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DIMENSÕES
DA POBREZA
NA INFÂNCIA E NA
ADOLESCÊNCIA NO BRASIL
ESTUDO COMPLETO
ESTUDO COMPLETO
Brasília, 2023
REALIZAÇÃO Miguel Martins Garcia, da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
(Undime); Marco Natalino, Paulo Meyer Nascimento, Tecris de Souza, Eduardo
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) Saback e Rute Imanishi Rodrigues, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
Youssouf Abdel-Jelil – Representante do UNICEF no Brasil (Ipea); Naercio Menezes Filho, professor titular e diretor do Centro de Pesquisa Apli-
Paola Babos – Representante adjunta para Programas cada à Primeira Infância (CPAPI) do Insper, e professor da Faculdade de Economia,
Sonia Yeo – Chefe de Comunicação e Parcerias Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP);
Liliana Chopitea – Chefe de Políticas Sociais, Monitoramento e Avaliação Maria Cláudia Falcão e Denise Marinho dos Santos, da Organização Internacional
do Trabalho (OIT); Léo Heller, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e
Núcleo editorial: Boris Diechtiareff, Elisa Meirelles Reis, Liliana Chopitea, relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para os direitos humanos
Santiago Varella, Sonia Yeo e Willian Wives a água e saneamento (2014-2020); Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da
Fundação Getulio Vargas (FGV Social) e Márcia Gomes (FGV); Francisco Coullanges
Condução do estudo: Daniel Vasconcellos Archer Duque, pesquisador do Xavier, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à
Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE) Fome; Ricardo Paes de Barros e Laura Almeida Ramos de Abreu, do Insper; Marcelo
Pedra, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz/Brasília); Silvia Maria Schor, da FEA-USP;
Agradecimentos Eduardo Rigonati, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe); Paulo
Para a elaboração desta publicação, foram entrevistados(as) diversos(as) espe- Afonso Garrido de Paula, procurador de Justiça do Ministério Público do Estado
cialistas nacionais e estrangeiros, que nos concederam entrevistas exclusivas de São Paulo (MPSP) e um dos autores do Estatuto da Criança e do Adolescente
entre setembro de 2022 e fevereiro de 2023. Também contamos com o suporte (ECA); James Heckman e Abigail Schmidt-Brown, da Universidade de Chicago.
de chefes de área, consultores(as) e equipes de comunicação do UNICEF, além
do apoio de dezenas de profissionais, organizações e famílias, incluindo crianças PRODUÇÃO EDITORIAL
e adolescentes. A todos(as) nosso muito obrigado.
Cross Content Comunicação
Equipe UNICEF Andréia Peres e Marcelo Bauer – Coordenadores editoriais
Judith Léveillée (chefe do escritório do UNICEF em Belém) e Yldson Macias, Andréia Peres e Carmen Nascimento – Editoras de texto
consultor de Proteção Social do UNICEF no Pará; Dennis Christian Larsen, chefe Heloisa Brenha Ribeiro – Editora-assistente
do escritório do UNICEF no Recife; Julia Ferreira Kacowicz e Kassia Ribeiro, do Heloisa Brenha Ribeiro, Lilian Saback e Mauri König – Repórteres
escritório do UNICEF no Recife; Luciana Phebo, chefe do escritório do UNICEF Érico Melo e Luciane Gomide – Checador e revisora
no Rio de Janeiro; Cristina Albuquerque, chefe da unidade de Saúde e HIV/aids Vitor Moreira Cirqueira – Editor de arte
do UNICEF Brasil; Regicely Aline Brandão, consultora em Nutrição do UNICEF Roberta Fabruzzi – Editora de vídeos
Brasil; Mônica Dias Pinto, chefe de Educação do UNICEF Brasil; Gregory Bulit, Gabriela Portilho e Sérgio Moraes – Fotógrafos (fotos e vídeos)
Rodrigo Resende e Raul Guerrero, da área de Água, Saneamento e Higiene Gabriel Marzinotto e João Menezes – Técnicos de áudio
(WASH), do UNICEF Brasil; Mário Volpi, chefe de Desenvolvimento e Participação Pietra Bastos – Assistente de projetos (redes sociais)
de Adolescentes do UNICEF Brasil; Rosana Vega, chefe de Proteção da Criança do
UNICEF Brasil; Luana Ribeiro Piotto, da equipe de Comunicação do UNICEF Brasil; APOIO
Bruno Viécili, Ida Pietricovsky de Oliveira e Immaculada Prieto, especialistas em
Comunicação do UNICEF no Recife, em Belém e no Rio de Janeiro, respectivamente. Fundação Vale
A Fundação Vale apoiou o UNICEF na realização do estudo As múltiplas
Organizações e profissionais dimensões da pobreza na infância e na adolescência no Brasil.
Pará: Adria Lucia Tavares da Trindade, secretária de Trabalho e Promoção Social de
Foto da capa: © UNICEF/BRZ/Sérgio Moraes
Santa Izabel do Pará; Gely Santos e Carla Souza, assistentes sociais da Secretaria
Municipal de Trabalho e Promoção Social de Santa Izabel do Pará; e Sonia Elídia
Reis Mota, secretária de Meio Ambiente e Turismo de Acará. Pernambuco: Graça
Lima, coordenadora de projetos; Cleide Morais e David Gonzaga, especialistas da
Associação de Defesa da Educação, Saúde e Assistência Social (Asserte); Pedro
Henrique Soares Ribeiro, coordenador de projetos da Equipe Técnica de Assessoria,
Pesquisa e Ação Social (Etapas); e Joelma Lima, líder comunitária e coordenadora do
Centro Comunitário Mário Andrade. Rio de Janeiro: Andrea Pulici, coordenadora
da Coordenação Técnica de Projetos Especiais do Instituto Pereira Passos (IPP);
Bianca Medina, assistente social do IPP e coordenadora do Programa Territórios
Sociais; Gabrielle de Assis Garofalo, Marcus Vinicius Moraes Dantas e Núbia
Caetano, coordenadores da equipe de campo do Programa Territórios Sociais,
do IPP; Paulo Fernandes da Silva, presidente da Comunidade Chapadinho; e
Jéssica Caetano Rodrigues, coordenadora do Projeto Leões de Cristo/Chapadinho.
Especialistas
Também gostaríamos de agradecer a colaboração de: Luana Siewert Pretto e Aymeê
Gurjão, do Instituto Trata Brasil; Ricardo Henriques, Guilherme França Corrêa e Gie-
dra Fontoura Lopes, do Instituto Unibanco; Edineide Almeida, Joana Saraiva e Luiz
ABREVIATURAS E SIGLAS
Asserte — Associação de Defesa da Educação, Saúde e Assistência Social MPSP — Ministério Público do Estado de São Paulo
Ceasa-RJ — Central de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro NBCAL — Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes
e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras
Cgan — Coordenação-Geral de Alimentação e Nutrição
ODS — Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
Codeplan — Companhia de Planejamento do Distrito Federal
OIT — Organização Internacional do Trabalho
Coneval — Conselho Nacional de Avaliação da Política de Desenvolvimento
Social (México) OMS — Organização Mundial da Saúde
CPAPI — Centro Brasileiro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância ONU-Habitat — Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos
ECA — Estatuto da Criança e do Adolescente Pnad Contínua — Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
Etapas — Equipe Técnica de Assessoria, Pesquisa e Ação Social Pnae — Programa Nacional de Alimentação Escolar
FEA-USP — Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária Pnaic — Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa
da Universidade de São Paulo
PNE — Plano Nacional de Educação
FGV EPGE — Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundacao
Getulio Vargas POF — Pesquisa de Orçamentos Familiares
FGV IBRE — Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas Prodasen — Secretaria de Tecnologia da Informação do Senado
FGV Social — Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas Rede Penssan — Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança
Alimentar e Nutricional
Fiocruz — Fundação Oswaldo Cruz
Saeb — Sistema de Avaliação da Educação Básica
Fipe — Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas
Sesai — Secretaria Especial de Saúde Indígena
Funai — Fundação Nacional dos Povos Indígenas
Siafi — Sistema Integrado de Administração Financeira
GSC&A — Gasto Social com Crianças e Adolescentes
Siga Brasil — Sistema de Informações Orçamentárias Gerenciais Avançadas
IBGE — Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Suas — Sistema Único de Assistência Social
IDF — Índice de Desenvolvimento da Família
Undime — União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
IHAC — Iniciativa Hospital Amigo da Criança
UNFPA — Fundo de População das Nações Unidas
Ipea — Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
UNICEF — Fundo das Nações Unidas para a Infância
Ipec — Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica
WASH — Water, Sanitation and Hygiene | Água, Saneamento e Higiene
IPP — Instituto Pereira Passos
4
© UNICEF/BRZ/Gabriela Portilho
Capítulo 1 ● Metodologia
As Múltiplas Dimensões
Sumárioda Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
Apresentação
8
Capítulo 1 – Metodologia
SOBRE O ESTUDO
26 Alimentação 62 Moradia
36 Renda 66 Água
44 Educação 68 Saneamento
O ENFRENTAMENTO DA POBREZA 80
MULTIDIMENSIONAL
ANEXO 90
5
Apresentação
C
onduzido em 2022 pelo UNICEF, o estu- seus direitos aumentou durante a pandemia
do As múltiplas dimensões da pobreza agravando ainda mais esse cenário.
na infância e na adolescência no Bra-
sil, cuja versão completa você tem agora em Entre 2020 e 2021, o percentual de meninos
mãos, traz dados graves que demandam a e meninas privados(as) da renda necessá-
atenção de toda a sociedade brasileira. Antes ria para uma alimentação adequada no País
mesmo da pandemia de covid-19, a pobreza passou de 16,1% para 25,7%. O analfabetis-
na infância e na adolescência, em suas múl- mo também voltou a subir, assim como as
tiplas dimensões, já alcançava seis em cada privações de renda.
dez crianças e adolescentes de até 17 anos no
País. Em números absolutos, eram cerca de Em 2022, o percentual de crianças e adoles-
32 milhões de meninos e meninas, do total centes com alguma privação em relação ao
de 50,8 milhões, segundo análise do UNICEF direito à alfabetização dobrou em relação a
com base na Pesquisa Nacional por Amostra 2020, passando de 1,9% para 3,8%, segundo
de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) de estimativas do estudo obtidas com base na
2019. Esse número é equivalente a pouco mais Pnad Contínua Trimestral e considerando o
que a soma do total de habitantes das sete segundo trimestre de cada ano para o cálculo.
cidades mais populosas do Brasil.1
O percentual de famílias com renda abaixo da
A pobreza multidimensional a que esse dado linha de pobreza monetária extrema também
se refere é diferente do entendimento tradi- alcançou o maior nível dos últimos cinco anos,
cional da pobreza monetária. Ela é resultado em 2021: 16,1% (ante 13,8%, em 2017).
da inter-relação entre privações, exclusões e
diferentes vulnerabilidades a que meninos e Com exceção de trabalho infantil, que tem da-
meninas estão expostos(as). dos até 2019, outras quatro dimensões (água,
saneamento, moradia e informação) possuem
Este estudo, realizado com base em dados dados até 2020. Depois disso não puderam
oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia ser atualizados, devido a dificuldades na co-
e Estatística (IBGE), utiliza oito indicadores, leta de dados pelo IBGE durante a pandemia
selecionados de acordo com a disponibilidade de covid-19. Mesmo sem essa atualização, o
de dados, para analisar a pobreza multidimen- cenário ainda se mostrou grave.
sional na infância e na adolescência no Brasil:
educação, alimentação, renda, proteção contra Entre 2017 e 2020, apenas o indicador de
o trabalho infantil, moradia, água, saneamen- acesso à informação apresentou melhora sig-
to e informação. nificativa. Proteção contra o trabalho infantil
e acesso à moradia ficaram relativamente es-
Consulte unicef.org.br para
acessar a versão resumida
Dados relacionados às dimensões de alimen- táveis, mas em níveis de privação elevados.
desta publicação. tação, educação e renda indicam que o núme- Em relação a água e saneamento, os avanços
ro de crianças e adolescentes privados(as) de foram tímidos e insuficientes.
1
Segundo estimativas realizadas pelo IBGE com base em dados preliminares coletados até dezembro de 2022 pelo
Censo, as cidades mais populosas do Brasil são: São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Brasília (DF), Salvador (BA),
Fortaleza (CE), Belo Horizonte (MG) e Manaus (AM). Juntas, elas somam 31.403.951 habitantes.
6
© UNICEF/BRZ/Sérgio Moraes
Em todas as dimensões, as desigualdades
raciais e regionais persistiram de forma preo-
cupante. Como acontece com outros indi- Para enfrentar a pobreza
cadores, os grupos mais impactados são, multidimensional na infância e
em geral, os(as) negros(as) e indígenas e as
populações das regiões Norte e Nordeste.
na adolescência, o Brasil precisa
priorizar políticas públicas
Os desafios não são recentes, como apontam intersetoriais e destinar a elas
as análises históricas, feitas pelo estudo com
base na Pesquisa de Orçamentos Familiares
os recursos necessários ”
(POF) 2008/2009 e 2017/2018.2 Refletem ques-
tões estruturais do País, como as desigual- O cenário atual requer medidas urgentes e a
dades raciais e regionais, que já chamavam priorização das políticas sociais intersetoriais,
atenção antes da pandemia, mas se agrava- que possam contar com os recursos públicos
ram nos últimos anos. necessários e vindos de fontes sustentáveis.
Por trás dos números, há histórias como a Para que o Brasil possa garantir a todos(as) e
da família de Inara Macário e Carlos Braga a cada um(a) de nossos(as) meninos e meni-
(foto da capa, reproduzida acima) e de outras nas seus direitos básicos, expressos na Con-
famílias que vivem múltiplas privações de venção sobre os Direitos da Criança, na Cons-
direitos no dia a dia. A publicação também tituição Federal e no Estatuto da Criança e do
traz dados da situação no Brasil, por unidade Adolescente, é preciso que governos federal,
da Federação, cor/raça e gênero, e análises estaduais e municipais, empresas e socieda-
© UNICEF
que permitem mapear cada uma das dimen- de civil unam esforços no enfrentamento à
sões da pobreza na infância e na adolescência pobreza multidimensional, reiterando o com-
avaliadas neste estudo exclusivo do UNICEF. promisso do País com a Agenda 2030 dos
Ao todo, foram ouvidos(as) 109 especialistas Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
de diversas áreas, pais, mães, crianças e ado- (ODS) de não deixar ninguém para trás. Caso Youssouf Abdel-Jelil
lescentes, para traçar um retrato da pobreza contrário, o presente e o futuro de milhões Representante do
multidimensional hoje no País. de crianças e adolescentes estarão em risco. UNICEF no Brasil
2
A POF foi usada neste estudo porque proporciona uma visão histórica das dimensões consideradas, já que a Pnad
Contínua é mais recente e não possibilita esse mesmo panorama. Sua utilização também permitiu uma análise da
dimensão alimentação, que não é coberta de maneira sistemática pela Pnad Contínua.
7
© UNICEF/BRZ/Sérgio Moraes
SOBRE O ESTUDO
Em 2018, o UNICEF publicou o primeiro estudo sobre a pobreza
multidimensional na infância e na adolescência no Brasil. Embora
mantenha os mesmos critérios de privações, o estudo que você tem
agora em mãos traz mudanças metodológicas importantes, que vão
permitir o monitoramento periódico dos dados a partir de agora, mas
inviabilizam comparações com a pesquisa anterior
O
primeiro estudo do UNICEF Brasil A Pnad de periodicidade anual foi encerrada
sobre pobreza multidimensional pelo IBGE em 2016, com a divulgação das
na infância e na adolescência no informações referentes a 2015. Ela foi subs-
País foi publicado em 2018, com base em tituída, com metodologia atualizada, pela
dados do período de 2005 a 2015 da Pesquisa Pnad Contínua, que propicia uma cobertura
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), territorial mais abrangente e disponibiliza in-
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís- formações conjunturais trimestrais.
tica (IBGE). Intitulado Bem-estar e privações
múltiplas na infância e na adolescência no Com a adaptação da metodologia do UNICEF
Brasil,3 o relatório analisou a renda familiar à Pnad Contínua, será possível fazer o acom-
de meninos e meninas de até 17 anos, bem panhamento periódico dos indicadores, com-
como o acesso deles(as) a sete direitos bási- parando e monitorando os dados para identi-
cos: educação, alimentação, água, saneamen- ficar avanços e retrocessos e para cobrar dos
to, moradia, informação e proteção contra o gestores políticas eficientes de enfrentamento
trabalho infantil. da pobreza multidimensional.
3
UNICEF. Bem-estar e privações múltiplas na infância e na adolescência no Brasil. Brasília, 2018. Disponível em: https://
www.unicef.org/brazil/relatorios/bem-estar-e-privacoes-multiplas-na-infancia-e-na-adolescencia-no-brasil.
9
Capítulo 1 ● Metodologia
4
A Convenção sobre os Direitos da Criança, da ONU, considera criança toda pessoa com menos de 18 anos de idade.
No Brasil, a pobreza infantil multidimensional refere-se a crianças e adolescentes.
10
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
Criança de 5-9 anos que não Criança de 5-9 anos que realizou Criança de 5-9 anos que trabalhou
trabalhou ou realizou tarefas tarefas domésticas entre 10 e 20 ou realizou tarefas domésticas Pnad Contínua
domésticas até nove horas na horas durante a semana durante mais de 20 horas durante 2016-19
semana de referência de referência a semana de referência
5
Equivale à linha de pobreza internacional do Banco Mundial (5,5 dólares por dia).
6
Equivale à linha de pobreza extrema internacional do Banco Mundial (1,9 dólar por dia).
11
2 ● Metodologia
Capítulo 1 Resultados gerais
O interesse pela medição da pobreza com um enfoque que Na América Latina, o primeiro estudo sobre pobreza mul-
considere outras variáveis além da renda surgiu em meados tidimensional foi realizado em 2009.82México e Colômbia
da década de 1970. Nessa época, começaram a aparecer es- foram os países pioneiros na implementação de medidas
tudos que buscavam extrapolar a análise do Produto Interno de pobreza multidimensional. O México introduziu o tema
Bruto (PIB) per capita como medida do desenvolvimento.71 aprovando a Lei Geral de Desenvolvimento Social, em
janeiro de 2004. Como consequência dessa lei, foi criado
Isso levou à criação de propostas para que fossem consi- em 2005 o Conselho Nacional de Avaliação da Política de
deradas pobres as famílias e as pessoas que apresentavam Desenvolvimento Social (Coneval), organismo que dese-
necessidades básicas insatisfeitas ou renda insuficiente para nhou a medição multidimensional. A produção dos dados
adquirir uma cesta de bens e serviços – ou ambas as priva- pelo Coneval ocorre a cada dois anos em nível nacional e
ções simultaneamente. Essas contribuições estão na origem estadual, e a cada cinco anos em nível municipal.93
do que viria a se desenvolver posteriormente como o con-
ceito de multidimensionalidade da pobreza. Em seguida, surgiram iniciativas também na Costa Rica,
no Equador e em El Salvador. No Brasil, o estado de Minas
A literatura sobre pobreza multidimensional cresceu subs- Gerais implementou em 2011 uma medição de pobreza
tancialmente nos últimos 20 anos. Por um lado, muitos multidimensional em 132 de seus municípios, para ajustar
países reconheceram as vantagens desse novo enfoque, seu programa de combate e superação da pobreza, deno-
principalmente porque permite avaliar o bem-estar da popu- minado Travessia.
lação de maneira completa e clara. Por outro lado, possibilita
identificar os vazios de políticas e dessa maneira priorizar Um dos primeiros documentos brasileiros a fazer referência
o que falta. à medição da pobreza no Brasil a partir de uma perspec-
7
Um estudo mais aprofundado sobre o histórico do conceito de pobreza multidimensional pode ser encontrado na publicação do UNICEF Bem-estar e privações múltiplas na
infância e na adolescência no Brasil, de 2018. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/relatorios/bem-estar-e-privacoes-multiplas-na-infancia-e-na-adolescencia-no-brasil.
8
BATTISTON, D. et al. Income and Beyond: Multidimensional Poverty in Six Latin American Countries. Working Paper n. 17. Oxford: Oxford Poverty & Human Develo-
pment Initiative (OPHI), 2009. Disponível em: http://www.ophi.org.uk/.
9
Os resultados são públicos e podem ser conferidos em: https://www.coneval.org.mx/Medicion/MP/Paginas/Pobreza_2020.aspx.
12
© UNICEF/BRZ/Gabriela Portilho
tiva multidimensional é o Índice de Desenvolvimento da nacionais – oficiais, não oficiais ou acadêmicos – que exa-
Família (IDF).104 minavam a pobreza multidimensional. Se contarmos todos
os locais para os quais há dados internacionais de pobreza
Nos últimos anos, as medições de pobreza multidimensio- multidimensional, chega-se a 132 países e territórios.
nal – sejam elas específicas da infância, sejam relativas à
população como um todo – passaram a ser mais frequentes O UNICEF participa de vários desses esforços e, com ajuda
em diversos países. de parceiros locais, tem produzido indicadores e análises
sobre pobreza multidimensional em diferentes países. É o
A publicação As medições multidimensionais da pobreza caso dos estudos A criança em Angola: Uma análise mul-
infantil na América Latina, Caribe e em nível internacional tidimensional da pobreza infantil,137Entendendo a pobreza
(2019), do escritório regional do UNICEF para a América Latina infantil multidimensional no Egito,148Pobreza monetária
localizado no Panamá,11, 1256faz um resumo de 64 experiências de e privações não monetárias na Argentina15 9e, no caso do
pesquisa nesse campo para o conjunto da população e para nosso País, o documento que antecedeu o presente estudo,
as crianças. De acordo com o documento, no momento da Bem-estar e privações múltiplas na infância e na adoles-
análise, 19 países ou territórios da região possuíam estudos cência no Brasil,1610de 2018.
10
BARROS, R. P. de; CARVALHO, M. de; FRANCO, S. O Índice de Desenvolvimento da Família (IDF). Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Texto para Discussão n.
986, Rio de Janeiro, 2003.
11
UNICEF. Las mediciones multidimensionales de pobreza infantil en América Latina y el Caribe y a nivel internacional. Panamá, 2019. Disponível em: https://www.
unicef.org/lac/informes/las-mediciones-multidimensionales-de-pobreza-infantil-en-alc-y-a-nivel-internacional.
12
Publicações estrangeiras citadas tiveram seus títulos traduzidos livremente para o português neste texto.
