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Caderno de textos

1ª edição
CHILDHOOD BRASIL FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO
Diretora Executiva Presidente
Laís Cardoso Peretto José Roberto Marinho
Gerente de Programas e Secretário Geral
Relações Empresariais Wilson Risolia
Eva Cristina Dengler
Gerente de Advocacy
LEd - LABORATÓRIO DE EDUCAÇÃO
Itamar Batista Gonçalves Gerente Geral
Coordenadora Administrativo-
João Alegria
Financeira Gerente de Produção
Andrea Ciapina Deca Farroco
Coordenadora de Parcerias Gerente de Implementação
Estratégicas Heloisa Mesquita
Thais Flosi Mendes
Gerente Canal Futura
Analista de Comunicação José Brito
Alessandra Castro de Assis
Coordenação de Implementação
Analista de Programas Priscila Pereira
Mônica Santos
Líder de Projetos
Analista de Programas Maria Corrêa e Castro
Patrícia de Sousa Costa
Produção Executiva
Assistente Administrativo-Financeira Joana Levy
Elizabeth Lopes
Produção
Estagiária de Comunicação Fabianna Amorim
Luiza Macedo Britto
Equipe de Implementação
Cínthia Sarinho

FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PRODUÇÃO DE CONTEÚDO


PARA A INFÂNCIA - UNICEF Consultoria de conteúdo
Representante do UNICEF no Brasil Karina Figueiredo Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Florence Bauer Revisão Ortográfica (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Representante Adjunta Érica Carvalho
Que corpo é esse? [livro eletrônico] / [organização Priscila Pereira,
do UNICEF no Brasil Projeto Gráfico e Diagramação Maria Corrêa e Castro]. -- Rio de Janeiro : Fundação Roberto Marinho, 2021. --
Paola Babos Paprika (Kit crescer sem violência)
Chefe da Área de Proteção Imagens PDF
do UNICEF no Brasil Split Studio ISBN 978-65-86001-08-2
Rosana Vega BigStockPhotos
1. Adolescentes - Abuso sexual 2. Adolescentes violentados sexualmente
Especialista em Proteção 3. Crianças - Abuso sexual 4. Crianças e adolescentes - Direitos 5. Crianças
do UNICEF no Brasil violentadas sexualmente 6. Educação sexual para adolescentes 7. Educação
Luiza Fachin Teixeira sexual para crianças 8. Saúde sexual 9. Sexualidade I. Pereira, Priscila.
II. Castro, Maria Corrêa e. III. Série.
Assistente de Programa da Área de
Proteção do UNICEF no Brasil
Solange Lopes 21-77063 CDD-362.76

Índices para catálogo sistemático:


Apoio para impressão desta edição: Fundo Fundação Roberto Marinho e Canal Futura 1. Abuso e exploração sexual : Criança e adolescentes : Problemas sociais 362.76
das Nações Unidas para a Infância – Unicef frm.org.br | futura.org.br Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427
Este caderno é dedicado à memória
de Angelica Goulart, falecida em
2016 – uma das grandes defensoras
dos direitos e da educação das
crianças e adolescentes no Brasil.
Entretanto, para muitos pais e professores, falar sobre sexualidade com
crianças e adolescentes não é tarefa fácil. Para ajudar nesta preparação
surge a série Que corpo é esse?, parte integrante do Projeto Crescer Sem
Violência, que tem como objetivo informar e instrumentalizar profissionais,
educadores, crianças, adolescentes e famílias sobre a importância

VAMOS FALAR do autocuidado e do respeito ao direito à sexualidade. Enquanto os


conteúdos do Que exploração é essa? e do Que abuso é esse? são

SOBRE O CORPO? voltados especificamente para jovens, adultos e profissionais do sistema


de garantia de direitos, o Que corpo é esse? abre o diálogo sobre saúde e
autoproteção com crianças desde a primeira infância.
Heloisa Mesquita Juntos, e em contextos educativos, estes três materiais têm se tornado
Gerente de Implementação do Laboratório de
importantes aliados no enfrentamento das violências contra crianças e
Educação da Fundação Roberto Marinho
adolescentes, em especial das violências sexuais. Ao longo destes 12 anos
de existência do projeto, algumas estratégias de implementação destes
conteúdos foram adotadas: guias de uso dos programas, projetos de
Apesar dos grandes avanços da ciência e do modo de viver em sociedade, imersão em territórios específicos, oficinas de sensibilização para a causa
qualquer assunto relacionado à sexualidade humana ainda é envolto em todo o território nacional, distribuição dos programas em diferentes
em inúmeros tabus. Quando o assunto é a sexualidade de crianças e mídias, campanhas, matérias jornalísticas, cursos on-line, lançamentos
adolescentes então... nem se fala! junto à rede de proteção, participações em congressos, seminários, e
a elaboração do kit que compõe esse caderno inédito. Nele você vai
Pesquisas apontam que a melhor maneira de prevenir a imensa incidência
encontrar textos atuais e elaborados por consultores de referência no
de violências sexuais contra crianças – ou mesmo a contaminação por
assunto, construídos em diálogo com o Unicef, a Childhood Brasil, e apoio
doenças sexualmente transmissíveis na adolescência – é o conhecimento do
do Google, Facebook, Instagram, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal e
próprio corpo e seus limites. Neste contexto, o diálogo franco é fundamental
The Freedom Found.
desde a primeira infância, visto que a sexualidade surge no exato momento
em que um indivíduo nasce, e não bruscamente durante a puberdade. Cada É hora de deixar os tabus de lado e falar francamente sobre sexualidade
diferente etapa da vida precisa ser respeitada nestes espaços de troca, uma para proteger nossas crianças e adolescentes.
vez que esse desenvolvimento é lento, progressivo, e com questões bem Vamos juntos?
particulares até que o indivíduo atinja a maturação sexual.

Quando não saciada em ambientes protetivos e preparados, a curiosidade


sobre o corpo, sensações, sentimentos ou emoções relacionadas ao prazer
pode colocar a criança ou o adolescente em risco. Estas descobertas,
típicas das faixas etárias, podem encontrar na internet, por exemplo,
um espaço ilimitado de conexões perigosas, interações violentas
entre pares e conteúdos inadequados. Tornar crianças e adolescentes
conscientes destes riscos, tanto nos ambientes presenciais quanto on-
line, é fundamental para mantê-los seguros, para que possam ter um
desenvolvimento saudável, e para que aproveitem o que a internet tem de
melhor a oferecer.

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A INFORMAÇÃO É
A MELHOR FORMA Uma criança ou adolescente sem informações básicas sobre seus direitos
pode encontrar dificuldades ao buscar ajuda, uma vez que desconhece

DE PREVENIR A que tem direitos a serem respeitados. Meninas e meninos devem ser
orientados, por exemplo, para saber que podem dizer não a um toque não

VIOLÊNCIA desejado ou invasivo.

A impunidade gerada pelo silêncio e pela ausência de denúncias acaba


Lais Peretto naturalizando e legitimando as violências. E, infelizmente, para parte da
Diretora Executiva do Childhood Brasil
sociedade a violência sexual contra crianças e adolescentes, apesar de ser
um tema que gera incômodo, não é reconhecida como uma grave violação
dos direitos humanos, que acontece todos os dias, muitas vezes até tendo
Nós, como parte da sociedade brasileira, devemos responder a uma o agressor como parte ou próximo do núcleo familiar da vítima.
grande lacuna: a ausência de uma política de prevenção às violências
No material a seguir trataremos das questões aqui mencionadas. E é
contra crianças e adolescentes.
com alegria e entusiasmo que apresentamos os cadernos do Crescer
Mesmo com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, na década Sem Violência, com a inclusão de novos e atuais conteúdos e a revisão e
de 90, que representou um grande marco para a proteção de meninas e atualização dos textos antigos.
meninos no país, ainda carecemos de uma política de Estado estruturada
Uma das muitas novidades trazidas neste caderno é a apresentação e
para trabalhar a prevenção das violências, principalmente a sexual.
sugestão para implementação da Lei Federal 13.431/2017, conhecida como
Neste sentido, acreditamos que parte importante da estruturação e Lei da Escuta Protegida, que estabelece o sistema de garantia de direitos
construção desta política deve inserir a temática da autoproteção e para crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violências. Mas
prevenção para crianças e adolescentes. tem muito mais informações valiosas nas páginas que se seguem. Afinal,
Orientar meninas e meninos sobre conceitos básicos sobre o tema, como como disse ali no título, a informação é a melhor forma de prevenir esse
partes privadas do corpo, segurança pessoal, consentimento e principais problema tão urgente.
situações de risco e vulnerabilidade, pode, comprovadamente, fazer uma
imensa diferença para evitar que sofram violências.

Contudo, um dos nossos grandes desafios está, precisamente, em atuar com


a informação por meio da educação visando a autoproteção. Atualmente,
muitos ainda acreditam que falar de educação sexual é falar da relação
sexual. No entanto, a genitalidade é apenas um dos diversos aspectos a
serem tratados dentro da educação sobre sexualidade. Quando falamos
sobre este controverso termo, estamos falando sobre trazer informações,
para crianças e adolescentes, sobre o que é ter um corpo, conceitos sobre
gênero, diversidade, autoestima, respeito ao outro, consentimento, como se
prevenir de possíveis violações de direitos, entre outros.

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ferramenta pedagógica para orientar profissionais que atuam com crianças e
adolescentes – sobretudo professores, assistentes sociais e agentes de saúde

AUTOPROTEÇÃO, – no desenvolvimento de habilidades para conscientizar meninas e meninos


sobre autoproteção e prevenção contra violências, acolher aqueles que são

ACOLHIMENTO E UMA ou foram vítimas, e oferecer-lhes o atendimento devido.

REDE FORTALECIDA
Atuando de forma articulada, esses profissionais constituem uma
importante rede de proteção para cada criança e adolescente. Os serviços
socioassistenciais são cruciais, sendo espaços de prevenção, denúncia e
Rosana Vega resposta à violência sexual, oferecendo apoio psicológico e social a meninas
Chefe de Proteção da Criança e do
e meninos visando superar os impactos negativos sofridos pela exposição à
Adolescente da Unicef no Brasil
violência. À Assistência, soma-se a Saúde, com todo o cuidado, orientação e
atendimento que pode ser ofertado às vítimas.

Toda criança e adolescente tem direito a uma infância segura. Tem o direito Junto a elas, a Educação tem papel fundamental na proteção contra a
de brincar, de aprender, de crescer e ser protegida contra qualquer forma de violência. Educadores são profissionais que estão em contato diário com
violência. Conforme o artigo 19 da Convenção sobre os Direitos da Criança a criança ou o adolescente, podendo oferecer-lhes ferramentas para
(1989), os países signatários – incluindo o Brasil – devem adotar todas as promover o autocuidado e a autoproteção, ensinando-os a identificar
medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas situações de violência, e explicando onde e como pedir ajuda. Além disso,
para proteger meninas e meninos contra todas as formas de violência física esportes, atividades artísticas e o simples brincar ajudam sobremaneira a
ou mental, ofensas ou abusos, negligência ou tratamento displicente, maus- restaurar a sensação de rotina e estabilidade de que crianças e adolescentes
tratos e violência sexual, incluindo exploração e abuso sexual. vítimas ou testemunhas de violência necessitam.

Segundo dados do Disque 100, só em 2019 foram feitas 17.029 denúncias de A todo esse trabalho com as crianças e os adolescentes soma-se um
violência sexual contra crianças e adolescentes. Em um cenário de notória olhar para as famílias. É preciso ensinar tanto às crianças, como às
subnotificação, sabemos que o número real de crianças e adolescentes que famílias e à comunidade que a violência não é aceitável. É importante
sofrem esse tipo de violência é muito maior. A maioria dos casos acontece olhar para o contexto de vulnerabilidades em que muitas famílias estão
dentro de casa e o agressor é conhecido ou alguém da família. inseridas, desenvolvendo ações que previnam a fragilização de vínculos e
minimizem os riscos aos quais possam estar expostas. Há que se fortalecer
Por se tratar de um fenômeno multifacetado e complexo, a violência sexual as potencialidades de cada família, sobretudo por meio da promoção da
deve ser enfrentada em diferentes esferas. Em primeiro lugar, é fundamental cultura da paz e da parentalidade positiva. O fortalecimento de vínculos
mudar normas sociais que normalizam essa e outras violências. É preciso, familiares é importante para prevenir violências no ambiente doméstico,
também, aumentar o alcance e a qualidade dos serviços que atuam com inclusive a violência sexual, e na comunidade.
vítimas e testemunhas de violência. O enfrentamento da violência sexual
tem de ser prioridade, refletido em um maior investimento em políticas Fortalecer os profissionais do Sistema de Garantia de Direitos, investir
voltadas a ele. E é essencial investir na conscientização e no fortalecimento nas famílias e oferecer ferramentas de autoproteção, junto a uma rede de
de todo o Sistema de Garantia de Direitos, incluindo crianças, adolescentes, acolhimento, a cada criança e adolescente, são as bases do Crescer Sem
famílias, e todas e todos os profissionais que atuam junto a eles. Violência.

É nesse contexto que este caderno se insere. Ele faz parte do programa Confira, nas próximas páginas, um conteúdo lúdico e de qualidade, voltado
Crescer Sem Violência, fruto de um longo trabalho de parceria entre o Unicef, à garantia dos direitos de cada menina e menino, sem exceção.
o Canal Futura e a Childhood Brasil. O caderno constitui uma importante Boa leitura!

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CONHECENDO
OS PROGRAMAS
DESTE CADERNO
PRIMEIRA TEMPORADA* SÉRIE 1 - ARIEL E DANDARA
EPISÓDIO 1 - Eu tenho um corpo
Link: https://youtu.be/trkbeZkygwE
Ariel se dá conta de que tem um corpo
e começa a explorá-lo, bem como tudo
o que está à sua volta, por meio da
boca. Certo dia, tomando banho com
a irmã, Dandara, os dois fazem uma
descoberta importante: eles têm partes
do corpo diferentes. O pai, Aquiles, fala

EPISÓDIOS com Dandara sobre os cuidados envol-


vendo estas partes íntimas no que se
refere à autoproteção e à higienização.

Nesta série de animações, dividida em três EPISÓDIO 2 - Privado e público


microsséries, conheça os Vila Cesar, uma família Link: https://youtu.be/lZM_2E7IZng
tipicamente brasileira. No meio da correria do dia a Dandara corre pelada pela casa cons-
dia, o casal e seus cinco filhos vivenciam situações tantemente, demonstra curiosidade
e refletem sobre assuntos muito importantes sobre os corpos de seus irmãos e mexe
para o desenvolvimento sexual de cada um, em em suas partes íntimas em diferentes
suas diferentes etapas de vida. Da descoberta contextos e situações. Helena conver-
dos órgãos genitais a temas complexos, como a sa com a filha sobre a importância da
homofobia e o sexting, Que corpo é esse? convida exploração do próprio corpo e sobre
a um franco debate sobre direitos sexuais e a necessidade de privacidade nesses
autoproteção. A série faz parte do Projeto Crescer momentos como uma forma de prote-
Sem violência, parceria com o Unicef e a Childhood, ção da sua intimidade.
de enfrentamento das violências sexuais contra
EPISÓDIO 3 - É de menino ou de
crianças e adolescentes.
menina?
Link: https://youtu.be/ZRg-uTwn5eI
Dandara recebe em sua casa a amiga
Milena. Entre uma brincadeira e outra,
ambas se deparam com personagens e
se questionam quais são “de menina” e
quais são “de menino”. O irmão, Kauã,
desconstrói com a dupla os estereóti-
pos de gênero e mostra como é diverti-
*D
 isponíveis também em audiodescrição,
libras e closecaption do brincar junto e ser quem você quiser.

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EPISÓDIO 4 EPISÓDIO 3
O direito de dizer não Corpo em mutação
Link: https://youtu.be/SWmyTH2ow2Q Link: https://youtu.be/vo3faJHSIZs
Uma amiga de Helena chega à casa dos Algumas mudanças nos corpos de
Vila Cesar, e as crianças já sabem que Thainá e Kauã começam a incomo-
ela é do tipo que cumprimenta com dar: uma bolada nos seios de Thainá
abraços apertados e beijos “melequen- doem mais do que o costumeiro;
tos”. Dandara, Kauã e Thainá montam Kauã dá uma “esganiçada” na voz no
um plano infalível para fugir da situação, meio da aula. Os dois assistem uma
e todos refletem juntos sobre o direito aula de Ciências sobre puberdade e
de dizer não, bem como sobre os to- chegam em casa cheios de curiosida-
ques que são ou não adequados. des e perguntas para Helena e Aqui-
les, que conversam com os gêmeos
sobre esta importante fase da vida.
SÉRIE 2 - THAINÁ E KAUÃ
EPISÓDIO 1 - o Jeito de cada um EPISÓDIO 4
Empoderamento de meninas
Link: https://youtu.be/orguPPm1EdU
Link: https://youtu.be/WXxlZhSIdos
Um youtuber da escola começa a
Thainá e uma amiga decidem fazer
gravar os amigos da turma de Thainá e
um canal no YouTube. A amiga, que
Kauã com um celular e fica apontando
começou agora a usar sutiã, se veste
coisas que ele julga serem defeitos. O
de maneira mais provocativa e usa
menino começa a ser rejeitado pela
maquiagem. Elas saem para ir a um
turma, e Thainá decide conversar com
jogo e ambas são vítimas de piadas
ele e apontar que o respeito entre as
de assédio verbal por alguns meni-
diversas personalidades e gostos dos
nos na rua. Em casa, Thainá conta o
membros do grupo deve ser algo a ser
ocorrido para Helena e Chris e as três
celebrado e valorizado.
refletem sobre o desejo de aceitação,
EPISÓDIO 2 - Internet e mídia o machismo e o assédio sexual.
Link: https://youtu.be/l-KDkhYQAbA
Kauã, num jogo de videogame, conhe-
ce uma garota e começa um namoro
virtual com ela. Chris fica com a pulga
atrás da orelha e dá uns toques para
o irmão sobre segurança na internet.
Ela o faz pensar sobre a identidade da
menina e o deixa confortável para pro-
curar por ela ou pelos pais caso tenha
alguma dúvida.

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SÉRIE 3 - CHRIS SEGUNDA TEMPORADA*
EPISÓDIO 1 - Meu corpo, minhas regras SÉRIE 1 - ARIEL E DANDARA
Link: https://youtu.be/UEDBatURob4
EPISÓDIO 1 - Sharenting
Em uma conversa com uma amiga, Chris está Link: https://youtu.be/8Tcx5Dj2n4o
tensa sobre ter a sua primeira relação sexual
Depois de fazer sucesso com um vídeo de
com o namorado. A amiga conta a sua expe-
Ariel nas redes sociais, Aquiles tenta filmar o
riência com a namorada, fala da importância
filho mais uma vez para reproduzir o feito. Mas
do afeto e do respeito nas relações afetivas e
Ariel não se mostra à vontade com a ideia.
relativiza o conceito de relação sexual.
Observando a situação, Tainá explica para o pai
EPISÓDIO 2 - Internet sobre o direito à privacidade dos filhos, dando
Link: https://youtu.be/eoeFP_gwzkY um exemplo com ela própria, e explicando um
Chris recebe um “nude” de uma amiga que pouco mais sobre os problemas do excesso de
está sendo viralizado entre os alunos da exposição on-line (sharenting).
sua escola, disparado do celular da própria EPISÓDIO 2 - Uso consciente e
amiga, que havia sido roubado. Assustada autonomia on-line
com a repercussão, Chris resolve iniciar uma Link: https://youtu.be/hYHCJDAq92E
campanha on-line contra o sexting e mobiliza
Ao ver Helena trabalhando concentrada no com-
a comunidade escolar em torno do tema.
putador, Dandara reproduz o comportamento
EPISÓDIO 3 - Amores e relações abusivas da mãe, passando quase o dia inteiro em frente à
Link: https://youtu.be/Znq3ljdTCYs tela de seu tablet. Preocupada com o excesso da
tecnologia como entretenimento, Helena alerta a
O namorado de Chris começa a mudar de
filha sobre o tempo de uso e os riscos de armadi-
comportamento. Chris termina o namoro e
lhas on-line, ensinando sobre como fazer um uso
ele fica muito mal. Em conversa com uma
consciente e positivo da internet.
amiga dias depois, ambas dialogam sobre
relacionamentos abusivos e machismo. EPISÓDIO 3 - Compartilhamento
de aparelhos
EPISÓDIO 4 - Estereótipos de gênero
Link: https://youtu.be/h8tqSvVbk6U
Link: https://youtu.be/TaZHE8MvrzA
Para distrair Dandara enquanto dá aulas de
O melhor amigo do namorado de Chris
violão para Cauã, Chris deixa a irmã brincar
confessa para ele que é gay. Chocado com
em seu celular. Porém, Dandara acaba mexen-
a informação, ele se questiona sobre o
do em conteúdos indevidos para sua idade, e
futuro da amizade dos dois. Chris conversa
faz uma série de questionamentos para a irmã
com ele sobre homofobia e sinaliza que ele
mais velha. Chris se atenta para o cuidado com
precisa dar todo o apoio ao seu amigo neste
o compartilhamento de aparelhos e aprende
momento, principalmente por ele ter confia-
sobre a importância da mediação constante
do em sua amizade para dividir esta desco- *D
 isponíveis também em
de um adulto junto à criança on-line. audiodescrição, libras e
berta tão importante. closecaption

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SÉRIE 2 - THAINÁ E KAUÃ SÉRIE 3 - CHRIS
EPISÓDIO 1 - Saúde emocional EPISÓDIO 1 - Reputação digital e
on-line e autoflagelo ideação suicida
Link: https://youtu.be/_lAHhjRH4h0 Link: https://youtu.be/MW5eHIDyY1Y
Após vencer um campeonato de futebol, uma Depois de sofrer linchamento on-line e ser
foto do time é publicada na internet. Mas o cancelada nas redes por conta de uma foto
que era para trazer alegria torna-se angústia: polêmica, Paula acaba sofrendo uma persegui-
comentários maldosos a respeito da estatura ção sistemática tanto no mundo virtual quanto
de Cauã e do excesso de peso de seu amigo no real. Sentindo-se encurralada, Paula se isola
afetam a autoestima dos dois, trazendo à tona e passa a ter ideações suicidas. Sabendo do
questões sobre saúde emocional e autoflagelo. caso, Chris e Luiza se unem para ajudar a ami-
Os meninos aprendem sobre cyberbullying e ga por meio de um coletivo juvenil on-line que
sobre a resiliência necessária para lidar com ele. auxilia no bem-estar e na saúde mental.

EPISÓDIO 2 - Modelo de EPISÓDIO 2 - Leitura crítica das


masculinidade tóxica informações on-line e potência de
Link: https://youtu.be/GKmoATRavqE comunicação digital
Na escola, Cauã é pressionado por uma ro- Link: https://youtu.be/PBHC0xHEZBw
dinha de meninos a fazer um novo “desafio” Cansada de receber inúmeras mensagens de
on-line. Sabendo que se trata de uma brin- Yudi com notícias de procedência duvidosa,
cadeira de risco, Cauã nega-se a fazê-lo e é Chris resolve dar um basta na situação e
provocado por todos, que dizem que ele não conversar com o ex-namorado. Com a ajuda
é “macho”. Quando outro menino hesita em de Chris e Joel, Yudi entende a importância
fazer o desafio, Cauã se vê compelido a ajudar da leitura crítica das informações transmi-
o amigo e desconstruir o modelo de masculi- tidas on-line e a potência da comunicação
nidade tóxica presente no grupo. digital, aprendendo também a diferenciar
gosto pessoal de valor crítico.
EPISÓDIO 3 - Aliciamento de
crianças e autoproteção EPISÓDIO 3 - Relacionamento on-line
Link: https://youtu.be/nDAtAkOGYgI Link: https://youtu.be/nQZEojNwD2s
Buscando mais seguidores em sua rede social, Chris finalmente toma coragem para se en-
Tainá faz tutoriais de yoga em seu perfil. Ela contrar com um rapaz que conheceu on-line,
logo ganha mais popularidade, mas também e avisa Paula e Luiza sobre seus planos. As
atrai perfis de desconhecidos, que constante- amigas conversam sobre suas experiências,
mente fazem comentários inapropriados. Com incluindo nudes não requisitados (cultura do
a ajuda de Helena, Tainá aprende a se proteger falo), perfis falsos e até mesmo stalkers. An-
do aliciamento infantil e sobre empoderamen- tes de encontrar o rapaz, Chris se abre com
to feminino, refletindo sobre o que é ser uma Helena, recebendo mais dicas importantes
menina negra. sobre como ir ao encontro com o máximo de
segurança.

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EXTRAS PRIMEIRA TEMPORADA
Papo de gente grande – oficial de cidadania dos adolescen-
Ariel e Dandara tes do Unicef Brasil, Gabriela Mora,
Link: https://youtu.be/R7fc6Swv1aQ e a gerente técnica de gênero da
Num bate-papo bem informal, Plan Internacional, Viviana Santiago,
Helena recebe em sua casa a co- para tirar suas dúvidas sobre sexua-
ordenadora de educação infantil lidade na puberdade.
do Ministério da Educação, Carol
Papo de gente grande – Chris
Velho, a escritora e pedagoga Carol
Link: https://youtu.be/--JL3IG0PvI
Arcari, e o gerente de advocacia da
Childhood Brasil, Itamar Gonçalves, Num bate-papo bem informal,
para tirar suas dúvidas sobre sexua- Aquiles recebe em sua casa a psi-
lidade na primeira infância. cóloga do Instituto Kaplan, Sandra
Vasques, a oficial de cidadania
Papo de gente grande – dos adolescentes do Unicef Brasil,
Thainá e Kauã Gabriela Mora, o especialista de
Link: https://youtu.be/q9FmVgyq- saúde e HIV do Unicef Brasil, Caio
3Cg Oliveira, e a gerente técnica de gê-
Num bate-papo bem informal, Aqui- nero da Plan Internacional, Viviana
les recebe em sua casa o psicólogo Santiago, para tirar suas dúvidas
da Safernet Brasil Rodrigo Nejm, a sobre sexualidade na juventude.

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SEGUNDA TEMPORADA
Papo de gente grande – Animação sobre o Sistema de
Prevenção On-line Garantia de Direitos – Unicef
Link: https://youtu.be/8Lq42-N-DIc Link: https://youtu.be/0u4H7pMp0Z0
No Papo de Gente Grande, a Chris Depois de um bate-papo com o
faz uma videoconferência sobre Unicef na escola sobre os direitos
prevenção on-line de crianças e da criança e do adolescente, Cris e
adolescentes com três especialistas: Yudi chegam empolgados em casa
Rodrigo Nejm, Renata Assumpção e contam mais sobre o que apren-
e Hugo Monteiro. Ela faz perguntas deram como os diferentes tipos
a eles sobre qual o uso correto da de violência que podem ocorrer
internet, qual a responsabilidade com essa faixa etária, e como agir
dos pais e das plataformas na segu- nesses casos.
rança dos jovens, como isso pode
O ECA também é você
ajudar ou atrapalhar a vida deles, e
Depoimentos reais destacam o im-
como buscar ajuda.
pacto do Estatuto da Criança e do
Institucional de lançamento Adolescente na atuação de profis-
Link: https://youtu.be/aMC7DDqn3e8 sionais em diferentes segmentos:
Pelo desktop da tela de computa- médicos, enfermeiros e agentes de
dor, Chris explica para Cauã sobre saúde; assistentes sociais; professo-
o Crescer Sem Violência, uma res, diretores e funcionários de es-
iniciativa em parceria do Unicef, colas; juízes, promotores de justiça,
a Childhood e o Futura sobre a defensores públicos e advogados;
garantia de direitos da criança e policiais e agentes de segurança
do adolescente, trazendo dados, pública; e conselheiros tutelares.
estatísticas, entrevistas e trechos Links:
sobre a segunda temporada do Ep 1: https://youtu.be/OXrY_-_cAQs
Que corpo é esse? Ep 2: https://youtu.be/B_nzw4U4fM0
Ep 3: https://youtu.be/bx4GgkcoQCo
Campanha 30 anos do ECA
Ep 4: https://youtu.be/XT6ZWd_ri6A
Link: https://youtu.be/qUq4wkWNp6I
Ep 5: https://youtu.be/UQgwxCW-qIg
Em 2020, o Estatuto da Criança e
Ep 6: https://youtu.be/kDbvkzPEKTA
do Adolescente completou 30 anos,
Ep 7: https://youtu.be/vG2b_X2AW4E
e os irmão Ariel, Dandara, Thainá,
Kauã e Chris têm um importante
recado sobre este documento.

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DEBATE
BNCC: Currículos e sexualidade
Link: https://youtu.be/E4Rmpu4oWWI
Exibição: 2019
Sinopse: Com o fim do prazo para as redes de ensino
adaptarem os currículos à BNCC, o Debate analisa como
deve ser contemplada a sexualidade nos componentes
dos anos finais. Convidados: Viviana Santiago, gerente de
Gênero e Incidência Política da Plan International Brasil;
Teresa Pontual, Gerente Executiva do Centro de Excelência
e Inovação em Políticas Educacionais (Ceipe)/FGV; Maria
Luísa Albiero Vaz, vice-presidente da Associação Brasileira
de Livros Educativos (Abrale); e Gina Vieira Ponte, criadora
Projeto Mulheres Inspiradoras.

Sexualidade e Infância
Link: https://youtu.be/0cgu5PFoxTs
Exibição: 2018
Sinopse: A exposição Queermuseu e o caso do pai que es-
pancou sua filha de 13 anos ao saber que ela havia perdido
a virgindade chamaram a atenção. Como conversar sobre
sexo com crianças, qual o papel da escola, como lidar com
as crianças LGBTI? Participaram conosco a presidente do
Instituto Cores, Caroline Arcari, e a professora de Sociolo-
gia da Estácio Amanda Mendonça.

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Infância e os impactos da pandemia
Link: https://youtu.be/Tno-lzZaxl8
Exibição: 17/09/2020
Sinopse: O Childfund fez um relatório sobre as con-
sequências da pandemia de Covid-19 na vida das
crianças. O aumento das diversas formas de violência

CONEXÃO
foi uma delas. Apresentação: Ana Carolina Malvão.
Entrevistadas: Lídia Rodrigues, educadora social, e
Águeda Barreto, assessora de advocay e comunicação
do Childfund Brasil.

A inclusão de crianças trans na educação


Link: https://youtu.be/kPzMlGs4DSg
Exibição: 27/07/2020
Sinopse: Menos de um por cento dos jovens trans che-
ga às universidades. O problema começa com a eva-
são escolar, devido à discriminação. Como as escolas
podem ser espaços mais acolhedores? Apresentação:
Ana Carolina Malvão. Entrevistada: Ana Carolina Lima,
assistente social.

Livreto Menstruação – Plan International Brasil


Link: https://youtu.be/dPxM-RYZcFI
Exibição: 29/04/2020
Sinopse: A Plan International Brasil, em parceria com a
Sempre Livre, desenvolveu uma cartilha com informa-
ções sobre a menstruação. Ela pode ser acessada pela
internet e pretende desmentir mitos relacionados ao
ciclo menstrual. Saiba mais!

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Como a Educação Sexual pode evitar a violência?
Link: https://youtu.be/XI395jOHn4Q
Exibição: 14/11/2019
Sinopse: Pesquisa da Universidade de Indiana, nos
EUA, mostrou que adolescentes têm contato com
pornografia entre 13 e 14 anos, e metade dos pais
destes adolescentes acreditavam que eles não tinham
acesso a este tipo de conteúdo. Entrevistados: Marcos
Nogueira Milner, antropólogo; Sônia Mendes, sexóloga;
Amanda Sadalla, especialista em educação pública e
Gravidez Não Intencional na Adolescência enfrentamento da violência contra a mulher
Link: https://youtu.be/8bvaEdrut6s
Como lidar com a orientação sexual dos filhos?
Exibição: 05/12/2019
Link: https://youtu.be/MGZrQWgvnCY
Sinopse: A gravidez é um dos principais motivos da
Exibição: 07/08/2019
evasão escolar entre as meninas. Como garantir que
adolescentes evitem a gravidez? E como assegurar Sinopse: Pesquisa da Unifesp mostrou que mais de
que aquelas que façam esta escolha consigam voltar 40% das entrevistadas nunca conversou sobre sexua-
a estudar? Entrevistadas: Lusiane Souza, estudante de lidade dentro de casa. Esta ausência de diálogo pode
jornalismo na UFRJ; Patrícia Frank, assistente social trazer consequências graves para a vida. Saiba como
da Prefeitura do Rio de Janeiro; Priscila de Oliveira, lidar. Entrevistadas: Keila Simpson, presidente da As-
Psicóloga do Hospital Gafreé e Guinle. Apresentação: sociação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra); e
Karen de Souza Georgina Martins, representante do Mães Pela Igualda-
de. Apresentação: Karen de Souza
O que as crianças pensam sobre a violência?
Link: https://youtu.be/Ka6u0MFkdxM Cartilha aborda prevenção à violência sexual entre
jovens
Exibição: 21/11/2019
Link: https://youtu.be/sWSJVYQ3-6w
Sinopse: Pesquisa mostra que 67% das pessoas de 10
Exibição: 18/12/2019
a 12 anos não se sentem protegidas da violência no
Sinopse: Mais de 300 jovens participaram das discus-
país. Qual é a importância de ouvir as opiniões das
sões que geraram a cartilha “Tá na hora de falar sobre
crianças para combater a violência infantil? Entrevis-
exploração sexual com seus alunos”. Apresentação:
tados: Águeda Pacheco de Melo Barreto, assessora de
Gabriela da Cunha. Entrevistada: Amanda Sadalla,
advocacy da Childfund Brasil; Bruna Ribeiro, jornalista
especialista em educação para enfrentamento da
da Rede Peteca; e José Ricardo, coordenador geral do
violência sexual.
Cendhec. Apresentação: Karen de Souza

QUE CORPO É ESSE? | 31


REFLEXÕES
SOBRE A PRIMEIRA
TEMPORADA:
CRIANÇAS,
ADOLESCENTES E
A SEXUALIDADE

QUE CORPO É ESSE? | 33


Benedito Santos1 Diferença entre sexo e
sexualidade
O senso comum apresenta uma “A sexualidade humana
visão reducionista da sexualidade, forma parte integral da
equiparando-a apenas à relação personalidade de cada
sexual em si mesma e negando um. É uma necessidade
as descobertas científicas a esse básica e um aspecto

DIGNIDADE SEXUAL, respeito. Desde o século XIX,


Freud distinguiu atividade sexual
do ser humano que
não pode ser separado

DIREITOS SEXUAIS de sexualidade, e demonstrou que


a sexualidade é uma construção
de outros aspectos da
vida. A sexualidade não

REPRODUTIVOS E que se inicia praticamente desde


a gestação, por meio de contatos
é sinônimo de coito e
não se limita à presença

AS MARCAÇÕES sensoriais das crianças com o mun-


do e percebidos por intermédio de
ou não de orgasmo.
Sexualidade é muito

CULTURAIS DE GÊNERO seu corpo. A sexualidade infantil


é, assim, construída a partir das
mais que isso. É energia
que motiva a encontrar
primeiras experiências afetivas, no o amor, o contato e a
relacionamento com a mãe e com intimidade, e se expressa
A prevenção da violência sexual contra crianças e ado- o pai, ou com quem cuida dela na forma de sentir, nos
lescentes implica reconhecê-los como sujeitos sexu- (Santos; Ippolito, 2011). movimentos das pessoas,
ais, ao mesmo tempo em que se reafirma o princípio A curiosidade sexual é parte da e como estas tocam e são
ético de que é responsabilidade do adulto estabelecer aprendizagem da vida. A criança tocadas. A sexualidade
a fronteira entre afeto e sexo e respeitar o desenvolvi- que obtém respostas às suas inda- influencia pensamentos,
mento sexual de crianças e adolescentes, sem viola- gações consegue aliviar tensões, sentimentos, ações e
ções à sua dignidade sexual (Santos; Ippolito, 2011). conhecer sua origem, e posterior- interações, e tanto a
Falar de sexualidade infantil sempre representou um mente será capaz de questiona- saúde física como a
tabu, particularmente em razão da imagem idealizada mentos cada vez mais profundos mental. Se a saúde é um
da criança, como ser totalmente assexuado. Uma das sobre si mesma e sobre o mundo direito fundamental, a
grandes resistências dos profissionais e das institui- que a cerca. Ter desejo sexual é saúde sexual também
ções na discussão da sexualidade e na realização de inerente à espécie humana (Santos; deve ser considerada um
atividades de educação para a saúde sexual ancora- Ippolito, 2011). direito humano básico. ”
-se na crença cultural de que falar sobre esse assunto Além de conceber a sexualidade Organização Mundial da
com crianças e adolescentes estimula a atividade para além do “coito”, a Organiza- Saúde, 1975
sexual precoce. ção Mundial da Saúde concebe
a saúde sexual como um “direito
humano básico”.
1. Pós-doutor em antropologia, professor universitário, pesquisador e consultor de
organismos das Nações Unidas, Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef-Brasil) e
organizações não-governamentais internacionais, como a Childhood Brasil.

