece ser semelhante em todos os quadros institucionais. Neles, o aprendizado do
projeto de arquitetura é considerado o elemento estruturador do curso. Ao seu
redor gravitam diversas disciplinas, cujo teor e conteúdo variam conforme a época
e o local. Tradicionalmente, o ensino de projeto é ministrado separadamente das
disciplinas voltadas para técnicas construtivas. Enquanto o primeiro ocorre nos
ateliês, os outros conhecimentos, considerados complementares, são distribuídos

4
SALAMA, Ashraf. 1995. Design Education and Studio Work in the Conventional Approach. In: New Trends in
Architectural Education: Designing the Design Studio. USA. p.56
5
CASTLE, H. Editorial. Back to School: Architectural Education-the Information and the Argument. Architectural Design.
Set. 2004. p. 4.

14
ao longo do curso.6 As seqüências de projeto e as de tecnologia obedecem a
lógicas diferentes e são, na prática, independentes. Essa situação reflete uma
antiga dicotomia entre arte e ciência que merece ser revisada. Todavia, esta
discussão não é objeto desta tese.

Geralmente, inicia-se desenvolvendo a capacitação gráfica do aluno através


de aulas de desenho de observação à mão livre, desenho técnico com
instrumentos e, cada vez mais, computação gráfica, entre outras modalidades. No
decorrer do curso, aulas de teoria e história, sistemas construtivos, habitabilidade
entre outras, fomentam as atividades do ateliê. Normalmente há uma seqüência
de projetos, em uma ‘complexidade’ crescente (segundo Corona Martinez7, nunca
definida com precisão), cujo nível é auferido pela maior ou menor abrangência do
tema. Stevens8 afirma que a organização do currículo nesses moldes hierárquicos
obedece à própria necessidade de manutenção do campo profissional. O tempo
demandado pelas atividades do ateliê, as horas em sala de aula somadas às
dedicadas à consecução das tarefas solicitadas, impossibilita que o aluno se
dedique com mais afinco às outras disciplinas. O peso que as atividades do ateliê
de projeto apresentam torna as outras disciplinas secundárias.

O sistema de ateliês obriga os estudantes a jogar seriamente um jogo sério, a


entender que estão jogando contra outros e a dedicar suas energias ao jogo e não
ao questionamento de suas regras.9

Desta maneira, o ensino de arquitetura tem se mantido ao longo do tempo


sem grande interferência de outros campos. A estrutura básica remonta a
duzentos anos atrás, ainda, fortemente influenciada pela École des Beaux-Arts10. A
experiência pedagógica da Bauhaus trouxe algumas alterações ao início do curso,

6
OCHSHORN, Jonathan. Separating Science from Architecture: Why Technology is taught outside the Design Studio? In:
Proceedings of the 1989 ACSA East Central Regional Conference, Ann Arbor, MI, outubro 19-21, 1989; republicado
em The Architecture of the In-Between, p. 453-460
7
CORONA MARTINEZ, Alfonso. Ensayo sobre el proyecto. Buenos Ayres: Libreria Técnica, 1991.
8
STEVENS, Gary. O círculo privilegiado. Fundamentos sociais da distinção arquitetônica. Brasília: Editora UNB, 2003.
9
Ibidem, p. 233.
10
Ibidem, p. 234.

15
como o desenvolvimento da expressão gráfica desvinculada do ensino projetual,
fato que não acontecia na École. Todavia a estrutura básica permaneceu; apenas
foram postergadas as disciplinas referentes à construtibilidade, como se verá nos
próximos capítulos.

Essa mescla de influências de paradigmas díspares ocasionou diversas


interpretações. Assim é que, analisando-se os currículos de alguns cursos, tanto do
Brasil, quanto do exterior, observa-se haver, principalmente no início do curso,
muitas diferenças, sinalizando que não há consenso sobre quando e como se deve
dar início ao aprendizado do projeto.

Segundo Salama11, na fase inicial do curso os procedimentos didáticos


variam desde a elaboração de exercícios abstratos sobre os princípios da forma bi
e tridimensional até estudos de percepção urbana; duas abordagens díspares em
seus pressupostos epistemológicos e no conhecimento resultante. A primeira se
baseia no relato publicado das aulas de Moholy-Nagy, Kandinsky e Klee,
desenvolvidas no Curso Preliminar da Bauhaus (Vorkurs) e adotadas como manual
didático. A segunda é influência dos estudos sobre percepção urbana, a partir das
críticas à cidade modernista. Scalbert12 comentou a fragilidade epistemológica
destas teorias:

A concepção de paisagem de Gordon Cullen, o elogio de Las Vegas, por Venturi e


Scott-Brown, as apreciações positivas de Walt Disney, todas essas coisas apelam
ao olhar e não ao espírito. (...) A obsessão pelas particularidades dos fatos
empíricos, pelos detalhes, impediu de formular uma teoria geral. A associação
entre o senso comum, a vida coletiva e a experiência física não se tornou muito
convincente em longo prazo. (...) O mérito do pensamento empírico e do

11
SALAMA, Ashraf. 1995. Design Education and Studio Work in the Conventional Approach. In: New Trends in
Architectural Education: Designing the Design Studio. USA p.56.
Dr. Ashraf Salama é professor associado do Departamento de Arquitetura da Universidade King Fahd do Petróleo e Minerais
– KFUPM. Tem apresentado diversos trabalhos em conferências nacionais e internacionais, revistas e jornais. Publicou três
livros sobre educação na arquitetura. E foi membro da UIA – Unesco Comitê Internacional de Educação Arquitetônica e
Diretor da Architectural Education Work Association for People – Environments Studies.
Disponível em: http:// faculty.kfupm.edu.sa/ARCH/asalama/Biography.htm. Acesso em: 07/01/07.
12
SCALBERT, Irénée. La valeur du sens comum. Architecture D´Aujourd’ hui. p. 58-59

16
Townscape (que foi descrito como um modelo de felicidade topográfico) é de
proporcionar prazer na percepção imediata das coisas. Além disso, este prazer não
depende de conhecimento, e é o que o torna facilmente acessível e popular.13

Em certo momento, em alguns casos já iniciais, em outros, mais ou menos


protelados, essas abordagens culminam no mesmo ponto: um exercício de projeto
para o qual são fornecidos um programa e um sítio.

Em que pesem as indefinições que se instalam nesse cenário da formação


do arquiteto, há pouco trabalho voltado para a sua discussão e esclarecimento. Em
pesquisa exploratória sobre linhas de pesquisa desenvolvidas pelos cursos de pós-
graduação em Arquitetura (mestrado e doutorado) no Brasil, verificou-se que, em
sua maioria, restringem-se a temas voltados a teoria e história14, havendo poucos
estudos relacionados com o ensino. Suspeita-se que a adoção deste ou daquele
enfoque seja feita sem o devido suporte teórico, embora essa atitude no ensino da
arquitetura encontre similaridade no próprio campo disciplinar.

Os historiadores de nosso corpus consideraram a questão de definir a arquitetura


moderna e a modernidade em geral, porém em seus textos, essas definições não
estão submetidas a nenhuma elaboração teórica. Efetivamente, as definições são
circulares e dependem das pessoas, as idéias e os projetos que os próprios autores
15
decidem chamar modernos.

Infelizmente, esta constatação não é exclusividade das instituições voltadas


ao ensino da Arquitetura. Pesquisas efetuadas no ensino superior16 mostram haver
pouca preocupação com as teorias subjacentes aos procedimentos didáticos
aplicados nas escolas.

13
SCALBERT, Irénée. La valeur du sens comum. Architecture D´Aujourd’ hui. P. 58-59
14
STEVENS, Gary. O círculo privilegiado. Fundamentos sociais da distinção arquitetônica. Brasília: Editora UNB, 2003.
p.231.
15
TOURNIKIOTIS, Panayotis. La historiografia de la arquitectura moderna. Madrid: Mairea, 2001.
16
PACHANE, Graziela Giusti. A importância da formação pedagógica para o professor universitário. A experiência
da UNICAMP. Tese (doutorado) 2003, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas.

17
Colocando o argumento em termos pessoais, essas reflexões encontram
pontos de contato com minha própria prática docente. As questões aqui levantadas
prolongam constatações surgidas no decorrer dos dez anos em que atuei (e ainda
atuo) como ministrante de uma das turmas da disciplina de Introdução ao Projeto
Arquitetônico II do Curso de Arquitetura da UFRGS, assim como no
desenvolvimento de minha dissertação de mestrado17, que embora abordasse
apenas indiretamente o contexto pedagógico da prática projetual, construiu
argumentos suficientemente fortes para dar continuidade a estudos ulteriores
nessa área. Igualmente, eu não tenho a pretensão de desenvolver uma tese sobre
a pedagogia da arquitetura, cujo âmbito excede o do ensino do projeto. Contudo,
penso ser crucial para a prática docente elucidar, no plano das teorias do
conhecimento, o que é pertinente para a construção de uma propedêutica do
projeto arquitetônico. Nesse intuito, este trabalho enfoca o aprendizado de quem
se inicia na sua prática, pretendendo contribuir para a formação do professor que
a ele se dedica. Desta forma, esta tese não se propõe a estabelecer um tratado
sobre a aquisição de conhecimento no projeto de arquitetura18, mas a elucidar
quais são as epistemologias subjacentes aos procedimentos didáticos efetuados na
sua iniciação, mostrando a quais crenças estão atreladas e questionando sua
vigência face à contemporaneidade.

Sem a reformulação destas noções profundas, presentes em múltiplas figuras e


formas que se manifestam no léxico com os quais os professores se dirigem a seus
alunos, tanto na vida quanto no comportamento diário do homem médio, será
difícil orientar os acontecimentos em uma nova direção. É necessário penetrar
nesse substrato, onde jazem as crenças inconscientes, as íntimas aspirações, o que
se vê como prazenteiro o que inspira ou assusta.19

17
MACIEL, Angela Becker. Variações programáticas e aspectos distributivos: uma análise de apartamentos em Porto
Alegre. Dissertação (mestrado) 2004. Porto Alegre: PROPAR, UFRGS.
18
Para saber mais: Oliveira, Rogério de Castro. Construções figurativas : representação e operação no projeto de
composições espaciais : traçados, modelos, arquiteturas. Tese (doutorado) 2000. Porto Alegre: PPGE, UFRGS.
19
DIEZ, Fernando. Crise de Autenticidade. Arquitetura Argentina 1990-2002. Tese (doutorado). Porto Alegre: PROPAR,
UFRGS. p.309.

18
Levamos para a universidade nossas concepções cognitivas hauridas do senso
comum (...). O pensamento do professor encontra-se preso a manifestações
empiristas20 e aprioristas21 de todo tipo, às vezes sutis, ás vezes grosseiras,
aliando-se, neste caso, até aos preconceitos primitivos22.

No entanto, pode-se afirmar que a adequação ou não das práticas


empregadas poderá influenciar o desempenho do estudante, assim como o do
futuro profissional.

O professor deveria responder, antes, à seguinte questão: que cidadão (arquiteto)


ele quer que seu aluno seja? Um indivíduo subserviente, dócil, cumpridor de
ordens sem questionar o significado das mesmas, ou um indivíduo pensante,
crítico, operativo que perante cada nova encruzilhada prática ou teórica, para e
reflete, perguntando–se pelo significado de suas ações futuras e,
23
progressivamente, das ações do coletivo onde ele se insere?

Nesta intenção, a presente tese tenciona contribuir para o esclarecimento


dos pressupostos teóricos subjacentes aos procedimentos didáticos, comumente
adotados para iniciar o estudante no aprendizado da arquitetura, especificamente,
no aprendizado do projeto.

20
Empirista: o sujeito é totalmente determinado pelo mundo do objeto ou pelos meios físicos e social, ao nascer é uma
tabula rasa.(Becker, 2001, p. 17)
21
Apriorista: o sujeito nasce com o conhecimento já programado na sua herança genética, induz ao mito do talento.
22
BECKER, Fernando. A origem do conhecimento e a aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artmed, 2003. p. 97-98.
23
_________________Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre: Artmed, 2001. p. 32.

19
1.3 Fundamentação Teórica

Para discutir a propedêutica adotada na educação contemporânea do


arquiteto, a argumentação deste estudo assume como fio condutor as
considerações de Kuhn24.

[...] as conclusões particulares, a que ele chegar, serão, provavelmente,


determinadas por sua experiência prévia em outras áreas, por acidentes de sua
investigação e por sua própria formação individual [...] Contudo, esse elemento de
arbitrariedade não indica que algum grupo possa praticar seu ofício sem um
conjunto dado de crenças recebidas.25

O “conjunto de crenças recebidas” pelo ensino de arquitetura nos remete às


escolas fundadoras, École des Beaux-Arts e Bauhaus, cuja herança e atualidade
serão discutidas ao longo dessa tese. Kuhn denomina “paradigma” esse conjunto
de crenças tacitamente aceitas e compartilhadas por um grupo de praticantes:

Paradigmas são as realizações científicas, universalmente reconhecidas que,


durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma
comunidade de praticantes de uma ciência26.

No âmbito institucional da educação do arquiteto, os paradigmas vigentes


são constituídos pelas crenças estabelecidas na prática pedagógica das duas
escolas. No entendimento desta tese, contudo, a referência aos contextos
paradigmáticos originais gera, no caso das atuais escolas de arquitetura, o
predomínio de um modelo híbrido, onde as relações paradigmáticas se confundem
para gerar um padrão que remete não a um novo paradigma, construído sobre os
que o antecederam, mas a uma dissolução das práticas formativas que caracteriza,
de fato, a lacuna conceitual de uma crise paradigmática. O sintoma dessa crise
24
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2005.
25
Ibidem, p. 22-23.
26
Ibidem, p. 13.

20
aflora, seguindo a concepção de Kuhn, nos manuais, ou livros didáticos, adotados
na formação dos quadros profissionais que atuam segundo normas aceitas
tacitamente.

Se o estabelecimento de um controle normativo define as possibilidades de


ação no interior do paradigma, no atual panorama do ensino de arquitetura,
contudo, dificilmente se percebe uma orientação reconhecível. Desde a
institucionalização do ensino arquitetônico pela fundação da École des Beaux-Arts
(1863) até nossos dias sucederam-se muitas concepções sobre as relações de
ensino-aprendizagem, particularmente no que diz respeito a prática de ateliê (hoje,
nem mais se sabe ao certo o que é um ateliê de arquitetura). As discussões mais
recentes sobre o tema mostram que se a aprendizagem não é vista da mesma
maneira por todos os indivíduos; o mesmo pode ser dito do próprio objeto da
aprendizagem. Permanece a pergunta: como podem professores e alunos
compartilhar um conhecimento tácito do que vem a ser, afinal, um projeto de
arquitetura? Nesse caso, cabe invocar os estudos piagetianos, onde se concebe o
desenvolvimento cognitivo como uma construção que se dá progressivamente à
medida que o sujeito interage com o objeto, isto é, na medida em que o aprendiz
de arquitetura projeta. Todavia, aprender algo nem sempre é um processo
consciente. Muitas vezes, o saber é adquirido implicitamente, resultando em
respostas automáticas com quase nenhuma reflexão.

Como visto anteriormente, em muitas escolas de nível superior, não se


costuma "aprender a ensinar". Ensina-se, geralmente, como se foi ensinado. Este
saber implícito exige um esforço considerável para novas abordagens. Pozo27
comenta que para aprender é preciso desaprender, ou seja, esquecer idéias
estereotipadas para possibilitar a aquisição de novas informações. Se este fato
pode limitar o desempenho do professor, á medida em que há diferenças
consideráveis entre as gerações, também é verdadeiro que as idéias preconcebidas
27
POZO, Juan Ignacio. Aprendizes e mestres. A nova cultura da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2002.
Doutor em Psicologia, Juan Ignacio Pozo é professor titular do Departamento de Psicologia Básica da Faculdade de
Psicologia da Universidade Autônoma de Madri

21
dos alunos podem trazer conflitos. O saber escolar, freqüentemente, os leva a
resolver os problemas como questões matemáticas: há respostas certas ou
erradas, enquanto, em projeto não se observa esta dicotomia.

A pergunta que comumente se coloca é: a iniciação ao projeto exige um


conhecimento prévio ou esse conhecimento é construído ao longo dos processos
de projeto? No entanto, essas afirmações não são excludentes. Efetivamente, a
iniciação ao projeto exige um conhecimento prévio e esse conhecimento é (re)
construído ao longo dos processos de projeto. Mas qual é esse conhecimento?

Existe arquitetura sem projeto. Assim como nem todo projeto é de


arquitetura. Logo, falar em iniciação à arquitetura é diferente de falar em iniciação
ao projeto de arquitetura. Podem-se ensinar os princípios que definem a
arquitetura como disciplina, através de sua história e das teorias a ela subjacentes,
sem, no entanto, ensinar a projetar. E aqui reside uma confusão: ensina-se
"arquitetura", como fenômeno estético, social, histórico, etc., para qualquer
interessado; no entanto, as especificidades inerentes ao projeto arquitetônico e
suas possibilidades de materialização no espaço edificado, isto é, a prática da
arquitetura, interessam a quem deseja exercer o ofício. Uma coisa é aproximar-se
da arquitetura como manifestação cultural e artística, outra é exercer o ofício de
arquiteto. Logo, o ensino do projeto é ministrado a quem pretende ser arquiteto, e
essa atividade caracteriza a sua formação profissional.

Outra delimitação a ser referendada é de que projeto se está falando.


Embora não haja dúvidas quanto á intrínseca relação existente entre o edifício e
contexto, considera-se que conceber o espaço é diferente de conceber os
elementos nele contidos. Assim, esta tese se abstém de comentar os manuais cujo
enfoque é townscape por fugirem ao escopo dessa investigação. Está se falando
dos conhecidíssimos livros: A Imagem da Cidade de Kevin Lynch e Paisagem
Urbana de Gordon Cullen. Desta maneira, entende-se por iniciação ao projeto
arquitetônico os procedimentos didáticos que visem fornecer, diretamente, ao

22
principiante, conhecimentos que lhe possibilitem adquirir as primeiras noções do
projeto das edificações.

No aprendizado do projeto, segundo Pozo, concorrem duas formas de


conhecimento, interligadas, mas que não devem ser confundidas no dia a dia da
prática docente: o conhecimento declarativo e o conhecimento procedimental. O
primeiro diz respeito ao conhecimento específico do objeto, é “facilmente
verbalizável, pode ser adquirido por exposição verbal e costuma ser consciente”. O
outro se refere, a saber, como se opera, é “de difícil verbalização e adquire-se
gradualmente na prática”.28

Figura 1: Diferenças entre conhecimento declarativo e procedimental


Conhecimento declarativo Conhecimento procedimental
Consiste em saber o quê Consiste em saber como
É fácil de verbalizar É difícil de verbalizar
Possuem-se tudo ou nada Possui-se em parte
Adquire-se de uma vez Adquire-se gradualmente
Adquire-se por exposição, aquisição Adquire-se na prática, aquisição por
receptiva descobrimento
Processamento essencialmente controlado Processamento essencialmente automático

Fonte: POZO, Juan Ignácio et ali. A solução de problemas. Aprender a resolver, resolver
para aprender. Porto Alegre: Artmed, 1998. p 141.

Os conhecimentos procedimentais vêm sendo discutidos por Schõn29 em


seus livros. Argumenta que o aprendizado tornado uma práxis, quando a teoria e a
prática se retroalimentam, é mais eficaz. Exemplifica sua teoria descrevendo o
aprendizado no ateliê de projeto de arquitetura. Todavia, sabe-se que os
conhecimentos necessários ao enfrentamento de uma proposta de projeto são
30
complexos, e para ser possível a “reflexão-na-ação” estimulada pelo professor

23
na aula de prática de projetos, se faz necessário, principalmente, nos primeiros
anos do curso, o aprendizado de conhecimentos específicos.

A ação projetual inicia com a ativação dos conhecimentos prévios do


projetista sobre o tema31. A questão que se coloca é como trabalhar com o
iniciante visto esse não possuir uma experiência anterior específica com o projeto
arquitetônico. Neste intuito, esse novo aprendizado se torna factível, à medida
que, como docente, estabeleço conexões com seus saberes prévios.

Esse jovem possui conhecimentos que advém da experiência pregressa do


aluno em situações análogas e de informações inerentes às características do
objeto, neste caso, o objeto arquitetônico. Evidentemente, estas informações
variam conforme as experiências de cada um, mas pode-se afirmar que quando o
jovem chega à universidade, sua capacidade geral de raciocínio hipotético-
dedutivo já se encontra desenvolvida. A obrigatoriedade da conclusão do ensino
médio (o ápice de, aproximadamente, doze anos de vida escolar) para ingressar na
universidade, habilita todos os estudantes ao aprendizado do projeto arquitetônico.

Contudo, ao projetar-se um objeto arquitetônico enfrenta-se um problema


complexo, com pouca definição preliminar cujas variáveis vão sendo construídas e
hipóteses testadas no decorrer dos processos de desenvolvimento da proposta.
Uma das maiores dificuldades dos alunos iniciantes nesses processos do projeto é
libertar-se de um raciocínio matemático dedutivo que pressupõe respostas certas
ou erradas. Assim, inicialmente, é conveniente que se trabalhe com o aluno, outras
possibilidades de raciocínio.

28
POZO, Juan Ignácio et ali. A solução de problemas. Aprender a resolver, resolver para aprender. Porto Alegre: Artmed,
1998. p 141.
29
SCHÕN, Donald. Educando o profissional reflexivo. Um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre:
Artmed, 2000.
30
Opus cit., SHÕN.
31
POZZO, Juan Ignazio. A solução de problemas: aprender a resolver, resolver para aprender. Porto Alegre: Artmed,
1998. p. 89.

24
Pozo diz que além da solução de problemas ser “o próprio objeto da
aprendizagem” pode ser, também, o meio para aquisição desse conhecimento.
Desta maneira, os procedimentos didáticos para ensinar a projetar devem
contemplar a mesma estratégia cognitiva.

Pesquisas (PURCELL et al, 2006; POZO, 2002; CROSS, 1999) com alunos
em fase final de curso e iniciantes32 mostraram que os primeiros chegaram mais
rapidamente a uma solução conveniente do que os calouros. Este resultado
confirma que projetar se aprende, contrariando a crença na capacidade inata.
Outra evidência é que o conhecimento acumulado pelo estudante ao final do curso
lhe fornece melhores condições para atingir as soluções em um menor prazo. Esse
conhecimento, que como se viu, é de cunho declarativo e procedimental, é
explicitado através dos manuais didáticos.

Nesse contexto de aprendizagem, considera-se que manuais didáticos


adequados são aqueles capazes de oferecer ao aluno referências consistentes,
ordenadas em um todo reconhecível, sobre as quais seja possível a construção de
conhecimentos que fundamentem a prática do aprendiz definindo, para ele, um
quadro explicativo onde ele possa situar suas ações. Nesse intuito, devem ser
reescritos quando há mudanças de paradigma. Nesse sentido, é tarefa do
professor interrogar-se se os manuais didáticos atualmente recomendados aos
iniciantes estão respondendo aos paradigmas vigentes.

As considerações acima, buscando delimitar os quadros motivadores e


inspiradores do presente estudo, definem igualmente opções metodológicas
genéricas que balizam o caminho a ser seguido na validação das hipóteses já
levantadas e no encaminhamento dos passos a serem seguidos no
desenvolvimento desta tese. Assim, a investigação aqui descrita, em seus
desdobramentos, insiste na clarificação da base paradigmática que permanece

32
POZO, Juan Ignácio. La solución de problemas. Madrid: Santillana, 1994. p.38-41.

25
invariavelmente oculta em manuais que se propõem a fundamentar os
procedimentos didáticos das disciplinas de iniciação ao projeto arquitetônico.

26
1.4 Métodos

Assim, definido o objeto do estudo desenvolvido nesta tese – os manuais -


cabe trazer alguns esclarecimentos metodológicos.

A pertinência ou não desses manuais adotados foi verificada através de uma


análise de conteúdo que identificou sua matriz literária através da comparação
com os manuais das escolas École des Beaux Arts e Bauhaus, que representaram
correntes diversas do conhecimento projetual As duas escolas, sobre as quais já
existem abundante e relevante material publicado, serão apresentadas neste
projeto de tese muito rapidamente, destacando-se do quadro histórico,
sobejamente, conhecido aqueles aspectos pertinentes ao ponto de vista da
caracterização paradigmática e de seus desvios, que de fato interessarão ao
desenvolvimento da tese.

Como foi visto a discussão dos paradigmas que incidem na caracterização


do que vem a ser a iniciação ao projeto adota como referência a análise de
conteúdo de livros didáticos freqüentemente utilizados por professores e
explicitamente dirigidos aos principiantes. Como apoio à própria argumentação,
em favor da pertinência dos caminhos delineados nesta tese, dentre o conjunto de
manuais adotados, surgem três livros como constante referência para os calouros,
o conhecidíssimo texto de Bruno Zevi, Saber ver arquitetura, e os não menos
conhecidos Arquitetura: Forma Espaço e Ordem de Francis D. K. Ching e
Lições de Arquitetura de Herman Hertzberger. A leitura crítica dessas
publicações serve para balizar o percurso de identificação dos paradigmas, em
comentários que expõem origens, escolas e teorias subjacentes. Esta opção de
trabalho se justifica na própria definição de paradigma concebida por Kuhn e se
atém à noção de livro-texto como repositório do conhecimento normal, isto é, do
conhecimento, tacitamente, compartilhado no interior de uma prática.

27
Os manuais foram elencados a partir de pesquisa exploratória da bibliografia
recomendada no primeiro ano das quinze escolas de arquitetura que obtiveram as
notas máximas no Enade de 2006.

Figura 2: Manuais didáticos


Escola Site SVA AFEO ALA
Faculdade de Belas Artes de São Paulo www.belasartes.br 15 21 08
Fundação Universidade Federal de Viçosa www.ufv.br 07 04 02
Pontifícia Univ. Católica do Rio de Janeiro www.puc-rio.br 05 06 05
Universidade de Brasília www.unb.br 15 02 03
Universidade de Caxias do Sul www.ucs.br 09 10 04
Universidade do Vale do Rio dos Sinos www.unisinos.br 09 07 06
Universidade Federal da Bahia www.portal.ufba.br 04 03 29
Universidade Federal de Juiz de Fora www.ufjf.br 02 02 06
Universidade Federal de Minas Gerais www.ufmg.br 27 08 10
Universidade Federal de Santa Catarina www.ufcs.br 15 08 03
Universidade Federal o Rio de Janeiro www.ufrj.br 19 09 03
Universidade Federal do Rio G. do Norte www.ufrn.br 04 01 01
Universidade Federal do Rio G. do Sul www.ufrgs.br 12 10 07
Universidade Federal de Pernambuco www.biblioteca.ufpe.br 26 08 10
Universidade Mackenzie www.mackenzie.br 43 17 16

Saber ver arquitetura (SVA) do italiano Bruno Zevi, Arquitetura:


Forma, Espaço e Ordem (AFEO) do norte-americano Francis D. K. Ching e
Lições de arquitetura (ALA) do holandês Herman Hertzberger apresentam,
sempre, mais de um exemplar, nas bibliotecas pesquisadas; três épocas, culturas e
contextos muito diferentes. Desses três, Zevi apresenta o maior número de
exemplares, depois, respectivamente, Ching e Hertzberger.33

33
Análise de outros manuais recomendados para iniciantes são apresentadas como apêndice desta tese.

28
Cabe descobrir o que eles são, as intenções secretas que camuflam tanto suas
pretensões explicitas quanto suas ideologias tácitas, e definir seu verdadeiro
estatuto34.

Embora, esses três manuais sejam diferentes em suas origens e idéias, são
recomendados como embasamento teórico para iniciação ao projeto arquitetônico.
Não se pretende investigar as causas da permanência destes escritos, mas verificar
se continuam adequados à formação de arquitetos no século XXI. Para tanto uma
leitura crítica dos conteúdos se faz necessária.

Os manuais elencados são denominados best sellers, pois tem sido os mais
vendidos desde sua primeira edição. As livrarias especializadas possuem
exemplares destes livros à venda, conforme consulta efetuada nas seguintes redes
de livrarias do Brasil: Catarinense, Cultura, FNAC e Saraiva.

Os manuais que interessaram a este estudo são, evidentemente, os que


pretendem servir de base para os procedimentos didáticos efetuados na iniciação
ao projeto arquitetônico. Uma pré-análise desses livros, em elaboração preliminar,
evidenciou certa neutralidade quanto ao aspecto espaço-temporal; dizem-se trans-
históricos, na melhor tradição modernista, mas pretendem explicitar regras para o
bom projeto, em uma acepção claramente clássica. Esta aparente contradição tem
origem na própria história do Modernismo.

[...] não seria a primeira vez que um movimento revolucionário tomava


emprestadas as estruturas e instituições do próprio regime que procurava destruir.
[...] Uma das maneiras pelas quais a composição foi assimilada pelo Modernismo é
ilustrada pela onda de livros sobre composição que tomou conta do discurso
arquitetônico, pelo menos nos países anglo saxões, nas primeiras décadas do
século XX.35

34
CHOAY, Françoise. A regra e o modelo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1985. p. 2
35
COLQHOUN, Alan Composição x projeto. In: Modernidade e tradição clássica. Ensaios sobre arquitetura 1980-1987.
São Paulo: Cosac & Naif, 2004. p.54.

29
Os manuais, incluídos no corpus desta pesquisa, extraídos das
recomendações correntes em programas de disciplinas voltadas à iniciação ao
projeto, serão objeto de análise no desenvolvimento posterior da argumentação.
Já, os manuais considerados representativos do ensino nas escolas École des
Beaux- Arts e Bauhaus, os livros de Durand36 e Guadet e os livros de Moholy-Nagy,
Kandinsky e Klee, respectivamente, ao se impor como referências
historiograficamente reconhecidas e, essencialmente, para os efeitos do presente
estudo, por terem sido produzidos diretamente a partir da prática docente dos
autores são apresentados a seguir.37 Principalmente, o livro de Durand serviu de
exemplo para outros congêneres, que apesar de serem escritos muito mais tarde,
mantiveram os mesmos conceitos clássicos e a mesma estrutura. Bruno Zevi em
seu tom quase anedótico comenta sobre Initiation a l´architecture (1938) de
Georges Gromort:

Como primeiro livro de arquitetura se pode dar para um leigo ler, mas com uma
advertência: esta é a enciclopédia das categorias da arquitetura; lembra que a
arquitetura começa quando são eliminadas essas categorias. Contudo, se a crítica
tem uma utilidade, é a de eliminar com paixão um aspecto da arquitetura, ainda
que parcial. O autor, pelo contrário, pegou todos os licores críticos, os misturou,
adicionou muita água, e o resultado é sua estética de arquitetura.38

Contudo, não existe no contraponto desses manuais, simetria de conteúdos,


refletindo o próprio contraste do trabalho pedagógico realizado nas duas escolas.
Na École des Beaux-Arts, a referência constante à continuidade de uma tradição
edilícia, a exemplos figurativamente extraídos de um repertório historicamente
codificado, à prática da composição arquitetônica vista como conjunto de
procedimentos internos ao ofício de arquiteto; na Bauhaus, ao desejo de ruptura

36
Embora Durand fosse professor na École Polythecnique, rival da École des Beaux-Arts, e seu manual fosse dirigido a seus
alunos engenheiros, era amplamente utilizado como manual didático pelos alunos de arquitetura da Beaux-Arts.
37
Evidentemente, as publicações de ambas as escolas excedem estes autores, no entanto são os mais conhecidos.
38
ZEVI, Bruno. Saber ver la arquitectura. Buenos Aires: Editorial Poseidon, 1958. p. 148. “esta es la enciclopedia de las
categorías de la arquitectura; recuerda que la arquitectura empieza cuando son eliminadas estas categorías. Por lo demás, si
la crítica tiene una utilidad, es la de eliminar con pasión un aspecto de la arquitectura, aunque sea parcial. El autor, por el
contrario, ha tomado todos los licores críticos, los mezclado juntos a añadido mucho agua, y el resultado es una estética de
la arquitectura”

30
com o passado, próprio das vanguardas artísticas, à exposição de técnicas de
desenho (design) de objetos genéricos (arquitetônicos ou não), à iniciação a
práticas artísticas essencialmente gráficas, transpondo técnicas da fotografia e da
pintura à prática do projeto.

31
2. MANUAIS DIDÁTICOS PRECURSORES

32
2.1 Manuais Didáticos da École des Beaux-Arts

Desde o ponto de vista da aplicação institucional de um texto didático


padrão no nascente ensino de arquitetura, os manuais de composição elementar
de Jean-Jacques-Nicolas-Louis Durand (1760-1834), conhecidos na École
Polytechnique, onde se originam, e na École des Beaux-Arts, onde encontram
ampla acolhida, detêm incontestável primazia. Para Pérez-Gomes,39 os livros de
Durand, Recueil et Parallèle des Édifices de tout Genre, Anciens et Modernes
(1801) e Précis des Leçons d’Architecture données a l'École Royale Polytechnique
(1802), conhecidos respectivamente como o Grand Durand e o Petit Durand,
inauguram o momento em que “a teoria foi transformada em um instrumento de
referência para o controle da práxis” (self-referential instrument for the control of
práxis). No primeiro livro, o autor apresenta “um vasto conjunto de edifícios desde
os mais famosos até os menos conhecidos, inclusive edifícios imaginários, todos
desenhados na mesma escala”.40 O segundo livro é o resumo de suas aulas
ministradas na École Polytechnique.

A École Polytechnique é uma escola de engenharia cuja fundação remonta a


1794. Naquela época o estudante cursava três anos na Polytechnique e
complementava com dois anos de estudo na École des Ponts et Chaussés. Para o
pensamento Iluminista do século XIX, as artes, e por extensão, arquitetura, eram a
aplicação prática da ciência, e como tal, um conhecimento que poderia ser
sistematizado e transmitido. As questões estéticas não eram consideradas
importantes. Os teóricos iluministas acreditavam que os princípios vitruvianos
aceitos até então - firmitas, utilitas e venustas - estavam ultrapassados e era
preciso criar uma nova teoria, e por conseqüência novos métodos de projeto.

