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Seminário Presbiteriano do Sul

Marcos Gonçalves Chagas


Natã Ventura Dutra
Yago Rodrigo dos Santos Ferrari Pinto

Perspectiva da Missão de Lucas-Atos

Campinas

2023
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Marcos Gonçalves Chagas


Natã Ventura Dutra
Yago Rodrigo dos Santos Ferrari Pinto

Perspectiva da Missão de Lucas-Atos

Trabalho apresentado na disciplina de


Teologia Bíblica do Novo Testamento sob a
orientação do professor João Cesário Leonel
Ferreira.

Campinas

2023
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INTRODUÇÃO
Os dois volumes da obra de Lucas, o Evangelho e os Atos dos Apóstolos,
provavelmente foram escritos algum tempo após 80 d.C. Eles evidenciam que o
autor buscava estabelecer a relação entre a missão de Jesus e a missão da Igreja,
ligando a narrativa da comunidade primitiva à narrativa da vida de Jesus. Além
disso, as reflexões de Lucas sobre o dinâmico ministério do reino e a expansão da
missão da Igreja destacam que um dos principais propósitos do evangelista era
fortalecer a missão progressiva e universal de sua comunidade.

O ELO ENTRE A NARRATIVA DE JESUS E A NARRATIVA DA


IGREJA: A DIRETRIZ DA TEOLOGIA DE MISSÃO DE LUCAS
Por todo Evangelho e por Atos, percebe-se o caráter essencial da missão de
Lucas. Na análise da passagem do capítulo 24 do Evangelho de Lucas, do versículo
44 ao 49, Donald Senior apresenta alguns aspectos que mostram de forma
sintetizada a teologia e a direção que o autor pretendia impulsionar seus leitores.
O primeiro aspecto a ser observado é o que o Cristo ressuscitado declara
sobre o momento em que o ministério da comunidade irá acontecer e que o trabalho
será feito em nome dele. O segundo aspecto diz respeito à relação do cumprimento
da promessa do Antigo Testamento com a rejeição de Cristo e a história da
comunidade. Já o terceiro refere-se à morte e ressurreição como o evento
culminante da história de Jesus e com modelo similar em Atos. Em quarto lugar está
a predominância, tanto em Atos como em Lucas, da salvação e suas consequências
como motivo e alvo da missão. O quinto aspecto enfatiza o papel central e simbólico
de Jerusalém para a história do povo de Israel, de Jesus e dos discípulos. Em sexto
lugar, observam-se os sinais da universalidade da missão, atingindo judeus e
gentios. A sétima questão a ser notada refere-se ao papel dos apóstolos como
testemunhas que servem como um elo vivo da história de Jesus e da comunidade,
tendo um papel fundamental no lançamento da missão universal. O oitavo aspecto,
por fim, diz respeito ao Espírito como fonte de sustento e direção à missão da Igreja.
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O EVANGELHO DE LUCAS: JESUS E A MISSÃO UNIVERSAL


Embora Lucas tenha deixado claro que o ministério de remissão de Jesus
estava limitado aos territórios da Galileia, da Samaria e da Judeia, ele estava
convicto de que a fonte e a inspiração da missão da Igreja, com potencial universal,
eram encontradas na história de Jesus. Senior desenvolve isso citando exemplos
que deixam indícios de alcance mundial, como o cântico de Simeão, as referências
aos governantes da época e a citação do texto de Isaías, que acontece também no
final do livro de Atos.
Além disso, existem outros pontos a serem observados acerca da
universalidade da missão a partir de Cristo, como o exemplo de Jesus em Lucas
parecer estar provocando os seus conterrâneos ao fazer prodígios fora de sua
pátria, como fizeram Elias e Eliseu ao trazerem socorro à viúva gentia de Sarepta e
ao sírio Naamã, não ao povo Israel. Lucas também mostra Jesus dividindo a mesa
com cobradores de impostos e pecadores, tendo associação com mulheres, estando
disposto a dar ajuda aos pobres e leprosos, e usando até mesmo os samaritanos
como exemplos de virtude. Assim, Lucas estabelece uma conexão entre os esforços
de Jesus para expansão com o esforço da Igreja no trabalho missionário com os
gentios.
A relação entre Israel e a Igreja é uma das preocupações fundamentais nos
dois volumes de Lucas. O ápice da obra salvífica de Deus em favor do seu povo,
Israel, é o ministério de Jesus. O povo messiânico é a comunidade constituída em
nome de Jesus, que se torna a herdeira das promessas de Israel e dá continuidade
à obra de Deus na história do mundo. Isso fica evidente nos primeiros capítulos do
Evangelho de Lucas, onde são feitos apontamentos claros ao esperado Messias de
Israel e à linhagem de Davi.
A proclamação da comunidade, em suma, está fundamentada na temática de
arrependimento e remissão de pecados, presente no versículo 47 do último capítulo
do Evangelho de Lucas. Essa temática ressoa não apenas no Evangelho de Lucas,
mas também nas pregações registradas no livro de Atos. O termo grego traduzido
como “remissão” refere-se à libertação da servidão do pecado, que, na mentalidade
da época, era considerada a causa das dificuldades físicas que Jesus resolvia. Da
mesma forma, o chamado à conversão é essencial para a missão de salvação de
Jesus, e isso é evidente até mesmo nas parábolas de misericórdia que demonstram
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a benevolência de Deus e o chamado para ser um discípulo comprometido com o


