INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

Organizadores:
Paola Regina Carloni (Coordenadora)
Arnaldo Cardoso Freire
Tatiana Carilly Oliveira Andrade
Copyright©2018 by: Inclusão, educação e sociedade

Conselho Editorial

Paola Regina Carloni (coordenadora)

SUMÁRIO
Karen Danielle Magri Ferreira Razera
Leilyane Oliveira Araújo Masson
Sandra Maria de Oliveira Apresentação................................................................................................ 7
Tainá Dal Bosco Silva
Tatiana Carilly Oliveira Andrade Prefácio......................................................................................................... 9

Capa: Bruno Haringl

Diagramação: Tallento Soluções 1 - Breve panorama dos fundamentos da educação inclusiva (Júlia Le-
Revisão: Rafael Simões mos Vieira)............................................................................................... 13
Impressão e Acabamento: Tallento Soluções 2 - Inclusão escolar e preconceito: avanços e limites da educação
inclusiva (Karen Danielle Magri Ferreira Razera).................................. 29
CIP - Brasil - Catalogação na Fonte 3 - O trabalho enquanto possibilidade de inclusão: as contradições
BIBLIOTECA PÚBLICA ESTADUAL PIO VARGAS entre a adaptação para o mercado e a humanização pelo reconhe-
cimento no trabalho (Paola Regina Carloni e Fernando Figueiredo dos
inc Inclusão, educação e Sociedade./ Paola Regina Carloni,
Arnaldo Cardoso Freire, Tatiana Carilly Oliveira Andrade Santos e Reis)........................................................................................... 39
(Org.).- Goiânia: Mundial Gráfica, 2018 4 - O mal-estar na educação inclusiva no país da cordialidade (Candice
Marques de Lima e Leilyane Oliveira Araújo Masson)............................. 53
234 Págs.
ISBN: 978-85-61960-47-6 5 - Entre as políticas educacionais e a escola: reflexões sobre o pro-
cesso de educação inclusiva (Tainá Dal Bosco Silva, Thales Cavalcanti
1. Inclusão. 2. Educação. 3. Sociedade. 4. Psicologia. I. Titulo. e Castro e Bárbara Cecília Alves Marques)............................................... 69
CDU: 301 6 - Tecnologias da informação e da comunicação nas práticas peda-
gógicas inclusivas: formação de professores e tecnologias assisti-
DIREITOS RESERVADOS – É proibida a reprodução total ou parcial da obra, vas (Sandra Maria de Oliveira)................................................................ 85
de qualquer forma ou por qualquer meio sem a autorização prévia e por escrito
do autor. A violação dos Direitos Autorais (Lei n.º 9610/98) é crime estabelecido
7 - Globalização, educação, inclusão? Perspectivas no ensino regular
pelo artigo 48 do Código Penal. (Adelmar Santos de Araújo, Hélio Augusto de Rezende Filho e Valkiria Ru-
fino dos Santos)......................................................................................101
8 - Temple, Donna e Tito: idiomas de corpos com TEA (Ana Beatriz
Impresso no Brasil Índice para catálogo sistemático:
Printed in Brazil CDU: 301 Machado de Freitas)............................................................................... 123
2018

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 9 - Educação, transfobia e ciberespaço: um estudo etnográfico digi-
tal (Laionel Vieira da Silva e Bruno Rafael Silva Nogueira Barbosa)...... 137
10 - Experiência de um curso semipresencial para os professores do
Atendimento Educacional Especializado-AEE no Município de
Goiânia (Andréa Hayasaki Vieira)........................................................ 153
11 - O poder do discurso entre as ciências: educação e saúde, um
diálogo necessário (Nelma Alves Marques Pintor)............................ 165
12 - Metodologias ativas para a inclusão de alunos com deficiência
auditiva: novas possibilidades no processo de ensino-aprendiza-
gem em biologia (Maurício dos Santos Araújo, Aracelli de Sousa Leite e
Sebastiana Ceci Sousa)........................................................................... 179
13 - Ensino de ciências e deficiência visual: da invisibilidade à cons-
trução de alternativas para a inclusão (Alexandre Fernando da Silva,
Dulce Nogueira da Fonseca, José Heleno Ferreira e Carlos Alexandre Viei-
ra).......................................................................................................... 195
14- A (re)inclusão do idoso no mercado de trabalho e a mobilidade
urbana (Carla Manzi Muniz, Helen Pereira dos Santos Soares e Isabelle
Rocha Arão)........................................................................................... 209
15 - A Inclusão Digital de idosos: possibilidades, oportunidades e
desafios (Elisangela Gisele do Carmo, José Luiz Riani Costa, Renata Lau-
dares Silva, Nara Heloisa Rodrigues e Gisele Maria Schwartz).............. 221
6 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Apresentação
Este livro é resultado do trabalho e das pesquisas do Inclui – Nú-
cleo de Estudos sobre o Ensino para a Pessoa com Deficiência da Faculda-
de Araguaia. Esse Núcleo de Estudos e Pesquisas foi criado pela direção
da Faculdade Araguaia no fim de 2016 quando convidaram a professora
Paola Carloni para implantar e coordenar o Inclui.
Ao longo de 2017 o Inclui realizou diversas palestras, encontros,
reuniões, parcerias, grupos de estudos e ainda dois Seminários sobre in-
clusão trazendo pesquisadores da USP, UFG e outras instituições para
debater o tema e reuniu um público de mais de 500 pessoas. Este livro
também faz parte dos projetos do Inclui em 2017.
O objetivo do livro é produzir conhecimentos sobre inclusão, di-
vulgá-los e torná-los acessíveis à comunidade acadêmica. Assim, a coor-
denação do INCLUI juntamente com a direção da Faculdade Araguaia
convidou a comunidade acadêmica por meio de um edital público para
participar do primeiro volume do livro do INCLUI com o tema: Inclusão,
Educação e Sociedade. Vários professores de todo o Brasil enviaram pro-
postas de capítulos para a seleção. Foram escolhidos os 15 melhores ca-
pítulos, que aqui estão neste volume, para compor o livro. Outros artigos
enviados para a seleção para o livro foram direcionados para a RENEFA-
RA - Revista Eletrônica de Educação da Faculdade Araguaia.
A seleção foi feita pelo Conselho Editorial, que foi convidado pela
coordenação do INCLUI e pela direção da Faculdade Araguaia para a
elaboração deste livro. Os artigos apresentados foram encaminhados
para leitura prévia às representantes do Conselho Editorial e reenviados
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 7
aos(as) autores(as) com sugestões de modificações. Assim, tanto a veraci-
dade das informações, como a autoria dos artigos é de exclusiva respon-
sabilidade dos(as) autores(as).
O conselho editorial é composto pelas seguintes pesquisadoras:
Préfacio
Professora Doutora Paola Carloni (coordenadora); Professora Doutora
Tatiana Carilly; Professora Doutora Sandra Oliveira; Professora Dou-
tora Karen Ferreira Razera; Professora Mestra e Doutoranda Leilyane
Masson e Professora Mestra e Doutoranda Tainá Dal Bosco. A essas
O tema da inclusão se faz urgente em nossa sociedade. Pensar o
mulheres agradecemos imensamente a colaboração, sugestões, leituras e
processo em que todo ser humano possa estar inserido participando ple-
auxilio na organização deste livro.
namente da sociedade e fazendo parte de todas as situações que ele de-
seja participar com igualdade de condições e direitos é fundamental para
Paola Carloni - organizadora do livro e coordenadora do Inclui
a construção de uma sociedade justa e plena. Assim, na inclusão deve-se
dar o suporte necessário para que a pessoa tenha independência e possa
ter as mesmas condições de acesso que as demais a todos os nossos bens
culturais e materiais, seja o acesso físico aos lugares ou a possibilidade de
entendimento e participação plena na sociedade via educação e cultura em
seu sentido amplo.
Tentando possibilitar esse processo de inclusão, o século XX deu
um salto nas discussões, estudos e nas políticas de inclusão. Diversos foram
os marcos de avanços nesse processo, como a elaboração da Declaração de
Salamanca na Espanha em 1994, que estabelece diversas diretrizes para a
inclusão da pessoa com deficiência e abre o diálogo para se pensar a diversi-
dade em seu sentido amplo, e ainda as leis criadas para favorecer o processo
de inclusão no Brasil e em diversos países do mundo.
A partir da Declaração de Salamanca o mundo todo criou políticas
de inclusão e discussões sobre a diversidade e a democratização dos acessos
e condições sociais de toda a população. No Brasil, temos a criação de diver-
sas leis. A própria LDB de 1996 já estabelece a necessidade de se pensar o
respeito a diferença e o acesso de todos a educação. Depois dela várias ou-
tras leis foram criadas no sentido de promover a igualdade e a inclusão da
pessoa com deficiência. Dentre elas: a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002

8 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 9

que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras provi- Desta maneira, estudos mais aprofundados se fazem necessários e
dências; a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012 que institui a Política de extrema importância e urgência, além da tradução desses estudos em
Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro ações que possam auxiliar o trabalho da sociedade, das escolas e dos edu-
Autista; a Lei nº 13.185, de 6 de novembro de 2015 que institui o Programa cadores.
de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) e a lei nº 13.146, de 6 de Neste sentido, a criação de uma publicação do INCLUI - Núcleo
julho de 2015 que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Defi- de Estudos sobre o Ensino para a Pessoa com Deficiência pretende reunir
ciência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). pesquisadores que possam dialogar e trocar conhecimentos, além de tornar
Todas essas leis são avanços fundamentais nos direitos das pessoas esses conhecimentos públicos e acessíveis.
com deficiências agora legalmente garantidos. No entanto, nem sempre a O desafio está posto.
sociedade, as escolas e os profissionais que nelas atuam sabem como pro- Que consigamos caminhar e avançar bastante com estas publicações.
ceder diante do processo de inclusão: Como tratar a diferença mantendo
a igualdade? Como promover um aprendizado efetivo? Como pensar as
síndromes e transtornos que acometem diversas pessoas e como inseri-las Paola Carloni – coordenadora do Inclui
no processo educacional? Como tratar e resolver as questões relacionadas Arnaldo Cardoso – diretor geral da Faculdade Araguaia
às necessidades especiais? Todas essas questões são de fundamental impor-
tância para o processo de inclusão e necessitam de pesquisas e conhecimen-
tos teóricos para serem respondidas.
Esse livro é fruto da tentativa de refletir teoricamente a partir de
autores e práticas para propiciar uma inclusão possível em uma sociedade
que ainda tem muito o que avançar nos aspectos da inclusão, pois durante
séculos a pessoa com deficiência esteve a margem dos processos sociais,
incluindo a própria educação. O avanço na discussão sobre a dignidade e a
igualdade da pessoa com deficiência apresenta um desafio aos educadores:
dar condições de acesso e igualdade para todas as pessoas. O próprio con-
ceito de inclusão possui contradições e divergências. Há diversas teorias e
olhares sociais influenciados pela cultura e visão do mundo da sociedade ou
do pesquisador. Não há consenso sobre as diversas síndromes e transtor-
nos quanto a seus sintomas e tratamentos e, em alguns casos, até mesmo
sobre a existência delas. Também não há consenso sobre como realizar o
processo de inclusão, sobre quais técnicas e estratégias se utilizar. Essa é
uma discussão ainda muito recente e pesquisadores e profissionais se en-
contram perdidos diante das estratégias e dos conceitos nesse processo.

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 Breve panorama dos fundamentos
da educação inclusiva
Júlia Lemos Vieira1

Introdução

A partir de um breve panorama histórico da realidade relacional

entre pessoas comuns e pessoas com deficiências, o problema da marginali-
zação, da mistificação e da secularização científica em torno da questão da
deficiência será abordado para, em seguida, compreendermos a reação do
paradigma social da deficiência tendo o deslocamento de sujeitos do dis-
curso sobre a deficiência como estrutura. A seguir, avaliaremos o desafio
da realização efetiva do paradigma social e a questão da educação inclusiva
na realidade brasileira, considerando os aspectos mediadores no âmbito da
predominância da lógica do capital nas políticas educacionais.
Recentes descobertas arqueológicas têm trazido evidências de que
na antiguidade nem sempre crianças nascidas com deficiências eram mar-
ginalizadas ou, simplesmente, descartadas. Ao que parece, a Grécia Anti-
ga, sob a liderança de Esparta, algumas vezes não abandonava as crianças
diferentes à própria sorte em florestas e nem as atiravam num precipício.
Otto Marques da Silva, autor de “A Epopéia Ignorada” avalia que é possível
indicar diversas evidências de históricas adequações: ossos pré-históricos
que indicam que pessoas com deficiência sobreviviam, representações em
calcário de indivíduos com sequelas de poliomielite, obras de arte nas quais
1
Doutora em Filosofia pela Universidade de São Paulo.

INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 13

anões aparecem como trabalhadores participativos (SILVA, 1986). Entre-
tanto, tais fatos não negam que as pessoas com deficiência, ao precisarem
de ajuda da comunidade para obter alimento, abrigo e segurança, junta-
mente com outros membros vulneráveis tais como as crianças e os idosos,
historicamente sempre estiveram em lugar de grande distância inclusiva
quando comparados a estes últimos.
1 - A deficiência como segregação
Ainda que Dídimo, um teólogo cego entre os anos de 345 e 395
tenha sido diretor da Escola de Alexandria, (CRESPO,2011 p. 3) a Paideia
grega, criação educativa ímpar que irradia a imorredoura ação dos gregos
sobre todos os séculos (JAEGER, 2001) promoveu a exclusão quase total
das pessoas que nasciam com qualquer tipo de deficiência. Aqueles que não
correspondiam aos padrões de excelência eram, em sua grande maioria,
abandonados, perseguidos e assassinados. Nos Livros III, V e VII da Repú-
blica, Platão (428-348 a.C.) dava as seguintes recomendações:
[...] (a Medicina e jurisprudência) cuidarão apenas dos cidadãos bem
formados de corpo e alma, deixando morrer os que sejam corporalmente
defeituosos [...] é o melhor tanto para esses desgraçados como para a
cidade em que vivem (PLATÃO, 1972, p. 716, apud CAMPOS, J. A. P. P.;
PEDROSO, C. C.A.; ROCHA, J. C. M., p. 10).
[...] os (filhos) dos homens inferiores, e qualquer dos outros que seja
disforme, escondê-los-ão num lugar interditado e oculto como convém
(PLATÃO, 1949, p. 229, apud CAMPOS, J. A. P. P.; PEDROSO, C. C.A.;
ROCHA, J. C. M., p. 10).
E Aristóteles, no capítulo 14 do livro IV da Política sugere: “Com
respeito a conhecer quais os filhos que devem ser abandonados ou educa-
dos, precisa existir uma lei que proíba nutrir toda criança deforme” (ARIS-
TÓTELES, 1966, p. 150 apud AMARAL, 1995, p. 44).
14 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Os maiores expoentes da filosofia grega não deixam dúvidas de que
a valorização da formação humana de modo estruturado em elementos
como harmonia, eurritmia, proporção, limite e medida implicava na recusa
daqueles que possuíam mutilação do corpo como iguais ou potencialmente
iguais.
A mistificação em torno da questão durante o período medieval
trouxera tão-somente um alívio indigno: o acolhimento em instituições de
caridade ocorria apenas na medida em que eram consideradas passíveis
de terem salvas as suas almas possuídas pelo demônio, pois, do contrário,
poderiam não apenas serem marginalizadas da sociedade, mas sofrerem as
penas da inquisição (LISBOA, 2013). Além disso, tal como analisara Fou-
cault, os abrigos para doentes na Idade Média foram sobretudo lugares
para morrer:
O personagem ideal do hospital, até o século XVIII, não é doente que é
preciso curar, mas o pobre que está morrendo. Dizia-se, correntemente,
nesta época, que o hospital era um morredouro, um lugar onde morrer.
E o pessoal hospitalar não era fundamentalmente destinado a realizar
a cura do doente, mas a conseguir sua própria salvação. Era um pessoal
-- caritativo ou leigo – que estava no hospital para fazer uma obra de ca-
ridade que lhe assegurasse a salvação eterna (FOUCAULT, 1979 apud
CRESPO, 2011, p. 5).
O argumento foucaultiano do discurso como um produto das relações
de poder constituidor de realidades historicista a realidade dos supostos
abrigos acolhedores do medievo. Mas, talvez ainda mais grave, seja a sua
análise dos hospitais posteriores fundamentados no próprio saber científico
voltado para a cura. Os processos para a institucionalização decorrentes da
desmistificação científica muitas vezes apenas secularizaram a possessão
demoníaca: os deficientes deveriam ser, em geral, isolados, mas agora sob
o discurso da ciência, a qual foi extremamente eficaz em conferir poder às
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 15
instituições de reabilitação em termos paternalistas, permitindo uma con-
fusão entre direito e assistencialismo dificilmente dissolúvel.
A chamada Fase da Institucionalização, que se originou sobretudo
dos primeiros avanços da medicina, fundamentou-se na associação da defi-
ciência com doença, “vista por muitos como contagiosa, como uma ameaça
para a sociedade, fazendo com que as pessoas vítimas da deficiência fossem
isoladas, tratadas e institucionalizadas, em geral, em hospitais psiquiátricos
e/ou manicômios” (CAMPOS; PEDROSO; ROCHA, 2013, p. 11).
É certo que houve algum avanço quando em 1770, Paris, o abade
Charles M. Eppée fundou a primeira instituição especializada para a educa-
ção de “surdosmudos”, quando em 1784, Valentin Hauy fundou o Instituto
Nacional dos Jovens Cegos e quando, em 1800, o médico Jean Marc Itard
usou pela primeira vez métodos sistematizados para o ensino de deficientes
mentais (MAZZOTTA, 2005). Mas somente no final do século XVIII e
início do século XIX e do voltar-se da ciência para uma interlocução entre
as mais diversas áreas do conhecimento (médica, psicológica e social) é que
a superação da visão da deficiência como doença deu seus primeiros sinais.
Houve o início de seu entendimento como estado ou condição, isto
é, condição na qual algumas pessoas se encontram e para a qual são neces-
sárias ações específicas de cunho educacional, social, psicológica e médica,
que venham a favorecer o desenvolvimento e ajustamento dessas pessoas.
(CAMPOS; PEDROSO; ROCHA, 2013)
Iniciativas de medidas educacionais junto às pessoas com deficiência
surgiram então no bojo da ideia de ajustamento. As duas grandes guerras
mundiais e suas terríveis consequências que incorreram em diminuições das
diferenças entre as pessoas com e sem deficiência estimularam a proliferação
na Europa de escolas especiais não residenciais. Nessa chamada Fase da Cria-
ção de Serviços Educacionais ou Fase da Integração (CAMPOS; PEDROSO;
ROCHA, 2013) apareceram as primeiras iniciativas oficiais para as pessoas
com necessidades especiais em torno de dinamismos vários, tendo a questão
da educação inclusiva como eixo. Institutos, escolas particulares e institui-
ções especializadas em necessidades especiais foram fundadas. Mas, de algum
16 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
modo, a Fase de Integração permaneceu segregacionista. A busca pela inte-
gração e desenvolvimento das pessoas com deficiência permaneceu dada em
discursos em que as mesmas são meros objetos silenciados e, portanto, sem
poder sobre sua própria definição e destino. A marginalização permanecia
na constituição da educação especial como um sistema paralelo à educação
comum.
O princípio da normalização teve sua origem nos países escandinavos,
com Bank-Mikkelsen (1969) e Nirje (1969), que questionaram o abuso
das instituições residenciais e das limitações que esse tipo de serviço
sobrepunha em termos de estilo de vida. O princípio tinha como pres-
suposto básico a idéia de que toda pessoa com deficiência teria o direito
inalienável de experienciar um estilo ou padrão de vida que seria comum
ou normal em sua cultura, e que a todos indistintamente deveriam ser
fornecidas oportunidades iguais de participação em todas as mesmas
atividades partilhadas por grupos de idades equivalentes (MENDES,
2006, p. 389).
O problema com o princípio da normalização é que, ao colocar o in-
divíduo com necessidades especiais na classe comum sem que o professor
tenha suporte de um professor da área de educação especial, era centrado o
problema na criança (MRECH, 1999). No interior do discurso científico, o
olhar sobre o deficiente não se alterava essencialmente. O paradigma mera-
mente médico sobre a deficiência a tratava como uma questão de adaptação
individual: com auxílio da ciência, a pessoa deficiente deveria ser “conser-
tada” e “normalizada” e tomar a iniciativa de esmerar-se para tornar-se
adaptada à sociedade.
Até a década de 1970, as provisões educacionais foram voltadas para
crianças e jovens que sempre haviam sido impedidos de acessar a escola
comum, ou para aqueles que até conseguiam ingressar, mas que passaram
a ser encaminhados para classes especiais por não avançarem no processo
educacional. A segregação era baseada na crença de que eles seriam mais
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 17
bem atendidos em suas necessidades educacionais se ensinados em ambien-
tes separados (MENDES, 2006, p. 387).
Nestes termos, pelas vias da ciência, fundamentou-se profundas ra-
ízes da resistência da sociedade a “mudar suas estruturas e atitudes para
incluir em seu seio as pessoas portadoras de deficiência” (SASSAKI, 1997,
p. 29). Foi isso que se alterou a partir das demandas do paradigma social.
2 - O paradigma social da deficiência
Nos anos 60, no Reino Unido as vozes dos próprios deficientes con-
tra a perspectiva do paradigma médico e com a proposta do chamado pa-
radigma social reclamaram a necessária substituição da abordagem segre-
gacionista da deficiência (CRESPO, 2011 p. 15). A partir dele, a deficiência
deve ser abordada como uma experiência possível em sociedades nas quais
pessoas com lesões possuem desvantagens excludentes no exercício de al-
gumas atividades. Reconheceu-se que a exclusão tem seu lócus na hostili-
dade do meio ambiente social e não na lesão em si. Assim, pessoas podem
ter lesões sem necessariamente experimentarem a exclusão e, portanto,
sem necessariamente serem deficientes no sentido caro do termo.
A incapacidade [ou deficiência] não é um atributo de um indivíduo, mas
sim um conjunto complexo de condições, muitas das quais criadas pelo
ambiente social. Assim, o enfrentamento do problema requer ação social
e é responsabilidade coletiva da sociedade fazer as modificações ambien-
tais necessárias para a participação plena das pessoas com incapacidade
[ou deficiência] em todas as áreas da vida social. Portanto, é uma ques-
tão de atitude ou ideológica que requer mudanças sociais que, em nível
político, transformam-se em questões de direitos humanos. De acordo
com este modelo, a incapacidade [ou deficiência] é uma questão política
(OPAS, 2003, p.32 apud CRESPO, 2011, p. 15).
O paradigma social propugnou que não se deve conferir às estrutu-
18 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
ras do corpo individual a diferença do grau de participação de uma pessoa
na comunidade. São as condições do corpo social que determinam profun-
damente a experiência da deficiência. Trata-se de uma experiência objeti-
va e subjetivamente (ideológica e simbolicamente) constituída. Foi preciso
que a experiência da deficiência se tornasse potencialmente genérica e que,
a exemplo de outros segmentos marginalizados, pessoas que experimen-
tam a deficiência começassem a se organizar e a falar por si mesmas “dando
início ao movimento social das pessoas com deficiência” (CRESPO, 2011,
p.16) para que, em contraste com o paradigma médico, se erigisse o para-
digma social.
(...) intensificados basicamente na década de 1960, movimentos
sociais conscientizaram e sensibilizaram a sociedade sobre os pre-
juízos da segregação e da marginalização de indivíduos de grupos
com status minoritários, tornando a segregação sistemática de
qualquer grupo ou criança uma prática intolerável. Tal contexto
alicerçou uma espécie de base moral para a proposta de integração
escolar, sob o argumento irrefutável de que todas as crianças com
deficiências teriam o direito inalienável de participar de todos os
programas e atividades cotidianas que eram acessíveis para as de-
mais crianças (MENDES, 2006, p. 388).
As décadas de 1960 e 1970 foram caracterizadas, assim, como um
período de desinstitucionalização, marcado pelas primeiras tentativas de
assegurarem educação pública para todas as crianças com necessidades es-
peciais. O início do século XX no cenário norte-americano foi marcado pela
criação das classes especiais nas escolas públicas. Por volta de 1940, foram
registrados os primeiros movimentos por parte da sociedade civil, em par-
ticular, pais de crianças com paralisia cerebral, e na década posterior, pais
de crianças com deficiência mental. Conforme destaca Mazzotta (2005),
esses movimentos tinham por intuito estimular as organizações governa-
mentais norteamericanas a uma nova legislação de pesquisa, treinamento
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 19
profissional e atendimento nas escolas públicas às crianças e jovens com
deficiência mental e outras deficiências.
Em 1977 foi aprovada uma lei nos Estados Unidos que instituiu ofi-
cialmente o processo de mainstreaming que, de acordo com Kirk e Galla-
gher (1996) estudantes com deficiências deveriam ser colocados nas escolas
comuns de modo a coordenar a oferta de serviços educacionais especiais e
de serviços educacionais regulares. De algum modo, tratava-se de elaborar
em âmbito nacional a Declaração dos direitos das pessoas deficientes publi-
cada em 1975 e que havia ratificado em seu artigo 3º que
As pessoas com deficiência têm o direito inerente ao respeito por sua
dignidade humana. As pessoas deficientes, qualquer que seja a origem,
natureza e gravidade de suas deficiências, têm os mesmos direitos fun-
damentais que seus concidadãos da mesma idade, o que implica antes
de tudo, no direito de desfrutar uma vida decente, tão normal e plena
quanto possível (ONU, 2010, online).
O surgimento dos serviços educacionais de inclusão estruturados
pela busca de participação plena das pessoas com necessidades especiais se
deu, assim, concomitantemente ao movimento protagonizado pelas pró-
prias demandas dos deficientes em prol de um processo de desinstituciona-
lização das práticas médicas reducionistas ao assistencialismo paternalis-
ta. Ainda hoje a visão assistencialista encontra-se extremamente forte. De
acordo com Amiralian (1986, p. 3):
Há entidades que mantêm ainda o excepcional apenas em uma forma
assistencial, isto é, são instituições que cuidam somente de suas necessi-
dades físicas, sem propor condições para seu desenvolvimento. Expres-
sões ainda correntes como ‘fulano está possuído’, e a procura incessante
de benzedeiras e curandeiros, pela qual muitas vezes a família se dispõe
a viagens e gastos, expressam de forma sutil e encoberta uma crença no
sobrenatural. Esses e outros exemplos nos mostram que, apesar de toda
20 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
a evolução científica e de toda a pesquisa a respeito das diferenças com-
portamentais, há ainda um longo caminho a seguir, a fim de que, princi-
palmente no que se refere ao nosso país, a compreensão, o tratamento e
o atendimento aos excepcionais se desenvolvam satisfatoriamente.
A mudança na mentalidade e no comportamento de toda a sociedade
para o paradigma social ainda é uma luta e ocorre em graus e formas dife-
rente nas diversas sociedades. A percepção da normalidade da diferença é o
que impulsiona a Fase Atual, caracterizada pela garantia do acesso e suces-
so de pessoas com necessidades educacionais especiais no ensino regular. A
questão que se coloca agora é o desafio da compreensão de que o processo
de inclusão ultrapassa o âmbito da escola e encontra seus limites perante a
lógica do capital.
3 - O desafio do paradigma social da inclusão
Nos anos 80, mais uma vez a diminuição da distância entre as pessoas
com e sem deficiência foi necessária para catalizar políticas públicas para de-
ficientes tendo o paradigma social como fundamento. Em 1980 o Congresso
Mundial da Rehabilitation International, realizado em Winnipeg, no Canadá
divulgou, em sua Carta para a Década de 80 que, mesmo em tempo de paz,
10% da população têm algum tipo de deficiência em qualquer país (SAS-
SAKI, 2000). Esse dado surpreendeu e chocou o mundo, mesmo sem consi-
derar que foram contestadas como insuficientes para apurar números supe-
riores de proporção de portadores de necessidades especiais principalmente
pelos institutos de pesquisas dos países mais pobres, nos quais ambientes
insalubres, subnutrição, ausência de água limpa e de rede de esgoto agravam
a deficiência enquanto experiência de marginalização.
O fato é que a maior possibilidade da experiência da deficiência é que
tornou as políticas públicas mais eficientes, o que significa que ainda não
foram essencialmente fundadas numa ética de dignidade humana – que im-
plicaria numa eficiência ainda que se referisse a uma mera minoria - e sim de
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 21
empatia empirista. Permeia, portanto, a realidade da lógica utilitarista, que
não contribui nem no âmbito moral para a eficiência da inclusão numa edu-
cação que englobe as amplas relações entre escola e comunidade.
Como falar em educação inclusiva numa sociedade não só estrutu-
ralmente excludente, mas que fundamenta o progresso num reducionismo
econômico em que o ganho depende necessariamente da exclusão? Que efici-
ência pode ter uma perspectiva de inclusão no bojo da cultura do mérito do
produtivismo e do consumismo que sustenta o capital como um fim em si?
A problematização da inclusão aparece condicionada geralmente a
dois polos: o burocrático e o pedagógico (BEZERRA e ARAÚJO, 2012).
Por um lado, a responsabilização do corpo diretivo em busca de apoios e in-
fraestrutura, por outro a transformação interna da escola e de sua dinâmica
curricular. Mas, neste sentido, o núcleo teórico epistemológico da inclusão
está comprometido na ingênua pressuposição da ausência de mediações so-
ciais amplas na realização das finalidades do projeto educacional.
Em concordância com Bezerra e Araújo (2012) é possível dizer que
as análises fetichistas da pedagogia inclusiva não abordam as problemáti-
cas relações de discurso e de poder que permearam a ética empirista que
fez do paradigma social da deficiência fundamento das legislações apenas
no bojo de um pragmatismo utilitarista.
O perigo do negligenciar a atitude filosófica dialética perante a re-
alidade é a responsabilização do professor pelo êxito do programa, como
se este fosse um ser abstrato e desvinculado das inúmeras determinações
sobre sua atuação. Se por um lado é inegável a importância da qualificação
e do interesse de uma docência coordenada entre os professores dos alunos
com deficiência e dos alunos comuns, por outro lado não cabe uma redução
da constituição da educação inclusiva à mudança de atitude na docência.
Numa análise de um artigo da Revista Nova Escola sobre educação
inclusiva, Bezerra e Araújo (2012, p. 277) chamam a atenção para o fato de
que:
(...) a revista contribui para dirimir algumas dúvidas práticas sobre o
22 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
trabalho docente em um cenário inclusivo, ao apontar possibilidades de
ação aos docentes, mormente na época de publicação da matéria, quando
pairavam grandes dúvidas sobre o assunto, mesmo em questões elemen-
tares. Havia, pois, uma carência objetiva na formação docente. Dado seu
poder de difusão nas escolas de todo o país, na qualidade de periódico
educacional mais lido pelos docentes da educação básica, segundo já ex-
plicitado na Introdução, NE supria, em parte, o anseio repentino por
informações quanto à escola inclusiva e as formas de se concretizá-la.
Entretanto, em última análise, as dicas descambam para o utilitarismo
pragmático, lembram um pequeno receituário; projetam para o profes-
sor a responsabilidade direta pela emergência da “inclusão que funcio-
na”, como revela o uso de verbos no imperativo: “consiga”, “pergunte”,
“use”, “garanta”, “busque”, “informe-se”, dentre outros exemplos (GUI-
MARÃES, 2003, p. 44-45).
Neste sentido, haveria um tom fetichista da pedagogia inclusiva em
trechos emblemáticos, os quais tratam o homem, como indivíduo singular
e genérico, subsumido pela por abstração metafísica. O conceito de diversi-
dade, por exemplo, se erigiria como uma relação abstrata e não como uma
relação real do aluno que precisa ser acolhido, bem como o professor não
seria apreendido em sua realidade social e formativa.
É certo que as adaptações curriculares para uma prática pedagógica
inclusiva exigem a participação de uma rede colaborativa entre gestores,
professores, profissionais, funcionários, familiares e alunos, dado que o pro-
cesso de ensino não ocorre reduzido à uma dinâmica entre o professor e o
aluno, mas integra as relações sociais do aluno com os colegas, sua parti-
cipação ativa na comunidade escolar nas relações com demais professores,
gestores e funcionários. É inegável que o suporte infraestrutural de apoio
promovido pelos gestores, e sua interligação casa-escola e escola casa dada
na integração da família com o processo de aprendizagem são fundamen-
tais no sentido de admitir a inclusão do aluno com necessidades especiais
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 23
na escola como parte de um processo maior de inclusão deste aluno na vida
em comunidade. Mas é preciso tratar das amplas mediações que determi-
nam objetivamente e subjetivamente as dificuldades da inclusão.
Em primeiro lugar, a década de 70 que trouxe as primeiras exigências
do paradigma social no tratamento da deficiência é a mesma que trouxe o
desenvolvimento mais intenso das relações mercadológicas e de intercâmbio
cultural entre os países. A chamada “globalização” efetuou, sobretudo, hie-
rarquização ainda mais profunda dentre os Estados, de modo que a influência
das políticas, ideias e valores do capital acabaram por se impor de maneira
mais eficiente. A ideologia neoliberal, preconizada por Milton Friedman e
Frederic Hayec, ao ser assimilada como uma cartilha incontestada pelos pa-
íses menos desenvolvidos para solucionar seus problemas sociais, políticos
e econômicos de modo a beneficiar, na verdade, os países ricos, surgiu como
uma dramatização do caráter capitalista de desfacelamento de todas as rela-
ções sociais em valores de compra e venda. Em outras palavras, tratou-se de
um mais profundo impulso – que ainda segue seu fluxo - da mercantilização
do processo de ensino, de modo que a produtividade econômica e a geração
de lucro se sobrepõe ao desenvolvimento humanístico complexo.
4 - A educação inclusiva no Brasil
No Brasil, o marco inicial para os estudos das políticas de educação
especial foi o ano de 1960. Foram assumidas pelo governo federal campa-
nhas nacionais para promover reabilitação e assistência educacional em todo
o país, tais como a Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro (CESB)
e a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais
(CADEME). Pais e familiares das pessoas com deficiência começaram tam-
bém a se organizar em busca da criação de escolas especiais para casos que
não eram atendidos nas classes especiais das escolas públicas regulares2. Es-
sas instituições especializadas foram uma conquista importante para época e
2
Como, por exemplo, a Associação de Pais e Amigos do Excepcional (APAE), que hoje possui mais de 1.000
sedes em todo o Brasil.
24 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
demandaram um rápido avanço de muitas técnicas administrativas de modo
que de 1960 a 1969 o número de estabelecimentos de ensino especial para
pessoas com deficiência mental, por exemplo, simplesmente quadruplicou.
Em 1973 o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP) - que
tinha por finalidade “planejar, coordenar e promover o desenvolvimento da
Educação Especial no período pré-escolar, nos ensinos de 1o e 2o graus,
superior e supletivo” (MAZZOTTA, 2005, p. 56) – foi criado. No final da
década de 70 foram implantados os primeiros cursos superiores de forma-
ção de professores e os primeiros programas de Pós-Graduação na área da
educação especial. A proposta do CENESP caracterizava-se pelo princípio
de normalização na medida em que, por exemplo, visava a participação pro-
gressiva das pessoas com necessidades educacionais na vida em comunida-
de “transformando-as” em pessoas “não-deficientes”.
Em termos concretos, as políticas educacionais no Brasil sofrem
um atrelamento à preparação tecnicista para o mercado de trabalho, uma
adequação à transmissão de saberes dogmáticos e acríticos nos termos da
finalidade da competitividade capitalista, uma reestruturação do espaço e
da pedagogia da escola em termos de um reducionismo à preparação para
o mercado de trabalho e, por fim, uma premissa de esvaziamento dos in-
vestimentos governamentais na educação e investimento em políticas de
terceirização ou privatização do ensino.
A partir dos anos 90, as políticas implementadas pelo Banco Mun-
dial com subserviência da educação do Brasil ao pacote neoliberal se in-
tensificaram, com destaque para o impulso do setor privado e para os or-
ganismos não – governamentais (ONGs) como agentes ativos no terreno
educativo tanto nas decisões como na implementação. O Censo Escolar
da Educação Básica de 2013 demonstrou a evidência da pratica neoliberal
com os dados de expansão da rede privada: “houve uma queda de 1,9% nas
matrículas da rede pública em relação a 2012. Em contrapartida, a rede
privada cresceu 3,5%, mantendo a tendência dos anos anteriores.” (INEP,
2014, p. 14). Também chama a atenção os dados do Censo Escolar 2013 que
indicam que houve um aumento de matrícula no ensino fundamental sem
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 25
um respectivo aumento de concluintes do ensino fundamental:
A tendência atual mostra aumento no número de alunos que conseguem
ultrapassar os anos iniciais do ensino fundamental. Daí a queda na matrí-
cula e a ampliação da demanda para os anos finais dessa etapa de ensino.
Entretanto, para os anos finais, como a intensidade dessa dinâmica ainda
não é a mesma observada nos anos iniciais, o aumento no número de con-
cluintes do ensino fundamental se mostra discreto (INEP, 2014, p. 14).
Se por um lado é evidente que “este fato reflete um aumento do nú-
mero de alunos com idade adequada para a série no ensino fundamental”,
por outro lado é evidente também que ainda não suprimos satisfatoria-
mente a exigência legal pelo estímulo à permanência do aluno comum na
escola. Dentro dessa realidade, temos um evidente problema em termos de
inclusão dos alunos deficientes. Sobretudo quando as referências do Brasil
para educação inclusiva não são adequadas à essa realidade:
O Brasil, na definição de diretrizes para a educação inclusiva, tem tido
como referência alguns modelos estrangeiros que não são adequados às
nossas condições sociais, culturais e econômicas. Em outras palavras, o
Brasil importa modelos de educação inclusiva, mas não garante o mesmo
nível de investimento. A consequência disso pode ser a banalização do
processo e os resultados insatisfatórios. Não sabemos exatamente qual o
melhor modelo de inclusão, pois eles são variados. Sabemos que é preciso
que haja investimento. (CAMPOS; PEDROSO; ROCHA, 2013, p. 77).
É preciso que a política nacional de educação inclusiva não seja
guiada pela perspectiva de diminuição do custo decorrente do fechamento
de programas e serviços e pela diminuição do financiamento às escolas
especiais filantrópicas. A implementação da educação inclusiva não pode
significar, em nenhuma medida, a eliminação dos serviços existentes e sim
a diversificação das opções. Para lidar com as mais diversas necessidades
26 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
especiais é preciso recursos técnicos e serviços diferenciados de apoio. O
que estamos falando quando tratamos de inclusão é de dar ao aluno com
necessidades especiais as mesmas oportunidades educacionais que os de-
mais alunos sem necessidades especiais, o que exige que os primeiros sejam
tratados com atenção de diferença positiva em relação aos segundos. Do
contrário, uma simples realocação do aluno especial na classe comum, sem
encontrar as condições que necessita para aprender, irá necessariamente
dramatizar a sua deficiência nos termos de experiência de exclusão, tal
como preconiza a definição de deficiência no paradigma social.
Na medida em que a estratégia de expansão das políticas e interesses
do capital internacional se deu no sentido de restringir a educação ao papel
de reproduzir a força de trabalho para o capital, e formar consumidores, a
qualidade da educação ficou comprometida numa polarização de descentra-
lização acrítica, que resulta concretamente em defasagem de investimentos
de acordo com a demanda em termos infraestruturais e de docência, além
de comprometer o papel do ensino como difusor do pensamento crítico e
da prática de inclusão.
A transformação da escola exige não apenas a via discursiva ou
mesmo práxica segregada do processo real e histórico de vida da grande
comunidade humana. Tal como afirmara Marx e Engels (2007), é inefi-
ciente propor aos homens um postulado moral segregado das mediações
determinantes para a realização de nossos ideais.
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INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 27
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Niterói, ano XIV, n. 88, jul./set. 2005, p. 10-11.
28 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Inclusão escolar e preconceito:
avanços e limites da educação inclusiva
Karen Danielle Magri Ferreira Razera3
Introdução
Este texto tem como objetivo refletir acerca de situações de inclusão
e preconceito em escolas. Os dados relatados neste trabalho foram coletados
para uma pesquisa de doutorado que se propõem analisar diferentes métodos
pedagógicos em escolas de São Paulo. Foram selecionadas duas escolas desta
pesquisa, uma pública e uma privada, observando resultados referentes às
situações de inclusão e preconceito em relação aos (às) “incluídos” (as). São
relatadas duas situações de contradição na inclusão, ou seja, situações que
mostram, por um lado, avanços nas interações entre alunos e, no mesmo sen-
tido, evidenciam preconceitos e limites que ainda existem na inclusão escolar.
Entende-se que esta sociedade é dividida em classes sociais e, por-
tanto, contraditória e excludente. Parte-se da hipótese que escolas que se
propõem inclusivas, não seriam capazes de serem plenamente inclusivas em
uma sociedade que é excludente em sua base.
Reconhecer os limites da inclusão, não implica em ser desfavorável
à educação inclusiva e sim em poder refletir sobre possibilidades de supera-
ção desses obstáculos para que ela seja plena (CROCHÍK, 2011). A discus-
são é realizada à luz dos autores da Teoria Crítica da Sociedade, para com-
preender a formação e o preconceito nesta sociedade contraditória. Além
disso, as reflexões são embasadas em autores recentes que versam sobre a
3
Doutoranda em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo Instituto de Psicologia da Universi-
dade de São Paulo.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 29
educação inclusiva, tais como Booth e Aiscow (2011) e Crochík (2011).
A educação deveria ter como objetivo a formação crítica dos indiví-
duos e, especialmente, voltada contra a barbárie, o que, segundo Adorno
(1995) deveria ser o principal objetivo de toda educação. A formação ocorre
a partir da adaptação e identificação dos sujeitos com outros o que permite
sua diferenciação dos demais. O que se observa é que, muitas vezes, a edu-
cação se limita à adaptação à sociedade, transmitindo a ideia de que não há
possibilidades de mudanças sociais, paralisando a crítica. Ao mesmo tempo,
uma das principais ideologias transmitidas pelas escolas é de que há possi-
bilidade de ascensão social por meio da educação e que depende unicamente
do esforço do indivíduo, desconsiderando as contradições desta sociedade
de classes. Com base nessa ideologia, propaga-se que a sociedade dispõe de
igualdade de possibilidades e omite-se as distinções sociais que aparecem
desde a divisão de propriedade, gerando as classes sociais já destacadas e
divisão do trabalho em manual e intelectual.
Cabe destacar que o duplo caráter da cultura é decorrente da divi-
são social do trabalho entre manual e intelectual, tornando a cultura, que
deveria estar diretamente vinculada à formação das pessoas, um “valor”
intelectualizado ao qual os trabalhadores não tinham acesso (ADORNO,
2004). A cultura e educação, entendidas como “bens”, são monopolizadas
com o argumento de ser “arriscado” que os trabalhadores adquiram tais
conhecimentos. A idealização de uma sociedade que correspondesse aos
princípios burgueses de indivíduos livres e iguais renega seus próprios fins
em uma sociedade em que a desigualdade está em sua base.
Para que esta sociedade se mantivesse, houve estratégias de mani-
pulações e aceitação dessas manipulações de uma classe sobre outra, ca-
racterísticas da ideologia definida por Marx e repensada por Horkheimer
e Adorno. A educação não era a única forma de conservar a sociedade de
classes, mas ela tinha e tem uma influência importante para perpetuar pen-
samentos que reforçam o que interessa aos que estão no poder.
Outra forma de conservar a sociedade de classes é por meio das
mensagens perpetuadas pela indústria cultura. Frente à indústria cultural
30 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
(HORKHEIMER E ADORNO, 2002) que atinge constantemente as pes-
soas, passando um ar de semelhança a tudo, a possibilidade de experiência,
que permite reflexão por parte dos indivíduos, fica extremamente restrita.
As obras de arte, que deveriam propiciar uma crítica à sociedade, passam a
ser produzidas com conteúdos de fácil assimilação pelo consumidor. O pro-
duto produzido pela indústria cultural não permite a participação crítica
de quem ela atinge, proporcionando passividade frente aos interesses do
Capital, no entanto, ela é contraditória, pois, ao evidenciar as contradições
sociais, contém em si a possibilidade de crítica ao que é perpetuado por ela.
O consumidor não é, a partir do Capital, um indivíduo, e sim um objeto que
tem a possibilidade de consumir outras mercadorias. Essa classificação é
consequência de uma sociedade de classes que reflete o poder dos econo-
micamente mais fortes, os verdadeiros donos das indústrias que promovem
suas mercadorias como bens de necessidades iguais a todas as pessoas. A
educação que se estabelece na sociedade industrial, acaba, muitas vezes, por
seguir a mesma lógica das indústrias, oferecendo uma educação também
padronizada aos sujeitos e acreditando que todos têm necessidades iguais.
A educação baseada na lógica da indústria valoriza a produção e os que são
considerados (as) produtivos (as), podendo levar a exclusão ou inclusão à
margem dos (as) que são julgados (as) como improdutivos (as).
A pseudocultura (uma “cultura” que não permite apropriação crítica
dos sujeitos) está relacionada à indústria cultural, uma vez que contribui
para o distanciamento da cultura, transformando-a em mercadoria para ser
consumida como entretenimento (ADORNO, 2004). A indústria cultural,
com base nesta sociedade contraditória, colabora para transformar diver-
sas instâncias da vida em mercadoria, inclusive a relação entre os homens.
Ressalta-se que a indústria cultural não transforma os homens em merca-
dorias, pois esse processo é determinado por condições objetivas, mas ela
fortalece esse processo. Questiona-se, portanto, as possibilidades de verda-
deira inclusão nesta sociedade que perpetua a relação entre pessoas como
se fossem mercadorias.
Cabe ressaltar que as pessoas não são indiferentes às tentativas de
igualar as necessidades e diferenças de todos. Surgem movimentos voltados
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 31
à inclusão, reivindicando educação como direito de todas as crianças. O movi-
mento da educação inclusiva contou com o apoio da UNESCO e tem marcos
importantes em 1990, no Congresso realizado em Jomtien, e em 1994, na
Declaração de Salamanca (CROCHÍK e CROCHÍK, 2011; MENDES, 2006),
ambos com representantes de nações do mundo inteiro para discutir a edu-
cação para todos. O conceito e os modelos de educação inclusiva variam em
relação a alguns autores. A educação inclusiva trata de receber todos os alu-
nos de minorias sociais entendendo que devem estudar com outros alunos
no ensino regular e que a escola deve se adaptar para receber o alunado no
ambiente físico e em seu currículo (BOOTH e AISCOW, 2011). A educação
inclusiva visa receber todos os alunos, apesar de comumente ser entendida
como inclusão de alunos com deficiência. Booth e Aiscow (2011) propõem
um Index para a Inclusão, com diversos questionamentos e propostas para
as escolas se tornarem mais inclusivas. A intenção dos autores é reunir uma
perspectiva para reduzir a fragmentação de políticas e o excesso de iniciati-
vas. O Index propõe que o pensamento de todos os envolvidos na instituição
escolar se modifique visando a inclusão, promovendo interações entre os su-
jeitos escolares e entre esses e a comunidade. Destaca-se, portanto, o caráter
abrange das propostas, pois não entende a escola como única responsável
pela inclusão, ao mesmo tempo que não extingue sua responsabilidade.
Esta sociedade, no entanto, perpetua a ideologia e dificulta a for-
mação dos indivíduos. Uma das dificuldades em relação à inclusão é o pre-
conceito, que tem características sociais, dado que não é inato e se refere
a condições objetivas, e tem características individuais, próprias do sujeito
preconceituoso. Segundo Crochík (2011), o preconceito é uma forma de
exclusão que se manifesta pela discriminação. O preconceito se refere ao
sujeito preconceituoso e não à vítima de preconceito:
O preconceito não tem relação direta e imediata com a vítima, mas com
quem não consegue deter o ódio a si mesmo e à sua condição social e
psíquica, dirigindo-o para outros grupos e pessoas; esse ódio é marca
do preconceituoso, mesmo que apareça em suas formas aparentemente
mais inofensivas: o desprezo e a indiferença (CROCHÍK, 2011, p. 65).
32 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
A história das pessoas com deficiência intelectual, como exemplo de
outras minorias sociais, teve registros de “abandono, extermínio, superpro-
teção, segregação, integração e atualmente o processo de inclusão” (GAR-
GHETTI, MEDEIROS, NUERNBERG, 2013, p. 101). Ressalta-se que os
autores apresentam algum progresso histórico em relação às pessoas com
deficiência intelectual, no entanto, as pessoas com deficiência ainda viven-
ciam todas as características mencionadas como historicamente superadas.
Destaca-se que atualmente o preconceito é condenável socialmente, o que
já é um avanço em si, mas passa a assumir formas sutis de manifestações,
tais como “em vez de atribuir aspectos depreciativos a seus alvos, os pre-
conceituosos elogiam menos os que intimamente desprezam” ou, a pior
forma de preconceito, na frieza (CROCHÍK, 2011, p. 66).
Esta pesquisa não tem como objetivo identificar as motivações in-
dividuais ou sociais para manifestação de preconceito em relação aos (às)
alunos (as) considerados (as) em inclusão. Propõem-se, neste momento,
evidenciar se o preconceito é manifestado por crianças em relação aos (às)
seus (suas) colegas e identificar avanços no que se refere às relações entre
pessoas consideradas diferentes que são dificultadas pela própria sociedade,
pois considera-se que a formação nesta sociedade (contraditória, excluden-
te, de classes) dificulta o contato com a cultura, com crítica e a possibilidade
de democracia.
Muitas contradições ainda são encobertas e muitas pessoas são se-
gregadas da educação, impulsionadas pelas condições objetivas e também
pelas manifestações individuais, tal como o preconceito. No entanto, não
se pode desconsiderar que há avanços. Esta pesquisa propõe a análise de
duas cenas para reflexão acerca da contradição da inclusão e preconceito
no ambiente escolar.
1 - Material e Métodos
Os dados da pesquisa foram coletados a partir de observações em
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 33
duas escolas, uma pública e outra privada, destacando, para este trabalho,
elementos que evidenciam o processo de inclusão de alunos nessas esco-
las. Foram realizadas observações em diferentes situações, tais como, aulas
em sala de aula, aulas de educação física e recreio. As observações foram
transcritas e identificadas as principais cenas que envolvessem alunos (as)
em inclusão. Duas cenas, mencionadas adiante, foram ressaltadas, especial-
mente por sua contradição: evidencia avanços, mas também limites no que
tange o preconceito em relação aos alunos observados. As cenas seleciona-
das foram analisadas qualitativamente, a partir das teorias anteriormente
mencionadas.
Os dados apresentados são elementos de uma pesquisa de doutora-
do sobre escolas alternativas e tradicionais que foi avaliado e aprovado pelo
comitê de ética, submetido a partir da Plataforma Brasil, e os procedimen-
tos seguem o que foi estabelecido no projeto aprovado em 24 de junho de
2015 (CAAE 45197415.9.0000.5511).
2 - Resultados
A seguir são apresentadas duas cenas que se destacaram nas obser-
vações nas escolas e que são analisadas nos seus avanços na discussão sobre
educação inclusiva e nos limites que evidenciam.
Cena 1, observada na escola particular:
A escola particular observada fica em uma região nobre de São Pau-
lo, com IDH considerado “muito elevado”. Trata-se de uma escola que es-
timula a formação dos professores e prioriza que os alunos sejam ativos em
seus desenvolvimentos, baseando-se no construtivismo. Os alunos da sala
observada estavam o tempo todo conversando, se movimentando e, algu-
mas vezes, a professora tinha dificuldades em chamar a atenção para passar
atividades. A característica que se destaca dessa escola é a tecnologia: a sala
é bem equipada com computador, projetor e notebooks para os alunos. A
34 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
interação entre os alunos é, pelo que foi observado, respeitosa e amigável,
destacando-se diversas cenas em que os alunos são colaborativos uns com
os outros. Ressalta-se que havia diversos alunos com deficiência na esco-
la, inclusive na sala observada em que havia uma aluna com Síndrome de
Down.
A cena escolhida ocorreu no horário do recreio, em que as turmas se
misturam: em uma quadra de areia pequena tinha cinco meninos jogando
bola: um menino branco e loiro que orientava a brincadeira, outro menino
branco, um menino negro, um menino com características orientais e um
menino com deficiência (aparentemente intelectual) que, apesar de estar na
quadra e correr atrás da bola, não participava ativamente da brincadeira.
Cena 2, observada na escola pública:
A escola pública observada também fica em uma região de São Paulo
com IDH considerado “muito elevado”. A escola prioriza o aprendizado ati-
vo do aluno, com oportunidade de decisões por assembleias, rodas de con-
versa e atividades em que o aluno seja protagonista. A escola se destacou,
entre outras características, pelas manifestações de violência entre alunos e
entre alunos e professores ou profissionais. Os xingamentos e ofensas eram
constantes, manifestações explícitas de preconceitos e inclusão à margem
de alguns colegas. Um dos casos de inclusão à margem era de um aluno
com deficiência (aparentemente intelectual) que circulava pela atividade da
aula de artes do corpo.
A cena escolhida envolve o aluno com deficiência mencionado: na
aula de artes do corpo4, o grupo observado juntou-se com outros grupos e,
além de ter crianças de diferentes idades, havia duas crianças com deficiên-
cia que tentavam brincar juntamente com as outras, mas eram ignoradas
com frequência. Havia um inspetor que o acompanhava de perto, mas dei-
xava o aluno com deficiência relativamente livre para se enturmar. Apenas
em alguns momentos outros alunos interagiam com ele. Em um momento
4
O nome da disciplina foi modificado para preservar a identidade da escola.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 35
que o aluno com deficiência começou a ficar muito agitado e começou a se
debater, um colega o segurou e o abraçou, acalmando-o no mesmo instante.
3 - Discussão
As cenas descritas anteriormente retratam contradições da inclusão
escolar. No caso da cena 1, a escola e as pessoas que a compõem, possuem
bens materiais e vivem situações de menos violência na escola se comparada
com a escola pública em que ocorreu a cena 2. A distinção entre classes so-
ciais é importante, pois afeta a escola em diversas possibilidades, como, por
exemplo, algumas características da escola particular: acesso à tecnologia;
informação; tratamento entre alunos e entre alunos e equipe escolar; profes-
sores melhor remunerados e com menor carga horária; salas com menos alu-
nos etc. Na escola pública mencionada havia constantemente xingamentos e
ofensas. Cabe ressaltar que, no que se refere aos alunos em inclusão, as es-
colas se assemelham, pois em ambas as escolas havia alunos com deficiência,
entre outras minorias presentes, mas a inclusão era à margem, ou seja, havia
um tratamento diferenciado com alunos de inclusão e esses não interagiam
com os demais como alunos sem deficiência, por exemplo.
Na cena 1 destaca-se que a possibilidade de inclusão parecia se con-
firmar quando analisamos a diversidade de pessoas jogando bola (meninos
brancos, negro, asiático, com deficiência) ao mesmo tempo em que era refu-
tada, pois o menino com deficiência estava na quadra, mas não participava
da brincadeira, enquanto o menino branco e loiro era o que se destacava
na brincadeira. A cena reproduz uma dinâmica da sociedade, evidenciando
que são necessárias condições objetivas para que seja possível a inclusão. O
preconceito se manifesta pela discriminação da pessoa com deficiência que
considera o colega como “café-com-leite”, o que não consegue “produzir”
como os demais que jogavam. A cena também mostra avanços na educação
inclusiva que devem ser destacados, pois há, ao menos, a possibilidade de
interação, de conhecer o sujeito alvo de preconceito, de superação do pre-
conceito pela experiência. Cenas com tanta diversidade de crianças brin-
36 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
cando juntas não são frequentes nas observações realizadas, mas existiu e
evidencia um avanço da educação inclusiva.
A cena 2 é ressaltada frente a tantas contradições: a escola pública pes-
quisada, que se destacou pelas ofensas, foi a escola que também se destacou
por uma cena evidente de avanço na educação inclusiva. O aluno com deficiên-
cia que foi observado não participava ativamente da atividade escolar, possuía
um cuidador específico para ele, parecia não interagir com os colegas como os
colegas interagiam entre eles. Tudo evidenciava uma inclusão à margem, no
entanto, quando o aluno com deficiência começa a ter um descontrole emocio-
nal, ficando bastante agitado, um colega que estava próximo a ele o abraça e o
acalma, mostrando que a educação inclusiva avança. Os alunos, na possibilida-
de de contato com o diferente, podem refletir e compreender as diferenças sem
propagar o medo (e possivelmente o ódio) frente às situações decorrentes da
deficiência. Ressalta-se que, por meio do afeto em uma sociedade que propaga
a frieza entre as pessoas, foi possível uma situação de inclusão. Frente a tantas
ofensas entre alunos, a cena se destacou pela real possibilidade de interação en-
tre os alunos, inclusive com deficiências, acolhendo as necessidades do colega
e acalmando-o.
Conclusão
Há muito a se questionar em relação à educação nesta sociedade, en-
tendendo também que as discussões sobre a educação ser direito de todos
e a escola se adaptar às diferenças dos alunos já é, em si, um avanço. As es-
colas observadas apresentam avanços importantes, bem como reproduzem
situações de preconceito com relação aos alunos considerados “incluídos”.
Ressalta-se que, em uma sociedade contraditória, a educação pare-
ce se distanciar da formação crítica e reforça a pseudocultura, bem como
a frieza e o preconceito em relação aos excluídos. Pode-se observar que
há propostas para mudanças nas atitudes escolares e apresentam limites e
avanços no âmbito da educação inclusiva.
De acordo com os conceitos e observações apresentados, pode-se con-
cluir que a inclusão pode não ser possível, mas é possível ocorrer situações de
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 37
inclusão, pontuais, mas que evidenciam avanços que não podem ser descon-
siderados, especialmente no que tange o objetivo da educação de se educar
contra à barbárie.
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vendo a aprendizagem e a participação nas escolas. Tradução: Mônica Pe-
reira dos Santos e João Batista Esteves (LaPEADE), 2011. Disponível em:
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MENDES, Enicéia G. A radicalização do debate sobre inclusão es-
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38 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
O trabalho enquanto possibilidade de inclusão:
as contradições entre a adaptação para
o mercado e a humanização pelo
reconhecimento no trabalho
Paola Regina Carloni5
Fernando Figueredo dos Santos e Reis6
Introdução
O trabalho é possibilidade de inclusão da pessoa com deficiência. É
possibilidade de subjetivação e diferenciação humana. Um direito garan-
tido, inclusive, em lei. O reconhecimento de si pelo trabalho é marca da
humanização. No entanto, há contradições que envolvem as relações de
trabalho no capitalismo. Ao transformar o trabalho em trabalho alienado
há uma inversão desse processo, em que as pessoas deixam de se reconhe-
cer no fruto do seu trabalho e passam a se objetificar e a objetificar os seres
humanos e a humanizar os objetos, impossibilitando a constituição de uma
sociedade verdadeiramente humana.
5
Cursa o Doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP).
Fez o mestrado em Educação pela Universidade Federal de Goiás (2010), instituição em que também obteve o título
de graduação em Comunicação Social - Jornalismo (2004), graduação em Psicologia (2012) e especialização Lato
Sensu em Assessoria de Comunicação (2007). Atualmente é professora na Faculdade Araguaia, nos cursos de Peda-
gogia e Educação Física na graduação e em diversos cursos de pós-graduação tais como Psicopedagogia, Docência
Universitária, Comunicação e Marketing e outros. Coordena o curso de Pós Graduação Lato Sensu em Educação
Inclusiva na Faculdade Araguaia e ainda o INCLUI - Núcleo De Estudos Sobre O Ensino Para A Pessoa Com
Deficiência. Trabalha também na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás em que ministra cursos de formação
em parceria com a Fundação Maurício Grabois. Tem experiência com formação nas áreas da Educação, Psicologia,
Comunicação Social e Metodologia Científica.
6
Possui graduação bacharelado e licenciatura em Psicologia pela UFG - Universidade Federal de Goiás (2011)
e mestrado de Psicologia Social pela USP - Universidade de São Paulo, na linha de pesquisa Psicologia Social,
Saúde Coletiva e Politicas, e atua profissionalmente como psicanalista, psicólogo clínico, professor de Psicologia
e Psicanálise no Centro Universitário UniEvangélica. Possui experiência profissional e de pesquisa em trata-
mento do uso problemático de álcool e outras drogas, Políticas Públicas e Psicologia de Grupos e Instituições.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 39
 A educação, que deveria formar para a emancipação, passa a ter
como objetivo a formação para o processo de adaptação ao mercado de
trabalho. Essa constituição de alienação também ocorre nos processos da
inclusão na educação e no próprio trabalho. É preciso compreender as con-
tradições desse processo de inclusão, pois ela se dá em uma sociedade com
um funcionamento específico que influencia sua implantação. Propiciar à
pessoa com deficiência sua inserção no mercado de trabalho é fundamental
para o processo de humanização, no entanto, em uma sociedade contraditó-
ria, como a capitalista, esse trabalho acaba por adaptá-las à lógica de explo-
ração, alienação e objetificação. Compreender as contradições da educação
que forma para o trabalho e do próprio trabalho na sociedade capitalista e a
inclusão por meio deles é o objetivo deste texto por meio de uma pesquisa
bibliográfica.
No item um se discute o que é a educação e qual a sua função na
perspectiva de Adorno (2006) que explica que a função da educação deveria
ser desbarbarizar e humanizar, função está perdida nas relações de domi-
nação do capitalismo. Ainda neste item explica-se o que é trabalho e como
o trabalho se torna alienado no capitalismo na perspectiva de Marx (1964,
2000), Marx e Engels (1998) e Marcuse (1978).
No item 2, em que se finaliza o trabalho, se dialoga com a perspectiva
do item um para compreender as contradições envolvidas nos processos de
inserção na educação e no mundo do trabalho das pessoas com deficiências.
1 - Educação, inclusão e trabalho
Para Adorno (2006) a educação deveria ter como objetivo desbarba-
rizar os seres humanos. A humanização é um processo fundamental para o
qual a nossa espécie deveria se orientar. E esse processo deveria ocorrer via
educação. Uma educação que não se norteie para os processos de humani-
zação e diferenciação, invés da desigualdade entre os humanos, dificilmente
alcançará estes objetivos.
A educação cumpre as funções para as quais ela se guia, contudo,
40 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
nem sempre os objetivos explícitos coincidem com os implícitos. Os obje-
tivos de propiciar autonomia e esclarecimento, que deveriam ser ineren-
tes à educação, não ocorrem se não forem intencionalmente planejados e
realizados. Uma educação que tem como objetivo formar para atender ao
mercado de trabalho terá uma formação orientada para o trabalho em uma
lógica produtivista e não para a possibilidade de reconhecimento humano
por meio do trabalho.
De acordo com o capítulo terceiro, artigo 205 da Constituição Bra-
sileira (BRASIL, 1988), a educação é direito de todos e “será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvi-
mento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualifi-
cação para o trabalho”. Os documentos que regulamentam e organizam a
educação no Brasil reafirmam esse propósito da educação estabelecendo
as diretrizes e as aplicações, tais como na LDB (BRASIL, 1996), no Plano
Nacional de Educação (BRASIL, 2014) e no próprio Estatuto da Pessoa
com Deficiência (BRASIL, 2015) em que se afirma que todas as pessoas
com deficiência têm direito à educação formal e a inserção no mundo do
trabalho. Percebe-se, nesses documentos, que a educação escolar, se preten-
de universal e visa formar cidadãos e trabalhadores.
No entanto, tanto as noções de cidadania, quanto a de trabalho, se
apresentam como funções adaptativas do sujeito à sociedade. Na prática, o
que se observa é que ser cidadão de direitos e ter direito ao trabalho é con-
dição de sobrevivência desligada de possibilidades de subversão. O cidadão
trabalhador precisa ser dócil. No capitalismo do século XXI, essa cidadania
se realiza no consumo e aqueles que não se encaixam nos padrões de consu-
mo são marginalizados. Assim, emancipar e formar para a autonomia, que
deveriam ser propósitos intrínsecos à educação, deixa de ser se ela se presta
a outra lógica, como a adaptação ao mercado de trabalho e ao consumo.
Para uma educação que se volte para a diferenciação do sujeito por
meio da cultura, é preciso formação humana em um sentido aprofundado
e amplo: “A formação cultual é justamente aquilo para o que não existem à
disposição hábitos adequados; ela só pode ser adquirida mediante esforço
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 41
espontâneo e interesse, não pode ser garantida simplesmente por meio da
freqüência de cursos” (ADORNO, 2006, p. 64).
Para Adorno (2006), a formação precisa abranger os aspectos da
cultura e precisa diferenciar o sujeito. A educação não deveria simplesmen-
te prepará-lo para o mercado de trabalho por meio de um currículo con-
teudista, em que o conteúdo ensinado é mais importante do que a função
formativa em um sentido amplo da educação. Essa diferenciação é um pon-
to fundamental na discussão sobre inclusão, pois apenas em uma sociedade
que respeita a diversidade e permite a diferença entre os sujeitos, sem a
desigualdade associada, é que se podem pensar processos efetivos de in-
clusão. A mera transmissão de conteúdos sem uma reflexão crítica não é,
necessariamente, formativa.
Contudo, a educação não se apresenta atualmente como transmissão de
conteúdos que permitam uma relação reflexiva com eles, o que só seria
possível se visasse não à adaptação integrativa do indivíduo ao mundo
do trabalho (embora esta tenha sua importância), mas à possibilidade
de aquele se diferenciar de si mesmo e das necessidades do mundo do
trabalho através das diversas formas de expressão criadas pela cultura
(CROCHIK, 1996, p. 98).
Participar do mundo do trabalho, em que o sujeito poderia se reco-
nhecer como parte de uma cultura, porém diferenciado, deveria ser o pro-
pósito e a função da educação. A mera transmissão de conhecimentos, que
propicia a modelagem de pessoas para a adaptação ao mercado de trabalho
não propicia uma educação em um sentido formativo aprofundado.
A seguir, e assumindo o risco, gostaria de apresentar a minha concepção
inicial de educação. Evidentemente não a assim chamada modelagem de
pessoas, porque não temos o direito de modelar pessoas a partir do seu
exterior; mas também não a mera transmissão de conhecimentos, cuja
característica de coisa morta já foi mais do que destacada, mas a produ-
ção de uma consciência verdadeira (ADORNO, 2006, p. 141).
42 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
A produção de uma consciência verdadeira é, para Adorno (2006),
o propósito da educação. Consciência essa que deveria conseguir compre-
ender os processos de funcionamento social, numa realidade sócio histori-
camente constituída, permeada de relações de dominação, formando para a
diferenciação dos sujeitos e permitindo o seu reconhecimento pelo trabalho.
1.1 - A concepção de trabalho e o trabalho alienado.
Para Marx e Engels (1998) o trabalho é possibilidade de reconhe-
cimento e constituição humana. Os seres humanos se tornam verdadeira-
mente humanos por meio da diferenciação possibilitada pela construção de
cultura que é o reflexo do seu trabalho. “A maneira como os indivíduos ma-
nifestam sua vida refletem exatamente o que eles são” (MARX e ENGELS,
1998, p. 11). A materialidade da vida humana reflete os aspectos subjetivos.
Para os autores, formamos nossa subjetividade pelos aspectos culturais e
constituímos a sociedade como um processo de expressão das subjetivida-
des, dialeticamente objetivando-as.
Assim, os seres humanos fundam a cultura e são constituídos por
ela. Eles nascem em uma sociedade historicamente determinada e passam
a determiná-la. Para os autores, é a realidade material que constitui a vida
subjetiva nesse processo de socialização. “Não é a consciência dos homens
que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina
sua consciência” (MARX, 2000, p. 53). São os aspectos materiais e obje-
tivos que tornam os seres humanos eles mesmos. É por meio da inserção
em um todo social que o sujeito se reconhece e se diferencia, por isso o
reconhecimento pelo trabalho é tão fundamental para os processos efetivos
de inclusão. Apenas pelo reconhecimento em um todo social que eu posso
me diferenciar e me sentir incluído fazendo parte de um processo. Ter um
lugar social marcado pela capacidade de se reconhecer pelo trabalho é um
aspecto fundamental dos processos de humanização.
Marx (2000) explica que o ser humano é um ser social e só se cons-
titui como humano em sociedade. “O homem é, no sentido mais literal, um
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 43
zoon politikon, não só um animal social, mas um animal que só pode iso-
lar-se em sociedade” (MARX, 2000, p. 26). Assim, participar efetivamente
de todos os aspectos do processo social é condição indispensável para a
inclusão.
É por meio do trabalho que o ser humano se humaniza, se reconhece
enquanto humano e se diferencia dos outros humanos, se percebendo parte
de um todo, mas com diferenças. Quanto mais diferenças e mais respeito às
diferenças, mais humanizado será o processo.
Assim, não é possível pensar a inclusão sem a inserção da pessoa
com deficiência no mundo do trabalho, já desde os processos escolares. No
entanto, não se podem ignorar as contradições desse processo que se rela-
cionam ao modo econômico da produção.
Marx (2000) explica que o trabalho é possibilidade de objetivação
humana na realidade. “A realização do trabalho constitui simultaneamente
a sua objectivação” (MARX, 1964, p. 159). Ao mesmo tempo em que o tra-
balho permite que se estabeleça subjetividade, é por meio dele que a socie-
dade humana vai sendo produzida. “Na produção a pessoa se objetiva; no
consumo a coisa se subjetiva” (MARX, 2000, p. 30). O trabalho é instância
de sociabilidade e humanização, ele se dá pela transformação da natureza.
Essa possibilidade de reconhecimento e constituição humana para
a diferenciação é subvertida no processo capitalista em alienação, meca-
nização e indiferenciação em vez de reconhecimento e diferenciação. “O
trabalho do proletário impede qualquer auto-realização; seu trabalho nega
toda sua existência” (MARCUSE, 1978, p. 267). Ao não se reconhecer no
seu trabalho, o sujeito se torna alheio e estranho a si próprio, não se sentido
parte de um todo pelo trabalho. O estar incluído e o se reconhecer se dá por
meio de identidades prontas indiferenciadas e padronizadas, nichos de con-
sumo. A diferenciação se torna impossível em um processo de alienação. Ao
contrário, há a ilusão de que é preciso se formatar a alguma configuração
pré-existente de personalidade ou estilo para se sentir existente e perten-
cente ao grupo dominante. Ser diferente (do padrão dominante) passa a ser
experimentado como negativo.
44 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Segundo Marcuse (1978, p. 253), “a verdadeira natureza do homem
está na sua universalidade”. O ser humano só se torna humano em socieda-
de e em uma relação com outros seres humanos, em um processo universal,
em que todos estão efetivamente inseridos de maneira plena e diferenciada.
“O homem só é livre se todos os homens forem livres e existirem como
‘seres universais’” (MARCUSE, 1978, p. 254). Para Marcuse (1978), essa
é a verdadeira natureza humana, sua universalização. É somente em um
processo de universalidade e diferenciação que o desenvolvimento e a in-
clusão poderão ocorrer em seu sentido estrito e que o ser humano poderá
ser verdadeiramente humano.
A diferenciação e o reconhecimento humano, para Marx (2000),
dão-se pela autorrealização no trabalho. O trabalho é mais do que mera ati-
vidade econômica com o sentido de emprego, mas a produção da vida em si,
atividade humana por excelência, que começa já desde os processos iniciais
de socialização, passando pela escola e pelo emprego, mas o trabalho está
para além disso, é a própria atividade humana.
Longe de ser uma mera atividade econômica (Erwerbstatigkeit), o tra-
balho é a ‘atividade existencial’ do homem, sua ‘atividade livre, cons-
ciente’ – não um meio de conservação da sua vida (lebensmittel), mas
um meio de desenvolvimento da sua ‘natureza universal’ (MARCUSE,
1978, p. 253).
No capitalismo, o sujeito não se reconhece no seu trabalho e conse-
quentemente não se diferencia do outro e não se reconhece em sua própria
vida e se relaciona com o objeto produzido por ele e com ele próprio como
algo estranho a si mesmo. “O trabalhador põe a sua vida no objecto; porém
agora ela já não lhe pertence, mas ao objecto” (MARX, 1964, p. 160). Ao
não se reconhecer, ele se torna estranho a si próprio e o trabalho (labuta)
se torna árduo e exaustivo.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 45
 A alienação do trabalhador no seu produto significa não só que o tra-
balho se transforma em objecto, assume uma existência externa, mas
que existe independentemente, fora dele e a ele estranho e se torna um
poder autônomo em oposição com ele; que a vida que deu ao objecto se
torna uma força hostil e antagônica (MARX, 1964, p. 160).
O ser humano se aliena não apenas do objeto fruto do trabalho, mas
da própria humanidade, enquanto possibilidade de diferenciação de si e do
outro. “O ser estranho, a quem pertence o trabalho e o produto do traba-
lho, a cujo serviço ele está o trabalho e a cuja fruição se destina o produto,
só pode ser o próprio homem” (MARX, 1964, p. 167).
O trabalho, que deveria ser fonte de reconhecimento humano e diferen-
ciação, é alienado e a possibilidade de reflexão, por meio dele, transforma a vida
em uma mera existência sem sentido. “O trabalho alienado inverte a relação,
uma vez que o homem, enquanto ser consciente, transforma a sua actividade
vital, o seu ser, em simples meio de sua existência” (MARX, 1964, p. 165).
Assim, compreender o trabalho enquanto possibilidade de reconhe-
cimento e diferenciação é fundamental para os processos de inclusão, pois
apenas em uma sociedade em que o trabalho se propuser a ser possibilidade
de reconhecimento humano é que poderá se pensar uma inclusão efetiva.
No entanto, não se podem desconsiderar os avanços que há no processo em
que a pessoa com deficiência passa a fazer parte do mercado de trabalho,
mesmo com todas essas contradições que envolvem a alienação do trabalho
no capitalismo. Reconhecer as contradições é fundamental para não ideali-
zar os progressos e nem desconsiderar o que já se avançou.
2 - O trabalho enquanto possibilidade de emancipação
ou adaptação da pessoa com deficiência
Os processos de inclusão escolar da pessoa com deficiência, tanto no
nível fundamental quanto no nível superior, visam tornar universal o aces-
46 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
so à educação, cumprindo assim com sua finalidade manifesta de preparo
para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho (BRASIL, 1996,
2014 e 2015). Contudo, o aluno com deficiência expõe, com suas necessida-
des, o fato escamoteado de que existem diferenças entre os humanos e que
tanto nosso modelo de educação quanto o mundo do trabalho, seu objetivo,
tendem a aplainar essas diferenças, buscando padronizações e gerando de-
sigualdades. A educação formal produz uma pseudoformação (CROCHIK,
2011).
Se, por um lado, adaptar-se ao mercado de trabalho, de certa ma-
neira significa indiferenciar-se por meio da alienação e do consumismo,
encaixando-se em uma função desligada de qualquer significado e possibi-
lidade de reconhecimento para o sujeito, por outro lado não se integrar a
esse mundo do trabalho pode representar a incapacidade de emancipar-se
e, em última instancia, a ameaça à sobrevivência. Não há dúvidas de que
é preciso continuar e ampliar as políticas e práticas de inclusão da pessoa
com deficiência, mas não se pode ignorar as contradições que emergem
desse processo. Na inclusão precária que homogeneíza a todos, a exclusão
se produz: “De fato, o sistema capitalista, ou mais amplamente, a sociedade
administrada, a tudo inclui, a todos integra: nada pode ficar de fora, porque
o que está de fora gera medo” (CROCHIK, p.69, 2011).
O processo de inclusão, desde seu começo na vida escolar, nos evi-
dencia a necessidade de romper com o modelo de ensino reprodutivista,
que além de reproduzir indiscriminadamente conteúdos e práticas didáti-
cas, reproduz também um modelo de dominação/submissão (ADORNO,
2006). O aluno que não se adapta a esse modelo e passa a ser percebido
desligado de qualquer determinação sócio histórico e cultural, passa a ser
reconhecido como fracassado e culpabilizado por isso. Com a obrigatorie-
dade da inclusão do aluno com deficiência, o professor, que também é um
trabalhador alienado e adaptado à realidade de seu trabalho, percebe que
apenas reproduzir suas antigas práticas não é suficiente para ter sucesso
diante desta nova exigência. Instaura-se aí uma angústia que pode resultar
em mecanismos de defesa por parte do professor e da escola.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 47
 A dissonância produzida pela diferença que se apresenta na impos-
sibilidade de realizar o trabalho tal qual sempre foi feito pode representar
possibilidades de subversão ou nova adaptação. O risco de se padronizar
as deficiências e assim novamente aplainar as diferenças em blocos este-
reotipados, em que se produz uma metonímia do sujeito em relação a sua
deficiência, é uma ameaça constante. O ato de colocar em contato pessoas
com e sem deficiência pode não ser suficiente para diminuir o preconceito.
Voltando à teoria da hipótese de contato, podemos dizer que quando o
preconceito não é devido a defesas psicológicas, quando é superficial, o
contato e a experiência podem bastar para eliminá-lo; quando funciona
como um mecanismo de defesa psíquica que toma o indivíduo refratário
á experiência, somente o contato não é suficiente. Por isso, ao derrubar
os muros dos hospitais psiquiátricos, das escolas especiais, pode passar
a existir ou continuar a haver uma forma de segregação simbólica ou de
marginalização (CROCHIK, 2011, p.74).
O preconceito surgido daí mostra-se na função de esconder do pre-
conceituoso a fragilidade que o outro revela de si. Quando estereotipado e
caricaturado, a dificuldade ou fragilidade do outro dificilmente é identifi-
cado com a fragilidade e dificuldade que todos temos. O sujeito indiferen-
ciado não suporta entrar em contato com o diferente e pode tentar negá-la,
justifica-la ou mesmo superproteger a pessoa com deficiência (CROCHIK,
2011).
Talvez, por isso se verifica que os empregos reservados às pessoas
com deficiências ainda são, em sua maioria, em cargos escondidos e simples
como almoxarifados, estoques, telefonia e outros. Locais visíveis nas em-
presas, como o atendimento ao público, dificilmente são empregados por
pessoas com algum tipo de deficiência.
Mesmo mantendo o aspecto perverso de se incluir numa sociedade
alienada, que não reconhece a diferença dos sujeitos e não possibilidade a
emancipação pela via da educação, que está voltada para o mercado de tra-
48 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
balho, é essencial a inclusão, pois qualquer ruptura com os aspectos desse
modelo só virá de dentro dele mesmo, pois o trabalho produz as subjetivi-
dades que produzem esse mundo.
O próprio Estatuto da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2016) traz
essa ideia de que é preciso incluir no mundo do trabalho em igualdade de
oportunidade com as demais pessoas. Na Seção III do referido documento,
que versa sobre a inclusão da pessoa com deficiência no trabalho, temos:
Art. 37. Constitui modo de inclusão da pessoa com deficiência no tra-
balho a colocação competitiva, em igualdade de oportunidades com as
demais pessoas, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária,
na qual devem ser atendidas as regras de acessibilidade, o fornecimento
de recursos de tecnologia assistiva e a adaptação razoável no ambiente
de trabalho.
Parágrafo único. A colocação competitiva da pessoa com deficiência
pode ocorrer por meio de trabalho com apoio, observadas as seguintes
diretrizes:
I - prioridade no atendimento à pessoa com deficiência com maior difi-
culdade de inserção no campo de trabalho;
II - provisão de suportes individualizados que atendam a necessidades
específicas da pessoa com deficiência, inclusive a disponibilização de re-
cursos de tecnologia assistiva, de agente facilitador e de apoio no am-
biente de trabalho;
III - respeito ao perfil vocacional e ao interesse da pessoa com deficiên-
cia apoiada;
IV - oferta de aconselhamento e de apoio aos empregadores, com vistas
à definição de estratégias de inclusão e de superação de barreiras, inclu-
sive atitudinais;
V - realização de avaliações periódicas;
VI - articulação intersetorial das políticas públicas;
VII - possibilidade de participação de organizações da sociedade civil.
Art. 38. A entidade contratada para a realização de processo seletivo
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 49
 público ou privado para cargo, função ou emprego está obrigada à ob-
servância do disposto nesta Lei e em outras normas de acessibilidade
vigentes (BRASIL, 2015).
Percebe-se que mesmo em uma inclusão pautada pela competitivi-
dade do mundo do trabalho, é necessária uma adaptação do ambiente de
trabalho, seus processos e das atitudes dos trabalhadores e contratantes
perante as necessidades das pessoas com deficiência que pode significar, in-
clusive, um investimento financeiro. Em uma lógica em que o trabalhador
é reduzido ao uno e igualado genericamente a seus pares, não reconhecer a
necessidade de um trabalhador, por sua deficiência ou por qualquer outro
aspecto, diz da negação das identificações expressado pela frieza.
Não bastam adaptações arquitetônicas e atitudes favoráveis dos que con-
vivem na escola, no trabalho, com as pessoas que têm deficiência, para
que essas não sofram preconceito, mas a ausência dessas adaptações e
atitudes indica uma negligência, uma indiferença, que já é ofensiva a
quem é esquecido; esse tipo de negligência é uma forma de preconceito
expressado pela frieza das relações existentes (CROCHIK, 2011, p.71).
Diante de um cenário tão delicado, em que a necessidade de inclusão
da pessoa com deficiência, considerada diferente, se depara com a indife-
rença propiciada pelo mundo do trabalho e da pseudoformação, percebe-se
que o próprio paradigma da inclusão contém a exclusão. Nas relações pau-
tadas pelo capitalismo, estamos todos incluídos perversamente em situa-
ções de desigualdade estrutural. Aqueles que são diferentes, para se inclu-
írem, abrem mão de sua diferença para pertencer, mesmo que de maneira
marginal. Contudo, mesmo na marginalidade incipiente das instituições de
educação e trabalho, as pessoas com deficiência podem mostrar suas capa-
cidades para além do que o preconceito poderia esperar e estarem incluídas
em uma situação contraditória em que passam a ter acesso a situações antes
negadas a essas pessoas.
50 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Conclusão
Muitos avanços se deram nas últimas décadas quando se pensa na
inserção da pessoa com deficiência na educação e no mundo do trabalho.
Esse processo é motivo para otimismos e para o fortalecimento da luta pela
inclusão. No entanto, desconsiderar as contradições que envolvem esse
processo pode deixá-lo mais difícil e mesmo levar a um pessimismo diante
das dificuldades que se apresentam.
Compreender que uma sociedade excludente como a nossa não pode
incluir plenamente é condição para o processo de inclusão, pois ao se acre-
ditar que a inclusão foi efetiva porque a criança com deficiência está na
escola e o adulto no trabalho e desconsiderar os processos de marginaliza-
ção nesses locais pode-se propiciar muito sofrimento ao sujeito marginali-
zado, para quem já se acredita que a inclusão ocorreu. Da mesma maneira
que concluir que a inclusão é ruim porque marginaliza pode levar a volta
de processos de segregação e exclusão (escolas especiais ou mesmo o não
acesso da pessoa com deficiência a diversos locais hoje acessíveis com mui-
tas dificuldades).
Perceber que o contato com o diferente já é possibilidade de mu-
dança, mas que ele sozinho não é suficiente é fundamental para trabalhos
que envolvam o processo de aceitação à diversidade na sociedade. Para a
inserção da pessoa com deficiência no trabalho é preciso considerar desde
os processos contraditórios que envolvem a educação e o trabalho no ca-
pitalismo até a fundamental necessidade de se ter um trabalho, por mais
alienante que ele seja.
Referências
ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. São Paulo: Paz e
Terra, 2006.
BRASIL. (s/d) Constituição da República Federativa do Brasil. Bra-
sília: Presidência da República: Casa Civil, 1988. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 51
 ______. Lei de diretrizes e bases da educação nacional: Lei nº 9.394,
de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educa-
ção nacional. – 11. ed. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara,
2015.
______. Plano Nacional de Educação: Lei nº 13.005, de 25 de Junho
de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providên-
cias. Brasília: Presidência da República: Casa Civil, Subchefia para assuntos
jurídicos, 2014.
______. Estatuto da Pessoa com Deficiência. Brasília: Senado Fede-
ral, Coordenação de Edições Técnicas, 2015.
CROCHIK, José Leon (coord). Preconceito e Educação Inclusiva.
Brasília: SHD/PR, 2011.
_______. Notas sobre Psicanálise e educação em T. W. Adorno. In:
Contemporaneidade e educação: revista semestral de Ciências Sociais e
Educação.IEC, Ano I, n,0, setembro 1996.
MARCUSE, Herbert. Razão e revolução: Hegel e o advento da teoria
social. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1978.
MARX, Karl. Manuscritos econômicos e filosóficos. Lisboa: Edições
70, 1964.
______. Para a crítica da economia política, Do capital, O rendimento
e suas fontes. São Paulo: Editora Nova Cultura, 2000. (Coleção os Pensa-
dores).
______. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
52 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
O mal-estar na educação inclusiva no
país da cordialidade
Candice Marques de Lima7
Leilyane Oliveira Araújo Masson8
Existe um mal-estar na educação brasileira que nos últimos anos
tem-se apresentado de diversas formas, entre elas, centenas de ocupações
de escolas públicas em vários municípios do Brasil. O que antes parecia
estar latente e ficava restrito aos discursos acadêmicos e políticos, estes
em épocas eleitorais, tornou-se evidente nos discursos de estudantes, de
seus familiares e consequentemente emergiu para a sociedade, que também
passou a reivindicar, mais ativamente, uma escola de qualidade para todos.
A possibilidade de uma grande transformação na educação brasi-
leira, a partir da mobilização das pessoas e de seu incômodo explícito no
contexto das ocupações de 2016, pode indicar também transformações na
constituição subjetiva. Nesse contexto, cabe um questionamento, articu-
lando tais mudanças com o conceito de cordialidade, ou de homem cordial,
do historiador Sérgio Buarque de Holanda.
Segundo Holanda (1995), o brasileiro é visto por estrangeiros que
visitam o país como afável, hospitaleiro, generoso, características que defi-
nem nossas relações com o outro. Até o emprego de palavras no diminutivo
é compreendido pelo autor como uma maneira de tornar as pessoas ou os
objetos mais familiares, tornando-os mais acessíveis aos sentidos e mais
próximos do coração. Da mesma maneira aparece a omissão do nome de
7
Psicóloga, mestra em psicologia, psicanalista, professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de
Goiás. E-mail: candicemarques1@gmail.com
8
Psicóloga, Psicanalista membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, Mestre em
Educação, Doutoranda em Psicologia, Professora de Psicologia na Universidade Federal de Goiás. E-mail: leilya-
neomasson@gmail.com
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 53
família e emprega-se apenas o prenome nas relações sociais, que seria uma
forma de criar uma proximidade entre as pessoas e de torná-las mais ínti-
mas.
Tais formas de relações sociais são compreendidas pelo autor como
uma ética de fundo emotivo, que avança para as relações de trabalho e para
a religião. Nas primeiras, é necessário que as pessoas tornem-se amigas
para estabelecerem relações comerciais, que parecem ser impossíveis de
acontecerem sem uma relação de amizade; e na religiosidade, um emblema
do que foi mencionado seria a intimidade que o brasileiro trata os santos
católicos, quase desrespeitosa, segundo o autor. (HOLANDA, 1995).
Apesar de ser uma forma autêntica criada em nossa cultura e de
toda a simpatia com a qual o povo brasileiro é visto fora do país, a cordia-
lidade, alerta o historiador, não significa necessariamente boas maneiras e
civilidade.
Nossa forma ordinária de convívio social é, no fundo, justamente o con-
trário da polidez. Ela pode iludir na aparência – e isso se explica pelo
fato de a atitude polida consistir precisamente em uma espécie de mími-
ca deliberada de manifestações que são espontâneas no “homem cordial”:
é a forma natural e viva que se converteu em fórmula. Além disso a po-
lidez é, de algum modo, organização de defesa ante a sociedade. Detém-
-se na parte exterior, epidérmica do indivíduo, podendo mesmo servir,
quando necessário, de peça de resistência. Equivale a um disfarce que
permitirá a cada qual preservar inatas sua sensibilidade e suas emoções.
(HOLANDA, 1995, p. 147).
As palavras do autor mostram a ambivalência e o conflito que esse
homem cordial sofre e, para que possa continuar a pensar e a sentir como
deseja, transmuta seu pensamento em uma fala cordial, isto é, simpática,
compreensiva e colaborativa, aparentemente livre de conflitos.
Tal modo de formação cultural também constitui, por conseguinte,
a subjetividade do brasileiro, embora existam particularidades subjetivas
54 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
que não apresentam uma linearidade com a cultura na qual o sujeito está
inserido e se produzem numa complexidade que precisa ser compreendida
e escutada em cada pessoa. De qualquer forma, é preciso entender como a
cultura do homem cordial tem produzido na educação formas de relações
humanas e discursos que atravessam as relações de trabalho, as relações
professor e aluno, a maneira como o professor é formado e sua forma de
ensinar.
No presente capítulo, as questões levantadas no parágrafo acima
serão direcionadas para a educação inclusiva e para como os professores,
constituídos na cultura da cordialidade, trabalham, pensam e se relacionam
com seus alunos e com o processo de ensino.
1 - Considerações sobre a inclusão
O marco da educação inclusiva é a Declaração de Salamanca (1994)9,
um documento adotado por 88 governos e 25 organizações internacionais
presentes na Conferência Mundial de Educação Especial. Em suma, o do-
cumento orienta que todas as crianças devem estudar em escolas regulares,
o que muda a perspectiva de uma proposta de educação especial e no Brasil
reafirma a Constituição Federal10 (BRASIL, 1988), que determina no Art.
208: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garan-
tia de (...) III- atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. Posteriormente,
no ano de 1996, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasilei-
ra11 (BRASIL, 1996) reafirma tal determinação: Art. 58 – “Entende-se por
educação especial, para efeitos dessa lei, a modalidade de educação escolar
oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para educandos por-
tadores de necessidades especiais.”.
A educação inclusiva no Brasil torna-se, além de uma orientação,
9
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf (acesso em 30 de maio de 2016).
10
Brasil (1988) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm (acesso em 30 de maio
de 2016).
11
Brasil (1996) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm (acesso em 30 de maio de 2016).
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 55
uma determinação e a escola brasileira passa a ter de se defrontar com a
questão de inserir o aluno com deficiência ou com necessidades educacio-
nais específicas12 em suas salas de aula.
Há uma diferença importante entre as palavras inserir e incluir
quando se trata da escola. Na primeira situação, inserir pode ser matricular
o aluno em uma escola comum e possibilitar que a frequente com regulari-
dade. Quando se pensa em políticas educacionais, o simples fato de a pessoa
com N.E.E. estar matriculada e frequentando uma escola pode significar
que está sendo também incluída, embora, ao se discutir a inclusão escolar e
suas implicações no processo de ensino-aprendizagem, tenha-se uma com-
preensão mais abrangente desse processo. Nesse sentido, incluir significa
tornar esse aluno parte do contexto educacional, pois, além de frequentar
as aulas, deve fazer parte da vida educacional, desde a interação com os
colegas e professores até seu processo de aprendizado.
Incluir implica, portanto, um sentimento de pertencimento, de um
lado, e de acolhimento, por outro. Pode ser possibilitar que os alunos façam
atividades juntos, mesmo que essas, em alguns momentos, sejam diferen-
ciadas, devido às condições subjetivas de alguns – intelectuais, sensoriais e
físicas. Nesse sentido, o aprendizado não é um processo único que acontece
com todos da mesma forma. Para além das condições materiais necessárias,
cada um aprende a partir de suas condições psíquicas, de seus interesses,
de seu desejo.
Incluir também significa trabalhar as questões de igualdade e di-
ferença no contexto escolar. Somos todos iguais perante a lei, embora se-
jamos diferentes subjetivamente. Equilibrar tais questões também pode
gerar confusão ao professor, pois como tratar o que é muito diferente de
maneira igual? A psicanalista Maria Cristina Machado Kupfer auxilia a
pensar essa contradição:
12
O termo necessidades educacionais específicas (N.E.E.) é mais abrangente que deficiência, pois trata da in-
serção de grupos minoritários, como ciganos, índios, pessoas que precisam de atendimento educacional especial-
izado etc. Neste artigo utilizaremos os dois termos indistintamente.
56 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Todas as crianças deverão ir para a escola, na qual deverão ser tratadas
como iguais, para que a partir disso possam surgir as diferenças. Não,
porém, as diferenças de cor, ou de amplitude perceptiva (mais ou menos
cegas, mais ou menos surdas, mais ou menos inteligentes), e sim aque-
las que verdadeiramente interessam, ou seja, as diferenças subjetivas na
apreensão do mundo, já que são essas diferenças que permitem o surgi-
mento de seus estilos e, portanto, do novo. Um novo singular que poderá
retornar ao social para revigorá-lo. (KUPFER, 2005, p. 23).
Assim, a escola precisa ser o lugar no qual as diferenças subjetivas
possam surgir a partir da relação do aluno com a lei simbólica, que se tra-
duz na relação de respeito com o outro, nas obrigações do dia a dia das ati-
vidades educacionais. Incluir é, portanto, poder ajudar a surgir um sujeito
onde ainda não talvez não exista e que a partir disso possa criar pensamen-
tos e/ou objetos que o auxiliem nessa constituição subjetiva.
Ao longo do texto, foi utilizado, em alguns momentos, a terminolo-
gia processo de inclusão. Conforme já foi tratado anteriormente em Lima
e Cupolillo (2006), há uma relação dialética na inclusão com o seu opos-
to a exclusão. Ambas são situações de continuidade e descontinuidade no
contexto escolar. O aluno que é incluído, isto é, passa a fazer parte das
situações escolares como um todo, já foi excluído desse contexto e pode ser
numa situação futura novamente excluído.
Assim, para tornar esse conceito processo de inclusão/exclusão
mais compreensível, irei utilizar a figura topológica da banda de Moebius13,
que se constrói a partir de uma meia torção em uma fita retangular na qual
suas extremidades se encontram. Essa figura apresenta um tipo de estrutu-
ra que subverte o espaço comum das representações, pois as noções de di-
reito e avesso passam a se conter uma na outra, na qual a fita tem somente
um lado e uma borda. Dessa forma, representa as coisas que são colocadas
em relação de oposição.
13
Jacques Lacan (psicanalista francês) utilizou-se de figuras topológicas para representar conceitos psicanalíti-
cos. A banda de Moebius foi utilizada por ele para representar a dupla-inscrição freudiana de consciente-incons-
ciente. Utilizo-me aqui dessa figura para representar o processo dialético de inclusão-exclusão.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 57
 Os processos de inclusão/exclusão, portanto, podem ser represen-
tados pela figura acima descrita. Como nesta, não há um dentro e um fora
de maneira estática, existindo assim uma passagem de um ao outro. Incluir
pode significar estar dentro, fazer parte de algo, e numa outra perspectiva,
devido às diferenças subjetivas de cada um, também é estar do lado de fora,
não estar incluído em alguns momentos escolares14.
É preciso que o aluno seja reconhecido com um ser capaz de criar,
produzir, brincar, amar e aprender. Nesse sentido, um olhar do professor
que o signifique como um sujeito pode possibilitar que ambos produzam
algo novo numa relação professor-aluno.
Ensinar alunos sem deficiência pode parecer ao professor que to-
dos são iguais e portanto, em uma sala de aula aparentemente homogênea,
pode-se trabalhar com apenas uma forma de ensinar e de avaliar, que dará
conta de todos (e de tudo). A onipotência infantil aparece fortemente em
alguns discursos educacionais – sua majestade, o professor!15
A situação pode parecer resolvida quando o aluno é a imagem e
semelhança do professor. É por meio desse amor narcísico que se investe o
outro de qualidades que o tornam potencialmente capaz de aprender. Mas
o que fazer quando esse aluno é tão diferente que Narciso não se vê mais
refletido nesse espelho?
É diante do aluno com deficiência e da possibilidade de sua inserção
na sala de aula que o professor muitas vezes não consegue ensinar, isto é,
transmitir o conteúdo, preparar atividades que o incluam e nem se relacio-
nar com o mesmo, deixando a cargo do professor de apoio ou do intérprete
de libras o ensino desse aluno, os quais em tese estariam mais preparados
para atender alunos com N.E.E.
A deficiência em nossa sociedade pode ser percebida como uma in-
capacidade e para além disso, uma falta. Aponta para a nossa finitude e
nossa falta constitutiva. Assim, para muitos professores pode ser muito
14
Recentemente soube-se de uma situação em uma escola na qual o professor de educação física não possibilitou
que um aluno com N.E.E. participasse de sua aula por entender que esse não estaria apto para as atividades que
ali seriam realizadas.
15
Parafraseando Freud (2010), quando escreve “His Majesty the Baby”.
58 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
penoso receber em suas salas de aula alunos com deficiência, terem de se
relacionar diariamente com pessoas para as quais a falta16, que para as pes-
soas sem deficiência aparece “apenas” psiquicamente, salta aos olhos, não
está escondida, recalcada, mas aparece em suas incapacidades de ver, ou de
escutar, ou se movimentar ou de entender o que está sendo falado.
Ademais, a sociedade está muito marcada por ideais de produtivida-
de e de beleza corporal que têm constituído as subjetividades contemporâ-
neas. O mal-estar entre ser perfeito e ser deficiente aparece nos discursos
de vida saudável, na necessidade da prática de atividades físicas e alimen-
tação balanceada, com suplementação de produtos e de medicamentos que
possam preencher o vazio que é eminentemente humano. O psicanalista
Joel Birman (2006) aponta como o corpo tem sido percebido:
O corpo é o registro mais eminente no qual se enuncia o mal-estar. Todo
mundo se queixa de que o corpo não funciona a contento. Imagina-se
sempre que algo deve ser feito para que a performance17 corpórea pos-
sa melhorar. Sentimo-nos sempre faltosos, deixando de fazer tudo que
deveríamos, considerando as possibilidades oferecidas para o cuidado do
corpo. Enfim, estamos sempre numa posição de dívida em relação a isso.
(BIRMAN, 2006, p. 175).
Assim, para se incluir numa sociedade do espetáculo, na qual todos
têm de ser iguais no que diz respeito às performances físicas e de produti-
vidade, cada dia mais as pessoas buscam na medicalização possibilidades de
maior rendimento físico e cognitivo, anulamento de emoções, como triste-
za, numa busca de cura do que é (ser) humano. Esse ser humano que vive
em conflito, que é faltoso, que sente tristezas e alegrias muitas vezes de
formas vertiginosas e com alterações muito rápidas.
Por outro lado, o discurso medicalizador afirma cada vez mais o
16
Conceito psicanalítico no qual o ser humano, ser falante, diferentemente dos outros animais no quais o ins-
tinto indica o que precisam para a sobrevivência, tem uma falta estrutural de inscrição do objeto do desejo no
inconsciente.
17
Grifo do autor
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 59
sofrimento subjetivo, coloca em evidência o estresse, os transtornos de pâ-
nico e alimentares e as alterações de humor. Ao se utilizar de classificações
de transtornos mentais cada vez mais abrangentes, cada peculiaridade hu-
mana passa a ser diagnosticada e passível de ser medicalizada, atendendo
assim a uma proposta de normalização.
Na escola, a medicalização chega para identificar alunos que não
produzem como os ideais, negando-se suas subjetividades. Uma das pa-
tologias que tem aparecido com frequência é o transtorno de déficit de
atenção e hiperatividade (TDAH). Neste, o aluno aparece desinteressado
das atividades escolares, algumas vezes com comportamentos distraídos,
pouco atentos à aula e às atividades escolares, que se configura como déficit
de atenção, e/ou com comportamentos impulsivos, com grande movimento
corporal e inquietude, o famoso hiperativo. Pode-se pensar nesse sentido o
que pode estar acontecendo com o psiquismo desse aluno, com um mundo
interior em conflito, que ora o chama para si e ora o faz extravasar pensa-
mentos e sentimentos por meio de comportamentos agressivos e/ou im-
pulsivos que podem indicar uma tentativa de simbolização ou a fragilidade
e até mesmo falta dessa.
O contexto social precisa ser considerado nessas subjetividades
apontadas como patológicas que aparecem na escola. Uma sociedade que
nos chama para atividades diversas ao longo de um dia ou ao mesmo tempo,
e quer que gozemos o máximo possível, aponta novamente para um mal-es-
tar nessas relações sujeito-cultura.
Pode surgir, portanto, um conflito no professor, que, além de não
estar preparado para lidar com a própria falta e, no caso da inclusão, com
a de seu aluno, entende que incluir pode ser tornar igual o que é diferente
e consequentemente curá-lo18. O professor sai de seu lugar de transmissão
de conhecimento, pois pode acreditar que não há como fazer esse trabalho
no contexto educacional, e acredita que esse aluno precisa ser curado, indo
assim para um lugar que ele não tem condição de operar. Essa incapacidade
18
A esse respeito, sugere-se a leitura do texto “A inclusão causa o pior”, de Rinaldo Voltolini. Acesso em www.
educacaoonline.pro.br.
60 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
pode estar nas falas de professores que escuta-se recorrentemente quando
se trata do tema da inclusão. Em princípio, dizem que a inclusão é necessá-
ria e tratam o tema de maneira amistosa. Em seguida surgem frases como:
“não estou preparado para a inclusão”, “em minha formação docente não
estudei sobre inclusão”, “a escola não tem estrutura para receber alunos
com deficiência”, “na prática, a inclusão é muito diferente da teoria”, “é pre-
ciso ser médico ou psicólogo hoje em dia para ensinar”.
Há vários fatores que podem estar envolvidos nesses discursos. De
fato, a formação docente é deficitária no que diz respeito a preparar o aluno
de licenciatura para o trabalho com a diversidade. Geralmente, as discipli-
nas de licenciatura são reduzidas e ficam restritas ao seu campo, não haven-
do uma interlocução com as outras disciplinas da matriz curricular. Além
disso, tais disciplinas já têm um conteúdo fixo, o que impede que o profes-
sor possa inserir temas de inclusão e tratá-los com a extensão e a profun-
didade que lhes são necessárias. Nos estágios curriculares privilegia-se o
ensino das teorias referentes à disciplina (matemática, língua portuguesa,
ciências, por exemplo), não se fazendo uma articulação sobre o ensino de
determinada área a alunos com N.E.E. Como atualmente o ensino de libras
é obrigatório para as licenciaturas (Lei n°. 10.436), pode-se pensar que a
inclusão está sendo ensinada e esquece-se que a língua brasileira de sinais
é específica para as pessoas surdas e que na escola há outras diversidades
além dessa19.
Nas escolas, as barreiras arquitetônicas (falta de rampas, de elevado-
res, de sinalizadores para cegos, de corrimãos) podem dificultar a acessibili-
dade do aluno, além da falta de materiais, que pode gerar dificuldade para o
professor desenvolver trabalhos criativos e que produzam aprendizado. Há
também as questões subjetivas que foram apresentadas acima.
19
Recentemente, em um evento da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás, uma professora que
participou de uma mesa redonda intitulada Ensino, alteridade e minorias disse que as 60 horas da disciplina de
libras para as licenciaturas não habilita ninguém a ensinar para alunos surdos.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 61
2 - Inclusão e cordialidade
Todas essas questões são relevantes para se pensar a inclusão e
como desenvolver maneiras de torná-la possível. Entretanto, pode-se escu-
tar no discurso docente descrito acima uma característica muito presente
em nossa cultura, a cordialidade (HOLANDA, 1995).
Conforme apresentado anteriormente é recorrente escutar de pro-
fessores20 de formações diferentes e em contextos educacionais diversos,
tanto oriundos de escolas públicas quanto privadas, que a inclusão é impor-
tante e necessária, mas... que não estão preparados etc. Há uma contradição
significativa entre falar da importância do assunto e, ao mesmo tempo, ne-
gá-lo ao dizer-se incapaz para tal tipo de trabalho.
Compreende-se que, quando concordam com a inclusão e até a enal-
tecem, os professores estariam fazendo parte dessa característica peculiar
que constitui nossa cultura, estariam sendo cordiais, aparentemente poli-
dos, conforme ressalta Holanda (1995), mas, ao mesmo tempo, mantendo
seu pensamento bem resguardado: “Além disso a polidez é, de algum modo,
organização de defesa ante a sociedade. Detém-se na parte exterior, epi-
dérmica do indivíduo, podendo mesmo servir, quando necessário, de peça
de resistência. Equivale a um disfarce que permitirá a cada qual preservar
inatas sua sensibilidade e suas emoções.” (HOLANDA, 1995, p. 147).
É claro que numa perspectiva em que se considera a subjetividade,
há de se compreender que o ser falante produz esse discurso a partir de
suas demandas que se constituem também a partir da cultura. Poderia ser
assim “o que a cultura espera que eu seja?”; “em minha profissão, como
devo pensar?”.
Instaura-se portanto um mal-estar quando esse homem cordial se
depara com uma imagem distorcida, borrada, faltosa, que não corresponde
à imagem do aluno como ideal do eu21. Este aluno com deficiência não é
20
Tais informações foram escutadas em cursos de inclusão na cidade de Goiânia e em cidades do interior de
Goiás, em pesquisas de alunos da Faculdade de Letras (não publicadas) e em conversas informais.
21
Conceito freudiano apresentado no texto” Introdução ao narcisismo”: “A esse ideal do Eu dirige-se então o
amor a si mesmo que o Eu real desfrutou na infância. O narcisismo aparece deslocado para esse novo Eu ideal,
que como o infantil se acha de posse de toda preciosa perfeição” (FREUD: 1914, p. 40).
62 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
“a inteligência”, “a beleza”, é algo que para não gerar angústia precisa ser
afastado22.
A cordialidade, traço aprendido nas relações culturais, torna-se uma
defesa e uma forma de continuar na mesma posição, porque no caso da
inclusão, por mais que possa ter uma formação adequada, passar por for-
mação continuada, assistir palestras, entre outras possibilidades, o profes-
sor parece continuar a se sentir incompetente diante de tantas síndromes,
transtornos e deficiências – classificações contemporâneas que nada expli-
cam e servem muitas vezes para a medicalização do sujeito e isenção de sua
responsabilidade no mundo.
Compreender essas características culturais que se presentificam em
cada sujeito por meio de sua fala pode ser uma forma de se pensar os rumos
da inclusão educacional em nossa sociedade. Obrigar o professor, muitas
vezes com uma formação profissional deficitária e sem condições subjetivas
de lidar com sujeitos que talvez careçam de muito mais que o aprendizado
de conteúdos escolares, pode gerar situações desastrosas como se tem visto
em muitas escolas.
Por outro lado, é preciso que os professores entendam que a forma-
ção profissional é para ensinar o aluno, seja ele de qualquer etnia, religião,
orientação sexual. Olhar o outro e não se ver refletido nessa imagem pode
ser mortífero, angustiante, paralisante, mas também pode gerar novas for-
mas de criatividade, para além das repetições cotidianas.
3 - A formação do professor em tempos de exclusão
Um contexto em que predomina um procedimento racional instru-
mentalizado produz e mantém uma educação direcionada para a adaptação,
que se distancia da crítica. Nesse sentido, apresenta um caráter de aprisio-
namento do sujeito, contrário à sua possibilidade emancipatória, e se limita
a fornecer um arsenal técnico e tecnológico em nome dos ideais de produti-
22
Neste artigo utiliza-se dois referencias teóricos que dialogam, a proposta de Sérgio Buarque de Holanda, que
mostra como a cordialidade constitui a cultura brasileira e a psicanálise, com seu método interpretativo, para a
compreensão da subjetividade do professor.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 63
vidade e consumismo. Trata-se de uma razão aprisionada a interesses, que
nega a temporalidade própria da formação cultural.
Em um momento histórico no qual o progresso tecnológico avan-
ça desacompanhado do progresso humano, cabe questionar a contribuição
decisiva da educação no contraponto ou na afirmação dessa realidade. A
individualização do sujeito tomada como garantia de passividade e de con-
formismo e em nome de uma ilusão de liberdade e de autonomia, isenta
o Estado e a sociedade de suas responsabilidades e culpabiliza os sujeitos
isolados pelo seu próprio êxito ou fracasso. “Conforme o ditado de que tudo
depende unicamente das pessoas, atribuem às pessoas tudo o que depende
das condições objetivas, de tal modo que as condições existentes permane-
cem intocadas”, afirma Adorno (1995, p. 36). A possibilidade de contrapon-
to a essa racionalidade inicia-se com a análise crítica de tal processo,
é necessário contrapor-se a uma tal ausência de consciência, é preciso
evitar que as pessoas golpeiem para os lados sem refletir a respeito de si
próprias. A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a
uma auto-reflexão crítica (ADORNO, 1995, p.121).
A experiência formativa, possibilitaria o conhecimento, consideran-
do a elaboração da relação do passado ao presente histórico. Está em causa
uma temporalidade que permite ou obstaculariza a formação, em especial,
a formação do professor. A educação formativa, nessa perspectiva, deveria
negar a realidade, no sentido de contestar e questionar o procedimento
racional que rege o statu quo e, operando com outra lógica, transformar o
sujeito em sua relação dinâmica e contraditória com a realidade. “Para isso
se exige tempo de mediação e continuidade, em oposição ao imediatismo e
fragmentação da racionalidade formal coisificada”, como assinala Leo Maar
(1995, p. 25).
A experiência formativa, muito além do conhecimento científico,
busca a autonomia e seu conteúdo ético transcende o condicionamento so-
cial. Mas o conhecimento científico na modernidade, cada vez mais com-
prometido com o pragmatismo e o funcionalismo, acaba por encobrir o que
64 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
deveria esclarecer. O sentido da educação, desse modo, consiste em revelar
o conflito como contradição no sentido oposto das falsas conciliações. O
sentido emancipatório da experiência formativa consiste em, com base na
razão objetiva, estar-se atento às particularidades históricas sem abdicar da
universalidade humana, do projeto humano de autonomia.
4 - A inclusão possível
A partir das reflexões acima, é provável que nunca haverá uma for-
mação ideal que dê conta de oferecer ao professor a possibilidade de estar
preparado para trabalhar com qualquer síndrome ou deficiência, entenden-
do que o que parece incomodá-lo é não ter conhecimento teórico sobre isso.
Nesse sentido, é impossível dar conta de todas as síndromes existentes,
além de desconsiderar o sujeito que existe aí. A educação está muito medi-
calizada e isso parece distanciar o professor do processo de ensino-apren-
dizagem e direcioná-lo a ser um “diagnosticador” de problemas do aluno,
com ênfase na cura desse e seu encaminhamento para um profissional da
saúde.
A formação docente tem de servir para possibilitar ao professor
recursos educacionais e subjetivos para compreender que a transmissão
de conhecimento é possível, independentemente das diferenças subjetivas
dos alunos. Isso não significa dar aula para cada aluno, o que seria impos-
sível, mas entender que cada pessoa tem uma história de vida, a partir de
suas relações familiares, culturais, socioeconômicas, que a constituem e a
tornam única. Embora únicos, estamos todos inseridos numa cultura que
têm regras e formas de convívio, as quais todos os alunos serão inseridos23.
A educação que tem sido oferecida nas escolas é normalizadora, no
sentido de que busca tornar o diferente igual, normal, como se houvesse tal
possibilidade. O modelo médico de tratamento e cura é muito forte na so-
23
Teve-se conhecimento de um caso em sala de aula sobre um aluno autista em uma escola que batia em todos os
colegas e saía da sala de aula com frequência. Um professor questionou a liberdade que tal aluno tinha e foi-lhe
explicado que o aluno era autista e por isso tinha esses comportamentos. Nesse sentido o aluno com autismo não
estava inserido sob a mesma lei que marcava todos os outros e um caminho seria mostrar-lhe que também fazia
parte desse contexto social e escolar.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 65
ciedade, pode-se perceber pelo lugar que é oferecido ao médico socialmen-
te. Quando escuta-se que o professor é desvalorizado, pode-se pensar que
uma das possibilidades é a educação entender que a medicalização não é a
saída para o ensino e a aprendizagem tornarem-se eficientes, mas é preciso
identificar qual o lugar do professor na escola, suas competências e atribui-
ções serem valorizadas e bem definidas. O professor precisa ser incluído no
processo de inclusão e sentir-se em condições de ensinar seus alunos.
Uma das queixas dos professores quanto à inclusão é que ela se deu
“de cima para baixo”, ou seja, não foi uma solicitação dos professores, mas
os governos obrigaram-lhes a receberem alunos com N.E.E. nas escolas co-
muns. Isso não pode ser desconsiderado, mas não há como parar o que tem
sido feito em relação à inclusão e esperar que todos os professores estejam
preparados para ela e a aceitem, pois estar preparado é uma grande ilusão.
Nesse sentido, a ideia de estar preparado seria um sintoma do bra-
sileiro, pois esse acredita não estar preparado nem para falar sua língua. A
Língua Portuguesa sempre está muito distante, no além-mar. Se não se é
sujeito nem em sua própria língua, como ser sujeito, já que o que nos cons-
titui é a linguagem?
A cordialidade, enquanto traço cultural que constitui nossa subje-
tividade, pode ser uma forma de emperrar o processo de inclusão, pois o
professor diz que a acha importante, mas se defende dela, entretanto pode
ser uma saída para tornar a inclusão possível. Esse jeito amoroso, afetuoso
e, ao mesmo tempo, desrespeitoso do brasileiro precisa ser redirecionado
no discurso educacional, no sentido da aceitação de um outro que muitas
vezes, de tão diferente, torna-se um estrangeiro. Esse estrangeiro, que, no
caso, é o aluno com necessidades específicas, precisa ser reconhecido como
um legítimo outro, detentor de um saber que pode auxiliar o professor em
formas de como ensiná-lo.
Em suma, é importante que se possa reconhecer a inclusão como
uma necessidade, pois senão incorreríamos num erro de que há pessoas
melhores que outras, as quais são merecedoras de privilégios, que, no caso
escolar, é o aluno considerado normal poder frequentar uma escola comum,
e os outros irem para outra escola. Estariam os professores dessa outra
66 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
escola preparados para ensinar esses alunos, estrangeiros em seu próprio
país? A inclusão possível precisa ser inventada no dia a dia da sala de aula
e só será possível inventá-la se o professor se reconhecer como capaz de tal
invenção, a partir de uma formação que lhe dê status de sujeito.
Referências
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1995.
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Entre as políticas educacionais e a escola:
versidade de Brasília, Faculdade de Educação. v. 1, n. 1, p. 263 – 278, 2006. reflexões sobre o processo de educação inclusiva
Tainá Dal Bosco Silva24
Thales Cavalcanti e Castro25
Bárbara Cecília Alves Marques26

