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Obra Lucana
(Lc e At)
Índice
1. Atualidade de Lucas
a) Um evangelizador apaixonado
Muito se pode dizer de Lucas, autor do terceiro evangelho e dos Atos dos Apóstolos.
É um escritor perspicaz, um hábil contador de histórias com um bom background
histórico e literário. Conforme o parecer de várias pessoas, ele é também um teólogo de
primeira classe. Mas o aspecto mais marcante é a sua paixão pelo Evangelho, uma
dedicação impressionante à missão evangelizadora, à qual deve ter se consagrado
totalmente.
A Igreja antiga o relembra como companheiro de Paulo. E com boas razões. Lucas,
de fato, partilha plenamente a causa apostólica de Paulo e o espírito universal que ele
promove.
Os Doze e várias mulheres, entre elas Maria Madalena, Joana e Susana, estão
estavelmente associadas ao seu trabalho de evangelização (8,1-3); eles "partiram, indo
de povoado em povoado, anunciando a Boa Nova e operando curas por toda a parte"
(9,6). Todos devem ter a oportunidade de ouvir a Boa Nova e de se converterem ao
amor de Deus revelado em Jesus. Para esta missão se organiza uma atividade
sistemática. Outros 72 colaboradores são acrescentados como missionários itinerantes e
são enviados, dois a dois, à frente de Jesus "a toda cidade e lugar aonde ele próprio
devia ir" (Lc 10,1).
Por último, Paulo, "instrumento eleito" para levar o nome do Senhor Jesus "diante
das nações gentílicas, dos reis, e dos israelitas" (Atos 9,15; 22,21). Como sabemos, o
segundo livro de Lucas termina com a chegada de Paulo a Roma, acorrentado por causa
da Palavra, que, no entanto, não perde a oportunidade de proclamar "o Reino de Deus e
ensinar o que se refere ao Senhor Jesus Cristo com toda a intrepidez e sem
impedimento" (Atos 28,31).
Desta forma, Lucas realiza o projeto da sua obra em dois volumes. No primeiro
volume ele mostra como a Lei e os Profetas alcançam uma mudança decisiva na figura
de João, que abre a porta à evangelização do Reino de Deus realizada no Senhor Jesus.
No segundo volume ele mostra como a Palavra empreende seu caminho através da
Igreja e, partindo de Jerusalém, chega aos confins do mundo (ou seja, Roma).
Os grupos e movimentos de hoje são atraídos por uma série de valores que Lucas
sublinha: comunhão fraterna, alegria, louvor e oração, partilha de bens, pobreza...
Dimensões que estão em fala na nossa cultura.
Consequentemente, os dois livros devem, de fato, serem tomados como uma unidade
e estudados em conjunto, mesmo se não sabemos se foram concebidos desde o início
como uma obra em duas partes ou se o evangelho foi escrito primeiro, como uma obra
independente, e depois os Atos, como uma continuação. Dadas os limites do nosso
curso e a amplitude do assunto, contentar-nos-emos com algumas pinceladas de
natureza puramente introdutória. Sugiro que leia atentamente o texto que lhe proponho,
com todas as citações bíblicas indicadas.
1. Prólogo
Visto que muitos já tentaram compor uma narração dos fatos que se
cumpriram entre nós — conforme no-los transmitiram os que, desde o
princípio, foram testemunhas oculares e ministros da Palavra — a mim
também pareceu conveniente, após acurada investigação de tudo desde o
princípio, escrever-te de modo ordenado, ilustre Teófilo, para que verifiques
a solidez dos ensinamentos que recebeste.
Lucas é o único Evangelho que começa com um "prólogo" de natureza histórica; este
é um gênero muito comum na época de Lucas, especialmente no que diz respeito à
dedicação da obra a um personagem ilustre (Teófilo).
Alguns filólogos pensam que os primeiros 4 versículos de Lucas poderiam ter vindo
da mão de um excelente historiador grego, por causa do cuidado com que são escritos.