reino de Deus.
Para Lucas, um dos papéis centrais da missão é estabelecer uma
comunidade composta por pessoas de diferentes povos unidos pela fé e o amor.
Mesmo que isso seja mais evidente no livro de Atos, nas lutas em torno da inclusão
dos gentios, o Evangelho não pode ser esquecido nesse assunto. Quando Jesus
compartilha refeições com os marginalizados da sociedade, ele antecipa a
experiência missionária da comunidade em Atos, lutando para que os cristãos
gentios estejam na mesma mesa que os cristãos judeus. Jesus também, por meio
de algumas situações e parábolas descritas, mostra que as respostas dos
marginalizados e gentios eram, algumas vezes, melhores do que as dos judeus e
outros grupos mais bem aceitos na sociedade da época diante da oferta salvadora
de Deus. A resposta ao convite universal de Deus é o que concede o direito de ser
incluído na comunidade do povo de Deus.
A proclamação missionária é uma das expressões de autenticidade do
discípulo na visão de Lucas. O apóstolo, conforme as palavras de Pedro no início de
Atos, deve ter acompanhado Jesus desde o batismo até a ascensão. Sobre eles
recai a responsabilidade de ser o elo autorizado entre Jesus e a comunidade,
controlando e autorizando a missão aos gentios, por exemplo. Quanto ao discípulo
autêntico, como requisito, ele deve ouvir a Palavra e responder fielmente. Aqueles
que fazem parte dessa comunidade vão ser testemunhas de Jesus, experimentando
seus sofrimentos e estabelecendo uma ligação legítima entre a missão de Jesus e a
missão da comunidade.
Entre todos os evangelistas, Lucas é o que trata de forma mais elaborada
acerca do Espírito. Em Atos, torna-se evidente como o Espírito guia a estratégia
pastoral e conduz a comunidade em direção aos gentios, tornando-se, de certa
maneira, o substituto de Cristo na comunidade. O primeiro e segundo capítulo do
Evangelho de Lucas estão repletos de falas proféticas e da presença do Espírito de
Deus. O mesmo Espírito que inaugura a era de salvação, com o nascimento de
Jesus, também impacta a nova fase dessa era da salvação, com o nascimento da
Igreja, na experiência do Pentecostes.
Além disso, o Espírito desempenha um papel significativo no momento do
batismo de Jesus, no momento de guiá-lo ao deserto para a tentação, e nas
palavras de Isaías 61, afirmando que o Espírito do Senhor estava sobre ele,
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marcando o início de seu ministério de libertação. Sendo assim, o conceito do


Espírito valida a relação entre a vontade salvífica universal de Deus, o ministério de
libertação de Jesus, e a missão da Igreja em escala global.