39
PEREZ-GOMEZ, Alberto. Architecture and the crisis of modern science. Cambridge: MIT Press, 1983. p. 299
40
Ibidem. p 299.

33
Arquitetura seria válida enquanto visasse utilidade e progresso como resultado da
aplicação da ciência.

Durand foi professor na École Polytechnique entre 1796 e 1833, ministrando


arquitetura para os alunos do terceiro ano. Nesse período, elaborou um manual
didático como um catálogo de exemplos, que não se referiam a nenhum programa
ou uso específico, cujo objetivo era permitir aos engenheiros da École
Polytechnique projetar, rapidamente, os edifícios solicitados pelo governo.41

A despeito do público-alvo original (em 1802) ser os engenheiros, este


manual começou a ser aceito como a síntese de um método de projeto para uso
dos arquitetos, com diversas conseqüências, como nos relata Choay. Na sua
vulgarização, o esforço teórico de Durand vai perder, em outros autores que
seguem sua orientação, o caráter prescritivo, dando lugar ao catálogo eclético
aberto a múltiplas escolhas de natureza mais ou menos arbitrária.

O arquiteto não procura mostrar a maneira de compor um belo objeto, apresenta


uma escolha de belos objetos exemplares, quer se trate de edifício inteiro quer de
suas partes. Foi assim que se constituíram catálogos ou repertórios tipológicos,
oferecidos à escolha dos leitores, clientes ou práticos.42

Contudo, os repertórios tipológicos passaram a servir de modelo para


muitos manuais didáticos. Repletos de ilustrações e pouco texto, estes livros
pretensamente didáticos são muito citados nas bibliografias recomendadas aos
iniciantes.

Um século depois e em outro contexto paradigmático, outro manual digno


de menção, devido à sua influência, foi o de Julien Guadet, professor de Teoria da
Arquitetura, entre 1894 e 1908, na École des Beaux-Arts, em Paris.

41
LEUPEN, Bernard et al. Proyecto y análisis. Evolución de los Principios en Arquitectura. Barcelona: Gustavo Gili, 1999. p.
133.
42
CHOAY, Françoise. A regra e o modelo. São Paulo: Editora Perspectiva, 985. p. 214.

34
Durante o século XIX, as idéias do Iluminismo foram substituídas por outro
paradigma: o Romantismo. Julien Guadet foi professor de Teoria da Arquitetura na
École des Beaux Arts, no período entre 1894 e 1904, redigindo o Éléments et
théorie de l'architecture: cours professé à l'école nationale et spéciale des beaux-
arts entre 1901 e 1904. Nos quase cem anos que separam as publicações dos
manuais didáticos de Durand e Guadet, a população de Paris teve seu tamanho
triplicado, expandindo-se de quinhentos mil em 1801 para três milhões em 190143.
Houveram as reformas urbanas de Napoleão III e George Haussmann, colocando
em discussão a questão urbana. Logo, suas teorias estão de acordo com os
paradigmas vigentes. O manual didático de Guadet não apresenta a visão
reducionista de Durand, em que o edifício é uma colagem de partes. Guadet coloca
o edifício como um fragmento da construção da cidade.

A École des Beaux-Arts representava a “tradição acadêmica e a arquitetura


de imitação estilística”. Até a publicação de Guadet, o ensino acadêmico adotou o
“método de composição elementar com a história dos tipos, proposto por Jean-
Nicolas-Durand para a École Polythecnique”.44

Guadet redigiu, entre 1901 e 1904, um manual didático destinado aos


iniciantes: Éléments et Théorie de l’architecture. Esse livro “se tornou o mais
popular livro de referência entre estudantes e profissionais de arquitetura nas
primeiras décadas do século XX”, enquanto a École des Beaux-Arts ainda tinha
algum prestígio. Guadet argumentava que os livros de repertórios tipológicos,
como os de Durand, eram adequados para o conhecimento dos já iniciados, mas
que pouco contribuem a quem não conhece o elementar: noções básicas de
composição e construção.

A influência das lições de Guadet ficou restrita ao âmbito da École, embora


sua influência perdurasse quase trinta anos. A desvalorização da contribuição de

43
FRAMPTON, P. 14
44
SOLÁ-MORALES, Ignasi. Inscripciones. Barcelona: Gustavo Gili, 2003. p. 7.

35
Guadet ao ensino, e por extensão, à própria arquitetura deve-se ao papel atribuído
à tradição acadêmica francesa como símbolo da decadência e da oposição à
modernidade. É certo que a estrutura da École serviu de modelo para o ensino de
arquitetura, mas, como afirma Kuhn45, todo modelo quando há mudanças de
paradigma, precisa ser revisado.

45
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2005.

36
2.1.1 Précis des Leçons d’Architecture données a l'École Royale Polytechnique

Durand ensinava projeto arquitetônico para os acadêmicos de engenharia


da École Polytechnique; como o tempo dedicado a esse estudo era reduzido,
achou por bem redigir um manual didático para suas aulas. Esse manual segue as
idéias do método analítico da ciência que era um processo de decomposição e
composição do conhecimento adquirido: o todo era decomposto em suas partes
mais simples e depois recomposto. Nesse sentido, composição era a soma do
conhecimento das partes. Esse método ia do conhecimento do mais simples ao
mais complexo. Desse modo, considerava-se que a composição arquitetônica fosse
um processo científico e racional de projeto, que assegurava a utilidade da
arquitetura.

Nesse intuito, foram coletados e classificados os edifícios do passado para


identificar as semelhanças46. Por razões didáticas os desenhos foram simplificados
e esquematizados através do uso de grelhas e figuras geométricas, ilustrando,
mais facilmente, os princípios geradores. Durand pretendia identificar formas
geométricas simples, elementares para gerar formas mais complexas. Cabe
recordar, que essa estratégica propedêutica encontra sua justificativa nos próprios
paradigmas iluministas de sua época.

Naquela época, a coleta e classificação de dados dominaram a Ciência e


influenciaram a teoria da Arquitetura. Livros foram publicados tentando
sistematizar a Arquitetura, à semelhança do que ocorria nas Ciências Naturais. A
classificação em arquitetura, através da descrição histórica e análise científica,
repousava na esperança que da sistematização de diversos edifícios do passado,
emergissem princípios teóricos que pudessem ser reaplicados no projeto de novos
edifícios, mesmo que os programas e as circunstâncias fossem diferentes.

46
DURAND, J.N.L. Recueil et paralléle des edifices detout genre, anciens et modernes. Paris: 1799-1801

37
Figura 3: Manuais de Durand

Fonte: disponível em: http://www.dezenovevinte.net/19e20. Acesso em: 12/05/2006.

Os princípios gerais, ou elementos fundamentais da arquitetura eram


definidos sob dois aspectos: primeiro material e construção, e, segundo, forma e
proporção. De acordo com Durand, esses elementos eram como as palavras para a
linguagem e as notas para música.47 Todavia Aris48 afirma ser exatamente este o
ponto fraco de sua teoria, pois o papel predominante atribuído aos elementos
negligencia a importância de um “princípio ordenador”, uma estrutura que regesse
as relações entre esses mesmos elementos.

A composição elementar é a noção de se dispor as partes da arquitetura como


elementos de uma sintaxe, e de acordo com certas regras a priori, para se formar
49
um todo.

Aprendidos os princípios gerais, o próximo passo consistiria em como


rearranjá-los para projetar outros edifícios. Assim, ao fim do primeiro volume,
Durand explica qual o caminho a seguir na composição.

47
Segundo CHOAY (1980), no século XVIII, é que a metáfora da escrita foi aplicada à utilização arquitetônica das ordens,
particularmente por J. F. Blondel.
48
ARÍS, Carlos Martí. Las variaciones de la identidad. Ensayo sobre el tipo en arquitectura. Barcelona: Serbal, 1993.
p.140
49
CORONA MARTINEZ, Alfonso. Ensayo sobre el proyecto. Buenos Ayres: Libreria Técnica, 1991.

38
Figura 4: Marche a suivre dans la composition d’un projet quelconque
1. Traçado dos eixos principais da composição
(nome e situação das partes principais)

2. Traçado de grelha com eixos secundários


complementares aos principais (nome e
situação das partes secundárias)

3. Desenho das paredes ao longo dos eixos

4. Localização das colunas

5. Desenho da planta baixa com todos os


outros elementos (pórticos, escadas,
aberturas)

6. Cortes e fachadas

Fonte: MADRAZO, Leandro. Durand and the Science of Architecture. JAE (1984-), Vol. 48,
No. 1 (Sep, 1994), p. 16. Disponível em: http://www.jstor.org/ Acesso em: 01/09/2006.

As propostas dos alunos de Durand eram, sempre, apresentadas em duas


dimensões. Plantas, cortes e fachadas eram suficientes para representar o projeto.

Plantas, cortes e fachadas eram considerados os únicos desenhos necessários para


comunicar a idéia completa do edifício, era, enfaticamente, recomendado colocar o
projeto em uma folha de papel mostrando as projeções correspondentes. (...)
Utilizando o método de Monge (geometria descritiva), Durand e seus discípulos
apresentavam seus projetos bi-dimensionalmente, inclusive no Précis.50

Para Durand, o desenho era apenas um meio de representar uma idéia,


uma representação utilitária, sem nenhuma conotação simbólica. Por isso, o Précis

50
PEREZ-GOMEZ, Alberto. Architecture and the crisis of modern science. Cambridge: MIT Press, 1983. p. 308

39
é uma “compilação de plantas, cortes e fachadas de edifícios, abstraídas de
referências culturais e históricas”.51

A concepção positivista de história era muito diferente da mythistoire52 neoclássica.


Transformada em ciência, a história passou a ser considerada como uma
progressiva acumulação linear de eventos e informações, da qual era possível
deduzir princípios rígidos (congelados): preceitos para comportamento humano ou
soluções para determinada disciplina.53

Esse livro didático é, na realidade, um manual de instruções, um "passo a


passo", que parte de um esquema rudimentar até atingir a compleição de um
edifício, isto é, a transformação de um diagrama em um projeto. Sua didática
consistiu em repassar aos estudantes sugestões de formas elementares que eram
desenhadas e combinadas em um papel quadriculado, à semelhança dos jogos
infantis de montagem. O resultado eram formas abstratas, totalmente,
desvinculadas de programa e lugar.54

Durante o auge do academicismo, era prática corrente nas escolas de arquitetura


fixar temas tais como, “uma praça de armas”, “um portal de acesso”, “uma escada
monumental”, etc. Presumia-se que os elementos assim projetados poderiam logo
se integrar em cursos mais avançados, em uma composição maior. Isto era
possível porque havia um sistema arquitetônico claramente estabelecido: sabiam-
se quais eram as partes constituintes dos organismos e quais suas regras de
55
organização.

Evidentemente, na época em que o manual foi publicado, as práticas


construtivas pertenciam à tradição e os programas não eram muito variados. Tanto
que em seu livro, Durand resolve essa questão classificando-os de acordo com

51
Opus cit. PEREZ-GOMEZ, p. 312.
52
Segundo LATOUCHE (1980), mythistoire significa que não há oposição entre mito e história; o tempo passado, recente e
contemporâneo não apresenta solução de continuidade.
53
Opus cit. PEREZ GOMES. p. 313.
54
COLLINS, Peter. Los ideales de la Arquitectura Moderna: su evolución (1750-1950). Barcelona: Gustavo Gili, 1965. p.
226.
55
BONTA, Juan Pablo. Tres notas sobre el processo de diseño. In: Suma nº 98, fevereiro 1976. p. 49-59.

40
suas funções (teatros, mercados e hospitais) e com a corrente estética (templos
egípcios, palácios romanos, detalhes mouriscos).

Durand procurou estabelecer uma metodologia universal da edificação [...]


mediante a qual estruturas econômicas e apropriadas poderiam ser criadas pela
permutação modular de tipos fixos de plantas e elevações alternativas.56

Nesse manual não há explicitação de clima e contexto, pois o processo


construtivo da época, com suas paredes espessas de alvenaria portante e
pequenas aberturas, garantiam que as trocas térmicas com o exterior fossem
mínimas. Igualmente, o número de possibilidades construtivas disponíveis na
época era restrito.

A construção e reconstrução das casas (...) acontece, durante séculos nas


proporções pré-estabelecidas pelo modelo dominante e com as regras da técnica
artesanal determinadas por materiais construtivos invariáveis.57

A preocupação de Durand, ao publicar seu manual, foi possibilitar a seus


alunos um embasamento compreensível e pragmático de como abordar um
projeto, pois supunha que para iniciar a projetar era preciso um conhecimento
prévio do assunto:

Como podemos compor se não conhecemos perfeitamente todos os objetos que


devemos compor? Como imaginar um lugar qualquer de uma maneira no mínimo
suportável, se não temos a menor idéia das partes das quais é formado e se não
soubermos antecipadamente como as partes devem se combinar?

Esse manual tornou-se muito popular entre os arquitetos, segundo


Madrazzo58, provavelmente, esse fato se deva muito mais às suas ilustrações do

56
MÜLLER, Werner & VOGEL, Gunther. Atlas de arquitectura. 2. Del românico a la actualidad. Madrid : Alianza Editorial,
1995. p. 451
57
Ibidem, p. 469.
58
Comment pourra-t-on composer soi-même, si l’on ne connaît pas parfaitement tous les objets avec lesquels on doit
composer ? Comment imaginer un ensemble quelconque d’une maniére au moins supportable, si l’on n’a nulle idée des
parties qui doivent le former, et si l’ont ne sait pas d’avantage comment en géneral les parties doivent être combinées?

41
que às suas teorias subjacentes. Contudo, Pérez Gomes59 acredita que o manual
de Durand inaugurou um reducionismo na ação projetual ao sugerir que os
problemas de projeto pudessem ser solucionados por algoritmos.

Corona Martinez, quando investiga o problema dos elementos na arquitetura


do século XX, alega que a crise da arquitetura contemporânea se deve, entre
outros fatores, a métodos projetuais que remontam ao século XVIII, atribuindo à
adoção do “falso”60 tratado de Durand, uma concepção reducionista do projetar.

Este procedimento produz uma simplificação dos métodos projetuais, mas também
dos significados atribuídos à arquitetura, tendência que se evidenciou nas
tentativas metodológicas das décadas de sessenta e setenta do século passado.61

A similaridade das pesquisas metodológicas com a teoria de Durand reside


na tentativa de encontrar um método geral que pudesse resolver todos os
problemas de projeto. Essas pesquisas não obtiveram o êxito esperado porque
negligenciaram o fato, de que, assim como os problemas divergem em suas
características originais, também, exigem métodos específicos para sua solução.

A teoria de Jean-Nicolas-Louis Durand, especialmente seu Précis des Leçons


d´Architecture (1802-1805), constitui um dos principais pontos de referência
dessa discussão sobre os elementos e o todo que tão diretamente se implica na
definição de tipo. (...) Se até então, a arquitetura era pensada como imitação de
modelos legitimados pela história, quando Durand determina a composição como
instrumento de projeto, permite uma concepção menos preconcebida da obra
arquitetônica ao propor o projeto como o resultado da combinação adequada das
partes e elementos do repertório arquitetônico.62

59
PEREZ-GOMEZ, Alberto. Architecture and the crisis of modern science. Cambridge: MIT Press, 1983. p. 308
60
Falso tratado é como denomina CHOAY (1980), ao tratado que desprovido de teorizações, não passa de um catálogo.
61
CORONA MARTINEZ, Alfonso. Ensaio sobre o projeto. Brasília: Editora UNB, 2002.
62
ARIS. Carlos Marti. Las variaciones de la identidad. Ensayo sobre el tipo em arquitectura. Barcelona: Serbal, 1993.
p. 137.

42
2.1.2 Éléments et théorie de l'architecture: cours professé à l'École Nationale et
Spéciale des Beaux-Arts

Éléments et théorie de l'architecture: cours professé à l'École Nationale et


Spéciale des Beaux-Arts (1901-1904) foi um manual didático que contemplava os
conteúdos necessários à iniciação do calouro no aprendizado do ofício. Em uma
primeira leitura, parece estranho que Guadet, professor de teoria e não de projeto,
redigisse um manual para iniciação ao projeto. Mas, não para a École des Beaux-
Arts daquela época, pois, como professor de teoria, Guadet era o responsável pela
concepção dos programas dos ateliês.

A consideração do projeto como atividade que caracteriza e centraliza o


ofício do arquiteto, não é novidade, mas sim a fragmentação do ensino de
arquitetura em disciplinas independentes. No ensino Beaux-Arts, a prática da
composição arquitetônica centralizava todo o trabalho discente, concorrendo as
demais matérias para a formação do estudante nos ateliês.

Figura 5: Julien Guadet e o Hôtel des Postes

Fonte: disponível em: http://fr.wikipedia.org/wiki/Julien_Guadet

Os procedimentos didáticos de todas as disciplinas versavam sobre os


processos de projeto. O desenvolvimento da expressão gráfica, os conhecimentos
de teoria e história fomentavam esta prática. Aprendia-se a desenhar copiando-se
elementos de arquitetura, enquanto, nas aulas de Teoria e História da Arquitetura,
eram ensinados aspectos construtivos e de composição dos edifícios. Munidos

43
destes conhecimentos o aspirante fazia seus exercícios de projeto nos ateliês. Os
ateliês, na primeira fase da École, localizavam-se fora da sede, consistindo em
grupos de alunos orientados por um arquiteto de renome. Em sua versão original,
havia uma hierarquia entre os veteranos (ancients), os novatos (aspirants) e os
calouros (nouveaux); orientados pelo mestre (patron). A tendência do ateliê
(l’esprit d’atelier) era ser marcado por uma forte estratificação e autoritarismo, o
que não impedia que, ali, se desenvolvesse um espírito de camaradagem entre os
participantes. Era praxe, os novatos desenharem para os veteranos no
desenvolvimento dos grandes projetos, cujo ápice era participar do cobiçado Prix
de Rome; num certo sentido, a produção do ateliê assumia um caráter coletivo, e
o sucesso de um aluno em particular era saudado como um sucesso do grupo.

O processo educacional consistia em três etapas: a escolha do ateliê para


iniciar a preparação para o concurso de seleção, o desenvolvimento do curso e o
trabalho final para obtenção do certificado, do diploma. Parte da competência
técnica desta escola residia no projeto, que deveria atender a critérios estéticos
previamente estipulados (no manual) para a composição de seus elementos. Além
do treinamento em desenho, os estudantes assistiam aulas sobre técnicas
construtivas, sabendo detalhar com precisão suas propostas.63 O ensino era
rigoroso e exigia muita disciplina para formular e desenvolver os projetos. A
aprovação final era mediante bancas de avaliação, cuja expectativa mantinha os
alunos sob freqüente tensão64.

63
SCOTT BROWN, Denise. Learning the wrong lessons from the. Beaux-Arts’, AD vol. 48, 1978.
64
SANTOS, Roberto Eustáquio dos. Disciplina e Legitimação do Conhecimento. p. 27.
Disponível em: www.arq.ufmg.br/ia/disciplina. Acesso em: 02/01/07.

44
Figura 6: Processo educacional na École des Beaux-Arts
Escolha Preparação para admissão Requisitos para diplomação
ateliê
• Elaboração de uma proposta • Aprovação mínima em seis dos
projetual em doze horas dezoito exercícios de projeto com vistas
• Desenho de observação de um urbanas:
elemento decorativo modelado em • Aprovação nos cursos de Construção
gesso e de Teoria e História
• Projeto final com especificações
técnicas e estimativas de custos
• Prova prática em escritório de
arquitetura

Fonte: SALAMA, Ashraf. 1995. Design Education and Studio Work in the Conventional
Approach. In: New Trends in Architectural Education: Designing the Design Studio. USA.

Os temas de projeto enfrentados pelos alunos diziam respeito às


necessidades de seu tempo. Assim, os programas de edifícios institucionais do
século XIX foram cedendo lugar aos temas deflagrados pela Revolução Industrial
no século XX: estações ferroviárias, bibliotecas públicas, galerias de arte e mesmo
(nos Estados Unidos) arranha-céus, demonstrando que o ensino que seguia o
modelo École des Beaux-Arts também se renovava.65

Guadet redigiu esse manual para iniciar o estudante no aprendizado do


projeto arquitetônico, pois julgava não haver, na época, nada similar. Considerava,
assim, como Durand, que esse aprendizado não se tornava possível sem o
conhecimento prévio de noções elementares de composição e construção.

No entanto, os paradigmas que serviram de sustentação teórica para estes


dois manuais eram diferentes e quase opostos. Na época de Durand, as idéias do
Iluminismo consideravam que o único conhecimento útil era o científico, reduzindo
a composição arquitetônica a algoritmos. Enquanto, para o Romantismo do século

65
SCOTT BROWN, Denise. Learning the wrong lessons from the. Beaux-Arts’, AD vol. 48, 1978.

45
XIX, na composição arquitetônica a compreensão do todo era indispensável ao
conhecimento das partes. Nesta construção, as relações estabelecidas entre as
partes precediam às próprias partes. Para Guadet, o resultado compositivo e
formal do projeto era uma decorrência das inter-relações entre programa, cultura,
contexto e sistemas construtivos, em contraposição à obediência a códigos
estilísticos específicos e programas pré-determinados. Esta interdependência entre
os operadores do projeto é reafirmada, por Guadet, ao longo dos capítulos de seu
manual.

Desta maneira, quando elenca os princípios norteadores da composição,


está invertendo a ordem seguida por Durand. Observa-se que seu caminho vai do
complexo (tomo dois) ao simples (tomo três). Usando-se sua nomenclatura,
primeiro aprende-se os Elementos de Composição, as “grandes regras da
composição” para depois se conhecer as partes. Elemento, nessa acepção,
significava básico, elementar.

Para Guadet, havia noções básicas imprescindíveis para iniciar os estudos


em projeto de arquitetura: desenho, princípios de composição e construção
Opunha-se ao antigo sistema da École des Beaux-Arts de exigência de um projeto
simples como prova para ingresso na escola, antes que fossem repassados estes
conhecimentos.

(...) Também os estudos que eu proponho aos iniciantes são embasadores aos da
construção, são apenas noções de construtibilidade. Depois eu lhes mostrarei que
as formas de arquitetura derivam dessas noções (...). Como método, eu sempre
procurarei passar do simples ao complicado, do conhecido ao desconhecido; eu
pretendo mostrar que na arquitetura tudo procede da dedução.66

78 (...) Aussi les études que je propose aux debutants sont préalables à cella de la construction, et ne comportent que les
notions de constructibilité. Je leur montrerai d’ailleurs que de ces notions dérivent les formes d’architecture.(...)Comme
méthode, je chercherai toujours à passer du simple au composé, du connu à l’inconnu ; j’aspire à montrer que dans
l’architecture tout procéde de la dèduction.

46
Sustentava que aprendidas às noções básicas, caberia ao professor orientar
o estudante na fomentação e aplicação desses conhecimentos, sem, no entanto
incutir-lhe seu juízo de valor estético.

(...) Como todo artista eu posso ter minhas preferências e minhas aversões, mas
eu jamais defendi como professor, a propaganda estreita nem a excomunhão.67

Não seria mera especulação, supor que Guadet não considerava a


publicação de Durand adequada, visto que seu livro vai além de uma mera
classificação tipológica. Pode-se dizer que enquanto Durand redigiu um manual de
instruções, Guadet redige um autêntico manual didático: um texto que podia,
efetivamente, servir de apoio aos alunos. Impregnados do espírito da École, os
capítulos descreviam os conteúdos desenvolvidos nas aulas.

Não existe livro destinado aos que começam a estudar arquitetura, tampouco para
os que têm a tarefa de lhes ensinar as noções elementares. Comecei a escrever o
livro do aluno e do mestre; trabalho considerável, mas interessante e útil que eu
possa, talvez, fazer bem, depois de mais de vinte anos ensinando e detectando as
lacunas que sofrem nossos alunos (...). O livro que pretendo publicar é um manual
didático. E por quê? - Porque carece, eu repito mais uma vez.68

Naquela época, os livros de arquitetura mais divulgados eram os catálogos


dedicados a expor os trabalhos de arquitetos. Guadet argumentava que tais livros
eram bons para o conhecimento dos já iniciados, mas que pouco contribuíam a
quem não conhece o elementar: noções básicas de composição e construção.

Esses livros são excelentes a consultar mais tarde, como repertório, pois não
podem apresentar a ordem lógica dos estudos porque eles obedecem a uma ordem

67
(...) Je puis avoir comme tout artiste mes preferences et mes aversions, mais je n’ais jamais complis comme professeur la
propagande étroite ni l’excommmunication
68
Il n’y a pas de livre usuel fait pour ceux qui commencent a etudier l’architecture, non plus que pour ceux qui entreprenent
la tâche de leur en enseigner les éléments. Le livre de l’élève et du maître, j’avais voulu le tenter, et j’en avais commencé la
préparation : travail considérable, mais interessant et utile, que je pouvais peut-être mener à bien, aprés plus de vingt
anées d’enseignement et d’expérience des lacunes dont souffrent nos élèves.(...) C’est bien le livre élémentaire, le livre de
classe, à la portée des debutants, que je prêtends publier. Et pourquoi ?- Parce qu’il manque, je le répèt encore une fois.

47
alfabética: ensinando abóbada, que não é certamente a primeira coisa que se deve
saber, e é depois de muitos volumes que se encontrarão as paredes, que deveria
ter aparecido nos estudos antes das abóbadas.69

A primeira parte do curso, apresentada no primeiro volume, era reservada a


instruções sobre o correto uso das ferramentas de desenho, aplicada
essencialmente à representação gráfica esmerada de edifícios e detalhes da
arquitetura clássica e concluindo-se com o desenho de uma composição
arquitetônica.

Guadet classificou os edifícios conforme as atividades a que se destinavam.


Marti Aris considera a classificação tipológica de Guadet bem mais completa do
quer a de Durand.70 No segundo, terceiro e quarto volume são apresentados os
tipos edilícios: habitações, edifícios para o ensino e a instrução pública, edifícios
administrativos, políticos, judiciais e penitenciários, edifícios hospitalares e edifícios
de uso público.

LIVRO I: Estudos Preparatórios: expressão gráfica


LIVRO II: Princípios gerais
1. Programa do curso de Teoria da Arquitetura
2. Princípios mentores: Composição: programa/ condições do sítio e entorno/
estabilidade construtiva e de aparência
3. As grandes regras da composição: espaços de uso e de circulação, economia,
iluminação e ventilação, recolhimento das águas, beleza x utilidade, equilíbrio,
planta baixa, caráter e tradição, aspectos histórico-culturais dos edifícios
4. Proporções
5. Arte e ciência da construção
LIVRO III: Elementos de arquitetura: os muros e as aberturas isoladas e aplicadas
LIVRO IV: Elementos de arquitetura: arcadas, agrupadas ou pórticos- as ordens

69
Ces livres, excelents à consulter plus tard come répertoire, ne peuvent présenter l’ordre logique des études, puis qu’ils
obeissent au hasard de l’ordre alphabétique : ils definissent d’abord l’abaque, qui n’est certes pas la premiére chose á
conaître, et c’est aprés plusieurs volumes qu’on recontrera le mur, qui certes doit apparaître dans les études avant l’abaque.
70
ARIS. Carlos Marti. Las variaciones de la identidad. Ensayo sobre el tipo em arquitectura. Barcelona: Ediciones del
Serbal, 1993. p. 50

48
LIVRO V: Elementos de arquitetura: tetos, pisos, aberturas, escadas, elementos
diversos

A leitura desse manual não deixa dúvidas quanto à sua importante


contribuição a uma propedêutica do ensino de projeto de arquitetura. Nas
primeiras décadas do século passado, vários foram os autores de língua inglesa
que nele se inspiraram diretamente71: A Discussion of composition, especially as
applied to architecture (VAN PELT, 1902), The study of architectural design: with
special reference to the program of the beaux-arts, (HARBESON, 1926),
Arquitectural composition (CURTIS, 1933), Architectural design (TULANE, 1933) e
The principles of architectural composition (ROBERTSON, 1924) e Architectural
design (ROBERTSON, 1932). 72

O Movimento Modernista, em seu afã iconoclasta, desvalorizou, sub-


repticiamente, toda produção da École des Beaux-Arts, negando, pelo menos
explicitamente, qualquer contribuição da escola clássica. No entanto, como o
próprio Guadet afirmara, não havia uma imposição estética quanto à aparência dos
edifícios, havia sim, uma preocupação com o projeto e sua precisa representação,
enquanto atendesse as solicitações de sitio, programa e construtibilidadede. Não
obstante, os ensinamentos de Guadet foram, aparentemente, ignorados, embora
seus ensinamentos não fossem estranhos à primeira geração de arquitetos
modernistas. A Escola Nacional de Belas Artes no Brasil era a réplica brasileira da
École des Beaux-Arts. Lúcio Costa cursou a ENBA e estagiou no escritório de
Heitor de Mello (1875-1920), professor de Composição nesta escola. É inegável a
influência dos ensinamentos beaux-arts sobre a formação de Lucio Costa.

Infelizmente, outro fator que contribuiu para seu esquecimento foi a sua
quase ausência de ilustrações. Contudo, essa negação não impediu a sobrevivência
de procedimentos didáticos beaux-arts, adotados, de alguma forma, até hoje.
71
Destes livros, apenas o de Howard Robertson tem uma versão para a língua espanhola; Los princípios de la Composición
Arquitetocnica, editado em 1955.
72
The Art Bulletin, College Art Association. 1953. p. 169-174
Disponível em: http://www.jstor.org/stable/3047484. Acesso em: 16/09/08.

49
A negação do ensino da École des Beaux-Arts a partir da crítica modernista
foi seguida de tentativas das vanguardas artísticas do século vinte para superá-lo,
com a criação de outros contextos de formação do arquiteto.

50
2.2 Manuais Didáticos da Bauhaus

O início do século XX evidenciou mudanças sociais, tecnológicas e artísticas,


resultantes de processos que, já, vinham ocorrendo. A efervescência das novas
idéias tomou conta do ocidente; a teoria da relatividade73, as teorias de Freud
sobre o subconsciente74e as novas filosofias pedagógicas75 influenciaram o modo
de vida dos indivíduos sugerindo outras maneiras de conceber o mundo.

Após o término da 1ª grande Guerra, a Alemanha derrotada, em 1919,


instaurou a República de Weimar com um modelo político parlamentarista
democrático. Sua constituição, dentre outros tópicos, legislava sobre o papel do
Estado em relação á educação, garantindo ensino gratuito para todos. Outras
questões em pauta eram o caráter autoritário e elitista da educação, e também, o
aspecto massificador da indústria produtiva. Foi concebida uma rede de escolas
vocacionais, por orientação de Georg Kerschensteiner, parlamentar e pedagogo
discípulo de Dewey76. Nestas escolas era contemplada a educação artística do
indivíduo como “via de transformação da racionalidade tecnológica e industrial
emergente”. No entanto, a pretensa iniciação artística do indivíduo se restringiu ao
desenvolvimento de habilidades manuais (destreza na caligrafia e no desenho) e
ao ensino de normas estéticas.

73
No ensaio dedicado à relatividade (1905), intitulado Elektrodynamik Bewegter Körper (Movimento eletrodinâmico dos
corpos), Einstein (1879-1955) afirma que espaço e tempo são valores relativos e não absolutos, ao contrário do que se
acreditava até então. Afirma ainda ser a da luz a velocidade máxima no universo e acrescenta: para o corpo que se
deslocasse a essa velocidade, o tempo sofreria uma dilatação, ao mesmo tempo em que se registraria uma contração do
espaço. Assim, o corpo que permanecesse em repouso envelheceria em relação ao outro corpo, em movimento.
Disponível em: http://www.fisicabrasil.hpg.ig.com.br/einstein.html. Acessado em: 08/02/07.
74
Sigmund Freud (1856-1939) em 1899, publica “A interpretação dos sonhos” livro que marca o nascimento da psicanálise
75
Jean Piaget (1896-1980), biólogo por formação, pesquisou sobre os processos cognitivos nas crianças. Publicou diversos
livros publica seu primeiro artigo sobre psicologia.
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean Piaget. Acesso em: 06/07/05.
76
John Dewey é reconhecido como um dos fundadores da escola filosófica de Pragmatismo, um pioneiro em psicologia
funcional, e representante principal do movimento da educação progressiva norte-americana durante a primeira metade do
século XX.
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Dewey. Acesso em: 03/ 06/2005.

51
A República de Weimar se encerrou em 1933. Neste período, assistiu-se a
uma efervescência cultural que transcendeu os limites da própria Alemanha. Houve
notáveis progressos da pesquisa nas ciências exatas com Einstein, Planck,
Oppenheimer e Pauling entre outros. Nas ciências humanas e sociais pode-se
destacar Lukács, Benjamin, Husserl, Heiddegger, Arendt, Reich, Horney, Weber,
Scheller, Adorno, Marcuse e Horkheimer; na literatura, Brecht, Heinrich Mann,
Thomas Mann; na música, Stravinsky e Bartok.77

Na esteira destas idéias, em 1919, surgiu a Bauhaus. Logo após o final da


primeira guerra mundial, o arquiteto Walter Gropius é chamado a dirigir a Grã-
Ducal Escola Superior de Belas Artes (Sächsische Hochschule für Bildende Kunst) e
a Grã-Ducal Escola de Arte e Artesanato (Sächsische Kunstgewerbeschule), a
escola antes dirigida por Henry Van de Velde. Os dois institutos são unificados em
1919, surgindo desta fusão a Bauhaus Estadual (Staatliches Bauhaus) em Weimar.
Caracterizada como uma escola vocacional de todas as artes foi dirigida pelo
arquiteto Walter Gropius até 1928.

É importante frisar que, até 1928, a Bauhaus foi uma escola de design (isto
é, de projeto, em sentido amplo); arquitetura era uma das atividades
contempladas, assim como o teatro e a dança (cenografia e manequins), a
escultura e a tecelagem, além do desenho de objetos.