Introdução

Temos assistido nos últimos anos avanços nas políticas e práticas

educacionais de educação inclusiva. Muitos alunos contam atualmente com
professores de apoio nas redes municipais e estaduais; escolas particulares
não podem recusar matrículas de alunos com necessidades educacionais
especiais; disciplinas de educação inclusiva têm sido criadas nos cursos de
graduação; salas especializadas em atender às demandas inclusivas na rede
regular (AEE); maior preocupação com a acessibilidade desses alunos nas
dependências da instituição.
O presente capítulo trata de uma pesquisa qualitativa que visa dis-
cutir e refletir acerca dos aspectos legais que norteiam a educação inclusiva,
abordando a existência de uma distância entre o que é preconizado pela lei
e o que de fato acontece nas escolas. As políticas educacionais do país pro-
moveram avanço significativo na inclusão de alunos com necessidades edu-
cacionais especiais, porém, como também demonstram os breves relatos de
experiência dos autores, ainda não garantem que o ensino regular, com os
membros da comunidade escolar, seja inclusivo para alunos com deficiência,
24
Psicóloga, Mestra em Psicologia (UFG) e Doutoranda em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano
(USP). Professora UFG e Faculdade Alfredo Nasser.
25
Psicólogo e Mestre em Psicologia (UFG), psicólogo do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação
(CEPAE/UFG).
26
Graduanda em Psicologia (UniAlfa).

68 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 69

transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.
A despeito dos avanços, alguns problemas no processo de educação
inclusiva na rede regular de ensino persistem. É comum pensarmos na in-
clusão como o ápice de um processo que superou a exclusão, a segregação
e a integração - paradigmas que acompanham a relação entre a sociedade
e a pessoa com deficiência ao longo da história. Contudo, para pensarmos
a inclusão no âmbito educacional é necessário lembrar que o processo de
inclusão como um todo - seja na escola, no trabalho ou na sociedade em
geral - não é um processo linear. Trata-se de um processo histórico e social,
marcado pelas condições e contradições da realidade em que é produzido.
O primeiro desses paradigmas - o da exclusão - nos remete às so-
ciedades primitivas. Neste contexto, por exemplo, as pessoas com deficiên-
cias não eram compreendidas como pertencentes ao grupo. E assim, eram
abandonadas, excluídas de todo o processo social e logo das questões re-
lacionadas à educação. Esse entendimento passou a ser modificado na me-
dida em que a Igreja Católica começou a difundir a compreensão de que o
corpo deficiente abrigava uma alma e assim conquistou o direito à vida. As
crianças com deficiência passaram a ser recebidas nas rodas dos expostos,
foram acolhidas pela Igreja que começou a institucionalizá-las. Entretanto,
não compartilhavam a vida em comum, ficavam segregadas, escondidas nos
mosteiros ou conventos e, embora recebessem cuidados e algum nível de
instrução, ainda eram segregadas, ou seja, colocadas à parte na sociedade
(MAKHOUL, 2007; FERRAZ, 2008; SILVA, 2016).
A integração é marcada por uma série de mudanças sociais, econô-
micas e políticas, com o surgimento de várias leis que passaram a garantir
os direitos das pessoas com deficiência no âmbito social, do trabalho e edu-
cacional. O que caracterizou esse momento nas escolas foi o surgimento
de salas e classes “especiais”, o que no Brasil teve início por volta de 1930,
para alunos com deficiência ou algum tipo de necessidade educacional es-
pecial. Dessa forma, esses alunos começaram a fazer parte da vida escolar
e frequentar à escola, superando assim a segregação - momento em que
as pessoas com deficiência somente tinham acesso à educação por meio de
escolas especiais, ou seja, separado da escola regular (MAKHOUL, 2007;
70 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
FERRAZ, 2008; SILVA, 2016).
Pode-se apontar como um dos marcos da inclusão uma série de pre-
ocupações e leis que passam a ser construídas no século XX:
[...] nesse século, são criadas, no mundo inteiro, instituições especializa-
das no atendimento das deficiências e implantados programas de reabi-
litação. Organizações intergovernamentais, como a ONU (Organização
das Nações Unidas), OMS (Organização Mundial da Saúde), UNESCO
(Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)
e OIT (Organização Internacional do Trabalho), passam a apoiar a equi-
paração de oportunidades para as pessoas com deficiência e a criar um
intercâmbio de conhecimentos sobre a deficiência (CARVALHO-FREI-
TAS; MARQUES, 2007, p. 70).
Assim, a partir dessas mudanças passam a ser criadas legislações
específicas para a inclusão das pessoas com deficiências na sociedade, no
mundo do trabalho e na escola. Nessa última, a escola, temos a inserção dos
alunos com deficiência nas salas regulares, ou seja, como todos os alunos
da escola.
O presente capítulo visa discutir alguns aspectos legais sobre a in-
clusão escolar e a distância entre o que é preconizado pelas políticas edu-
cacionais e a realidade da escola. Visa também traçar alguns apontamentos
sobre o papel do psicólogo no processo de inclusão escolar.
1 - Materiais e Métodos
A discussão aqui apresentada trata-se de uma pesquisa documental
que tem como fontes duas leis que abordam a educação inclusiva, na moda-
lidade do ensino especial, sendo elas a última Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (BRASIL, 1996) e o Decreto nº 6.571/2008, que foi revogado e
entrou em vigor o Decreto nº 7.611/2011 que regulamenta o Atendimento
Educacional Especializado (BRASIL, 2008). Na discussão sobre a legisla-
ção, serão apresentados breves relatos de experiência dos autores em suas
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 71
práticas de trabalho em escolas. É importante ressaltar que os relatos são
referentes a experiências em escolas distintas e que o intuito não é com-
pará-las nem mesmo enfatizá-los em detrimento da exposição da pesquisa
documental, mas ilustrar as diferentes vivências profissionais dos autores,
de modo a tentar contribuir para uma melhor compreensão do atual cená-
rio das políticas educacionais e a escola na educação inclusiva.
Dessa forma, os casos escolhidos para ilustrar a discussão proposta
ao longo do texto são oriundos de relatos de experiência dos autores em
seus ambientes de trabalho como psicólogos escolares. Os relatos são de
dois contextos específicos, o primeiro da Secretaria Municipal de Educação
de um município do interior do estado de Goiás, sendo assim de escolas da
rede pública de ensino. Já o segundo, também na rede pública, é uma esco-
la de pesquisa e de aplicação a educação no município de Goiânia. Ambos
contemplam desde a educação infantil até a segunda fase do ensino funda-
mental, e o segundo também conta com ensino médio.
2 - Resultados e Discussão
Um dos marcos para a inclusão social e educacional das pessoas com
deficiência é a Declaração de Salamanca, documento formalizado em 1994,
na cidade de Salamanca, na Espanha como resultado de uma conferência
com representantes de 88 governos e 25 organizações internacionais. A
partir da aprovação deste documento e do compromisso firmado entre os
países participantes, entre eles o Brasil, tem-se um considerável avanço nas
legislações no que se refere à inclusão.
No Brasil, o início desse avanço pode ser observado a partir da úl-
tima Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996). O destaque
nesta lei, sobre educação inclusiva, é a inserção do capítulo V, que discute a
Educação Especial.
Neste capítulo, o artigo 58º cita que a educação especial deve ser
preferencialmente oferecida na rede regular de ensino e define o público
para esse tipo de atendimento “educandos com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação” (BRA-
SIL, 1996). Nos parágrafos desse artigo, podemos destacar como avanço a
72 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
oferta de serviço de apoio especializado quando necessário para atender as
especificidades dos alunos do ensino especial.
No artigo seguinte, 59º, é assegurada uma série de serviços, adap-
tações, entre outros elementos aos alunos citados no parágrafo anterior.
Entre os avanços é importante destacar a garantia de “currículos, métodos,
técnicas, recursos educativos e organização específicos” (BRASIL, 1996)
para atender às necessidades dos alunos da educação especial. Esse é um
ponto importante, uma vez que é a partir dele que devemos pensar as adap-
tações curriculares, de atividade, de avaliação e até mesmo de didática em
sala de aula regular para contemplar as necessidades educacionais de tais
alunos.
Outro ponto que merece destaque nesse artigo é no que refere-se à
formação dos professores. No texto da lei, inciso III, os sistemas de ensino
devem assegurar: “professores com especialização adequada em nível mé-
dio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do
ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes
comuns” (BRASIL, 1996). É notório que a formação do professor é ex-
tremamente necessária, entretanto a atuação na área de psicologia escolar
tem nos mostrado uma série de relatos de professores que não se sentem
preparados tecnicamente para o recebimento desse público em sala de aula.
Há aqui uma certa distância entre o que é preconizado pela legislação e o
que observamos nas escolas, sobretudo na rede pública.
Ainda nesse artigo, no inciso IV é destacada a:
educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na
vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não re-
velarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante
articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que
apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou
psicomotora (BRASIL, 1996).
O trabalho tem uma função central na nossa sociedade, uma vez
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 73
que possibilita a construção de identidade do sujeito, pertencimento e re-
conhecimento social. A identidade do trabalhador está atrelada a este ser
considerado útil, produtivo. Estar incluso, a partir de uma perspectiva libe-
ral, na nossa sociedade, é estar inserido na sociedade do consumo, ou seja,
do modo de produção da vida capitalista, a força de trabalho é explorada.
Neste sentido, vale destacar que buscar a efetiva integração na vida em so-
ciedade por meio de uma educação para o trabalho, na perspectiva liberal,
não resulta em emancipação para o sujeito com necessidades educacionais
especiais.
O artigo 59º aponta para a necessidade de criação de um cadastro
nacional de alunos com altas habilidades ou superdotação com a finalidade
de criar políticas públicas para esse público. Esse é um ponto interessante,
uma vez que quando pensamos em educação inclusiva usualmente lembra-
mos dos alunos com deficiências e de transtorno do espectro autista.
Muitas vezes a informação de que o ensino especial deve contemplar
as necessidades de alunos com altas habilidades/superdotação causa surpre-
sa aos profissionais que trabalham no âmbito educacional. Essa reação de-
nuncia certa precariedade na formação da maioria de pedagogos e psicólogos
escolares que durante a graduação não tiveram contato com disciplinas que
abordassem essa temática. Assim, os profissionais não têm formação técnica
para identificar os alunos com altas habilidades/superdotação, os quais aca-
bam sendo rotulados como indisciplinados ou desinteressados. Como con-
sequência, não é possível planejar adaptações curriculares e qualquer outra
forma de apoio em sala de aula. Desta forma, a maior parte dos trabalhos
desenvolvidos no âmbito da inclusão escolar excluem os alunos com super-
dotação e altas habilidades. Negrini et al (2008) apontam que é necessário:
Ressaltar a inclusão dos alunos com altas habilidades/superdotação ain-
da se faz necessário, uma vez que as escolas ainda não se sentem prepa-
radas para atendê-los e, mesmo sem perceber, realizam práticas exclu-
dentes e desestimulantes para estes alunos, que vão à escola em busca de
novos desafios para a aprendizagem (NEGRINI ET AL, 2008, p. 282).
74 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
O capítulo V mostra avanços quanto à inclusão de pessoas com de-
ficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação. A partir dele foram organizadas leis mais específicas sobre
a Educação Especial, entre elas a que garante o Atendimento Educacional
Especializado (AEE).
Em 2008, foi publicado o Decreto nº 6.571, que trata da ampliação da
oferta de atendimento educacional especializado (AEE) na educação básica
e no ensino superior. Revogado, entra em vigor o Decreto nº 7.611/2011.
Uma de suas diretrizes é a implementação do AEE no Projeto Político
Pedagógico de todas as instituições de ensino, incluindo a criação de salas
de recursos multifuncionais, tendo professores e outros profissionais espe-
cializados na tradução e interpretação de LIBRAS (BRASIL, 2009, 2015).
É importante ressaltar que o AEE não vem substituir o ensino re-
gular. Este atendimento atua de maneira complementar e suplementar, uti-
lizando recursos diferentes dos que podem ser utilizados na sala de aula
regular e proporcionando mais um atendimento escolar que beneficie o
aprendizado do aluno com necessidades educacionais especiais.
O Atendimento Educacional Especializado não se resume à sala de
recursos multifuncionais ou a um espaço físico no ambiente escolar. Tra-
ta-se de uma política educacional que deve guiar a inclusão de alunos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/
superdotação, na forma de adaptações de conteúdo e de metodologia, além
de flexibilização curricular.
O texto da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva
da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) afirma que “para atuar na educação
especial, o professor deve ter como base da sua formação, inicial e continu-
ada, conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos
específicos da área”. Apesar de a legislação preconizar a contratação de
profissionais com formação adequada, muitas escolas não cumprem essa
normativa.
Na Secretaria Municipal de Educação de uma cidade no interior de
Goiás onde foi possível vivenciar parte dos relatos de experiência descritos
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 75
no atual artigo é possível observar que ao invés de contratar docentes no
cargo de professor de apoio, contrata-se estagiários estudantes de gradua-
ção. Contratação realizada sem nenhuma exigência de qualificação teórica
e/ou prática para trabalharem na educação inclusiva como profissionais. O
contato com esses profissionais torna clara a dificuldade na atuação com
alunos com necessidades educacionais especiais. Não há condições mate-
riais e técnicas para o desenvolvimento do trabalho, colocando os contrata-
dos em situação de desamparo frente às demandas impostas pela educação
inclusiva.
As dificuldades ressaltadas pelos professores de apoio referem-se a au-
sência de adaptações curriculares, de material de didática, do espaço físi-
co da escola, bem como a falta de apoio da família e do professor regente,
do reconhecimento e credibilidade do seu trabalho. Condição que nos
remete a própria indefinição de seu papel em relação a uma atuação de
caráter mais colaborativo com o professor, ainda que esta esteja presente
na legislação (JORDÃO, JORDÃO & TARTUCI, 2011, p. 11).
Como consequência dessa forma de contratação, é possível observar
que esses profissionais apenas ‘‘deixam’’ que o aluno esteja presente na sala,
sem desenvolver nenhuma atividade ou limitando-o a atividades de ‘‘pintu-
ra’’ ou ‘‘desenho’’ aleatórias sem finalidade pedagógica. Nesse caso, é possí-
vel observar o paradigma de integração, em que o aluno com necessidade
educacional especial frequenta a escola regular entretanto não está incluso
por não desenvolver as atividades curriculares previstas. Isto poderia ser
amenizado caso houvesse, por exemplo, orientação acerca do trabalho, com
espaço para discussão de técnicas e materiais que possam auxiliá-los nas
atividades com alunos com necessidades educacionais especiais.
No trabalho como psicólogo escolar, é possível notar em diversos
momentos uma tendência a atribuir ao sujeito a causa de suas dificuldades
escolares, como citado no parágrafo anterior, com a escola se eximindo
disto. A concepção sobre o fracasso do aluno aparece “como um fenômeno
76 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
sem que se considere a existência concreta da escola” (ANGELUCCI et
al, 2004, p. 60) no qual “isola-se o aluno que ‘não aprende’ da escola que o
ensina” (idem, p. 60). Segundo Angelucci e cols. (2004):
Predomina uma concepção de escola como lugar harmônico em que o
potencial de cada um encontra condições ideais para se desenvolver. A
tarefa da criança, nesse contexto, é desenvolver suas capacidades egóicas
para lidar com uma realidade inquestionável. É a partir dessa concepção
que alguns pesquisadores estabelecem uma relação direta entre desem-
penho escolar e saúde mental. Cabe ao aluno adaptar-se, com a contri-
buição de professores e psicólogos. No interior de uma concepção de
normalidade como adaptação, o não ajustamento à escola ou a insatisfa-
ção com características do ambiente escolar são incapacidade individual
de orientar-se pelo princípio de realidade (ANGELUCCI, 2004, p. 60).
Recorrendo ao relato de experiência para ilustrar a discussão, em
discussões com professores em uma escola pública de Goiânia, sobre alunos
com necessidades educacionais especiais, é possível escutar falas de profes-
sores afirmando que alguns alunos são “preguiçosos”, “se aproveitam das
dificuldades”, “não tentam fazer atividades”, “mentem”, “as mães fazem a
tarefa por elas”. Raramente questiona-se como o processo de inclusão é vi-
venciado pelo aluno, o que significa para o aluno estar aquém do nível dos
outros alunos, o que significa precisar do apoio de outrem para realizar ati-
vidades. Raramente questiona-se o que faltou no processo de escolarização.
Para uma melhor compreensão desta questão é necessário consi-
derar o contexto histórico, social e econômico no qual a escola se insere.
Seguindo a lógica neoliberal que prega que o sucesso depende do empenho
e desempenho dos indivíduos, a escola culpabiliza o aluno por suas difi-
culdades de aprendizagem, eximindo-se de sua responsabilidade enquanto
agente participante na produção do fracasso do aluno. A culpabilização do
aluno por seu insucesso obscurece o papel da escola neste evento (GIRON,
2008).
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 77
 Por outro lado, assiste-se também a uma transformação no discurso
sobre o insucesso do indivíduo deslocando-se o foco para fatores sociais.
Passa-se de um modelo que parte de causas naturais como “dons” para ou-
tros fatores como a responsabilização de pais e professores pelo insucesso
do aluno sem que se atinja a lógica global do sistema deficiente que é a
da ordem social vigente (BOURDIEU & CHAMPAGNE, 1999). No que
diz respeito à responsabilização do professor, Angelucci e colaboradoras
(2004) afirmam:
Está presente nessa produção o pressuposto de que os alunos possuem
dificuldades de ordem emocional, cultural, etc., que podem ser sanadas
pelo professor se ele utilizar a técnica de ensino adequada. [...] prevê-se
o ajustamento da criança a uma escola que, baseada na técnica correta,
proporcionaria condições propícias ao desenvolvimento das potenciali-
dades dos aprendizes (ANGELUCCI, 2004, p. 61).
No geral, é possível observar que as explicações para o fracasso
do aluno com necessidades educacionais especiais são buscadas na própria
criança - com apoio nos diagnósticos médicos e psicológicos -, na família
e nos professores. Contudo, não se atinge a lógica global do funcionamen-
to escolar que não respeita os tempos de aprendizagem dos alunos - seja
alunos com deficiência intelectual ou altas habilidades e até mesmo alunos
com desenvolvimento típico -, que não prepara os professores para lidar
com as especificidades no desenvolvimento dos alunos, que não permite aos
professores ter tempo para planejar atividades diferenciadas.
Conclusão
Diante do que foi apontado, cabe questionar: qual o papel do psicó-
logo no contexto e no processo da educação inclusiva?
Um primeiro ponto a ser destacado nessa discussão é a contradição
78 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
presente na própria LDB (BRASIL, 1996) que no artigo 71 localiza o psicó-
logo assim como outros profissionais como despesas adicionais à educação.
Entretanto, anteriormente, no artigo 58, como discutido, salienta a oferta
de apoio especializado. Assim, o lugar e o fazer do psicólogo escolar ainda
não está pronto. Caberia à psicologia escolar questionar o processo de in-
clusão dos alunos com necessidades educacionais especiais considerando o
contexto histórico, social e econômico no qual a escola se insere.
É necessária a reflexão acerca da atuação do psicólogo escolar de
forma multidisciplinar e institucional, ou seja, juntamente com os profis-
sionais que atuam no âmbito educacional. Em relação ao exemplo discutido
anteriormente - dos estagiários que atuam na educação inclusiva - é pos-
sível pensar que o psicólogo pode contribuir com alguns elementos para a
formação desses profissionais, juntamente com o pedagogo com formação
em educação especial, ao pensar a adaptação curricular, de atividades e de
avaliação. Pensar a formação desses estagiários é com certeza contribuir
para que o aluno com necessidades educacionais especiais possa ser melhor
atendido. Entretanto ao pensar criticamente essa prática percebemos que
ela é adaptativa, uma vez que não altera as bases de um sistema educacional
não inclusivo.
Durante décadas permaneceu a ideia de que a prática do psicólogo
no interior da escola deveria ser pautada na avaliação de crianças e jovens
com dificuldades de aprendizagem, cujo objetivo final era separar os ap-
tos dos não aptos ao processo educacional. De acordo com Patto (2015), a
suposta diversidade teórica e metodológica presente na Psicologia Esco-
lar acoberta a verdadeira unidade ideológica presente neste campo, a qual
reafirma o papel subserviente assumido ao longo de sua história, seja na
conservação da estrutura da escola tradicional ou mesmo da própria ordem
social na qual ela se insere. Entretanto, Meira (2000) nos chama atenção
para o fato de que a necessidade de se fazer a crítica não pode nos tornar
cegos para as possibilidades significativas de avanços. É fato que o espectro
adaptacionista presente em grande parte da produção teórica e também
nas práticas tem se colocado como a face mais visível da Psicologia Escolar.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 79
Igualmente notória, é a dificuldade em se pensar em uma práxis transfor-
madora em um processo educacional não democrático, contextualizado em
uma sociedade marcada por injustiças e desigualdades.
O momento atual, segundo Guzzo e cols. (2010), é de tentar superar
esse modelo de atuação e produção de pesquisas, que dá ênfase aos proble-
mas como próprios do indivíduo, obscurecendo a crítica às condições de
desigualdade e exclusão que se naturalizam na sociedade. Isto também é
presente quanto aos alunos público alvo da educação inclusiva, como foi
possível observar com os exemplos citados anteriormente. Além disso, é
possível realizar um trabalho interdisciplinar no qual, entre outras atribui-
ções, ajudaria a garantir que o diagnóstico destes alunos não seja utilizado
como justificativa para seu não aprendizado.
O documento do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que sinteti-
za as discussões do Seminário Nacional do Ano da Educação aponta algu-
mas diretrizes e encaminhamentos para o trabalho do psicólogo escolar. Na
perspectiva do sistema conselhos, a Psicologia Escolar deve ter como prio-
ridade a construção de uma prática profissional comprometida com a in-
clusão social que seja capaz de romper definitivamente com as concepções
classificatórias, fragmentadas e individualizantes. O trabalho do psicólogo
escolar deve ser interdisciplinar e priorizar sua dimensão institucional, seja
no espaço educativo formal ou não formal. O trabalho deve reafirmar a
perspectiva de projetos coletivos e contextualizados com os sujeitos e os
cenários do espaço escolar/educacional. Ressalta ainda o documento que a
Psicologia Escolar deve ter o compromisso de resgatar a função social da
escola, que é a de possibilitar o amplo acesso aos bens culturais elaborados
no curso da história humana e promover a autonomia do indivíduo (CFP,
2009).
A relação entre a escola e a sociedade é contraditória e dialética.
Não cabe ao psicólogo a função messiânica de resolver tais contradições.
A sociedade não é inclusiva, logo escola também não o é, os processos de
segregação que acontecem como um todo na sociedade também acontecem
na escola. Temos avançado nessa discussão uma vez que as políticas educa-
80 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
cionais estão abordando a discussão sobre uma educação inclusiva, o que é
relativamente recente na nossa história. Entretanto a existência da política
não garante que a escola seja inclusiva.
Os avanços na concepção acerca da educação inclusiva são impor-
tantes representam mudanças positivas na escolarização de alunos com ne-
cessidades educacionais especiais. No entanto, o caminho para a construção
de uma escola inclusiva requer, necessariamente, a construção de uma so-
ciedade inclusiva. Está só será conquistada mediante o comprometimento
com a superação das condições que a torna excludente.
Assim, a educação é ao mesmo tempo meio e fim para esse processo
inclusivo: sem transformação na sociedade não há transformação na esco-
la; do mesmo modo, sem transformação na escola não há transformação
na sociedade. Qualquer saída para uma escola efetivamente inclusiva deve
propor uma mudança profunda no nosso sistema educacional, nas relações
de produção e, por consequência, no modelo social excludente.
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INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 83
 Tecnologias da informação e da comunicação
nas práticas pedagógicas inclusivas: formação
de professores e tecnologias assistivas
Sandra Maria de Oliveira27

Introdução

O senso escolar de 2016 demonstra que 57,8% das escolas brasilei-

ras têm alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento
ou altas habilidades e que 82% destes alunos estão incluídos em classes
comuns. Este avanço está em sintonia com os desafios propostos pelo Plano
Nacional de Educação - PNE (BRASIL, 2014), que explicita que o Brasil
deve universalizar o acesso à Educação Básica e ao atendimento educacio-
nal especializado (AEE), preferencialmente na rede regular de ensino, a
crianças e adolescentes de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades até 2024.
Os dados do Censo Escolar de 2015 (BRASIL, 2016) e 2016 (BRA-
SIL, 2017) revelam que as conquistas citadas anteriormente foram pre-
servadas, ou seja, não houve retrocessos. O total de matrículas desse pú-
blico específico aumentou cerca de 4% por ano (de 886.815, em 2014, para
971.372 em 2016). Da mesma forma, o percentual de matrículas em am-
bientes inclusivos continuou crescendo (de 698.768, em 2014, para 796.486
em 2016).
A regulamentação do Atendimento Educacional Especializado (AEE)
no Brasil passa pela elaboração de medidas tomadas pelo Ministério da Edu-
27
Doutora em Sociologia, com mestrado em História e Graduação em História e Pedagogia. Professora Titular
do Curso de Pedagogia da Faculdade Araguaia. Professora da SEDUCE-GO.