ATOS DOS APÓSTOLOS: A MISSÃO UNIVERSAL DA COMUNIDADE


A morte, ressurreição e o retorno triunfante de Jesus ao Pai representam o
ápice de seu ministério do reino, cuja continuidade se desdobra na história da
comunidade. Isso ocorre por meio da direção do Cristo ressuscitado e pelo poder do
Espírito, conforme retratado no livro de Atos. Jesus instruiu a comunidade reunida
em Jerusalém a permanecer ali até receberem o Espírito, que iria inaugurar a
missão que se estenderia aos confins da terra. Assim, a missão universal que foi
anunciada por Simeão e João Batista, e que Jesus iniciou, será executada pela
Igreja.
O movimento básico da estrutura do livro de Atos é guiado pela sequência
geográfica de Jerusalém, Samaria e os confins da terra. A abertura completa da
missão é marcada pela história da conversão de Cornélio no capítulo 10. Os quatro
capítulos seguintes narram a aceitação das consequências pela Igreja de Jerusalém.
Pedro e outros líderes da Igreja de Jerusalém desempenham o papel de agentes da
missão em Jerusalém, Judeia e Samaria, e Paulo se torna aquele que leva a
mensagem da salvação aos confins da terra.
Para contextualizar o motivo que levou à expansão da missão para a Judeia e
Samaria, os capítulos 6, 7 e 8 descrevem a morte de Estêvão e a perseguição
subsequente. O sucesso dessa expansão é evidenciado no capítulo 9, versículo 31,
que relata a paz, o crescimento e a edificação da Igreja nas regiões.
Ainda assim, Lucas enfatiza consistentemente o papel central de Jerusalém.
Tanto a missão em Samaria no capítulo 8 como as missões de Paulo a partir do
capítulo 13 precisam da aprovação da Igreja de Jerusalém. O fato de Paulo começar
pregando nas sinagogas, entre os judeus, e somente depois, diante da rejeição,
voltar-se aos gentios, indica um movimento que se inicia em Jerusalém e depois
estende-se para fora, algo que ecoa a missão de Jesus, mantendo assim um elo
contínuo entre as narrativas.
Embora Lucas dedique atenção à continuidade com Israel, o universalismo
inerente do Evangelho não é enfraquecido nem priva a missão aos gentios. A
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rejeição por parte de Israel não é a única explicação para a dedicação à missão
entre os gentios. A missão é resultado da iniciativa divina, independentemente da
resposta dos judeus. Deus claramente manifesta seu propósito salvífico, e o
conteúdo de Atos revela que a finalidade da missão da comunidade é a salvação.
Essa salvação envolve a pregação da bondade de Deus e a necessidade de uma
resposta por meio da conversão do coração. Além disso, inclui a realização de
milagres em nome de Jesus, para que Ele seja glorificado.
O tema da comunidade, que está intrinsecamente relacionado à temática da
salvação, é evidenciado pelo compartilhamento de bens e ausência de necessidade.
A comunidade que se assemelha à mesa de Jesus é enfatizada na história de
Cornélio, mas também sofre impactos do Concílio de Jerusalém de Atos capítulo 15,
tendo em vista que envolve todo o problema de associação como os gentios. Não é
somente o banquete escatológico de Israel que inclui marginalizados, mas um
convite que se estendeu aos convidados distantes.
Outro componente importante da teologia de missão de Lucas, conforme
apresentado por Senior, diz respeito ao papel atribuído aos doze apóstolos, que
possuem um papel crucial ao longo do elo que Lucas estabeleceu entre o Evangelho
e Atos. São os doze apóstolos que estabelecem principalmente a missão universal
da Igreja, com destaque para a figura de Pedro. No entanto, o restante do elenco do
livro inclui pessoas que não faziam parte dos doze, mas desempenham papéis
essenciais na missão. Isso demonstra que o ministério do testemunho não se limita
aos apóstolos durante o ministério de Jesus, assim como as bênçãos. Essas coisas
não eram exclusivas dos judeus e privilegiados, mas também se estendiam àqueles
que, à primeira vista, não pareciam “importantes” em seu contexto.
Por fim, o componente do Espírito em Atos, conforme identificado por Lucas,
é uma força impulsionadora e preparatória para a missão em expansão da
comunidade. O Espírito mantém a presença e as diretrizes do Cristo ressuscitado na
Igreja. A continuidade da obra de Jesus na comunidade é claramente demonstrada
pelo fato de Lucas poder facilmente substituir a linguagem do Espírito pelas palavras
diretas do Cristo ressuscitado. O mesmo Espírito que animou Jesus em sua missão
de salvação, conforme descrito no Evangelho, é concedido à missão da
comunidade, conforme retratado no livro de Atos.
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CONCLUSÃO
Portanto, os volumes de Lucas e Atos demonstram que a principal
preocupação do autor é a missão universal da Igreja, que tem seu ponto de partida
em Israel e floresce entre os gentios. Para Lucas, abordar a obra de salvação
significa examinar os resultados do ministério de Jesus, que, após a ascensão, envia
o Espírito, cumprindo as Escrituras e impulsionando a comunidade para fora de
Jerusalém e em direção aos confins da terra.
Ao mostrar as relutâncias que surgem ao longo desse processo, Lucas
sinaliza que a missão foi cumprida apesar das más inclinações do coração humano.
Ao mostrar o custo da missão para aqueles que sofreram por ela, ele destaca o
testemunho perseverante. Em ambas as demonstrações, nota-se a figura de Jesus
durante sua fase missionária em carne, que experimentou a relutância e teve que
desafiar o padrão estabelecido, e que também experimentou o custo da missão,
enfrentando rejeição e morte, assim como os profetas que o antecederam.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

SENIOR, Donald; STUHLMUELLER, Carrol. Os fundamentos bíblicos da missão.


Santo André; São Paulo: Editora Academia Cristã; Paulus, 2010.

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