A consideração da arquitetura como uma das belas-artes não era novidade,


a maneira de conceber a composição arquitetônica fora similar à concepção na
pintura e na escultura78. Até fins do século XIX, as artes plásticas seguiram as
normas clássicas da perspectiva e da reprodução naturalista. Tournikiotis79
comenta que a produção teórica da história da arte e da estética, durante o

77
CURY, Carlos Roberto Jamil. A constituição de Weimar: Um capítulo para a educação. Educação & Sociedade. Educ.
Soc. vol. 19 n. 63 Campinas Aug. 1998
78
COLLINS, Peter. Los ideales de la Arquitectura Moderna: su evolución (1750-1950). Barcelona: Gustavo Gili, 1965.
p. 231
79
TOURNIKIOTIS, Panayotis. La historiografia de la arquitectura moderna. Madrid: Mairea, 2001. p. 238

52
primeiro quarto de século tinham a mesma direção teórica e analítica e por ser um
fenômeno alemão por antonomásia influenciou, sobejamente, a Bauhaus.

Wilhelm Worringer, historiador de arte alemão, redigiu uma tese intitulada,


Abstraktion und Einfühlung, em que defende o abstracionismo como uma
manifestação artística tão legítima quanto às outras.

Aos historiadores da arte interessava a percepção visual das formas, os espaços e


as massas, cujos fundamentos - a partir de uma filosofia determinista da história-
identificavam em um conjunto de interpretações sociais, éticas e culturais da
arquitetura. Como regra geral, subestimaram os ensinamentos de Guadet (...). A
proposta era uma espécie de pintura ou escultura que se encontrava a certa
distância do problema da prática arquitetônica, aos historiadores da arte não
interessava a construção.80

Abstração e Empatia (Abstraktion und Einfühlung: Ein Beitrag zur


Stilpsychologie) de Wilhelm Worringer (1908) é considerado uma das bases
teóricas do expressionismo alemão. Neste manifesto se encontram as duas
grandes preocupações do início do século XX: o impulso à abstração e o fascínio
pelo primitivo. Ambas são justificadas na expressão dos desenhos rupestres, cuja
81
simbologia extrapolava a figuração.

Observemos como este é um contraponto de uma estética que não procede da


necessidade de empatia do homem, mas de sua necessidade de abstração. Assim
como a necessidade de empatia (sensibilizar-se), enquanto uma pré-condição da
experiência estética encontra sua satisfação na beleza orgânica, a necessidade de
abstração encontra sua beleza na oposição, no não orgânico, no cristalino ou, em
termos gerais, na necessidade em todas as leis da abstração.82

80
Opus Cit. TOURNIKIOTIS, p. 239
81
GLUCK, Mary. Interpreting Primitivism, Mass Culture and Modernism: The Making of Wilhelm Worringer's
Abstraction and Empathy. New German Critique, No. 80, Special Issue on the Holocaust (Spring - Summer, 2000), p.
149-169. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/488637. Acesso em: 12/12/08.
82
We regard as this counter-pole an aesthetics which proceeds not from man's urge to empathy, but from his urge to
abstraction. Just as the urge to empathy as a pre-assumption of aesthetic experience finds its gratification in the beauty of

53
Enquanto as teorias da primeira geração dos arquitetos do século XX giravam em
torno da simbologia e abstração, ou, ao redor de espaço e volume, ou na
integração de ambos – todos concordavam com dois princípios: a rejeição do
ecletismo e a minimização da expressão do uso. No entanto, a expressão funcional
83
foi o fator deflagrador e decisivo no trabalho dos arquitetos modernistas.

As críticas à produção industrial em massa de meados do século xx


conduzem á uma idealização das formas de produção artesanal medieval. Esta
crítica tem no cinema de Fritz Lang uma de suas maiores expressões.

Figura 7: Metrópole de Fritz Lang

Fonte: disponível em http://images.google.com.br/imgres. Acesso em: 12/12/08.

Desse modo, a procura por uma forma significativa, liberada do


figurativismo acadêmico, “contribuiu ao estabelecimento das regras geradoras da
aparência de uma nova arquitetura”. Os arquitetos modernistas refutaram a
tradição École des Beaux-Arts de composição, em que eram seguidos os princípios
clássicos, por considerá-la não condizente com os novos tempos da máquina. No
intuito de renovação, adotaram os princípios compositivos das vanguardas
artísticas do início do século XX.

the organic, so the urge to abstraction finds its beauty in the life-denying inorganic, in the crystalline or, in general terms, in
all abstract law and necessity.
83
Whether the theories of the first generation of twentieth century architectural thinkers centered around symbol and
abstraction, or around space, or volume, or the integration of both- they all agree in two concepts: in the rejection of
eclecticism and in the minimization of functional expression. This functional expression, however, was the starting point and
decisive factor in the work of contemporaneous creative architects. It will be up to the architects of the second half of our
century to express in their creations those ideas which were the intrinsic problems of the theoreticians of the first decades of
our century.
ZUCKER, Paul. The Paradox of Architectural Theories at the Beginning of the "Modern Movement". In: The
Journal of the Society of Architectural Historians, Vol. 10, No. 3 (Oct., 1951), p. 8-14.
Disponível em: http://www.jstor.org/stable/987445. Acesso em: 12/12/08.

54
No começo desse período (entre 1920 e 1930) o uso de desenhos pictóricos e
escultóricos abstratos como meio de criar formas arquitetônicas foi explorado por
aqueles arquitetos que pouco construíam e cuja única recompensa era a honra de
serem considerados os iniciadores do Movimento Moderno84.

Mas como Kuhn observa essa atitude não garantiu que pudessem “praticar
85
seu ofício sem um conjunto dado de crenças recebidas” . Apesar da tentativa de
liberação de cânones artísticos e conseqüente negação da composição enquanto
reconhecimento de preexistências (na Bauhaus não há mais composição e sim
criação), os elementos de arquitetura e de composição, elementos básicos
definidos por Guadet, professor da École des Beaux-Arts, em seu manual didático,
foram substituídos, na Bauhaus, pelos elementos da arte abstrata: ponto, linha e
plano.

Como a École des Beaux-Arts, a Bauhaus optou por envolver os estudantes em


composição desde o início de sua aprendizagem.86 Esta decisão exige certa
simplificação do processo de projeto para ser compreensível aos iniciantes. (...) No
Analítico, o estudante da École des Beaux-Arts recebia elementos, geralmente de
origem clássica que deveriam ser utilizados em alguma composição simples, tão
criativa e elegante, quanto possível. Gropius concordava com o princípio, mas não
com os elementos clássicos, substituindo-os pelo ponto, linha e plano da
geometria. Esses procedimentos didáticos eram aplicados aos iniciantes, pois lhes
facilitava a compreensão da tarefa solicitada. A diferença entre as duas escolas
estava apenas na escolha dos elementos.87

A partir de 1928, até seu fechamento, em 1933, o Vorkurs passou a ser


facultativo. Quando da inauguração da Bauhaus, Gopius proferiu o seguinte
manifesto:

84
COLLINS, Peter. Los ideales de la Arquitectura Moderna: su evolución (1750-1950). Barcelona: Gustavo Gili,
1965. p. 226.
85
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2005. p.23.
86
87
BOWSER, Wayland. Reforming design education. JAE, vol. 37, nº 2, wintter1983. pp. 12-14.
Disponível em: http://www.jsla.org/stable/1424740. Acesso em: 20/08/08

55
O fim último de toda a atividade plástica é a construção. Adorná-la era, outrora, a
tarefa mais nobre das artes plásticas, componentes inseparáveis da magna
arquitetura. Hoje elas se encontram numa situação de auto-suficiência singular, da
qual só se libertarão através da consciente atuação conjunta e coordenada de
todos os profissionais. Arquitetos, pintores e escultores devem novamente chegar a
conhecer e compreender a estrutura multiforme da construção em seu todo e em
suas partes; só então suas obras estarão outra vez plenas de espírito arquitetônico
que se perdeu na arte de salão. As antigas escolas de arte foram incapazes de criar
essa unidade, e como poderiam, visto ser a arte coisa que não se ensina? Elas
devem voltar a serem oficinas. Esse mundo de desenhistas e artistas deve, por fim,
tornar a orientar-se para a construção. Quando o jovem que sente amor pela
atividade plástica começar como antigamente, pela aprendizagem de um ofício, o
"artista" improdutivo não ficará condenado futuramente ao incompleto exercício da
arte, uma vez que sua habilidade fica conservada para a atividade artesanal, onde
pode prestar excelentes serviços. Arquitetos, escultores, pintores, todos devemos
retornar ao artesanato, pois não existe "arte por profissão". Não há nenhuma
diferença essencial entre artista e artesão, o artista é uma elevação do artesão, a
graça divina, em raros momentos de luz que estão além de sua vontade, faz
florescer inconscientemente obras de arte, entretanto, a base do "saber fazer" é
indispensável para todo artista. Aí se encontra a fonte de criação artística.
Formemos, portanto, uma nova corporação de artesãos, sem a arrogância
exclusivista que criava um muro de orgulho entre artesãos e artistas. Desejemos,
inventemos, criemos juntos a nova construção do futuro, que enfeixará tudo numa
única forma: arquitetura, escultura e pintura que, feita por milhões de mãos de
artesãos, se alçará um dia aos céus, como símbolo cristalino de uma nova fé
vindoura.88

88
GROPIUS, Walter. Manifesto Bauhaus. Weimar, abril, 1919. Tradução: Hilde Engel, Willy Keller, Nice Rissone e Edgar
Welzel. Disponível em: www.arkitekturbo.com/bau_geral_por.html. Acesso em: 17/09/08.

56
Figura 8: Gropius e a Bauhaus

Fonte: disponível em: http//: www.curatedobject.us/ Acesso em: 10/08/07.

O discurso de Gropius está de acordo com as concepções pedagógicas dos


pensadores da República de Weimar como George Kerschensteiner, membro do
Reichstag (o parlamento de Weimar) e educador que desenvolveu o conceito de
escola vocacional (work-school). Nestas escolas, a atividade física aliada aos
estudos acadêmicos e o incentivo da liberdade de expressão visava o
desenvolvimento da personalidade.

Assim como seu antecessor, na Escola de Artes Aplicadas, Henry Van de


Velde, para Gropius, arquitetura, pintura e escultura eram atividades artísticas
equivalentes enquanto concepção. Desta forma, arquitetura, especificamente, era
pensada em sentido amplo: o mobiliário, o edifício e a cidade poderiam ser
projetados da mesma maneira.

57
Figura 9: Henry Van de Velde: mobiliário e arquitetura

Fonte: disponível em: http//: www.henry-van-de-velde.com Acesso em: 28/03/07

O processo educacional da Bauhaus consistia em duas etapas: o curso


preliminar (Vorkurs) e o curso específico. Na primeira fase da escola, era
obrigatoriedade de todos os alunos, independentemente do curso que
pretendessem seguir, cursarem o Vorkurs. Seguindo as recomendações da
Reforma Pedagógica de Weimar, nesta escola vocacional eram produzidos objetos
nos ateliês, assim como contempladas as atividades físicas, através das aulas de
dança. Seu objetivo era formar cidadãos ativos e responsáveis através de uma
vivência comunitária, aproveitando o grupo como um meio para educação.

58
Figura 10: Currículo da Bauhaus

Fonte: disponível em: http://www.bauhaus.de/. Acesso em: 22/03/07.

Este diagrama foi publicado no estatuto da Bauhaus de 1922, ilustrando a


estrutura do curso. A formação começava com o Curso Preliminar. Os dois círculos
seguintes representam os conteúdos que eram desenvolvidos: teoria da forma e
ateliês de materiais (barro, pedra, madeira, metal, tecido e vidro). O centro
correspondia a Bau (construção), que, nesta época, ainda não era ensinada.

Os alunos da Bauhaus atenderam literalmente aos ideais libertários da


época, causando polêmica com os habitantes de Weimar. Johannes Itten, primeiro
diretor do Vorkurs, escreveu no Manifesto da Bauhaus:

Da diversão sairá à festa - da festa, o trabalho – do trabalho a diversão. Teatro,


palestras, poesia, música e baile de máscaras. Criação de cerimônias festivas
nestas reuniões89

89
DROSTE, Magdalena. Bauhaus; 1919-1933. Berlim: Taschen, 2004. p. 37.

59
Figura 11: Estudantes da Bauhaus em Weimar

Fonte: disponível em: http://www.bauhaus.de/. Acesso em: 22/03/07.

Após inúmeras reclamações, a escola foi convidada a se retirar de Weimar,


indo para Dessau. Em Dessau, a escola construiu sede própria, projetada por
Gropius.

Gropius permaneceu como diretor da Bauhaus até 1928. Neste período, no


ensino preliminar do Vorkurs, imperava a preocupação de liberar os alunos de
quaisquer condicionamentos, fato que compelia a escola a recusar o ensino de
arquitetura de forma sistematizada, como na École des Beaux-Arts.

Nenhum tipo de educação prévia desobriga o aluno a participar do curso


preliminar. O propósito desse curso é o desenvolvimento do raciocínio analítico,
familiarização com os materiais, o maior desengajamento possível do convencional,
o despertar das próprias energias pessoais livres dos condicionantes sociais.90

A partir de 1923, o artesanato cedeu ao desenvolvimento de protótipos para


a indústria91. Projetaram-se objetos que poderiam ser estandardizados, aliando

90
The Course of Training in the Architecture Department. From “Bauhaus-junge menschen kommtans bauhaus,” advertising
pamphlet, published by the Bauhaus in Dessau (1929) P. 151
91
O termo design só aparece em 1945.

60
aspectos estéticos, funcionais e econômicos. Além de poder atender a uma
demanda crescente, Gropius esperava que a escola pudesse se tornar auto-
suficiente, sem depender das verbas do Estado.

Na primeira fase da Bauhaus conjugavam-se “o pensamento plástico do


expressionismo tardio com o ideal do artesanato medieval”. Depois, as
“concepções plásticas do Construtivismo com o programa de uma criação da
92
forma, dirigida à objetividade e funcionalidade” . Segundo Wick, a produtiva
convivência dessas correntes, nem sempre harmoniosas, deve-se á capacidade de
Gropius de administrar os conflitos.93

Figura 12: Atividades Bauhaus: arquitetura, objetos, tapeçaria, cenografia, dança.

\
Fonte: disponível em: http://www.bauhaus.de/. Acesso em: 22/03/07

Em 1928, Hannes Meyer assumiu a direção. Impregnado pelas idéias


defendidas pelos movimentos cooperativistas alemães e inspirado pelas
vanguardas artísticas do De Stijl da Holanda e Construtivismo94 da Rússia, Meyer
abraçou o recém formado Departamento de Arquitetura, trazendo à Bauhaus a

92
WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 13
93
Ibidem.
94
O termo construtivismo deriva da expressão russa konstruktivisty que se “refere a maneira como o arquiteto estrutura ou
organiza seu pensamento; como ele organiza seu modo de projetar e como constrói um conjunto previamente constituído
de formas apropriadas ao trabalho do arquiteto. In : COOKE, Catherine. ‘Form is a function X’: the development of the
constructivist architect’s design method. In: AD p. 34-49

61
“sistematização e as bases científicas do processo de elaboração do projeto e a
95
sua implementação no ensino prático e teórico.” Se Gropius até agora havia se
preocupado principalmente com a imagem, “formas e cores típicas”, Meyer
enfatizou os aspectos funcionais, visando maior adequação ao usuário. Meyer não
concordava com Gropius quanto à importância do Vorkurs e solicitou sua
eliminação, mediante a seguinte justificativa:

O Curso Preliminar tem a finalidade de introduzir no conhecimento dos materiais e


ensinar seu emprego, por meio da realização manual das formas, da prática com
os próprios materiais (é o que se diz pretender). Porém achamos que esta
finalidade não pode se realizar empregando, por exemplo, de maneira abstrata e
por tanto, não funcional, cartão ondulado, arames, etc. Uma comparação entre os
diversos materiais não demonstra, em absoluto seu valor prático, senão que se
converte em “uma coisa” só formal. (...) Qual é então o conteúdo e a finalidade do
desenho analítico (ministrado por Klee e Kandinsky)? Naturezas mortas, esquemas
concisos, composição, retículas construtivas e, como último objetivo, “composição
livre de tensões de energia, volumétricas e formais. (...) Essa maneira de desenhar
é absolutamente inadequada à finalidade dos laboratórios, porque não permite
uma observação objetiva.96

Neste manifesto, é criticado o reducionismo dos procedimentos didáticos


considerados na Bauhaus, iniciáticos, também, para arquitetura. Meyer
considerava a arquitetura como um fenômeno intrinsecamente social, cujo
isolamento, como uma atividade puramente formal, era inconcebível.

O Vorkurs permaneceu, embora não obrigatório, e o Departamento de


Arquitetura foi dividido em duas ênfases: construção prática e teoria arquitetônica,
perfazendo nove semestres. Durante a primeira fase eram aprendidas as bases
técnicas: sistemas construtivos, habitabilidade, matemática e física, na segunda,
abordavam-se aspectos mais urbanísticos.

95
DROSTE, Madalena. Bauhaus, 1919-1933. Berlim: Taschen, 2004. p. 193.
96
MEYER, Hannes. El arquitecto em la lucha de classes y otros escritos. Barcelona: Gustavo Gili, 1972. p. 110.

62
Figura 13: Trabalho desenvolvido no curso de Hannes Meyer

Fonte: disponível em: http://www.bauhaus.de/. Acesso em: 22/03/07.

Meyer permaneceu na direção até 1930, sendo substituído por Mies van der
Rohe que foi o último diretor da Bauhaus. Sua primeira atitude foi despolitizar a
escola identificada com o Marxismo professado na gestão anterior. Suas
concepções sobre arquitetura diferiam das de Meyer, que sempre defendeu
arquitetura como produto de uma coletividade cujo objetivo maior era responder
às questões sociais. Embora as idéias básicas fossem semelhantes – a
97
mecanização do trabalho e a relevância das Artes como campo de investigação -
sob o ponto de vista ideológico, as convicções divergiam. Enquanto para Mies, a
primeira tarefa no processo de renovação das artes era sua purificação e o
descobrimento de suas leis psicológicas e formais (Gestaltheorie98), Meyer
postulava que para conceber um edifício99, fosse necessário compreender, estudar
todos os seus aspectos: todas as suas conexões internas e externas.

97
COLQHOUN, Alan. Modern Architecture. Oxford: University Press, 2002. p. 120-135.
98
A escola gestáltica de psicologia desenvolveu-se a partir das teorias de psicólogos alemães sobre a percepção visual. Estas
teorias pretendiam explicar como percebemos formas e padrões. Partindo da noção Romântica de que se percebe a
totalidade e não as partes isoladamente, estabeleceram uma série de princípios sobre qual forma seria a mais adequada, a
lei da boa forma.
Leis de percepção visual. Posicionamento que afirma serem a carga emocional e os conceitos estéticos atributos de uma
obra de arte e não do seu espectador. In : Houaiss eletrônico.
99
O método de projeto para os construtivistas consistia em um fracionamento do problema para definir um programa,
verificando todos os seus condicionantes, requerimentos e necessidades. Este programa respondia aos aspectos sócio-
culturais e ao estudo das disponibilidades do sistema construtivo: a forma deveria ser a resultante necessária deste
programa. Esta forma deveria ser dinâmica à medida que responderia as alterações sociais (usabilidade) ao longo do tempo.
Desta maneira, a forma é a grande incógnita, a ser revelada pela correta aplicação da fórmula. Ela é resultante e não
origem. Estes conceitos são extremamente contemporâneos: o caráter sistêmico do projeto, a flexibilidade e usabilidade dos

63
Com Mies, a Bauhaus tornou-se exclusivamente uma escola de arquitetura.
O Vorkurs tornou-se optativo e aos estudantes foi permitido participar das aulas
sobre princípios técnicos construtivos desde a segunda fase. No entanto, para a
arquitetura, a ênfase na “boa forma” teve um efeito nefasto. No projeto
arquitetônico constatou-se que a especulação pela forma mais significativa pôs,
em segundo plano, aspectos programáticos e construtivos, praticamente,
ignorando o usuário.

No ensino do projeto arquitetônico, o perigo está em dar demasiada ênfase à


pintura e à escultura abstrata como disciplinas formativas, pois levam a supor que
o edifício é simplesmente um objeto no espaço, em vez de fazer parte do
espaço.100

Gropius emigrou para os Estados Unidos, para a Universidade de Harvard,


levando os paradigmas da Bauhaus. Nos anos oitenta, Klaus Herdeg, professor do
setor de Arquitetura na Columbia University's Graduate School of Architecture and
Planning redigiu um livro sobre a herança do ensino de arquitetura de Gropius em
Harvard nos anos quarenta.101

O edifício passou a ser, muito mais, a resposta a um ou mais dos eventos como
programa, restrições ou incentivos legais, materiais, expressão plástica, processo
construtivo e/ ou qualidade icônica do que a solução mais adequada á coexistência
desses fatores.102

espaços. Infelizmente, a experiência do Vkhutemas durou apenas quatro anos e pouca é a bibliografia disponível sobre o
assunto. In: COOKE, Catherine. ‘Form is a function X’: the development of the constructivist architect’s design method.
In: AD p.34-49.
100
COLLINS, Peter. Los ideales de la Arquitectura Moderna: su evolución (1750-1950). Barcelona: Gustavo Gili, 1965.
p. 291.
.101 HERDEG, Klaus. The decorated diagram. Harvard architecture and the failure of the Bauhaus legacy. London: the MIT
Press, 1983. The building becomes a haphazard record of such random events as program, legal restrictions or inducements,
materials, plastic expression, building process, and icon quality rather than a manifestation of their considered coexistence,
or better, their resolution into a coherent whole.
102
Opus cit. HERDEG, p. 2.

64
Figura 14: O Diagrama Decorado
Parece que as intenções do projeto dos edifícios herdados
da Bauhaus foram reduzidas a dois critérios
independentes: plantas originadas a partir da disposição
funcional e criação de um interesse visual, provocando um
hiato entre planta e aparência, espaço interior e aspecto
exterior. Mesmo a mais elementar função de proteção do
tempo, foi sacrificada em nome de algum “grande ideal”
(princípio) defendido pelo “manual” da Bauhaus de
Gropius.
Fonte: HERDEG, Klaus. The decorated diagram. Harvard architecture and the failure of the
Bauhaus legacy. London: the MIT Press, 1983.

A Bauhaus encerrou suas atividades, por ordem de Adolf Hitler no ano de


1933. Mesmo que apresentasse altos e baixos em sua trajetória, sua importância é
inegável. Durante os quinze anos de sua existência esteve ligada às forças
produtivas do país, concebendo protótipos para a indústria de artefatos e
participando de concursos tanto urbanos quanto arquitetônicos.

Os procedimentos didáticos da Bauhaus foram relatados nos livros


publicados por seus ministrantes. Em que pese a influência desta escola nas
instituições de ensino contemporâneas voltadas ao ensino de arquitetura, os
manuais que atravessaram as gerações são os de László Moholy-Nagy, Wassily
Kandinsky e Paul Klee que documentaram suas atividades no Vorkurs. Os livros
que contam a história da Bauhaus enfocam, principalmente, essa primeira fase.
Wick103 dedica 61 páginas à escola e, ao se referir às “concepções pedagógicas da
Bauhaus”, aborda, em 300 páginas, os procedimentos didáticos dos professores do
Vorkurs. Droste104 dedica 216 das suas 236 páginas ao mesmo assunto. Viu-se que
a ênfase no curso preliminar eram as artes plásticas, arquitetura não era

103
WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 13
104
DROSTE, Madalena. Bauhaus, 1919-1933 Berlim: Taschen, 2004. p.193.

65
abordada. Quando os alunos iniciavam a projetar arquitetura eram solicitados a
fazer uma proposta utilizando como ponto de partida o ponto, a linha e as
superfícies. Como era realizada esta passagem do Vorkurs para arquitetura não
fica claro. Também, não foram publicados livros que relatem os procedimentos
didáticos das disciplinas voltadas ao ensino de projeto arquitetônico.

Não causa espanto, então, que os procedimentos didáticos da Bauhaus


estejam associados aos livros de Moholy-Nagy, Kandinsky e Klee. A importância
dos ensinamentos do curso preliminar encontra eco na sua antagônica
paradigmática: École des Beaux-Arts. A instrução do desenho, pré-requisito para
iniciar o aprendizado do projeto, que, na École, acontecia através da cópia de
modelos, permaneceu como uma exigência na Bauhaus. Moholy-Nagy, Kandinsky,
e Klee eram os responsáveis pelas disciplinas de pintura e desenho analítico, cujos
procedimentos didáticos foram relatados em seus livros.

Contudo, desconsiderando-se algumas posturas divergentes (por exemplo, de


Hannes Meyer), parece ter havido na Bauhaus um consenso, em torno do fato de
que a introdução aos fundamentos da criação, bem como o adestramento do
“pensar artístico” , tal como isto era feito nos cursos de Klee e Kandinsky, eram
úteis, necessários e indispensáveis como base, mesmo quando se consideravam
extremamente limitadas suas possibilidades de transferência para o trabalho
prático de projetos de designer.105

Assim, na etapa básica do ensino da Bauhaus (Vorkurs) além das aulas de


desenho, composição e modelagem, eram oferecidas aulas de dança e teatro, para
desinibir o aluno e deixar aflorar seu espírito criativo.

O ensino de Klee e Kandinsky revelava, muito mais, uma metodologia iniciática.


Tendo como objetivo o desenvolvimento da criatividade, pretendia-se estabelecer
condições de autodesenvolvimento nos alunos. O ensino essencial era o processo
que permitia uma auto-reflexão sobre o caminho que se ia percorrendo. Assim,

105
WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 353

66
enquanto o ensino acadêmico se baseava na transmissão da informação, a ruptura
epistemológica do ensino de Klee e Kandinsky pode entender-se como o privilegiar
do autoconhecimento vivenciado através duma experiência, antes de mais nada,
existencial.106

O curso da Bauhaus apresentava aulas de instrução prática e estudos da


forma. Observando-se a tabela a seguir, verifica-se haver muitas disciplinas que
ainda permanecem como obrigatórias nos cursos atuais. Evidentemente, a
obsolescência jaz no conteúdo, e não necessariamente, na disciplina em si.

Figura 15: Currículo da Bauhaus (1919)


I. INSTRUÇÃO PRÁTICA

Material Pedra Madeira Metal Argila Vidro Cores Têxteis

Oficina Escultura Carpintaria Metal Cerâmica Vidro Pintura Tapetes


mural
Instrução em materiais e ferramentas
Elementos de finanças, planejamento e contratos
II. INSTRUÇÃO EM ESTUDOS DA FORMA

1. Observação 2. Representação 3. Composição

A. Estudo da natureza B. Geometria descritiva A. Teoria do espaço


B. Análise dos Materiais C. Técnicas construtivas B. Teoria das cores
D. Desenho de plantas e C. Teoria do projeto
construção de maquetes de
todos os tipos de
construção

Fonte: BAYER, Herbert; GROPIUS, Walter & GROPIUS, Ise. Bauhaus: 1919-1928. New
York: Museum of Modern Art, 1952. p. 23.

106
RODRIGUES, Antonio Jacinto. A Bauhaus e o ensino artístico. Lisboa: Editorial Presença, 1989. p. 209.

67
No Vorkurs, a maior carga horária, era dedicada à Instrução Prática. Em
1924, compreendia quatro manhãs por semana, as aulas sobre Estudos da Forma,
ministradas por Moholy-Nagy, duas manhãs, enquanto as aulas de Kandinsky e
Klee se resumiam a três horas semanais.107 A integração entre a teoria e a prática
foi um dos aspectos fundamentais da formação Bauhaus, através da participação
efetiva de seus estudantes na concretização de suas concepções.108

O ensino da produção manual pretende preparar para a produção em massa.


Começando com as ferramentas menos sofisticadas e as tarefas mais simples, o
aluno adquire habilidade para enfrentar problemas mais complexos e a trabalhar
com o maquinário, enquanto fica conhecendo todo o processo de produção do
objeto, do começo ao fim, pois o operário na fábrica só vem a conhecer uma etapa
da produção.109

Impregnados pelos movimentos da época, referente às sensações


provocadas, são descritos vários exercícios de composição formal, inaugurando
uma tradição que vingou até meados dos anos 90, nas escolas de arquitetura
brasileiras. As disciplinas introdutórias no curso de arquitetura eram denominadas
estudo da forma, plástica, etc., sendo pré-requisito para as disciplinas de projeto.

Durante a era industrial ocidental, havia uma convicção que o progresso


tecnológico melhoraria a vida para todos, a visão da Bauhaus casava Artes com
idéias socialistas de produção de massas.110

Os procedimentos didáticos da Bauhaus ficaram registrados nos escritos de


seus professores. Dentre essas publicações, interessam para esta tese, os livros
que passaram a ser utilizados como referencial didático para a iniciação ao projeto
arquitetônico. Uma pesquisa exploratória nas bibliografias recomendadas aos
calouros mostrou como recorrências os escritos de Moholy-Nagy, Klee e Kandinsky.
Esses livros foram traduzidos para diversos idiomas como inglês, francês, espanhol

107
DROSTE, Madalena. Bauhaus. Berlim: Taschen, 2004. p. 65
108
Ibidem. p. 214.
109
BAYER, Herbert; GROPIUS, Walter & GROPIUS, Ise. Bauhaus: 1919-1928. New York: Museum of Modern Art, 1952. p.
25.
110
KRIPPENDORFF, Klaus. The semantic turn. A new foundation for design. New York: Taylor & Francis, 2006. p. 204.

68
e português. Moholy-Nagy, Kandinsky e Klee eram reconhecidos no panorama
artístico de vanguarda, independentemente da Bauhaus. Por essa razão, seus
manuais didáticos foram mais difundidos e seguem influenciando111, até hoje, o
ensino. É emblemática a proposta da disciplina do primeiro ano da Faculdade de
Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, relatada em publicação
recente.112

O que moveu os oito professores envolvidos foi à tentativa de recuperar alguns dos
princípios que nortearam o trabalho pedagógico inédito de Klee, Kandinsky e
Moholy-Nagy no Vorkurs (Curso Preliminar/ Estudo da Forma) da Bauhaus
principalmente em uma das quatro áreas de interesse: estudo da configuração,
estudo das formas básicas, configuração de superfícies, corpos e espaço e estudo
da composição.

Figura 16: Professores, disciplinas e Manuais Didáticos


Professor Disciplina Manual Didático Pós
Bauhaus
Lázló Moholy-Nagy Oficina metal (1923- Von Material zu Architectur (Do Chicago
(1895-1946) 1928) material à arquitetura), 1929
Wassily Kandinsky Oficina pintura mural Punkt und Linie zu Fläche (Ponto Paris
(1866-1944) Curso obrigatório113 e Linha sobre o Plano), 1926
Pintura livre Cours du Bauhaus (Curso da
Introd. Elementos Bauhaus), 1978
formais abstratos.
Desenho analítico
(1922-1933)
Paul Klee (1879- Teoria elementar da Écrits sur l’art (1925) Berna
1940) criação
(1921-1931)

111
Outros professores da Bauhaus, também, escreveram sobre seu procedimentos didáticos.
112
BARKI, José. Noções de concepção do projeto: a experiência da disciplina estudo da forma I. In: ANDRADE, Luciana,
BRONSTEIN, Laís & SILLOS, Jacques. ARQUITETURA E ENSINO: reflexões para uma reforma curricular. Rio de Janeiro:
FAU/ UFRJ, 2003. p. 115
113
Dentre os temas desenvolvidos: os elementos básicos da forma, cores, o valor do ensino teórico na pintura, pedagogia da
arte, análise dos elementos primários da pintura.

69
2.2.1 Do Material à Arquitetura

László Moholy-Nagy (1895-1946) nasceu na Hungria. Tinha 28 anos quando


se tornou professor na Bauhaus. Autodidata, além de pintor e escultor, pesquisava
fotografia e cinema. Entre os livros editados, o mais divulgado é Do material à
Arquitetura. O autor enfatiza, por ocasião da segunda edição americana de 1938,
que “o livro contém um resumo dos trabalhos do curso preparatório da Bauhaus,
como eles se desenvolveram do dia-a-dia para a prática”.114

Figura 17: Moholy-Nagy e suas obras

Fonte: disponível em: flickr.com/photos. Acesso em: 17/06/07

No prefácio, Moholy-Nagy afirma que “o livro não tem a pretensão de ser


um manual dos materiais, da escultura ou arquitetura; (...) mas quer indicar
algumas linhas condutoras”. Este livro descreve seus procedimentos didáticos
enquanto professor na Bauhaus no período de 1923 a 1928.

A maneira de aprender a entender arquitetura é tendo experiência direta com o


próprio espaço; isto é, entendendo como você vive nele e como você nele se
movimenta. Para arquitetura interessa a solução funcional e emocional satisfatória.

114
MOHOLY-NAGY, Lázló. Do material à Arquitetura. Barcelona: Gustavo Gili, 2005. p. 243

70
(...) aqueles que aprendem pelo método histórico parecem ter aprendido muito,
quando o que realmente aprenderam é a classificar e datar os monumentos do
passado. Na realidade, apenas alguns aprendem realmente a experimentar o
115
milagre do espaço bem projetado.

Figura 18: Manual Didático Moholy-Nagy

SUMARIO
Prefácio
Introdução
Questões educativas
O material
A continuação do caminho do material: o volume
O espaço (arquitetura)

Fonte: MOHOLY-NAGY, László. Do material à arquitetura. Barcelona: Gustavo Gili, 2005 p


5.