QUE CORPO É ESSE? | 35


1. O direito à liberdade sexual 5. O direito ao prazer sexual
A liberdade sexual diz respeito O prazer sexual, incluindo o autoe-
à possibilidade de os indivíduos rotismo, é uma fonte de bem-estar
expressarem seu potencial sexual. físico, psicológico, intelectual e
Declaração dos No entanto, aqui se excluem todas espiritual.
Direitos Sexuais as formas de coerção, exploração e
6. O direito à expressão sexual 9. O direito à informação
Durante o XV Congresso Mundial de abuso, em qualquer época ou situa-
A expressão sexual é mais que baseada no conhecimento
Sexologia, ocorrido em Hong Kong ção da vida.
um prazer erótico ou atos sexuais. científico
(China), entre 23 e 27 de agosto, a 2. O direito à autonomia Cada indivíduo tem o direito de A informação sexual deve ser
Assembleia Geral da World Asso- sexual, à integridade sexual e à expressar sua sexualidade por meio gerada por meio de um processo
ciation for Sexology (WAS) aprovou segurança do corpo sexual da comunicação, toques, expressão científico, ético, e disseminado em
as emendas para a Declaração de Este direito envolve a habilidade emocional e amor. formas apropriadas e a todos os
Direitos Sexuais, decidida em Va- de uma pessoa em tomar decisões níveis sociais.
lência, no XIII Congresso Mundial de autônomas sobre a própria vida se- 7. O direito à livre associação
Sexologia, em 1997. sexual 10. O direito à educação sexual
xual num contexto de ética pessoal
Significa a possibilidade de casa- compreensiva
Os direitos sexuais são direitos e social. Também inclui o controle
mento ou não, de divórcio, e do Este é um processo que dura a
humanos universais baseados na e o prazer de nossos corpos livres
estabelecimento de outros tipos de vida toda, desde o nascimento, e
liberdade inerente, na dignidade e de tortura, mutilação e violência de
associações sexuais responsáveis. deveria envolver todas as institui-
na igualdade para todos os seres qualquer tipo.
ções sociais.
humanos. Para assegurarmos que 8. O direito às escolhas
3. O direito à privacidade sexual
os seres humanos e a sociedade reprodutivas livres e 11. O direito à saúde sexual
O direito às decisões individuais e
desenvolvam uma sexualidade sau- responsáveis O cuidado com a saúde sexual
aos comportamentos sobre intimi-
dável, os seguintes direitos sexuais É o direito de decidir ter ou não deveria estar disponível para a pre-
dade, desde que não interfiram nos
devem ser reconhecidos, promovi- filhos, o número e o tempo entre venção e tratamento de todos os
direitos sexuais dos outros.
dos, respeitados e defendidos por cada um, e o direito total aos méto- problemas sexuais, preocupações e
todas as sociedades, de todas as 4. O direito à igualdade sexual dos de regulação da fertilidade. desordens.
maneiras. Saúde sexual é o resulta- Liberdade de todas as formas de
do de um ambiente que reconhece, discriminação, independentemente
respeita e exercita estes direitos do sexo, gênero, orientação sexual,
sexuais (Santos; Ippolito, 2011). idade, raça, classe social, religião,
deficiências mentais ou físicas.

QUE CORPO É ESSE? | 37


O Estado Brasileiro legitimou a
sexualidade enquanto aspecto da
cidadania junto à saúde, à vida
familiar e social, ao meio ambiente,
ao trabalho, à ciência e tecnologia,
Direitos sexuais de crianças e adolescentes
à cultura e às linguagens, conforme
Baseando-se nos princípios do documento “Direitos
consta da Resolução nº 2/98 do
Sexuais: Uma declaração da IPPF- Federação Inter-
Conselho Nacional de Educação,
nacional de Planejamento Familiar”* (IBISS, 2008),
que instituiu as Diretrizes Curri-
acredita-se que:
culares Nacionais. O Ministério da
1. C
 rianças e adolescentes têm o direito de serem Educação incluiu, já em 1997, a
ouvidos, respeitados e atendidos em suas legítimas orientação sexual nos Parâmetros
reivindicações; Curriculares Nacionais, como um Os Parâmetros Curriculares Nacio-
2. Crianças e adolescentes têm o direito a uma educa- de seus temas transversais, e reco- nais do MEC estabelecem quatro
ção que promova sua condição de ser em formação, nheceu a importância do tema nos eixos de discussão fundamentais
garantindo um desenvolvimento pleno e saudável; espaços educativos: escolas, cen- para a prevenção da violência
3. Uma criança tem o direito de conhecer seu corpo; tros de juventude, centros culturais, contra crianças e adolescentes:
de lazer, esportivos e outros, onde desenvolvimento da sexualidade e
4. U
 ma criança tem o direito de descobrir sua masculi-
ocorrem atividades complementa- cultura; corpo como fonte e matriz
nidade e feminilidade;
res às escolas. da sexualidade - nas suas dimen-
5. Um adolescente tem o direito à descoberta e ao exer-
Contudo, em grande medida, sões erótica e reprodutiva; relações
cício de sua sexualidade junto a seus pares;
prevalece ainda hoje, subjacente às de gênero e composição da sexua-
6. U
 m adolescente tem o direito à livre expressão de ações voltadas à orientação sexual2 lidade (conjunto de representações
sua orientação afetivo-sexual; nas escolas, a preocupação com sociais e culturais construídas a
7. U
 m adolescente tem o direito à relação consensual sexo, reprodução e consequências partir da diferenciação biológica
amorosa; indesejadas, tais como doenças dos sexos); e Prevenção das DST/
8. Crianças e adolescentes têm o direito de dizer não a sexualmente transmissíveis/síndro- Aids - abordada sob a ótica da
toda forma de abuso e exploração sexual, seja inces- me da imunodeficiência adquirida vulnerabilidade individual, social e
to, pornografia ou prostituição; (DST/Aids) e violência sexual. Essa programática/institucional.

9. Crianças e adolescentes têm o direito de dizer não a visão reducionista da sexualidade


toda forma de violência e maus-tratos, sejam verbais, como sexo expressa os valores
físicos ou psicológicos. sociais e culturais vigentes na
sociedade, e corrobora a violência 2. Orientação sexual neste contexto designa o
velada dos discursos e práticas que processo pedagógico de intervenção sistemática
que promove a reflexão sobre sexualidade dentro
utilizam o sexo como mercadoria das escolas, que não deve ser confundida com a
orientação do desejo sexual. Nos PCNs, o termo
de consumo e troca.
educação sexual refere-se ao processo informal
de aprendizado, que se inicia desde antes do
* http://www.apf.pt/sites/default/files/media/2021/ippf_
nascimento e se prolonga por toda a vida.
sexual_rights_declaration_portuguese.pdf

QUE CORPO É ESSE? | 39


Muitas ações de prevenção à vio- madura (entre 25 e 45 anos). Pais
lência sexual contra crianças têm ou padrastos incestuosos, homens
falhado em alcançar seus objetivos denominados pedófilos ou clientes
pela falta de abordagem de temas da “prostituição infantil”, longe de
como o conhecimento do corpo Adolescentes atraídos ou forçados serem “monstros”, embora alguns
e as questões culturais de gênero, a vivenciar ações de exploração tendam a praticar atos cruéis
sobretudo aquelas relacionadas sexual também foram, na maioria contra crianças e adolescentes, são
aos padrões de masculinidade e das vezes, sexualizados na infância, “produtos” de uma cultura que re-
feminilidade. envoltos em situações conflituosas prime a sexualidade e a expressão
Pesquisas demonstram que dentro de casa e em profundo des- livre do desejo.
crianças/adolescentes que são conforto com o status social em Estudos demonstram que as fa-
rejeitados pelo grupo, vistos como que viviam. Baixa autoestima, uso mílias onde ocorrem situações de
“diferentes”, desenvolvem baixa abusivo de substâncias psicoativas incesto tendem a serem estruturas
autoestima, e tem dificuldade para e falta de condições econômicas e muito fechadas, com pouco conta-
distinguir os “toques” abusivos ou sociais para “comprar” o que a mí- to social externo, hierarquia rígida,
inadequados. Sabem pouco sobre dia propagandeia, com materializa- e padrões de relacionamento que
o desenvolvimento da própria ção do desejo e realização pessoal/ combinam afeto filial misturado a
sexualidade e sobre seus direitos social, compõem um complexo doses de erotismo. Assim, as crian-
sexuais reprodutivos e terminam cenário que tornam os/as adoles- ças são vistas como “propriedade
por ser alvos constantes de pes- centes alvos da efebofilia ou de dos pais”, que devem estar dispo-
soas que praticam o abuso sexual. outras pessoas com “preferências níveis para satisfação dos desejos
Por tudo isso, criar um ambiente sexuais pelos mais jovens”. Aqui, paternos no próprio âmbito familiar
acolhedor e inclusivo na família e mais uma vez, o ambiente afetivo, (Azevedo; Guerra, 1998).
na escola, informar as crianças so- acolhedor e inclusivo; conheci- No caso dos padrastos, uma crença
bre o funcionamento do seu corpo mento do corpo, da sexualidade e equivocada de que se deve evi-
e o desenvolvimento da sua sexu- dos direitos sexuais reprodutivos tar relações sexuais com parentes
alidade, e empoderar as crianças são fundamentais na prevenção da (filhos e filhas) pela possibilidade de
e adolescentes são os principais exploração sexual. um desastre genético, termina por
aspectos da chamada prevenção A questão de gênero se manifesta levar homens que não são pais bio-
primária – intervenção realizada de diversas formas. Embora não se lógicos a expressarem seus desejos
antes que o abuso sexual ocorra deva menosprezar as ocorrências sexuais com alvos mais vulneráveis
(Santos; Ippólito, 2011). de violência sexual contra meninos, que estão no seu convívio familiar,
pesquisas indicam que são as me- mas que não são biologicamente
ninas, sobretudo as negras, entre seus filhos (enteados e enteadas). O
7 e 12 anos, as mais vulneráveis à mesmo ocorre com os “meio-irmãos
violência sexual. Os perpetradores e meio-irmãs”. A nova estrutura da
são, em geral, homens, no final da família brasileira, agora distante do
juventude e na chamada idade modelo da familiar nuclear moderna,

QUE CORPO É ESSE? | 41


necessita de uma nova regra para Contudo, o dado de que uma
o interdito do incesto que seja mais grande parte dos perpetradores
Embora incestuosos, pedófilos e/
pontuada em relações éticas entre de violência sexual tenham sofrido
ou clientes da “prostituição infan-
cuidados e cuidadores do que vincu- abuso na infância coloca algumas questão a amplitude do paradigma
til” apresentem, em geral, muitas
lação sanguínea. questões relevantes para a preven- do patriarcado na explicação da
dificuldades na expressão de afeto
Os chamados pedófilos apresen- ção da violência sexual, particular- violência sexual? Ou mesmo a tese
e no desenvolvimento da sua sexu-
tam, segundo estudos como o de mente para a perpetuação do ciclo da supremacia da sexualidade mas-
alidade, eles terminam por cumprir
Furniss (1993), uma fixação erótica da violência: se são os homens os culina nas explicações da violência
a armadilha cultural machista, no
por crianças/adolescentes por pro- que mais abusam sexualmente das sexual? Seriam todos esses meninos
exercício do que Bourdieu chamou
blemas no desenvolvimento da sua meninas, e se grande parte des- sexualmente abusados seres afemi-
de “dominação masculina”, a qual é
sexualidade e por uma sensação de ses praticantes de violência sexual nados, ocupando, portanto, o lugar
mantida não sem custos desastro-
impotência e insegurança no rela- foram abusados por outros homens do feminino, confirmando dessa
sos para os homens.
cionamento com pessoas adultas. quando crianças, a violência sexual forma os paradigmas explanatórios
contra os meninos não deve, por- dominantes? Ou, em realidade, te-
Por sua vez, os clientes da explo-
tanto, ser subestimada. Não estaria riam grande parte desses perpetra-
ração sexual de crianças, pedófi-
o abuso de meninos por pessoas dores de abuso sido alvo de desejos
los ou não, compartilham de uma
do sexo masculino colocando em homoafetivos reprimidos?
série de crenças da nossa cultura
adultocêntrica e machista, que Tornando ainda mais complexa a
claramente demonstram a cons- discussão: estariam também as
trução distorcida da sexualidade meninas abusadas tornando-se
masculina, que faz o “desvirgina- agentes de transmissão do abuso?
mento” de uma mulher um “ato” Em caso negativo, quais seriam
altamente cobiçado e celebrado no os fatores que levariam as mulhe-
mundo da autoafirmação da mas- res a não perpetuarem o ciclo da
culinidade, Ou que torna o sexo violência sexual? Em caso positivo,
com impúberes e adolescentes como estaria se manifestando essa
mais desejável pelas propriedade transmissão do abuso sexual, se
químicas dos órgãos genitais ainda a representação de mulheres nos
não expostos ou com pouca expo- contingentes de autores de violên-
sição às práticas sexuais. Ou ainda, cia sexual é tão pequena? Não es-
a “vampiragem de juventude”, que tariam ocorrendo práticas abusivas
produz uma satisfação simbólica de no espaço do cuidado da criança e
recuperar o vigor sexual da juventu- do adolescente, que resultariam na
de ou de se eternizar no corpo dos hipersexualização de algumas crian-
mais jovens (Santos; Ippólito, 2011). ças/adolescentes, criando assim
uma espécie de “prontidão sexual”,
fator de incremento da sua vulnera-
bilidade a situações de risco?

QUE CORPO É ESSE? | 43


O fato de que a ocorrência da vio- Referências:
lência sexual vem aumentado entre
“pares”, ou seja, que um grande Azevedo, M. A; Guerra, V. N. A (Orgs.) (1989). Crianças
número de adolescentes praticam Vitimizadas: a Síndrome do Pequeno Poder. São Paulo,
oportunidades de mudança cultu-
violência sexual contra suas namo- SP: Iglu.
ral, serve também, paradoxalmen-
radas, colegas e/ou contra crianças
te, para a reprodução de padrões
mais novas, aponta para um sério Bourdieu, P. (2012). A Dominação Masculina. Rio de
de masculinidades e feminilidades
problema: os nossos esforços para Janeiro, RJ: Bertrand Brasil.
pouco equitativos em termos de
prevenir a violência sexual podem
gênero e pouco respeitosos da Furniss, T. (1993). Abuso Sexual da Criança: uma
não estar sendo efetivos.
dignidade sexual e do desenvolvi- Abordagem Multidisciplinar. Porto Alegre, RS: Artes
O fenômeno do sexting, por mento saudável da sexualidade. Médicas.
exemplo, coloca de forma evi-
Este contexto reforça a necessidade
dente o fato de um instrumento GTPOS. Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação
de ampliação das ações para uma
moderno, denominado tecnologia Sexual (1999). Adolescência e Vulnerabilidade. São
educação sexual saudável, com
da informação e comunicação Paulo, SP: GTPOS.
base na compreensão dos direi-
social, poder estar sendo utiliza-
tos sexuais e do desenvolvimento IBISS. Instituto Brasileiro de Inovações Pró-Sociedade
do para reproduzir relações de
digno da sexualidade, fundamenta- Saudável (200-?). Direitos Sexuais de Crianças e
gênero pouco equitativas, padrões
dos nos direitos sexuais elencados Adolescentes. Campo Grande.
de masculinidade “machistas”,
pelo IBISS, entre estes: o direito de
padrões de feminilidade “submis- Melo, E. R. (2008). Criança e Adolescente: Direitos e
conhecer seu corpo e de descobrir
sas”, e padrões afetivos pouco Sexualidade. São Paulo: ABMP e Childhood Brasil.
sua masculinidade e feminilida-
emancipatórios. Em geral, meninos
de; e o direito dos adolescentes à
conseguem fotos de situações Santos, B. R; Ippolito, R. (2011). Guia Escolar:
descoberta e ao exercício de sua
íntimas entre eles e determinadas Identificação de Sinais de Abuso e Exploração Sexual
sexualidade junto a seus pares e à
meninas, em geral concedidas por de Crianças e Adolescentes. Seropédica, RJ: EDUR, 201.
livre expressão de sua orientação
estas como demonstração de afe-
afetivo-sexual.
to, e essas fotos são publicizadas
nas redes sociais, como “troféu” A consciência desses direitos e a
ao jovem “macho” ou como vin- mobilização social com a participa-
gança do “jovem macho” por não ção das próprias crianças e adoles-
ter alcançado seus objetivos. Se centes podem gerar novas mas-
é verdade que a tecnologia cria culinidades e novas feminilidades,
que adotem a perspectiva do corpo
como matriz de uma sexualidade
menos reprimida e pervertida, fonte
de prazer e afeto.

QUE CORPO É ESSE? | 45


Caroline Arcari3 Como já visto em artigo anterior,
a sexualidade acompanha toda
a vida do ser humano, e envolve
o sexo, a identidade, os papéis
e que camisinha, apesar de existir,
de gênero, a orientação sexual, o
não era algo de fácil acesso, com-
erotismo, o prazer, a intimidade e
prado em farmácias e utilizado em
a reprodução, expressas e vivi-

CRIANÇA TEM das em pensamentos, fantasias,


desejos, crenças, atitudes, valores,
larga escala. Assim, o conceito de
sexualidade só pode ser conce-

SEXUALIDADE? comportamentos, práticas, papéis


e relações. A sexualidade é, tam-
bido a partir de todas as suas
dimensões: histórica, cultural, étni-
ca, religiosa, política, ética, social,
bém, uma construção sociocultural
moral e educativa, porque todos
que sofre influências dos valores
esses elementos estão presentes
Falar sobre sexualidade é falar de nossa história, nossas e das regras de uma determinada
na sexualidade humana.
emoções, nossas relações com as outras pessoas, nossos cultura, do tempo e do espaço
Apesar de, nos dias de hoje, o
costumes e nossos desejos. A sexualidade em si é uma em que vivemos. Por exemplo, se
tema da sexualidade ser tratado
força viva do indivíduo, um meio de expressão dos afetos, conversarmos com uma mulher
com mais naturalidade, se com-
uma maneira de cada um se descobrir, bem como des- de 80 anos, ela possivelmente nos
parado ao início do século XX,
cobrir os outros. Ela se apresenta de diferentes formas, contará que quando era jovem as
por exemplo, muita gente não só
transformando-se ao longo dos anos. Não está conectada meninas sequer sabiam o que era
tem a maior dificuldade de falar
somente aos órgãos genitais, tampouco à relação sexual, menstruação, e normalmente leva-
do assunto como, tem um monte
mas compreende uma série de processos psicológicos, fí- vam um susto quando ela aparecia
de preconceitos. Um deles está
sicos e sociais de sensações, sentimentos, trocas afetivas, pela primeira vez. Naquela épo-
relacionado à sexualidade das
necessidade de carinho e contato e necessidade de acei- ca, por exemplo, ainda não havia
crianças. Essa polêmica é perpe-
tação. Transcendendo o aspecto individual, o conceito aparecido o vírus HIV e a pílula
tuada pelo senso comum até hoje,
de sexualidade não se completa dissociado de todas as anticoncepcional. Um homem
apesar de o neurologista austríaco
suas dimensões sociais, políticas, econômicas, históricas, dessa mesma idade provavelmen-
Sigmund Freud (1856-1939) ter
culturais, e até das relações de poder que se estabelecem te nos contará que era comum os
impactado a sociedade vienense
a partir desses corpos sexuados. garotos na sua juventude iniciarem
com suas concepções sobre o
a vida sexual com uma prostituta
desenvolvimento psicossexual na
contratada pelo pai ou por um tio,
infância longe da noção tradicional
de pureza angelical e inocente, há
cem anos. Ele trouxe à tona uma
criança sexuada, dotada de afetos,
desejo e conflitos, mapeando o
desenvolvimento nesse campo em
diferentes fases.
Escritora, mestre em educação sexual, diretora pedagógica da Escola de
Ser e presidente do Instituto Cores. Atua em projetos de Educação Sexual
escolar e políticas públicas de prevenção da violência sexual infantojuvenil.

QUE CORPO É ESSE? | 47


Sim, a criança é um ser sexuado.
Além de cabeça, ombro, joelho e
pé, ela tem emoções, uma história
de vida, curiosidades, um corpo
cheio de sensações, necessidade Sendo assim, a maneira como a se-
de carinho e afeto, curiosidades xualidade se apresenta na infância
sobre e si e sobre o outro, sente está inserida em todo o processo
prazer e desprazer, pergunta sobre de desenvolvimento global da
o mundo, o universo, e até de onde criança. Acompanha o desenvol-
vêm os bebês. E é assim que a se- vimento motor, psíquico, afetivo e
xualidade se apresenta na infância. cognitivo. Tipicamente, cada fase
desse movimento, que podemos
chamar de desenvolvimento psi-
A sexualidade dos cossexual, corresponde a algumas
0 aos 8 anos idades e a sexualidade se manifes-
ta de maneiras diferentes perante
Somo seres sexuados desde o
situações de descoberta, curiosi-
nascimento até a morte. Privar
dade e experimentação. Importan-
uma criança do exercício de sua
te lembrar que essa organização
sexualidade e do acesso à infor-
didática por fases tem a intenção
mação é violar um direito neces-
de facilitar a compreensão sobre o Dos zero aos dois anos, período to ou está com cólica, dor, fralda
sário ao seu desenvolvimento e
amadurecimento da sexualidade, que pode ser considerado decisi- suja, ele chama a atenção via oral:
até à sua proteção. Esse direito,
mas nem sempre ocorre de forma vo para todo o desenvolvimento chorando. Isso explica porque a
quando não é respeitado, coloca
linear. Cada criança é única, e o posterior, a criança ganha um criança quer colocar tudo o que
em risco sua saúde, qualidade de
contexto e condições individuais conjunto de competências: apren- vê na boca – é como ela aprende
vida e integridade física e psicoló-
definirão quando e como essas de a controlar seus movimentos, e apreende tudo ao seu redor. Nos
gica. Afinal, reprimir a sexualidade
manifestações ocorrerão. Ademais, engatinha, desenvolve progres- primeiros meses de vida a maior
da criança é reprimir seu corpo,
em um país com tanta diversidade sivamente a linguagem, dá os parte da relação da criança com
que é o ponto de partida das suas
como o Brasil, é preciso entender a primeiros passos. Uma das primei- o mundo e com as pessoas a sua
descobertas, da sua relação con-
infância na sua dimensão universal, ras fontes de prazer corporal se volta está ligada ao toque, às res-
sigo mesma e com o outro, e da
que trata do acesso aos direitos a encontra na boca e a amamenta- postas dadas às necessidades que
formação da sua personalidade.
todas as crianças, e na sua di- ção é uma referência de bem-estar ela manifesta e ao contato corpo-
mensão plural, em que é possível para o bebê. Então, o contato com ral que se permite e se promove.
falar de infâncias a partir de uma o seio da mãe ou com a mamadei- Esta fase está fundamentada na
análise sociológica, que se articula ra de quem o está alimentando, estimulação da capacidade de
à diversidade de vida das crian- o sugar, o chorar – as principais comunicação e desenvolvimento
ças, considerando-se classe social, manifestações acontecem via oral de sentimentos de segurança e
gênero, raça, religião, entre outras e tátil. Até quando ele quer avisar confiança, que terão repercussão
pluralidades. que não está se sentindo satisfei- em toda a vida desse indivíduo.

QUE CORPO É ESSE? | 49


Também é nesse período que a tantos outros fenômenos frutos
criança começa a conhecer o seu do abuso do poder de um gênero
próprio corpo e o bem-estar que sobre outro. Essa é a hora de parar
ele pode proporcionar. É comum de reproduzir falas como “prendam mais desenvolvida, a exploração
que durante o banho e nas trocas adultos, e é comum que mostrem suas cabritas, que meu bode está do mundo à sua volta fica mais
de fralda os bebês toquem seus seus corpos de forma espontânea, solto” ou “essa menina vai dar tra- intensa. Neste período surge, por
genitais. É dessa forma que eles assim como demonstram curiosi- balho, hein?”. Não é exagero falar volta dos três anos, a fase dos
constroem a autoimagem corpo- dade com o corpo do outro, sem que esse tipo de educação machis- “porquês”, e a temática sexual é
ral. Assim como eles brincam com pudor ou constrangimento – sen- ta é a base que sustenta e justifica recorrente, até porque os corpos,
as mãos e colocam o próprio pezi- timentos que só vão desenvolver estas estatísticas: no Brasil, 1 mu- bebês, mulheres grávidas, um novo
nho na boca, tocar na vulva, pênis mais tarde. É por volta dos 2 anos lher é estuprada a cada 11 minutos. membro da família, são situações
ou intersexo4,há também a neces- que as crianças constroem, gra- Aqui conseguimos perceber a corriqueiras da vida. Assim, temas
sidade de entender o corpo em dativamente, ideias sobre cada importância de uma educação que como as diferenças anatômicas e
sua totalidade. Aqui e nas fases gênero e, com o reforço da família, contemple e acolha a sexualidade de onde vêm os bebês mobilizam
seguintes, é importante que a fa- da mídia, do grupo social conheci- da criança e aponte caminhos para enorme interesse e curiosidade na
mília, educadoras (es) e cuidado- do, aprendem o que é ser menino a igualdade e qualidade de vida. criança. Paralelamente às dúvidas e
ras (es) ajudem a criança a reco- e ser menina. O sexo biológico (ter Sim, é a responsabilidade que se curiosidades que coloca por meio
nhecer o corpo com naturalidade, vulva, pênis ou intersexo) é o ponto tem com a infância que nos ajuda da linguagem, a criança explora o
evitando reprimir suas atitudes, de partida para as construções a construir um mundo mais justo e seu corpo e manipula os genitais
pois toda as suas descobertas têm sociais do que significa ser homem sem violências. tentando conhecer e promover as
características de reconhecimen- e mulher. É preciso ter atenção É nesse contexto que a fase sensações que ele produz. É a fase
to de si mesma. O caráter dessas para que não sejam reproduzidos seguinte se sustenta. Entre os 4 do reconhecimento, do toque e
manifestações não é erótico. estereótipos de gênero que trarão e 6 anos, marcada inicialmente da observação. É frequente que a
O desenvolvimento da sexuali- prejuízos e desigualdades no pela grande descoberta de que é criança mostre os seus órgãos ge-
dade de crianças entre os dois e futuro. Esses clichês questionáveis possível controlar as necessidades nitais, bem como os compare com
os quatro anos coincidirá com os de que menino não chora e deve fisiológicas, a criança aprende, de os das outras crianças para melhor
desafios do desfralde. Começam ser destemido e autoritário, e de forma progressiva, que tem con- se reconhecer. São os chamados
aqui as regras sociais aplicadas às que meninas devem se comportar trole sobre o próprio corpo e suas jogos sexuais, que acontecem com
funções fisiológicas: o xixi e o cocô. com delicadeza, de forma passiva funções. Também aumenta aqui o teor de descoberta e ludicidade.
Nessa fase, as crianças ainda não e submissa podem culminar em interesse pelas sensações que os Para os pais e educadores, a explo-
interiorizaram as regras sociais dos relações desiguais que favorecem toques provocam e é muito co- ração do corpo pela criança pode
a violência doméstica, as relações mum que a curiosidade da criança trazer uma certa angústia e apre-
abusivas, as violências sexuais e se volte para seus genitais e para ensão. Mas é importante destacar
o corpo de outras crianças com as que esses comportamentos são
quais convive. Com a linguagem típicos da fase. É possível orientar
a criança para que ela se encai-
4. Intersexo é um termo utilizado para um grupo de condições cuja genética, anatomia interna,
externa ou reprodutiva não se encaixam nas definições tradicionais de “sexo biológico masculino” xe nas regras sociais e reserve as
ou “sexo biológico feminino”. Com o termo hermafroditismo caindo em desuso, a intersexualidade,
palavra que melhor define essa condição atualmente, é uma categoria socialmente construída que
reflete uma variação biológica real. Mais comum do que podemos imaginar, alguns estudos apontam
que até 1,7% da população pode ter alguma condição intersexo.

QUE CORPO É ESSE? | 51


manifestações da intimidade para tem incorporar valores, símbolos, é um processo contínuo, que vai
locais privados: “pegar no pipi/ preconceitos e ideologias. Sendo do começo da vida até o seu des-
pepeca/pênis/vulva/intersexo é no ção genital estão presentes, mas a sexualidade um componente fecho. Essa educação sexual faz
quarto ou no banheiro, aqui na sala em ambientes de maior privaci- individual e social que encontra parte do processo educativo glo-
não é legal! ” ou “na sala, com os dade e longe dos olhares adultos. várias formas de expressão desde bal. Afinal, não é possível colocar
coleguinhas olhando, não é hora de As dúvidas se intensificam e o o nascimento do indivíduo até sua a sexualidade em um departamen-
mexer no pênis”. É preciso evi- contato com a internet traz novos morte, a educação sexual também to separado de todas as outras
tar as atitudes e falas repressivas desafios para a educação e orien- vivências da pessoa. Assim, a
porque elas podem contribuir para tação dessa galerinha: é hora de educação sexual acontece mesmo
o desenvolvimento de uma autoi- falar sobre proteção no ambiente que nenhum diálogo seja tecido
magem negativa. O bom senso do virtual, transformações do corpo, sobre a sexualidade. O silêncio e a
adulto que orienta a criança deve consentimento, relação sexual, repressão também educam.
fundamentar as orientações e o orientação sexual e tantos outros Todas e todos nós estamos cons-
seu diálogo com a criança. temas desse grande conceito que truindo noções sobre sexualidade a
A partir dos 6 anos de idade, até é a sexualidade. todo momento, formulando valores
os 8 ou 9, verificam-se grandes e conceitos. A família, mesmo que
alterações na vida da criança. A Desafios impostos não dialogue abertamente sobre
intensificação das relações sociais para o trabalho de temas sexualidade, é quem dá as primei-
promovida pela escola faz surgir de sexualidade nos ras noções sobre o que é adequa-
novas experiências e novos valores espaços escolares do ou não acerca desse assunto
que estabelecerão amizades e Embora seja comum achar que por meio de gestos, expressões,
identificações com outros adultos educação sexual é uma discipli- recomendações e proibições.
também, fora do círculo familiar. na formal reservada apenas aos Isso também acontece na escola:
Assim, surgem novas exigências espaços escolares, a verdade é estando ou não explicitamente no
pessoais e sociais. É nesse perío- que seu conceito é muito mais currículo escolar, a educação sexu-
do que se fortalece a identidade amplo. A educação sexual pode al acontece: seja nos rabiscos nas
de gênero e prepara a criança ser entendida como um conjunto portas dos banheiros, nas músicas
para a próxima fase, que coincide de valores e informações referen- e vídeos que rodam nos celulares
com as mudanças da puberdade. tes à sexualidade, transmitidos por das alunas e alunos, nas relações
Embora pareça que as curiosi- diversos elementos sociais: família, cotidianas desse espaço, nas
dades de teor sexual diminuem, escola, amigos, religião, e percorre notícias que chegam até a sala de
na verdade elas permanecem em toda a vida, contando ainda com aula, na homofobia que um aluno
plena atividade, mas controladas a influência cultural do contexto gay sofre por não se encaixar nos
pelas regras sociais que as crian- em que o indivíduo está inserido. valores da masculinidade vigente.
ças aprendem a cumprir. Os jogos Essas concepções sexuais ainda A vida pulsa, e a sexualidade tam-
sexuais, a manipulação e explora- recebem o reforço da mídia e bém. Como essa educação sexual
do núcleo social, e nos permi-

QUE CORPO É ESSE? | 53


já está, mesmo que implicitamente, mesma Educação Sexual, explícita
a ser desempenhada, assume-se e planejada, causa grande impacto
a importância da sua abordagem na prevenção da violência sexual.
explícita tanto no ambiente familiar A importância da Educação Sexu-
como nos currículos escolares e al no enfrentamento da violência Todos esses documentos
outros espaços educativos. uma publicação do John Hopkins sexual é evidenciada em muitas abaixo podem fundamentar
Família e educadoras (es) que lidam Hospital, divulgou um estudo que pesquisas estadunidenses e latinas. e respaldar o trabalho
e atuam com crianças têm um de- aponta uma análise encomendada Os estudos apontam que crianças de Educação Sexual para
safio ainda maior. Como é recorren- pela OMS de mais de mil relató- expostas a informações de qualida- crianças nos espaços
te que a Educação Sexual explícita rios de programas de orientação de sobre sexualidade, corpo e re- escolares:
e planejada esteja vinculada a sexual em todo o mundo. Neste lações humanas, além de demons- 1- Critérios para um Atendimento
conteúdos de biologia para ado- documento, os autores concluíram trarem sentimentos positivos sobre em Creches que Respeite os
Direitos Fundamentais das
lescentes, pressupõe-se que seria que a informação e formação em seus corpos e autoimagem, apre-
Crianças. 2009. Ministério da
apenas nessa fase da vida que esse assuntos sexuais não conduzem sentaram seis vezes mais probabili-
Educação Secretaria de
tipo de conhecimento é necessário. ao sexo precoce e, em alguns dade de terem comportamento de Educação Básica
O resultado disso é a ausência de casos, até o adiam. Esses resulta- proteção em situações simuladas
http://portal.mec.gov.
conteúdos de sexualidade nos cur- dos se repetem em outros estudos de potencial violência sexual do que br/dmdocuments/
rículos de educação infantil e séries mais recentes, como a pesquisa as crianças que não tiveram infor- direitosfundamentais.pdf
iniciais do ensino fundamental. intitulada Consequences of Sex mação sobre o assunto. 2- Estatuto da Criança e do
Tão cedo quanto possível, crian- Educationon Teenand Young Adult É evidente que, para assumir e Adolescente
ças precisam da informação e das Sexual Behaviors and Outcomes, concretizar os temas de Educa- https://www2.senado.leg.br/bdsf/
ferramentas para identificarem as publicada em 2012 no J. Adoles- ção Sexual no currículo escolar, é bitstream/handle/id/534718/
situações do cotidiano e terem cence Heath, e em 2017 no Ameri- de fundamental importância que eca_1ed.pdf

informações para fazerem esco- can Journal of Sex Education. as/os profissionais se capacitem 3- Orientações Técnicas de
lhas, buscarem ajuda e seleciona- Vários documentos oficiais ratifi- para tal, analisando, debaten- Educação em Sexualidade para o
Cenário Brasileiro – 2014 – Unesco
rem valores construídos a partir da cam a importância da Educação do e aprofundando as questões
reflexão, na relação com o outro e Sexual planejada e intencional relacionadas à sexualidade de https://unesdoc.unesco.org/
ark:/48223/pf0000227762?posI
consigo mesmos. Embora o senso desde a primeira infância. A maneira geral, estendendo essas
nSet=1&queryId=562e69c7-291d-
comum sugira que a Educação promoção de espaços que pri- discussões para toda a comunida- 46a4-b766-0133a44263a3
Sexual intencional precoce con- vilegiem o desenvolvimento de de escolar, de modo que a família
duz ou estimula a experimentação noções acerca da sexualidade também tenha a oportunidade de
sexual, o Populations Reports, desde a Educação Infantil é ur- reformular conceitos e entender a
gente. Primeiro, porque o direito Educação Sexual sob uma pers-
à informação e a uma educação pectiva positiva e necessária.
que garanta o desenvolvimento
integral da criança está previsto
no Estatuto da Criança e do Ado-
lescente. Segundo, porque essa

QUE CORPO É ESSE? | 55


Vários organismos e instituições de enfrentamento da
Faixa etária: de 4 a 6 anos
violência sexual elaboraram modelos de organização
de temas e conteúdos de Educação Sexual para o
currículo escolar e podem guiar a seleção de mate-
Conceitos gerais Conceitos de proteção
riais e metodologias adequadas para o trabalho em • Os corpos de meninos e meninas • Abuso sexual é quando
sala de aula. Abaixo, a Child Sexual Abuse Committee mudam quando crescem; alguém toca em suas
• Explicações simples de como os partes ou pede que você
of the National Child Traumatic Stress Network, em
bebês se desenvolvem na barriga toque em suas partes
parceria com a National Center on Sexual Behavior privadas;
da mãe e sobre o processo de
of Youth, organizou um quadro com os principais nascimento; • É abuso sexual, mesmo
conceitos sobre sexualidade e prevenção de violência • Regras sobre limites pessoais (tais que seja por alguém que
sexual, por faixa etária: como manter as partes privadas você conhece;
cobertas, não tocar nas partes • O abuso sexual nunca é
privadas de crianças); culpa da criança;
• Respostas simples a todas as • Se um estranho tenta levá-
Faixa etária: menos de 4 anos perguntas sobre o corpo e funções lo com ele ou ela, correr
corporais; e contar para os pais,
• Tocar suas próprias partes íntimas professor, vizinho, policial
Conceitos gerais Conceitos de proteção
pode ser agradável, mas é algo ou outro adulto.
• Meninos e meninas são • A diferença entre os toques feito em local privado
diferentes; reconfortantes, agradáveis e bem-
• Nomes corretos dos vindos e toques que são intrusivos,
órgãos genitais; desconfortáveis ou dolorosos;
• Bebês vêm da barriga • Seu corpo pertence a você;
Faixa etária: de 7 a 12 anos
das mães; • Todo mundo tem o direito de dizer
• Responder perguntas “não” ao ser tocado, mesmo que o
básicas sobre o corpo e toque seja de um adulto; Conceitos gerais Conceitos de proteção
funcionamento dele; • Nenhuma criança ou adulto tem • O que esperar e como lidar com as • O abuso sexual pode ou
• Explicar sobre o direito de tocar as suas partes mudanças na puberdade não envolver o toque
privacidade. Por exemplo: privadas;
• Noções básicas de reprodução, • Como manter a segurança
por que cobrimos as • Diga “não” quando adultos pedem gravidez e parto e os limites pessoais
partes íntimas, não tocar que você faça coisas erradas, como quando conversar ou
• Riscos de atividade sexual
nas partes íntimas dos tocar partes privadas ou guardar conhecer pessoas on-line
(gravidez, doenças transmitidas)
colegas segredos;
• Noções básicas de contracepção • Como reconhecer e evitar
• Existe diferença entre uma surpresa situações sociais de risco
(que é algo que será revelado em • A masturbação é comum e não
está associada a problemas a longo • Regras de encontros
breve) e um segredo (que é algo que
você nunca deveria contar); prazo, mas deve ser feita em local
privado.
• Para quem pedir ajuda caso seja
tocado nas partes privadas.

