Você está na página 1de 40

1

O santuário em Lucas-Atos: Abordagem escatológica

Por Sílvio Murilo Melo de Azevedo1


Abstract:
The shrine in Luke-Acts: Eschatological approach
This article envisages a matter oversighted by the traditional exegesis. It deals with the heavenly
shrine in the book of Luke-Acts, which is so important that splits this book into two parts: before
and after the heavenly shrine vision of Stephen and determines a new spread of evangelization
towards the non-Jewish communities. Besides the enlargement of our comprehension of Luke-
Acts theology, we avoid that the sanctuary doctrine stands in excessive dependence on Hebrews
and unarticulated verses of Revelation. Luke is a theologian and for that he puts this doctrine
in a framework that has connection with others theological points in the gospel, creating a
congruent theological vision, despite till now less noticed than it deserves. Many exegetical
problems could be reputable for that, one of them is an oversight of Daniel prophecies
concerning to the destruction of the Jerusalem temple caused by interpretation biases: preterist
interpretation. Im sum, our aim is to put heavenly sanctuary clear in Luke-Acts and maybe
starting a new emphasis in its reading.
Key words: Luke-Acts, Sanctuary Doctrine, Eschatology, Christology and Hermeneutics.
Sinopse:
Este artigo prevê uma questão negligenciada pela exegese tradicional. Ele lida com o santuário
celestial no livro de Lucas-Atos, que é tão importante que divide esse livro em duas partes:
antes e depois da visão do santuário celestial de Estêvão, e determina uma nova expansão da
evangelização rumo às comunidades não-judaicas. Além da ampliação de nossa compreensão
da teologia de Lucas-Atos, evitamos que a doutrina do santuário esteja em dependência
excessiva de Hebreus e de versículos desarticulados do Apocalipse. Lucas é um teólogo e por
isso ele coloca essa doutrina em um quadro que tem conexão com outros pontos teológicos do
evangelho, criando uma visão teológica congruente, apesar de até agora menos notada do que
merece. Muitos problemas exegéticos podem ser reputados por isso, um deles é passar por alto
as profecias de Daniel concernentes à destruição do templo de Jerusalém, causada por
preconceitos de interpretação: o Preterismo. Em suma, nosso objetivo é assentar firmemente a
doutrina do santuário em Lucas-Atos e talvez iniciar uma nova ênfase em sua leitura.
Palavras-chave: Lucas-Atos, Doutrina do Santuário, Escatologia, Cristologia e Hermenêutica.

1. Introdução

Infelizmente, há temas no NT que não parecem tão claros como gostaríamos, malgrado
serem fundamentais. Por vários motivos certas ênfases que melhorariam muito nossa
compreensão de alguns temas específicos não aparecem nas fontes. Os autores visavam
primariamente a solução de problemas que importavam para eles e seus destinatários, mas não

1
Graduado em Teologia pela Fadba, em Filosofia pela Usp; mestre e doutor em Ciências da Religião pela Umesp.
Professor de Humanidades em Ceuni-Fametro.
2

para nós; e compartilhavam grande número de pressuposições que hoje não fazem parte de
nossa cultura religiosa e por isso nos escapam. Um exemplo desse tipo de matérias é o messiado
de Cristo, em nenhum lugar do NT expressamente ensinado; quero dizer, exposto de maneira
sistemática. Embora Jesus tenha perguntado de seus discípulos “quem os homens dizem que
sou?” (Mc 8: 27; Mt 16: 13; Lc 9: 18) ele mesmo nunca respondeu essa pergunta, ficando no
evangelho um “tu és o Filho de Deus” (Mt 16: 16) ou um “tu és o Cristo de Deus” (Lc 9: 20)
enigmáticos de Pedro no lugar da resposta. Em outras circunstâncias, quando inquirido pelas
autoridades se era o Messias, a esse respeito dava como resposta um evasivo: “tu o disseste”.

Paulo, por sua vez, oferece-nos uma mostra dos hinos cristológicos que circulavam nas
comunidades cristãs da época. Na Carta aos Efésios (1: 20-23), Filipenses (2: 6-11) e aos
Colossenses (1: 13-20), aparecem súmulas dessas teologias chamadas por Martin Hengel de
“fórmulas cristológicas pré-paulinas”2 e que foram provavelmente aperfeiçoadas por ele. Aí
aparecem cristologias de exaltação que reivindicam para Jesus um lugar de glória junto ao Pai,
a quem também é devida a adoração e o louvor, de acordo com os Salmos messiânicos 2, 24 e
110, algo que já vinha sendo intensamente explorado pelos evangelistas, talvez não tão
explicitamente como nesses hinos. Lucas, por exemplo, no final de seu evangelho, diz que
depois de ter falado aos discípulos, Jesus, tendo sido levado ao céu, foi adorado por eles:
“Adoraram-no” (proskunesantes auton) (Lc 24: 52). Mas, o messianismo de Jesus não se limita
a esse empoderamento pós-encarnacional, pela manifestação de uma glória que tinha desde o
princípio com Seu Pai. Há outros elementos messiânicos que estavam àquele tempo ainda
encobertos.

Ligado a esse lugar comum teológico – o messianismo de Jesus, assumido e não


completamente compreendido, há a questão que instiga essas páginas: a atividade messiânica
pós-pascal de Jesus, prenunciada nos momentos finais de sua vida sobre a Terra. Que tipo de
messias assumido por ele foi ofensa de tal monta que determinara sua condenação pelas
autoridades do templo? E na mesma linha, que teria dito Estevão de tão gravoso às
suscetibilidades religiosas da classe sacerdotal, a ponto de levá-lo à morte por apedrejamento,
enquanto os demais apóstolos e discípulos, antes e depois dele, não foram incomodados pela
hierocracia, pelo menos não até o suplício de Tiago (At 12)? Mesmo que se tenha levantado
grande perseguição que espalhou os cristãos por outras partes da Palestina e até para fora dela,

2
Martin Hengel. “Christology and New Testament Chronology”. In Between Jesus and Paul. Studies in the
Earliest History of Christianity (Eugene, OR: Wipf and Stock Publishers, 2003), p. 32. Para uma visão mais ampla
do contexto histórico desse tipo de hino ver Matthew E. Gordley. New Testament Christological Hymns. Exploring
Texts, Contexts and Significance (Downers Grove, IL: InterVarsity, 2018).
3

percebe-se pela missão de Paulo em Damasco (dar cabo da comunidade cristã daquela cidade),
orquestrada pelo sinédrio e pela classe sacerdotal, que a perseguição e a eliminação da seita
cristã era algo que lhes interessava diretamente e que não molestava com a mesma intensidade
as outras seitas judaicas (i. e., os fariseus); não até aquele tempo. Por tudo isso percebe-se que
atribuir tanto o martírio de Estêvão quanto o sacrifício de Jesus à declaração kerygmática de
que Jesus era o messias não é completamente satisfatório.

Muitos outros antes e depois de Jesus já se tinham apresentado como pretendentes a essa
mesma dignidade. Antes de Jesus houve Teudas e Judas (At 5: 33-39); depois, vários profetas
de sinais, mencionados por Flávio Josefo3 e, por fim, Bar Kochba (132 d. C.), inclusive com
apoio sacerdotal, Eleazar4. E era tão comum essa profusão messiânica que o conselho de
Gamaliel recomendando ao sinédrio que deixasse o tempo enterrar a pretensão dos falsos
messias e manifestar a do verdadeiro, parecia bem razoável. Aos que a isso se arrogavam restava
sempre apenas dois caminhos: (a) ter o movimento esvaziado com o tempo, pelo não
cumprimento de suas profecias; (b) ser pendurado em uma cruz, como ladrão e salteador. E
nenhum deles foi crucificado por meramente pretender ser rei; executados eram apenas quando
pela força das armas tentavam liberar o povo da opressão romana, agindo como messias
político. Além disso, a ocasião de seu julgamento não foi a primeira vez que Jesus assumiu a
dignidade messiânica nem foi Estevão o primeiro a apregoá-la (Pedro já tinha feito isso antes
no famoso sermão do Pentecostes - At. cap. 3). Então, por que só nessas ocasiões as
consequências foram tão funestas?

Seguramente, há uma parte dessa história que não está devidamente esclarecida pela
exegese tradicional e não creio que por má-fé, apenas falta-lhes colocar uma peça importante
desse quebra-cabeças em seu devido lugar: o elemento escatológico. Infelizmente uma
interpretação preterista das profecias de Daniel (rejeitada pelo NT) tem colaborado para
obumbrar alguns pontos teológicos importantes, ocultando o fato de que o santuário de
Jerusalém se encontrava sob questão e em processo de prescrição no evangelho, porque as
profecias de Daniel apontavam para o estabelecimento de um novo templo escatológico em
lugar do antigo.

É bem conhecida a tese de Hans Conzelman de que o evangelho de Lucas é não-


escatológico e que foi escrito justamente para fazer frente ao problema da demora da parousia,

3
Cf. Rebecca Gray. Prophetic Figures in Late Second Temple Jewish Palestine. The Evidence from Josephus
(New York: Oxford University Press, 1993).
4
Craig A. Evans. Jesus and the Contemporaries. Comparative Stories (Leiden: Brill, 2001), p. 202.
4

enfrentado pela Igreja. O evangelho de Lucas, como resposta para o problema, criou uma
história da salvação (Heilsgeschichte) em três etapas: Israel, Jesus e a Igreja5. Apesar de
Conzelman ainda estar naquele tempo excessivamente influenciado pelo anti-escatologismo de
R. Bultmann, não se pode negar que ele faz uma descoberta importante, embora não com o
significado que propusera. Tomando Lucas-Atos como uma única obra em dois tomos, como
de fato ela é, realmente há três etapas distintas, claramente delineadas: a fase de Israel que
termina com o aparecimento de João Batista, aquele que foi chamado por Jesus de o último e o
mais importante profeta (Lc 16: 16); a fase de Jesus, que, entretanto, não termina com Jesus,
mas com Estêvão (Lc 7 e 8); e a fase da Igreja ainda está em curso, depois do apedrejamento
de Estêvão (ainda que para Lucas, segundo sua compreensão geopolítica, a fase da Igreja estava
prestes a terminar com a prisão de Paulo em Roma - Lc 24). Basta comparar, como faremos
mais detidamente adiante, o martírio de Estêvão com os momentos finais de Jesus, em que a
morte daquele é um duplo do sacrifício desse. O erro de Conzelman foi pensar que no esquema
lucano não há mais escatologia, quando pelo contrário, a história da salvação de Lucas-Atos se
enquadra perfeitamente no período profético das setenta semanas de Daniel6 e essa, por sua vez,
está relacionada com à teologia do santuário. Notar como fulcro desses acontecimentos reside
em um conflito de seus personagens com o santuário terrestre e com a percepção de que se
iniciava a vigência de um santuário escatológico, por cuja menção Jesus e Estêvão ofenderam
a hierarquia do templo, propondo em seu lugar um outro ministério, por sinal, superior, como
disso também fala a Carta aos Hebreus.

Por outro lado, sempre nos pareceu estranho que uma doutrina tão importante como a do
santuário celeste só fosse tratada no NT mais profundamente na Carta aos Hebreus, com breves
lampejos no Apocalipse; nos evangelhos, nas epístolas paulinas e gerais, de acordo com a
exegese tradicional, aparecem apenas lições muito rudimentares sobre o santuário celestial que
apontam para Jesus como cordeiro sacrifical. Ora, se é um princípio hermenêutico fundamental
que não se deve criar doutrinas a partir de textos isolados das Escrituras, então, por inferência,

5
Hans Conzelman. The Theology of Saint Luke (London/New York: Faber and Faber/Harper & Brothers, 1960).
6
As setenta semanas de Daniel possuem três divisões feitas pelo próprio anjo relator que transmitia a interpretação
da profecia a Daniel: 7 semanas de reconstrução de Jerusalém e 62 duas semanas determinadas sobre teu povo,
mais uma semana que tem início na unção do santíssimo e termina com a morte de Estêvão (Dn 9: 25 e 26). Fora
esse esquema escatológico há muito mais escatologia em Lucas-Atos, o próprio nascimento da Igreja é uma prévia
da restauração de todas as coisas, do mesmo modo como a manifestação de Jesus o foi. Os sinais são claros: a
taumaturgia e a eliminação das doenças como sinal de que um tempo escatológica se instalava na terra (ausência
de doenças); o compartilhamento de bens da igreja primitiva (At 2: 44); o derramamento do Espírito no
Pentecostes, ocasião em que ocorreu a inversão da confusão de línguas em torno da torre de Babel (Gn 11: 6 e 7),
quando todos falavam línguas diferentes, mas se entendiam (At 2: 6). Denis Hamm. The Acts of Apostles. In Daniel
Durken (ed.). The Collegeville Bible Commentary: New Testament (Collegeville, MI: Liturgical Press, 2009), p.
377.
5

deve-se concluir também ser vedado construir ênfases teológicas sobre verdades que não são
universais, ou pelo menos com ampla fundamentação nas fontes. Poder-se-ia, a princípio,
pensar que a afirmação se aplique à doutrina do santuário, que é analiticamente exposta apenas
em Hebreus. Não se também nos evangelhos essa teologia aparecer. Portanto, se os evangelhos
foram escritos depois das cartas paulinas como se crê, a priori deveria haver aí uma cristologia
mais desenvolvida e um messianismo pós-pascal mais evidente. Contudo, para essa constatação
há algumas dificuldades. A teologia do santuário nos evangelhos não está devidamente
esclarecida, infelizmente, por várias razões. Primeiro, por se tratar, como óbvio, de uma
teologia narrativa e por isso não aparecer de forma assertiva e explícita; e, segundo, como
afirmado mais acima, porque foi ofuscada por alguns velhos preconceitos de leitura como os
da abordagem escatológica mencionada.

Pelo que, essa investigação sai em busca de textos que tenham essa referência, porque, se
cremos ser essencial que Cristo por nós agora oficie diante de Deus, adjudicando-nos os efeitos
de seu sacrifício expiatório, realizado de uma vez e para sempre, também é necessário que
nossos pecados sejam perdoados mediante o arrependimento e que Jesus interceda por nós na
presença de Deus, pois como diz a Escritura “temos advogado junto ao Pai” (I Jo 2: 1).
Infelizmente esse verso tem sido mormente interpretado ou em sentido meramente forense,
como fez Calvino; ou como simples metáfora do poder perdoador do sangue de Cristo, como
fazem os evangélicos em geral. Em sentido não literal, dm lugar de literal, como deveria,
considerando o que também diz a Carta aos Hebreus.

Pois bem, postas estas duas lacunas lado a lado o leitor pode já antever a que se propõe
este artigo, ou seja, fazer uma releitura da exegese do evangelho de Lucas-Atos a partir de uma
nova chave hermenêutica, pressupondo a existência de uma teologia do santuário implícita aí e
não devidamente considerada. Nossa metodologia, como o próprio título sugere é uma leitura
sequencial dos livros de Lucas e Atos dos Apóstolos (que afinal formavam uma única obra de
uma mesma autoria em dois tomos)7, de modo que um esclarece o outro. Nossa hipótese

7
Embora nenhum dos dois livros venha com ficha catalográfica na contracapa, há muito fortes razões para
adjudicá-las ao mesmo autor: ambas são dedicadas à mesma pessoa, Teófilo (não se sabe ainda se era um
personagem real ou uma personificação ideal de todo cristão), segundo o hábito da retórica do tempo de dedicar
uma obra sempre a uma personalidade importante; Em Atos 1: 1 é mencionado um primeiro tratado do qual aquele
é continuidade; o ensino e a teologia de ambas corroboram-se mutuamente; a preocupação do autor com os
acontecimentos históricos de sua época, sempre tentando inserir o que relata em um quadro histórico mais amplo..
Everett F. Harrison. Lucas, Comentário Bíblico Moody – Novo Testament (El Paso, TX: Casa Bautista de
Publicaciones, 1971), p. 97. Quanto a Lucas ser o autor há os testemunhos de Irineu, Clemente e Eusébio, pais
apologetas. Além disso, como evidência textual há as assim chamadas “seções-nós” (At 16:10-17; 20:5-21,18;
27:1-28,16), onde Lucas conta em primeira pessoa alguns relatos, o que sugere que o autor tenha feito parte das
viagens feitas pelos apóstolos, especialmente Paulo. Cf. Darrell L. Bock. A Theology of Luke and Acts. God’s
6

primordial, como óbvio, é a de que há uma conexão entre essas lacunas (os relatos sobre o
sacrifício de Cristo, o martírio de Estêvão e a teologia do santuário), e a de que essa conexão
não se reduz àquela teologia rudimentar do santuário nos evangelhos, segundo a qual o
santuário terrestre representaria apenas Jesus como oferta em favor dos pecadores. Jesus, além
de oferta, é também o ofertante; é seu papel também é ser-nos sumo-sacerdote.

