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Curso de Lucas e Atos – 2023.2 – Faculdade Dehoniana – Prof. Pe. Claudio Buss
O EVANGELHO DA INFÂNCIA (Lc 1 – 2)1
O evangelho da infância é o grande portal pelo qual o leitor deve entrar no terceiro
evangelho.
No prólogo, Lucas prometeu apresentar um relatório ordenado e completo, remontando
às origens. Ora, nos dois primeiros capítulos de seu evangelho, ele vai além do início
tradicional da pregação cristã sobre Jesus – a atividade e o batismo de João – e tenta
reconstruir uma pré-história a respeito da origem, proveniência e nascimento de Jesus.
3. Muitos exegetas e teólogos postularam a hipótese que Lucas tenha tido contato
com relatos surgidos no ambiente dos parentes de Jesus e da mãe, Maria de
Nazaré, ou conservados nos círculos judeu-cristãos. Ele teria reelaborado o
ordenado este material numa construção unitária, para fazer com isso uma
introdução ao resto do evangelho.
1
Cf. CASALEGNO, A., Lucas. A caminho com Jesus missionário, São Paulo: Loyola, 2003 (o presente
texto está fundamentado nesta obra).
2
Cf. BENTO XVI, Jesus de Nazaré. A Infância de Jesus, 2012, p. 20.
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Porém, os textos da infância são eminentemente teológicos e, manifestam desde o
começo o pensamento do evangelista e da comunidade a respeito de Jesus. São parte
integrante da própria composição e estão bem relacionados com todo o relato.
Os dois primeiros capítulos contêm muitos temas teológicos que serão desenvolvidos
gradativamente pelo autor ao longo da narração. Por meio deles, o evangelista parece orientar
a leitura de todo o evangelho.
O texto de Lc 1 – 2 não é uma crônica no seu sentido biográfico. Não está investigando
as origens de Jesus, como se costumava fazer na antiguidade em relação a muitos dos
personagens importantes. Mas também não é uma coletânea de lendas ou fatos
extraordinários.
Lucas quer simplesmente que o leitor compreenda desde o começo quem é Jesus à luz
do acontecimento pascal, na força do qual ele desenvolve seu trabalho de evangelista.
2. UM RELATO ACRESCENTADO?
Muitos exegetas concordam que Lc 1 – 2, teologicamente muito rico, não pertencem à
pregação apostólica originária.
A vida e a atividade de Jesus são pensadas começando com o batismo de João Batista.
De fato, isso pode ser percebido em At 10,37-38: “Sabeis o que se passou em toda a Judéia,
desde a Galiléia, depois do batismo anunciado por João: como Deus ungiu com o Espírito
Santo e com o poder dos milagres a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando
a todos aqueles que haviam caído no poder do diabo, porque Deus estava come ele”.
Pelo seu caráter de reflexão sintética sobre a identidade de Jesus à luz da Páscoa, pode-
se presumir que o relato seja acrescentado pelo evangelista em segundo momento da
elaboração do evangelho, provavelmente no final do trabalho.
Goza de credibilidade a tese de que o evangelho iniciasse com Lc 3,1-2 à semelhança
de Marcos.
Porém, o mais importante é nos perguntarmos sobre a função de Lc 1 – 2 na
redação definitiva do evangelho:
a) Apresentando vários personagens que pertencem ao Antigo Testamento, ele constitui
uma transição entre a história de Israel e o evento Cristo, assim como, nos primeiros capítulos
dos Atos dos Apóstolos, a narração da reconstituição do número dos Doze com a eleição de
Matias, do Pentecostes e da vida da comunidade primitiva (1,12 – 2,47) tem a função de
relacionar entre si o tempo de Jesus e o tempo da Igreja, que começa a dar seu testemunho no
mundo. Fazendo isso, Lucas mostra sua consciência de que o plano de Deus se desenvolve
segundo etapas sucessivas que, em seus escritos, relacionam-se entre si.
b) O texto de Lc 1 – 2 podemos ser considerados uma “overture” do evangelho e de
toda a obra lucana, pensada propositalmente pelo evangelista que, desde o começo, frisa os
motivos teológicos básicos que vão ser desenvolvidos ao longo da narração.
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3. CONFRONTAÇÃO COM O DE MATEUS
O relato da infância lucano compõe-se de sete cenas:
Os dois anúncios:
1: O anúncio do nascimento de João Batista (1,5-25)
2: O anúncio do nascimento de Jesus (1,26-56)
Os dois nascimentos:
3: O nascimento de João Batista (1,57-80)
4: O nascimento de Jesus (2,1-20)
Zacarias e Isabel
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➢ São de idade avançada (1,7) como Abraão e Sara (Gn 18,11.14)
➢ A questão dirigida por Zacarias ao anjo lembra a de Abraão a Deus (Gn 15,8)
➢ A alegria de Isabel por ter concebido um filho (1,25) é a mesma daquela de Sara
(Gn 21,6)
Jesus
➢ As características do Messias (1,32-33.35-36) se encontram em Is 7,9; 2Sm
7,12-16.
• O anjo Gabriel aparece também em Dn 9,21;
• A expressão “nada é impossível a Deus” (1,37) se encontra em Gn 18,14;
• O Magnificat de Maria (1,46-54) tem relação com o cântico de Ana em 1Sm 2,1-
10)
• Belém, em sua qualidade de cidade do Messias (2,4) é lembrada em Mq 5,1;
• Jesus é apresentado no Templo (2,22) como Samuel em 1Sm 1,24-28)
• Jesus cresce em sabedoria (2,52) como Samuel (1Sm 2,26)
A relação entre os dois personagens, João Batista e Jesus, há uma função explícita
em Lc 1–2:
a. O nome de João, que não pertence à família de Zacarias (cf. 1,61) e que
significa “Deus faz graça”. Por meio dele Lucas quer dizer que, com o
nascimento do menino, a benevolência de Deus começa a se manifestar.
b. Com a vinda de Jesus, cujo nome na língua hebraica significa “YHWH salva”,
Lucas proclama a chegada da salvação. É em conseqüência disso, que em
Belém o anjo se rejubila pelo advento do salvador.
c. A primeira palavra do anjo a Maria (Kaîre), que aponta para a salvação que
vem. O texto é interpretado à luz de Sf 3,14. Trata-se de um convite à alegria,
porque, com o “sim” de Maria, um novo momento salvífico começa a se
realizar;
Esses elementos apontam para que o leitor acolha a salvação de Deus que se manifesta.
Esta é envolta em um paradoxo.
- Um menino, que a mãe envolve em faixa e coloca numa manjedoura, que é o próprio
Senhor e salvador da humanidade.
Lucas convida o leitor a “ver” essa salvação que já está ao seu alcance, convidando-o a
abrir os olhos.
✓ Os pastores: “Vamos até Belém e vejamos o que aconteceu” (2,15-18)
✓ Simeão: “Meus olhos viram a tua salvação” (2,30)
✓ O redator: “toda carne verá a salvação que vem de Deus” (3,6)
5. A SUPERIORIDADE DE JESUS A RESPEITO DE JOÃO
• Finalidade apologética: na época de Lucas, os grupos siro-batista achavam
que João fosse o Messias.
Lucas frisa que João é somente o precursor, aquele que prepara o seu povo para a
vinda do Salvador. Representa, pois, só uma figura de transição, o último fragmento da
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história da salvação que desemboca na época do cumprimento. É para esclarecer esse
tema que o evangelista organiza de forma particular o material da sua narração.
6. A COMPOSIÇÃO PARALELÍSTICA