Quadro elaborado pela Child Sexual Abuse Committee of the


National Child Traumatic Stress Network, em parceria com a
National Center on Sexual Behavior of Youth (2013).

QUE CORPO É ESSE? | 57


Sendo assim, vale lembrar que Referências:
“entre todas as instituições públicas, Population Reports. (1995). Como Satisfazer as
a escola é, sem dúvida, o princi- Necessidades dos Jovens Adultos (Série J, 41).
pal ator no processo educativo de Baltimore: The Johns Hopkins University.
crianças e adolescentes. Para mui-
Zwi, K. J., Woolfenden, S. R., Wheeler, D. M., O’brien,
tos, é o único espaço público que
T. A., Tait, P., & Williams, K. W. (2007, July 18). School-
frequentam, o que lhe confere um
Based education programs for the prevention of child
status privilegiado para a ampliação
sexual abuse. Cochrane Database for Systematic
do pacto social em torno do tema”.
Reviews, 2(3), 1–44.
Por fim, é hora de arregaçar as
mangas e promover, com urgên- Santos, B. D., &Ippolito, R. (2011). Guia escolar:
cia, espaços de diálogo e reflexão Identificação de sinais de abuso e exploração sexual de
por meio de Educação Sexual crianças e adolescentes. Seropédica, RJ: EDUR.
intencional, inserida no currículo
https://www.jahonline.org/article/S1054-
escolar, numa perspectiva eman-
139X(11)00717-8/fulltext
cipatória e entendida como um
direito fundamental para o desen- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/
volvimento pleno de uma criança PMC7510141/
sexuada, completa, com necessi-
dades e curiosidades sobre a vida,
o mundo e sobre si mesma.

QUE CORPO É ESSE? | 59


Viviana Santiago Em geral a pré-adolescência é
marcada por transformações
físicas: aceleração no crescimento,
desenvolvimento dos órgãos se-
xuais e das características sexuais

VIOLÊNCIA SEXUAL E
Apesar do que afirmamos acima,
secundárias, que serão recebidas
é preciso ter em mente que é
de maneiras diferentes pelas dife-

PRÉ-ADOLESCÊNCIA –
impossível tratar a adolescência a
rentes pessoas que as vivenciarão:
partir de um conceito único. O que
algumas pessoas receberão com

UMA PERSPECTIVA DE
se faz aqui é trazer uma sistemati-
orgulho e muito entusiasmo, e
zação das aprendizagens em torno
outras pessoas com ansiedade e

GÊNERO E RAÇA
da mesma, pois reconhecemos que
algum embaraço. Nesse período
cada pessoa vivenciará a adoles-
também se identifica uma gran-
cência de uma maneira diferencia-
de transformação do cérebro: o
da, sendo afetada por uma série
cérebro passa por uma aceleração
de fatores como maturidade física,
espetacular do desenvolvimento
A adolescência é o período que corresponde à segun- emocional e cognitiva, e ainda pelo
elétrico e fisiológico. O número
da década de existência do ser humano. É a etapa de ambiente familiar, comunitário, seu
de células cerebrais pode quase
desenvolvimento que caracteriza a transição entre a entorno imediato, a sociedade a
duplicar no espaço de um ano, en-
infância e a vida adulta. que pertença, dentre outros.
quanto as redes neurais são radi-
Muitas pessoas já devem ter percebido que a adoles- As experiências vivenciadas nos calmente reorganizadas, causando
cência é um período (e também o processo psicológi- anos iniciais da adolescência são um impacto sobre a capacidade
co) que se dá em meio a uma série de transformações muito diferentes daquelas expe- emocional, física e mental.
físicas, emocionais e cognitivas. E esse é um processo rienciadas nos anos finais, e, por
Nessa fase, meninas e meninos vão
que ocorre dentro de circunstâncias sociais e também isso, convenciona-se separar esse
perceber de maneira mais cons-
históricas. É na adolescência que pela primeira vez período – quase uma década – em
ciente o seu gênero, e é comum
a pessoa vai vivenciar o desafio de atuar de maneira dois momentos distintos: a fase
que comecem a buscar ajustar seu
mais ativa na construção do seu projeto de vida. inicial da adolescência, também
comportamento e sua aparência
conhecida como pré-adolescência
aos padrões esperados. É um mo-
ou adolescência inicial – que se
mento de muita atenção às identi-
estenderia dos 10 aos 14 anos –, e
dades pessoal e sexual, e é comum
a fase final da adolescência, que se
haver períodos de pequenas confu-
estenderia dos 15 aos 19 anos.
sões com relação às mesmas.
Nesse texto, vamos nos debruçar
sobre a primeira etapa, a adoles-
cência inicial, ou pré-adolescência.

Pedagoga, feminista, ativista dos Movimentos negros e de mulheres. Autora do blog


Palavra de Preta. Parte da coletiva feminista de hip hop Flores Crew

QUE CORPO É ESSE? | 61


Dessa maneira, chamamos a aten-
ção para a necessidade de pensar
a pré-adolescência a partir do
marcador de gênero, mas que seja Classe, status migratório e lugar
um pensar que vá para além das de origem também determinam a
diferenciações anatomofisiológicas, maneira como as meninas viven-
posicionando o que de fato significa ciam suas adolescências e pré-ado-
Como dito anteriormente, pensar a ser uma menina pré-adolescente. lescências, e devem ser levados em
adolescência e a pré-adolescência
É importante destacar aqui que consideração quando pensamos
requer o contínuo esforço de não
existem muitas e variadas formas nessa etapa e em tudo o que a ela
tentar homogeneizar essa vivência
de ser menina, e aqui reconhece- está relacionado.
para todas as pessoas. É necessá-
mos que: os marcadores de raça Pensar o entorno social no qual se
rio, portanto, perceber que o mais
vão nos chamar a atenção para desenvolve a pré-adolescência das
correto seria falar de adolescências
o fato de que existem diferenças meninas brasileiras nos convida,
e pré-adolescências, no plural.
entre ser menina branca, negra, portanto, a lançar um olhar sobre a
Nesse texto, aos nos debruçarmos indígena, etc; os marcadores sociedade brasileira.
sobre a pré-adolescência, chama- relacionados à capacidade vão
No Brasil, ser mulher pode consti-
mos a atenção para um recorte de dizer que meninas com deficiência
tuir um fator de risco: o país apa-
gênero, porque entendemos que são diferentes de meninas sem
rece como quinto lugar na lista de
não é a mesma coisa ser mulher deficiência; o status em relação a
10 países do mundo com maiores
e ser homem na sociedade, assim doenças crônicas e ao HIV também
taxas de violência contra a mulher.
como também não é a mesma estabelecem diferenças; reconhe-
No Brasil, 13 mulheres são assas-
coisa ser menina e ser menino. No cemos que as meninas cisgêneras –
sinadas por dia, em média. Nos
entanto, explicitamos que a pré-a- aquelas cuja identidade de gênero
últimos oito anos, de acordo com
dolescência pode ser vista a partir é equivalente ao sexo que lhe foi
relatório da organização 6Transgen-
da relação com muitos outros assinalado ao nascer – e as meni-
der Europe, o Brasil assassinou 868
marcadores sociais. nas transgêneras – aquelas cuja
travestis e transexuais nos últimos
A sociedade em que vivemos identidade de gênero não é equiva-
oito anos, constituindo o primeiro
diferencia meninas e mulheres de lente ao sexo que lhe foi assinalado
colocado no ranking de países que
meninos e homens, e frequente- ao nascer – são meninas, mas uma
mais matam pessoas trans e com o
mente atribui mais valor a tudo o sociedade marcadamente transfó-
triplo da quantidade de homicídios
que está relacionado com a vida de bica vai hierarquizar suas existên-
do segundo colocado – o México.
meninos e homens, a tudo o que cias e impor diferenças à maneira
é associado ao masculino, ofere- como as meninas trans vivenciarão
cendo barreiras para que meninas sua adolescência.
e mulheres possam acessar seus
direitos – o que incide diretamente
6. TMM Annual Report 2016 Carsten Balzer/ Carla
na sua capacidade de desenvolver La Gataand Lukas Berredo. Acessado em https://
seu potencial. transrespect.org/wp-content/uploads/2016/11/TvT-
PS-Vol15-2016.pdf

QUE CORPO É ESSE? | 63


Nacional dos Direitos Humanos, Pode ser praticada, segundo o O abuso sexual não envolve di-
por meio do Disque 100, recebeu organismo, por qualquer pessoa, nheiro ou gratificação. Acontece
O relatório da Save The Children,7 mais de 37 mil denúncias de vio- independentemente da relação quando uma criança ou adoles-
que traz o resultado da avaliação lência sexual na faixa etária de 0 a com a vítima, e em qualquer cená- cente é usado para estimulação ou
de 144 países no que diz respeito a 18 anos, o que corresponde a 10% rio, incluindo a casa e o trabalho10. satisfação sexual de um adulto. E
oportunidades para meninas, revela das ligações feitas à central telefô- A violência sexual contra crianças e normalmente imposto pela força
que, ocupando a 102° posição no nica. Sobre o perfil das vítimas, a adolescentes é11 aquela que pres- física, pela ameaça ou pela sedução.
ranking, o Brasil é o pior país da maior parte é formada por me- supõe uma relação na qual há o Pode acontecer dentro ou fora da
América do Sul para ser menina. ninas (67,69%). As faixas etárias, abuso de poder que estabelece a família. A exploração sexual pressu-
O ranking considera dados sobre de 12 a 14 anos, correspondem a situação em que se utilizam crian- põe uma relação de mercantilização
o casamento infantil, gravidez na 30,3% das denúncias.9 ças e adolescentes para a gratifica- na qual o sexo é fruto de uma troca,
adolescência, mortalidade mater- O contexto em que vivem as ção sexual de adultos, podendo se seja ela financeira, de favores ou
na, representação das mulheres pré-adolescentes brasileiras é um induzir ou forçar práticas sexuais. presentes. Crianças ou adolescentes
no Parlamento e conclusão do contexto de violência, fortemente Essa violação dos direitos de crian- são tratados como objetos sexuais
ensino médio. marcado pela presença de violência ças e de adolescentes interfere ou como mercadorias. Pode estar
sexual. Dessa maneira, é urgente diretamente no desenvolvimento relacionada a redes criminosas.
De acordo com o relatório Ce-
pensar a violência sexual contra as da sexualidade saudável e nas De acordo com a legislação bra-
nário da Infância e Adolescência
meninas pré-adolescentes, entender dimensões psicossociais da criança sileira, a prática sexual antes dos
no Brasil8, cerca de 17 milhões
o porquê, analisar as práticas sociais e do adolescente, causando danos 14 anos de idade não é entendi-
de crianças até 14 anos – o que
e, assim, identificar estratégias de muitas vezes irreversíveis. da como consentida, mas como
equivale a 40,2% da população
brasileira nessa faixa etária – vi- enfrentamento e prevenção. estupro de vulnerável12. Sendo
vem em domicílios de baixa renda. De acordo com a OMS, violência assim, é preciso entendê-la como
Estima-se que, por ano, 500mil sexual é “qualquer ato sexual ou uma violação que se estabelece na
mulheres e meninas sejam vítimas tentativa de obter ato sexual, in- invasão da sexualidade da criança
de violência sexual. Essa é a quar- vestidas ou comentários sexuais in- e do pré-adolescente, que passa
ta violação mais recorrente contra desejáveis, ou tráfico, ou qualquer a ser utilizada para a gratificação
crianças e adolescentes segundo o outra forma contra a sexualidade sexual de um adulto ou mesmo de
Disque Direitos Humanos (Disque de uma pessoa, usando coerção”. um adolescente mais velho.
100): os casos de abuso sexual
estão presentes em 85% do total
10. Dossiê Violência contra as Mulheres. Agencia
de denúncias de violência sexual. Patrícia Galvão. 2016
11. Childhood http://www.childhood.org.br/entenda-a-
Meninas e meninos negros/pardos
questao/perguntas-mais-frequentes#3
somam 57,5% dos atingidos. Nos 12. Para reforçar o enfrentamento ao estupro de
vulnerável, o Superior Tribunal de Justiça (STJ)
anos de 2015 e 2016, a Ouvidoria aprovou, em outubro de 2017, a súmula 593,
reafirmando esta prática como crime, mesmo
que haja “eventual consentimento da vítima para
a prática do ato, experiência sexual anterior ou
existência de relacionamento amoroso com o
7. Every last girl free to live, free to learn, free from harm save the children 2017 agente”: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/
8. Fundação Abrinq 2017 pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/
9. http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2017-05/ongs-e- Not%C3%ADcias/Tribunal-edita-tr%C3%AAs-novas-
governo-federal-se-unem-para-combater-violencia-sexual s%C3%BAmulas

QUE CORPO É ESSE? | 65


É preciso ainda que se lance um meninas, mas também nos agres-
olhar para o fato de que a violência sores, bem como abandonar a
sexual não se dá apenas quando ideia de que estamos falando sobre
existe o ato sexual com penetra- sexo (porque falar sobre violência
ção. Ela é a violência que invade a sexual não é sobre sexo. Estupro
sexualidade. Portanto, pode incluir Dessa forma, não estamos falan- não é sobre sexo, é sobre violação:
carícias, manipulação dos geni- do dos monstros das histórias em violação de direitos). Utilizamos aqui o conceito gênero
tais, mama ou ânus, voyeurismo, quadrinhos ou dos filmes de terror. como um conceito que aponta para
Nem todos os agressores sexu-
exibicionismo, ou até o ato sexual Estamos falando de pessoas que o caráter fundamentalmente social
ais são pedófilos. O abuso sexual
com ou sem penetração. A maneira também vivem na sociedade. das diferenças entre mulheres e
deturpa as relações socioafetivas e
como são produzidos os discursos homens15. Sendo assim, buscamos
Leslie Udween é uma britânica, culturais entre adultos e crianças ou
sobre a violência sexual, sobretudo entender como as práticas sociais
diretora de cinema, que produziu o adolescentes ao transformá-las em
na mídia, tentam nos dar a impres- atuam na constituição de meninas e
impactante documentário India´s relações sexualizadas, erotizadas,
são de que essa é uma violência mulheres, e meninos e homens.
Daughter13, no qual entrevista comerciais, violentas e criminosas.
cometida por pessoas completa- Antes da chegada das pessoas à
alguns dos homens que, na índia, Precisamos voltar ao início da
mente desprovidas de razão, por sociedade, antes ainda da própria
foram responsáveis por um estupro nossa reflexão e pensar na vida de
monstros, e frequentemente vemos gravidez, existem expectativas
coletivo dantesco, que culminou mulheres e homens, meninas e me-
o uso indiscriminado do termo acerca desse ser humano que virá:
na morte da vítima. 14Após gravar ninos, e entender em que ponto a
pedófilo para qualificar os homens ainda na condição de feto, desde o
o filme, a diretora diz ter percebido sociedade instaura a prática social
que cometem a violência. útero, já temos expectativas acerca
que eles não seriam “monstros”, que gera e legitima essa violência.
É preciso ter muita cautela durante de como atuarão. Interpretamos
mas pessoas “normais”. “Senti
Meninas e meninos chegam a essa os movimentos intrauterinos como
a construção desse discurso, pois pena. Pena do mundo que criou
vida como bebês. Acreditamos valentia – no caso de um feto do
os mesmos nos dão a impressão de esses estupradores, que os ensinou
aqui que é muito mais a prática so- sexo masculino, como docilidade e
que essa é uma violência cometida a pensar assim. Eles respiraram
cial do que a composição genética amorosidade – no caso de um feto
numa dinâmica extraordinária, e o ar da sua sociedade e da sua
que transforma cada um dos bebês feminino, compramos roupas, mó-
que não se relaciona com práticas cultura”, dizia ela. Dessa maneira, à
que nascem em meninas e meninos veis, placas para a porta da mater-
sociais da cotidianidade. A reali- luz do que foi trazido pela diretora,
e, posteriormente, em mulheres em nidade que informam a menina ou
dade desmente o discurso, pois é chamamos a atenção para a neces-
homens. Dizendo isso, fazemos uso o menino que ali está. Ou seja, des-
sabido que o agressor pode ser um sidade de pensar a violência sexual
da categoria gênero para explicar de muito antes da chegada a essa
membro da própria família ou pes- contra meninas de forma ampla:
essa diferenciação. vida, a sociedade inicia o processo
soa com quem a criança convive, refletindo sobre a nossa sociedade
ou ainda alguém que frequenta o de construção dos papéis sociais
e sobre as práticas sociais que pro-
círculo familiar. de gênero atribuídos a meninas e
duzem essa violência. Ao fazer isso,
meninos, mulheres e homens.
precisamos pensar não apenas nas

13. INDIA´S DAUGHTER - India’s Daughter (Original), 2015, LesleeUdwin


14. http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/09/eles-nao-se-arrependem-diz- 15. Louro, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação. Guacira Lopes Louro -
cineasta-sobre-estupro-coletivo-na-india.html Petrópolis, RJ Uma perspectiva pós-estruturalista: Vozes, 1997.

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Esse processo se chama socializa- não raras vezes fotos dos órgãos cesso o estímulo para que meninos
ção de gênero, e é a partir dele que sexuais do recém-nascido... Des- assumam comportamentos preda-
os papéis de gênero são aprendi- sa forma, vai sendo determinado tórios e violentos: existem os mitos
Parece que as demandas de
dos. Não existe nenhuma pessoa quem tem poder e quem recebe sobre as meninas que dizem que
constituição de boa menina e bom
que não tenha vivenciado esse valorização na sociedade. quando elas resistem é um sinal de
menino, bom homem e boa mu-
processo, uma vez que, desde o Dessa forma, questionamos o desejo, que não significa sim, e que,
lher, naturalmente pressupõem e
nascimento, atravessando a infân- processo de produção dessa hie- portanto, cabe aos meninos atra-
legitimam a violência dos homens
cia, a adolescência, a juventude, a rarquia entre meninas e meninos vessarem esse espaço.
em direção aos corpos das mulhe-
idade adulta e a velhice, um con- e mulheres e homens, mas vamos A socialização das meninas cami- res e das meninas.
junto de pessoas e instituições – além: é preciso questionar os mo- nha numa direção completamente
família, professoras e professores, Aliado à construção de um com-
delos de mulheres e homens que oposta. Se os meninos são coloca-
amizades, mídia, educação, religião, portamento sexual que se baseia
são apresentados e reproduzidos dos numa posição em que devem
e a comunidade – vai nos informar em dominação e força para os
na prática social. performar ousadia, altivez e furor
e nos impelir na direção dos papéis meninos e manda mensagens
No processo de socialização, a sexual para que possam ser com-
sociais, e, principalmente, esse pro- diametralmente opostas para as
masculinidade hegemônica, que preendidos como bons homens, das
cesso vai nos levar a adotar atitudes meninas, tem-se a tendência da
é o padrão para a socialização meninas espera-se exatamente o
e expectativas acerca de homens e sociedade de erotizar os corpos
de meninos, é fundamentalmen- oposto. É o século XXI, mas ainda
mulheres e meninas e meninos. infantis de meninas, tendência que
te atrelada à violência, ao uso da existem escolas de princesas, ainda
não é nova. Vamos nos lembrar
Nossa sociedade opera um mode- força, e não existe espaço para existem manuais para ensinar como
das ilustrações da idade média
lo patriarcal, que desde a infância a construção de sociabilidades as meninas devem falar baixo e
que nos trazem rechonchudas
coloca o masculino como figura afetivas, ou expressões de dimen- ser preparadas para serem boas
afrodites, com suas bochechas
central. Existe não apenas uma são de empatia e sentimentos de esposas e mães. O conjunto da
rosadas, e com pouco esforço
diferenciação entre mulheres e cuidado. Meninos são socializados sociedade acredita que uma mulher
lembraremos que rechonchudas
homens, mas principalmente uma para serem fortes, para agirem com desacompanhada merece ser estu-
e de bochechas rosadas são as
hierarquização, na qual se atribui audácia – o que muitas vezes se prada16. As meninas são socializadas
meninas brancas na infância.
mais valor àquelas características confunde com irresponsabilidade. para entender que uma boa menina
associadas ao masculino e menos e uma boa mulher não faz sexo. O culto à juventude como vincu-
E, principalmente, são socializados
valor às características associadas Ainda hoje existe o binômio mulher lação ao belo e à necessidade de
para dominar as meninas e, poste-
ao feminino. Nestes espaços, ainda para transar e mulher para casar, dominação dos corpos e vidas das
riormente, as mulheres.
são corriqueiras a celebração do sendo que a diferenciação entre mulheres faz com que floresçam
Existe uma pressão, desde o come- as anittas, lolitas, e as meninas são
falo dos meninos, os comentários ambas reside, basicamente, entre
ço da vida dos meninos, para que mais uma vez lançadas ao lugar de
acerca do tamanho e forma, e aquela que tem uma vida sexual
confirme sua “masculinidade” a par- corpos maduros para o consumo.
ativa e aquela que não tem.
tir da iniciação sexual. Uma pressão
para que possa fazer sexo rápido e
com o maior número de meninas 16. Pesquisa realizada pelo Datafolha mostra que um terço dos brasileiros
possível. Faz parte ainda desse pro- concorda com a seguinte frase: “A mulher que usa roupas provocativas
não pode reclamar se for estuprada. Encomendada pelo Fórum Brasileiro
de Segurança Pública (FBSP), a pesquisa entrevistou 3.625 pessoas com
16 anos ou mais entre os dias 1º e 5 de agosto em 217 municípios.
http://static.congressoemfoco.uol.com.br/2016/09/percepcao-violencia-
mulheres-b.pdf

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Não se trata de admiração de um
homem por uma “novinha”, mas da
certeza da dominação de um cor- abusada, de que não existe erro
po de mulher no começo da sua em forçar o sexo, e, em seguida,
vida. Na pesquisa “Ela vai no meu tem-se uma reviravolta da situação
barco - Casamento na infância e quando as meninas são colocadas
adolescência no Brasil” (Instituto no lugar de culpadas pela violência
Meninas negras frequentemente
Promundo & Promundo-US, 2015)17, que sofreram.
se encontram em pior situação,
homens casados com meninas afir- Perceba aqui a necessidade de
uma vez que a sociedade atrela a
mam que o interesse pelas meni- pensarmos um pouco mais sobre
existência das meninas e mulheres
nas existe porque as meninas são essa construção social, que: “adulti-
negras a poderosos estereótipos
mais bonitas quando mais novas, za” e, posteriormente, demoniza a
relacionados à sexualidade. Des-
mas, principalmente, porque uma imagem de meninas. Meninas en-
de os escritos que remontam à
menina mais nova tem menos opi- tão passam a ser percebidas como
escravidão, mulheres e meninas
nião, sendo mais fácil de ser con- “novinhas”, para usarmos uma
negras são descritas como objetos
trolada. Também informam sobre categoria dos nossos dias. E uma
sexuais. Seus corpos, hipersexua-
como as mídias atuam na produ- novinha não é mais uma criança.
lizados, são destituídos de outras
ção desse desejo pelos corpos e Uma novinha também não é uma
dimensões e, portanto, de sua
vidas das meninas, na medida em pessoa do bem: é uma espécie de
humanidade. Além disso, na socie-
que reafirmam constantemente o “tentação”: depravada, sem moral,
dade racista, há uma permanência
discurso da “novinha”. e que praticamente obriga os ho-
da mentalidade de que negras são
Um dos principais elementos mens a uma prática sexual. Perce-
para fornicar. Vidas negras valem
relacionados à violência sexual be o deslocamento da questão?
menos, e a violência a elas imposta
contra meninas, e perfeitamente Quando se retira as meninas da sua tem menos importância. A pesqui-
explicitado no caso dos assassinos condição de criança, da sua con- sa da UNFPA18 sobre o genocídio
da jovem indiana citado anterior- dição de adolescente, também se da juventude negra afirma que a
mente, é o não reconhecimento de retira o adulto do lugar da prote- maioria das pessoas entrevistadas
culpa por parte dos abusadores. ção e da responsabilidade por essa não se incomoda com o assassina-
Os homens se recusam em assumir menina, mas também não o res- to de um jovem negro. Essas são as
uma culpa porque estão convenci- ponsabiliza por seus atos, uma vez pessoas que compõem a socieda-
dos de que uma menina pode ser que, dado que não é mais criança, de brasileira, na qual a maioria das
o sexo não é mais criminoso. Não meninas e mulheres que sofrem
há crime, há uma circunstância de violência sexual são negras. Não
atender à tentação. existe coincidência; existe a falta de
humanidade, a falta de importância
16. Taylor, A.Y., lauro, G., segundo, M., Greene,
M.E. “Ela vai no meu barco.” Casamento na para um segmento populacional.
infância e adolescência no Brasil. Resultados
de Pesquisa de Método Misto. Rio de Janeiro
e Washington DC: Instituto Promundo &
Promundo-US. Setembro 2015.

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Nesse sentido atuar para o enfren- 5- Meninas e meninos devem
tamento da violência sexual de me- acessar informações de qualida-
ninas na pré-adolescência requer de e adequadas ao seu nível de
que sejam tomadas medidas que desenvolvimento sobre sexo e sável por zelar pelo bem-estar das
incidam em todas as dimensões 3- A sociedade, a família e o Estado sexualidade. Quanto mais in- meninas. A família deve acompa-
anteriormente expostas: devem (re) assumir o seu lugar de formação qualificada meninas nhar o acesso das crianças à rede,
proteção das meninas, rechaçando e meninos acessarem, maior a manter o diálogo aberto sobre os
1- É preciso assumir o inegociável
o discurso moralista e perverso de sua capacidade de atuar em sua perigos, acompanhar seus passos
compromisso com o reconhecimen-
culpabilização das vítimas, reconhe- autoproteção e de não desenvol- na rede, e certificar-se de interditar
to da infância, e pré-adolescência
cendo que é dever da família, do verem comportamentos violentos. qualquer contato ameaçador.
das meninas: rechaçar processos
de “adultização” que violam seus Estado e da sociedade a proteção É urgente, portanto, a necessidade 7- Promover um processo de
corpos, ameaçam o seu desenvol- de crianças e adolescentes. de implementação das práticas de empoderamento das meninas. É
vimento pessoal e a construção de educação integral em sexualidade, preciso conecta-las com sua voz
4- É necessária a superação de
suas capacidades, além de objetiva- rompendo com o discurso ultra- e utilizá-la para expressar seus
um processo de socialização que
mente as expor à violência. conservador que, numa repetição desejos, sonhos, mas também seus
continua construindo e consoli-
da idade média, interdita o acesso desconfortos, a partir da constru-
2- É urgente que possa haver novos dando repertórios de objetificação
ao conhecimento – como se fora ção da capacidade de elaboração
repertórios para a socialização de e hipersexualização de meninas e
do conhecimento houvesse qual- da realidade. Manter o canal de
meninos, e com isso perceber que mulheres, especialmente as meni-
quer possibilidade de autonomia. comunicação aberto, desenvolver
numa sociedade em que há cerca nas e mulheres negras, e isso tem
relação com as práticas pedagó- 6- As pessoas adultas precisam en- a capacidade para a fala e cons-
de 500 mil casos de violência sexu-
gicas formais e não formais que tender que a realidade se modifica, truir espaços seguros também são
al a cada ano, esse problema não é
produzem e socializam discursos e que nem sempre o perigo está estratégias fundamentais para que
apenas uma questão de polícia, mas
sobre a população afro-brasileira. apenas nas pessoas que se aproxi- possam atuar em casos de ameaça,
sobretudo uma questão relacionada
Que histórias são contadas? Quan- mam da casa e da escola. É preciso ou em situações em que a violência
às práticas sociais que conformam
do será afirmada a humanidade perceber o espaço virtual como um se consolidou.
a subjetividade de todos esses
sujeitos abusadores, e nesse caso, de meninas e mulheres e do povo espaço de construção de sociabi-
a masculinidade hegemônica e pre- negro em geral? A humanização lidades, e também um espaço que Todas as meninas têm o direito
datória vinculada à violência. interdita a naturalização da violên- oferece muitos riscos, atuar no a uma vida livre de violência. As
cia porque retira meninas e mulhe- processo de construção de com- meninas são seres humanos em
res negras do lugar de objetos e petências em meninas para sua au- condição peculiar de desenvolvi-
as devolve à condição de pessoas toproteção na rede, a exemplo do mento. São pessoas possuidoras
humanas, pessoas de direito. que as jovens feministas fizeram, de direitos humanos, e é dever da
e, ao mesmo tempo, perceber-se família, do Estado e da sociedade
enquanto pessoa adulta e respon- zelar por cada uma delas. Meninas
não são “novinhas”, meninas não
são “tentações”. São meninas, e
18. Segundo uma pesquisa realizada pela Secretaria Especial de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e pelo Senado Federal, 56% devem ser compreendidas, respei-
da população brasileira concorda com a afirmação de que “a morte
violenta de um jovem negro choca menos a sociedade do que a morte
tadas e protegidas como tal.
de um jovem branco”.DATA SENADO.

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Maria Helena Vilela No entanto, essas modificações não
Cinthia Sarinho são assimiladas de imediato pelo
jovem. Ele passa por um proces-
so, criando uma imagem de si que
muitas vezes não corresponde à Está configurado o conflito!
realidade. Pode perceber-se, por Tudo isso gera muita tensão, con-
exemplo, mais forte ou mais madu- fronto, e a dificuldade de relacio-

SEXUALIDADE NA
ro do que realmente é. E isso, em namento, que pode tornar-se mais
geral, é o pivô da dificuldade de co- intensa e negativa quando o ado-

ADOLESCÊNCIA
municação na adolescência. Porque lescente é julgado e interpretado
nesta situação quem entra em ação como aborrecente.
é a imagem que o adolescente faz Os adultos, e principalmente os
de si mesmo versus a imagem do pais, precisam perceber que o
adolescente percebida pelo adulto. adolescente não é mais uma crian-
O que o adulto enxerga não é o que ça, e que lidar com ele usando
Adolescência
o adolescente sente, ou percebe... os mesmos modos com que o
A adolescência é um momento do desenvolvimento
tratavam antes não vai funcio-
humano de grande transformação física e mental, que
nar. O que funciona é conhecer o
altera de forma significativa as relações que a criança
adolescente, entender como ele
até então estabelecia com ela mesma, seus pais e seu
se percebe, saber as etapas do
grupo social. Nessa idade, duas coisas maravilhosas
seu desenvolvimento e promover
acontecem simultaneamente:
informações e atitudes que gerem
1. A capacidade de imaginar e treinar mentalmente valor para a sua vida.
seus desejos - aquisição do pensamento abstrato,
Segundo Içami Tiba, em seu Livro
2. A capacidade de sentir e reagir aos estímulos Puberdade e Adolescência, a
sexuais - a genitalização. chegada da adolescência de seu
De posse dessas novas habilidades, o adolescente filho, ou filha, é um segundo parto.
treina seu papel sexual, sonha com as pessoas que Na primeira vez a criança nasce
são alvos do seu desejo, e com tudo aquilo que lhe para os pais. Um bebê totalmente
dá prazer. Ele se prepara para usufruir, no futuro, da dependente que vai precisa apren-
sexualidade de forma ampla, e com a perspectiva de der tudo para sobreviver: comer,
envolvimento amoroso. andar, falar... E para isso os pais, ou
o adulto que cuida dela, tornam-se
19. Escritora, enfermeira obstetra, psicodramatista com especialização em
seus heróis, são tudo para a criança.
Saúde Pública e em Sexualidade Humana. Criadora do método Papo Firme – Mas quando a puberdade chega,
Sexualidade na adolescência.
20. Educadora, com Graduação e Licenciatura Plena em Psicologia,
com ela chegam muitas novidades
Especialização em Gestão Solidária de Organizações Sociais, Mestra em físicas, cognitivas, sociais e psicoe-
Educação, Culturas e Identidades e Pesquisadora das Infâncias. Atua como
Analista de Projetos do LED – Laboratório de Educação/Gerência de mocionais que vão encaminhar essa
Implementação da Fundação Roberto Marinho integrando a equipe do Projeto
Crescer sem Violência desde o seu início.
criança para um novo mundo: o

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Atenção! Em geral, para
mundo social. Agora ela nasce para o adulto, os sentimentos
a sociedade e precisa aprender a adolescente. E com isso a sexuali-
e inseguranças do
desenvolver a autonomia. Os pais dade passa a estar cada vez mais
púbere se tornam banais
e educadores são imprescindíveis presente no seu dia a dia dele,
porque ele já passou por
para ajudar o adolescente a se ocupando intensamente seus pen-
isso e tem a certeza de
transformar no seu próprio herói! samentos, motivando suas atitudes,
que não há razão para
Por isso é importante tomar par-
e instigando curiosidades e dúvidas
preocupação: tudo vai
A puberdade - o momento tido do adolescente, desqualificar
em relação ao seu corpo, ao seu
acontecer ao seu tempo.
mágico do relacionamento a brincadeira de mau gosto que
comportamento de gênero, como estão fazendo e prestar atenção às
com o adolescente
ser homem ou mulher, seus afetos, É exatamente essa certeza que suas necessidades de informação.
A puberdade é o momento das sentimentos, desejos e escolhas. faz o adulto não se interessar por Explique claramente cada uma das
mudanças físicas. Entram em ação aquilo que o adolescente está
Portanto, é hora de preparar o mudanças que ocorre no corpo
os hormônios sexuais – o estróge- perguntando, não tomar as dores
adolescente para a vida, falar de se- durante a puberdade, o porquê de
no e a progesterona nas meninas dele, ou nem perceber que essa
xualidade. E a puberdade é a chave! toda essa transformação e as novas
e a testosterona nos meninos –, e dor dói demais quando alguém faz
É o momento mágico que pais e sensações e sentimentos sexuais
começam uma grande transforma- comentários constrangedores sobre
educadores não podem deixar pas- que provavelmente irá sentir.
ção naquele corpo que antes era de as suas alterações físicas. Eu chamo
sar. Essa é a hora que vocês, como A ATENÇÃO E A INFORMAÇÃO
criança e que, agora, começa a to- a isso “Armadilhas das brincadeiras
diz o ditado, estão com a faca e o dão à educação em sexualidade
mar a forma do corpo de adulto: é de mau gosto”, como por exemplo:
queijo na mão para conquistar a o superpoder de conquista da
um pelo aqui, uma mudança de voz
confiança e fazer a conexão com os – Levanta aí o braço que eu quero confiança!
ali, um seio que faz que vai crescer,
adolescentes. ver se já tem pelos?
mas murcha, o humor que se altera No assunto sexualidade, confiança é
Porquê? – Engrossa essa voz, menino! tudo, porque falar de sexualidade é
com facilidade, uma capacidade
inesperada de crítica (e muitas No início da puberdade, a convi- Ou ainda pior, como aconteceu falar de intimidade.
vezes bem severa...), até que chega vência e a confiança nos pais e nos com uma adolescente que quan-
o inevitável – a menstruação para as educadores, de forma geral, ainda é do menstruou, aos 11 anos, a mãe
meninas e a ejaculação para os me- muito grande. Assim, se nesse mo- contou para a vizinha, sem pedir
ninos. Está confirmado: o segundo mento em que ele está na transição permissão a ela. E quando elas se
parto aconteceu. É a adolescência! de criança para adolescente você encontraram, a vizinha comentou:
souber dar valor às suas preocupa- - Virou mocinha! Ela ficou muito
A criança cresceu. Agora ela é um
ções, dúvidas e curiosidades, você chateada. Aquilo era a privacidade
vai conseguir conquistar a con- dela que estava sendo exposta. Ela
fiança e se tornar uma referência disse que isso foi tão marcante que
para ele, principalmente quando o abalou a confiança dela em sua
assunto for sexualidade. mãe. Nunca mais ela contou nada
que fosse de sua intimidade.