O primeiro capítulo aborda questões educativas. A didática de Moholy-Nagy


tinha por fundamentação teórica o empiriocriticismo ou criticismo empírico. Não se
deve confundir esta doutrina com o empirismo. O empiriocriticismo é um
movimento filosófico que se baseia no positivismo do século XIX e nasceu de uma
proposta de Avenarius (1833-1896), na Alemanha. Segundo esta filosofia, o que
vale é a experiência. Rejeita qualquer contributo exterior aos dados da experiência,
justificando desse modo a busca de rigor; pelo mesmo motivo, a linguagem da
filosofia deveria procurar ser o mais exata possível. O sujeito e o objeto são vistos
na sua unidade, reconhecendo-se que não há um sem o outro. Justifica-se esta
posição a partir dos estudos da fisiologia, sobretudo na relação com o sistema
nervoso central. A tarefa da arte, sob este ponto de vista, é adestrar de tal
maneira os órgãos sensoriais do homem, que seja intensificada sua capacidade de

115
BAYER, Herbert; GROPIUS, Walter & GROPIUS, Ise. Bauhaus: 1919-1928. New York: Museum of Modern Art, 1952.
p. 122

71
sentir, ou melhor, a capacidade do sujeito para constituir a realidade a partir de
elementos das sensações. Assim, os procedimentos didáticos de Moholy-Nagy
visavam liberar o aluno de seus condicionantes culturais através de exercícios que
estimulassem a liberação sensorial.

A primeira etapa consistia no desenvolvimento das percepções táteis:


diferentes materiais deveriam ser identificados apenas pelo tato e arranjados em
uma composição escultórica116. A seguir, os alunos desenhavam e pintavam suas
esculturas, com o duplo objetivo de aguçar a percepção visual e aprender técnicas
de representação.117

Figura 19: Apresentação de trabalhos dos alunos de Mogholy-Nagy

Fonte: disponível em http//: flickr.com/photos/. Acesso em: 25/01/06.

Mogholy-Nagy creditava à construção a mesma importância que à


composição; valorizava a formação artesanal que permitia ao aluno vislumbrar
todos os processos do projeto: desde a concepção até sua materialização. Dessa
maneira, os diversos materiais eram experimentados nos ateliês-laboratório e
construídos os protótipos, permitindo testar a sua aplicabilidade.

116
MOHOLY-NAGY, Do material à Arquitetura. Barcelona: Gustavo Gili, 2005. p. 21-67.
117
WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989 . 205

72
A composição e a construção são dois aspectos do mesmo problema. (...) A
construção exige – comparada com a composição - um maior caudal de
conhecimentos, coisa que não supõe, sem dúvida, a eliminação da inspiração
intuitiva.118

Figura 20: Ateliê de escultura em metal

Fonte: disponível em: http//: flickr.com/photos/. Acesso em: 25/01/06.

Outra questão importante é a sua compreensão da totalidade: “uma


interpenetração de todas as esferas vitais”.119 Nesse intuito ele trabalhava,
simultaneamente, todas as expressões: fotografia, pintura e escultura.

No segundo capítulo, sobre os materiais, são descritos os procedimentos


didáticos que objetivam desenvolver a percepção tátil. As características dos
materiais são descritas por estrutura, textura, fatura e freqüência. A seguir, os
procedimentos didáticos remetem à manipulação de blocos de diversos materiais,
no dizer de Moholy-Nagy, “escultura é configuração de volumes”.

É assim, que o homem se posiciona diante do material, vivenciando-o e (ou)


testando-o, e adquire o conhecimento palpável de que um dos principais aspectos
expressivos dos materiais é a sua massa, seu volume.

118
MOHOLY-NAGY, Lázló. La Nueva Visión y Reseña de um Artista. Buenos Aires: Ediciones Infinito, 1963. p. 53.
119
Ibidem, p. 200.

73
Os exercícios eram solicitados na seqüência de cinco estágios: o estágio de
bloco, o modelado (cavado), o perfurado (atravessado), o suspenso e o cinético.

Figura 21: Os cinco estágios: bloco, modelado, perfurado, suspenso, cinético.

Fonte: disponível em http://www.interactivearchitecture.org/. Acesso em: 23/07/07.

Após essas etapas de experimentações com os materiais, o quarto capítulo


trata do espaço, da arquitetura. Moholy-Nagy conceitua o espaço como:

O espaço é uma realidade de nossas experiências sensoriais, uma experiência


humana como as outras, um meio expressivo como os outros, como outras
realidades, outros materiais. (…) o espaço é a relação de posição de corpos e, a
partir daí, a configuração do espaço é a configuração de relações das posições dos
corpos (volume).120

Nesse capítulo, o autor demonstra o que diferencia uma escultura (que


vinha sendo trabalhada até o capítulo anterior) da arquitetura. Reitera a
importância das experimentações até então realizadas no intuito de apreensão das
características e potencialidades de cada material.

O que importa não é uma configuração externa escultórica deslocada, mas são
apenas as relações espaciais, que estabelecem conteúdos necessários para a
vivência de um plano de criação, com isso, em certas circunstâncias, pode ser
criada uma fronteira rigorosa de grande superfície, que separe exterior de interior,
uma vez que na arquitetura os elementos construtivos não são figurações

120
Opus cit. MOHOLY-NAGY. P. 195.

74
escultóricas deslocadas, mas são posições espaciais. Assim o interior da construção
se liga com o exterior por meio de sua articulação espacial.121

Figura 22: O espectáculo

Fonte: disponível em: www.unirio.br/.../7/artigos/3/artigo3.htm Acesso em 14/08/06122

O livro de Moholy-Nagy, a pesar de o autor afirmar ser apenas um resumo


dos procedimentos didáticos efetuados no Vorkurs, apresenta uma seqüência
lógica e de imediata compreensão. As atividades sugeridas estão apropriadamente
embasadas e justificadas. Enquanto propedêutica, é evidente seu
comprometimento com as idéias de Gropius quanto à similitude entre projetar um
objeto e, ou um edifício.

121
Opus cit MOHOLY-NAGY. P. 222.
122
Segundo projeto de Moholy-Nagy, onde elevadores e passadiços, deslocando-se em vários sentidos, acentuam a ação
cênica; Aujourd’hui, Art et Architecture nº 17. Paris, mai 1958, p. 26.

75
2.2.2 Ponto e Linha sobre o Plano

Wassily Kandinsky (1866-1944) desenvolveu uma teoria da criação123 “que


se baseava em suas reflexões teóricas e experiências práticas, desenvolvendo-as,
depois, sistemática e didaticamente”.124 Essa teoria tinha por paradigma os
princípios da Teosofia, que afirmava ser a criação, uma proporção geométrica
derivada de um único ponto. A criação das formas dar-se-ia por uma série
descendente de círculos, triângulos e quadrados.125Cabe frisar que essa geometria
nada tinha a ver com os sólidos platônicos.

O ensino do desenho na Bauhaus é o treinamento da observação, no exato ver e


exato representar, não a aparência externa de um objeto, mas os elementos
formadores de suas forças lógicas de tensão, que devem ser reconhecidas nos
próprios objetos e na sua composição lógica. O manuseio dos planos é preliminar
ao manuseio do espaço.

Um fato curioso é que antes de se dedicar à pintura, Kandinsky estudou


direito. O desenvolvimento do pensamento abstrato e da argumentação no
exercício da advocacia lhe aprimorou o pensamento analítico e de síntese. Essa
habilidade facilitou a investigação nas artes plásticas com a intenção de
estabelecer os fundamentos de uma arte sintética.126 A exposição de suas teorias
encontram-se em diversos artigos e publicações. Dentre os livros editados,
interessa a este estudo, Ponto e Linha sobre o Plano (Punkt und Linie zu Fläche).
Outro livro muito difundido é o Curso da Bauhaus127, uma coletânea dos
apontamentos e manuscritos de Kandinsky organizados e traduzidos para o francês
por seus ex-alunos, Suzanne e Jean Leppien, que peca pela ausência de uma

123
O termo criação não supõe preexistências, ao contrário do termo composição.
124
WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 255.
125
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Wassily_Kandinsky#A_Bauhaus_e_.C3.BAltimos_anos
126
Opus cit. WICK. p. 259.
127
KANDINSKI, Wassily. Curso da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

76
seqüência temporal e temática.128 Aulas expositivas e exercícios práticos
encontram-se dispersos ao longo das mais de duzentas páginas do livro.

Figura 23: Wassily Kandinsky e Manuais Didáticos

Fonte disponível em: http//: www.bauhaus.de/ Acesso em: 2/09/07.

O título da versão em português, Ponto, Linha e Plano, altera o sentido do


original. Punkt und Linie zu Fläche significa do Ponto e da linha em relação com o
plano129, ou seja, plano como suporte material desses elementos. Nesse livro, o
autor pretende contribuir para a análise dos elementos picturais130, dissertando
sobre sua “ciência da arte”, arte como uma ciência aplicada. Essa teoria é
desenvolvida em dois livros. O primeiro livro, Do Espiritual na Arte, analisa a cor
como elemento, tema que me abstenho de comentar por fugir aos objetivos desta
tese. Ponto, Linha e Plano é o segundo livro, nesse são analisados os elementos
que considera fundamentais para uma “ciência da arte”: o ponto e a linha.

128
Opus cit. WICK, p. 268.
129
Opus cit. KANDINSKI. P. 9
130
KANDINSKI, Wassily. Ponto linha e Plano: contribuição para a análise dos elementos picturais. Rio de Janeiro: Edições
70, 1989.

77
O objetivo último desta ciência será a grande síntese que ultrapassará os próprios
limites da arte, permitindo ao artista dominar a sua criação por intermédio de sua
ciência aplicada. (...) Ponto, linha e Plano é um esforço para definir um método
aplicado (...). O método aqui proposto consiste no estudo desses dois elementos,
primeiro em abstrato, sem suporte material, depois em relação com uma superfície
material, ou seja, com o plano.131

Esses textos são, também, o resumo dos conteúdos das aulas que ministrou
na Bauhaus.132 Veja-se o programa de suas aulas, ministradas no primeiro
semestre de 1928.

I. Elementos formais abstratos da forma


a) Introdução: análise no século XIX, elementos remanescentes de síntese,
começo-fim, bases novas para síntese
b) Teoria da cor: cores isoladas, sistema de cores, inter-relações, tensões, efeitos
c) Teoria da forma: forma isolada, sistema de formas, inter-relações, tensões,
efeitos, combinações
d) Teoria da forma e da cor: relações entre formas e cores, arranjos do mesmo em
relação a tensões e efeitos
e) Base: tensões
Métodos de instrução: palestras, exercícios sobre temas escolhidos pelos
estudantes ou indicados pelo professor, discussões em grupo sobre propostas,
exercícios detalhados de análise.
II. Análise de obras exemplares
a) Básico: desenhos ou naturezas mortas elaboradas pelos próprios alunos,
limitações de plano, forma em grande escala, relações simples
b) Desenvolvimento da malha estruturadora, primeiro exercício: relações exatas
entre o grupo individual de formas e as formas individuais para formas em grande
escala
c) Transformação: do objeto através de alterações de suas tensões estruturais,
ênfase nos elementos estruturadores, dinâmica, direção

131
KANDINSKI, Wassily. Ponto linha e Plano: contribuição para a análise dos elementos picturais. Rio de Janeiro: Edições
70, 1989. p. 9-10
132
WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 268.

78
d) Utilização da cor para reforçar os resultados das propostas133

Logo, o plano referido é o suporte material do ponto e da linha e não a


somatória de linhas e pontos, como uma leitura apressada poderia sugerir. Não se
pode esquecer que Kandinsky era pintor. Na apresentação, o autor sintetiza o
conteúdo do livro:

Neste livro, trataremos de dois elementos de base que constituem o ponto de


partida de toda a obra pictural sem os quais esse ponto de partida seria impossível,
apresentando, já, ao mesmo tempo, um material completo para esse domínio
autônomo da arte: o desenho. Devemos, portanto, começar aqui pelo elemento
original da pintura: o ponto. A ambição de toda pesquisa é:
1. O exame minucioso de cada fenômeno isolado
2. O efeito recíproco dos fenômenos – síntese
3. A conclusão geral decorrente das duas partes precedentes
O nosso objetivo neste livro só diz respeito às duas primeiras partes. (...) em
abstrato, ou seja, isolados da envolvente real da forma material, da superfície
material, e na superfície material – o efeito das características dessa superfície.134

Kandinsky ao expor sua teoria é extremamente axiomático: ao qualificar os


elementos considerados fundamentais (ponto e linha), abstém-se de justificar suas
conclusões. Ciente da própria inexorabilidade de sua teoria lamenta não dispor de
um léxico que lhe permita ser mais preciso na apresentação de sua teoria, fator
que, muitas vezes, torna o texto pouco compreensível.

133
WINGLER, Hans Maria. The Bauhaus: Weimar, Dessau, Berlin, Chicago. Cambridge Mass: MIT, 1986. p. 144
Kandinsky`s course (1 st semester)
Abstract form elements
Introduction: analysis in the 19th century, remaining elements of synthesis, beginning – end, new basis for synthesis
Color theory: isolated color, system of colors, interrelationships, tensions, effects, fitness.
Form theory: isolated form, system of forms, interrelationships, tensions, effects, fitness.
Color and form theory: relationships of colors and forms, arrangement of the same with respect to tensions and effects.
Base: tensions. Method of instructions: Lecture, exercises by students and subjects that are either chosen or assigned,
group discussions of projects, and exercises in accurate analysis.
Analytical draftsmanship
Elementary: accurate drawing or still lives arranged by the students themselves, limited plan, large-scale form.
Development of the structural network: Primary problem: accurate relationship between the individual groups of forms and
of individual forms to large scale forms.
Translation of the object into structural tensions, emphasis of the supporting elements, dynamics, focus.
Utilization of colors in order to systematically reinforce the results of the project of(c).
134
Opus cit. WINGLER, p. 30-31.

79
A linha horizontal corresponde dentro da concepção humana à linha ou superfície
sobre a qual o homem repousa ou morre. A horizontal é, portanto, uma base de
sustentação fria. (...) na linha vertical o plano é substituído pela altura, ou seja, o
frio pelo quente. (...) a linha diagonal (...) define sua sonoridade interior – união
em partes iguais do quente e do frio.135

O ponto é, no sentido interior e exterior, o elemento primeiro da pintura e,


especificamente, da arte gráfica. (...) Na escultura e na arquitetura, o ponto é
resultante da intersecção de vários planos é, por um lado, o resultado de um
ângulo espacial e, por outro, está na origem desses planos; os planos devem
dirigir-se para um ponto e desenvolver-se a partir dele. (...) A linha é um ser
invisível. É o rastro do ponto em movimento, portanto é o seu produto. (...) a linha
pode ser considerada um elemento secundário. (...) consideramos plano original a
superfície material chamada a sustentar a obra. (...) é, esquematicamente, limitado
por duas linhas horizontais e duas verticais e é definido assim como um ser
autônomo no domínio daquilo que o rodeia. (...) A composição é a subordinação
interiormente necessária dos elementos isolados e da construção desses elementos
a um fim pictural preciso.136

135
KANDINSKI, Wassily. Ponto linha e Plano: contribuição para a análise dos elementos picturais. Rio de Janeiro: Edições
70, 1989. p. 62.
136
Opus cit. KANDISNKI. p. 45.

80
2.2.3 Contribuições para a Teoria Plástica da Forma

Paul Klee (1879-1940) nasceu em Münchenbuchsee, perto de Bern.


Foi professor da Bauhaus entre 1920 e 1931. Klee desenvolveu uma teoria da
forma artística de maneira analítico-elementar à semelhança de Kandinsky: “inicia
suas considerações pelo ponto, a partir do qual avança até a linha, e depois ao
plano e ao espaço”.137 Mas ao contrário de Kandinsky que pretendia criar uma
linguagem artística com um vocabulário próprio, a meta de Klee era investigar a
concepção da obra de arte a partir de suas etapas de configuração. Do ponto de
vista de sua didática, essa investigação municiaria os estudantes para a criação
138
artística.

Contribuições para a Teoria Plástica da Forma foi publicado, originalmente,


como parte do primeiro volume do livro Escritos sobre arte, organizado por Jürg
Spiller.139

O trabalho educacional de Klee foi dividido em duas partes: teoria da forma


(no segundo e terceiro semestre) e análise de pinturas (nas aulas de pintura) e
desenhos; ensinava a perceber a composição e a estrutura das obras.

Desde o princípio e cada dia que passa, vejo com maior claridade o meu papel,
nomeadamente, o de comunicar à experiência que tenho adquirido com a
configuração das idéias (desenhar e pintar) relativa à organização da multiplicidade
em unidade. Transmito essa experiência, parte, através de sínteses (isto é, deixo-
vos verem as minhas obras) e parte, por meio de análises (isto é, subdivido minhas
obras nas suas partes essenciais).140

137
WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 335
138
Ibidem, p. 335 e 336
139
KLEE, Paul. Écrits sur l’art. 2 vol. org. Jürg Spiller.p. 98-511.
140
DROSTE, Madalena. Bauhaus. Merlim: Taschen, 2004. p. 65.

81
Análise e síntese eram a base dos procedimentos didáticos de Klee que
lidavam com problemas de geometria e estereometria (medições) para conduzir os
alunos ao fenômeno visual. Klee investigava as origens da forma, suas
141
possibilidades de transformação e desenvolvimento. Iniciava suas aulas com o
142
“ponto que se põe em movimento” discorrendo sobre as categorias de linhas e
seus aspectos subjetivos, a seguir trabalha a terceira dimensão e a perspectiva a
partir do exemplo de duas linhas que convergem para um ponto. Na terceira lição,
são tratados aspectos de equilíbrio na composição. A quarta aula é dedicada à
estrutura, que para Klee é de “natureza puramente plástica”.143 A estrutura é
fornecida pela repetição de certos elementos. Nas lições subseqüentes, são
abordados problemas referentes à força da gravidade assim como dos movimentos
do cosmo e dos movimentos na pintura. O curso encerra-se com a teoria das
cores.

Figura 24: Paul Klee e Manuais Didáticos

Fonte: disponível em www.newbasicdesign.it/il-bauhaus/. Acesso em: 12/10/06.

O programa desenvolvido por Klee em sua disciplina do segundo semestre


do Vorkurs era:

I. Geral
1. Explanação da teoria da composição

141
BAYER, Herbert; GROPIUS, Walter & GROPIUS, Ise. Bauhaus: 1919-1928. New York: Museum of Modern Art, 1952. p.
524.
142
WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 336
143
Ibidem.. p. 338.

82
2. Ordens gerais
3. Ordens específicas
4. Composição
II. Projeto planimétrico
A. Regra
1. Aproximações para forma, ocorrência de tensões
2. Esquemas
3. Forma em relação a formato e tamanho
4. Formatos intermediários
5. Configurações de formas
6. Formas compostas
B. Exceções à regra
1. Exceções com arranjos perpendiculares
2. Posições irregulares, formas irregulares
3. Configurações de formas irregulares
4. Descentralização
5. Irregularidade livre
6. Irregularidades de curvas
7. Digressões (contrário de concêntrica)
8. Progressões144

Klee modificava o teor de suas aulas à medida que fazia suas investigações.
Suas pesquisas sobre as formas abstratas retroalimentavam seus procedimentos
didáticos. Klee não concordava que a iniciação artística pudesse ser um método
espontâneo, idéia contrária à de alguns professores da Bauhaus.

144
The compulsory Basic Design Courses of Albers, kandinski, Klee, Schlemmer, and Schmidt (1928). Do catálogo do
Congresso Internacional de Professores de Arte, Praga, 1928. In: WINGLER, Hans Maria. The Bauhaus: Weimar, Dessau,
Berlin, Chicago. Cambridge Mass: MIT, 1986. p. 144

83
2.3 Considerações

Neste capitulo se examinou os manuais didáticos, denominados nesta tese,


precursores, por explicitarem procedimentos didáticos realizados nas escolas
consideradas paradigmáticas pelo corpus: a École des Beaux-Arts e a Bauhaus.

A análise mostrou que os livros redigidos por Durand e Guadet são


efetivamente manuais didáticos, por apresentarem suficiente conteúdo explicativo
para possibilitar aos estudantes o aprendizado de seu ofício. Igualmente,
expressam cada um deles, o paradigma vigente da época na qual foram
publicados: o Iluminismo e o Romantismo. Conseqüentemente, esses manuais
diferem em conteúdo. Enquanto o de Durand fornece um catálogo de plantas e
elevações de tipos edilícios simplificados em sua geometria para serem
combinados e gerar um novo edifício, Guadet apresenta um corpo de
ensinamentos introdutórios ao projeto arquitetônico.

Segundo Kuhn,145 toda vez que há mudança de paradigmas, os manuais


precisam ser reescritos. Apesar das limitações propedêuticas do manual didático
de Durand, seu uso perdurou até o início do século XX. Mas quando Guadet se
tornou professor na École resolveu redigir um manual mais apropriado para
iniciantes em arquitetura onde fossem apresentadas as noções, julgadas
imprescindíveis, para começar a projetar. Guadet discordava da orientação de
Durand, pois não concordava com a simples imitação de precedentes históricos,
preferia “uma interpretação abstrata do passado à luz dos valores do presente”.146
Considerava a necessidade de um aprendizado teórico, declarativo, prévio aos
aspectos procedimentais da ação projetual, pois defendia que somente após o

145
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2005.
146
CALOVI PEREIRA, Cláudio. Teoria acadêmica e projeto arquitetônico: Julien Guadet e o Hôtel des Postes de Paris
(1880). In: Arqtexto n.6 (2005), p. 89.

84
aprendizado dessas noções elementares o aluno estaria apto para iniciar a
projetar. Este questionamento é manifesto na seguinte afirmativa:

Não existe livro destinado aos que começam a estudar arquitetura, tampouco para
os que têm a tarefa de lhes ensinar as noções elementares. Comecei a escrever o
livro do aluno e do mestre; trabalho considerável, mas interessante e útil que eu
possa, talvez, fazer bem, depois de mais de vinte anos ensinando e detectando as
lacunas que sofrem nossos alunos (...). O livro que pretendo publicar é um manual
didático. E por quê? - Porque carece, eu repito mais uma vez.147

Viu-se que os escritos de Durand (fins do séc XVII) representam uma visão
de mundo Iluminista, pela qual a realidade era factível de ser fragmentada e
catalogada, pois o conhecimento das partes resultaria na compreensão do todo. O
mundo de Guadet (início do séc. XX), era mais complexo, e já se percebia que do
reconhecimento das partes não se alcançaria a compreensão do todo. Em Guadet
a expressão, ou caráter do edifício, era resultado da composição dos elementos de
construção. Neste manual, observa-se uma preocupação com a viabilidade
construtiva dos edifícios e com a reação do usuário, fatores ausentes nos manuais
de Durand.

Enquanto a École seguia seu curso como referência francesa no ensino de


arquitetura, até sua extinção, por decreto, em 1968, foi fundada, em 1919, em
Weimar, a Bauhaus.

Embora, aparentemente, houvesse uma ruptura paradigmática entre a École


des Beaux-Arts e a Bauhaus, esta ruptura, na verdade, ocorreu na própria École,
quando Guadet questionou a pertinência do manual de Durand148 como
embasamento teórico à iniciação ao ensino de projeto arquitetônico. Viu-se que,

Il n’y a pas de livre usuel fait pour ceux qui commencent a etudier l’architecture, non plus que pour ceux qui entreprenent la
tâche de leur en enseigner les éléments. Le livre de l’élève et du maître, j’avais voulu le tenter, et j’en avais commencé la
préparation : travail considérable, mais interessant et utile, que je pouvais peut-être mener à bien, aprés plus de vingt
anées d’enseignement et d’expérience des lacunes dont souffrent nos élèves.(...) C’est bien le livre élémentaire, le livre de
classe, à la portée des debutants, que je prêtends publier. Et pourquoi ?- Parce qu’il manque, je le répèt encore une fois.
148
Viu-se que Durand foi adotado como manual didático.

85
na Bauhaus, os escritos de Kandinsky e Klee, remetem aos ensinamentos de
Guadet.

A estratégia de reduzir o todo em partes menores para compreendê-lo,


mudou, como visto, apenas na definição de quais seriam esses elementos básicos:
se para a Guadet, eram os elementos construtivos, para os artistas abstracionistas
que ministravam aulas na Bauhaus, os elementos eram o ponto, a linha e o plano.

É possível supor que o “caráter” da arquitetura em Guadet teve sua


correspondência na “expressão” da arquitetura da Bauhaus de Weimar. Viu-se que
enquanto Guadet falava em elementos de arquitetura e de composição, Kandinsky
e Klee falavam dos elementos da arte abstrata: ponto, linha e plano. Na
arquitetura de Gropius e Mies, do período Bauhaus, estes elementos estão
francamente, explícitos em suas composições.

Figura 25: Casa de Walter Gropius e Pavilhão em Barcelona de Mies Van der Rohe

Fonte: disponível em http://www.newbasicdesign.it/il-bauhaus/. Acesso em: 21/08/07.

Outra semelhança entre o manual de Guadet e os da Bauhaus era a não


postulação de regras, a preocupação em permitir aos alunos (evidentemente, esta
postura diferia em cada um deles tendo em vista os paradigmas considerados) a
construção de seus conhecimentos.

Na Bauhaus o estudo dos precedentes históricos era execrado, havia uma


pretensão de se estar fazendo a própria história. Embora, os precursores da
arquitetura moderna negassem todo o sistema École des Beaux-Arts, não ficaram
imunes à sua influência.

86
Quanto á estrutura de ensino, a permanência dos ateliês vinculada a
procedimentos didáticos teórico-práticos e as relações aluno-tutor permaneceram.
A diferença consistiu no curso preliminar – Vorkurs - no primeiro ano do curso,
voltado a todas as manifestações artísticas. No sistema École des Beaux-Arts, o
aspirante a arquiteto estava imerso em arquitetura desde o início de seus estudos.
Assim, desde os primeiros procedimentos didáticos para o desenvolvimento da
expressão gráfica, havia uma relação direta com arquitetura; desenhavam-se
objetos arquitetônicos, visando, o aprendizado das técnicas e dos materiais
construtivos.

Os livros da Bauhaus mais conhecidos foram os livros redigidos pelos


professores cuja importância extrapolava o fato de pertencerem ao curso básico da
Bauhaus: Kandinsky, Klee e Moholy-Nagy. Viu-se que os procedimentos didáticos
relatados em seus livros diziam respeito às suas atividades artísticas. As aulas de
Kandinsky e Klee eram sobre o aprendizado da pintura abstrata: composição e
cores. Suas lições visavam à iniciação do aluno nas correntes da vanguarda
artística da época, logo, muito distante de uma iniciação ao projeto arquitetônico.
Logo, no próprio contexto da Bauhaus não eram considerados manuais didáticos
destinados á iniciação ao ofício de arquiteto.

No início desta tese foi afirmado que qualquer um pode aprender


arquitetura, mas que o aprendizado do projeto arquitetônico era para quem
pretendesse aprender o ofício. Guadet era professor de teoria de arquitetura,
sendo o responsável pela elaboração das propostas de projeto a serem
desenvolvidas pelos estudantes. Desta maneira, as lições, transcritas em seu
manual, tinham a preocupação de embasar os procedimentos didáticos a serem
efetuados na iniciação ao projeto arquitetônico.

Na École des Beaux-Arts, de Guadet teoria e prática eram complementares


e indissolúveis. Nessa escola o ensino de história da arquitetura era ministrado por
arquitetos e voltado ao conhecimento da composição dos edifícios do passado,

87
aprendia-se quais eram os elementos de arquitetura e composição dos edifícios de
outras épocas. Esse conhecimento era solicitado quando das aulas de composição
no ateliê, seja como cópia para desenvolver a observação e a expressão gráfica ou
como modelo para compreender princípios compositivos.

Na Bauhaus, o aspirante a arquiteto, deveria, preliminarmente, cursar o


Vorkurs, cujos procedimentos didáticos diziam respeito ao universo das artes
plásticas. Nesse curso as aulas de composição eram semanais e ministradas por
pintores como Klee e Kandinsky. Os procedimentos didáticos eram permeados por
exercícios de análise e síntese de elementos compositivos. Os conteúdos
aprendidos se complementavam com a execução de esculturas, através das quais
se experimentava diversos materiais. Cumprida esta etapa preliminar, o estudante
era admitido no curso de arquitetura, o qual as mulheres eram desencorajadas a
seguir149. A meta do Vorkurs era liberar os calouros de quaisquer idéias
preconcebidas, certa purificação formal que os conduziria a uma espécie de
eugenia arquitetônica. Depois, iniciavam o aprendizado em arquitetura. Partindo
de pontos, linhas e superfícies, os alunos eram instados a projetar um edifício.

Gropius delineou a escola com etapas curtas e bem definidas. As etapas


eram independentes e cada ministrante determinava o que e de que forma
conduziria sua disciplina. Embora Gropius pensasse que dessa maneira haveria
mais integração entre os ateliês, na medida em que os professores tinham
liberdade, na realidade isso não ocorreu. Fato esse que se torna flagrante na
genealogia da escola. A escola Bauhaus, em relação à produção de arquitetura, é
lembrada muito mais como um repositório de objetos de um novo estilo do que
como uma escola, cujos procedimentos didáticos poderiam ter inaugurado uma
nova propedêutica na arquitetura. Seus professores, inequivocadamente expoentes
das vanguardas artísticas, não conseguiram desvincular seus procedimentos
didáticos de sua produção artística. Os procedimentos didáticos relativos a

149
DROSTE, Magdalena. Bauhaus; 1919-1933. Berlim: Taschen, 2004. p. 40.

88
exercícios de análise e síntese feitos nos cursos de Kandinsky e Klee versavam
sobre suas próprias obras. A ausência de uma orientação pedagógica contribuiu
para que as relações de ensino aprendizagem fossem tradicionais. As aulas eram
expositivas seguidas por exercícios de fixação dos conteúdos.

Os ministrantes das disciplinas do Vorkurs eram, todos, figuras tarimbadas


dos movimentos artísticos da época. Obviamente, a opção por estes nomes não foi
por acaso; com essa estratégia, Gropius angariou credibilidade e, mais importante,
visibilidade. Todavia, essa circunstância operacional alimentou o caráter individual
dos ministrantes, não consubstanciando um trabalho em equipe. Significativo é
que as publicações sobre a Bauhaus intitulam os capítulos das disciplinas
ministradas pelo nome do ministrante, ou seja, todos já ouviram falar dos
procedimentos didáticos de Klee, por exemplo, mas quem saberia dizer o nome da
disciplina? Assim como os conteúdos desenvolvidos em sala de aula, a ementa das
disciplinas, ou seja, a publicação dos procedimentos didáticos é conhecida pelos
nomes de seus autores.

A École des Beaux-Arts foi uma escola, no sentido tradicional, uma


instituição de ensino cujo objetivo era formar arquitetos, tudo o que era ministrado
convergia para o aprendizado do projeto arquitetônico, enquanto a Bauhaus era
uma escola vocacional, técnica voltada para o aprendizado de um ofício. Enquanto
o ápice da École era concorrer ao Prix de Rome, ou seja, continuar os estudos em
uma academia avançada, na Bauhaus, findo o curso (no qual os estudantes
também já produziam) os egressos entravam direto no mercado de trabalho.

Assim, estas duas escolas embora, como se viu, apresentem alguns pontos
em comum, confirmando o que nos diz Kuhn: “nenhum grupo pode praticar seu
150
ofício, sem um conjunto dado de crenças recebidas” . p. 23, em suas origens e
objetivos representam paradigmas diferentes.

150
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2005, p.23

89
A partir de meados dos anos sessenta, houve uma revisão crítica ao
Modernismo, e por extensão à Bauhaus e uma tentativa de revalorização dos
ensinamentos da École. Infelizmente, as lições de Guadet foram ignoradas e se
retrocedeu ao manual de Durand, que, como visto, era muito adequado aos
paradigmas da época em que foi escrito, mas anacrônico ao século XX.

Os resultados são tendências mescladas pouco claras tanto para alunos


quanto professores. No plano paradigmático, essa situação é descrita criticamente
por Kuhn:

Os conhecimentos científicos dos profissionais, bem como os dos leigos, estão


baseados nos manuais e em alguns outros tipos de literatura deles derivada.
Entretanto, sendo os manuais veículos pedagógicos destinados a perpetuar a
ciência normal, devem ser parcial ou totalmente reescritos toda vez que a
linguagem, a estrutura dos problemas ou as normas da ciência normal se
modifiquem. 151

Neste capítulo se procedeu à leitura dos manuais didáticos das escolas


consideradas paradigmáticas pelo corpus: École des Beaux Arts e Bauhaus.
Portanto, a leitura desses manuais didáticos corroborará para melhor fundamentar
a comprovação das hipóteses levantadas no início desta tese.

A tese aqui defendida partiu do pressuposto de que os atuais procedimentos


didáticos aplicados no inicio da educação do arquiteto, além de continuarem
presos a paradigmas cuja pertinência in totum é problemática sob o ponto de vista
da contemporaneidade, foram copiados acriticamente destes contextos, École des
Beaux Arts e Bauhaus, e adotados sem maiores discussões. Desta forma, o
reducionismo de determinados métodos, esvaziados de seus pressupostos teóricos,

151
KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Ed. Prespectiva, 2005. p. 177.

90
estaria prejudicando a aprendizagem dos calouros, provocando lacunas
cognitivas.152

Os manuais começam truncando a compreensão do cientista a respeito da história


de sua própria disciplina [...]. É característica dos manuais científicos conterem
apenas um pouco de história, seja um capítulo introdutório, seja como acontece
mais freqüentemente, em referências dispersas aos grandes heróis de uma época
anterior.153

Isto posto, no próximo capítulo, proceder-se-á a análise do conteúdo dos


manuais didáticos mais recomendados para embasar os procedimentos didáticos
das disciplinas de iniciação ao projeto arquitetônico, denominados nesta tese,
best-sellers. Ver-se-á nesta análise que se flagram regras cujos paradigmas só
podem ser identificados nas entrelinhas.

152
Freqüentemente os professores reclamam que certos assuntos já deveriam ter sido abordados anteriormente.
153
KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Ed. Prespectiva, 2005. p. 177.

91
3. MANUAIS DIDÁTICOS BEST-SELLERS

92
Verificando-se as referências bibliográficas sugeridas para os estudantes do
primeiro ano, três livros são, sempre, recomendados: Saber ver arquitetura
(1948) do italiano Bruno Zevi, Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem (1979) do
norte-americano Francis D. K. Ching e Lições de arquitetura (1991) do holandês
Herman Hertzberger; três épocas, culturas e contextos muito diferentes. Desses
três, Zevi tem o maior número de exemplares nas bibliotecas consultadas, depois,
respectivamente, Ching e Hertzberger.

