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INTRODUÇÃO
A Igreja Cristã no decorrer dos séculos tem sofrido, desde sua iniciação, a partir do
Ministério de Jesus Cristo, uma perda significativa na qualidade da apresentação do Reino de
Deus, principalmente aos gentios alcançados pela Graça Salvífica. A modernidade, a
adequação à sociedade e as novas tecnologias na divulgação do Reino de Deus são fatores
relevantes quanto a essa perda observada nesta pesquisa. A expressão do IDE, previamente
anunciado por Jesus, tem sofrido uma autodesvalorização, de forma a descaracterizar,
gradativamente, o genuíno anunciar das boas-novas. Percebe-se que o conjunto dessas
transformações, através dos tempos, proporcionou uma ruptura do método utilizado pelo
Cristo, Jesus, e devidamente observado por Lucas, na pregação e anunciação da chegada do
Reino de Deus, a todos os povos.
Faremos, neste trabalho, uma investigação quanto à veracidade dos fatos relatados por
Lucas, bem como um pormenorizado de suas anotações, que indutivamente foram relatados
para que os gentios pudessem absorver o Evangelho do Reino de Deus, sem as exclusões
feitas por Mateus e Marcos, quanto às classes marginalizadas da época.
Uma abordagem quanto ao autor, sua preocupação sistêmica quanto aos relatos
informados e sua veracidade, como “provas infalíveis” e demais aplicações, são necessárias
para que possamos observar o zelo de Lucas e, paradoxalmente, a inobservância da Igreja do
tempo presente. O quanto podemos, diante desta exposição, retornar ao caminho do
Evangelho da Salvação, longe da provocação ocasionada pelos sinais e prodígios, tão
presentes na evangelização contemporânea, bem como tão nociva ao plano de alcance de
todos os povos?
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Departamento de Teologia
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GARDNER, Paul. Quem é quem na Bíblia Sagrada, pág. 413
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SILVA, Claudemir Pedroso da. Estudos Bíblicos O conhecimento da Palavra de Deus, pág. 287
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Bíblia de Estudo Palavras-Chave, pág. 2422
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gentios, o Evangelho de Lucas foi escrito por um gentio para os gentios” 4. Tal observação
revela o que foi assinalado acima: Lucas está livre de ‘cuidados religiosos’, uma vez que sua
intenção é alcançar os gentios de seu tempo, e avante, com a mais sincera raiz gentílica que
havia brotado em seus entendimentos e, que agora, dá lugar ao Evangelho da Graça. Ao ser
mencionado por Paulo aos Colossenses, após a citação de todos os obreiros judeus, aceita-se
ainda mais a concepção de que Lucas era, realmente, gentio (Cl 4.10-14).
A tradição dos apóstolos é propagada pela Igreja de Jesus Cristo, desde os primórdios
tempos de sua ação evangelizadora e, portanto, precisavam revelar veracidade e o máximo de
precisão factual, capazes de serem vistos como testemunhas oculares do Ministério de Jesus
(At 2.42). Os relatos escritos, que se perderam para nós, eram conhecidos de Lucas, que
declara como os vasculhou estes relatos e testemunhos cuidadosamente; o resultado de todo
esse cuidado é o trabalho de excelência que encontramos no seu Evangelho. Lucas esmerou-
se em revelar Jesus para os leitores gentios de sua Carta Evangelizadora, didaticamente
preparada de forma a relatar, absortamente quanto ao cunho religioso, porém devidamente
comprometido com a pedagogia cristã exemplar que o Senhor Jesus deixara como legado.
Como bem definiu o Rev. Claudemir: “Deus usou um homem muito capacitado para instruir
a sua igreja sobre os acontecimentos da vida de Jesus, de forma confiável”5.
O Evangelho de Lucas traz peculiaridades que o distinguem dos outros sinópticos. Ele
reafirma e enfatiza a universalidade da mensagem cristã. Deixa claro que Jesus não é apenas o
Libertador dos judeus, mas ainda o Salvador de todo o mundo. Isso abre o ‘horizonte
evangelizador’ do mundo judaico e expande, corroborando com o ministério paulino, quanto
ao alcance gentílico que o Senhor Jesus havia iniciado e, a posteriori, devia seguir
‘gentilicamente’, sem as bases aprofundadoras das raízes judaicas. Pode-se observar que
material estritamente judaico, encontrado nos outros sinópticos, foram deixados de lado...