Note como, uma forma solene e concisa, estes versos indicam:
v. 1: o assunto e aqueles que já lidaram com ele antes
v. 2: o valor da informação que remonta ao testemunho direto
v. 3: A pesquisa pessoal e cuidadosa de Lucas
v. 4: o objetivo de tal investigação: uma exposição exaustiva de tal forma que
Teófilo tome consciência da "solidez" (asfaleia - da mesma raiz de "asfalto")
da catequese recebida.
Se aqueles que o precederam começaram desde o início (ap' arxês), Lucas pretende
voltar às origens (ánôthen) dos acontecimentos que se realizaram perante a comunidade
eclesial. E esta busca das origens tem como objetivo captar o profundo significado
contido nos acontecimentos relativos à vida e ministério de Jesus, a fim de mostrar ao
seu interlocutor, Teófilo, a "solidez" da tradição apostólica.
Com outras palavras, Lucas é o "teólogo historiador" que pretende mostrar como o
hoje eclesial está solidamente enraizado na tradição recebida, na paradosis das
primeiras testemunhas.
Quem ouve o relato de Lucas nota o corte entre o prólogo (1,1-4), onde fica evidente
a mão do escritor antigo, erudito, que está em contacto com os historiadores da época, e
o chamado "Evangelho da Infância" (1,5 – 2,52), onde se tem a impressão de que Lucas
se retira voluntariamente para deixar falar, o máximo possível, a tradição local (judaico-
palestiniana), utilizando um grego semítico, parecido com aquele da tradução grega do
Antigo Testamento (a Septuaginta, LXX).
No prólogo, Lucas nos dá uma amostra dos seus dons literários; ele poderia ter
continuado neste mesmo ritmo, mas o faz só ocasionalmente (compare também 3,1-2).
Incoerência? Ecletismo estilístico?
É possível que haja uma razão mais profunda para esta variedade de estilos; talvez o
respeito pelas fontes, talvez a intenção de contar a história de Jesus e da primeira
a) A importância de Jerusalém
- O evangelho da infância nos leva novamente duas vezes ao templo, após o anúncio
do anjo a Zacarias: na apresentação do menino Jesus (2,22-38) e na sua peregrinação a
Jerusalém, para a Páscoa, quando tinha 12 anos (2,41-50).
- Um sinal do interesse de Lc por Jerusalém também pode ser visto no fato de que,
ao contrário de Mateus, ele termina a série de tentações na cidade santa, colocando a
terceira no pináculo do templo (4,9-12).
Lucas apresenta a sua obra como uma "narrativa ordenada" (kathexês - v.1,3). Por
isso devemos esperar que as histórias tenham uma ordem (não necessariamente
cronológica).
Após o prólogo (1,1-4), onde Lucas declara a sua própria intenção e a forma de
proceder (objetivo e método), podem distinguir-se cinco articulações principais na
primeira obra:
e) Em relação a Marcos
São próprios de Lucas os dois primeiros capítulos, alguns episódios da vida pública e
várias parábolas.
a) Da estrutura à teologia
Existe uma estratégia teológica neste enfoque “para Jerusalém” (Lc) e, dali para os
confins da terra (Atos)?
- Galileia caracteriza a realidade inicial de Jesus: isto é indicado por 4,14.31, por um
lado, e, por outro, pelas alusões de 23,5.49.55 e Atos 10,37; 13,31.
Parece claro que Jesus pregou a partir da Galileia.
- No entanto, lemos com surpresa Lc 4,44 (as edições críticas leem assim: "sinagogas
da Judeia" e não "da Galileia"). Não é que a situação mude, mas que a Judeia
apareça (no sentido da Palestina) sem que isso diminua a referência à Galileia
(é interessante comparar Lc 6,17 com Mc 3,7).
Esta é a nossa opção metodológica nesse tema, sabendo que poderia haver muitas
outras possibilidades e sabendo igualmente que, dentro desta mesma opção, poderíamos
aprofundar muito mais a nossa pesquisa.