Essa é a hipótese fundamental desse artigo. E aqui cabe uma ressalva metodológica
importante. Não esperem ver aqui grandes descobertas textuais (embora não deixe fazer
considerações básicas sobre o texto original). O mundo das minúcias gramaticais não é aquele
a que pertenço; busquem os grandes helenistas para esclarecerem-se quanto a isso. O que
pretendo é delinear as linhas gerais de Lucas-Atos e assegurar aí um lugar especial para a
teologia do santuário, porque a meu ver só ela responde a todas as perguntas arroladas até aqui.
Com todo respeito que merecem os helenistas, a questão textual, tantos manuscritos e tantas
formas de traduzir uma palavra ou expressão, fazem com que todas as soluções sejam de
princípio controversas, de sorte que é melhor dar alguns passos para trás e se perguntar se isso
faz sentido no contexto mais abrangente da teologia do autor. E isso é o que aqui pretendo fazer.

Lendo nos evangelhos sobre os motivos que levaram a classe sacerdotal e o sinédrio a
condenarem Jesus à pena capital, percebe-se que as fontes não se demoram em explicar as
acusações contra Cristo e sequer dão-se ao trabalho de descrevê-las com detalhes. É necessário
ter cuidado com as entrelinhas daquele julgamento irregular, feito às escondidas, na calada da
noite, porque os maiorais temiam o povo. Lucas ressalta a falsidade das acusações feitas a
Pilatos que insinuavam um cunho político inexistente na pregação de Cristo: ‘ele ensina contra
o pagamento de tributo a César e arroga-se o título de messias, um rei que se opõe ao domínio
romano (Lc 23: 2). O verdadeiro motivo não interessava aos anciãos e sacerdotes, porque o que
queriam era induzir Pilatos a decidir pela execução de Jesus, dissimulando seus reais motivos
para que Pilatos não percebesse que o problema era de ordem religiosa e tinha a ver com a
interpretação das Escrituras e sobre quem detinha a autoridade religiosa, coisas pelas quais os

Promised Program, Realized for all Nations (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2012). Léon-Doufour agrega uma
argumentação por eliminação para concluir pela autoria das secões-nós: “quais são os homens cultos de origem
pagã que acompanharam Paulo em suas viagens apostólicas? Além de Lucas, acompanharam-no Demas (Cl 4: 14;
Fm 24; II Tm 4: 10), Artemas (Tt 3, 12), Zenas e Apolo (Tt 3: 13). Não pode ser Tito, já que ele não a esse não se
nomeia em companhia de Paulo, a não ser por ocasião do concílio de Jerusalém (Gl 2: 1, 3), e esse relato não
pertence às seções de que falamos aqui. Como parece difícil atribuir o conjunto dessa obra a um redator
desconhecido ou de segundo plano, podemos eliminar os companheiros episódicos que não deixaram outra marca
senão um nome esporádico na epístola. Resta Lucas, o fiel companheiro, o único da lista que parece possuir a
envergadura necessária”. X. Léon-Doufour. Los evangelios y la historia de Jesus (Madrid: Ediciones Cristiandad,
1982), p. 191.
7

romanos não tinham o menor interesse. Mesmo porque, disputas entre os judeus significava
mais divisão interna e consequentemente mais fácil governança para os romanos, com menor
dispêndio de energia e recursos para levar a cabo a exploração da região. Essa economia de
informações sobre o que realmente importava, ou seja, a razão da condenação de Jesus deveu-
se essas razões, mas não só a elas. Na redação dos evangelistas estão plantados muitos
pressupostos não explicitados, porque já eram de domínio público e eram naturalmente
evocados quando seus leitores os liam. Nossa hipótese é que esses pressupostos fundamentais
são a doutrina do santuário e a profecia das setenta semanas de Daniel 9. Em seguida
procuraremos demonstrá-lo.

2. Jesus em conflito com o santuário terrestre

A teologia dos da Dispersão sempre foi propensa a menos valorizar os aspectos cúlticos
do Judaísmo, dando mais importância aos devocionais. Isso decorreu principalmente por a
experiência religiosa desse Judaísmo ter sido construída pautada na experiência sinagogal e em
face da ausência do templo. As normas ritualísticas mais estritas não tinham mais aplicação
porque a grande maioria desses judeus, devido a distância, não mais frequentava o santuário
por ocasião das festas8, daí ter-se desenvolvido entre eles uma tendência mais universalista e
inclusivista em relação aos não-judeus, pois as regras haláquicas, por essência, segregacionistas
não tinham aplicabilidade em seu ambiente. Além disso, nas grandes cidades da Ásia Menor
havia um clima de liberdade e tolerância, decorrentes do próprio espírito sincrético e
multicultural do helenismo9; consequentemente, havia uma presença maior de prosélitos e
interessados nas sinagogas10. De sorte que havia uma tendência geral na Dispersão de
espiritualizar a experiência cúltica, não por acaso foi aí nesse ambiente que o Cristianismo se
cresceu mais.

A tendência da Igreja foi seguir a linha do Judaísmo da Dispersão em detrimento do


Judaísmo palestinense. Os autores neotestamentários não negam a importância do templo no
passado, quando desempenhou importante papel, resumido por Paulo: “a lei nos serviu de aio”
(Gl 3: 24). Primeiramente Jesus, depois Mateus, Marcos, Paulo e as cartas gerais (especialmente
I Pedro), tem posições teológicas parecidas a esse respeito. Todos expressam ideias religiosas

8
William S. Stob. The Four Gospels. A Guide to their Historical Background, Characteristic Differences and
Timeless Significance (Belfast, Northern Ireland, U.K.: Ambassadors, 2007), p. 38.
9
Helmut Koester. History, Culture and Religion of Hellenistic Age (Berlin: Walter de Gruyter, 1995), p. xxxiii.
10
Eduardo Arens. Ásia Menor nos tempos de Lucas, Paulo e João. Aspectos sociais e econômicos para a
compreensão do Novo Testamento (São Paulo: Paulus, 1997), p. 157.
8

que reforçam a comunhão e rejeitam qualquer tipo de segregação que, infelizmente, no


Judaísmo existia, pela própria natureza de sua principal ideia religiosa, a teologia do concerto,
e sua implicação, a santidade, entendida como separação, a que mais tarde tornaremos. Se o
Cristianismo palestinense tivesse vencido na disputa interna da Igreja, ele seria ainda hoje uma
seita judaica, porque essa mesma crença fundamental teria impedido sua expansão e a
comunhão integral de todos aqueles que fazem parte do corpo de Cristo11. Tendo em vista isso
que foi o principal ensino do mestre, os escritores sacros transferiram a eficácia salvífica do
serviço do templo12 para o serviço da Igreja, considerada a partir daí o templo escatológico13.
Ainda que João tenha concentrado sua ênfase teológica em Jesus como templo, e Hebreus o
tenha feito pensando no santuário celestial.

Não se trata de uma dicotomia interpretativa por causa da qual a Igreja estivesse dividida,
com um grupo de autores sacros inclinados a pensar no templo escatológico como a comunidade

11
Como ocorria no Judaísmo do segundo templo, que era dividido em judeus circuncidados e prosélitos. Só os
circuncidados podendo penetrar nas câmaras mais internas do santuário, só esses podendo comer dos sacrifícios
comuns (zebah shelamim), os quais o ofertante traz de volta para casa uma parte de seu sacrifício para comer com
seus familiares; tampouco podendo oferecer os sacrifícios pela culpa, para os quais necessitava da mediação de
outra pessoa, porque não podia penetrar nessa parte do santuário; em suma, o prosélito só podia ir ao templo para
orar. Philip F. Esler. Community and Gospel in Luke-Acts. The Social and Political Motivation of Lukan Theology
(Cambridge: Cambridge University Press, 1987). O mesmo ocorria quando ia a Sinagoga, a única coisa que podia
fazer era ouvir a homilia. O prosélito estava envolvido em uma prática religiosa de segunda categoria, semi-
integrado, inscrito em uma fraternidade de segunda mão, condenado a ser espiritualmente tutelado por um filho da
promessa, pois não tinha acesso direto a Deus.
12
Marcos em sua breve narrativa não dá lugar a dúvida de que o templo Jerusalém e seu serviço tinham passado.
Há várias notas negativas no evangelho sobre o templo: em Mc. 13: 14, referindo-se “ao abominável da desolação”
(ele é o único evangelista a não usar o artigo na declinação neutra, o que indica mais claramente a ação de um
poder humano-demoníaco); e em Mc. 14: 58, verso no qual ele reitera a já referida afirmação de Jesus sobre o
santuário a partir daí ser sua própria pessoa; por último notar no silêncio de Marcos sobre Jerusalém e o santuário
a partir da ascensão de Jesus. Em Mateus a tônica é semelhante. Há diversas alusões à destruição do templo e de
Jerusalém (Mt 22: 7; 23: 37-39; 24) Mesmo quando Jesus ainda estava ministrando nessa Terra, em diversas
ocasiões a redação de Mateus, quando compara-o com o templo, Jesus é considerado maior do que o templo (Mt
12: 5-6; 17: 24-27; 27: 3-10); em suma, para a redação de Mateus o templo era um lugar contaminado, poluído,
pois para ali Judas atirara o preço da traição. J. Bradley Chance. Jerusalem, the Temple, and the New Age in Luke-
Acts (Macon, GE: Mercer/Peeters, 1988), p. 57. Mateus, tal como Marcos, também ignora Jerusalém nos
momentos finais dos discípulos com Jesus antes de sua ascensão, pois tudo se passa na Galileia (Mt 28: 16-20)
Paulo, por sua vez, indica por diversas formas que o templo foi substituído pela comunidade dos crentes (Ef 2: 20-
22; I Co 3: 9; I Co 14: 12; Cl 2: 7) e o próprio crente individualmente considerado (I Co 3: 15-16; II Co 5: 1; II
Tm 1: 14). Nas cartas gerais é Pedro quem mais enfatiza esta nova visão da Igreja como templo e sacerdócio (I Pd
2: 4, 5 e 9). R. Jack McKelvey. The New Temple: The Church in the New Testament (Oxford: Oxford University
Press, 1968). Cf. G. K. Beale. The Temple and the Church’s Mission: a Biblical Theology of Dwelling Place of
God (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2004).
13
Há muitos sinais textuais em Lucas-Atos de que seu autor entende a Igreja como santuário celestial na terra. A
infusão do Espírito no corpo da Igreja: “Veio do céu um som como vento impetuoso e encheu a casa” (Lc. 2: 2),
sinais da presença de Deus, como por exemplo: o fogo (Ex 3: 2; Dt 5: 4): “uma língua de fogo pousou sobre cada
um deles” (Lc 2: 3). Deus desceu do céu, não mais para confundir as línguas daqueles que se rebelavam contra a
sua Palavra, como na construção da Torre de Babel (Gn 11: 6 e 7), mas para fazer com que os seres humanos se
entendessem ainda que falando idiomas diferentes (Lc 2: 8-11). Para ver todos os paralelos entre o antigo templo
e o novo corporificado na Igreja ver G. K. Beale. “The Descent of Eschatological Temple in the Form of Spirit in
Pentecost”, Tyndale Bulletin (56.1, 2005), pp. 63-90.
9

cristã, e outro grupo pensando em um templo extramundano onde Ele oficiaria como sumo-
sacerdote. As ideias não são auto-excludentes, mas se harmonizam. Ambas nascem da mesma
fonte escatológica: a pedra cortada sem auxílio de mãos que trouxe abaixo a estátua do sonho
de Nabucodonosor de Daniel 2: 4514. Jesus é a pedra que atinge os reinos desse mundo com sua
vinda e os destrói; Jesus também é a pedra de esquina (Sl 118: 22-23)15 sobre a qual a Igreja é
edificada. As duas realidades convivem com tranquilidade. Jesus está fora do tempo e é sumo
sacerdote em um templo não erguido por mãos humanas como preferem enfatizar os autores da
Carta aos Hebreus e do Apocalipse; Jesus está no tempo e é o fundamento da Igreja, sua cabeça,
através do Espírito Santo e de Sua presença no meio dos crentes. A maior prova da
compatibilidade dessas visões é o próprio livro de Lucas-Atos, onde as duas realidades
convivem harmoniosamente, como fica demonstrado pela visão de Estêvão. Jesus está na Terra
separando por imposição de mãos os diáconos, entre os quais Estêvão, conduzindo-o em seu
ministério; Jesus está no céu intercedendo por ele e por aqueles que tem as mãos manchadas
com seu sangue, entre eles Saulo, depois Paulo.

As igrejas da Ásia Menor elas estavam predispostas a entender a teologia do santuário de


uma forma diferente dos judeus palestinenses, com a destruição do santuário de Jerusalém e o
estudo das profecias de Daniel essa tendência se acentuou, de sorte que a bússola divina passou
a apontar para um sacerdócio mais excelente, desempenhado por Jesus no santuário celestial.
Mas por que isso não ficou explícito em Lucas-Atos? Já o dissemos, a teologia narrativa não
deixa nada explícito, pois o propósito é contar uma história colocando nela certas ênfases
teológicas promovidas pela intertextualidade que nem sempre são evidentes para os que estão
fora do círculo de leitores primários, como podemos notar pelo parágrafo anterior. Além disso,
certas palavras-senha tinha significado tão amplamente compartilhado nessas comunidades que
se tornava desnecessário uma parênese ou uma carta explicativa como aquelas que Paulo
escrevia. Não tendo mais aquele contexto só nos resta tentar recompor aquela realidade
colecionando pequenos indícios textuais, bem como procurando comparar esses resultados com
o quadro teológico geral da fonte em exame.

Antes da destruição física o templo já apresentava avançado estágio de degradação moral


que levava alguns segmentos do Judaísmo palestinense a mesma convicção do Judaísmo da

14
Brad Pitre. “Jesus, the New Temple and the New Priesthood”. In Scott Hahn; David Scott (eds.). Temple and
Contemplation: Gods Presence in the Cosmos, Church and Human Heart (Steubenville, OH: St. Paul Center for
Biblical Theology/Emaus Road Publishing, 2008). pp. 60-61.
15
Comparar Daniel 2: 45 com Mateus 21: 42-44. Aí estão os mesmos elementos: a pedra e os resultados de sua
queda sobre os reinos e as pessoas são semelhantes.
10

Dispersão. Era o caso dos essênios, que rejeitavam a oligarquia corrupta que substituíra o
sacerdócio16, passando por isso a compreendendo sua própria comunidade como o verdadeiro
templo17, além das práticas de pureza ritual terem sido agora se tornado extensíveis a todos os
membros de sua comunidade. Os fariseus seguiam uma linha parecida, talvez menos radical,
transferindo para a sinagoga a simbologia do templo, tomando a própria Tanakh como uma
espécie de mediadora entre Deus e os homens18, fazendo-a repousar em uma arca de madeira,
tal como o decálogo na arca da aliança no antigo santuário19. Praticando também as regras
rituais que eram uso dos próprios sacerdotes quando em serviço no templo.

Quanto ao serviço cúltico, propriamente dito, a julgar pelo que diz o Talmude, nos últimos
quarenta anos da existência do templo, a cerimônia do “dia da expiação deixou de ser eficaz”20.
Com efeito, o Santo dos Santos do santuário de Jerusalém estava vazio desde que
Nabucodonosor saqueou o templo, destruiu-o, levando seus utensílios para Babilônia; entre os
quais a arca da aliança e as duas tábuas da lei em seu anterior. Não fazia mesmo sentido um dia
da expiação que não tivesse mais como seu objeto primordial o apaziguamento da justiça divina,
representada pelo decálogo que repousava dentro da arca e estava coberta pela tampa do
propiciatório (Lv 16: 11-16). Daí o motivo por que os sacrifícios ainda eram feitos, mas a
expiação não mais.

Não pelos mesmos motivos, os evangelhos são unânimes quanto à decadência do serviço
do templo. A razão disso, entretanto, não se reduz à morte de Jesus na cruz e seu efeito
expiatório definitivo, como compreendido pela Igreja. A falência do templo como instituição
religiosa já vinha prenunciada pelos atritos da hierocracia com o movimento de Jesus. Essa
relação difícil vinha se manifestando desde o início, no tempo do ministério da Galileia, onde
sempre havia representantes do poder central observando e contradizendo as obras e ensinos de
Jesus (fariseus, escribas, herodianos, etc.), provocando um crescente antagonismo à medida que
ia ficando claro quem era na verdade Jesus, chamado Cristo21. Do contrário, não teríamos como
explicar a violenta repressão que sofreu e seu suplício no Calvário.