13
UNICEF. A criança em Angola: Uma análise multidimensional da pobreza infantil. Angola, 2018. Disponível em: https://www.unicef.org/angola/relatorios/crian%-
C3%A7a-em-angola-uma-an%C3%A1lise-multidimensional-da-pobreza-infantil.
14
UNICEF. Understanding Child Multidimensional Poverty in Egypt. Egito, 2017. Disponível em:https://www.unicef.org/egypt/media/1336/file/Understanding%20
Child%20Multidimensional%20Poverty%20in%20Egypt-EN.pdf.
15
UNICEF. Pobreza monetaria y privaciones no monetarias en Argentina. Argentina, 2021. Disponível em: https://www.unicef.org/argentina/informes/pobreza-moneta-
ria-privaciones-no-monetarias-argentina.
16
UNICEF. Bem-estar e privações múltiplas na infância e na adolescência no Brasil. Brasília, 2018. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/relatorios/bem-estar-e-
privacoes-multiplas-na-infancia-e-na-adolescencia-no-brasil.
13
© UNICEF/BRZ/Gabriela Portilho
Bruno Tiago, de 2 anos, vive com a mãe, Alexandra de Araújo, e mais quatro irmãos no
Recife. No estado de Pernambuco, quase 80% das crianças e dos(as) adolescentes têm pelo
menos uma privação
Resultados gerais
O
Brasil enfrenta hoje um cenário preo- alimentação, renda e educação. Nas demais di-
cupante para a garantia dos direitos mensões, não foi possível atualizar os dados, por
de crianças e adolescentes. É o que causa de dificuldades na coleta de dados pelo
mostram os resultados deste estudo inédito do IBGE durante a pandemia de covid-19 (veja mais
UNICEF sobre pobreza multidimensional, realiza- detalhes de cada dimensão no Capítulo 3). No
do com base nos dados da Pesquisa Nacional por entanto, com base nas informações existentes
Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) (2019, no caso de trabalho infantil, e 2020, em re-
e da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF). lação aos outros indicadores), foi possível identifi-
car uma relativa estabilidade em duas dimensões
Além de o País ter aproximadamente duas em – trabalho infantil e moradia – e avanços tímidos
cada três crianças em situação de privação de e insuficientes em água e saneamento. Somente
um ou mais de seus direitos desde 2017, nos a dimensão acesso à informação apresentou
últimos anos houve piora em alguns indicadores uma melhora significativa entre 2017 e 2020.
que compõem a pobreza multidimensional, de
acordo com os dados disponíveis analisados Esse cenário indica uma reversão na tendên-
pelo UNICEF. cia de redução na pobreza multidimensional
na infância e na adolescência no Brasil veri-
Conheça, a seguir, os principais resultados ficada até 2019. De acordo com a POF, entre
do estudo. 2009 e 2018 os percentuais de pobreza multi-
dimensional apresentaram uma queda con-
Agravamento do cenário com a pandemia siderável, de quase 86% para pouco mais de
71%. A redução foi ainda mais acentuada no
Entre 2020 e 2022, houve um agravamento na si- grupo de crianças e adolescentes de 9 a 17
tuação da pobreza multidimensional na infância anos1,17 de 92,5% para 76,5%, uma diferença de
e na adolescência no Brasil em três dimensões: 16 pontos percentuais (veja gráfico na pág.16).
17
Meninos e meninas de 9 a 17 anos estão sujeitos(as) a todas as privações listadas. Confira a lista completa, a metodologia e os
critérios utilizados no Capítulo 1.
15
Capítulo 2 ● Resultados gerais
Percentual de crianças e adolescentes com alguma Nesse período, as dimensões que apresen-
privação, por faixa etária (2009-2018) — POF taram maior avanço na redução da quanti-
dade de crianças e adolescentes com uma
ou mais privações foram: informação, com
100% 34 pontos percentuais; saneamento, com 11
pontos percentuais; e renda, com 9 pontos
92,5%
percentuais, aproximadamente.
85,8%
80%
76,5%
Cenário marcado por diferenças regionais,
71,3% raciais e de gênero
AM
88,3%
PA
93,3% MA CE As desigualdades regionais estão presentes em
93,9% 83% RN 87,7%
todas as dimensões, mas são mais acentuadas
PI PB 78,5%
94% PE 77,7% naquelas que dependem de grandes investimen-
AC
83,4% TO
83,4% SE
AL 90,3% tos em estrutura produtiva e em infraestrutura
RO
93,2%
BA 76,6% para serem resolvidas, como informação, mo-
MT 77,7%
77,3% radia e saneamento.
DF
36,7%
GO
64,2% Quando se faz um recorte racial, também se
MG
48,7% observa uma desigualdade significativa nos
ES
MS 51,2% índices de pobreza multidimensional. O índice
66,3%
SP RJ de crianças e adolescentes de cor/raça negra e
39,6% 48%
PR indígena com alguma privação é quase 25 pon-
Legenda: 52,5%
tos percentuais maior do que o daqueles(as) de
0%-30% 61%-70% SC
56%
cor/raça branca e amarela. Essa grande dispa-
31%-40% 71%-80% RS
53%
41%-50% 81%-90%
Fonte: Elaboração A dimensão alimentação não entra para o cálculo do índice
18
51%-60% 91%-100% própria com Pnad Contínua. geral, portanto não é refletida nestes mapas.
16
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
ridade ocorre de maneira constante e persis- Percentual de crianças e adolescentes com alguma
tente em praticamente todas as dimensões. privação não monetária (2019) — Pnad Contínua
Segundo Ricardo Henriques, superintenden-
te-executivo do Instituto Unibanco e ex-se-
RR AP
cretário nacional de Educação Continuada, 72,7% 92,5%
Alfabetização e Diversidade, do Ministério da
Educação (MEC), muitas evidências indicam
AM
que o racismo está no centro das desigual- 79,2%
PA
88,9% MA CE
89,3% 70,6% RN 82,1%
dades. Por isso, é importante ter estratégias PB 63,9%
PI
que reconheçam essa violação de direitos e AC
92% PE 55,2%
TO
a enfrentem. 74,1% RO 74,9% SE
AL 77,2%
91,6% 60,1%
BA
MT 61,5%
72,6%
“Mesmo que eu tenha uma política educacional DF
26,5%
que faça com que todos melhorem, as distân- GO
55,3%
cias entre brancos e negros, entre brancos e MG
31,4%
indígenas serão altas. Elas podem ir diminuin- MS
ES
35,9%
59,2%
do, mas a velocidade de redução tenderá a ser SP RJ
muito baixa”, explica. 26,4% 32,6%
PR
44,8%
Legenda:
As diferenças também estão presentes em SC
51,5%
relação ao gênero. Meninas apresentam me- 0%-30% 61%-70%
RS
nores índices de privação na dimensão educa- 44,2%
31%-40% 71%-80%
ção, mas têm percentuais maiores no que se
41%-50% 81%-90%
refere ao trabalho infantil (mais sobre as desi-
Fonte: Elaboração
gualdades em cada dimensão no Capítulo 3). 51%-60% 91%-100% própria com Pnad Contínua.
80%
75,2%
73,2%
72,5%
60%
52,3%
50,7%
49,2%
40%
20%
Branca e amarela Negra e indígena Fonte: Elaboração própria com Pnad Contínua.
17
Capítulo 2 ● Resultados gerais
Isso significa que, de cada dez privações que Neri também afirma que a falta de sanea-
afetam crianças e adolescentes de 0 a 17 anos no mento causa problemas sérios para crianças
Brasil, três estão associadas à falta de banheiro e adolescentes. “Doenças de origem hídrica
de uso exclusivo ou de saneamento adequado. implicam um pior desenvolvimento físico e
mental, reduzindo comportamentos associa-
Outras três estão associadas a níveis de ren- dos à maior acumulação de capital humano e
da muito baixos, inferiores aos das linhas de levando a menor produtividade quando adul-
pobreza ou de pobreza extrema. Em seguida, to”, alerta. Segundo ele, a oferta de serviços
com índices bem menores, vêm as privações de água e esgoto melhora de forma signifi-
relacionadas a informação, moradia e educa- cativa os indicadores sociais no longo prazo.
ção, com 10%, 7,4% e 6,9%, respectivamente.
Como acontece com a quantidade de crian-
Esse cenário é ainda mais preocupante con- ças e adolescentes afetados(as) pela pobreza
siderando que as privações em saneamento em suas múltiplas dimensões, também existe
e renda estão crescendo em termos da sua grande disparidade entre as regiões e entre as
participação no total de privações (veja gráfi- unidades da Federação no que diz respeito à
co) e têm um impacto muito grande em outras
dimensões, como educação e alimentação.
19
A dimensão alimentação não entra no gráfico de de-
composição das privações porque utiliza, além da Pnad
Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas So- Contínua, outra fonte de dados para o seu cálculo geral,
ciais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social) a POF 2017-2018.
Renda
(0-17 anos)
20.633.284
Educação
(4-17 anos)
4.350.065
Trabalho infantil
(5-17 anos)
2.124.658
Moradia
(0-17 anos)
4.638.326
Água
(0-17 anos)
3.490.168
Saneamento
(0-17 anos)
21.233.635
Informação
(9-17 anos)
6.282.686
Crianças e adolescentes
com uma ou mais 32.061.239
privações
0 5.000.000 10.000.000 15.000.000 20.000.000 25.000.000 30.000.000 35.000.000
18
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
contribuição de cada uma dessas dimensões Decomposição das privações por dimensões
na pobreza multidimensional.
saneamento, diferentemente do que acontece O gráfico é referente à proporção de privações no Brasil e não à proporção de crianças e adolescentes afetados(as)
no restante do País. por cada uma das privações. Uma mesma criança ou adolescente pode ser afetado(a) por várias privações.
© UNICEF/BRZ/Gabriela Portilho
19
Capítulo 2 ● Resultados gerais
20
UNFPA/UNICEF. Pobreza menstrual no Brasil: desigualdades e violações de direitos. Brasília: UNFPA/UNICEF, 2021.
Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/14456/file/dignidade-menstrual_relatorio-unicef-unfpa_maio2021.pdf.
21
Absorvente descartável, absorvente de tecido reutilizável, coletor menstrual descartável ou reutilizável, calcinha menstrual,
entre outros produtos usados para absorção do fluxo menstrual.
20
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
quada passou de 25% em 2019 para 31% em de pobreza monetária. Por outro lado, entre
2021, ante 12% para 18% no mesmo período, os 38,5% de crianças e adolescentes pobres
observado entre meninos e meninas de cor/ em renda, mais de dois terços apresentavam
raça branca ou amarela (mais sobre este tema também alguma privação não monetária.
no Capítulo 3).
Para se ter uma ideia do impacto desse cenário, Relação entre pobreza monetária e não monetária entre
antes da pandemia, em 2019, cerca de 30% crianças e adolescentes (2019) — Pnad Contínua
das crianças indígenas brasileiras até 5 anos já
eram afetadas por desnutrição crônica (baixa
estatura para a idade). Entre os ianomâmis, o
Pobreza não monetária
percentual chegava a 81,2%, segundo pesquisa
feita pelo UNICEF em parceria com a Fiocruz, a
Sem Com
Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), a Faixa etária 0 a 17 anos privação privação Total
Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição
(Cgan), do Ministério da Saúde (MS), e a Funai.22
Não pobre 37,9% 23,5% 61,5%
22
Pesquisa realizada nas aldeias do polo-base de Auaris, em Roraima, e do polo-base de Maturacá, no Amazonas: UNICEF.
UNICEF alerta sobre desnutrição crônica de crianças yanomamis. Brasília, 28 out. 2019. Disponível em: https://www.unicef.
org/brazil/comunicados-de-imprensa/unicef-alerta-sobre-desnutricao-cronica-de-criancas-ianomamis.
21
Capítulo 2 ● Resultados gerais
O impacto das mudanças climáticas e faixa etária de 5 a 11 anos, que agora respon-
de situações de emergência, como a da de por pouco mais da metade do total global.
pandemia de covid-19, nas privações
de direitos Também despertam preocupação os impactos
que as mudanças climáticas podem ter nas di-
Embora não haja dados disponíveis para mensões da pobreza que afetam crianças e ado-
2020, 2021 e 2022 em todas as dimensões e lescentes, como moradia, água, saneamento,
indicadores avaliados pelo estudo do UNICEF, educação e alimentação. Afinal, são as famílias
foi possível identificar que a pandemia teve mais pobres que, além de terem menor acesso
um impacto grande entre crianças e adoles- a domicílios adequados, água limpa ou esgoto
centes vulneráveis. tratado, e de estarem mais expostas à violência,
vivem em áreas geograficamente mais sujeitas
Na dimensão trabalho infantil, por exemplo, a desastres, inundações e secas, sem recursos
estudos como o produzido pela Organização para se adaptar às consequências ambientais,
Internacional do Trabalho (OIT) e pelo UNICEF, sociais e econômicas das mudanças climáticas.
em 2021,23 indicam que, no mundo todo, um
número significativo de crianças e adolescen- De acordo com o relatório Crianças, adolescen-
tes ingressaram nessa situação em razão das tes e mudanças climáticas no Brasil,24 lançado
consequências da covid-19 (mais dados sobre pelo UNICEF em 2022, 40 milhões de meninos e
isso no Capítulo 3). Entre 2016 e 2020, houve meninas estão expostos(as) a mais de um risco
um aumento de 8,4 milhões na quantidade de climático ou ambiental (60% do total). Por esta-
meninos e meninas envolvidos(as) em trabalho rem em uma fase mais sensível de desenvol-
no mundo, e um crescimento importante na vimento, eles(as) são os(as) mais diretamente
23
OIT/UNICEF. Child labour: global estimates 2020, trends and the road forward. Genebra e Nova York: OIT/UNICEF, 2021.
Disponível em: https://data.unicef.org/resources/child-labour-2020-global-estimates-trends-and-the-road-forward/.
24
UNICEF. Crianças, adolescentes e mudanças climáticas no Brasil. Brasília: UNICEF, 2022. Disponível em: https://www.
unicef.org/brazil/media/21346/file/criancas-adolescentes-e-mudancas-climaticas-brasil-2022.pdf.
22
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
© UNICEF/BRZ/Gabriela Portilho
prejudicados(as) por esses eventos, o que pode Os resultados gerais desse estudo do UNICEF,
levar à ruptura de seus vínculos protetivos e à aqui descritos, mostram que os avanços con-
violação de seus direitos fundamentais. quistados na garantia dos direitos de crianças
e adolescentes ao longo dos anos em vários
Rodrigo Resende, oficial da área de Água, campos podem se estagnar e regredir, prin-
Saneamento e Higiene (WASH), do UNICEF cipalmente em situações de crise, como a
Brasil, ressalta que a situação é ainda mais pandemia de covid-19.
crítica para crianças e adolescentes que vi-
vem em situação de maior vulnerabilidade e Também ressaltam que os desafios estru-
já sofrem privações em diferentes dimensões, turais e as desigualdades regionais, raciais
como negros(as), indígenas, quilombolas e e de gênero persistem no Brasil, apesar de
pertencentes a outros povos e comunidades todos os esforços feitos no últimos anos para
tradicionais, migrantes e/ou refugiados(as), melhorar as condições de vida de todos os
além de crianças e adolescentes em situação meninos e de todas as meninas do País.
de rua ou com deficiência, e meninas.
Diante da gravidade desse cenário, é urgente
Por isso, essa população, segundo ele, deve que as respostas à pobreza multidimensional
ser priorizada nos debates e políticas voltados na infância e na adolescência sejam simultâ-
ao enfrentamento das mudanças climáticas. neas e integradas.
Isso, porém, ainda está longe de acontecer.
De acordo com o relatório, a maioria das Os desafios são muitos e o objetivo desta
políticas públicas e dos planos nacionais publicação é ser uma ferramenta de apoio
referentes ao clima e ao meio ambiente para que os(as) gestores(as) públicos(as) pos-
menciona pouco ou ignora completamente sam mapeá-los e enfrentá-los, priorizando
as vulnerabilidades específicas de crianças as dimensões em que as privações se agra-
e adolescentes, em geral, e desses grupos varam nos últimos anos, o planejamento de
mais vulneráveis, em particular (conheça as programas e políticas e o dimensionamento
recomendações do UNICEF no Capítulo 4). de recursos que serão alocados para isso.
23
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
As gêmeas Aila e Alice, do Recife. Em Pernambuco, 64,3% das crianças e dos(as) adolescentes
tinham alguma privação monetária, em 2021, o que também impactou no acesso ao direito
a uma alimentação adequada
© UNICEF/BRZ/Gabriela Portilho
24
As Múltiplas Resultados
Dimensões por
da Pobreza
dimensãona Infância e na Adolescência no Brasil
3 ALIMENTAÇÃO,
EDUCAÇÃO E RENDA
PIORAM DURANTE
A PANDEMIA
Aumento nas privações nos últimos três anos aponta para um cenário
preocupante, que pode ampliar ainda mais as desigualdades regionais
e raciais/étnicas persistentes em todas as dimensões que compõem
a pobreza multidimensional
E
ntre 2020 e 2022, os dados analisados Apesar de os dados de cada dimensão serem
por este estudo revelam um agrava- aqui apresentados separadamente, cada um deles
mento na situação de privação de di- representa um direito humano, e os direitos huma-
reitos de meninos e meninas em todo o País, nos são indivisíveis. A indivisibilidade de direitos
com aumento do analfabetismo, da pobreza é uma das bases da Convenção sobre os Direitos
extrema e da fome, e com impactos impor- da Criança. Segundo esse princípio, os direitos
tantes nos grupos e territórios vulneráveis. humanos são inter-relacionados, interdependen-
tes e devem ser assegurados conjuntamente.
Para entender melhor as múltiplas privações
a que estão expostos(as) e os desafios para Ao longo deste capítulo, as histórias de vida, des-
reduzi-las, foi feita uma análise específica tacadas na seção Cenários para o enfrentamento,
de cada dimensão da pobreza que compôs mostram, na prática, a inter-relação entre as múlti-
o estudo do UNICEF: alimentação, renda, plas dimensões da pobreza e seu impacto na vida
educação, trabalho infantil, moradia, água, de meninos e meninas de três territórios prioritá-
saneamento e informação. rios do UNICEF (Semiárido, Amazônia e Sudeste).
25
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
ALIMENTAÇÃO
Na última década, essa dimensão vinha apresentando uma melhora significativa,
com uma redução de mais de 8 pontos percentuais na quantidade de crianças e
adolescentes com privações no acesso à alimentação. A pandemia, no entanto,
alterou bastante o cenário, colocando quase 4 milhões de meninos e meninas
nessa situação
Para mostrar a situação da dimensão alimen- Grande região (Norte, Nordeste, Sudeste,
tação25 nos anos mais recentes, este estudo Sul e Centro-Oeste)
analisa dados da POF 2017/2018 sobre a ren-
da considerada necessária pela família para
prover um padrão de alimentação adequada, Área (urbana/rural)
e também da Pnad Contínua, que permite
identificar o percentual de crianças abaixo da Quartil de renda monetária familiar per ca-
linha considerada necessária para alimenta- pita (primeiro ao quarto quartil).
ção de uma família por cada grupo.
Na POF 2017/2018, há médias de renda per Assim, o País é separado em 40 grupos, cada
capita mínima para alimentação adequada qual com uma renda mensal per capita mínima
por três tipos de características: para alimentação adequada (gráfico abaixo).
Média da renda mensal per capita para alimentação adequada (R$ mensais, a preços de
janeiro de 2018) — POF
1000
800
600
400
200
0
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
1º Quartil
2º Quartil
3º Quartil
4º Quartil
1º Quartil
2º Quartil
3º Quartil
4º Quartil
1º Quartil
2º Quartil
3º Quartil
4º Quartil
1º Quartil
2º Quartil
3º Quartil
4º Quartil
1º Quartil
2º Quartil
3º Quartil
4º Quartil
1º Quartil
2º Quartil
3º Quartil
4º Quartil
1º Quartil
2º Quartil
3º Quartil
4º Quartil
1º Quartil
2º Quartil
3º Quartil
4º Quartil
1º Quartil
2º Quartil
3º Quartil
4º Quartil
1º Quartil
2º Quartil
3º Quartil
4º Quartil
Rural Urbano Rural Urbano Rural Urbano Rural Urbano Rural Urbano
Para medir o acesso das crianças e dos(as) adolescentes brasileiros(as) à alimentação adequada, um dos dados utilizados pelo estudo do UNICEF é o que diz
respeito à renda que cada família percebe como a mínima necessária para comprar alimentos na qualidade e na quantidade de que precisa, a cada mês. O dado
é coletado pelo questionário da POF, que também permite que as famílias respondentes sejam agrupadas conforme a região do País e o meio (rural ou urbano)
onde vivem. No estudo do UNICEF, além desses dois recortes geográficos, as famílias foram ordenadas em quartis (quatro subgrupos de mesmo tamanho)
conforme suas respostas. As famílias do primeiro quartil são as que consideram precisar de menos dinheiro, por pessoa, para acessar uma dieta adequada, e
as famílias do quarto quartil são as que consideram precisar de mais. Os resultados revelam diferenças marcantes na percepção das famílias brasileiras sobre o
valor de que necessitam para se alimentar adequadamente. Há discrepâncias regionais, locais e até entre quartis de um mesmo local. O contraste mais extremo
aparece entre Norte e Sudeste, considerando famílias do quarto quartil que vivem no meio rural. Enquanto as famílias do Norte indicam precisar de pouco
menos de R$ 500 por mês, em média, para comprar os alimentos de que necessitam, as do Sudeste afirmam precisar do dobro.
25
Não há dados disponíveis sobre alimentos ultraprocessados e má nutrição nas pesquisas analisadas. Assim, essas ques-
tões não foram consideradas neste estudo.
26
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
Para dimensionar as privações de acesso nessa Crianças e adolescentes privados(as) de renda familiar
dimensão ao longo dos anos, é preciso que a per capita necessária para a alimentação adequada —
renda seja reajustada periodicamente. Como Pnad Contínua
as cestas de consumo alimentar diferem forte-
mente entre regiões, áreas e quartis de renda,
30%
foi preciso calcular a inflação de alimentos para
cada um dos 40 grupos (representados no grá-
fico da pág. 26). 25%
25,7%
27
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
Privação no acesso à alimentação, 0-17 anos — POF geral da cesta de consumo, o que reforça a
importância de estratégias que garantam o
15% acesso das famílias mais pobres aos alimentos.