84 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 85

cação que tem como mote o documento publicado em janeiro de 2008 pelo
Ministério da Educação intitulado “Política Nacional de Educação Especial
na perspectiva da Educação Inclusiva” (BRASiL,2008a), o decreto nº. 6.751
de setembro de 2008 que dispõe sobre o AEE (BRASiL,2008b) e a resolução
nº 4, de 2 de outubro de 2009 (BRASIL, 2009), que é a proposta oficial para
as salas multifuncionais nas escolas públicas brasileiras.
O documento Política Nacional de Educação Especial na perspec-
tiva da Educação Inclusiva (BRASiL,2008a) versa sobre a orientação e
organização da Educação Especial nos sistemas educacionais brasileiros
tendo como perspectiva a Educação para a diversidade. De acordo com
essa política, a Educação Especial deve ser ofertada em todas as etapas e
modalidades de ensino através do Atendimento Educacional Especializado
(AEE), prevendo a disponibilização de recursos materiais e estratégias pe-
dagógicas diferenciadas para alunos com deficiência, independente de qual
seja, transtornos globais do desenvolvimento (TGC) e altas habilidades/
superdotação. Prevê também condições de acesso, permanência e aprendi-
zagem destes alunos nas salas regulares de acordo coma faixa etária dos
demais alunos, e responsabilidade da escolarização tanto do professor re-
gente como no professor especializado para turmas de AEE.
Giroto, Poker e Omote (2012), afirmam que sem recursos, materiais
e estratégias adequadas e adaptadas que atendam às necessidades educa-
cionais, torna-se difícil garantir participação nas atividades propostas, bem
como no processo de interação com outros alunos e professores. Importan-
te ressaltar que o AEE é um aspecto complementar do processo de ensi-
no-aprendizagem, e não substitutivo. Trata-se de uma proposta pedagógi-
ca que leva em consideração as limitações e deficiências, dando suporte e
criando metodologias de ensino adequadas para que haja aprendizagem dos
alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento (TGC) e
altas habilidades/superdotação.
Neste sentido, a reorganização do sistema educacional, na perspectiva
inclusiva, aponta para um novo modelo de escola e, consequentemente,
86 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
um novo modelo de formação docente que requer um professor prepa-
rado para atuar em uma escola pautada na atenção à diversidade, para
desenvolver sua prática pedagógica considerando diferentes modos de
aprender e ensinar, contrários a cultura escolar tradicional até então
vigente, historicamente excludente, seletiva, pautada em um modelo
de ensino homogeneizador. Deve assim assegurar recursos, estratégias
e serviços diferenciados e alternativos para atender às especificidades
educacionais dos alunos que necessitam do AEE. (GIROTO, POKER E
OMOTE, 2012, p. 12)
Já o decreto 6.571 (BRASIL,2008b) dispõe sobre o AEE e tem entre
seus objetivos a elaboração e utilização de recursos para que sejam feitos
os ajustes necessários para a aprendizagem dos alunos portadores de ne-
cessidades especiais. Assim, o AEE deverá ser efetivado sob a perspectiva
da consolidação de diversas ações, dentre elas a formação de professores
para o atendimento educacional especializado a ser realizado nas salas de
recursos multifuncionais, para que desenvolva competências para explorar
os materiais e recursos presentes nas salas de AEE.
Isso significa, dentre outras coisas, que possa tanto utilizar os recur-
sos existentes, como elaborar materiais e metodologias para alunos de AEE
e, orientar seu uso nas salas regulares. Estes materiais e recursos vão desde
os mais simples até os mais elaborados e que exigem uma formação mais
significativa, como é o caso das Tecnologias da Informação e da Comuni-
cação (TIC). As TIC são importantes instrumentos na inclusão a partir do
desenvolvimento de softwares que promovem grandes avanços ao ajudar nos
processos de ensino-aprendizagem e na interação com o ambiente escolar.
A resolução nº 4, de 2 de outubro de 2009 (BRASIL, 2009), trata es-
pecificamente da implantação das salas multifuncionais, para o atendimen-
to a ser realizado em escolas regulares ou ainda, em centro de Atendimento
Educacional Especializado da rede pública ou de instituições comunitárias,
confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, conveniadas com a Se-
cretaria de Educação ou órgão equivalente dos Estados, Distrito Federal
ou dos Municípios. Este atendimento deve ser oferecido no contraturno do
aluno matriculado em escola regular:
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 87
 Função complementar ou suplementar à formação do aluno por meio da
disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que
eliminem as barreiras para sua plena participação na sociedade e desen-
volvimento de sua aprendizagem. (BRASIL, 2009)
As tecnologias da Informação e da comunicação (TIC) se inserem
no contexto da educação inclusiva como um importante instrumento que,
quando ligadas ao processo de inclusão são denominadas de tecnologias
assistivas. Neste caso, ela pode apoiar a ação pedagógica de professores nos
processos de superação das limitações motoras, sensoriais, sociais e men-
tais, potencializando as capacidades dos alunos de AEE.
O senso escolar de 2016 (BRASIL, 2017) traz que 85,9% dos matri-
culados estudam em escolas conectadas à internet. Dessa forma, faz-se se
faz necessário um atendimento estratégico que ajudem na aprendizagem
dos alunos de AEE, pois independente da dificuldade do aluno, a função
social da escola é, para além de ensinar conteúdos programáticos, promo-
ver cidadania plena e, para tanto, a inclusão é um mecanismo para se atin-
gir esse objetivo. O atendimento a este público específico pode ser feito
por caminhos diversos, nem todos aprendem da mesma forma e nem pela
mesma estratégia, as limitações são diferentes. E as TIC tornaram-se im-
portantes nesse processo na medida em que a inclusão se torna necessária
para a qualidade de vida do aluno e também para que se sinta como parte
da sociedade.
1 - As tecnologias de informação e comunicação na edu-
cação: formação de professores.
As tecnologias de informação e comunicação (TIC) podem benefi-
ciar pessoas de várias formas. Quando se trata especificamente da educação
inclusiva, torna-se um material importante no processo de aprendizagem.
Mas, para que sejam utilizadas de maneira a efetivar um processo de ensi-
no-aprendizagem faz-se necessário a formação tanto dos alunos como dos
professores.
No mundo de economia globalizada é visível o surgimento e apri-
88 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
moramento das TIC que cada vez mais, se torna acessível a uma grande
parcela da população. Entretanto, há que se considerar que nem sempre
são utilizadas de forma correta ou com uma finalidade específica, que não o
entretenimento. Quando utilizadas a favor da educação, pode ser um fator
de busca por conhecimento. Busca esta que pode possibilitar que muitas
pessoas, se sintam inseridas no meio social em que vivem.
É fácil perceber que o mundo, com todas as suas representações sociais
e culturais, vem sendo profundamente modificado com o advento das T
ecnologias de I nformação e C omunicação (TIC). Os diferentes e ino-
vadores ambientes de interação e aprendizado possibilitados por essas
tecnologias surgem como fatores estruturantes de novas alternativas e
concepções pedagógicas. As possibilidades tecnológicas hoje existentes,
as quais viabilizam essas diferentes alternativas e concepções pedagó-
gicas, para além de meras ferramentas ou suportes para a realização de
tarefas, e constituem elas mesmas em realidades que configuram novos
ambientes de construção e produção de conhecimentos, que geram e
ampliam os contornos de uma lógica diferenciada nas relações do ho-
mem com os saberes e com os processos de aprendizagem. (GALVÃO
FILHO, 2012, p. 66)
As TIC possibilitam o aprendizado de alunos de AEE que nelas po-
dem encontrar apoio para aprender ou para se comunicar tornando-se um
importante mecanismo que vai além do aprender, mas que passa a ser sinô-
nimo de qualidade de vida. Segundo Galvão Filho (2012), uma sociedade
mais permeável a diversidade, questiona seus mecanismos de segregação
e vislumbra novos caminhos de inclusão social da pessoa com deficiência,
TGC ou altas habilidades/superdotação.
Existe o equívoco no meio educacional e dos formuladores de po-
líticas públicas que acreditam ser necessário a disponibilidade de um alto
valor financeiro na aquisição dos recursos didáticos para alunos de AEE.
Desconsidera-se assim, que existe um número incontável de possibilida-
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 89
des, de recursos simples e de baixo custo, que podem e devem ser dispo-
nibilizados nas salas multifuncionais, devemos considerar também que es-
tes recursos exijam disposição e criatividade, muitos materiais podem ser
transformados, e dependem dos esforços e ajuda dos próprios professores.
(GALVAO FILHO,2012, p.65)
Quando se trata de TIC, os professores devem percebê-las como
facilitadoras no processo de ensino-aprendizagem para a inclusão de crian-
ças com necessidades de atendimento especializado. Segundo Santos (2010,
pg. 53), “o educador deve explorar os recursos tecnológicos como facili-
tadores no processo de aprendizagem e de inclusão escolar e acreditar na
aprendizagem destas crianças”. Professores tem uma função primordial na
aprendizagem por meio destes recursos. A partir do momento que aluno
tem acesso ao material tecnológico necessário à facilitação de sua aprendi-
zagem, é importante que haja um mediador nesse processo.
As TIC têm cada mais adentrado o ambiente escolar, exigindo
transformações nas práticas pedagógicas e portanto, na formação de pro-
fessores. Entretanto, os cursos de pedagogia e das demais licenciaturas ain-
da não conseguem dar uma formação suficiente para que os profissionais
da educação possam ter domínio sobre estas novas ferramentas. Isso se
torna ainda mais crítico quando trata-se dos profissionais que atuam há
mais tempo. Ou seja, vivemos um momento que apesar do investimento por
parte dos gestores públicos em instrumentos tecnológicos diversificados,
professores não sabem como utiliza-los corretamente ficando subutilizados
ou utilizados de forma errônea.
Em relação ao uso das TIC no AEE, a situação é ainda mais grave. A
ausência de profissionais capazes de utilizar os recursos de tecnologia
assistiva enviados pelo Estado para as salas de recursos multifuncionais
pode prejudicar ou mesmo impedir o desenvolvimento dos alunos que
dependem, muitas vezes, dessas ferramentas tecnológicas para terem
acesso ao currículo e participarem das atividades propostas em sala de
aula. (GIROTO, POKER E OMOTE ,2012, p. 18).
90 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
O debate entorno da inclusão leva em consideração o convívio com a
diversidade no contexto escolar. Para tanto, é necessário dispor de recursos
específicos e estratégias de ensino diferenciadas que garantam condições de
acessibilidade tanto ao currículo quanto a convivência no meio escolar e até
mesmo social. As TIC aplicadas de formas corretas à educação podem ser
ferramenta de acesso dos alunos de AEE a uma educação inclusiva, que seja
norteada pelos princípios básicos do direito à educação e a formação cidadã.
O processo de aprendizagem dos alunos que fazem parte das tur-
mas de AEE necessita de materiais e recursos especializados. As TIC são
importantes mecanismos no contexto de possibilitar o acesso ao currículo,
porém, muitas vezes os profissionais da educação que atuam nessa área
desconhecem ou subutilizam os recursos de tecnologias assistivas dispo-
níveis. Isso acaba por dificultar o impacto positivo que podem causar na
possibilidade de inclusão, escolar ou social, destes alunos.
É necessário que se pense em políticas públicas que garantam a for-
mação de professores para o uso das tecnologias em quaisquer que sejam os
objetivos de ensino. Porém, no caso dos profissionais especializados nessa mo-
dalidade de ensino a preocupação com o despreparo em dominar as tecnologias
assistivas se torna mais eloquente, pois retira do aluno de AEE possibilidades
de aprendizagem que ele não terá condições de acessar por outros recursos.
A formação de professores para o uso das TIC foi proposta para o
curso de graduação em Pedagogia na resolução nº. 01 do Conselho Na-
cional de Educação de 2006. Especificamente no artigo 5º consta que o
profissional pedagogo deve estar apto a relacionar linguagens dos meios
de informação e comunicação à educação, mostrando domínio das TIC a
processos de aprendizagem significativos. (BRASIL, 2006)
Entretanto, os cursos de Pedagogia mesmo dispondo de disciplina
especifica para o uso das TIC, ainda não dispõe das ferramentas necessá-
rias ou não possuem em sua base curricular a discussão necessária ao uso
das tecnologias para a inclusão de alunos de AEE, dificultando assim, a
assimilação por parte dos profissionais para a proposição de experiências
pedagógicas significativas para esta modalidade de ensino.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 91
 A ênfase na discussão sobre o uso das TIC na escola, de modo geral e,
em particular, na educação de pessoas com deficiências, TGD ou altas
habilidades/superdotação, que constituem a demanda para o AEE, per-
mite a desconstrução de idéias equivocadas que perpassam a compre-
ensão sobre essa temática no ambiente escolar, além de possibilitar o
acesso, principalmente por parte de professores que atuam no sistema
de ensino, quer seja no ensino regular, quer seja no AEE, a subsídios
teóricos e práticos que fomentam o conhecimento e o uso apropriado
de diferentes recursos tecnológicos presentes na escola, tais como: a te-
levisão; o computador; a internet; as imagens; softwares; entre outros.
(GIROTO, POKER E OMOTE ,2012, p. 22).
É necessário a conscientização de que as TIC não substituem pro-
fessores. Pelo contrário, são ferramentas didáticas que podem auxiliar na
aprendizagem dos alunos. Por isso a importância de formação dos professo-
res para que haja a competência e a habilidade necessárias para a formulação
de metodologias adequadas para que aconteça a mediação entre o conheci-
mento e o aluno de AEE, tornando assim, imprescindível o conhecimento
dos professores sobre as TIC e como utilizá-las no contexto da educação
inclusiva, construindo práticas pedagógicas inerentes estes alunos.
2 - Possibilidades de intervenção pedagógica com uso
das tecnologias assistivas na educação inclusiva
O termo tecnologia assistiva é utilizado para denominar e identifi-
car recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habi-
lidades funcionais de pessoas com deficiência e/ou limitações, promovendo
melhora na qualidade de vida, independência e inclusão. No Brasil este
conceito foi introduzido no ano de 2006, por meio da Secretaria Especial
dos Direitos Humanos da Presidência da República que criou, através da
portaria 142 o Comitê de Ajuda Técnica, denominado CAT, formado por
especialistas para ajudarem na formulação de políticas públicas voltadas
para as Tecnologias Assistivas.
A rede pública de ensino possui financiamento para adquirir equi-
92 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
pamentos de tecnologia assistiva através de programas: Salas de Recursos
Multifuncionais, Escola Acessível e do próprio FUNDEB. O Ministério da
Educação introduziu o Serviço de Tecnologia Assistiva nas escolas públi-
cas por meio do Programa “Salas de Recursos Multifuncionais” (SRMF).
As SRMF são espaços onde o professor especializado realiza o “Atendi-
mento Educacional Especializado” (AEE) para alunos com deficiência, no
contraturno escolar. O programa Escola Acessível disponibiliza verba di-
retamente na escola na promoção da acessibilidade arquitetônica e compra
de recursos de tecnologia assistiva.
Ao se apropriar do conhecimento sobre o uso das TIC na educação
inclusiva, sobretudo no que se refere as tecnologias assistivas, os professo-
res podem propor estratégias para o atendimento educacional dos alunos
portadores de deficiências, TGC ou altas habilidades/superdotação. As tec-
nologias assistivas se enquadram não apenas como apoio aos professores e
alunos, mas também como suporte a orientação de uma mediação pedagó-
gica apropriada para estes alunos.
Espera-se que os professores de AEE reconheçam as necessidades
de recursos pedagógicos e de recursos de Tecnologia Assistiva necessárias
à participação de seus alunos nos desafios de aprendizagem que acontecem
no dia a dia da escola comum e nas salas regulares. É necessário que tra-
balhe junto ao aluno auxiliando-o no uso da tecnologia. Esta ferramenta é
importante para professores, alunos e escola de um modo geral, pois visa a
superação das barreiras e a participação do aluno no cotidiano escolar.
Utilizar a tecnologia como elemento de inclusão significa apropriar-
-se de material específico para proporcionar a equidade de possibilidades
de aprendizagem em sala. Quando um determinado aluno não consegue
utilizar as mãos para digitar por exemplo, é necessário a intervenção. Essa
intervenção é feita por meio de um material desenvolvido para possibilitar
que este aluno se torne capacitado para tal função.
No nosso trabalho educacional, portanto, utilizamos adaptações com
a finalidade de possibilitar a interação no computador. Há alunos com
deferentes graus de comprometimento motor, sensorial e/ou de comu-
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 93
 nicação e linguagem, em processo de ensino-aprendizagem. Ou seja, se
utiliza o computador por meio da tecnologia assistiva. (GALVÃO FI-
LHO,2008, p.54)
O computador e os programas que eles possuem ajudam os alunos
das turmas de AEE a superarem suas limitações. Isso se dá através de di-
versos mecanismos, pois existem programas especiais que possibilitam ao
aluno a interação com a máquina. A interação social e afetiva também se
torna um fator importante para o aprendizado destes alunos. Dessa forma
temos que jovens e crianças que precisam de atendimento especializado,
seja por qual motivo for, encontram nas TIC um vasto ambiente de possibi-
lidades, onde os recursos podem ser de baixo custo, ocasionando qualidade
de vida e respeito as suas limitações, quando se considera que estes alunos
tem a capacidade de aprender, desde que dadas as condições e respeito em
relação ao tempo necessário e as potencialidades de cada um.
A Tecnologia Assistiva (TA) vem dar suporte para efetivar o novo para-
digma da inclusão na escola e na Sociedade para Todos, que tem abalado
os preconceitos que as práticas e os discursos anteriores forjaram sobre
e pelas pessoas com deficiência. No entanto, o emprego das tecnologias,
por mais promissor que possa ser, está invariavelmente sujeito as res-
trições de ordem cultural, econômica, social e convém examinar com
realismo. Existe uma tensão entre as possibilidades oferecidas pela tec-
nologia (elas próprias em mutação constante) e as condições de sua apli-
cação: o sistema social e educacional e os modos de gestão devem abrir
espaço à tecnologia em um determinado nível de desempenho. (GAL-
VÃO FILHO; MIRANDA, 2012, pg. 01)
A inclusão é um dos grandes desafios para a educação, principal-
mente quando se refere a pessoas com deficiência física, paralisia cerebral
ou com algum tipo de sequela provocada por acidente ou doença, tendo um
papel importante na vida dessas pessoas por ser um instrumento de socializa-
94 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
ção. Nesse sentido, as TIC inseridas no contexto educacional são fundamen-
tais nesse processo, pois é um importante aparato no auxílio do desenvolvi-
mento da aprendizagem. Entretanto, a inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais no ensino regular implica mudanças nas atitudes e nas
práticas pedagógicas dos profissionais que participam do processo pedagó-
gico, da organização e da gestão na sala de aula e na própria escola enquanto
instituição. (GALVÃO FILHO; MIRANDA, 2012, pg. 03)
Segundo Galvão Filho e Miranda (2012) é na sala de recursos mul-
tifuncionais que os alunos têm a possibilidade de aprender a utilizar os
recursos de tecnologia assistiva, cujo foco é o desenvolvimento da sua au-
tonomia. Entretendo, segundo os autores, estes recursos não podem ser
exclusivamente utilizados nessas salas, pois a sua utilização encontra maior
sentido quando os alunos os utilizam no ambiente escolar comum, como
apoio a sua escolarização. O aluno deve estar apto a utiliza-los na sala de
aula regular, na família e nos demais espaços sociais dos quais faz parte.
O computador, por exemplo, pode dispor de uma série de programas
que utilizados de forma adequada, são importantes ferramentas didáticas
para a aprendizagem dos alunos que necessitam de atendimento educacio-
nal especializado, por possuir recursos de imagem, som, animações e efeitos
especiais, tornando o conteúdo mais acessível. Existem na internet, diver-
sos sites onde podemos encontrar programas para download ou online, que
tem como intuito facilitar a aprendizagem destes alunos.
Galvão Filho (2012), divide as tecnologias assistivas em ambiente
educacional em três grupos. O primeiro grupo trata-se das adaptações
físicas ou órteses28 e que são utilizados por pessoas com paralisia cerebral.
Neste caso, um exemplo são as pulseiras de pesos que tem por objetivo
diminuir a amplitude do movimento e tem um abdutor de polegar com pon-
teira que serve para ajudar o aluno na digitalização. Outro exemplo, é a tec-
nologia da haste fixada na cabeça para digitação, este objeto contém uma
ponteira onde o aluno ao movimentar a cabeça pode procurar a tecla do
computador, e a partir da ajuda do objeto escrever ou jogar, por exemplo.
28
Adaptações físicas ou em orteses: Todos os aparelhos ou adaptações fixadas e utilizadas no corpo do aluno e
que facilitam a interação do mesmo com o computador.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 95
 O segundo grupo são as adaptações de hardware29. Podemos citar
como máscaras de teclado ou colmeia, que são objetos desenvolvidos para
serem colocados sobre o teclado do computador, para serem utilizados com
quem tem maior dificuldade na coordenação motora, facilitando o manuseio
com as teclas. No caso dos alunos que possuem dificuldades tanto na coor-
denação motora como intelectual, o mesmo objeto pode ser utilizado, porém
com tampões que tem a função de esconder algumas teclas, deixando expos-
tos apenas as teclas necessárias ou que o aluno vai utilizar no momento.
O terceiro e último grupo são os Softwares especiais de acessibili-
dade30. Estes softwares são programas desenvolvidos para simular teclado
e mouse. Estes simuladores permitem que pessoas tetraplégicas, ou que
possui pouca visão, possam se comunicar e trabalhar, ele funciona com um
pequeno microfone que é colocado perto da boca do aluno, onde ele sopra
e o programa executa. Este programa possibilitou que muitas pessoas te-
traplégicas, que nunca escreveram antes, possam escrever, desenhar e par-
ticipar de jogos on-line.
Estes são exemplos de como os computadores podem ser adaptados
para atender alunos com deficiência física e motora. Entretanto, existem
ainda diversos programas para atender as diferentes demandas da inclusão,
dentre elas a deficiência visual, ou para alunos com TGC e altas habilida-
des. Para cada necessidade, existem tecnologias da informação e da co-
municação disponíveis. Porém, a utilização correta desse mecanismo exige
formação, pesquisa e metodologias pedagógicas adequadas.
Considerações finais
Na perspectiva da educação inclusiva, as tecnologias da informação
e da comunicação (TIC), podem favorecer a ampliação das possibilidades
29
Adaptações de hardware: Todos os aparelhos ou adaptações presentes nos componentes físicos do computador,
nos periféricos, ou mesmo, quando os próprios periféricos, em máquina.
30
Softwares especiais de acessibilidade: São os componentes lógicos das TIC quando construídos como Tecno-
logia Assistiva. Ou seja, são os programas especiais de computador que possibilitam ou facilitam a interação do
aluno com deficiência com a máquina.
96 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
de aprendizagem dos alunos que necessitam de atendimento especializado,
podendo facilitar sua participação nas diversas atividades que compõe a
rotina escolar.
Entretanto, apesar de estarmos vivenciando na atualidade o que se
chama de sociedade da informação, este é um movimento educacional que
depende de diversos fatores para que tenha o mínimo de êxito. O primeiro
fator, é o que tange a própria perspectiva da inclusão e suas variadas nuan-
ces. Existe ainda uma dificuldade de compreensão teórica sobre este tema
por parte dos professores o que acarreta na falta de habilidades e compe-
tências para desenvolver metodologias adequadas de ensino-aprendizagem
para estes alunos. Importante citar ainda, que a maioria dos professores
das turmas regulares desconhecem os marcos legais da inclusão escolar no
Brasil, causando assim um descompasso entre os professores de AEE e os
de turmas comuns, onde na verdade, deve haver total interação.
O segundo fator é a falta de instrumentos concretos nas escolas,
onde a gestões escolar não dá tanta ênfase para a aquisição de materiais de
apoio para os professores de AEE, que trabalham na maioria das vezes sem
computador e, quando possuem é limitado, não tendo computadores que
atendam a quantidade de alunos ou mesmo tendo, estes não dispõem de sof-
twares e adaptações necessárias ao desenvolvimento da aprendizagem. Na
maioria das vezes, acabam se tornando defasados, obsoletos e subutilizados.
O terceiro e último fator, é o que diz respeito a formação continuada
de professores para o uso das TIC em ambiente escolar, sobretudo nas salas
de AEE. Falta por parte dos governantes políticas públicas que enfatizam
esta demanda específica e, por parte dos professores, o interesse, a disposi-
ção, as condições ou até mesmo o tempo necessário à esta formação.
Desse modo, as TIC oferecem um leque de opções para as mudanças
estratégicas pelas quais precisam passar as mediações pedagógicas para
o efetivo processo de ensino-aprendizagem dos alunos de AEE. Mas, es-
barram em problemas de ordem estrutural como as demais demandas da
educação pública brasileira.
Assim, faz-se necessário um olhar de tolerância e respeito para com
as limitações individuais dos alunos que carecem de atendimento educacio-
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 97
nal especializado, entretanto faz-se necessário também um olhar a partir - EDUFBA, 2012, p. 247-266.
das perspectivas de tornar esta modalidade de ensino como prioridade para GIROTO, Claudia Regina Mosca; POKER, Rosimar Bortolini;
o processo de inclusão, dando o suporte para a aquisição de bens mate- OMOTE, Sadao. Educação especial, formação de professores e o uso das
riais e para a formação de profissionais qualificados para que esta demanda tecnologias da informação e da comunicação: a construção de práticas peda-
educacional ocorra de forma a garantir aprendizagem e cidadania, direito gógicas inclusivas. In: As tecnologias nas práticas pedagógicas inclusivas.
constitucional básico, que não faz qualquer distinção sobre as condições de GIROTO, Claudia Regina Mosca; POKER, Rosimar Bortolini; OMOTE,
aprendizagem individuais. Sadao. (org.). Marília: Oficina Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmi-
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em tempo de educação inclusiva. In: As tecnologias nas práticas pedagó-
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ca; POKER, Rosimar Bortolini; OMOTE, Sadao. (org.). Marília: Oficina
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volvimento e a aprendizagem em contextos educacionais inclusivos. In: As
tecnologias nas práticas pedagógicas inclusivas. GIROTO, Claudia Regina
Mosca; POKER, Rosimar Bortolini; OMOTE, Sadao. (org.). Marília: Ofici-
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(Org.); MIRANDA, T. G. (Org.). O professor e a educação inclusiva: forma-
ção, práticas e lugares. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia

98 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 99

 Globalização, educação, inclusão?
Perspectivas no ensino regular
Adelmar Santos de Araújo31
Hélio Augusto de Rezende Filho32
Valkiria Rufino dos Santos33

Introdução

Objetiva-se, com este trabalho, compreender as relações entre edu-

cação e inclusão social e educacional no contexto da globalização em curso
no Brasil. Em termos metodológicos, foram analisados documentos oficiais
e textos em geral (artigos e trabalhos acadêmicos, livros etc.) sobre o tema,
sempre levando-se em consideração a necessidade de problematizar e con-
tribuir com o debate.
O artigo está dividido em três seções. A primeira traz uma discus-
são mais geral acerca da inclusão e da educação no contexto da globali-
zação, a partir de questões levantadas por Sander (2005), Santos (2016) e
outros teóricos. Em seguida discute-se o Programa Bolsa Família (PBF)
enquanto direito humano do cidadão e como ponto de partida para interro-
gar qual a melhor política pública para o enfrentamento da pobreza. Para
tanto se retoma, dentre outros textos e documentos, a Declaração Univer-
sal dos Direitos Humanos (1948) e a Silva e Silva (1997). A terceira seção
traz uma retrospectiva de marcos importantes na construção da educação
inclusiva no ensino regular com base em Costa e Leme (2015), Dellani e
Moraes (2012), Frias (2008), Mantoan (2003), dentre outros autores.
31
Doutor em Educação. Professor Pesquisador do Centro de Educação Popular e Pesquisas Econômicas e Sociais
– CEPPES/RJ e da Rede Estadual de Educação de Goiás.
32
Mestre em Sociologia, graduado em Direito. Professor de Direitos Humanos.
33
Prof.ª Esp. Rede Estadual de Educação de Goiás.