Podemos exemplificar quanto à omissão do pronunciamento de condenação de Jesus aos
escribas e fariseus (Mt 23), a discussão sobre a tradição judaica (Mt 15.1-20; Mc 7.1-23).
Quanto ao Sermão da Montanha, sua exclusão da epígrafe se dá pela relação deste sermão
com a Lei (Mt 5.21-48; 6.1-8, 16-18). Notoriamente vemos a exclusão lucana quanto às
instruções de Jesus aos Doze para se absterem de ministrar aos gentios e aos samaritanos,
preferindo-os aos perdidos da Casa de Israel (Mt 10.5),6. Isto revela o caminho includente que
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SILVA, Claudemir Pedroso da. Estudos Bíblicos O conhecimento da Palavra de Deus, pág. 287
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SILVA, Claudemir Pedroso da. Estudos Bíblicos O conhecimento da Palavra de Deus, pág. 287
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Lucas observa, num âmbito geral, e faz questão de expressar. É importante registrar que neste
evangelho, mais do que em qualquer outro, é reconhecida a dignidade da mulher, visto como
Lucas retrata belamente a mãe de Jesus Cristo, e nas referências tantas vezes feitas a mulheres
à serviço do Mestre.
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opção serve apenas, e tão somente, para àqueles que, interessados no espetáculo do
sobrenatural, davam-se à curiosidade dos sinais e prodígios e, nem por isso detinham sua
apreciação ao Reino em si, caindo na conversão obrigatória dos que seguem sem destino; vão
a lugar algum e retornam a lugar nenhum.
Neste evangelho, encontramos o estilo mais literário, conciso e belo, dentre os quatro
evangelhos apresentados no Novo Testamento. O Evangelho de Lucas é biográfico e literário.
Isso revela sua capacidade e habilidade em trabalhar com as palavras. Sua escrita em ordem
cronológica é notável (Lc 1.3). Sua didática pedagógica visa, sem o estupor estagnante das
demais ênfases ministeriais de Jesus, ratificar a necessidade da inclusão gentílica,
principalmente na mais pura ordenança proclamada sem palavras, porém reforçada pelo
testemunho do próprio Cristo, ao revelar o Reino através de Suas Palavras e testificar o Seu
poder através dos sinais que Marcos já havia percebido e repassado, sem a devida atenção que
Lucas dá: “...Ide por todo mundo e pregai o evangelho a toda criatura... Estes sinais hão de
acompanhar aqueles que crêem...”6 Mc 16.15,17.
Em Lucas vemos que Jesus é o centro da história da salvação. O autor deixa claro que, em sua
visão, a época do ministério de Jesus é, na verdade, o centro da história do mundo. Sua
explanação contundente ao leitor é a apreciação do que se encontra (em geral) na linguagem
dos profetas do Antigo Testamento, e que é retomada por ele; com isso contextualiza e deixa
registrado. Outra observação importante que podemos fazer é, em comparação aos outros
sinópticos, perceber que em seu evangelho o tempo presente é mais caracterizado como
tempo da salvação, enquanto a história de Jesus vai ficando no passado e a volta de Jesus é
colocada no futuro.
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A Bíblia Sagrada. Edição Almeida Revista e Atualizada.
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Suas observações quanto ao que acontecia àqueles que davam crédito às Palavras do
Mestre, corroboram com a questão em si, de uma pedagogia que direciona à primazia da
Palavra, ante aos moveres dos sinais e maravilhas. Lucas deixa claro que suficientemente a
Palavra pregada, revelando o Reino, podia transformar, surpreendentemente, seus ouvintes,
acima de tudo que pudesse acompanha-los.