13,4%
Esses resultados evidenciam uma reversão na
12% 12,4%
melhoria obtida na última década em relação
10,8% ao acesso à alimentação. Os dados disponíveis
no período anterior à pandemia de covid-19
9%
mostravam uma redução nas privações nesse
campo, principalmente da privação extrema –
6,8% o que significa viver em um domicílio cuja ren-
6%
da familiar se encontra abaixo do considerado
suficiente para a alimentação e cujo padrão
de alimentação não é considerado adequado
3%
pela própria família (confira o gráfico ao lado).
Entre 2009 e 2018, o percentual de crianças
e adolescentes nessa situação havia passa-
0
do de 13,4% para 6,8%. A queda na privação
2009 2018 intermediária foi bem menor, de menos de 2
Privação intermediária* Privação extrema** pontos percentuais.
RR AP RR AP
34,3% 21,5% 18,4% 18,1%
AM PA AM PA
35,3% 33,2% MA CE 27,6% 32,6% MA CE
37,7% 32% RN 36,5% 27,6% 23,9% RN 20,5%
PI PB 28,5% PI PB 31%
AC 32,3% PE 34,1%
AC 19,8% PE 24,1%
TO AL 49,2% TO AL 28,3%
36,5% RO 28,1% SE 32,7% RO 20,9% SE
25,3% 33,9% 10,5% 20,9%
BA BA
MT 37,9% MT 23,7%
22,5% 14,6%
DF DF
29,2% 10,6%
GO GO
20,7% 11,9%
MG MG
21,1% 11,6%
ES ES
MS 22,3% MS 14,3%
11,4% 7,2%
SP RJ SP RJ
19% 20,5% 13,2% 16%
PR PR
18,1% 12%
Legenda:
SC SC
14,9% 5,7%
0%-10% 11%-20% 21%-30%
RS RS
16,9% 8,9%
31%-40% 41%-50%
28
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
As exceções foram o Pará, que teve uma queda Privação no acesso à alimentação, 0-17 anos, por
de apenas 0,6 ponto percentual, e a Paraíba, cor/raça — POF
que registrou um aumento no indicador, de
28,5% para 31%. 35%
30% 17%
Marcelo Neri, diretor do FGV Social e professor
da EPGE-FGV, avalia que a melhora geral dos 25%
Branca e amarela
Branca e amarela
Negra e indígena
Negra e indígena
o Bolsa Família. Ao priorizar os mais pobres, 4,7%
10% 12%
10,3%
essas políticas davam vantagem a regiões com 8,4%
maiores populações em situação de pobreza. 5%
0 2009 2018
Já as diferenças entre estados se explicam
mais pelo que ele chama de “diferencial de
Privação intermediária* Privação extrema**
proatividade política”, ou seja, por iniciativas
locais e estaduais. Fonte: Elaboração própria com POF.
*
Criança e adolescente de 0 a 17 anos que vivem em um domicílio cuja renda familiar se encon-
Em relação a cor/raça, como nas demais di- tre abaixo do considerado suficiente para alimentação, mas o padrão de alimentação é conside-
mensões, as desigualdades persistem apesar rado adequado pela própria família.
da redução nas privações de alimentação veri- **
Criança e adolescente de 0 a 17 anos que vivem em um domicílio cuja renda familiar se en-
ficada entre 2009 e 2018. No entanto, a queda contre abaixo do considerado suficiente para alimentação, e o padrão de alimentação não é
considerado adequado pela própria família.
foi maior para as crianças e os(as) adolescen-
tes de cor/raça negra e indígena em relação
à privação extrema, que passou de 17% para é Insegurança alimentar no Brasil: pandemia,
7,6%, uma redução de quase 10 pontos per- tendências e comparações internacionais,27 de
centuais. Para as crianças e os(as) adolescen- autoria de Neri, publicada em maio de 2022.
tes de cor/raça branca e amarela, a redução A pesquisa, feita a partir do processamento
foi de pouco mais de 4 pontos percentuais. dos dados do Gallup World Poll, mostra que
a parcela de brasileiros que não tiveram di-
Neri atribui essa queda mais acentuada para nheiro para alimentar a si ou a sua família em
o grupo de crianças e adolescentes negros(as) algum momento nos últimos 12 meses subiu
e indígenas ao impacto que programas como de 30% em 2019 para 36% em 2021, atingindo
o Bolsa Família acabaram tendo no período. um novo recorde da série, iniciada em 2006.
“Era uma política que, por buscar as crian- De acordo com o autor, é a primeira vez des-
ças mais pobres, acabava encontrando com de então que a insegurança alimentar brasi-
maior facilidade as crianças negras e indí- leira supera a da média simples mundial, o
genas”, explica. Tal aspecto do programa foi que para um país apelidado de “fazenda do
recentemente avaliado pelo Ipea com o apoio mundo” pela produção agrícola é paradoxal.
do UNICEF,26 confirmando sua focalização pre-
cisa nos mais pobres. A análise aponta ainda que os mais atingidos
foram as populações mais vulneráveis. O au-
Cenário durante a pandemia mento da insegurança alimentar entre os 20%
mais pobres no Brasil durante a pandemia foi
Diversas pesquisas corroboram a tendência de de 22 pontos percentuais, passando de 53% em
piora na dimensão alimentação durante a pan- 2019 para 75% em 2021, índice próximo ao de
demia observada por este estudo. Uma delas países com maior insegurança alimentar no
26
CONSELHO DE MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. Transferência de Renda Diretamente às Famílias
em Condição de Pobreza e Extrema Pobreza. Brasília, 2020. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-a-informa-
cao/participacao-social/conselhos-e-orgaos-colegiados/cmap/politicas/2020/gastos-diretos/relatorio_avaliacao-cmag-2020-pbf.pdf.
NERI, Marcelo C. Insegurança alimentar no Brasil: pandemia, tendências e comparações internacionais. Rio de Janeiro: FGV
27
29
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
28
Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal/UNICEF/Itaú Social. Desigualdades e impactos da covid-19 na atenção à primeira infância,
São Paulo, 2022. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/20221/file/desigualdades-e-impactos-da-covid-19-na-aten-
cao-a-primeira-infancia.pdf.
29
UNICEF. Alimentação na primeira infância: conhecimentos, atitudes e práticas de beneficiários do Programa Bolsa Família. Marília
Barreto Pessoa Lima, Pedro Ivo Alcantara, Stephanie Amaral (coord.). Brasília: UNICEF, 2021. Disponível em: https://www.unicef.org/
brazil/media/17121/file/alimentacao-na-primeira-infancia_conhecimentos-atitudes-praticas-de-beneficiarios-do-bolsa-familia.pdf.
30
BRASIL. Em lançamento de campanha contra obesidade infantil, Ministério da Saúde anuncia 90 milhões para a prevenção e
cuidado da doença. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS), 10 ago. 2021. Disponível em: https://
aps.saude.gov.br/noticia/13378.
30
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
© UNICEF/BRZ/Gabriela Portilho
De acordo com o II Inquérito Nacional sobre com crianças com até 10 anos. Entre o final
Insegurança Alimentar no Contexto da Pande- de 2020 e o início de 2022, a taxa praticamen-
mia da Covid-19 no Brasil (II Vigisan), realizado te dobrou, passando de 9,4% para 18,1%.
pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania Para Marcelo Neri, a piora da insegurança
e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede alimentar é consistente com os dados de
Penssan) entre novembro de 2021 e abril de pobreza, com o forte aumento da desigual-
2022, a insegurança alimentar aumentou no dade e com a diminuição dos programas
País, especialmente sua manifestação mais sociais dos últimos anos.
grave — o que significa conviver com a fome.
Segundo Cristina Albuquerque, do UNICEF,
O relatório revela que em 28% dos domicílios o enfrentamento desse quadro implica uma
havia incerteza quanto ao acesso aos alimentos, série de ações, que vão desde a promoção
além da qualidade da alimentação já compro- do aleitamento materno desde a primeira
metida (o que configura insegurança alimentar hora de vida até a criação de leis que pro-
leve). Já em 30,1% dos domicílios havia res- tejam e fortaleçam a produção local e sus-
trição quantitativa a alimentos; entre esses, tentável de alimentos, além de incentivar
15,5% conviviam com a fome (insegurança ali- as práticas culinárias tradicionais.
mentar grave). Em números absolutos, esses
percentuais correspondem a 125,2 milhões de A chefe da unidade de Saúde e HIV/aids
pessoas com insegurança alimentar e a mais também sugere a implantação de feiras,
de 33 milhões em situação de fome. mercados locais, restaurantes populares e
cozinhas comunitárias como medida para
Ainda segundo o Vigisan, em termos geográfi- incentivar o acesso a uma alimentação
cos, a fome atinge com mais força os domicílios saudável e para apoiar as comunidades
rurais (18,6%) e as famílias que residem nas re- mais vulneráveis no combate à fome. Por
giões Norte (25,7% do total) e Nordeste (21%). fim, ela ressalta a importância de reforçar o
Além disso, está presente em 43% das famílias trabalho intersetorial entre a rede de aten-
com renda per capita de até 1/4 do salário míni- ção primária de saúde, assistência social
mo, e atinge mais as famílias que têm mulheres e educação para identificar famílias com
como responsáveis e/ou aquelas em que a pes- maior insegurança alimentar, com crianças,
soa de referência (chefe) se denomina de cor gestantes e adolescentes em risco nutri-
preta ou parda. O levantamento mostrou ainda cional, e tomar as devidas providências
que houve uma piora da fome nos domicílios (veja mais sobre o assunto no Capítulo 4).
31
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
Cenários para o enfrentamento
© UNICEF/BRZ/Gabriela Portilho
32
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
RECIFE
Em 2021, 64,3% das crianças e dos(as) adolescentes de Pernambuco viviam com privações
de renda, segundo o estudo do UNICEF. Hoje, muitos(as) deles(as) enfrentam dificuldades
para se alimentar ou passam fome
N
o Recife, dezenas de pessoas, Família.1 O marido, Sandro Cavalcante aí eu dava água para elas para passar
em geral mulheres, recorrem Roque, 39 anos, ganha em média R$ a fome, para conseguirem dormir. Elas
à área de descarte de produ- 300 por mês fazendo bicos como carre- acordavam, pediam comida e eu conti-
tos vencidos de supermercados para gador de hortifrútis no Centro de Abas- nuava dando água”, relata.
alimentar os filhos, em momentos de tecimento e Logística de Pernambuco
extrema necessidade. (Ceasa-PE). Isabel consegue mais alguns A família sobrevive dos auxílios do go-
trocados vendendo pipoca e água mi- verno federal e dos R$ 200 dos bicos
Já antes da pandemia, em 2019, quase neral nos semáforos. de pedreiro do marido. Ela é outra que
60% das crianças e dos(as) adolescentes também depende das cestas básicas do
de até 17 anos, o equivalente a quase 1,5 Somadas as rendas fixa e variáveis, cada centro comunitário.
milhão de meninos e meninas, viviam membro da família sobrevive com me-
em privação de renda no estado de Per- nos de R$ 5 por dia, menos da meta- A catadora de material reciclável Cícera
nambuco, segundo o estudo do UNICEF. de do que o Banco Mundial considera Marta da Silva, 43 anos, vive a mesma
Em 2021, esse percentual chegou a 64,3%. o limiar da extrema pobreza. “Ou eu apreensão diária de não ter o que pôr
compro remédios, fraldas e leite para à mesa. As mãos quase sempre vertem
Disso decorre que quatro entre dez pes- as meninas, ou a gente come. Prefiro água de tantos calos, mas ela põe lu-
soas do estado estão em situação de dar às minhas filhas”, diz. vas e sai às ruas empurrando o carrinho
insegurança alimentar moderada ou de mão atrás de latas, vidros, plástico,
grave. Ou seja, passam fome ou en- Comer o que gosta é um luxo. Aruna ferro, qualquer coisa que possa render
frentam dificuldade para se alimentar, adora feijão, mas raramente come por- algum dinheiro. Há uma razão para o
aponta o II Inquérito Nacional sobre que custa caro e o preparo consome sacrifício. “É triste quando um filho diz:
Insegurança Alimentar no Contexto da gás. Volta e meia a menina diz: “Mãe, a ‘Mainha, estou com fome’, e não tem
Pandemia da Covid-19 no Brasil (Vigi- senhora fez o meu feijão?”, conta Isabel. uma bolacha para ele comer”, lamenta.
san), realizado pela Rede Brasileira de
Pesquisa em Soberania e Segurança Nas horas de desespero, Isabel pede Cícera mora com a mãe, de 74 anos,
Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), socorro aos vizinhos ou ao Centro Co- e os filhos de 11, 13 e 24 anos numa
entre novembro de 2021 e abril de 2022. munitário Mário Andrade, uma âncora casa de tijolos sem reboco, de 40 me-
solidária do Ibura, o quinto bairro mais tros quadrados. Recebe R$ 600 do Bolsa
“A gente compra carcaça de galinha, é populoso do Recife, com 50 mil morado- Família2 e cerca de R$ 150 por mês com
mais barato. Pescoço, pés de galinha, res, segundo dados da prefeitura. a reciclagem. Sempre precisa recorrer à
costelas, só isso”, diz Isabel Natália da ajuda da mãe, que ganha 1 salário mí-
Silva, 35 anos. Isabel tem cinco filhos: Vizinha de Isabel, Laudicéia Maria da nimo de benefício social do governo.
Miguel Henrique, 16 anos, João Jean, Silva, 42 anos, também lamenta não Ainda assim, não basta. “Às vezes, não
12 anos, Aruna Ariane, 3 anos, e as gê- poder alimentar as duas filhas: Érica, 4 tem nem um ovo”, salienta. “O que a
meas Aila e Alice, 1 ano e meio. A única anos, e Camile, 17 anos. “Tinha noites gente come direto é cuscuz com ovo,
renda garantida são os R$ 600 do Bolsa que elas diziam ‘Mainha, quero comer’, salsichinha, hambúrguer, mortadela.”
1
Na época da entrevista, em outubro de 2022, o programa chamava-se Auxílio Brasil.
2
Idem.
33
● Resultados
Capítulo 3para
Cenários o enfrentamento ● Recife
por dimensão
3
UNICEF. Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Brasília, 2021. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/16421/file/
panorama-violencia-letal-sexual-contra-criancas-adolescentes-no-brasil.pdf.
34
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
go, Isabel, o marido e os cinco filhos de a gente não tem esgoto. Tudo vai di- e para os gêmeos Bruno Tiago e Bru-
1 ano e meio a 16 anos foram acomoda- reto para a maré”, conta. A água do no Emanuel. “Faz dois meses que um
dos em uma casa provisória por iniciati- córrego passa sempre turva, rente às dos gêmeos caiu aí na maré, quase que
va de Joelma Andrade de Lima, diretora palafitas, com todo tipo de lixo apa- morreu afogado. Um vizinho salvou
do Centro Comunitário Mário Andrade. rente à superfície. “Direto eles ficam ele”, lembra Alexandra.
doentes, por causa da frieza da maré.
A casinha de Alexandra Araújo também Eles vivem aí dentro”, conta a mãe. Em 2019, Pernambuco tinha um déficit
foi parcialmente destruída, e ela teve de 246 mil moradias, 113 mil apenas
de se mudar para um barraco ao lado. Embora tenha se mudado para a casa no Recife e na região metropolitana,
Agora, precisa pagar R$ 200 de aluguel. ao lado, os meninos ainda têm acesso conforme levantamento da Fundação
aos escombros da palafita, que não João Pinheiro. Segundo o estudo do
“Se a gente não invadir a maré, não tem mais paredes na parte voltada UNICEF, 7% das crianças e dos(as) ado-
tem canto para morar”, justifica. E dis- para o córrego. O lugar virou área de lescentes de até 17 anos viviam em mo-
so se origina outro problema. “Aqui lazer para Samuel, Aleff, Bruno Miguel radias inadequadas no estado em 2020.
© UNICEF/BRZ/Gabriela Portilho
“A gente compra carcaça de galinha, é mais barato. Pescoço, pés de galinha, costelas, só isso”, diz Isabel Natália da Silva, que vive com os
cinco filhos, em Recife(PE). Na foto, as filhas gêmeas.
35
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
RENDA
Depois de registrar uma redução significativa nas privações de renda de crianças e
adolescentes entre 2009 e 2018, o Brasil se manteve com indicadores relativamente
estáveis até 2020. Com a pandemia, a situação regrediu a patamares já superados, o
que contribuiu para agravar a situação dos grupos mais vulneráveis, considerando o
impacto que a pobreza monetária tem sobre as privações de direitos
Privação monetária, 0-17 anos — Pnad Contínua e Nos anos 2017 a 2019, analisados nesse estu-
POF do com base na Pnad Contínua, o percentual de
crianças e adolescentes com alguma privação
de renda se manteve relativamente estável. No
Pnad Contínua
ano seguinte, houve uma pequena queda no
caso da privação extrema.31 Em 2021, porém,
50% tanto a privação intermediária32 quanto a extre-
ma alcançaram os maiores níveis em relação
40% 16,1% ao período analisado (26,2% e 16,1%, respecti-
13,8% 14,4% 14,6%
11% vamente), em decorrência da crise econômica
30% desencadeada pela pandemia de covid-19.
25,7% 25,3% 26,2%
20% 24,2% 23,9%
Esse cenário representa um retrocesso preo-
cupante em relação aos avanços que o País
10% tinha obtido entre 2009 e 2018, segundo dados
da POF. Nesse período, houve uma redução
0 significativa, de cerca de 9 pontos percentuais,
2017 2018 2019 2020 2021
na quantidade de crianças e adolescentes pri-
vados(as) de um nível mínimo de renda para
POF a satisfação de suas necessidades.
Nota: A dimensão renda tem dados disponíveis até a Pnad Contínua Anual de 2021.
*
Criança e adolescente de 0 a 17 anos que vivem em um domicílio cuja renda familiar se encontre abaixo da linha Equivale à linha de pobreza extrema internacional do Banco
31
36
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
avanço na redução das privações relativas à Privação monetária (2021) – Pnad Contínua
renda na maioria das unidades da Federação,
entre 2009 e 2018, segundo a POF (veja ma-
pas no Anexo). A exceção a essa tendência de RR AP
56,5% 61,2%
queda foram os estados do Acre, na Região
Norte, e do Rio de Janeiro, na Sudeste, em
que a redução foi bem menor do que no res- AM PA
65,4% MA CE
tante do País – abaixo de 3 pontos percentuais. 57,3%
69,3% 60,7% RN 59,7%
PI PB 61,1%
59,8% PE 64,3%
Os resultados do estudo também revelam uma AC
TO AL 63,7%
58,4% RO 42,5% SE
grande desigualdade racial. As diferenças entre 45,7%
BA 58,7%
MT
os percentuais de crianças e adolescentes de 28,3%
61,6%
DF
cor/raça branca e amarela e de cor/raça negra e 24%
indígena ultrapassam os 10 pontos percentuais GO
35,1%
em todos os anos da Pnad Contínua analisados. MG
37,5%
ES
MS 38%
32,7%
Essa tendência também se verifica na POF. No SP
27,1%
RJ
35,8%
período entre 2009 e 2018, mesmo com uma Legenda: PR
24,8%
redução na proporção de crianças e adolescen-
0%-9% 36,1%-45% SC
tes com privações de renda, a desigualdade 16,7%
racial persistiu, atingindo de forma mais sig- 9,1%-18% 45,1%-54% RS
21,5%
nificativa crianças e adolescentes de cor/raça 18,1%-27% 54,1%-63%
negra e indígena (veja gráficos na pág. 38). Fonte: Elaboração
27,1%-36% 63,1%-72% própria com Pnad Contínua.
Segundo o IBGE, em 2020, o número de traba- Até o início de 2020, segundo o estudo, os per-
lhadores informais totalizava 33,3 milhões de centuais de crianças e adolescentes vivendo
pessoas, subindo para 36,6 milhões em 2021. abaixo da linha de pobreza monetária e na po-
Com isso a taxa de informalidade passou de breza monetária extrema eram o dobro dos de
38,3% em 2020 para 40,1% em 2021.33 adultos: cerca de 40% versus 20% na primeira
situação, e 12% versus 6% na segunda. Meninos
No total, 66 milhões de pessoas dependeram e meninas de cor/raça negra e indígena e que vi-
de transferências de renda emergenciais no vem nas regiões Norte e Nordeste também eram
Brasil, segundo o estudo Pobreza infantil mo- mais afetados(as) pela insuficiência de renda,
netária no Brasil: impactos da pandemia na em comparação com os(as) de cor/raça branca e
renda de famílias com crianças e adolescentes, amarela que vivem nas demais regiões do País.
do UNICEF, publicado em março de 2022.34
Com o pagamento do Auxílio Emergencial, o
Uma vez que as respostas foram diminuindo, percentual de brasileiros(as) vivendo na pobre-
os patamares de privação voltaram a crescer. za monetária e na pobreza monetária extrema
De acordo com a chefe de Políticas Sociais, caiu significativamente. No segundo e terceiro
Monitoramento e Avaliação do UNICEF, a trimestres de 2020, o percentual da população
pesquisa mostrou claramente a influência adulta em situação de pobreza monetária caiu de
33
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua. Principais destaques da evolução do
mercado de trabalho no Brasil: 2012-2021. Rio de Janeiro, 2022. Disponível em: https://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Ren-
dimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continua/Principais_destaques_PNAD_continua/2012_2021/
PNAD_continua_retrospectiva_2012_2021.pdf.
34
UNICEF. Pobreza infantil monetária no Brasil: impactos da pandemia na renda de famílias com crianças e adolescentes.
Brasília: UNICEF, 2022. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/relatorios/pobreza-infantil-monetaria-no-brasil.
37
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
6% para cerca de 4%, enquanto o de crianças e Em 2021, o Auxílio Emergencial foi suspen-
adolescentes diminuiu de 12% para cerca de 6%. so no primeiro trimestre. Com isso, o per-
centual de pobreza monetária ficou 1 ponto
Quando o valor e o número de beneficiários percentual acima do do primeiro trimestre
do auxílio foram reduzidos, no final de 2020, de 2020, e o de pobreza extrema, cerca de
a pobreza monetária aumentou novamente, 2,5 pontos percentuais acima. Esses índi-
voltando a patamares próximos aos de 2019. ces correspondem a mais 440 mil crianças
No caso da pobreza monetária extrema, os e adolescentes de até 14 anos na pobreza
percentuais ficaram um pouco abaixo da- monetária e a mais 1 milhão de meninos
queles do último trimestre de 2019 (6,1% em e meninas na pobreza monetária extrema.