100 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 101

1 - Globalização, educação, inclusão?
A globalização iniciada com as grandes navegações seguiu um per-
curso que aparentemente estava dado: encurtar o mundo, aproximar pes-
soas. Todavia, o trajeto sinuoso da história nos proporciona um cenário
bem mais complexo. No emaranhado de relações criaram-se barreiras sem
precedentes no traçado de linhas que se cruzam. E, constantemente, nos
apresentam “novos e poderosos cenários que marcam profundamente a
sociedade, a educação, o trabalho e toda a atividade humana” (SANDER,
2005, p. 18).
Do ponto de vista econômico, seguem-se algumas observações.
A economia global interconecta todos os países dentro de um sistema
mundial extremamente desigual, no qual existe um centro formado por
economias com alta renda, forte produtividade e poder de condicionar
e dominar as economias de menor desenvolvimento e riqueza. Essa
economia mundial globalizada produz um desenvolvimento desigual e
combinado articulado de forma sistêmica. É característica desse sistema
uma grande instabilidade com períodos longos de alto crescimento e ou-
tros de baixo crescimento ou mesmo de acréscimo e recessão (SANTOS,
2016, p. 195).
O processo de globalização
impõe às nações o desafio de abrirem-se ao fluxo do mercado mundial
promovido pela universalização do capitalismo. Ao mesmo tempo, cada
país necessita criar estratégias próprias, locais e em blocos regionais
para manter sua identidade e soberania (ALMEIDA, 2003, p. 33). A
questão da soberania e das tomadas de decisões se mostra premente
frente aos organismos internacionais que invadem e suprimem interes-
ses locais (ARAÚJO, 2013, p. 64-65).
102 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Em termos práticos tem-se o seguinte.
Os Estados abarrotados de recursos que seus bancos centrais atiram
pela janela (para os fundos dos bancos internacionais e nacionais aos
quais estão associados) em pagamentos de altos juros de falsas dívidas
públicas, ao depositar essas reservas em bancos estadunidenses que pa-
gam juros cada vez mais baixos, realizam depósitos em divisas em plena
desvalorização, isto é, o dólar. Além disso, o Banco Central do Brasil
particularmente utiliza massivos e inflacionários recursos públicos (in-
clusive emissões) para comprar dólares, pretendendo conter (sem resul-
tados contundentes) a valorização exagerada da moeda nacional (o real).
Produz-se assim uma exportação de lucros, juros e outras rendas de
capitais externos que debilitam nossa situação fiscal e cambial, quando
se deveria aproveitar essas reservas para realizar investimentos sociais,
produtivos e de infraestruturas necessários para o desenvolvimento da
região (SANTOS, 2016, p. 199).
Ora, o deslocamento constante de recursos nacionais, que poderiam
ir para infraestruturas diversas, e resolver ou amenizar problemas graves
de ordem estrutural, certamente amplia o fosso entre aqueles que neces-
sitam e as possíveis fontes provedoras de suas necessidades. E quando se
pensa o Brasil no contexto latino-americano após o “dilúvio neoliberal” e
sua “cruzada privatista” (BORÓN, 1995) as projeções são ainda mais in-
quietantes.
A fusão da crise fiscal com o discurso auto-incriminatório do Estado que
propagam os porta-vozes do neoliberalismo levou diversos governos da
região a adotar políticas tão selvagens quanto imprudentes – e, em al-
guns casos, altamente corruptas – de desmantelamento de agências e
empresas estatais ou paraestatais, cujos resultados, em termos da pro-
visão de bens públicos, são até agora francamente negativos (BORÓN,
1995, p. 79).
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 103
 Em face da significativa propagação da pobreza na América Latina,
o autor aponta como missão do Estado esboçar um conjunto de “leis so-
ciais que neutralizem e corrijam os desequilibrados efeitos das ‘falhas’ do
mercado, que na América latina demonstraram uma colossal inaptidão para
resolver os problemas da educação, da moradia, da saúde, do meio ambiente
e do crescimento econômico” (BORÓN, 1995, p. 83) sob pena de pagar um
elevado custo por não fazer nada.
No campo da educação, segundo Benno Sander (2005, p. 78), as orga-
nizações internacionais, em parceria com as regionais influenciam o
processo de formulação de políticas públicas e orientam o desenvolvi-
mento da educação pelo mundo a fora. Em relação às experiências lati-
no-americanas, tem-se a ação da Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), da OEA, do BID e do Bird
(ARAÚJO, 2013, p. 65).
Florestan Fernandes (1989), a partir de uma perspectiva da totalida-
de histórica, aponta elementos indicadores da responsabilidade cotidiana dos
sujeitos sociais no âmbito do dinâmico movimento e da ação criativa, frente à
tensão entre o macro e o micro. Observem-se essas duas relações dialéticas:
1º) a transformação da Educação depende, naturalmente, de uma trans-
formação global e profunda da sociedade; 2º) a própria Educação funcio-
na como um dos fatores de democratização da sociedade e o sentido de
qualquer ‘política educacional democrática’ tem em vista determinadas
transformações essenciais da sociedade. Em termos de uma visão sin-
tética e totalizadora, diríamos que educação e democratização da socie-
dade são entidades reais e processos concretos interdependentes – um
não se transforma nem pode transformar-se sem o outro; ambos se de-
terminam reciprocamente e qualquer política educacional ‘democrática’
teria de levar em conta essa totalidade histórica dinâmica e criadora.
(FERNANDES, 1989, p. 13)
104 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Nesse jogo é fundamental que se tenha a clareza da necessidade de
potencializarem-se as possibilidades através de um ininterrupto e pacien-
cioso trabalho educativo, dentro e fora da escola. Contudo, o avanço da
globalização da economia e da atividade humana,
aumenta o desafio de defender e preservar nossa identidade cultural nos
esforços de reforma educacional. Uma das indicações desse desafio é a
tentativa de regulamentação, pela Organização internacional do Comér-
cio (OMC), do ensino como produto globalizado. Esse movimento in-
ternacional se observa especialmente no ensino superior. Temos diante
de nós o desafio de desenvolver uma instituição universitária aberta ao
universal, mas subordinada aos interesses e às aspirações locais. (SAN-
DER, 2005, p. 86)
O movimento de transformação no princípio das relações humanas
e sociais fomentado pelo processo de globalização em curso globaliza o
capital, a tecnologia, a gestão, a informação, os mercados internos, a violên-
cia, as frustrações. Tudo isso converge para uma transformação do mundo
do trabalho, sua organização e na produção de bens e serviços, como se o
ideário neoliberal fosse a “única via possível da sociabilidade humana que,
logicamente, torna-se cada vez mais utilitarista e individualista, reafirman-
do o liberalismo conservador” (FERREIRA, 2003, p. 11).
Porém, fica evidente que a estrutura da economia global inviabiliza
quaisquer intenções de se ampliar a distribuição de renda. Pois o fator que
motiva o investimento e a “expansão produtiva no capitalismo está deter-
minado pela busca do lucro e do monopólio da atividade econômica, que é o
resultado necessário da competição desbragada dos proprietários e dos in-
divíduos concentradores em sua busca de prazer e poder” (SANTOS, 2016,
p. 207). Assim intensificam-se a espoliação e a exclusão de pessoas mundo
a fora, cuja pobreza se expressa nos 2 bilhões de seres humanos que vivem
com uma renda inferior a seiscentos dólares por ano.
Dessa maneira, as possibilidades via educação se esvaem, se mini-
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 105
mizam. Para o autor, “existe uma correlação muito alta entre desigualdade
social e êxito escolar” (SANTOS, 2016, p. 209). E enquanto cresce o núme-
ro de seres humanos excluídos da vida social, especialmente do processo
educacional, os privilegiados ampliam suas riquezas, dentre elas o conhe-
cimento.
2 - Programa bolsa família (pbf): direito humano do ci-
dadão
Ao pensarmos sobre política social a ser adotada no Brasil, um dos
aspectos a ser destacado, em meio a esta distância abismal criada neste
país entre as classes sociais é tentar compreender de que forma a noção
de pobreza se assenta na sociedade, ou, do que ela vem a ser, na medida
da responsabilidade do Estado, em face de suas consequências que sempre
ressurgem agonizantes e se polemiza num viés ideológico de conveniente
contorno lúgubre. Isso desafia-nos com a pergunta, sobre qual a melhor
política pública para o seu enfrentamento. Certamente, temos aí a busca de
uma identidade a ser trabalhada neste país se considerarmos valores pos-
tos e compreendidos pelos diferentes indivíduos, cujo convívio, na socieda-
de brasileira significaria prover uma ação solidária numa escala subjetiva,
conquanto se veiculada, objetivamente, no âmbito de suas instituições.
Para tanto, o processo de proteção social para os brasileiros, parti-
cularmente os de baixa renda, desde a Constituição Federal de 1988, tem
dado à seguridade social, o amparo legal na sua forma institucional, seja a
assistência social, saúde e previdência. Porquanto, ao debruçarmos aqui so-
bre o programa de transferência de renda para famílias pobres problemati-
za-se, sobretudo, aquele por seu aspecto não contributivo; um problema de
aprofundamento social para uma política social que requer financiamento,
e uma efetiva gestão participativa dos conselhos de políticas públicas nos
Estados e Municípios. É o que podemos exemplificar, especificamente, o
programa de bolsa família (PBF) é um programa de transferência de renda
do Governo Federal, sob condicionalidades, instituído no Governo Lula
106 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
pela Medida Provisória 132, de 20 de outubro de 2003, o qual reduz a de-
sigualdade para famílias carentes com melhoria para o atendimento à sua
saúde e incentivo a educação dos filhos.
Destarte, esse programa que ampliou e unificou programas anterio-
res encontra, desde então, contumaz oposição, por vê-lo como assistencia-
lista, cuja manutenção da pobreza torna-se conveniente a uma imediatici-
dade eleitoral; não obstante, esse fator medrar negativamente, aos poucos
se desvanece diante do resultado de um trabalho que responde na forma
sócio distributiva, por seus objetivos alcançados, frente ao desenvolvimen-
to econômico a ser contemplado por todos. Vale dizer que estamos falan-
do, precipuamente, do acompanhamento da saúde de mulheres gestantes
que devem manter a vacinação em dia e a educação de crianças de seis a
dezessete anos com frequência na escola, fatores condicionantes que dão
a contrapartida para esse programa social que investe no capital humano.
Nesse sentido, para as transferências de renda, além do Bolsa Família, para
aqueles de extrema pobreza, remanesce o de renda cidadã, o qual também
alcança famílias de renda social mínima, pois, a sua universalização, advém
da sociedade para complementar a renda daqueles que não têm uma pro-
dução participativa direta da riqueza do país, por sua exclusão. Porquanto,
para esse extremo, impõe-se uma imediata solução, que é direta e neces-
sária, mas paliativa, por se consubstanciar de um pernicioso fomento que
tende a se perpetuar nas gerações seguintes, uma vez que a educação dos
filhos -, fator condicionante ao benefício social, está amealhada pela mesma
precarização; é quando passamos a entender que a educação vincula-se de
forma precária à bolsa família.
Ora, a educação de qualidade deverá prover, por sua durabilidade,
o PBF, que veio para ser provisório, mas assemelha-se, por sua escassez, e
ser, para este, a sua própria causa de existência. A inexistência desta garan-
tia educacional, com qualidade, dentre outras garantias socioeconômicas
mínimas, ao povo, oficializa um réquiem a se instituir com um solene e
perverso requinte institucional, sobremodo por estar alheio a um efetivo
processo transformador. Como olvidar que, só a educação pode alevantar
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 107
oportunidades igualitárias! Torna-se providencial esclarecer que já na Eu-
ropa, mais que nos EUA, esse embate ideológico, sobre o chamado Esta-
do de Bem-Estar-Social, (Welfare State), assim definido após a segunda
grande guerra ganhou grande projeção, pois, o desenvolvimento industrial
ampliou as riquezas materiais e problemas sociais advindos daí. Na contra-
mão disto, aqueles do liberalismo econômico num entrevero político, que
se arrasta até hoje questionam o liame que compatibilize as riquezas com
a diminuição das desigualdades sociais. Ou seja, até quando haveremos de
cavoucar e plantar nesta seara para colher uma resposta? Se ela se encontra
entremeada ao processo de desenvolvimento, já sabemos que há na política
desenvolvimentista, uma primazia tendenciosa a diminuir os serviços as-
sistenciais reconhecidos por uns como simplesmente uma intervenção esta-
tal na economia, outros, por sua vez, reconhecem como direitos sociais por
compreender no seu teor valorativo, mais do que a significante melhoria
nos padrões de qualidade de vida dos cidadãos, mas consubstanciado como
um direito do cidadão.
Torna-se relevante que, o mundo atravessado pela economia glo-
balizada, mergulhou milhares de jovens no desemprego, os quais se so-
mam àqueles necessitados de programas sociais, a exemplo, do Programa
de Bolsa Família, sejam eles, categorizados de hipossuficientes, e de várias
faixas etárias. Esse é o panorama de países como o Brasil, que tende a se
ressentir mais do que os países desenvolvidos por não contar com uma
plataforma industrial de tecnologia avançada, ora, isso tem efeito cascata
quanto à distribuição de renda com efeito no seu próprio sistema previden-
ciário. É possível compreender que o contexto global de competição tecno-
lógica é causa que não se leva em conta, ainda quando se vê o subemprego
tender a se alastrar com a reforma trabalhista. Porquanto, para a atividade
laboral, nesta “inovadora” pobreza encontram-se muitos desqualificados
para o mercado de trabalho com graves repercussões na desestabilização
das estruturas familiares, o que irrompe para a sociedade males de uma
sobrevivência violenta a que muitos inativos estarão subjugados a necessi-
tarem dos benefícios que só podem sair de arrecadação provida pelos ativos
108 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
no mercado. Urge que a sociedade amplie a necessidade de se repensar uma
nova questão social cuja reformulação se possa redesenhar uma renovada
e protetiva ordem social que relacione trabalho e produção. Com o desen-
volvimento tecnológico, a produção pode ocorrer independentemente do
trabalho humano, permitindo que a constituição das rendas se desvincule,
mais e mais, da atividade produtiva. (SILVA E SILVA, 1997, p.19).
Nesse sentido o comitê dos direitos humanos da ONU estabelece
que a “formulação e a implementação das estratégias nacionais para o direi-
to à alimentação requerem obediência total aos princípios de responsabili-
dade, transparência, participação, descentralização, capacidade legislativa e
independência do judiciário.”
Há de se ressaltar a relevância para os Programas de Renda Mínima
no combate à fome e à pobreza no sistema social europeu, posto que seja
uma política pública que trabalha em prol da autonomia e a independência
dos seres humanos em face dos mecanismos engendrados pelo mercado.
Há um desafio para a gestão de política pública no Brasil em que a falta de
saneamento básico e a falta de água potável, amplia a incidência de doenças
e isso perpassa pelas instituições de ensino. Convergi-las às instituições de
proteção social são parte integrante do Estado democrático de direito, mas
que hodiernamente tendem a se precarizar por não conceber a todos uma
renda mínima que lhes assegure o mínimo para a dignidade via universali-
dade do sistema de proteção social; a se justificar como um direito humano
propalado na carta das nações unidas. E o que é o direito para a sociedade
que ao criá-lo passa a se submeter aos seus efeitos -, de controle social, para
o processo isonômico de justiça? Ora, aos vulneráveis, a eles se destinam
direitos que a legislação lhes assegura. O que lhes possibilita, e há aí um
esforço para que possam litigar em igualdades de condições preconizadas
desde o artigo 5º, inciso LXXIV da Constituição da República Federativa
do Brasil, que consagra a prestação pelo Estado de assistência jurídica in-
tegral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. O ideal
é, durante o tempo determinado do programa de bolsa família – benefício
mais direto à mãe, por se vincular a educação do filho e o programa de
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 109
renda mínima, ao adulto, também de extrema pobreza, terem, respectiva-
mente de médio e curto prazo efetivo apoio por parte do Estado na busca da
emancipação, profissional. Contudo a inserção desses beneficiários na vida
profissional, há alguns anos se problematizou nos atuais processos indus-
triais, seja por aqueles movidos por uma capital volátil - que busca rápidos
ganhos em curto prazo, e que se assenta sobre países cujo parque industrial
é de tecnologia avançada, outrossim, também na China, por conduzir sua
produção a um baixo custo à revelia dos direitos trabalhistas. Ora, isso se
apresenta de forma dispare e “não vistas” pela Organização Mundial do Co-
mercio (OMC) se levarmos em conta que o Brasil, especificamente, perde
mercado para os manufaturados da China que inundam o comercio mun-
dial; é quando, países produtores de commodities como Brasil que depende
de investimentos externos, sistematicamente têm perdido muitos postos de
trabalho. A questão que nos apresenta, para uma política pública, é como
promover a inserção do beneficiário ao mundo do trabalho uma vez que
está fragilizado pelas grandes corporações, as quais, ao migrar o seu volátil
capital interfere no Estado na sua relação com o setor financeiro no fim de
saldar suas dívidas públicas. Porquanto, pensemos o caso da reinserção do
beneficiário a uma atividade laboral, a qual não se daria por um trabalho es-
tável, e mesmo não economicamente produtiva, mas legitimador do direito
a uma renda mínima.
Isso, segundo Ferreira (1997), “representaria uma dissociação his-
tórica e estrutural em relação ao valor que a categoria trabalho representa
para os atuais sistemas de proteção social estruturados na lógica assisten-
cial/ seguros sociais” (FERREIRA, 1997).
A busca da legitimação do direito, tratada aqui, como direito dos
vulneráveis ao benefício, via programa Bolsa Família, vincular-se-ia às
condições já estabelecidas, seja a saúde e a escolarização do filho, aliado
a um efetivo programa educacional, o que retiraria a obrigatoriedade da
atividade economicamente produtiva; nesse sentido, depreende-se desse le-
gitimar, entre direitos e obrigações, justa condição por neles se articular, o
princípio da solidariedade social. Nesta perspectiva o ente da federação que
110 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
ganha importância por suas instituições numa direta relação com as neces-
sidades locais é o município; este estaria de forma transparente, nas infor-
mações e nas ações participativas objetivamente eficazes na subordinação
a dispositivos instrumentais de exigibilidades administrativas dos direitos.
3 - Retrospectiva de marcos importantes na construção
da educação inclusiva no ensino regular.
A Educação inclusiva busca sanar perdas históricas, promovendo
uma prática pedagógica voltada para um ensino “multifacetado”, dinâmico
e flexível no sentido de reestruturar o ensino aprendizagem compatível
com a diversidade da gama de alunos existentes na escola contemporânea.
Nesse sentido a revisão do PPP como instrumento de recursos das unida-
des escolares necessita contemplar o atendimento à diversidade, os currí-
culos devem ser flexibilizados, mas, principalmente os professores devem
ter na agenda escolar o aperfeiçoamento de habilidades no trato com as
diferenças, necessidade e aparato primordial no atendimento desse alunado
diversificado. Pois, inclusão tem por meta proporcionar uma melhor qua-
lidade de vida, sem preconceitos, segregações ou estigmas ou mesmo ro-
tulações, para que os sujeitos possam realmente gozar da cidadania plena.
A legislação ressalta que os alunos com deficiência devem frequen-
tar a sala de aula com a turma regular e ter atendimento no AEE (Aten-
dimento Educacional Especializado) no contra turno, preferencialmente
na mesma unidade escolar. Para ter acesso ao material de apoio relativo
às necessidades dos alunos com deficiência matriculados na escola, a Se-
cretaria de Educação deve enviar ao MEC um plano de ações articuladas
consonantes com a demanda e especificidades das respectivas necessidades
das salas de AEE. Nesse sentido, a Educação Inclusiva ganha visibilidade
a partir do PNE (Plano Nacional de Educação) que traça em torno de 20
metas a serem cumpridas pelo Brasil em 10 anos. Além do PNE há outros
instrumentos relacionados a Inclusão Educacional tais como: Decretos,
Portarias, Resoluções, notas técnicas e leis que corroboram com os debates.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 111
A Educação Especial ou Inclusiva estava sob a responsabilidade da (SE-
ESP) Secretaria de Educação Especial do Ministério de Educação (MEC)
até 2011, atualmente essa pasta está vinculada à (SECADI) Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão.
De acordo com a primeira Conferência da Rede Americana de Or-
ganizações não Governamentais de pessoas com Deficiência e suas famílias,
ocorrida em Caracas (Venezuela) nos dias 14 a 18 de outubro de 2002, de-
clararam o ano de 2004, o “ano das pessoas com deficiência e suas famílias”.
Também em 2002 a Declaração de Madrid definiu o parâmetro con-
ceitual para a construção de uma sociedade inclusiva, visando os direitos
dos cidadãos com deficiência. Já em junho de 1994 com a Declaração de Sa-
lamanca/Espanha, a UNESCO realizou a Conferência Mundial sobre Ne-
cessidades Educativas Especiais, objetivando acesso e qualidade; esta Con-
ferência teve como signatários 92 países, dentre eles o Brasil, cujo principal
objetivo foi delinear um plano: “todos os alunos devem aprender juntos,
sempre que possível, independentemente das dificuldades e diferenças que
apresentem.” Assim, nasce o que hoje se conhece por Educação Inclusiva
ou especial. Aos 14 de dezembro foi assinada a resolução 45/891 da ONU,
a qual solicita ao mundo “uma mudança no foco do programa das Nações
Unidas no quesito deficiência pedindo mais que conscientização, partindo
para uma real ação, com o comprometimento de êxito global até o ano
2010”, conforme Portal Educação (19/08/2017).
Segundo Frias (2008) apud Sassaki (2005), se desejamos falar ou
escrever construtivamente numa perspectiva inclusiva, sobre qualquer as-
sunto de cunho humano, é imprescindível conhecer e usar corretamente os
termos técnicos, pois a terminologia correta é especialmente importante
quando abordamos assuntos tradicionalmente carregados de preconceitos,
estigmas e estereótipos.
De acordo com Aranha (1995, p. 64) “o movimento pela integração
do deficiente é um produto de nossa História. Precisamos, entretanto, apre-
ender seu significado real para que possamos efetivá-lo como instrumento
de transformação da sociedade”.
112 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Para a autora
multiplicam-se as leituras de deficiência, representadas por diferentes
modelos; permanece, em certa proporção, o modelo metafísico, coexis-
tente com o modelo médico, o modelo educacional, o modelo da determi-
nação social e, aparecendo neste final do século, o modelo sócio-constru-
tivista ou sócio-histórico. A origem do fenômeno, portanto, permanece
sendo de natureza sócio-política- econômica, embora sua leitura seja
feita em diferentes dimensões, aparentemente desvinculada dessa rea-
lidade. (p.66).
Em síntese, discute-se que a intencionalidade da normatização é
uma ideologia que representa uma necessidade de incluir a deficiência do
indivíduo em uma sociedade mais ampla e complexa, ajudando-o a ter con-
dições de atingir padrões de mobilidade equiparadas o mais próximo pos-
sível da vida cotidiana dos demais indivíduos. Observa-se a importância de
compreensão do processo inicial da deficiência, pois dessa maneira facilita
uma definição mais precisa do problema. Isto diminui as possibilidades da
prática de estereotipar indivíduos.
Nesse sentido os debates sobre Educação Inclusiva avançam bus-
cando inserir gradativamente novos focos de direcionamentos, tanto na
formulação de Leis e documentos afins quanto em discussões acerca da
temática em conferências, fóruns, revistas especializadas em Inclusão, tra-
balhos acadêmicos, etc. Por exemplo, a revista Inclusão (Edição Especial,
v.4. nº1 Janeiro/junho2008, p.4/6) traz na integra uma entrevista com Fer-
nando Haddad, então ministro da Educação sobre as Políticas educacionais,
na qual o ministro esclarece alguns pontos importantes na questão da In-
clusão. Na entrevista foi abordado se o esforço para a superação da exclu-
são educacional poderia retroceder ou conseguir avançar sem entraves no
processo de adaptação, ao que o ministro esclarece:
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 113
 O debate evidenciou concepções diferenciadas acerca da educação es-
pecial, o que qualifica o processo, levando toda a sociedade a refletir
sobre a perspectiva da educação inclusiva. O movimento pela inclusão
repercute e os grupos sociais avançam e se apropriam dos conceitos que
estão sendo consolidados. A inclusão educacional é, hoje uma realidade
balizada pela evolução dos marcos legais e declarações internacionais,
onde o papel do MEC é definir uma política que estabeleça o diálogo
com todos os segmentos da sociedade.
De acordo com Costa e Lemes (10/2015), a tradição de se fazer
política a favor dos interesses de um grupo em detrimento da coletividade,
traz percalços para propostas que são impostas ao invés de se conscientizar
dos problemas balizadores em determinada realidade. Assim, as autoras
apoiando-se em Bobbio (2004), defendem que o direito não é algo dado ou
mesmo conquistado, mas, sim um processo impregnado de interesses con-
frontados, que desembocam em decretos, declarações, leis, dentre outros
que potencializam a legitimidade das ações:
A linguagem dos direitos tem indubitavelmente uma grande função
prática, que empresta uma força particular às reivindicações dos mo-
vimentos que demandam para si e para os outros a satisfação de novos
carecimentos materiais e morais; mas, ela se torna enganadora se obs-
curecer ou ocultar a diferença entre o direito reivindicado e o direito
reconhecido e protegido. (BOBBIO, 2004, p.9).
As autoras apontam que os avanços educacionais são decorrentes de
lutas de cunho democrático que visam uma sociedade de oportunidades e
igualdades sociais para todos. No entanto ressaltam a meta 04 que promul-
ga a universalização da educação inclusiva não abarca o ingresso e perma-
nência de todos os alunos no ensino dito regular. Deixando clara a relação
“dialética” entre direito e o dever no sistema educacional. Direito esse, que
114 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
na contemporaneidade concentra-se na Educação Inclusiva.
Segundo Costa e Lemes:
A educação que temos direito e pela qual lutamos por sua efetivação em
práticas sociais que se convertem em meios de superação das desigual-
dades, da discriminação, da segregação e da manifestação do preceito,
possibilitando a experiência da inclusão entre os indivíduos em uma so-
ciedade humana. (p.9).
Dellani e Moraes (2012, p. 3) entendem que “a inclusão é uma ino-
vação, cujo sentido tem sido muito distorcido e polemizado pelos mais di-
ferentes segmentos educacionais”.
Para esses autores a inclusão escolar continua sendo caminhos com-
plexos, a devida efetivação dessa modalidade de ensino é ainda incipiente
e com muitos entraves a serem solucionados, pois que a maior dificuldade
está no fato de que não há o reconhecimento do “outro” como diferente,
sintetizando a não aceitação das diferenças, logo não há a superação de
paradigmas tão arraigados na cultura social e isso, dizem os autores, são
frutos de nossa história. Citando Mantoan (2003) os autores explicam
que “a inclusão escolar faz repensar o papel da escola e conduz a adoção
de posturas mais solidárias e para a convivência”, pois esse é um conceito
novo que carece de tempo para ser abstraído, implementado; necessita de
mudança nos paradigmas, nas concepções educacionais, e principalmente
na prática pedagógica.
Assim, segundo Dellani e Moraes (2012) incluir requer mudança de
postura, de crítica, de novos olhares, uma vez que a escola não é uma “es-
trutura pronta e acabada”. Portanto, exige uma mudança de mentalidade,
de reflexão, de valorização da diversidade humana.
Nesse sentido, refletir acerca da Inclusão Educacional ainda requer
um projeto de currículo e de práticas pedagógicas que possam nortear os
inúmeros caminhos que devem ser trilhados nessa nova demanda do ensino
aprendizagem. De acordo com Matos e Mendes (2014, p. 36), “atores e au-
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 115
tores são desafiados a construir saberes capazes de responder às demandas
do cotidiano escolar relacionadas à convivência e aprendizagem na diversi-
dade”. Para as autoras, a teoria relacionada a esta temática implica entender
a diversidade como “construção histórica, cultural e social das diferenças”,
o que significa que as relações de poder estão relacionadas ao contexto
social. Portanto, as lutas propostas pelos movimentos que “politizam” o
reconhecimento e o direito às diferenças são de extrema importância na
sociedade dita democrática.
Mendes e Matos (2014) também questionam o currículo no senti-
do de propor mudanças nas políticas públicas, no projeto pedagógico, que
possa provocar efeitos reais nas Leis das diretrizes curriculares, propondo
um “lugar de luta e respeito pela diversidade”. Pois, segundo as autoras, os
debates relacionados à concepção dos diferentes modos de confeccionar as
diretrizes no quesito inclusão, já é um processo globalizado.
Desse modo, as autoras entendem que o que hoje se conhece como
inclusão Educacional é, na verdade, “uma proposta de aplicação prática no
campo da educação”. Prática esta que
implicaria na necessidade de reformas educacionais, prevendo alterações
nos currículos, nas formas de avaliação, na formação dos professores,
nas estruturas físicas das escolas e na adoção de uma política educacio-
nal mais democrática (MENDES E MATOS, 2014, p.39).
Pois, segundo as autoras:
tratar a exclusão ou a inclusão escolar apenas como uma questão de
ordem epistemológica representa uma redução, uma vez que qualquer
proposta de inclusão precisa considerar simultaneamente os aspectos
sociais, econômicos e político-culturais nela envolvidos. (apud Neto,
2005)
Para tanto, o debate sobre a inclusão deve ter um cunho mais amplo
devido à complexidade e diversidade sociocultural dos sujeitos envolvidos,
116 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
pois as diferenças foram historicamente construídas de forma “hierarqui-
zadas”, excluindo grupos, marginalizando parcelas da sociedade e, princi-
palmente, levando ao ostracismo os “diferentes”, impedindo-os de exercer
a plena cidadania.
Mantoan (2003) afirma que “estamos ‘ressignificando’ o papel da
escola com professores, pais, comunidades interessadas e instalando, no seu
cotidiano, formas mais solidárias e plurais de convivência. É a escola que
tem de mudar, e não os alunos para terem direito a ela!” E que o nosso papel
não é desempenhar pedagogia de “saberes” fechados e fragmentados, distri-
buídos em tempos e disciplinas aprisionados nas grades curriculares. Pois:
A perspectiva de se formar uma nova geração dentro de um projeto
educacional inclusivo é fruto do exercício diário da cooperação e da fra-
ternidade, do reconhecimento e do valor das diferenças, o que não exclui
a interação com o universo do conhecimento em suas diferentes áreas
(MANTOAN, 2003, p. 8)
A inclusão escolar é um grande desafio, pois a noção de inclusão
e integração estão situados em polos opostos quando, na verdade, deve-
riam compor um mesmo todo, de modo radical e sistemático, nos ambientes
educacionais denominados regulares. Ou seja, para a autora “toda criança
precisa da escola para aprender e não para marcar passo ou ser segregada
em classes especiais e atendimentos à parte.” (MANTOAN, 2003, p. 8-15).
O contexto educacional atualmente encontra-se saturado de raciona-
lidade, propondo modalidades de ensino, tipos de serviços, grade curricular;
burocratizando assim a estrutura sistêmica organizacional da Educação, e
com isso o modelo educacional demonstra sinais de fragilidade, de esgota-
mento, de esvaziamento de ideias, revelando assim, uma crise “paradigmá-
tica” em momentos de mudanças na mentalidade social. Isso sem falar na
organização curricular que fragmenta o conhecimento, em vez de inter-re-
lacioná-lo, com o contexto histórico, retirando a perspectiva de multidimen-
cionar a complexidade os problemas e soluções do cotidiano escolar.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 117
 Relações de poder presidem a produção das diferenças na escola, mas a
partir de uma lógica que não mais se baseia na igualdade como categoria
assegurada por princípios liberais, inventada e decretada, a priori, e que
trata a realidade escolar com a ilusão da homogeneidade, promovendo
e justificando a fragmentação do ensino em disciplinas, modalidades de
ensino regular ou especial, seriações, classificações, hierarquias de conhe-
cimentos. Por tudo isso, a inclusão é produto de uma educação plural,
democrática e transgressora. Ela provoca uma crise escolar, ou melhor,
uma crise de identidade institucional, que, por sua vez, abala a identidade
dos professores e faz com que seja ressignificada a identidade do aluno.
O aluno da escola inclusiva é outro sujeito, que não tem uma identidade
fixada em modelos ideais, permanentes, essenciais. O direito à diferença
nas escolas desconstrói, portanto, o sistema atual de significação escolar
excludente, normativo, elitista, com suas medidas e seus mecanismos de
produção da identidade e da diferença. (MANTOAN, 2003, p.19).
Considerações Finais
A fragilidade política deste nosso atual Estado Democrático de Di-
reito vem sendo requentada pela mídia no direcionamento da opinião pú-
blica em detrimento do que realmente deve prevalecer, ou seja, o mercado
tem assumido um protagonismo nefasto diante de um direito social cons-
titucional visto na Carta Magna no artigo 6º que afirma que são direitos
sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desampara-
dos, na forma desta Constituição. Antes mesmo, já estabelece no Art. 3º
como princípio fundamental da República Federativa do Brasil e anuncia
no seu inciso III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as de-
sigualdades sociais e regionais.
Reconhecer uma política pública como um direito humano tem sis-
tematicamente aberto uma fronteira em relação ao pensamento neoliberal,
que se contrapõe a isso por apoiar na dinâmica natural do mercado. Quando
118 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
olhamos para as políticas de proteção social, percebemos que o processo
desencadeador se situa no conceito que se tem do salário mínimo no Brasil.
Sempre celebrado, há nele o cômodo vínculo ao discurso humanitário e
filantrópico, referente aos bens sociais que, sob os cuidados do poder man-
tenedor referenda uma respeitável distância entre as classes sociais. Dife-
rentemente de um termómetro, cujo calor dilata o mercúrio, o salário não
corresponde proporcionalmente à ascensão do produto interno bruto. Jus-
tamente por não haver mecanismos tais para este acondicionamento, tende
haver na natureza do trabalho injustificado controle, por sua precariedade,
a partir de sua intermitência.
Quanto à questão da inclusão educacional de alunos com deficiên-
cia, este artigo buscou relacionar a prática e a teoria em perspectiva na
Educação Inclusiva no Ensino Fundamental, a partir da Lei nº 13.146, de
julho de 2015. Verificou-se que o debate acerca da Educação Inclusiva ain-
da está aquém da necessidade real de enfrentamento, pois se dá no âmbito
da incapacidade do indivíduo. Dessa maneira constata-se a existência de
problemas sérios, sobretudo, advindos da desigualdade de oportunidades
e da presença indesejada de uma experiência significativa de uma prática
discriminatória no país, com raízes históricas. Contudo, a adesão do Brasil
à Convenção da ONU (2006), dando direitos aos portadores de necessida-
des especiais a uma Educação inclusiva nas escolas de Ensino regular pode
sinalizar rumo a possibilidades de amadurecimento das discussões e de me-
lhorias para o setor. Mas, isso não será possível sem forte enfrentamento às
contradições do mundo global, sob a égide do capital.
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122 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Temple, Donna e Tito:
idiomas de corpos com TEA
Ana Beatriz Machado de Freitas34
Introdução
As necessidades educacionais especiais – na legislação brasileira
elencadas como deficiências intelectuais, sensoriais e físicas; transtornos
globais do desenvolvimento (como o autismo) e altas habilidades/superdo-
tação (BRASIL, 2010) – têm merecido maior atenção na contemporaneida-
de por parte das políticas públicas educacionais, sobretudo frente ao desafio
de concretizar a perspectiva educacional inclusiva, firmada internacional-
mente pela Declaração de Salamanca em 1994 (UNESCO, 1998).
Na esteira dos fundamentos da Conferência de Educação para To-
dos, de 1990, a Declaração veio chamar o poder público à responsabilidade
para com o alunado que requer diferenciais de atendimento para que possa
aceder à escola e nela aprender, locomover-se, comunicar-se e interagir
com os pares da mesma faixa etária. Para tanto, esses alunos precisam de
recursos (materiais e humanos) que lhes garantam condições satisfatórias
de aprendizagem, autonomia, sociabilidade e desenvolvimento humano.
Nesse propósito, a Educação Especial deixa seu tradicional formato de es-
colarização apartada do sistema educacional regular e passa a transversali-
zar este último, constituindo-se atendimento de caráter pedagógico desti-
nado a dirimir empecilhos à aprendizagem e convivência na escola, sempre
que necessário.
Torna-se fundamental, nessa perspectiva, conhecer sobre as ne-
cessidades educacionais especiais (ou específicas). No entanto, há que se
34
Doutora em Educação pela PUC Goiás. Pedagoga e psicopedagoga. Área de atuação: educação especial e inclu-
siva. Professora do IFG-Câmpus Goiânia Oeste.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 123
questionar: o conhecimento sobre elas, enquanto entidades clínicas, seria
suficiente para o empreendimento de uma intervenção pedagógica e rela-
cional/comunicativa eficaz? Um perfil geral de cada entidade clínica deter-
mina um padrão de ensino, ou seja, um tipo de intervenção conforme tão
somente o diagnóstico médico? E, ainda que estejamos atentos e obedien-
tes aos critérios da ciência, a quem escutamos para tomar decisões?
Situados historicamente como objetos do campo médico, os alunos
com algum tipo de deficiência ou transtorno do desenvolvimento são atendi-
dos (“tratados”) conforme prescrições de especialistas que se pautam em diag-
nósticos gerais quanto ao funcionamento orgânico, as quais nem sempre se
coadunam com os anseios, necessidades e potencialidades dos sujeitos. O Con-
gresso de Milão de Surdo-Mudez, por exemplo, realizado em 1890, decidiu
pela proibição das línguas de sinais na educação de surdos, pois supostamente
estas prejudicariam o desenvolvimento da fala. O Congresso foi conduzido por
especialistas ouvintes, aos quais foi delegado o direito a voto. Aos surdos ali
presentes, ao contrário, não foi conferido o direito de votar (STROBEL, 2009).
Portanto, vozes silenciadas antes mesmo do silenciamento oficial.
Em relação ao transtorno do espectro do autismo (TEA), os sujeitos
que o apresentam também são enunciados por outrem, sem que tenham
oportunidade de se enunciar. Ainda que verbalizassem, seria impossível
um discurso de consciência da própria condição, visto que estariam em um
estado de permanente autós, ou seja, centrados em si mesmos, sem consci-
ência da realidade ao redor, como que confinados em um mundo próprio
(SACKS, 2006). A vocalização, quando produzida, tão somente indicaria
repetitividade de sons ou palavras ouvidas, mas não autoria.
No entanto, isso mudou quando Temple Grandin, em meados de
1980, nos Estados Unidos, lançou sua autobiografia. Posteriormente, ou-
tras vieram a público. O conhecimento desses relatos torna-se fundamental
para a comunidade científica - incluindo educadores - , uma vez que abrem
a compreensão dos motivos que levam à exibição de determinados compor-
tamentos. Motivos que, à luz de observadores (olhar externo), sugeriam-se
irracionais ou eram identificados como estereotipias.
124 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
A ausência da fala – ou suas limitações de expressão - aparece com-
binada, aos olhos dos falantes e ouvintes, com um corpo desorganizado que
gesticula muito ou balbucia e cujos movimentos são descoordenados ou
desastrados. No entanto, ao tomarmos conhecimento do “olhar de dentro”
dos sujeitos, começamos a identificar uma leitura lógica de suas corporei-
dades, uma linguagem, como nos casos de TEA dos quais aqui trataremos.
1 - Leituras do perceber - o que dizem os sujeitos com
TEA?
A autoria verbal/escrita de sujeitos com autismo traz a público
o que Sacks (2006) denomina “inside narrative”, isto é, um discurso que
venha de dentro, que parta do sujeito, algo cientificamente considerado
impossível desde a descrição do autismo – em 1943 por Leo Kanner. A
publicação da autobiografia Emergence: labeled autistic, por Temple Gran-
din, em 1985 (traduzido no Brasil como “Uma menina estranha”), deixou
inicialmente em dúvidas à comunidade científica sobre a congruência com
o diagnóstico da autora (SACKS, 1995). No entanto, atualmente não só
ratifica-se o diagnóstico, como também é reconhecido que Temple é uma
pesquisadora sobre o espectro.
Seus escritos posteriores trazem outros relatos de experiências pes-
soais e de outras pessoas com TEA. Em comum, o confronto com a incom-
preensão daqueles não se enquadram no espectro e o esforço para se fazerem
comunicantes, linguagem para o outro, não só pela palavra, mas também pelo
corpo em sua expressão e movimento. Posteriormente, outros autores com
espectro autista ganharam destaque internacional, como a artista australiana
Donna Williams e o jovem escritor Tito Mukhopadhyay, da Índia.
Dentro dos limites deste artigo, falaremos acerca dos relatos desses
três autores e, a seguir, teceremos considerações sobre a pertinência de
compreender características de percepção e seus impactos na constituição
da corporeidade, com base no referencial fenomenológico do filósofo Mau-
rice Merleau-Ponty (2011).
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 125
2 - Temple Grandin
Temple Grandin, 70 anos de idade, nascida nos Estados Unidos,
foi diagnosticada esquizofrênica, em princípio, e mais tarde como autista
de alto funcionamento. Frequentou uma escola especial, de onde saiu para
cursar ensino superior. Graduou-se em Psicologia, concluiu Ph.D em Ciên-
cia Animal, é engenheira, professora universitária e palestrante. Tornou-se
célebre por ter desenvolvido um sistema de abate do gado (e engenhos para
tal) econômico e com reduzido estresse para as reses.
Adotado em grande parte no Canadá e Estados Unidos, esse siste-
ma fundou-se na compreensão do raciocínio e da percepção dos animais,
que seriam, segundo a idealizadora, semelhantes à lógica de autistas. Em
seu livro Na língua dos bichos (GRANDIN; JOHNSON, 2006) destaca que
frequentemente é chamada para “ver o que os outros não veem” com rela-
ção a comportamentos irritadiços exibidos por animais nas fazendas. Qua-
se sempre constata que o que os provoca são elementos que perturbam a
percepção sensorial, tais como: a sombra do movimento de pás do ventila-
dor, cores ou balanços de alguns objetos próximos, alterações de contraste
luz e sombra ou de texturas do piso, indução a um tipo de marcha que não
condiz como movimento natural (por exemplo, o gado movimenta-se em
circularidade e por isso pode entrar em estresse se obrigado a marchar em
fila indiana em um espaço estreito e no qual seja bruscamente reduzida sua
visibilidade).
Temple comenta que identifica com rapidez e precisão esses fato-
res e se surpreende como as pessoas não autistas sequer lembram disso
(GRANDIN; JOHNSON, 2006). Ela comenta que perturbações sensoriais
sempre a afetaram, principalmente as auditivas e táteis. Falar ao telefone
em um aeroporto, por exemplo, não lhe é possível, pois não consegue “iso-
lar” ou minimizar os ruídos de fundo. Todos os sons lhe afloram com muita
intensidade. Daí razão, como afirma, de muitos autistas taparem os ouvidos
(GRANDIN, 1992).
Em relação à hipersensibilidade tátil, isso se manifestava, segundo
126 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
declara, até na roupa. Certas texturas a incomodavam. Por consequência,
comportava-se “mal” socialmente, quando era vestida com uma roupa dis-
tinta da que usava no dia a dia. Não obstante, sempre desejou ser abraçada
e sentir a sensação confortável que as pessoas demonstravam sentir sob
esse ato; no entanto, afastava-se instintivamente porque, quando era abra-
çada, tinha a sensação assustadora de sufocamento por uma onda gigante
(GRANDIN, 1992, 2006).
A verdade é que não podia controlar a intensidade do gesto, o tom
ideal que transmitisse segurança, calma e conforto. Na juventude, ao ob-
servar como as reses pareciam se acalmar quando tinham seu corpo suave-
mente comprimido por tábuas de madeira, resolveu construir para si um
artefato semelhante, que ficou conhecido com o máquina do abraço e foi
utilizado terapeuticamente com outros autistas. Por meio de uma corda,
o sujeito “abraçado” pode controlar a intensidade da compressão sobre o
próprio corpo. Quando aperfeiçoou o invento recheando as tábuas de acol-
choados, Temple declarou sentir uma sensação nova: “sentimentos sociais”
(GRANDIN, 2006). E, conforme notou Sacks (1995), no convívio com a
engenheira, houve até modificações no tom de voz: tornou-se mais suave.
3 - Donna Williams/Polly Samuel (1963-2017)
Nascida na Austrália e registrada Donna, era mais comumente cha-
mada por Polly em seu círculo familiar e social mais próximo. Em 2015
mudou seu nome legalmente para Polly (Samuel é o sobrenome de casada).
Foi considerada uma criança psicótica. Sua fala era pouco compreensível
até os 9 anos de idade e seus sentidos e percepção, conforme declarado em
seu website, eram caóticos, surreais, fragmentados e constantemente em
mutação, como se flutuassem. Por outro lado, desenvolveu uma sofisticada
capacidade de identificar e memorizar padrões sonoros, imitá-los e modifi-
cá-los/parodiá-los (WILLIAMS, 2017).
Diferentemente de Temple Grandin, que se percebe como pensado-
ra visual (ou seja, como alguém que pensa com imagens e não com pala-
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 127
vras), Donna/Polly aprendia cinestesicamente - experimentando, tocando.
Sentia como se habitasse um corpo fragmentado juntamente com outras
numerosas partes de si, como se fosse composta por uma colcha de reta-
lhos. Alcançou expressivo desenvolvimento nas áreas artísticas - pintura,
escultura, música (instrumentos e canto), teatro, poesia e literatura. Gra-
duou-se em Linguística e tornou-se professora (WILLIAMS, 2017).
Em 1992 publicou sua autobiografia Nobody Nowhere, primeiro de
seus dez livros. Entre 1996 e 2012 exerceu atividades de consultora sobre
autismo. Daí em diante, com a saúde mais fragilizada por um câncer de
mama, aposentou-se da maior parte das atividades e viagens, mas conti-
nuou a manter seu website e vínculos com a arte até o fim da vida.
Donna é referida por Temple Grandin em um de seus livros (GRAN-
DIN, 2006). A autora comenta que Williams não conseguia ver e ouvir ao
mesmo tempo mantendo a atenção por inteiro; se escutava alguém falar,
perdia a “sintonia” do visual, e vice–versa; por isso preferia falar ao telefo-
ne, pois assim não se distraía olhando para o interlocutor.
Tal consideração chama a atenção, pois o que pode aparentar aversão
ao contato social, falta de educação, déficit de atenção ou estereotipia (“mania”)
do quadro autístico (evitar o contato visual), pode ser uma tentativa de auto-
-organização corporal, justamente para prestar atenção ao interlocutor, e não
evitá-lo.
Donna/Polly sintetiza que ser autista é ter dificuldade em manter
conexões. Rejeitando estereótipos em relação ao autismo, considerava que
o transtorno não existia concretamente (“o autismo”), mas sim uma série
de características decorrentes dele com as quais cada sujeito tinha de lidar,
conforme a intensidade com que se apresentam. Encontrou pessoas com
esse espectro muito mais empáticas, imaginativas e curiosas do que muitos
não autistas. A questão não seria, segundo ela, o que está oculto, mas sim o
que ainda não foi revelado a respeito (WILLIAMS, 1996).
128 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
4 - Tito Mukhopadhyay
Nascido na Índia em 1989 e hoje residente nos Estados Unidos,
Tito publicou sua autobiografia aos 11 anos, Beyond the silence: my life, the
world and autism, com escritos desde os seus 8 anos de idade. Na infância foi
diagnosticado com quadro severo de autismo, que incluía mutismo e supos-
ta deficiência intelectual. Não obstante, sua mãe, Soma, lia com frequência
para o filho e criou um método de comunicação pelo qual Tito apontava
letras em um tabuleiro. Assim, ele se desenvolveu de forma surpreendente
quanto à fluência na escrita, expressando elaboração – sintaxe, metáforas,
discurso poético, reflexões e autorreflexões – em nível muito acima do es-
perado para sua idade. Seu discurso verbal, por outro lado, é ainda muito
pouco desenvolvido.
Bialer (2016, p. 395-397) comenta a temática de um conto do autor,
The mind tree, metafórico e com teor claramente autobiográfico:
A árvore-mente, que é a narradora em primeira pessoa do conto, faz uma
distinção entre uma árvore-mente como ela e as outras árvores que são
somente plantas sem uma mente, incapazes de julgamento e de pensa-
mento, dotadas somente de instintos. Há também outros seres que são
dotados de uma mente como, por exemplo, a terra. A terra pode pensar
e sentir, mas assim como em relação à árvore, as pessoas não supõem que
ela seja sensível ou pensante. Uma das questões sobre as quais a árvore
reflete é o fato de que embora tenha deduzido que a terra tem uma men-
te, ela não consegue saber onde essa mente se localiza dentro do corpo
da terra (...) É interessante ressaltarmos a premente vontade da árvore
de estabelecer contato com os outros, mas essas várias tentativas de co-
municação não são compreendidas ou são imperceptíveis.
Na autobiografia (MUKHOPADHYAY, 2000) Tito refere a si na
terceira pessoa do singular – “ele” recusava-se a aceitar a existência de
seu corpo e acreditava ser um espírito; acreditava que havia um mundo
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 129
dentro do espelho e que as imagens desse mundo seriam tão reais quanto
os objetos ao seu redor. Essa viagem ao mundo do espelho, proporcionada
por sua imaginação, era o meio de se libertar dos ruídos do ambiente. Acre-
ditava também que, tão reais quanto suas mãos, eram as sombras destas,
projetadas na parede. Assim, quando anoitecia e as sombras desapareciam,
sentia-se abandonado. Tito as procurava por toda parte.
Assustador também foi o momento em que não conseguiu mover
os lábios para cantar, após a descoberta de que o som da canção cantada
pela mãe era enunciado pelos lábios. Ele tentou fazer o mesmo em frente
ao espelho, mas a imagem mostrada não exibiu movimento nem música. O
mundo da escrita – incluindo números e formas – figurou-lhe mobilidade
e possibilidade de transitar e criar por esses símbolos. Como ressalta, por
eles fluía sua imaginação – poder criar jogos e imaginar cartas e diálogos
possíveis com as palavras.
Tito declara sentir seus sentidos em hierarquia: percebe a audição
acima da visão e esta acima do tato (MUKERJEE, 2004). Dada à maior
sensibilidade auditiva, lhe é mais fácil prestar atenção às palavras e es-
crever a partir do que ouve (embora memorize visualmente muito bem as
formas e símbolos gráficos). Para ele é muito difícil prestar atenção às fisio-
nomias dos interlocutores e ao que eles falam, ao mesmo tempo. Prioriza,
então, a via auditiva e evita o contato visual, para não se desconcentrar da
apreensão das palavras. Conforme escreveu, essas interferências o levaram
a sentir o “mundo fragmentado percebido através de sentidos isolados”
(MUKERJEE, 2004). Sente a necessidade de balançar as mãos até sentir
seu corpo como um todo.
5 - Do discurso dos sujeitos com TEA a um olhar feno-
menológico sobre o corpo
Delineamos uma reflexão filosófica a partir dos autorrelatos dos
autores-sujeitos com TEA aqui referidos. Mais especificamente, reflexões
ancoradas na fenomenologia da percepção de Merleau-Ponty.
130 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Por que a fenomenologia? Trata-se de “(...) uma filosofia que re-
coloca a essência na existência, e não pensa que se possa compreender o
homem e o mundo de outra forma, que não seja a partir de sua ‘facticida-
de’”. (MERLEAU-PONTY, 2011, p.1). Em suma, todo fenômeno humano
só pode ser compreendido na imbricação homem-mundo, nos meandros
de sentido que o sujeito constitui em sua existência e à sua existência. E
o qualitativo dessa constituição depende, como aponta o filósofo, do modo
perceber e perceber-se.
Merleau-Ponty (2004, 2011) define o corpo como elemento sine qua
non da percepção, visto que dele depende o ser humano para entrar em
contato com o mundo. É pelo corpo que o sujeito o habita, e o qualitativo
do habitar depende de como esse sujeito é sensibilizado pela realidade em
questão. Nesse processo, constitui sua visão (ler/ver/pensar o mundo), que
nada mais é que a espessura, o desdobrar do pensamento sobre o quadro-
-realidade, ou melhor, a imersão nessa “paisagem”, à semelhança de um
pintor no movimento de expressá-la.
O filósofo assinala que “não há visão sem pensamento” e que “tudo o
que se diz e se pensa da visão faz dela um pensamento”. No entanto, ponde-
ra, “mas não basta pensar para ver. A visão é um pensamento condicionado,
nasce por ocasião do que acontece no corpo, é ‘excitada’ a pensar por ele”
(MERLEAU-PONTY, 2004, p. 30, grifo do autor).
Tomando essa perspectiva filosófica para a reflexão a partir dos au-
torrelatos de sujeitos com TEA, interrogamos: que elementos prestam-se à
atenção de cada corporeidade, que convocam o corpo a habitar/não habitar
o mundo, sob mais ou então menos intensidade?
Contextualizando, como compreender a imediata empatia de Tem-
ple Grandin por animais? Ela própria aponta justificativas científicas, de
semelhanças de neurofuncionamento entre autistas e animais no que con-
cerne à sensorialidade. Nada questionamos quanto a isso; não buscamos
identificar aqui um mecanismo de causalidade de um funcionamento, mas
entender o fenômeno e suas repercussões na existência. Grandin se con-
sidera eminentemente racional; acredita que não possui um inconsciente
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 131
e que suas emoções restringem-se às básicas, isto é, àquelas regidas pelo
nível biológico, e não pela complexidade das relações sociais. Assim, sente
raiva, medo, alegria ou tristeza, mas não emoções como o ciúme, por exem-
plo (GRANDIN; JOHNSON, 2006).
Como as pessoas não são transparentes na revelação das emoções,
para Temple é muito difícil apreender um enredo, seja ficcional, seja nas
relações da vida real. Precisou, por exemplo, estudar expressões fisionô-
micas e aprender o que cada uma significava. O sentido não lhe emergia
naturalmente (SACKS, 1995). Por outro lado, o comportamento animal lhe
fala, transparece sentido, porque realmente é o que se presentifica, regido
por emoções simples.
Apesar de Temple Grandin se declarar uma pessoa intelectual, de-
pende de um alicerce na emocionalidade. E isso não só na relação com os
animais, mas também no âmbito pessoal. Quando declara que somente
conseguiu sentir sentimentos bons (amor, gentileza) em nível interpes-
soal, após ter sentido conforto físico, abraçada confortavelmente de fato
(GRANDIN, 2006), deixa entrever que a “passagem” pelo corpo foi pri-
mordial, tanto para a empatia quanto para ser capaz de explicar o sensível
que lhe perpassou.
A multiartista Polly/Donna Williams não procura explicar de onde
vem sua fluente expressividade pelas artes, se é um processo inconsciente
ou não, se são habilidades savant. Até os três anos de idade ela não percebia
o próprio corpo no espaço nem como ele poderia se dirigir às pessoas como
linguagem (por gestos, entonações, expressões faciais), tampouco estava
consciente do que os outros esperavam de si. Posteriormente tornou-se um
árduo problema pessoal se comunicar e se fazer compreendida; demandava
esforço tentar sincronizar os movimentos do corpo, as expressões da face
e o tom de voz (WILLIAMS, 1996). Tal dificuldade remete ao conceito
merleau-pontyano de corpo próprio.
Segundo Merleau-Ponty (2011), o corpo, para se organizar enquanto
esquema corporal dinâmico e fazer-se “próprio”, precisa se mover com inten-
cionalidade, em sintonia na interação com o percebido, de uma forma natural,
não previamente racionalizada. Ele exemplifica o ato de atender ao telefone:
132 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
imediatamente, o corpo como um todo se esquematiza, isto é, assume um
“arranjo” (movimento dos membros, tônus muscular, preensão, tom da voz,
palavras) voltado a exercer a ação que o contexto o convoca.
Polly/Donna sente que seu corpo “pode”, ao tocar, escrever, ma-
nipular, pintar, moldar... A via tátil se enraíza no que o mundo oferece à
exploração e experimentação criativa para concretizar, ganhar forma. De
forma semelhante, a música e o movimento, mesmo abstratos, como ela
mesma observa, fazem-se tangíveis quando intervêm nos padrões vocais e
nos padrões de toque (WILLIAMS, 1996). Portanto, conferem ao sujeito o
poder de intencionalidade referido por Merleau-Ponty, de por o corpo em
jogo – corpo que é referido pela artista como peças de um quebra-cabeça - e
assim alcançar a desejada comunicação.
Os conflitos de perceber-se por inteiro nos contornos do corpo e de
habitá-lo no tempo e no espaço também aparecem nos relatos de Tito. Con-
jugar suas “duas personalidades”, como denomina - uma “pensante, cheia
de aprendizados e sentimentos” e uma “agente, estranha e cheia de ações”
– é um desafio (MUKERJEE, 2004). A metáfora da árvore-mente é reve-
ladora: o desamparo da árvore pensante vem do esforço em se movimentar
(portanto, fazer-se corpo próprio, movimentar-se com a intenção/intensi-
dade do desejo/”comando” impulsionado) e não concretizar o movimento
com suficiência para ser percebido. Além disso, a árvore sabe que há uma
terra que enraíza, que corporifica, mas ela (árvore) não se sente enraizada.
Conforme a fenomenologia de Merleau-Ponty (2011), o ser humano
se faz corpo-no-mundo sob um sentir, processo tão vital quanto a respira-
ção. E é esse quale que confere a espessura do perceber e a elaboração dos
sentidos de mundo e da própria existência daí decorrentes. Assim, o enrai-
zamento – semelhantemente ao abraço – é fundamental para a constituição
da personalidade.
Bialer (2016) reporta-se ao trecho do conto The mind tree em que
a árvore tenta se sustentar em vão contra um vento forte e receia que ele
lhe arranque as raízes. Quando um de seus galhos acerta um passarinho,
matando-o, é tomada por um sentimento de culpa:
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 133
 Podemos apontar nesse trecho a importância da vivência de ameaça da
própria existência, de fragmentação do corpo próprio em decorrência da
incapacidade de defesa e da ação motora involuntária de assassinato do
outro por quem sente empatia. A árvore é tomada por um sentimento de
culpa tão intenso que ofusca a possibilidade de sentir a dor de seu pró-
prio corpo, que acabou de perder um pedaço de si. A anestesia da dor do
corpo quebrado é concomitante a uma intensa dor psíquica. (BIALER,
2016, p. 399).
Assim, Tito sugere que manifestações de insensibilidade à dor, ou
então, aos olhos de outrem, de agressão ou autoagressão podem significar
empatia, dor psíquica, e não ausência da realidade. Muito ao contrário, tra-
duz o desespero de busca de unidade corpórea para se conectar com ela sem
machucá-la.
Na vida real de Tito, o universo da escrita conferiu o enraizamento,
a viabilidade de linguajar, não só pelo acesso e compreensão dos sentidos
denotativos do idioma, mas sobretudo por conferir seiva e frutos a seu ima-
ginário e potencial reflexivo. Assim, seu discurso corporificou-se “próprio”,
autor, transcendendo o esperado linguisticamente para a maioria das pes-
soas com TEA.
Considerações
As experiências e discursos das pessoas com TEA revelam gradien-
tes do espectro, os quais expressam diversidade de modos de perceber e
corporeidades próprias. Merleau-Ponty (1945/2011, p. 244) assinala que
“toda linguagem ensina por si mesma e introduz seu sentido no espírito do
ouvinte”. Assim, cabe interrogar: que linguagem se tornará estruturante,
corpo, para cada sujeito com TEA?
Vimos que “idiomas” não são os mesmos. Afinal, o adentrar à paisa-
gem, diria Merleau-Ponty (2004), depende da singularidade da percepção,
e esta depende do habitar do corpo no mundo. O que chama atenção é que
tal habitar é buscado pelas pessoas com TEA. Ao contrário do que se supu-
134 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
nha, elas não estão confinadas em mundos autós nem desejam permanecer
no isolamento. O que buscam é a congruência com sua aflorada sensibili-
dade, com detalhes e lógicas perceptivas que em geral são insensíveis ao
“mundo adulto normal”.
Pensando nos princípios e na efetivação de uma educação que se faça
inclusiva, o aluno com TEA tem muito a ensinar - ensinar a (re)aprender a
ver/perceber, se não com maior, certamente com diferente e aguçada sen-
sibilidade, tanto para ampliarmos a compreensão acerca do espectro, como
também para nos permitir adentrar caminhos distintos que enraízam sub-
jetividades, transcendendo generalizações de um diagnóstico.
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Mukhopadhyay. Estilos da clínica. São Paulo, v. 21, n. 2, p. 390-411, maio/
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York: Plenum Press, 1992. p. 105-128.
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MUKERJEE, Madhusree. Um enigma transparente. Scientific
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INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 135
Autismo no Brasil. Disponível em: <http://omundomaravilhosodosautis-
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MUKHOPADHYAY, Tito. Beyond the silence: my life, the world
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SACKS, Oliver. Um antropólogo em Marte. Tradução: Bernardo
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______. Foreword. In: GRANDIN, Temple. Thinking in Pictures:
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STROBEL, Karin. História da educação de surdos. Florianópolis:
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______. Autism: an inside-out approach. London (UK) and Phila-
delphia (USA): Jessica Kingsley, 1996.
136 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Educação, transfobia e ciberespaço:
um estudo etnográfico digital
Laionel Vieira da Silva35
Bruno Rafael Silva Nogueira Barbosa36
Introdução
A escola tem sido alvo de diversas pesquisas a respeito de seu po-
tencial engendramento e reprodução de normas sexuais e de gênero vigen-
tes, bem como ambiente hostil para aqueles (as) desviantes de tais normas
(LOURO, 2003; TORRES, 2010; DINIS, 2011).
Em relação especificamente à população transexual e travesti é pre-
sente ainda um alto nível de evasão escolar, devido justamente à cultura de
intolerância e discriminação sempre presente contra estes (as), repercutin-
do diretamente no “fracasso escolar”, e consequentemente na dificuldade
de inserção no mercado de trabalho formal.
Os dados são apresentados pela Associação Nacional de Travestis
e Transexuais (ANTRA), que revela existir uma grande quantidade de
travestis e transexuais em nosso país trabalhando dentro da prostituição,
em torno de 90%, impulsionados pela baixa escolarização e transfobia vi-
gente (LAPA, 2013).A mesma associação estima ainda, que 70% do público
transexual e travesti são vítimas da evasão escolar (LAPA, 2013), ocorri-
das pela heteronormatividade orquestrada pela escola e pela transfobia em
geral. Tais situações podem ser vistas através dos diferentes dispositivos
do binarismo heterossexista, que considera erroneamente, o gênero como
35
Graduado em Psicologia, Mestre em Ciências das Religiões, Especialista em extensão universitária e desenvol-
vimento sustentável e Doutorando em Ciências das Religiões pela Universidade Federal da Paraíba.
36
Graduando em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 137
algo aprisionado à existência de uma genitália masculina ou feminina, e
assim desenvolve-se a educação escolar a partir destas autoprofecias.
O binarismo de gênero sugere performances de gênero desempe-
nhadas por homens e mulheres idealizadas de uma maneira completamente
distintas uma da outra (Butler, 2003), buscando garantir a norma cissexual
e dos “papéis de homem e mulher” de modo bastante rígidos.
A presença de pessoas transexuais e travestis desafia os mecanismos
de regulação do binarismo existente, fazendo com que se tornem vulnerá-
veis a atitudes e práticas discriminatórias, chamadas de transfobia. Definida
por Jesus (2012), a transfobia é uma forma de comportamento hostil diri-
gida a pessoas transexuais ou travestis, em função de uma identidade de
gênero do sujeito destoante do gênero designado ao nascer.
Os conteúdos que legitimam a transfobia partem de diversas noções
normativas que garantem o funcionamento de uma inferiorização das pes-
soas transexuais e travestis, afetando diretamente o seu acesso a direitos
mais básicos, como o direito à educação.
Tal lógica ocorre com grande visibilidade em aulas de educação fí-
sica, por exemplo, nas quais são reforçados comportamentos socialmente
esperado por homens, como a virilidade, a iniciativa e a contenção emocio-
nal, enquanto subjuga-se os “homens efeminados” por não exibirem tais
comportamentos (LOURO, 1997). O mesmo ocorre com as meninas natu-
ralizadas como sendo mais calmas, frágeis e passivas, enquadrando-as em
categorias opostas a dos homens, e rigidamente distantes desses.
Assim, a própria existência de uma pessoa transexual ou travesti
quebra a naturalização mágica concebida pela instituição escolar, a possibi-
lidade de transgredir os enquadramentos do binarismo provoca tentativas
de reações corretivas do próprio sistema binário, através da transfobia.
[...] a experiência da transexualidade se torna verdadeiramente insu-
portável do ponto de vista da instituição escolar, pois, diante de seus cor-
pos transformados, a fala competente da instituição não vê esperança de
retorno à norma heterossexual. Assim, aquilo que resta é o afastamento
138 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
desses corpos indesejáveis, isto é, a expulsão, que hoje se constitui em
um elemento importante da evasão escolar (CÉSAR, 2009, p.47).
Devido a esse contexto complexo de violência a qual são submeti-
dos as pessoas transexuais e travestis, torna-se de extrema importância a
problematização sobre o papel educacional da escola na formação de iden-
tidades sexuais e de gênero (CÉSAR, 2009; LOURO, 2003), uma vez que
tal instituição (como qualquer outra) não fornece aprendizados neutros ou
longe de reproduções ideológicas (FREIRE, 1987).
A partir desse panorama, tivemos como objetivo analisar os discur-
sos de transfobia realizados por internautas em uma matéria jornalística
sobre direito à educação para população transexual e travesti.
1 - Metodologia
Com o propósito de melhor compreender a relação entre os temas
da transfobia e educação, analisamos discursos transfóbicos no ciberespaço
direcionados à inserção de pessoas trans no espaço educacional.
Selecionamos uma matéria do site de notícias “G1”, publicada sobre
a reivindicação do direito à educação pelas mulheres trans. A matéria em
questão inicia com a fala de uma travesti universitária “O preconceito e a
rejeição expulsam jovens e adultos transgêneros do sistema educacional
todos os dias” (G1, 2016).
A matéria explicita a presença da transfobia no ambiente escolar e a im-
portância de discutir temas como “gênero” na escola, no qual é possível perceber
a presença de muitos desses discursos nos próprios comentários da publicação.
Dentre os comentários realizados pelos internautas sobre o assunto
abordado, foram encontrados discursos de transfobia com diferentes mo-
tivações, que buscamos compreender através desta pesquisa etnográfica.
Segundo autores como Sato e Souza (2001), a etnografia pode ser
definida como uma pesquisa que se realiza a partir da observação partici-
pante do cotidiano nas e sobre as instituições, e/ou através do registro de
um determinado contexto, que se desenvolve naturalmente.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 139
 Para este estudo utilizamos como metodologia a etnografia digi-
tal, além disso, buscamos selecionar os comentários de cunho transfóbico
postados pelos internautas que comentavam a publicação em diferentes
categorias. Por tanto, como critério de inclusão selecionamos alguns dos
comentários que tivessem teor de transfobia e como critério de exclusão,
aqueles que não possuíssem tal conteúdo.
Com o surgimento da internet, diversos novos espaços de socialização fo-
ram criados no ciberespaço, dentre estes as redes sociais. Trata-se de instrumen-
tos de comunicação que favorecem momentos de interação humana, bastante
significativos para a compreensão de fenômenos sociais, e espaço pertinente aos
pesquisadores para o uso de pesquisas etnográficas (AMARAL, 2010).
Desse modo, as técnicas de pesquisa etnográficas digitais podem
ser desenvolvidas no ciberespaço, sempre no “modo online” e vinculado ao
off-line, estes nunca se desvinculam, ocorrendo através das relações esta-
belecidas entre o pesquisador e o próprio meio, em uma rede complexa de
interação (AMARAL, 2010).
A relação estabelecida entre “mundo offline” e “mundo online”, con-
figura-se, portanto, em maneiras de socialização e trocas de discursos, re-
fletindo-se simultaneamente na construção de paradigmas sociais.
Podemos sugerir, então, que uma mudança metodológica, a reivindicação
do contexto online como um local de campo etnográfico, foi crucial para
se estabelecer o estatuto das comunicações via Internet como cultura. [...]
É possível ir mais longe e sugerir que o nosso conhecimento da Internet
como um contexto cultural é intrinsecamente relacionado à aplicação da
etnografia. O método e o fenômeno definem um ao outro, numa relação
de dependência mútua. O contexto online é definido como um contexto
cultural pela demonstração de que a etnografia pode ser aplicada a ele. Po-
dem-se estar confiantes de que a etnografia pode ser aplicada com sucesso
a contextos on-line, podemos ter a certeza de que estes são de fato contex-
tos culturais, uma vez que a etnografia é um método para a compreensão
da cultura. (HINE, 2005, p. 8)37. Tradução livre dos autores.
37
We might suggest, then, that a methodological shift, the claiming of the online contexto as an ethnographic
field site, was crucial in establishing the status of Internet communications as culture. While psychocological
140 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Por tanto, tal metodologia revela-se pertinente na busca pela com-
preensão desse contexto cultural, que cada vez mais participa na constru-
ção de subjetividades, reforçando ou desconstruindo discursos existentes.
2 - Resultados
Com a finalidade de melhor conhecer os discursos transfóbicos en-
contrados nesta pesquisa, foram selecionadas três categorias principais a
respeito dos conteúdos coletados. As categorias foram: Transfobia escolar,
transfobia religiosa e naturalização dos gêneros.
Foram selecionados trechos dos comentários dos pesquisados, que
ilustram as modalidades de transfobia encontrada. Trata-se da reprodução
fiel das falas dos pesquisados, que refletem uma parte da transfobia enfren-
tada pela população transexual e travesti como pré-requisito às tentativas
de acesso/permanência/sucesso escolar.
3 - Transfobia escolar
Com a categoria “transfobia escolar” propriamente dita, apresenta-
mos os discursos encontrados nos quais a incompatibilidade entre transe-
xualidade e espaço escolar está explícita.
É o tipo de lógica que reforça a ideia de “expulsão” das escolas já
mencionadas (Lapa, 2013), conforme pode ser observado na fala do inter-
nauta a seguir:
Post 8: Ai você coloca seu filho do sexo masculino onde sua “professora”
é um travesti, qual a referência que ele vai ter? Sabemos que nessa idade
são influenciados e professores são heróis! Ai quando perguntarem a ele
expriments demonstrated its paucity, ethnographic methods were able to demonstrate its cultural richness. It is
possible to go further and to suggest that our knowledge of the Internet as a cultural context is intrisically tied
up with the aplication of ethnography. The method and the phenomenon define one another in a relationship of
mutual dependence. The online context is defined as a cultural context by the demonstration that ethnography
can be applied to it. If we can be confident that ethnography can successfully be applied to online contexts then
we can rest assured that these are indeed cultural contexts, since ethnography is a method for understanding
culture. (HINE 2005, p.8).
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 141
 o que vai querer ser quando crescer? TRAVESTI PAPAI!!! (Internauta
8. Curtidas: 11. Descurtidas: 30).
É importante observar, que embora haja um preconceito dirigido à
existência de travestis em sala de aula, existe também um relativo número
de “descurtidas” neste comentário. O número de “descurtidas” é quase o
triplo, implicando certa desaprovação do comentário.
O internauta sugere a impossibilidade de uma travesti desempenhar
a atividade docente, e sugere ainda que a simples presença delas enquanto
professoras estariam atrapalhando a identidade de gênero escolar. A escola
passa a ser concebida como instituição cisgênero.
O mesmo pensamento ocorre de maneira semelhante na lógica do
internauta seguinte, porém é descrito com um pouco mais de detalhes:
Post 9: Uma coisa é certa: tem que fazer um banheiro especial pra tooo-
do esse povo! já é complicado com as lésbicas, imagine com trans - sem
preconceito, não é pelos de verdade e sim pelos maldosos, é muito fácil
um homem fingir isso pra fazer maldades, gravações e outras coisas. E
também não concordo com essa tal de construção de gênero nas escolas,
nasce homem e mulher, se não se identifica faz as mudanças depois de
adulto, e não criança adolescente que nem sabe o que quer da vida, isso
não é assunto pra escola. (Internauta 9. Curtidas: 11. Descurtidas: 28).
Nesse comentário são apontados os seguintes aspectos: a dificulda-
de da internauta usar o mesmo banheiro que uma mulher trans, e a necessi-
dade de manter as discussões de gênero fora das escolas sinalizando serem
questões de “adulto”.
Os números de “descurtidas” também foram maiores que os de “cur-
tidas”. A percepção da internauta sugere certa “neutralidade” na educação,
embora na realidade implique a continuação dos paradigmas heternorma-
tivos vigentes, e hostis para a população transexual e travesti.
E como terceira ilustração, temos o seguinte comentário:
142 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Post 21: Imagina um aluno tendo aula de ciência, aprende todas as carac-
terísticas das mulheres e homens, todas as suas diferenças, aí chega um
pseudo educador e diz para aluno esquecer tudo que aprendeu e que não
há diferença alguma entre homens e mulheres, é tudo uma “construção
social, preconceito e etc”. (Internauta 21. Curtidas: 7. Descurtidas: 20).
Na fala exposta acima, com um número maior de “descurtidas” tam-
bém, há uma necessidade de invocar uma interpretação de ciência para le-
gitimar “características das mulheres e homens”, reduzindo o papel das
construções sociais sobre tais identidades.
O “pseudo educador” seria aquele que estuda o papel das constru-
ções sociais. Há um discurso que sugere o afastamento dos estudos de
gênero no contexto educacional, garantindo o predomínio do binarismo
como realidade única aceitável.
Ambos os casos buscaram garantir um tipo de ideologia sobre a
educação na escola, naturalizada como única e pautada em princípios heter-
normativos, restringindo tentativas de questionamentos.
4 - Transfobia religiosa
A transfobia religiosa é outra categoria bastante comum no discurso
contra pessoas transexuais e travestis, objeto de estudo de Barbosa e Silva
(2016), no qual identificam bases fundamentalistas religiosas, heteronor-
mativas e teológicas na justificativa do preconceito.
Por vezes, destituído do entendimento de identidade de gênero, os
discursos transfóbicos mesclam-se à homofobia, como se colocassem tanto
a sexualidade quanto a identidade de gênero na mesma categoria. Isso para
aquele que reproduz a transfobia religiosa.
No primeiro exemplo temos:
Post 5: DEUS FEZ O HOMEM E A MULHER. AI VEM o sujinho
com suas gambiarras... (Internauta 5. Curtidas: 9. Descurtidas: 10).
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 143
 A quantidade de “curtidas” e “descurtidas” seguem praticamente
com o mesmo número. A afirmação que naturalmente se é homem ou mu-
lher confere àqueles que não seguem a regra cisgênero, um papel desviante
e inferiorizado.
Acrescenta-se a esse pensamento o teor punitivo em que é associa-
da a transexualidade como algo relativo ao diabo ou ao inferno, conforme
exemplificado no comentário a seguir:
Post 12: Todo transsexual está condenado ao inferno, segundo a palavra
do Senhor. Deus me livre dessas aberrações. (Internauta 12. Curtidas: 2.
Descurtidas: 37).
O pensamento da transfobia é justificado por uma teologia puniti-
va e inferiorizante, atribuindo ao sagrado expectativas preconceituosas e
sentenciando as pessoas transexuais e travestis a um lugar de sofrimento.
Interessante notar que há um grande índice de reprovação do mes-
mo, o número de “descurtidas” chegou a 37, enquanto o de curtidas apenas
2. Revela ser um dos comentários mais reprovados nesse estudo por outros
internautas.
Tais discursos podem ser ainda associados ao sentimento de “pena”,
atribui-se a esse grupo uma série de justificativas nas quais conferem ao
sagrado a possibilidade de libertá-lo de algum erro ou pecado.
Post 17: Jesus pode liberta-las, se elas quiserem do espírito da luxúria,
herdado de seus antepassados ou de suas transgressões. (Internauta 17.
Curtidas: 1. Descurtidas: 5).
As reações desses comentários foram poucas, mas a maioria “des-
curtidas”. Percebe-se uma tentativa de justificar a transexualidade como
algo desviante a partir de uma norma supostamente divina.
Nesses casos é presente um interesse em transformar a transexu-
144 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
alidade em aberração ou pelo menos praticantes de algum pecado divino,
trata-se de uma categoria que se fundamenta em interpretações religiosas
próprias para legitimar o próprio discurso transfóbico religioso.
Tal categoria é encontrada nos diversos espaços sociais, não sendo
restrito a um espaço específico, assim, é possível somar-se a outras divisões
de discurso, que buscam legitimar a transfobia, independente da categoria
justificada.
5 - Naturalização dos gêneros
A categoria “naturalização dos gêneros” remete a uma ideia errônea
em que gênero estaria enclausurado no sexo biológico designado ao sujeito
no momento de seu nascimento, e vinculado ainda à reprodução humana.
Referindo-se a certo binarismo de gênero profetizador de corpos e compor-
tamentos esperados (BARBOSA E SILVA, 2015).
No primeiro exemplo temos o seguinte comentário:
Post 3: [...] come o ** dele então e daqui nove meses me fala se vai nas-
cer um filho. Lol. (Internauta 3. Curtidas: 4. Descurtidas: 4).
Dividindo-se igualmente o número de curtidas e descurtidas, o in-
ternauta invoca o tema da reprodução como se fosse necessário para legiti-
mar o gênero feminino ou masculino de uma pessoa.
É possível notar algo semelhante na fala do próximo internauta:
Post 11: Sou MULHER e me considero extremamente ofendida ao ter
a mesma denominação desses 2 seres abomináveis!! isso não é, e nunca
será MULHER. isso é um absurdo!! (Internauta 11. Curtidas: 26. Des-
curtidas: 145).
Há nesse caso uma reação contrária do público de modo geral, com uma
grande quantidade de descurtidas (145) referente ao comentário da internauta.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 145
Enfatiza-se a impossibilidade de mulheres trans e travestis serem mulheres,
descaracterizando-as, e nomeando esse público como “abomináveis”.
O último internauta traz ainda outra leitura para justificar a “natu-
ralização de gêneros”:
Post 19: “Mulheres”. Tem os cromossomos XX? Não? ENTÃO NÃO
SÃO MULHERES E NUNCA SERÃO. Não tem estrutura interna de
mulher, por mais que se mutilem externamente. NUNCA SERÃO. (In-
ternauta 19. Curtidas: 15. Descurtidas:4).
O internauta 19 afirma enfaticamente que há uma sentença bioló-
gica como legitimadora de todo o desenvolvimento identitário de gênero.
Sugere ainda que as mudanças corporais realizadas pelas pessoas trans e
travestis seriam na opinião dele, mutilações.
Nesses casos apresentados é presente a necessidade por parte dos
comentários, de reduzir o gênero a uma “ordem natural”, utilizando-se de
justificativas biologizantes ou reprodutivas. Há uma descaracterização da
identidade de gênero das pessoas transexuais e travestis de maneira geral.
6 -Discussão
A partir das falas apresentadas é possível encontrar a presença de
diversas categorias na produção da transfobia. Há uma soma de motivações
que agem a favor da expulsão de pessoas transexuais e travestis da educa-
ção.
Os materiais coletados corroboram com Oliveira e Porto (2016), no
qual há um esforço das pessoas transexuais e travestis pelos seus direitos
mais básicos, inclusive pelo direito à educação.
Além da impossibilidade de gozo de seus direitos básicos, essa popula-
ção é frequentemente flagelada pelos “defensores da ordem e dos bons
costumes”, que se valem de um pretexto higienizador para praticarem
os mais diversos atos de crueldade. (OLIVEIRA E PORTO, 2016, p.323)
146 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Os comentários expostos pelo internauta 8, “Ai você coloca seu filho
do sexo masculino onde sua “professora” é um travesti, qual a referência
que ele vai ter?” demonstra o reflexo do despreparo escolar com os temas
de gênero e sexualidade de uma maneira em geral.
O mesmo ocorre em boa parte de nossas escolas alimentadas pela
heteronormatividade (Louro, 2003), ecoando discursos semelhantes como
os do internauta 9 e 21, ao sugerirem respectivamente, que não deve ha-
ver discussões de gênero na escola, e não tratar das construções sociais de
gênero.
Desse modo se constrói um modelo escolar cisgênero, altamente
violento para aqueles que não fazem parte desse enquadre ideológico, ca-
muflado de neutralidade, no qual a já naturalizada desigualdade de gênero
e sexual busca constantemente se naturalizar.
Quanto à transfobia religiosa, é possível observar a presença de va-
lores fundamentalistas ou de grande teor religioso no reforço ao julgamen-
to transfóbico (BARBOSA E SILVA, 2016).
Para o internauta 5 “Deus fez o homem e a mulher”, qualquer outra
possibilidade estaria vinculada a um desvio dos planos divinos. Tais asso-
ciações negativas da religiosidade conservadora com pessoas transexuais
e travestis são recorrentes na literatura científica (FERNANDES, 2013;
NATIVIDADE, 2013; BARBOSA E SILVA, 2016).
Os comentários podem ser punitivos, desde os expressos com maior
nitidez como o do internauta 12 que afirma: “Todo transsexual está conde-
nado ao inferno”, ou aqueles que colocam a transexualidade numa posição
de algo passível de cura ou de conserto, como sugere o internauta 17, ao
afirmar que “Jesus pode liberta-las [...]”
Natividade (2006) discute em seu artigo “Homossexualidade, gênero
e cura em perspectivas pastorais evangélicas”, algumas situações em que as
teologias conservadoras buscam uma restauração de determinados sujeitos
considerados desviantes da suposta ordem natural divina. Assim, as sexuali-
dades não heterossexuais e as pessoas transexuais e travestis seriam alvo de
um arcabouço teológico inferiorizante.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 147
 Além dessas situações a presença de certa “naturalização de gêne-
ros” é prática igualmente recorrente nos discursos de transfobia na litera-
tura científica (TORRES, 2010; FERNANDES, 2013; BARBOSA E SIL-
VA, 2015; BARBOSA E SILVA, 2016).
Para o internauta 3 ao dizer “[...] come o ** dele então e daqui nove
meses me fala se vai nascer um filho”. Garante a sobreposição da sentença
biológica (e da habilidade reprodutiva sexual) em relação à identidade de
gênero.
Há um forte caráter idealizado como pejorativo na aproximação
com as categorias “transexual e travesti”, como exemplificado na fala do
internauta 11 “Sou MULHER e me considero extremamente ofendida ao
ter a mesma denominação desses 2 seres abomináveis!! isso não é, e nunca
será MULHER. isso é um absurdo!!”.
Em diversas situações vemos as travestis como abjetas, em função de
uma série de exclusões na afirmação da categoria transexual e na pro-
dução do que seria uma “verdadeira mulher”. Tais exclusões contingen-
ciais sinalizam múltiplos enunciados morais em jogo na construção des-
sas diferenças [...]. (BARBOSA, 2013, p.377)
Tal pensamento de exclusão está igualmente presente na fala do
internauta 19: “Tem os cromossomos XX? Não? ENTÃO NÃO SÃO MU-
LHERES E NUNCA SERÃO”. Trata-se de falas que buscam contribuir
em um processo naturalizador de gênero, a serviço dos diferentes jogos da
transfobia.
Os discursos apresentados são algumas das vastas categorias de
opressão que vivem as pessoas transexuais e travestis na luta pela efeti-
vação do direito à educação. Não são, portanto, discursos isolados ou des-
conectados, mas que possuem intersecções em comum, e frequentemente
acompanham uns aos outros.
A transfobia escolar, a transfobia religiosa e a naturalização dos gê-
neros ocorrem com alguma frequência de maneira articulada, ambos com
148 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
a intenção de garantir o predomínio heteronormativo. Impõe-se através de
diferentes aspectos, mas sempre inferiorizando aqueles que ousam desviar-
-se da norma imaginada.
São categorias meramente didáticas que não estão necessariamente
separadas, mas que nos ajudam a compreender a complexa violência trans-
fóbica.
Considerações Finais
Com base neste estudo foi possível compreender alguns dos princi-
pais conceitos sobre gênero e identidade de gênero, bem como conhecer um
breve panorama sobre a transfobia.
A transfobia na escola é um fenômeno bastante recorrente que se ob-
jetiva nos altos índices de evasão escolar da população transexual e travesti,
bem como através dos discursos e ações violentas dirigidas a tal grupo.
Através desta pesquisa etnográfica digital foi possível conhecer al-
gumas categorias do discurso transfóbico, como a transfobia escolar, trans-
fobia religiosa, e a naturalização dos gêneros. Tais categorias são exemplos
de discursos encontrados direcionados aos transexuais e travestis de ma-
neira em geral.
A transfobia escolar alerta a falsos perigos em manter a presença
de alguma pessoa transexual ou travesti na escola, que desestabilizaria a
instituição; a transfobia religiosa busca garantir a sua discriminação com
bases teológicas; já a naturalização de gênero permite a uma errônea rela-
ção entre gênero e sexo biológico, totalmente enraizados em uma ideologia
heteronormativa compulsória.
Tais categorias são encontradas de maneiras isoladas e/ou comple-
mentando-se. Os discursos são reproduzidos com a finalidade de expulsar e
inferiorizar o público transexual e travesti, reduzindo inclusive o seu aces-
so a direitos, como o direito à educação.
A efetivação do direito à educação mostra-se como um desafio, em
especial para os grupos vulneráveis, como exemplo, a população trans,
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 149
ocorrendo dificuldades no acesso e permanência no ambiente escolar. A es-
cola como uma das importantes instituições de formação humana, junto às
instituições religiosas, Estado, família e demais espaços sociais devem ser
repensados em suas bases ideológicas para a construção de uma sociedade
inclusiva.
Para tanto se faz necessária a problematização dos ideais binaristas
e heteronormativos presentes nas diversas práticas escolares. A simples
presença de travestis, de homens e mulheres transexuais desestabiliza a
rígida divisão de gênero imposta pela sociedade.
Desse modo, reitera-se a necessidade urgente de uma crescente dis-
cussão nos espaços educacionais sobre gênero e sexualidade, com fins de
garantir a possibilidade de educação para todos e todas.
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ficiências metodológicas. Revista USP, São Paulo, v. 86, p. 122-135, 2010.
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Revista do programa de pós-graduação em ciências da UFRN, v. 2, p. 1-21.
2010.
Experiência de um curso semipresencial para os
professores do Atendimento Educacional
Especializado-AEE no Município de Goiânia
Andréa Hayasaki Vieira38