Um método paradoxal
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Bíblia de Jerusalém, pág. 1700
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Bíblia de Jerusalém, pág. 1700
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Bíblia de Jerusalém, pág. 1700
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em suas peripécias evangelizadoras. Os sinais, quer se apresentassem ou não, não eram, nem
podiam ser, o mais relevante. A prioridade seria a salvação por meio da pregação do
Evangelho do Reino. Enquanto que os evangelhos de Mateus (melhor polido, mais correto e
menos pitoresco que o de Marcos) e o evangelho de Marcos (áspero, penetrado de
aramaísmos e frequentemente incorreto) apresentam suas peculiaridades expressas e
direcionadas pelo objetivo de alcançar seus destinatários, o evangelho de Lucas “é complexo:
de excelente qualidade quando depende apenas de si mesmo, aceita ser menos bom por
respeito para com as fontes, das quais conserva certas imperfeições apesar de melhorá-
las”10. Lucas não explicita, de forma acentuada, apesar de registrar cuidadosamente as
passagens em que os sinais e prodígios ocorreram, ainda conforme fontes, relatos e
testemunhos; seu interesse pedagógico é o de “apontar” a direção pela qual a Igreja devia
andar, sem titubear; numa sistêmica observância dos exemplos deixados pelo Mestre,
enquanto esteve em nosso meio. Assim descreve a Bíblia de Jerusalém: “Como verdadeiro
‘escriba mansuetudinis Christi’ (Dante), ele gosta de salientar a misericórdia de seu Mestre
para com os pecadores (...), e de contar cenas de perdão (...). Insiste com prazer sobre a
ternura de Jesus para com os humildes e os pobres, enquanto os orgulhosos e os ricos são
severamente tratados (...). entretanto, mesmo a justa condenação só será feita depois de
pacientes prazos de misericórdia (...). É preciso apenas que a pessoa se arrependa, renuncie
a si mesma, e aqui a generosidade exigente de Lucas se aplica a repetir a exigência de um
desapego decidido e absoluto (Lc 14.25-34), principalmente pelo abandono das riquezas
(...)”11. Notamos que nada há destacado quanto aos sinais que os apóstolos deviam realizar
para atrair fiéis, quer sejam convertidos não religiosos ou prosélitos da Lei. Bastava
apresentar o genuíno Evangelho de Jesus Cristo a toda criatura.
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Bíblia de Jerusalém, pág. 1701
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Bíblia de Jerusalém, pág. 1809
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apenas deveriam também ser usados na forma Cristiana do uso do sobrenatural. Sinais e
prodígios como reafirmação do Reino, jamais com afirmação. A afirmação, como
“chamarisco” acabou por viciar a Igreja a uma apresentação pretenciosa e descabida, desde os
remotos tempos até os dias de hoje.
Avaliando as “ferramentas” que a igreja contemporânea optou por usar, a saber, a promoção
da sobrenaturalidade, nota-se que seu uso desencadeou um vicio desenfreado, e até sem
princípios da verdade, rumo ao afã de atrair adeptos. No contexto dos primórdios da Igreja, o
retorno dos setenta, devidamente motivados pela autoridade sobre os demônios, revela o
quanto a igreja de hoje continua sob os motivos errados. Lucas avulta esse episódio,
exclusivamente, num prisma direcionado ao que Jesus revelara aos seus missionários
entusiasmados: “Não obstante, alegrai-vos, não porque os espíritos se vos submetem, e sim
porque o vosso nome está arrolado nos céus” ((Lc 10.20)12. Poder-se-ia aproveitar o enredo
do alerta de Cristo e perguntar-nos: “Qual o real motivo de nos alegrarmos, como os cristãos
contemporâneos, ao cumprirmos o “ide” ordenado por Ele?”. Em Lc 3.4-6 encontramos
citações de Isaías (profeta não necessariamente dependente dos sinais, mas com o seu
ministério convergindo para a exortação pela palavra): “...e toda carne verá a salvação de
Deus”13. Não se nota a preocupação, nem de Isaías, nem de Lucas, quanto aos sinais que toda
carne deveria ver... Ao invés disso, a salvação que deveriam ver; sem precisarem, para isso,
contemplarem os sinais. Outras citações de Lucas são importantes para corroborar com esta
observação, como: o samaritano agradecido (Lc 17.15,16), a condenação do preconceito (Lc
9.50), o caráter contrário à discriminação da ética (Lc 10.33-37) e a valorização da posição
individual, ao invés de tradições e convicções religiosas em geral (Lc 13.28-30). Quando da
ocasião do encontro do centurião com Jesus, o fato do milagre ainda não ter acontecido com o
servo daquele homem, porém em suas palavras denotava tamanha fé, Jesus não deixa escapar
o quanto a fé ainda não respondida, porém crida como “alavanca de um milagre”, pode
representar mais que propriamente dito, o milagre em si (Lc 7.1-9).
