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ÍNDICE

ÍNDICE..........................................................................................................................1
INTRODUÇÃO..............................................................................................................2
CAPITULO UM..............................................................................................................3
CONTEXTO HISTÓRICO GERAL................................................................................3
1.1 Autoria..................................................................................................................3
1.2 Data, local da escrita e destinatários..................................................................4
1.3 Propósito..............................................................................................................5
CAPITULO DOIS..........................................................................................................6
ANÁLISE TEXTUAL.....................................................................................................6
2.1 Texto grego de Marcos 10:2-12..........................................................................6
2.2 Tradução .............................................................................................................6
2.3 Análise manuscritológica ....................................................................................7
2.4 Análise gramatical ..............................................................................................8
2.5 Análise semântica .............................................................................................11
CAPITULO TRÊS.......................................................................................................14
ANÁLISE LITERÁRIA................................................................................................14
3.1 Delimitação da passagem.................................................................................14
3.2 Natureza literária...............................................................................................15
3.3 Contexto Literário..............................................................................................16
CAPITULO QUATRO.................................................................................................17
CONTEXTO HISTÓRICO ESPECÍFICO....................................................................17
4.1 Contexto sócio-cultural......................................................................................17
CAPITULO CINCO.....................................................................................................19
SITZ IM LEBEN...........................................................................................................19
CAPITULO SEIS.........................................................................................................20
ARGUMENTAÇÃO TEOLÓGICA..............................................................................20
I - Jesus e a intenção dos fariseus (v. 2).................................................................20
II - Jesus e a tradição dos fariseus (vs. 3-5; 10-12)................................................22
a) Jesus e seu ensino aos discípulos (vs. 10-12)................................................26
III - Jesus e a vontade de Deus (vs. 6-9)................................................................28
CONCLUSÃO E APLICAÇÃO...................................................................................31
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA...............................................................................32
INTRODUÇÃO

O texto de Marcos 10:2-12 é de suma importância para os dias atuais. O


assunto do qual trata este importante trecho das Sagradas Escrituras, vem de
encontro com um tema que há muito, desde os tempos bíblicos, muito mais nos dias
atuais, é alvo de muitas dúvidas, especialmente para os meios cristãos do presente
século. Este assunto, que também é a própria teologia encontrada neste texto, é
quanto a questão do divórcio.
A Igreja atual necessita dar uma resposta aos seus membros e ao mundo
sobre o divórcio. Uma resposta segura e coerente quanto a este assunto tão difícil
de ser tratado, não pode vir de nenhuma outra fonte, senão da verdade suprema
que emana das Sagradas Escrituras. Sendo assim, o método abordado neste
trabalho para se obter uma pequena compreensão deste assunto, não pode ser
outro senão aquele que parece ser a maneira mais fiel ao lidar com o texto sagrado;
este é o método hermenêutico histórico-gramatical.

2
CAPITULO UM

CONTEXTO HISTÓRICO GERAL

1.1 Autoria

As informações que se pode adquirir sobre a autoria do Evangelho de Marcos


não se encontram no próprio evangelho.1 O nome “Evangelho segundo Marcos” foi
dado, certamente, quando da reunião dos demais evangelhos por volta do II século
ou mesmo um pouco antes. O que se pode afirmar com mais precisão é que já em
meados de 125 d.C. a igreja primitiva já aceitava que este evangelho havia sido
escrito por um homem chamado Marcos.2
O que se pode saber sobre a identificação do autor deste evangelho
encontra-se na tradição da Igreja, 3 como nos escritos de Eusébio em sua obra
História Eclesiástica (de 325 d.C.), onde ele descreve o testemunho de Papias (até
130 ou 150 d.C?), bispo de Hierápoilis, na Ásia menor, que afirma que o autor do
menor dos evangelhos é Marcos ou João cognominado Marcos (At.12:12) e que foi,
segundo Papias, discípulo e intérprete do apóstolo Pedro transcrevendo o que Pedro
dizia a respeito de Jesus, pois Marcos, ou João Marcos, não fora testemunha ocular
dos escritos contidos no seu evangelho. 4
Outras testemunhas apontam Marcos como sendo o autor do menor dos
evangelhos e o intérprete de Pedro, entre eles estão: Irineu (180 d.C.), Tertuliano
(200 d.C.), Clemente de Alexandria (200 d.C.), Orígenes (inicio do séc. III, cerca de
210 ou 250 d.C.), e o Cânon Muratoriano (cerca de 190 d.C.). 5 Diante dos vários
testemunhos, não há, portanto, motivos para discordar sobre a autoria do Evangelho
1
D.A. CARSON, Douglas J. MOO, Leon MORRIS, Introdução ao Novo Testamento, p.102., Werner Georg
KÜMMEL, Introdução ao Novo Testamento, p.112., Oscar CULLMANN, A formação do Novo Testamento,
p.24.
2
D.A. CARSON, Douglas J. MOO, Leon MORRIS, Op.Cit. p.102; William HENDRIKSEN, Comentário do
Novo Testamento: Marcos, p.23.
3
Werner Georg KÜMMEL, Op.Cit. p.113., Oscar CULLMANN, Op.Cit. p.24.
4
D.A. CARSON, Douglas J. MOO, Leon MORRIS, Op.Cit. pp.102,103; William HENDRIKSEN, Op.Cit.
pp.21,23., Oscar CULLMANN, Op.Cit. p.24. Kümmel discorda desta posição e a considera como uma afirmação
que não pode ser provada. Para Kümmel, o Evangelho de Marcos é um produto da tradição histórica bastante
complicada e contraditória, ver Werner Georg KÜMMEL, Op.Cit. p.113. Uma vez que Marcos não foi
testemunha ocular do Senhor Jesus, como afirma Papias na obra de Eusébio, logo ele não pode ser o jovem
descrito em seu evangelho que fugiu desnudo quando da prisão de Jesus (Mc.14:51,52), ver Werner Georg
KÜMMEL, Op.Cit. pp.112,113.
5
D.A. CARSON, Douglas J. MOO, Leon MORRIS, Op.Cit. p.103., William HENDRIKSEN, Op.Cit. pp.21-23.,
Werner Georg KÜMMEL, Op.Cit. p.114.

3
de Marcos a João cognominado Marcos (At.12:12), sendo este, de fato, intérprete do
apóstolo Pedro. O nome “Marcos” era o seu nome no meio romano de fala grega,
mas pelo fato de ser ele um judeu (Cl.4:10,11), este tornou-se o seu apelido, sendo
que seu nome verdadeiro como judeu era João (At.12:12,25; 15:37). 6

1.2 Data, local da escrita e destinatários

Há pelo menos 4 supostas datas atribuídas ao período da composição do


Evangelho de Marcos, a saber: as décadas de 40, 50, 60 e 70 d.C. 7 Dentre estas, a
que parece mais coerente é, certamente, uma data entre o final de 50 e início de 60
d.C., pois sendo Marcos o compilador de Pedro, Pedro já era morto no ano de 65
d.C. Da mesma forma não se pode atribuir uma data tão recuada como 40 d.C. dado
a imaturidade e a juventude de Marcos neste período, mesmo porque esta data não
pode ser comprovada.8
Quanto ao local de escrita, muito embora haja diversas opiniões a respeito,
como sendo os possíveis locais da escrita como a Ásia, a Palestina etc., a grande
maioria dos estudiosos são favoráveis que Marcos tenha escrito sua obra em Roma,
devido aos usos que ele faz de “latinismos” e mesmo devido o próprio testemunho
de Papias, Clemente de Alexandria, Eusébio, Irineu, entre outros patrísticos
comprovam Roma como sendo o local da composição do evangelho. 9
Uma vez que, como se vê acima, Marcos escreve sua obra em Roma, logo se
conclui que sua obra foi destinada aos romanos, mesmo devido ao uso dos
“latinismos” que ele faz (sem explicações dos termos) e às devidas explicações que
ele faz de termos e costumes judaicos, desconhecidos a um público gentílico como
os romanos (Mc.5:41; 7:3,4).10

6
William HENDRIKSEN, Op.Cit. pp.11,23,24., Oscar CULLMANN, Op.Cit. pp.24,25. Para Werner Georg
Kümmel o autor do Evangelho de Marcos é desconhecido, ver Werner Georg KÜMMEL, Op.Cit. p.115.
7
D.A. CARSON, Douglas J. MOO, Leon MORRIS, Op.Cit. pp.108-112., William Hendriksen atribui um
período entre 40-65 d.C. não tomando uma posição nítida, ver William HENDRIKSEN, Op.Cit. pp.26-28.
Kümmel e Oscar Cullmann atribuem uma data posterior, ou seja, ano 70 d.C. por se interpretar Marcos 13 como
sendo a revolta Judaica ou mesmo a queda de Jerusalém (70 d.C) como tendo sido acontecida, ver Werner Georg
KÜMMEL, Op.Cit. p.117., Oscar CULLMANN, Op.Cit. p.25.
8
D.A. CARSON, Douglas J. MOO, Leon MORRIS, Op.Cit. pp.108-112.
9
D.A. CARSON, Douglas J. MOO, Leon MORRIS, Op.Cit. pp.107,108., Werner Georg KÜMMEL, Op.Cit.
pp.116,117., William HENDRIKSEN, Op.Cit. p.25., Oscar CULLMANN, Op.Cit. p.25.
10
D.A. CARSON, Douglas J. MOO, Leon MORRIS, Op.Cit. p.112., Oscar CULLMANN, Op.Cit. p.25.,
William HENDRIKSEN, Op.Cit. p.25.