16
Frederik J. Cwiekowski. The Beginnings of the Church (Mahwah, NJ: Paulist Press, 1988), p. 33.
17
Shirley Lucass. The Concept of Messiah in the Scriptures of Judaism and Christianity (New York/London: T
& T Clark International, 2011), p. 207.
18
Idem, ibid.
19
Nathan MacDonald. Ritual Innovation in Hebrew Bible and Early Judaism (Berlin: Walter de Gruyter, 2016),
p. 23-24.
20
Shirley Lucass. The Concept of Messiah in the Scriptures of Judaism and Christianity, p.207.
21
No relato de Marcos desde o início do ministério de Cristo estavam-lhe fazendo oposição esses emissários do
poder central. Se bem que a razão da oposição inicial fosse a própria disputa pela influência sobre o povo, porque
11

O processo de Jesus está eivado de subterfúgios e depoimentos contraditórios de


testemunhas compradas, a exemplo da acusação de que Jesus tinha se declarado capaz de
destruir o templo e em três dias reedificá-lo (Mt. 26: 61)22, algo que ele na verdade nunca disse,
pois não se referia ao templo de Jerusalém, mas ao de seu corpo23. Depois torna-se réu confesso
por confirmar sua real identidade aos ouvintes: “Vereis o Filho do Homem assentado à direita
do Todo-Poderoso vindo nas nuvens do céu” (Lc 22: 64); Em Marcos, provavelmente fonte dos
demais, há a mesma afirmação, acrescida da pergunta do sumo sacerdote sobre a filiação divina
de Cristo. Em Marcos também aparece o testemunho de alguns que diziam tê-lo ouvido falar
que destruiria o santuário e o reconstituiria em três dias, “não por mãos humanas” (Mc 14: 58);
e, estando já Jesus pendurado na cruz, aparece novamente a acusação de terem-no ouvido
declarar-se capaz de destruir o santuário e em três dias reerguê-lo (Mc. 15: 29). Portanto, por
qual seja a perspectiva, a acusação era uma peça falha, cheia de mentiras e claramente
difamatória: “encontramos esse homem pervertendo a nação, vedando pagar tributo a César e
afirmando ser ele o Cristo” (Lc. 24: 2).” O que a classe sacerdotal realmente tinha contra Jesus
era sua autoridade, uma pregação que ameaçava seus privilégios e ganhos, tirando-lhes o poder
a gestão da culpa. E mesmo Jesus tendo realmente declarado: “Desde agora o Filho do Homem
estará assentado à direita do Todo-Poderoso” (Lc. 22: 69), o motivo de sua condenação não
pode ser interpretado como pura e simples blasfêmia. Muitos pensavam o mesmo de João
Batista e de Teudas, e nem por isso esses foram levados a julgamento, para sob interrogatório

Jesus ensinava como “quem autoridade e não como os escribas” (Mc 1: 22) e por essa razão fariseus e herodianos
conspiraram para ver como poderiam lhe tirar a vida (Mc 3: 6), não se pode olvidar a relação sua relação com a
teologia do templo. Tanto escribas como fariseus eram especialistas nas leis haláquicas que definiram a pureza
ritual que sustentava o poder da oligarquia do santuário, eram especialistas em excluir as pessoas da congregação
de Israel. Christine Schams. Jewish Scribes and Second Temple Period (Sheffield, U. K.: Sheffield Academic
Press, 1998).
22
O dito sobre a destruição do templo por Jesus é triplamente atestado, o que aponta para sua importância.
Basicamente o que diz é “Derrubai esse templo e em três dias o reedificarei” (Mc. 15: 29; Mt. 26: 61, Mt. 27: 40;
Jo. 2: 19). No original todos os evangelistas dizem basicamente a mesma coisa. Todos usam o substantivo naós
(templo) em vez de hieron (santuário) e o verbo é o mesmo kataluo nos sinóticos e um cognato luo, que aparece
em João, que tanto tem o sentido de destruir, como de cancelar, ab-rogar e suspender. A. T. Robertson. Comentario
al texto griego del Nuevo Testamento (Barcelona: Editorial Clie, 2003), p. 61. Segundo Kittel a Friedrich naós no
NT tem o sentido de templo espiritual; ao passo que Lucas vai preferir hieron, usando naós apenas nos relatos da
infância de Jesus. Gerhard Kittel; Gerhard Friedrich. Theological Dictionary of the New Testament (Grand Rapids.
MI: Wm. B. Eerdmans, 2003), verbete naós.
23
Existem outros indícios textuais que estão subentendidos e que apontam para uma pregação condenatória de
Jesus em relação ao templo. Em Mateus 16: 14 em célebre passagem em que Jesus interroga seus discípulos sobre
sua própria identidade, primeiramente perguntando sobre o que os homens diziam ele ser. Uma das respostas foi
que ele era Jeremias. Não se tem noticias textuais sobre Jesus ser um pregador lacrimoso ou lamentoso, de onde
vem parte da fama de Jeremias, então a associação do ministério de Jesus ao de Jeremias só pode ser devido ao
fato de que Jeremias também pregou contra o templo (Jr 7: 4). Há outros indícios textuais acerca da
intertextualidade entre |Jeremias e Mateus. A advertência do profeta quanto ao derramamento de sangue inocente
no templo (Jr 7: 6) parece ser retomado por Mateus em 26: 15, quando Judas Iscariotes atira o preço da traição no
interior do templo. Cf. toda a argumentação em Ross E. Winkle. “The Jeremiah model for Jesus in temple”, AUSS
(Summer, vol. 24, no. 2), pp. 155-172.
12

confessá-lo. Se não arregimentassem bandos armados para praticas guerrilheiras contra os


romanos ou contra os ricos e os que peregrinavam a Jerusalém, ninguém estava preocupado
com o que os pretensos messias diziam; mesmo porque eram muitos os modelos messiânicos
existentes24. A culpa de Jesus, portanto, só apareceu quando os sacerdotes e maiorais
perceberam o prejuízo que podia lhes advir de sua pregação e influência sobre o povo. O cunho
político que os sacerdotes viam era a possibilidade do messianismo de Jesus obstar de alguma
forma sua própria capacidade de carrear para si e suas famílias a riqueza e a influência que
fluíam pelos corredores do templo, sob os olhos condescendentes dos romanos.

No evangelho de Lucas, paralelamente à crescente oposição do templo, também crescia


a compreensão de quem era Jesus, até chegar ao ápice da declaração irônica do sumo-sacerdote:
“Logo tu és o Filho de Deus?” (Lc 22: 70)25, que nesse evangelho funciona como confissão de
culpa a contragosto, pois a resposta dada por Jesus foi: “vós mesmos dizeis que eu sou” (húmeis
legete hoti ego eimi), ou seja, vós mesmos o confessais26, pondo a nu quem de fato , estava sob
julgamento aquela madrugada, a própria classe sacerdotal, conforme mais tarde também
atestará o livro de Atos: “a pedra que os edificadores rejeitaram essa veio a ser a pedra angular”
(At 4: 11).

Em suma, Jesus não foi preso por haver se autodeclarado o messias. Primeiro, porque
nunca o fez; segundo, porque se o tivesse feito seus mais figadais inimigos seriam os romanos
e não a oligarquia sacerdotal; seria dos romanos a iniciativa de aprisioná-lo e levá-lo a

24
De acordo com várias fontes literárias, havia diversos conceitos de messiado em vigência naquela época,
podendo ser classificados em dois principais tipos: (a) o messias extra-mundano ou apocalíptico, com um messias
que advém ao mundo provindo de outra parte onde se achava diante de Deus e funda um reino extra-mundano.
Por exemplo, é o Filho do Homem que vem nas nuvens do céu e comparece diante do Pai, recebendo Dele um
reino que nunca terá fim (Dn 7: 14), o Messias é uma figura celestial que executa o juízo para honrar os justos e
castigar os maus (I Enoque 37-71); (b) o messias intra-mundano, ou seja, é um rei que atua no plano da história e
cria um reino temporal, embora eterno, que é o prelúdio do reino eterno de Deus, em uma espécie de milenarismo.
Por exemplo, o messias é um rei davídico que esmaga o orgulho das nações e instaura um reino universal e eterno
(Zc. 14: 9; Is. 2: 10-20, 13: 3,22; Am. 5: 18; Ez. 13: 5; Jl. 2: 1; Ml. 3); nos Salmos de Salomão o Ungido é um rei
que expulsará os romanos com a espada de sua boca (17: 24); ou então é o messias que reina durante 400 dias e,
depois de uma semana de silêncio, Deus cria um mundo novo e executa o Juízo Final (4 Esdras 7: 26-40). A maior
parte dos sacerdotes estavam ligados à seita dos saduceus, para quem não havia messias de nenhuma espécie, dado
que só considerassem canônicos os livros de Moisés, contudo, certamente o mais inaceitável para eles seria a ideia
de um messias extra-mundano. Passagens apócrifas extraídas de Alejandro D. Macho (org,). Apócrifos del Antíguo
Testamento (Madrid: Ediciones Cristiandad, 1987).
25
Primeiro a revelação é feita no mundo não material: seu nascimento virginal (Lc. 2: 11), depois a epifania no
momento de seu batismo ou de sua unção (Lc. 3: 21-22); afirmado por Jesus em seu primeiro sermão (Lc. 4: 18-
19), em seu julgamento confessado abertamente aos líderes do Judaísmo e em toda a sua magnitude: Ele é co-
regente com seu Pai (Lc. 22:69). Robert H. Stein. Luke. The New American Commentary (Nashville, TN: B. H.
Publishing Group, 1994), p. 572.
26
Stanley G. Grenz. Theology for the community of God (Grand Rapids, MI/Vancouver, Canada: Wm B.
Eerdmans/ Regent College Publishing, 2000), p. 330.
13

julgamento, e não da guarda do templo. A mensagem de Jesus nunca foi dirigida à opressão
romana, que para ele era um mal menor diante da degradação religiosa do povo do concerto.
Sua pregação tinha cunho religioso e era destinada exclusivamente a reformar o Judaísmo,
transformado em privilégios e exclusividade, quando deveria ser ao invés o concerto de Deus
com a humanidade por meio da descendência de Abraão. A ênfase ritualística recaindo sobre o
santuário e sobre a “Presença” expulsou de seus corações Aquele de quem o santuário era
apenas uma sombra. E ainda mais, esse privilégio sequer estava ao alcance de todos, já que a
maior parte dos judeus étnicos não tinha como observar as leis haláquicas que regiam o acesso
ao serviço expiatório do templo. Em outras palavras, em muitos aspectos, a principal
responsável pela distorção religiosa judaica eram o próprio santuário e sua teologia, denunciada
pelos profetas posteriores porque usada como guarda-chuva que acobertava pecados horríveis
contra o ser humano (Jr 7:4; Is 1: 13; Os. 12: 11; Am 4: 4).

Portanto, quando Jesus resume como sua missão: “Não fui enviado senão às ovelhas
perdidas da casa de Israel” (Mt 15: 24) ele tem essa teologia como alvo de sua pregação, à
medida que o templo exercia um monopólio na gestão da salvação que excluía uma parcela
importante da população, Jesus diz-se enviado justamente a esses. Pelo mesmo motivo, Jesus
adota discurso e prática antagônicos ao sistema cúltico que, como dissemos, ocorreu numa
escalada crescente de atitudes condenatórias. Não se pode negar que tanto seu discurso como
sua prática tiveram consequências políticas, daí ter sido condenado e crucificado; contudo, isso
ainda não nos permite pensar na política como ponto axial de sua missão, como o fazem alguns
scholars ligados ao Jesus Seminar27. Jesus condena o templo por uma razão primordialmente
salvífica, pela excludência produzida pelo sistema sacrifical e por sua redundância diante da
manifestação daquele sobre quem falavam como meras sombras e figuras28.

27
J. D. Crossan e Marcus Borg interpretam a purificação do templo como uma destruição simbólica do templo a
partir do texto de Marcos, que elegem como fonte mais antiga e confiável. Segundo sua interpretação o que Marcos
diz sobre a purificação do templo deve ser interpretado à luz da maldição da figueira estéril, a qual aponta para a
destruição do templo que ocorreria 30 ou 40 anos depois. A intenção de Marcos era demonstrar que a aliança das
autoridades do templo com os romanos era condenada por Jesus, e que, portanto, Jesus era “um revolucionário,
um socialista radical (não no sentido marxista, é claro), para quem os códigos de pureza do sistema do templo
eram moralmente e socialmente anátemas”. John D. Crossan e Marcus Borg. The last week. A day-by-day account
of Jesus’ final week in Jerusalem (San Francisco: Harper San Francisco, 2006), capítulo II.
28
Se na última semana a questão religiosa e política parecem se confundir isso se deu por ideias messiânicas
tradicionais ainda dominarem a mentalidade dos discípulos. Observar que é na última semana quando várias ações
simbólicas ocorrem, gerando esses mal-entendidos: a entrada triunfal em Jerusalém (Lc 19: 35-40), a assim
chamada purificação do templo (Mt 21: 13; Mc 11:17; Lc 19: 45 e 46), a reunião no cenáculo, todas essas ações
simbólicas eram especialmente passíveis de má interpretação. Com isso a ala mais exaltada dos discípulos parece
assumir a liderança nas ações do grupo: o ataque de Simão a mão armada contra o servo do sumo sacerdote (Jo.
18: 10), o dito das duas espadas aparece neste contexto (Lc. 22: 38), a fuga e o medo dos discípulos após a prisão
de Jesus com medo de serem indiciados como inimigos da ordem pública (Jo. 20: 19). Todas essas ações indicam
14

À primeira vista a redação de Lucas sobre o templo retrata uma ambiguidade porque ora
lhe é favorável, ora desfavorável. Contudo, se observarmos atentamente os evangelhos eles não
são ambíguos. Na verdade, criam contrastes. Começam falando em termos favoráveis para logo
após mostrarem as ações malévolas perpetradas pelos líderes da nação. Isto ocorre tanto no
evangelho quanto no livro de Atos. No evangelho a história de Jesus começa no templo, sendo
quando bebê circuncidado como todo bom israelita (Lc 2: 22), depois discutindo com os
doutores da lei, havendo se perdido de seus pais, e quando indagado porque não avisara onde
se encontrava respondeu que lhe “cumpria estar na casa de seu Pai” (2: 49). O templo naquele
tempo era a casa de seu Pai. O mesmo ocorrendo com a Igreja nos dias imediatos à ascensão de
Jesus, “perseveravam unânimes diariamente no templo” (2: 46), nas imediações do templo o
Espírito foi derramado, nas imediações do templo milagres, operados. Até que o templo começa
a obstinar-se contra a Palavra de Deus e o céu outrora azul torna-se toldado de pesadas nuvens
da discórdia. Lucas parece em seu relato querer retratar essa transformação que ocorreu no
transcurso dos muitos anos na história de Israel, através de uma representação em miniatura, na
história de Jesus e da Igreja, como se fosse uma metáfora do tempo: do favor divino para o
desfavor, ao desagrado, cujo ápice ocorre no evangelho com a prisão e execução de Jesus e no
livro de Atos com a prisão e a execução de Estêvão29.

Para Lucas, logo depois de seu batismo/unção Jesus começa sua caminha rumo à cruz sob
a sombra do templo. A redação lucana coloca em suas dependências a última tentação de Cristo,
quando Satanás o eleva ao pináculo do santuário e insinua que Jesus se lançasse daí abaixo para
que seus anjos o amparassem na queda (Lc 4: 9-12). Subsequentemente, a hierarquia do templo
e suas ameaças permaneceram como principal fonte das angústias de Jesus, armando-lhe
armadilhas, especialmente na fase de Jerusalém, culminando no sofrimento das últimas horas,
quando sua confiança está abalada no Getsêmani, diante de toda a humilhação que o esperava
no sinédrio e no Gólgota. A mesma oposição sofreria a Igreja incipiente, que, como um duplo
do ministério de Cristo, também foi perseguida desde os seus primeiros passos até a repressão
violenta que desencadeou o aprisionamento de Paulo. Porém, o que está sob condenação não é
a instituição como um todo, pois o evangelho tem o cuidado de demonstrar que existiam pessoas

a latência de uma dimensão política do messiado que não era intento de Jesus emergisse, mas não tinha como
contorná-las quisesse ele fiel à sua própria missão.
29
Peter W. L. Walker. Jesus and the Holy City: New Testament Perspectives on Jerusalem (Grand Rapids, MI:
Wm B. Eerdmans, 1996), pp. 57-68.
15

sinceras e usadas por Deus entre os membros da classe sacerdotal, havendo muitos de seus
membros que obedeciam ao evangelho (At 6: 7).