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Relação a dois – o Fase homossexual A relação com o grande amigo
desenvolvimento A denominada homossexual ocorre ou amiga acaba quando o obje-
afetivo-sexual entre os 9 e os 12 anos, aproxima- tivo da amizade é atingido. Uma Fase Intermediária
Namorar é muito bom, mas nin- damente. É, segundo Vitor Dias, a vez sabendo o gênero com que
Inicialmente inseguros, com medo
guém fica pronto num piscar de fase do grande amigo ou amiga. O se identifica e sabendo como agir
de que o outro reconheça que não
olhos para se relacionar afetivo-se- adolescente elege, naturalmente, de acordo com ele – de posse da
sabe o que fazer com ele, tanto os
xualmente. Existe um processo de entre seus amigos, uma pessoa identidade Gênero –, o adolescente
meninos como as meninas fazem
desenvolvimento ao longo da vida do mesmo sexo que se torna seu tira o foco de si mesmo e começa a
escolhas afetivas impossíveis. Apai-
que caminha junto ao desenvolvi- grande amigo. Este grande amigo olhar para o outro.
xonam-se por alguém com quem
mento da identidade sexual. é, na verdade, a idealização de tudo Agora, sua atenção está volta- não corram o menor risco de serem
Para explicar a trajetória da capa- o que ele quer ser como homem ou da para o outro, que desperta o correspondidos, pois assim não
cidade de viver uma relação a dois, mulher especificamente. interesse afetivo-sexual. Mas antes serão colocados em xeque!
ligar-se afetivamente e ter interesse Através do outro, que tem um cor- disso acontecer há um momento
No amor platônico sonha, imagi-
sexual, vou utilizar como referên- po igual ao dele, faz comparações intermediário de treino mental – a
na, fantasia este relacionamento
cia a teoria de desenvolvimento corporais e experimenta compor- paixão platônica.
a dois e, com isso, o adolescente
da identidade sexual do psiquiatra tamentos. Às vezes, neste processo treina mentalmente o papel sexual
e psicodramatista Vitor Dias, que podem surgir jogos sexuais, como e desenvolve a autoconfiança para
identifica quatro fases característi- acontece com as amigas Thainá e apaixonar-se por uma pessoa que
cas: a autossexual, a homossexual, a Jana no episódio “empoderamento possa vir a se interessar por ele.
fase intermediária ou platônica e a de meninas”, da primeira tempo-
heterossexual. rada da série Que corpo é esse?
Porém, mais importante que a
Fase autossexual intimidade física é a profunda inti-
A autossexual ocorre na infância, midade psíquica que se estabelece
por volta dos 4 aos 6 anos. Mais neste relacionamento. É importante
conhecida como a fase genital des- que cada adolescente estruture sua
crita por Freud, é o momento das própria identidade, ou seja, aprenda
descobertas dos genitais, do direito a se sentir e a ser do sexo a que
ao prazer, por meio da manipulação pertence, antes de se relacionar
do próprio corpo. É a intimidade com uma pessoa diferente dele.
consigo mesmo. Esta fase, que se
instala na infância, pode se prolon-
gar até a vida adulta.

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Fase heterossexual Os jeitos sexuais de ser Além disso, meninos e meninas são
A fase heterossexual é assim cha- Para o autor do livro Os Onze tratados de forma diferente desde a
mada porque, agora, o interesse se- Sexos, Ronaldo Pamplona, a sexuali- hora em que os adultos descobrem
xual está focado em outra pessoa, dade é formada por cinco elemen- seu sexo. Por meios de gestos, pa-
independente do sexo. O interesse tos: o sexo biológico, a identidade lavras, prêmios e castigos, a família,
A partir de então, cada um dos
agora não é mais nele mesmo, é em de gênero, o papel sexual, a iden- a escola e a mídia passam para a
sexos forma um tipo de glândula
alguém diferente dele ou dela. Isso tidade sexual e, por fim, a orienta- criança as informações e modelos a
interna, ovário ou testículo, que
vai acontecer em torno dos 13 ou ção sexual. Segundo o autor, é a serem imitados que ensinam como
futuramente será a responsável pela
14 anos, quando começa a haver combinação entre estes elementos um menino ou uma menina deve
produção dos hormônios sexuais.
um claro interesse em conquistar a que marca as diferenças no jeito de se comportar. E, à medida que vão
Externamente, as meninas, quan- crescendo, esse comportamento é
outra pessoa. cada pessoa ser e viver sua sexua- do bebês, são identificadas pela
lidade. estimulado, independente dos seus
O que caracteriza a entrada na fase presença da vulva, vagina e clitóris, reais interesses e motivações. A
heterossexual é o namoro. No ficar, e os meninos pelo pênis e a bolsa
Sexo Biológico maioria se adapta sem dificuldades,
cada um está preso em si mesmo, escrotal. Só mais adiante, quando
Quando um espermatozoide pene- mas há pessoas que sofrem bastan-
e o outro é um mero instrumento chega à puberdade, é que são reco-
tra o óvulo, ocorre a fecundação. te para atender às expectativas, e
para o desenvolvimento do desem- nhecidos pelas características sexu-
Este encontro, que acontece nas muitas delas não conseguem.
penho sexual. É no namoro que o ais secundárias, ou seja, a presença
relacionamento evolui para um pro- trompas, é a etapa final de uma Papel sexual é a forma como cada
da barba, ombros mais largos, voz
cesso de trocas em que ambos con- verdadeira maratona disputada um expressa sua sexualidade. Hoje,
grossa indicam que se trata de um
seguem identificar como o outro entre os 400 milhões de esper- não é raro encontrarmos homens
homem; seios, quadris maiores e
sente, sem perder sua identidade matozoides que o homem ejacula que se orgulham de serem afetuo-
voz mais fina indicam uma mulher.
sexual. Este é o ápice da aquisição numa relação sexual. O vencedor sos e mulheres que desenvolveram
da identidade e da possibilidade de é o que primeiro penetra o óvulo! Identidade de Gênero e a agressividade, a coragem e inclu-
manter um relacionamento verda- É ele quem define se aquele bebê Papel Sexual sive a força física, sem que isso os
deiro, na opinião de Victor Dias. será um menino ou uma menina. faça sentir-se de outro gênero ou
Quando nasce, o bebê não tem a
Se o espermatozoide que entrou orientação sexual.
menor ideia se é do sexo masculino
trouxer dentro dele um cromosso-
ou feminino. Aliás, ele nem sabe
mo X, este, ao se juntar com o X do
que isso existe. Por volta dos 2 ou
cromossomo do óvulo, dará origem
3 anos de idade, as crianças desco-
a um bebê do sexo feminino. Por
brem os seus genitais. Essa desco-
outro lado, se este espermatozoide
berta anatômica tem uma grande
tiver o cromossomo Y, o bebê será
importância na tomada de cons-
do sexo masculino.
ciência do gênero a que pertence:
masculino ou feminino.

QUE CORPO É ESSE? | 81


Identidade Sexual Orientação Afetivo-Sexual Homofobia Desse modo, compreendemos que
qualquer atitude de intolerância,
A identidade sexual é o que o Na identidade sexual, o importan- A homofobia é uma atitude com-
discriminação ou preconceito às
indivíduo acredita ser. E isso é um te é como a pessoa se sente em posta de sentimentos negativos e
diferentes formas de orientação
processo de construção psicoló- relação a si mesma. Este sentir é in- de comportamento discriminatório,
sexual e ou identidade de gênero é
gica que envolve o sexo biológico dividual e pessoal, bem como o de- e é considerada uma violação de
um desrespeito à liberdade de ser e
e o comportamento social. Para sejo por alguém para amar e fazer direitos que deve ser combatida. A
estar no mundo.
um garoto, por exemplo, acreditar sexo. A orientação afetivo-sexual é Constituição Federal (1988) deter-
que ele é homem, é preciso que ele exatamente a direção para quem se mina, em seu Art. 3º, inciso IV, que Os homossexuais e todos os outros
saiba que é do sexo masculino, re- inclina este desejo, de acordo com “constituem objetivos fundamen- jeitos de ser sexual que não corres-
conhecer-se como homem e saber o gênero da pessoa que o faz sen- tais da República Federativa do pondem às expectativas da hete-
portar-se como tal. tir-se atraído. Foram identificados Brasil: promover o bem de todos, ronormatividade sofrem bastante
quatro tipos de orientação sexual: sem preconceitos de origem, raça, com a discriminação, principalmen-
Parece óbvio, mas a aquisição da
heterossexual, quando se deseja sexo, cor, idade e quaisquer outras te na adolescência. Eles vivenciam
identidade nem sempre é assim. Os
pessoas do sexo oposto; homosse- formas de discriminação”; e em seu o preconceito, a falta de respeito à
travestis, por exemplo, são pessoas
xual, quando o desejo é por alguém Art. 5º, inciso XLI, destaca que “a diversidade sexual, e pior: o iso-
com uma identidade sexual variável:
do mesmo sexo; bissexual, quando lei punirá qualquer discriminação lamento. O adolescente, na sua
num momento sentem-se homens,
se deseja pessoas de ambos os atentatória dos direitos e liberda- insegurança, tende a se afastar das
no outro, mulheres. Já os transe-
sexos; e assexuado, quando não se des fundamentais”. pessoas diferentes. Medo de ser
xuais têm uma identidade sexual
deseja, sexualmente, ninguém. julgado diferente também. Isto se
fixa, ou seja: acreditam ser homens
deve a uma cultura homofóbica
ou mulheres, só que o seu corpo
Diversidade sexual que os jovens herdaram da nossa
não corresponde a esse sentir. São
O termo diversidade sexual refere- sociedade, que está pautada num
aquelas pessoas que possuem “uma
-se às várias formas de expressão padrão heteronormativo.
identidade de gênero diferente do
sexo designado no nascimento.”21 da sexualidade humana, ou do jeito A homofobia corresponde a um pa-
de ser de cada pessoa. O Projeto vor, muitas vezes de forma violenta,
Ou ainda, que não possuem uma
de Lei do Senado nº134, de 2018, à diversidade sexual: Homossexuais,
harmonia entre o seu sexo biológico
institui o Estatuto da Diversidade transexuais, travestis, bissexuais...
e o seu gênero. É como se não se
Sexual e de Gênero, que traz em A homofobia não é aceitável, pois
sentissem pertencentes ao seu cor-
seu artigo 1º ações para “garantir o qualquer forma de discriminação
po biológico, e sim ao sexo oposto.
direito à diversidade sexual: promo- por orientação sexual ou identidade
ver a inclusão de todos, combater de gênero constitui crime, conforme
a discriminação e a intolerância por o Superior Tribunal Federal (STF),
orientação sexual ou identidade de que determina que tal conduta pas-
gênero e criminalizar a homofobia, sa a ser punida pela Lei de Racismo
de modo a garantir a efetivação da (7716/89), que prevê crimes de
igualdade de oportunidade, a defe- discriminação ou preconceito.22
21. De acordo com o Manual de Comunicação sa dos direitos individuais, coletivos
LGBT, disponível em https://unaids.org.br/
e difusos. ” 22. http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.
wp-content/uploads/2015/09/Manual-de- asp?idConteudo=414010 ; http://www.stf.jus.br/
Comunica%C3%A7%C3%A3o-LGBT.pdf arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/tesesADO26.pdf

QUE CORPO É ESSE? | 83


Como lidar com a homofobia Formas de relacionamento
Trabalhar a homofobia é dever de todo cidadão e na adolescência
cidadã que tem consciência do que essa crueldade O ficar é uma forma de relaciona- Uma garota de 13 anos, por exem-
significa. E uma coisa que funciona para acabar com mento afetivo-sexual que pressu- plo, mesmo com o corpo de
a homofobia é defender essa causa. Explique para os põe uma relação sem compromisso mulher praticamente formado,
jovens o que é a homofobia, suas implicações, e, princi- e com direitos iguais. pode ter o interesse em “ficar” para
palmente, defenda abertamente a liberdade individual O ficar pode ser uma etapa de um testar sua capacidade de sedução,
e sexual, seja para as questões relacionadas ao gênero, relacionamento, mas também uma beijar, abraçar e até trocar algumas
orientação afetiva e sexual, etc. possibilidade de treino dos papéis carícias mais íntimas, mas isso não
No entanto, na adolescência, esse pavor está muito sexuais. Trata-se de uma vivên- significa que esteja pronta para
ligado à falta de informação sobre a construção da cia interessante e necessária para vivenciar uma relação sexual. Se
sexualidade. Assim, nunca é demais desmistificar o desenvolver a capacidade de se re- ela “fica” com um garoto de idade
conceito de homossexualidade por meio de imagens lacionar com o outro, uma vez que aproximada, o ficar limita-se às
de pessoas públicas e assumidamente homossexu- o namoro, hoje, demanda, muito ra- situações com as quais ambos têm
ais, principalmente de personagens e artistas que os pidamente, uma intimidade sexual condições de negociar. Mas se o
adolescentes admiram, mostrando que a homosse- e uma privacidade com o parceiro garoto for mais velho, a expectati-
xualidade é só mais um jeito sexual de ser, e não uma que exigem mais maturidade. va dele no ficar, somada ao seu po-
alteração de caráter ou de incapacidade profissional der físico e mental, podem levar a
de uma pessoa. garota a uma situação muito difícil!
Quando FICAR pode
Outra reflexão importante é sobre as piadas e pala- Quando falamos em relação sexual
ser perigoso
vrões desqualificando as pessoas LGBT, além de outras de uma menina ou menino menor
De modo geral, o ficar é uma prá-
expressões de linguagem que as pessoas utilizam sem de 14 anos com outro mais velho ou
tica saudável tanto para meninas
se darem conta de que, com isso, estão estimulando maior de idade, estamos falando em
quanto para meninos. No entanto,
a cultura homofóbica. Outras vezes os adolescentes abuso sexual, uma violência sexual.
às vezes pode ser perigoso quan-
estão rodeados de pessoas homofóbicas, que não De acordo com o Código Penal Bra-
do não se têm claros os limites, ou
perdem a oportunidade de fazer piadinhas sobre gays sileiro, em seu artigo 224, “a violên-
há uma diferença significativa de
e destilar o seu ódio para com as pessoas que se assu- cia é sempre presumida, ou seja, é
idade e experiência sexual entre
mem homossexuais, etc. considerada violência, mesmo com
os parceiros.
Vale a pena questionar as piadas e os palavrões, tão o consentimento, em menores de 14
comuns na realidade dos jovens. Mostre porque esse anos, deficientes mentais, ou quan-
posicionamento não leva a lugar nenhum. Será que do a pessoa não pode, por qualquer
achar graça ou passar adiante essas histórias não é ser outro motivo, oferecer resistência.”
cumplice, defender homofóbicos? (Conexão ANA, 2013)

Ensine que mesmo que seja um amigo é importante


mostrar a ele que homofobia é errado, que é uma vio-
lação de direitos, e que leva a muito sofrimento.

QUE CORPO É ESSE? | 85


Namorar é brincar de Primeira vez – quando é preenda que ninguém é apenas
bem-me-quer chegada a hora? um CORPO. Cada adolescente é
Quando se fala em namoro, o Há pelo menos 50 anos a socieda- uma pessoa que tem uma deter-
primeiro pensamento vai para de, e mais precisamente os pais, minada vivência, valores, crenças
o compromisso, ou melhor, o tinham todo o cuidado para que e expectativas. Por sua vez, o sexo
compromisso de fidelidade, mas suas filhas não tivessem a opor- não é só uma reação orgânica que
também de companheirismo. No tunidade de fazer sexo. Havia um automaticamente leva ao prazer;
namoro, a pessoa se sente deseja- controle familiar muito rígido para para ele acontecer adequadamen-
da, importante, e sonha acordada que a abstinência sexual fosse te, o desejo, por si só, não é sufi-
com as coisas boas que se pode cumprida até o casamento. ciente. É necessária maturidade,
construir e viver juntos. Namorar Hoje, o namoro é mais aberto, o capacidade de entrega e respon-
precisa ser uma coisa que cause convívio mais intenso e sem nenhu- sabilidade sexual (prevenção de
vontade de sorrir, chorar, brincar, ma interferência dos adultos, o que gravidez e IST/Aids).
brigar, mas, acima de tudo, querer- possibilita a privacidade e, conse- Para o adolescente encontrar a
-se. É fundamental trabalhar com quentemente, intimidade entre o resposta para o momento certo,
as meninas e os meninos a questão casal. Fazer sexo depende, exclusi- um exercício que tem dado certo é
do consentimento e procurar evitar vamente, da motivação e preparo fazer uma lista do que acredita ser
o relacionamento abusivo. de cada um dos jovens envolvidos. importante acontecer num relacio-
O namoro nos dias de hoje envolve namento sexual, as expectativas
A Hora Certa
uma grande cumplicidade, intimi- que tem em relação a uma transa,
Na adolescência, os hormônios
dade e privacidade entre o casal, e a parceria: o que espera do (a)
sexuais provocam uma mudança
e isso é tudo o que eles preci- namorado (a) durante e depois da
radical, transformando o corpo
sam para viver suas experiências relação sexual. Depois, oriente o
de criança para um corpo adulto.
sexuais. Portanto, é imprescindível casal a conversar e a analisar os
O corpo, que antes sentia “cóce-
preparar os jovens para a tomada “prós e contras” no momento. No
gas” quando se deparava com um
de decisão sobre a primeira vez. caso da conversa em casa, com os
estímulo sexual, passa a sentir um
filhos, os pais podem fazer a sua
“comichão”, chamado tesão, toda
lista de expectativas também, ana-
vez que acontece um olho no olho,
lisarem juntos e fazer as negocia-
um beijo, um abraço, um cheiro, e
ções necessárias à boa convivência
outras carinhos mais.
e responsabilidade sexual.
A sensação de desejo, aliada à
O momento certo é aquele em que
curiosidade e à oportunidade, po-
a lista dos “contras” praticamente
dem dar a falsa impressão de que
não existir, ou quando os contras
o adolescente está pronto para ter
são poucos e possíveis de resolver.
a sua primeira vez. No entanto, é
fundamental que a garotada com-

QUE CORPO É ESSE? | 87


Prevenção de gravidez O que funciona?
na adolescência Na minha experiência, as estratégias
A sexualidade é um ponto central que melhor funcionaram para fazer
da vida adolescente. Quando a pu- os jovens se prevenirem de uma
É importante assegurar aos ado- decidir pela prevenção! Não se
berdade chega, os hormônios que gravidez, são: 1o) Despertar a mo-
lescentes os seus direitos sexuais trata, é claro, de adotar o discurso
ele ou ela passa a produzir provo- tivação, 2o) Conhecer o corpo, os
e reprodutivos, e isso passa pelo do medo. Mas é preciso mostrar
cam uma série de mudanças físicas, órgãos e o funcionamento dos mes-
acesso à informação de qualidade, que a adolescência não é o melhor
sociais, psicológicas e cognitivas mos, os tipos de práticas sexuais, as
de acordo com a sua faixa etária, momento para se ter um filho. É a
que tornam a sexualidade cada vez que fornecem risco para a gravidez
com uma linguagem acessível e fase da experiência, das descober-
mais presente no dia a dia tanto do e as fases de desenvolvimento da
que oportunize o direito aos seus tas pessoais, acadêmicas e profis-
menino quanto da menina. gestação, e por fim, 3º) Saber sobre
direitos individuais, sem qualquer sionais, do início das definições de
os métodos contraceptivos e iden-
A sexualidade ocupa intensamen- forma de discriminação, coerção ou rumos para a vida adulta. Um filho
tificar que engravidar, hoje, é uma
te os pensamentos deles, motiva violência . É preciso reunir meninos na adolescência pode abreviar
questão de escolha.
suas atitudes, e instiga curiosida- e meninas num diálogo franco e ho- esse rico processo de amadureci-
des, afetos, sentimentos, desejos e nesto, promovendo espaços de par- A motivação: só um jovem que
mento. Devemos levar o adoles-
escolhas. Portanto, é natural que as ticipação e diálogo que contribuam consegue perceber o que pode
cente a identificar como uma gra-
experiências aconteçam nessa fase para uma equidade de gênero e ganhar por não ter um filho na
videz, neste momento, pode pôr
da vida, mas também é necessário desenvolvimento de uma sexuali- adolescência terá interesse em se
obstáculos ao seu maior sonho: o
que os adolescentes sejam prepa- dade plena, saudável, responsável e prevenir e usar essa aprendiza-
projeto de vida profissional.
rados para perceber a responsabi- protegida, e que trabalhe na pers- gem em seu benefício. Por isso,
acredito que identificar o próprio Corpo sexual e reprodutivo: é
lidade que a vida sexual exige, para pectiva da promoção dos direitos
sonho, o projeto de vida, é o que fundamental saber sobre o corpo,
não cair em armadilhas, saber os sexuais, do cuidado com si e com o
fará toda a diferença na hora de a maneira como acontece a fecun-
riscos e os impactos em sua saúde outro, na prevenção da gravidez e
dação, e quais práticas sexuais são
e em seus projetos de vida, como a das ISTs, HIV/Aids.
mais arriscadas para promover o
gravidez e as Infecções Sexualmen-
encontro do óvulo com o esper-
te Transmissíveis (IST).
matozoide. Nesse momento é
necessário ajudar o jovem a fazer
a associação do funcionamento
do seu corpo ao impulso sexual,
ou seja: falar claramente sobre
relação sexual.

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Métodos Contraceptivos: É im- que é; deve admirar-se e perceber- Por quê? As causas ainda não fo- Como iniciar essa conversa?
prescindível que o adolescente -se como uma pessoa importante. ram estudadas, mas uma das hipó- O vírus pode demorar vários anos
saiba que o anticoncepcional mais Trabalhar a autoestima é funda- teses levantadas é a desinformação. até se manifestar em uma pessoa
indicado na adolescência é a “CA- mental. Incentive que eles desen- Na minha opinião, é mais do que infectada e, com o tema aparecen-
MISINHA”, porque além de prevenir volvam suas habilidades e façam isso: existe ainda uma dificuldade do menos nas mídias, o jovem acha
a gravidez, protege contra a Aids coisas que os deixem satisfeitos, para aceitar a sexualidade na ado- que a Aids é uma doença do pas-
e outras infecções sexualmente como por exemplo: praticar ativi- lescência. A prevenção, por meio da sado ou de pessoas mais velhas, e
transmissíveis. Mas existem vários dades esportivas e/ou artísticas. educação, é considerada a chave que usar camisinha é uma mão de
outros métodos contraceptivos Os pais e professores têm um pa- para reduzir o índice de novas infec- obra desnecessária.
que as meninas também podem pel significativo no desenvolvimen- ções pelo HIV. E a família e a escola Problematize com seus adolescen-
usar em conjunto com a camisinha to do adolescente e em provocar são os principais espaços para se tes a questão e abra o diálogo per-
e garantir uma maior segurança em nele reflexões a respeito da sexuali- dedicar a esta função. Para tanto, guntando se essa também é a opi-
relação à gravidez. dade, suas possibilidades e limites. pais, mães e educadores em geral nião dele e dos colegas. Durante a
Nessa conversa sobre métodos, a precisam deixar de olhar os nos- conversar, identifique as situações
mensagem é: Não aposte na sorte! Prevenção de ist/aids sos alunos sob o ponto de vista de que necessitam de mais esclare-
A prevenção de gravidez é respon- Pelo menos vinte e sete infecções como gostaríamos que eles fossem cimento, e complemente com sua
sabilidade tanto das meninas como podem ser transmitidas por meio sexualmente, e passar a enxergá-los experiência e mais informações. É
dos meninos. Eles devem aprender do contato sexual. Mas as que con- como de fato são. É preciso dar aos juntando o nosso conhecimento
a usar a camisinha e a negociar a tinuam com o índice de crescimen- jovens a principal arma de proteção com o do adolescente que faze-
sua utilização no relacionamento to alto e preocupante são a Aids, a – a informação –, mas também ou- mos acontecer o que há de melhor
sexual. A garota deve ir ao gineco- sífilis e o HPV. vir e atender às suas necessidades, na relação com jovens: o fenômeno
logista para usar o método contra- O Programa das Nações Unidas interesses e ideias para o exercício da complementaridade!
ceptivo mais adequado a ela. Em para HIV e Aids (Unaids) divul- de práticas preventivas.
geral, na adolescência é o método gou um relatório com notícias
hormonal e a camisinha que fazem animadoras em relação à Aids
o casamento perfeito para uma no mundo: diminuíram em 13%
boa prevenção! as novas infecções por HIV nesse
Além dessas estratégias, um edu- século e nos últimos três anos.
cador (a) nunca deve esquecer de No entanto, para nossa tristeza, o
também estar atento às questões mesmo documento revelou que o
de gênero que impactam na auto- número de novas infecções pelo
estima e autoimagem. O adoles- HIV aumentou 11% no Brasil, e o ín-
cente precisa gostar de ser do jeito dice de mortes no país atribuídas
à doença subiu 7% entre 2005 e
2013. Aproximadamente um terço
das novas infecções ocorreu entre
jovens de 15 a 24 anos.

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Outra causa importante
Quando se considera a preven- Os tabus que dificultam
ção, é natural pensar na primária, a prevenção
aquela que se utiliza para não se
infectar. Mas é igualmente impor-
1. Sexo não é coisa de adolescente 3. Ser homem é correr riscos
tante a prevenção secundária, que O uso da camisinha
Apesar de tantas pesquisas mos- Esta ideia faz parte da construção
deve ser adotada pelos portadores A pergunta que mais intriga um
trarem que meninos e meninas ini- do que é ser masculino. Agora
do vírus. O documento da Unaids adulto é: por que os jovens, mesmo
ciam sua vida sexual por volta dos imaginem um garoto que não sabe
revela um dado importante: 54% sabendo dos riscos e com tanto
14 anos, nós, adultos, ainda que- como colocar a camisinha, ou ain-
das pessoas infectadas no mundo acesso à informação, não usam
remos acreditar que isso não seja da não adquiriu a habilidade para
todo não têm consciência de que preservativo?
verdade. O resultado desse com- colocá-la, e que vai ter uma relação
são portadoras do vírus. Isso re-
Hoje tenho uma opinião forma- portamento é a vergonha, o medo sexual com uma garota que, em
presenta 19 milhões das 35 milhões
da sobre isso: usar a camisinha e a desconfiança por parte dos geral, pertence ao seu grupo de
de pessoas que atualmente vivem
exige coragem. Pensando bem, é adolescentes em pegar o preserva- amigos. Para manter sua imagem
com HIV.
mais do que isso. Usar camisinha tivo no serviço de saúde ou mesmo viril – e ocultar sua insegurança –
No entanto, se sabe que o diag- significa um ato de “rebeldia res- comprá-lo na farmácia. Para eles é ele irá preferir arriscar e abrir mão
nóstico tardio aumenta o risco de ponsável” contra a nossa cultura e constrangedor perceber o olhar de da camisinha. Isso também explica
transmissão e também de óbitos, valores sexuais. reprovação do adulto. Isso quando o número elevado de jovens que
enquanto que numa pessoa infec-
Acompanhem o meu pensa- não recebem “conselhos” de profis- iniciam sua vida sexual sem fazer
tada pelo HIV, que realiza o trata-
mento: o simples ato de vestir o sionais de saúde para desencorajar sexo seguro ou não usam preserva-
mento corretamente, o vírus pode
preservativo, masculino ou femi- a atividade sexual. tivos em todas as relações sexuais.
se tornar indetectável e ter sua
nino, envolve uma série de tabus, 2. Quem ama confia 4. Garota que carrega camisinha é
capacidade de transmissão reduzi-
preconceitos e julgamentos morais “galinha”
da em até 96%. Este valor, às vezes tão cultuado
cultivados ao longo do tempo
por alguns grupos, funciona como Embora muitos jovens já saibam
Portanto, quando conversar com na nossa sociedade que podem
uma espécie de sabotagem à pre- que as meninas também têm o
adolescentes não se pode deixar colocar em risco o relacionamento,
venção. Isso fica evidente quando direito de solicitarem o uso do
de lado a importância do diagnós- a masculinidade e a honra de quem
os jovens dizem não ser neces- preservativo e tomarem a iniciativa
tico precoce e da adesão ao trata- usa camisinha. É por isso que eu
sário usar o preservativo quando da prevenção, o preconceito sobre
mento. No Brasil, ele é gratuito, e já faço questão de mostrar essa difi-
se está em um relacionamento o comportamento sexual feminino
existem testes rápidos e gratuitos culdade, para que a gente entenda
estável. Esse comportamento faz ainda é grande. As meninas têm
nas Unidades Básicas de Saúde o lado do adolescente e possa
com que muitos deles desconfiem medo do que possam pensar dela
(UBS). Para mais informações e lo- encontrar meios de fortalecer o seu
da parceria (de sua fidelidade ou e, portanto, não carregam consigo
cais para fazer o teste, entre no site comportamento responsável.
de estarem infectados por HIV ou camisinhas. Esse julgamento moral
do Ministério da Saúde http://www.
outra DST), se ele ou ela pedir para é outro fator que contribui para o
aids.gov.br/pagina/onde-fazer.
usar camisinha. descaso com a prevenção.

QUE CORPO É ESSE? | 93


Bibliografia

TIBA, I – Puberdade e Adolescência: Desenvolvimento


Esses dados revelam que o preconceito e alguns com- Biopsicossocial. São Paulo: Ágora, 1986.
portamentos sociais mais arraigados em nossa socie-
DIAS, VRCS – Vínculo Conjugal na Análise
dade representam grandes barreiras ao sexo seguro,
Psicodramática: Diagnóstico Estrutural dos
mesmo que exista amplo acesso à informação e aos
Casamentos. São Paulo: Ágora, 2000.
métodos preventivos. É importante que educadores e
pais desconstruam esses mitos junto aos adolescentes, PAMPLONA, RC.Os 11 Sexos. São Paulo: Gente, 1994.
por meio de conversas sobre essas questões. Entre
elas, há duas fundamentais: treinar a colocação da Site Unaids - https://unaids.org.br/estatisticas/
camisinha para desenvolver a habilidade do garoto e
Site Ministério da Saúde - http://www.aids.gov.br/
da garota para colocar o preservativo e a conscientiza-
pagina/onde-fazer.
ção de que ninguém deve delegar ao outro o direito de
decidir sobre a sua saúde! Constituição Federal de 1988

Conexão ANA. Guia de Autoproteção Contra a


Violência Sexual. Fortaleza, CE: 2013.

Estatuto da Diversidade Sexual – disponível


em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/
documento?dm=7651096&disposition=inline#:~
:text=Identidade%20de%20G%C3%AAnero-
,Art.,%2C%20social%2C%20religiosa%20ou%20familiar.

QUE CORPO É ESSE? | 95


Bárbara Tavares da Silva, 14 anos Foi realizada uma oficina de es- Márcia, uma professora que não
Gabriel Victor B. de Souza, 17 anos crita criativa presencial25 com oito tinha paciência com adolescentes, é
Luís Henrique Borges da Fonseca e Silva, 17 anos adolescentes, no dia 16 de fevereiro uma personagem fictícia construída
Marianna Nunes P. de Souza, 16 anos de 2018, da qual se originam os pelos jovens. A professora conse-
Patrick Figueiredo Antunes Pereira, 16 anos depoimentos incluídos ao longo gue se abrir ao diálogo com seus
Thaís Antunes Matozo, 17 anos da história. O encontro foi funda- alunos depois de uma conversa
Thamara Vitória dos Santos Mangia, 16 anos mental para que os adolescentes com Rogério, médico da unidade
Tiago de Araújo Silva, 18 anos pudessem compartilhar momentos de saúde próxima à escola de Már-
em que se sentiram acolhidos, mas cia. O próprio médico conta para a
também angustiados, na intera- professora como mudou de postura
ção com familiares, educadores em relação aos adolescentes após

A CURIOSIDADE MATOU e profissionais de saúde quando


precisaram ter acesso à informação
se deixar levar pela conversa de
uma menina extremamente curiosa

O MEDO: A HISTÓRIA DE e apoio em relação à sua própria se-


xualidade. Com base em sua experi-
e interessada em seu ofício durante
seu horário de almoço.

UMA EDUCADORA QUE ência e formação na área de saúde


sexual e saúde reprodutiva no Rap
A história do médico é um caso

PROMOVEU SAÚDE COM


real, relatado pelos adolescentes,
da Saúde, assim como em suas assim como são reais todas as sen-
vivências como sujeitos em fase de

ADOLESCENTES
sações de angústia ou de acolhi-
desenvolvimento e descoberta, os mento colocadas neste texto pelos
participantes da oficina sugerem meninos e pelas meninas. Espera-
recomendações de temas, aborda- -se que esta história contribua para
gens, linguagens e metodologias que os adultos de referência na
para a promoção da saúde sexual e vida de adolescentes respondam
Introdução saúde reprodutiva de adolescentes. positivamente à sua responsabili-
Este é um artigo produzido coletivamente a partir de dade de informar, acolher, orientar
histórias e vivências reais, que foram mescladas, re- e proteger direitos de meninos e
organizadas e relatadas de forma ficcional. Meninas e
meninos com idades entre 14 e 18 anos, participantes da
Rede de Adolescentes Promotores da Saúde (RAP da
Saúde24), da prefeitura do Rio de Janeiro, foram convi-
dados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância
(Unicef) a construir este texto. O objetivo deste material
24. O RAP da Saúde é uma iniciativa da Secretaria Municipal de Saúde do Rio
é apresentar, na perspectiva dos adolescentes, reco- de Janeiro. O projeto existe desde 2006 e engaja adolescentes e jovens na
mendações sobre como promover o direito à saúde promoção de ações nas unidades de saúde da capital para a mobilização de
outros adolescentes. São abordados temas diversos relacionados à saúde dos
sexual e à saúde reprodutiva nos diversos contextos de adolescentes e jovens, sempre de forma lúdica e interativa.
convivência, incluindo família, escola e Unidades Básicas 25. A oficina foi facilitada por Renata Versiani, mestra em Psicologia e Cultura e
especialista em Letras, em 2018.
de Saúde (UBS), com base no potencial da educação Foi utilizada a técnica da Escrita Automática, um método que busca acesso a
entre pares e do diálogo intergeracional. um fluxo de pensamentos espontâneos, além dos pensamentos construídos pelo
conhecimento teórico.

QUE CORPO É ESSE? | 97


meninas para que desfrutem de – Professora, estamos precisando
sua sexualidade e a expressem sem muito da sua ajuda. A gente não
O desafio na escola
riscos de infecções sexualmente aguenta mais tanta confusão, confli-
transmissíveis, gestações indese- Márcia é professora de português tos e brigas.
jadas, coerção, violência e discri- do Ensino Médio. Dá aulas para
– Meu papel é ensinar, eu não tenho
minação. Para isso, é fundamental turmas cheias, com uma média de
como dar conta de todos os pro-
compreender e disseminar o con- 40 adolescentes. Todos os dias
blemas de vocês. Vocês são adoles-
ceito de saúde sexual da Organiza- ela se pergunta se está fazendo o
centes, cada dia uma novidade, mas
ção Mundial de Saúde, que integra melhor para ensinar àqueles meni-
eu não tenho como ajudar com isso.
elementos físicos, emocionais, inte- nos e àquelas meninas. Mas segue
em frente, sem dar muito o braço – Mas você está conseguindo en-
lectuais e sociais, e para promover
a torcer, mantendo a postura de sinar com a sala desse jeito? Você
uma vivência feliz e satisfatória
autoridade do conhecimento, que acha mesmo que estamos apren-
de cada pessoa, valorizando as
considera fundamental para não dendo? Se estamos pedindo ajuda
relações pessoais e a identidade de
perder o controle e a disciplina em é porque a coisa está séria.
cada um. Igualmente importante
sala de aula. Márcia concordava que levar daque-
é reconhecer que saúde reprodu-
O problema é que a relação en- la forma seria insustentável e resol-
tiva é a condição de bem-estar
tre os estudantes estava ficando veu consultar a direção da escola.
físico, mental e social relacionada
cada dia mais difícil: muitas brigas, Mônica, a diretora, até que se dava
com o sistema reprodutor para
atrasos, comportamento agressivo bem com adolescentes, mas em
que as pessoas desfrutem de uma
e falta de respeito. Ela percebeu uma escola com tantos estudantes
vida sexual satisfatória e segura26.
inclusive que uma das meninas, até era praticamente impossível estar
Afinal, os direitos sexuais e direitos
então desenvolta e comunicativa, mais próxima deles.
reprodutivos já foram reconhecidos
como Direitos Humanos tanto em estava mais quieta, na dela, isolada. – Mônica, eu não sei mais o que
leis nacionais como em documen- Ouviu dizer nos corredores que fazer. Eles não sentam, não escu-
tos internacionais, o que reforça a estavam falando mal dela por causa tam, só brigam, ficam de fofoca,
importância de aceitar e respeitar a de suas roupas, um suposto vaza- falam mal uns dos outros. Não tem
individualidade e a autonomia dos mento de fotos íntimas e rumores condições de ensinar nada. Alguns
adolescentes, oferecendo informa- de que estaria grávida, mas Márcia estudantes da turma B vieram falar
ções de qualidade e oportunidades preferiu não ir a fundo na história. comigo, pedir pra eu fazer alguma
para o exercício desses direitos, Só que toda essa situação também coisa. Mas a verdade é que eu não
sem discriminação. estava prejudicando estudantes que sei lidar com adolescentes, não
tentavam aprender. E um grupinho tenho paciência. É muita indisciplina
chegou até Márcia no fim da aula e muito hormônio. Agora que estão
para pedir uma solução. nessa fase de namoro, não pensam
em outra coisa.

26. O conceito de Saúde Sexual e Saúde Reprodutiva está


descrito na Agenda Proteger e Cuidar de Adolescentes na
Atenção Básica do Ministério da Saúde, disponível em: < https://
aps.saude.gov.br/noticia/2320 >. Acesso em 05/01/21.