4
1.3 Propósito

Quanto ao propósito pelo qual Marcos escreveu seu evangelho, sem dúvidas,
cabe aqui as palavras de Carson: “O propósito de Marcos é muito mais difícil de
identificar”.11 O fato é que há inúmeras supostas proposições pelo qual Marcos teria
escrito sua obra.12
Uma vez que, como foi confirmado anteriormente que, de fato, Marcos
é o interprete de Pedro, a primeira proposta pelo qual Marcos teria escrito sua obra
seria justamente a de apresentar a seus leitores e destinatários uma “biografia”
(conteúdo histórico) de Jesus, uma vez que Pedro fora testemunha ocular de Jesus
Cristo. Portanto, um dos propósitos de Marcos era o de escrever algo sobre a vida
de Jesus Cristo.13
No entanto, a base para se compreender o propósito de Marcos no texto de
seu evangelho, certamente está no seu início, em Marcos 1:1 quando diz: “Princípio
do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus”. O que se pode entender com isto é
que Marcos também tinha uma finalidade evangelizadora de apresentar o
“evangelho de Jesus Cristo” e mostrá-lo quem ele é: o Filho de Deus. 14 Marcos
também não tem a intenção unicamente de apresentar a Jesus como o “Filho de
Deus”, isto é, divino;15 mas também o apresenta como sendo ele o “Filho do
homem”16, isto é, totalmente humano. É por este motivo que eruditos como William
Hendriksen e Oscar Cullmann afirmam que o interesse de Marcos é teológico ou
doutrinário, mostrando e apresentando aos seus leitores as duas naturezas de Cristo
como sendo ele (Cristo) verdadeiramente divino e verdadeiramente humano. 17
Conclui-se, portanto, que o propósito de Marcos no seu evangelho é, além de
trazer uma biografia histórica de Jesus através do testemunho ocular de Pedro,
também é o de trazer um ensino teológico e doutrinário a respeito do evangelho de
Jesus Cristo bem como de suas duas naturezas, a divina (Filho de Deus) e a
humana (Filho do homem).

11
D.A. CARSON, Douglas J. MOO, Leon MORRIS, Op.Cit. p.113.
12
Carson enumera pelo menos três principais propostas para esta questão, a saber: escatológica, cristológica e
apologética, ver D.A. CARSON, Douglas J. MOO, Leon MORRIS, Op.Cit. pp.113,114.
13
D.A. CARSON, Douglas J. MOO, Leon MORRIS, Op.Cit. p.115., Werner Georg KÜMMEL, Op.Cit.
pp.109,110., William HENDRIKSEN, Op.Cit. pp.28,29.
14
Werner Georg KÜMMEL, Op.Cit. p.109., D.A. CARSON, Douglas J. MOO, Leon MORRIS, Op.Cit. p.115.
15
ver William HENDRIKSEN, Op.Cit. p.30.
16
ver William HENDRIKSEN, Op.Cit. pp.29,30.
17
ver William HENDRIKSEN, Op.Cit. pp.28-31., Oscar CULLMANN, Op.Cit. pp.25-27.

5
CAPITULO DOIS

ANÁLISE TEXTUAL

2.1 Texto grego de Marcos 10:2-12

2 Kai. proselqo,ntej Farisai/oi evphrw,twn auvto.n eiv e;xestin avndri. gunai/ka


avpolu/sai( peira,zontej auvto,nÅ 3 o` de. avpokriqei.j ei=pen auvtoi/j\ ti, u`mi/n evnetei,lato
Mwu?sh/jÈ 4 oi` de. ei=pan\ evpe,treyen Mwu?sh/j bibli,on avpostasi,ou gra,yai kai.
avpolu/saiÅ 5 o` de. VIhsou/j ei=pen auvtoi/j\ pro.j th.n sklhrokardi,an u`mw/n e;grayen
u`mi/n th.n evntolh.n tau,thnÅ 6 avpo. de. avrch/j kti,sewj a;rsen kai. qh/lu evpoi,hsen
auvtou,j o` qeo.j\ 7 e[neken tou,tou katalei,yei a;nqrwpoj to.n pate,ra auvtou/ kai. th.n
mhte,ra Îkai. proskollhqh,setai pro.j th.n gunai/ka auvtou/Ð( 8 kai. e;sontai oi` du,o eivj
sa,rka mi,an\ w[ste ouvke,ti eivsi.n du,o avlla. mi,a sa,rxÅ 9 o] ou=n o` qeo.j sune,zeuxen
a;nqrwpoj mh. cwrize,twÅ 10 Kai. eivj th.n oivki,an pa,lin oi` maqhtai. peri. tou,tou
evphrw,twn auvto,nÅ 11 kai. le,gei auvtoi/j\ o]j a'n avpolu,sh| th.n gunai/ka auvtou/ kai.
gamh,sh| a;llhn moica/tai evpV auvth,n\12 kai. eva.n auvth. avpolu,sasa to.n a;ndra auvth/j
gamh,sh| a;llon moica/taiÅ

2.2 Tradução 18

2. E tendo-se chegado, fariseus interrogavam-no se é lícito a um homem mulher


despedir, pondo a prova o. 3. O, porém, tendo respondido, disse-lhes: Que vos
ordenou Moisés? 4. Os, porém, disseram: Permitiu Moisés libelo de repudio escrever
e despedir. 5. O, porém, Jesus disse-lhes: Em razão a dureza de coração de vós
escreveu-vos o preceito este. 6. De, porém, princípio da criação macho e fêmea fez
os o Deus. 7. Por causa de isto deixará um homem o pai dele e a mãe e será colado
para com a mulher dele. 8. e serão os dois para carne uma, de sorte que não mais
são dois, ao contrário, uma só carne. 9. O que, portanto, o Deus conjungiu, homem
não separe. 10. E em a casa outra vez os discípulos a respeito de isto interrogavam-
no. 11. E disse-lhes: Quem se despeça a mulher dele e se casa com outra comete

18
Waldyr C. LUZ, Novo Testamento Interlinear, pp.143,144.

6
adultério para com ela; 12. e, se ela, tendo despedido o homem dela, casar-se com
outro, comete adultério.

19
2.3 Análise manuscritológica

Há no texto do Evangelho de Marcos 10:2-12 três versículos, a saber, 2, 6 e 7


que apresentam variantes textuais. Os mesmos serão analisados logo abaixo.
A passagem da qual estamos exegetizando, que compreende os versículos 2
a 12 do Evangelho de Marcos capítulo 10, traz no seu corpo, ou no corpo do texto,
no versículo 2 Kai. proselqo,ntej Farisai/oi como sendo a opção feita pelo comitê da
United Bible Societies (UBS) e que teve, nesta opção, uma pequena incerteza para
decidir que variante colocar no texto. O texto escolhido pela UBS traz como
principais testemunhas os Codex ou Unciais: A (Alexandrino, séc.V), B (Vaticano,
séc.IV), L (séc.XVIII), D (séc.IX), Ψ (séc.VIII/IX). Os minúsculos: f 13, 28, 180, 597,
700, 892, 1006, 1010, 1292, 1505, 2427. Alguns textos bizantinos: Byzpt [EFGH]. As
versões antigas: it (italiana), cop (Copta) e eth (etiópica). O aparato critico da UBS
traz mais uma variante textual àquele, que é Kai. proselqo,ntej oi, Farisai/oi. Esta
variante é apoiada pelas seguintes testemunhas os Codex ou unciais:  (Sinaitico,
séc.IV), C (Ephraemi Rescriptus, séc.V). Os minúsculos: 13, 157, 579, 828, 1071,
1241, 1243, 1342, 1424. Alguns textos bizantinos: Byzpt [N S]. As versões antigas: it
(italiana), vg (Vulgata), syr (Siríaca), slav (eslava antiga), geo (georgiana). O aparato
critico da UBS traz mais uma variante textual àquele, que é oi, de, Farisai/oi
proselqo,ntej. Esta variante é apoiada pelas seguintes testemunhas os Codex ou
unciais: W (séc.V), Q (séc.IX). O minúsculo: 565. As versões antigas: cop (Copta),
arm (armênia). Optamos pela mesma opção da UBS haja vista o seu número de
testemunhas bem como seu grau de certeza {B}.
O versículo 6, traz como sendo a opção feita pelo comitê da United Bible
Societies (UBS) auvtou,j, e que teve, nesta opção, uma pequena incerteza para
decidir que variante colocar no texto. O texto escolhido pela UBS traz como
principais testemunhas os Codex ou Unciais:  (Sinaitico, séc.IV), B (Vaticano,

séc.IV), C (Ephraemi Rescriptus, séc.V), L (séc.XVIII), D (séc.IX). Os minúsculos:


579, 1342, 2427. As versões antigas: it (italiana), cop (Copta). O aparato critico da

19
Todos os aparatos críticos foram extraídos de The Greek New Testament, Fourth Revised Edition, p.159.

7
UBS traz mais uma variante textual àquele, que é o` qeo.j, trazendo como
testemunhas os Unciais: D (séc.V), W (séc.V). As antigas versões: it (italiana), eth
(etiópica). O aparato critico da UBS traz mais uma variante textual àquele, que é
auvtou,j o, Qeo,j. Esta variante é apoiada pelas seguintes testemunhas os Codex ou
unciais: A (Alexandrino, séc.V), Q (séc.IX), Ψ (séc.VIII/IX). Os minúsculos: f 1, f 13, 28,
157, 180, 205, 565, 597, 700, 892, 1006, 1010, 1071, 1241, 1243, 1292, 1424, 1505.
Alguns textos bizantinos: Byz [EFGHNS]. As versões antigas: it (italiana), vg
(Vulgata), syr (Siríaca), arm (armênia), slav (eslava antiga), geo (georgiana). Os pais
latinos: Agostinho (430 d.C.) e Varimadum (445/480 d.C.). Optamos por esta última
variante e não pela variante adotada pela UBS, haja vista o seu grande número de
testemunhas, o fato de ela conter no codex Korideto ( Q) que reflete o texto de
Marcos muito antigo,20 e o fato de a mesma trazer complemento ao texto.
O versículo 7, traz como sendo a opção feita pelo comitê da United Bible
Societies (UBS) kai. proskollhqh,setai pro.j th.n gunai/ka auvtou/, e que teve, nesta
opção, uma pequena incerteza para decidir que variante colocar no texto. O texto
escolhido pela UBS traz como principais testemunhas os Codex ou Unciais: D
(séc.V), W (séc.V), Q (séc.IX). Os minúsculos: f 13, 28, 157, 180, 565, 597, 700, 892,
1006, 1010, 1071, 1241, 1243, 1292, 1424, 1505. Alguns textos bizantinos: Byz
[EFGH]. As versões antigas: it (italiana), vg (Vulgata), syr (Siríaca), cop (Copta), arm
(armênia), eth (etiópica), slav (eslava antiga), geo (georgiana). O aparato critico da
UBS traz mais uma variante textual àquele, que é kai. proskollhqh,setai th/| gunaiki.
auvtou/. Esta variante é apoiada pelas seguintes testemunhas os Codex ou unciais:
A (Alexandrino, séc.V), C (Ephraemi Rescriptus, séc.V), L (séc.XVIII), N (séc.VI) D

(séc.IX), S (séc.VI). Os minúsculos: f 1, 205, 579, 1342. As versões antigas: it


(italiana), vg (Vulgata). Optamos pela mesma variante escolhida pelo texto da UBS,
pois traz o maior número de testemunhas e concorda com a versão antiga da
Septuaginta (LXX, séc.III a.C.) conforme Gn.2:24.