Cabe descobrir o que eles são, as intenções secretas que camuflam tanto suas
pretensões explicitas quanto suas ideologias tácitas, e definir seu verdadeiro
estatuto154.

Embora, esses três manuais sejam diferentes em suas origens e idéias, são
recomendados como embasamento teórico para iniciação ao projeto arquitetônico.
Não se pretende investigar as causas da permanência destes escritos, mas verificar
se continuam adequados à formação de arquitetos no século XXI. Para tanto uma
leitura crítica dos conteúdos se faz necessária.

Os manuais elencados são denominados best-sellers, pois tem sido os mais


vendidos desde sua primeira edição. As livrarias especializadas possuem sempre
mais de um exemplar destes livros à venda, conforme consulta efetuada nas
maiores redes do Brasil: Catarinense, Cultura, FNAC e Saraiva.

154
CHOAY, Françoise. A regra e o modelo. São Paulo: Editora Perspectiva, 985. p. 2

93
3.1 Saber Ver Arquitetura

O livro Saber ver Arquitetura (Saper vedere l'architettura: saggio


sull'interpretazione spaziale dell'architettura) de Bruno Zevi é o mais antigo155 dos
estudados nesta tese. A primeira edição, em italiano, data de 1948, estando em
sua vigésima primeira edição em italiano. Foi traduzido para onze línguas
(português, espanhol, inglês, francês, esloveno, hebraico, húngaro, croata, tcheco,
156
japonês, romeno) e ganhou o Prêmio Cortina-Ulisse da crítica de arte157. Além
de estar presente nas recomendações de leitura para os calouros, continua sendo
referencia bibliográfica para muitos textos contemporâneos que abordam
processos de projeto.

A tradução para o português da editora Martins Fontes apresenta


simplificações que prejudicam a compreensão do texto. O título original é Saper
vedere l'architettura: saggio sull'interpretazione spaziale dell'architettura, na versão
da Martins Fontes o subtítulo, ensaio sobre a interpretação espacial da arquitetura,
foi eliminado. Outro equívoco foi à supressão de nota introdutória do tradutor,
presente na versão em espanhol, que muito auxilia a compreensão do texto. Nesta
introdução, constam dados biográficos do autor e comentários sobre sua produção
teórica. Assim como, considerações sobre a dificuldade de ser fiel ao texto original:
158
“Zevi escreve em um estilo expressivo e pessoal, mas nem sempre fácil” .

155
ZEVI, Bruno. Saber ver arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1994. Título Original: Saper vedere l'architettura.
1948. Copyright by Bruno Zevi. 1ª edição brasileira: outubro de 1978; 6ª ed.
156
TOURNIKIOTIS, Panayotis. La Historiografia de la Arquitetura Moderna: Pevsner, Kaufmann, Giedion, Zevi,
Benévolo, Hitchcock, Banham, Collins, Tauri. Madrid: Mairea/ Celeste, 2001. p. 67
157
Disponível em: http://pt.shortopedia.com/L/I/Livros__page7
158
ZEVI, Bruno. Saber ver la arquitectura. Buenos Aires: Poseidon, 1958. p.14

94
Tournikiotis alerta para a conotação dos termos utilizados pelo autor em
seus textos. Para Bruno Zevi moderno significa contemporâneo enquanto
159
funcionalismo e racionalismo são “conceitos equivalentes.”

Figura 26: Bruno Zevi e Manuais Didáticos

Fonte: disponível em digilander. libero. it/leontina73/Conf.Zevi.html. Acesso em: 12/04/06.

Com uma profícua produção teórica, Zevi também publicou: Towards an


Organic Architecture [Verso un'architettura organica] 1945, Saber ver arquitetura
[Saper vedere l'architettura], 1948, Saper Vedere La Città (How To Understand the
City), 1948, Storia DELL’ARCHITETTURA Moderna (1950), Poetica
DELL’ARCHITETTURA Neoplastica, 1974, Giuseppe Terragni. London, 1989, Frank
Lloyd Wright, Birkhäuser Verlag, Berlin, 1998, Erich Mendelsohn - The Complete
Works, Birkhäuser Verlag, Berlin, 1999, Segundo Tournikiotis, o melhor resumo
das idéias básicas de Zevi sobre arquitetura, amadurecidas entre 1945 e 1950,
encontra-se nas versões em espanhol e inglês, publicadas em 1978 do “A
linguagem Moderna da Arquitetura”.160

159
Opus Cit., TOURNIKIOTIS, p. 67.
160
Zevi quando publica o ensaio sobre a “Linguagem moderna da arquitetura”, em 1974, em seu tom anedótico, comenta no
prefácio que, a depois de John Summerson ter publicado, em 1966, um ensaio intitulado “A linguagem clássica da
arquitetura”, ficou esperando a publicação de uma anti tese, “A linguagem anticlássica da arquitetura, ou melhor, a
linguagem moderna da arquitetura. Vale lembrar que quando Zevi fala em moderna, quer dizer contemporâneo, e é neste
sentido, que redige seu livro. Uma arquitetura que não reproduza o passado, mas que considere as condições do presente,
visto que os contextos são muito diversos.

95
Figura 27: Outros livros de Bruno Zevi

Fonte: disponível em http////: www.amazonbooks.com. Acesso em: 03/02/2007.

Zevi nasceu em Roma em 1918, vindo a falecer na mesma cidade em 2000.


Iniciou seus estudos de arquitetura na Universidade de Roma, mas, devido às leis
anti-semitas do governo fascista de Mussolini, foi para Londres e mais tarde para
os Estados Unidos da América, onde concluiu seus estudos em Harvard. Na época,
Walter Gropius, que havia emigrado da Alemanha, após o fechamento da Bauhaus
pelos nazistas, era o diretor da escola de arquitetura. Em Harvard, elaborou
estudos sobre a obra de Wright. Em 1948, de volta á Itália, tornou-se professor de
História da Arquitetura na IUAV de Veneza e a partir de 1964, na Faculdade de
Arquitetura da Universidade "La Sapienza" de Roma. Na Itália, manteve intensa
participação política como membro da comunidade judaica italiana. Em 1988
preferiu se desvincular do ensino, justificando sua decisão ao “estado de
degradação cultural e excessiva burocracia da universidade, particularmente da
Faculdade de Arquitetura”. Nas diversas obras que escreveu, deixa transparecer
seu espírito passional.

Em Harvard, Zevi desenvolveu um trabalho sobre a arquitetura de Frank


Lloyd Wright, da qual se tornou grande admirador. Considerava a Fallingwater
como o melhor exemplo de arquitetura orgânica.161

161
ZEVI, Bruno. Saber ver arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 65.

96
Valendo-se de uma experiência racionalista amadurecida trinta anos antes que a
européia, Frank Lloyd Wright se ergue, desde meados deste século XX, os
materiais brutos, como profeta e gênio da tendência orgânica.162

Mais tarde, em 1943, redige em Londres, Verso un’architettura organica


(Towards an Organic Architecture), onde em 1944, funda a Association for Organic
Architecture (APAO). A concepção de arquitetura orgânica para Zevi é
antropocêntrica, ou seja, dar condições adequadas de vida para o indivíduo é a
razão de ser de sua arquitetura.

A arquitetura orgânica é uma atividade social, técnica e artística cujo propósito é


criar o marco para uma civilização nova e democrática; esta concebe uma
arquitetura para o homem, construída na escala humana, conforme as
necessidades intelectuais, psicológicas e contemporâneas do ser humano como
membro da sociedade. A arquitetura orgânica é, pois o contrário, da arquitetura
monumental, que se criou para criar a mitologia do passado163.

Saber ver arquitetura é um ensaio sobre o conceito de espaço ao longo da


história da Arquitetura, tendo como parâmetro a concepção de espaço da
arquitetura orgânica. “Zevi volta ao passado para provocar uma catarse no
presente e indicar o caminho para o futuro, conhecendo já seu modelo (Frank
Lloyd Wright)”.164

Este livro foi publicado enquanto Zevi era professor de História da


arquitetura. O autor pretende, nesse manual, ensinar, a saber, ver arquitetura. No
primeiro capítulo, intitulado A ignorância da arquitetura165, alega que o leigo ignora
certos edifícios por não entendê-los. E justifica a ausência deste entendimento pela
dificuldade da compreensão deste espaço contemporâneo (Moderno) pelo público

162
ZEVI, Bruno. El lenguaje moderno de la Arquitectura. Barcelona: Poseidon, 1978. p. 234.
163
ZEVI, Bruno. Saber ver arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 57.
164
TOURNIKIOTIS, Panayotis. La Historiografia de la Arquitetura Moderna: Pevsner, Kaufmann, Giedion, Zevi,
Benévolo, Hitchcock, Banham, Collins, Tauri. Madrid: Mairea/ Celeste, 2001. p. 71
165
ZEVI, Bruno. Saber ver arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 65.

97
leigo somado á incapacidade de comunicação das qualidades desse espaço por
seus produtores, os arquitetos.

Mas, diante de tamanha confusão crítica, podemos, sinceramente, culpar o


público? Não é talvez a carência de uma interpretação clara e válida da arquitetura
que determina este desinteresse e esta ignorância? (...) Se queremos de fato,
ensinar, a saber, ver arquitetura, precisamos, antes de tudo, nos propor uma
clareza de método. O leitor médio que tem acesso aos livros de estética e de crítica
arquitetônica fica horrorizado com a imprecisão dos termos: “verdade”,
“movimento”, “força”, “vitalidade”, “sentido dos limites”, “harmonia”, “graça”,
“escala”, “equilíbrio”, “proporção”, “luz e sombra”, “eurritmia”, “cheios e
vazios”, “simetria”, “ritmo”, “massa”, “volume”, “ênfase”, “caráter”, “contraste”,
“personalidade”, “analogia”... Atributos da arquitetura que os distintos autores
catalogam, geralmente, sem precisar ao que se referem.166

Essa crítica, porém, não o impede de na página quatorze afirmar:

(...) uma planta pode ser bela no papel, como quatro fachadas podem parecer
bem estudadas pelo equilíbrio de seus cheios e vazios, de suas saliências e
reentrâncias, como o volume em seu conjunto, pode ser igualmente
proporcionado (...) ”167

Outra dificuldade apontada por Zevi é o que ele chama de “ineducação


espacial”. Argumenta que a representação dos edifícios por meio de projeções
ortogonais reduz o espaço a suas dimensões quantitativas, a uma montagem de
superfícies.

Desta maneira, Zevi justifica porque é preciso saber ver arquitetura. No


segundo capítulo, explica qual é a verdadeira essência da arquitetura: o que define

166
Ibidem, p. 11. Esta observação de Zevi será comentada nos próximos manuais a serem analisados.
167
Ibidem, p. 14.

98
arquitetura é a qualidade de seu espaço interno, “onde os homens vivem e se
movem”.168

Todos aqueles que, ainda que fugazmente, refletiram sobre este tema, sabem que
o caráter essencial da arquitetura - o que a distingue das outras atividades
artísticas está no fato de agir com um vocabulário tridimensional que inclui o
homem. A pintura atua sobre duas dimensões, a despeito de poder sugerir três ou
quatro delas. A escultura atua sobre três dimensões, mas o homem fica de fora,
desligado, olhando do exterior as três dimensões. Por sua vez, arquitetura é como
uma grande escultura escavada, em cujo interior o homem penetra e caminha.169

Zevi afirma ser o espaço interior a essência da arquitetura, o que a


diferencia das outras belas artes, como a escultura ou a pintura.

A definição mais precisa que se pode dar atualmente da arquitetura é a que leva
em conta o espaço interior. A bela arquitetura será arquitetura que terá um espaço
interior que nos atrai, nos eleva nos subjuga espiritualmente; arquitetura feia será
aquela que tem o espaço interior que nos aborrece e nos repele. O importante,
porém, é estabelecer que tudo que não tem espaço interior não é arquitetura. A
história da arquitetura é a historia das concepções espaciais. As demais coisas (a
decoração, a escultura, a pintura, os motivos econômicos, valores sociais ou
funcionais e as razões técnicas) são importantes, porém são funções da concepção
espacial.170

Norberg-Schulz critica o “uso impreciso do conceito de espaço feito por


alguns autores do movimento moderno, em especial Bruno Zevi”.171 Argumenta
que nesse livro o espaço é interpretado de “maneira fechada e excludente: tanto o
templo grego quanto a arquitetura industrial contemporânea estariam fora do
âmbito da arquitetura por quase não possuírem espaço interno”.172 No entanto,

168
ZEVI, Bruno. Saber ver arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 1-8.
169
Ibidem, p. 17
170
Ibidem, p.28
171
MONTANER, Josep Maria. Arquitetura e crítica. Barcelona: Gustavo Gili, 2007
172
ZEVI, Bruno. Saber ver arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 63-64

99
ciente das possibilidades de interpretações infundadas, Zevi, já, advertia que da
leitura rápida de suas teorias poderiam advir duas conclusões apressadas:

1. A experiência espacial arquitetônica só é possível no interior de um edifício, ou


seja, que o espaço urbanístico praticamente não existe ou não tem valor.
2. O espaço, não somente é o protagonista da arquitetura, mas esgota a
experiência arquitetônica, e que, por conseguinte, a interpretação espacial de um
edifício é suficiente como instrumento crítico para julgar uma obra de
arquitetura.173

Zevi rebate estas possíveis interpretações justificando que não exclui as


outras variáveis na concepção arquitetônica, apenas as considera, intrinsecamente,
dependentes da concepção do espaço interior.

A história da arquitetura é a historia das concepções espaciais. As demais coisas (a


decoração, a escultura, a pintura, os motivos econômicos, valores sociais ou
funcionais e as razões técnicas) são importantes, porém são funções da concepção
espacial.174

O espaço referido por Zevi tem sua definição nas características da


arquitetura orgânica, que se opõe às regras do classicismo. Em outro ensaio,
“Linguagem da Arquitetura Moderna”, publicado em 1974, o autor explica melhor o
que entende por este espaço orgânico, estabelecendo sete princípios. Considerou
estes princípios como um código anticlássico. Para Zevi, a casa Falling Water de
Frank Lloyd Wright, é a obra que melhor expressa estas características.

173
Ibidem, p. 25.
174
Ibidem, p.28.

100
Figura 28: Fallingwater House, Mill Run, Pennsylvania, USA

Fonte: disponível em: http://www.coolboom.net/en/wpcontent/ Acesso em: 03/04/2007.

1. Eleição do conteúdo e da função derivado de William Morris e do Movimento


Arts and Crafts; (artesanato x produção em massa)
2. Assimetria e dissonância
3. Tridimensionalidade antiperspectiva
4. Composição quadrimensional
5. Estrutura em balanço, casacas e membranas
6. Espaço vivo, dinâmico, fluído
7. Continuidade entre espaço interno e externo, edifício paisagem e tecido
urbano175

175
1. Elenco dei contenuti e delle funzioni, derivato da William Morris e dal movimento Arts and Crafts, al quale Wright ha
aderito in chiave della macchina.
2. Asimmetria e dissonanza. Invero il maestro di Taliesin è l’Arnold Schönberg dell’architettura.
3. Tridimensionalità antiprospettica, intesa a rifiutare l’edificio come scatola, osservato da un punto di vista statico
rinascimentale.
4. Scomposizione quadrimensionale. Wright è il padre del movimento olandese De Stijl.
5. Strutture in aggetto, a guscio e a membrana, ovvero la fine dello scisma tra ingegneria e architettura.
6. Spazi vivi, dinamici, fluidi: l’essenza stessa dell’identità wrightiana.
7. Continuità tra interno e esterno, edificio, paesaggio e tessuto urbano. [il testo originale è pubblicato in Frank Lloyd
Wright. Europe and Beyond, a cura di A. Alofsin, Berkeley- Los Angeles – London, 1999]

101
Figura 29: Composição quadrimensional e estrutura em balanço,
cascas e membranas

Fonte: Zevi, Bruno. A linguagem Moderna da Arquitetura. Lisboa: Dom Quixote, 1984.

Em seguida, no capítulo 3, discorre sobre as limitações da representação do


espaço. Embora este capítulo seja anacrônico face às inovações do desenho em
meio digital. Zevi conclui:

(...) nenhuma representação é suficiente, precisamos nós mesmos ir, ser incluídos,
tornarmo-nos e sentirmo-nos parte e medida do conjunto arquitetônico, devemos
nós mesmos, nos mover. Todo resto é didaticamente útil, praticamente necessário,
intelectualmente fecundo; mas é meras alusão e função preparatória dessa hora
em que, todos nós, seres físicos, espirituais e, sobretudo humanos, vivemos os
espaços com uma adesão integral e orgânica.176

No quarto capítulo, “as várias idades o espaço”, discorre sobre a


importância da compreensão dos contextos geográficos e sócio culturais de cada

176
ZEVI, Bruno. Saber ver arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 51.

102
época para poder apreciar cada produção arquitetônica, descrevendo estes
fatores:

1. Os pressupostos sociais: sócio econômico culturais


2. Os pressupostos intelectuais: sonhos, mitos sociais, aspirações e crenças
religiosas
3. Os pressupostos técnicos: sistemas construtivos, técnicas vigentes e mão de
obra disponível.
4. Mundo figurativo e estético: a moda, gostos e meios expressivos177

Comenta que, embora todos estes fatores estejam sempre presentes, não
possuem a mesma importância relativa. Assim, muitas vezes alguns fatores têm
mais influência que os outros na resposta arquitetônica. A partir de uma série de
exemplos, mostra quais foram os fatores determinantes em cada época e lugar.
Faz breves observações sobre a arquitetura clássica da Grécia e Roma, passa por
Bizâncio, comenta os espaços medievais, irrompe na Renascença, critica
duramente o espaço urbanístico do século XIX, afirmando que foi uma “época de
mediocridade inventiva e de esterilidade poética.” Ao chegar ao século XX,
enaltece o advento das novas técnicas que permitiram a “planta livre”, citando: Le
Corbusier, Mies Van der Rohe e Frank Lloyd Wright e suas casas paradigmáticas.

Evidentemente, um livro com pretensões didáticas deve tentar se manter imparcial


em suas considerações. Muito mais do que emitir juízos de valor deve-se
possibilitar a aquisição de conhecimentos que permita ao jovem elaborar seus
próprios juízos.
O conhecimento não é um espelho das coisas ou do mundo externo. Todas as
percepções são ao mesmo tempo, traduções e reconstruções cerebrais com base
em estímulos ou sinais captados e codificados pelos sentidos. (...) Este
conhecimento, ao mesmo tempo, tradução e reconstrução, comporta a

177
ZEVI, Bruno. Saber ver arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 14.

103
interpretação, o que introduz o risco do erro na subjetividade do conhecedor, de
sua visão de mundo e de seus princípios de conhecimento.178

O capitulo 5 se propõe a discorrer sobre as diversas interpretações da


arquitetura. Através de uma série de exemplos, Zevi discute as interpretações
possíveis de cada edifício, atentando para a mais significativa.

Para que uma interpretação seja adequada, deve esclarecer um aspecto


permanente da arquitetura, tem que fazer sentido na explicação de cada obra,
independente do fato de que abarque ou não a totalidade de seus aspectos.
Somente assim poderemos distinguir as interpretações legítimas das equivocadas,
afirmando que as últimas não passam de generalizações de poéticas particulares,
ilações ilegítimas de elementos que caracterizam um único mundo figurativo.

Nesta discussão é questionada a relação da interpretação espacial com as


demais: o espaço interno é relevante ou ignorado? Não se pode esquecer que o
seu parâmetro é o da arquitetura orgânica.

1. Interpretação de conteúdo: político, filosófico, religioso, científico, econômico,


social, materialista e técnico
2. Interpretação fisiopsicológicas: Einfülung (sensações derivadas da escala e das
formas)
3. Interpretação formalista (tradicional ou moderna)

Após haver discutido uma série de exemplos, conclui-se que a interpretação


espacial não é excludente, ou seja, esta é uma decorrência de cada uma das
outras interpretações.

A interpretação espacial constitui o atributo necessário de toda possível


interpretação, caso se queira ter um sentido concreto, profundo, exaustivo em

178
MORIN, Edgar. Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez; Brasília DF: UNESCO, 2006.
p. 20.

104
matéria de arquitetura. (...) em arquitetura, conteúdo social, efeito psicológico e
valores formais se materializam no espaço.179

No capítulo seis, “Para uma história moderna da arquitetura” (moderno


como sinônimo de contemporânea), Inicia o capítulo criticando a produção teórica
do momento, especialmente a de cunho didático.

As obras com finalidade didática, por exemplo, esforçam-se por estabelecer regras
e princípios de uma correção sintática tão insossa, de uma aridez tão anônima e de
uma dogmática tão ingênua que mesmo as pessoas mais interessadas encontram
dificuldades para entender.

A seguir, Zevi faz uma defesa apaixonada da importância da arquitetura


como espaço onde a vida acontece e, por conseguinte da compreensão dos
pressupostos que originam tal arquitetura para não incorrer em uma interpretação
reducionista equivocada do edifício.

Toda posição crítica vital fundamenta suas raízes em uma consciência estética
determinada pelas intenções artísticas na qual se desenvolve. (...). Desobstruir o
terreno da mitologia histórica e dos tabus monumentais, aderir à arte em sua fase
criadora, ler as obras do passado com os olhos de seus artistas, julgar Borromini,
com a mesma falta de preconceito e com a mesma confiança com que se julga
Neutra, significa, não somente, abrir caminho à arquitetura moderna, senão,
também, à arquitetura dos séculos passados.180

Concluindo, novamente com uma declaração apaixonada e panfletária, Zevi


diz a que veio:

Uma história moderna (leia-se contemporânea) e orgânica da arquitetura, não


considerará somente a porção estética e intelectual de nosso ser, não somente à
parte cultural, nem a nossa emotividade. Falará – mais alem das partes inanimadas
do homem econômico, afetivo e espiritual - ao homem completo. E então a grande

179
ZEVI, Bruno. Saber ver arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 126
180
Ibidem, p. 131

105
maioria das pessoas verá cair à cortina dos preconceitos que confinam a cultura
arquitetônica a um lugar mofado acadêmico e falso. (...) Portanto, entre as
promessas, as tarefas, as esperanças e a potencialidade de nossa obra coletiva,
está também, a nova história da arquitetura, da qual estas páginas, acerca da
interpretação espacial, querem servir de auspicio.181

Zevi não pretendeu escrever um manual didático. Seu livro é uma reflexão,
um ensaio (como informa o subtítulo) sobre as diversas maneiras de se conceber e
interpretar arquitetura. Utilizando-se de exemplares de períodos e lugares
diversos, o autor mostra que, nem sempre, a interpretação da arquitetura é
condizente com sua concepção. Alerta para a necessidade das pessoas se
liberarem de idéias preconcebidas, para “saber ver arquitetura”. O texto de Zevi é
de difícil compreensão, tornando-se ainda menos claro em sua versão para o
português da Martins Fontes.

O aluno iniciante não possui os conhecimentos necessários para


compreender do que Zevi está falando. Suas observações são muito estimulantes,
mas exigem um conhecimento prévio de teoria e história da arquitetura para
apreciá-las. Este livro é adequado para suscitar discussões, mas não serve para
iniciar o estudante no projeto arquitetônico.

181
ZEVI, Bruno. Saber ver arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p.132.

106
3.2 Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem

O próximo manual a ser analisado é Arquitetura: Forma Espaço e Ordem de


Francis D. K. Ching. Assim como Saber Ver Arquitetura, esse livro tem inconteste
penetração no meio acadêmico internacional, confirmada pela tradução para
diversos idiomas182. A primeira edição na língua original (inglês) data de 1976, a
mais recente, de 2008.

Ching é considerado o autor best-seller de vários livros sobre arquitetura e


projeto, entre estes: A Global History of Architecture, Architectural Graphics, A
Visual Dictionary of Architecture, Interior Design Illustrated and Building
Construction Illustrated, todos publicados pela editora John Wiley & Sons.

Na Europa, a União internacional dos Arquitetos (UIA) tem um programa


orientado às escolas de ensino médio denominado Architecture and Children
Environment Education. Na Irlanda, a página da UIA dedicada aos jovens
estudantes que estão escolhendo suas carreiras, recomenda uma série de livros
para auxiliar o jovem na escolha da profissão. Entre estes, tem-se o Arquitetura,
Espaço, Forma e Ordem como representativo do que seja arquitetura.

Tente ler um ou todos os livros sugeridos, se você os achar fascinantes, você está
no caminho certo, mas, se você os considerar aborrecidos, pense novamente na
sua escolha.183

182
Chinês, japonês, coreano, indonésio, malásio, espanhol, alemão, norueguês, português, italiano e hebraico.
183
Try reading one or more of the following books. If you find them fascinating you are probably on the right track. If you
find them boring, then think again.

107
Figura 30: How do I chose?

It is difficult to tell in advance if you have the aptitude for architecture, because there is
nothing that you experience at Second Level that is anything like it. Courses in
architecture and architectural technology are of their nature vocational. In choosing one
you are usually making quite a big decision about your career direction. So it is important
to research it well.
Collect all the information you can from the course booklets published by the educational
institutions. Look at the subjects you will have to study during the course - do they appeal
to you? Talk to your parents and school career guidance counsellor. Talk to an architect if
you know one. Go to Open Days.
Try reading one or more of the following books. If you find them fascinating you are
probably on the right track. If you find them boring, then think again.
CHING, Francis. Architecture: Form, Space, Order. Van Nostrand Reinhold, 1996.
CHING, Francis. Building Construction Illustrated. Van Nostrand Reinhold, 1991.
GORDON, J.E. Structures, or Why Things Don't Fall Down. Penguin, 1991.
NUTTGENS, Patrick. The Story of Architecture. Second edition. Phaidon, 1997.
RASMUSSEN, Steen Eiler. Architecture for Beginners. Chapman & Hall. 1964.
ROTHERY, Sean. A Field Guide to the Buildings of Ireland. Lilliput Press, 1997.
BRENNAN, Marie & MCNICHOLL, Ann. Shaping Space: Architecture in the Transition Year.
RIAI, 1998.
Fonte: disponível em: http://www.riai.ie/education/choose.html. Acesso: em 15/06/2006.

Ching nasceu no Havaí, EUA, e concluiu seu curso de arquitetura na


Universidade de Notre Dame em 1966. Atualmente é professor no Architecture
Department na Universidade de Washington em Seattle.
Desde a década de sessenta, surgiu nos Estados Unidos uma “reação
bastante indiscriminada contra todas as formas de expressão modernista em
arquitetura, uma situação que o crítico Charles Jencks identificou como “pós-

108
184
moderna” . Este movimento defendia a “pura referência histórica à cultura
185
popular” . O resultado foi uma colagem de diversos estilos e tendências, que
terminou virando um pastiche. Neste cenário, de uma quase licenciosidade
estilística, Ching publica esse livro, em 1975.

A edição mais recente (2008) mantém o texto da anterior, acrescentando


alguns itens e ilustrações. A novidade é a inserção de um CD. Veja-se o que diz a
editora186:

Por mais de trinta anos, o maravilhosamente ilustrado livro Arquitetura: Forma,


Espaço e Ordem, tem sido a clássica introdução para o vocabulário básico de
projeto arquitetônico. Esta clássica referência visual auxilia estudantes e arquitetos
a compreender o vocabulário básico de projeto examinando como a forma e o
espaço estão ordenados no ambiente construído. Usando seu desenho meticuloso
e inconfundível, o Professor Ching mostra as relações entre os elementos
fundamentais da arquitetura através dos tempos e além das fronteiras culturais.
Olhando estas idéias seminais, Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem, encoraja
o leitor a olhar criticamente ao ambiente construído e promove um entendimento
mais evocativo da arquitetura.

184
FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p.355.
185
MELVIN, Jeremy. ...ISMOS. Entender a arquitectura. Seixal: Editora Lisma, 2006. p. 128
186
For more than thirty years, the beautifully illustrated Architecture: Form, Space, and Order has been the classic
introduction to the basic vocabulary of architectural design. This classic visual reference helps both students and practicing
architects understand the basic vocabulary of architectural design by examining how form and space are ordered in the built
environment. Using his trademark meticulous drawing, Professor Ching shows the relationship between fundamental
elements of architecture through the ages and across cultural boundaries. By looking at these seminal ideas, Architecture:
Form,Space, and Order encourages the reader to look critically at the built environment and promotes a more evocative
understanding of architecture.

109
Figura 31: Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem, edição 2008.

Now includes a companion CD-ROM that brings the


book's architectural concepts to life through three-
dimensional models and animations created by Frank
Ching. Features expanded sections on circulation, light,
views, and site context. Includes new consideration of
environmental factors, building codes, and
contemporary examples of the principles of form,
space, and order.
Fonte: disponível em http////: www.wiley.com/ Acesso em: 22/07/ 2005.

A leitura da resenha de apresentação do livro já suscita algumas dúvidas. O


termo clássico se refere à qualidade do livro ou ao vocabulário de projeto que este
pretende apresentar? Estas e outras indeterminações são os primeiros vestígios de
situações dúbias que se encontrará ao longo deste estudo e que confirmam a
citação de Kuhn:

[...] Em parte por seleção e em parte por distorção, os cientistas de épocas


anteriores são implicitamente representados como se tivessem trabalhado sobre o
mesmo conjunto de problemas fixos e utilizado o mesmo conjunto de cânones
estáveis que a revolução mais recente em teoria e metodologia científica fez
parecer científicos. ”187

Primeiramente, cabe ressaltar que um dos problemas recorrentes na


publicação é a imprecisão dos termos utilizados. Em um livro destinado a
principiantes, a clareza dos termos é muito importante. Uma das grandes
dificuldades do professor é entender que o que é óbvio para ele não o é para os
alunos. Assim, também, um livro que pretenda ser didático deve ser claro em seus
termos e definições. Neste trabalho, termo se define como palavra (ou locução)
rigorosamente definida que designa um conceito próprio de um determinado

187
KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Ed. Prespectiva, 2005. p. 177

110
campo das ciências, da tecnologia, das artes, dos ofícios etc. “188 Conceito, por sua
vez, é tomado na acepção kantiana, “a partir de noções, que ultrapassam a
possibilidade da experiência”, ou seja, “um conceito nada mais é do que uma
forma pela qual uma intuição particular, vem a ser pensada como universal, como
pertencente a uma mesma classe de objetos reunidos por traços comuns.”. Esta
imprecisão nos termos pode sugerir certa superficialidade epistemológica,
questionável em uma publicação destinada, principalmente, aos iniciantes.

A leitura do prefácio corrobora a indefinição acima citada:

[…] A edição original deste estudo introduzia o estudante de arquitetura à forma e


ao espaço, e aos princípios que norteiam sua organização em edifício. Forma e
espaço constituem os meios cruciais da arquitetura, compreendendo um
vocabulário de projeto que é tanto elementar quanto atemporal.189

Nesse contexto específico da iniciação ao projeto, mostra-se questionável a


caracterização de Ching de “(...) um vocabulário de projeto que é tanto elementar
quanto atemporal”. Segundo Houaiss190, um vocabulário é um “conjunto de termos
que são característicos de determinado campo de conhecimento ou atividade, e
sua codificação, com ou sem definições”, sendo termo, “palavra (ou locução)
rigorosamente definida que designa um conceito próprio de um determinado
campo das ciências, da tecnologia, das artes, dos ofícios etc.” O que Ching está
dizendo é que os conceitos em arquitetura são básicos e não sofrem interferência
da época (história). Essa afirmação encontra eco nos paradigmas iluministas, de
uma verdade universal e atemporal, adotados no manual de Durand, com cujo
reducionismo Guadet não concorda. Quando redige seu manual, em 1903, refuta
essa neutralidade da arquitetura. Que vocábulos são esses? Veja-se o próximo
parágrafo:

188
Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Versão 1.0. São Paulo: Editora Objetiva, 2001
189
CHING, Francis. Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem. São Paulo, Martins Fontes, 1999, p. VII
190
Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Versão 1.0. São Paulo: Editora Objetiva, 2001.

111
[...] Este trabalho continua a ilustrar as maneiras como os elementos
fundamentais e os princípios do projeto arquitetônico se manifestam no decorrer
da história humana.

Os princípios do projeto arquitetônico podem ser entendidos como suas


regras, que de acordo com Kuhn, derivam de paradigmas191. Estes primeiros
parágrafos do prefácio, que falam da busca de elementos fundamentais e de um
vocabulário universal, remetem tanto ao Classicismo quanto ao Modernismo. No
entanto, esses elementos fundamentais são diferentes. No primeiro se referem à
recuperação dos princípios clássicos da arquitetura greco-romana, e no outro a
decomposição das formas em geometrias elementares e abstratas192.

Estes modelos históricos transpõem o tempo e atravessam as fronteiras culturais


[...] Estas idéias seminais transcendem seu contexto histórico e encorajam a
especulação acerca de como poderiam ser analisadas, percebidas e
experimentadas [...] De como poderiam ser reaplicadas a uma gama de problemas
arquitetônicos.193

Aqui, modelo histórico é equiparado à idéia seminal. Idéia seminal segundo


Houaiss194 é a que “estimula novas criações, que traz novas idéias, gerador de
novas obras; inspirador”, logo, diferente de modelo. O termo tipo seria aqui mais
adequado, pois este pode ser uma idéia seminal. Seguindo a proposição de
Quatremère de Quincy, o tipo é uma abstração, um esquema, que pode surgir
como uma idéia geradora e precisa ser manipulado para a definição do projeto.
Cada período histórico tem sua arquitetura, resultado tanto das crenças e valores
da sociedade, quanto das possibilidades tecnológicas da época. Logo, não se pode
concordar com a seguinte afirmação: “estas idéias seminais transcendem seu
contexto histórico”. Os problemas arquitetônicos não podem ser considerados de

191
KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Ed. Prespectiva, 2005. p. 66.
192
MONTANER, Josep Maria. As Formas do Século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2002.
193
CHING, Francis. Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem. São Paulo, Martins Fontes, 1999. p. VII
194
Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Versão 1.0. São Paulo: Editora Objetiva, 2001.