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– Puxa Márcia, vamos pensar sobre Rogério preferiu ir até a escola para
isso juntas. Adolescência é uma conversar com Márcia. Ele queria
fase de muita descoberta, energia conhecer o ambiente escolar, ver os
e interação mesmo. Talvez a gente estudantes, as rotinas. Hoje ele sabe
Em busca de parceria
pudesse fazer um trabalho sobre que é muito importante entender o
Mônica entrou em contato com a
sexualidade com eles, o que acha? contexto em que as pessoas vivem
unidade de saúde do bairro, foi até
É um assunto que conecta muito para mapear os desafios e as opor-
lá, e explicou todos os desafios que
com o que eles estão vivendo. A tunidades no trabalho de saúde
estavam enfrentando na escola. Ela
unidade de saúde aqui do bairro junto à comunidade local.
tem um projeto com adolescentes,
foi recebida por Salete, enfermeira Rogério entra na roda
– Márcia, queria começar te contan-
responsável pelas ações de saúde Rogério lanchava no refeitório da
acho que os próprios meninos e do a minha história. Há três meses
da família. Salete é dessas pessoas unidade de saúde, era meio-dia.
meninas fazem atividades com eu nunca ia me imaginar visitando
que correm atrás do que for preciso Até ali, tinha atendido situações
outros jovens. uma escola para pensar atividades
para ver o trabalho acontecer. rotineiras: dor de cabeça, insônia,
– Mas Mônica, esse assunto é muito com adolescentes. Muito menos
Mônica sabe bem a importância diabetes, etc. Larissa sentou ao seu
difícil de trabalhar, os pais podem sobre sexualidade. Nunca gostei de
de encontrar pessoas assim e ficou lado, olhou o crachá de “médico”, e
não gostar, ainda mais com outros lidar com adolescentes, não tinha
animada logo de cara. começou a chuva de perguntas:
adolescentes liderando. Eu mesma paciência, sempre achei que adoles-
– Mônica, temos um grupo de ado- – Por que você escolheu a medi-
não me sentiria à vontade pra falar cente é uma bomba-relógio, prestes
lescentes aqui que faz um trabalho cina? Teve que estudar muito pra
sobre isso com eles. a explodir. Tudo vira uma crise.
incrível, de educação entre pares. passar no vestibular? E o material
- Márcia, entendo que é complica- Achava que falavam de maneira
Eles podem ir até a escola, fazer al- de estudo, é caro? Quanto tempo
do. Aqui mesmo na escola alguns diferente para aparecer, com aquele
gumas atividades com os estudan- leva pra se formar?
colegas acham errado. Mas é um tanto de gíria. Resumindo, meu
tes e com os professores também.
direito deles ter acesso à informa- pânico era ter que atender adoles- Rogério respirou fundo, contando
Minha sugestão é que a professora
ção confiável sobre o assunto e cente. Até que um dia uma menina o tempo que tinha para o almoço,
que você falou, que tem dificuldade
manter aberto um canal de diálogo conseguiu prender minha atenção, e começou a responder a menina.
em lidar com adolescentes, conheça
para troca de vivências e conheci- e de forma inesperada, como quem Explicou que escolheu a medici-
primeiro o Rogério, médico da uni-
mento. Se você acha que não po- não quer nada além de uma conver- na porque os pais também eram
dade de saúde, que é o facilitador
demos fazer isso sozinhas, vamos sa despretensiosa. médicos e ele admirava o trabalho
do grupo. Eles podem pensar juntos
buscar apoio dos colegas da saúde deles. Contou que precisou estu-
nas estratégias. Aliás, a história dele
aqui no bairro. Além disso, ado- dar muito e que foi aprovado para
é bem parecida com a dela...
lescentes já conversam entre si, se uma universidade pública, então,
relacionam. É uma realidade, não não pagou mensalidade, mas tinha
adianta a gente fingir que eles não muitos gastos com livros, materiais
são seres sexuados. A diferença é e congressos. E respondeu a tudo
que vão falar sobre sexualidade, isso mantendo o foco no almoço.
na linguagem deles, mas com o Mas Larissa não parou:
apoio de profissionais que podem
orientar, explicar, tirar dúvidas e
aprender junto com eles.

QUE CORPO É ESSE? | 101


– Sou muito estudiosa, desde – Você prefere trabalhar com crian- Ele propôs então juntar os adoles-
pequena, e sempre quis ser médi- ça, adolescente ou adulto? Eu acho centes. Pediu que Larissa chamasse
ca. Meus pais falam que não é pra que vou preferir trabalhar com ado- outros colegas e se colocou à dis-
mim, ficam preocupados com meus lescente. A gente tem muita dúvida posição para encontros regulares:
sonhos. Mas quero muito. E quero e quase ninguém pra escutar. Todo ou outro método contraceptivo rodas de conversa, cine-debates
trabalhar aqui, no meu bairro, pra mundo aponta o dedo, esculacha. pode ser combinado com a cami- ou mesmo oficinas de música ou
ajudar as pessoas daqui. E você, Outro dia, uma amiga veio buscar sinha, mas também é importante artesanato, que aparentemente não
gosta de trabalhar aqui? camisinha aqui e já olharam feio. uma avaliação para usar hormô- tinham nada a ver com saúde, mas
A pergunta deu uma chacoalhada Disseram que ela estava perdida, nios. E o que a sua amiga fez? que acabavam rendendo conversas
em Rogério. A menina queria ser que daí a pouco já ia colocar filho Levou a camisinha? superimportantes e um vínculo de
médica sem incentivo da família e no mundo mesmo, e que era melhor A conversa rendeu duas horas que confiança duradouro.
ainda queria trabalhar ali, no bairro. tomar logo injeção pra garantir que Rogério nem viu passar. Depois Rogério contou à Márcia que, desde
Ele sentiu que ela tinha algo de não iria engravidar. disso, todo dia aparecia um adoles- então, ele se tornou um parcei-
especial e começou a achar inte- – Mas a camisinha é muito impor- cente na hora do almoço para falar ro dos adolescentes na unidade
ressante a determinação de Larissa. tante para prevenir infecções sexu- com ele. Rogério foi se interessando de saúde. E como resultado dos
Ela continuou: almente transmissíveis. A injeção pelas dúvidas de Larissa, de seus encontros, aumentou a procura
amigos e amigas. Quanto mais forte de adolescentes pela atenção em
a confiança, mais se abriam: Ma- saúde. Outros funcionários (enfer-
riana descobriu que tinha o direito meiros, agentes comunitários de
de ser atendida sem o acompanha- saúde, estagiários) se engajaram,
mento de um adulto, e só assim o que tornou o ambiente mais leve
teve coragem de contar para Rogé- e amigável para o atendimento a
rio que saiu da balada com o crush adolescentes.
e acabou transando sem camisinha. – Mas Rogério, você é médico, tem
Ainda bem que agora ela tinha conhecimento. Eu não tenho nem
com quem conversar e receber paciência e nem informação para
orientação. Victor começou a sentir abordar esses temas com eles.
atração por outro menino e estava
– Márcia, eu tinha conhecimentos
morrendo de medo de assumir isso
médicos, mas descobri que não
para si mesmo e para a família, mas
sabia nada sobre o mundo deles.
confiou em Rogério para se abrir
Fui aprendendo muito com eles e
e perceber que não havia nada de
tive que reinventar tudo o que eu
errado com ele. Rogério começou,
havia aprendido para que fizesse
então, a observar com outros olhos
sentido no trabalho com os jovens.
a forma como os adolescentes
eram tratados. Eles não estavam
pedindo muito, só queriam atenção
e respeito.

QUE CORPO É ESSE? | 103


A gente aprende junto, inclusive Ser menina: “Somos adolescências no plu-
a ter paciência. Várias vezes eles Apareceram as seguintes ideias: ral, afinal, cada adolescente faz
demonstraram muita preguiça com ser rebaixada, ser forte, pressão de sua adolescência algo único,
o que eu propunha também, me para ser meiga e simpática, sentir- não adianta generalizar”. “A gente vive numa socieda-
chamavam de “Doutor Palestrinha”. -se impotente, submissa, impossibi- de muito patriarcal e muito
A primeira coisa que aprendi foi “A pessoa acha que a orien-
litada, afetuosa, sofrer pressão para machista. O menino tem que
que palestra, projetor, slides cheios tação sexual é uma opção,
ser mãe mesmo que não queira, correr atrás. A menina não
de letras, nada disso funciona com uma escolha, como se a pes-
não ter escolhas, ser vista como pode dar em cima do cara.
eles. E eles também entenderam soa decidisse comer frango
um objeto, ter muito mais respon- Se você for menino, você vai
que muita gente falando ao mesmo ou carne. O pior problema de
sabilidades domésticas, encarar pegar meninas. Mas se você
tempo não funciona comigo. Vamos tudo é a falta de respeito. Se
o assédio, coragem, maternidade, for homossexual, é como se
testar? Eu convido os adolescen- você aceita ou não, o problema
boneca, sofrimento. não fosse menino. Ser ho-
tes de lá e fazemos uma roda com é seu, mas tem que respeitar
mossexual é saber que está
Ser menino: todo mundo independente de
alguns adolescentes daqui. sozinho, sem apoio da escola,
Os adolescentes disseram: pressão, orientação sexual”.
da família ou do médico. Com
Roda de diálogo hostilidade, azul, pegador, respon-
“Existe violência contra LGBT quem eu vou? Será que eu
Lidar com muita gente falando ao sabilidade, homem da casa, alfa,
na escola. A homossexualidade vou mesmo? Não tá valendo a
mesmo tempo segue sendo um machão.
é usada como ofensa. É como pena assumir quem sou”.
desafio para Rogério. E Márcia tam- LGBT: se a homossexualidade fosse
bém entende bem o que é isso. Mas “Sobre nossos problemas, às
As palavras relacionadas a esse uma coisa diabólica. A pessoa
em roda, sentados no chão, com vezes a gente não quer res-
tema foram: vergonha, humilhação, homossexual não é vista como
uma música ao fundo, todo mundo posta. Às vezes, a resposta
escória, deve morrer, não ser legi- uma pessoa que gosta da outra,
foi logo se concentrando na ativida- nem existe, mas a gente quer
timado, fofocas, imposição, guerra, que está aprendendo a desen-
de proposta. Foi feita uma dinâmica falar, conversar”.
luta, respeito, preconceito, identida- volver o afeto”.
de aquecimento e, na sequência, de, coragem. “O adolescente não tem com
cada um deveria falar o que vinha à “Muitos pais sonham em ter
A partir daí a conversa começou quem falar e acaba ficando de-
mente em relação a: neto e pensam por eles, não
a rolar27. De forma espontânea, os primido. Ou fala com quem não
pelos filhos. Os pais querem
Ser adolescente: adolescentes expressaram como tá preparado, olha na internet e
viver a vida dos filhos como se
O que foi dito: angústia, descon- se sentiam e Márcia foi ganhando faz besteira”.
elementos importantes para com-
fosse deles”.
fiança, coragem, falta de apoio,
conflitos, diferenças, verdade, expe- preender os seus alunos e garantir “No quinto ano, a gente deba-
“A gente vê uma relação de po-
riências, estar à flor da pele, sentir um ambiente de respeito mútuo tia a sexualidade de uma for-
der. O pai fala que o adolescen-
solidão, paixão, impotência, alegria, na escola. ma biológica, mas pelo menos
te tem que obedecer porque é
medo, dor, loucura, dúvidas, ter os
o tema existia. No ensino mé-
pai e não tem conversa”.
direitos violados.
dio nunca rolou debate sobre
sexualidade, nem na aula de
biologia”.
27. Todas as falas reproduzidas neste tópico são reais
e foram compartilhadas pelos adolescentes durante
a oficina de construção deste texto, realizada no dia
16 de fevereiro de 2018.

QUE CORPO É ESSE? | 105


“Quando o assunto é sexuali-
dade, há um silêncio na escola,
um silêncio que grita. É como
se tivessem colocado uma cor-
tina preta para que a realidade
não apareça”.

“Eu vejo um adolescente como


um percurso que se faz às
cegas, uma trajetória sofrida e
árdua, que, sem espaço de aco- “Você está descobrindo algo
lhimento, sem alguém pra dar a novo, é legal, mas é dolorido
mão, a pessoa sente a pressão também”.
e pode ficar deprimida”. Márcia ficou impressionada
“O que mais machuca é quan- com as falas, não imaginava
do alguém em que você confia quantas dúvidas e angústias
fala sobre a sua intimidade. estavam por trás de meninos
Isso é horrível”. e de meninas que, para ela,
pareciam tão seguros de si,
“As pessoas fingem que não tão fortes e independentes. Ela
estão vendo nada. Aí quando estava calada, apenas ouvindo,
aparece uma menina grávida, quando uma de suas alunas se
ninguém sabe o que fazer”. dirigiu a ela:

“A depressão é séria. A gente “Na sua adolescência, quando


sofre. Mas isso é visto como você estava descobrindo a sua
frescura, como se quisesse sexualidade, o beijo, o sexo,
chamar atenção. Se alguém diz como foi para você? Sei que
que quer morrer, muita gente viveu em outra época. Mas você
responde: você não tem con- pode mostrar a sua história
ta pra pagar, vai lavar louça! e eu a minha. E a gente pode
Quando sua dor não é valoriza- fazer uma troca. Mas eu preciso
da, você precisa de alguém que que você esteja disposta a fazer
te escute, é muito bom”. isso, senão, fica algo ruim: eu
querendo trocar e você sem
querer me escutar”.

QUE CORPO É ESSE? | 107


Márcia contou que em sua época
não havia nenhum espaço para
tratar desses assuntos e que ela
também tem dificuldades para
falar sobre sexualidade. E topou o
desafio de construir uma troca com
os estudantes. Levantou-se, foi até
o quadro, e propôs começar com
uma lista de recomendações sobre
• Tratar com respeito e estabelecer Próximos passos
como fazer esse trabalho de manei-
uma relação de confiança. Não ex- Os estudantes construíram, com o apoio da professo-
ra respeitosa para todos e todas. Ela
por o que ouvir para outras pesso- ra, um calendário de atividades para toda a escola. As
entendeu que esse é um caminho
as. Não apontar o dedo ou mandar dicas viraram uma carta de recomendações que foi
que poderiam construir juntos.
calar a boca. discutida com todos os professores.
Dicas para trabalhar direitos se-
• Tentar entender o vocabulário, Alguns pais procuraram a escola, preocupados com a
xuais e direitos reprodutivos com
mesmo não adotando a mesma abordagem do tema da sexualidade. A diretora realizou,
adolescentes:
linguagem: adolescentes comparti- então, uma reunião de pais, mães e demais responsá-
• Ouvir com atenção, sem julga- lham uma linguagem de grupo, que veis pelos estudantes, com participação do Rogério, da
mento e sem minimizar o que o inclui gírias. Isso dá uma sensação professora Márcia, e de alguns estudantes. E resolveram
adolescente está sentindo. de pertencimento a um grupo que é repetir a mesma dinâmica da roda de conversa com os
• Nunca fechar uma porta. Se um importante para a sua socialização. pais, que também compartilharam angústias e desco-
menino ou uma menina perguntar • Abordagens mais lúdicas e inte- nhecimentos sobre o assunto. Depois, a diretora expli-
algo que você não sabe ou tem difi- rativas: paródias, psicodrama, arte, cou como seriam feitas as atividades e convidou os pais
culdade para responder, encaminhe, oficina, jogos, e cine-debate são a também contribuírem com ideias.
busque ajuda. alguns exemplos. Evitar as palestras Márcia, assim como Rogério, tornou-se uma parceira
• Conversar de igual para igual. e a imposição de conhecimento. dos adolescentes. Alguém com quem eles podem
• Orientar atividades de educação Pensar em caminhos que façam as contar para tirar dúvidas, pesquisar juntos ou simples-
entre pares: tem assuntos que os pessoas construírem juntas. mente desabafar.
adolescentes podem trabalhar • Buscar informações atualizadas
melhor entre eles, contando com o sobre os temas.
apoio e um adulto de referência. • Compartilhar com os adolescentes
• Trocar experiências: lembrar que as decisões sobre as atividades que
todos foram adolescentes. Os a serem desenvolvidas.
desafios podem ser diferentes, mas
todos passaram por essa fase.

QUE CORPO É ESSE? | 109


REFLEXÕES
SOBRE A
SEGUNDA
TEMPORADA:
PREVENÇÃO
ON-LINE
Rodrigo Nejm28 Como ponto de partida, vale re-
cuperar os dados da pesquisa TIC
Kids On-line que, ano a ano nos
ajudam a observar com mais cui-
dado as formas de uso da internet
na faixa etária entre 9 e 17 anos
de idade. Os indicadores de 2019

(RE) PENSANDO apontam que 92% das crianças e


adolescentes das áreas urbanas

NOSSAS ROTINAS e 75% nas áreas rurais usam a


internet (CGI.br. 2020). Além da
No geral, a proporção de conec-

DIGITAIS
tados é muito grande e confirma
desigualdade no acesso nas áreas
nossa sensação de que a maior
mais remotas, as classes sociais
parte das crianças e adolescentes
também marcam importantes dife-
está on-line. Porém, as pesqui-
renças quando observamos 100%
sas nos apontam que há muitas
de crianças conectadas nas classes
particularidades nas formas de uso
A intensidade de uso da internet por crianças e ado- A e B e 80% nas classes D e E. Os
entre as faixas etárias, nas diferen-
lescentes no Brasil é notável no cotidiano de nossas dados são bastante expressivos,
tes classes sociais, e também de
casas e nas nossas escolas. A sensação das famílias e de mas não podemos ignorar que te-
acordo com os diferentes tipos de
muitos educadores é de que eles não fazem outra coisa mos mais de 3 milhões de crianças
mediação feita pelos responsáveis.
na vida a não ser ficarem conectados aos seus celulares, e adolescentes no Brasil que não
Estar on-line não é uma experi-
tablets e computadores. Para podermos compreender podem ser consideradas usuárias
ência homogênea e tampouco
melhor as rotinas digitais de crianças e adolescentes e de internet por usarem muito espo-
estável. Muitos fatores precisam
encontrar caminhos para estimular experiências mais radicamente (menos de uma vez a
ser relacionados para podermos
seguras e positivas, é importante iniciar com uma dis- cada três meses).
analisar as habilidades, os riscos
posição para: 1) não julgar previamente suas vivências
e as oportunidades que cada um
on-line como inúteis; e 2) evitar as comparações nos-
experimenta nas redes digitais. As
tálgicas sobre os modelos de infância que idealizamos
múltiplas infâncias e a diversidade
como adultos.
de possibilidades nos ambientes
digitais geram experiências mui-
to singulares, o que se reflete em
situações de risco e benefícios
também singulares.

28. Diretor de Educação da SaferNet Brasil. Doutor em psicologia social e


pesquisador pós­doutorando na área de interações sociais nos ambientes digitais
na Pós­Graduação em Psicologia da UFBA e membro do Grupo de Pesquisa
em Interações, Tecnologias e Sociedade (GITS/UFBA). Membro do Grupo de
especialistas das pesquisas TIC Kids Online e TIC Educação do CETIC.br/NIC.br.

QUE CORPO É ESSE? | 113


Um exemplo de diferença é o tipo A mesma liberdade que fascina é a
de aparelho usado para conec- que deixa muitos pais e educadores
tar-se à internet. Para 73% das em pânico. O receio de um uso ex-
crianças e adolescentes das classes cessivo dos jogos, o medo do “vício
D e E, o celular é o único meio em internet”, a superexposição da Negociando os limites da
Liberdades com
utilizado (CGI.br, 2020). Você que intimidade nas redes sociais, o risco presença digital
responsabilidade
está lendo este texto agora, pode de sair para encontrar com “ami-
As possibilidades de uso são Atualmente, a maior parte dos pais
estar em seu celular, mas prova- gos virtuais”, o perigo de desafios
muito plurais quando pensamos e mães também usa a internet,
velmente tem um outro aparelho violentos ou mesmo a chance de
nos conteúdos disponíveis. De inclusive nas classes sociais menos
que permita usar um teclado maior, aliciamento e abuso sexual pela in-
entretenimento às causas sociais, favorecidas, o que se reflete em
fazer anotações com alguma ternet são preocupações de muitos
passando pelas atividades escola- uma significativa proporção de
facilidade, ver todas as linhas na responsáveis. Quando pensamos
res e comunicação com amigos, a responsáveis que dizem conversar
tela, sem rachaduras, ou pode estar nas situações de risco e nos eventu-
internet pode ser considerada uma com os filhos sobre o que eles fa-
apenas ouvindo a leitura por algum ais danos que podem ser causados,
gigantesca praça pública na qual as zem na internet, em busca de orien-
dispositivo inteligente. A tela que- não podemos deixar de recuperar
crianças e adolescentes passeiam a tações para um uso mais seguro. O
brada, pacotes de dados limitados, a noção de praça pública aplicada
partir de seus celulares e com seus desafio atual é que, como o acesso
aparelhos antigos e com defeito aos ambientes digitais. A internet,
variados interesses. A liberdade jus- é majoritariamente pelo celular, o
geram limites nas possibilidades como ambiente público, exige tam-
tamente para poder interagir com acompanhamento se torna cada
de explorar as oportunidades dos bém a mediação para que, desde os
pessoas e conteúdos sem a imedia- vez mais difícil. E do ponto de vista
ambientes digitais. Ainda com primeiros acessos, crianças reco-
ta tutela de pais ou educadores é prático, sabemos que as conversas
todas estas dificuldades, 76% das nheçam que nem tudo é apropriado
um dos aspectos que tanto fascina sobre limites e liberdades não são
crianças e adolescentes conec- para todas as idades e que os pe-
os mais novos. Poder estar com os nada simples no contexto familiar.
tados usam a internet todos os rigos são reais, tanto quanto os da
pares para além dos espaços for- Mesmo quando elas existem, não
dias e costumam usar para assistir rua, da praça e da praia. Mediar o
mais das instituições, poder circular geram efeitos imediatos, pois não
filmes (83%), enviar mensagens acesso significa oferecer algum tipo
por um universo de atualidades, estamos falando apenas de regras a
instantâneas (79%), pesquisar para de orientação para que a liberdade
acompanhar e descobrir persona- serem cumpridas. O maior desafio é
trabalhos escolares (76%) e usar seja proporcional à maturidade da
lidades, aprender mais sobre os desenvolver a capacidade crítica e a
redes sociais (68%). Muitos usam criança e à capacidade do adoles-
jogos preferidos ou aperfeiçoar habilidade de percepção dos riscos
também para buscar informações cente reconhecer as situações de
e compartilhar com o mundo os para reações seguras. Estamos
sobre saúde (31%) ou ler notícias risco e saber minimamente o que
talentos que possuem são alguns falando do desenvolvimento da
(55%) (CGI.br, 2020). fazer para não sofrer danos.
dos muitos elementos que tanto maturidade, da criação de ambien-
motivam a conexão constante aos tes seguros para a socialização e da
dispositivos digitais. negociação de valores.

QUE CORPO É ESSE? | 115


Encarar os espaços digitais como deveres precisa ser definitivamente Educando para a cidadania,
ambientes de interação e socializa- o ponto de partida da mediação também no digital
ção cada vez mais importantes na para acesso das crianças à internet,
A dificuldade de promover a me-
vida de todos nós faz com que seja e, infelizmente, ainda não é. Em A complexidade dos temas e variá-
diação para o uso seguro e positivo
necessário participar da construção muitas famílias há a sensação de veis exige que os diferentes setores
da internet também está presente
desta presença digital de maneira impotência e de despreparo para da sociedade participem deste
nas escolas. Ainda que haja gra-
ativa. Por mais que os usos sejam fazer esta mediação, e em algumas processo educativo, com destaque
dativa incorporação da temática
diferentes, a maior parte dos adul- delas as crianças ficam à deriva nos para a responsabilidade das empre-
nas diretrizes da educação básica,
tos, de uma forma ou de outra, já ambientes digitais, expostas a mais sas que criam e disponibilizam as
a partir das previsões do artigo 26
usa a internet, e todos precisamos riscos, e sem acesso a oportunida- plataformas digitais utilizadas pelas
do Marco Civil da Internet no Brasil
ajudar a construir ambientes mais des apropriadas, mesmo quando crianças e adolescentes. As próprias
(BRASIL, 2014) e da inclusão da
seguros, saudáveis e inspiradores consideradas experts em internet. plataformas devem ser também
cultura digital na Base Nacional
para as gerações mais novas. Aqui, Comum Curricular (MEC, 2018), fontes de orientações para os dife-
novamente, precisamos desfazer a nem sempre as escolas são fontes rentes usuários, oferecendo recur-
equivocada noção de nativos digi- de informação sobre o uso seguro, sos de segurança e informações
tais, como se os mais velhos habi- saudável e positivo da internet. sobre como mediar o acesso dos
tassem outro mundo, sem qualquer Na pesquisa TIC Educação 2019, mais novos, quando forem permiti-
relação com o mundo dos filhos/ apenas51% dos alunos de escolas dos, ou ferramentas para reportar
alunos. Certamente há diferenças urbanas disseram que seus profes- a presença dos que não deveriam
marcantes nos estilos, preferências sores ensinaram formas de usar a estar conectados. Não podemos
e formas de estar nos ambientes di- internet com segurança, e apenas ainda ignorar que as rotinas digitais
gitais, mas estamos falando de prin- 40% recebeu orientação sobre o das crianças e adolescentes estão
cípios, de valores, e acordos gerais que fazer se fossem incomodados relacionadas à oferta de espaços
que precisam ser feitos para que as na internet (CGI.br, 2020b). Edu- públicos de lazer e cultura nas cida-
nossas relações sociais, seja qual for car para a cidadania digital é um des, à segurança / perigo dos bair-
o ambiente, digital ou não, possam esforço contínuo quando constata- ros onde moram, e à disponibilidade
acontecer de maneira respeitosa. mos a velocidade avassaladora das de áreas verdes para conexão com
Na praia, na escola, na rua ou na transformações tecnológicas. a natureza. A própria rotina dos de-
internet, temos acordos e regras de mais membros da família também
conduta para que possamos nos precisa ser levada em conta quando
relacionar, temos direitos e deve- queremos falar sobre a rotina digital
res que precisam ser evidenciados das crianças e adolescentes.
como ponto de partida para toda
e qualquer conexão que fazemos
com outras pessoas, seja qual for o
formato dessas conexões. A noção
básica de respeito aos direitos e

QUE CORPO É ESSE? | 117


O bem-estar e as As discussões acadêmicas mais
rotinas digitais Apesar de estes relatos serem mais atuais têm apontado que o tempo
intensos entre as meninas e nas não é o único (e nem o principal)
Na pesquisa TIC Kids On-line 2019, Apesar de os estudos mais amplos
classes mais favorecidas, os indica- fator a ser considerado na relação
temos alguns sinais de que os pró- apontarem pequena relação entre
dores são sinais de que os ado- entre o uso das telas digitais e o
prios adolescentes já reconhecem tempo de tela e efeitos diretos no
lescentes precisam cada vez mais bem-estar (Winther, 2017; Orben &
situações de incômodo nas suas bem-estar de crianças e adoles-
de apoio na construção de rotinas Przybylski, 2019). A culpabilização
experiências on-line, inclusive com centes, há uma certa banalização
digitais saudáveis e equilibradas. No dos pais por uma longa exposição
relação ao tempo excessivo de co- de termos como “viciado” e “de-
ano de 2020, o canal de ajuda da de crianças e adolescentes às telas
nexão e aos possíveis prejuízos em pendente” para se referir às rotinas
SaferNet teve um grande aumento digitais muitas vezes não leva em
seus relacionamentos sociais. Pa- digitais. O uso abusivo de jogos já
de buscas por orientações em rela- consideração a pluralidade dos
rece-nos muito relevante observar está presente nas classificações mé-
ção à saúde emocional e bem-estar. contextos sociais e as muitas ne-
que 25% dos adolescentes brasilei- dicas30, incluindo o uso dos jogos
gociações que ocorrem nas rotinas
ros usuários de internet, entre 11 e 17 A frente da exposição de imagens eletrônicos, mas exige uma ava-
familiares. O foco apenas no tempo
anos, admitem que tentaram passar intimas e do ciberbullying, crianças liação médica cuidadosa para que
de tela pode gerar reações mais
menos tempo na internet, mas não e adolescentes enfrentam cada vez seja aplicada corretamente. O uso
restritivas, inibir o acesso às opor-
conseguiram (CGI.br, 2020). Outras mais questões de saúde mental da internet, em geral, como uma
tunidades, e não obrigatoriamente
situações relatadas pelos adoles- e procuram ajuda29. O período tecnologia presente na vida cotidia-
ajudar na segurança de crianças
centes na pesquisa: de quarentena na pandemia de na para as mais variadas funções,
e adolescentes, ao mesmo tempo
• 21% se sentiu mal em algum Covid-19 amplificou os conflitos não está nas classificações médicas
em que os estudos sobre tempo
momento por não poder estar na familiares, mas a intensificação especificamente. Neste sentido, não
de tela e impactos no bem-estar
internet; do uso das redes digitais também é produtivo banalizar os termos “vi-
não são conclusivos (Livingstone &
• 24% passou menos tempo do que pode aumentar o contato com ciado em internet”, “dependente de
Blum-Ross, 2020). A qualidade dos
devia com a minha família, amigos conteúdos sensíveis e a compara- celular”, e outros relacionados, pois,
conteúdos, o tipo de interação es-
ou fazendo a lição de casa porque ção social com efeitos negativos na além de gerar rotulações negativas
tabelecida e as reações emocionais
ficou muito tempo na internet; saúde emocional. para muitas crianças e adolescen-
relacionadas a este uso são aspec-
Podemos admitir que muitos tes, não ajuda a lidar com a questão
•2
 1% relata que já se percebeu tos vitais para avaliarmos as rotinas
adultos se deparam com situações do uso desqualificado, prejudicial
navegando na internet sem estar digitais de todos nós, especialmen-
semelhantes e têm dificuldades em ou problemático das tecnologias.
realmente interessado (a) no te das crianças e adolescentes.
que via; regular o próprio uso. O tópico é O termo uso problemático ajuda a
Fonte: Pesquisa TIC Kids On-line 2019 (CGI.br, 2020)
bastante complexo e de difícil men- evitar o estereótipo que patologiza
suração. Muitos pais e responsáveis uma experiência digital proble-
buscam ferramentas e fórmulas mática, que pode ser episódica
mágicas para “controlar” o tempo e que poderia ser ajustada com
que seus filhos passam conectados negociações na família ou orienta-
aos celulares e aos jogos, preocupa- ções da rede de apoio da criança
dos com o desempenho acadêmico 30. A Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu
o termo “Gamingdisorder” na nova Classificação
e outras formas de socialização sem Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde (CID 11) em 2018. Disponível
29. Dados do Canal de Ajuda Helpline.br da SaferNet a mediação da tecnologia.
Brasil relativos ao período de Março a Julho de 2020. em: https://icd.who.int/browse11/l-m/en#/http://
Disponível em: https://helpline.org.br/indicadores/ id.who.int/icd/entity/1448597234

QUE CORPO É ESSE? | 119


ou adolescente em questão. O uso
problemático das mídias tem sido
estudado por pediatras (Pluhar,
Kavanaugh, Levinson, & Rich, 2019)
para ajudar a orientar as famílias,
evitando as generalizações e as
abordagens deterministas. Recursos a favor de rotinas Alguns pontos que podem ajudar a
Os chamados desafios perigosos digitais mais seguras e provocar esta reflexão nas famílias:
na internet são outro exemplo de saudáveis • Refletir sobre o uso equilibrado • Filtrar as redes sociais para seguir
preocupação das famílias que exige Como apontado no início deste das telas digitais é muito mais do conteúdos que realmente te inspi-
cautela na abordagem. Para que as texto, as experiências são plurais, e que limitar apenas o tempo de ram e informam;
medidas de proteção sejam mais cada contexto familiar possui suas uso. Envolve avaliar a qualidade
• Prestar atenção às suas reações
eficientes e não gerem apenas particularidades. Cada geração tem dos conteúdos e das interações;
emocionais diante de conteúdos e
conflitos familiares, vale observar os ainda suas visões de mundo e es- • Fazer uma autoavaliação sobre interações que podem gerar des-
detalhes da experiência individual tilos de vida diferentes que entram sua rotina digital, montando um conforto e desencadear sofrimen-
da criança e do adolescente para em combinação quando o assunto diário de uso para relatar onde, to mais intenso. Interromper o uso
compreender qual lugar aquela situ- é pensar sobre as rotinas digitais. com quem e como gasta o tempo e entrar em contato com alguém
ação de risco ocupa, quais reações Não há fórmula mágica, tampouco diante das telas; de sua confiança ou acessar os
emocionais provocam e como se uma receita que seja válida para • Usar as ferramentas de controle canais de ajuda on-line;
relacionam com as experiências vi- todos. O que podemos arriscar aqui de tempo e bem-estar de seus • Debater com crianças e adoles-
vidas pelos pares. Casos como o da é compartilhar algumas pistas e celulares e redes sociais para visu- centes as diferenças de perspecti-
Baleia Azul e do Momo apontaram recursos que podem ajudar as fa- alizar o mapa de usos; vas sobre os hábitos digitais pode
que é urgente abrir mais oportu- mílias a desenvolverem este diálogo
• Gerenciar os limites de notificação ser muito divertido, com oportuni-
nidades de escuta e acolhimento franco e aberto sobre suas rotinas
e de interações nos aplicativos; dade de aprendizado mútuo;
dos adolescentes mais vulnerá- digitais atuais, vislumbrando o que
veis emocionalmente, ao mesmo • Estabelecer tempos de pausas e • Tentar fazer as reflexões acima
desejam mudar. Transformar este
tempo em que é necessário que desconexão ao longo do dia, se como um exercício coletivo no
desafio em uma experiência coleti-
todos reflitam sobre saúde mental possível com algum exercício de contexto familiar. Criar espaço
va já é um passo importante. Assim
e regulação emocional de maneira alongamento; para todos reverem suas rotinas
como fazemos com as dietas, orga-
transparente (Cunha & Nejm, 2019). • Fazer uma faxina nos aplicativos digitais legitima a negociação dos
nizar as rotinas digitais de maneira
Mesmo os que acessam os desafios do celular e guardar apenas os limites de maneira mais trans-
mais equilibrada e saudável exige
por curiosidade e apenas para se que realmente usa; parente do que a imposição de
um esforço contínuo, mudanças
manter “atualizados” podem ser regras unilateralmente.
de hábitos, altos e baixos, alguma
beneficiados com espaços de refle- disciplina, uma rede de colaboração
xão crítica sobre suas experiências e espaço para negociações.
digitais, com oportunidades para
avaliar os diferentes tipos de danos
que podem ser causados.

QUE CORPO É ESSE? | 121


Sabemos que escrever e falar sobre
estas alternativas é sempre muito
mais fácil do que aplicar na expe-
riência concreta de nossas rotinas,
cada vez mais aceleradas e atribula-
das. Abrir o espaço franco de diálo-
go sobre a necessidade de mudan-
ça já é um movimento decisivo que
A velocidade e a intensidade das
podemos fazer tanto nas famílias
transformações provocadas pelas
quanto nas escolas31. Assumir a ne-
tecnologias digitais são, ao mesmo
cessidade de cuidarmos de nossas
tempo, ameaças e oportunidades
rotinas digitais nos conecta com
para pensarmos sobre novas alter-
as discussões mais amplas sobre
nativas e novos caminhos. Este é
saúde, incluindo aí saúde emocional
um desafio gigantesco e distribuído
e saúde sexual, passando por dis-
entre os mais diferentes setores da
criminação e exclusão social, temas
sociedade. Uma forma interessante
ainda tabu para muitas famílias e
de se inspirar para provocarmos
escolas. Passa também pela neces-
uma mudança positiva é justamen-
sidade de analisarmos com olhar
te iniciar ouvindo o que nossas
mais crítico como as tecnologias
crianças e adolescentes pensam
são desenvolvidas, quais valores e
sobre suas rotinas digitais, e o que
visões de mundo estão inscritas nos
vislumbram para o seu futuro.
seus códigos e design. Envolve pen-
sar sobre nossas próprias condutas
nos ambientes digitais, e como
estamos ajudando a construí-los
com cada uma de nossas interações
e criações de conteúdo.

31. Vale conferir materiais criados pela SaferNet Brasil para estimular estas
reflexões nas escolas e nas famílias, com dicas práticas de recursos pedagógicos e
ferramentas das plataformas digitais. Destacamos o curso para educadores (http://
ead.safernet.org.br), o canal de ajuda, gratuito e on-line, de orientação sobre uso
seguro da internet (www.canaldeajuda.org,br), as ferramentas de controle parental
no Instagram (www.digitalsempressao.org.br) e o controle parental para serviços
do Google (https://families.google.com/familylink/). Mais informações em: https://
new.safernet.org.br/content/mais-tempo-line-mais-mediacao-parental#

QUE CORPO É ESSE? | 123


Referências bibliográficas

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org/publications/925-how-does-the-time-children-spend-
using-digital-technology-impact-their-mental-well.html

QUE CORPO É ESSE? | 125


Hugo Monteiro Ferreira32 Nesse sentido, mesmo que se
queira, mesmo que se tente igno-
rar a existência das emoções na
condição humana, a emoção - sin-
É possível, de um ponto de vista
gular ou plural (emoções) - emer-
neurofisiológico, dizermos que
ge: por vezes vem à tona tranquila

A IMPORTÂNCIA DE EDUCAR e suave; por vezes, sua evidência


se dá de maneira ostensiva e
as emoções são um complexo
programa do cérebro, que atuam

AS EMOÇÕES PARA AS revolta, mas se dá, não há como,


ainda que se peleje, impedi-la.
na vida humana com o objetivo
principal de tentar proteger, de

ADOLESCÊNCIAS: OS No seu livro Falar de amor à beira


tentar impedir que haja um dese-
quilíbrio no corpo. As emoções,

DESAFIOS E AS POTÊNCIAS
do abismo34, o neurologista e psi- desse ponto de vista, existem para
quiatra Boris Cyrulnik explica que que possamos viver, fisicamente,
há elementos no comportamento com mais qualidade e sem nos
humano que não se percebem embrenharmos por situações que
racionalmente, que não se expli- nos levem a perigos físicos.
cam de modo razoável. Algo os
Se assim pensarmos, sem as
A importância das emoções move, os impulsiona, os faz existir.
emoções, nossos metabolismos,
As emoções, dizem os historiadores Alain Corbin, A esse algo, aludido pelo Cyrulnik,
nossos sistemas, sobremaneira o
Jean-Jacques Courtine e Georges Vigarello33, estão é possível que nominemos como
sistema nervoso central, os nossos
presentes na humanidade desde sempre. Um sorriso, “emoções”. Aquilo que é de difícil
hormônios, e toda uma cadeia
um silêncio, um abraço, um desvio de olhar, uma pala- conceituação, mas que é real e
neurofisiológica estariam ameaça-
vra, um gesto brusco, percepções, impressões, desejos, determinante.
dos de desequilíbrio. São as emo-
vontades, atitudes, comportamentos, tudo, absoluta- Há muitas maneiras de conce- ções que nos dão um termômetro
mente tudo na vida humana tem relação (in) direta bermos as emoções. Há muitas e nos fazem perceber – de forma
com as emoções. possibilidades. E elas podem ser consciente ou não – se tudo vai
compreendidas e explicadas por bem, se tudo caminha conforme
diversas disciplinas, inúmeras áreas tem de caminhar.
32. Possui graduação em Letras (1996). Mestrado em Letras (1999). Doutorado em
do conhecimento humano. Por
Educação (2007). Professor Adjunto do Departamento de Educação da UFRPE. exemplo, a história, a sociologia, a
Coordenador do Núcleo do Cuidado Humano da UFRPE. Líder do Grupo de Estudos da
Transdisciplinaridade da Infância e da Juventude (GETIJ). Pesquisador na área de saúde filosofia, a estética, a ética, a psico-
emocional e mental de crianças, adolescentes e jovens. Membro da Cátedra Unesco de
logia, a psiquiatria, a neurologia, as
Leitura. Membro do Núcleo de Estudos da Formação Docente e da Prática Pedagógica
(Nefopp). Pesquisa sobre a inter-relação transdisciplinaridade, infância e juventude; artes de modo mais amplo. Nesse
infância, adolescência, juventude e saúde emocional e mental; infância, adolescência,
juventude e sofrimento; infância, juventude e leitura; infância, adolescência, juventude e sentido, quando falamos sobre
direitos humanos. Realiza pesquisas sobre bullying e ciberbullying escolar. É terapeuta emoções estamos num campo inter
de crianças, adolescentes e jovens, e tem desenvolvido pesquisas sobre a saúde
emocional desses sujeitos. Atualmente desenvolve estudos acadêmicos nas áreas de e transdisciplinar.
psicologia e neuropsicologia. Escritor de literatura para crianças, adolescentes e jovens.
Autor da pesquisa Geração do Quarto: quando crianças e adolescentes nos ensinam a
amar. Em 2014, foi finalista do Prêmio Jabuti.
34. CYRULNIK, Boris. Falar de amor à beira do
33. CORBIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques e VIGARELLO, Georges. História das abismo. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
Emoções: Da Antiguidade às Luzes (Vol. 1). Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2020.