Introdução

Primeiramente, para melhor compreensão, faz se necessário uma de-

finição do Atendimento Educacional Especializado(AEE), segundo a Política
Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008a)

É uma modalidade que complementa e/ou suplementa a formação dos

alunos com conhecimentos e recursos específicos, que eliminam as bar-
reiras que impedem ou limitam sua participação com autonomia e inde-
pendência nas turmas comuns do ensino regular, não sendo substitutiva
à educação escolar regular. De acordo com este documento, o professor
deve ter como base de sua formação, inicial e continuada, conhecimentos
gerais para o exercício da docência e conhecimentos específicos da área
(BRASIL, 2008a, p.10).

Com a implementação do Decreto nº 6.571 de 17 de setembro de

2008, sendo este revogado pelo Decreto nº 7.611, de 2011, os sistemas de
ensino são obrigados a matricular os alunos com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, nas classes
38
Mestre em Educação Básica pelo PPGEEB/CEPAE/UFG. Coordenadora Pedagógica do Centro Municipal de
Apoio a Inclusão da Secretaria Municipal de Educação- Goiânia (CMAI/SME/Go).
E-mail: andreahvfono@hotmail.com

152 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 153

comuns do ensino regular e no (AEE), ofertado em salas de Recursos Mul-
tifuncionais ou em Centro de Atendimento Educacional Especializado da
rede pública ou de Instituições comunitárias confessionais ou filantrópicas
sem fins lucrativos.
O AEE caracteriza-se por atendimento pedagógico e não clínico,
assim, não é obrigatório o laudo médico. O importante é que o direito das
pessoas com deficiência à educação não poderá ser cerceado pela exigência
de laudo médico (BRASIL, nota técnica nº 4/ 2014, p.3). A equipe de pro-
fessores podem realizar avaliação pedagógica seguida de relatório para que
o aluno possa participar do AEE.
A função do professor do AEE é ampla, exigindo vários conhecimen-
tos para executar o seu trabalho, sua formação é de extrema importância e
deve visar ao aprimoramento de sua prática pedagógica na escola. E é no
cotidiano escolar que acontecem as dúvidas, os questionamentos e as novas
ideias surgem. Saná-las, modificá-las e discuti-las implica num processo con-
tínuo de formação de professores que não ocorre, somente, nos momentos
dos cursos de aperfeiçoamento. Ocorre, também, na reflexão das ações do dia
a dia, juntamente com as formas de atuação e evolução do aluno.
Assim, como inovação e experimentação na formação continuada,
foi escolhido um curso semipresencial (projeto piloto) em que os profes-
sores de AEE pudessem ser agentes ativos deste processo, que os estudos
teóricos pudessem contribuir nas práticas pedagógicas realizadas no aten-
dimento ao aluno, público alvo da educação especial.
O objetivo geral deste trabalho foi identificar uma estrutura de cursos
de formação continuada que colabore com a prática autogeradora de trans-
formação do professor em salas de recursos multifuncionais. Para tanto, o
planejamento das atividades visou: (re)conhecer o problema vivenciado pelos
próprios professores em suas salas de recursos multifuncionais; desenvolver
estudos teóricos relacionando-os com suas práticas pedagógicas; e (re)orga-
nizar seus Planos de Atendimento Educacional Especializado - PAEE, lan-
çando mão de recursos da Tecnologia de Informação e Comunicação (TICs).
Cada etapa foi desenvolvida segundo os Fundamentos da Defecto-
154 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
logia de Vygotsky (1995), os quais sustentam que a pessoa com deficiência
não é menos capaz, mas, ao contrário, possui competências cognitivas que
possibilitam uma organização ampliada de sua forma de aprender; fato que
exige do educador a identificação e a compreensão de estratégias de ensino
que se adiantem ao seu desenvolvimento.
Também contribuíram para esta organização os pensamentos de
Nóvoa (1995), Demo (2000), Mantoan (2006) e Freitas (2007), que defen-
dem uma formação sempre autogeradora de mudanças; as discussões de
Pretto (2009) sobre o uso interativo e formativo das TICs; e documentos
oficiais (BRASIL 2008a, 2010a, 2012 e 2015) que versam sobre políticas
públicas nacionais de educação especial na perspectiva da inclusão.
Assim, destaca-se alguns aspectos da pesquisa, com o intuito de
contribuir com a formação dos professores do Atendimento Educacional
Especializado-AEE da Rede Municipal de Goiânia bem como para os pro-
fessores da educação básica.
1 -Material e Métodos
Primeiramente, o curso piloto foi cadastrado e, posteriormente, va-
lidado no Programa de Extensão e Cultura (PROEC), pelo Sistema de In-
formação de Extensão e Cultura (SIEC).
Para falar sobre a organização do Curso Piloto realizado nesta pes-
quisa, é necessário pontuar alguns aspectos teóricos que explicam o pro-
cesso de sua construção, e que visam suprir os aspectos metodológicos que
não pareciam ser privilegiados nos cursos existentes anteriormente.
Em se tratando das TICs, Carvalho (2001), Gonzalez (2002), Costa
(2008) defendem que podem promover mudanças metodológicas impor-
tantes na prática pedagógica dos professores. Mas, por outro lado, pode se
tornar simplesmente mais um recurso pedagógico. Freitas (2007) analisa
que, desde 2000, a forma adotada pelos sistemas de ensino é condizente
com as recomendações dos organismos internacionais que visam a atender
às necessidades de formação de professores atrelada à redução de custos.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 155
 O curso foi organizado em 3 unidades de estudo: 1- Linguagem, meio da plataforma Moodle, utilizando layout simples, dividido em 3 colu-
Pensamento e Defectologia; 2- Letramento e Educação Inclusiva e 3- For- nas, com letras básicas em cor azul, como mostra a imagem abaixo:
mação de Professores e Tecnologia na Escola. Estas unidades foram di- Imagem 1: Aparência estrutural do curso piloto
vididas por aulas, totalizando 12 encontros presenciais entre os meses de
abril a novembro de 2015, com carga horária de 100 horas. Foi dividido
entre atividades não presenciais (estudos, leituras, atividades com os alu-
nos, discussões no Ambiente Virtual de Aprendizagem(AVA) e atividades
presenciais (teoria, atividades práticas e acesso ao AVA para postagens das
atividades e discussões em rede). Nos encontros presenciais, as aulas foram
expositivas/dialogadas, utilizando-se slides, textos, filmes, vídeos, fotos e
outros recursos.
Os encontros presenciais aconteceram a cada 15 dias, aos sábados
das 8h às 11h, exceto nos meses de junho e outubro devido a feriados e
à agenda dos professores. Os locais dos encontros presenciais foram: Bi-
blioteca Central da Universidade Federal de Goiás (UFG), Laboratório de
Informática do CEPAE e em uma Sala de Recurso Multifuncional (SRM) Fonte: http://ead.cepae.ufg.br/course/view.php?id=413
de uma escola da Rede Municipal de Educação (RME), devido à greve dos
servidores da UFG. Os profissionais que participaram até o final do curso Para o acesso ao AVA, todos os professores foram cadastrados e in-
foram professores do AEE do município de Goiânia, no total de 7 profes- seridos na sala virtual e os acessos foram feitos por meio de login e senha
sores. no primeiro encontro presencial. Neste encontro, foi realizado um “passo a
O ambiente virtual de aprendizagem (AVA) é “alimentado” confor- passo”, mostrando cada “janela”, onde cada item solicitado estava, e como
me o planejamento dos conteúdos do programa do plano de ensino, sendo iriam realizar a atividade. Nesse primeiro encontro presencial, também foi
estes organizados por unidades e aulas, e também pelas necessidades dos entregue uma pasta contendo: uma caneta, o termo de compromisso, plano
professores, por exemplo: criação do Repositório como local de armaze- de ensino e o texto “A defectologia e o estudo do desenvolvimento e da
namento de dados que reúnem os materiais digitais de forma organizada; educação da criança anormal” (2011) a todos os professores. Os demais en-
criação de e-mail cooperativo, com acesso por meio de senha compartilha- contros foram organizados de acordo com as necessidades dos professores,
da, para que todos pudessem visualizar as fotos pelo google drive, pois pelo realizando estudos teóricos e práticos.
AVA não foi possível compartilhá-las, por não comportar a sua dimensão e Utilizou-se questionário com dez perguntas envolvendo a teoria e
a de todos os outros materiais, como vídeos e imagens; e criação, também, prática, formação continuada e as expectativas. Todos os dados coletados
de um grupo no whatsApp denominado “Inclusão e Letramento” que pos- durante a pesquisa foram registrados na Ambiente Virtual de Aprendiza-
sibilitou a comunicação com todos de forma rápida. gem(AVA) por meio das atividades realizadas e foram analisados atendendo
O Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) foi construído por os objetivos propostos.

156 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 157

2 -Resultados e Discussão
Ao longo do curso, as mudanças, as transformações, os processos
foram construídos de acordo com o meio social, em movimentos dinâmicos,
sucessivos, ininterruptos e dotados de significados. E foi nesse movimento
dialético que a pesquisa se concretizou. Nessa perspectiva, toda proposta
inicial de atividade priorizou a problematização, pois o trabalho visou à
busca de soluções para dificuldades reais, concretas, vividas nas salas de re-
cursos multifuncionais. A execução das atividades passou por caminhos di-
versificados, muitas vezes tortuosos e cheios de obstáculos, o que, segundo
Vygotsky (2011), não se constitui um empecilho, mas uma oportunidade,
já que é nos obstáculos, nas dificuldades que o desenvolvimento ocorre; ou
seja, é justamente nestes caminhos indiretos que devemos nos apegar para
avançarmos no desenvolvimento.
Os problemas mencionados na prática pedagógica repercutiram
em outras atividades em um processo dialético, marcados por dinamismo
e mudanças constantes do fazer pedagógico, por meio de articulações de
informações que integram os processos mentais.
Ao buscar a solução para um problema, imediatamente estabelece-
mos conexão com a formação de conceitos, o que, para Vygotsky(2008),
se trata de uma “condição externa” que impulsiona “condições internas”.
Para ele, a formação dos conceitos “começa na fase mais precoce da infân-
cia, mas as funções intelectuais que, numa combinação específica formam
a base psicológica do processo da formação de conceitos, amadurecem, se
configuram e se desenvolvem somente na puberdade” (Vygotsky, 2008,
p.72) e perduram durante toda a vida das pessoas, em diferentes formas.
Em relação à experimentação, foram sugeridas algumas atividades,
como: construção e aplicação de recursos pedagógicos com os alunos e so-
cialização com os demais professores; execução da atividade usando a TICs
com os professores e estes com os alunos e confecção de mural de fotos com
alunos.
158 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
A construção e aplicação de recursos pedagógicos foram realizadas
nos locais de trabalho dos professores, juntamente com os alunos, consi-
derando a problematização vivenciada no ambiente escolar e os aspectos
teóricos. Segundo Vygotsky (2003), o professor exerce um papel funda-
mental ao pensar em recursos e estratégias pedagógicas que favoreçam o
desenvolvimento do aluno, pois é ele que orienta e direciona as atividades
de acordo com os objetivos que ele estabelece nas aulas; por isto, deve res-
peitar a necessidade e o ritmo que os estudantes demonstraram: “processo
educativo, portanto, é trilateralmente ativo: o aluno, o professor e o meio
existente entre eles são ativos” (VYGOTSKY, 2003, p.79).
A troca de experiência entre os professores no momento da aula foi
um fator importante, pois suscitou perguntas, promoveu a coparticipação
nas atividades, viabilizou sugestões de outras formas de aplicação dos re-
cursos pedagógicos.
Prof. 4: Esse curso tem proporcionado a troca de experiência entre nós,
professores, que vivenciamos no dia a dia momentos parecidos.
Ao final, concordaram que as leituras, as discussões, as trocas con-
tribuíram para a compreensão do porquê e do como modificar o atendimen-
to realizado no AEE, demonstrando, assim, a internalização dos conheci-
mentos.
Prof. 2: Por meio da observação do experimento, concluí que o dificulta-
dor pode alavancar o desenvolvimento nas aprendizagens.
De fato, a internalização dos estudos teóricos realizados durante o
curso foi imprescindível para que os professores pudessem refletir sobre
sua prática pedagógica e, assim, buscar novas estratégias e novos caminhos
para que os objetivos traçados pudessem ser cumpridos. Em uma perspec-
tiva dialética, esta é a desejada transformação.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 159
 Prof. 4: Através da leitura da teoria de Vygotsky, pude absorver e rever,
principalmente, que os conflitos existem, sim, e fazem parte da aprendi-
zagem, que devo ser mediadora e não a solucionadora de todos os pro-
blemas.
Utilizando os recursos tecnológicos, os professores puderam obser-
var que:
Prof. 1: As alunas se divertiram muito com as fotografias, tiraram vá-
rias fotos, organizaram as poses e demonstraram entusiasmo; principal-
mente quando viram as fotos impressas, elas se lembraram de algumas
e quem as havia tirado. Na hora de montar o álbum ficaram bastante
animadas.
Prof. 6: Foi um trabalho proveitoso com este aluno, a partir dele já rea-
lizei outras tarefas utilizando mais recursos tecnológicos
Os resultados obtidos demonstraram que os recursos tecnológicos,
atrelados à compreensão teórica de seu uso significativo para a aprendiza-
gem, podem contribuir para o desenvolvimento do aluno em vários aspec-
tos. Como disse a professora 3: A união de tecnologia e produção artesanal
mostrou ao educando o universo de possibilidades com o qual podemos
trabalhar e aprender de maneira prazerosa.
É importante também que os professores desejem conhecer as po-
tencialidades pedagógicas das TICs, buscando dominar suas especificidades
técnicas para estabelecer uma relação crítica e avaliativa com as mesmas.
Conclusão
Oferecer formação continuada com o uso das TICs exige dedica-
ção, estudo, preparação e, acima de tudo, abertura para novas tecnologias
e sabedoria para selecionar atividades que atendessem às necessidades dos
160 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
professores. De fato, nesse processo dialético, ocorreu uma mudança signi-
ficativa não apenas na prática desses professores de AEE, mas também, na
formação da pesquisadora.
Foram momentos ricos de aprendizado, em que todos colaboraram
e participaram, demonstrando que o desenvolvimento cognitivo é um pro-
cesso longo e contínuo de aquisição de saberes, de internalização de conhe-
cimentos e de autotransformação.
Durante este curso, alguns problemas ocorreram como: dificuldade
no acesso à plataforma, por não estar disponível nos dias dos encontros;
indisponibilidade do espaço reservado aos encontros presenciais devido à
greve; dificuldade na utilização da plataforma por parte dos professores;
discussões restritas nos fóruns; falta de retorno de algumas atividades pe-
los professores; necessidade de alterações imprevistas na condução das ati-
vidades. Porém, os problemas foram resolvidos totalmente ou parcialmen-
te, concluindo que é realmente nas dificuldades, nas rupturas, nos caminhos
indiretos que ocorre a aprendizagem.
Assim, é importante destacar que as atividades sugeridas não têm
um padrão rígido a ser seguido, pois devem ser repensadas a partir das
necessidades dos professores e realizadas conforme a percepção desta rea-
lidade, com total autonomia de execução. Desta forma, precisa-se de maior
integração entre os professores, as unidades educacionais, as instituições
especializadas, os profissionais da área da saúde, para que, juntos possam
fazer a diferença na vida dos alunos.
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162 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 163

 O poder do discurso entre as ciências:
educação e saúde, um diálogo necessário
Nelma Alves Marques Pintor39

Introdução

É, no mínimo, instigante pensar a respeito de que causas, condições

ou fatores foram favoráveis à promoção da subserviência da educação ao
discurso médico sobre a aprendizagem dos alunos na escola nas primeiras
décadas do século XX. Será que essa submissão se justificava pelo fato de
considerá-lo um discurso científico? Se fora assim, procede a afirmação de
Foucault (2003) em seu texto “Da Arqueologia à Dinastia” ao afirmar que
não se pode sacralizar um tipo de discurso pelo fato de se dizer que ele é
científico, como foi feito com o discurso médico no Brasil, mesmo porque
é evidente que o discurso educativo comporta tanto saber como o discurso
médico e, decerto, de outros discursos de outros campos de conhecimento.
Então, por que os saberes da educação perderam o poder para solucionar os
problemas de aprendizagem nas escolas?
Este artigo objetiva estabelecer uma reflexão acerca da influência dos
discursos das ciências sobre a educação com ênfase no campo das ciências da
saúde, sobretudo a medicina e a psicologia, a partir das primeiras décadas do
século XX e se estendendo à primeira década do século XXI. Para tal, fará uma
breve incursão no período da medicina higienista e em algumas abordagens
dos estudos psicológicos de teóricos como Alfred Binet, Jean Piaget, Wallon e
39
Doutora em Saúde da Criança e da Mulher (IFF/FIOCRUZ), Mestre em Educação (UFF), Psicóloga (UNI-
CAP-PE) e Professora do Curso de Pedagogia da Universidade Estácio Estácio de Sá - Niterói/RJ.
Endereço: Universidade Estácio de Sá. Rua da Conceição, 131. Centro. Niterói. CEP: 24020-085
E-mail: nelmapintor@uol.com.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3929705037181995
Telefone: 55+15-21-99156-0729

INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 165

Vygotsky pelo poder que exerceram, e ainda exercem, sobre a educação. Discu-
te como o discurso do professor foi silenciado diante do domínio do discurso da
área médica e de outras ciências como a psicologia que se fizeram presentes na
escola. Entretanto, as evidências indicadas em pesquisas comprovaram que ele
não ocorreu apenas por opressão; mas também e fundamentalmente pela fragi-
lidade de conhecimento teórico-prática dos agentes educativos. Ao final consi-
dera fundamental a articulação das políticas públicas de saúde e educação como
condição imprescindível nesse novo milênio a partir da efetiva implementação
da intersetorialidade operacionalizada pela via do diálogo interdisciplinar en-
tre os profissionais dos diversos campos de conhecimento.
1 - O silenciamento da Educação
Com o estabelecimento da sociedade capitalista surge um novo tipo
de poder social, segundo Foucault (2003), que, por sua vez, passou a exigir
um novo modelo de educação. A hipótese é de que ela se sentiu pressionada
por uma nova ordem social a formar o homem para o mercado de trabalho,
atendendo a uma exigência do sistema de produção capitalista. Mesmo que
o interesse da massa dos estudantes se dirigisse para a aquisição de saberes
para outro tipo de formação que atendesse aos anseios individuais, havia
um sistema de poder ideológico instaurado sutilmente em toda rede social
que obscurecia e invalidava o saber dos profissionais de educação atingindo,
por consequência, o saber dos estudantes. As muitas reformas nesse cam-
po durante o século XX no Brasil não garantiram a voz dos professores,
que permaneceram como operadores do ensino e, portanto, sem identidade
profissional. O discurso do professor foi silenciado diante do domínio do
discurso da área médica e de outras ciências que se fizeram presentes na
escola estabelecendo princípios teóricos e normas de procedimento para o
ensino e a aprendizagem dos alunos. É possível mensurar o silenciamento
dos professores, às vezes intencional, e outras vezes por força de mecanis-
mos ideológicos instituídos pelo poder capitalista. Quanto a isso Linhares
e Silva (2003, p. 19) afirmam que:
166 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Nesse sentido, não podemos deixar de destacar o alto nível de influência
que instituições financeiras, guardiãs do sistema capitalista internacio-
nal, como o Banco Mundial, exercem sobre as diretrizes e os planos
educacionais e, particularmente, sobre aqueles referentes à formação de
professores.
Em se tratando das armadilhas encontradas nos discursos dos tex-
tos legais e das diretrizes pedagógicas resultantes das reformas educacio-
nais, esses autores concordam que a despeito das promessas de toda ordem
para os professores e do estilo sedutor dos documentos, “fica patenteada
nas entrelinhas e entre as palavras a condição de tarefeiros ou meros exe-
cutores do trabalho pedagógico que lhes é destinada” (idem, p. 30).
Não é possível afirmar, entretanto, que a submissão teórica dos pro-
fessores e profissionais de educação a outros campos científicos ocorreu
apenas por opressão; mas também e fundamentalmente pela sua fragilidade
teórico-prática que os impedia de uma maior ponderação e reflexividade
acerca da procedência e exequibilidade de aplicação das determinações das
outras ciências ao campo da educação brasileira. Tal fragilidade alimenta o
substrato que sustenta e perpetua a heteronomia nas práxis dos profissio-
nais de ensino. Não é raro que as pesquisas empíricas com professores no
cotidiano das escolas atualmente apontem para uma prática desarticulada
de uma abordagem teórica que a justifique. Dessa forma, muitas vezes é
possível comprovar a fragilidade da formação profissional quando os pro-
fessores impõem o aluno como único responsável por sua dificuldade em
aprender e por seu fracasso escolar.
A crise do processo formativo profundamente discutida nos estudos
de Adorno (2006) é característica da heteronomia profissional obstando a
emancipação no campo da educação. Conclui-se que em face da heterono-
mia os profissionais de ensino tornaram-se dependentes do discurso médi-
co – psicológico, fenômeno ainda observado no cotidiano da escola no Bra-
sil. Diante da frágil formação que lhe é dispensada e não se considerando
um especialista em técnicas pedagógicas e procedimentos de pesquisa cien-
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 167
tífica, o professor se limita a ser um mero transmissor de conhecimentos e
reprodutor de uma prática pedagógica arcaica e secular.
2 - O Discurso das Ciências no Campo da Educação: re-
lações da medicina e da psicologia com a aprendizagem
escolar
Como um dos fenômenos históricos mais contundentes do
processo de educação, as dificuldades de aprendizagem escolar têm
sido o viés pelo qual diferentes ciências buscam a escola como cam-
po de pesquisas e a aprendizagem como objeto de estudo. Nesse senti-
do, dois campos científicos se destacam instaurando teorias e práticas
a serem adotadas pelos pedagogos nas escolas: a medicina e a psicologia.
No âmbito da medicina, o médico é instituído com seus sabe-
res e poder para determinar o destino das escolas e dos escolares, re-
afirmando desta forma, segundo Stephanou (2006) a precariedade
da pedagogia para cuidar e educar crianças e jovens na escola. O po-
der do discurso médico dirigido para o campo da educação estrutu-
rou o processo de medicalização do ensino que se expandiu até a con-
temporaneidade mobilizando grandes polêmicas e pesquisas na área.
No que tange ao impacto do conhecimento psicológico sobre a edu-
cação, ele se configurou pela ampliação do processo de patologização da
aprendizagem com os educadores, buscando a psicologia para responder
aos problemas de comportamento e de dificuldades de aprendizagem dos
alunos nas escolas. Nesta linha de pensamento, Lima (1990, p. 3) afirma:
Esta relação da Psicologia com a Pedagogia nunca foi uma relação har-
mônica e caracterizou-se, na maioria das vezes, por ser uma relação as-
simétrica, na qual a Psicologia tanto assumiu quanto foi considerada
portadora de uma autoridade que ultrapassou, evidentemente, os limites
de sua competência.
168 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Entretanto, não cabe à Psicologia a responsabilidade exclusiva por
essa intromissão; ela encontrou no campo educativo o terreno fértil para
plantar suas ideias na medida em que foi constantemente procurada pela
educação para explicar problemas relativos ao fenômeno educativo, segun-
do a autora.
Isto posto, importa relembrar alguns acontecimentos históricos re-
lativos a esses dois campos de conhecimento, a fim de iluminar as condições
em que ocorreram as influências no âmbito da educação.
Os estudos de Foucault (1977, 2001) são ímpares em desvendar como
se constituíram os saberes médicos fundamentados gradativamente em um
discurso sobre os acometimentos de doenças que interferiam na saúde do
homem, desde os pontos de vista físico e orgânico, visíveis e palpáveis até
atingir o funcionamento mental, cujas causas invisíveis culminaram com
os estudos da medicina mental pela via do interesse pelo entendimento e
explicação da loucura. Fenômenos individuais, sociais e políticos ocuparam
o espaço de atenção da medicina que foi sendo instituída do poder de cura e
cuja verdade foi aceita de forma incondicional. A medicalização evoluiu do
foco no corpo individual se expandindo para o corpo social, com o surgi-
mento da medicina social. À medicina coube o poder de erradicar a doença.
O final do século XIX e início do século XX foram considerados o
período de apogeu do Higienismo com a ciência médica tornando-se hege-
mônica em todo o mundo. O poder médico instituído pela sociedade e pelo
Estado teve penetração em todos os espaços e setores sociais e, entre eles
atingiu a educação e as condições de escolaridade dos alunos. A sociedade
foi (e permanece) medicalizada pela ação da ciência médica.
Emerge desse período histórico a evidência de que o discurso mé-
dico se consolidou e esteve implicado com a educação e com a vida das
pessoas de forma determinante em diferentes épocas resultando em repre-
sentações sociais de verdades absolutas tanto no campo da saúde como no
campo da educação.
Nas primeiras décadas do século XX, os médicos sistematizaram e
articularam saberes a serem acatados pelas famílias e pelas escolas, inter-
ferindo, assim, nas práticas de educação dos filhos e no processo de ensino
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 169
e na aprendizagem nas escolas. Ao poder médico e à sacralização de seu
discurso era conferida a autoridade de expor críticas aos processos esco-
lares, aos programas de ensino considerados ultrapassados e ineficazes e
que exacerbavam na prática da memorização. Além disso, somavam-se as
críticas quanto às condições de insalubridade dos prédios escolares e as
deficiências na formação dos professores (STEPHANOU; BASTOS, 2012).
A influência do discurso médico sobre a educação determinou for-
mas de agir, pensar, sentir, e também o comportamento das crianças e dos
professores e prescreveu um modelo de educação à época. Desse modelo,
algumas condutas, comportamentos e procedimentos reminiscentes são
observados nas práticas cotidianas nas escolas atualmente.
Esse discurso hegemônico encontrou a escola brasileira nas primei-
ras décadas do século XX enfrentando sérios problemas relativos à evasão
e ao fracasso da aprendizagem. As pesquisas mostram que era frequente
a busca por soluções médicas para o fracasso dos alunos, na tentativa de
encontrar causas orgânicas que o justificasse, atribuindo ao aluno exclu-
sivamente a responsabilidade por sua não aprendizagem. Essa atitude deu
margem ao surgimento da chamada “medicalização do fracasso escolar”
(COLLARES; MOYSÉS, 1996; WERNER, 2005).
Por outro lado, enquanto os médicos continuam desenvolvendo po-
líticas de higienização pela via da prevenção, como por exemplo os progra-
mas de vacinação em massa visando erradicar doenças e obter indivíduos
sadios, capazes de um desenvolvimento saudável e de aprendizagem, ainda
se observam altos índices de fracasso e de evasão escolar, além da exclusão
dos alunos com deficiência e dos julgados incapazes de aprender na escola.
Atribuir ao estudante a incapacidade ou a dificuldade de aprender evidencia
a desresponsabilização da escola e uma postura de avaliação do problema
de forma enviesada, na medida em que a aprendizagem se constitui em um
processo que exige a interação de fatores diversos relacionados não apenas
ao estudante, mas à instituição de ensino e aos seus profissionais e, eviden-
temente, às políticas públicas de educação do país.
Em relação ao estudante há a defesa incontestável de que todos são
170 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
capazes de aprender, mesmo os que possuem algum tipo de deficiência (VY-
GOTSKY, 1995). A capacidade de aprender só cessa com a morte do indi-
víduo; todos carregam uma bagagem de potencialidade inata que será esti-
mulada satisfatoriamente ou não pelas condições sociculturais do ambiente
individual e coletivo de cada um. Portanto, é inconcebível um diagnóstico
médico ou de qualquer outra especialidade que afirme a impossibilidade de
aprendizagem do aluno na escola. É lógico que para toda regra há exce-
ções; esta se aplica para os casos das pessoas em estado de vida vegetativa.
Em relação à instituição de ensino e aos profissionais, o que se ob-
serva é uma profunda desarticulação entre a prática da educação e os an-
seios do alunado. Uma prática da educação arcáica, reproduzindo modelos
tradicionais e obsoletos comparativamente com a evolução tecnológica e de
conhecimentos que hoje invadem o espaço escolar. O que impressiona é o
fato do grande número de pesquisas desenvolvidas nacional e internacio-
nalmente mostrando a ineficácia e improdutividade desse modelo de ensino
fechado e apegado a princípios e normas ultrapassados, não são incorpora-
dos pela educação para conferir mudança na prática pedagógica da escola.
Mas, por outro lado, como desenvolver uma prática pedagógica inovadora,
diante de uma frágil formação acadêmica dos professores e profissionais de
ensino?
No âmbito das políticas públicas de educação e com o foco no tema
deste estudo que aborda o diálogo entre os profissionais da educação e da
saúde, é visível a morosidade e até mesmo a inobservância na execução dos
princípios contidos em políticas públicas emanadas dos poderes centrais
nos campos institucionais a que se destinam. Usando como ilustração a
atual Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva, regulamentada pelo MEC em 2008, ela apresenta entre os seus
objetivos a garantia de articulação intersetorial na implementação de polí-
ticas públicas e explicita:
Para assegurar a intersetorialidade na implementação das políticas pú-
blicas a formação deve contemplar conhecimentos de gestão de sistema
educacional inclusivo, tendo em vista o desenvolvimento de projetos em
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 171
 parceria com outras áreas, visando à acessibilidade arquitetônica, aos
atendimentos de saúde, à promoção de ações de assistência social, traba-
lho e justiça (BRASIL, 2010).
Entretanto, o que se percebe é uma total desarticulação entre os
diversos campos científicos revelada tanto em nível de Órgãos ministe-
riais, como por meio da prática e do ensino isolados dos professores das
disciplinas curriculares no cotidiano das escolas. O diálogo está ausente na
maioria dos espaços profissionais. A parceria entre os campos da saúde e
da educação na implementação das políticas públicas, por sua vez, esbarra
em dificuldades estruturais e atitudinais de ambos os campos de conhe-
cimento. Em termos de estrutura de atendimento, há uma colocação por
parte dos profissionais da saúde que apontam a dinâmica do atendimento
como um fator complexificador para o estabelecimento de ações articuladas
e conjuntas com os profissionais da educação, no trato das condições de
aprendizagem dos alunos, a dinâmica do atendimento. Ou seja, enquanto
os professores convivem durante um ano letivo com um único grupo de
alunos, o médico, por exemplo, chega a atender de 30 a 40 pacientes por dia
em seu consultório ou no ambulatório do hospital (PINTOR, 2013). Essa
dinâmica acarreta, muitas vezes, uma visão médica do aluno desencontrada
da visão do professor que acompanha diariamente o mesmo aluno em seu
processo de aprendizagem.
As atitudes dos profissionais dirigidas para o aluno com deficiência
ou o que apresenta dificuldades escolares estão forjadas pelos estudos e co-
nhecimento que possuem (ou não) acerca das condições e fatores que inter-
ferem na aprendizagem humana. Assim, mais uma vez, a precária formação
do profissional de educação, mesmo de profissionais do campo “psi”, tende
a atribuir ao aluno ou à sua família a responsabilidade por seu não apren-
der, assumindo uma atitude de desresponsabilização e, consequentemente,
patologizando a condição do aluno.
Quanto ao profissional de saúde, em tese, ao tomar conhecimento
das queixas oriundas da escola tende a creditar o procedimento do enca-
172 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
minhamento, fechando um diagnóstico muito mais baseado na queixa do
professor, do que na busca de uma avaliação holística e em uma investiga-
ção das condições biológicas, sociais e psicológicas do paciente. É comum
o profissional médico especificamente, sintonizar na doença e/ ou na de-
ficiência deixando de ver a criança, a pessoa que tem a doença, a deficiên-
cia. (VYGOTSKY, 1995). Dessa forma, não raro são emitidos diagnósticos
que tendem a interferir da dinâmica pedagógica e na soberania da escola
quanto à determinação dos procedimentos educacionais adequados para o
aluno. Quando há fragilidade na formação do profissional da educação, a
autoridade médica se impõe como norma, sem questionamentos e diálogo
entre as partes.
No campo da psicologia no Brasil foi notória a influência sobre a
educação das práticas oriundas da Psicometria, período que emergiu a par-
tir da criação do primeiro teste de inteligência pelo psicólogo Alfred Binet,
na França, em 1905. Deve-se ressaltar, no entanto, que a psicologia esco-
lar possui um arcabouço teórico e instrumental originário da medicina, o
que lhe confere uma identidade baseada no modelo médico, segundo Pato
(1990).
No início do século XX, a atuação quase exclusiva dos psicólogos no
campo da educação estava direcionada para a aplicação de testes que tinham
como principais objetivos: a) a classificação das crianças, com relação à sua
capacidade para aproveitar os diferentes tipos de instrução escolar; b) a iden-
tificação, de um lado, dos intelectualmente retardados e, de outro lado, dos
bem dotados; c) o diagnóstico dos fracassos acadêmicos; d) o aconselhamen-
to educacional e vocacional de estudantes de ginásios e universidades; e) a
seleção de candidatos para escolas profissionais e outras escolas especiais
(ANASTASI, 1975).
Enquanto modelo de avaliação de estudantes, os testes, que ainda es-
tão presentes em muitas instituições, embora com outros objetivos, têm sido
alvo de muitas críticas por seus aspectos preditivos como prescritivos. Pri-
meiramente porque os testes padrões se baseiam no pressuposto de um aluno
tipo da cultura majoritária. Alunos de nível sociocultural desfavorecido po-
dem não apresentar o mesmo desempenho no teste e receber uma classifica-
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 173
ção inadequada. Em segundo lugar, os testes apontam a fraqueza da própria
criança cujo diagnóstico serve para fixar o seu destino acadêmico na medida
em que estabelece um rótulo de sucesso ou de fracasso, de competente ou de
incompetente, influenciando, muitas vezes, a probabilidade de o aluno vir a
ser encaminhado para a escola especial, segregado do ensino comum. Final-
mente, o diagnóstico do teste não é capaz de construir métodos e programas
educacionais que conduzam a superação das fraquezas dos alunos.
Com base no pensamento de Wallon (1975), o método dos testes se
constituiu exclusivamente em um meio de análise, de investigação e de me-
dida; mas não ofereceu possibilidades de investigação do desenvolvimento e
do processo de aprendizagem ou caminhos para que a partir dos resultados
dos testes fossem construídos novos programas educacionais e estratégias
de aprendizagem.
Mesmo com o arrefecimento da onda de aplicação de testes nas es-
colas na segunda metade do século XX, os professores continuam a soli-
citar aos psicólogos formas de proceder com o fracasso escolar e também
com os comportamentos inadequados e disruptivos em sala de aula.
Além da influência dos testes no cotidiano das práticas pedagógicas,
estudos como os de Piaget, de Wallon e de Vygotsky são utilizados pelos
educadores muitas vezes de forma reducionista e superficial sem o devido
aprofundamento teórico. Essas teorias do campo da psicologia foram ampla-
mente difundidas no Brasil e continuam com grande penetração nos circuitos
acadêmicos escolares e universitários. Em contrapartida, é notória a desarti-
culação entre o conhecimento teórico e a aplicação prática dessas abordagens
teóricas no cotidiano da escola denunciando a frágil formação do professor,
contribuindo como um dos principais fatores inerentes ao fracasso escolar.
Os saberes do campo médico e do campo psicológico mobilizados
para buscar solucionar os problemas “da” e “na” escola permanecem institu-
ídos no imaginário social com poder hegemônico capaz de ditar os saberes
e fazeres dos agentes educacionais. Tornam-se imprescindíveis profundos
empreendimentos no campo das reformas sociais e educacionais que visem
não apenas resgatar a voz, mas, principalmente, consolidar a identidade e
174 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
autoestima dos professores, por meio de estudos e de pesquisa que os ca-
pacitem a intervir criticamente diante dos problemas de aprendizagem dos
alunos na escola.
Considerações Finais
A supremacia e a hegemonia desse discurso, muitas vezes autoritá-
rio, sobre a educação têm afastado e coibido uma interlocução mais estreita
entre os profissionais da educação e da saúde, a despeito da necessidade
desse diálogo.
A perspectiva indica que o avanço das políticas públicas de saúde e
educação só será possível nesse novo milênio a partir da efetiva implemen-
tação da intersetorialidade operacionalizada pela via do diálogo interdis-
ciplinar entre os profissionais dos diversos campos de conhecimento, com
foco para o tema em debate sobre os profissionais da educação e da saúde.
Estudos como o de Collares e Moysés (1996), Belisário Filho (1999), Wer-
ner (2005), Glat, Fernandes e Fontes (2006), Pintor (2012) entre outros,
confirmam os ganhos que podem emergir do diálogo entre os profissio-
nais da educação e da saúde e, sobretudo, para os usuários desses serviços.
Nessa linha de discussão, tanto a educação pode se beneficiar com os co-
nhecimentos das disciplinas da área médica, como a saúde pode enriquecer
sua prática ao conhecer as estratégias pedagógicas utilizadas pela educação
para impulsionar o desenvolvimento infantil. Otimizar esse diálogo, mes-
mo reconhecendo o equilíbrio delicado existente no seu processamento,
permanece se constituindo em um grande desafio para a promoção da saú-
de do aluno na escola e da população em geral, além de se impor como uma
exigência profissional e humana.
Nessa linha de pensamento a respeito do diálogo, Paulo Freire
(1987, p. 79) afirma:
E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus
sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não
pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 175
 tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos
permutantes.
Urge reconhecer que os saberes são diversos e complementares; por-
tanto, a verdade não é privilégio nem está restrita a um único campo de
conhecimento. Este não pode ser “doado” como uma dádiva; ele é em si in-
completo, mas passível de ser complementado incessantemente pela busca de
outros saberes.
A prática da dialogicidade, da interlocução é essencial entre os pro-
fissionais da educação e da saúde, pois o que se deseja é encontrar um con-
senso entre os diversos campos de conhecimento que venha em direção ao
respeito às diferentes posturas teóricas evitando-se a supremacia de umas
sobre as outras. Impedir o silenciamento forçado ou opcional de determi-
nados profissionais diante da suposta autoridade de discursos específicos.
Deseja-se dar a voz e ouvir os profissionais da educação e da saúde sobre
o que eles têm a dizer acerca do aluno e de sua aprendizagem, mas, sobre-
tudo, ouvir o próprio aluno, para desvendar a educação a que tem direitos,
enquanto cidadão.
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tas. Tomo Cinco. Ciudad de Habana: Editorial Pueblo y Educación, 1995. processo de ensino-aprendizagem em biologia
Maurício dos Santos Araújo40
Aracelli de Sousa Leite41
Sebastiana Ceci Sousa42