Gardner enfatiza que “Lucas tinha uma forte convicção de que a mensagem do
cristianismo não deveria limitar-se apenas a um povo ou a uma região. Isso o levou a
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A Bíblia Sagrada. Edição Almeida Revista e Atualizada.
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A Bíblia Sagrada. Edição Almeida Revista e Atualizada.
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enfatizar a natureza universal do evangelho de Cristo. Ele acreditava que era uma mensagem
para as pessoas de todas as raças...”14. Esta observação reforça a objetividade desta
pesquisa, uma vez que encontramos no judaísmo a caracterização das vitórias condicionadas
pelas inserções do divino, com seus atributos metafísicos, mais que propriamente na guerra
entre homens. Adonai vence mais pelo Seu povo do que Seu povo consegue vencer pelo seu
Deus – essa é a síntese das conquistas de Israel no Antigo Testamento. Jesus retoma essa
perspectiva e, tenta operar uma conversão de princípios ao apontar para uma legítima
santificação que se realizaria na vida daquele que desse ouvidos à pregação da Graça, mais do
que a operação dos sinais. Se tal ênfase é apregoada por Jesus e, meticulosamente, observada
por Lucas, resta-nos como “igreja dos últimos dias”, atenuar esse prisma e distanciar da
necessidade de “providenciar milagres” para que hajam conversões. Enquanto que a Palavra
provoca o “retorno a Deus”, os sinais acabam por plantar setas na estrada da vida cristã, de
modo a distanciar o crente do seu destino planejado.
CONCLUSÃO
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GARDNER, Paul. Quem é quem na Bíblia Sagrada, pág. 418
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povo e os marcou profundamente. Estes milagres que marcaram e passaram a fazer parte do
sobrenatural dos judeus, quer acontecendo, quer fazendo parte dos anseios deste povo,
também foram devidamente observados pela Igreja Cristã, descrita no Novo Testamento.
Resta a pergunta: Como encontramos o diferencial entre os dois testamentos, apesar deste
diferencial co-existir na unidade objetiva do plano de salvação de todos os homens, a partir
da fé cristã? O Cristo continua a operar os milagres que foram apontados pelos sinóticos, sob
a perspectiva da fé dos homens. Lucas percebe isso e de forma majestosa registra (Lc 8.43-48)
o relato do episódio da mulher hemorrágica que toca nas vestes de Jesus e recebe a cura
desejada. Este registro proclama, indubitavelmente, que é chegado o Reino de Deus, não pelo
milagre operado, mas pela fé “compreendida didaticamente” por àquela mulher que
simplesmente usou-a para alavancar o seu milagre. Enquanto os milagres do Antigo
Testamento anunciam o poder infinito do Deus Criador, em Jesus o milagre é operado por
uma fé que anuncia o quanto o Reino de Deus é chegado. Enquanto os demais evangelhos
reforçam que o milagre aconteceu (Mt 9.22; Mc 5.34), Lucas finaliza que a salvação havia
chegado, sem precisar corroborar com a ideia de que milagres ainda aconteciam. Agora, em
Lucas, o milagre continua acontecendo, porém fica para segundo plano quando o objetivo
principal foi alcançado: a salvação de uma alma! Através de uma promoção de comunhão, de
partir de pão, de irmandade, pedagogicamente explicada por Lucas, podemos perscrutar o
sentido primaz desta pesquisa: apontar para a apresentação do Reino de Deus através dos
moveres que não excluem os milagres, mas tão somente deixa-os para a compor a
consequência de uma vida atenta ao que Ele falou e ensinou.