Em seguida, apresenta-se em escala sucinta uma visão panorâmica dos principais pontos
de antagonismo entre os ensinos de Jesus e a teologia do templo:

(a) Jesus batizava. O batismo nas águas para remissão de pecados, praticado por Jesus, e
por João antes dele, era uma ofensa permanente à teologia da classe sacerdotal, a qual se julgava
detentora do monopólio da purificação, declarada mediante exame sacerdotal e exigida por uma
extensa relação de halaquismos, contida na legislação levítica. Essa dimensão do conflito só se
torna evidente para nós, leitores do evangelho de Lucas-Atos do século XXI, quando Jesus
experimentado pelos sacerdotes, escribas e anciãos sobre com que autoridade realizava suas
obras, ele devolve-lhes a malícia perguntando: “o batismo de João era do céu ou dos homens?”
(Lc. 20: 1-4; Mc 11: 27-30). A resposta que a elite sacerdotal esperava de Jesus era de que sua
autoridade provinha de Deus para assim poderem acusá-lo de blasfêmia porque apenas o
messias teria autoridade acima da do templo; a resposta da classe sacerdotal à pergunta de Jesus,
seguramente, deveria ser ‘dos homens’ porque não queriam perder o privilégio de gerir a pureza
e se assim não responderam na ocasião foi por temerem a reação do povo que considerava João
Batista um profeta enviado por Deus.

(b) Jesus não obedecia às regras de pureza do templo. Quando as normas haláquicas se
chocavam com o valor da pessoa humana, ou seja, quando estava em jogo a vida ou a saúde da
pessoa humana, as regras haláquicas deviam ser deixadas de lado, pois Jesus viera buscar e
salvar o que se havia perdido (Lc 19: 10); era uma questão de coerência. Essas regras excluíam
as pessoas mais pobres da salvação, mantendo-as em permanente situação de impureza ritual e
com isso também as tornavam excluídas do serviço expiatório do templo, já que não podiam
comparecer ali por uma incapacidade cúltica (impureza ritual) 30. Com efeito, diversas vezes
ele colocou o ser humano acima das regras de pureza, curando doentes desprezíveis desde essa
perspectiva: leprosos (Lc 17: 12; Mt 26: 6) , endemoninhados (Mt 9: 32; Lc 8: 36, etc.),

30
A maior parte da população da população judaica era endemicamente impura porque não tinha condições de
seguir as regras haláquicas prescritas pela teologia do templo; ou então o faziam excepcionalmente, quando iam
em peregrinação a Jerusalém. Muitas vezes a falha na pureza ritual provinha da própria ocupação profissional
dessas pessoas. J. Jeremias levanta uma longa lista de profissões cujo exercício tornava as pessoas ritualmente
impuras e, portanto, religiosamente inadequadas: pescadores, pastores de ovelhas, curtidores, porque tinham que
manusear corpos de animais mortos; publicanos, considerados ladrões; copeiros, cozinheiros e outros a serviço de
Gentios; prostitutas; etc. Joaquim Jeremias. Jerusalén en tiempos de Jesús. Estudio económico y social del mundo
del Nuevo Testamento (Madrid: Ediciones Cristiandad, 1980), pp. 315-323.
16

samaritanos (Jo cap. 4), mulheres hemorrágicas (Lc 13: 11), seres impuros por natureza; e até
tocando mortos para ressuscitá-los (ressurreição da filha de Jairo – Mc 5: 22, Lc. 8: 41), tocando
seus esquifes (ressurreição do filho da viúva de Naim – Lc 7: 11), andando em cemitérios e
onde havia animais imundos (a cura dos endemoninhados – Mc 5), privando da companhia de
um povo que não praticava as normas de purificação prescritas pelos fariseus, por exemplo,
gentios, publicanos (Mc 2: 16) e prostitutas (a mulher que lhe lavou os pés, mulher flagrada em
adultério, provavelmente Maria Madalena, etc.)31; e claramente recomendando que até os
sacerdotes assim o fizessem, como ensina a parábola do bom samaritano, visto existir aí uma
crítica implícita ao sacerdote que se desviou do moribundo à beira do caminho por medo de
contaminar-se com um morto (Lc 10: 30-37). Jesus tampouco considerava a pureza uma espécie
de santidade, não reconhecendo nenhuma relação da santidade com ela, exceto se se tratasse de
pureza moral (obediência aos mandamentos do decálogo). O crente poderia adorar seu Deus e
comungar com seus semelhantes sem se importar com a condição ritual deles. Isto ocorre
porque o binômio que unia pureza ritual à santidade é rejeitado por Jesus32. Ele entende
santidade como algo que tem relação com a obediência à lei de Deus e com a devoção e a
mantém; ao passo que a pureza ritual é esvaziada de sua importância litúrgica porque por meio
de Jesus a aproximação e adoração a Deus torna-se direta e sem a intermediação do templo.

(c) Jesus perdoava pecados. Ele desconsiderou a prerrogativa cúltica do perdão de


pecados em diversas ocasiões: o paralítico de Cafarnaum (Mc 2: 1-12; Mt 9: 1-8; Lc 5: 17-26
Mc 2: 1-12; Mt 9: 1-8; Lc 5: 17-26), a mulher pecadora que ungiu os pés de Jesus (Lc 7: 36-
50). Por isso foi acusado de blasfêmia diversas vezes pelos fariseus e por pessoas ligadas à
hierocracia do templo, provavelmente porque essas ações de Jesus estão em paralelo com o que
se encontra na Escritura como atribuição divina: “Ele é quem perdoa todos os teus pecados, e
quem te sara de todas as tuas enfermidades” (Sl 103: 3). Contudo, Jesus perdoou os pecados
porque podia fazê-lo; ele é o cordeiro sacrifical e o sumo-sacerdote. E o templo que o devia não

31
Timo Eskola. A narrative theology of the New Testament. Exploring the Metanarrative of Exile and Restauration
(Túbingen: Mohr Siebeck, 2015), p. 177.
32
Os escritos de J. Milgrom tem trazido boas ideias para esclarecer a questão da pureza ritual. Em um de seus
artigos ele identifica quatro estados pelos quais deve ser entendida a santidade levítica. Esses se opõem
quiasticamente dois a dois. Os dois primeiros são o puro (tahor / kátharos) e o impuro (tameh / akathartos); os
outros, o santo (qodesh / hagios) e o profano (chol / bíbelos). Segundo a teologia levítica, estes estados podem se
combinar de diversas formas. (J. Milgrom. “Leviticus 1-16. A new translation and commentary” (Anchor Bible,
vol. 3, New York: Doubleday, 1991, p. 231). Excetuando-se, é claro, a impossibilidade de alguém ou alguma coisa
ser pura e impura, santa e profana, simultaneamente, pode-se ser profano e puro, santo e puro, mas nunca santo e
impuro (J. Milgrom apud Christian Grappe, “Jesus et l’impureté”, RHPR (vol. 84, 2004), p. 397. Contra essa
teologia a pregação de Jesus se insurge. Cf. Jacob Neusner. The Idea of Purity in Ancient Judaism (Leiden: Brill,
1973); Susan Haber. They shall purify themselves. Essays in Purity in Early Judaism (Atlanta: Society of Biblical
Literature, 2008).
17

o fazia, e devia-o por uma obrigação de ofício e por ser a causa última da desdita dos miseráveis
de Israel, pois a oligarquia do templo era aliada da opressão romana que por meio de uma pesada
carga de tributos levava as pessoas a não terem com que se alimentar direito e por isso a
adoecerem33. Perversamente, esse adoecimento era considerado um pecado, porque segundo
essa teologia as advertências do livro de Deuteronômio que prometiam enfermidades e pragas
como retribuição à infidelidade de Israel (Dt 28: 59-61) seriam, portanto, culpa do próprio
doente. Nos dias neotestamentários essas advertências e consequências funestas passaram a ser
entendidos como dirigidas aos indivíduos, aos judeus infiéis, e não mais à infidelidade de Israel
como nação. Consequentemente, os males sociais eram agravados, por uma ideologia perversa
lançavam sobre os doentes a responsabilidade por sua condição. Por uma coincidência infeliz
as doenças correntes na época eram praticamente as mesmas da lista deuteronomista (“pragas
e enfermidades graves e duradouras” – v. 59, ou seja, doenças infectocontagiosas e doenças
crônicas). E para o problema da doença, só havia um remédio: o dispendioso serviço sacrifical
do templo, que era inacessível para a maioria dos pobres. Em suma, a economia da salvação
regida pelo serviço do templo já não era efetiva desde muito antes do sacrifício antitípico de
Jesus. Por isso ele não a respeitava e perdoava os pecados dos sofredores, porque para a teologia
do templo a doença já era um pecado e, o que é pior, sem qualquer esperança de expiação, de
sorte que não seria de admirar que uma pessoa agravasse seu estado de saúde pela culpa que
carregava.

(d) Jesus purificou o templo (Mt. 21: 13; Mc. 11: 17; Lc. 19: 46). Na sua última semana,
em sua ação inaugural em Jerusalém, Jesus performatizaria um de seus mais importantes atos
simbólicos, a purificação do templo de sua impureza moral, pecado muito mais grave do que o
déficit ritualístico pelos quais seus líderes condenavam nos judeus relapsos, porque
transformava a salvação em um privilégio para poucos. Ao expulsar os vendilhões e suas
mercadorias de azorrague em punho o que Jesus pretendia, primariamente, era demonstrar que
o templo havia falhado em sua missão. Jesus usa palavras duras para denunciá-lo chamando o
templo de “covil de salteadores”; quando deveria ser “casa de oração”. Nos Sinóticos as

33
Os judeus no tempo de Jesus estavam submetidos a uma tripla carga tributária que tornava sua vida insuportável.
Impostos romanos, com seus diversos impostos os quais incidiam sobre as colheitas (25% da produção agrícola),
as pessoas (um denário anual para as mulheres acima dos doze anos e para os homens acima dos 14) e o comércio
(sobre o movimento e venda de mercadorias); impostos herodianos (12 a 50 % do que era produzido); donativos
religiosos ao templo (900 talentos anuais de uma população entre 1 e três milhões arrecadados pelo pagamento do
primeiro e do segundo dízimos). Cf. Ekkehard Stegemann; Wolfgang Stegemann. História social do
Protocristianismo (São Leopoldo RS/São Paulo: Sinodal e Paulus, 2004), p. 142; Daniel Godoy. “Roma, Palestina
e Galileia no século I”, Ribla (Petrópolis, 2004), p. 54; David. J. Downs. “Economics, taxes and tithes”. In Joel B.
Green; Lee Martin McDonald. The world of New Testament (Grand Rapids: Baker, 2013), p. 165; John Hanson;
Richard A. Horsley. Bandits, prophets and messiahs (Harrisburg, PA: Trinity Press International, 1999), p. 69.
18

referências escriturísticas para essas designações são, respectivamente, Jeremias 7: 11: “será
esta casa que se chama pelo meu nome um covil de salteadores aos vossos olhos?” 34 e Isaías
56:7: “minha casa será chamada de casa de oração para todos os povos”. Mas, enquanto Marcos
reproduz na íntegra o texto de Isaías, Lucas e Mateus omitem a última parte do verso: “para
todos os povos” (Mt. 21: 13, Lc. 19: 46), provavelmente por discordarem da ideia de um templo
escatológico que aparentemente a redação de Marcos quer defender. Lucas parece ter em mente
outro texto, a saber, Zc 14: 20-2135, desde que diz que Jesus expulsava os que compravam e
vendiam (Lc 19: 45). A redação joanina, corroborativamente, registra: “não façais da casa de
meu Pai casa de negócio” (Jo 2: 13-22). O texto de Zacarias que Lucas acompanha parece
enfatizar o anúncio do fim da necessidade de mediação litúrgica por meio do templo. A parte
do templo que permanecia atulhada de cambistas, vendilhões e animais era o assim chamado
pátio dos gentios, único lugar onde os não-judeus tinham acesso. Por que não se comercializava
essas oferendas em outro lugar? Pelo mesmo motivo por que a moeda usada nas transações era
também específica, o shekel. Alegadamente para que nenhuma coisa impura contaminasse o
templo (especialmente itens perecíveis)36, mas na realidade para garantir o monopólio e ganhos
escandalosos para as famílias que dominavam o sacerdócio. Eles roubavam às pessoas que
queriam adorar a Deus e eram obrigadas a se sacrificar para isso, roubavam Deus, servindo de
atravessadores do perdão divino, tratando seus filhos como propriedade suas sobre os quais
tinham “direitos exclusivos”37, roubavam dos gentios o direito de buscar o favor divino. Não
por acaso o templo é chamado de covil de salteadores, ou seja, já era uma instituição
espiritualmente falida.

34
Naquela época, com efeito, o templo, era o centro financeiro da Palestina, movimentando uma fortuna em
donativos, dízimos; capitalizando ganhos decorrentes do comércio de perfumes, incensos, pombos, cordeiros;
custodiando a fortuna dos grandes comerciantes e proprietários de terra, que se aproveitavam do aparato de
segurança do templo para proteger seus próprios valores (o templo também funcionava como um banco). E
Stegemann; W. Stegemann. História Social do Proto-cristianismo (São Leopoldo RS/São Paulo: Sinodal/Paulus,
2004), p. 51. As famílias sacerdotais que controlavam esses negócios formavam uma oligarquia que também
dominava o sumo-sacerdócio. Dos 25 sacerdotes que oficiaram entre 36 a. C. e 70 d. C., 22 pertenciam a apenas
quatro famílias e isso não se deviam a alguma dignidade especial delas, pois se tratava de sacerdotes ordinários e
não zodoquitas. Joachim Jeremias. Jerusalén em tiempos de Jesus, pp. 211 e 212.
35
“Naquele dia será gravado nas campainhas dos cavalos: Santo ao SENHOR; e as panelas da casa do SENHOR
serão como as bacias do altar; sim, todas as panelas em Jerusalém e Judá serão santas ao SENHOR dos Exércitos;
todos os que oferecem sacrifícios virão, lançarão mão delas e nelas cozerão a carne do sacrifício. Naquele dia já
não haverá mercador na Casa do SENHOR dos Exércitos.” (destaque nosso).
36
S. Safrai et al. (ed.). The Jewish People in the First Century. Historical Geography, Political History, Social,
Cultural and Religious Life and Institutions (Philadelphia, PN: Van Gorcum/Assen/Maastricht/Fortress Press,
1987), pp. 881-884.
37
David Gooding. According to Luke. The Third Gospel’s Ordered Historical Narrative (Corelaine, N. Ireland:
Myrtlefield, 2013), p. 330.
19

(e) Jesus julgou e condenou o templo como poder religioso blasfemo e corrupto. Na
primeira parte do processo de Jesus, ele é acusado por testemunhas compradas de haver
declarado que podia destruir o templo e em três dias o reerguer. A condenação àquela altura já
estava decidida, faltava apenas amealhar provas e depoimentos que lhe dessem sustentação, o
que até então não haviam conseguido porque os testemunhos eram contraditórios (Mt 24: 61).
O sumo-sacerdote volta-se então para Jesus para instigá-lo a falar e assim melhorar a
fundamentação da acusação: “não ouves de que te acusam? Não te defendes?” (Mt. 24: 62)38.
Jesus entendendo-lhe a intenção fica calado. Quando ninguém mais tenta constrangê-lo ele
livremente declara quem é39 e enche a todos de espanto: “desde agora vereis o Filho do homem
à destra do Todo-poderoso, vindo das nuvens do céu” (Mt. 24: 62) ou como aparece na redação
de Lucas: “Desde agora estará sentado o Filho do Homem à direita do Todo-poderoso Deus”
(Lc 22: 69). O que está a dizer em verdade é que seus juízes não o julgam nem a ninguém, que
o verdadeiro juiz é esse a quem se dirigem com impudica presunção40, por isso o resultado
daquele julgamento é completamente irrelevante diante do fato de que em breve Jesus estaria
diante da presença de Deus, entronizado como Filho de Deus e como sumo-sacerdote no
santuário celestial41, para julgar toda carne, inclusive seus ridículos acusadores. Notar que ele
se refere a si mesmo como o Filho do homem em um contexto que já não é humano ou mundano,
mas transcendente; Ele está à destra de Seu Pai. A referência seguramente é Daniel 7: 13: “E
eis que vinha com as nuvens do céu um como o Filho do homem e dirigiu-se ao Ancião de Dias
e o fizeram-Lhe chegar até Ele”. O verso anterior diz de que se tratava o encontro solene
“assentou-se o tribunal e abriram-se os livros” (Dn 7: 10). É cena é no Santuário Celestial. A
cena final do Juízo investigativo quando é dada por terminada a obra sacerdotal de Cristo no
Santuário Celestial, pela qual é retirada a força do poder que se opõe a Deus (Dn. 7: 11) e é
transferida aos santos do Altíssimo (Dn. 7: 27) para constituírem um reino que não terá fim.