QUE CORPO É ESSE? | 127


Quase todas as escolas filosóficas As artes talvez sejam, sobremaneira,
ocidentais, mesmo as mais racio- as que as realizam, as operam, as
nais, se mantiveram firmes, ligadas tornam materiais, digamos assim,
Mas também é possível, de um pon- a um universo da condição humana, sendo o campo mais fértil em que
to de vista sociológico, pensarmos não perceptível analiticamente, evi- as emoções humanas se mostram.
as emoções nas relações interpes- dentemente, visivelmente, mas pre- As artes seriam, desse modo, o
soais, nas relações de convivência, sente, atuante, integrante de tudo chão em que as emoções pisam
no cotidiano escolar, no dia a dia e de todos. Os filósofos helenistas, com mais firmeza, com mais segu-
doméstico: quando estamos felizes, por exemplo, trouxeram questões rança, com mais destreza. Ali, nas
quando estamos alegres, quando muito relevantes para os estudos artes, as emoções não são integral-
sentimos medo, quando estamos posteriores das emoções humanas. mente ignoradas. Nunca foram.
tristes, quando temos esperança,
A psiquiatria e a psicologia, sem Nesse sentido, os artistas são os
quando somos gratos, quando
dúvida, são ciências, cada uma ao que falam mais alto às emoções?
temos sonhos e tudo isso na convi-
seu modo, muito preocupadas com É uma questão que nos parece
vência com as pessoas.
as emoções. Estudam, a partir de posta desde todo o sempre. Nise da
Socialmente, as emoções são tam- várias abordagens, como as emo- Silveira35, a psiquiatra que revolucio-
bém essenciais, fundamentais, res- ções humanas são necessárias para nou a psiquiatria brasileira, acredi-
ponsáveis por inúmeras situações: a saúde mental, para o adoecimen- tava que sim. As artes são as cores
de conflito, de apaziguamento, de to, para o sofrimento, para a supera- do inconsciente, do lugar-não-lugar
crescimento coletivo, de decisão ção, para a vida individual, para a descoberto por Freud e essencial
política, de desempenho cognitivo. vida coletiva, para a vida num todo. aos estudos sobre as emoções.
Um indivíduo, uma comunidade, Sem emoções, não há existência. Sem as emoções, explica o psicó-
uma sociedade, estão fundamen-
Sem dúvida, tanto a psiquiatria logo Daniel Goleman36, os hu-
tados nos sentimentos, nas sen-
quanto a psicologia são ciências manos não teriam evoluído, pois
sações, no gostar, no não gostar,
que conseguiram construir muitas não teriam se mexido, saído do
no que nem sempre é visível aos
informações sobre as emoções e canto, ido à procura de comida,
olhos racionais.
sobre como as emoções importam de proteção do sol, dos riscos
Antes mesmo de os psicólogos e para o desenvolvimento humano, selvagens. As emoções agem para
psiquiatras se deterem de modo para os ciclos vitais, para as apren- que possamos sobreviver. Se não
mais agudo no estudo das emoções dizagens, para as relações, para as estiverem bem, saudáveis, le-
humanas, as filosofias já o faziam, questões que são internas ao ser gais, estaremos, da mesma forma
já traziam na sua base de discussão humano e as que são exógenas às também, mal, desconfortáveis, por
reflexões que estavam atreladas à humanidades. vezes adoecidos/as.
subjetividade, ao não matemático,
ao pouco provável, mas ao que se
35. Nasceu em 15 de fevereiro de 1905 em Maceió (AL), filha do professor de matemática
imiscuía nas atitudes e nos compor- Faustino Magalhães e da pianista Maria Lídia da Silveira. Estudiosa, aos 16 anos Nise
tamentos. A base da pergunta, da foi admitida na Faculdade de Medicina da Bahia, e aos 21 anos concluiu o curso com
uma monografia sobre a criminalidade feminina.” http://www.ccms.saude.gov.br/
dúvida, da arguição, mais do que a nisedasilveira/biografias.php Consulta em outubro de 2020.
razão, era a emoção. 36. GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional: a Teoria Revolucionária que Redefine o
que é Ser Inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.

QUE CORPO É ESSE? | 129


Em seu livro Como Agir com um
Adolescente Difícil: um Livro para
Pais e Profissionais37, o psicanalis-
ta francês J. D. Nasio afirma que a
adolescência é uma espécie de luto
da infância, uma salutar histeria do
crescimento, uma vez que nessa Segundo dados da OMS38, o suicí-
fase do desenvolvimento a criança dio na adolescência é um proble-
se foi e a dinâmica da criatividade ma de saúde pública. No mundo,
se expressa, ainda que nem sempre entre pessoas de 15 a 29 anos de
seja percebida por quem a olha ao idade, ele é considerado a segun-
redor. Nasio acredita que a adoles- da causa morte e, de modo geral,
cência é uma época singularmente quando ocorre na adolescência,
As emoções e as
criativa e confusa, contraditória está relacionado a algum distúrbio,
adolescências
e pouco tratável, senão pelo viés algum transtorno mental, ou seja,
Como vimos, as emoções são muito Quando, ainda nas infâncias, apren- das emoções compreendidas. “O há uma relação entre o compor-
importantes. Se relacionam com demos a lidar com as emoções, adolescente nem sempre sabe falar tamento suicida na adolescência
várias áreas dos saberes humanos, aprendemos a lidar com as nossas o que sente porque não sabe iden- e as emoções que habitam um
e estão presentes em todas as fases emoções e a lidar com as emoções tificar corretamente o que sente” menino e/ou uma menina.
da vida humana, desde as infâncias que não são nossas. Então, nas ado- (Nasio, 2011, pág. 17).
até as etapas do envelhecimento. lescências, temos menos desafios, Em pesquisa realizada entre os anos
Nas adolescências, as emoções es- de 2016 e 2017, Ferreira (2020)39
Na adolescência, nessa fase da vida apesar da fase, por natureza, desa-
tão à flor da pele, como se todo o afirma que as adolescências sofrem
que fica entre as infâncias e as vidas fiadora. As emoções nas adolescên-
tempo estivessem acionadas para emocionalmente, e esse sofrimento
adultas, as emoções são como uma cias são menos complexas quando
a defesa, e geralmente as adoles- está relacionado a um tempo e a
“montanha russa”, uma “gangorra”, nas infâncias elas foram cuidadas,
cências querem se defender dos um espaço de solidão vivencia-
um “oceano nem sempre calmo”, tratadas, identificadas e educadas.
pais, dos professores, dos adultos dos dentro das casas, nas salas de
uma “incerteza certa”. Mas infelizmente, nem sempre isso que, de alguma maneira, insistem aula, e também no mundo virtual.
É que as emoções na adolescência ocorre e, infelizmente, tem sido que elas se moldem, de adequem, A geração do quarto, meninos e
vão seguir as alterações biológi- cada dia mais comum que nas tenham neles a referência que de- meninas entre 11 e 18 anos de idade,
cas, corporais, as alterações nas adolescências as nossas emo- vem seguir. Não tem sido simples contabiliza os números apontados
relações de convivência, as desco- ções estejam mais atribuladas do e nem fácil, para as adolescências, pela OMS em relação ao suicídio.
bertas afetivas, os desligamentos que nunca, e por essa razão não lidarem com um turbilhão de coi-
das famílias, os desafios dos gostos saibamos como fazer diante das sas que as afetam.
e dos desgostos, das realizações dificuldades e dos desafios que
e das frustrações. A experiência surgem para nós. Saber lidar com
das emoções nas adolescências as emoções nas adolescências é,
37. NASIO, J. -D. Como Agir com um Adolescente Difícil? Um Livro para
tem a ver com a maneira como as antes de mais nada, saber que as Pais e Profissionais. Rio de Janeiro, 2011.
38. https://www.who.int/mental_health/media/counsellors_portuguese.
infâncias aprenderam a lidar com emoções são essenciais para que
pdf. Consulta feita em setembro de 2020
as emoções. consigamos viver bem. 39. FERREIRA, Hugo Monteiro. A Geração do Quarto: Quando Crianças e
Adolescentes nos Ensinam a Amar. Rio de Janeiro: Nossa Casa, No Prelo.

QUE CORPO É ESSE? | 131


As adolescências e os
desafios próprio de desenvolvimento físico
As adolescências que estão dentro
Vimos que as emoções são impor- e, como não poderia deixar de ser,
dos seus quartos, conectados ou
tantes, e vimos que as adolescên- nas relações de convivências. Nesse
não com a internet, apresentam
cias lidam, bem ou mal, com as sentido, podemos dizer que a inter-
problemas emocionais, compor-
emoções que lhes assaltam à mente net – ou o uso da internet – tornou-
tamentos autodestrutivos, psico-
e ao corpo. Agora, vamos estudar -se um desafio para as adolescên-
patologias, fragilidades mentais e
um pouco sobre como as emoções cias contemporâneas.
uma demonstração evidente de
nas adolescências enfrentam alguns Por óbvio que esse desafio não é,
não saber como sair desse labirin-
desafios que estão postos de modo ele mesmo, oriundo do advento
to psíquico posto no meio de uma
inconteste para meninos e meninas da internet, e nem é ele mesmo a
encruzilhada social. As questões ex-
nos dias contemporâneos40 internet, mas a maneira, na maioria
ternas interferem, e muito, na mente
dessas garotas e desses garotos. Há, como querem os pesquisado- das vezes, imprópria, como crian-
res Kimberly S. Young e Cristiano ças e adolescentes são expostos
É importante que atentemos para
Nabuco Abreu41, uma relação entre às redes sociais digitais. E quem
os problemas que a deseducação
adolescência e internet que põe em os expõe? Essa é uma questão
emocional pode provocar na vida
causa a saúde mental de pessoas relevante e também nos parece um
de um adolescente, de uma adoles-
nessa faixa etária. Isto porque inú- outro desafio para as adolescên-
cente, desde a possível submissão a
meras pesquisas apontam, segundo cias nos dias atuais.
grupos perversos até a perversida-
esses pesquisadores, que é possível Há uma hiperexposição dos ado-
de como única maneira de conviver
haver uma espécie de adicção, de lescentes a um universo virtual e
intrapessoal e interpessoalmente. A
dependência das crianças e dos uma escassez de exposição a um
deseducação emocional é um pro-
adolescentes às redes virtuais. universo real, digamos assim. É
cesso que se dá, antes de tudo, com
a negligência sobre as emoções e Como toda dependência, as con- como se os adolescentes atu-
sua relevância. sequências psíquicas da adicção à almente passassem mais tempo vi-
internet são desastrosas, uma vez vendo experiências simbólicas nas
É muito importante que tenhamos
que, entre outras questões, interfe- nuvens do que experimentando
programas de educação emocio-
rem no âmbito cognitivo, emocio- aventuras e desventuras nas ruas,
nal, o que, no nosso entendimento,
nal, comportamental, no âmbito do nas praças, nas praias, nas casas,
não tem necessariamente a ver
nas relações físicas.
com programas prefixados, pres-
critos, preditos, estabelecidos de
maneira exógena às adolescências.
40. Importante que frisemos o fato de que não iremos aludir à pandemia da
As adolescências educadas emo- Covid-19, indiscutivelmente um dos maiores desafios para todas as pessoas e
cionalmente remetem, de forma para as adolescências de modo mais particular. É importante que atentemos
para as questões do aumento da violência contra meninos e meninas durante a
fulcral, à escuta acolhedora das pandemia, para o advento das aulas remotas, para a previsão da OMS em relação
à quarta onda da Covid-19, diretamente relacionada à saúde mental e tendo na
adolescências.
adolescência uma de suas preocupações mais expressivas.
41. YOUNG, Kimberly S. e ABREU, Cristiano Nabuco. Dependência de Internet
em Crianças e Adolescentes: Fatores de Risco, Avaliação e Tratamento. Porto
Alegre:ArtMed, 2019.

QUE CORPO É ESSE? | 133


Nesse sentido, temos, portanto, (d) transtornos de ansiedade; (e)
duas situações: (1) a internet como transtornos de déficit de aprendi-
É importante que pensemos como
um elemento irreversível à vida zagem/hiperatividade; e (f) trans-
educar as emoções, tendo em vista
social da adolescência contempo- dades contemporâneas. Segundo tornos de aprendizagem. Que onda
que as virtualidades são uma reali-
rânea, e (2) a exposição excessiva os referidos autores, 1, em cada 8 é essa dos transtornos? Por que es-
dade e que nos parecem irreversí-
dessa adolescência a esse universo estudantes da Região Sudeste do ses transtornos estão aumentando
veis. A BNCC44 apresenta 10 com-
da internet. Os dois são desafios Brasil, apresenta algum tipo de na e para as adolescências?
petências gerais, sendo que dessas
que afetam diretamente as ques- dificuldade que justifica a sua ida Como lidar com essas questões em 10, 3 estão muito voltadas para uma
tões emocionais ou, para ampliar- a um profissional especialista em meio ao universo digital, em meio discussão que teria por fundamento
mos mais o conceito, as questões saúde mental, o que quer dizer que ao que chamamos de reconfigu- os espectros socioemocionais e, por
socioemocionais. crianças e adolescentes não vivem ração familiar, de redimensiona- evidente, a BNCC quer cuidar de
Saber lidar com os caminhos, as felizes como se queria. mento da escola? As adolescências crianças e adolescentes.
trajetórias da vida virtual, é uma A saúde mental de meninas e me- contemporâneas enfrentam o índice
Vale então a pena que pensemos
grande demanda para meninas e ninos é, como já dissemos antes, crescente de transtornos mentais
um pouco sobre essa questão: o
meninos, para pessoas em fase uma das maiores preocupações da e, ao mesmo tempo, se dão conta
mundo virtual e suas nuances, a
escolar, as quais necessitam tratar OMS, uma vez que os índices de de que as bases sociais erigidas
saúde mental, a doença mental, as
com situações de acolhimento, adoecimento aumentam em vários nos séculos XIX e XX passaram por
preocupações com como saber-
de rejeição, de divergência, de lugares do planeta e apontam para transformações não previstas.
mos lidar e como as adolescências
convergência, de emergências problemas relacionados a não edu- Nesse sentido, vale a pena per- aprendem a lidar com os desafios,
afetivas e sexuais. Manter relações cação emocional, à desvalorização guntar: em que o universo digital as dificuldades, as inúmeras ques-
de amizade, de namoro, de inimi- das emoções, ao desprestígio da contribui para que os transtornos tões que emergem para o agora de
zade, de troca, de conversas, de subjetivação e ao império, como sejam deflagrados, sejam enfrenta- todas as meninas e todos os meni-
diálogo, por meio de aplicativos, quer Boaventura de Souza San- dos? Mesmo que não haja relação nos e para os futuros, tudo no plural
de grupos virtuais, é algo que põe tos43, da cognição. direta entre uma questão e outra, mesmo, porque queremos eviden-
as emoções das adolescências em é relevante que atentemos para o
As adolescências enfrentam, por- ciar o diverso, a diversidade.
polvorosa, em tensão. fato de que os desafios do adoeci-
tanto, uma onda de adoecimento
No livro Saúde Mental na Escola: o mental que pode ser enumerada: mento mental, de todo modo e de
que os Educadores Devem Saber42, (a) transtornos do humor; (b) toda forma, quando relacionados
Gustavo M. Estanislau e Rodrigo transtornos alimentares; (c) trans- às adolescências, atravessam e são
Affonseca Bressan explicam que a tornos obsessivos compulsivos; atravessados pelas virtualidades.
saúde mental de crianças e adoles-
centes é um desafio para as socie-

42. ESTANISLAU, Gustavo M. e BRESSAN, Rodrigo Affonseca (Organizadores). Saúde


Mental na Escola: O que os Educadores Devem Saber. Porto Alegre:ArtMed, 2014.
43. SANTOS, Boaventura de Souza. O fim do império cognitivo: a afirmação das 44. http://basenacionalcomum.mec.gov.br/.
epistemologias do Sul, de Boaventura de Sousa Santos, Belo Horizonte, Autêntica, 2019. Consulta feita em outubro de 2020.

QUE CORPO É ESSE? | 135


As adolescências e as lo que Nasio nos explicou, dizendo As adolescências não aceitam to-
potências que há “criatividade” nas adoles- das as marcas, todas as grifes, to-
centes e no que Maffesoli chama das as propostas políticas. É preci-
Michel Maffesoli45 afirma que as
por energia emergente. As adoles- so que haja preocupação com uma
juventudes contemporâneas não
cências, mesmo as que apresentam causa ambiental, com uma causa
podem ser tratadas como se fos-
os transtornos já referidos aqui, de proteção, com uma ideologia de
sem as juventudes do século XIX.
possuem uma maneira própria de direitos humanos. É possível perce- Nesse sentido, seria impróprio
São diferentes. Maffesoli evoca uma
desconstruir hegemonias, determi- ber como as redes sociais digitais duvidar do empoderamento das
deontologia, isto é, uma análise que
nismos, imposições, estabelecimen- se agitam em defesa dos direitos adolescências contemporâneas e,
considere as circunstâncias. Nesse
tos dados e rígidos. da mulher, dos direitos das pessoas no lugar de tentar diminui-las ou
sentido, quando falamos sobre as
Em seu livro Se Deus Fosse um Ati- pretas, dos direitos de crianças e reduzi-las a adoecimentos, perceber
adolescências e as potências, es-
vista dos Direitos Humanos46, Boa- de adolescentes. que ela #QUERFALAR e #PRECI-
tamos na contramão do que se diz
em algumas situações, afirmando: ventura de Sousa Santos afirma que São adolescências. Não é adoles- SASEROUVIDA a fim de que possa
as adolescências que enfrentam os é preciso se pensar um discurso de cência. Há pluralidade. Há diversi- dizer o que pensa e o que sente. O
desafios aludidos no tópico anterior direitos humanos contra-hegemôni- dade. Há garotos da urbanidade. exercício de ouvir a “galera” é um
são potentes. co, e, de alguma maneira, estamos Há garotas do campo. Há héteros. exercício que cabe aos adultos e às
dizendo que é preciso observar que Há bissexuais. Há homossexuais. Há adultas e que necessita ser enfren-
Mas o que é, exatamente, ser po-
as adolescências contemporâneas gente cristã. Há gente mulçumana. tado e posto em prática.
tente? Vamos tentar explicar. De
estão pondo em xeque discursos Há povo de terreiro. Há galeras. É importante dizermos que nem
um ponto de vista dicionarizado,
que foram construídos sob a égide Não há galera. Há novas formas sempre as adolescências falam com
potente é a pessoa que pode, que
de alinhamentos hegemônicos. de expressar a juventude; melhor a voz da linguagem verbal. Se olhar-
tem força, que consegue, que tem
Há uma pluralidade emergente nos dizendo, as juventudes. Não se mos atentamente os corpos, todos
possibilidade, que rompe barreiras
discursos das meninas e dos me- pode reduzir a um modelo identitá- tatuados, os cabelos tingidos, os
e vencer obstáculos, que não é im-
ninos, e esse discurso que emerge rio o que é verdadeiramente plural, piercings, as hipertrofias, as bebe-
potente, ou seja, é uma pessoa com
diferente do discurso que sustentou diverso, diferente. deiras, os isolamentos dentro dos
condições de atravessar desafios,
atravessar dificuldades e propor saí- gerações anteriores se abre para É uma potência na diferença, na quartos, veremos que eles e elas es-
das. Numa palavra, as adolescências questões que ficaram silenciadas e tolerância, na desconstrução do tão nos falando, estão nos dizendo,
são empoderadas. que, agora, vêm à tona: (a) direitos estabelecido. Isto é, de alguma estão nos explicando. A mensagem
das mulheres; (b) direitos das pes- maneira, as meninas e os meninos está sendo dada, enviada, apresen-
O empoderamento das adolescên-
soas trans; (c) direito das pessoas que estão dentro dos quartos estão, tada. #ÉPRECISOSABEROUVIR.
cias adoecidas tem a ver com aqui-
pretas; (d) direito das pessoas também, lutando pelos direitos,
indígenas; (e) direito à livre expres- são ativistas, se posicionam e não
são da sexualidade; (f) direito das aceitam mais as falácias machistas
pessoas deficientes. e as misoginias predominantes em
muitas sociedades. É um tempo em
que o silêncio das minorias é ouvido
45. MAFFESOLI, Michel. Le tempsdestribus: ledéclin
de l’individualismedanslessociétéspostmodernes. e não se pode negar isso.
Paris:MéridiensKlincksieck, 1988.
46. SANTOS, Boaventura Sousa. Se Deus Fosse um Ativista
dos Direitos Humanos. São Paulo: Cortez Editora, 2014.

QUE CORPO É ESSE? | 137


Num livro chamado O Acerto de
Contas de uma Mãe: a Vida após
a Tragédia de Columbine47, Sue
Klebold explica que não “viu” seu
filho, Dylan Klebold, um garoto
criado com amor, com carinho,
com atenção e cuidado, conforme
diz Sue, ser capaz de, no dia 20 Então, é importante que não igno- Ouçamos nossas meninas
de abril de 1999, matar 12 alunos, remos os sinais. Quase sempre eles e nossos meninos. Um
1 professor, e ferir mais 24 alunos. não vêm como estamos habituados. bom modo de ouvir,
Dylan e Eric Harris fizeram isso e Surgem sutilmente e se instalam um bom jeito de cuidar,
Sue Klebold pergunta “ (...) O que diante de nossos olhos e, em vá- é ficando perto. Um
eu deveria ter visto? O que pode- rias situações, a vida nos rouba a perto que não sufoque
ria ter feito diferente?” percepção e não nos damos conta. e nem nos sufoque. Um
As questões da mãe são as ques- Nesse sentido, este texto é uma perto que permita dar a
tões que deixamos aqui para pen- tentativa de que olhemos os nossos mão, quando cair, para
sarmos um pouco sobre a família adolescentes, em casa, na escola, levantar, e que dê conta
da micro série Que corpo é esse? nas ruas, olhemos e deixemos que de possibilitar um abraço
Não temos as respostas para Sue. eles falem e os ajudemos. O acolhi- e um cafuné, um perto
Talvez ninguém as tenha. Difícil esse mento. O diálogo. A amorosidade. que ouça e que traga a
dilema dela, expresso de maneira É Sue Klebold quem nos diz “Eu voz, um perto que veja
tão contundente em seu livro. No não vi os sinais sutis de deteriora- o que se passa e que
entanto, mesmo sem as respostas, ção. Se os tivesse notado, isso po- permita passar segurança
gostaríamos de sinalizar, de apontar deria ter feito diferença para Dylan sem passar controle
uma possibilidade: Os Klebolds, a e suas vítimas – toda a diferença do positivista. Sabemos que
Escola de Ensino Médio de Colum- mundo.” (Klebold, 2016, pág. 20). não é fácil, mas sabemos
bine não ouviram, não viram, mas Pois bem, é essencial que tomemos que é possível.
Dylan deve ter anunciado sinais. consciência dessa necessidade para Sim, é possível!!! Oxalá, é
entendermos o que nossas filhas e possível!!!
o que nossos filhos querem dizer,
querem expressar, querem falar.
Talvez seja a hora urgente que nos
chama à atenção e não exista mais
tempo para tomarmos uma posição.

47. KLEBOLD, Sue. O Acerto de Contas de uma


Mãe: a Vida após a Tragédia de Columbine.
Campinas/SP, Verus Editora, 2016.

QUE CORPO É ESSE? | 139


Renata Assumpção48

A pesquisa TIC Kids On-line Brasil


2018 apontou que 69% das crianças
de 11 a 12 anos disseram ter tido
Considere-se uma rápida passada contato com conteúdo publicitário

PUBLICIDADE INFANTIL E
por um dos mais comuns formatos na internet nos últimos 12 meses,
dos chamados vídeos de unbo- sendo que 39% já interagiu com um

PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS


xing49, que somam bilhões de visua- produto ou marca, e 20% já curtiu
lizações50 no Youtube: os pequenos ou compartilhou algum vídeo, foto

NO AMBIENTE DIGITAL:
braços envolvem um pacote dou- ou texto publicitário.
rado que tem quase dois terços de A questão da publicidade infantil51

QUEM TÁ ON?
sua altura. Com voz entusiasmada, não é nova, tampouco exclusiva ao
quase ofegante, tamanha a excita- ambiente digital. Um dos grandes
ção, a diminuta figura fala sobre o nomes da ciência do consumo,
conteúdo do pacote. Aos poucos, o Paco Underhill (1999, apud KIN-
pacote vai sendo aberto e é revela- CHIN; O’CONNOR, 2012, p.183,
da a caixa do último lançamento no tradução nossa), coloca que, para
Em 2019, 89% das crianças e dos adolescentes brasilei-
mercado de brinquedos – que pode além de desejá-las, o mercado
ros, de 9 a 17 anos de idade, acessaram a internet (CGI.
ser também de produtos alimentí- precisa das crianças, vez que são
Br, 2019). Quando questionados sobre o uso, 82% das
cios, de higiene, ou qualquer outro. uma “força econômica, agora e
crianças de 9 a 10 anos disseram usar a rede para assis-
Falando sobre as características do no futuro, e isso é o que conta”. O
tir vídeos, programas e filmes. As tecnologias e disposi-
produto, boa parte das vezes sem desenvolvimento da sociedade de
tivos incorporados à vida desta população apresentam
indicação alguma de que o ritual consumo e a substituição da lógica
infinitas oportunidades – acesso à informação, convívio,
encenado é uma publicidade, a da cidadania pela do consumidor
participação e produção de cultura. Contudo, como
criança/youtuber mirim tem olhos é algo que assistimos acontecer
foram desenvolvidas para a realidade adulta, sem con-
e atenção completa da audiência desde meados do século XX, cada
siderar as especificidades dessas faixas etárias, existem
enquanto brinca e exibe o objeto. vez com mais velocidade e “nossas
riscos e a violação de direitos pode ser facilitada.
crianças, desde a mais tenra idade,
são ensinadas a serem clientes”
(KRENAK, 2019, p.24).

49. A categoria unboxing contempla vídeos que apresentam o desembrulhar de produtos enquanto é feita
uma descrição e análise do item em questão. É prática comum no mercado tanto o envio de produtos como
48. Jornalista especializada em Relações Internacionais e História da “presentes” para divulgação, quanto parcerias comerciais com youtubers e influenciadores digitais neste formato.
Arte pelas Faculdades de Campinas (Facamp). Pós-graduanda em 50. Uma estimativa da própria Google, em 2017, indicou que o total de tempo que pessoas gastaram
Políticas do Cuidado com Perspectiva de Gênero pelo Conselho Latino- assistindo vídeos de unboxing, considerando apenas o acesso via celular, era o equivalente a assistir ao filme
americano de Ciências Sociais (Clacso). Coordenadora de comunicação “Simplesmente Amor” mais de 20 milhões de vezes (GOOGLE, 2017).
do programa Prioridade Absoluta e pesquisadora responsável pelo
51. Entende-se por publicidade infantil toda a comunicação voltada especialmente ao público infantil, com o
Núcleo de Estudos em Desigualdades e Infâncias do Instituto Alana.
objetivo de divulgar e estimular o consumo de algum produto, marca ou serviço (CRIANÇA E CONSUMO, 2018).

QUE CORPO É ESSE? | 141


E essa força econômica se dá não
apenas por meio da movimentação
de bilhões52 em produtos voltados a
essa faixa etária, como brinquedos,
produtos alimentícios e de higiene,
roupas, mas também pela influ-
ência de compra que uma criança
exerce dentro de casa. A pesquisa
Crianças Brasileiras (2019) consta-
tou que 88% dos pais e mães são
influenciados pelos filhos durante as
compras de supermercado, e 70%
deles gastam mais quando estão
acompanhados dos pequenos. A
É tendo por pano de fundo essa
criança é vista pelo mercado sob
insaciável necessidade de cresci-
três perspectivas: a consumidora
mento de mercado, como aponta
hoje, a consumidora do futuro, e
Klein (2013), que as estratégias
como promotora de vendas em seu
para cooptação das mentes e
círculo familiar e de amigos. Assim,
corações infantis se dão. Não à
as crianças são, cada vez toa, Ray Kroc, idealizador da rede
mais, bombardeadas por de lanchonetes McDonald’s – que
todos os tipos de anúncios, antes mesmo da criação do Mc
desde o nascimento, com Lanche Feliz já se valia do entre-
o objetivo de obter uma tenimento de crianças como uma
fidelidade duradoura dos estratégia de venda –, dizia fazer
consumidores à marca o parte mais do show business do
mais cedo possível. Nos que no ramo da alimentação (KIN-
Estados Unidos, o lema CHIN; O’CONNOR, 2012, p.204).
para promover a fidelidade
à marca é ‘do berço ao
túmulo’ (INTERNATIONAL
CONFERENCE ON
MULTIDISCIPLINARY
PERSPECTIVE ON CHILD AND
TEEN CONSUMPTION, 2012,
tradução nossa)
52. A título de exemplo, só o setor de brinquedos
no Brasil faturou R$ 7,290 bilhões em 2019, como
apontam dados da Associação Brasileira dos
Fabricantes de Brinquedos (2020).

QUE CORPO É ESSE? | 143


Mas, afinal, qual o problema dívida externa e direitos humanos e Proteção garantida na
da publicidade infantil? o relator especial sobre o direito à legislação
O principal é que pessoas de até Alguns autores falam saúde da ONU, de moldar, em longo Existe uma série de dispositivos
doze anos de idade não conse- mesmo de ritual prazo, o comportamento consu- legais que proíbem a comunicação
guem compreender o caráter per- publicitário (Kapferer, midor e financeiro da criança (UN, mercadológica voltada a crianças
suasivo da mensagem publicitária, 1985) quando descrevem 2016). Desta maneira, são aponta- para protegê-las desses impactos.
uma vez que não desenvolveram a atenção maravilhada dos como impactos diretos e indire- Em uma interpretação sistemática
“todas as ferramentas intelectuais que prestam as tos da publicidade infantil desde o desses dispositivos, toda publici-
que lhes permitiriam compreen- crianças quando olham aumento de distúrbios alimentares dade infantil é considerada abusiva
der o real, notadamente quando as propagandas. e doenças crônicas não transmissí- e é, portanto, ilegal no Brasil. A
esse é apresentado por meio de Isso significa que veis, como diabetes e hipertensão, à começar pela Constituição Federal
representações simbólicas (fala, independentemente adultização e erotização precoces, de 1988, que inaugura no país a
imagens), a publicidade tem maior da questão consciente especialmente de meninas, prejuí- chamada doutrina da proteção inte-
possibilidade de induzir ao erro e da identificação das zos ambientais, estresse familiar, até gral, reconhecendo crianças e ado-
à ilusão” (CONSELHO FEDERAL intenções da propaganda, o superendividamento das famílias. lescentes como sujeitos de direitos,
DE PSICOLOGIA, 2008). o que as crianças que devem ter sua peculiar condi-
É justamente dessa falta de experi- apreciam é o espetáculo ção de desenvolvimento respeitada.
ência da criança que a publicidade oferecido por ela É o artigo 227 que consolida essa
infantil se aproveita. Em “Compor- (KARZAKLIAN, 2000, salvaguarda, ao determinar que:
tamento do Consumidor”, a pro- apud SOUZA; BAADER, É dever da família, da
fessora Eliane Karsaklian indica que 2011, grifo nosso). sociedade e do Estado
o espetáculo de encantamento da assegurar à criança, ao
publicidade é construído de modo É importante lembrar também que adolescente e ao jovem,
que o teor persuasivo da mensa- a publicidade dirigida a crianças é com absoluta prioridade,
gem publicitária fique diluído para tida como um elemento basilar da o direito à vida, à
criação de associação prazerosa sociedade de hiperconsumo, sendo saúde, à alimentação,
com a marca e produto em questão. a principal responsável pela propa- à educação, ao lazer,
gação da associação da felicidade à profissionalização, à
a “um volume e intensidade de cultura, à dignidade, ao
desejos sempre crescentes, o que respeito, à liberdade e
por sua vez implica o uso imediato à convivência familiar
e a rápida substituição dos objetos e comunitária, além de
destinados a satisfazê-la” (BAU- colocá-los a salvo de toda
MAN, 2008, p.44). Essa comuni- forma de negligência,
cação tem, portanto, o potencial, discriminação, exploração,
como afirmaram o especialista em violência, crueldade e
opressão. (BRASIl, 1988)

QUE CORPO É ESSE? | 145


O compromisso de priorizar crian- O Código de Defesa do Consumi- O Marco Legal da Primeira Infância
ças e adolescentes, vale lembrar, dor (1990) aplica a regra da ab- (2016), reforçando essas previsões,
já havia sido firmado pelo Brasil soluta prioridade ao estabelecer a estabelece, no artigo 5º, como áreas
quando assinou a Declaração dos ilegalidade da publicidade que fala prioritárias para as políticas públi-
Direitos da Criança (1959), elabo- diretamente com a criança, apro- cas “a proteção contra toda forma
rada pela Assembleia Geral das veitando-se de sua deficiência de de violência e de pressão consu-
Nações Unidas, que estabelece que julgamento, fraqueza ou ignorância. mista, a prevenção de acidentes e
“a criança, por motivo da sua falta a adoção de medidas que evitem E no ambiente digital,
Art. 37. É proibida toda
de maturidade física e intelectual, a exposição precoce à comunica- como fica?
publicidade enganosa ou
tem necessidade de proteção e ção mercadológica”. Também o
abusiva. Todo esse arcabouço legal protege
cuidados especiais”. Conselho Nacional dos Direitos da
§ 2° É abusiva, dentre outras, a crianças da comunicação mercado-
O artigo 227 da Constituição Criança e do Adolescente (Conan-
publicidade discriminatória de lógica e exploração comercial em
Federal e as previsões do Estatuto da) – órgão colegiado formado por
qualquer natureza, a que incite qualquer espaço de sociabilização.
da Criança e do Adolescente, que representantes do governo e de
a violência, explore o medo Alguns ambientes, contudo, trazem
tanto reforçam a responsabilida- organizações da sociedade civil e
ou a superstição, se aproveite consigo particularidades em razão
de compartilhada na garantia dos movimentos sociais, que tem como
da deficiência de julgamento de suas lógicas operacionais, como
direitos, como indicam a condi- e experiência da criança, função a formulação e controle
é o caso do digital. Não é à toa,
ção peculiar de desenvolvimento desrespeita valores ambientais, da política de proteção integral à
como mostra o segundo episódio
de crianças e adolescentes53, há ou que seja capaz de induzir o criança e ao adolescente – emitiu
da segunda temporada da série
que se destacar, são fruto de uma consumidor a se comportar de resolução no tema. Publicada em
Que corpo é esse?, que, depois
escolha da sociedade que realizou forma prejudicial ou perigosa à 2014, a Resolução nº 163 dispõe que
de passar uma tarde toda vendo
intensa mobilização para que os sua saúde ou segurança. é abusiva “a prática do direciona-
vídeos no tablet, a primeira coisa
direitos, o melhor interesse e a Art. 39. É vedado ao fornecedor mento de publicidade e comunica-
que Dandara pede a sua mãe é “um
proteção integral desses sujeitos de produtos ou serviços, dentre ção mercadológica à criança com
gatinho Yuki de pelúcia e o kit de
fossem garantidos com prioridade outras práticas abusivas: a intenção de persuadi-la para o
coleira falante.”
absoluta pela legislação brasileira consumo de qualquer produto ou
IV - Prevalecer-se da fraqueza Em Admirável Mundo Novo, somos
(EGYDIO, 2020). serviço”, e define critérios para a
ou ignorância do consumidor, apresentados a salas de condicio-
identificação destas estratégias de
tendo em vista sua idade, saúde,
comunicação mercadológica, como namento em que crianças e ado-
conhecimento ou condição
o uso de linguagem infantil, efeitos lescentes eram submetidos a uma
social, para impingir-lhe seus
especiais e excesso de cores; de infinidade de mensagens “até que,
produtos ou serviços;
pessoas ou celebridades com apelo finalmente, o espírito da criança
ao público infantil; personagens ou seja essas coisas sugeridas, e que
apresentadores infantis; de distri- a soma dessas sugestões seja o
53. Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público
assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
buição de prêmios ou de brindes espírito da criança. E não somente
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. colecionáveis, entre outros. o espírito da criança. Mas também
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, o adulto, para toda a vida” (HU-
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer
atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. XLEY, 2014, p. 48). Considerando
Art. 6º Na interpretação desta Lei, levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as
exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da
a miríade de possibilidades que a
criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. (BRASIL, 1990)