Dentre os episódios lucanos mais reveladores de sua didática pedagógica, lemos sua
passagem que fecha o seu evangelho, detalhada em Lc 24.13-35. Quase que exclusivamente
de sua autoria, apesar da breve citação em Marcos 16.12,13, Lucas traz detalhes tão
contundentes que quase podemos dizer que ele a descobriu primeiro... Os discípulos no
caminho de Emaús representam a igreja contemporânea que, cegada pelos sinais, não percebe
o quanto Ele se faz presente, “todos os dias, até a consumação dos séculos”. No texto, Lucas
faz questão de apontar para uma caminhada desprovida de cuidados, por parte daqueles que se
diziam discípulos de Jesus, mesmo que indiretamente. Caminharam com Ele e não o
reconheceram. Quiçá desejassem que ele não tivesse morrido. O relato que eles contaram,
embasados na tristeza da morte do Mestre, denotava que a esperança deles havia se tornado
em aflição, diante de sua morte “inesperada” e “não reagente”. De que adiantou ser o Mestre
poderoso em obras (milagres) e palavras (anúncio do Reino), se a morte havia encerrado tudo
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aquilo? A interrupção daquele mórbido relato se deu quando o Cristo ressurreto lhes
acrescentou (não outros milagres, mas a mesma Palavra de anunciação do Reino de Deus, já
chegado) a comunhão do partir do pão, acima de todo sinal que era capaz de fazer. O que
seria a intenção do Mestre, senão apontar para a salvação marcada pela Palavra que anuncia a
chegada do Reino de Deus? E qual seria a intenção de Lucas, senão ratificar que essa
comunhão é o que mais importa à igreja que o sucederia? Com ou sem sinais, não pode deixar
de existir a Palavra que liberta e promove a comunhão que agrada ao Pai! Somente quando
Ele tomou, abençoou, partiu e lhes deu o pão (Reino de Deus chegado) é puderam ver o que
não se permitiam enxergar: o Reino de Deus já havia chegado e sua exposição não se deu nos
milagres, mas na revelação das Escrituras! Eis a didática pedagógica de Lucas (ou melhor, de
Jesus, percebida por Lucas), sucintamente predita por Marcos: “Os sinais seguirão...” àqueles
que absorvem as Escrituras – “crêem” em Mim, mais que nos sinais que Eu faço...!
Como muito contribui Lange (in loc), “Se alguém indagasse dos discípulos de Emaús
se eles haviam experimentado um affectus gaudii (de alegria), spei (de esperança), desisderii
(desejo ou anelo) ou amoris (de amor), em torno do que os expositores têm disputado,
provavelmente não poderiam ter dado uma resposta satisfatória. O que nos basta é que teriam
expressado um sentido dominante e indefinível, no caminho, quando recebiam as instruções
do senhor; e que deveriam ter reconhecido a Senhor em face dessas explanações, de tal
maneira que agora sem dúvida lhes parecia fenômeno incompreensível que não tivessem
aberto os olhos para essa realidade naquela ocasião. Foi um bom sinal de seu
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desenvolvimento espiritual a memória que lhes veio à mente naquele momento – não o partir
do pão, mas a explicação das Escrituras”15.
Porque não citar a perícope lucana do capítulo 11, versículos 9-13 (mais precisamente
o vers. 13), quando “adiciona” à pedagogia de Jesus, na visão de Mateus, o cuidado de Deus
para com os homens, ao enfatizar que o que Deus quer nos dar é mais que coisas, mas,
principalmente, o Espírito Santo – real pedagogo de todo conteúdo escriturístico e de toda
ação eclesial: “Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto
mais o Pai celestial dará o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?”- conforme nos sinaliza
Karl Rahner: “A comunidade dos que se congregam pela fé, em torno de Jesus, dos que
guardam com esperança a participação em sua consumação e nele se acham vinculados ao
Pai pelo amor e ligados entre si pelo Espírito, recebe o nome de Igreja [...]”. (A exigência de
uma “fórmula breve” da fé cristã. Concilium. Revista Internacional de Teologia. São Paulo:
Herder, mar. 1967).
E ainda, quando Lucas enfatiza sobre os milagres não observados por Corazim e
Betsaida (assim como foi em Cafarnaum Lc 10.13-16), povoados em que Jesus havia
anunciado sua mensagem, que, como citado por ele, teria maior importância para as cidades
pagãs de Tiro e Sidom? O que o autor insinua é que de nada adiantaram aqueles milagres,
mesmo em meio aos seus. Que sentido tinham os milagres no interno da ação de Jesus, senão
apenas testificar àquilo que a Palavra já havia anunciado? Similar foi sua passagem por
Nazaré, quando é recusado por ser de origem humilde, operando segundo Marcos e Mateus,
uns poucos milagres, porém na pesquisa de Lucas: nenhum milagre – uma vez que foi
imediatamente expulso daquele lugar, após ler o livro do profeta Isaías, devidamente expulso
do meio deles (Lc 4.28-30).