2020 ante 7,4% em 2019), porque, mesmo com
metade do valor, o benefício ainda permitia Com o retorno do programa no segundo e ter-
às famílias alcançar uma renda per capita aci- ceiro trimestres de 2021, ainda que com valor
ma da linha da pobreza. Sem o Auxílio Emer- menor – cerca de 1/5 do valor do ano anterior–,
gencial, os percentuais da população abaixo os níveis de privação de renda voltaram a cair,
das linhas de pobreza monetária teriam sido mas em menor escala do que no ano anterior.
cerca de 10 pontos percentuais maiores no A pobreza monetária infantil ficou em torno
segundo e terceiro trimestres de 2020 – o que de 39,5%, cerca de 1 ponto percentual abaixo
corresponderia a 4,4 milhões de crianças e do período anterior à pandemia. Já a pobreza
adolescentes de 0 a 14 anos. monetária extrema dessa população caiu para
cerca de 10%, dois pontos percentuais abaixo
da média registrada em 2019.
Privação monetária, 0-17 anos, por cor/raça – Pnad
Contínua e POF O estudo do UNICEF evidencia, assim, que
o Auxílio Emergencial foi responsável, nos
Pnad Contínua períodos em que esteve em vigor, por evi-
tar que cerca de 1,8 milhão de crianças e
60%
adolescentes de até 14 anos estivessem em
17,8%
20,2% situação de pobreza e de pobreza extrema
18,7% 18,9%
40% 14% naquele momento. O benefício também
contribuiu para reduzir temporariamente a
Branca e amarela
Branca e amarela
Branca e amarela
Branca e amarela
Branca e amarela
Negra e indígena
Negra e indígena
Negra e indígena
Negra e indígena
Negra e indígena
Branca e amarela
Negra e indígena
Negra e indígena
9,6%
8,4%
29,4% lias”, observa Liliana Chopitea, do UNICEF.
4% 23,5%
18,7% A revisão periódica dos valores com base
na inflação possibilita, segundo ela, que as
0 2009 2018 famílias tenham mais recursos para poder,
inclusive, procurar outras fontes de renda.
38
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
35
OIT/UNICEF. More than a billion reasons: The urgent need to build universal social protection for children. Genebra, 2023.
Disponível em: https://www.unicef.org/media/135211/file/More%20than%20a%20billion%20reasons:%20The%20urgent%20
need%20to%20build%20universal%20social%20protection.pdf.
39
3 ● Alimentação,
Capítulo 2 Resultados por
educação
dimensão
e renda pioram após a pandemia
Cenários para o enfrentamento
© UNICEF/BRZ/Sérgio Moraes
No Rio de Janeiro, Deise dos Santos Braga (à dir.), 49 anos, trabalhava de faxineira
e de cabeleireira, mas, com a pandemia de covid-19, ficou desempregada.
Atualmente, ela sustenta os dois filhos e a neta vendendo empadas
40
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
RIO DE JANEIRO
No assentamento Chapadinho, na Pavuna, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro,
crianças e adolescentes enfrentam múltiplas privações em decorrência da falta de renda
que afeta cerca de 1 milhão de meninos e meninas do estado
R
uas de terra batida, nenhuma fazendo as vezes de parede, uma co- que já repetiu de ano duas vezes, mas
arborização; casas muito precá- zinha, um banheiro e dois quartos. O só não voltou a estudar porque não
rias, feitas com diversos mate- de Deise tem um colchão de casal, no conseguiu desmamar a filha. “Parei
riais, como madeira e telhas, e com es- qual ela dorme com o filho de criação. por causa dela. Antes de ter ela, eu
goto direcionado para um valão que, em No outro, a filha e a neta dividem uma queria ser confeiteira, mas hoje em
dias de chuva, transborda a céu aberto. cama de solteiro. dia eu quero trabalhar para ter meu
dinheiro. Qualquer trabalho para mim
Essa é a realidade do assentamento Deise é viúva, sabe ler e escrever mui- está bom. Recebendo, para mim está
Chapadinho, localizado bem ao lado to mal, porque nunca frequentou a es- bom”, afirma. Caroline ajuda a mãe a
de um condomínio de prédios de clas- cola. “O pouco que eu sei aprendi em fazer empadas para vender e vai ao
se média baixa, na Pavuna, bairro da casa, com os meus filhos e em casa mercado todos os dias recolher legu-
Zona Norte do Rio de Janeiro. de família onde eu trabalhei. Eu pulo mes, verduras e frutas para a filha.
muita coisa, só sei ler coisa pequena “Não pode vender, então o mercado
De acordo com o Censo de 2010, reali- e fácil, conheço mais as letras. Vou joga fora. Aí a gente pega. Dá para
zado pelo IBGE, moram 97.350 pessoas tentando juntar as letras e sai alguma comer. É só a gente cortar a parte ruim
na Pavuna. Um levantamento feito de coisa”, explica. e comer”, diz ela. “Pego mesmo, ver-
2019 a 2022 pelo Programa Territórios gonha é passar fome.”
Sociais, parceria da Prefeitura do Rio Pandemia agravou
de Janeiro e o Programa das Nações a situação de privação Carlos Daniel, assim como Caroline,
Unidas para os Assentamentos Huma- está atrasado na escola. O jovem de-
nos (ONU-Habitat), com 176 famílias Deise já trabalhou como faxineira com veria estar cursando o 9º ano do ensi-
que vivem no assentamento, mapeou carteira assinada, mas há cinco anos no fundamental II, mas está no 6º. Ele
as condições de vida da comunidade. está desempregada. Segundo ela, a gosta da escola, mas nem pensa em
pandemia de covid-19 piorou a situa- cursar faculdade. Quer ser jogador de
Das 61 famílias monitoradas pelo progra- ção. Para sustentar a família, ela passou futebol e ganhar dinheiro para ter uma
ma, 41 estão em risco social (em termos a fazer empadas e salgados em casa. vida melhor. “Quero ajudar minha fa-
de saúde, educação e padrões de vida). mília, ajudar o povo”, sonha o menino.
“Às vezes, eu tiro R$ 40 por semana,
Segundo o levantamento do programa, uns R$ 200 por mês”, explica. Para Pertinho da casa de Deise, também no
vivem no Chapadinho 119 crianças e 48 sobreviver, ela conta com a ajuda de Chapadinho, mora Marlene da Con-
adolescentes que, como mais de 1 mi- parentes e lideranças da comunidade ceição, 51 anos, que também sofre de
lhão de meninos e meninas do estado, que doam cestas básicas, mas o di- privação de renda. Ela vive em uma
têm privação intermediária e extrema nheiro sempre acaba antes de o mês casa de um único cômodo. Tem no
de renda no Rio de Janeiro. terminar, e ela precisa improvisar para chão apenas um colchão de espuma,
cozinhar. “Às vezes, acaba o gás antes no qual dormem ela, as filhas Danda-
Entre eles(as) estão Carlos Daniel, 14 de eu ter o dinheiro para comprar. Eu ra, 29 anos, Yasmim, 24 anos, e o neto
anos, Caroline Bianca, 18 anos, e sua boto o meu fogão de ‘lenhinha’ aqui no Matheus, 8 anos, caçula do filho de
filha Helena Vitória de oito meses. Eles chão e cozinho no fogo de lenha”, diz. Marlene que morreu há quatro anos.
vivem com a mãe, Deise dos Santos Os quatro irmãos de Matheus, um me-
Braga, 49 anos, no assentamento. A filha, Caroline, estava cursando nino e três meninas com idades entre
o 1º ano do ensino médio quando 9 e 16 anos, moram com a mãe, Eliza-
A casa tem acabamento que mistura deu à luz Helena Vitória e precisou bete Cristina Santos Ferreira, 33 anos,
tijolo aparente, madeira e até telha abandonar os estudos. A jovem conta mas passam os dias na casa da avó.
41
● Resultados
Capítulo 3para
Cenários o enfrentamento ● Rio de Janeiro
por dimensão
1
Na época da entrevista, em outubro de 2022, o benefício chamava-se Auxílio Brasil.
42
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
© UNICEF/BRZ/Sérgio Moraes
No Rio de Janeiro, Thereza Caroline Rodrigues e seu filho, Nycolas, de 11 anos, perderam a casa em que viviam durante uma tempestade,
em março de 2022
Carlos foi alfabetizado depois de adul- e, mesmo assim, nunca teve um em- outro bairro da Zona Norte. Lá, ela pega
to, sabe apenas assinar o nome. Como prego de carteira assinada. Ela recebe frutas e legumes que são jogados fora.
não consegue emprego formal, faz o Bolsa Família2 e conta com doações
biscates para ganhar algum dinheiro. de cestas básicas e fraldas. Sua filha mais velha, Mariele, que está no
”Trabalho de ajudante de obra. O que 3º ano do ensino fundamental, tem, hoje,
aparece para mim, eu faço. Ganho, às Todos os dias, Inara caminha cinco qui- os mesmos planos que um dia ela teve:
vezes, R$ 50; às vezes, R$ 40, depende lômetros catando latinhas para vender. ser cantora. Juntas, elas cantam músicas
da pessoa que me contrata para fazer Sai do Chapadinho às 8h e chega às 11h religiosas e pagodes. A canção preferida
as coisas”, conta. Já Inara estudou na Central de Abastecimento do Rio de das duas é “Vendaval”, que fala da cons-
até o 9º ano do ensino fundamental, Janeiro (Ceasa-RJ), que fica em Irajá, trução de uma vida a dois em um castelo.
2
Na época da entrevista, em outubro de 2022, o benefício chamava-se Auxílio Brasil.
43
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
EDUCAÇÃO
A alfabetização sempre foi um desafio no País, mas os indicadores vinham melho-
rando. A partir de 2020, quando as escolas suspenderam as aulas presenciais, pas-
sa a haver uma inversão desse cenário. De 2020 para 2022, estimativas feitas pelo
UNICEF a partir da Pnad Contínua Trimestral indicam que dobrou o percentual de
crianças e de adolescentes privados(as) do direito à alfabetização
15%
4,4% Numa perspectiva histórica, de acordo com os
4,1%
3,5%
dados das POFs de 2008/2009 e de 2017/2018,
2,7%
10% 10,9%
3,1% houve avanços em relação à privação inter-
10,1% 9,7% mediária que não se observaram em relação à
9,4%
8,7%
extrema. Enquanto o número de crianças em
5% privação intermediária caiu cerca de 8 pontos
percentuais, na extrema a queda não chegou
a 0,5 ponto percentual.
0 2017 2018 2019 2020 2021
0 2009 2018
36
Em alfabetização, refere-se a criança maior de 7 anos e
adolescente analfabetos(as) que frequentam um estabe-
Privação intermediária Privação extrema lecimento educacional; em acesso à escola na idade certa,
diz respeito a criança e adolescente de 9 a 17 anos que fre-
quentam escola, mas com atraso.
Fonte: Elaboração própria com Pnad Contínua e POF. 37
Em alfabetização, refere-se a criança maior de 7 anos e
adolescente analfabetos(as) que não frequentam um esta-
Nota: A dimensão educação tem dados disponíveis até a Pnad Contínua Anual de 2021. Nela, foram analisados belecimento educacional; em acesso à escola na idade certa,
os dados de alfabetização e acesso à escola na idade certa. Os resultados consideram o total de crianças e ado- diz respeito a criança e adolescente de 4 a 17 anos que não
lescentes com alguma privação em qualquer um desses dois campos. frequentam um estabelecimento educacional.
44
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
tro de cada governo, com o apoio e suporte Analfabetismo, 7-17 anos — Pnad Contínua e POF
sobretudo das áreas de assistência social e
saúde”, avalia. Pnad Contínua
4%
Mônica Pinto, chefe de Educação do UNICEF
Brasil, concorda com ele. Segundo ela, para 3% 0,3%
superar as privações extremas, é importante 2,8%
45
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
Branca e amarela
Branca e amarela
Branca e amarela
Branca e amarela
Negra e indígena
Negra e indígena
Negra e indígena
Negra e indígena
Negra e indígena
2% 2,3% 2,3%
2,1% 2,1%
0,2%
é duas vezes maior do que a do grupo de cor/
0,4% 0,3%
0,3% 0,3% 1,8% raça branca e amarela. E enquanto o analfabe-
1% 1% 1% 1,1% 1% tismo passou de 2,5% em 2020 para 3,9% em
2017 2018 2019 2020 2021
2021 entre crianças e adolescentes negros(as)
0
e indígenas, para os(as) brancos(as) e amare-
los(as), o indicador foi de 1,3% para 2%.
POF
8% 0,8% A piora no acesso à alfabetização afetou tanto
meninos quanto meninas, embora nesse que-
6%
sito elas tenham menos privações do que eles.
Branca e amarela
Branca e amarela
Negra e indígena
Negra e indígena
4% 4,7%
0,6%
Enquanto as meninas passaram de 1,3% de pri-
0,6%
0,4% vação intermediária em 2020 para 2,3% em 2021,
2% 2,6%
1,8% 2,1% os meninos foram de 2,1% para 3,3%, níveis
0 2009 2018 acima dos registrados em todos os períodos
anteriores analisados pela Pnad Contínua (veja
gráfico na pág. 47).
Privação intermediária* Privação extrema**
Fonte: Elaboração própria com Pnad Contínua e POF. Já em relação ao acesso à escola na idade cer-
ta, os resultados do estudo revelam que houve
Nota: A dimensão educação tem dados disponíveis até a Pnad Contínua Anual de 2021.
uma melhora contínua nos indicadores ao longo
Criança maior de 7 anos e adolescente analfabetos(as) que frequentam um estabelecimento educacional.
*
dos últimos anos. Em 2017, 15,2% de crianças e
**
Criança maior de 7 anos e adolescente analfabetos(as) que não frequentam um estabelecimento educacional. adolescentes apresentavam alguma privação
46
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
no acesso à escola na idade certa, percentual Analfabetismo, 7-17 anos, por gênero — Pnad Contínua
que foi se reduzindo até chegar a 11% em 2021.
4%
Na análise histórica dos dados da POF, também 0,4%
3,3%
se observa uma queda na privação de acesso 3%
0,5% 0,5%
à escola na idade certa (2009-2018). Enquanto 0,3% 0,4% 0,2%
2,3% 2,3%
cerca de 26% das crianças e dos(as) adoles- 2% 2,2% 2,1% 2,1%
0,3% 0,2% 0,3%
centes apresentavam alguma privação nesse 1,3%
0,3%
1,3%
1% 1,2% 1,3%
Meninos
Meninos
Meninos
Meninos
Meninos
Meninas
Meninas
Meninas
Meninas
Meninas
quesito em 2009, em 2018 esse percentual di-
minuiu para 17,4%. A privação extrema,38 que
0 2017 2018 2019 2020 2021
chegou a 6% em 2009, caiu para 5,6% em 2018.
47
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
Privação no acesso à escola na idade certa, 4-17 anos Na análise histórica da última década, a di-
(2021) — Pnad Contínua ferença entre os gêneros caiu de 9 pontos
percentuais em 2009 para cerca de 5 pontos
percentuais em 2018, segundo dados da POF.
RR AP
27,1% 23,1%
Para Ricardo Henriques, superintendente-exe-
cutivo do Instituto Unibanco, as privações em
AM
21,1% 21,8%
PA
MA CE educação, de modo geral, estão relacionadas,
9,8% 9,8% RN 18,1%
PB 17,8%
por um lado, a problemas nas políticas sociais.
PI
AC 17,9% PE 14,1% “Estas não estão conseguindo ainda dar conta
TO
24,6% RO 16,1% SE
AL 17,4%
de fazer com que o acesso à escola, a perma-
17,6% 19,1%
MT
BA
22,3%
nência e a capacidade de desenvolvimento
10,7%
DF cognitivo e socioemocional se deem de forma
14,8%
GO
razoavelmente adequada”, afirma.
11,4%
MG
10,6%
MS
ES
12,3% Por outro lado, na sua opinião, há problemas
17,7%
SP
também na política educacional. “A política
RJ
8,2% 16,3% educacional brasileira tem dificuldade de ter
PR
10,3% estratégias – sobretudo pedagógicas, mas
Legenda: SC também de acolhimento e outras – que deem
9,3%
0%-5% 16%-20% RS
conta de alfabetizar na idade adequada e man-
12,3% ter um fluxo de permanência na escola para as
6%-10% 21%-25%
Fonte: Elaboração populações mais vulneráveis”, aponta.
11%-15% 26%-30% própria com Pnad Contínua.
Branca e amarela
Branca e amarela
Branca e amarela
Branca e amarela
Negra e indígena
Negra e indígena
Negra e indígena
Negra e indígena
Negra e indígena
Branca e amarela
Negra e indígena
Negra e indígena
20% 5,4%
25,4% compensar essa desigualdade de origem.
6,2%
5,6%
10% 14% 14,4%
12,1% Em relação à reprovação, Henriques acredi-
0
ta que ela também é punitiva para os mais
2009 2018 vulneráveis. “Você vai acumulando ao lon-
go do ciclo educacional uma defasagem em
Privação intermediária* Privação extrema** série/idade totalmente inadmissível. Alguns
estados têm um padrão de reprovação no 9º
Fonte: Elaboração própria com Pnad Contínua e POF.
ano de 40% e, no 1º ano do ensino médio, de
Nota: A dimensão educação tem dados disponíveis até a Pnad Contínua Anual de 2021.
60%. Ou seja, há uma cultura de reprovação
Criança e adolescente de 9 a 17 anos que frequentam a escola, mas com atraso.
*
ao longo do ciclo educacional que vai sendo
**
Criança e adolescente de 4 a 17 anos que não frequentam um estabelecimento educacional. intensificada sobretudo no ensino fundamen-
48
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
tal II e no ensino médio”, explica. Por isso, de Privação no acesso à escola na idade certa, 4-17
acordo com ele, uma nova pedagogia precisa anos, por gênero — Pnad Contínua
ser trabalhada, desde a formação inicial até a
formação continuada dos professores, para con-
20%
tribuir de fato com a redução das desigualdades.
5%
Meninos
Meninos
Meninos
Meninos
Meninos
Meninas
Meninas
Meninas
Meninas
Meninas
das, foram tipicamente artificiais, com baixís-
sima implicação da população local”, afirma. 0 2017 2018 2019 2020 2021
A análise dos resultados de cada tipo de pri- 0 2017 2018 2019 2020 2021 2022
vação revela que, embora as privações rela-
cionadas ao acesso à escola na idade certa
tenham se reduzido continuamente ao longo Privação intermediária* Privação extrema**
dos últimos anos, no caso do acesso à alfa-
betização, houve uma piora considerável nas Fonte: Elaboração própria com Pnad Contínua Trimestral.
privações intermediárias. Depois de ter dimi- Nota: Nesta dimensão, foram analisados os dados de alfabetização e acesso à escola na idade certa do segundo
nuído de 2017 até 2020, a taxa passou de cerca trimestre de cada ano. Os resultados consideram o total de crianças e adolescentes com alguma privação em
qualquer um desses dois campos.
de 1,6%, em 2020, para 3,7% em 2022, o maior
*
Em alfabetização, significa a criança maior de 7 anos e adolescente analfabetos(as) que frequentam um esta-
percentual do período (veja gráfico na pág. 50). belecimento educacional; em acesso à escola na idade certa, a criança e o(a) adolescente de 9 a 17 anos que
frequentam a escola, mas com atraso.
49
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
Crianças e adolescentes de 4 a 17 anos com alguma privação passou de uma diferença de 1 ponto percentual
em educação, por privação — Pnad Contínua Trimestral nesse ano para 1,5 ponto percentual em 2022.
Considerando que o processo de alfabetização
ocorre em faixas etárias específicas, os resul-
Acesso à escola na idade certa
tados do estudo mostram ainda que houve um
aumento extremamente preocupante do analfa-
20%
betismo entre as crianças mais jovens. As pioras
foram especialmente relevantes para crianças de
8, 9 e 10 anos de cor/raça negra e indígena (25%,
15% 5,7% 12% e 5% em 2022, respectivamente) e para as
5,1%
de 8 e 9 anos de cor/raça branca e amarela —
4,3%
4,4% 5,2% 3,3% 15% e 6% em 2022, respectivamente.
10%
10,3%
9,5%
8,9%
6,3% Esses resultados evidenciam o que outros es-
8,1% 7,2% tudos já vinham mostrando. De acordo com le-
5% vantamento da Campanha Nacional pelo Direi-
to à Educação feito em junho de 2021,39 o Brasil
regrediu nas metas de analfabetismo previs-
0 tas no Plano Nacional de Educação (PNE).
2017 2018 2019 2020 2021 2022
2% 2%
E a pandemia só contribuiu para piorar a situa-
1,9% 1,9%
ção, levando também a uma grande diminui-
1,6%
ção na aprendizagem. O UNICEF estima que
1% apenas um terço dos meninos e das meninas
de 10 anos de idade em todo o mundo40 con-
segue ler e entender uma história simples.
0 2017 2018 2019 2020 2021 2022
39
CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO À EDUCAÇÃO.
Balanço do Plano Nacional de Educação. Semana de Ação
Privação intermediária* Privação extrema** Mundial, 2022. Disponível em: https://media.campanha.org.br/
acervo/documentos/00_BalancoPNE_Cartelas2022_ok_1.pdf.
40
UNICEF. UNICEF alerta para níveis de aprendizagem alar-
Fonte: Elaboração própria com Pnad Contínua Trimestral. mantemente baixos: estima-se que apenas um terço das
crianças de 10 anos em todo o mundo seja capaz de ler e
entender uma história simples. Brasília, 2022. Disponível em:
Criança maior de 7 anos e adolescente analfabetos(as) que frequentam um estabelecimento educacional.
*
https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/uni-
cef-alerta-para-niveis-de-aprendizagem-alarmantemente-bai-
**
Criança maior de 7 anos e adolescente analfabetos(as) que não frequentam um estabelecimento educacional. xos-em-todo-o-mundo.
50
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
Antes da pandemia, metade deles conseguia. Privação de acesso à escola na idade certa, por cor/
No Brasil, dados do Sistema de Avaliação raça — Pnad Contínua Trimestral
da Educação Básica (Saeb) de 202141 mos-
20%
tram que houve uma redução significativa no 18,1%
aprendizado dos(as) alunos(as) de instituições
18% 16,8%
públicas e privadas brasileiras em todas as
etapas da educação básica, com a interrupção 15,1%
16%
das atividades presenciais nas escolas. 14,6%
14,5%
14%
A maior queda foi registrada em matemática
no 5º ano do ensino fundamental, de 11 pon- 13,8%
12%
tos: a nota passou de 227,88 em 2019 para
12,6%
216,85 em 2021, o que representa um retro-
10% 11,4% 11,1%
cesso ao patamar de 2013. Em língua portu-
guesa, o recuo no 5º ano foi menor, de quase 10,3% 10,3%
8%
7 pontos. A média nacional passou de 214,64
8,2%
para 208,01. De qualquer forma, essa queda
6%
é preocupante, considerando que a leitura é
uma habilidade fundamental para a obtenção
4%
de outros conhecimentos.