112
195
uma maneira descontextualizada, “como se houvessem saído do nada” , como
nos propõe o autor. (Provavelmente, o autor não leu o “Saber ver arquitetura”,
cujo argumento é justamente o contrário).

Na tabela a seguir, Corona Martinez ilustra as alterações que se produziram


nas regras, comparando os períodos pré-moderno (École des Beaux-Arts) e
moderno (Bauhaus). Enquanto no primeiro os elementos são tangíveis, pertencem
a um léxico de figuras pré-definidas, no outro, os elementos são abstratos,
gerando composições imprevisíveis.

Figura 32: Elementos de Arquitetura

PRÉ MODERNOS MODERNOS


Clássicos Tradicionais Abstratos Técnico/estruturais
Época Séc. VII A.C. Permanente Séc. XX Séc. XIX/ XX
ao presente
Fundamento ou Tradição Pratica Geometria Cálculo
razão de sua Teorias construtiva Racionalidade econômica
forma clássicas
Relação com a Não Direta Dificultosa Dificuldades
construção problemática implementação da
abstração estrutural
Intenção que Arquitetura Utilidade Modernidade: novo objeto artificial
guia seu uso “á imagem da indústria”
Fonte: CORONA MARTINEZ, Alfonso. Ensayo sobre el proyecto. Buenos Aires: CP67
Editorial, 1991. p.158.

A leitura do prefácio gera a expectativa de que o livro constitua uma


biblioteca de tipos arquitetônicos, nesse sentido, um catálogo (como propôs
Durand). Contudo, na Introdução, o enfoque passa a ser outro:

195
HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura Visual, Mudança Educativa e Projeto de Trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2000. p.
28.

113
[...] De qualquer maneira, pressupõe-se que o conjunto de condições existentes - o
problema - seja pouco satisfatório E que um novo conjunto de condições - uma
solução - se faça desejável. O ato de criar arquitetura, portanto, constitui um
processo de solução de problema ou de projeto196.

Aqui ocorre outra confusão: “o ato de criar arquitetura”. Arquitetura se cria?


O termo criação é utilizado na Bauhaus na tentativa Modernista de liberação dos
cânones artísticos e conseqüente negação da composição enquanto
reconhecimento de preexistências. Nesta acepção “criar” arquitetura não
pressupõe “um conjunto de condições existentes-o problema”.

Viu-se que arquitetura é uma disciplina e uma prática, por meio da qual se
gera algum tipo de produto intelectual capaz de se materializar em artefatos, no
caso, os espaços edificados. No entanto, não se cria edificações (criação),
inventam-se edificações. Assim, a formulação mais correta seria: o ato de inventar
edificações. Esses esclarecimentos ficam faltando, deixando em aberto o
entendimento daquilo que o autor estaria efetivamente dizendo quando discorre
sobre a arquitetura.

Na Introdução, nesse primeiro parágrafo, o autor equipara projeto a um


processo de solução de problemas. O prefácio se referia à modelo, propunha a
percepção e análise de imagens de edifícios sacramentados pelo corpus, a fim de
reaplicá-las no presente: aquisição de conhecimento baseado na memorização de
fragmentos de imagens para compor o edifício (como o manual de Durand).
Analogamente, decora-se o alfabeto para aprender a ler e escrever. Mas agora, o
enfoque passa a ser outro: “um processo de solução de problema ou de projeto”.

Quando se considera a ação projetual equivalente ao ato de solucionar um


problema, está se falando de uma algoritmização cujo início Perez Gómez atribui a
Durand. Nas décadas de sessenta e setenta do século passado, novamente,

196
CHING, Francis. Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem. São Paulo, Martins Fontes, 1999. p. IX.

114
aventa-se a possibilidade de transcrever um projeto em algoritmos. Essas
tentativas se tornaram populares através dos livros de Cristopher Alexander e
Cristopher Jones, que não serão analisados, por fugirem ao escopo desta tese.

Novas descobertas no campo da ciência e da psicologia mudaram os


paradigmas no século XX. O Iluminismo que embasava as publicações da época de
Durand, quando se acreditava que tudo poderia ser equacionado pelo método
analítico da ciência, foi cedendo espaço ás idéias do Romantismo, que se opondo
ao que julgava uma simplificação do conhecimento, preconizava a necessidade de
uma compreensão do todo, que reconhecesse além das partes, as relações entre
as mesmas.

Esta nova visão de mundo admite que, existem respostas mais adequadas
que outras, a verdade deixa de ser única, não se cogita mais em um “vocabulário
de projeto que é tanto elementar quanto atemporal”. Contudo, um projeto
arquitetônico apresenta diversos aspectos problemáticos, cujas soluções envolvem
inúmeros processos. Logo, resolver um projeto passa a ser enfrentar problemas
incompletos e complexos, cuja solução não existe a priori e nem é única. A
complementação dos dados do problema vai sendo construída á medida em que
este se define. Não existe uma única solução correta, mas a que será considerada,
dentre um amplo universo de escolhas, a mais adequada à situação descrita.

Na ação projetual, é fato que quanto maior o repertório do projetista, mais


preparado ele estará para alcançar um resultado satisfatório. Então, o
conhecimento e análise de soluções do passado podem ser relevantes. No entanto,
deve-se fazer uma ressalva: modelo, ou, melhor dizendo, tipo, como comentado
em parágrafo anterior, não é apenas imagem, mas se refere a uma maneira de
resolver um problema. Logo, está-se falando em um “repertório” de possibilidades
de resolver problemas e não de uma coleção de partes que possam ser arranjadas.

115
Prosseguindo na leitura, no segundo parágrafo são apresentados
procedimentos para alcançar a solução do problema.

A fase inicial de qualquer processo de projeto é o reconhecimento de uma condição


problemática e a decisão de se encontrar uma solução para ela. O projeto é acima
de tudo um ato deliberado, um empreendimento propositado. Um projetista deve
primeiro documentar as condições existentes de um problema, definir seu contexto
e levantar dados importantes para serem assimilados e analisados. Essa é a fase
crucial do processo projetivo, já que a natureza de uma solução está
inexoravelmente relacionada á maneira como o problema é percebido, definido e
articulado.197

Assim, cria-se a expectativa de que o autor passe a explicar as etapas


necessárias para consecução dos objetivos. Contudo, no terceiro parágrafo, o
autor muda a abordagem, falando em vocabulário e gramática, pressupondo que
arquitetura é uma linguagem.

Os projetistas, inevitável e instintivamente, prefiguram soluções aos problemas


com os quais se defrontam, porém a profundidade e o espectro de seu vocabulário
de projeto influenciam tanto sua percepção de uma questão quanto a formulação
de sua resposta. Se nossa compreensão de uma linguagem de projeto é limitada, o
espectro de soluções possíveis a um problema também será limitado. Este livro
está voltado, portanto, para a ampliação e enriquecimento de um vocabulário de
projeto, através do estudo de seus elementos e princípios essenciais e da
exploração de um amplo rol de soluções a problemas arquitetônicos desenvolvidos
no decorrer da história humana.198

Nesse parágrafo são mencionadas duas maneiras de se solucionar um


projeto: “estudo de elementos e princípios essenciais do vocabulário de projeto” e
um “amplo rol de soluções a problemas arquitetônicos desenvolvidos no decorrer
da história humana”. Viu-se no capítulo anterior que os “elementos e princípios

197
CHING, Francis. Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem. São Paulo, Martins Fontes, 1999. p. 9.
198
Ibidem.

116
essenciais” têm variado de acordo com as regras do paradigma vigente na época
da redação do manual. Ademais, apresentar um “amplo rol de soluções”
assemelha-se a uma tarefa hercúlea neste século XXI.

A afirmação de que arquitetura é uma linguagem não encontra


unanimidade. Uma linguagem consiste em um “sistema formal de símbolos
estabelecidos em função de axiomas, regras e leis que estruturam um
enunciado”.199 Este sistema formal de símbolos equivale a um sistema de
comunicação.

Nos anos 60 e 70, a cultura de massas considerava todo fenômeno como


um sistema comunicativo ou uma linguagem. São desta época os livros: A
Linguagem Clássica da Arquitetura (1963) de John Summerson, A Linguagem
Moderna da Arquitetura (1973) de Bruno Zevi e A Linguagem da Arquitetura Pós
Moderna (1984) de Charles Jencks. Novamente, utiliza-se uma terminologia,
omitindo suas regras.

É possível estabelecer uma analogia com a maneira como precisamos conhecer e


compreender o alfabeto antes que possamos formar palavras e desenvolver um
vocabulário, como precisamos compreender as regras da gramática e sintaxe antes
que possamos construir sentenças precisamos entender os princípios de
composição, antes que possamos escrever ensaios, romances e coisas do
gênero200.

Neste quinto e último parágrafo, retoma-se a analogia entre alfabetização e


iniciação ao projeto. Aqui, são flagradas concepções anacrônicas sobre aquisição
do conhecimento. A memorização do alfabeto para se alfabetizar remete á uma
“concepção mnemônica da aprendizagem baseada na apropriação e reprodução
201
memorística dos conhecimentos” . A metáfora da arquitetura como linguagem se

199
Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Versão 1.0. São Paulo: Editora Objetiva, 2001.
200
Opus cit. CHING, p. 9.
201
POZO, Juan Ignácio. Aprendizes e mestres. A nova cultura da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2002. p. 30

117
refere à capacidade de comunicação de seus elementos estilísticos. Não se está
decompondo frases em palavras e palavras em letras.

Observa-se, novamente, uma confusão entre projeto e desenho. Desenhar e


projetar são ações diferenciadas. Para projetar é preciso possuir capacidades
cognitivas razoáveis para processar as informações recebidas, assim como,
habilidades no trato das representações simbólicas como a linguagem escrita e
falada e nas formas de pensamento lógico matemático. Todavia, o aprendizado da
prática do projeto arquitetônico pressupõe, além destas habilidades, o domínio de
outro sistema de codificação: a representação do objeto proposto.

Alfabetizar é ensinar um “conjunto finito de símbolos que representam os


elementos de uma língua”,202 Logo, está se propondo que ensinar a desenhar é
equivalente a ensinar a projetar?

A leitura da introdução evidencia que o autor acredita que o estudante, ao


chegar à universidade, não sabe nada de arquitetura. Anulam todas as vivências
anteriores, o saber “mundano” do aluno, reiterando arquitetura como uma
disciplina que apenas os iniciados são capazes de aprender. Iniciados são aqueles
que conhecem valores determinados pelo próprio campo e não por aqueles que
usufruirão da arquitetura: os cidadãos não arquitetos.

O primeiro capítulo, Elementos primários, começa com uma citação de Paul


Klee, e passa a discorrer sobre ponto, linha, plano e volume como geradores
elementares da forma.

202
Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Versão 1.0. São Paulo: Editora Objetiva, 2001.

118
Figura 33: Elementos primários

Fonte: CHING, Francis. Arquitetura: forma, espaço e ordem. São Paulo, Martins Fontes,
1999. p. 3.

Toda forma pictórica começa com o ponto que se coloca em movimento (...). O
ponto se move e a linha203 nasce-a primeira dimensão. Se a linha se desloca para
formar uma superfície204, obtemos um elemento bidimensional. No movimento da
superfície para espaços, o encontro de superfícies dá surgimento ao corpo
(tridimensional) (...) Uma síntese de energias cinéticas que movem o ponto
convertendo-o em linha, a linha convertendo-a em superfície e a superfície
convertendo-o em uma dimensão espacial205.

A influência da Bauhaus no ensino americano de arquitetura aconteceu


através da emigração de alguns de seus professores para os EUA, na década de
trinta: Walter Gropius, Ludwig Mies Van der Rohe, Marcel Breuer e Ludwig
Hilberseimer, que passaram a lecionar nas universidades de Harvard e Ilinois,
respectivamente. Não seria demasiada especulação, sabendo-se que Ching
freqüentou a universidade entre 1961 e 1966, supor que os corolários de Gropius
ainda exercessem sobre ele forte influência, como se tudo no projeto se originasse

203
Na versão em português, line é traduzida para “reta”, um termo inadequado.
204
Na versão em português, plane é traduzida para “plano”, um termo inadequado.
205
KLEE, Paul. The Thinking Eye: The notebooks of Paul Klee, 1961. É a versão em ingles do livro de Klee organizado por
Jürg Spiller.

119
de quadrados, círculos e triângulos. Usado como recurso pedagógico, esse
reducionismo pode induzir a uma redução da complexidade do processo de
projeto.

Viu-se no capítulo anterior que Paul Klee foi professor de Teoria da Forma
no Vorkurs da Bauhaus. Esse curso introdutório não era específico para os alunos
da arquitetura, mas extensivo aos alunos de todas as artes. Seus procedimentos
didáticos estavam baseados nas suas pesquisas sobre a concepção da obra de
arte, enquanto desenho e pintura. Embora discorra sobre o ponto, a linha e a
superfície, o ponto não é motivo de reflexões teóricas (ao contrário da teoria de
Kandinsky), mas torna-se significativo quando, em movimento, forma a linha. O
espaço para Klee é o resultado, na pintura, da convergência de duas linhas para
um ponto, sendo essa sua terceira dimensão.

Nesse capítulo o autor explica quais são os elementos primários no


“vocabulário da (dele) arquitetura”. Adotando as concepções de Klee, os elementos
são o ponto que gera a linha, que gera o plano e gera o volume. Todavia, sabe-se
que a essência desta geometria, não era a decomposição do volume em
superfícies e, essas em retas, originadas por pontos. A noção de superfície era
referente ao espaço de representação, no caso, da pintura.

O que o autor tenta, é fazer uma taxonomia do ponto, linha, superfície e


volume, denominando-nos vocábulos, ou elementos da “gramática arquitetônica” e
dispondo sobre seus possíveis arranjos. Pretende sistematizar o que em essência
não é sistematizável: o abstracionismo.

Definidos os elementos, apresentam-se os exemplares arquitetônicos


configurados por um ponto, dois pontos, linha, linhas definindo planos, planos e
planos configurando volumes. Esses procedimentos se assemelham à descrição de
uma linha de montagem, no entanto, as ilustrações são fragmentos de objetos

120
arquitetônicos pinçados de diversas épocas e locais, cujo simples arranjo é
questionável.

O segundo capítulo denominado Forma começa com uma citação de Bacon:

A forma arquitetônica é o ponto de contato entre massa e espaço [...]. Formas


arquitetônicas, texturas, materiais, modulação de luz e sombra, cor, tudo se
combina para injetar uma qualidade ou espírito que articula espaço. A qualidade da
arquitetura será determinada pela habilidade do projetista em utilizar e relacionar
esses elementos tanto nos espaços internos quanto nos espaços ao redor dos
edifícios. 206

Quando Bacon, nesta citação do livro Design of Cities (1967), fala de


qualidade, está se reportando à comunicação do atributo. Todavia, a definição de
Ching, resume-se aos aspectos de concretude da forma. Outra curiosidade é que
na página 68 deste livro de Bacon, encontra-se a mesma citação de Klee, usada
por Ching no primeiro capítulo207.

No contexto deste estudo, forma sugere referência tanto à estrutura interna e ao


seu perfil exterior quanto ao princípio que confere unidade ao todo. Enquanto
forma freqüentemente inclui um sentido de massa ou volume tridimensional,
formato refere-se mais especificamente ao aspecto essencial da forma que governa
sua aparência- a configuração ou disposição relativa das linhas ou contornos que
delimitam uma figura ou forma.208

O termo forma admite diversas acepções. Ao longo da história da


arquitetura, sua definição variou de acordo com o aspecto enfatizado. Assim,
observa-se outra confusão semântica. Montaner209 esclarece que se forma for
entendida como estrutura interna, como construção do espaço e da matéria, forma
e conteúdo coincidem, ou seja, forma são envoltório e espaço interior. No entanto,
206
BACON, Edmund. Design of cities. London: Thames and Hudson, 1978.
207
Ver página 119 desta tese.
208
CHING, Francis. Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem. São Paulo, Martins Fontes, 1999. p. 34.
209
MONTANER, Josep Maria. As Formas do Século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2002.

121
em inglês, shape se refere a duas dimensões, enquanto form absorve as outras
duas. Este é mais um dos equívocos da versão para português da Martins Fontes.

A seguir, forma é caracterizada como formato, tamanho, cor, textura, que


denomina propriedades formais e posição, orientação e inércia visual (grau de
concentração e estabilidade de uma forma), denominadas propriedades
relacionais.210

Figura 34: Forma

Fonte: CHING, Francis. Arquitetura: forma, espaço e ordem. São Paulo, Martins Fontes,
1999. p.34.

Neste capítulo, verifica-se uma clara inspiração do programa desenvolvido


por Paul Klee para sua disciplina do segundo semestre do Vorkurs, não obstante
estas aulas211 de Klee fossem sobre pintura.

210
Opus cit. CHING, p. 35.
211
Ver página 80 e 81 desta tese.

122
Ao longo deste capítulo forma é superfície (quando o exemplo é uma planta
baixa ou fachada) e forma, também é volume, quando o exemplo é uma
perspectiva. Para ilustrar o que entende por forma, Ching parte dos sólidos
platônicos e fragmenta-os em superfície e volume. Descreve superfície e volume
conforme suas “propriedades formais e relacionais” e passa a analisar desde o
busto da Rainha Nefertite até a Casa III de Peter Eisemann, passando pela igreja
Il Redentore do Pallladio, casa Shodham de Le Corbusier, entre outros exemplos.

Figura 35: Superfície e volume

Fonte: CHING, Francis. Arquitetura: forma, espaço e ordem. São Paulo, Martins Fontes,
1999. p.36-37.

O capítulo 3, Forma e Espaço, iniciam com uma citação de Lao-Tzu ilustrada


pelo símbolo ying-yang212, que remete às oposições:

Reunimos trinta raios e os chamamos de roda;


Mas é do espaço onde não há nada
que a utilidade da roda depende,
Giramos a argila para fazer um vaso;
mas é do espaço onde não há nada

212
Na cultura chinesa, par de forças ou princípios fundamentais do universo, ao mesmo tempo antagônicos e
complementares, em perpétua oscilação de predominância (supremacia relativa ou passageira do yin ou do yang), presentes
nas manifestações orgânicas, psicológicas e sociais do ser humano e na dimensão inorgânica da natureza.

123
que a utilidade do vaso depende.
Perfuramos portas e janelas para fazer uma casa;
e é destes espaços onde não há nada
que a utilidade da casa depende.
Portanto, da mesma forma que nos aproveitamos daquilo que é,
devemos reconhecer a utilidade do que não é.213

Desta maneira, o autor ilustra as oposições figura/ fundo e forma/ espaço.


Estes conceitos remetem às leis de percepção visual da Gestalt sobre a “boa
214
forma” . Após, passa a descrever os elementos definidores de espaços: planos
horizontais e verticais. A influência dos livros III, IV e V de Guadet nesta descrição
é evidente.215 Como exemplo de plano superior, uma tesoura de telhado, uma viga
de aço, uma abóbada de alvenaria e uma estrutura tênsil; como elementos
verticais: plano em forma de L e de U. Na pagina 129 o exemplo para elemento
retilíneo vertical é dado por cinco plantas baixas, assim como na pagina 133 a
planta baixa do pavilhão de Barcelona de Mies van der Rohe, com seus vários
planos tecendo espaços, ilustra o conceito de plano vertical único.

213
Opus cit. CHING, p. 91.
214
Ver página 63 desta tese.
215
Ver páginas 48 e 49 desta tese.

124
Figura 36: Plano Superior

Fonte: CHING, Francis. Arquitetura: forma, espaço e ordem. São Paulo, Martins Fontes,
1999. p.34

Figura 37: Elementos retilíneos verticais

Fonte: CHING, Francis. Arquitetura: forma, espaço e ordem. São Paulo, Martins Fontes,
1999. p.129.

125
Figura 38: Plano vertical único

Fonte: CHING, Francis. Arquitetura: forma, espaço e ordem. São Paulo, Martins Fontes,
1999. p.129.

Exemplar é o sumário de tipologia de elementos definidores de espaço:


apenas diagramas (p.156-157), evocando, emblematicamente, um diagrama
decorado.216 The Decorated Diagram é um livro de Klaus Herdeg sobre o ensino de
arquitetura em Harvard. Gropius ao deixar a Bauhaus emigrou para os EUA e
passou a dar aulas em Harvard. Herdeg comenta que o aprendizado do projeto
segundo a Bauhaus ensina uma maneira reducionista de enfocar o problema,
limitando-se muitas vezes, apenas aos aspectos plásticos e funcionais.

Figura 39: Sumário de tipologia de elementos definidores de espaço

Fonte: CHING, Francis. Arquitetura: forma, espaço e ordem. São Paulo, Martins Fontes,
1999. p.129.

216
HERDEG, Klaus. The decorated diagram. Harvard architecture and the failure of the Bauhaus legacy. London: the MIT
Press, 1983.

126
A seguir são analisadas as possibilidades de aberturas nos planos, sem
nenhuma consideração sobre seus condicionantes, inter-relações ou
conseqüências. Quando se refere à luz, afirma:

A cor e o brilho da luz do sol podem criar uma atmosfera alegre dentro do cômodo,
enquanto uma luz do dia mais difusa pode impregná-la de um clima sombrio, [...]
é possível prever seu impacto visual sobre as superfícies, formas e espaço de um
recinto, com base no tamanho, na localização e na orientação de janelas e
clarabóias dos planos de delimitação.217

Esta abordagem do sol e da luz, não pode ser mais reducionista, ignora
quaisquer outros efeitos. A vista é considerada o “foco do espaço que pode ser
para dentro ou para fora”.218

Figura 40: Vista

Fonte: CHING, Francis. Arquitetura: forma, espaço e ordem. São Paulo, Martins Fontes,
1999. p. 174.

Uma citação do The place of houses inicia o quarto capítulo intitulado


Organização.

217
CHING, Francis. Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem. São Paulo, Martins Fontes, 1999. p. 171.
218
Ibidem p. 174.

127
[...] uma boa casa é algo simples, assim como uma reunião de muitas; e para fazê-
la, é preciso um salto conceitual dos componentes individuais para uma visão do
todo. As escolhas [...] representam maneiras de reunir as partes.219

O capítulo discorre sobre modelos de organização geométrica de plantas


baixas, ou seja, possibilidades de juntar as partes, conforme o manual de
Durand220. Infelizmente não se exemplifica o “salto conceitual”, as ilustrações
limitam-se, apenas, a diagramas.

Figura 41: Organização da forma e do espaço

Fonte: CHING, Francis. Arquitetura: forma, espaço e ordem. São Paulo, Martins Fontes,
1999. p.187 e 206

No quinto capítulo, de Bloomer & Moore em Body, Memory and


Architecture221, é a citação.

(...) a interação entre o mundo de nossos corpos e o mundo de nossas habitações


está sempre em fluxo. Formamos espaços que constituem uma expressão de
nossas experiências perceptivas, mesmo quando tais experiências são geradas
pelos locais que já criamos. Estejamos nós conscientes ou não desse processo,

219
Opus cit. CHING, p. 177.
220
Ver página 35 desta tese.
221
BLOOMER, Kent & MOORE, Charles. Body, Memory and Architecture. Yale: University Press, 1977.

128
nossos corpos nosso movimento estão em constante diálogo com nossos
edifícios.222

A interação entre o usuário e o espaço descrita por Bloomer & Moore,


resume-se, neste capítulo, aos sistemas de circulação em planta baixa. No livro II
de Guadet, na terceira parte intitulada: As grandes regras da composição, são
descritos os espaços de uso e circulação.223 Também, agora, Ching passa a
discorrer sobre o que denomina os elementos de circulação, ou seja, as partes do
sistema: acesso, entrada, configuração da via, relações via-espaço e formas do
espaço de circulação, as quais são ilustradas isoladamente.

Figura 42: Elementos de circulação

Fonte: CHING, Francis. Arquitetura: forma, espaço e ordem. São Paulo, Martins Fontes,
1999. p. 259

O sexto capítulo, Proporção e Escala, confirma que, para o autor, o corpo


serve, apenas, como referência dimensional. Ele é estático, desprovido de

222
Opus Cit. CHING, p. 227.
223
Ver página 48 desta tese.

129
sensações e necessidades, embora, a citação, que inicia o capítulo224, esteja
relatando sensações.

(...) dentro da Vila Foscari temos consciência da espessura das paredes que
separam os recintos, a cada uma das quais foi conferida uma forma precisa e
definitiva. (...) O visitante experimenta realmente estas proporções? A resposta é
sim - não as medidas exatas, mas a idéia fundamental por trás delas. Recebemos a
impressão de uma composição nobre, firmemente integrada, em que cada recinto
apresenta uma forma ideal dentro de um todo maior. Também sentimos que os
recintos são relacionados em termos de tamanho. Nada é trivial - tudo é grande e
integral.225

Figura 43: Experiencing Architecture


Profusely illustrated with fine instances of architectural
experimentation through the centuries, Experiencing
Architecture manages to convey the intellectual excitement
of superb design. From teacups, riding boots, golf balls, and
underwater sculpture to the villas of Palladio and the fish
feeding pavilion of the Peking Winter Palace, the author
ranges over the less-familiar byways of designing
excellence.
Fonte: disponível em: http://mitpress.mit.edu/catalog

Proporções dos materiais, estruturais e industriais são os tópicos ilustrados


antes dos Sistemas de Proporcionalidade, onde se abordam as Teorias da
Proporção: Seção Áurea, Ordens Clássicas, Teorias Renascentistas, o Modulor e o
Ken (unidade de medida das casas japonesas). Antropometria e Escala
comparecem nesta seção, sendo consideradas, também, como Teorias da
Proporção. O que é uma teoria? De acordo com o autor é uma coleção de
imagens, eventualmente descritas.

224 RASMUSSEN, Steen Eiler. Arquitetura vivenciada. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
225
Opus Cit., CHING, p. 277

130
Figura 44: Proporção e escala

Fonte: CHING, Francis. Arquitetura: forma, espaço e ordem. São Paulo, Martins Fontes,
1999 p. 289 e 337

Encerra esta publicação, o capítulo Princípios, com uma citação de


Arnheim226.

A ordem tem de ser entendida como indispensável para o funcionamento de


qualquer sistema organizado, seja a sua função física ou mental [...] uma obra de
arte ou arquitetura não pode cumprir a sua função e transmitir sua mensagem a
menos que apresente um padrão de ordem [...] Porém, se não houver ordem, não
227
há como saber o que uma obra está tentando dizer.

226
ARHEIM, Rudolph. A Dinâmica da Forma Arquitetônica. p.319
227
Opus Cit., CHING, p.319.

131
Figura 45: The dynamics of architectural form

The power of the visual effects exerted by architecture, in our own


time and in the past, has been largely neglected in recent
discussion, with its focus on practical utility and other economic
and social factors. Such an account of the human needs met by
architecture remains sadly incomplete unless the expressive visual
qualities of buildings are recognized as among their foremost
effects. A fresh approach is overdue an attempt to analyze these
psychological qualities with the principles of visual perception.

Fonte: disponível em: http://www.ucpress.edu/books

Segundo Ching, os princípios de ordem são considerados recursos visuais


“que permitem que as formas e espaços variados e diversos de um edifício
coexistam perceptiva e conceitualmente dentro de um todo ordenado, unificado e
harmonioso”.228 São estes: eixo, simetria, hierarquia, ritmo e repetição, dado (?) e
transformação. Além de misturar conceitos clássicos e modernistas e dar
conotações diferentes para “eixo” e “simetria”, inventa outro: dado, no original,
datum.

228
CHING, Francis. Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem. São Paulo, Martins Fontes, 1999. p. 321

132
Figura 46: Princípios

Fonte: CHING, Francis. Arquitetura: forma, espaço e ordem. São Paulo, Martins Fontes,
1999. P 237-289

O livro se encerra com mais uma das inúmeras contradições encontradas


em seu texto:

Este livro, no decorrer de sua apresentação dos elementos da forma e do espaço,


voltou-se principalmente para os aspectos visuais de sua realidade física na
arquitetura. [...] Além dessas funções visuais, tais elementos através de suas
relações entre si e da natureza de sua organização também comunicam noções de
domínio e lugar, entrada e via de circulação, hierarquia e ordem. Tais aspectos são
apresentados como os significados literais, denotativos da arquitetura. Como na
linguagem, entretanto, as formas e os espaços arquitetônicos também encerram
significados conotativos: valores associativos e conteúdos simbólicos que estão
sujeitos á interpretação pessoal e cultural, podendo mudar com o tempo. [...].
Embora o estudo dos significados conotativos da semiótica e simbologia na
arquitetura, esteja além do escopo deste livro, cabe observar aqui que a
arquitetura, ao combinar forma e espaço em uma única essência, não somente

133
facilita o propósito como comunica significado. A arte da arquitetura torna nossa
existência não só visível, mas significativa.229

Se o significado da arquitetura depende dos “valores associativos e


conteúdos simbólicos que estão sujeitos á interpretação pessoal e cultural”, como
é possível afirmar que “a arte da arquitetura torna nossa existência não só visível,
mas significativa?”

A confusão que se observa, uma miscelânea de conceitos, muitas vezes


antagônicos, é constante ao longo dos sete capítulos. Utilizando-se da estratégia
da decomposição do objeto arquitetônico em seus elementos básicos e da
classificação destas unidades elementares o autor pretendeu demonstrar o que
entende por um vocabulário básico. Inicia traduzindo os exemplares arquitetônicos
para uma linguagem bauhasiana, decompondo-os em pontos, linhas e superfícies.
Assim, explica a noção de profundidade em um edifício clássico, através de uma
sucessão de planos230. Sabe-se que a noção de profundidade era sugerida, na
arquitetura moderna, por uma superposição de planos, coisa bem diferente do
ponto de fuga renascentista. Explicar o ponto de vista renascentista na perspectiva
do modernismo mascara, porém, as conseqüências operativas de um e de outros,
e confunde projeto clássico e projeto modernista.

229
CHING, Francis. Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem. São Paulo, Martins Fontes, 1999. p.374
230
Ibidem, p.15.

134
Figura 47: Da reta ao plano

Fonte: CHING, Francis. Arquitetura: forma, espaço e ordem. São Paulo, Martins Fontes,
1999. p. 289 e 33

Segundo Montaner231, no classicismo vigorava um sistema estético e


compositivo que possuía critérios unitários e atemporais baseados na ordem, na
simetria, na harmonia, na hierarquia e na representação. No Modernismo
desaparecem as leis compositivas universais e os repertórios formais tenderam a
ser inventados por indivíduos ficando restritos às vanguardas artísticas. A noção de
forma no Renascimento se baseava “nas regras, na disposição e na aparência
visual ou nos contornos”, enquanto com o abstracionismo do século XX a forma
passa a ser entendida como “essência, composição estrutural interna, a estrutura
mínima irredutível constituída por elementos substanciais e básicos”.232

Figura 48: Ilustrações do livro analisado


Processo Elementos Exemplos
Classicismo Composição Pré-definidos 69 edifícios
elementar, tradição,
teoria clássica
Modernismo Autoral Abstrata geometria 66 edifícios

231
MONTANER, Josep Maria. As Formas do Século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2002. p. 8.
232
Ibidem, p. 8.

135
O livro analisado resume-se a uma coleção de imagens, de fragmentos de
edificações, colhidos anacronicamente em uma tentativa anárquica de
sistematização: muita ilustração e texto reduzido a tópicos. São 423 edifícios de
135 arquitetos e construtores, destes 423 edifícios são mostrados 545 desenhos
sem escala, perfazendo, aproximadamente, 1,20 desenhos por exemplar. Nestas
ilustrações, observa-se a supremacia da planta baixa diagramática.

Figura 49: Plantas baixas diagramáticas

Fonte: CHING, Francis. Arquitetura: forma, espaço e ordem. São Paulo, Martins Fontes,
1999. p. 364, 365.

Na perspectiva do estudante de arquitetura, essa confusão não auxilia o


principiante a compreender a própria natureza do trabalho do arquiteto, em um
caso e outro.

O livro manipula, e às vezes deforma regras derivadas de paradigmas


distintos para apoiar seus argumentos. Sob este pano de fundo, tenta criar uma
seqüência que vai do menor elemento – o ponto – ao maior – o volume. Nesta
tessitura, oscila da redundância (ao analisar sob os mesmos parâmetros forma no
capítulo 2 e organização no capítulo 5) ao lapso (ao falar de aberturas e de
iluminação, no capítulo 3, só menciona a luz do sol, omitindo a temperatura). O
capítulo 6, uma compilação de outros textos sobre Sistemas de Proporção, discorre

136
da seção áurea ao Modulor, inserindo na página 291 a comparação entre a Villa
Foscari de Palladio e a vila Garches de Le Corbusier, discutida por Colin Rowe.233

Figura 50: Proporções

Fonte: CHING, Francis. Arquitetura: forma, espaço e ordem. São Paulo, Martins Fontes,
1999. p. 299, 307.

O autor remete o leitor ora a princípios clássicos, ora a conceitos do


Modernismo sem preocupar-se em promover uma "costura" crítica, a exemplo da
tentativa de Colin Rowe, apresentada fora de contexto. Essas lições, assim
fracionadas, perpassam sincronicamente o texto. Repleto de fragmentos de
projetos exemplares, os conceitos e princípios são apresentados por partes, como
simples instruções de montagem. Mesmo que pretendesse apresentar um
repertório tipológico, o texto fica aquém dos objetivos. Na tentativa de
homogeneizar os exemplares, despe-os de seus significados culturais.

Assim, a análise do livro constatou que o autor oscila entre regras


pertencentes a paradigmas diferentes, sem qualquer discernimento. Os aspectos
conflitantes estão escamoteados entre belas ilustrações. Quanto aos desenhos,
representam apenas fragmentos de edifícios, nunca mostrando sua totalidade. Sua

233
ROWE, Colin Manierismo y arquitectura moderna. Barcelona: Gustavo Gli 1999

137
ênfase é puramente formal (estilística) desconsiderando a característica sistêmica
do projeto. Outra questão preocupante é a irrelevância do usuário: este nunca
comparece como sujeito coadjuvante nos edifícios, é coisificado como unidade de
medida.