20
Wilson PAROCHI, Crítica Textual do Novo Testamento, p.53.

8
2.4 Análise gramatical 21

vs.2
avpolu/sai (despedir) – verbo infinitivo aoristo ativo de avpolu,w – O verbo no infinitivo
é uma forma nominal do verbo e não propriamente um modo. O tempo aoristo indica
uma ação acontecida no passado unicamente (uma só vez) ou pontilear. A voz ativa
indica que o sujeito da frase (um homem avndri.) é que está agindo.

vs.3
avpokriqei.j (tendo respondido) – verbo particípio aoristo, passiva depoente,
nominativo, masculino, singular de avpokri,nomai – O verbo no particípio expressa
uma qualidade de ação. O tempo aoristo indica uma ação acontecida no passado
unicamente (uma só vez) ou pontilear. A voz passiva indica que o sujeito é o
recipiente da ação verbal (Jesus). O nominativo indica o sujeito da sentença. Seu
gênero é masculino.

vs.4
avpostasi,ou (de repúdio) – substantivo, genitivo neutro, singular de avposta,sion – O
substantivo aponta para uma substância (carta bibli,on) Geralmente ele está
relacionado com o verbo (repudiar avpolu/sai). O genitivo normalmente implica
possessão (“de”), mas neste caso indica uma “qualidade” do objeto (carta de
repúdio). O neutro indica o seu gênero como sendo objeto. O singular mostra se
tratar de um único objeto.

vs.5
sklhrokardi,an (dureza de coração) – substantivo, acusativo, feminino, singular de
sklhrokardi,a – O substantivo aponta para uma substância (dureza de coração
sklhrokardi,an). O acusativo indica ser este o objeto da frase. Seu gênero é feminino.
O singular mostra se tratar de um único objeto.

21
Foram usadas como fontes para esta análise as seguintes obras: Barbara FRIBERG; Timothy FRIBERG, O
Novo Testamento grego analítico.; William Douglas CHAMBERLAIN, Gramática exegética do grego neo-
testamentário.; Waldyr C. LUZ, Novo Testamento Interlinear.; Lourenço Stelio REGA, Noções do grego
bíblico.; Carlos Osvaldo C. PINTO, Fundamentos para exegese do Novo Testamento – manual de sintaxe
grega.; Francisco Leonardo SCHALKWIJK, Coinê – Pequena gramática do grego neotestamentário.

9
evntolh.n (mandamento) - substantivo, acusativo, feminino, singular de evntolh, – O
substantivo aponta para uma substância (mandamento evntolh.n). O acusativo indica
ser este o objeto da frase. Seu gênero é feminino. O singular mostra se tratar de um
único objeto.

vs.7
katalei,yei (deixará) – verbo indicativo futuro, ativo, 3º pess. do singular, usado
como: verbo imperativo aoristo, ativo, 3º pessoa do singular de katalei,pw – O verbo
no imperativo indica uma ordem. Por ter aqui o uso como aoristo em certa conexão
com o tempo futuro, dá a idéia de “futuramente” “deixará” (o homem seu pai e sua
mãe... a;nqrwpoj to.n pate,ra auvtou/ kai. th.n mhte,ra...) uma única vez, pois a o aoristo
indica uma ação acontecida no passado unicamente (uma só vez) ou pontilear. A
voz ativa indica que é o sujeito (homem a;nqrwpoj) que pratica a ação verbal. A
terceira pessoa no singular indica que “ele”, o homem é o sujeito da frase.

proskollhqh,setai (será unido)22 – verbo indicativo futuro, passivo, 3º pess. do singular,


usado como: verbo imperativo aoristo, passivo, 3º pess. singular de proskolla,omai -
O verbo no imperativo indica uma ordem. Por ter aqui o uso como aoristo em certa
conexão com o tempo futuro, dá a idéia de “futuramente” “se unirá” (o homem à sua
mulher pro.j th.n gunai/ka auvtou/) uma única vez, pois o aoristo indica uma ação
acontecida no passado unicamente (uma só vez) ou pontilear. A voz passiva indica
que o sujeito (homem a;nqrwpoj) é o receptor da ação verbal ou o que sofre a ação
(externa). Sendo assim uma melhor tradução é: “será unido”. A terceira pessoa no
singular indica que “ele”, o homem é o sujeito da frase.

vs.8
e;sontai (serão) – verbo indicativo futuro, média depoente, 3º pess. do plural, usado
como: verbo imperativo presente, ativo, 3º pess. do plural de eivmi, - O verbo no
imperativo indica uma ordem. O tempo presente indica uma ação continuada que se
processa na ocasião. Por estar em conexão com o tempo futuro indica que o “serão”
(homem a;nqrwpoj e mulher gunai/ka) uma só carne (oi` du,o eivj sa,rka mi,an\) a partir
do momento da união que se dá no presente. A voz média indica que o sujeito atua
em referencia a si mesmo. E a voz ativa indica que é o sujeito (homem a;nqrwpoj e
22
Waldyr C. Luz traduz como: “será colado”. Waldyr C. LUZ, Op.Cit. p. 144.

10
mulher gunai/ka) que pratica a ação verbal. A terceira pessoa no plural indica que
“eles” (homem a;nqrwpoj e mulher gunai/ka) são os sujeitos da frase.

vs.9
cwrize,tw (separe) – verbo imperativo presente, ativo, 3º pessoa do singular de
cwri,zw - O verbo no imperativo indica uma ordem, que vem anteriormente, reforçada
aqui, com o adjetivo adverbial (não mh.). O tempo presente indica uma ação
continuada que se processa na ocasião. A voz ativa indica que é o sujeito (homem
a;nqrwpoj) que pratica a ação verbal. A terceira pessoa no singular indica que “ele”, o
homem é o sujeito da frase.

vs.11
moica/tai (comete adultério) – verbo indicativo presente, média ou passiva depoente,
3º pessoa do singular de moica,omai - O verbo no indicativo indica tão somente a
ação ou o fato em si. O tempo presente indica uma ação continuada que se
processa na ocasião. A voz média ou passiva indica que o sujeito da frase (homem
a;nqrwpoj) está atuando em relação a si mesmo bem como recebendo a ação verbal.
A terceira pessoa no singular indica que “ele”, o homem é o sujeito da frase.

2.5 Análise semântica 23

vs.2
avpolu/sai (despedir)24 – verbo infinitivo aoristo ativo de avpolu,w – No evangelho de
Marcos, esta palavra ocorre cerca de 4 vezes no sentido de “despedir”, 4 vezes
como “repudiar”, e 4 como “soltar”. No evangelho de Mateus todos estes significados
estão presentes, ocorrendo uma única vez no sentido de “deixar”(Mt.1:19). Em
Lucas aparece no sentido de “perdoar”(Lc.6:37). Em João somente no sentido de
“soltar”. Em Atos aparece, além das outras formas, no sentido de “ser enviado”. A
origem desta palavra traz o sentido de “libertar, soltar, livrar de”. Esta é aplicada

23
Foram usadas como fontes para esta análise semântica as seguintes obras: Concordância Fiel do Novo
Testamento, vols.I,II, Carlos Osvaldo C. PINTO, Fundamentos para exegese do Novo Testamento – manual de
sintaxe grega.; Francisco Leonardo SCHALKWIJK, Coinê – Pequena gramática do grego neotestamentário,
Lothar COENEN, Colin BROWN, Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento.
24
I.H. MARSHALL em: Lothar COENEN, Colin BROWN, Op.Cit.pp.593-595.

11
especialmente no sentido de “libertar um prisioneiro”. Mas também é usada no
sentido de “despedir” ou “mandar embora”, tanto um indivíduo como uma multidão.
Certamente, este verbo é a junção da preposição avpo, (partindo de, com base em)
mais o verbo lu,w (soltar).
No caso deste texto de Marcos 10:2, certamente tem o sentido de “despedir”
ou “mandar embora” a mulher (gunai/ka), “com base em” (avpo,) algum motivo
prescrito na Lei de Moisés.

vs.4
avpostasi,ou (de repúdio)25 – substantivo, genitivo neutro, singular de avposta,sion –
Esta palavra só ocorre em Marcos e Mateus e tem um único sentido: “divórcio”. Esta
palavra, originalmente, traz o sentido de “abrir mão” de algum bem, ou seja, o
desfazer-se de propriedades e bens por ocasião de sua venda a outrem. O
avpostasi,ou singrafe, era o nome dado ao “título de transmissão” da propriedade. Já
na Septuaginta (LXX), como no Novo Testamento, esta palavra adquire o sentido de
“divórcio”, que no caso de Marcos 10:4 está em ligação com o verbo avpolu/sai
(despedir).
Em Marcos 10:4, o sentido que esta palavra traz, é tão somente o de
“divórcio”. Certamente, é usada esta palavra aqui por se estar falando do documento
legal (bibli,on) que “despede” ou “manda embora” a mulher (bibli,on avpostasi,ou
gra,yai kai. avpolu/saiÅ).

vs.5
sklhrokardi,an (dureza de coração)26 – substantivo, acusativo, feminino, singular de
sklhrokardi,a – Ocorre somente em Marcos e Mateus, com o mesmo sentido de
“dureza de coração”. Esta é uma palavra que surgiu da junção do substantivo
sklhro,thj (dureza) mais o substantivo kardi,a (coração). O sentido de sklhrokardi,a é
da condição do homem que se fecha diante de Deus ou do próximo. Esta palavra
mostra o homem em seus desejos “egocêntricos”, alheio à vontade de Deus ou
mesmo em relação ao seu próximo.

vs.7

25
I.H. MARSHALL em: Lothar COENEN, Colin BROWN, Op.Cit.pp.593-595.
26
T. SORG em: Lothar COENEN, Colin BROWN, Op.Cit.p.427.