Podemos partir para uma epíloga reflexão ao meditarmos no capítulo final de Lucas
24.44,45: “A seguir, Jesus lhes disse: São estas as palavras que eu vos falei, estando ainda
convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos
profetas e nas Salmos. Então, lhes abriu o entendimento para compreenderem as escrituras;”
quando revela a importância de compreenderem (através do conhecimento Dele, através do
cumprimento das Escrituras Nele) que Ele enfatiza isso, mais que todo e qualquer sinal
temporal, mesmo que como atrativo ao Reino de Deus.
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CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado, pág. 242
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Essas e outras reflexões não têm como objetivo apontar para um desvio da conduta
cristã, em sua aplicação eclesial, mas considero de suma importância uma iminente avaliação
sobre o quanto perdemos tempo ao apontar para os sinais, enquanto devíamos ensinar aos
pequeninos - àqueles que carecem da mais pura revelação e interpretação de Sua Palavra.
A julgar pelo modo com o qual Lucas (e a comunidade que o interpreta) investiga,
com a precisão de um jornalista comprometido com a informação, sem a necessidade de
nenhum anjo aparecer para ele, sem a inspiração por uma teofania, semelhante ao que
entendemos como aconteceu com a Revelação Escatológica, por exemplo, contudo, e talvez
por esse procedimento clínico, não aponta para os sinais divinos, mas para os sinais humanos,
divinamente inspirados. Lucas escreve como homem, palavras de homem, revelando o agir
divino entre os homens, através do próprio homem... Olhem para os sinais que já estão em
nós, e entre nós, sem esperarmos para agir quando os sinais celestes se revelarem a nós
outros, pois O maior sinal de todos já aconteceu, permitindo assim que todos os demais
sinais aconteçam por Ele, por meio Dele e para Ele.
O assunto não se esgota, nem se encerra, mas o findar desta reflexão aponta para um
pensamento estritamente lucano, que não exalta a realização dos milagres, sinais e maravilhas,
bem como não os deprecia, contudo é contundente sua observação quanto às parábolas de
Jesus; na exclusividade do relato da “parábola da dracma perdida” ressalta o maior milagre de
todos, invisível aos homens, mas devidamente visível e de brilho imarcescível aos olhos do
Criador: “Eu vos afirmo que, de igual modo, há júbilo diante dos anjos de Deus por um
pecador que se arrepende” Lc 15.10. Sem dúvida, não uma conversão diante de um grande
milagre, do mover de um sinal sobrenatural diante de seus olhos, mas da profundidade
alcançada pela Palavra pregada e didaticamente anunciada ao mais pobre pecador – razão
primeira para que haja “festa no céu”.
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GEISLER, Norman L. Enciclopédia Apologética, pág. 473
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ALEXANDER, T. Desmonte & ROSNER, Brian S.; Novo Dicionário de Teologia Bíblica;
São Paulo; Ed. Vida; 2009
ANDRADE, Claudionor Corrêa. Dicionário Teológico. 11. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2002.
BERKHOF, Princípios de Interpretação Bíblica; São Paulo; Ed. Cultura Cristã; 2000.
BUCKLAND, A. R., Rev.; Dicionário Bíblico Universal. São Paulo, SP. Editora Vida, 1993
FERREIRA, Franklin & MYATT, Alan. Teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2007.
GARDNER, Paul. Quem é quem na Bíblia Sagrada – tradução José Ribeiro – São Paulo, SP,
Ed. Vida, 2005
KREEEFT, Peter & TACELLI, Ronald K; Manual de Defesa da Fé; Ed. Central Gospel; RJ;
2008
MAZZAROLO, Isidoro; Lucas, a antropologia da Salvação – Porto Alegre, RS; Editor, 2004
MOREIRA, Gilvander Luís; Lucas e Atos: uma teologia lucana São Paulo, SP, Paulinas, 2004
SILVA, Claudemir Pedroso da, Estudos Bíblicos, O Conhecimento da Palavra de Deus - São
Paulo, SP, Ed. Difusão Cultural do Livro, 2011
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