Em suma, a maneira fragmentada da apresentação, restrita a imagens que


mostram apenas partes de edificações, sugere um manual de instruções para
montagem de edifícios. Todavia, as regras de concepção destas partes pertencem
a paradigmas, idéias de natureza muito distinta. Evidentemente, para dar
verossimilhança ao texto, foi preciso omitir as teorias subsumidas.

Deste modo, incorreu-se em um reducionismo da complexidade projetual,


induzindo à falsa compreensão de que projetar se assemelha a uma colagem onde
as regras são fixas e pré-determinadas.

A leitura de Ching evidencia a coexistência e sobreposição de regras que


não pertencem ao mesmo paradigma.234 O estudo mais acurado identifica cânones
que ora remetem aos manuais didáticos da École des Beaux-Arts, ora aos livros
dos docentes da Bauhaus. É muito provável que esse hibridismo paradigmático,
ao invés de esclarecer, gere confusão no leitor iniciante. No decorrer deste estudo,
demonstrou-se que estas duas orientações divergentes perpassam,
sincronicamente, o conteúdo do livro.

234
KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Ed. Prespectiva, 2005. p. 66.

138
3.3 Lições de Arquitetura

Lições de Arquitetura235 foi publicado nas seguintes línguas: inglês, alemão,


japonês, italiano, português, holandês e chinês. Seu autor, Herman Hertzberger,
nasceu em 1932 em Amsterdã e concluiu o curso de arquitetura em 1958 na
Escola Politécnica de Delft. Esse livro é baseado nas aulas que ministrou na Delft
Technical University no período entre 1973 e 1988.

Figura 51: Herman Hertzberger e Manual Didático

Fonte: disponível em http//: www.amazon.com/. Acesso em: 22/08/2006.

As idéias de concepção projetual de Hertzberger refletem a corrente


estruturalista da produção arquitetônica do Team 10, grupo de arquitetos do pós-
guerra que criticava os rumos da arquitetura Modernista da época. Hertzberger
“resolvia o problema da variação dos ambientes, a partir de formas similares, uma
236
das questões centrais do estruturalimo” . O estruturalismo, segundo Alan
Colqhoun, foi “uma arma de ataque ao funcionalismo”. Essa abordagem,
emprestada da lingüística, tira da função a primazia da concepção dos edifícios. A
idéia geradora advém, agora, de “uma estrutura arbitrária e convencional de
relações dentro de um determinado sistema, e não da relação entre signos e
235
HERTZBERGER, Herman. Lessons for students in architecture. Rotterdam: Vitgeverij Publisshers, 1993. 1ª ed. 1991.
236
BARONE, Ana Cláudia Castilho. Team 10: arquitetura como crítica. São Paulo: Anna Blume-Fapesp, 2002. p. 96

139
referentes preexistentes ou fixos na realidade externa”. A matriz, assim
estabelecida, definia o edifício, propriamente dito, seus espaços internos e
externos.

Figura 52: Centraal Beer Office Buiding

Fonte: HERTZBERGER, Herman. Lessons for students in architecture. Rotterdam:


Vitgeverij Publisshers, 1993. 1ª ed. 1991.

Hertzberger mantém uma profícua atividade como arquiteto, tendo obtido


diversos prêmios com seus projetos. Em 1960, com, apenas, 28 anos, seu projeto
para a Escola Montessori em Delft obteve reconhecimento nacional. Anos depois,
em 1968, é aclamado internacionalmente, pelo projeto para a sede da seguradora
Centraal Beheer, em Apeldoorn.

Figura 53: Escola Montessori

Fonte: disponível em: http://www.vitruvius.com.br/ac/ac003/haifa/projeto.asp

140
A leitura do prefácio esclarece as pretensões e idiossincrasias do autor.

É inevitável que o trabalho que você faz como um arquiteto deve servir como o
ponto de partida para o seu ensino, e obviamente a melhor maneira de explanar o
que você quer dizer é fazê-lo com base na sua experiência prática. De fato,
esse é o fio condutor desse livro. Ao invés de apresentar cada trabalho
separadamente, explicando cada uma de suas características, os diferentes
componentes textuais foram organizados de maneira em que, em seu conjunto,
apresente algo como uma teoria; à medida que os elementos vão sendo
organizados, a prática é transformada em teoria. (...) Arquitetos (e não
somente eles) costumam ignorar suas fonte de inspiração e até mesmo sublimá-las
- como se isso fosse possível. Mas com essa atitude o processo de projeto fica
obscuro, enquanto desvendar o que lhe motivou e lhe inspirou no primeiro
momento, pode ser benéfico e auxiliá-lo nas suas decisões. (...) Como todos
sabem, métodos para projeto são impossíveis de fornecer. Eu não tenho
essa pretensão, e também não vem ao caso se é possível aprender a projetar. O
objetivo de minhas “lições” sempre foi o de estimular os alunos, para neles
despertar um esquema mental que os permita fazer seu próprio trabalho; meu
objetivo neste livro é o mesmo.237

As afirmações em negrito são dignas de nota e refletem posturas didáticas


questionáveis. A base pedagógica do ensino não se resume à experiência prática.
Viu-se, anteriormente, que o ensino do projeto arquitetônico contempla
conhecimentos declarativos e procedimentais, ou seja, especificidades do objeto e
sua operacionalidade.

Esta relação professor/profissional, sala de aula/escritório, aluno/estagiário


remete ao ensino da École des Beaux-Arts, onde se aprendia imitando as ações do
patron. Além disso, é flagrante a postura pedagógica fundamentada em uma
epistemologia apriorista, “que acredita que o sujeito nasce com o conhecimento já

237
HERTZBERGER, Herman. Lessons for students in architecture. Rotterdam: Vitgeverij Publisshers, 1993. 1ª ed. 1991.
p.5

141
238
programado em sua herança genética” , quando afirma que pretende “estimular
os alunos, para neles despertar um esquema mental”.

O professor acredita que o aluno aprende por si mesmo. Ele pode, no máximo,
auxiliar a aprendizagem do aluno, despertando o conhecimento que já existe nele.
– Ensinar? – Nem pensar! Ensinar prejudica o aluno. Como diz um professor
(Becker, 1994): “Ninguém pode transmitir. É o aluno que aprende”. Outro
professor afirma: “você não transmite o conhecimento. Você oportuniza, propicia,
239
leva a pessoa a conhecer”.

Embora o autor declare que “métodos para projeto são impossíveis de


fornecer”, Hertzberger tinha um método de trabalho. Hertzberger configurava seus
projetos “a partir de malhas reticuladas que compunham uma variedade
volumétrica de cheios e vazios, com o propósito de diferenciar os ambientes e
240
possibilitar diferentes usos e percepções da forma edificada.” Hertzberger
pertence à vertente estruturalista da Holanda, cujo expoente principal foi Aldo van
Eyck, arquiteto do grupo Team 10, que concebia a questão social como um
problema de valorização do usuário no processo de concepção do projeto através
241
da consideração das formas de percepção e apropriação dos espaços.

Mas veja-se como o autor pretende auxiliar o aluno. O livro é dividido em


três partes: domínio público; fazendo espaço, concedendo espaço; provocando
espaços. Essa maneira de organizar os capítulos expõe a visão de arquitetura dos
estruturalistas: a relação e interdependência entre a cidade e o edifício.
Hertzberger “resolvia o problema da variação dos ambientes a partir de formas
similares para estabelecer uma analogia conceitual entre pequenas e grandes
estruturas do mesmo todo”:242 casa e cidade.

238
BECKER, Fernando. Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre: Artmed, 2001. p. 20
239
Ibidem, p. 20.
240
BARONE, Ana Cláudia Castilho. Team 10: arquitetura como crítica. São Paulo: Anna Blume-Fapesp, 2002. p. 96
241
Opus cit., BARONE. p. 18-19
242
Opus Cit., BARONE. p. 98-99

142
Na Bauhaus de Gropius, o mobiliário, o edifício e a cidade poderiam ser
projetados da mesma maneira, no entanto suas conotações sociais só foram
discutidas no período de Hannes Meyer.

As abordagens do autor parecem corresponder a conclusões pessoais.


Todavia, esses princípios são fruto de discussões de um grupo de arquitetos, o
Team 10 (1953-1981), composto por Georges Candillis, Shadrach Woods, (França),
Alison e Peter Smithson (Reino Unido), Aldo van Eyck e Jacob Bakema (Países
Baixos), Giancarlo de Carlo (Itália). Esses arquitetos eram dissidentes do IX CIAM
de 1959 e contestavam a concepção urbana modernista de separação das funções
na cidade; defendiam a flexibilidade dos programas, a (melange) mistura das
funções e a conexão entre a escala da cidade e do edifício.243

Um dos projetos de Hertzberger apresentados é o da Escola Montessori de


Delft. Hertzberger esteve envolvido com essa escola de 1960 a 1981244.
Hertzberger iniciou sua vida acadêmica em 1970. Logo, as lições do livro, datadas
de 1973 a 1988, decorrem desse projeto. A primeira parte se refere às
diferenciações entre o domínio público e privado, são apresentados critérios de
acessibilidade, controle, uso e manutenção no intuito de como qualificar esses
domínios, suas gradações, zoneamento e formas de uso.

_________NAI, Rotterdam, Pays Bas. Team 10. A Utopia of the Present.


243
In: L’Architecture d’aujourd’hui, janv/fév, 2006, nº 362: le sens comun, P. 12-14
244
1960-1966; Projeto da escola; 1968-1970: ampliação da escola; 1977-1981:segunda ampliação

143
Figura 54: Domínio público - Fazendo e concedendo espaço - Provocando espaços.

Fonte: HERTZBERGER, Herman. Lessons for students in architecture. Rotterdam:


Vitgeverij Publisshers, 1993. 1ª ed. 1991. p. 29, 107, 187.

245
A segunda parte do livro intitulada “Criando espaço, deixando espaço” é
subdividida em dez capítulos. O primeiro, “Estrutura e Interpretação”,246 define os
conceitos que serão abordados ao longo dos outros nove capítulos.

245
HERTZBERGER, Herman. Lessons for students in architecture. Rotterdam: Vitgeverij Publisshers, 1993. 1ª ed. 1991.
p. 90
246
Ibidem, p.92.

144
Figura 55: Domínio público e privado

HERTZBERGER, Herman. Lessons for students in architecture. Rotterdam: Vitgeverij


Publishers, 1993. 1ª ed. 1991. p. 44, 53,55.

247
O segundo, “Forma e interpretação” descreve lugares que demonstram
248
as “diferentes interpretações ao longo do tempo” e explicitam os conceitos
explanados no capítulo anterior. No terceiro, “A estrutura como espinha dorsal
gerativa: urdidura e trama”,249 mostra a “diversidade de interpretações individuais
que poderão coincidir no tempo”. Passa a descrever os conceitos através de
fragmentos de diversos projetos realizados por arquitetos de renome internacional.
O quarto capítulo, “A grelha”, exemplifica o conceito de estrutura, especificamente,
no espaço urbano.

247
Opus cit., HERTZBERGER, p. 94.
248
Ibidem, p. 108.
249
Ibidem, p. 108.

145
Figura 56: Forma e interpretação

Fonte: HERTZBERGER, Herman. Lessons for students in architecture. Rotterdam:


Vitgeverij Publisshers, 1993. 1ª ed. 1991. p. 105, 121, 123.

No quinto, Ordenamento da construção, explica o conceito de objeto


arquitetônico que ele julga pertinente - o Estruturalismo - cujos princípios se
opõem à estratégia de projeto funcionalista.

Naturalmente, cada edifício bem projetado tem uma idéia coerente com uma
distinguível unidade temática, uma identidade no vocabulário, no material e no
método de construção. Mas aqui, o essencial é o projeto baseado em uma
estratégia sistematizada. Começando pelas partes, percorre-se o edifício várias
vezes para verificar se todas as partes pertencem ao mesmo tema. (...) Esse
método de trabalho implica, na verdade, na definição da própria estrutura do
projeto. (...) Este processo de projeto, inspirado pelo estruturalismo, opõe-se ao
funcionalismo onde a organização espacial e a forma são o resultado de
especificações funcionais.250

O autor explica quais são os pressupostos teóricos de seus processos de


projeto e ilustra-os através da descrição de partes de alguns edifícios. Exibe
plantas baixas, fotografias e desenhos de cortes ou detalhes significativos.

250
HERTZBERGER, Herman. Lessons for students in architecture. Rotterdam: Vitgeverij Publisshers, 1993. 1ª ed. 1991.
p. 126 (tradução da autora)

146
Todavia, as ilustrações não são acompanhadas de legendas, não havendo ligação
direta entre texto e figura (detalhe importante em um livro que pretende ser
didático).

Figura 57: A ordem dos edifícios

Fonte: HERTZBERGER, Herman. Lessons for students in architecture. Rotterdam:


Vitgeverij Publisshers, 1993. 1ª ed. 1991. p. 142, 143, 144.

O sexto capítulo - Funcionalidade, flexibilidade e polivalência - remete à


importância da participação do usuário no projeto. Contra uma linguagem
universal modernista. Uma flexibilidade que não seja sinônimo de standarização
(serve para todos), mas, antes uma polivalência na apropriação do espaço, a
usabilidade ao invés de funcionabilidade do espaço.

A grande diversidade no centro antigo de Amsterdã, por exemplo, não é causada


pela existência de princípios subjacentes mais ricos ou mais variados (os princípios
subjacentes aos edifícios do século XX são certamente mais complexos), mas sim
pelas seqüências de espaços nos quais, ainda que não sejam, em geral, muito
diferentes uns dos outros, o potencial para a interpretação individual é inerente à
sua maior polivalência.251

251
HERTZBERGER, Herman. Lessons for students in architecture. Rotterdam: Vitgeverij Publisshers, 1993. 1ª ed. 1991.
p. 147

147
Figura 58: Forma e usuários

Fonte: HERTZBERGER, Herman. Lessons for students in architecture. Rotterdam:


Vitgeverij Publisshers, 1993. 1ª ed. 1991. p. 153, 167, 168.

O sétimo capítulo-Forma e usuários: o espaço da forma-a importância da


participação do usuário no processo de projeto é ressaltada.

Projetar devia ser uma questão de organizar o material de tal modo que seu
potencial fosse inteiramente explorado. Tudo que fosse moldado deliberadamente
deveria funcionar melhor, i. e, deveria ser ajustado para fazer o que é esperado
dele por pessoas diferentes em situações diferentes e em épocas diferentes.252

O capítulo seguinte, o oitavo, apresenta exemplos de apropriação dos


espaços pelos usuários. O nono e o décimo capítulos demostram, através de
exemplos, como se alcança um projeto com espaços polivalentes. Na terceira
parte, Forma Convidativa, mostram-se outros exemplos para melhor ilustrar os
conceitos até então abordados.

252
Opus cit. HERTZBERGER, p. 151

148
Figura 59: Forma convidativa: o espaço habitável entre as coisas

Fonte: HERTZBERGER, Herman. Lessons for students in architecture. Rotterdam:


Vitgeverij Publisshers, 1993. 1ª ed. 1991. p. 178, 179, 180.

Figura 60: Forma convidativa: lugar e articulação

Fonte: HERTZBERGER, Herman. Lessons for students in architecture. Rotterdam:


Vitgeverij Publisshers, 1993. 1ª ed. 1991. p. 195, 106, 197.

A estratégia didática de Hertzberger é ir demonstrando, através da análise


de projetos, a sua teoria. As questões levantadas são bem justificadas, deixando
bem claros quais são os princípios de projeto que o autor julga pertinente. No

149
entanto, como a exemplificação desses conceitos é mostrada através de
fragmentos de edifícios, prejudica seu caráter didático, especialmente para alunos
iniciantes. Esses não possuem, ainda, um conhecimento específico, declarativo,
sobre o objeto de estudo. Essa competência será construída ao longo de sua
vivência acadêmica e por toda sua vida profissional, através de sua própria prática,
vivências em edifícios ou de fontes secundárias como periódicos, livros, filmes,
entre outras. Não há dúvida de que quanto maior for seu repositório de casos
análogos, melhor é seu desempenho ao enfrentar um problema de projeto.253

A competência traduz não só um conhecimento interiorizado e enraizado


culturalmente, mas também indica a intuição do falante para se poder pronunciar
sobre a validade dos enunciados produzidos numa dada língua.254

Hertzberger pretende ensinar os alunos através da descrição de seus


projetos. Mas, viu-se, que essa estratégia didática pode ser otimizada se os
exemplos apresentados forem da totalidade e não de suas partes, isoladamente.
Qualquer decisão em uma parte do projeto implica em interferências no todo. O
objeto arquitetônico não é o resultado de um simples quebra cabeça, mas é uma
entidade sistêmica com grande dependência entre suas partes.

O comportamento do usuário de Hertzberger no edifício parece ser casual,


dependendo apenas da sensibilidade do projetista, enquanto, na realidade
responde a decisões de projeto nem sempre aleatórias. Este caráter de
imprevisibilidade e aleatoriedade que se desprende da leitura, omite o rigor com
que o arquiteto deve abordar um problema de projeto para obter êxito na solução.

253
Na acepção de Chomski, desempenho Competência é o domínio e habilidade de se desenvolver processos mentais.
254
CEIA, Carlos. E – Dicionário de Termos Literários. Disponível em: http//: www.tcsh.unl.pt/edtl. Acesso em: 03/04/06.

150
3.4 Considerações sobre os manuais best- sellers analisados

Este estudo, como dito anteriormente, teve como meta clarificar os


fundamentos dos procedimentos didáticos considerados adequados à iniciação ao
projeto arquitetônico. Segundo Kuhn, estes fundamentos ou paradigmas são
veiculados pelos manuais didáticos. Assim, estabeleceu-se como método de
investigação a análise de conteúdo dos manuais mais comumente recomendados
para iniciação ao projeto arquitetônico.

Verificou-se que na bibliografia recomendada nas disciplinas de iniciação ao


projeto arquitetônico são presença recorrente os seguintes livros: Saber Ver
Arquitetura, Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem e Lições para
Estudantes de Arquitetura. Conforme a análise de conteúdo realizada, viu-se
que estes livros incorporam redutoramente e de maneira não explícita, paradigmas
e regras dos manuais didáticos considerados, nesta tese, precursores: os manuais
da École des Beaux-Arts e os da Bauhaus.

Saber ver arquitetura de Bruno Zevi é o best-seller analisado mais


antigo, sua primeira edição remonta a 1948, permanecendo inalterado em suas
sucessivas republicações. Torna-se desnecessário afirmar que sob o ponto de vista
didático, é anacrônico.

Consiste em ensaio teórico de difícil leitura, cuja compreensão exige


conhecimentos fundamentais sobre história e teoria da arquitetura, não sendo
recomendável para iniciantes. Ultrapassado este obstáculo, o livro contribui com
elucidativas análises. Evidentemente, não se pode esquecer que quando o autor
fala de arquitetura, está se reportando á arquitetura orgânica, cujo maior adepto,
segundo o autor é Frank LLoyd Wright. Os princípios da arquitetura orgânica são
tema de outros livros do mesmo autor: Verso un'architettura orgânica (1945) e Il
linguaggio moderno dell “architettura: Archittettura e historiografia (1978).

151
Outrossim, não se furte de ler os comentários, às vezes, mordazes, que Zevi
faz no final do livro sobre uma bibliografia escolhida.

Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem de Francis D. K. Ching, cuja


quantidade de versões e edições comprova ser o mais recomendado no início do
curso de arquitetura, mostrou-se inadequado para iniciar o estudante ao projeto,
pois a análise de seu conteúdo revelou que, este livro consiste em um pot pourrit
de imagens de obras arquitetônicas consideradas exemplares pelo corpus, sem
qualquer sistematização ou fundamentação teórica consistente. No entanto, esse
livro serviu de modelo para vários outros recomendados para iniciantes.

Apresenta-se profusamente ilustrado com exemplares destituídos de tempo


e espaço e pouca teoria, remetendo ao Precis de Durand. Viu-se no capítulo I, que
a intenção de Durand era, efetivamente, fazer um manual de instruções para seus
estudantes da École Polytecnique, no entanto, seu reducionismo se opõe à própria
idéia contemporânea de projeto. A opção de mostrar principalmente, imagens de
exemplares sacramentados pelo corpus, com pouco ou quase nenhum, texto
explicativo, supõe que se aprende a projetar replicando imagens e esquemas,
sugerindo que os procedimentos didáticos efetuados para o aprendizado do
projeto arquitetônico continuam apostando em tentativas de acerto e erro. Sabe-
se que, embora, essa prática do aprender fazendo remonte às Corporações de
Ofício, está presente em nossas salas de aula, até hoje. A falácia de que se
aprende a projetar, imitando as ações dos mestres, permeia quase todos os
procedimentos didáticos voltados à iniciação ao projeto arquitetônico.

Este livro teve sua primeira edição em 1979 e a última versão data de 2008.
Viu-se que, escrito sob a égide do pós-modernismo, adota e mescla princípios de
composição apresentados nos manuais clássicos de Durand e Guadet da École des
Beaux-Arts e teorias expressas nos livros, principalmente, de Klee e Kandinsky do
curso preliminar da Bauhaus.

152
Sua leitura apontou inconsistências que o desabonam como manual
didático: a imprecisão dos termos, a miscelânea de conceitos apresentados, a
simplificação exagerada dos projetos que o ilustram, a redundância de algumas
afirmações e a omissão deliberada do comportamento humano no ambiente.
Identificaram-se no texto evidências dissimuladas de paradigmas diversos.
Todavia, não é, necessariamente, a coexistência desses paradigmas que torna o
manual confuso, mas a sua dissimulação. Valem para esse livro as críticas que
Bruno Zevi fez em 1948 ao livro de Georges Gromort, Iniciação à arquitetura:

Caso for recomendado a iniciantes como primeiro livro de arquitetura, recomenda-


se a seguinte advertência: esta é uma enciclopédia das categorias da arquitetura:
lembra-te que a arquitetura começa quando são eliminadas estas categorias.
Contudo, se a crítica tem uma utilidade, é a de eliminar com paixão um aspecto da
arquitetura, ainda que parcial. O autor, pelo contrário, tomou todos os licores
críticos, fez uma mistura, adicionou muita água e o resultado é esta sua estética da
arquitetura.255

Alguns livros, mais recentes, considerados para iniciantes, tomam-no como


modelo. Entre estes: Arquitectura: temas de composicion de Clark & Pause256,
Análisis de la arquitectura de Unwin257, Repertório, análise e síntese: uma
introdução ao projeto arquitetônico de Reis258, Análisis de la forma. Urbanismo y
Arquitectura de Baker259, De la forme au Lieu de Pierre Von Meiss (1986).

Lições para Estudantes de Arquitetura tem sua primeira publicação, em


holandês, em 1991. As lições de Hertzberger são ilustradas, em sua maioria, por
exemplos de sua própria produção. Descreve a sua percepção e o uso que os
usuários fazem dos espaços nos edifícios. Neste livro, ainda se observa, a crença
de que o entendimento das partes induz, automaticamente, à compreensão do

255
ZEVI, Bruno. Saber ver arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 149.
256
CLARK, Roger H.. Arquitectura: temas de composicion. Mexico: G. Gili, 1987.;
257
UNWIN, Simon. Analysing architecture. London: Routledge, 1997.
258
REIS, Antonio Tarcísio. Repertório, análise e síntese: uma introdução ao projeto arquitetônico. Porto Alegre: Editora
da UFRGS, 2000.
259
BAKER, Geofrey H. - Análisis de la forma. Urbanismo y Arquitectura.1989. México. GG. 1991

153
todo. Embora se proponha a discutir na primeira parte o Domínio Público, ou seja,
contextualizando os edifícios, suas exemplificações contemplam, em sua maioria,
fragmentos de projetos de lugares e épocas distintas, caindo em uma
generalização simplificadora, que remete à Durand.

Todavia, este livro vai além de um catálogo de belas ilustrações. Embora,


como se viu, os projetos apresentados não estejam completos, há o
desenvolvimento de uma teoria ao longo de sua narrativa. Na parte B, o autor
revela que são lições conforme a vertente estruturalista do pós-guerra
Infelizmente, esta explicação só ocorre no meio do livro. Contudo, caso se inverta
a leitura dos capítulos, facilitando o entendimento do texto, pode servir de manual
didático.

A sugestão de leitura é que a parte B: Fazendo espaço, vivenciando espaço


(Making space, Leaving space) seja a introdutória, porque nesta parte o autor
explicita os paradigmas subjacentes aos seus processos de projeto. A ordem da
leitura das outras duas partes é aleatória, dependendo do enfoque que se queira
dar.

Mas, qual é o fio condutor que coloca estes livros como suporte teórico para
os procedimentos didáticos efetuados na iniciação ao projeto arquitetônico?
Indubitavelmente os best-sellers analisados são escritos por arquitetos que
concebem o projeto arquitetônico de modo diferente. Além disto, a análise de
conteúdo mostrou que pouco auxilia os calouros na compreensão de como abordar
um problema de projeto arquitetônico.

Estas constatações confirmam afirmações do início desta tese em que se


mencionava o pouco caso atribuído ao ensino de arquitetura.

154
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

155
A análise dos manuais didáticos best-sellers, atualmente adotados como
referências bibliográficas em cursos de iniciação ao projeto, confirmou a suposição
expressa no início deste estudo que esses manuais, cuja intenção é sugerir
procedimentos didáticos, encontram-se inadequados ao fim a que se propõem.
Incorrem em um reducionismo não condizente com a construção de paradigmas
contemporâneos para o ensino de arquitetura, pois não enunciam
consistentemente seus fundamentos.

Os livros analisados, embora variem em suas abordagens, são reducionistas


em suas propostas porque ao reunirem fragmentos de contextos paradigmáticos,
deixam em aberto, contradições e incompatibilidades. Na prática, restringem-se a
enfocar alguns aspectos, omitindo ou depreciando outros (Ching). Os que tratam
da percepção do objeto arquitetônico (Zevi e Hertzberger) pretendem generalizar
suas próprias experiências em narrativas de cunho didático. Nesse caso, é sempre
preciso levar em consideração que, como ressalta Morin:

Todas as percepções são, ao mesmo tempo, traduções e reconstruções cerebrais


com base em estímulos ou sinais captados e codificados pelos sentidos. (...) Este
conhecimento, ao mesmo tempo, tradução e reconstrução, comporta a
interpretação, o que introduz o risco do erro na subjetividade do conhecedor, de
sua visão de mundo e de seus princípios de conhecimento.260

A leitura crítica dos textos selecionados corroborou o argumento inicial de


que estes manuais incorporam redutoramente, princípios e métodos empregados
em escolas consideradas paradigmáticas pelo corpus: a École des Beaux-Arts e a
Bauhaus. As conseqüências desta atitude tornam-se cruciais quando aplicadas à

260
MORIN, Edgar. Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez Editora, 2006. p. 20.

156
iniciação ao projeto, colocando em discussão o problema dos fundamentos da
prática projetual e de sua didática.

Um dos argumentos correntes em tais livros, geralmente exposto nos


prefácios, é a necessidade de fornecer ao aluno iniciante um repertório de modelos
que o permita “aprender a projetar”, sugerindo que o aprendizado de projeto
arquitetônico depende da memorização de imagens reconhecidas pelo campo
como exemplares (invariavelmente, as mesmas imagens dos projetos dos pioneiros
da arquitetura moderna marcam presença nestes livros com pretensões didáticas),
descartando, ou negligenciando, as vivências anteriores do aluno. Fotos ou
desenhos de edifícios exemplares são apresentados como um catálogo de museu
não interativo: imagens etéreas, sem indicações de onde nem quando foram
construídos, como se, repentinamente, tivessem sido concebidos e erigidos da
noite para o dia. Esta falácia alimenta o mito do talento inato e impede, muitas
vezes, que sejam desenvolvidos procedimentos didáticos adequados a uma noção
de formação progressiva do aluno.

Desta maneira, fica nitidamente marcada a diferença entre a modesta capacidade


criativa do aluno e as dos gigantes mestres do Movimento Moderno, estes
doadores de formas, que se deve reverenciar, conforme as páginas das Histórias
da Arquitetura, escritas com a finalidade de glorificá-los.261

Segundo Corona Martinez, os reflexos deste revival no ensino do século


passado foi o “tipologismo: um museu de disposições eternas, uma coleção de
figuras que assegurariam de uma vez por todas a arquitetonicidade de suas
invenções”.262

O “tipologismo” aposta sob o ponto de vista da aquisição de conhecimentos,


que o estudante possa recompor estas partes de outra maneira (criatividade) e
obter êxito. O projeto, por este enfoque passa a ser uma colagem, cuja urdidura o

261
CORONA MARTINEZ, Alfonso. Ensayo sobre el proyecto. Buenos Aires: Libreria Técnica, 1991. p. 88
262
Un museo de disposiciones eternas, una colección de figuras que asegurarían de una vez por todas a arquitectonicidad de
las invenciones.

157
novato vai aprender fazendo. Como se viu, essa propedêutica foi utilizada por
Durand em outro contexto paradigmático.

Essa tentação positivista de fazer derivar o sentido da arquitetura do próprio


desenho faz deste desenho um texto absoluto, sem alma, coisificado como
máquina de signos articulados entre si, mas desarticulados do mundo do autor, do
mundo do habitante e dos contextos da produção e experiência do espaço (...).
Também na arquitetura, a tarefa conceitual não é exclusivamente mental, pois
implica em refletir a experiência vivida. É uma atividade teórica que emana da
dimensão prática de nossa existência e sem a qual aquela é vazia. Uma experiência
que é também experiência de espaços vividos, mais do que vistos em fotografias
de revista ou descrições de formas, estruturas e materiais. Ou seja, uma
experiência de habitação mais do que de contemplação ou admiração.263

Em sua propedêutica, reduzem a complexidade do objeto a seu atributo


figurativo, omitindo, seguidamente, aspectos construtivos e de usabilidade dos
edifícios. Desta maneira, operam uma cisão dos conhecimentos necessários ao
aprendizado, não apresentando condições eficazes para iniciar o estudante no
aprendizado do projeto arquitetônico. Segundo Corona Martinez, essa simplificação
dos processos de projeto induz ao reducionismo dos significados atribuídos à
arquitetura.264

Mesmo hoje, arquitetos que reconhecem uma afinidade entre arte e arquitetura,
costumam fazer jogos formais e falham na compreensão transcendental do
significado em arquitetura. (...) arquitetura não pode ser um jogo particular de
combinações, uma “linguagem formal” inventada a priori (arquitetura para
arquitetos), ou uma questão de mera decoração de estruturas com conotações
históricas arbitrárias; a dimensão transcendental necessária não pode ser
menosprezada. (...) Isso é particularmente evidente no ensino de Arquitetura.265

263
BRANDÃO. Carlos Antônio Leite. Linguagem e Arquitetura: o problema do conceito. Artigo desenvolvido na
pesquisa "Hermenêutica e Arquitetura” da Escola de Arquitetura da UFMG, sob o auxílio do CNPq.
264
CORONA MARTINEZ, Alfonso. Ensaio sobre o projeto. Brasília: Editora UNB, 2002
265
Even today, architects who recognize an affinity between their profession and art usually play formal games, but fail to
understand the transcendental dimension of meaning in architecture. (…) architecture cannot be a private game of
combinations, one “formal language’ invented a priori (architecture for architects), or a question of merely decorating

158
Contudo, a recomendação desses livros para uso de calouros é freqüente,
sugerindo que a ênfase no resultado formal seja a tônica, ou seja, a preocupação
de transmitir aos novatos um léxico formal. Em que pesem todas as considerações,
esse fato sinaliza que os ministrantes das disciplinas de iniciação ao projeto
concordam com esta abordagem ou, ao menos, a aceitam tacitamente, sem
aprofundar criticamente a leitura de seus pressupostos. Entrementes, pesquisas
realizadas266 apontam que o ensino de arquitetura não tem conseguido abarcar a
complexidade das atribuições do oficio, reiterando a necessidade de uma profunda
reflexão sobre o modus operandi das escolas.

Considerando que a eleição de métodos e procedimentos didáticos é


sugerida, principalmente, por estes manuais didáticos, que se mostraram com
insuficiente conteúdo explicativo para amparar a atividade docente, julga-se
oportuno, discutir as bases epistemológicas que fundamentam a iniciação ao
projeto arquitetônico e, por extensão, o próprio ensino de arquitetura. Isto posto,
sugere-se que se faça uma revisão das crenças epistemológicas que balizam as
escolas de arquitetura, questionando a quais paradigmas estão atrelados, assim
como, a validade de sua vigência. Corona Martinez vem alertando há, no mínimo,
vinte anos, sobre a caducidade deste ensino.

Estamos atrasados porque nos falta incorporar ao ensino, o que tentamos fazer na
prática. (...) é irreal supor que podemos reconverter a arquitetura em repetição
artesanal. ”267

Igualmente, esta tese, ao longo de sua argumentação, buscou refutar a


exigência de aquisição de um repertório de imagens canônicas como condição
primordial para o aprendizado do projeto, herança do “tipologismo”, pois considera

technological structures with arbitrary historical quotations; the necessarily transcendental (semantic) dimension of
meaning cannot be disregarded.(…) The illusion remains, however, that practice can be reduced to a system of rational
prescriptive rules. This is particular evident in architectural education.
266
“RIBA Constructive Change: A Strategic Study into the future of the Architects’ Profession”. Disponível em: research.
it.uts.edu.au.pdf
267
Estamos atrasados porque nos falta incorporar a la enseñanza lo que intentamos hacer em la prática. (...) es irreal
suponer que podemos reconvertir la arquitectura en repetición artesanal. CORONA MARTINEZ, Alfonso. Ensayo sobre el
proyecto. Buenos Aires: Libreria Técnica, 1991. p. 86

159
que aprender a projetar arquitetura não é saber reproduzir edifícios segundo
determinado cânones, mas compreender como se desenrola a ação projetual.
Portanto, aprender a projetar implica construir um repertório de possibilidades de
ações projetuais derivadas de “princípios abstratos, genericamente aplicáveis, mas
268
também de experiências concretas específicas” e não somente dos resultados
concretos destas ações. Contudo, a aquisição desse repertório não se encerra com
o fim do ano letivo, este vai sendo construído ao longo da vida do indivíduo.