12
proskollhqh,setai (será unido)27 – verbo indicativo futuro, passivo, 3º pess. do singular,
usado como: verbo imperativo aoristo, passivo, 3º pess. singular de proskolla,omai –
Desta forma, esta palavra só ocorre em Marcos e Efésios com o mesmo sentido:
“unir”. Este verbo deriva da junção da preposição pro,j (em direção a, ao lado de, por
meio de) mais o verbo kolla,omai (juntar-se a, apegar-se a, colar-se em). É deste
verbo que deriva a palavra “cola” no português. O significado de proskolla,omai é
“apegar-se a”, mas o sentido mais exato e literal seria “colar-se a”. Esta palavra é
usada geralmente no sentido de “juntar-se a alguém”, como no casamento, onde o
casal está unido não somente pela sua união sexual, mas na totalidade do
relacionamento.
O sentido desta palavra em Marcos 10:7 é o fato de que o casal está colado
ou unido um ao outro (ou o homem à sua mulher) não somente pela união sexual,
mas também pela totalidade que envolve o relacionamento.

vs.9
cwrize,tw (separe)28 – verbo imperativo presente, ativo, 3º pessoa do singular de
cwri,zw – Esta é a única vez que esta palavra ocorre em Marcos, e tem o sentido de
“separar”. Em Mateus seu sentido é o mesmo. Seus outros sentidos são: “deixar”,
“retirar”, “apartar”, “afastar”. No significado mais amplo, esta palavra tem os sentidos
de “dividir”, “separar”. Quando usada na forma verbal, como é o caso neste texto,
tem o sentido de uma “separação física entre pessoas”.

vs.11,12
moica/tai (comete adultério)29 – verbo indicativo presente, média ou passiva
depoente, 3º pessoa do singular de moica,omai – Ocorre somente em Marcos e
Mateus, e em ambos tem o mesmo sentido: “cometer adultério”. Esta palavra deriva
do verbo moice,uw que significa “adulterar”. O significado mais geral que tem esta
palavra dá o sentido de “seduzir uma mulher” ou “violentar”. Uma derivação desta
palavra é moicali,j que significa “adúltera, prostituta”.
No entanto, o sentido desta palavra me Marcos 10:11,12 é de “adultério”, isto
é, uma relação sexual ilícita.

27
H. SEEBASS em: Lothar COENEN, Colin BROWN, Op.Cit.pp.1109-1111.
28
M.J. HARRIS em: Lothar COENEN, Colin BROWN, Op.Cit.pp.2327-2328.
29
H. REISSER em: Lothar COENEN, Colin BROWN, Op.Cit.pp.300-302.

13
CAPITULO TRÊS

ANÁLISE LITERÁRIA

3.1 Delimitação da passagem

Foram pesquisadas várias versões para definirmos a perícope do texto o qual


estamos exegetizando que, é Marcos 10:2-12. Nestas versões pesquisadas,
30
constam o seguinte: a) A Bíblia versão Revista e Atualizada no Brasil traz a divisão
da perícope como sendo dos versículos 2 a12, omitindo, portanto, o versículo 1 que
serve para localizar o Senhor Jesus no local geográfico da discussão com os
fariseus. b) A Bíblia de Jerusalém (nova edição, revista) 31 traz a divisão da perícope
como sendo dos versículos 1 a 12, abrangendo desta forma a indicação do local
geográfico onde se encontra o Senhor Jesus. c) A Bíblia Nova Versão Internacional
(NVI)32, traz a divisão da perícope como sendo dos versículos 2 a 12,
compreendendo somente o evento da discussão de Jesus com os fariseus. d) A
Santa Bíblia (versión Reina-Valera, 1995)33 abrangendo todo o evento da discussão,
ou seja, os versículo 1 a 12.
Foram pesquisadas também duas versões do texto grego original: a versão
The Greek New Testament – Fourth Revised Edition [UBS] 34, que traz a sua
perícope como sendo dos versículos 1 a 12, abrangendo todo o evento da
discussão, ou seja, os versículo 1 a 12. E também a versão grega Novum
Testamentum Graece – Netle-Aland (edição XXVII) 35, que traz a sua perícope como
sendo dos versículos 2 a 12, compreendendo tão somente o foco central da
discussão acerca do divórcio.
Uma vez observado as versões acima e suas variações quanto as suas
perícopes, chegamos a conclusão de que a melhor perícope é a que abrange os
versículos 2 a 12, pois o que se propõe a exegetizar neste trabalho é tão somente a
30
A Bíblia Sagrada., tradução Revista e atualizada no Brasil., Barueri, Sociedade Bíblica do Brasil, 2000.
31
A Bíblia de Jerusalém, nova versão, revista, São Paulo, Editora Paulus, 1985.
32
Bíblia Sagrada Nova Versão Internacional, São Paulo, Editora Vida, 2000.
33
Santa Biblia, versión Reina-Valera, Edición Misionera, Sociedades Biblicas Unidas, 1995.
34
The Greek New Testament, Fourth Revised Edition, in cooperation with the Institute for New Testament
Textual Research, Münster/Westphalia, Deutsche Bibelgesellschaft, United Bible Societies, Biblia-Druk,
Germany, Stuttgart, 1994.
35
Novum Testamentum Graece – Nestlé-Aland, Editione vicesima septima revisa, Deutsche Bibelgesellschaft,
2001.

14
discussão de Jesus com os fariseus acerca do divórcio, sendo o versículo 1 usado
apenas como meio de localização geográfica da discussão 36.

3.2 Natureza literária

Ao olharmos para o texto de Marcos 10:2-12, percebe-se claramente que o


mesmo é uma narrativa. Uma narrativa apresenta características peculiares como o
fato de uma narrativa tratar-se de um relato de acontecimentos específicos, onde as
histórias narradas seguem um padrão de começo, meio e fim, cujo autor
disponibiliza conforme sua seleção de acontecimentos. Nas narrativas também
aparecem personagens que estão inseridos no tempo e no espaço, sendo por isso,
personagens reais que viveram (ou vivem) em um determinado momento da
história37.
Como se percebe claramente, neste texto de Marcos 10:2-12, o
acontecimento que é narrado nesta passagem é a interrogação dos fariseus ao
Senhor Jesus acerca do divórcio. Nesta narrativa também há uma progressividade
contendo começo, meio e fim, onde Cristo lhes expõe o assunto, isto é, aos fariseus
que, juntamente com o próprio Cristo são personagens nesta narrativa, e encerra
este assunto na conclusão dos versículos 11,12. Em termos de contexto, ao se
observar o versículo 1 do mesmo capítulo do Evangelho de Marcos, fica
caracterizado mais uma forma típica de narrativa, ou seja, tempo e espaço, onde o
Senhor Jesus atravessa o Jordão rumo a Judéia culminando no local onde ocorre a
narrativa dos versículos 2-12. No mais, é importante observar também que esta
narrativa contém ditos de Jesus quando do seu diálogo com os fariseus, e logo em
seguida, também com seus discípulos38.

36
ver Sitz im Leben.
37
Walter C. KAISER JR, Moisés SILVA, Introdução à hermenêutica Bíblica: Como ouvir a Palavra de Deus
apesar dos ruídos de nossa época, pp.65,66.,99-104.
38
Gordon D. FEE, Douglas STUART, Entendes o que lês?: Um guia para entender a Bíblia com o auxílio da
exegese e da hermenêutica, p.103., Walter C. KAISER JR, Moisés SILVA, pp.65,66.

15
3.3 Contexto Literário

O texto de Marcos 10:2-12 mostra o diálogo de Jesus com os fariseus. Esta


não é uma particularidade exclusiva deste texto, mas constantemente estes diálogos
ocorriam entre Jesus e os fariseus. No entanto, o propósito dos fariseus em dialogar
com Jesus era sempre o mesmo: prova-lo (vs.2), para ver se ele faria algo de
errado, e assim, o entregarem às autoridades para ser punido 39.
Desde o início do Evangelho de Marcos é possível observar o confronto de
Jesus com os fariseus, e os fariseus sempre com o mesmo objetivo nestes diálogos:
o acusarem e entregá-lo à morte (Mc.3:2,6). Esta é uma temática constante em
várias passagens do Evangelho de Marcos, onde há o diálogo com os fariseus
(Mc.7:1-23; 8:11-13) visando sempre a mesma finalidade: colocar Jesus à prova
para o matar (Mc.8:11; 10:2 12:12,13; 14:1,2). No entanto, Jesus sabia
perfeitamente qual era a intenção dos fariseus, tanto é que, ele mesmo predisse
tantas vezes que convinha que ele fosse morto pelas mãos dos gentios, mas que
fosse entregue pela liderança dos judeus, e isto inclui é claro, os fariseus (Mc.8:31-
33; 9:30-32; 10:32-34)40. Na verdade, o que se pode entender é que, tanto do lado
dos fariseus, como do lado das demais autoridades judaicas, a intenção era a
mesma: matar Jesus, como de fato ocorreu (Mc.3:6; 12:13; 14:1,10,11, 43-50, 53-65;
15:1-15). Fica claro, porém, que todas as acusações levantadas por eles, contra
Jesus, eram falsas (Mc.14:55-59).
No mais, é importante observar que o confronto que havia entre Jesus e os
fariseus era o fato de que Jesus lutava não contra eles em si, mas contra as suas
tradições que superavam até mesmo a autoridade da Palavra de Deus (Mc.7:8-13).
Em Marcos 10:2-12 o confronto de Jesus é pelo mesmo motivo: a tradição que se
fazia em torno do divórcio negligenciando o padrão estabelecido por Deus 41.
O que se conclui, portanto, é que a intenção dos fariseus ao dialogarem com
Jesus acerca do divórcio em Marcos 10:2-12 era tão somente uma: colocá-lo à
prova para lhe acusarem de algo, com a finalidade de matá-lo. E o ponto de atrito
entre Jesus e os fariseus era as suas tradições em detrimento da supremacia das
Escrituras.