2%
Abandono escolar durante a pandemia
0
A pandemia também fez com que muitos
adolescentes deixassem de frequentar a es- 2017 2018 2019 2020 2021 2022
cola, como evidencia a pesquisa Educação
Branca e amarela Negra e indígena
brasileira em 2022: a voz de adolescentes,42
realizada pelo Ipec para o UNICEF. Segundo o Fonte: Elaboração própria com Pnad Contínua Trimestral.
levantamento, cerca de 2 milhões de meninos
e meninas de 11 a 19 anos que ainda não ha-
viam terminado a educação básica deixaram Privação de alfabetização, por cor/raça —
a escola no Brasil desde 2020. Entre aqueles Pnad Contínua Trimestral
que são de famílias das classes A e B, esse
percentual é de 4%, enquanto nas classes D e 5%
4,5%
E chega a 17%, mostrando que a exclusão es-
4,5%
colar afeta principalmente os mais vulneráveis.
4%
3,6%
Entre os motivos para o abandono dos estu-
dos, 48% apontaram a necessidade de traba- 3,5%
3,1%
3%
lhar fora, e 30% afirmaram que saíram por 2,9%
3% 2,8%
não conseguirem acompanhar as explicações
ou atividades, o que evidencia a elevada in- 2,5%
cidência de dificuldades de aprendizagem. 2,4%
2%
2,2%
Além disso, muitos deles(as) indicaram que
1,5%
pararam de estudar porque a escola é “de- 1,5% 1,5%
1,6%
1,5%
sinteressante” (27%) ou “pouco útil” (18%). 1%
0,5%
0
41
INEP. SAEB. Resultados. Disponível em: https://www.gov.br/
inep/pt-br/areas-de-atuacao/avaliacao-e-exames-educacionais/ 2017 2018 2019 2020 2021 2022
saeb/resultados.
42
UNICEF/Ipec. Educação brasileira em 2022: a voz de ado- Branca e amarela Negra e indígena
lescentes. UNICEF, 15 set. 2022. Disponível em: https://www.
unicef.org/brazil/media/20186/file/educacao-em-2022_a-voz-
de-adolescentes.pdf. Fonte: Elaboração própria com Pnad Contínua Trimestral.
51
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
“É uma escola que faz muito pouco sentido Garcia alerta que a redução do número de
para eles(as), que fala muito pouco sobre pro- matrículas tem reflexos não apenas no número
jeto de vida e habilidades para o mundo do de crianças fora da escola, mas também na re-
trabalho”, ressalta Mônica Pinto, do UNICEF. tomada das matrículas. “Muitas redes acaba-
ram se desmobilizando, tendo dificuldade de
O impacto da pandemia também foi grande manter as vagas da educação infantil abertas,
na educação infantil. Segundo a pesquisa de ter professores disponíveis. E, agora, vão
mencionada antes, Desigualdades e impactos ter dificuldade para reorganizar sua estrutura
da covid-19 na atenção à primeira infância,43 para atender essas crianças”, avalia.
lançada pela Fundação Maria Cecilia Souto
Vidigal, em parceria com o UNICEF e o Itaú Segundo o presidente da Undime, evitar que os
Social, de 2019 a 2021, registrou-se uma que- maus resultados dos últimos três anos permane-
da de quase 338 mil matrículas nas creches çam como uma tendência vai depender da ca-
e de cerca de 315 mil na pré-escola, que é pacidade do País de retomar algumas questões
uma etapa obrigatória da educação básica. fundamentais que estão, principalmente, no Pla-
Como a educação infantil é essencial para a no Nacional de Educação. “No entanto, investi-
progressão e transição para o ensino funda- mentos consistentes vêm sendo adiados, sobre-
mental, as crianças foram prejudicadas em tudo na geração de novas vagas para educação
suas oportunidades de aprendizagem. infantil, que é o grande gargalo hoje”, ressalta.
43
FUNDAÇÃO MARIA CECILIA SOUTO VIDIGAL/UNICEF/ITAÚ SOCIAL. Desigualdades e impactos da covid-19 na atenção à
primeira infância. FMCSV, 2022. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/20221/file/desigualdades-e-impactos-da-co-
vid-19-na-atencao-a-primeira-infancia.pdf.
52
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
© UNICEF/BRZ/Gabriela Portilho
Para Mônica Pinto, do UNICEF, investir em formais, com maior remuneração; e têm maior
educação para populações em alta situação expectativa de vida com qualidade. Estima-se
de vulnerabilidade, reconhecendo suas rea- que um jovem com educação básica completa
lidades e necessidades, é fundamental para terá, em média, quatro anos de vida a mais
quebrar o ciclo intergeracional de pobreza. que um jovem que não terminou esse ciclo.
“A falta de prioridade para educação cus- O custo de oferecer toda a educação básica
ta caro ao Brasil”, diz ela, citando o estudo (pré-escola, fundamental e médio) é de cerca
Consequências da violação do direito à edu- de R$ 90 mil por estudante. O País perde R$ 214
cação,44 publicado em 2021 pelo Insper e pela bilhões por ano pelo fato de os(as) jovens não
Fundação Roberto Marinho. concluírem a educação básica. Assim, o prejuízo
com a evasão por jovem supera em quatro ve-
O estudo calcula, em valores monetários, o zes o que custa garantir a sua educação básica.
custo direto e indireto da evasão escolar. Anu-
almente, o País perde R$ 372 mil por jovem “Os gestores públicos precisam reconhecer
que não conclui a educação básica. Isso porque que, em populações em alta situação de vulne-
os(as) jovens que têm a educação básica com- rabilidade social, a educação é um investimento
pleta passam, em média, mais tempo de sua para a Nação”, ressalta a chefe de Educação
vida produtiva ocupados(as) e em empregos do UNICEF Brasil.
44
BARROS, R. P. et al. Consequências da violação do direito à educação. 1. ed. Rio de Janeiro: Autografia, 2021. Disponível em:
https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2022/03/Conseque%CC%82ncias-da-Violac%CC%A7a%CC%83o-do-Direito-a%C-
C%80-Educac%CC%A7a%CC%83o.pdf.
53
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
TRABALHO INFANTIL
Nos últimos anos, o Brasil não registrou melhora nos indicadores de trabalho
infantil, que permaneceram relativamente estáveis até 2019. Embora não haja
dados da Pnad Contínua para o período de 2020 a 2022, há uma percepção gene-
ralizada de que houve aumento, após o início da pandemia, impulsionado pela
queda na renda das famílias e pela perda de vínculo com a escola. Segundo pes-
quisa realizada pelo Ipec para o UNICEF, quase a metade dos 2 milhões de meni-
nos e meninas de 11 a 19 anos que saíram da escola desde 2020 abandonaram
os estudos para trabalhar
Como nas outras dimensões, a intensidade de Segundo o estudo, entre 2017 e 2019, não hou-
privação do direito à proteção contra o traba- ve, em geral, melhora significativa em relação
lho infantil45 varia de intermediária a extrema, a essa dimensão. Tanto a privação intermediá-
de acordo com a idade e o número de horas ria quanto a extrema se mantiveram estatisti-
trabalhadas ou dedicadas às tarefas domés- camente estáveis, com valores em torno de 4%
ticas por semana. e 1,5%, respectivamente, para crianças e ado-
lescentes de 5 a 17 anos (veja gráfico ao lado).
Trabalho infantil, 5-17 anos — Pnad Contínua Essa tendência se mantém na faixa etária de
5 a 9 anos. O percentual de crianças desse
5% grupo envolvidas com trabalho infantil é re-
lativamente baixo e estável, sem diferenças
estatisticamente significativas entre os anos.
4% 4,2%
4,1%
3,9% Em âmbito regional, o Norte concentra um
número maior de estados com percentuais
3% acima de 5% de crianças de 5 a 9 anos em
privação intermediária ou extrema em 2019.
Destaca-se a elevada taxa do Amapá, que che-
2%
ga a 10,2%, a mais alta do País. No extremo
oposto, está o Rio Grande do Norte, com 0,4%
1,6%
1,3% 1,4% (confira mapa na pág. 55).
1%
54
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
Na faixa etária de 10 a 13 anos, embora as ta- Trabalho infantil, 5-9 anos — Pnad Contínua
xas sejam maiores do que entre as crianças
mais novas, os percentuais também são baixos 3%
e relativamente estáveis ao longo dos anos. 3%
2,7%
Em âmbito estadual, como entre as crianças
mais jovens, na faixa etária de 10 a 13 anos, 2,4%
AM PA
Em âmbito estadual, observam-se em 2019 5,4% 3,8% MA CE
6% 2,6% RN 0,4%
altos percentuais de adolescentes de 14 a 17 PB 3,1%
PI
anos em privação intermediária ou extrema na AC 4,4% PE 3,3%
TO AL 4,5%
Região Norte, nos estados do Amapá (8,9%), 6,8% RO 4,6% SE
7,5% 4,6%
BA
Rondônia (8,5%) e Pará (8%). Como na faixa MT 3,4%
4,6%
etária anterior, o percentual mais baixo é do DF
0,8%
Rio de Janeiro (3,3%). GO
4,1%
MG
4,1%
Nessa faixa de idade, as desigualdades raciais MS
ES
3%
6,2%
ficam mais pronunciadas. O percentual de SP RJ
3,1% 2%
adolescentes de cor/raça negra e indígena PR
em privação intermediária é significativa- 3,4%
2,1%-4% 8,1%-10%
Essas desigualdades acontecem, segundo Fonte: Elaboração
Francisco Coullanges Xavier, analista téc- 4,1%-6% 10,1%-12% própria com Pnad Contínua.
55
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
Trabalho infantil, 5-9 anos, por cor/raça — nico de políticas sociais do Ministério do De-
Pnad Contínua senvolvimento e Assistência Social, Família e
Combate à Fome,46 porque o trabalho infantil
Branca e amarela no Brasil tem classe e raça, não se distribui de
2,8% 1,3% forma igualitária para todo mundo. “Todos os
2017 discursos que a gente tem hoje de legitimação
3,1% 1,5% do trabalho precoce são direcionados para os
Negra e indígena pobres, para os negros, para os indígenas, para
Branca e amarela as pessoas que moram em periferia. Porque
2,1% 0,9% o trabalho infantil é um dos mecanismos por
2018 meio dos quais você reproduz e reforça esses
3,1% 1,1% lugares de classe e de raça. E também de gê-
Negra e indígena nero, ao colocar a menina desde cedo para
Branca e amarela trabalhar na casa, brincar de casinha, cuidar
2% 1,1% dos irmãos, para ela já aprender qual é o papel
2019 social que tem que desempenhar na vida adul-
2,7% 1,2% ta, de esposa, mãe e cuidadora do lar”, afirma.
Negra e indígena
De fato, em relação ao gênero, verifica-se uma
0 1% 2% 3% 4% 5% grande desigualdade em prejuízo das meninas.
Privação intermediária* Privação extrema** Em 2019, o percentual de meninas de 14 a 17
anos com privação intermediária era de cerca de
Fonte: Elaboração própria com Pnad Contínua.
7%, enquanto o dos meninos era de 2%. Nos ca-
Nota: A dimensão trabalho infantil tem dados disponíveis até a Pnad Contínua Anual de 2019. sos de privação extrema, a proporção de meninas
Criança de 5-9 anos que realizou tarefas domésticas entre 10 e 20 horas durante semana de referência.
*
atingidas era mais de 1 ponto percentual maior
Criança de 5-9 anos que trabalhou ou realizou tarefas domésticas durante mais de 20 horas durante a semana
**
do que a dos meninos (veja gráficos da pág. 60).
de referência.
2018
3,3% 0,9%
Segundo Falcão, é necessário avançar na pro-
teção da população de 14 a 17 anos,47 que
Meninas
Meninos
está entre as mais afetadas pelo trabalho in-
fantil. “A gente não pode somente colocá-los
2,2% 1,3%
em programas de transferência de renda, de
2019
2,6% 1,1%
erradicação do trabalho infantil. Precisamos
Meninas
0 1% 2% 3% 4% 5%
Nota: A dimensão trabalho infantil tem dados disponíveis até a Pnad Contínua Anual de 2019.
47
A partir dos 14 anos, o trabalho é permitido na condição de
aprendiz, que pressupõe matrícula e frequência à escola, caso
Criança de 5-9 anos que realizou tarefas domésticas entre 10 e 20 horas durante semana de referência.
*
não tenha concluído o ensino fundamental, e inscrição em
Criança de 5-9 anos que trabalhou ou realizou tarefas domésticas durante mais de 20 horas durante a semana
** programa de aprendizagem. (BRASIL. Lei nº 10.097, de 19 de
de referência. dezembro de 2000. Disponível em: https://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/leis/l10097.htm .)
56
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
pensar em oportunidades de trabalho protegi- Trabalho infantil, 10-13 anos — Pnad Contínua
do, em aprimorar as vagas de aprendizagem
profissional, na manutenção desses meninos 6%
e dessas meninas na escola para diminuir a
evasão escolar”, aponta. 5,3%
5,1%
4,8%
Mário Volpi, chefe de Desenvolvimento e Parti- 4%
cipação de Adolescentes do UNICEF Brasil, con-
corda com ela. Segundo Volpi, o enfrentamento
da pobreza multidimensional na adolescência
demanda uma política de transição positiva
2%
da educação para o mundo do trabalho. “Não
1,9% 1,8%
tem como reduzir a pobreza com o jovem indo
1,4%
trabalhar abandonando a escola. Os elementos
estatísticos da pobreza multidimensional indi-
cam claramente a necessidade de uma política 0
2017 2018 2019
que contemple o desenvolvimento educacio-
nal”, afirma.
Privação intermediária* Privação extrema**
De acordo com ele, governos federal, estaduais
e municipais devem, portanto, aproximar as po- Fonte: Elaboração própria com Pnad Contínua.
57
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
Trabalho infantil, 10-13 anos, por cor/raça — Para Maria Cláudia Falcão, é preciso ainda haver
Pnad Contínua um envolvimento do setor privado. “O governo
sozinho não conseguirá erradicar o trabalho
Branca e amarela
infantil. A gente precisa da participação das
4,6% 1,5%
empresas e das grandes empresas, porque a
2017 violação acontece normalmente no primeiro elo
5,8% 2,3%
da cadeia produtiva, em áreas mais remotas. Se
Negra e indígena não houver um investimento dessas empresas e
Branca e amarela
a responsabilidade delas por toda a sua cadeia
4,2% 1,2%
produtiva, a gente dificilmente vai conseguir
2018 erradicar [o trabalho infantil]”, avalia.
5,7% 1,6%
Nota: A dimensão trabalho infantil tem dados disponíveis até a Pnad Contínua Anual de 2019. Cenário durante a pandemia
*
Criança e adolescente de 10-13 anos que trabalharam por 14 horas ou realizaram tarefas domésticas entre 15 e
20 horas durante a semana de referência. Relatório publicado pela OIT48 e pelo UNICEF
Criança e adolescente de 10-13 anos que trabalharam por mais de 14 horas ou realizaram tarefas domésticas
**
em 2021 aponta um cenário global preocu-
durante mais de 20 horas durante a semana de referência.
pante. Segundo a publicação Child labour:
global estimates 2020, trends and the road for-
Trabalho infantil, 10-13 anos, por gênero — ward, o progresso para acabar com o trabalho
infantil estagnou pela primeira vez em duas
Pnad Contínua
décadas, revertendo a tendência de queda
Meninos anterior. De fato, embora percentualmente
4,8% 1,6% não tenham sido registradas alterações, em
2017 números absolutos houve um aumento de 8,4
5,8% 2,3% milhões na quantidade de meninos e meninas
Meninas
envolvidos(as) em trabalho infantil, de 2016 a
Meninos 2020, e um crescimento significativo na faixa
4,4% 1,3% etária de 5 a 11 anos, que agora responde por
2018 pouco mais da metade do número total global.
5,9% 1,5% Além disso, outros 8,9 milhões de crianças e
Meninas
adolescentes correm o risco de ingressar nes-
Meninos sa situação devido aos impactos da covid-19.
4,1% 1,6%
Nota: A dimensão trabalho infantil tem dados disponíveis até a Pnad Contínua Anual de 2019.
*
Criança e adolescente de 10-13 anos que trabalharam por 14 horas ou realizaram tarefas domésticas entre 15 e 48
OIT/UNICEF. Child labour: global estimates 2020, trends and
20 horas durante a semana de referência. the road forward. Genebra e Nova York: OIT/UNICEF, 2021.
**
Criança e adolescente de 10-13 anos que trabalharam por mais de 14 horas ou realizaram tarefas domésticas Disponível em: https://data.unicef.org/resources/child-labour-
durante mais de 20 horas durante a semana de referência. 2020-global-estimates-trends-and-the-road-forward/.
58
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
a situação piorou. Por exemplo, um levanta- Trabalho infantil, 14-17 anos — Pnad Contínua
mento do UNICEF realizado em São Paulo de
abril a julho de 202049 apontou que, no con-
junto de domicílios em que mora pelo menos 5%
Adolescente de 14-17 anos que trabalhou por mais de 30 horas ou realizou tarefas domésticas por mais de 30
Além do risco de causar danos físicos, mentais
**
SC
49
UNICEF. UNICEF alerta para aumento de incidência do tra- 5,8%
balho infantil durante a pandemia em São Paulo. Brasília: RS
Legenda: 5%
UNICEF, 2020. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/
comunicados-de-imprensa/unicef-alerta-para-aumento-de-in-
cidencia-do-trabalho-infantil-durante-pandemia-em-sao-paulo. 0%-1,9% 6%-7,9%
59
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
Trabalho infantil, 14-17 anos, por cor/raça — Na opinião de Maria Cláudia Falcão, da
Pnad Contínua OIT, considerando a importância da edu-
cação para combater o trabalho infantil, é
Branca e amarela
preocupante como a pandemia fez muitos
3,7% 0,8%
abandonarem a escola para trabalhar. “É ne-
2017 cessário pensar com urgência em estratégias
4,5% 1,7%
para garantir que as crianças que saíram da
Negra e indígena escola durante a pandemia voltem, e para
Branca e amarela
compensar as desigualdades educacionais.
3,9% 1,6% A sustentabilidade da erradicação do traba-
2018
5,4% 1,4%
Negra e indígena
Branca e amarela
3,7% 1,2%
2019
5% 1,1%
Negra e indígena
0 2% 4% 6% 8%
Nota: A dimensão trabalho infantil tem dados disponíveis até a Pnad Contínua Anual de 2019.
*
Adolescente de 14-17 anos que trabalhou entre 21 e 30 horas ou realizou tarefas domésticas entre 21 e 30 horas
durante a semana de referência.
**
Adolescente de 14-17 anos que trabalhou por mais de 30 horas ou realizou tarefas domésticas por mais de 30
horas na semana de referência.
1,8% 0,5%
2017
6,9% 2,3%
Meninas
Meninos
1,8% 0,5%
2018
8% 2,5%
Meninas
Meninos
2,1% 0,3%
2019
7,2% 2%
Meninas
0 2% 4% 6% 8% 10% 12%
Nota: A dimensão trabalho infantil tem dados disponíveis até a Pnad Contínua Anual de 2019.
*
Adolescente de 14-17 anos que trabalhou entre 21 e 30 horas ou realizou tarefas domésticas entre 21 e 30 horas
durante a semana de referência.
**
Adolescente de 14-17 anos que trabalhou por mais de 30 horas ou realizou tarefas domésticas por mais de 30
horas na semana de referência.
60
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
lho infantil só vai acontecer quando tivermos por meio de uma política de apoio e forma-
a garantia de uma educação de qualidade ção complementar desses(as) jovens. Ele
para todos”, explica. também defende o investimento em políticas
já existentes, como a lei da aprendizagem
“Desperdiçamos uma geração de jovens ao e a lei do estágio, incorporando a elas no-
limitar seu desenvolvimento a um contexto vas políticas, como a de primeiro emprego.
de baixa escolaridade, baixa renda e muita “Precisamos garantir que o adolescente faça
violência”, lamenta Volpi, do UNICEF. Segun- essa transição da educação para o mundo
do ele, é fundamental que as oportunidades do trabalho sem abandonar a escola e sem
cheguem aos(às) adolescentes via escola, ingressar no trabalho irregular”, conclui.
© UNICEF/BRZ/Gabriela Portilho
61
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
MORADIA
Não foram registrados grandes avanços na redução de privações de moradia para
crianças e adolescentes. Os indicadores se mantiveram relativamente estáveis nos
últimos anos. A partir de 2020, registrou-se uma tendência de crescimento nas
privações, que pode piorar em função dos impactos da pandemia, mas ainda não
há dados disponíveis para 2021 e 2022
Privação de moradia adequada, 0-17 anos — Pnad A qualidade e a localização da moradia têm
Contínua e POF impactos importantes no desenvolvimento
psicossocial de crianças e adolescentes.
Pnad Contínua
Em 2019, quase 5 milhões de meninos e me-
10% ninas tinham alguma privação nessa dimen-
são, no Brasil, segundo os dados da Pnad
3,7% 4% 3,2%
8% 3,7% Contínua 2019 analisados por esse estudo.
62
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
percentual de crianças e adolescentes com priva- Privação de acesso a moradia adequada, 0-17 anos
ções intermediárias de moradia apresentou uma (2020) — Pnad Contínua
tendência de crescimento, especialmente em
2020, quando atingiu 5,7%, ante 4,9% em 2017.