A iniciação ao projeto arquitetônico não pode ser confundida com apreender


descritivamente como se organizam certos edifícios (embora este conhecimento
possa ser útil na formação geral do aluno), ou, tampouco, como constituir um
repertório de imagens exemplares como se este se reduzisse a uma colagem (cuja
leitura do Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem leva a crer); o objeto da
iniciação ao projeto é a própria especificidade da concepção arquitetônica, que não
deve ser confundida com processos gerais de desenvolvimento cognitivo, nem com
a transmissão de um corpus fechado de conhecimentos. A grande questão do
calouro é como iniciar um projeto, de onde partir, sem limitar os procedimentos
projetuais à adoção de um algoritmo, seja ele caracterizado unilateralmente como
um diagrama, como o parti da École des Beaux-Arts, ou como os elementos
pictóricos abstratos da Bauhaus. Se cada projeto é diferente, assim como os
processos para sua solução, não é possível uma generalização absoluta, universal,
de cunho normativo-metodológico.

No início desta tese, viu-se que no aprendizado do projeto arquitetônico


concorrem dois tipos de conhecimentos, o declarativo e o procedimental, e que o
primeiro se refere às características do próprio objeto, neste caso, o projeto (e não
o objeto arquitetônico), e o outro aos processos. O conjunto de análises
desenvolvidas nesta tese evidenciou que os manuais apresentados como
representativos das referências adotadas no ensino de iniciação ao projeto

268
HEYLIGHEN, A. In case of architectural design. Critique and praise of Case-Based Design in Architecture. PhD
dissertation, Department of Architecture, Katholieke Universiteit Leuven, Belgium, 2000.

160
arquitetônico não contemplam nem um caso, nem outro. Uma leitura crítica desses
textos revelou paulatinamente um cenário confuso, pouco propício a levar ao
estudante uma compreensão do que seja, no plano das ações, projetar. Constata-
se, de fato, que o objeto de estudo é o produto (o edifício) e não os processos (o
projeto), quando o que de fato interessa é a interação, no fazer arquitetônicos,
dessas duas categorias, com o deslocamento, no plano didático, do primeiro em
direção ao segundo.

Viu-se que ensinar a projetar significa compreender como se projeta, dando


mais ênfase aos processos do que ao produto final. Nesse intuito, sugere-se que
na iniciação se estude “os processos de elaboração dos projetos de arquitetura”.269

O estudo de caso é um dos procedimentos didáticos que pode levar a este


aprendizado (não confundir com análise morfológica), discutindo-se todo os
processos de elaboração do projeto (BENDEDDOUCH, 1998; HEYLIGHEN &
VERSTIJNEN, 2007; TOKMAN & YAMAKI, 2007). Sabe-se que são muitas as
variáveis que interferem nas decisões de projeto e que muitas vezes há a
preponderância de um fator sobre outro. Desta maneira, cada estudo de caso
pode ilustrar o que se pretende ensinar. O estudo de caso é mais produtivo se for
de um caso real em que se possam vivenciar as questões colocadas. Também
podem ser apresentados outros projetos, realizados em circunstâncias similares,
cujo resultado final tenha sido diferente. Isto implica a adoção de métodos
comparativos que levem em consideração diferentes processos subjacentes à sua
elaboração, constituídos caso a caso na relação particular entre programa e sítio.

A educação arquitetônica deveria se basear mais em casos concretos. As


especificidades de um projeto dado oferecem aos estudantes uma visão integrada

269
Étude de processus d’élaboration d´ UN project d’ architecture. BENDEDDOUCH, Assya. Le Processus d’élaboration
d’un projet d’architecture. L´agrandissement du Musée des beaux-arts de Montréal. Montréal : L’Harmattan,
1998. p. 34.

161
dos processos do projeto, que são perdidas caso sejam analisadas
separadamente.270

Analisando-se os manuais didáticos descritos nesta tese como best-sellers,


concluiu-se que são falhos como textos explicativos capazes de abrir caminhos (no
campo da compreensão) para aqueles que se iniciam na prática do projeto
arquitetônico. Neste momento, surge a questão: quais seriam, então, os manuais
recomendáveis?

Nestas considerações finais, deixando a questão em aberto para uma


investigação que se prolongará necessariamente no próprio exercício da docência,
é possível adiantar que os livros que podem ser considerados manuais didáticos
seriam os que, efetivamente, se mostrem capazes de contribuir para um
aprendizado que construa a compreensão do sentido da ação projetual, mostrando
os processos, muito mais que os produtos. Por exemplo, a própria produção
oriunda de cursos de pós-graduação, teses e dissertações, quando voltadas para
estudos de caso, fornece ao estudante um quadro explicativo que lhe permite
compreender o objeto de estudo, incorporando esta dimensão didática.271

Como se afirmou no início esta tese, no âmbito institucional da educação do


arquiteto os paradigmas vigentes são constituídos pelas crenças estabelecidas na
prática pedagógica das escolas École des Beaux-Arts e Bauhaus. A leitura dos
manuais didáticos best-sellers mostrou o predomínio de um modelo híbrido, onde

270
HEYLIGHEN, A. In case of architectural design. Critique and praise of Case-Based Design in Architecture. PhD
dissertation, Department of Architecture, Katholieke Universiteit Leuven, Belgium, 2000.
271
CABRAL, Cláudia. Tipologias comerciais em Porto Alegre: da rua comercial ao shopping Center. Dissertação
(mestrado) 1996. Porto Alegre: PROPAR UFRGS.
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MACIEL, Angela Becker. Variações programáticas aspectos distributivos: uma análise de apartamentos em Porto
Alegre. Dissertação (mestrado) 2004. PROPAR UFRGS.

162
as relações paradigmáticas se confundem para gerar um padrão que remete não a
um novo paradigma, construído sobre os que o antecederam, mas a uma
dissolução das práticas formativas que caracteriza, de fato, a lacuna conceitual de
uma crise paradigmática. O sintoma dessa crise aflora, seguindo a concepção de
Kuhn, nos manuais, ou livros didáticos, adotados para formação dos quadros
profissionais que atuam segundo normas aceitas tacitamente.

163
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173
APÊNDICE A - Precedents in architecture

O livro Arquitectura: Temas de Composición, cujo título original é


Precedents in architecture, versão original em inglês de 1985, tem sua última
edição em espanhol publicada em 2001. Em 1997, obteve o AIA International
Architecture Book Award Citation for Professional Reference, com a seguinte
justificativa:

Este esclarecedor guia de precedências arquitetônicas explica como analizar


edifícios existentes utilizando-se de diagramas. São 88 dados fidedignos, uma fonte
de referências bem vinda, tanto para os noviços quanto para os veteranos.272

Figura 61: Arquitectura: Temas de Composición

Fonte: disponível em http://www.books.google.com/. Acesso em: 03/03/2006.

Seus autores, Michael Pause e Roger Clark são professores na North


Carolina State University, EUA. A leitura do prefácio mostra em quais paradigmas o
livro se baseia.

272
This lucid guide to architectural precedence explains how to analyze existing buildings with the aid of diagrams. Included
is factual data on eighty-eight structures of wide-ranging function, style, and period— a welcome reference source for the
novice and seasoned professional alike.

174
Este livro versa sobre arquitetura. (...) esperamos alcançar idéias arquetípicas que
possam ajudar na gestação de formas arquitetônicas (...). Não pretendemos incitar
uma interação ou ressurgimento nem parcial nem total de um estilo. Com um
sentido consciente da precedência que identifica temas e modelos, esperamos,
principalmente, alcançar idéias arquetípicas que possam ajudar na gestação de
formas arquitetônicas.

O título original, Precedents: analytic diagrams, formative ideas and partis


utiliza o termo “precedente” cunhado por Collins em seu livro Changing Ideals in
Modern Architecture (1750-1950)273 a partir de uma analogia com o Direito. O
termo “precedente” significa, nessa acepção, o edifício que apesar de ter sido
erigido em época passada e contexto diverso, possui qualidades inegavelmente
relevantes. Collins desmitifica a originalidade criativa ao afirmar que esta não é
fruto de uma tabula rasa, mas da habilidade de analisar e comparar os
precedentes.274 Nesse sentido, precedente é o exemplar arquitetônico que pode
servir de referência para um caso análogo e posterior, um tipo e não um modelo.
Aparentemente, a intenção está correta, no entanto, a leitura do texto evidencia
que a noção do termo desenvolvida por Collins encontra-se modificada, o termo
modelo, nesse caso é mais correto

Quatremère estabeleceu uma diferença entre modelo, que é uma coisa, e tipo, que
é uma idéia e que constituiu a única base válida para imitação. A essência do tipo é
um princípio elementar, espécie de núcleo, mas apresenta-se diferente em cada
país. Retomada por Argan nos anos 1960, a noção de tipologia tornou-se tema
central do discurso arquitetônico. Argan adotou a distinção entre tipo e modelo de
Quatremère, enfatizando que apenas o tipo deveria ser o ponto de partida para o
projeto. Passando para o campo do urbanismo e da preservação do patrimônio,
Aldo Rossi propunha o tipo como contendo idéias, que são os elementos
irredutíveis nas cidades – elementos culturais que deveriam ser preservados.

273
COLLINS, Peter. Los ideales de la Arquitectura moderna: su evolución (1750-1950). Barcelona: Gustavo Gili, 1965. p.
274
TOURNIKIOTIS, Panayotis. La historiografia de la Arquitetura Moderna. Madrid: Mairea/ Celeste, 2001. 187-188

175
Posteriormente, apesar da diferença de contexto, essas idéias obtiveram bastante
aceitação entre os arquitetos nos Estados Unidos.275

“Precedente”, segundo Collins, não se define unicamente pela presença


física do edifício, estende-se ao seu contexto. Segundo esse autor, a compreensão
dos edifícios históricos exemplares implica no entendimento de seu genius locci.
Esse livro de Collins, publicado em 1965, marca o início de um movimento pela
recuperação dos valores urbanos, desconsiderados pelos modernistas. A maior
crítica, na época, era a dissociação entre edifício moderno e lugar.

A arquitetura engloba muitos campos, porém nos limitaremos às formas edilícias.


Não temos nenhuma intenção de comentar aspectos sociais, políticos econômicos
ou técnicos da arquitetura. O domínio das idéias de projeto se situa no reino formal
e espacial da arquitetura, temas que este livro examina. (...) o denominador
comum de todos os grandes edifícios do presente e do passado,
comprovadamente, é o conhecimento de idéias arquitetônicas básicas reconhecidas
como modelos geradores.

As idéias de projeto não estão restritas ao reino formal e espacial da


arquitetura, idéia enquanto representação mental extrapola os limites do tangível.

Os objetivos deste estudo são contribuir ao conhecimento histórico da arquitetura,


estudar as semelhanças fundamentais que no transcurso do tempo permanecem
nos projetos dos arquitetos, identificar aquelas soluções genéricas aos problemas
de projeto que transcendem ao tempo e, por último, desenvolver a análise como
ferramenta de projeto.

Considerando-se a afirmação de que “O domínio das idéias de projeto se


situa no reino formal e espacial da arquitetura”, conclui-se que o objetivo dos
autores é a resolução puramente formal. No entanto, sabe-se que um problema de

275
PEREIRA, Sonia Gomes. A Historiografia da Arquitetura Brasileira no Século XIX e os Conceitos de Estilo e
Tipologia. In: 19&20 - A revista eletrônica de DezenoveVinte. Volume II, n. 3, julho de 2007. Disponível em:
http://www.dezenovevinte.net/19e20/

176
projeto transcende esta preocupação. Evidentemente, alguns arquitetos
modernistas como Mies van der Rohe e Le Corbusier reduziram a complexidade de
dos problemas arquitetônicos enfrentados, para alcançar o impacto visual
desejado. Todavia, como afirma Venturi, o arquiteto pode determinar como
resolver o problema, mas isso não significa que possa determinar quais os que vai
considerar, pois nesse caso, corre o “risco de separar a arquitetura da experiência
da vida e das necessidades da sociedade”.276

Análise como ferramenta de projeto fazia parte dos procedimentos didáticos


do Vorkurs. Principalmente Klee e Kandinsky, costumavam fazer análise de suas
composições pictóricas em suas aulas, como mostram seus livros.

(...) O livro se organiza em duas partes, a primeira analisa 64 edifícios


representados mediante desenhos convencionais - implantação, plantas baixas e
elevações - e diagramas. A segunda identifica e delineia modelos formais arquetí
picos ou idéias geradoras a partir das quais a arquitetura pode evoluir. Chama-se a
atenção para a permanência de certos modelos sem aparente relação com o lugar.
(...) Adotou-se desenhos diagramáticos para ilustrar a análise dos edifícios. (...)
para ser possível transmitir as relações e características essenciais de um edifício.

A primeira parte do livro analisa todo o edifício, inclusive, fazendo menção


do sítio. Os critérios são: estrutura, iluminação natural, massa, relação entre a
planta baixa, o corte e a fachada, relação entre a circulação e o espaço-uso,
relação entre a unidade e o conjunto, relação entre o repetitivo e o singular,
simetria e equilíbrio, geometria, adição e subtração, hierarquia. Observa-se que as
categorias de análise escolhidas remetem a Guadet.

276
VENTURI, Robert. Complexidade e Contradição na Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 5

177
Figura 62: Quadro comparativo das categorias de análise
Elementos Precedentes
espaços de uso e de circulação circulação e o espaço-uso,
iluminação e ventilação, recolhimento das águas, iluminação natural
beleza x utilidade, massa, adição e subtração,
equilíbrio, estrutura,
planta baixa, simetria e equilíbrio
caráter e tradição, geometria, repetitivo e o singular
proporções, hierarquia
relação entre a planta baixa, o corte
e a fachada; unidade e o conjunto
aspectos histórico-culturais dos edifícios,
economia,
utilidade.

As pranchas apresentadas são excessivamente, diagramáticas, claramente,


inspiradas no manual de composição elementar de Durand, incorrendo em um
reducionismo pouco recomendável para estudantes.

Figura 63: Précis des Leçons d’Architecture (1802) x Precedents

Fonte: disponível em: http://www.books.google.com. Acesso em: 03/03/2006.

A segunda parte do livro é um mero catálogo de partes de projetos de


diversas épocas e lugares, priorizando sempre as plantas baixas.

178
Figura 64: Diagramas de plantas

Fonte: disponível em: http://www.books.google.com. Acesso em: 03/03/2006 .

O texto deixa claro que o único aspecto digno de atenção em arquitetura é


seu resultado formal. Evidentemente inspirado no manual de composição
elementar de Durand, incorre em um reducionismo pouco recomendável para
estudantes.

Figura 65: Comparação entre o Précis des Leçons d’Architecture (1802) e o


Precedents

Fonte: MADRAZO, Leandro. Durand and the Science of Architecture. Journal of


Architectural Education (1984-), Vol. 48, No. 1 (Sep., 1994), p. 16.
Disponível em: http://www.jstor.org/stable/. Acesso em: 01/09/2006.

179
Os “precedentes” de Clark & Pause, encontram-se desvinculados do
programa e desenraizados do lugar, não conseguindo fugir da noção de
composição elementar de Durand, em que o projeto é uma colagem de
fragmentos em duas dimensões. Assim, vê-se retomado como modelo o manual
didático de composição elementar de Durand, cuja conseqüência é um
questionável reducionismo do processo projetual. As idéias que perpassam o texto
são muito similares às de Ching: é preciso conhecer exemplares reconhecidos pelo
campo a fim de adquirir um repertório; as obras ditas como de arquitetura
possuem qualidades que perpassam o tempo e o espaço, mas essas qualidades
não são devidamente explicitadas.

180
APÊDICE B - Architecture: Design Notebook

Outro manual didático a ser analisado é o de A. Peter Fawcett. Arquiteto e


crítico é atualmente professor emérito na Universidade de Nottingham e professor
visitante na Universidade de Lincoln. Editado originalmente pela Butterworth-
Heinemann, em inglês, em 1998, foi traduzido para o espanhol pela Gustavo Gili
em 1999. Em 2003 foi lançada sua 2ª edição pela Architectural Press, incluindo
novas seções sobre arquitetura verde, tipologia de espaços urbanos e edifícios
virtuais.

Figura 67: Architecture Design Notebook

Fonte: disponível em: http://www.books.google.com. Acesso em: 03/03/2006.

Intitulado Arquitectura: Curso Básico de Projetos declara como objetivo


fornecer “fundamentos para orientar o principiante em projeto como alcançar uma
solução arquitetônica aceitável, apresentando um sistema geral que lhe sirva de
apoio e guia em seus ensaios e explorações durante o processo de projeto.” Em
seu texto descreve o projeto como a solução de um problema complexo:

(...) a realidade da ação de projetar difere de ajustar-se a uma seqüência


predeterminada, pelo contrário, exige do projetista saltar continuamente entre os
diversos aspectos do problema, sem uma ordem ou prazos precisos, certas vezes é
preciso considerar simultaneamente vários aspectos ou ver-se obrigado a revisá-

181
los; o ato de projeto é um processo de tipo cíclico, que se resolve a medida que o
problema começa a ser definido com mais clareza.277

Propondo as seguintes etapas para sua consecução:

1. contextualização sócio econômico cultural;


2. análise do sítio;
3. seleção de um modelo adequado;
4. tipologia;
5. organização da planta: circulação e passeio arquitetônico, hierarquia espacial
(interior/ exterior);
6. seleção da tecnologia adequada (estrutura e envoltório).

Figura 68: Organização da planta e escolha da tecnologia adequada

Fonte: disponível em http://www.books.google.com. Acesso em: 03/03/2006 .

277
FAWCETT, A. Peter. Arquitectura. Curso básico de proyectos. Barcelona: Gustavo Gili, 1999. p. 8.

182
Figura 69: O contexto do projeto

Fonte: disponível em http://www.books.google.com. Acesso em: 03/03/2006.

Embora o autor parta do pressuposto que o projeto é um problema


complexo, no decorrer da leitura verifica-se que suas considerações encaminham
para um enfoque muito similar à composição elementar preconizada por Durand.
Ocorre uma simplificação dos processos, flagrada nas entrelinhas do texto:

Além disso, do mesmo que seus antecessores modernos, tais edifícios oferecem
um potencial novo para a criação da forma, algo que sempre ocupou um lugar
primordial na criação nas preocupações do arquiteto.278

Valendo-se de exemplos consagrados pelo corpus, suas considerações


levam a supor que arquitetura é forma. E que a ação projetual acontece de
maneira quase inconsciente, aos saltos, até a consecução da idéia. O trabalho é
individual e personalista. Usuários quase não são mencionados, apenas em tom
anedótico.

As necessidades do cliente pareciam complicar ainda mais o problema: pretendia


morar nesta casa com sua mulher e queria viver, comer e dormir no nível mais alto

278
FAWCETT, A. Peter. Arquitectura. Curso básico de proyectos. Barcelona: Gustavo Gili, 1999. p. 18.

183
do terreno, na face norte. E como se isto já não fosse suficiente, queria guardar
seus três carros de época, neste mesmo nível, junto á rua.279

Figura 70: Casa em Sheffield

Fonte: disponível em http://www.books.google.com. Acesso em: 03/03/2006.

Outra mensagem subjacente é de que projetar arquitetura é uma atividade


mágica, com caminhos obscuros, cujos “saltos conceituais” são devidos à
engenhosidade do projetista. E como os exemplos são quase os mesmos é como
dizer que o reconhecimento profissional só é alcançado por poucos. Nada mais
desanimador do ponto de vista didático.

279
Opus cit. FAWCETT, p. 14,15.

184
Figura 71: Le Corbusier e James Stirling

Fonte: disponível em http://www.books.google.com. Acesso em: 03/03/2006.

Caso se siga as instruções (quase sempre pouco claras) desse manual, não
se chegam a nenhum resultado. A abordagem dos tópicos é superficial e restringe-
se às opiniões do autor. Embora faça referencias históricas estas se mostram
anacrônicas.

Os arquitetos clássicos trabalhavam, literalmente submetidos ao modelo regulador


das ordens arquitetônicas e, de modo análogo, o parti da École des Beaux-Arts se
baseava em seus próprios recursos canônicos para ordenar com efetividade, dentro
de um marco estabelecido, as tentativas iniciais do arquiteto em sua busca pela
forma. Com a chegada do movimento moderno, os “traçados reguladores” de Le
Corbusier e seu posterior Modulor foram apresentados como cânones baseados nas
mesmas origens matemáticas e com a mesma finalidade; de forma análoga aos
anteriores, também, oferecia uma série de recursos visando ordenar e clarificar a
forma arquitetônica.280

280
FAWCETT, A. Peter. Arquitectura. Curso básico de proyectos. Barcelona: Gustavo Gili, 1999.p. 24

185
Os traçados reguladores de Le Corbusier eram do classicismo, o Modulor foi
uma adaptação de uma regra clássica. Estes cânones não eram modernistas, mas
as operações que Le Corbusier fez não obedeciam ao paradigma clássico, como
nos mostra Colin Rowe no texto A matemática da vila ideal281.

Figura 72: A matemática da vila ideal

Fonte: disponível em http://www.books.google.com. Acesso em: 03/03/2006.

Verifica-se nesse parágrafo, uma simplificação das escolas: data,


importância, razões são omitidas, inferindo-se sua contribuição à disciplina pelo
seu léxico formal. Outro aspecto reducionista é comparar Le Corbusier a École des
Beaux-Arts. Le Corbusier não foi uma escola, tampouco foi o deflagrador da
Arquitetura Moderna. O capítulo relacionado à seleção das tecnologias adequadas
não considera custos, tipo edificatório, nem disponibilidade técnica, como
condicionantes para a escolha.

281
ROWE, Collin. Manierismo y arquitectura moderna y otros ensayos. 3 ed. Barcelona: G.Gili, 1999.

186
A conclusão é que a postura que se adotar na fase inicial desse complexo processo
de projeto em relação a escolha e expressão da estrutura, terá, inevitavelmente,
um efeito profundo sobre o resultado formal.282

Figura 73: Escolha da tecnologia apropriada

Fonte: disponível em http://www.books.google.com. Acesso em: 03/03/2006.

O título do capítulo 6 flagra a preocupação do autor: que aspecto tem? A


definição da envoltória, tanto das fachadas quanto da cobertura, obedece a
decisões, meramente formais do projetista.

E sem dúvida, seja por razões simbólicas ou de contexto, ou inclusive para


satisfazer as predileções estilísticas do projetista, é evidente, que a expressão da
pele externa do edifício pode chegar a prevalecer sobre outras considerações
funcionais, estruturais ou construtivas.283

282
Opus Cit., ROWE, p. 62.
283
Ibidem, p. 67.

187
Figura 74: Tecnologias

Fonte: disponível em: http://www.books.google.com. Acesso em: 03/03/2006.

O autor reconhece o problema destas decisões. Veja-se qual é o problema


apontado:

In extremis, tais atitudes ameaçam a nos conduzir a ultrapassados historicismos


nostálgicos em que a fachada disfarce, literalmente, todo potencial de exibição
estrutural.284

Inexistem considerações sobre a influência de fatores sócio ambientais nas


decisões de projeto como cultura, micro clima e habitabilidade. O texto é
encerrado com a seguinte conclusão:

Com certeza, o detalhamento de todo este processo, extrapola o âmbito e


objetivos desse livro; contudo é nosso objetivo sugerir que sua realização
dependerá, inevitavelmente desta exploração inicial de um território desconhecido
285 286
em busca de uma “forma” apropriada .

284
ROWE, Collin. Manierismo y arquitectura moderna y otros ensayos. 3 ed. Barcelona: G.Gili, 1999. p.67.
285
grifo do autor do livro
286
Opus Cit., ROWE, p. 112.

188
Discordo de Fawcett do que apresenta como “exploração inicial de um
território desconhecido”. O autor a medida, em que reduz e simplifica os
condicionantes externos do projeto, compromete o entendimento da complexidade
do projeto. Sua proposta parece ser a de tentativa e erro. A omissão em vez de
facilitar o processo, complica, pois o torna menos compreensível. Qual seria a
contrapartida? Tornar o território menos desconhecido. Como?

A leitura do prefácio esclarece as pretensões e idiossincrasias do autor. .

Enquanto outros apostam na análise de edifícios considerados


paradigmáticos pelo corpus (Ching, Fawcett, Unwin, Clark & Pause) na tentativa de
elucidar os processos de projeto. A imprecisão de termos apresentada nestes
manuais didáticos é um problema recorrente na produção teórica da arquitetura.
Martin Aris considera este fato uma falha significativa na transmissão deste saber.

O caráter descritivo da própria arquitetura é condição necessária para seu


conhecimento sistemático. Uma arquitetura indescritível não pode ser objeto de
conhecimento geral. Daí se conclui haver uma necessidade imperiosa de utilizar
com o máximo rigor os mecanismos descritivos. Se de uma certa maneira, nomear
equivale a conhecer, a designação imprecisa ou imprópria que tão freqüentemente
corrompe a linguagem referida à arquitetura, constitui um sintoma inequívoco da
debilidade epistemológica que nossa disciplina padece.287

287
MARTI ARIS, Carlos. Las variaciones de la identidad. Ensayo sobre el tipo en arquitectura. Barcelona: Serbal, 1993.
p. 32

189
APÊNDICE C - Claves del construir arquitectónico

Veja-se outro exemplo: o livro Claves del construir arquitectónico288 o livro


de Gonzalez, Claves del construir arquitectónico289 foi redigido conforme uma
abordagem albertiniana. Seus capítulos se articulam sob uma visão sistêmica,
iniciando os alunos nos saberes atinentes aos edifícios e seus usuários.

Claves del construir arquitectónico é apresentado em três volumes: estudo


dos elementos construtivos (vol. 2) e dos princípios que orientam sua concepção e
realização (vol. 1), “enfatizando as relações pelas quais uns e outros se
condicionam e potencializam no processo de criar edifícios que integrem poesia e
290
eficácia.”

Los tres tomos Principios y II y III. Elementos estudian los aspectos esenciales del
saber constructivo necesario para participar profesionalmente en el mundo de la
arquitectura. Su objetivo principal es aportar un método que permita organizar y
exponer ese saber que compense la actual tendencia hacia la fragmentación del
conocimiento que, si bien es útil en muchos campos de la ciencia y la técnica, es
especialmente nociva en una actividad de síntesis como la arquitectura. La
superación de la división estanca entre lo artístico y lo técnico y, dentro de este
último, entre los conocimientos de construcción, estructuras, acondicionamiento e
instalaciones es uno de los objetivos prioritarios que debe asumir la enseñanza
actual de la Arquitectura en todos sus niveles y orientaciones. Los autores desean
que este libro sea una aportación en ese sentido y en el nivel básico de esos
conocimientos, donde, obviamente, es más necesaria su integración.291

288
GONZALEZ, José Luiz; CASALS, Albert e FALCONES, Alejandro. Claves del construir arquitectonico. Tomo I.
Princípios. Barcelona: Gustavo Gili, 1997.
289
Ibidem.
290
Ibidem.
291
Apresentação dos livros no catálogo da editora. Disponível em: http//: www,gustavogili.com.es.

190
Figura 75: Claves del construir arquitectónico, tomo I

I.Espacio III.Integridade
1. Uso, delimitadores, estrutura PESSOAS
2. El primer embate gravitatório 8. Seguridade de uso
PESSOAS E EDIFÍCIO
II. Ambiente 9. El fuego
NATURAL 10. Los embates horizontais
3. Água EDIFÍCIO
4. Calor y frio 11. El passo del tiempo
5. Luz IV.Produción
ARTIFICIAL 12. Técnicas del construir
6. Contaminación 13. Conformación materiales
7. Ruído 14. Conformación edifício

V. Estética
15. Técnicas de produción y conveniencia estética
16. Razones práticas (uso e duración) y conveniencia estética.

Fonte: disponível em: http//: www.gustavogili.com.es. Acesso em 07/04/06.

O primeiro volume discorre sobre os princípios do construir arquitetônico.

Arquitetura somente se justifica se facilita e potencializa o uso e desfrute de


seus artefatos graças a:

1. adequação de seus espaços,


2. adequação do ambiente do ambiente desses espaços,
3. conveniência publica e privada de suas qualidades estéticas e
comunicativas,
4. integridade a longo prazo de si mesmo e de seus ocupantes,

191
5. eficiência direta e meio ambiental de seus processos de
materialização.292

Os capítulos apresentados não têm, todos, a mesma profundidade. Alguns


capítulos têm um enfoque mais generalista, enquanto outros entram em detalhes.
Embora sua narrativa não apresente contradições significativas, alguns capítulos
(cap. 1) são elucidativos ao iniciante, enquanto outros se atêm a detalhes que
fogem ao escopo de uma iniciação. (cap. 2). O segundo e o terceiro volumes
complementam o primeiro. Embora apresentem as mesmas características do
primeiro, a leitura não pode ser feita a partir de apenas um dos volumes. Cabe ao
professor eleger os conteúdos a serem desenvolvidos em aula.

292
GONZALEZ, José Luiz; CASALS, Albert e FALCONES, Alejandro. Claves del construir arquitectonico. Tomo I.
Princípios. Barcelona: Gustavo Gili, 1997. p. 10.

192
Figura 76: Claves Del Construir Arquitetônico, tomo II
I. LA FORMACIÓN DEL ESPACIO 5. Elementos horizontales
EXTERIOR 5.1 Vigas o jácenas de forjados
1. Elementos horizontales 5.2 Forjados
1.1 El terreno natural 5.3 Elementos portantes de cubiertas ligeras
1.2 Pavimentos exteriores 6. La estructura como unidad
2. Elementos verticales 6.1 Estructuras de muros
2.1 Elementos de contención de tierras 6.2 Estructuras porticadas
2.2 Cercas, vallados y pantallas III. LA COMPARTIMENTACIÓN DEL
2.3 Arbolado INTERIOR
II. LA ESTRUCTURA PORTANTE 7. Entrepisos
3. Cimentaciones 8. Particiones
3.1 El terreno de cimentación 8.1 Tabiques y paredes
3.2 Cimentaciones superficiales 8.2 Puertas
3.3 Cimentaciones por pilotes 9. Revestimientos
3.4 Contención de tierras en sótanos 9.1 La envolvente interior como unidad
4. Elementos verticales 9.2 Pavimentos interiores
4.1 Muros o paredes 9.3 Falsos techos
4.2 Pies derechos 9.4 Revestimiento de paredes y techos
10. Escaleras
Fonte: disponível em: http//: www.gustavogili.com.es. Acesso em: 07/04/06.

193
Figura 77: Claves Del Construir Arquitetônico, tomo III

I. LAS INSTALACIONES 5. La unidad instalaciones-edificio


1. Instalaciones que facilitan el uso del espacio 5.1 Integración funcional
1.1 Desplazamientos 5.2 Ubicación de las instalaciones
1.2 Comunicaciones 5.3 Instalaciones y conveniencia estética
2. Instalaciones que optimizan el ambiente II. LA ENVOLVENTE DEL EDIFICIO
2.1 Aguas pluviales 6. El contacto con el terreno
2.2 Calor y frío 7. Elementos de las fachadas
2.3 Luz 7.1 Aberturas
2.4 Contaminación 7.1.1 Cerramientos transparentes
2.4.1 Ventilación 7.1.2 Cerramientos opacos
2.4.2 Evacuación de residuos 7.1.3 Parapetos
3. Instalaciones que preservan la integridad 7.1.4 Aberturas en plantas bajas
3.1 Contra incendios 7.2 Partes ciegas de las fachadas
3.2 Pararrayos 8. La fachada como unidad
3.3 Intrusión 9. Cubiertas
4. Instalaciones que suministran fluidos básicos 9.1 Inclinadas
4.1 Agua 9.2 Planas
4.2 Gas 9.3 Aberturas
4.3 Electricidad 10. La envolvente como unidad

Fonte: disponível em: http//: www.gustavogili.com.es. Acesso em: 07/04/06.

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Figura 78: Claves del construir arquitectónico Tomo I. Principios
Los tres tomos Principios y II y III. Elementos) estudian los aspectos esenciales del
saber constructivo necesario para participar profesionalmente en el mundo de la
arquitectura. Su objetivo principal es aportar un método que permita organizar y
exponer ese saber que compense la actual tendencia hacia la fragmentación del
conocimiento que, si bien es útil en muchos campos de la ciencia y la técnica, es
especialmente nociva en una actividad de síntesis como la arquitectura. La
superación de la división estanca entre lo artístico y lo técnico y, dentro de este
último, entre los conocimientos de construcción, estructuras, acondicionamiento e
instalaciones es uno de los objetivos prioritarios que debe asumir la enseñanza actual
de la Arquitectura en todos sus niveles y orientaciones. Los autores desean que este
libro sea una aportación en ese sentido y en el nivel básico de esos conocimientos,
donde, obviamente, es más necesaria su integración.293
Fonte: Catálogo virtual da editora Gustavo Gili. Disponível em: www.gustavogili.com.es

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Los tres tomos Principios y II y III. Elementos) estudian los aspectos esenciales del saber constructivo necesario para
participar profesionalmente en el mundo de la arquitectura. Su objetivo principal es aportar un método que permita
organizar y exponer ese saber que compense la actual tendencia hacia la fragmentación del conocimiento que, si bien es
útil en muchos campos de la ciencia y la técnica, es especialmente nociva en una actividad de síntesis como la
arquitectura. La superación de la división estanca entre lo artístico y lo técnico y, dentro de este último, entre los
conocimientos de construcción, estructuras, acondicionamiento e instalaciones es uno de los objetivos prioritarios que debe
asumir la enseñanza actual de la Arquitectura en todos sus niveles y orientaciones. Los autores desean que este libro sea
una aportación en ese sentido y en el nivel básico de esos conocimientos, donde, obviamente, es más necesaria su
integración.

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