39
William HENDRIKSEN, Op.Cit. p.477.
40
Os fariseus ocupavam lugar de destaque entre os judeus, ver Contexto histórico específico.
41
Sobre isto, ver Contexto histórico específico.

16
CAPITULO QUATRO

CONTEXTO HISTÓRICO ESPECÍFICO

4.1 Contexto sócio-cultural

Diz a narração de Marcos 10:2-12 que chegaram a Jesus alguns fariseus


questionando-o, com a finalidade de pô-lo à prova, acerca do divórcio. Mas quem
eram os fariseus? Joaquim Jeremias afirma que “sociologicamente, não se deve
situar os fariseus na classe superior” 42. Isto porque os fariseus, ao contrário do grupo
dos saduceus, estavam sempre no meio do povo 43. “Fariseu” significa “separado”,
indicando que eles são santos ou mesmo a verdadeira comunidade de Israel. Os
fariseus, embora fossem do meio do povo, eram uma comunidade fechada que se
devotava arduamente ao estudo da Lei, isto é, a Torá escrita (Pentateuco) e a Torá
oral (as tradições dos escribas e mestres judeus)44.
A questão do divórcio era um dos grandes pontos que dividiam duas grandes
escolas do Judaísmo nos tempos de Jesus, as escolas dos rabis Shamai e Hillel 45. A
escola de Shamai era conhecida por seu extremo conservadorismo, enquanto que a
de Hillel era conhecida por ter posições mais liberais. Quanto ao divórcio, segundo o
pensamento destas duas escolas, só era permitido o pedido de divórcio ao homem 46.
Somente em casos raros era permitido à mulher 47.
Ambas (as escolas), faziam suas interpretações baseadas em Dt.24:1-4, além
é claro, da própria interpretação da escola a esse respeito (suas tradições) 48. A
interpretação da escola de Shamai, sobre o divórcio, era de que o divórcio somente
era permitido em caso de adultério ou falta de castidade da mulher. A escola de

42
J. JEREMIAS, Jerusalém no tempo de Jesus: Pesquisas de história econômico-social no período
neotestamentário, p.333.
43
Sobre isto, ver todo o tratado de Joaquim Jeremias, J. JEREMIAS, Op.Cit. pp.333-360. os saduceus eram da
“elite” da religião Judaica. Eles eram os “guardiões do Templo”, ver William L. COLEMAN, Manual dos
tempos e costumes bíblicos, pp.249-251.
44
J. JEREMIAS, Op.Cit. pp.333,334., John D. DAVIS, Dicionário da Bíblia, p.222., William L. COLEMAN,
Op.Cit. pp.251,252.
45
William HENDRIKSEN, Op.Cit. p.477., J. JEREMIAS, Op.Cit. p.486,487., William L. COLEMAN, Op.Cit.
pp.109,110.
46
J. JEREMIAS, Op.Cit. p.486., John D. DAVIS, Op.Cit.p.163.
47
Joaquim Jeremias aponta alguns dos motivos pelos quais a mulher tinha o direito do pedido de divórcio, J.
JEREMIAS, Op.Cit. pp.404,409,410.
48
J. JEREMIAS, Op.Cit. pp.486,487.

17
Hilel, de posição mais liberal, afirmava que o divórcio era permitido por qualquer
motivo que a mulher viesse a desagradar ao homem 49.
Este é o contexto que Jesus está quando debate com os fariseus acerca do
divórcio. Certamente, dos fariseus que lá estavam, uns eram da escola de Shamai e
outros da escola de Hilel.

49
J. JEREMIAS, Op.Cit. pp.486,487., William HENDRIKSEN, Op.Cit. pp.477., William L. COLEMAN,
Op.Cit. pp.109,110.

18
CAPITULO CINCO

SITZ IM LEBEN

Para uma melhor compreensão do texto de Marcos 10:2-12, faz-se


necessário observar o cenário em que o debate de Jesus com os fariseus ocorreu. O
versículo anterior (Mc.10:1), mostra o local onde este debate ocorreu. O versículo 1
começa afirmando: “E levantando-se dali...”. Jesus estava anteriormente, como nos
diz o capítulo anterior a Marcos 10 (Mc.9:30,33), na região da Galiléia, mais
precisamente Cafarnaum. A narrativa continua afirmando que ele “foi para o território
(ou fronteira) da Judéia, além do Jordão”. Esta afirmação, segundo estudiosos,
localiza Jesus então, no momento do debate com os fariseus, na região conhecida
como Peréia ou região da Transjordânia 50.
Em Mateus 19:1, que traz o mesmo relato desta discussão de Jesus com os
fariseus (ver Mt.19:1-12), localiza-o no mesmo lugar. Jesus vem da região da
Galiléia, mais precisamente Cafarnaum, e vai para “o território da Judéia, além do
Jordão” (ver Mt.17:24; 19:1).
Mas no que diz respeito à discussão acerca do divórcio, em Mateus 19:3, a
pergunta que os fariseus fazem a Jesus é um pouco diferente da que está narrada
em Marcos 10:2: “É licito ao marido repudiar a sua mulher por qualquer motivo?”
(Mt.19:3, comparar com Mc.10:2). Da mesma forma, em Mateus 19:9 aparece uma
outra complementação em relação à resposta de Jesus dada aos discípulos,
conforme está narrado em Marcos 10:10: “Eu, porém, vos digo: quem repudiar sua
mulher, não sendo por causa de relações sexuais ilícitas, e casar com outra comete
adultério [e o que casar com a repudiada comete adultério]” (Mt.19:9, comparar com
Mc.10:10).
Sendo assim, este é o cenário e o contexto em que ocorreu este debate de
Jesus com os fariseus. No mais, observa-se que Marcos 10:10 deixa mais explícito
que a resposta de Jesus foi direcionada aos discípulos e não aos fariseus, enquanto
que seu correlato sinótico não traz esta informação (Mt.19:9), ficando apenas
subentendido no versículo posterior (Mt.19:10).

50
William HENDRIKSEN, Op.Cit. pp.475,476.

19
CAPITULO SEIS

ARGUMENTAÇÃO TEOLÓGICA

Conforme Marcos 10:1 o Senhor Jesus estava na região conhecida como


Peréia ou Transjordânia que ficava no território ou fronteira da Judéia, além do
Jordão. Lá, ele ensinava e curava a multidão que o seguia (Mc.10:1; Mt.19:2).
Enquanto ele fazia o que já há muito se acostumara, chegaram a ele alguns
fariseus, questionando-o sobre um assunto um tanto complicado e polêmico já
naquela época: o divórcio.
Como se percebe, ao final do texto de Marcos 10:10-12, o questionamento é
novamente levantado agora por parte de seus discípulos. Embora o Senhor Jesus
tenha falado sobre adultério, este não parece ser a teologia central do texto, muito
embora esteja intimamente ligado à questão do divórcio.
A teologia que rege toda a perícope de Marcos 10:2-12 é sobre a questão do
divórcio. O assunto do adultério que é tratado nos versículos 10-12 aparece como
sendo uma conseqüência do tema central, pois como é possível observar nestes
versículos finais, a questão levantada por parte dos discípulos a Jesus não é acerca
do adultério, mas sim ainda acerca do divórcio.
No mais, é importante que se saiba que fatores relevantes estão envolvidos
neste diálogo de Jesus com os fariseus. Entre estes fatores, pode-se observar: a) a
intenção dos fariseus ao fazerem este questionamento a Jesus; b) como os fariseus
e boa parte dos judeus entendiam e viam este assunto; c) como o próprio Jesus
entendia este assunto diante das opiniões e intenção dos fariseus. Estes são fatores
importantes a serem observados para que se chegue a uma conclusão clara e
segura sobre este assunto tão complicado e polêmico, ainda em nossos dias.

I - Jesus e a intenção dos fariseus (v. 2)

Enquanto Jesus ensinava e curava as multidões que o seguiam,


chegaram para junto dele alguns fariseus,51 questionando-o sobre se era “lícito a um
homem despedir (de uma vez por todas) sua mulher”. É interessante notar que o