RR AP
29,8% 21,8%
Nessa dimensão, há uma grande desigualdade
regional, especialmente entre o Norte e as
demais regiões. Em Roraima, o percentual AM PA
25,4% 16,2% MA CE
de privação é de quase 30%, enquanto, na 12% 9,1% RN 6,1%
maior parte dos estados do Centro-Sul e do PI PB 5,2%
10,2% PE 7%
Nordeste, não passa de 10%. AC
TO AL 6,3%
14% RO 6,1% SE
10,1% 4,4%
BA
MT 4,4%
Também se destacam negativamente nessa 8,4%
DF
dimensão os estados de São Paulo e Rio de 6,8%
Janeiro, que, apesar do alto nível de desen- GO
4,4%
volvimento socioeconômico, tinham, respecti- MG
3,8%
ES
7,4%
vamente 10,6% e 12,8% de crianças e adoles- MS
6,2%
centes com privação de moradia adequada em 10,6%
SP RJ
12,8%
2020. Além disso, apesar de ter sido registrada Legenda: PR
3%
uma tendência de queda nesses percentuais
0%-4% 16,1%-20% SC
entre 2009 e 2018, a taxa do Rio de Janeiro se 3,5%
manteve praticamente a mesma nesse perío- 4,1%-8% 20,1%-24% RS
5,3%
do, segundo os dados da POF analisados pelo 8,1%-12% 24,1%-28%
estudo (veja os mapas na pág. 94). 12,1%-16% 28,1%-32%
Fonte: Elaboração
própria com Pnad Contínua.
Branca e amarela
Branca e amarela
Branca e amarela
Negra e indígena
Negra e indígena
Negra e indígena
Negra e indígena
6,7%
tro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância 2%
6% 2,2% 6,1%
2,7%
5,9%
2%
4%
(CPAPI), do Insper, e professor da FEA-USP, 3,4%
3,9% 3,8%
4,3%
Branca e amarela
Negra e indígena
Negra e indígena
63
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
Menezes ressalta que o efeito das condições há riscos substanciais”, alerta (mais informa-
inadequadas de moradia é maior nas crianças ções no Capítulo 1).
pequenas, já que na primeira infância elas
precisam de um ambiente tranquilo, de espa- Em relação às desigualdades regionais iden-
ço para se locomover, conhecer os objetos e tificadas pelo estudo, Naercio Menezes Filho
interagir com as pessoas. “Esse processo de afirma que o fato de estados mais ricos, como
formação nos primeiros anos de vida é muito São Paulo e Rio de Janeiro, apresentarem in-
importante, pois é nesse processo que há o dicadores semelhantes aos de estados mais
desenvolvimento cerebral, das habilidades pobres, como Piauí e Maranhão, pode ser ex-
cognitivas, socioemocionais”, aponta. plicado por um fenômeno duplo: de pobreza
e de desigualdade. Apesar de as famílias de
Essa visão é corroborada pelo economista São Paulo e do Rio terem uma renda média
americano James Heckman, do Centro de maior, o custo de vida também é mais alto e a
Economia do Desenvolvimento Humano da desigualdade é grande. Assim, há, ao mesmo
Universidade de Chicago, e ganhador do tempo, uma parcela da população bastante
Prêmio Nobel de Economia em 2000. Se- rica e com condições e outra completamente
gundo ele, o ambiente em que a criança excluída do acesso à moradia.
vive em seus primeiros anos de vida é im-
portante porque interfere diretamente em Já as disparidades raciais nos indicadores de
sua saúde e no desenvolvimento cerebral. acesso à moradia são expressão da imensa
Por “ambiente”, ele se refere a aspectos tanto desigualdade de oportunidades e da baixa
da casa e do território em que a criança vive mobilidade social do Brasil, de acordo com
quanto da qualidade das interações entre a o professor da FEA-USP. “Há uma verdadeira
criança e quem convive com ela. Aspectos ‘loteria da vida’, no sentido de que você tira um
como violência, moradia, saneamento e ali- bilhete de loteria [ao nascer] que vai determinar
mentação desempenham, segundo ele, um se você terá mais ou menos facilidade para al-
papel importante nesse sentido. cançar seus objetivos. As pessoas que nascem
em famílias pobres muito provavelmente vão
“Se as crianças estão expostas à violência, continuar pobres, e as pessoas que nascem em
obviamente esse é um ambiente ameaçador. famílias ricas muito provavelmente vão conti-
E sabemos, por estudos sobre o estresse, que nuar ricas, mesmo que não façam um esforço
as respostas ao cortisol são negativas, preju- muito grande”, afirma.
dicam o desenvolvimento infantil – mesmo
antes de nascer. Se a mãe está vivendo em Na opinião de Menezes, a solução para essa
um ambiente violento e ameaçador, isso pode desigualdade racial é privilegiar as famílias ne-
ter consequências adversas. O cortisol pode gras e as famílias mais pobres na formulação
realmente inibir o desenvolvimento do feto, das políticas públicas, em todas as dimensões,
inclusive com um efeito duradouro no cére- já que as políticas de transferência de renda,
bro”, explica Heckman. embora essenciais, não resolverão por si só o
déficit habitacional do País.
No caso específico de moradia, ele aponta
que as privações têm consequências muito Menezes ressalta ainda que é urgente atender
graves para a saúde das crianças em seus ao imenso contingente de famílias que foram
primeiros anos de vida, além do desenvol- parar na rua por causa da pandemia. “A gente
vimento cerebral. “Se você tem um telhado tem que agir já, com urgência, porque essas
que está vazando, ou não tem nenhum teto, crianças em situação de rua estão passando
então, obviamente, está à mercê dos elemen- por uma situação de estresse tóxico – muitas
tos [da natureza]. E não apenas a chuva e vezes, sofrendo mesmo, em condições ina-
vento, mas também a vários tipos de infec- dequadas e sob riscos de todos os tipos, de
ções, como zika, e a vários tipos de insetos violências, de acidentes – que pode impactar
voadores que podem espalhar doenças. A decisivamente seu desenvolvimento e seu
doença de Chagas é outro exemplo no qual futuro”, alerta (mais informações na pág. 65).
64
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
Barracas feitas com lonas, sacos de lixo, papelão e pedaços No Distrito Federal, pesquisa feita em junho de 2022, pela
de pau são hoje a face visível de um novo fenômeno no País, Companhia de Planejamento do DF, em parceria com o
que já vem sendo captado pelas pesquisas: a presença de Fundo de População das Nações Unidas e a Secretaria de
famílias que vivem em “moradias improvisadas” nas ruas. Desenvolvimento Social, entre outros, identificou a presen-
ça de moradias improvisadas, como barracas de camping,
Segundo Marcelo Pedra, doutor em saúde coletiva e pes- papelão e papel, entre outros materiais, em 29,3% dos 1.915
quisador do Núcleo de Populações em Situação de Vulne- pontos de abordagem.
rabilidade e Saúde Mental na Atenção Básica (NuPop), da
Fiocruz Brasília, um terço dessa população, especialmente Em São Paulo, o número de barracas nas ruas cresceu
no Rio de Janeiro e em São Paulo, está na rua depois da 330%, em 2021, em relação a 2019, segundo o Censo da
pandemia de covid-19. População em Situação de Rua, feito pela Prefeitura de São
Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Assistência
São trabalhadores(as) que já estavam em situação precária an- e Desenvolvimento Social. Enquanto no recenseamen-
tes da pandemia e que, com a crise sanitária, perderam sua rede to anterior havia 2.051 pontos abordados com barracas
de proteção social e foram morar nas ruas com os(as) filhos(as). improvisadas, em 2021 foram computados 6.778 pontos.
Para o pesquisador, esse fenômeno de famílias inteiras Cresceu também o número de entrevistados informando
vivendo em barracas e tendas nas calçadas pode ser iden- ter no local em que foram abordados nas ruas a companhia
tificado em pelo menos três centros urbanos que fizeram de alguma pessoa que considera de sua família. Enquan-
pesquisas censitárias nos últimos dois anos: São Paulo, to, em 2019, 20% da população em situação de rua deu
Rio de Janeiro e Distrito Federal. essa declaração, em 2021, o percentual subiu para 28,6%.
No Rio de Janeiro a metodologia do Censo foi elaborada por Segundo Silvia Maria Schor, professora da FEA-USP, e pes-
um Grupo de Trabalho constituído pelo Instituto Municipal quisadora da Fipe, tanto o número de barracas quanto a
de Urbanismo Pereira Passos, Secretaria Municipal de Assis- companhia de familiares são “fortes indicativos” do au-
tência Social e Direitos Humanos e pela Secretaria Municipal mento de famílias nessa situação, assim como o número
de Saúde (SMS). De acordo com a pesquisa, realizada em de crianças de até 6 anos nas ruas. De acordo com o Censo
novembro de 2020, 7.272 pessoas estavam em situação de de Crianças e Adolescentes em Situação de Rua, de 2022,
rua no município. Cerca de 15% delas foram para as ruas havia 1.151 meninos e meninas de até 6 anos vivendo nas
após demissão do trabalho ou perda de renda. O número ruas na cidade de São Paulo, cerca de um terço da popu-
de crianças e adolescentes era de 332, cerca de 5% do total. lação em situação de rua de até 17 anos.
“A lógica da barraca é você ter um espaço privado na rua, “Criança não é uma pessoa em situação de rua mais jo-
um fenômeno contemporâneo de quem não estava na rua”, vem. Os problemas e questões associados à presença de
observa o pesquisador. Apesar de o número de famílias que crianças e adolescentes na rua exigem um conjunto de
vivem em barracas e tendas não ter sido contabilizado, Pedra políticas de atenção e encaminhamentos diferente”, alerta
chama a atenção para um detalhe importante. “Na [avenida] a pesquisadora, que também lamenta a falta de dados so-
Presidente Vargas, no Rio de Janeiro, via as pessoas em situa- bre as famílias em situação de rua. “Precisamos conhecer
ção de rua com seus cobertores dobrados, vincados. Esse é essa população, saber quantos são com segurança, e a
um comportamento de quem estava domiciliado”, observa. composição dessas famílias”, pontua.
65
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
ÁGUA E SANEAMENTO
Nas dimensões de água e saneamento houve avanços no Brasil nos últimos anos,
porém, eles foram insuficientes para diminuir a enorme quantidade de crianças e
adolescentes sem acesso a banheiro e tratamento de esgoto nas residências. Sanea-
mento continua sendo a dimensão com o maior número de meninos e meninas priva-
dos(as) desse direito, o que tem graves impactos para a saúde e o desenvolvimento
Nota: A dimensão água tem dados disponíveis até a Pnad Contínua Anual de 2020. Como esse indicador é captado de
forma diferente pela POF e pela Pnad Contínua, há grandes diferenças entre os números de ambas, em especial no que
diz respeito às privações intermediárias (saiba mais sobre a metodologia no Capítulo 1, na pág. 8). Refere-se a criança e adolescente de 0-17 anos que habitam
52
*
Criança e adolescente de 0 a 17 anos que habitam uma residência que receba água canalizada somente no terreno/área uma residência que não recebe água canalizada.
externa da propriedade ou que vivem em uma casa com acesso à água internamente, mas cuja procedência é de poço,
fonte ou nascente. 53
Refere-se a criança e adolescente de 0-17 anos que vivem
Criança e adolescente de 0 a 17 anos que habitam uma residência que não recebe água canalizada ou que vivem em
** em uma casa com acesso à água internamente, mas cuja pro-
uma casa com acesso à água internamente, mas cuja procedência é de água da chuva armazenada ou desconhecida. cedência é de poço, fonte ou nascente.
66
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
percentuais de privação são registrados nas Privação de acesso à água, 0-17 anos (2020) —
regiões Norte e Nordeste, chegando a 19,5% Pnad Contínua
no Maranhão e a 19,2% no Amazonas em 2020.
No outro extremo, está a Região Sudeste, onde
em 2020 três dos seus quatro estados tinham
RR AP
percentuais de privação menores que 1%. 13,1% 6,5%
Privação de acesso à água, 0-17 anos, por cor/raça — Pnad Contínua e POF
Pnad Contínua
12%
6,4% 6,2%
5,4%
8% 5%
Branca e amarela
Branca e amarela
Branca e amarela
Branca e amarela
Negra e indígena
Negra e indígena
Negra e indígena
Negra e indígena
4%
3,6% 3,9% 4%
2% 2% 1,9% 1,5% 3,2%
POF
30%
5%
20% 4,7%
21,3%
Branca e amarela
Branca e amarela
Negra e indígena
Negra e indígena
2% 17,5%
15,3% 2,3%
10% 12,3%
0 2009 2018
Nota: A dimensão água tem dados disponíveis até a Pnad Contínua Anual de 2020. Como esse indicador é captado de forma diferente pela POF e pela Pnad Contínua, há grandes diferenças
entre os números de ambas, em especial no que diz respeito às privações intermediárias (saiba mais sobre a metodologia no Capítulo 1, na pág. 8).
*
Criança e adolescente de 0 a 17 anos que habitam uma residência que receba água canalizada somente no terreno/área externa da propriedade ou que vivem em uma casa com acesso à
água internamente, mas cuja procedência é de poço, fonte ou nascente.
Criança e adolescente de 0 a 17 anos que habitam uma residência que não recebe água canalizada ou que vivem em uma casa com acesso à água internamente, mas cuja procedência é de água da
**
67
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
Fonte: Elaboração própria com Pnad Contínua e POF. Outro problema, para Heller, é a falta de serviços
de saneamento em outros ambientes, que po-
Nota: A dimensão saneamento tem dados disponíveis até a Pnad Contínua Anual de 2020. Como houve, no ques- deriam compensar a privação nas moradias. “A
tionário da Pnad Contínua, a inserção de mais alternativas sobre para onde vai o esgoto do banheiro (sanitário ou
buraco de dejeção) a partir da primeira entrevista da edição de 2019, os níveis de privação não são comparáveis
com os de anos anteriores, embora a comparabilidade dos resultados de percentual de crianças e adolescentes
privados(as) em qualquer nível não tenha sido alterada (saiba mais sobre a metodologia no Capítulo 1, na pág. 8). 54
Dados do Instituto Trata Brasil, com base no Sistema Na-
Criança e adolescente de 0 a 17 anos que vivem em casa com banheiro compartilhado ou com fossa rudimentar.
*
cional de Informações sobre Saneamento (SNIS), de 2021.
**
Criança e adolescente de 0 a 17 anos que vivem em casa sem banheiro ou com vala a céu aberto. Disponível em: https://www.painelsaneamento.org.br/.
68
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
gente tem que pensar cada vez mais que o sanea- Privação de acesso a banheiro e rede de esgoto,
mento não é algo exclusivo dos domicílios, que 0-17 anos (2020) — Pnad Contínua
é necessário ter instalações de saneamento nos
vários espaços: no local de trabalho, na escola,
no posto de saúde e no espaço público”, afirma. RR AP
64,3% 85,6%
Pnad Contínua
60%
Branca e amarela
Branca e amarela
Branca e amarela
Negra e indígena
Negra e indígena
Negra e indígena
Negra e indígena
38,9%
3,3% 3,4% 3,7%
28,4% 11,8 %
27,3% 26,8% 25,2%
20%
17,9%
POF
80%
60% 46,6%
Branca e amarela
Branca e amarela
Negra e indígena
Negra e indígena
10,9%
40% 28,1%
4,6% 41,2%
30,3%
20%
18,8% 16,9%
0 2009 2018
Nota: A dimensão saneamento tem dados disponíveis até a Pnad Contínua Anual de 2020. Como houve, no questionário da Pnad Contínua, a inserção de mais alternativas sobre para onde
vai o esgoto do banheiro (sanitário ou buraco de dejeção) a partir da primeira entrevista da edição de 2019, os níveis de privação não são comparáveis com os de anos anteriores, embora a
comparabilidade dos resultados de percentual de crianças e adolescentes privados(as) em qualquer nível não tenha sido alterada (saiba mais sobre a metodologia no Capítulo 1, na pág. 8).
Criança e adolescente de 0 a 17 anos que vivem em casa com banheiro compartilhado ou com fossa rudimentar.
*
**
Criança e adolescente de 0 a 17 anos que vivem em casa sem banheiro ou com vala a céu aberto.
69
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
A falta de acesso a serviços de saneamento básico, como um volume de despesas anuais de aproximadamente
água potável e tratamento de esgoto, tem impactos so- R$ 55 milhões.
ciais, econômicos e ambientais significativos, levando a
privações em outras dimensões, como mostra o Painel Quando se analisam os dados regionais, observa-se que
Saneamento Brasil, do Instituto Trata Brasil (ITB).551 as internações acompanham as disparidades no acesso ao
saneamento. Enquanto a taxa de incidência de internações
A dimensão mais diretamente afetada pela falta de sa- por doenças de veiculação hídrica é de 2,32 por 10 mil habi-
neamento é a da saúde. De acordo com dados de 2021 tantes na Região Sudeste, no Norte e no Nordeste, ela chega
do Departamento de Informática do Sistema Único de a 13,24 e 10,23 por 10 mil habitantes, respectivamente.
Saúde (Datasus), compilados pelo Painel Saneamento
Brasil, a taxa de incidência de internações por doenças de Além da saúde, a educação também sofre impactos sig-
veiculação hídrica por 10 mil habitantes é de 6,04 – o que nificativos com a privação em saneamento. A análise dos
corresponde a cerca de 129 mil internações –, gerando dados do IBGE de 2021 feita pelo ITB aponta que, enquanto
55
PAINEL Saneamento Brasil. Disponível em: https://www.painelsaneamento.org.br/.
70
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
© UNICEF/BRZ/Gabriela Portilho
pessoas que moravam em residências com saneamento casa com banheiro é de 535,69; já a média das que não
básico frequentavam a escola por 9,1 anos, aqueles(as) têm banheiro no domicílio cai para 468,31.
sem acesso a serviços de saneamento tinham escolaridade
média de apenas 5,3 anos. Para efeitos de comparação, Luana Siewert Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata
atualmente a escolaridade obrigatória no País é de 13 Brasil, chama a atenção para outro ponto: a disparidade de gê-
anos (dos 4 aos 17 anos de idade). O atraso escolar é nero na questão do acesso à água, além da pobreza menstrual.
outro indicador influenciado por essa questão: a média Segundo ela, como as mulheres assumem a maior parte das
de anos de atraso na escola entre pessoas que moram responsabilidades domésticas, quando elas não têm acesso
em residências com saneamento básico é de 1,53, quase à água, acabam tendo que buscá-la em locais afastados de
50% menor do que a daquelas que vivem em casas sem casa, o que as deixa mais expostas à violência. Além disso,
saneamento, de 2,35. são elas que mais cuidam das crianças atingidas por doenças
de veiculação hídrica. “Com isso, elas perdem um período
O Painel revela ainda que a falta de acesso a saneamento muito grande do dia. Então, como elas vão ser competitivas no
influencia até mesmo a nota do Exame Nacional do Ensi- mercado de trabalho, buscar uma ascensão social, se perdem
no Médio (Enem) dos estudantes. De acordo com dados muito tempo para fazer atividades que deveriam ser básicas
de 2021 do Inep, a nota média de pessoas que vivem em – abrir a torneira e ter acesso à água em casa?”, questiona.
71
3 ● Alimentação,
Capítulo 2 Resultados por
educação
dimensão
e renda pioram após a pandemia
Cenários para o enfrentamento
© UNICEF/BRZ/Gabriela Portilho
72
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
PARÁ
Nos municípios Santa Izabel do Pará e Acará, crianças e adolescentes de comunidades
quilombolas e ribeirinhas convivem com privações de água e saneamento. No Pará, como
em outros estados da Região Norte, os indicadores dessas dimensões são, em geral, mais
elevados do que no restante do País
J
osé1 escala a palmeira rápido como casal dorme no colchão no assoalho; umas manchas. Fiz um exame, e atestou
uma flecha, os pés descalços pre- as crianças dormem em redes na parte que foi da contaminação da água”, conta.
sos ao tronco com uma peçonha, inferior – os três meninos de um lado,
espécie de corda feita com as folhas da as duas meninas do outro. Para os gêmeos Davi e Samuel, de 2
árvore. Em segundos, está no topo, a anos, o perigo chega rastejando des-
15 metros do chão, então, desce com Assim como eles, dezenas de ribeirinhos de o igarapé, localizado nos fundos da
o cacho de açaí. Ele tem 15 anos, sobe vivem ao longo do rio Miriti-Pitanga casa de 15 metros quadrados em que
várias vezes ao dia. A árvore é frágil, sem água potável ou saneamento. Eles moram com a mãe, o pai e o irmão An-
pode quebrar, mas ele afirma nunca ter se queixam ainda de uma indústria de tonio Gabriel, 6 anos. A família vive em
caído. Em 2016, o Instituto Peabiru, que óleo de palma e de dendê que estaria uma área de ocupação, em Santa Iza-
atua na região amazônica, constatou ser despejando resíduos no rio. bel do Pará, a 50 quilômetros de Belém.
esta uma das atividades mais perigosas Não há saneamento básico, e os deje-
da área rural do Brasil. “Esse rio está poluído”, constata Isilane, tos do banheiro vão para o riacho, que
16 anos, filha mais velha de Sidney. Ela traz parte disso de volta para o quintal
O menino mora com a mãe, o padrasto e teme repetir a história dos primos. “Eles quando transborda, em dias de chuva.
os irmãos numa casa simples de madei- ficaram sete dias internados no hospital,
ra, em Acará, a cerca de 100 quilômetros com vômitos, diarreia e muita febre”, As más condições da moradia acentuam
de Belém. lembra. Os primos beberam água do rio. os perigos. Toda a parte inferior das la-
terais de madeira está apodrecida, e por
Exausto demais para acordar de madru- “Tem gente que não pode comprar ga- ali entram animais, vindos do igarapé.
gada, outra vez faltou à escola. A lancha solina todo dia para ir na cidade buscar “Meus filhos não merecem um lugar
escolar atraca às 6 horas no barranco em água, então bebe do rio mesmo”, diz desses”, lamenta a mãe das crianças,
frente de casa, mas a rotina das crianças Isilane. Os ribeirinhos precisam se des- Camila Caroline Ribeiro de Araújo, 29
começa bem antes. Sem banheiro nem locar de canoa motorizada. Sidney leva anos. No Pará, 16,2% das crianças e ado-
água encanada, elas precisam acordar meia hora entre ida e volta, a cada dois lescentes viviam em moradias inadequa-
entre 4 e 5 da manhã para tomar banho dias, e gasta parte da renda familiar em das em 2020, segundo a Pnad Contínua.
no rio e se arrumar para ir à escola. gasolina. Nem sempre ele tem dinheiro,
ou a canoa está funcionando, então a fa- A falta de saneamento piora o cenário.