38
Essa parte do juízo é omitido por Lucas, que se concentra na parte final quando Jesus revela sua verdadeira
identidade aos incrédulos sacerdotes. O interesse redacional de Lucas é fazer com que os próprios acusadores de
Jesus confessem que ele é o Filho de Deus.
39
Giovani Rosadi. Il processo di Gesù (Firenze, Itália: Sansoni, 1949), p. 251.
40
Darrell L. Bock. Luke (Downers Grove, IL: Intervarsity Press, 1994), p. 363.
41
Aqui há um conjunto de versos que apontam para o duplo ministério de Jesus nos céus. O ministério como
exaltado messias (Sl 2: 7, 110: 1) e o sumo-sacerdote que oficia em nosso favor no santuário celestial (Dn 7: 13).
O verso fala dessas duas realidades porque diz que Jesus está assentado à destra do Deus, como nos versículos do
livro de Salmos; por outro lado Jesus se chama a si mesmo de o Filho do Homem, como ocorre em Daniel e, a
considerar outras ocorrências textuais em Lucas, parece que o papel de sumo-sacerdote é o mais importante: 5: 24;
6: 5; 7: 34; 9: 22, 44, 56, 58; 11; 30; 12: 8, 10, 70; 17: 22, 26, 30; 18: 8, 31; 19: 10; 21: 27, 36; 22: 22, 48; 24: 7.
“Daniel 7: 13 e Salmo l10: 1 estão combinados” no texto. Luke T. Johnson. The Acts of the Apostles (Collegeville,
MI: The Liturgical Press, 1992), p. 140.
20

Não é uma ilação sem fundamento relacionar o ministério de Jesus com o santuário
celestial. Apesar de muitos pensarem ser criação da Igreja42, o título messiânico que representa
seu ministério como sacerdote: Filho do Homem, não é uma ocorrência episódica nos
evangelhos. Só Jesus se denomina dessa forma, chamando-se a si mesmo em terceira pessoa de
Filho do Homem, e essa expressão aparece cerca de setenta vezes nos quatro evangelhos, o que
é, de longe, o título messiânico mais usado por ele43. Por outro lado, Jesus nunca se
autodescreveu como rei, embora fosse chamado assim bem amiúde, especialmente quando
convocado a operar milagres: “Filho de Davi” (Mc 10: 47-48; 12: 35-37). Quando perguntado
se era o messias ou messias-rei sua resposta era quase sempre um evasivo “tu o dizes” ou “tu o
disseste”, que em grego significa mais ou menos como ‘sim, mas eu não o colocaria dessa
forma’, ou seja, não sou o tipo de rei que você está pensando44.

Com efeito, em seu ministério terrestre Jesus mostrava muito mais afinidade com o ofício
de um sacerdote do que com o de um rei: ensinos, milagres, perdão de pecados e tornar
novamente inteiros aqueles que estavam “coxos, fracos, doentes, mortos e moribundos, cegos,
mudos e leprosos”45. No evangelho de João, na cena final com seus discípulos, quando está a
tomar com eles a última ceia, Jesus faz a revelação final de quem ele é, lavando-lhes os pés,
purificando-os (Jo 13: 10), ou seja, Jesus é um sacerdote, alguém que nos apresenta diante de
Deus sem mácula em virtude de seus próprios méritos. A literatura greco-romana está repleta
de relatos sobre banquetes régios e Jesus sabia estar lidando com um elemento importante do
imaginário popular em seus discípulos. Arriano descreve uma série de banquetes em que
Alexandre manifestou importantes decisões políticas. Plutarco e outros escritores concordam
que os banquetes era ocasião propícia para que o rei revelasse seu caráter mais claramente 46.
Em João 13: 1-16 Jesus como rei revela seu caráter e seu sacerdócio lavando os pés a seus
discípulos e recomendando-lhes que fizessem o mesmo uns aos outros, embora não mais com

42
Apesar de já ter sido modernoso negar que esse título tenha sido usado por Jesus para se autodesignar, não tem
o menor fundamento essa ideia, tendo em vista as massivas evidências textuais, ainda mais com base no argumento
de que ele era chamado rei ou messias pela população ou pelo fato de haver sido crucificado sob uma inscrição
com esses dizeres. Dale C. Allison Jr. “The Eschatology of Jesus. In John J. Collins. The Origins of Apocalypticism
in Judaism and Christianity (New York: Continuum, 1994), p. 292.
43
Edward A. Beckstrom. Beyond Christian Folk Religion. Re-grafting into our roots (Eugene, OR: Resource
Publication, 201), p. 100.
44
Quando indagado por Pilatos se era o rei dos Judeus pela segunda vez, Jesus respondeu de modo semelhante ao
que respondera aos sacerdotes, nesse caso logo corrigindo o sentido da palavra rei (basileus) que nada tinha a ver
com o poder régio pensado por Pilatos: “tu dizes que sou. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de
dar testemunho da verdade” (Jo 18: 37).
45
Edward A. Beckstrom. Beyond Christian Folk Religion, p. 114.
46
Graham Shipley. El mundo griego después de Alejandro 323 – 30 a. C. (Barcelona: Ideal Crítica, 2001), p. 87.
21

o mesmo significado, trazendo sobre si, aquilo que a própria Escritura dizia-o ser: o “Servo do
Senhor”, retratado nos textos messiânicos de Isaías.

Nos últimos momentos de sua história humana já começam os prenúncios de uma glória
porvir, de vez que sua existência humana começava a ser invadida pela divina. Por exemplo, na
transfiguração, enquanto orava seu rosto se transfigurou e suas vestes resplandeciam (Lc 9: 29)
e recebeu visitantes celestiais Elias e Moisés e confabulava com eles. De repente veio sobre ele
e seus discípulos uma nuvem dentro da qual se fazia ouvir uma voz: “Ele é meu Filho eleito a
ele ouvi” (Lc 9: 35). Aqui não há nada menos do que uma miniatura da corte celestial, onde
tudo está representado minimalistamente: Os dois visitantes representam os dois tipos de
redimidos, os mortos ressuscitados, figurados por Moisés, os transladados em vida,
representados por Elias. A nuvem é um símbolo da glória (kabod) de Deus em toda a Escritura.
A mesma nuvem cobriu o Sinai quando o decálogo foi entregue a Moisés (Ex 19:9); quando
encheu o tabernáculo do deserto (Ex 40: 34); avultou-se dentro do templo de Salomão, em sua
dedicação (I Rs 8: 10); inundou o templo escatológico da visão de Ezequiel (Ez 10: 4); envolveu
o Filho do Homem ao comparecer diante do Ancião de Dias (Dn 9: 13); paira no santuário
celestial (Ap 15: 8). Observar que no relato os discípulos penetraram na nuvem (Lc. 9: 34) e lá
ouvem a voz que exalta o Filho. Aí nessa passagem todos os elementos messiânicos estão
reunidos: a exaltação do messias dos Salmos; o Filho do Homem daniélico, ministrando no
santuário celestial; o templo escatológico, com a reunião de todos os redimidos, que é
mencionado por Ezequiel e João, o vidente (Ap. 7). Em suma, Jesus é o novo templo e em volta
dele ocorre um serviço cúltico sempiterno, que abrange o passado, o presente e o futuro da
humanidade reconciliada com Deus47.

A superação do templo, portanto, não ocorre somente por ter fim o sistema sacrifical, que
com o sacrifício do Filho de Deus torna-se completamente irrelevante. Não só porque tudo o
que acontecia no santuário apontava para ele, como o próprio evangelho de João48 depois o

47
Diversos scholars adotam essa percepção que decorre do próprio léxico simbólico lucano e bíblico (como se
verifica por inúmeras passagens com o mesmo fundo sígnico em outros lugares da Escritura). Kraus Baltzer. “The
meaning of the Temple in the Lucan Writings, HTR (no. 58, 1965), 263-277; E. Franklin. Christ the Lord. A
History in the Purpose and Theology of Luke-Acts (London: SPCK, 1975), pp. 90-95; Cyprian R. Hutcheon. “God
with us. The Temple in Luke-Acts”, StVTQ (44, no. 1, 2000), pp. 3-33; Peter Head. “The Temple in Luke’s Gospel.
In T. Desmond Alexander; Simon Gathercole. Heaven on Earth. “The Temple in Biblical Theology” (London:
Paternoster, 2004). Há uma riqueza semiótica aí que aponta para elementos fundamentais da cosmologia e teologia
lucanas: Steve Walton. “The Heavens opened. Cosmological and Theological Transformation in Luke and Acts,
pp. 65-68.
48
Não faltam manifestações textuais também nos outros evangelhos dessa personificação do templo em Jesus.
Todos falam de Jesus como a pedra angular rejeitada pelos edificadores (Mc 12: 10; Mt 21: 42; Lc 20: 17; At 4:
11). Jesus é o fundamento do novo templo escatológico, sobre o qual se formará a comunidade dos crentes. Porém,
22

explicitaria, dizendo ser ele a própria corporificação do santuário: vinho em vez de água, em
alusão à água da purificação (colocada à entrada do santuário para a purificação dos sacerdotes,
alusivo a que estavam as talhas de pedra para purificação dos fariseus) (Jo 2: 5-10); Jesus é a
“água viva” da qual alguém bebendo não voltará a ter sede (Jo 4: 10); “o pão vivo que desceu
do céu” (Jo 6: 51) em lugar dos pães mortos da proposição que deviam ser trocados
semanalmente; “a luz do mundo” (Jo. 8: 12) em lugar do candelabro que só iluminava o recinto
do templo; “o cordeiro que tira o pecado do mundo” (Jo 1: 29) em vez daquele cordeiro que só
expiava os pecados do ofertante; “o céu aberto com os anjos subindo e descendo sobre o Filho
do homem” (Jo 1: 51) em lugar do propiciatório sobre o qual velavam apenas querubins de
metal; enfim, Jesus era a real manifestação da glória de Deus, daí não serem mais necessários
esses símbolos e sombras. O ministério do templo também se tornava irrelevante pela irrupção
do reino de Deus e a infusão do Espírito sobre a Igreja, todo o sistema que regulava a
aproximação de Deus em relação ao ser humano deixou de ser necessário, pois o Espírito Santo
passava a realizar essa tarefa (nos evangelhos de João e Lucas). Além de tudo isso, a superação
do templo terrestre ocorreu principalmente porque existe um outro ministério sacerdotal
superior realizado nas dependências de dimensões inimagináveis de um templo não feito por
mãos humanas49, onde a intercessão pelos homens e a expiação incessante dos pecados e não
intermitente como a conduzida pelo sacerdócio humano.

3. Os primeiros conflitos entre a Igreja e o Templo

O livro de Atos começa com a ascensão de Jesus que não é, como costumeiramente
pensada, uma mera ascensão em um céu astronômico, como sugere a descrição de uma nuvem
lhes encobrindo o olhar (At 1: 10). Indícios textuais nos mostram que a narração que se segue
quer representar Jesus como o novo Moisés, pois por sua intercessão o Espírito é derramado
sobre a Igreja, e tal como os elementos epifânicos (relâmpagos e trovões) espantaram o povo
no dia da entrega das dez palavras. Sobre a Igreja reunida veem-se línguas de fogo pousando
sobre os apóstolos e demais irmãos, ventos fortes estrondavam ao redor do local de reunião (Lc

é demasiado pensar em um novo templo com a instituição de um sacerdócio com Pedro como sumo-sacerdote,
como fazem alguns. Brant Pitre. “Jesus and the New Temple and the New Priesthood”, p. 80-81.
49
Observar as referências apocalípticas ao templo das visões de João. Tudo ali aponta para a grandiosidade do
templo que é superdimensionado bem como o ministério sacerdotal de Cristo. Em Ap. 6: 9 João vê “as almas”
debaixo do altar de sacrifício do templo e o que na verdade é o sangue dos milhões que já foram mortos por causa
da verdade; em Ap. 8: 5 o anjo toma o incensário e enchendo-o de brasa atira-o à terra; em Ap. 11: 2 o átrio fora
do templo é dado às nações; Ap. 15: 2 retrata “o mar de vidro” perante o qual está a multidão de salvos, e que é na
verdade a dimensão cósmica do recipiente com água usado no santuário para purificar os sacerdotes que entravam
no santuário (Ex 38: 8).
23

2: 2-4)50. Portanto, as nuvens que encobriram Jesus não foram elementos naturais, não foi a
esse tipo de céu que Jesus ascendeu, mas ao céu que está na presença de Seu Pai, onde
compareceu para iniciar seu ministério intercessório como sumo-sacerdote (lembremos de
Daniel 7: 13), que é a referência textual a que alude o texto de Lucas51.

O início da história da Igreja é harmônico com o templo. Aí os apóstolos perseveravam


unânimes em oração e ali também ensinavam e operavam muitos milagres (At 2 e 3). Tal
ocorreu também com a história de Jesus, tudo começou no templo: profetas vaticinaram sobre
o destino de Jesus (Simeão e Hulda) (Lc 25-37), Jesus aos doze anos, precocemente, discutia
com os doutores da lei, dizendo que lhe cumpria estar na casa de seu Pai (Lc 2: 49). Mas depois
de início idílico formaram-se nuvens tempestuosas sobre a Igreja, tal como aconteceu com a
vida de Jesus. Com efeito, se a grande sombra ameaçadora sobre o ministério de Cristo foi
desde sempre o templo, com a Igreja fundada por ele foi igual. Além disso, da mesma forma
como para Jesus a oposição levantou-se de forma gradativa, foi assim também com a Igreja.
Consideremos.

Quando Pedro estava diante do sinédrio, onde era inquirido pelos maiores sobre a
autoridade pela qual haviam curado o coxo da porta Formosa, em certo ponto de sua homilia
ele declarou impávido: “não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe
nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4: 12);
e, contudo, nem ele e nem João sofreram maior repressão exceto a advertência de não ensinarem
mais sobre Jesus (At 4: 19). Pedro na ocasião não dissera nada menos do que já se encontrava
em outro lugar no NT: ‘Jesus é o único mediador entre Deus os homens’ (Cf. I Tm 2: 5) e que,
portanto, o sistema sacrifical havia se tornado obsoleto. Mas, como tivera o cuidado de dizer
“abaixo do céu não há nenhum outro nome”, e não condenou diretamente o serviço cúltico,
como faria Estêvão depois, ele e João foram mandados embora ilesos.

50
Denis Hamm. The Acts of Apostles, p. 378.
51
Lucas é o único dos evangelistas a narrar a ascensão de Jesus, e não o faz uma única uma vez, mas duas vezes,
uma no final do evangelho (Lc 24: 51-52) e outra no início do livro de Atos (At 1: 9). No relato de Atos uma
nuvem O encobre da vista dos discípulos e nuvem é um elemento cosmológico da teologia lucana que representa
a presença de Deus. Steve Walton. “The Hevens open. Cosmological and Theological Transformation in Luke and
Acts”. In Jonathan T. Pennington; Sean M. McDonough. Cosmology and New Testament Theology (London: T. &
T. Clark, 2008), p. 66. E não só isso, pois pode-se perfeitamente associá-lo com o serviço sacerdotal porque por
diversas situações a Escritura relara a ocorrência do mesmo elemento enquanto transcorre o serviço cúltico. A
nuvem serve para encobrir a glória divina e proteger os olhos humanos de verem o Santíssimo, o que lhes poderia
ser fatal por causa da condição pecaminosa e efêmera do ser humano.
24

O segundo afronta contra o templo viria logo a seguir, visto muitos sinais e prodígios
continuarem sendo operados pelos apóstolos, e continuando eles a ensinar o povo nas casas e
no pórtico de Salomão (At 5: 12), desobedecendo o comando recebido; afluía também gente
das cidades vizinhas por causa dos milagres operados (v. 16), de sorte que, tomados de inveja,
dessa vez os sacerdotes mandaram recolher à cadeia pública a Pedro e João, de onde
milagrosamente foram liberados pela intervenção de anjos, tornando depois ao lugar onde antes
se encontravam (vv. 19 e 20). Daí, novamente, a guarda do templo os foi buscar e levar à
presença das autoridades do templo, sendo-lhes perguntando por que estavam desobedecendo
a determinação de não ensinarem sobre Jesus (v. 28). Pedro e os demais responderam
atrevidamente que “importava obedecer a Deus e não aos homens” (v. 29), o que era na verdade
uma outra forma de dizer que a instituição sacerdotal não representava mais a vontade de Deus
sobre a terra, e, pior, estava em franca oposição a ela. Em acréscimo os apóstolos novamente
exaltam o nome de Jesus dizendo aos seus interrogadores que “Deus o ressuscitou e o exaltou
com sua destra (tei dexiai autou) como Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o
arrependimento e a remissão dos pecados” (At 5: 31). Desta vez os discípulos foram salvos da
morte graças à intervenção de Gamaliel, doutor da lei, que aconselhou o sinédrio a deixá-los ir
porque se aquela obra fosse humana por si só pereceria (At 5: 38). Em seguida, dando
acolhimento ao conselho de Gamaliel, ‘apenas’ os açoitaram e despediram sob forte
recomendação de não mais ensinarem no nome de Jesus (5: 40).