51
Sobre quem eram os fariseus, ver Contexto Histórico Específico.

20
verbo despedir (avpolu/sai) (apolîsai) está no tempo aoristo ativo, o que significa uma
ação praticada uma única vez no passado, daí a idéia de “despedir de uma vez por
todas” a sua mulher.
De fato, não há mal algum em se fazer esta pergunta. No entanto, o problema
não está na pergunta em si, mas na intenção que está por detrás. O versículo 2 diz
que os fariseus questionavam a Jesus, isto é, “interrogavam-no” (evphrw,twn auvto.n)
(éperónton autón) com uma intenção, a saber, “pôr Jesus à prova” (peira,zontej
auvto,n)(peirázontes autón). Esta situação não era nova para Jesus, pois muitas
vezes os fariseus já haviam agido desta forma com a mesma finalidade (ver
Mc.2:16,24; 3:6,22; 7:1-5,12;8:11). Seu objetivo, na realidade, era pegar Jesus em
alguma falta para, como já havia acontecido, o acusarem e entregá-lo à morte
(Mc.3:2,6).
A intenção dos fariseus era de “pôr Jesus à prova” para o entregarem às
autoridades sobre alguma acusação. Ao fazerem esta pergunta, os fariseus
achavam que Jesus iria negar esta possibilidade, uma vez que o “despedir a
mulher”, ou seja, o próprio divórcio era permitido na Lei de Moisés em Deuteronômio
24:1-4 (esta possibilidade parece ficar mais clara em sua passagem sinótica em
Mateus 19:3-7)52. O verbo “despedir” (avpolu/sai) (apolîsai), que é a junção da
preposição avpo, (apó) (com base em) mais o verbo lu,w (líô) (soltar) traz o
significado de “despedir” a mulher “com base em” (avpo,) (apó) algum motivo
prescrito na Lei de Moisés. Se Jesus negasse esta possibilidade, certamente o
acusariam de desobediência e desrespeito à Lei de Moisés, fazendo dele alguém
que não condizia com o que proclamava (ver Mt.5:17-20).
Ao se observar esta mesma passagem no livro sinótico de Mateus, em
Mateus 19:3, vê-se que há um acréscimo nesta pergunta dos fariseus a Jesus: “É
lícito ao marido repudiar a sua mulher por qualquer motivo?”. Com esta pergunta,
fica claro que talvez todos, ou grande parte dos fariseus que lá estavam, pertenciam
à escola do rabi Hillel de posição mais liberal 53. Como já foi visto, nos dias de Jesus,
duas escolas divergiam quanto à interpretação da questão do divórcio, a escola do
rabi Hillel e a escola do rabi Shamai. Enquanto a escola de Shamai, de posições
mais conservadoras, afirmava que o divórcio somente era permitido em caso de falta
52
Adolf POHL, Evangelho de Marcos – Comentário Esperança, pp.293,294., William HENDRIKSEN, Op.Cit.
p.477., C. BROWN em: Lothar COENEN, Colin BROWN, Op.Cit.p.2332.
53
H. PAISLEY, Comentário Ritche do Novo Testamento: Marcos, vol.2, p.134., Dewey M. MULHOLLAND,
Marcos: Introdução e Comentário, p.154., William HENDRIKSEN, Comentário do Novo Testamento: Mateus,
vol.2, p.299.

21
de castidade da mulher ou mesmo em caso de adultério, a escola de Hillel, de
posições mais liberais, afirmava que o divórcio era permitido por qualquer motivo
que viesse a desagradar ao homem, uma vez que o direito ao pedido de divórcio se
encontrava somente do lado do homem e em raras vezes do lado da mulher 54.
Estas visões destas duas escolas, acerca do divórcio, eram tiradas segundo
interpretações feitas em Deuteronômio 24:1-4 como se vê a seguir 55. No mais, vale
ressaltar novamente, que a intenção dos fariseus ao fazerem esta pergunta a Jesus,
era de colocá-lo à prova para pegarem-no em alguma transgressão, certamente da
Lei de Moisés, e assim o entregarem às autoridades para o matarem.

II - Jesus e a tradição dos fariseus (vs. 3-5; 10-12)

O Senhor Jesus então, contrariando a intenção dos fariseus, se volta para a


própria Lei de Moisés: “Mas ele, respondendo, disse-lhes: Que vos mandou
Moisés?. Tornaram eles: Moisés permitiu lavrar carta de divórcio e repudiar” (vs.3,4).
A pergunta de Jesus e a resposta dos fariseus levam ao ponto central da questão.
Moisés, segundo a resposta dos fariseus, permitiu lavrar um documento legal
(bibli,on avpostasi,ou)(Biblíon apostasíou) que permitia o divórcio. A resposta dos
fariseus é dada conforme a interpretação feita em Deuteronômio 24:1. No entanto, é
importante ressaltar que esta resposta foi dada não segundo o próprio sentido de
Deuteronômio 24:1, mas segundo a interpretação que este texto possuía para as
escolas de Shamai e especialmente para a escola de Hillel, uma vez que, ao que
parece, talvez todos, senão a maioria dos fariseus que lá estavam, eram da escola
de Hillel.
Uma vez que a base da interpretação destas duas escolas está em
Deuteronômio 24:1, é necessário então observar e entender o real significado deste
texto e ver como estas duas escolas interpretavam o mesmo.
Em Deuteronômio 24:1, a dificuldade de interpretação do texto recai sobre

quais os possíveis significados de !xe (hên) “graça” e rb'D' tw:r>[, (erwat

dabhar) “coisa indecente”. O sentido de !xe (hên) é basicamente o de “um favor

54
ver Contexto Histórico Específico.
55
William HENDRIKSEN, Op.Cit. p.477.

22
imerecido”, isto é, “graça”, tendo o sentidos de “misericórdia”, “perdão” 56. Quanto ao

sentido de rb'D' tw:r>[, (erwat dabhar), a dificuldade recai sobre os possíveis

significados do substantivo tw:r>[, (erwat) que podem ser “nudez”, “imoralidade”,


“indecente”, adquirindo, portanto, o sentido de uma relação sexual ilícita 57 . O fato é
que o campo semântico desta palavra é muito vasto. No entanto, o melhor sentido
que esta palavra parece ter e que abrange todo o campo semântico da mesma é o
sentido de “imoral”. Sendo assim, uma melhor tradução de Deuteronômio 24:1 é:
“Quando tomar um homem a uma mulher, e casar-se com ela, e for que, se não

achar ela graça (favor imerecido, misericórdia, perdão) (!xe)(hên) aos seus olhos,

porque ele achou nela coisa imoral (rb'D' tw:r>[,)(erwat dabhar), então escreva
para ela uma carta de divórcio (ttuyrIK. rp,se) (sêpher K ritut)
e 58
e a dê nas mãos
dela, e despede-a de sua casa”59.
A pergunta que fica agora é: qual é o sentido de “coisa imoral” em
Deuteronômio 24:1? Tendo em vista que o campo semântico da palavra hebraica
traduzida por “imoral” é muito amplo, e olhando para a própria teologia contida no
Pentateuco, o que se pode afirmar categoricamente é que o sentido de “coisa
imoral” em Deuteronômio 24:1 não pode ser entendido como “adultério”. Isto porque
o adultério não era passível de divórcio, mas a penalidade que se aplicava ao
adultério era a pena capital, a morte dos dois adúlteros (Lv.20:10; Dt.22:22;
Lv.18:20)60.
Logo, o sentido de “coisa imoral” em Deuteronômio 24:1 é o sentido de uma
relação sexual ilícita pré-nupcial, ou seja, se o marido casar-se com uma mulher e
descobrir que ela não era mais virgem ao casar-se com ele, tem ele todo o direito,
caso ela não encontre “graça”, “favor”, “perdão” ou “misericórdia” aos seus olhos, de
dar-lhe a carta de divórcio e assim manda-la embora. Este é o sentido de
Deuteronômio 24:1.
56
E.Y. em: R. Laird HARRIS, Gleason L. ARCHER JR., Bruce K. WALTKE, Dicionário Internacional de
Teologia do Antigo Testamento, pp.494-498.
57
R.B.A. em: R. Laird HARRIS, Gleason L. ARCHER JR., Bruce K. WALTKE, Op.Cit. pp.1167,1168., ver
também, Sábado DINOTOS, Dicionário Hebraico-Português, p.328.
58
ttuyrIK. rp,se (sêpher Keritut) tem o mesmo sentido de bibli,on avpostasi,ou (Biblíon apostasíou) e é o
documento legal que valida o divórcio, isto é, o desligamento do cônjuge.
59
minha tradução.
60
J.A. THOMPSON, Deuteronômio: Introdução e Comentário, p.233., C.BROWN em: Lothar COENEN, Colin
BROWN, Op.Cit.p.2329,2332.

23
No entanto, ao que se pode perceber, não era assim que os fariseus
entendiam este versículo, especialmente os que lá estavam, pois os fariseus da

escola de Hillel interpretavam o substantivo !xe (hên) “graça” em Deuteronômio


24:1 como tendo o significado de qualquer coisa que não lhe “agradasse aos olhos”,
e isto incluía também o fato de o marido não achar sua mulher mais bela e, em
achando outra mulher mais bela, podia dar a carta de divórcio à esposa 61. Já a

escola de Shamai dava mais ênfase ao sentido de ( rb'D' tw:r>[,)(erwat dabhar)


como significando qualquer “coisa imoral” que incluía falta de castidade ou mesmo
adultério. Além das interpretações destas duas escolas, o próprio Talmude permitia
o divórcio, caso a mulher fosse má para o seu marido o pedido de divórcio feito por
ele constituía em um dever religioso62.
Diante de toda esta situação, Jesus dá sua resposta às duas escolas: “Mas
Jesus lhes disse: Por causa da dureza do vosso coração, ele vos deixou escrito
esse mandamento;”(v.5). O Senhor Jesus, sendo ele o verdadeiro intérprete da Lei
(Mc.7:10-13, Mt.5:27,28,31,32), fala da razão pela qual Moisés deu o mandamento
contido em Deuteronômio 24:1. Ele usa o substantivo sklhrokardi,an (sklerokardían)
para falar-lhes que foi por causa da “dureza de seus corações” sklhrokardi,an
(sklerokardían)63.
O significado de sklhrokardi,an (sklerokardían) traz o sentido de “fechar-se
para Deus”, que significa a mesma coisa que “coração incircunciso” no Antigo
Testamento (ver Lv.26:41; Dt.10:16; Jr.9:25; Ez.44:7), 64 ou mesmo “fechar-se para o
próximo”. Sendo assim, os significados de sklhrokardi,an (sklerokardían) “dureza de
coração” a que Jesus se refere, é pelo fato de que os fariseus, confiados em suas
interpretações e seguindo suas tradições (suas escolas e a lei oral como o
Talmude), acabavam por não darem a devida atenção à vontade de Deus e
conseqüentemente, também eram incapazes de perdoar a conduta errônea da
mulher, quer seja por falta de castidade ou mesmo por adultério, além do que, este
mandamento era fruto da baixa situação de vida moral a que estava vivendo a nação
de Israel, o que caracterizava mais uma vez que eles estavam alheios à vontade de

61
E.Y. em: R. Laird HARRIS, Gleason L. ARCHER JR., Bruce K. WALTKE, Op.Cit. p.498.
62
R. Meir M. MELAMED (ed.), Torá: A lei de Moisés, p.573.
63
J.I.PACKER, Teologia Concisa: Síntese dos fundamentos históricos da fé cristã, p.212.
64
Adolf POHL, Op.Cit. p.294.