Introdução

O processo de inclusão de pessoas com deficiência vem sendo discu-

tido, atualmente, no contexto social e educacional. A deficiência pode ser
caracterizada como a ausência ou a disfunção de uma estrutura anatômica,
fisiologia ou psíquica. Por isso, são observados cinco tipos, tais como: o
Transtorno do Espectro Autista (TEA), auditiva, física, mental e visual
(BRASIL, 2004). Sendo que a deficiência auditiva vem crescendo bastante,
pois, no último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
tatística (IBGE), são cerca de 1.799.885 pessoas no Brasil que apresentam
grande dificuldade no que diz respeito a essa deficiência (IBGE, 2010).
De acordo com a Constituição Federal de 1988, a educação é um
direito de todos os brasileiros, deve ser promovida e incentivada por todos
40
Graduado em Ciências Biológicas Pelos Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí - IFPI.
Mestrando em Genética e Melhoramento pela Universidade Federal do Piauí - UFPI. Está trabalhando atual-
mente na área de Genética Quantitativa com melhoramento de espécies vegetais e em Genética Toxicológica
com avaliações tóxicas, citotóxicas, genotóxicas e mutagênicas de chás extraídos de plantas medicinais.
41
Possui graduação em Licenciatura Plena em Biologia pelo Centro Federal de Educação Tecnológica do Piauí
(2005), mestrado em Genética e Toxicologia Aplicada pela Universidade Luterana do Brasil (2009) e doutorado
em Biotecnologia pela Rede de Biotecnologia do Nordeste (2015). Atualmente é professora do Instituto Federal
do Piauí. Tem experiência na área de Genética, com ênfase em Genética Toxicológica, e biotecnologia atuando
principalmente nos seguintes temas: toxicidade, citotoxicidade, genotoxicidade e antioxidante.
42
Doutora em Artes e Humanidades pela Universidade Nacional do Rosário – Argentina, atualmente é pro-
fessora efetiva do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – IFPI. Desenvolve trabalhos
interdisciplinares na Educação Básica, com escopo no ensino de Matemática.

178 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 179

em colaboração com a sociedade e, ainda, seu preparo deve promover a ple-
na qualificação para o mundo do trabalho e uma prática cidadã (BRASIL,
1998). Tendo como ponto de partida essas concepções, as pessoas estão
exercendo esse direito educativo, mas, muitas vezes, a comunidade escolar
não está preparada para atender o aluno, principalmente aquele com defi-
ciência. O despreparo, às vezes, do professor em sua formação inicial pode
contribuir para a realização de uma prática simplista (SHAW; ROCHA,
2017).
Nesse sentido, as atividades que visem à articulação entre teoria e
prática e possibilitem a aprendizagem do aluno é de fundamental impor-
tância para a construção de uma escola inclusiva. A inserção do aluno com
deficiência na rede regular de ensino é primordial, porém a escola deve se
certificar se está havendo o processo de inclusão. Nessa perspectiva, esse
aluno deve ser ouvido para que juntos: escola, família e aluno possam bus-
car estratégias para melhorar a aprendizagem em sala de aula. Tendo como
base o atual contexto em que a deficiência auditiva se encontra no Brasil, o
presente estudo teve como objetivo analisar as contribuições de uma oficina
pedagógica utilizando metodologias ativas voltadas à deficiência auditiva,
realizada com estudantes do curso Técnico em Informática do Instituto
Federal do Piauí-IFPI/ Campus Floriano.
1- Aspectos Legais sobre as Deficiências
A Lei nº. 13.146, de 6 de julho de 2015, instituiu a Lei Brasileira
de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que tem como objetivos assegurar
e promover condições que valorizem a igualdade e liberdade das pessoas
com deficiência. Por isso, buscam-se atitudes voltadas para a inclusão social
direcionada à prática cidadã (BRASIL, 2015a). Nesse sentido, considera-se
uma pessoa com deficiência, aquela que é impossibilitada a longo prazo
por meio dos aspectos físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais os quais
dificultam a capacidade de participar de forma efetiva do convívio social e
de desenvolver determinadas atividades (BRANCO; PARIZOTTO, 2016).
180 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Segundo o Decreto Federal nº. 5.296 de 02 de dezembro de 2004,
consideram 05 (cinco) tipos de deficiências: TEA, auditiva, física, mental e
visual. A literatura enfatiza que desde a antiguidade, as pessoas que possuí-
am algum tipo de deficiência eram marginalizadas pela sociedade (BRASIL,
2004). Com o passar dos anos, essas concepções foram se modificando, porém
identifica-se, ainda, a discriminação nas atitudes de muitas pessoas. Por isso,
através de estudos e debates sobre a temática, foi publicado um documen-
to que retratava esse assunto, o qual foi discutido na Convenção Interna-
cional Contra a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.
Considera-se a discriminação como qualquer forma de exclusão, restrição ou
preferência por conta de qualquer fator inerente ao indivíduo, pois todas as
atividades sociais devem ser pautadas em princípios de igualdade, liberdade
e fraternidade de acordo com a constituição (NAZARI; MACHADO, 2014).
Na década de 1990, as pessoas com deficiência foram inseridas no
ambiente educacional. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nº.
9.394 de 20 de dezembro de 1996, instituiu a Educação Especial como uma
modalidade de ensino, que deve ser realizada preferencialmente na rede
regular com o objetivo de integrar e incluir as pessoas com deficiência no
mesmo ambiente onde os alunos ditos “normais” estão inclusos (BRASIL,
2015b). Um marco de grande relevância no estudo dos processos sobre a
inclusão de pessoas com deficiência foi a Declaração de Salamanca, docu-
mento elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO), que versa sobre a igualdade de oportuni-
dades para pessoas com deficiência, no qual os Estados devem oportunizar
esse modelo educacional a essas pessoas de forma que integre ao currículo
escolar desses estudantes (BRASIL, 1994).
Segundo o último censo realizado no Brasil no ano de 2010, pelo
IBGE, existe cerca de 45.623.910 (quarenta e cinco milhões seiscentos e vin-
te e três mil novecentas e dez), com algum tipo de deficiência, perfazendo um
total de 23,9%. No Estado do Piauí, evidencia 860.430 (oitocentas e sessenta
mil quatrocentas e trinta) pessoas, atingindo cerca de 27,59%, sendo que um
terço da população piauiense possui algum tipo de deficiência (IBGE, 2010).
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 181
2 - Deficiência Auditiva
A deficiência auditiva pode ser entendida como a perda parcial ou
total, podendo ser ocasionada por uma má formação congênita ou algum
tipo de lesão no aparelho auditivo (SILVA; FELIPE, 2017). O processo de
comunicação das pessoas surdas é realizado através da linguagem de sinais,
que facilita essa conversação. O manual intitulado “Superando as diferen-
ças: dicas e orientações de como se relacionar com pessoas com deficiência”,
criado pela Secretaria de Estado da Educação/SEDUC em parceria com o
governo do Estado do Piauí, discutem estratégias que facilitam a comuni-
cação com as pessoas com deficiência auditiva. Segundo esse documento,
no momento da conversação, mesmo que a pessoa não fale a Língua Bra-
sileira de Sinais (LIBRAS), é importante que realize a comunicação, além
disso, para iniciar a conversa, é interessante que acene ou toque levemente
no braço para que ela possa entender sua intenção e falar diretamente com
a pessoa com deficiência, a fim de que ela possa entender (DIFERENÇAS,
2017).
De acordo com a Lei nº. 10.436, de 24 de abril de 2002, foi aprovado
a LIBRAS como a segunda língua brasileira. Entende-se como LIBRAS a
comunicação e expressão por meio de sistema linguístico de caráter visu-
al-motora, com estrutura gramatical própria que possibilita a comunica-
ção entre essas pessoas. Foi incluída como parte integrante dos cursos de
formação inicial de professores, para que tenham essa experiência, princi-
palmente no que diz respeito à deficiência auditava, além disso foi inserida
no curso de fonoaudiologia como parte integrante da formação (BRASIL,
2002). Observa-se que muitas Instituições de Ensino Superior (IES), a par-
tir da implementação do Decreto-Lei nº. 5.626 de 2005, começaram a inse-
rir no currículo a LIBRAS enquanto disciplina formativa.
182 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
3 - Metodologias Ativas no Processo de Ensino-Apren-
dizagem em Biologia
A Biologia é uma área do conhecimento que tem a capacidade de
propiciar a seus alunos a correlação entre teoria e prática, através de ativi-
dades pautadas em uma aprendizagem significativa (KRASILCHIK, 2016).
O conteúdo de ácidos nucleicos compreende o Ácido Desoxirribonucleico
(DNA) e o Ácido Ribonucleico (RNA) que são importantes na expressão
gênica, caracterizando parte integrante dos conteúdos de Biologia. Tra-
balhar esse conteúdo no Ensino Médio, através de metodologias ativas, é
um desafio inerente à prática formativa do professor, devido, muitas vezes,
às dificuldades que os alunos possuem em abstrair os conceitos teóricos,
processos básicos e a visualização de forma prática desses processos bioló-
gicos, além do uso das Tecnologias da Comunicação e Informação (TICs)
(MARTINEZ; PAIVA, 2008).
A utilização de metodologias ativas no ensino de Biologia é de gran-
de relevância no contexto educacional. Esse modelo de ensino, coloca o
aluno como ser protagonista no processo de ensino-aprendizagem (MO-
REIRA; RIBEIRO, 2016). As metodologias ativas são recursos importan-
tes para a formação crítica e reflexiva dos alunos, pois promovem a capa-
cidade de o aluno construir uma aprendizagem significativa. Durante esse
processo, é comum a construção de materiais didáticos, jogos e ferramentas
tecnológicas que favorecem a autonomia e curiosidade do aluno (BORGES;
ALENCAR, 2014).
O computador tornou-se, atualmente, uma ferramenta educacional de
grande valia no processo de ensino-aprendizagem. O uso de programas educa-
tivos auxilia o professor em sua prática formativa, tornando esse conhecimen-
to científico mais próximo da realidade dos alunos. Dessa forma, o programa
Hand Talk é um exemplo de aplicativo que tem auxiliado a prática pedagógica,
no que se refere à tradução verbal ou escrita em tempo real em gestos de LI-
BRAS, ajudando-o aos alunos com deficiência auditiva (SANTOS, 2015).
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 183
4 - Materiais e Métodos
4.1 - Caracterização da Amostra
A pesquisa foi desenvolvida no Instituto Federal de Educação, Ci-
ência e Tecnologia do Piauí – IFPI, Campus Floriano. O grupo amostral
foram 21 (vinte e um) alunos da 2º série do Ensino Médio integrado ao
curso técnico em informática. Inicialmente, adotou-se a técnica de rapport,
na qual o pesquisador faz algumas visitas ao local pesquisado, a fim de co-
nhecer o cotidiano dos participantes, além de explicar qualquer dúvida que
venha a surgir sobre o estudo (BARBOSA, 2007).
Adotou-se uma pesquisa com abordagem qualitativa com enfoque des-
critivo. Para isso, buscou-se entender mais de perto o loco em que os partícipes
estão inseridos, a fim de compreender suas ideologias, questionamentos e pontos
de vista, para que todos os aspectos intrínsecos e extrínsecos do estudo sejam
apresentados.
Como instrumento de coleta de dados, utilizou-se um formulário ele-
trônico (pré-teste) com perguntas abertas e fechadas que foi disponibilizado
na plataforma Google Forms, com o objetivo de identificar os conhecimentos
prévios dos alunos a respeito do processo de inclusão de pessoas com defi-
ciência auditiva, além de conhecer as dificuldades presentes no processo de
ensino-aprendizagem em Biologia. Para Heidemann, Oliveira e Veit (2010), a
utilização de formulários em pesquisas científicas é de grande relevância, pois é
considerada uma ferramenta que propicia ao pesquisador praticidade e rapidez
durante a coleta de dados.
4.2 - Operacionalização da Oficina de LIBRAS
A oficina intitulada “Novas Possibilidades Inclusivas no Ensino de
Biologia” teve como objetivo abordar a temática deficiência em uma pers-
pectiva educacional. A realização desta atividade foi concretizada no Labo-
ratório Interdisciplinar para a Formação de Educadores para a Educação
(LIFE), local que dispõe de um conjunto de recursos didáticos e tecnológi-
cos para a formação de professores para atuar na Educação Básica no IFPI.
Inicialmente, foi ministrado uma aula sobre o atual contexto em que
184 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
a deficiência auditiva está sendo abordada no Brasil, apresentando questio-
namentos e ouvindo relatos dos alunos a respeito do preconceito, dificulda-
des e casos de sucessos que já ocorreram no núcleo familiar dos estudantes.
Logo após, exibiu-se alguns vídeos autoexplicativos sobre o processo de
inclusão de pessoas com deficiência no ambiente social e educacional. Além
disso, apresentou-se as limitações das pessoas com deficiência auditiva no
contexto social e as possibilidades educacionais disponíveis nos dias atuais,
como, por exemplo, a criação de recursos didáticos que podem auxiliá-los
durante esse processo formativo.
Tomando como base as concepções sobre inclusão, a turma foi dividida
em 04 (quatro) grupos, sendo três contendo cinco alunos e um com seis. Foi
proposto aos alunos que criassem uma cartilha ilustrativa (Fanzine) sobre o
conteúdo de Ácidos Nucleicos, onde deveriam apresentar ao longo do texto
o diálogo em LIBRAS. Para isso, utilizou-se de recorte e colagem de letras e
figuras, desenhos e pintura manual com o objetivo de que os alunos correlacio-
narem os gestos provenientes da Libras com o conteúdo trabalhado nas aulas
de Biologia.
O aplicativo utilizado foi Hand Talk. Ele é disponibilizado na pla-
taforma Android de forma grátis o qual ajuda o professor em sua prática
pedagógica, pois converte o áudio e os caracteres em gestos provenientes
da Libras. Baixou-se o aplicativo em 04 (quatro) tablet’s disponibilizados
pelo laboratório LIFE e distribuiu-os para cada grupo a fim de promove-
rem diálogos e traduzir palavras específicas da Biologia para auxiliá-los na
confecção do Fanzine.
4.3 - Coleta e Análise dos Dados
Após a concretização das atividades, aplicou-se o segundo formulá-
rio reflexivo (pós-teste) para identificar as contribuições deixadas através
da oficina. Os dados foram analisados tendo como parâmetro a análise de
conteúdo proposta por Bardin (2011), pois é considerado um conjunto de
técnicas e procedimentos metodológicos que buscam identificar de forma
sistemática os conhecimentos relativos da produção/recepção da mensa-
gem. Nessa perspectiva, essa análise foi categorizada a fim de identificar os
aspectos intrínsecos e extrínseco da investigação. Os partícipes foram ca-
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 185
tegorizados seguindo uma sequência lógica de suas transcrições, atribuin-
do-se (E=Estudante E1, E2, E3...), a fim de apresentar as suas concepções
ao longo do texto.
5 - Resultados e Discussões
É sabido que o processo de inclusão de pessoas com deficiência vem
sendo discutido atualmente, principalmente no âmbito educacional. Nessa
perspectiva, os estudantes partícipes da pesquisa, apresentaram suas con-
cepções sobre como as pessoas devem ser incluídas efetivamente na sala de
aula (Tabela 1).
a obrigatoriedade do Estado e da família em promover a educação em cola-
boração com a sociedade. Sendo que essa formação deve propiciar um pleno
desenvolvimento e preparo para a prática cidadã e o mercado de trabalho
(BRASIL, 1998).
A Biologia é uma área do conhecimento que detém muitos processos
e conceitos. Assim, necessita de uma maior interatividade durante a apre-
sentação dos conteúdos. A percepção dos estudantes sobre quais os recursos
técnicos e pedagógicos podem ser utilizados pelo professor de Biologia para
facilitar o processo de ensino-aprendizagem de pessoas com deficiência au-
ditiva na rede regular de ensino está evidenciada na (Tabela 2).

Tabela 2 – Atividades que podem ser utilizadas pelo professor de

Tabela 1 – Discussões dos estudantes do IFPI/Floriano sobre o
Biologia quando houver alunos com deficiência auditiva em sala de aula.
processo de inclusão de pessoas com deficiência no ambiente educacional e
os mecanismos de inclusão dessas pessoas.

Fonte: Dados Empíricos da Pesquisa (2017).

Fonte: Dados Empíricos da Pesquisa (2017).

Evidenciou-se que a maioria dos estudantes enumeram o direito à

Identificou-se que os estudantes apresentam o interprete de LI-
educação, e que a deficiência não pode impossibilitar o processo de escola-
BRAS como uma ferramenta que pode auxiliar o professor em sua prática
rização da pessoa com necessidades especial. Além disso, é importante, na
formativa. A utilização de metodologias ativas e atividades adaptadas para
perspectiva dos estudantes, que as pessoas com deficiência se sintam inclu-
esse novo público tornou-se uma das questões mais discutidas pelos alunos.
ídas por todos no ambiente educacional. Esses resultados vão ao encontro
Nesse sentido, a utilização de simuladores no processo de ensino-aprendi-
do que é discutido na Constituição Federal Brasileira, o qual discute sobre
zagem em Biologia tem chamado a atenção dos educadores, principalmente

186 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 187

por conseguirem em um curto período de tempo, mostrar um processo que
levaria milhares de anos na natureza (ARAÚJO; SOUSA; CRUZ, 2016). O
professor é um agente de transformação, e, por isso, sua prática deve favo-
recer a todos os alunos a possibilidade de construir sua aprendizagem. As
percepções dos estudantes a respeito das aulas de Biologia estão descritas
na (Tabela 3).
Tabela 3 - Percepção dos estudantes sobre a postura docente no
processo de inclusão de alunos com deficiência no ambiente escolar.
Fonte: Dados Empíricos da Pesquisa (2017).
Evidenciou-se que, 38% consideram a aula inclusiva, pois o profes-
sor possibilita em suas aulas a capacidade de todos os alunos, os ditos “nor-
mais” e os com deficiência auditava; 43% apresentaram que o professor
trabalha em uma perspectiva inclusiva, porém há muitas dificuldades nesse
processo; e, 19% discutem a operacionalidade da aula de forma equitativa,
ou seja, igual para todos sem levar em conta as deficiências dos alunos com
deficiência.
A utilização de programa e aplicativos no ambiente educacional vem
chamando a atenção da comunidade escolar, principalmente por conta da
sua efetividade no processo de ensino-aprendizagem. Assim, 33% dos estu-
dantes consideram que é possível trabalhar determinados assuntos, por ou-
tro lado, 67% consideram que não é possível trabalhar conteúdos de Biolo-
gia através dessas ferramentas tecnológicas. Nessa perspectiva, a Biologia
188 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
tem um leque de possibilidades, podendo ser trabalhada de forma interativa
por meio de atividades práticas e contextualizadas. O uso de recursos didá-
tico-pedagógicos tem contribuído de forma significativa para a construção
de uma aprendizagem significativa, pois coloca o aluno em uma perspectiva
de protagonista do processo formativo (ROSA; LANDIM, 2014).
A proposta da oficina foi desenvolver uma atividade, com o auxílio
do aplicativo Hand Talk, objetivando trabalhar os principais sinais referen-
te ao conteúdo de ácido nucleico. A partir de então, criou-se um Fanzine, li-
vreto com informações sobre o DNA e RNA, além de trabalhar o conteúdo
em uma perspectiva inclusiva através das LIBRAS (Figura 1).
Figura 1 – Fanzine construído pelos estudantes do curso Técnico
em informática do IFPI/Floriano sobre o conteúdo de ácidos nucleicos
trabalhado em LIBRAS.
A: capa do Fanzine produzido durante a oficina; B: descrição sobre os ácidos nucleicos na
língua brasileira de sinais e transcritos em português; C: estrutura molecular do ácido
ribonucleico e as bases nitrogenadas.
Fonte: Dados Empíricos da Pesquisa (2017).
A utilização de metodologias alternativas no ensino de Biologia tem
contribuindo para a construção de uma aprendizagem significativa, na per-
cepção dos estudantes. Após a conclusão das atividades desenvolvidas, bus-
cou-se saber se a construção do Fanzine propiciou a assimilação de deter-
minados sinais em LIBRAS, e os resultados foram que 75% confirmaram
que sim, os principais sinais, 5% não conseguiram correlacionar os termos
e 20% afirmaram que parcialmente, vendo a necessidade de mais atividades
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 189
como essas para que haja um melhor entendimento. Os resultados gerados
através da oficina despertaram uma discussão ampla sobre a temática, pro-
movendo inúmeras possibilidades de ensino e de como trilhar esse percur-
so, conforme demonstrado na (Tabela 5).
Tabela 5 – Contribuições da oficina na perspectiva dos estudantes
do IFPI/Floriano.
Fonte: Dados Empíricos da Pesquisa (2017).
Para 95% dos estudantes é possível ao professor de Biologia traba-
lhar os conteúdos da disciplina de Biologia de forma mais interativa como,
por exemplo, a criação de um Fanzine. Por outro lado, 5% consideram que
não, pois em muitos casos, pode fugir do controle e não haver a explicação
de determinados conteúdos. Portanto, o advento da globalização e o surgi-
mento das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) aju-
daram de forma significativa a vida dos surdos, principalmente no ambiente
escolar, familiar, social e no trabalho. Isso só foi possível depois da utilização
de programas computacionais e de aplicativos, como o Prodeaf, UniLibras e
Handtalk que realizam a tradução instantânea do português para LIBRAS
e vice-versa, atuando no processo de comunicação (GALVÃO et al., 2016).
190 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Considerações Finais
As pessoas com deficiência, durante anos, eram vistas como incapa-
zes dentro do contexto social. O acesso à educação foi um direito conquis-
tado, porém não desfrutado por essas pessoas. Identificou-se que muitos
alunos não tinham um conhecimento satisfatório sobre a deficiência auditi-
va, nem a compreensão sobre a importância de inclusão educacional dessas
pessoas. Logo após a realização das atividades que faziam parte da oficina,
evidenciou-se a compreensão dos alunos sobre os direitos que o deficiente
auditivo possui.
A construção do Fanzine, aliado com a utilização do aplicativo Hand
Talk, possibilitou aos alunos a retomada do conteúdo de ácidos nucleicos
e a discussão sobre as possibilidades no ensino de pessoas com deficiência
auditiva em uma perspectiva interdisciplinar. Para isso, utilizaram como
ponto de partida a LIBRAS a fim de criar um material didático para se
trabalhar na disciplina de Biologia. Nesse sentido, os alunos apresentaram
os recursos tecnológicos como uma das estratégias que podem auxiliar o
professor em sua prática pedagógica.
Portanto, evidenciou-se que os alunos construíram um novo posi-
cionamento sobre a deficiência auditiva e compreenderam a importância
do processo de inclusão para a formação de uma sociedade mais justa e
igualitária. O uso do aplicativo Hand Talk e do material didático Fanzine
contribuíram de forma efetiva para a compreensão da temática, além de
mostrar o leque de possibilidades que existe, atualmente, durante a prática
formativa com alunos com deficiência auditiva. Dessa forma, cabe à escola
juntamente com professores, alunos e representantes legais discutir estra-
tégias e possibilidades de ensino dessas pessoas com deficiência, pois todos
são capazes de apreender e possuem o direito legal.
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Ensino de ciências e deficiência visual:
da invisibilidade à construção de
alternativas para a inclusão
Alexandre Fernando da Silva43
Dulce Nogueira da Fonseca44
José Heleno Ferreira45
Carlos Alexandre Vieira 46

Introdução

A sociedade brasileira tem em sua construção histórica a sobreposi-

ção de determinados grupos em detrimento de minorias, realidade esta que
se reflete na formação do sistema educacional. Dessa forma, a reconstitui-
ção histórica das políticas educacionais, da organização e funcionamento dos
estabelecimentos escolares no país, dos processos que demarcam o acesso
à escolarização revela exclusões de grupos sociais minoritários quanto ao
direito à educação formal. Durante o período colonial o acesso ao sistema
educacional restringia-se aos homens e às elites econômicas. Essa condição
43
Licenciado e Bacharel em Química - Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) - Fundação Educa-
cional de Divinópolis (FUNEDI) (2013), Mestre em Ciências - Universidade de Franca - UNIFRAN (2016) –
Doutorando em Ciências Universidade de Franca – UNIFRAN.
44
Bacharel em Psicologia - Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) – Unidade Divinópolis (2016),
Especialização em andamento em Neuropsicologia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.
45
Graduado em Filosofia (Licenciatura) pelo Instituto de Ensino Superior e Pesquisa FUNEDI/UEMG (1986),
com especialização em Filosofia Contemporânea (PUC-MG) e Metodologia do Ensino de História (FUENDI/
UEMG) e mestrado em Mídia e Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (2001). Docente na
Educação Básica, atuando na área de Ciências Humanas, na Secretaria Municipal de Educação de Divinópolis e
no ensino superior, atuando como professor de Filosofia, Política Educacional e Metodologia Científica na Uni-
versidade do Estado de Minas Gerais - UEMG - Unidade Divinópolis.
46 Graduado em química, mestre em biotecnologia e doutor em Ciências. É docente no Centro Universitário
UNA nos cursos de Farmácia e Biomedicina, lecionando Química Analítica, Físico Química e Química Geral.
Na Universidade do Estado de Minas Gerais - Unidade de Divinópolis é coordenador do curso de química e
professor das disciplinas: química ambiental e química analítica.

194 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 195

começou a mudar a partir da metade do século passado, quando movimentos
em torno da universalização do acesso ao sistema educacional foram levan-
tados e culminaram nas leis que estabelecem o sistema educacional brasileiro
na atualidade (NASCIMENTO; FERNANDES e MENDONÇA, 2010).
Ainda hoje, a pessoa com alguma deficiência pode ter dificuldade de
acesso às políticas públicas, mesmo em uma sociedade plural como a brasi-
leira, que por vezes ignora as diferenças e estabelece serviços públicos que
desconsideram tal diversidade. Segundo dados do CENSO de 2010, dentre
a população residente no Brasil, 23,9% possuem algum tipo de deficiência
considerando aquelas que foram investigadas: visual, auditiva, motora e
mental ou intelectual. A deficiência mais comum é a visual, que afeta 18,6%
da população. O grau de severidade classificado em acordo à percepção
dos próprios entrevistados sobre suas funcionalidades, mostra que 3,46%
possuem deficiência visual severa. Dentre o total de pessoas com alguma
deficiência no Brasil, 1,6% são totalmente cegas, o que corresponde, em
números absolutos, a cerca de 729.696 pessoas (OLIVEIRA, 2010).
Os números citados demonstram quanto significativa é a parcela da
população com deficiência, especialmente visual. No entanto, esta propor-
cionalidade não se reflete nas salas de aula. Para além deste fato é preciso
destacar que apenas o acesso universalizado à educação não é garantia de
que todos estejam de fato incluídos. Inclusão vai além da presença no am-
biente escolar, está no fato de compreender os alunos em sua diversidade
e buscar alternativas didáticas para que todos tenham acesso ao conheci-
mento de forma equânime. Este pressuposto está em consonância com os
preceitos da Educação Inclusiva constantes da Declaração de Salamanca
de 1994, que afirma que pessoas com necessidades educacionais especiais
devem receber, indistintamente de suas limitações, educação equânime aos
demais (BRASIL, 1994). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
– lei 9.394 de 1996 – também estabelece estes preceitos e assegura às crian-
ças com deficiência o direito de compartilhar classes comuns do ensino
regular sob a garantia de que suas necessidades específicas sejam atendidas
(BRASIL, 1996; BRASIL, 2006).
196 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Em paralelo, os desafios no exercício do ensino-aprendizagem fa-
zem parte da prática profissional do educador. Problemas relacionados à
indisciplina, desatenção e notas insuficientes integram assuntos relacio-
nados aos planos de ensino, e outra tarefa/motivo de preocupação a todo
professor é lidar com as dificuldades de aprendizagem (MOSQUERA et al,
2015). A deficiência visual compõe o leque relacionado a estas dificuldades,
e representa crianças, adolescentes e adultos com deficiência sensorial, cujo
rendimento escolar pode apresentar-se potencialmente prejudicado, uma
vez que as escolas, bem como os educadores, necessitam de preparação no
desenvolvimento de estratégias pedagógicas que atendam a esta parcela
de seus alunos (MOSQUERA et al, 2015; FREITAS e CARDOSO, 2015).
Discussões acerca do ensino de ciências para pessoas com deficiên-
cia visual possuem base fundamentada na inclusão. O termo inclusão, em
seu significado abrangente, ultrapassa os desígnios do campo das desvan-
tagens sociais e das minorias vítimas de segregação e visa atender também
aqueles que, devido a uma fatalidade, como acidentes, a déficits do desen-
volvimento e/ou algum problema congênito se constituem como indiví-
duos com necessidades especiais. A inclusão visa, portanto, a garantia de
igualdade de acesso à educação, o que objetiva transpor limitações marca-
das pela deficiência da visão, objeto de análise deste artigo (FREITAS e
CARDOSO, 2015).
Diante do cenário apresentado, o presente texto tem por objetivo
discutir a importância do ensino científico para alunos com deficiência vi-
sual como forma de inclusão efetiva aos processos de escolarização e de-
mais ambientes sociais. Visa ainda apresentar e discutir alternativas didáti-
cas para que este ensino seja equânime e efetivo na inserção destas pessoas.
1 - O ensino de ciências nas escolas brasileiras
O ensino brasileiro, historicamente, se defrontou com inúmeros desa-
fios. Nos dias atuais, apesar dos avanços e do desenvolvimento econômico do
país nas últimas décadas, alguns desafios persistem, dentre estes a universa-
lização e especialmente a garantia de qualidade. A evasão escolar apresenta
índices alarmantes e são indicadores de que políticas públicas são ineficientes
e necessitam de reestruturações. O relatório “Cenário da exclusão escolar
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 197
no Brasil”, divulgado em 2017 pelo UNICEF - Fundo das Nações Unidas
pela Infância e Adolescência, revelou que há 2,8 milhões de crianças e ado-
lescentes fora da escola no Brasil, sendo que deste total 57% (1,6 milhão)
são jovens com idades entre 15 e 17 anos (UNICEF, 2017). Várias são as
causas da evasão escolar dentre os jovens, mas todas possuem pontos comuns
relacionadas a questões socioeconômicas, raciais, gênero e dificuldades de
acesso e inclusão de portadores de deficiência. A necessidade de inserção no
mercado de trabalho leva estes jovens a conflitar as duas atividades e, diante
das dificuldades impostas, optar por aquela que garante a subsistência. A
gravidez precoce é outro fator que contribui significativamente, o que leva
muitas mulheres a deixarem os estudos (INSTITUTO UNIBANCO, 2017).
O desafio de vencer a evasão está em paralelo ao desafio de propi-
ciar educação de qualidade àqueles que estão no ambiente escolar, e pos-
sivelmente estas questões estão relacionadas, pois o ensino de qualidade
e motivador pode contribuir para que os jovens concluam os estudos. Por
outro lado, a infraestrutura deficitária de muitas escolas impõe aos estu-
dantes com deficiências desafios que precisam ser enfrentados diariamente.
Segundo o Censo Escolar de 2016, 57,8% das escolas do país têm alunos
com alguma deficiência “incluídos” em salas comuns. No entanto, o mes-
mo Censo revela que apenas 58% das escolas que oferecem ensino médio
possuem sanitários adequados a estudantes com deficiência ou mobilidade
reduzida. Quanto à adequação das demais vias e dependências das escolas
este número é ainda menor, atingindo apenas 46,7% das escolas. Esse cená-
rio de inacessibilidade impacta no número de matrículas no ensino médio
por estudantes portadores de deficiência, que representam apenas 0,91% de
um total de 8,1 milhões de alunos (INEP, 2017).
Além destes desafios, há muito o que fazer para melhoria da qualidade
do ensino, especialmente no ensino de ciências. Sabe-se que a experimenta-
ção é fundamental no estudo de ciências naturais, no entanto, o Brasil possui
um déficit enorme de laboratórios, apenas 51,3% das escolas de ensino médio
possuem laboratórios de ciências (INEP, 2017). Quando este quesito é ava-
liado apenas em escolas públicas, o número é aterrador, apenas 8,19% das
escolas possuem laboratórios (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2017).
Tais condições se refletem nos baixos índices educacionais que o
198 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Brasil apresenta frente a outros países. Em relação ao ensino de ciências
e matemática, de acordo com o relatório Global Information Technology,
divulgado pelo Fórum Econômico Mundial no ano de 2016 (UNESCO,
2016), ocupa apenas a 133° posição em ranking com 139 países. No Pro-
grama Internacional de Avaliação de Alunos (PISA – sigla de Program for
International Student Assessment), elaborado pela OCDE – Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, também divulgado em
2016, o Brasil aparece apenas em 59° posição em ensino de ciências, consi-
derando avaliação realizada em 70 países (OCDE, 2016).
O cenário apresentado está relacionado com vários outros fatores
que interferem na universalização e qualidade do ensino nas escolas de
ensino médio do país. Os desafios de incluir e proporcionar educação de
qualidade têm relação direta com a valorização dos profissionais de educa-
ção para que tenham formação adequada ao atendimento à diversidade de
estudantes, à melhoria da estrutura escolar para acesso e oportunidade de
alternativas didáticas através do uso de novas tecnologias e ambientes di-
versificados. No entanto, a ineficácia ou ausência de políticas públicas atre-
lada à falta de percepção da sociedade brasileira em relação a importância
da educação pública de qualidade e universalizada acarretam atrasos no de-
senvolvimento do sistema educacional. O resultado é visto nos indicadores
educacionais e sociais, que revelam uma sociedade segregada, excludente
e despreparada para a multiplicidade e o dinamismo do mundo moderno.
2 - A visão e o processo de ensino-aprendizagem de ci-
ências
O conhecimento científico é estabelecido pela experimentação dos
fenômenos naturais, dessa forma o ensino de ciências é eminentemente ex-
plorador dos sentidos. A visão como parte da percepção de mundo é funda-
mental no processo de ensino-aprendizagem. Como afirma Rubem Alves,
“a primeira função da educação é ensinar a ver”, através da visão o aluno
percebe o mundo em suas belezas e diferenças (ALVES, 2004).
O ato de lecionar ciências é um claro exemplo, a ilustração de sím-
bolos, fórmulas, cálculos e equações ocorre pela exploração da percepção do
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 199
aluno, através de cores, sons, cheiros e tato. Substâncias que alteram sua cor
através da variação do meio reacional, reações químicas que produzem sons
ou mudanças de temperatura somente são percebidas pelo uso dos sentidos,
assim, quando um destes está ausente, é preciso criar alternativas didáticas
que possam conduzir o estudante com deficiência ao conhecimento científico.
A capacidade de aprender está relacionada com a exploração dos cinco sen-
tidos que, uma vez comprometida, resultará na interferência da formação de
novos esquemas, o que significa que o aluno incorrerá em problemas capazes
de alterar sua capacidade em aprender (MOSQUERA et al 2015).
O estudo das habilidades humanas, bem como a interação do indi-
víduo com o meio ambiente na perspectiva da neuropsicologia revela que
os sentidos surgiram para que os indivíduos se tornassem capazes de se
adaptar e interagir com o ambiente e, dentre os processos sensoriais, a vi-
são é considerada a mais importante. Em síntese, é através da harmonia dos
processos sensoriais que o indivíduo torna-se capaz de perceber o ambiente
ao seu redor e de interagir com o mesmo, favorecendo, assim, a melhor
adaptação e também sua sobrevivência (CONSENZA e GUERRA, 2011).
No contexto do ensino-aprendizagem, atividades como a leitura e
a escrita possibilitam o desenvolvimento das habilidades cognitivas e es-
tão intrinsecamente relacionadas aos processos educacionais. Ocorre que
o ensino de ciências como química e física, por exemplo, necessitam de
estímulos que vão além da leitura, são utilizados em sua prática de ensino
instrumentos laboratoriais e elementos químicos que, caso não sejam apre-
endidos pelos estudantes, não terão validade representativa.
Pesquisadores das áreas da educação e da neuropsicologia interes-
sados na educação inclusiva de alunos com deficiência visual têm desenvol-
vido estudos a respeito da percepção visual e constataram que as imagens
mentais geradas são armazenadas em um código analógico, que correspon-
de a uma representação dos objetos. Este modelo aborda que a imaginação
mental tem relação próxima com a percepção, as pesquisas demonstram
que a imagem mental de determinado objeto é decodificada de maneira
semelhante à medida e ao formato do mesmo, o que atua como agente faci-
litador do ensino a alunos com deficiência visual. Uma estratégia possível,
200 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
à qual podem recorrer os educadores e educadoras, ao utilizar esta proprie-
dade seria formar objetos a partir de representações originais e explorar
outras percepções, como, por exemplo, o tato e o olfato. As pesquisas reve-
lam que a imagem mental assemelha-se ao objeto físico inclusive em tama-
nho, e que os voluntários são capazes de descrever e desenhar a rotação e
forma descritiva dos mesmos (MATLIN, 2004).
Estudos neuropsicológicos a respeito do processamento visual de-
monstram que imaginação visual e percepção ativam áreas semelhantes do
córtex visual occipital, localizado na parte posterior do cérebro e, também,
a possibilidade do desenvolvimento destes estímulos visuais concretos au-
xiliam nos processos de aprendizagem e memorização, proporcionando que
os voluntários executem as determinadas tarefas oriundas das pesquisas
com mais eficiência e rapidez (MATLIN, 2004).
Decorre, da análise aqui apresentada, a afirmação de que a visão é
fundamental no processo de ensino-aprendizagem de ciências. Nesse sen-
tido, o grande desafio de educadores consiste em utilizar alternativas di-
dáticas que estimulem outros sentidos e conduzam os estudantes com de-
ficiência visual ao aprendizado científico no mesmo patamar que os demais
estudantes.
3 - Alternativas didáticas para o ensino de ciência diante
da deficiência visual
O ensino de ciências é inerentemente desafiador. Educadores preci-
sam cotidianamente lidar com o desafio de transpor os conceitos teóricos
dos livros e textos científicos para materializá-los diante dos sentidos dos
estudantes, através de aulas instigadoras e atrativas. Diante da diversidade
de percepções e personalidades em sala de aula esse desafio torna-se maior,
mas cabe aos educadores científicos encontrar soluções pedagógicas e me-
todológicas que considerem a amplitude de diferenças, reconhecendo-as e
valorizando-as (SOUZA e JUSTI, 2013). Estudantes com deficiência visual
incluídos no ambiente escolar podem ser motivadores para a quebra do pa-
radigma do método tradicional de ensino e para a construção de alternativas
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 201
didáticas para que a inclusão seja efetiva e satisfaça os anseios dos alunos que
não dispõem do sentido da visão, como também dos demais estudantes.
Os sentidos são os receptores através dos quais o indivíduo perce-
be o mundo e alternativas didáticas e pedagógicas que busquem explorá-los
pode ser o caminho para a inclusão de estudantes com deficiência visual. Na
ausência da visão, alternativas didáticas que explorem a percepção através
dos outros sentidos podem ser ferramentas na construção de conhecimento
e apropriação de conceitos científicos pelo estudante. A experiência visual
é importante na representação de fenômenos químicos, como reações entre
substâncias, mas reações químicas também podem ser representadas por
odores. No trabalho de Teixeira (2010), o olfato é explorado através da com-
paração dos odores dos reagentes e produtos na produção de cola de caseína,
com limão, bicarbonato de sódio e leite. Em outro experimento, é possível
estudar a velocidade de reações químicas através da sensação dos respingos
de gotículas de água durante a reação de comprimidos efervescentes.
A escala de pH exige abstração para o entendimento, mas existem
características sensoriais de substâncias que podem ser exemplificadas pelo
sabor. Substâncias ácidas possuem sabor azedo, como suco de limão e vina-
gre, por outro lado, substâncias básicas como o leite de magnésia são ads-
tringentes. Identificar substâncias através do paladar não é recomendado,
por ser possivelmente perigoso, mas sob a orientação do professor e com
a adequada precaução, as células sensoriais da língua podem ser usadas na
distinção de substâncias (USBERCO; SALVADOR, 2004).
Instrumentos alternativos também podem ser utilizados no intuito
de suprir a deficiência visual. O trabalho de Maciel, Filho e Prazeres (2016)
relata a pesquisa de experimentos tradicionais e o desenvolvimento de ma-
teriais como balança de prato e medidor de volume de líquidos para o ensi-
no de deficientes visuais. Não somente experimentos e materiais podem ser
aprimorados, também os livros didáticos, como apresentado por Pires, Ra-
poso e Mól (2013). A experiência relatada pelos autores apresenta um livro
didático de química para o ensino médio que teve textos, imagens e demais
elementos gráficos convertidos para impressão em braile, através do uso de
202 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
um software. Tais alternativas podem ser utilizadas no ensino de conteúdos
que demandam imaginação e abstração do estudante, como o ensino de mo-
delos atômicos, conteúdo que trata da matéria em suas menores partículas,
mas que precisa ser materializado em escala macroscópica para viabilizar o
entendimento. O trabalho de Razuck e Guimarães (2013) demonstra o uso
de bolas de bilhares para exemplificar o modelo atômico de Dalton, esferas
fabricadas com massa de cimento representando o modelo de Thompsom e
engenhosos protótipos fabricados com arames, bolas e placas circulares de
isopor sobrepostas para ilustrar os modelos atômicos de Rutherford e Bhor.
A ciência química é repleta de códigos e símbolos, lecionar sem
esses ícones gráficos é exercício de imaginação e dos sentidos. A tabela
periódica é peça fundamental no entendimento da química, assim, para in-
cluir estudantes deficientes visuais é preciso encontrar caminhos para que
entendam essa ferramenta da química. A elaboração de tabelas periódicas
com materiais alternativos para a facilitação do ensino-aprendizagem de
estudantes deficientes visuais do ensino médio foi relatada por Resende
Filho et al (2009). Foram elaboradas duas tabelas periódicas em que os ele-
mentos químicos foram identificados considerando suas classificações em
metais, ametais ou gases nobres através de legendas em texturas. Outras
características, como estado físico e artificialidade dos elementos, foram
identificados por legendas táteis. Informações como grupos e famílias dos
elementos foram escritas em braile.
As pessoas com deficiência visual possuem capacidades cognitivas
que vão além da visão e é possível explorá-las para a construção de concei-
tos de ciências naturais. O ensino de vários fenômenos da física é enorme
desafio aos educadores, esta ciência está ligada diretamente à luz e as vá-
rias percepções além da visão devem ser usadas para instigar o estudante
à construção de modelos mentais e propiciar a apropriação de conceitos
científicos. Azevedo e Santos (2014) utilizaram materiais táteis facilitado-
res para o ensino de conteúdos de óptica e, através do modelo de ciclos de
aprendizagem que conta com a atuação de mediadores entre aluno e co-
nhecimento, apresentaram recursos metodológicos propícios à facilitação
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 203
do acesso à compreensão do conteúdo de física estudado. Nesta perspec- científico pode – e deve – ser inclusivo e respeitoso diante da multiplicidade
tiva, elementos gráficos fundamentais à compreensão de conceitos de físi- de indivíduos e cumprir papel na promoção do desenvolvimento intelectual
ca também são passíveis de alternativas. O relato apresentado por Fontes; em outras áreas do conhecimento, assim como promover o exercício da cida-
Cardoso e Ramos (2012) ilustra alternativa para construção de gráficos dania e a melhoria da qualidade de vida (UNESCO, 1983).
em material de relevo que possibilitou aos alunos com deficiência visual a
assimilação do processo e entendimento do conteúdo. Considerações Finais
A distinção entre disciplinas pode aparentar uma compartimen-
tação dos conhecimentos, mas a divisão arbitrária não condiz com a in- No decorrer deste texto buscou-se revelar o contexto atual das con-
ter-relação que existe entre as áreas específicas das ciências naturais. Há dições e desafios do ensino de ciências nas escolas brasileiras, sob a pers-
conectividade de conteúdos e conceitos, sendo a biologia a representação pectiva da inclusão de estudantes com deficiência visual. Explicita-se, ini-
de fenômenos complexos de física e química. Neste sentido, o ensino de cialmente, a invisibilidade a que estão relegadas as pessoas com deficiência
biologia como parte das ciências naturais também pode apresentar meios visual nos processos de escolarização. As condições relativas à infraestru-
alternativos aos estudantes com deficiências visuais. O distanciamento do
tura da grande maioria das escolas públicas, da qual a ausência de labora-
método tradicional de ensino, com o uso simples de quadro e giz, é con-
tórios é apenas um exemplo, demonstram o quanto o sistema educacional
traposto por metodologias didáticas que utilizam materiais comuns para o
ignora aqueles que possuem alguma deficiência e que, por isso, precisam e
ensino de ciências. No trabalho de Vaz et al (2012), é relatada a elaboração
têm direito a processos educativos que busquem incluí-los. A partir deste
de materiais didáticos adaptados para alunos com deficiência visual e apre-
ponto, foram apresentadas alternativas didáticas e metodológicas para su-
sentado estudo de sua aplicação no ensino de conteúdos abstratos como
prir a carência de recursos e políticas públicas inclusivas.
estruturas intracelulares e mecanismos de síntese de proteínas. Os modelos
A educação consiste em um mecanismo de mudança social a longo
foram considerados satisfatórios, propiciaram aos estudantes avaliados a
prazo, ações realizadas na atualidade somente produzirão resultados em dé-
apropriação de conceitos e conteúdos estudados.
cadas. No entanto, há que se afirmar a importância de educadores e educado-
Alternativas didáticas são vias importantes no contorno do desafio de
ras se mobilizarem diante dos desafios que lhes são impostos pela realidade
lecionar e incluir estudantes com deficiência visual no conhecimento cientí-
educacional e também diante do desafio de construir uma escola inclusiva,
fico. No entanto, o ato de lecionar ciências pode ser mais que a transmissão
um espaço no qual nenhum indivíduo seja condenado à invisibilidade.
de conteúdos e conceitos, pode ser instigador de pensamento crítico, contri-
A construção de uma escola plural, democrática e inclusiva é parte
buindo com o processo de formação para a cidadania. A ciência está intrin-
do longo processo histórico de lutas pela construção de uma sociedade in-
sicamente presente na vida moderna através dos diversos desenvolvimentos
clusiva. Noutras palavras, a exclusão, a invisibilidade das pessoas com defi-
tecnológicos, dessa forma o conhecimento científico é importante para a vida
ciência que se percebe no contexto escolar é reflexo dessa mesma situação
do estudante e consequentemente para a construção da sociedade e o desen-
no mundo do trabalho, nas demais instituições e setores que compõem a
volvimento socioeconômico e político do país. O ensino de ciências na edu-
sociedade brasileira. Mas afirma-se, neste texto, a contribuição que a escola
cação básica tem papel fundamental no fomento do pensamento lógico sobre
pode apresentar neste longo processo. Recorrendo ao educador brasileiro
problemas e equacionamento de questões cotidianas. Neste sentido, o ensino
Paulo Freire (1987), afirma-se que a escola sozinha não transformará a