QUE CORPO É ESSE? | 147


tecnologia apresenta, a transfor- reside a estratégia de lucro das
mação da internet em hipnopedia, redes sociais. É a partir dos valores
esse instrumento modulador de cognitivo, psíquico, social e emocio- pagos por empresas anunciantes,
pensamentos e comportamen- de todo o mundo, que Instagram, Não à toa, apesar de ilegais, as
nal, o que traz impactos diretos na
tos que nos mostra Huxley, não é YouTube e Facebook, redes sociais estratégias publicitárias voltadas
vivência da criança como produtora
algo restrito à ficção. Garantir um completamente gratuitas – no caso a crianças vêm se tornando cada
de conteúdo nesses espaços. Isso
ambiente digital ético e proveito- do YouTube, ainda, totalmente vez mais transmidiáticas. Mesmo
porque diversos ambientes virtu-
so, especialmente para crianças e aberto – seguem registrando lucros os programas e comerciais infantis
ais – em especial as redes sociais
adolescentes, é fundamental. recordes56. A título de exemplo, um transmitidos na TV constantemen-
– são concebidos para instigar uma
conteúdo publicitário publicado te convidam seus espectadores a
É certo que as crianças são criativas produção ininterrupta de conteúdo,
pela própria Google, em 2016, dizia acessarem seus sites, aplicativos, re-
em sua apropriação dos bens de junto ao qual caminha o aumento
des sociais e canais em plataformas
consumo e de mídia, e criam seus sucessivo dos índices de audiência
de vídeo na internet. Um monitora-
próprios significados a partir das e engajamento com curtidas, co- Se divertir no Youtube já mento dos principais canais pagos
histórias e símbolos da cultura (SEI- mentários e compartilhamentos. não é mais privilégio dos de programação infantil do Brasil
TER, 1998). Por meio da internet, as Cativadas por uma cultura de fama, adultos. E a sua marca constatou que anúncios voltados
crianças deixam de ser meras re- popularidade e superexposição, pode fazer parte dessa a dispositivos on-line do próprio
ceptoras de conteúdo, assumindo a estimulada pelo próprio design história. Seja produzindo canal ficaram em segundo lugar,
condição de sujeitos ativos, enquan- persuasivo das plataformas, as conteúdos originais empatados com produtos alimentí-
to produtoras de material audiovi- crianças cujos perfis atingem nú- para essa audiência ou cios e atrás, apenas, da veiculação
sual. Nas redes sociais, elas acessam meros significativos de seguidores entregando sua mensagem de comerciais sobre brinquedos
conteúdos indiscriminadamente e, e visualizações deparam-se com a por pacotes exclusivos do (ASSUMPÇÃO, 2019). Isso porque,
também, criam seus próprios perfis possibilidade de monetização de Youtube, como o Google no ambiente virtual, as estratégias
e canais e passam a alimentá-los sua atividade, que pode ocorrer Preferred. No pacote publicitárias são cada vez mais
com brincadeiras, fotos e vídeos por meio da própria plataforma família, você conta com complexas e sofisticadas, e ainda
nas quais elas são protagonistas e digital como recompensa a con- diversos outros canais para pouco transparentes, confundin-
apresentam elementos do cotidia- teúdos de alto alcance – caso crianças e famílias, com do-se com o conteúdo de entre-
no. Contudo, apesar de terem certa específico do YouTube54 – e da um alcance de 9,3 milhões tenimento. Existe uma infinidade
familiaridade com novas tecnolo- produção de conteúdo publicitá- de pessoas semanalmente de formas pelas quais a prática de
gias, elas não compreendem, com rio para marcas55. E é, justamente, (GOOGLE, 2016). publicidade infantil se materializa
responsabilidade e criticamente, na inserção de publicidade que no ambiente digital – dentre as mui-
os usos e riscos dessas ferramen-
tas estratégias, destacam-se games,
tas, em razão de estarem em fase
banners, aplicativos e, especialmen-
peculiar de desenvolvimento físico,
te, os conteúdos produzidos por
54. Em 2019, o Youtube anunciou novas políticas
para canais com conteúdo infantil, que já não podem celebridades digitais.
mais monetizar vídeos com base no perfil, registro
de preferências e comportamento do usuário. Além
disso, recursos como comentários e notificações
para os inscritos foram desativados em conteúdos 56. O Instagram, apenas com conteúdos
voltados às crianças (CATARUZZI; HARTUNG, 2019). publicitários, gerou mais de um quarto da receita
55. O youtuber mais bem pago do mundo em 2019 do Facebook em 2019 (TAGARRO, 2019). Já o
tinha oito anos de idade e ganhou US$ 26 milhões faturamento publicitário do Youtube foi de mais de
com seus vídeos (FATURANDO…, 2019). 15 bilhões de dólares (GOOGLE, 2020).

QUE CORPO É ESSE? | 149


É um modelo circular: as platafor- Em uma sociedade investida
mas criam um ambiente popular, na sobrevivência de todos,
sempre com novos conteúdos, o conceito de “o filho dos
atraindo usuários e, então, empre- tratamento de dados pessoais de outros” não se aplica. Todos
sas passam a veicular anúncios e crianças e adolescentes, em quais- se entendem como agentes
conteúdos publicitários, atingindo quer circunstâncias, sempre deverá 2012, p.12, tradução nossa). É nesse que cumprem um papel
todo o público de forma inevitável. ser o melhor interesse. Ou seja, por entendimento, de que, ao garantir- igualmente importante
Considerando que a circulação ace- meio de ações que promovam e mos o melhor interesse das crian- na construção de espaços
lerada de comunicação e informa- protejam direitos previstos no siste- ças, por extensão, toda a socie- seguros, estimulantes e
ção leva à circulação acelerada de ma jurídico nacional e internacional, dade será beneficiada, que se fia protetivos para crianças
capital, como pontua Han (2018), o com absoluta prioridade, abstendo- a responsabilidade compartilhada e adolescentes - on e
desenvolvimento desse modelo se -se de práticas, inclusive comerciais, instituída na Constituição. off-line. Um artigo sobre
deu exatamente para otimização que violem e explorem a vulnerabili- espaços arquitetônicos
Deste modo, cabe às empresas de
dos fluxos de monetização da audi- dade infantojuvenil. compartilhados, escrito no fim
tecnologia levar em conta os direi-
ência, publicidade e comportamen- dos anos 60 pela jornalista
Uma responsabilidade tos e melhor interesse de crianças,
to dos usuários (SILVA, 2020). dinamarquesa Bodil Graae,
compartilhada desde o desenho de seus produtos
Desse modo, a exploração comer- tinha como título “Cada
e plataformas à observância das
cial de crianças e adolescentes no Como, então, garantir uma experi- criança deveria ter cem pais
proteções e previsões estabeleci-
ambiente on-line pode se dar tam- ência digital proveitosa, significa- e mães”. Seguindo a mesma
das em lei. É o melhor método para
bém a partir da coleta e tratamen- tiva, crítica, com protagonismo e lógica, o autor português
evitar os efeitos perversos da vio-
to de dados pessoais, com risco participação para crianças? Essa é Valter Hugo Mãe (2012)
lação de direitos de crianças, com
potencial à segurança e com efeitos uma responsabilidade que envolve, escreveu que “a solidão é
implicações presentes e futuras. Já
no direito à privacidade, ao desen- como determina o artigo 227 de sobretudo a incapacidade de
o Estado deve cumprir seu dever de
volvimento sadio e à liberdade. Por nossa Constituição Federal, fa- ver qualquer pessoa como
proteção das crianças por meio da
essa razão, assim como é proibida mílias, Estado e sociedade, o que nos pertencendo, para que
fiscalização e aplicação das normas
a publicidade direcionada à criança, inclui empresas. nos pertença de verdade e
já existentes no Brasil.
também o uso de suas informações Em 1990, profissionais do mundo se gere um cuidado mútuo”.
A educação e a escola também têm
para aperfeiçoamento do direciona- todo reuniram-se em Aspen para É assumindo e exigindo
um papel fundamental a cumprir
mento e da mensagem publicitária a quarta Conferência Internacional que todos – especialmente
nesse campo, por meio do desen-
é vedado. É a Lei Geral de Proteção de Design. Aquele era, também, o empresas – também assumam
volvimento do pensamento crítico
de Dados (2018) que estabelece primeiro encontro cujo tema seria a esta responsabilidade coletiva
e da alfabetização midiática. Às
que o principal fundamento para o infância; com o objetivo de defi- que chegaremos a um mundo
famílias e cuidadores, cabe acom-
nir uma agenda para o futuro do em que cada criança seja
panhar e orientar as crianças no uso
design que atendesse “às necessi- valorizada coletivamente e
cotidiano das plataformas digitais.
dades das crianças e, por extensão, igualmente por quem ela é,
às necessidades da comunidade e não por quais vantagens
– e de todos nós” (CHERMAYEFF, comerciais ela proporciona.
1990, apud KINCHIN; O’CONNOR,

QUE CORPO É ESSE? | 151


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QUE CORPO É ESSE? | 157


SUGESTÕES DE
ATIVIDADES COM
OS PROGRAMAS
“QUE CORPO É
ESSE?”
Vanessa Pipinis57 Dando continuidade ao Que Ex-
ploração é Essa? e ao Que Abuso
é Esse?, a série Que Corpo é Esse?
apresenta um olhar mais aprofun-
dado sobre a sexualidade e a pro-
teção digital de crianças e adoles-
centes. As três edições compõem
um projeto maior, o Crescer sem
Violência, com foco na proteção
integral da infância e adolescência.
A partir de animações, informa- A linguagem do audiovisual é

QUANDO AUDIOVISUAL ções de qualidade baseadas em


conhecimento científico, de refe-
central em todo o projeto, e essa
escolha não é aleatória: o audio-

E MOBILIZAÇÃO SOCIAL renciais teóricos e práticos sobre


os temas e de provocações que
visual é uma importante ferra-
menta de informação, ampliação

SE ENCONTRAM: O PODER nos mobilizam para o engajamen-


to, o projeto promove uma causa
de repertórios, construção de
sentidos e de mobilização social.

EDUCATIVO DAS TELAS que é de todos nós: o enfrenta-


mento das violências contra crian-
Ultrapassando fronteiras, o cine-
ma, a televisão e os mais diversos
ças e adolescentes, em especial dispositivos móveis – como é o
das violências sexuais. caso dos smartfones, tablets e no-
tebooks – leva múltiplos conteúdos
às regiões mais remotas do nosso
Uma breve exploração sobre método de trabalho
país. Por meio dessas telinhas nos
com audiovisual em atividades educativas.
informamos, nos emocionamos,
nos conectamos com pessoas e
assuntos e também agimos para a
transformação social. O potencial
educativo das múltiplas e diversas
mídias, nesse contexto, precisa ser
reconhecido, especialmente quan-
do falamos da defesa e promoção
dos direitos humanos das nossas
crianças e adolescentes.

57. Doutoranda e mestre em Educação, atua em projetos voltados à promoção e


defesa dos direitos das crianças e adolescentes desde 2003.

QUE CORPO É ESSE? | 161


Como trabalhar com o audiovisual Só então, após a sensibilização ini-
em contextos educativos, entre- cial e a expressão livre de opiniões
tanto, ainda é um grande desafio e repertórios de cada uma e cada
para os profissionais que atuam na As atividades também foram um dos participantes, chegará a
Vale sempre ressaltar que, ao
educação formal ou não formal. formuladas com o intuito de hora de exibir o audiovisual. Ao
participarem de um ambiente
Pensando em caminhos para su- favorecer a integração dos gru- adotar essa proposta metodoló-
acolhedor para as mais diversas
perar esses entraves e promover o pos, possibilitando um ambiente gica, você notará um acúmulo de
falas e expressões, os participan-
trabalho com o audiovisual, consi- acolhedor, um debate construtivo conhecimentos, informações e
tes estabelecem relações entre as
derando a mobilização e o enga- e a assimilação de conteúdos de percepções mobilizadas pelos pró-
ideias debatidas, ressignificam o
jamento social em uma causa tão maneira leve e didática, conside- prios participantes, conteúdos pre-
que foi assistido, e reforçam o que
relevante como é o enfrentamento rando os públicos-alvo de cada ciosos que podem (e devem) ser
é mais relevante entre os conteú-
das violências contra crianças e um dos episódios. Vale lembrar retomados durante a condução das
dos apresentados, isto é, o que tem
adolescentes, este capítulo apre- que as animações podem ser exi- etapas subsequentes da oficina.
efetiva relação com suas respec-
senta algumas sugestões de ativi- bidas e trabalhadas independen- Para facilitar a retomada de ideias,
tivas realidades. Neste momento,
dades com os episódios das duas temente da ordem dos episódios, é possível anotar palavras-chave e
também é essencial que a media-
temporadas do Que Corpo é Esse? e que cabe sempre ao mediador a expressões que forem partilhadas
ção fomente não apenas o interes-
O material a seguir foi elaborado definição de qual tema será abor- ao longo do diálogo.
se pela temática, mas que sensibi-
com o objetivo de orientar edu- dado primeiro, de acordo com os Logo após a audiência da anima-
lize o grupo para a autoproteção,
cadoras, educadores, facilitadoras objetivos da atividade proposta. ção selecionada, sugerimos que
caso a atividade seja desenvolvida
e facilitadores de oficinas no uso as pessoas participantes possam
Uma metodologia dividida com crianças e adolescentes.
dos conteúdos em audiovisual, partilhar suas impressões e in-
tendo sempre como ponto de em etapas terpretações sobre os conteúdos
Por fim, considerando os enca-
Após a definição do tema, suge- minhamentos finais do encontro
partida a escuta atenta e livre de assistidos. Para tanto, algumas
rimos que a mediação da ativi- formativo, sugerimos a realização
preconceitos dos repertórios e perguntas podem funcionar como
dade percorra algumas etapas. de uma atividade complementar, ou
vivências das e dos educandos e bons roteiros de mediação: O que
A primeira delas é o acolhimento seja, uma atividade com objetivo de
a motivação para a transformação vocês viram? O que ouviram? O
do grupo participante, etapa que sistematizar, organizar e, se possí-
da realidade local, movimentos ca- que sentiram? São três questões-
pode assumir a forma de dinâmica vel, aprofundar os debates prévios.
racterísticos de um processo for- -chave que orientam a organização
ou de roda de diálogo. Este é um O encerramento desse arco peda-
mativo dialógico e crítico. Como das falas do grupo, direcionando a
momento precioso para levantar gógico se dá com a socialização
sugestões que são, as atividades uma análise crítica e mais profunda
saberes prévios do grupo, pro- das aprendizagens proporcionadas
podem ser alteradas e adaptadas do material exibido.
blematizar noções preexistentes, pelo trabalho em grupo e uma
à sua realidade, ao perfil do seu
e ainda ajustar as intervenções e avaliação do encontro, cabendo
público e ao seu contexto.
abordagens que serão adotadas ao sempre à mediação incentivar a tro-
longo da oficina, de forma a dialo- ca de experiências e saberes entre
gar com os repertórios partilhados. todos e todas participantes.

QUE CORPO É ESSE? | 163


Todas essas etapas compõem um mosaico maior, uma Caso a oficina planejada tenha
estrutura que pode nortear o trabalho educativo com como público-alvo pessoas adultas
o audiovisual em diversos contextos. As sugestões de (famílias e profissionais integran-
atividades que integram este capítulo seguem esse tes da rede de proteção ou outros
método de trabalho, composto por ações encadeadas serviços e equipamentos), é impor-
com objetivos e etapas bem delimitadas, e pode ser tante oportunizar momentos de
mais facilmente visualizado na mandala a seguir: reflexão sobre a complexidade da •E
 sclarecer ao grupo a importân-
violência sexual contra crianças e cia da autoproteção de crianças
adolescentes, contemplando as di- e adolescentes, sendo a educa-
ferentes bagagens culturais, emo- ção sexual estratégia impres-
cionais e teóricas sobre o tema, a cindível para promoção de uma
fim de firmar entre todas e todos infância e adolescência livres de
os participantes a necessidade de violência sexual;
1. Atividade um efetivo compromisso com a •P
 romover uma reflexão crítica
7. Avaliação 2. Problematização
integrada proteção da infância e adolescên- sobre os desafios para a proteção
cia, nos seguintes termos: integral de crianças e adolescen-
•R
 efletir com o grupo que a tes na sociedade digital.
sexualidade não se restringe ao
ato sexual em si ou aos órgãos
Por fim, vale lembrar que é muito
Construção genitais de cada um, mas que
6. Socialização 3. Exibição importante reforçar que a vio-
da aprendizagem
coletiva do do vídeo é mais complexa e que envol-
conhecimento lência sexual contra crianças e
ve sensações e sentimentos de
adolescentes deve ser denunciada,
diversas esferas da nossa vida,
ainda que em caso de suspeita, e
desde o nosso nascimento até a
que todas e todos têm um papel
nossa morte;
primordial na promoção e defesa
•P
 onderar junto ao grupo que fa- dos direitos humanos de meni-
5. Atividade 4. Leitura da lar em sexualidade humana ainda nos e meninas. O Disque 100, os
complementar imagem é, em muitos casos, considerado conselhos tutelares, delegacias
um tabu, mas que precisamos de polícia ou o 190, em caso de
avançar nesse quesito para que flagrante, são ferramentas dispo-
nossas crianças e adolescentes níveis e que podem ser acessadas
possam se proteger e procurar por todas e todos nós. Desejamos
ajuda caso sejam vítimas de a você um excelente trabalho!
alguma forma de violência;

Inspirado no texto “Proposta Pedagógica” do Caderno 1 do Kit


Energia que transforma, produzido pelo Canal Futura em 2012.

QUE CORPO É ESSE? | 165


Mãos à obra!
As sugestões estão classificadas
por faixa etária, conforme os se-
guintes ícones:

Para educadores /
Rede de Proteção

Para familiares

Para crianças e/ou


adolescentes

Para adolescentes

Você pode adaptar cada uma

TEMPORADA 1:
das atividades às faixas etárias e
públicos diversos. A depender do

SUGESTÕES DE ATIVIDADE
espaço e estrutura que você pode
usar para a realização da atividade,
as etapas sugeridas podem ser
ampliadas ou reduzidas.

QUE CORPO É ESSE? | 167


1. EU TENHO UM CORPO
Dinâmica: Que Corpo é Esse?

Para crianças e/ou adolescentes

Esta atividade tem o objetivo de promover uma refle- 3. S


 olicitar que as crianças observem os colegas, seus pró-
xão inicial sobre a percepção corporal e sobre o que é prios corpos, e que nomeiem cada parte do corpo. Nes-
o corpo. Além disso, possibilita a identificação do nível te momento, se o mediador tiver alguma figura humana,
de conhecimento que as crianças têm sobre seus pró- em desenho ou um boneco, poderá usar o recurso para
prios corpos e a abordagem de alguns conceitos-cha- a mediação da atividade. Caso contrário, é possível pedir
ves para autoproteção nesta faixa etária, como percep- para que as crianças toquem suas cabeças, seus pés,
ção corporal, privacidade e diferenças entre corpos. seus braços, pernas e barriga.
Tempo estimado: 30 min. 4. A
 profundar a brincadeira a partir de novas perguntas:
Nossos corpos são iguais? Nossos corpos são diferen-
tes? Quais as diferenças entre nossos corpos? Meninos
Passo a passo: são diferentes de meninas? Identifique junto ao grupo as
1. C
 onvidar as crianças para caminharem pelo espaço. diferenças percebidas.
Elas podem dançar, pular, correr (se o espaço permi- 5. E
 xibir o episódio 1. Na sequência, perguntar às crianças:
tir) e observar seus corpos em relação ao ambiente. o que vocês viram no desenho? Quem são os persona-
Enquanto as crianças se movem, o mediador pode gens que aparecem? O que eles estão fazendo?
incentivar algumas reflexões: você é grande ou 6. A
 proximar o tema tratado da realidade do grupo. Neste
pequeno? E eu, sou grande ou sou pequeno? Você momento, você pode perguntar: “Quem dá banho
é maior ou menor que a cadeira (ou outro objeto em você?”, “Quem pode cuidar da gente?” e também
disponível no ambiente)? Você é maior ou menor que “Quem pode tocar no pipi ou na pepeca?” (ou outro
esse giz de cera (ou outro objeto pequeno disponível nome de conhecimento das crianças participantes).
no ambiente)? 7. E
 ncerrar a roda de conversa reforçando que o toque
2. S
 olicitar que as crianças observem seus próprios íntimo só deve ser realizado por um adulto com objetivo
corpos enquanto se movem, estimulando-as a partir de cuidar ou limpar, e que se outra pessoa tocar no pipi,
de comandos como: “agora todo mundo virou uma pepeca ou em outras partes que cause medo, dor ou
estátua!” ou “agora todo mundo deve sentar no chão tristeza, devemos sempre contar para a mamãe, papai
com as mãos para cima! ” e “agora todo mundo deve ou outro adulto de confiança.
andar devagarinho”, a fim de que a criança perceba
seu corpo em relação ao espaço que a cerca e aos
corpos dos colegas.

QUE CORPO É ESSE? | 169


2. PRIVADO E PÚBLICO
Dinâmica: Desenhando a privacidade

Para crianças e/ou adolescentes

Esta atividade tem o objetivo de avançar no tema da 4. A


 pós a exibição do episódio, pergunte às crianças:
percepção corporal e trabalhar os seguintes conceitos- “O que vocês viram no desenho? Quem são os per-
-chave: privacidade, a diferença entre toque prazeroso sonagens que aparecem? O que eles estão fazen-
e invasivo, e segurança. do? Podemos puxar as roupas dos nossos amigos?
Onde devemos usar roupas e onde não precisamos
Materiais necessários: Canetas coloridas e hidrocor,
usá-las? Podemos tocar nossos corpos?” Lembre-se
lápis de cor, papel sulfite. Outros materiais disponíveis.
de reforçar com as crianças que não se deve puxar
Tempo estimado: 40 min.
as roupas dos colegas, nem se despir em lugares
em que a criança não esteja em segurança. Tocar-se
também é saudável e faz parte do desenvolvimen-
Passo a passo: to da criança, mas existem lugares adequados e
1. C
 onvide o grupo para organizar um círculo e propo- cuidados de higiene para isso. Perguntar às crianças
nha uma conversa: “Nossos corpos são iguais? Nos- se elas sabem em quais lugares podem se tocar e
sos corpos são diferentes? Quais as diferenças entre andar sem roupas.
nossos corpos? Meninos são diferentes de meninas?”
5. P
 edir para que as crianças desenhem Dandara, indi-
2. E
 stimule as crianças a perceberem as roupas que cando os lugares onde ela deve usar roupas e onde
elas usam, identificando as diferenças entre os ela pode ficar à vontade.
corpos. Auxilie a criança a identificar o nome das
6. P
 ara encerrar a atividade, lembre-se de estimular
roupas que são usadas em cada parte dos seus cor-
as crianças e refletirem sobre os lugares onde elas
pos. Neste momento, algumas perguntas como “qual
podem tocar os próprios corpos, onde podem ficar
o nome da roupa que usamos para cobrir os pés?”;
sem roupas, e que devem pedir ajuda caso sintam
“nome da roupa que usamos para cobrir a barriga?”
medo ou tristeza diante alguma situação ou toque
e “qual o nome que usamos para cobrir o pipi e a
provocados por um adulto ou outra criança.
pepeca?” (ou outro nome que for de conhecimento
7. P
 or fim, uma exposição com os desenhos das crian-
das crianças) podem contribuir nesta construção.
ças pode ser organizada.
3. Identificar junto ao grupo as diferenças percebidas e
exibir, na sequência, o episódio 2.

QUE CORPO É ESSE? | 171


3. É DE MENINO OU DE MENINA?
Dinâmica: Brincadeiras e brincantes

Para crianças e/ou adolescentes

Esta atividade propõe uma reflexão sobre estereótipos de 3. P


 erguntar ao grupo: “Existe brincadeira de menino e
gênero, além de permitir ao educador trabalhar temas vol- brincadeira de menina? E cores de meninas e meni-
tados à identidade e à construção social do gênero, tendo nos?” Provoque as crianças a refletirem sobre o senti-
como objetivo fomentar relações harmônicas e não-exclu- do do brincar e, na sequência, exiba o episódio 3.
dentes entre os integrantes do grupo. 4. L
 ogo após a audiência, pergunte às crianças: “O que
Tempo estimado: 50 min. vocês viram no desenho? Quem são os personagens
que aparecem? O que eles estão fazendo? Quais as
brincadeiras que aparecem no desenho? Por que a
Passo a passo: Milena não queria que a Dandara fosse um dinossau-
1. Convide as crianças para uma brincadeira! Mas antes ro? Meninas não podem ser heroínas? Meninos não
pergunte ao grupo: “O papai, a mamãe, a vovó ou a titia podem cuidar da casa?”
brincam com vocês? Quais as brincadeiras que vocês 5. H
 ora de brincar! Peça para as crianças escolherem
conhecem?” duas brincadeiras antigas e que brinquem juntos,
2. Estimular as crianças a conhecerem outros tipos de integrando meninos e meninas e promovendo um
brincadeiras: vale a pena fazer uma pesquisa na inter- ambiente acolhedor e colaborativo entre todos.
net e levar imagens de brincadeiras antigas para que as
crianças conheçam, como peteca, o jogo do pião, bolinha
de gude e cabra-cega, por exemplo. Você também pode
levar exemplos de brincadeiras regionais e brincadeiras
africanas e afro-brasileiras58.

58. https://www.geledes.org.br/apostilas-jogos-e-brincadeiras-africanas-e-afro-brasileiras/

QUE CORPO É ESSE? | 173


4. O DIREITO DE DIZER NÃO
Dinâmica: Não é não!

Para crianças e/ou adolescentes

Essa atividade propõe uma reflexão sobre os limites do to- 3. E


 xibir o episódio 4 e abrir para a conversa: “O que
que, estimulando as crianças a identificarem as diferenças vocês viram no desenho? Quem são os personagens
entre um toque carinhoso e um toque abusivo. Também que aparecem? O que eles estão fazendo? O que
possibilita ao mediador trabalhar questões-chave como devemos fazer quando não queremos ser abraçados
privacidade, toque abusivo e segurança. ou beijados?”
Tempo estimado: 30 minutos 4. R
 eforçar a importância de dizer não caso a criança se
sinta desconfortável diante de alguma situação criada
por um adulto, outra criança ou adolescente. Trabalhe
Passo a passo: com ela o conceito de adulto de confiança, aquele
1. Convidar o grupo para uma roda de conversa, perguntan- que possa ajudá-la caso uma situação de desconfor-
do se gostam de carinho. Algumas perguntas podem con- to, como essa, aconteça: mamãe, papai, vovó e até
tribuir na atividade: “Quem gosta de beijo? E quem gosta mesmo a professora podem ser adultos referência
de abraço? Todo mundo pode nos abraçar e nos beijar?” para o pedido de ajuda. Deixe evidente que o adulto
2. P
 ara contribuir na conversa, combine com as crianças de confiança não precisa ser, necessariamente, os
dois sinais: um sim com a cabeça (movimentos para pais ou alguém que more na mesma casa.
frente e para trás) e um não com os dedinhos. Logo
na sequência, dê exemplos: “A vovó pode nos beijar e
abraçar? A mamãe e o papai podem nos abraçar e bei-
jar? Quando podem e quando não podem? Uma pessoa
desconhecida pode nos abraçar e beijar?” O mediador
também pode citar outros exemplos e a cada resposta
observe as respostas das crianças, identificando eventu-
ais desconfortos.

QUE CORPO É ESSE? | 175


5. O JEITO DE CADA UM
Dinâmica: Respeito é bom e…
todo mundo gosta!

Para crianças e/ou adolescentes

3. E
 xibir o episódio 5. Na sequência, abrir um diálogo
Essa atividade propõe uma reflexão sobre o respeito, com os participantes sobre o que foi exibido: “O que
auxiliando crianças e adolescentes a identificarem as vocês viram no desenho? Quem são os personagens
mudanças que ocorrem nessas fases da vida e a lidarem que aparecem? O que eles estão fazendo?”
com elas de maneira empática e inclusiva. É ainda uma
4. E
 m pequenos grupos solicitar que os participantes
oportunidade para o mediador abordar temas como
elaborem dois cartazes com os seguintes temas:
bullying, cultura de paz na escola e construção de
RESPEITO e DESRESPEITO. Na sequência, organize
ambientes colaborativos e inclusivos entre crianças e
uma exposição do material produzido e peça para
adolescentes.
que todos circulem pelo ambiente, conhecendo as
Materiais necessários: Canetas coloridas e hidrocor, fita produções dos colegas.
crepe para montar um mural, cartolina, papel sulfite e
5. E
 ncerrar a atividade perguntando aos participantes
outros materiais disponíveis.
como se sentiram lendo os cartazes dos colegas. É
Tempo estimado: 40 minutos. importante que o mediador auxilie o grupo a iden-
tificar as emoções decorrentes de situações de res-
peito e desrespeito, sinalizando que nos ambientes
Passo a passo: em que o respeito prevalece todos saem ganhando.
1. C
 onvidar o grupo a formar um círculo e pedir para
que fiquem alguns minutos em silêncio, respirando
profundamente. Se os participantes se sentirem à
vontade, podem fechar os olhos.
2. N
 a sequência, pergunte ao grupo: “O que é respeito
para vocês?” É importante que o mediador incentive
os participantes a expressarem o que entendem por
respeito e que pactue com os participantes a impor-
tância do silêncio de todos enquanto alguém fala. O
não julgamento e acolhimento são muito importantes
neste momento.

QUE CORPO É ESSE? | 177


6. INTERNET E MÍDIA
Dinâmica: Eu me protejo na internet!

Para crianças e/ou adolescentes

Essa atividade tem por objetivo chamar a atenção de 3. E


 xiba o episódio 6 e pergunte ao grupo: O que
crianças e adolescentes para os perigos da internet, vocês viram no desenho? Quem são os personagens
reforçando que no ambiente virtual nem tudo é o que que aparecem? O que eles estão fazendo?
parece. Também possibilita ao mediador trabalhar te-
4. E
 m pequenos grupos, peça aos estudantes para fa-
mas como privacidade e segurança na internet. Para
zerem uma pesquisa sobre os termos que aparecem
complementar essa atividade, você pode consultar
no vídeo: grooming, sexting e nude. Peça para que
os textos relativos à segunda temporada, com foco
cada grupo também apresente formas de se prote-
exclusivo na proteção digital, contidos no capítulo 6
ger em cada um desses casos.
deste caderno.
5. Encerre a atividade perguntando aos participantes
Tempo estimado: 1 hora.
como se sentiram conhecendo esses riscos, e quais
precauções tomarão ao partilhar informações na
internet. Reforce que sempre é necessário tomar
Passo a passo:
cuidados no uso da internet e, caso seja possível, o
1. C
 onvide o grupo a formar um círculo e pergunte aos mediador pode pedir para que os participantes co-
alunos como eles fazem novos amigos. Identifique nheçam sites de ajuda como a Helpline, da Safernet,
com o grupo os espaços de socialização por onde e que manuseiem juntos, reforçando sempre que
circulam, como grupos comunitários, religiosos, de perfis suspeitos devem ser denunciados.
recreação, esportivos, e quais os grupos virtuais dos
quais participam. Pergunte aos participantes se já
fizeram novos amigos pela internet, e deixe o es-
paço aberto para, se não houver constrangimento,
indicarem se já se relacionaram amorosamente com
alguém pela rede.
2. N
 a sequência, peça ao grupo para listar os aspec-
tos positivos e negativos de se relacionar com al-
guém pela internet. O mediador pode tomar notas
ou pode pedir para que os participantes anotem
numa cartolina.

QUE CORPO É ESSE? | 179


7. CORPO EM MUTAÇÃO
Dinâmica: A Caixa Mágica

Para crianças e/ou adolescentes

Essa atividade tem por objetivo abordar como ado- 3. E


 xiba o episódio 7, perguntando, na sequência, ao
lescentes lidam com as mudanças que acontecem em grupo: “O que vocês viram no desenho? Quem são
seus corpos durante a puberdade. Também possibilita os personagens que aparecem? O que eles estão
ao mediador trabalhar conceitos-chave como desen- fazendo? Será que as questões apresentadas pelos
volvimento do corpo, mudanças físicas e emocionais, personagens são iguais às nossas?”
desejo e afeto. 4. E
 m seguida, abra a caixa de perguntas e leia as
Materiais necessários: Canetas coloridas e hidrocor, questões junto com os participantes, propiciando
uma caixa ou sacola, papel sulfite, canetas e lápis di- um momento em que todos possam contribuir para
versos e outros materiais disponíveis as soluções das dúvidas apresentadas e para o aco-
Tempo estimado: 1 hora lhimento das questões levantadas.
5. P
 ara finalizar a atividade é possível fazer uma ro-
dada de falas livres em que todos possam partilhar
Passo a passo: como se sentiram durante a atividade. Caso o me-
1. C
 onvide o grupo para uma conversa sobre as mu- diador tenha contato frequente com o grupo, a caixa
danças que estão percebendo em seus corpos e poderá ser sempre usada e aberta em momentos
emoções. Reforce que é uma conversa franca e que o destinados às conversas sobre autoproteção.
ambiente é acolhedor, portanto, todas as dúvidas são
bem-vindas. Para construir esse ambiente e oportu-
nizar a participação de todos, o mediador apresenta
a Caixa Mágica (uma caixa ou uma sacola) em que
todos poderão colocar suas respostas para as se-
guintes perguntas: “Quais mudanças eu percebo no
meu corpo e nas minhas emoções? Como eu tenho
lidado com elas?”
2. O
 portunize um ambiente em que os participan-
tes possam escrever frases ou palavras-chave em
privacidade. Na sequência, os participantes devem
depositar suas anotações na Caixa Mágica.

QUE CORPO É ESSE? | 181


8. EMPODERAMENTO DE MENINAS
Dinâmica: Meu corpo, minhas regras!

Para crianças e/ou adolescentes

Essa atividade tem por objetivo trabalhar temas como 3. P


 eça para que se organizem em círculos e conver-
estereótipos de gênero, assédio e violência contra meni- sem sobre os personagens criados: “O que é ser
nas. Também é uma boa oportunidade para os media- menino pra vocês? E ser menina? Existe um jeito
dores trabalharem temas transversais como cultura de certo de ser menina ou menino? Quais as diferenças
paz nos ambientes educativos e machismo estrutural. que vocês percebem?”
Materiais necessários: Canetas coloridas e hidrocor, 4. E
 xiba o episódio 8, realizando, na sequência um
fita crepe, papel pardo, cartolina, papel sulfite, papéis breve debate sobre o que foi assistido.
coloridos, retalhos, revistas e jornais para colagem e 6. O
 portunize um ambiente em que os participantes
outros materiais disponíveis possam refletir criticamente sobre as representações
Tempo estimado: 1 hora que criaram anteriormente, ressignificando ou refor-
çando ideias construídas nos grupos. Lembre-se de
reforçar com o grupo que a categoria gênero é uma
Passo a passo: construção social que atribui determinados papéis a
1. C
 onvide os participantes para se organizarem em meninos e meninas, deixando especialmente as me-
pequenos grupos. Cada grupo deve desenhar, em um ninas mais sujeitas a toda forma de assédio, abuso e
papel pardo ou cartolina, a silhueta de uma pessoa violência sexual.
em tamanho natural. Os participantes podem usar 7. P
 ara finalizar, organize uma rodada de falas livres em
seus próprios corpos como molde para esta ativida- que todos possam partilhar como se sentiram, o que
de. O grupo também deve escolher se o personagem aprenderam, e se mudariam alguma coisa na repre-
será um menino ou menina e caracterizá-lo de acor- sentação de seus personagens.
do com os repertórios de masculino e feminino que
possuem, no que diz respeito às roupas, acessórios,
corte de cabelo, etc. Os participantes podem dese-
nhar e fazer colagens, dando um nome ao persona-
gem criado.
2. L
 ogo na sequência, peça para que cada grupo apre-
sente seu personagem. Coloque todos os perso-
nagens criados em uma parede ou espaço em que
podem ser facilmente visualizados.