24
Deus65. Com isto, Jesus não descarta a validade da Lei de Moisés, mas explica o
real motivo pelo qual Moisés prescreveu tal permissão.
São muitas as passagens em que Jesus aparece combatendo a tradição feita
em cima da Lei de Moisés. Um exemplo clássico disto é quando ele, no “Sermão do
Monte” em Mateus 5:27-32, ao tratar da questão do adultério, usa as expressões:
“Ouvistes o que foi dito...” e “Eu, porém vos digo”. Jesus não está combatendo a Lei
do “não adulterarás” prescrita por Moisés, mas sim a interpretação rabínica que se
fazia sobre a mesma. Fica claro que os judeus prezavam antes pela a lei oral
(interpretações de mestres judeus como era o Talmude) de seus dias do que o real
sentido da vontade de Deus contido no mandamento 66 (ver também Mc.7:1-23).
Jesus então, ao dizer que o mandamento de Moisés foi dado por causa da “dureza
de coração” dos fariseus, estava afirmando que o motivo de tal mandamento era por
causa da forte atenção dispensada às tradições das escolas de Shamai e Hillel em
detrimento da real vontade de Deus.
A questão do divórcio é tratada em toda a Escritura Sagrada. No Antigo
Testamento, além de Deuteronômio 24:1-4, há passagens como Malaquias 2:16
onde Deus deixa expresso o seu ódio por tal condição 67. Em Jeremias 3:8 Deus se
mostra dando uma carta de divórcio a Israel por sua má conduta ao se prostituir com
outros deuses, mas ainda assim Deus lhe oferece o perdão e a reconciliação
(vs.12,13), em contraste com o “coração endurecido” dos fariseus que eram
incapazes de tal ato.
O apóstolo Paulo também trata em suas cartas sobre a questão do divórcio.
Em I Coríntios 7, o apóstolo aborda vários assuntos referentes à família, entre elas a
própria questão do divórcio e do novo casamento. A base do seu ensino está no fato
de reconhecer que há as necessidades humanas referente ao sexo e que o
casamento é o meio providenciado por Deus para evitar os pecados de impureza
sexual (ICo.7:2,3)68. Neste capítulo, o apóstolo Paulo deixa claro que o divórcio não
é a vontade de Deus, mas sim que haja uma reconciliação entre o casal
(ICo.7:10,11)69. No entanto, ao que parece, o novo casamento é permitido àqueles

65
H. PAISLEY, Op.Cit. p.134.
66
William HENDRIKSEN, Comentário do Novo Testamento: Mateus, vol.1, pp.414,415.
67
J.I.PACKER, Op.Cit. p.212., Harriet, Gerard van GRONINGEN, A Família da Aliança, p.46.
68
C.BROWN em: Lothar COENEN, Colin BROWN, Op.Cit. pp.2329,2330. ver também Augustus Nicodemus
LOPES, Minka Schalkwijk LOPES, A Bíblia e a sua Família: Exposições bíblicas sobre o casamento, família e
filhos, pp.157-167.
69
Augustus Nicodemus LOPES, Minka Schalkwijk LOPES, Op.Cit. p.173.

25
que percebem que seu casamento chegou a um estado onde não há mais
possibilidade de reconciliação onde, uma vez divorciados, estão livres para
contraírem novas núpcias (ICo.7:27,28), tendo em vista o reconhecimento das
necessidades humanas quanto aos seus impulsos sexuais 70. O divórcio também é
permitido em casos de deserção por uma das partes, isto é, caso um dos cônjuges
resolva abandonar o outro, diz o apóstolo à parte abandonada: “Deus vos tem
chamado à paz” (ICo.7:15)71.
Tendo em vista as interpretações que os fariseus faziam sobre a questão do
divórcio, baseados em suas tradições em detrimento da vontade de Deus, o Senhor
Jesus explica posteriormente, aos seus discípulos, em que circunstâncias o divórcio
é permitido.

a) Jesus e seu ensino aos discípulos (vs. 10-12)

Estando Jesus já em casa, passa a explicar aos seus discípulos o real sentido
da questão do divórcio “E ele lhes disse: Quem repudiar sua mulher e casar com
outra comete adultério contra aquela” (v.11). Para se entender melhor esta
passagem, se faz necessário observar a mesma no evangelho sinótico de Mateus
onde de forma mais completa diz: “Eu, porém, vos digo: quem repudiar sua mulher,
não sendo por causa de relações sexuais ilícitas, e casar com outra comete adultério
e o que casar com a repudiada comete adultério” (Mt.19:9; cf. Mt.5:32).
A explicação de Jesus em Mateus 19:9 (e Mt.5:32; cf. Lc.16:18) que é a
mesma explicação dada em Marcos 10:10 aos discípulos, torna-se mais completa
pelo complemento que o próprio Jesus dá à sua explicação. O divórcio não é
permitido em ocasião alguma, a não ser em casos de “relações sexuais ilícitas”. O
substantivo usado por Jesus para referir-se a tais relações é pornei,a| (porneía). Este
substantivo tem um campo semântico muito amplo podendo significar toda e
qualquer forma de relação sexual ilícita, quer seja antes ou depois do casamento,
isto é, adultério72. No entanto, pelo próprio contexto contido tanto em Mateus 19:9

70
C.BROWN em: Lothar COENEN, Colin BROWN, Op.Cit. p.2331.
71
C.BROWN em: Lothar COENEN, Colin BROWN, Op.Cit. p.2331., A.A. HODGE, Confissão de Fé de
Westminster comentada por A.A.Hodge, p.417., Augustus Nicodemus LOPES, Minka Schalkwijk LOPES,
Op.Cit. pp.180,182.
72
C.BROWN em: Lothar COENEN, Colin BROWN, Op.Cit. p.2331., William HENDRIKSEN,vol.2,
Op.Cit.303,304.

26
(ou Mt.5:32) como em Marcos 10:11, fica claro tratar-se de adultério e não de falta
de castidade73.
Já que se tratava de um caso de adultério, era razoável que o Senhor Jesus
poderia afirmar, segundo prescreve a Lei de Moisés quanto a casos de adultério,
que ambos, isto é, os adúlteros deveriam ser mortos (Lv.20:10; Dt.22:22; Lv.18:20).
No entanto, não é isto que o Senhor Jesus afirma, mas sim que em casos de
adultério o divórcio é permitido, uma vez que a questão do aplicar a pena de morte
neste caso era algo ainda em discussão nos dias de Jesus, sendo, posteriormente,
proibido pelo governo romano (ver Jo.8:1-11) 74.
O ensino de Jesus, portanto, em total oposição com a escola de Hillel, que
permitia o direito ao divórcio em qualquer caso, é que, aqueles que se divorciam por
qualquer motivo,75 não sendo por causa de adultério, estão cometendo adultério
moica/tai (moichâtai) contra o seu cônjuge76, não importando se é o homem ou a
mulher77.
Este mesmo ensino do Senhor Jesus pode ser visto claramente no ensino da
Confissão de Fé de Westminster. O capitulo XXIV:V da Confissão de Fé diz: “...no
caso de adultério depois do casamento, à parte inocente é lícito propor divórcio, e
depois de obter o divórcio casar com outrem, como se a parte infiel fosse morta”. 78
Certamente o ensino da Confissão de Fé traz o sentido de que, uma vez que a pena
à infidelidade conjugal era a morte, logo, aquele que cometeu tal torpeza pode ser
considerado como se estivesse sido morto, podendo, portanto, à parte inocente
contrair novas núpcias79. Sendo assim, segundo o ensino do Senhor Jesus, o
divórcio somente é permitido em casos de adultério 80.
Ao olhar para este ensino de Jesus, fica claro que ele está em plena oposição
aos judeus da escola de Hillel, mas será então que Jesus toma o partido dos da
escola de Shamai, que permitia o divórcio somente em casos de falta de castidade
ou mesmo de adultério?

73
William HENDRIKSEN,vol.2, Op.Cit.303,304.
74
C.BROWN em: Lothar COENEN, Colin BROWN, Op.Cit. p.2332.
75
William HENDRIKSEN, Op.Cit. pp.482-484.
76
Adolf POHL, Op.Cit. p.295., Augustus Nicodemus LOPES, Minka Schalkwijk LOPES, Op.Cit. p.172..
77
Boa parte dos comentaristas afirmam que o versículo 12 está tão somente mostrando o direito que a mulher, no
contexto romano, tinha ao pedir o divórcio. Uma vez que os destinatário de Marcos são romanos e eles
certamente conheciam estas leis do direito romano. Ver, Dewey M. MULHOLLAND, Op.Cit. pp.157,158., H.
PAISLEY, Op.Cit. p.135.
78
Confissão de Fé de Westminster, p.48
79
A.A. HODGE, Op.Cit. pp.416,417., J.I.PACKER, Op.Cit. p.212
80
Augustus Nicodemus LOPES, Minka Schalkwijk LOPES, Op.Cit. p.172., J.I.PACKER, Op.Cit. p.212

27
III - Jesus e a vontade de Deus (vs. 6-9)

Muito embora pareça que o Senhor Jesus está em conformidade com os


fariseus da escola de Shamai, e claramente em total oposição aos fariseus da
escola de Hillel, o seu ensino quanto ao casamento e a união que deve haver entre
marido e mulher demonstram que Jesus, na realidade, não toma partido algum, mas
lhes expõe o real desejo de Deus quanto ao casamento.
O Senhor Jesus se volta para o padrão perfeito, para o princípio e a finalidade
do casamento. Ele se dirige aos fariseus e diz: “porém, desde o princípio da criação,
Deus os fez homem e mulher” (vs.6). O que Jesus passa a dizer aos fariseus não é
nenhuma novidade. Jesus faz tal afirmação baseado na própria Torá escrita por
Moisés, em Gênesis 1:2781. Mas quais as implicações deste texto e do ensino de
Jesus sobre o casamento e o divórcio?
Jesus afirma que “no princípio”, isto é, na criação, “Deus os fez homem e
mulher” (a;rsen kai. qh/lu evpoi,hsen auvtou,j o` qeo.j)(arsen kaí thêly epoísen autous ó
theós). A atenção especial deve ser dada aos adjetivos pronominais a;rsen (arsen)
“homem” e qh/lu (thêly) “mulher” que significam literalmente “macho” e “fêmea” 82,
afinal de contas Jesus está se portando para Gênesis 1:27 onde diz que Deus criou

hb'qen>W rk'z" (zakhar ûn qêbhah) , isto é, “macho” e “fêmea”.


e

O fato de Jesus afirmar que Deus criou “macho” e “fêmea” já traz em si o

desejo de Deus para o casamento. O sentido de hb'qen>W rk'z" (zakhar


ûneqêbhah) “macho e fêmea” em Gênesis 1:27 dá uma idéia de complemento, pois o

termo hebraico rk'z" (zakhar) “macho” tem o sentido de “pontiagudo”, “afiado”,

podendo significar que o rk'z" (zakhar) “macho” é aquele que entra. Enquanto que
o termo hb'qen> (n qêbhah) “fêmea” dá a idéia de “buraco”, “cavidade”, dando o
e

sentido de que a hb'qen> (n qêbhah) “fêmea” é aquela que é entrada


e 83
. Este é o
princípio para a compreensão do desejo de Deus para o casamento, isto é, o mútuo

81
Adolf POHL, Op.Cit. pp.294,295.
82
ver Waldyr Carvalho LUZ, Op.Cit. p.144.
83
Harriet, Gerard van GRONINGEN, Op.Cit. p.46., Gerard van GRONINGEN, Criação e Consumação: O
Reino, a Aliança e o Mediador, vol.1, p.86.