204 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 205

realidade. Mas, também, que esta realidade não será transformada sem a
contribuição da escola.
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208 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
A (re)inclusão do idoso no mercado de
trabalho e a mobilidade urbana
Carla Manzi Muniz47
Helen Pereira dos Santos Soares48
Isabelle Rocha Arão49
Introdução
Observa-se atualmente um crescente aumento da população idosa
brasileira, que se deve a redução de taxas de fecundidade concomitante-
mente à queda nas taxas de mortalidade ao longo dos anos. Estima-se que
em 2020 a participação relativa do idoso na população seja de aproximada-
mente 14% em todo o Brasil. (IBGE, 2008).
Pires (2007) discute a questão do envelhecimento fisiológico, desta-
cando que vários sistemas do organismo humano apresentam transforma-
ções com o processo de envelhecimento. Entre as alterações mais frequen-
tes dos idosos estão: dificuldade de mobilidade, diminuição da audição e
visão, perda da posição social pós-aposentadoria, solidão e medo associado
a perdas.
Para Ely e Dorneles (2006) com o aumento da população idosa,
cresce também a necessidade de espaços mais seguros e confortáveis para
47
Fisioterapeuta graduada pela Universidade Católica de Goiás. Especialista em Fisioterapia Traumato Orto-
pédica Desportiva e Especialista em Programa de Saúde da Família (PSF). Instrutora de Pilates. E-mail: carla-
manzimuniz@hotmail.com
48
Orientadora de TCC na Faculdade Araguaia. Mestre em Fisioterapia pela Universidade Federal de Pernam-
buco, Especialista em Geriatria e Gerontologia pelo Ensino Superior Bureau Jurídico - FMN, Especialista em
Docência Universitária e Graduada em Fisioterapia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás - PUC-Goiás.
E-mail: helenpsbrasil@hotmail.com
49
Docente na Faculdade Araguaia. Mestra em Ciências Ambientais e Saúde pela Pontifícia Universidade Ca-
tólica de Goiás (PUC-GO). Especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho pelo RTG, especialista em
Ergonomia pelo CEAFI e especialista em Docência Universitária pela PUC-GO. Graduada em Fisioterapia pela
PUC-GO e graduada em Engenharia de Produção pela UNIVERSO. E-mail: isaarao@hotmail.com
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 209
atender a grande demanda. Os mesmos autores relatam que, em função do
processo de envelhecimento, os idosos apresentam necessidades espaciais
diferenciadas por serem usuários complexos visto que as modificações fi-
siológicas decorrentes do processo de envelhecimento acarretam em limi-
tações no uso dos espaços e equipamentos.
A mobilidade e acessibilidade da pessoa idosa estão diretamente re-
lacionadas com sua capacidade funcional. Assim, todas as condições pecu-
liares ao envelhecimento do idoso requerem necessidades de adaptações
para que ele possa participar das atividades laborais. (LIMA COSTA e VE-
RAS, 2003; PIRES, 2007).
A inclusão do idoso no mercado de trabalho está intrinsicamente re-
lacionada à manutenção dos seus direitos sociais, como direito a autonomia
(se relaciona com a mobilidade urbana) e direito de acessar serviços que
garantam condições de vida (saúde, trabalho, educação, lazer e moradia).
A permanência do idoso no mercado de trabalho (ou a sua inclusão)
é uma questão em discussão, tanto do ponto de vista do impacto previ-
denciário quanto pela necessidade deste segmento da população se manter
inserido nos processos sociais.
A presente pesquisa trata-se de uma pesquisa de revisão da lite-
ratura que teve por objetivo discutir os motivos pelos quais o idoso está
excluído do mercado de trabalho e propor adaptações que favoreçam a sua
(re) inclusão a este espaço.
1 - O Processo de envelhecimento
A inserção social do idoso é diretamente proporcional às suas al-
terações de saúde. Segundo Assis (2004), alterações físicas como perdas
sensoriais (déficits auditivo e visual), déficits cognitivos, problemas oste-
omioarticulares e sequelas ou descontrole de doenças crônicas são fatores
que limitam a mobilidade e a independência do idoso prejudicando sua so-
ciabilidade, atividades diárias bem-estar.
O envelhecimento é um fenômeno que atinge todos os seres hu-
210 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
manos, independentemente. É caracterizado como um processo dinâmico,
progressivo e irreversível, ligados intimamente a fatores biológicos, psíqui-
cos e sociais (Fechine & Trompieri, 2012).
Meireles (2000) também relata que o envelhecimento é um processo
dinâmico e progressivo onde há modificações tanto morfológicas quanto
funcionais, bioquímicas e psicológicas que determinam a perda de adap-
tação do indivíduo ao meio ambiente, ocasionando maior vulnerabilidade.
O envelhecer trata-se de um processo degenerativo, caracterizado por
menor eficiência funcional, com enfraquecimento dos mecanismos de defesa
frente às variações ambientais e perda das reservas funcionais (REIS, 2009).
Giacheti e Duarte (1997), em seus estudos, pontuam que o envelhe-
cimento é considerado uma etapa do desenvolvimento natural, caracteriza-
da pela degenerescência psicofísica do ser humano. Por tratar-se de um fato
universal comum a todos os seres vivos em idades avançadas, o envelheci-
mento é gradativo, lento e multidimensional e ocorre em indivíduos com
realidades biopsicossociais particulares.
Ainda de acordo com os autores citados, as manifestações orgânicas
e funcionais decorrentes do envelhecimento geralmente vêm acompanha-
das de perturbações fisiológicas e biológicas indiscutíveis, podendo atingir
o conjunto das aptidões físicas e mentais, uma vez que todas as células e
fibras nervosas são afetadas por ele (REIS, 2009). Soma-se as alterações
neuromusculares a redução na condução nervosa associada à perda de mas-
sa muscular. (PIRES, 2007).
Reis (2009) acrescenta que na perspectiva biológica, o envelheci-
mento é considerado um processo que apresenta características universais,
naturais, que não dependem da vontade do indivíduo. Dentre as modifica-
ções, estão: diminuição da massa óssea, atrofia da musculatura esquelética,
alteração do sistema de regulação de temperatura, diminuição da imuni-
dade celular e aumento da predisposição a formar auto anticorpos e assim
desenvolver doenças autoimunes.
Além das alterações citadas, a pele torna-se mais seca, rugosa e flá-
cida, há desgaste dos ossos da maxila e mandíbula, perda da elasticidade do
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 211
crânio, maior risco de infecção pela ineficácia dos mecanismos de limpeza
brônquica, comprometimento da mastigação em função da falta dos dentes
e alterações mandibulares. (DUARTE, 2017).
As doenças crônicas não são consequência do envelhecimento, no
entanto vêm acompanhadas deste processo, interferindo na capacidade fun-
cional da pessoa idosa. Muitas doenças, em especial as crônico-degenera-
tivas estão relacionadas à idade. Lima-Costa e Veras (2003) em um estudo
com 28.943 participantes a partir de 60 anos de idade constataram que
as doenças relatadas com maior freqüência pelas pessoas idosas foram hi-
pertensão (43,9%), artrite/reumatismo (37,5%), doença do coração (19%) e
diabetes (10%). Nesse mesmo estudo 69% dos idosos relataram pelo menos
uma doença crônica, mostrando que o perfil epidemiológico da população
brasileira vem se alterando ao longo dos anos.
2 - Inclusão do idoso no mercado de trabalho
Todas estas modificações fisiológicas decorrentes do processo de
envelhecimento somados a presença das doenças crônicas, acarretam em
limitações no uso dos espaços e equipamentos. Uma vez diminuída a sua
capacidade funcional, a pessoa idosa terá a mobilidade e acessibilidade re-
duzidas na mesma proporção (ELY e DORNELES, 2006). Além disso, o
indivíduo idoso poderá ser desqualificado para as suas atividades diárias,
tendo a sua autonomia e independência comprometidas (REIS, 2009).
A necessidade de se conhecer e adaptar o trabalho do idoso se torna
cada vez mais indispensável, visto que o crescente envelhecimento popula-
cional está diretamente relacionado ao envelhecimento da População Eco-
nomicamente Ativa (PEA).
Os idosos começaram a ser objeto de estudo de Saúde Pública com a
Constituição Federal de 1988, quando começaram os debates sobre a pro-
teção global aos idosos, surgindo assuntos complexos para formação de
políticas públicas (PAOLINI, 2016).
Legalmente não há impedimento ou qualquer penalidade para que
212 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
o idoso retorne ao mercado de trabalho. O Estatuto do idoso, inclusive,
contem leis que são consideradas como uma das mais avançadas do mundo,
porém necessitam de investimentos públicos adequados. Um dos direitos
assegurados neste Estatuto é o Direito do idoso ao trabalho, que proíbe
discriminação e limite de idade ao trabalho, exceto em casos de necessida-
des físicas relacionadas com a idade. (BRASIL, 2003).
A criação de programas voltados para a capacitação do idoso e a
preparação do trabalhador para a aposentadoria, estão entre os direitos as-
segurados ao idoso, de responsabilidade do poder público, que nem sempre
são atendidos.
Segundo Salgado (1980), a velhice é um tempo de “vazio social, pois
são poucos os espaços nas comunidades que oportunizam uma existência
socialmente produtiva para os velhos”. Amorim et al (2016) chamam a
atenção para a necessidade das políticas públicas e de medidas estruturais
para atender a população idosa. O debate desta questão perpassa o finan-
ciamento da previdência social e a preocupação com as décadas de vida
“inativa” após a aposentadoria.
A participação do idoso no mercado de trabalho brasileiro é alta, em
relação a outros países. Segundo Furtado (2005) esta taxa de participação é
de 46%. Maior do que em países como Estados Unidos, França, Alemanha,
Canadá e Japão.
Em busca de manter o seu padrão de vida, complementar a renda
social e manter os cuidados de saúde, o próprio idoso tem a iniciativa de se
manter no mercado de trabalho (Giambiagi et al, 2004; Queiroz e Ramalho,
2009). Ele toma esta atitude em busca de manter vida digna, visto que so-
mente os proventos da aposentadoria não atendem suas demandas diárias
de sobrevivência.
O mercado de trabalho muitas vezes aceita o idoso, por vantagens
econômicas e também trabalhistas, como o acesso gratuito do idoso ao
transporte público e redução de custos das empresas com a contribuição
para seguridade social (Damasceno e Cunha, 2011).
No entanto, outros aspectos, além do econômico, merecem a atenção
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 213
na discussão sobre a permanência e re-inclusão desta população exercendo
suas funções laborativas. Os idosos economicamente ativos contam com um
acúmulo de experiências, que é muito importante ao mercado de trabalho,
uma vez que eles têm a capacidade de transformar dados em informação,
gerando produtividade. (VANZELLA et al, 2011).
Soma-se a isso, o fato de trabalho ter um efeito protetor na perda
funcional de idosos. (d´Orsi et al, 2011). Em um estudo de coorte de base
populacional realizado com 1.667 idosos, os pesquisadores observaram que
a manutenção de trabalho remunerado destacou-se como um dos fatores in-
dependentes de proteção da perda funcional. Segundo eles, o efeito protetor
ocorre por mecanismos de suporte social. O convívio com outras pessoas
proporciona relações fundamentais de cooperação e interatividade.
A manutenção do idoso no mercado de trabalho assume importân-
cia a medida em que contribui para a redução da perda funcional e pela
prevenção do isolamento social do idoso. Se manter ativo, economicamente
ativo, em condições adaptadas a realidade do envelhecimento pode ser uma
saída para o isolamento social do idoso e suas conseqüências na perda de
autonomia e independência.
No entanto, para que o idoso possa permanecer no mercado de tra-
balho são necessárias adaptações, desde o acesso deste trabalhador ao local
de trabalho até reorganização de rotinas, flexibilização da jornada de tra-
balho e remanejamento de funções. É fundamental que o idoso se mantenha
no trabalho, em condições adaptadas às alterações inevitáveis do processo
de envelhecimento.
A idade não revela somente efeitos negativos de capacidades de traba-
lho, ela também propicia o acúmulo de experiência profissional, que favorece a
elaboração e execução de tarefas e tomadas de decisões.
Com toda a experiência que este trabalhador acumula em anos de
trabalho, associada a políticas de profissional, este se prepara para assumir
novos papéis no mundo do trabalho. Assim ele pode contribuir adminis-
trando treinamentos de novos trabalhadores, coordenando equipes, dentre
outras possibilidades de atividades laborais.
214 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
O desequilíbrio entre perdas e ganhos, presente na velhice, pode ser
melhorado no trabalho através da utilização de equipamentos tecnológicos e
de espaços educacionais direcionados a formação e atualização dos profissio-
nais idosos; levando a uma organização de trabalho satisfatório, privilegiando
o homem enquanto ser, de maneira individualizada e subjetiva, o que propicia
a inclusão ou re-inclusão do idoso no mercado de trabalho. (Grunewald, 1997).
3 - Mobilidade Urbana
Em relação às dificuldades espaciais encontradas pelas pessoas idosas
no sistema de transporte coletivo Lunaro e Ferreira (2005) apresentam inú-
meros problemas que ocorrem em diversos locais de via pública, como calça-
da com guias e rampas irregulares, mobiliário urbano mal colocado, vegeta-
ção inadequada, piso em péssimas condições, inexistência de semáforos com
uso exclusivo para pedestres aliada ao grande fluxo de veículos que trafegam.
A NBR 9050 (ABNT, 2004) considera como parâmetros de acessibi-
lidade, degraus e escadas fixas em rotas acessíveis, presença de corrimãos,
faixas de travessia de pedestres e rebaixamento de calçadas, dentre outros.
Garantir acessibilidade, sobretudo à pessoa idosa, representa um
grande desafio devido à importância de abranger todas as necessidades
destes usuários. Os autores Ely e Dorneles (2006) propõem orientações
para a promoção da acessibilidade da pessoa idosa como: a facilitação das
informações em placas, mapas, sinalizações sonoras, uso de cores diferentes
e com contrastes em áreas para idosos, mobiliário em cores diferenciadas
em relação às cores do ambiente, iluminação adequada, pisos e calçadas
com anti-derrapantes e anti-reflexos visando assim evitar acidentes e que-
das, faixas elevadas e alargadas as esquinas, altura dos assentos adaptada
para reduzir o esforço físico dos idosos.
A qualidade ao atendimento prestado ao passageiro idoso é também
um aspecto relevante na acessibilidade da pessoa idosa ao transporte coletivo
urbano. Sousa (2005) destaca que alguns aspectos do idoso como mobilidade
reduzida, alterações nos sistemas visual e auditivo e a lentificação dos mo-
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 215
vimentos corporais são conceitos fundamentais que devem ser conhecidos
pelos profissionais que lidam diretamente com esta população, visando evitar
preconceitos e maus-tratos à pessoa idosa no ambiente urbano”.
O problema urbano é complexo e segundo Dias (2002), o caos ur-
bano é consequência da transformação infra-estrutural da sociedade bra-
sileira, da sociedade global e que provoca, assim, migrações e modifica a
dinâmica de vida, impondo mudanças de valores nos aspectos considerados
necessários, como vestuário, moradia, lazer e saúde.
As cidades não estão adaptadas para atender as necessidades das
pessoas com restrições de mobilidade e, paralelamente às queixas dos ido-
sos, é fundamental considerar o espaço físico não só a partir dos aspectos
estruturais, mas como os idosos interpretam o seu direito à cidade. Há
neste espaço físico, relações entre os sujeitos que o ocupam e que elaboram
mentalmente o espaço que usam.
Além das barreiras físicas, deve-se considerar as barreiras humanas,
o desrespeito e a desconsideração de outros atores dispensado aos idosos
usuários do transporte. Caso a pessoa idosa continuar sendo desrespeitada
em seus direitos, em sua dignidade como cidadãos, nenhum valor terá a legis-
lação que legitima a política pública, quem tanto avançou ao longo dos anos,
nenhum valor terá o rompimento das barreiras físicas de acessibilidade.
As mudanças ocorrerão a partir de um trabalho de conscientização
da população sobre o processo de envelhecimento através de campanhas
educativas, ações do Ministério Público e envolvimento das empresas ope-
radoras do Sistema de Transportes para facilitação do acesso da pessoa
idosa ao uso do transporte coletivo urbano.
Nessa sociedade que valoriza o ser humano pelo que ele faz, manter
o idoso ativo no trabalho e oferecer condições de acessibilidade vai além de
questões econômicas. O mais importante é que a pessoa idosa permaneça
em suas atividades laborais, como meio de se manter inserida socialmente
e acima de tudo, minimizar o impacto do envelhecimento em sua indepen-
dência e autonomia.
216 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Conclusão
Com base nesta revisão foi possível observar que existem barreiras
físicas, sejam elas intrínsecas (fisiológicas, como conseqüência do processo
de envelhecimento) ou extrínsecas (barreiras arquitetônicas, falta de mo-
bilidade urbana), que dificultam o acesso do idoso ao mercado de trabalho.
Mais agravante é a barreira social, relacionada principalmente ao
preconceito, que segrega ainda mais o sujeito desta faixa etária.
A questão da inclusão do idoso ao mercado de trabalho será daqui a
poucos anos necessária não só para a manutenção da população economi-
camente ativa como também para manter a independência e autonomia da
pessoa idosa.
Conclui-se que é imprescindível a implementação de políticas pú-
blicas que incentivem a inclusão e permanência do idoso no mercado de
trabalho.
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INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 219
 A inclusão digital de idosos:
possibilidades, oportunidades e desafios
Elisangela Gisele do Carmo50
José Luiz Riani Costa51
Renata Laudares Silva52
Nara Heloisa Rodrigues53
Gisele Maria Schwartz54

Introdução

A atual conjuntura demográfica do país apresenta um grande per-

centual de pessoas idosas, o qual tende a aumentar significantemente nas
próximas décadas (IBGE, 2015). Diante desta realidade iminente, o cres-
cente predomínio das novas tecnologias na dinâmica do cotidiano das pes-
soas é um desafio a ser enfrentado (SANTOS; CIPRIANO, 2014), especial-
mente, no que tange à necessidade de investir esforços para a inclusão das
pessoas idosas no ambiente tecnológico.
As tecnologias são representadas pelas denominadas Tecnologias
de Informação e Comunicação (TIC), as quais compõem os dispositivos
eletrônicos utilizados como mecanismos e ferramentas, com a finalidade
de armazenar e disseminar dados utilizados para o acesso aos conteúdos
50
LEL-Laboratório de Estudos do Lazer, DEF/IB-Campus Rio Claro, Universidade Estadual Paulista (UNESP).
E-mail: elisangelagiseledocarmo@gmail.com.
51
LAFE-Laboratório de Atividade Física e Envelhecimento, DEF/IB-Campus Rio Claro, Universidade Estadu-
al Paulista (UNESP). E-mail: joseluizrianicosta@gmail.com.
52
LEL-Laboratório de Estudos do Lazer, DEF/IB-Campus Rio Claro, Universidade Estadual Paulista (UNESP).
E-mail: renata.laudares@gmail.com.
53
LEL-Laboratório de Estudos do Lazer, DEF/IB-Campus Rio Claro, Universidade Estadual Paulista (UNESP).
E-mail: narahelo@hotmail.com.
54
LEL-Laboratório de Estudos do Lazer, DEF/IB-Campus Rio Claro, Universidade Estadual Paulista (UNESP).
E-mail: schwartz@rc.unesp.br.

220 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 221

disponibilizados online. A Internet é o principal meio de comunicação e de
informação, contendo inúmeras possibilidades para angariar mais conheci-
mento e, também, entretenimento, sendo provinda de sites disponibilizados
no conteúdo virtual, baseados em jogos, música, filmes, notícias jornalísti-
cas, além de conteúdos educacionais, como cursos online e informações de
diversos temas que o usuário queira acessar (CASTELLS, 2016).
Desta maneira, a inclusão digital é um fator importante para o de-
senvolvimento das sociedades, tendo impacto em inúmeros setores da vida
humana, sendo que, no processo de envelhecimento, pode ser um incentivo
a mais para o envelhecimento ativo (CZAJA, 2017). Diversos estudos re-
centes, desenvolvidos em níveis nacional e internacional, têm apresentado
evidências de utilização da Internet como um campo que propicia efetiva
contribuição para qualidade de vida das pessoas idosas, pelo fato de ser
um importante estímulo cognitivo, minimizando declínios psíquicos, além
de ser um forte aliado à manutenção e ao incentivo ao aumento da rede
social (DAMANT et al., 2016; FOWLER, GENTRY, REISENWITZ,
2015; GONZÁLEZ, RAMÍREZ, VIADEL, 2015; GOUVEIA, MATOS,
SCHOUTEN, 2017; MARQUES, SCHNEIDER, D’ORSI, 2016; OKONJI
et al., 2015; SHILLAIR et al., 2015; VIEIRA et al., 2016 ).
A Universidade de Exeter, localizada em Exeter, no interior da In-
glaterra, realizou uma pesquisa denominada Activating and Guiding the
Engagement of Seniors through Social Media (AGES 2.0). Este estudo
teve por objetivo analisar de que forma as TIC, especialmente a utilização
das redes sociais, poderiam ajudar na interação social de idosos institucio-
nalizados ou não e quais os efeitos desta interação na saúde de maneira
global e consequente qualidade de vida dos mesmos.
Como resultado do AGES 2.0, a maior predileção para utilização
das TIC pelos idosos, tanto institucionalizados, como não institucionaliza-
dos, foi relatada a favor das redes sociais, a qual é utilizada, sobretudo, para
contato com familiares e amigos, ou para fazer novas amizades, além disso,
os idosos participantes desse estudo também afirmaram que, por meio do
mecanismo de busca feita pela Internet, no site Google®, procuram por
222 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
mais informações acerca de assuntos relacionados à saúde. Outros achados
da mesma pesquisa mostram que os benefícios do acesso às TIC propicia-
ram aos participantes melhorias das funções cognitivas e de menor inci-
dência de depressão, sugerindo que a maior interação social seja o motivo
de tal diminuição desta patologia (EUROPEAN COMMISSION, 2013).
Embora já se tenham alguns estudos acadêmicos associando esse
campo das TIC com a população idosa, este representa um enfoque emergen-
te, haja vista que existem, ainda, muitos desafios a serem elucidados. Além
disto, o atual cenário contemporâneo, o qual está cada dia mais tecnológico,
já tem atraído algumas pessoas idosas, contudo, ainda existe pouca compre-
ensão acerca das dificuldades de inclusão digital e dos impactos da utilização
das TIC por esta população. Sendo assim, este estudo, de natureza qualitati-
va, teve por objetivo investigar a influência da tecnologia na vida dos idosos
e os pontos fortes e fracos da inclusão digital, na visão de idosos.
1 - Procedimentos Metodológicos
O presente estudo, transversal, prospectivo e exploratório fez uso
de abordagem qualitativa. A amostra intencional foi composta por 20 par-
ticipantes, com idade igual ou acima de 60 anos, residentes no município
de Rio Claro, interior do Estado de São Paulo, recrutados em Grupos de
Terceira Idade, Associações de Aposentados, Projetos de Extensão Uni-
versitária, Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Conselho
Municipal do Idoso de Rio Claro-SP.
Todos os participantes que se dispuseram a participar da pesquisa
leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Como
critério de inclusão, os participantes não poderiam apresentar comprometi-
mento cognitivo, sendo, portanto, utilizado o Mini Exame do Estado Men-
tal-MEEM (FOLSTEIN et al., 1975), com utilização de pontuação suge-
rida por Brucki et al. (2003), para verificar a presença ou não, de prejuízo
cognitivo. Estes elementos constituem excerto de projeto de pesquisa, o
qual foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 223
Estadual Paulista-UNESP, Campus Rio Claro-SP, sob o número de proto-
colo CAAE: 35765514.7.0000.5465.
Para a coleta dos dados, o instrumento utilizado foi uma entrevista
estruturada contendo duas perguntas abertas. Tais questões foram refe-
rentes à utilização/aceitação tecnologias, além dos pontos fortes e fracos
da inclusão digital. As entrevistas realizadas foram gravadas em áudio, por
meio da utilização de um gravador digital, e, posteriormente, transcritas
com o uso do software de acesso gratuito Express Scribe Free Transcrip-
tion Software (NCH Software, 2014). Para manter o sigilo a identidade dos
participantes, no texto há a indicação por nomes fictícios seguido da idade.
Os dados foram analisados com base na utilização da Técnica de Análise de
Conteúdo proposta por Bardin (2016), com elaboração de dois Eixos, cria-
dos a priori referentes aos objetivos do estudo, a saber: Eixo 1: “Utilização
das TIC” e Eixo 2: “Pontos Fortes e Fracos da Inclusão Digital”.
2 - Resultados e Discussão
Os dados demográficos da amostra apontam que, dos 20 participan-
tes, 90% são do gênero feminino e 10% do gênero masculino e a faixa etária
média ficou concentrada em 68 anos de idade. Com relação à escolaridade,
a média de anos de estudo foi de 12,5, sendo que 40% dos participantes
possuem Ensino Superior Completo, 25% têm o Ensino Fundamental, 20%
têm o Ensino Médio Completo, 10% têm o Ensino Técnico, 5% têm o En-
sino Superior Incompleto e 5% o Ensino Superior com Pós-Graduação.
Quanto ao estado civil, 50% afirmaram ser casados, 30% viúvos, 20% soltei-
ros, 10% separados/divorciados. As classes socioeconômicas prevalentes,
classificadas por meio de questionário aplicado na amostra (ABEP, 2014),
indicou que 30% dos participantes estão na classe B1, seguidos de 25% na
classe A2. Com relação aos dados coletados referentes à entrevista estrutu-
rada, procedeu-se à análise dos eixos temáticos.
Com relação ao Eixo 1: “Utilização das TIC”, os resultados eviden-
ciaram que, do total da amostra, 17 entrevistados, correspondendo à 85%,
224 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
afirmaram que utilizam o computador e o celular, principalmente para
acessar a Internet. Os outros 15% da amostra afirmaram não utilizar as
TIC em seu cotidiano, pelo fato de não saberem como manusear os equipa-
mentos. Porém, todos os participantes, tanto os que utilizam, com os que
não utilizam, concordam que as TIC influenciam de maneira positiva, com
ampliação de conhecimento e de acesso a conteúdos interessantes. Ade-
mais, os participantes afirmam que por meio das TIC mantém contatos
com familiares, que moram em outro país ou em locais distantes, além de
manter amizades antigas e novas. A fala de dois diferentes participantes
exemplificam esta afirmação:
[...] Até os livros que eu estudo, nos estudos de alto conhecimento de
espiritualidade, também busco na internet [...] (Giovana, 53 anos).
[...] com respeito a influência da tecnologia, eu tenho que dizer que está
exercendo um papel fundamental na vida, né? [...] inclusive, eu acabei
de participar agora...[...] de um curso de 160 horas, né, de operador de
computador [...] (Júlio, 61 anos).
Esses dados encontrados se assemelham ao estudo de Raymundo
(2013), o qual obteve 97% de aceitação no uso desta ferramenta tecnológica.
Em pesquisas mais recentes, como as desenvolvidas por Carleto e Santana
(2017), foi apontada uma frequência crescente de idosos em Programas de
Inclusão Digital e que utilizam as TIC para finalidades semelhantes às en-
contradas neste estudo. Quanto ao fato de uma pequena parcela dos partici-
pantes do presente estudo (três participantes) terem afirmado não utilizar
as TIC em seu cotidiano, alegando desconhecimento e falta de preparo para
usar os equipamentos, o estudo de Carleto e Santana (2017) analisa este des-
preparo da amostra do estudo, em que os idosos atestaram a necessidade de
ter cognição saudável e boa memória, juntamente com habilidades práxicas
e sensoriais, além de que, ter escolaridade é uma condição fundamental para
que haja facilidade de aprendizagem e manuseio destas tecnologias.
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 225
 O Eixo 2: “Pontos Fortes e Fracos da Inclusão Digital” mostra que
a inclusão digital na vida cotidiana dos participantes é considerada com as-
pectos positivos e também com aspectos negativos. Com relação aos pontos
fracos, foram citadas a limitação que muitos idosos ainda possuem no uso e
a dificuldade na seleção da qualidade das informações.
Entre os pontos fracos também foi evidenciada a dificuldade em se con-
seguir acesso a informações fidedignas. Sendo assim, as pessoas pro-
curam buscar fontes que apresentem mais credibilidade, como sites de
médicos famosos, ou jornais e revistas de grande impacto. Estas concep-
ções podem ser verificadas nas falas apresentadas:
Então, acredito que, é realmente necessário que a pessoa venha a utilizar
este recurso acessível, mas também acredito que dependendo de como
se usa a Internet, fanatiza muito. Então se for com a devida moderação
é bom, tem influência boa, né, ocorre uma mudança de 360 graus, né, na
vida da gente (Júlio, 61 anos).
[...] tem o lado negativo também, esse lado da alienação, esse lado da
violência, que eu acho que ela tem uma influência, né? No caso é neces-
sário se atentar a estas coisas e saber lidar para não ser influenciado e
melhor usar toda a tecnologia disponível, né (Leonardo, 67 anos).
Com relação aos aspectos positivos, os idosos se posicionaram como
favoráveis à utilização das TIC, uma vez que estas agregam muitos fatores
significativos. Há uma evidente concordância desses entrevistados, acer-
ca dos inúmeros benefícios advindos da evolução tecnológica, nas diversas
áreas. O desenvolvimento de diferentes setores da sociedade, proporciona-
do pela evolução da tecnologia, é algo inquestionável na visão dos idosos
entrevistados e este progresso se torna fortemente visível na área da saúde,
como demonstrado nas falas que se seguem:
226 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
[...] mas, nos dias de hoje, a tecnologia tá sendo, de uma maneira tre-
menda, né, de uma maneira impactante mesmo, em todas às áreas(...)
para o desenvolvimento humano mesmo, né, da medicina, na psicologia,
e, enfim são todos os campos, aonde o ser humano, aonde o cidadão, a
pessoa vamos dizer assim, de 0 aos 100 anos, né, tem este acesso e usu-
frui de tudo isso, então é bastante esta influência, é tremenda, e é aonde
nós não temos aonde fugir (Júlio, 61 anos).
[...] então, qualquer lado que eu olho, eu vejo a existência do avanço
tecnológico, né? E acho que isso aí é muito bom pra gente. Seja na parte
de informática, em outras áreas, então, os avanços da medicina, graças
a tecnologia hoje tem disponível muita coisa. Então é uma influência
muito grande, na vida de todos nós, né? (Miguel, 66 anos).
Os estudos de Costa, Veloso e Ribeiro (2016) e de Araújo, Ribeiro e
Paul (2016), analisaram esta evolução tecnológica na integração dos servi-
ços voltados ao fomento de hábitos saudáveis. Os autores salientaram que,
as informações divulgadas por meio do ambiente virtual, são analisadas e
utilizadas pelas pessoas idosas, as quais, a partir delas, buscam modificar
hábitos, comportamentos e gerar tomadas de decisão acerca da saúde, no
sentido de promover um envelhecimento ativo. Os avanços da medicina em
diversos campos, também foram apontados como elementos que colaboram
com a catalisação de mudanças de hábitos.
Outro ponto positivo acerca da utilização das TIC, o qual foi apon-
tado pelos idosos é referente à facilidade da manutenção dos contatos com
familiares e amigos, residentes fora do país ou em outros Estados e municí-
pios, além da perspectiva de desenvolvimento de novas amizades, ocorren-
do por conta do uso das redes sociais. O estudo de Alves e Oliveira (2015)
denota esta condição da utilização das TIC pelas pessoas idosas, no que se
refere à importância de manter e de atualizar a rede de contatos por meio
das redes sociais. Os autores salientam, ainda, o sentimento de pertenci-
mento e de satisfação nos relacionamentos pessoais propiciados por essa
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 227
rede de contato, sendo este um fator relevante para os idosos, haja vista
que estes possuem intuitos diferentes das demais faixas etárias quanto ao
uso das redes. Um participante simplifica esta importância em uma frase:
[...] de repente você quer conversar com a pessoa, sente saudades, quer
saber como as pessoas estão, quer contar as novidades, quer ouvir as
novidades e assim por diante, né, se você tem contato no Facebook e tal,
tudo é muito rápido e muito bom esta proximidade, mesmo por tecnolo-
gia. (Agatha, 71 anos)
Estes relatos exemplificam essa condição positiva, em que a utiliza-
ção das TIC pode conduzir a experiências inovadoras no campo da tecnolo-
gia, ao despertar pensamentos e comportamentos proativos. Esses aspectos
corroboram os apontados nos resultados do estudo de Ujiie et al. (2017).
Conforme esses autores, as TIC podem contribuir de maneira efetiva na
vida dos indivíduos, uma vez que estas os incitam a buscar e a desenvolver
maior confiança, capacidade e autonomia.
Chen e Schulz (2016) realizaram uma revisão sistemática, explora-
ram o efeito das TIC na redução do isolamento social entre os idosos. Em
seus resultados, os autores ressaltaram quatro importantes focos referen-
tes aos objetivos de utilização, sendo eles: conectar-se ao mundo exterior,
apoio social, engajar-se em atividades de interesse e aumentar a autocon-
fiança. Percebe-se, portanto, que as TIC revigoram a percepção de empo-
deramento no trato tecnológico, gerando impactos positivos em diversos
aspectos, como a socialização e a sensação de pertencimento.
Os participantes evocaram, em seus relatos que, ao fazerem uso da
Internet por meio das TIC, sentiram-se satisfeitos e inclusos socialmente
(AZEVEDO, 2016). Este fato está relacionado ao uso destas ferramentas,
as quais, segundo o autor, proporcionam o encurtamento das distâncias,
favorecendo a interação social com os familiares e amigos distantes.
Mais um ponto positivo pode ser percebido no conteúdo das falas
dos entrevistados, fazendo relação ao conteúdo virtual disponibilizado, tais
como jogos, cursos e filmes. Esses elementos são considerados incentivos
228 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
para os idosos estarem imersos no universo digital e fazerem-se presentes,
usufruindo estas possibilidades no tempo livre.
A possibilidade de desenvolvimento do turismo virtual também
foi evidenciada positivamente nas falas dos entrevistados. A aquisição de
conteúdos ligados a novas culturas e a possibilidade de visitação virtual a
museus e diversos outros atrativos turísticos, ressaltam a positividade no
uso das TIC. De acordo com os estudos de Carvalho (2016), as TIC favore-
cem o aporte de conhecimentos gerais e específicos, gera aprendizagem de
maneira facilitada, o que, em tempos remotos, era dificultado e demandava
tempo. O exemplo da fala, a seguir, ilustra esta questão evidenciada:
O ponto forte da Internet, e que nos deixa felizes, é de a gente poder
buscar informações, estas informações podem ser de qualquer tipo e
também procuro bastante guia de viagens e de locais que gostaria ou
que vou viajar, além disso, a gente tem contatos com pessoas de fora de
pessoas que estão morando fora e que tem blogs, e a gente se informa
tudo. (Vitória, 68 anos)
Conclusão
O presente estudo investigou a influência das TIC na vida dos ido-
sos e os pontos fortes e fracos da inclusão digital, na visão de idosos, resi-
dentes em um município no interior do Estado de São Paulo. Os resultados
mostram que os idosos possuem fortes tendências à utilização das TIC,
pautadas, principalmente, no aprimoramento das relações sociais. Os ido-
sos evidenciaram pontos interessantes, sobretudo, no que diz respeito ao
alcance que a tecnologia proporciona, no que tange aos inúmeros conteú-
dos disseminados no ambiente virtual. Também ficou patente a influência
destes conteúdos no cotidiano dos mesmos.
Entretanto, ainda que esses pontos positivos tenham sido percebi-
dos pelos entrevistados, estes também apontaram aspectos negativos, os
quais conduzem a novos desafios a serem elucidados. Entre esses pontos,
INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 229
foram ressaltados a falta de oportunidade ainda vigente, de acesso às TIC,
tanto por problemas financeiros, quanto pela falta de conhecimento especí-
fico para lidar com os recursos tecnológicos. Além disto, a incerteza sobre
a credibilidade das informações ali expressas também gera desconforto.
Sendo assim, o estudo conclui que, apesar da influência positiva res-
saltada no que tange ao uso das TIC por indivíduos idosos, ainda há lacu-
nas, como esta relatada sobre a limitação no acesso às tecnologias. Uma
das alternativas para minimizar essa discrepância da falta de conhecimento
para o acesso às tecnologias entre os idosos, poderia ser a coparticipação
de idosos no processo de aprendizagem do uso das TIC. Esta metodologia
foi sugerida por Santiago, Schwartz e Kawaguti (2015), tendo como base
um idoso ensinando outro idoso a lidar com as tecnologias. Esta forma de
aprendizado pode ser aplicada em cursos específicos de inclusão digital,
assim como, por amigos ou conhecidos, para que, assim, seja criada uma
corrente de conhecimento.
O estudo tem como limitação o número reduzido de participantes, ten-
do em vista que diversos idosos não atendiam aos critérios de inclusão. Além
disto, muitos idosos não se sentiram confortáveis em participar, quando a abor-
dagem afirmava a utilização de tecnologias. Tornam-se necessárias outras ma-
neiras de seleção de participantes, para se ampliarem os resultados do estudo.
Este estudo tem implicações para futuras investigações acerca do as-
sunto da inclusão digital de idosos, assim como, sobre a sua importância no
contexto atual das sociedades. Para tanto, é indispensável a atenção de gesto-
res envolvidos na elaboração de políticas públicas relacionadas ao idoso, para
a criação e a implantação de novas ações, as quais universalize este acesso às
TIC, para que a população idosa realmente se inclua neste ambiente virtual e
possa desfrutar de todos os benefícios e conteúdos disponíveis online.
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