Apesar de mais contundentes na defesa de Jesus os discípulos nem dessa vez deixaram
claro quem de fato Ele era. Aparentemente, a ideia de que Jesus padecera por Israel e que seu
sofrimento era responsável pela remissão dos pecados do povo não incomodava por demais a
classe sacerdotal. Talvez porque ao tempo circulassem diversas ideias concorrentes de
expiação, a qual poderia ocorrer de três maneiras: (a) os justos poderiam com sua morte fazer
expiação pelos pecados do povo: Moisés, Josias, Ezequiel, Zorobabel e até mesmo Ciro,
chamado de meu ungido52, como comprovam algumas passagens de textos inter-testamentários
(Mac. 7: 32, 37)53; (b) o servo sofredor era interpretado por muitos como o próprio Israel, de
sorte que tendo trazido sobre si a ira de Deus por uma transgressão coletiva, de igual modo, por
seu próprio sofrimento, poderia ser expiado seu próprio pecado54; (c) o servo sofredor poderia

52
Walter C. Kaiser Jr. ”The Identity of the Mission of the Servant of the Lord“. In Darrel L. Bock; Michel Glaser
(eds.). The Gospel according to Isaiah 53. Encountering the Suffering Servant in Jewish and Christian Theology
(Grand Rapids, MI: Kregel, 2012), p. 94.
53
Patrick Sherry. Images of Redemption: Art, Literature and Salvation (London/New York: T & T Clark, 2003),
p. 32.
54
Walter C. Kaiser Jr. “The identity of the Mission of the Servant of the Lord”, p. 93.
25

ser o messias sofrendo em lugar da nação. A grande dificuldade tanto dessa visão coletivista do
Servo Sofredor quanto da que o identifica com algum homem justo é a designação de “meu
Servo”, por isso a visão majoritariamente aceita era a de que referisse mesmo ao ungido, e, de
fato, assim se expressavam os Targuns babilônico e hierosolimitano55. O exílio era uma
realidade ainda vívida para os judeus, ao menos em sentido espiritual. A figura do servo
sofredor e o retorno de Elias para muitos judeus eram sinais de que a ira de Deus nos dias finais
se desviaria do povo de Deus e eles seriam restaurados à sua condição original56. Portanto, dizer
que Jesus tinha feito expiação pelos pecados de Israel não consistia em algo que ferisse tão
frontalmente as suscetibilidades religiosas da oligarquia sacerdotal ou colocasse em risco seus
interesses. Ademais, devemos ter em mente que a Igreja não era ainda uma instituição separada
do Judaísmo e o sectarismo e a desviância religiosa era algo muito comum naquele tempo. O
Judaísmo Formativo57 abrigava muitas seitas mais ou menos institucionalizadas, e nenhuma
delas podia prescindir do serviço cúltico58, exceto os essênios. A classe sacerdotal já estava
habituada a lidar com isso. A reação da hierocracia só vai se tornar mais violenta à medida que
ela se apercebe que Jesus, o nazareno, e seus seguidores significava a abolição do serviço
cúltico, o que só irá ocorrer devido ao amadurecimento da teologia do santuário que é o que
desreleva completamente o serviço do santuário, até mesmo seu aspecto simbólico.

Quanto a isso, a exaltação de Jesus mencionada por Pedro ainda tinha uma sombra de
ambiguidade manifesta na própria expressão usada por Simão, a qual pode ser traduzida
satisfatoriamente como ‘com sua destra’ (caso instrumental), ‘à sua destra’ (caso locativo) e
‘para sua destra’ (caso dativo)59. A escolha do tradutor foi pertinente, porque mesmo se “com
sua destra” não foi o que Pedro quis dizer, pelo menos foi como os membros do sinédrio o
entenderam, visto que as últimas duas traduções seriam por demais ofensivas para resultarem
apenas em algumas chibatadas e um ‘vão embora calados’. A ambiguidade salvou Pedro da
morte naquele momento, mas haverá alguém que cruzará essa tênue fronteira do teologicamente
aceitável para os maiorais de Jerusalém, afirmando claramente que Jesus não só era a oferta,

55
Samuel Driver; Adolf Neubaur (org.). The Suffering Servant of Isaiah. According to the Jewish Interpreters
(Eugene, OR: Wipf and Stok, 1999), pp. 1-11.
56
Timo Eskola. A Narrative Theology of the New Testament, p. 180.
57
Terminologia usada por Overman, para definir um caudal de crenças e teologias mais ou menos coerente que
cobre um período que vai do ano 165 a. C. até o 100 d. C. Andrew J. Overman. O evangelho de Mateus e o
Judaísmo Formativo. O mundo social da comunidade de Mateus (São Paulo: Loyola, 1997), p. 20. O termo cabe
bem neste contexto histórico porque, de fato, naquela época o Judaísmo ainda estava em processo de formação,
havendo grande diversidade de rituais, doutrinas e livros sagrados (o cânon do AT só será definido no assim
chamado concílio de Jamnia, em 90 d. C).
58
E. P. Sanders. Judaism. Practice and Belief (London: SCM Press, 1992), pp. 182-188.
59
A. T. Robertson. Comentario al texto griego del Nuevo Testamento, p. 280.
26

como também o ofertante, e se constituía como o único sacerdócio ainda com eficácia
expiatória, destituindo completamente o serviço do templo e invocando sobre ele a mais
completa irrelevância.

4. O martírio de Estêvão e o santuário celestial

O martírio de Estevão tem um lugar notável na história da Igreja Primitiva. Assinala um


divisor de águas no livro de Atos separando duas grandes escolas missiológicas, de um lado, a
Igreja de Jerusalém dos primeiros apóstolos; de outro, a Igreja da gentilidade, de Paulo e seus
colaboradores. E não apenas. Também aí se apresenta uma referência muito clara à teologia do
santuário, dado que esse câmbio eclesiológico também diz respeito a prescrição ou não do
serviço do templo para aqueles que advindos da gentilidade eram acrescidos à Igreja. O martírio
de Estêvão marca essa transição. Daí por diante a voz de Jerusalém vai emudecendo e a da
Igreja da Dispersão se fortalecendo. A mudança de rumo começa pela própria escolha de
Estêvão para o exercício do diaconato, visto ter sido essa decisão tomada por sua reclamação
de estarem as viúvas helenistas sendo negligenciadas (At 6: 1), o que indica grande aumento de
novos adeptos oriundos desse estrato; depois pela própria atuação de Estêvão no mister para o
qual fora escolhido, por cuja excelência viria a produzir uma grande expansão do evangelho,
apresentando a tomada de dianteira do ministério dos da Dispersão em relação a Jerusalém.

Sabe-se que Paulo esteve diretamente envolvido com o martírio de Estêvão, visto terem
depositado suas vestes ensanguentadas a seus pés (At 7: 58). Provavelmente, o conflito entre o
um e outro fosse anterior ao martírio, pois ambos devem ter frequentado a mesma sinagoga,
conhecida como a sinagoga dos libertos (libertini), onde Estevão fizera fama como grande
campeão da causa cristã nas disputas teológicas que ali se desenrolavam. Saulo provavelmente
fazia parte da dita sinagoga porque o texto diz que ela era frequentada pelos judeus provenientes
da Cilícia, de onde ele também era originário (Lc 6: 9-10)60. Depois de muitas derrotas impostas
aos fariseus nos debates, não havendo mais como derrotar Estêvão pela exposição da palavra,
esses subornaram algumas pessoas para darem falso testemunho dele, afirmando tê-lo ouvido
falar contra Moisés e contra Deus (Lc 6: 11). Naquela época o Cristianismo era considerado
uma seita nova do Judaísmo, mais tarde reconhecida como seita dos nazarenos (At 24: 5). Em
suma, disputava-se sobre a interpretação do AT e sobre a autoridade do nome de Jesus, por
meio do qual as pessoas eram curadas e a mensagem proclamada.

60
John Phillips. Exploring Acts. An Expository Commentary (Grand Rapids: Kregel, 2001), p. 121.
27

Seguiu-se daí um processo bem parecido ao que Jesus sofrera nas mãos dos maiorais do
templo (At 6: 12-14). Lucas diz que as acusações lançadas contra Estêvão eram falsas, mas não
foi específico. Não parece que fossem de todo infundadas, como se percebe pelas próprias
palavras de Estêvão no capítulo seguinte, quando ao final de seu longo discurso sobre a história
de Israel, pelo qual se perfila uma linha crescente de ofensas ao Judaísmo do templo (a
transitoriedade da antiga aliança e a dureza de coração de seus ouvintes, que assassinaram um
a um dos profetas que lhes foram enviados), e finalmente a afirmação expressa da superação do
santuário de Jerusalém. No clímax de sua prédica ele declara com todas as letras que esse não
era o lugar da habitação do Altíssimo, pois Deus é muito maior do que o santuário e do que o
próprio mundo (At 7: 48-50). No original, as palavras usadas por Estêvão são duras para um
ouvinte judeu, e tanto mais se sacerdote. A mesma expressão cheiropoietos – obra de mãos
[humanas], presente na expressão “Ele não habita em casas feitas por mãos humanas”, ocorrente
na LXX onde também é usada por Isaías, quando o profeta fala dos ídolos (Is 16: 12). E Paulo,
segundo Lucas, aplica a mesma palavra em Atos 17: 24 para referir-se a um santuário pagão
diante de uma assistência pagã: “o Senhor dos céus não habita em santuários feitos por mãos
humanas”61. Alguns poderiam aduzir que sobre isso tanto Paulo como Estêvão estejam
espiritualizando a teologia do templo, como era característica da Judaísmo da Dispersão, tendo
como pano de fundo o cumprimento dos rudimentos cúlticos na vida e morte de Jesus Cristo.
Contudo, não se trata só disso, pelo menos não na teologia lucana. A referência toda de seu
discurso é daniélica e escatológica, dizendo respeito ao templo escatológico prefigurado pela
“pedra cortada sem auxílio de mãos” que esmiúça a estátua de Nabucodonosor que representa
os reinos do mundo (Dn 2: 34, 45). Basta ver como uma expressão peculiar do texto de Daniel
se repete em diversos outros lugares (Mc 14: 58; At 7: 48, 17: 24; Hb 9: 11, 24) com o mesmo
significado, isto é, como indicação da intervenção divina na história humana, nesse caso pelo
soerguimento do templo escatológico em substituição do templo de Jerusalém.

A prova disso é que no desfecho final do martírio de Estêvão ele tem uma visão que é a
exata réplica da resposta de Jesus à classe sacerdotal que o julgava. Nas mesmas circunstâncias
ele vê “o Filho do homem de pé à direita de Deus” (At 7: 55 e 56). Ora, depois de acusar a
classe sacerdotal de haver matado aquele que Deus enviara para reconciliá-los com o céu e com
o resto da humanidade, nada mais restava senão novamente apresentar Jesus como o seu Juiz
naquela mesma cena do Juízo de Daniel 7, que era mais do que conhecida por todos os
presentes. A alusão ao Filho do Homem, o principal título messiânico de Cristo, aquele que

61
Luke T. Johnson. The Acts of the Apostles, p. 133.
28

com mais frequência é usado por ele, indica a cena do juízo divino conduzido por Jesus (Dn. 7:
13-14). Os juízes que se juntaram para julgar eram, na verdade, julgados por aquele a quem
acusavam, o que fora rejeitado e perfidamente entregue aos romanos para ser supliciado, mas
ressuscitara e glorificado decretava agora o fim do templo e a prescrição daquele sacerdócio,
como alguns anos mais a frente iria-se constatar pelo torvelinho de desgraças que se engolfaram
a santa cidade e o templo, entre 66 e 70 d. C. Ele é a pedra angular do templo escatológico e
diz respeito àquele ajuntamento de homens maus porque o templo-Estado judeu era merecedor
como organização política da destruição promovida pela rocha cortada sem auxílio de mãos, e
como organização religiosa, que dirigia blasfêmias contra Deus na pessoa de Seu Filho, merecia
ser julgada tal como o chifre pequeno foi julgado no livro de Daniel.

Ainda que Daniel 9: 24 a 27 não seja mencionado em nenhum lugar do NT, há elementos
para inferir o conhecimento da profecia das setenta semanas por parte de alguns de seus autores,
principalmente por aqueles que escreveram depois da tomada de Jerusalém e da destruição do
templo62. O raciocínio parece simples. Se para os autores do evangelho “a abominação
desoladora” de que fala o profeta (Dn. 9: 27) foi a invasão da cidade santa e a total destruição
do templo, não custa concluir que o terminus ad quem da profecia seja Jesus Cristo e sua obra
expiatória; basta para isso ter em mente o contexto da visão dada a Daniel: o santuário
derribado, o povo exilado e a alusão ao profeta Jeremias e sua profecia sobre um exílio de
setenta anos63. Sem alegorizar Daniel, deslocando-o quatro séculos adiante, e transformando
sua história em uma fábula piedosa para falar de Antíoco Epifanes (leitura essa que
absolutamente não é a dos evangelistas e nem deveria ser a nossa), o que aparece aí é a confissão
de Daniel acerca dos pecados de seu povo (9: 5-20). O anjo que vem consolar Daniel diz que
setenta semanas estariam determinadas sobre seu povo para: “fazer cessar a transgressão, dar
fim aos pecados, para expiar a iniquidade, trazer a justiça eterna, selar a visão e a profecia e
para ungir o Santo dos Santos” (Dn 9: 24). Em seguida há a descrição bem conhecida de alguns

62
Não tenho aqui nem de espaço nem disposição para enveredar em todos os meandros da interpretação da profecia
de Daniel, cujo texto original é bastante complexo e controverso. Para a discussão que transcorre o interesse é a
plausibilidade de que uma certa interpretação de Daniel tenha orientado aqueles leitores a pensarem em Jesus e no
templo escatológico que Ele institui. Para os que quiserem se internar nessas discussões recomenda-se a tese de
Reimar Vetne. The Influence and Use of Daniel in the Sinoptic Gospels, Tese de Doutoramento, Andrews
University, 2011.
63
A alusão à Jeremias refere-se a 25: 11-12 e 29: 10 que basicamente diz: “quando se cumprirem 70 anos castigarei
a iniquidade do rei de Babilônia”. Também II Cr 36: 20-22 que menciona a profecia de Jeremias, sugerindo talvez
que se tratasse de semanas de anos, como parece indicar a alusão a anos sabáticos.
29

marcos do período profético em lide: a reconstrução de Jerusalém, a unção do Santo, a aliança,


o fim dos sacrifícios, o fim do período profético e a destruição final.

Os evangelhos são bem claros a esse respeito quando apresentam o discurso apocalíptico
de Jesus, e o único que não usa a expressão “abominação desoladora” (bdeligma tes eremóseos)
que aparece em Daniel64, é Lucas, mas que em seu texto a mesma ideia está descrita por meio
de paráfrases históricas: “quando virdes Jerusalém cercada pelos exércitos” (Lc 21: 20) e
“cairão a fio da espada e serão levados cativos para todas as nações” (vv. 24)65. A conclusão é
incontornável: eles entendem as setenta semanas se cumprindo em seus dias, referindo-se à
destruição de Jerusalém pelos romanos. Ora, se entendem a conclusão da profecia das 70
semanas de anos como referida aos seus dias, devem assumir também os outros marcos
proféticos que aparecem na última semana (sete anos), a saber, a unção do messias (o batismo
de Jesus), a aliança com alguns, a cessação do sacrifício (sua morte) e o fim do período profético
relacionado ao tempo de graça do povo judeu, qua povo e principal depositário dos oráculos
divino, e finalmente a destruição prometida.