28
complemento. Esta é a base lançada por Jesus para explicar sua posição ante o
questionamento dos fariseus. Homem e mulher se completam 84.
É com base neste argumento que Jesus afirma que: “Por isso, deixará o
homem a seu pai e mãe e unir-se-á a sua mulher” (vs.7). Todo este versículo vem
descrito com um tom de ordenança divina, mostrando que a união entre o homem e
a mulher é uma instituição divina85. A idéia de deixar pai e mãe vem seguida do
complemento “unir-se-á a sua mulher”.
O termo usado por Jesus para referir-se ao “unir-se-á a sua mulher” é o verbo
proskollhqh,setai (proskollêthêsetai) que, por estar no passivo, pode ser traduzido
como “será unido”, mas literalmente se traduz como “será colado” 86. Este verbo
deriva da junção da preposição pro,j (prós) (em direção a, ao lado de, por meio de)
mais o verbo kolla,omai (kolláomai) (juntar-se a, apegar-se a, colar-se em). É deste
verbo que deriva a palavra “cola” no português. Uma vez que a união entre um
homem e uma mulher é uma instituição divina, o que se entende, portanto, com este
verbo no passivo, é que não é o homem que se une por si à sua mulher, mas sim
que ele é unido por Deus a ela, daí o complemento da resposta de Jesus no
versículo 9 onde ele afirma que Deus é quem os une 87.
Em seguida, Jesus se põe a falar sobre o propósito da união de homem e
mulher: “...serão os dois uma só carne. De modo que já não são dois, mas uma só
carne”. Jesus novamente se porta ao princípio da criação e para a Lei de Moisés em
Gênesis 2:24. Ele continua falando do desejo de Deus para o casamento.
Anteriormente, Jesus lhes explicara, ao dizer que Deus fez “macho” e “fêmea”, que o
propósito do casamento, isto é, da união de homem e mulher, era a mútua
complementação. Agora, reforçando sua resposta, ele afirma que o propósito desta
união é mais que uma união simplesmente, mas trata-se agora de uma unidade 88.
A teologia por trás do “ser uma só carne”, está com base na declaração de
Gênesis 2:24, onde traz a idéia de que o homem deixa seu pai e a sua mãe com a

finalidade de ser uma só carne com sua mulher ( dx'a, rf'b'l.) (lêbhasar ehad). O
sentido deste “tornar-se um” alcança sua finalidade quando há a união sexual entre
84
William HENDRIKSEN, Op.Cit. p.480.
85
William HENDRIKSEN, Op.Cit. p.480., A.A. HODGE, Op.Cit. p.409., Harriet, Gerard van GRONINGEN,
Op.Cit. p.36.
86
ver Waldyr Carvalho LUZ, Op.Cit. p.144.
87
Harriet, Gerard van GRONINGEN, Op.Cit. pp.37,43-45. O desejo da união do casal é visto como algo
suscitado pelo próprio Deus (ver Cantares 8:6).
88
William HENDRIKSEN, Op.Cit. pp.480,481.

29
o homem e a mulher. No relacionamento sexual, homem e mulher tornam-se um. No
entanto, este sentido de unidade a que o texto se refere expressa bem mais do que
uma simples união física pelo ato sexual. O sentido de “ser um” está ligado com a
totalidade do relacionamento existente entre o casal 89.
Em Gênesis 2:24, além de expressar uma unidade pela união sexual, o termo

(dx'a, rf'b'l.) (lêbhasar ehad) expressa também uma união espiritual onde duas
almas unem-se formando um só corpo90. Isto significa que sendo o casal uma
unidade e um só corpo pela vontade de Deus, ambos agora tem um só coração e
uma só mente91. Sendo assim, o “tornar-se uma só carne” implica em algo
inseparável por ser uma única unidade. “Tornar-se um” não significa apenas uma
união sexual, mas o que está envolvido é a totalidade do relacionamento que está
inserido em um contexto maior, a aliança que, por ser uma aliança, tal
relacionamento deve ser inquebrável 92. Da mesma forma que Deus estabeleceu uma
aliança com seu povo, que é indissolúvel, assim deve ser a aliança entre o marido e
a sua mulher, inquebrável93.
Sendo assim, o Senhor Jesus conclui sua resposta aos fariseus dizendo:
“Portanto, o que Deus ajuntou não separe o homem” (v.9). Jesus usa o verbo
“separe” (cwrize,tw)(chôrizétô) no imperativo, indicando ser esta uma ordem
expressa que vem reforçada, anteriormente, pela partícula de negação mh. (mê)
“não”. O verbo “separar” cwri,zw (chôrízo), quando usada na forma verbal, como é o
caso neste texto, tem o sentido de uma “separação física entre pessoas”.
Com isto, Jesus estava afirmando que homem algum tem o direito de separar
aqueles a quem Deus uniu por meio do relacionamento sexual. Absolutamente nada,
nem ninguém, pode separar, quer seja por tradição ou alguma outra coisa, aquilo
que Deus uniu,94 salvo em casos de relacionamentos sexuais ilícitos, que constitui
em quebra da aliança entre o homem e a mulher, fazendo com que,
conseqüentemente, o divórcio que Deus tanto odeia (Ml.2:16), 95 seja permitido
(Mc.10:11,12; Mt.19:9; Mt.5:32).

89
H. PAISLEY, Op.Cit. pp.134,135., J.N.O. em: R. Laird HARRIS, Gleason L. ARCHER JR., Bruce K.
WALTKE, Op.Cit. p.228., Harriet, Gerard van GRONINGEN, Op.Cit. pp.44,45.
90
J.N.O. em: R. Laird HARRIS, Gleason L. ARCHER JR., Bruce K. WALTKE, Op.Cit. p.228.
91
Harriet, Gerard van GRONINGEN, Op.Cit. p.36., William HENDRIKSEN, Op.Cit. p.481.
92
Harriet, Gerard van GRONINGEN, Op.Cit. p.43.
93
Harriet, Gerard van GRONINGEN, Op.Cit. p.46
94
Adolf POHL, Op.Cit. p.295.
95
J.I.PACKER, Op.Cit. p.212., Harriet, Gerard van GRONINGEN, Op.Cit. p.46.

30
CONCLUSÃO E APLICAÇÃO

Os fariseus que chegaram a Jesus com a intenção de prova-lo, o


interrogaram sobre um assunto muito complexo e difícil de abordar. A questão do
divórcio era algo que há muito, duas grandes tradições, as escolas de Shamai e
Hillel, já viam discutindo e apresentando suas posições. Os fariseus questionam a
Jesus para ver se ele negaria a Lei de Moisés, uma vez que os próprios fariseus,
segundo suas escolas, tomavam suas bases interpretativas sobre o assunto na Lei
de Moisés. Mas a despeito da intenção dos fariseus, Jesus se volta para a própria
Lei de Moisés e lhes explica não o que as escolas de Shamai e Hillel pensam, mas o
que Deus diz sobre a questão do casamento e do divórcio.
Diante destes fatos, Jesus não se torna favorável a nenhuma das escolas. A
resposta de Jesus, voltando-se para o princípio, na criação, mostra que o padrão e a
vontade de Deus para o relacionamento entre homem e mulher não está nas
tradições das duas escolas ou nas leis orais. O padrão da vontade de Deus para o
casamento, como instituído no Éden, é que homem e mulher se complementem e
tornem-se um, de tal forma que sejam inseparáveis, como um corpo. Sendo assim,
Jesus diz que nada, nem ninguém, muito menos tradições ou posições ideológicas
ou teológicas, adquire para si o direito de separar aqueles a quem Deus uniu.
No entanto, o que se pode compreender, segundo o próprio ensino de Jesus,
que o divórcio somente é permitido em casos de adultério ou de qualquer outra
relação sexual ilícita. Não sendo por este motivo, aquele que se casa com outrem,
após o divórcio, está adulterando contra o seu cônjuge.
O apóstolo Paulo, que também fala do assunto em suas cartas, afirma que o
divórcio é permitido em casos de deserção por um dos cônjuges, mas deixa muito
claro que a reconciliação é o melhor caminho, coisa que era impossível aos fariseus
que interrogaram a Jesus, por causa de seus corações endurecidos, que se
fechavam para vontade de Deus, para o exercício do perdão e da misericórdia para
com o cônjuge faltoso.
Logo, o divórcio, que Deus tanto odeia, somente é permitido em dois casos:
a) adultério ou qualquer outra forma de relação sexual ilícita; b) em casos de
deserção por parte de um dos cônjuges. No entanto, vale ressaltar que a vontade de
Deus, mesmo em casos de adultério, é a reconciliação, baseada no perdão e no
exercício da misericórdia para com o cônjuge em falta.

31
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