QUE CORPO É ESSE? | 183


9. MEU CORPO, MINHAS REGRAS
Dinâmica: Entendendo melhor os conceitos.

Para adolescentes

Essa atividade tem por objetivo trabalhar temas como 3. E


 xiba o episódio 9 e pergunte ao grupo: “O que
diversidade e orientação sexual, bem como consciência vocês viram no desenho? Quem são as personagens
sobre o momento e condição adequada para o início da que aparecem? O que elas estão fazendo? O que
vida sexual. É ainda uma oportunidade para mediadores mais chamou atenção?”
trabalharem temas como promoção da saúde e consci-
4. A
 bra a discussão perguntando quais temas apresen-
ência corporal.
tados no vídeo são semelhantes aos apresentados
Materiais necessários: Canetas coloridas e hidrocor, fita nos murais, e quais são diferentes. Algumas per-
crepe, papel pardo, cartolina, papel sulfite, papéis colo- guntas-chave podem contribuir nessa reflexão, tais
ridos, revistas e jornais para colagem e outros materiais como “sexualidade e sexo são as mesmas coisas?”
disponíveis. e “quais cuidados devemos ter antes de termos a
Tempo estimado: 1 hora primeira relação sexual?”
5. S
 e possível, apresente métodos contraceptivos aos
participantes, oportunizando momentos em que
Passo a passo: possam manuseá-los. O posto de saúde mais próxi-
1. C
 onvide os participantes a refletirem sobre a palavra mo pode contribuir nesta atividade.
sexualidade. Não é preciso partilhar o que pensaram 6. P
 ara finalizar a atividade, peça aos participantes
a respeito. Em pequenos grupos, peça que construam que pesquisem o endereço do posto de saúde
um mural sobre os temas que relacionam à sexualida- mais próximo de sua residência ou escola, para que
de. Disponibilize jornais e revistas, além de material de saibam onde podem buscar orientações e preser-
papelaria para a montagem dos murais. vativos. Encerre com uma roda de conversa sobre o
2. N
 a sequência, peça aos participantes que socializem debate realizado.
seus murais com os demais colegas. O mediador
deve anotar as palavras-chave que aparecerem nas
apresentações e sintetizar as discussões, retomando
os temas trazidos pelo grupo.

QUE CORPO É ESSE? | 185


10. INTERNET
Dinâmica: #MANDANUDES,
mas com cuidado

Para adolescentes
3. A
 o final, cada integrante receberá seu retrato e
Esta atividade tem por objetivo trabalhar temas como todos serão convidados a se sentarem em círculo.
proteção na internet, relacionamento interpessoal e Abra uma discussão no coletivo a partir das seguin-
violência de gênero. Para se preparar para essa ativida- tes questões-provocadoras: “Como foi ser retratado?
de você pode consultar os textos dos capítulos 5 e 6. Como vocês escolheram a pose que fizeram? Como
Materiais necessários: Canetas coloridas e hidrocor, foi retratar alguém? Qual a responsabilidade que
papel sulfite e outros materiais disponíveis temos com esses retratos?”
Tempo estimado: 1 hora 4. E
 xiba o episódio 10 e abra um debate com o grupo.
Algumas questões podem ajudar a mobilizar esta
conversa: “O que vocês viram no vídeo? Quem são
Passo a passo: as personagens que aparecem? O que elas estão
1. C
 onvide os participantes a caminharem pelo ambien- fazendo? O que mais chamou a atenção? Qual a
te enquanto uma música toca ao fundo. Assim que o diferença entre um “retrato que desejamos mostrar”
som for desligado, cada participante deve associar- e um “retrato íntimo”?
-se à pessoa mais próxima. 5. O
 portunize um momento de reflexão sobre pri-
2. P
 eça aos participantes que fiquem frente a fren- vacidade e segurança na internet. É interessante
te. Cada um deles assumirá o papel de retratista e também pedir aos participantes para nomearem
retratado. Nos primeiros 10 minutos, solicite que um as emoções e consequências que podem aparecer
integrante da dupla faça uma pose na qual gosta- após o vazamento de uma foto íntima.
ria de ser retratado, enquanto o outro assumirá a 6. F
 inalize a discussão solicitando que elaborem uma
função de retratista, desenhando o colega. Após a pesquisa na internet sobre casos reais de vazamento
finalização do desenho, os papéis devem ser inver- de nudes e que busquem informações sobre como
tidos. Reforce com o grupo que o objetivo não é a devem se proteger. Socialize as aprendizagens e
qualidade estética do desenho, mas a representação encerre a discussão reforçando a importância do au-
respeitosa do colega. tocuidado. Lembre-se de reforçar a importância de
ferramentas como a Helpline, da Safernet, canal em
que os adolescentes podem pedir ajuda e denunciar
esses casos de violência.

QUE CORPO É ESSE? | 187


11. AMORES E RELAÇÕES ABUSIVAS
Dinâmica: Amar é…

Para adolescentes

Essa atividade tem por objetivo trabalhar temas como 4. E


 xiba o episódio 11. Na sequência, realize uma análi-
prevenção da gravidez indesejada e infecções sexual- se do que foi assistido.
mente transmissíveis (ISTs), além de abordar questões
5. P
 eça a todos que se sentem em círculo e indiquem
como relacionamentos abusivos e saúde emocional.
os pontos mais importantes observados no vídeo. Em
Também possibilita aos mediadores trabalharem temas
trios ou pequenos grupos, solicite que montem um
como promoção da saúde e consciência corporal.
mural a partir do tema “Amar é...”, orientando para
Materiais necessários: etiquetas coloridas que contemplem o que entenderam por relações sau-
Tempo estimado: 1 hora dáveis e promoção da saúde. Socialize as produções
e encerre retomando a importância da proteção du-
rante a relação sexual. Recorde aos adolescentes que
Passo a passo: o acesso a métodos contraceptivos na rede pública
1. P
 eça aos participantes que fiquem de pé, em círculo. de saúde e a informações de qualidade é um direito.
Cada integrante deve receber diversos adesivos de 6. C
 aso os participantes não saibam onde fica o posto
uma mesma cor, que devem ser colados na sua blusa, de saúde, oportunize um trabalho de pesquisa para
de acordo com a seguinte legenda: que localizem os serviços mais próximos das suas
Branco = imune residências.
Verde = protegido
Vermelho = ISTs (apenas dois participantes
recebem a cor vermelha)
2. O significado das cores não deve ser revelado ao
grupo. O mediador orienta que assim que a música
começar a tocar todos podem se movimentar pelo
ambiente, dançando com os colegas se quiserem.
Toda vez que alguém se tocar, devem trocar adesivos.
3. Ao final da atividade, peça que o grupo identifique
quais cores receberam. Explique o significado de
cada uma delas e oportunize um momento para
que reflitam sobre a dinâmica e as emoções que
experimentaram.

QUE CORPO É ESSE? | 189


12. ESTEREÓTIPOS DE GÊNERO
Dinâmica: Jogo da bola

Para adolescentes

4. P
 eça a todos que se sentem em círculo e observem
Essa atividade tem por objetivo trabalhar temas como
o resultado da atividade. Algumas perguntas podem
estereótipos de gênero, homofobia e violência.
contribuir com a reflexão: “O que essas palavras nos
Materiais necessários: uma bola (pode ser uma bola dizem? Existe um único jeito de ser homem e um
de papel), cartolina, papel pardo, canetas hidrocor único jeito de ser mulher? Quais os outros jeitos que
Tempo estimado: 1 hora vocês conhecem?” Introduza o conceito de estereó-
tipo de gênero.
5. E
 xiba o episódio 12 e, na sequência, abra o debate: “O
Passo a passo: que vocês viram no vídeo? Quem são as personagens
1. P
 eça aos participantes para ficarem de pé, forman- que aparecem? O que elas estão fazendo? Quais es-
do um círculo. O mediador entrega uma bola (pode tereótipos de gênero vocês perceberam no vídeo?”
ser bola de papel) para um dos integrantes e pede 6. A
 pós a conversa, pedir para que pesquisem, em
para que complete a frase: “Ser homem é...”. Ao pequenos grupos, casos reais de violência de gêne-
terminar a frase, a bola deve ser jogada para outro ro. Essa pesquisa pode ser feita na internet ou em
integrante, que completará a mesma frase, e assim jornais e revista. Também é possível que o mediador
sucessivamente. selecione reportagens que retratem casos de vio-
2. A
 pós a participação de todos, peça que completem lência de gênero e que promova uma análise sobre
a seguinte frase: “Ser mulher é...”. A bola deve ser esses conteúdos.
passada com agilidade, para que não tenham tempo 7. Socialize as aprendizagens e encerre a discussão.
de reflexão e que as respostas sejam instantâneas.
3. Durante a realização da atividade, peça a ajuda de um
voluntário, que deverá anotar numa cartolina ou lousa
as palavras destacadas pelo grupo em duas colunas:

Ser homem é… Ser mulher é...

QUE CORPO É ESSE? | 191


1. SHARENTING
Dinâmica: Você se lembra?

Para educadores / Redes de Proteção


Para familiares
Para adolescentes

Esta atividade tem como objetivo promover uma


reflexão crítica e sensibilização sobre privacidade e
proteção infantil no mundo digital. O roteiro pode ser
adaptado e realizado com adolescentes, educadores,
integrantes da rede de proteção e responsáveis por
crianças e adolescentes.

TEMPORADA 2: Materiais necessários: tarjetas, canetas coloridas e


hidrocor, fita crepe para montar um mural

SUGESTÕES DE ATIVIDADE Tempo estimado: 40 minutos

Passo a passo:
1. Acolha o grupo e convide os participantes a cami-
nharem no ambiente em que a atividade está sendo
realizada. Enquanto o mediador coloca uma música
tranquila de fundo, o grupo caminha lentamente, ob-
servando seus corpos, suas mãos, a pisada no chão,
os sons que compõe a música e os elementos que
estão no ambiente (se não houver música, o media-
dor pode solicitar que prestem atenção nos ruídos e
sons que podem ser percebidos). O mediador avalia
quantos minutos são necessários para que o grupo
apure a percepção corporal e ambiental. O objetivo
nesse momento é exercitar o foco e a percepção.

QUE CORPO É ESSE? | 193


2. L
 ogo em seguida, desligue o som e peça para que 6. A
 pós a audiência pergunte aos participantes: “O
permaneçam nos locais onde estão e fechem os que vocês viram no episódio? Quem são as per-
olhos por alguns minutos. O mediador deve conduzir sonagens? Como Ariel se sente sendo exposto na
esse momento com tranquilidade, pedindo que o internet?” Abrir o debate para que todos possam
grupo se sinta à vontade e tenha a certeza de que expressar suas percepções.
ninguém será exposto. Peça para que relembrem 7. Provoque o grupo a pensar: Há diferenças entre a
suas infâncias, seus familiares, seus amigos, os locais sua infância e a infância do Ariel? Como você se
onde brincavam e os brinquedos de que mais gosta- sentiria se, num momento de desconforto ou de in-
vam. Outros elementos podem ajudar a compor essa timidade, fosse exposto na internet? Quais os riscos
paisagem: “Como era natureza do lugar onde você tecnológicos que crianças e adolescentes correm?
morava? Tem alguma comida de que você se lem-
8. F
 inalize a roda de conversa pedindo que os partici-
bre? Como era esse cheiro? E tem alguma bebida de
pantes pensem em como responder a essa pergun-
que você se recorde? Qual era esse gosto? Você se
ta: “O que podemos fazer para garantir a privacida-
lembra de alguma roupa de que você gostava?” Os
de de nossas crianças e adolescentes na internet?”
participantes construirão essa memória em silêncio,
Peça que anotem as respostas em tarjetas.
sem narrar as lembranças.
9. C
 ada um socializa sua resposta e o mediador reúne
3. N
 a sequência, o mediador pede para que abram os
as tarjetas em um mural, para que fiquem visíveis
olhos e provoca o grupo: “É muito bom lembrar da
aos participantes.
nossa infância, não é? Mas no seu balaio de lembran-
10. E
 ncerre o momento lembrando da importância de
ças também há memórias que não são tão agradá-
proteger a privacidade de crianças e adolescentes
veis. Nas nossas infâncias passamos por situações
na internet e da responsabilidade dos adultos em
que nos causaram medo e também vergonha. Nesse
promover uma infância e adolescência livres de
momento o mediador pede para recordarem uma
violência.
situação em que ficaram envergonhados, ou se
sentiram deslocados e expostos. Ninguém precisa
partilhar o episódio, ele deve apenas ser vagamente
lembrado.
4. L
 embre o grupo de que hoje, como adultos, nosso
objetivo é proteger aquela criança que se sentiu A atividade pode ser adaptada para o público
vulnerável: em alguns momentos fomos nós mes- adolescente. Como a adolescência não é
mos. Em outros, foram nossos filhos, estudantes e uma fase da vida tão distante da infância, o
atendidos. mediador pode solicitar que os participantes
5. C
 onvide a todos para se sentarem em círculo e assis- se recordem de uma situação embaraçosa e
tirem ao primeiro episódio da segunda temporada. que conversem sobre como se sentiram.

QUE CORPO É ESSE? | 195


2. USO CONSCIENTE E 3. Q
 uando todos tiverem terminado, o mediador
mostra as seguintes palavras, escritas em tarjetas (é
AUTONOMIA ON-LINE possível apenas falar ou ainda mostrar imagens):

Dinâmica: Muito, pouco ou suficiente? a. Um copo d’água


b. Uma gota de água
c. Mar
Para educadores / Redes de Proteção
d. Rio
Para familiares
e. Bacia d’água
Para adolescentes f. Balde d’água
g. Lagoa
Esta atividade tem como objetivo promover junto a um
h. Outras que o mediador desejar
grupo de educadores, integrantes da rede de prote-
ção e de responsáveis por crianças e adolescentes Após exibir cada uma dessas palavras, o mediador
uma reflexão crítica e uma sensibilização sobre o uso pergunta: “Isso é muita ou pouca água para você?”
consciente das tecnologias e autonomia de crianças e Amplie a discussão: “Essa reflexão se aplica a outras
adolescentes no mundo digital. coisas da vida? Por exemplo: Comida? Canetas?
Meias? E quando falamos de telas, como televisão,
Materiais necessários: papel sulfite, lápis de cor, cane-
celular, etc.? E quando falamos do uso do WhatsApp
tinhas
e outras redes sociais, qual é o tempo suficiente?”
Tempo estimado: 40 minutos
4. F
 acilite essa conversa lembrando que os critérios
podem ser subjetivos e que, quando adultos, po-
demos adequar o que é pouco, muito ou suficiente
Passo a passo:
para nós, de acordo com nossa autonomia. Mas, e
1. C
 onvide o grupo para uma roda de conversa. O me-
quando se trata de crianças? E adolescentes?
diador revela que, durante a atividade, vão conversar
5. E
 xiba o episódio e, depois da audiência, provoque
sobre o que é pouco, suficiente e muito para cada
o grupo a refletir sobre o tempo que as crianças
um deles. Claro que temos critérios muito subjeti-
passam na internet. As crianças com as quais você
vos para definir cada uma dessas categorias, porém,
convive passam muito ou pouco tempo na internet?
vamos fazer um exercício:
Se houver educadores e representantes da rede de
2. P
 eça para que cada participante desenhe em uma
proteção participando do encontro, pergunte sobre
folha de papel a quantidade de água que acreditam
o que eles observam nos seus locais de atuação.
ser suficiente para beber durante um dia. Pode ser
O que podemos fazer para controlar esse tempo
uma jarra, uma garrafa, um filtro, enfim. Enquanto
e garantir o acesso a conteúdos adequados? Se o
os participantes desenham, coloque, se possível,
grupo for composto por adolescentes, problematize
alguma música de fundo. Esta etapa leva entre dois
o tempo que passam on-line.
e três minutos.

QUE CORPO É ESSE? | 197


6. P
 eça aos participantes que se organizem em gru-
pos de até 5 pessoas e debatam alternativas para
3. COMPARTILHAMENTO DE
controle de tempo e tipo de conteúdo que pode ser APARELHOS
acessado por faixas etárias. Peça para que organi-
Dinâmica: Que conteúdo é esse?
zem a sua discussão na tabela abaixo.

Idade Como controlar Como controlar o Para educadores / Rede de Proteção


o tempo? acesso a conteúdos
Para familiares
não adequados?
0-8
Esta atividade tem como objetivo promover junto a um
8-12 grupo de educadores, integrantes da rede de prote-
ção e de responsáveis por crianças e adolescentes
12-16 uma reflexão crítica e uma sensibilização sobre uso
consciente e proteção de crianças e adolescentes no
mundo digital, em especial no uso de aparelhos com-
partilhados.
7. E
 stimule o grupo a pesquisar na internet aplicativos de
controle e bloqueio que podem ser instalados nos apa- Materiais necessários: Cartolinas ou papel pardo,
relhos. Socialize as ideias e relembre a importância do revistas para recortar, jornais, imagens publicitárias,
controle do tempo e do controle do acesso a conteúdos tesouras, colas
adequados para cada faixa etária. Tempo estimado: 40 minutos

Passo a passo:
1. Acolha os participantes, garantindo a integração de
todos. Como aquecimento, peça que os participantes
caminhem pelo ambiente em silêncio, observando os
objetos e pessoas presentes. Peça para caminharem
observando as formas dos objetos, as cores e os
tamanhos. O mesmo comando pode ser usado para
a observação dos corpos presentes: somos iguais ou
somos diferentes? Observem atentamente nossas
diferenças e nossas semelhanças. Essa etapa da ativi-
dade tem duração de até 5 minutos.
2. S
 olicite que os participantes formem pequenos
grupos, de até 5 pessoas. Distribua revistas, jornais e
imagens variadas para os grupos.

QUE CORPO É ESSE? | 199


3. O
 mediador pode iniciar a atividade retomando a
observação realizada: “Como se sentiram observan-
4. SAÚDE EMOCIONAL ON-LINE
do os objetos e colegas? Como se sentiram sendo E AUTOFLAGELO
observados? Nossos corpos são iguais ou diferen-
Dinâmica: Internet segura para todos!
tes? Como nossos corpos são representados na
publicidade, na arte e nas mídias?
4. A
 bra para um rápido debate e, na sequência, peça Para crianças e adolescentes – 8+
para que os participantes localizem fotos e imagens
de corpos humanos representados na publicidade. Esta atividade tem o objetivo de promover junto a
Os participantes devem montar um cartaz com as crianças e adolescentes uma reflexão crítica sobre o
representações encontradas. O mediador pode en- cyberbullying e sobre a promoção da saúde emocional
riquecer o debate mostrando quadros artísticos em na internet.
que corpos humanos são representados.
Materiais necessários: papel sulfite, lápis e giz de cera,
5. P
 eça a todos que observem as imagens. Neste cartolina ou papel pardo
momento o mediador pode problematizar: “Imagens
Tempo estimado: 40 minutos
como essas estão disponíveis nos meios digitais?
Esse material é adequado para crianças e adoles-
centes?” Neste momento não é necessário avançar
Passo a passo:
na conversa, já que a animação vai trazer muitas
1. Como aquecimento para o grupo, promova um jogo
questões para reflexão.
teatral de observação: inicie a atividade solicitando
6. C
 onvide os participantes para assistir ao episódio 3.
que todos fiquem de pé, formando um círculo. O
Logo depois da audiência, pergunte aos participan-
mediador realiza uma acolhida, indicando que aquele
tes o que mais chamou sua atenção e quais os riscos
é um espaço seguro e respeitoso, e que ninguém
do acesso de crianças e adolescentes a conteúdos
será exposto ou julgado. Todos podem sentir-se em
inadequados para sua faixa etária.
segurança e acolhidos.
7. E
 ncerre o momento com uma pesquisa sobre for-
2. F
 irme com o grupo um pacto de conduta, garantin-
mas de bloquear conteúdos e aparelhos. Se houver
do que todos se comprometam com um clima res-
acesso à internet, o grupo pode pesquisar ações de
peitoso e inclusivo, em que ninguém se sinta expos-
controle e bloqueio de acesso a conteúdos.
to. Na sequência, peça que formem duplas, com o
8. Socialize as aprendizagens e encerre a atividade. colega ao lado. Cada par deve posicionar-se um de
frente para o outro e observar-se cuidadosamente.
O mediador deve solicitar que observem o cabelo,
os acessórios, as roupas dos participantes. Depois
de um ou dois minutos de observação, solicite à
dupla que vire de costas um para o outro.

QUE CORPO É ESSE? | 201


3. S
 olicite que os participantes façam alterações em si
mesmos: pode ser tirar um brinco, desamarrar um
5. MODELO DE MASCULINIDADE TÓXICA
calçado, mudar o cabelo de lado, colocar um colar Dinâmica: Nem de menino, nem de menina.
dentro da blusa, etc. Todos são livres para criar! Na De todos nós!
volta, a dupla precisa adivinhar o que mudou.
4. O
 mediador pede para que se sentem em círculo e
Para crianças e adolescentes – 8+
faz algumas perguntas disparadoras para um rápido
debate: “Como vocês se sentiram na brincadeira?
Foi desconfortável ter alguém observando você e Esta atividade tem o objetivo de promover uma refle-
prestando atenção aos detalhes? E se em vez de um xão crítica e uma sensibilização junto aos participantes
colega, vocês fossem observados por mil pessoas? sobre papéis e modelos de masculinidade.
Como se sentiriam? Isso acontece na internet?” É o Material necessário: tarjetas com as perguntas dispa-
momento adequado para o mediador levantar com radoras que serão usadas no passo n. 7. Seria ideal que
o grupo situações de que tenham conhecimento ou, esse material estivesse pronto antes da atividade.
se houver um ambiente seguro, situações de cyber- Tempo estimado: 30 minutos
bullying que algum integrante tenha sofrido.
5. C
 onvide a assistirem ao episódio 4. Depois da audi-
ência, o mediador pode perguntar para o grupo: “O Passo a passo:
que viram? O que sentiram? Conhecem algum caso 1. Como aquecimento para o grupo, promova um jogo
parecido?” Depois de um breve debate, o mediador teatral. Peça aos participantes que formem um cír-
deve orientar o grupo a pensar em uma internet culo, de pé. Todos devem permanecer em silêncio e
segura para todos! devem buscar uma expressão corporal para coman-
6. P
 eça para que se dividam em pequenos grupos. dos do mediador. Exemplo: “Sou muito amado!” Os
O grupo deve desenhar um personagem, como se participantes buscam uma expressão com seus cor-
fosse uma postagem em rede social, e descrevê-la pos que pode remeter a carinho, a um autoabraço,
reforçando suas qualidades positivas. etc. Todos são livres para criar!
7. P
 ara finalizar, o mediador pode criar com o grupo 2. O
 mediador encaminha os seguintes comandos:
uma lista de contatos de onde podem pedir ajuda, “Sou muito amado!”, “Ninguém me ama!”, “Sou muito
caso sintam necessidade de conversar. É interes- popular!”, “Sou muito tímido!”, “Sou muito tagarela”,
sante fazer isso de forma colaborativa, perguntando “Sou o melhor jogador de futebol da minha rua!”,
sobre pessoas ou instituições que são da confiança “Sou o melhor bailarino da minha cidade!”, “Sou mui-
dos participantes e que podem ser acionadas em to bom na cozinha”, “Sou muito bom nos estudos”,
caso de necessidade. Montar um cartaz e apresentar, “Sou a melhor bordadeira do mundo!”
inclusive, serviços de apoio.
8. Finalizar a atividade.

QUE CORPO É ESSE? | 203


3. L
 ogo depois, avalie com o grupo as impressões du- 8. E
 ncerre pedindo que todos comentem as perguntas
rante o jogo: “Como se sentiram? Todos se sentiram disparadoras, mediando a situação para que os par-
à vontade para representar com seus corpos todos ticipantes compreendam que existem modelos de
os papéis?” Este é um momento importante para masculinidade que são tóxicos e violentos.
identificar com os participantes como percebem 9. N
 a despedida, o mediador pode pedir que cada
os papeis de gênero. Para aquecer a discussão, o participante resuma sua vivência em uma palavra ou
mediador pode perguntar: “Tem coisas de menino e pode promover uma roda para que todos possam
coisas de menina? Já ouviram falar que homem não movimentar seus corpos, dançando.
chora? Quais outros ditados vocês conhecem?”
4. A
 ntes de convidar para a audiência do vídeo, peça
que todos reflitam sobre esses ditados: “Quais os
problemas de repetirmos, sem criticidade, esses di-
Esta atividade pode ser adaptada a depender
tados? Existe um modelo de homem mais comum?”
da faixa etária dos participantes. Ela também
São perguntas disparadoras que podem ajudar na
pode ser realizada com adultos, sofrendo
reflexão.
alguns ajustes.
5. Convide o grupo para a audiência do episódio 5.
6. L
 ogo depois da audiência, promova uma roda de
conversa e problematização do que foi assistido:
“Quem são as personagens? O que está acontecen-
do? Quais os perigos que aparecem na animação?
Por que será que isso acontece mais com os meni-
nos?”
7. L
 ogo na sequência, o mediador pode problematizar
a discussão apresentando ao grupo algumas pergun-
tas-chave. Elas podem ser distribuídas aleatoriamen-
te ao grupo.
Quem pode expressar seus sentimentos?
Quem pode aprender a dançar?
Quem pode brincar com bonecas?
E com carrinhos?
Quem pode aprender a jogar futebol?
Quem pode ser fera no videogame?
Quem deve proteger a si mesmo?

QUE CORPO É ESSE? | 205


6. ALICIAMENTO DE CRIANÇAS
E AUTOPROTEÇÃO
Dinâmica: Não é o que parece!

Para educadores / Rede de Proteção 2. D


 epois de alguns minutos peça que retomem a
atenção. “Conseguiram ouvir muitos sons? Teve
Para familiares algum som inesperado?” Relembrar ao grupo que
Para crianças e adolescentes – 8+ quando ficamos em silêncio e fechamos os olhos,
apuramos o sentido da audição. Indique que a pró-
Objetivo: Esta atividade tem o objetivo de promover xima atividade vai demandar muita atenção e que
uma sensibilização junto aos participantes sobre os nem tudo o que parece, é.
riscos de aliciamento nas redes e a importância da 3. P
 eça ao grupo que se divida em até 5 participantes.
proteção nesses espaços. Cada subgrupo vai receber uma imagem de objeto.
[Palavras chave: aliciamento, proteção infantil] O grupo deve conversar e imaginar eu objeto é esse,
como ele era usado quando foi inventado, e como era
Tempo estimado: 40 minutos
o mundo quando aquele objeto era utilizado. Peça
Material necessário: Fotos de objetos curiosos e que para que cada grupo apresente suas impressões.
caíram em desuso. Exemplos:
4. Problematize a atividade, discutindo com o grupo o
a) Gramofone: b) Escafandro c) Fax que os objetos aparentam ser e o quem eles real-
mente são. Para avançar nessas reflexões, pergunte
ao grupo se na internet essa distinção entre ser e
parecer ser é maior. Se sim, há algum risco que eles
conseguem perceber?
5. C
 onvide a assistirem ao episódio 6. Depois da audi-
ência, pergunte ao grupo: “O que viram no episódio?
Quais as personagens que aparecem e o que acon-
tece na trama? A personagem central está exposta a
alguma situação de risco? Qual?”
Passo a passo:
6. A
 profunde o debate lembrando que na internet nem
1. C
 omo aquecimento para o grupo, promova uma
todo mundo que aparenta ser alguma coisa real-
dinâmica de atenção e foco. Peça aos participantes
mente é. Há inúmeros casos de pessoas que se pas-
que fechem os olhos e prestem atenção ao ambien-
sam por outras e que usam esse espaço para aliciar
te. Peça para que prestem atenção em todos os
crianças e adolescentes. Portanto, é importante que
sons que podem identificar, os que estão perto e os
todos tenham cuidado e que saibam se proteger no
que estão longe.
ambiente virtual.

QUE CORPO É ESSE? | 207


7. Peça para que, novamente em grupos, os partici-
pantes listem formas de se proteger na internet e,
7. REPUTAÇÃO DIGITAL
na sequência, peça para que socializem as ideias E IDEAÇÃO SUICIDA
com todos.
Dinâmica: Criando um ambiente
8. P
 ara finalizar, o mediador pode criar uma lista de seguro na internet.
contatos de onde podem pedir ajuda caso sintam
necessidade de conversar. É interessante fazer isso
de forma colaborativa, perguntando sobre pessoas Para educadores / Rede de Proteção
ou instituições que são da confiança dos participan-
Para familiares
tes e que podem ser acionadas em caso de necessi-
dade. Monte um cartaz para apresentar os serviços Para adolescentes – 12+
de apoio.
Esta atividade tem o objetivo de promover uma
reflexão crítica e uma sensibilização junto aos par-
ticipantes sobre a cultura do cancelamento e sobre
linchamento digital.
Material necessário: papel sulfite, lápis e giz de cera,
canetinhas, caneta hidrocor, cola, tesoura, revistas e
jornais para recortar, cartolina ou papel pardo
Tempo estimado: 40 minutos

Passo a passo:
1. Como aquecimento para o grupo, promova um jogo
teatral, comunicando-se com as mãos! Peça a todos
que fiquem de pé, formando um círculo, e que lem-
brem de um sentimento que viveram durante aquele
dia: sentiram alegria? Tristeza? Medo? Peça para que
identifiquem algum sentimento que tenham experi-
mentado.
2. A
 missão é que comuniquem esse sentimento usan-
do apenas as mãos! Os participantes não podem
usar expressões faciais nem outras partes do corpo,
mas são livres para usarem as mãos e contarem dos
sentimentos que experimentaram durante o dia.

QUE CORPO É ESSE? | 209


3. Avaliar a atividade perguntando ao grupo: “Foi difícil
ou foi fácil se comunicar usando as mãos? Vocês
8. LEITURA CRÍTICA DAS
conseguiram se expressar bem? Conseguiram iden- INFORMAÇÕES ON-LINE E POTÊNCIA
tificar os sentimentos dos colegas? As nossas mãos
comunicam nossos sentimentos, nossa idade, nosso
DE COMUNICAÇÃO DO DIGITAL
gênero? Por que é mais fácil para algumas pessoas se Dinâmica: Combatendo a desinformação.
expressarem e, para outras, é mais difícil? O que pode
acontecer quando a gente tenta comunicar alguma
ideia, mas ela não é entendida ou não é bem aceita?” Para educadores / Rede de Proteção
4. N
 esse momento o mediador pode aprofundar o Para familiares
debate perguntando se o grupo já ouviu falar em Para adolescentes – 12+
“cultura do cancelamento”. É um momento precioso
para mapear o nível de conhecimento sobre o tema.
Esta atividade tem o objetivo de promover uma sensi-
Também é importante criar um momento de troca
bilização junto aos participantes sobre a circulação de
em que os participantes possam partilhar suas ex-
fakenews e sobre formas de combater a desinformação.
periências: conhecem alguém que já foi cancelado?
Isso já aconteceu com algum de vocês? Material necessário: papel sulfite, lápis e giz de cera,
canetinhas, caneta hidrocor, cola, tesoura, revistas e
5. C
 onvide a todos para assistir ao episódio 7. Logo
jornais para recortar, cartolina ou papel pardo
depois da audiência, promova um momento de
reflexão junto ao grupo, conversando sobre o que foi Tempo estimado: 40 minutos
assistido: “Quais são os personagens? O que aconte-
ceu? O que elas dizem? Como elas se sentem?”
Passo a passo:
6. O
 mediador pode avançar no debate, trazendo para
1. Iniciar o encontro acolhendo os participantes. Para
leitura e debate em pequenos subgrupos algumas
aquecer a discussão, peça para que todos fiquem de
reportagens jornalísticas com o tema do linchamen-
pé e que formem um círculo. O jogo teatral propos-
to virtual, atividade que pode ser finalizada com um
to se chama “Quem começou o movimento?”, e é
debate aberto na plenária.
interessante para aguçar atenção e foco. Peça para
7. P
 ara encerrar a atividade, peça aos participantes
quem alguém se voluntarie a ser o observador. O vo-
para elaborarem um mural coletivo, com ideias para
luntário deverá sair do ambiente por alguns minutos.
a construção de um ambiente seguro e inclusivo na
2. D
 efinir com o grupo mais um voluntário que deverá
internet. Peça ainda para que, em círculo, cada parti-
iniciar o movimento. Esse líder deverá criar peque-
cipante possa partilhar uma palavra que traduza sua
nos movimentos como bater palmas, balançar um
aprendizagem.
ombro, mover um dos pés, etc. Todos devem copiar
o movimento iniciado pelo líder, mas o desafio está
em tornar o movimento contínuo, sem que o obser-
vador descubra quem iniciou o movimento. Depois
de fazer os combinados, peça para que o observa-
dor retorne e inicie o jogo.

QUE CORPO É ESSE? | 211


3. Q
 uando perceber que o grupo está aquecido, finali-
ze a atividade promovendo uma breve reflexão: “Foi
9. RELACIONAMENTO ON-LINE
difícil descobrir quem estava iniciando o movimen- Dinâmica: Relacionamentos
to? Como foi para o observador perceber que todos seguros na internet
copiavam um movimento sem saber quem o havia
iniciado? Como foi para os integrantes copiar o mo-
vimento? Qual a sensação de criar um movimento e Para educadores / Rede de Proteção
perceber que todos estão copiando?” Para familiares
4. P
 eça a todos que se acomodem e apresente o Para adolescentes – 14+
tema do dia: muitas vezes “copiamos os movimen-
tos” sem saber, ao certo, de onde eles vêm. Por ve-
Esta atividade tem o objetivo de promover uma reflexão
zes pode ser muito difícil identificar a sua origem.
crítica e uma sensibilização junto aos participantes so-
Aproxime a vivência com a circulação de fakenews,
bre relacionamentos na internet e formas de proteção.
perguntando se sabem o que o termo significa. É
um momento importante para levantar as informa- Tempo estimado: 30 minutos
ções que o grupo já domina sobre o assunto e para
nortear a discussão.
Passo a passo:
5. Convide para a audiência do episódio 8. Na sequência,
1. Para iniciar a atividade, convide o grupo para parti-
o mediador pode retomar o debate iniciado anterior-
cipar do “Jogo da Confiança”. Peça ao grupo que se
mente: “O que os participantes viram no episódio?
divida em subgrupos, com até 5 participantes. Todos
Qual o problema apresentado? Quais os riscos men-
devem estar de pé, e o ambiente deve estar livre.
cionados? Vocês já receberam alguma fakenews? Já
Enquanto os participantes se organizam, coloque
pensaram nas consequências de passar uma adiante?”
alguma música de fundo.
6. A
 presentas formas de checagem e fale sobre os
2. C
 ada subgrupo deve se organizar em pequenos cír-
riscos da desinformação.
culos. No centro, um integrante inicia a jornada, movi-
7. Depois do debate, solicite que o grupo se organize
mentando seu corpo conforme a música. Os demais
em pequenos subgrupos. Cada subgrupo deve elabo-
integrantes se posicionam com as mãos dadas, de
rar um pequeno guia de combate a fakenews. O for-
forma a proteger o integrante que está no centro.
mato pode ser de um manifesto, um guia com dicas,
3. C
 onforme a atividade avança, estimule a confiança e
um cartaz ou outra forma que os grupos escolherem.
segurança entre os participantes: quem está no cen-
8. Socialize as aprendizagens e encerre o encontro.
tro pode fechar os olhos, pender o corpo, movimen-
tar-se mais livremente. Os participantes do círculo
precisam protegê-lo. Peça que troquem de papéis,
até que todos tenham vivenciado todas as situações.

QUE CORPO É ESSE? | 213


4. A
 bra o círculo para o debate, perguntando como os
participantes se sentiram: “Foi difícil confiar? O que
aconteceria se seus colegas não te segurassem? É
possível usarmos essa conversa para pensar nossa
vida digital? Vocês se sentem seguros na internet?
Dá para confiar sem ressalvas em quem está do
outro lado da telinha?”
5. C
 onvide a todos para assistirem ao episódio 9. Logo
após a audiência, abra a roda para o debate: “O que
vocês viram? Quais são os problemas que as perso-
nagens contam? Quais as medidas de proteção que
as personagens adotam?”
6. E
 ncerre o dia pedindo ao grupo que relembre as
medidas de proteção mencionadas na animação e
para que partilhem na plenária os aprendizados da
atividade.

Importante!
•S
 e a vítima for uma criança, evite abraçar ou pegar
Durante a realização de atividades sobre essas temá- no colo, ou mesmo diga frases de conforto como
ticas é possível que alguma criança ou adolescente se “Não foi nada sério”.
sinta confortável para relatar algum tipo de violência
•N
 ão faça promessas que não possam ser cumpridas
sofrida. Caso isso aconteça, é importante tomar alguns
(como “Tudo vai ficar bem”).
cuidados:
•N
 ão interrompa o relato livre da criança, e nunca
•O
 uça atentamente, de forma atenciosa, e reforce que
coloque opiniões pessoais no registro.
ele ou ela não tem culpa da violência sofrida.
•E
 labore o relatório com as informações recebidas e
•R
 egistre o relato e informe exatamente como você
deixe que as autoridades competentes investiguem a
poderá ajudá-lo, explicando os próximos passos, de
denúncia.
forma simples.
• Nunca faça perguntas pedindo detalhes.
É importante que toda a comunidade escolar ou da
•P
 roteja a identidade da vítima, mantenha sigilo, e só
instituição reconheça a gravidade desses crimes, esteja
comente o caso com a autoridade que deverá enca-
preparada para falar de forma adequada com vítimas
minhar a denúncia (direção da escola ou da institui-
e testemunhas, conheça os serviços de proteção, e
ção em que a atividade foi realizada).
assuma sua responsabilidade no encaminhamento dos
casos para os órgãos competentes.

QUE CORPO É ESSE? | 215


www.crescersemviolencia.org.br

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