O leitor pode alegar que não há nada expressamente declarado sobre as 70 semanas de
Daniel. Por óbvio que não. Porque os autores do evangelho estão contando uma história e não
escrevendo um tratado de teologia sistemática66; além disso como relato que é aí estão ocultas
muitas pressuposições que nos escapam hoje e necessitam ser identificadas no texto por meio
de uma leitura acurada, pela qual é possível perceber certas ênfases que se ajustam com

64
Mateus é até mais expediente em apontar para Daniel, dado que seu texto Jesus o cita explicitamente (Mt 24:
15), suscitando uma discussão interminável sobre a autenticidade da passagem, muitos pensando ser originária de
Cristo, outros preferindo ver na passagem uma glosa do redator. Obviamente, essa é uma questão menor que não
merece tanta atenção. Citando ou não expressamente Daniel a referência é clara; é a profecia das setenta semanas.
65
Há outros elementos textuais que indicam que Jesus conhecia as profecias de Daniel. (a) Quando por exemplo
ele faz referência às guerras citadas pelo profeta-estadista (Dn 9: 26), que mais imediatamente diziam respeito às
guerras e revoluções do povo judeu contra os romanos (Lc 21: 9), mas também se refere à história futura da
humanidade, interpretação que é paralela à visão daniélica da história; quando usa uma expressão que aparece
apenas em Daniel: “é necessário que primeiro aconteçam essas coisas” (LLX - dei gnesthai) (Dn 2: 28), a qual
aponta para inexorabilidade da profecia; “até que o tempo dos gentios se complete” (Lc 21: 24), Jesus seguramente
tem em mente um período profético, posto que se refere a um tempo pré-estabelecido para o domínio dos gentios,
onde mais se encontraria essa referência senão em Daniel 7: 26-28, onde está dito que um reino eterno seria
entregue “ao povo dos santos do Altíssimo”, depois que o tempo dos gentios fosse esgotado (Dn 7: 25).
66
Pode-se objetar ainda que não se trata do uso indevido do argumento do silêncio, pois trata-se de um silêncio
ensurdecedor. Os escritores neotestamentários pré-destruição do templo possuem uma doutrina do santuário
rudimentar, vê-se pelo exemplo de Paulo, com toda a sua envergadura teológica não foi capaz de ir muito além da
entronização messiânica dos Salmos 2, 24 e 110. Já os autores que viveram após o cumprimento da profecia
tiveram acesso a muito mais luz: Lucas, como vimos expondo, tem uma doutrina do santuário madura; também o
autor da Carta aos Hebreus, que dispensa comentários; João, tanto na Primeira Carta, onde apresenta Jesus como
nosso sumo-sacerdote (que nos defende não com sua retórica, mas com sua justiça (I Jo 2: 1), quanto no
Apocalipse, onde o santuário celestial é assunto recorrente e acerca do qual todas as imagens proféticas estão
relacionadas de uma forma ou outra, com seus compartimentos e seus móveis.
30

perfeição aos marcos proféticos das setenta semanas de Daniel: o batismo de Jesus, evento que
marca o início da última semana de anos é uma epifania e evoca um versículo de um salmo
messiânico (2: 7): “este é meu filho amado em quem me comprazo” (Mt. 3: 17; Mc 1: 11; Lc
3: 22), e também evoca Daniel 9: 27, porquanto aí se menciona a unção do Santo dos Santos,
reforçando a ideia de que Jesus é o novo templo67, o templo escatológico; a evangelização
maciça dos Judeus na última semana está bem delineada no texto de Lucas (Dn 9: 27),
secundariamente pode ser comparado também à instituição da Santa Ceia: “esse ó cálice da
nova aliança” (Lc 22: 20); na metade da semana faria cessar o sacrifício e a oferta de manjares,
embora alguns argumentem que o serviço cúltico só foi interrompido de fato 40 anos depois68,
concomitantemente à morte de Jesus o véu que separava o santo do santíssimo rasga-se ao meio
de alto abaixo (Mt 27: 51; Mc 15: 38; Lc 23: 45)69, como um sinal de que sua principal função:
servir de intermediário entre “a presença” e o ser humano não era mais necessária: o véu agora
é o corpo de Cristo (Hb 10: 20)70; Lucas é o único a retratar o fim do período profético relatando
o apedrejamento de Estêvão, acima considerado. Pois, Estêvão ter sido acusado de afirmar que
Jesus destruiria o templo (At 6: 14) pode indicar uma confusão familiar aos estudiosos do livro
de Daniel acerca dos dois príncipes mencionados um seguido do outro: o primeiro, o messias,
o ungido (Dn 9: 25), o que faria cessar a oferta de manjares (Dn 9: 27); o segundo, o príncipe
que há de vir que destruirá a cidades e o santuário (Dn 9: 26). Trata-se da mesma palavra no
original nagid, mas não se trata do mesmo personagem. Não se pode esperar que o messias
enviado por Deus se ocupe de destruir seu santuário71. Estêvão provavelmente conhecesse a

67
A expressão hebraica é kodesh kodashim, “o santo dos santos”, a qual fora de Daniel ocorre mais de quarenta
vezes e em cada um dos casos a referência é o santuário ou alguma coisa conectada a ele. Frank B. Holbrook.
Seventy Weeks, Leviticus and the Nature of Prophecy (Washington, D. C.: Biblical Research Institute, 1986), p.
83. Porém, esse não é um obstáculo importante para interpretar seu cumprimento na vida de |Jesus, pois como ele
mesmo se comparou ao santuário diversas vezes chamando seu próprio corpo de santuário (hieron), de modo que
a unção a que se refere a profecia cabe-lhe perfeitamente; e, mais que isso, não só é possível, como também é
provável que lhe diga respeito, porque o próprio Jesus interpretou a profecia dessa forma, levando-se em conta as
outras alusões que faz à profecia, como temos assinalado.
68
J. Randall Price. “Daniel’s Seventy Weeks Amillennial Interpretation”. In Mal Couch (ed.). Dictionary of
Premillennial Theology (Grand Rapids, MI: Kregel, 1996), p. 76.
69
Todas essas evidências são negligenciadas pela exegese tradicional, levando a conclusões pífias sobre o uso da
expressão “abominação desoladora”. Verbrugge assim a expressa: “o uso da expressão “abominação que causa
desolação” aplicada à dessacralização e destruição definitiva do templo e da cidade indica que Jesus via esse evento
à luz do dia do Senhor, como os profetas antes dele”. Verlyn D. Verbrugge. New International Dictionary of Old
and New Testament Words (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2006), verbete Abomination. Obviamente Jesus não é
como um dos profetas do AT. Segundo o autor de Hebreus ele é a essência da revelação (Hb 1: 2) e a relação dos
dois eventos a destruição de Jerusalém e a parousia deve ser uma correlação redacional.
70
O rasgar-se do véu é “símbolo da destruição do templo que se liga à promessa de um santuário celestial com a
morte de Jesus”. Jonathan Knight. Luke’s Gospel (London: Routledge, 1998), p. 52.
71
Antíoco Epifanes como cumprimento dessa profecia tem aqui seu maior obstáculo. A exegese cristã não o
respalda. Segundo os cristãos da Igreja Primitiva quem fez cessar o sacrifício e as ofertas de manjares foi Jesus; o
quem vem sobre a asa das abominações e é o assolador é o Anticristo, conforme a própria interpretação de Jesus,
que é o mesmo personagem que virá destruir a cidade e o santuário, cujo fim está determinado, não sem que antes
31

predição e sobre isso também falasse, dando azo a má interpretação de seus ouvintes. Os cristãos
primitivos deveriam saber também que o período de graça do povo hebreu e do ministério da
circuncisão estavam se completando, daí a veemência de suas palavras no apelo dramático
dirigido à liderança do povo em seu último discurso.

Conforme vimos inicialmente, com o assassínio de Estêvão acaba o tempo em que o povo
hebreu é o instrumento agenciador da mensagem de salvação ao mundo, com a Igreja passando
a lhe ocupar o posto. Observar que o retrato de Estêvão pintado por Lucas é uma réplica do
ministério profético de Jesus no evangelho, cujas lamuriosas palavras aparecem ao se
aproximarem os dias de sua última semana sobre a terra, dias vividos em Jerusalém: “Jerusalém,
Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados; quantas vezes te quis
ajuntar como a galinhas aos seus pintinhos, mas vós não quisestes” (Lc 13: 34). Estevão,
seguindo os passos de seu mestre, dirige então a palavra a um povo de “dura cerviz”
(sklerothracheloi), de pescoço rígido, ou seja, um povo descrito como o animal de tração que
quer sacudir o jugo para longe de si e não se deixa guiar por quem o conduz; um povo de
“incircuncisos de coração e ouvidos” (aperitmetoi kardiais kai ösin), de assassinos (phoneis) e
traidores (prodotai)72 (At 7: 51-53). Nesse momento seus acusadores não mais conseguem ouvi-
lo e o arrastam para ser morto fora da cidade. O apedrejamento de Estêvão sela o destino dos
Judeus, determinando sobre eles o juízo que sobre eles desabaria em 70 d. C.

Estêvão é um tipo de Cristo, pelo discurso duro que faz que é como aqueles dirigidos por
Jesus aos Fariseus no evangelho de Mateus, pela reação de ouvintes, pela visão que teve em
seus momentos finais, a qual corresponde exatamente às palavras de Jesus aos anciãos e
sacerdotes; por sua morte haver ocorrido nos arredores de Jerusalém; pelas palavras
perdoadoras que lhe saíram dos lábios em oração: “Senhor Jesus, não lhes imputes esse pecado”
(At 7: 50) também proferidas por Cristo; pela forma como rendeu o espírito: “Senhor Jesus,
recebe meu espírito” (At 7: 50) (Comparar com Lc 26: 46). A única diferença entre o martírio
do tipo e o sacrifício do antítipo é que na visão de Estêvão Jesus não se apresenta mais
ambiguamente entre Messias exaltado e Sumo-sacerdote recém-empossado. Na visão de
Estêvão Jesus está de pé, oficiando no santuário celestial, o único que restava com eficácia
expiatória. Daí a pertinência de sua oração para que não lhes fosse imputado aquele pecado.

venham guerras e assolações. E a autoridade em que se baseiam é o próprio Revelador, Jesus Cristo. Resta apenas
para os que não se deixam convencer pensar que esses textos escatológicos não são autênticos, que não são da
lavra de Jesus, mas aí já é outra discussão e aqui não cabem digressões.
72
A. T. Robertson. Comentario al texto griego del Nuevo Testamento, p. 288.
32

Estêvão intercedia no momento de sua morte por seu povo à semelhança de Moisés (Ex 32: 32)
que também é um tipo de Cristo. Contudo diferente da intercessão do fundador da nação
hebreia, Deus não ouviria a oração de Estêvão. A rejeição deles já estava consumada e o juízo
determinado, como se vê na própria profecia das setenta semanas que no verso 26 fala do juízo
de Deus sobre a nação culpada e no verso 27 também sobre a destruição do Anticristo73.

4. Depois do martírio de Estêvão até a prisão de Paulo

O martírio de Estêvão não foi suficiente para dar fim à controvérsia interna da Igreja sobre
a prescrição do serviço do templo; a disputa prolongou-se. A Igreja de Jerusalém sofria pressão
de recém-conversos fariseus, que permaneciam observadores das leis haláquicas e, portanto,
crentes na validade do serviço do templo. Um grupo de fariseus com esse perfil não se
conformava com o fato de os novos convertidos da gentilidade não serem orientados a
obedecerem as regras cúlticas (At 15: 5)74, inclusive a circuncisão que era pré-requisito para as
demais, pois sem ela os gentios não poderiam tomar parte das festas e liturgias do templo, e
sequer poderiam adentrar ao pátio dos israelitas onde ocorriam sacrifícios de animais. A maior
parte da igreja se opôs a isso, ou seja, que tivessem os gentios que cumprir a lei de Moisés e os
rituais do templo. Pedro e Paulo se opunham e apresentavam como justificativa as maravilhas
que Deus vinha operando no meio dos gentios. Se Deus operava no meio deles e o Espírito era
derramado sobre eles não havia neles qualquer impureza.

Contudo o principal motivo por que não se devia perturbar os gentios com costumes
judaizantes era o fato de para eles ter sido reservado por Deus um outro santuário mais
excelente. Esse é o teor da prédica de Tiago, que presidia o concílio convocado para dilucidar
a questão. Ele, citando Amós 4: 11, falou de um tabernáculo derribado a ser reedificado e
restaurado para que também os não judeus pudessem buscar ao Senhor (At 15: 16). O termo
usado pelo original para o “Eu o reerguerei” é anorthoo e indica corrigir algo que está torto.
Essa mesma palavra também foi usada para a designar o ato de curar a mulher hemorrágica que
andava encurvada75. Tiago também fala das ruínas desse templo, o termo original também

73
Desmond Ford. In the Heart of Daniel: an Exposition of Daniel 9: 24-27 (Lincoln, NE: iUniverse, 2007), p. 101.
74
Paulo se confronta com esse mesmo grupo de “fariseus cristãos” que subiram até a Ásia Menor para perturbar
as igrejas da Galácia, ensinando os gálatas a observarem as ordenanças da lei de Moisés, inclusive deixando-se
circuncidar e passando a observar o calendário litúrgico do templo (Gl 4: 10). Paulo faz uma alegoria entre os dois
filhos de Abraão, o filho da promessa, Isaque e o filho da carne, Ismael; o filho da escrava, Agar, e o filho da livre,
Sara; o filho do Sinai ou da Jerusalém terrestre e o filho da Jerusalém celestial, a “Jerusalém lá de cima” (Gl 4:
26). Não é difícil concluir que Paulo fala do santuário celestial, porque tudo em que reprova os gálatas é o terem
retornado aos rudimentos do santuário terrestre.
75
A. T. Robertson. Comentario al texto griego del Nuevo Testamento, p. 318.
33

aponta para uma ruína assimétrica, katestrammena autés, ou seja, que apenas uma parte do
tabernáculo estava em ruínas, a saber, aquela reservada aos gentios76. Aí cabe bem evocar como
cumprimento primário dessa profecia, o ato simbólico de Jesus em purificar e desimpedir o
santuário de sua impureza moral, pela qual o pátio dos gentios que se achava atulhado de
vendilhões, animais e todo aquele comércio, enquanto seres humanos a quem se destina a
salvação não tinham lugar. Tiago também diz que “Moisés é lido em cada cidade desde os
tempos antigos, os que o pregam nas sinagogas todos os sábados” (15: 21). Por que não falou
de toda Tanakh e só se referiu a Moisés? Porque o que se discute são as ordenanças da lei
cerimonial e aquilo que dizia respeito ao santuário. Tiago fala de um santuário escatológico
estabelecido por Cristo, ao qual todos têm acesso à medida que se guardem da poluição moral.
A Igreja agora é o templo. Para adentrar ao santuário onde Cristo hoje assiste, necessita-se
apenas da circuncisão ou purificação do coração, como dissera Pedro em seu discurso (At 15:
9).

Ora, há aqui uma conclusão bem óbvia, se os cristãos originários da gentilidade daí em
diante não praticariam as leis haláquicas, então não mais teriam acesso ao santuário de
Jerusalém e estariam excluídos de todo o seu processo expiatório que como símbolo apontava
para Jesus. Não podemos esquecer que como símbolo o santuário ainda exercia um papel
litúrgico importante, tendo em vista as práticas devocionais coincidirem principalmente com o
serviço diário do templo. Não devemos esquecer que a narrativa de Lucas não é só uma
exposição histórica, mas é também uma apresentação do significado da história. Logo não é
provável que a transição da Igreja de Jerusalém para a Igreja da gentilidade tenha ocorrido de
forma tão tranquila e instantânea. A Igreja de Jerusalém apenas saiu do foco do autor, mas não
desapareceu no momento quando a narrativa transita da Palestina para a Ásia Menor e Europa.
Ou seja, não é provável que de repente os cristãos prescindiram do templo de Jerusalém,
especialmente em um tempo quando entre a Igreja e a sinagoga havia contínuo fluxo de pessoas
e ideias77.

76
Ibid., p. 319.
77
Não se pode esquecer que o papel litúrgico do templo não se resumia à expiação de pecados particulares, para
esses todos os cristãos já conheciam qual era a solução: o sacrifício expiatório de Cristo. Sobre isso há que se
pensar também no sacrifício contínuo (tamid) que primeiramente era por Israel, mas também era na concepção
judaica pelo o mundo inteiro desde que funcionava como barreira de contenção para que o pecado da humanidade
não parecesse demasiadamente ofensivo a Deus. Quanto a isso é conhecida a citação de Simeon na Mishná, rabino
que viveu no segundo século antes de Cristo, sobre esse papel do templo como coluna de sustentação cósmica de
Israel e do mundo: “três coisas sustentam o mundo: a lei, o serviço do templo e as ações compassivas”77, tendo em
vista já ter sido o mundo tantas vezes abalado pela justiça divina. Timothy Wardle. The Jerusalem Temple and the
Early Christian Identity (Tübingen: Mohr Siebeck, 2010), p. 18. Há ainda outras referências da centralidade
34

O último conflito da Igreja com o Templo está registrado em Atos 21: 27- 23: 10. Ocasião
na qual Paulo é acusado por alguns judeus originários da Ásia de ter introduzido um grego
incircunciso (Trófimo) no templo (At 21: 28-29). A partir daí seguem-se as marchas e
contramarchas jurídicas que levarão Paulo até Roma e até ao seu martírio, cumprindo-se
fielmente o que havia predito Jesus em suas últimas palavras antes de sua ascensão (At 1: 8). A
essa altura o Cristianismo não era mais uma seita judaica, nessa expansão estava a mão de Deus
através do sopro do Espírito, embora sendo usado um instrumento improvável: a própria
hierarquia do templo e sua ferrenha oposição ao crescimento da Palavra. Cada uma de suas
ações leva a Igreja para um patamar de expansão superior até que viesse a cumprir o propósito
de Deus para ela (ou aquilo que os irmãos naquele tempo achavam que fosse esse propósito).
Foi assim com a morte de Jesus, foi assim com a morte de Estêvão, assim foi também com a
condenação de Paulo. A irresistível marcha do evangelho rumo ao cumprido do propósito
divino foi incentivada por aqueles que a ela resistiam e contra ela labutavam.