O mesmo rio que recebe o esgoto das mília bebe água do rio. É quando surgem Os gêmeos contraíram viroses algumas
casas também fornece a água para novas adversidades. vezes, e as gripes são constantes. Com
o banho, inclusive para beber. “Todo pneumonia devido às condições insalu-
mundo que tem fossa, joga no rio”, diz O caçula da família, Simon, 5 anos, apre- bres, Davi toma medicamentos doados
o catador de açaí Sidney de Souza Sal- senta problemas recorrentes por causa por um comerciante da rua em que o pai,
gado, 43 anos. Ele e a família também da água. “A enfermeira falou que era Antonio Clebson da Conceição Macias,
vivem em Acará numa casa de madeira ameba”, conta a madrasta dele, Rosime- trabalha como cuidador de carros. Simon
inacabada de dois pisos, com quatro cô- re do Socorro Maciel Pantoja, 34 anos. tem uma deficiência auditiva que a mãe
modos separados por lençóis. Na parte Ela própria diz que já se contaminou. atribui à água da chuva que entra na casa.
superior fica a cozinha e a sala onde o “Fui tomar banho e saí com coceira, “Caía a goteira no ouvido dele”, diz Camila.
1
Nome fictício para preservar a privacidade do adolescente.
73
● Resultados
Capítulo 3para
Cenários o enfrentamento ● Pará
por dimensão
74
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
fantil alcançou 8% dos(as) adolescentes As receitas fixas e variáveis garantem A renda de Camila se resume a R$ 600
entre 14 e 17 anos no Pará, de acordo uma renda média per capita de R$ 285 do Bolsa Família e R$ 105 do Auxí-
com o estudo do UNICEF. aos sete integrantes da família. Isso co- lio Gás. O marido, Antonio Clebson,
loca seus(suas) filhos(as) entre os 57,3% ganha mais uns R$ 150 cuidando de
Segundo o catador de açaí Sidney, a co- de crianças e adolescentes do Pará que carros no centro da cidade. Não basta
lheita se restringe ao verão, e os preços estavam abaixo da linha de pobreza em para a comida, o leite, as fraldas.
nem sempre estão bons. Sidney recebe 2021, de acordo com o estudo.
pensão mensal de R$ 1.200, decorren- Não raro, Camila mistura ovos ou mor-
te da morte da esposa anterior. A atual Nesse grupo também estão os filhos de tadela com arroz e feijão que sobraram
companheira, Rosimere, recebe R$ 600 Camila de Araújo, moradora da periferia na geladeira. Para melhorar o gosto, o
do Bolsa Família.2 A venda de açaí com- de Santa Izabel do Pará, a 50 quilôme- segredo, segundo ela, é temperar com
plementa a renda. tros de Belém. bastante alho e cebola, como ensinou
a avó. “Tira o gosto do azedo, aí nós
comemos. Para as crianças não ficarem
2
Na época da entrevista, em outubro de 2022, o benefício chamava-se Auxílio Brasil. com fome, melhor comer azeda.”
© UNICEF/BRZ/Gabriela Portilho
No Pará, crianças e adolescentes chegam a escalar palmeiras de 15 metros para pegar os cachos de açaí. A atividade é considerada uma
das mais perigosas da área rural do Brasil
75
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
INFORMAÇÃO
Informação se refere ao acesso a internet e televisão dentro do domicílio, e é a única
das dimensões analisadas pelo estudo que apresentou uma melhora consistente e
significativa ao longo do tempo. No entanto, não foi possível avaliar os impactos
da pandemia sobre essa dimensão, porque não há dados disponíveis para os anos
de 2021 e 2022
Privação de acesso a internet e televisão, 9-17 anos — Na dimensão informação, que trata do acesso a
Pnad Contínua e POF internet e televisão, o estudo revela que houve
uma melhora estatisticamente significativa,
no percentual de crianças e adolescentes sem
Pnad Contínua
privação nos quatro anos de Pnad Contínua
40% analisados pelo estudo. O dado, que passou de
67,9%, em 2017, para 86,6%, em 2020, refere-se
1,5%
a crianças e adolescentes de 9 a 17 anos que
30% acessaram a internet de casa pelo menos uma
30,7%
1,5%
vez no último ano.
23,1% 1,2%
20%
Já na perspectiva histórica captada pela POF de
17,7% 1%
2009 para 2018, vê-se que houve uma redução
10% 12,4%
de privações nessa dimensão da ordem dos 34
pontos percentuais. No entanto, esse resulta-
do não pode ser comparado com o da Pnad
0 2017 2018 2019 2020 Contínua, porque a coleta de dados é feita de
forma diferente nas duas pesquisas, como já
foi mencionado no Capítulo 1. O que fica claro,
POF em ambas, é que o maior avanço se deu em
relação ao acesso à internet no domicílio.
100%
76
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
A desigualdade racial também é muito signifi- Privação de acesso a internet e televisão, 9-17 anos
cativa no que diz respeito ao acesso a internet e (2020) — Pnad Contínua
televisão (veja gráficos abaixo). O percentual de
privação de crianças e adolescentes de cor/raça
negra e indígena é quase duas vezes maior do
RR AP
que o daqueles(as) de cor/raça branca e amarela, 12,6% 11,5%
tanto no nível intermediário quanto no extremo,
em todos os anos da Pnad Contínua analisados.
AM PA
23,7% 16,3% MA CE
22,6% 11% RN 9,4%
Na análise histórica da POF, entre 2009 e 2018, PB 9,4%
PI
essa proporção de desigualdade entre crianças AC 20,3% PE 14,2%
TO AL 14,4%
e adolescentes negros(as) e indígenas e bran- 15,8% RO 10,5% SE
6,7% 8,4%
cos(as) e amarelos(as) só ocorre na privação ex- MT 9,1%
BA
5,3%
trema. No caso da privação intermediária, em ne- DF
2%
nhum dos anos, a diferença entre os dois grupos GO
4,5%
chegou a ser o dobro, embora tenha aumentado MG
5,8%
significativamente ao longo do tempo: de 11,6 MS
ES
3,6%
3,8%
pontos percentuais em 2009, para 18,9, em 2018. SP RJ
2,8% 3,3%
PR
Um trabalho do Ipea56 publicado em agosto de 5,1%
Legenda:
2020 com o objetivo de subsidiar o debate so- 3,5%
SC
Privação de acesso a internet e televisão, 9-17 anos, por cor/raça — Pnad Contínua e POF
Pnad Contínua
40% 2%
37,1% 2,1%
Branca e amarela
Branca e amarela
Branca e amarela
Branca e amarela
Negra e indígena
Negra e indígena
Negra e indígena
Negra e indígena
30%
0,7% 28,1% 1,7%
20% 20,7% 0,7% 21,6% 1,3%
14,9% 0,6% 15,1%
10% 11,4% 0,3%
8,1%
0 2017 2018 2019 2020
POF
100% 7,1%
3,8%
80%
Branca e amarela
Branca e amarela
Negra e indígena
Negra e indígena
86%
74,4% 3,1%
60%
1,1% 58%
40%
39,1%
20%
0 2009 2018
Nota: A dimensão informação tem dados disponíveis até a Pnad Contínua Anual de 2020.
Criança e adolescente de 9-17 anos que não tiveram acesso à internet no último ano em casa, mas tinham uma televisão em casa.
*
**
Criança e adolescente de 9-17 anos que não tiveram acesso à internet no último ano em casa, nem tinham uma televisão em casa.
56
NASCIMENTO, P. M. et al. Acesso domiciliar à internet e ensino remoto durante a pandemia. Nota Técnica n. 88. Brasília: Ipea, 2020.
77
Capítulo 3 ● Resultados por dimensão
Aproximadamente 6 milhões de alunos(as) vi- educação básica, 99% dos(as) estudantes sem
vem completamente sem acesso à internet ban- acesso domiciliar à internet banda larga ou
da larga ou móvel em casa, dos(as) quais entre 3G/4G são de baixa renda, ou seja, vivem em
4,3 e 4,4 milhões estão no ensino fundamental. famílias com renda domiciliar per capita infe-
Desse total, cerca de 3,2 milhões não tinham rior a 1,5 salário mínimo. E as crianças e os(as)
sinal de rede móvel celular onde moravam, e adolescentes negros(as) e indígenas são mais
entre 250 mil e 300 mil sequer dispunham de de 70% dos(as) estudantes desconectados(as).
televisão em casa. Além disso, pouco mais da metade dos(as) alu-
nos(as) desconectados(as) estão em áreas rurais.
As desigualdades econômicas e étnico/raciais
também estão muito presentes nesse campo. Para o pesquisador do Ipea e professor da Escola
Segundo a pesquisa, nas escolas públicas de de Políticas Públicas e Governo da Fundação
78
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
© UNICEF/BRZ/Gabriela Portilho
79
Capítulo 4 ● Conclusões e recomendações
No Rio de Janeiro, Matheus da Conceição, 8, está no segundo ano do ensino fundamental, sabe
ler e escrever e sonha em ser professor. Na foto, ele e a irmã, Thayla da Conceição, 9, desenham
© UNICEF/BRZ/Sérgio Moraes
80
As Múltiplas Conclusões
Dimensões edarecomendações
Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
4 O ENFRENTAMENTO
DA POBREZA
MULTIDIMENSIONAL
As crianças e os(as) adolescentes não podem esperar. É urgente acabar
com a pobreza na infância e na adolescência e seus impactos na vida
de milhões de meninas e meninos brasileiros. Caso contrário, as perdas
no desenvolvimento humano serão irreparáveis. Para que o Brasil
reitere o seu compromisso com a Agenda 2030, da ONU, de não deixar
ninguém para trás, é fundamental que governos federal, estaduais e
municipais, empresas, organismos internacionais e organizações da
sociedade civil unam esforços nesse sentido
A
pobreza multidimensional na infân- Embora existam iniciativas importantes sendo
cia e na adolescência é um fenôme- implementadas em diversos locais, é preciso
no complexo e multifacetado, com que haja articulação, planejamento e dotação
causas diversas e inter-relacionadas. Para orçamentária para um investimento integrado
enfrentá-la é necessário um conjunto de di- nos diversos fatores da pobreza multidimensio-
ferentes políticas e estratégias, além de coor- nal, incluindo um olhar especial para o investi-
denação e interlocução entre elas. mento em infraestrutura, que deve unir gover-
nos federal, estaduais e municipais, organismos
Os resultados e as análises aqui descritos re- internacionais, empresas e sociedade civil.
velam que os avanços conquistados na garan-
tia dos direitos de crianças e adolescentes, no É necessário, ainda, investir em propostas que
Brasil, ao longo dos anos e em vários campos, beneficiem não só as crianças e os(as) adoles-
podem se estagnar e regredir, principalmente centes, mas também mães, pais e responsá-
em situações de crise, como a da pandemia de veis, especialmente os(as) mais vulneráveis.
covid-19. Também ressaltam que os desafios
estruturais e as desigualdades regionais, ét- Em 1990, o Brasil ratificou a Convenção sobre
nicas/raciais e de gênero persistem no Brasil, os Direitos da Criança. Em 2015, assim como
apesar de todos os esforços para melhorar as outros 192 países, aderiu à Agenda 2030, visan-
condições de vida de todos os meninos e de do alcançar até 2030 os 17 Objetivos de Desen-
todas as meninas do País nas últimas décadas. volvimento Sustentável (ODS), das Nações Uni-
das. Onze dos 17 ODS têm relação direta com
Diante da gravidade desse cenário, é urgente os direitos das crianças e dos(as) adolescentes.
priorizar as políticas públicas voltadas para
a infância e a adolescência, mesmo em um A garantia de um presente e de um futuro sem
contexto de crise econômica, a fim de reduzir privações para todas as crianças e adolescen-
as privações e retomar o caminho da evolu- tes do Brasil, sem exceção, é, portanto, funda-
ção na garantia dos direitos dessa população. mental para o cumprimento da Agenda 2030.
81
Capítulo 4 ● Conclusões e recomendações
O estudo do UNICEF que você tem em mãos é múltiplas dimensões da pobreza entre os(as)
uma ferramenta de apoio para que governantes brasileiros(as) de até 17 anos, analisadas pelo
e tomadores(as) de decisão possam agir nesse estudo, constituem um grande mapa de prio-
sentido, enfrentando a pobreza multidimensio- ridades que permite identificar as privações
nal com programas e políticas customizados que mais afetam meninos e meninas e orien-
e assertivos, capazes de superar as desigual- tar as políticas sociais.
dades regionais, raciais/étnicas e de gênero.
As recomendações a seguir levam em consi-
É preciso agir rapidamente, priorizando o deração os dados apresentados neste estudo,
enfrentamento à pobreza multidimensional a Convenção sobre os Direitos da Criança,57 os
na infância e na adolescência em todas as ODS e a urgência das ações. Nossos meninos
esferas governamentais. Sobrepostas, as e meninas não podem esperar.
De 2018 a 2022, o Brasil destinou, em média, apenas 4% dos recursos públicos federais58 para políticas vol-
tadas a crianças e adolescentes, segundo estudos realizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) e pelo UNICEF59. Tais montantes significaram em média apenas 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB).
Os dados relativos à primeira infância são ainda mais alarmantes. O gasto estimado com as crianças de
0 a 6 anos de idade em 2021 e 2022 representou cerca de 1,5% do orçamento efetivo da União, o que
equivale a 0,37% do PIB.
Para atingir os ODS e as metas da Agenda 2030, o País precisará redobrar os esforços para aumentar os
investimentos como um todo, com atenção especial a toda a estrutura de equipamentos e serviços que
sustenta, nos municípios, programas como o Cadastro Único e o Bolsa Família. O próprio Bolsa Família,
ainda que tenha excelentes avanços recentes, sobretudo em 2023, precisa de maiores garantias normati-
vas para sua sustentabilidade orçamentária nos próximos anos, incluindo reajustes constantes para evitar
perda de valor real para a inflação e diminuição do número de beneficiários.
2 Fortalecer o Suas nos municípios para ampliar a oferta de serviços e benefícios às crianças e
aos(às) adolescentes
É fundamental priorizar investimentos em toda a estrutura de proteção social que viabiliza o Bolsa Família
nos municípios, principalmente nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras). São os Cras que
possibilitam o Cadastro Único, e que atendem e acompanham as famílias em situação de pobreza multi-
dimensional, desempenhando papel relevante para as famílias e para os territórios onde estão situados.
Se, para endereçar a pobreza multidimensional, é preciso também atuar multidimensionalmente, investir nos
Cras é essencial, pois é uma estrutura que já conta com esse olhar em todas as fases de atendimento e acom-
panhamento de famílias vulneráveis.
57
O Brasil ratificou a Convenção sobre os Direitos da Criança em 24 de setembro de 1990.
58
Gasto efetivo, ou seja, desconsiderando o refinanciamento da dívida e a repartição de receitas.
Dados do Gasto Social com Crianças e Adolescentes (GSCA) disponíveis no Portal Siga Brasil do Senado Federal, seguindo a metodologia
59
do Ipea/UNICEF: http://www9.senado.leg.br/painelcidadao.
82
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
3 Institucionalizar a metodologia Gasto Social com Crianças e Adolescentes (GSC&A) para medir
e monitorar o orçamento público federal
A medição e o monitoramento do orçamento público federal e subnacional são fundamentais para a efe-
tivação dos direitos de crianças e adolescentes estabelecidos na Convenção sobre os Direitos da Criança,
na Constituição Federal e no ECA.
Como mostra esse estudo, é preciso que as respostas para enfrentar os desafios da pobreza multidimen-
sional na infância e na adolescência sejam implementadas de maneira articulada e equilibrada, para que
cada dimensão tenha respostas de políticas públicas efetivas, e financiadas na magnitude do desafio que
endereçam. Isso significa que temos que ter mapas das privações de direitos, como o presente estudo,
refletindo em mapas das ofertas de políticas. Como o orçamento é a principal forma de compreender as
ofertas de políticas públicas, é preciso ter ferramentas sistemáticas para acessar a informação sobre a
alocação orçamentária e setorial.
A metodologia “Gasto Social com Crianças e Adolescentes (GSC&A)”,60 formulada pelo Ipea e o UNICEF,
tem feito esse papel nos últimos anos. São dados disponíveis em tempo real no Portal Siga Brasil,61 in-
cluindo painel específico para a primeira infância. Esse é um mecanismo fundamental para melhorar a
transparência, monitorar as políticas e melhorar o investimento na infância.
O que falta é a incorporação de ferramentas como essa nos processos de planejamento, elaboração e
monitoramento orçamentário, incluindo a marcação de cada uma das ações orçamentárias para fácil
acompanhamento pelo próprio governo e pela sociedade.
É importante que as medições oficiais sejam realizadas por um órgão estatal e com certa periodicidade.
Este estudo do UNICEF é uma contribuição nesse sentido, mas é fundamental que os governos assumam a
responsabilidade não só de produzir esses dados como também de interpretá-los, monitorá-los e, com base
neles, propor políticas públicas.
O Brasil deve, portanto, retomar sua liderança na produção de dados de qualidade que informem as políticas
e os recursos públicos a serem alocados para o enfrentamento da pobreza de crianças e adolescentes em
suas múltiplas dimensões.
Nesse sentido, é urgente o fortalecimento dos órgãos oficiais de produção, geração e análise de dados do
País que sempre foram reconhecidos pela experiência e competência, como o IBGE e o Ipea.
No nível subnacional, devem também ser impulsionadas a geração de evidências e de dados regionalizados
pelos institutos estaduais de pesquisa. A existência de tais órgãos nas esferas subnacionais representa uma
60
SILVA, E. R. A. da et al. Gasto social com crianças e adolescentes: descrição metodológica. Nota Técnica n. 101. Brasília: UNICEF,
Ipea, maio 2022. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/10979/2/NT_101_Disoc_Gasto_Social.pdf.
61
O Sistema de Informações Orçamentárias Gerenciais Avançadas (Siga Brasil) é um sistema de informações sobre orçamento
federal, mantido pela Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle e pela Secretaria de Tecnologia da Informação (Proda-
sen), que permite acesso amplo e facilitado aos dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) e a outras bases
de dados sobre planos e orçamentos públicos. (Siga Brasil. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/orcamento/sigabrasil.)
83
Capítulo 4 ● Conclusões e recomendações
oportunidade única de obter dados regionais, estaduais, municipais e até intramunicipais desagregados,
que permitam realizar as ações propostas nessa publicação para orientar o desenho, a implementação, o
monitoramento e a avaliação das políticas públicas e dos programas de governo, considerando as carate-
rísticas de cada território.
A implementação desses mecanismos deve ainda levar em conta a necessidade de atualizar dados, como os de
trabalho infantil e de outros tipos de violências, e de ampliar as informações coletadas em diversas áreas e de dife-
rentes populações, como indígenas, quilombolas e pessoas com deficiências, para não deixar ninguém para trás.
O aleitamento materno deve ser incentivado por meio da aplicação de medidas legais de proteção e de
promoção da amamentação desde a primeira hora de vida, exclusiva nos primeiros seis meses e conti-
nuada até 2 anos e meio ou mais para que mais crianças tenham a oportunidade de um início saudável
em sua alimentação.
Entre as medidas concretas que devem ser tomadas nesse sentido, estão a fiscalização do cumprimento
e o monitoramento da Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de
Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras (NBCAL);62 o fortalecimento dos programas de aleita-
mento materno na atenção primária à saúde e também nas instituições escolares que atendem crianças
na primeira infância; o aumento do número de Hospitais Amigos da Criança,63 da rede de bancos de leite,
da licença maternidade, da licença paternidade ou licença parental, para garantia da continuidade do
aleitamento materno pelas mães trabalhadoras.
As estratégias devem levar em conta as desigualdades regionais e intramunicipais, principalmente nos grandes
centros urbanos. Também precisam considerar as disparidades relacionadas a gênero e a raça/etnia, além dos
dados sobre o consumo de alimentos processados e seu impacto na obesidade de crianças e adolescentes.
Para tanto, pesquisas realizadas com mais frequência, como a Pnad Contínua, deveriam incorporar em
seus questionários perguntas a esse respeito.
62
A NBCAL é um conjunto de normas que regulamentam a promoção comercial e a rotulagem de alimentos e produtos para lac-
tentes e crianças na primeira infância, como fórmulas infantis, leites, papinhas, mamadeiras, bicos e chupetas. Baseada no Código
Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), foi
inicialmente publicada como resolução do Conselho Nacional de Saúde, em 1988, e transformada em lei em 2006 (Lei nº 11.265,
de 3 de janeiro de 2006).
63
A Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC) foi lançada em 1991 pela OMS e pelo UNICEF para promover o aleitamento materno
em instituições que disponibilizem serviços de maternidade, obstetrícia, neonatologia e pediatria, com o objetivo de influenciar a
prática dos(as) profissionais de saúde e cuidadores(as). Para ser classificada como um Hospital Amigo da Criança, a unidade de
saúde deve apresentar uma taxa de pelo menos 75% de aleitamento materno exclusivo entre as mães na alta, aderir ao Código
Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno, e implementar os Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento
Materno, medidas que incluem o treinamento de profissionais sobre o tema, e a oferta às mães de apoio e informações atualizadas
sobre as vantagens e os procedimentos para que o aleitamento materno seja bem-sucedido.
84
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
Garantir uma rede de atenção primária de saúde, assistência social e educação, a fim de identificar
7 famílias com gestantes, crianças e adolescentes em maior risco de insegurança alimentar
O trabalho em rede das áreas de saúde, educação e assistência social permite a identificação de situações
de risco nutricional, possibilitando ações mais rápidas e efetivas de enfrentamento à fome e à insegurança
alimentar de modo geral.
Medidas como criação e fortalecimento de leis que garantam e promovam uma produção local e sus-
tentável de alimentos, valorizem as práticas culinárias tradicionais e incentivem o estabelecimento de
redes de colaboração entre produtores, técnicos e governantes para o consumo de alimentos regio-
nais provenientes da agricultura familiar podem apoiar as regiões mais vulneráveis no combate à fome.
9 Implantar feiras e mercados locais, restaurantes populares e cozinhas comunitárias como parte
de uma política pública nacional de combate à fome e à insegurança alimentar
Medidas como essa incentivam a alimentação saudável e apoiam os locais mais vulneráveis no combate à
fome e à insegurança alimentar de maneira geral, com o consumo de alimentos mais saudáveis.
O ambiente alimentar das escolas frequentemente favorece o consumo de alimentos não saudáveis, contribuindo
para a má alimentação e para o aumento de peso de crianças e adolescentes. É preciso incorporar a educação
alimentar e nutricional nas escolas, além de promover ambientes escolares saudáveis, protegidos por
meio de legislações que regulamentem a publicidade e a comercialização de alimentos ultraprocessados.
Aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a resolução RDC nº 429, de outubro de
2020,64 obriga as empresas a adicionarem um símbolo informativo na parte frontal dos seus produtos, a
fim de tornar simples e acessível a informação sobre a presença de grandes quantidades de nutrientes,
como açúcar, gordura e sódio, que podem causar malefícios à saúde.
64
http://antigo.anvisa.gov.br/documents/10181/3882585/RDC_429_2020_.pdf/9dc15f3a-db4c-4d3f-90d8-ef4b80537380
85
Capítulo 4 ● Conclusões e recomendações
13 Implementar tributação que eleve o preço das bebidas açucaradas, o que resulta também na
redução de seu consumo
14 Priorizar, no âmbito das respectivas esferas de gestão, a agenda de água e saneamento para
o desenvolvimento e implementação de políticas públicas
O acesso à água segura e ao saneamento adequado é central para a garantia dos demais direitos de cada
criança e adolescente. Para crianças menores de 5 anos, em especial indígenas, pode ser questão de
sobrevivência. Por isso, em todas as discussões sobre como melhorar o acesso de populações excluídas
e vulneráveis, os direitos e os melhores interesses das crianças devem estar no centro das atenções.
Nas dimensões de água, saneamento e moradia, é fundamental que haja um olhar específico voltado
para as mudanças climáticas e para as vulnerabilidades de crianças e adolescentes. Eventos climáticos
extremos, como secas e inundações, afetam as moradias, especialmente as inseridas em áreas de risco,
assim como a infraestrutura e a prestação de serviços de água e saneamento. Emergências climáticas
devem, portanto, ser consideradas um fator determinante para o planejamento estratégico desses setores,
tendo em vista a redução das desigualdades sociais e a universalização dos serviços.
As iniciativas devem incluir, por exemplo, o monitoramento da qualidade da água para consumo humano
e a redução de riscos associados, tendo em vista a promoção da saúde e o desenvolvimento infantil,
especialmente em áreas mais vulneráveis.
86
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
Encontrar cada um(a) dos(as) milhares de crianças e adolescentes fora da escola e atuar, de forma intersetorial,
para possibilitar o início ou o retorno à escolarização, e a permanência deve ser prioridade dos municípios
e estados. Cada área da política pública pode — e deve — contribuir, dentro de suas próprias rotinas, para o
enfrentamento da exclusão escolar.
19 Investir em uma educação infantil de qualidade para todos(as) e para cada um(a)
Uma educação infantil de qualidade é fundamental para que as crianças tenham uma educação básica de
qualidade. Para que isso aconteça, é necessário priorizar essa etapa, além de tornar a escola mais diversa e
inclusiva, reconhecendo as necessidades dos diferentes públicos — como migrantes, populações indígenas,
comunidades ribeirinhas e quilombolas — e contextos (urbano e rural, por exemplo).
As taxas de distorção idade-série começam a aumentar nos últimos anos do ensino fundamental II. Além de
levar em conta as questões de saúde mental, que se agravaram com a pandemia de covid-19, é importante
que se dê especial atenção a essa etapa, com políticas que promovam uma vivência escolar mais acolhedora, e
que desenvolvam competências e habilidades do século XXI, para que os(as) adolescentes possam se preparar
para o mundo do trabalho e ter acesso a melhores oportunidades.
Na área de educação, o Estado deve desenvolver políticas nacionais customizadas de formação de professores,
com foco em metodologias de ensino e uso de distintos recursos pedagógicos, como também com foco no
atendimento às especificidades e necessidades de populações quilombolas, migrantes, indígenas, rurais e
ribeirinhas, que são as mais vulnerabilizadas.
É fundamental que o Brasil tenha uma política de transição positiva da educação para o mundo do trabalho, a
partir de ações já existentes, como a lei da aprendizagem e a lei do estágio, incorporando a elas a política de
primeiro emprego. Cabe ao(a) gestor(a) público(a), em todos os níveis, a articulação de ações nesse sentido.
Políticas de desenvolvimento econômico, de emprego e de trabalho devem se conectar com a escola para
que as oportunidades cheguem a esses(as) meninos e meninas. O Estado também precisa investir numa
educação complementar, não formal, no contraturno da escola, para preparar os(as) adolescentes para essas
oportunidades. Programas como o Peti, de erradicação do trabalho infantil, ou mesmo o Bolsa Família podem
ainda compor essa política, assegurando o desenvolvimento do potencial desse(a) jovem reinserido(a) na escola.
Criado para assegurar e facilitar o cumprimento dos direitos de crianças e adolescentes previstos na Convenção
sobre os Direitos da Criança e no Estatuto da Criança e do Adolescente, o Sistema de Garantia de Direitos da
Criança e do Adolescente (SGDCA) precisa ser fortalecido por meio de ações que vão desde a capacitação
dos diversos atores sociais que compõem essa rede (profissionais de saúde, educação, assistência social e
justiça, entre outros), para que atuem de forma integrada e articulada, até investimentos em ampliação e na
infraestrutura dos equipamentos sociais.
87
Capítulo 4 ● Conclusões e recomendações
Após o início da pandemia, com o agravamento da pobreza, há uma percepção dos(as) especialistas
entrevistados(as) para essa publicação de que houve aumento dos índices de trabalho infantil. Além de
implementar formas de identificar precocemente as famílias vulneráveis, é preciso atualizar os dados, para
dimensionar o problema e os recursos necessários para enfrentá-lo. Também é importante que o Estado
invista em programas como o Peti, que já se mostrou eficaz na redução do trabalho infantil.
O trabalho infantil é apenas uma das formas de violência contra crianças e adolescentes. Este estudo
analisa essa forma porque é a única disponibilizada na Pnad Contínua.
Assim, dada a insuficiência de dados sobre as violências contra crianças e adolescentes, é imprescindível
ter ainda um sistema regular de informações sobre esse tema. Trata-se de uma dimensão que precisa ser
considerada em sentido amplo para compor índices de pobreza.
De acordo com a Lei nº 14.172/2021,65 alunos(as) de famílias inscritas no CadÚnico e matriculados(as) nas
escolas das comunidades indígenas e quilombolas, bem como os(as) professores(as) da educação básica
da rede pública de ensino, devem ter garantido o acesso à internet, com fins educacionais, por meio de
ações como a distribuição de chips e aparelhos móveis. Para que os recursos repassados pelo Ministério da
Educação cheguem aos mais vulneráveis, é fundamental que os estados implementem um plano de ação de
conectividade, levando em conta a necessidade de atuar, em regime de colaboração, com seus municípios.
A intermitência de programas e recursos destinados à habitação tem marcado as políticas dessa área. Para
que a questão de habitação possa ser enfrentada de forma mais assertiva, é necessário que sejam previstos,
a cada ano, recursos que apoiem os municípios a terem políticas continuadas de moradia.
Também é importante que esses recursos sejam utilizados em programas que, além da construção de
unidades habitacionais nas próprias favelas e no seu entorno, e de infraestrutura de água, esgoto, iluminação
e vias públicas, prevejam uma oferta integrada de serviços a essas populações – tais como saúde, educação,
cultura, assistência social, transporte e segurança. Nesse sentido, a melhoria da urbanização de favelas ou
a construção de novas unidades em regiões centrais, já dotadas de infraestrutura urbana, mostra-se uma
política mais efetiva do que a abertura de áreas novas e distantes dos centros urbanos.
A utilização de imóveis públicos vazios nos centros, por meio de programas de aluguel social, ampliaria
o leque de programas habitacionais, especialmente nessas áreas, ofertando habitação de boa qualidade
em locais de fácil acesso tanto a empregos quanto a serviços de saúde, educação e infraestrutura urbana.
65
BRASIL. Lei nº 14.172, de 10 de junho de 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/
l14172.htm.
66
As recomendações 26 e 27 foram elaboradas a partir de entrevista e de subsídios fornecidos por Rute Imanishi Rodrigues,
doutora em economia pela Università degli Studi di Siena, na Itália, e pesquisadora de políticas habitacionais e urbanas do
Ipea, onde, entre outros trabalhos, coordenou a publicação Vida social e política nas favelas: pesquisa de campo no Complexo
do Alemão. Rio de Janeiro: Ipea, 2016. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/6410.
88
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
Além da produção de estatísticas e de análises para per- 3 Melhorar o acesso e priorizar o financiamento de
mitir decisões cada vez mais embasadas, o UNICEF e seus serviços públicos de qualidade, especialmente para
parceiros buscam estimular fóruns de debate e construir as crianças e os(as) adolescentes mais pobres, in-
documentos que ajudem a colocar a pobreza na infância e cluindo saúde e educação de qualidade.
na adolescência no centro das decisões políticas.
4 Promover uma agenda de trabalho decente e de
A base de ação para tal são os ODS das Nações Unidas. Seus crescimento inclusivo, para alcançar famílias,
17 objetivos – ambiciosos e interconectados – abordam os crianças e adolescentes na pobreza.
principais desafios de desenvolvimento enfrentados por
pessoas no Brasil e no mundo, e representam um apelo No Brasil, uma iniciativa de advocacy 69 que tomou cor-
global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio po em 2022 foi a da Agenda 227, que também contou
ambiente e o clima, e garantir que as pessoas, em todos com o apoio do UNICEF. Esse movimento, que reúne
os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. cerca de 350 entidades, redes e coalizões da socie-
A Agenda 2030 no Brasil estabelece metas e indicadores dade civil, tem como objetivo colocar as crianças e
objetivos como forma de estimular uma ação urgente de os(as) adolescentes no centro da construção de um
toda a sociedade.67 Brasil mais justo, próspero, inclusivo e sustentável
para todos(as), a partir da concretização da prioridade
Outro exemplo de iniciativa global do UNICEF e seus parceiros absoluta garantida à população de 0 a 18 anos pelo
nesse sentido é o relatório Acabando com a pobreza infantil: artigo 227 da Constituição Federal.
uma agenda política,68 publicado pela Coalização Global Pelo
Fim da Pobreza Infantil. A Coalização é formada por mais de Em seu Plano País para a Infância e a Adolescência,70
20 entidades, entre elas o UNICEF, e tem por objetivo apoiar publicado por ocasião das eleições 2022 – e que abran-
a ONU e trabalhar com tomadores(as) de decisão nacionais, ge os direitos dessa população de uma forma geral,
regionais e globais, ativistas globais, organizações internacio- não apenas a questão da pobreza –, a Agenda 227
nais, sociedade civil e outras instituições para acabar com a estabelece como principais desafios estruturais:
pobreza entre crianças e adolescentes como parte dos ODS.
Priorizar a criança e o(a) adolescente em
Segundo o documento, embora os contextos variem, a ex- todo o ciclo do orçamento público.
periência mostra que uma agenda política para acabar com
a pobreza na infância e na adolescência envolve:
Fortalecer a articulação intersetorial
1 Construir apoio para que a redução da pobreza entre e federativa.
crianças e adolescentes seja uma prioridade nacional
explícita nos orçamentos, políticas e leis nacionais, e
garantir que as privações sejam medidas e monitoradas Recuperar e ampliar os espaços
rotineiramente. de participação social.
67
Mais sobre os ODS e a Agenda 2030 em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs e https://odsbrasil.gov.br/.
68
UNICEF. Ending Child Poverty: A policy agenda. Disponível em: https://static1.squarespace.com/static/56588879e4b0060cdb607883/t/634c6198f77b8b34
2de40f8e/1665950105327/Ending+child+poverty_a+policy+agenda.pdf.
69
Expressão em inglês cuja tradução literal é “advogar”, e que vem sendo utilizada como sinônimo de defesa em favor de uma causa.
70
AGENDA 227. Plano País para a infância e a adolescência. Disponível em: http://agenda227.org.br/wp-content/uploads/2022/09/Agenda-227_Plano-Pai%CC%81s_
15set2022_web.pdf.
89
ANEXO
Milhares de crianças e adolescentes de até 17 anos com alguma privação (2019), por UFs
e dimensão — Pnad Contínua
90
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
Percentual de crianças e adolescentes de até 17 anos com alguma privação (2019), por
UFs e dimensão — Pnad Contínua
*Crianças e adolescentes com pelo menos uma privação. Fonte: Elaboração própria com Pnad Contínua.
91
Anexo
DF
14,1% 5,8% 4,8% 10,7% 1% 26,7% 36,9%
GO
4,8% 4,9% 3,7% 4,8% 2,8% 49,8% 29,3%
MT
4,4% 9% 4,1% 5,9% 2,7% 54,3% 19,5%
MS
8,1% 5,6% 4,7% 5,1% 1% 50,6% 24,7%
RS
10% 8,8% 5% 7,8% 0,3% 39,3% 28,8%
SC
6,4% 7% 4,5% 3,7% 1,1% 59,9% 17,4%
PR
7,8% 10,5% 5,3% 5,2% 2,2% 43,2% 25,7%
SP
9% 8,9% 6% 19,2% 0,8% 15,4% 40,6%
RJ
9,8% 6,3% 2,5% 18% 1,5% 18,7% 43,3%
ES
8,7% 8,6% 4% 8,3% 0,7% 28,9% 40,9%
MG
7,5% 10% 6,7% 3,8% 2,3% 27% 42,7%
BA
8,8% 11,5% 2,4% 3,8% 6,4% 30,7% 36,3%
SE
9,4% 8,7% 3,1% 2,5% 5,1% 33,1% 38,1%
AL
6,2% 12,4% 2,5% 2,9% 9,8% 32,8% 33,4%
PE
5,7% 9,2% 2,3% 5,1% 10,1% 28,8% 38,8%
PB
7,4% 9,4% 3% 3,2% 9,4% 33,1% 34,6%
RN
7% 8,5% 1,4% 4,1% 5,1% 44,5% 29,5%
CE
3,5% 11,4% 1,8% 4,8% 7,4% 36,6% 34,5%
PI
5,7% 11,3% 2,2% 3,5% 7,8% 42,9% 26,6%
MA
4,9% 13,5% 2,6% 4,4% 10,8% 35,2% 28,5%
TO
5,1% 9% 3% 5,6% 2,9% 44,1% 30,4%
AP
6,2% 8,3% 4% 12,4% 6,3% 37,2% 25,7%
PA
6,5% 10,5% 2,3% 7,7% 7,9% 38,7% 26,4%
RR
4,2% 10,4% 3,2% 12% 5,2% 37,5% 27,4%
AM
5% 11,4% 1,9% 12% 7,7% 32,9% 29,2%
AC
5,6% 12,5% 3,1% 7% 11,8% 32,4% 27,6%
RO
5,1% 6,2% 4,3% 5,1% 3,8% 55,5% 20,1%
0 20 40 60 80 100
Nota: O gráfico é referente à proporção de privações por estado e não à proporção de crianças e adolescentes afetados(as) por cada uma das privações. Uma mesma criança ou adoles-
cente pode ser afetado(a) por várias privações.
Fonte: Elaboração própria com Pnad Contínua.
92
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
2009 2018
RR AP RR AP
71,3% 56,6% 46,6% 53,1%
AM PA AM PA
66,6% 62,3% MA CE 62% 57,3% MA CE
73,6% 69% RN 61,9% 62% 53,5% RN 46,9%
PI PB 67,5% PI PB 62,8%
AC 63,4% PE 65%
AC 50,5% PE 49,7%
TO AL 76,4% TO AL 64,6%
60,9% RO 54,4% SE 60,7% RO 47% SE
41,8% 63,5% 31,5% 50,3%
BA BA
MT 64,5% MT 50,3%
45,7% 29,1%
DF DF
34,1% 17,1%
GO GO
41,3% 26%
MG MG
43,8% 31,3%
ES ES
MS 43,6% MS 33,3%
33% 26,3%
SP RJ SP RJ
27,5% 36,2% 24,3% 34,4%
PR PR
31,3% 24,4%
SC SC
23% Legenda: 14,1%
RS RS
32% 19,6%
0%-30% 31%-40% 41%-50%
Nota: POF é a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE. Fonte: Elaboração própria com POF.
2009 2018
RR AP RR AP
4,8% 2,7% 3,8% 2,8%
AM PA AM PA
5,9% 8,2% MA CE 2,9% 6,5% MA CE
8,9% 7,6% RN 7,6% 5,9% 2,3% RN 5,6%
PI PB 6,3% PI PB 4,9%
AC
10,9% PE 8,3% AC 3,8% PE 3,6%
TO AL 10,8% TO AL 4,7%
7,6% RO 5,9% SE 4,5% RO 3,3% SE
1,8% 9% 1,3% 6,6%
BA BA
MT 7,4% MT 4,4%
1,6% 1,4%
DF DF
3% 1,2%
GO GO
1,2% 1%
MG MG
1,7% 1,5%
ES ES
MS 2,1% MS 1,1%
2,2% 4,4%
SP RJ SP RJ
2,1% 1% 1,3% 2,4%
PR PR
1,2% 1,1%
SC SC
0,8% Legenda: 0,6%
RS RS
0,6% 1,5%
0%-2% 2,1%-4% 4,1%-6%
Nota: POF é a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE. Fonte: Elaboração própria com POF.
93
Anexo
RR AP RR AP
31% 30,8% 25,1% 29,5%
AM PA AM PA
44,5% 45,9% MA CE 23,9% 26,4% MA CE
37,3% 32,1% RN 39,8% 25,2% 17,3% RN 25,4%
PI PB 44% PI PB 24,7%
AC 37,7% PE 36,3% AC 23,2% PE 21,6%
TO AL 44,9% TO AL 26,4%
37,3% RO 34,5% SE 28,7% RO 22,5% SE
42% 38,3% 26,5% 30%
BA BA
MT 40% MT 26,8%
30,5% 14,6%
DF DF
29,4% 13,9%
GO GO
26,1% 16,8%
MG MG
26% 13,9%
ES ES
MS 30,3% MS 17,9%
34,1% 25,4%
SP RJ SP RJ
18,8% 32,3% 11,6% 22,6%
PR PR
22,8% 14,3%
SC SC
20,4% Legenda: 12,8%
RS RS
28,4% 20,3%
0%-10% 11%-20% 21%-30%
31%-40% 41%-50%
Nota: POF é a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE. Fonte: Elaboração própria com POF.
2009 2018
RR AP RR AP
30,7% 34,9% 26,9% 24,4%
AM PA AM PA
34% 19,8% MA CE 28,4% 20% MA CE
14,3% 10,3% RN 6,9% 9,5% 7,5% RN 7,2%
PI PB 8,4% PI PB 5,7%
8,2% PE 12,2% 6,3% PE 7%
AC AC
TO AL 10,1% TO AL 5,6%
25,8% RO 13,1% SE 18,7% RO 12,7% SE
15% 9,5% 7,5% 3,6%
BA BA
MT 10,1% MT 6,3%
10,8% 10,4%
DF DF
10,8% 5,6%
GO GO
6,3% 5,6%
MG MG
7,9% 3,6%
ES ES
MS 9,5% MS 6,4%
11,2% 8,4%
SP RJ SP RJ
16,3% 13,5% 10,9% 13,2%
PR PR
6,6% 5,6%
SC SC
4,4% Legenda: 2,3%
RS RS
7,9% 5,1%
0%-7% 7,1%-14% 14,1%-21%
21,1%-28% 28,1%-35%
Nota: POF é a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE. Fonte: Elaboração própria com POF.
94
As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil
2009 2018
RR AP RR AP
21,3% 46,7% 16,7% 49,7%
AM PA AM PA
37,9% 59,4% MA CE 32,8% 49,4% MA CE
35,8% 29,8% RN 14% 37,8% 22,3% RN 20,1%
PI PB 28,8% PI PB 33,1%
AC 24,6% PE 30,8% AC 14,9% PE 31,3%
TO AL 32,2% TO AL 36,4%
63,8% RO 22,1% SE 52,4% RO 11,7% SE
65,1% 21% 66,9% 15,6%
BA BA
MT 24% MT 18,9%
22% 20,7%
DF DF
6,9% 6,1%
GO GO
24,3% 15,3%
MG MG
16,9% 11,8%
ES ES
MS 17,6% MS 14,4%
20% 12,4%
SP RJ SP RJ
8,2% 21,9% 3,5% 18%
PR PR
12,9% 12,7%
SC SC
21,2% Legenda: 18,3%
RS RS
13,4% 14,4%
0%-9% 9,1%-18% 18,1%-27% 27,1%-36%
Nota: POF é a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE. Fonte: Elaboração própria com POF.
2009 2018
RR AP RR AP
93,4% 97% 74,8% 96,4%
AM PA AM PA
84,7% 96,8% MA CE 76,1% 88,2% MA CE
93,8% 77% RN 85,5% 89,2% 66,8% RN 81,5%
PI PB 66,7% PI PB 60,7%
AC 98,1% PE 67,1%
AC 93,9% PE 56,8%
TO AL 88,6% TO AL 77,2%
87,3% RO 90,2% SE 77,7% RO 70,4% SE
97% 73,8% 96,4% 55,8%
BA BA
MT 62,8% MT 52,8%
84,3% 72,7%
DF DF
3,4% 17,8%
GO GO
65% 58,2%
MG MG
28,8% 20,5%
ES ES
MS 38,5% MS 27,7%
82,8% 58,7%
SP RJ SP RJ
22,7% 31,6% 9,9% 21%
PR PR
56,2% 37,3%
SC SC
78,7% Legenda: 45,3%
RS RS
60,8% 39,7%
0%-30% 31%-40% 41%-50% 51%-60%
Nota: POF é a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE. Fonte: Elaboração própria com POF.
95
Anexo
2009 2018
RR AP RR AP
94,6% 95,5% 81% 66,5%
AM PA AM PA
96% 96,4% MA CE 78,6% 77,2% MA CE
95,5% 96,8% RN 94% 77,7% 59,7% RN 53%
PI PB 92,9% PB 62,6%
PI
AC 95,9% PE 94,5% 80,6% PE 53,8%
AC
TO AL 96,2% TO AL 69,7%
94,2% RO 94% SE 80,8% 72,1% SE
RO
86,6% 93,4% 60,3% 62,6%
BA BA
MT 94% MT 63,9%
88,7% 60%
DF DF
70,9% 37,8%
GO GO
86,2% 48,5%
MG MG
86,8% 48,9%
ES ES
MS 84% MS 48,7%
85,7% 54,2%
SP RJ SP
78,2% 79,2% RJ
35,1% 45,5%
PR PR
80,3% 42%
SC SC
76,5% 32,1%
Legenda:
RS RS
84,9% 42,6%
0%-30% 31%-40% 41%-50% 51%-60%
Nota: POF é a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE. Fonte: Elaboração própria com POF.
96
© UNICEF/BRZ/Gabriela Portilho
LIVRO QUE VOCÊ TEM EM MÃOS