Como referência textual sobre o fim do ministério do templo de Jerusalém, Walker nos
chama a atenção para o fato de que logo após Paulo ter sido agarrado pela multidão enfurecida,
acusado de haver introduzido gregos incircuncisos no recinto sagrado, a porta do templo se
fechou atrás dele (At 21: 30)78, o que é um modo bem desusado de descrever o que aconteceu
depois da celeuma. Walker vê aí um simbolismo usado pelo narrador para significar o fim e a
prescrição final do templo. É cabível essa interpretação, porque no verso seguinte o relato diz
que procuravam matá-lo e no capítulo 23:13 relata que quarenta judeus se conjuraram sob
anátema não comer nada sem que primeiro tivessem matado a Paulo, revelando assim no que
haviam se transformado. A partir desse ponto o templo desaparece do relato de Lucas-Atos e o
derrear das cortinas é lúgubre. O templo de Jerusalém havia se tornado uma cáfila de assassinos
e agora era só esperar o juízo.

4. Conclusão

Como últimas palavras retomamos a questão colocada inicialmente. A doutrina do


santuário não está restrita ao livro de Hebreus nem às visões de João, no Apocalipse. Dois

cósmica do templo na literatura. Uma delas atribuída ao rabi Shemuel dizia: “o mundo é como o olho humano,
porque o branco é o oceano que envolve a terra; a íris é a terra onde vivemos; a pupila é Jerusalém; e a imagem
dentro dela é o templo do Senhor”. Bereshith Rabbah 63: 14. Citado por Peter Head. “The Temple in Luke’s
Gospel”, p. 103.
78
P. W. L. Walker. Jesus and the Holy City: New Testament Perspectives on Jerusalem, pp. 57-65.
35

evangelistas feriram essa mesma nota enfática: João e Lucas. O autor de Lucas-Atos demorou-
se mais no cumprimento profético das 70 semanas. Infelizmente, ainda que não com a
profundidade que gostaríamos porque não era esse seu propósito redacional; pois sua ênfase
também foi o nascimento da Igreja, para ele a fundação do templo escatológico, tanto quanto a
ascensão de Jesus deu início à sua ministração sacerdotal, pois seu ministério pós-pascal atende
a esses dois planos. Se comparamos a teologia lucana com a paunina ficam evidentes suas
afinidades, especialmente no que toca à irrelevância do templo de Jerusalém. Provavelmente
Lucas, depois de João, foi o autor situado na linha do tempo mais afastado dos dias terrenos de
Jesus. Todos os evangelistas, possivelmente, escreveram em datas posteriores à destruição do
templo e de Jerusalém, contudo desses parece ter sido Lucas o propugnador de uma cristologia
mais alta do que os demais, enfatizando o papel pós-terreno de Jesus como messias. Lucas teria
escrito em um período quando os cristãos finalmente deram-se conta do vazio do lugar do
templo e de que então deveriam voltar seus olhos em outra direção. Era costume entre os judeus
da Dispersão orarem com o rosto voltado para Jerusalém e orientar-se pelo horário dos
sacrifícios diários do templo (Dn 9: 21)79. Esse hábito era praticado mesmo na Palestina como
atesta o livro de Atos. Pedro e João subiram para orar à hora nona, na hora do sacrifício da tarde
(At 3: 10) (por volta das 3 horas), no mesmo horário Pedro e Cornélio oravam (At 10: 9, 30);
provavelmente Paulo e os demais judeus da Dispersão seguiam essas regras devocionais
baseadas na liturgia do templo, essa, porém, perdeu a razão de ser quando o santuário de
Jerusalém foi destruído e o sacrifício contínuo deixou de acontecer. Coube a Lucas e ao autor
da Carta aos Hebreus trazerem consolação à Igreja, à qual pertenciam muitos cristãos
originários do Israel étnico, e que ainda não haviam entendido que importava que o templo
desaparecesse para que o transitório pudesse passar e o eterno fosse acolhido nos corações
humanos em toda a sua inteireza e confiança.

Lucas apresenta o duplo papel sacerdotal de Jesus em sua obra como marco fundamental
de dois grandes momentos teológicos do NT. O momento quando Jesus apresenta a verdadeira
natureza de seu ministério messiânico, ou seja, Jesus como messias-sacerdote, como oferta
expiatória e como ofertante intercessor diante de Deus pelos pecadores. A partir daí a Igreja,
abandonando os rudimentos da velha dispensação, começa a proclamar a prescrição do templo
de Jerusalém e a vigência de um novo templo não feito por mãos humanas, de sorte que o
santuário celestial é o fundamento da pregação da Igreja, é o resumo do plano da redenção e a
garantia de que a salvação não depende mais, ainda que como símbolo, da mão humana, sempre

79
Roy Hammerling. A History of Prayer. The First to the Fifteenth Century (Leiden: Brill, 2008), pp. 53-54.
36

tão pronta a desviar-se do propósito de Deus, guardando egoistamente para si o que Deus
determinara que fosse passado àqueles a que estão destinados os tesouros da graça de Deus: os
pecadores penitentes.

Foi assim quando a Igreja cristã primitiva tirou a salvação das mãos da hierarquia do
templo; assim também quando Lutero e Calvino tiraram a salvação das mãos da hierarquia
romana, destituindo a ideia de sacramentos gerenciados pela Igreja, ela mesma o sacramento-
mor, fora da qual ninguém poderia ser salvo; tem sido assim quando é sacada também das mãos
do próprio pecador, que gosta de se chamar “nascido de novo” e dá-se por isso o direito a ela.
A expiação é um dandum, não um dato. O sangue do cordeiro pascal deve ser passado nos
umbrais de cada vida, mas também aspergido simbolicamente à presença de Deus, pelo erguer
das mãos perfuradas pelos cravos, em favor dos que invocam seu nome.

5. Referências:

ALEXANDER, T. Desmond; Simon GATHERCOLE. Heaven on Earth. The Temple in


Biblical Theology, London: Paternoster, 2004.

ALLISON, Dale C. Jr. “The Eschatology of Jesus. In John J. Collins. The Origins of
Apocalypticism in Judaism and Christianity, nestas referências.

ARENS, Eduardo. Ásia Menor nos tempos de Lucas, Paulo e João. Aspectos sociais e
econômicos para a compreensão do Novo Testamento, João R. Costa (trad.), São Paulo,
Paulus, 1997.

BALTZER, Kraus. “The meaning of the Temple in the Lucan Writings, Harvard Theological Review,
no. 58, 1965, pp. 263-277.

BEALE, G. K. “The Descent of Eschatological Temple in the Form of Spirit in Pentecost”, Tyndale
Bulletin, 56.1, 2005, pp. 63-90.

______________. The Temple and the Church’s Mission: a Biblical Theology of Dwelling
Place of God, Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2004.

BECKSTROM, Edward A. Beyond Christian Folk Religion. Re-grafting into our Roots,
Eugene, OR, Resource Publication, 2001.

BOCK, Darrel L. Luke, Downers Grove, IL, Intervarsity Press, 1994.

______________. A Theology of Luke and Acts. God’s Promised Program, Realized for all
Nations, Grand Rapids, MI, Zondervan, 2012.

BOCK, Darrel L.; Michel GLASER (eds.). The Gospel according to Isaiah 53. Encountering
the Suffering Servant in Jewish and Christian Theology, Grand Rapids, MI: Kregel, 2012.
37

CHANCE, J. Bradley. Jerusalem, the Temple and the New Age in Luke-Acts, Macon, GA,
Mercer;/Peeters, 1988.

COLLINS, John J. The Origins of Apocalypticism in Judaism and Christianity, New York,
Continuum), 1994.

CONZELMAN, Hans. The Theology of Saint Luke, London/New York: Faber and
Faber/Harper & Brothers, 1960.

CROSSAN John D. e Marcus BORG. The last week. A day-by-day account of Jesus’ final week
in Jerusalem, San Francisco: Harper San Francisco, 2006, capítulo II.

COUCH, Mal (ed.). Dictionary of Premillennial Theology, Grand Rapids, MI: Kregel, 1996.

CWIEKOWSKI, Frederik J. The Beginnings of the Church, Mahwah, NJ, Paulist Press, 1988.

DOWNS, David. J. “Economics, taxes and tithes”. In Joel B. GREEN; Lee Martin
MCDONALD. The world of New Testament, Grand Rapids, Baker, 2013.

DRIVER, Samuel; Adolf NEUBAUR (org.). The Suffering Servant of Isaiah. According to the
Jewish Interpreters, Eugene, OR: Wipf and Stok, 1999.

DURKEN, Daniel (ed.). The New College Ville Bible Commentary – New Testament,
Collegeville, MI, Liturgical Press, 2009.

ESKOLA, Timo. A narrative theology of the New Testament. Exploring the Metanarrative of
Exile and Restauration, Tübingen, Mohr Siebeck, 2015.

ESLER, Philip F. Community and Gospel in Luke-Acts. The Social and Political Motivation of
Lukan Theology (Cambridge: Cambridge University Press, 1987.

EVANS, Craig A. Jesus and the contemporaries. Comparative Stories, Leiden, Brill, 2001.

FORD, Desmond. In the Heart of Daniel: an Exposition of Daniel 9: 24-27, Lincoln, NE,
iUniverse, 2007.

FRANKLIN, E. Christ the Lord. A History in the Purpose and Theology of Luke-Acts, London: SPCK,
1975.

GORDLEY, Matthew E. New Testament Christological Hymns. Exploring Texts, Contexts and
Significance, Downers Grove, IL: InterVarsity, 2018.

GODOY, Daniel. “Roma, Palestina e Galileia no século I”, Ribla, Petrópolis, 2004, pp. 45-57.

GOODING, David. According to Luke. The Third Gospel’s Ordered Historical Narrative,
Corelaine, N. Ireland: Myrtlefield, 2013.

GRAPPE, Christian. “Jésus et l’impureté ”, Revue de Histoire et Philosophie Religieuse, vol.


84, 2004, pp. 393-417.

GRAY, Rebecca. Prophetic Figures in Late Second Temple Jewish Palestine. The Evidence
from Josephus, New York: Oxford University Press, 1993.
38

GRENZ, Stanley G. Theology for the Community of God, Grand Rapids, MI/Vancouver,
Canada: Wm B. Eerdmans/ Regent College Publishing, 2000.

HABER, Susan. They shall purify themselves. Essays in Purity in Early Judaism, Adele
Reinhartz (ed.), Atlanta: Society of Biblical Literature, 2008.

HAHN, Scott; David SCOTT (eds.). Temple and Contemplation: Gods Presence in the Cosmos,
Church and Human Heart, Steubenville, OH: St. Paul Center for Biblical
Theology/Emaus Road Publishing, 2008.

HAMM, Denis. The Acts of Apostles. In Daniel DURKEN (ed.). The New College Ville Bible
Commentary – New Testament, nestas referências.

HAMMERLING, Roy. A History of Prayer. The First to the Fifteenth Century, Leiden: Brill,
2008.

HANSON, John; Richard A. HORSLEY. Bandits, prophets and messiahs, Harrisburg, PA,
Trinity Press International, 1999.

HARRISON, Everett F. Lucas. Comentário Bíblico Moody – Novo Testamento, El Paso, TX,
Casa Bautista de Publicaciones, 1971.

HEAD, Peter. “The Temple in Luke’s Gospel”. In T. Desmond ALEXANDER; Simon


GATHERCOLE. Heaven on Earth. The Temple in Biblical Theology, nestas referências.

HENGEL Martin Hengel. “Christology and New Testament Chronology”. In Between Jesus
and Paul. Studies in the Earliest History of Christianity, Eugene, OR: Wipf and Stock
Publishers, 2003.

HOLBROOK, Frank B. Seventy Weeks, Leviticus and the Nature of Prophecy, Washington, D.
C., Biblical Research Institute, 1986.

HUTCHEON, Cyprian R. “God with us. The Temple in Luke-Acts”, St. Vladimir Theological
Quarterly, 44, no. 1, 2000, pp. 3-33.

JEREMIAS, Joaquim. Jerusalén en tiempos de Jesús. Estudio económico y social del mundo
del Nuevo Testamento, j. Luis Ballines (trad.), Madrid, Ediciones Cristiandad, 1980.

JOHNSON, Luke T. The Acts of the Apostles, Collegeville, MI, The Liturgical Press, 1992.

KAISER, Walter C. Jr. ”The Identity of the Mission of the Servant of the Lord“. In Derrel L.
Bock; Michel Glaser (eds.). The Gospel according to Isaiah 53, nestas referências.

KITTEL, Gerhard; Gerhard FRIEDRICH. Theological Dictionary of the New Testament,


Geoffrey W. Broomiley (trad.), Grand Rapids. MI, Wm. B. Eerdmans, 2003.

KNIGHT, Jonathan. Luke’s Gospel, London: Routledge, 1998.

KOESTER, Helmut. History, Culture and Religion of Hellenistic Age, Berlin, Walter de
Gruyter, 1995.
39

LÉON-DOUFOUR, X. Los evangelios y la historia de Jesús, Madrid: Ediciones Cristiandad,


1982.

LUCASS, Shirley. The Concept of Messiah in the Scriptures of Judaism and Christianity, New
York/London: T & T Clark International, 2011.

MACDONALD, Nathan. Ritual Innovation in Hebrew Bible and Early Judaism, Berlin: Walter
de Gruyter, 2016.

MACHO, Alejandro D. (org.) Apócrifos del Antíguo Testamento, cuatro volúmenes, Madrid,
Ediciones Cristiandad, 1987.

MCKELVEY, R. Jack. The New Temple: The Church in the New Testament, Oxford: Oxford
University Press, 1968.

MILGROM, J. “Leviticus 1-16. A new translation and commentary”, Anchor Bible, vol. 3, New
York, Doubleday, 1991.

NEUSNER, Jacob. The Idea of Purity in Ancient Judaism, Leiden: Brill, 1973.

OVERMAN, Andrew J. O evangelho de Mateus e o Judaísmo Formativo. O mundo social da


comunidade de Mateus, São Paulo: Loyola, 1997.

PENNINGTON, Jonathan T.; Sean M. MCDONOUGH. Cosmology and New Testament


Theology, London: T. & T. Clark, 2008.

PHILLIPS, John. Exploring Acts. An Expository Commentary, Grand Rapids, MI: Kregel,
2001.

PITRE, Brant. “Jesus and the New Temple and the New Priesthood”. In Scott Hahn; David
Scott (eds.). Temple and Contemplation: Gods Presence in the Cosmos, Church and
Human Heart, nestas referências.

PRICE, J. Randall. “Daniel’s Seventy Weeks Amillennial Interpretation”. In Mal COUCH


(ed.). Dictionary of Premillennial Theology, nestas referências.

ROBERTSON, A. T. Comentario al texto griego del Nuevo Testamento, Barcelona, Editorial


Clie, 2003.

ROSADI, Giovani. Il processo di Gesù, Firenze, Itália: Sansoni, 1949.

SANDERS, E. P. Judaism. Practice and Belief, London: SCM Press, 1992.

SAFRAI, S. et al. (ed.). The Jewish People in the First Century. Historical Geography, Political
History, Social, Cultural and Religious Life and Institutions, Philadelphia, PN: Van
Gorcum/Assen/Maastricht/Fortress Press, 1987.

SCHAMS, Christine. Jewish Scribes and Second Temple Period, Sheffield, U. K.: Sheffield
Academic Press, 1998.

SHERRY, Patrick. Images of Redemption: Art, Literature and Salvation, London/New York:
T & T Clark, 2003.
40

SHIPLEY, Graham. El mundo griego después de Alejandro 323 – 30 a. C., Magdalena C. Mena
(trad.), Barcelona: Ideal Crítica, 2001.

STEGEMANN, Ekkehard; STEGEMANN, Wolfgang. História social do Protocristianismo,


Nélio Schneider (trad.), São Leopoldo RS/São Paulo: Sinodal/Paulus, 2004.

STEIN, Robert H. Luke. The New American Commentary, Nashville, TN: B. H. Publishing
Group, 1994.

STOB, William S. The Four Gospels. A Guide to their Historical Background, Characteristic
Differences and Timeless Significance, Belfast, Northern Ireland, U. K., Ambassadors,
2007.

VERBRUGGE, Verlyn D. New International Dictionary of Old and New Testament Words,
Grand Rapids, MI: Zondervan, 2006.

VETNE, Reimar. The Influence and Use of Daniel in the Sinoptic Gospels, Tese de
Doutoramento, Andrews University, 2011.

WALKER, Peter W. L. Jesus and the Holy City: New Testament Perspectives on Jerusalem,
Grand Rapids, MI, Wm. B. Eerdmans, 1996.

WALTON, Steve. “The Hevens open. Cosmological and Theological Transformation in Luke
and Acts”. In Jonathan T. PENNINGTON; Sean M. MCDONOUGH. Cosmology and
New Testament Theology, nestas referências.

WARDLE, Timothy. The Jerusalem Temple and the Early Christian Identity, Tübingen: Mohr
Siebeck, 2010.

WINKLE, Ross E. “The Jeremiah model for Jesus in temple”, Andrews University Seminaries
Studies, Summer, vol. 24, no. 2, pp. 155-172.

Você também pode gostar