Abordagens mais clássicas tentam ler uma "teologia da história", outras preferem
estudar a obra de Lucas como uma proposta de caminhada (de fato, o caminho de Jesus
em Lucas é o mais longo - ocupa 10 capítulos -, seguido pelo caminho da Igreja em
Jerusalém e, finalmente, o caminho de Paulo).
16Ele foi a Nazaré, onde fora criado, e, segundo seu costume, entrou em dia
de sábado na sinagoga e levantou-se para fazer a leitura. 17Foi-lhe entregue
o livro do profeta Isaías; abrindo-o, encontrou o lugar onde está escrito: 18O
Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para evangelizar os
pobres; enviou-me para proclamar a remissão aos presos e aos cegos a
recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos 19e para
proclamar um ano de graça do Senhor. 20Enrolou o livro, entregou-o ao
servente e sentou-se. Todos na sinagoga olhavam-no, atentos. 21Então
começou a dizer-lhes: "Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos essa passagem
da Escritura". 22Todos testemunhavam a seu respeito, e admiravam-se das
palavras cheias de graça que saíam de sua boca. E diziam: "Não é o filho de
José?" 23Ele, porém, disse: "Certamente ireis citar-me o provérbio: Médico,
cura-te a ti mesmo. Tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum,
faze-o também aqui em tua pátria". 24Mas em seguida acrescentou: "Em
verdade vos digo que nenhum profeta é bem recebido em sua pátria. 25De
fato, eu vos digo que havia em Israel muitas viúvas nos dias de Elias,
quando por três anos e seis meses o céu permaneceu fechado e uma grande
fome devastou toda a região; 26Elias, no entanto, não foi enviado a
nenhuma delas, exceto a uma viúva, em Sarepta, na região de Sidônia.
27Havia igualmente muitos leprosos em Israel no tempo do profeta Eliseu;
todavia, nenhum deles foi purificado, a não ser o sírio Naamã". 28Diante
dessas palavras, todos na sinagoga se enfureceram. 29E, levantando-se,
expulsaram-no para fora da cidade e o conduziram até um cimo da colina
sobre a qual a cidade estava construída, com a intenção de precipitá-lo de lá.
30Ele, porém, passando pelo meio deles, prosseguia seu caminho...
2. Promessa - cumprimento
4. Aspecto salvífico
Para o terceiro evangelho Jesus é essencialmente o Salvador (cf. 2,11 e 23,43). Mais
do que Marcos e Mateus, Lucas apresenta Jesus como o revelador supremo da vontade
de perdão e de misericórdia do Pai. Em Nazaré ele proclama o ano do jubileu [no ano
do jubileu as dívidas eram perdoadas e os escravos libertados: Lv 25:8-17,23-25 e Jr
No Benedictus são especificados três aspectos: salvação para nós, salvação dos
nossos inimigos e salvação que se concretiza no "perdão dos pecados"; os pecados de
todos, e não só os de certas categorias de pessoas (os chamados "pecadores").
A oferta de salvação está sempre ligada ao livre arbítrio. Desde o início, o Salvador
Jesus é apresentado como um "sinal de contradição" (cf. 2,34). O discurso
programático, na sinagoga da sua cidade, traça um paralelo dramático entre os
nazarenos e os israelitas contemporâneos de Elias e Eliseu, que não beneficiaram da sua
atividade taumatúrgica. Não basta serem israelitas e concidadãos do Messias para serem
curados e beneficiados por ele. A salvação continua a ser uma escolha livre, também na
cruz (cf. 23,39-43).
5. Incredulidade de Israel
6. Êxodo de Jesus
Por último, impressiona a peregrinação contínua de Jesus, a sua "partida". Este é
outro aspecto característico da teologia de Lucas (veja JOSEP RIUS-CAMPS, El éxodo del
hombre libre. Catequesis sobre el Evangelio de Lucas, Córdoba 1991). No monte da
transfiguração, Moisés e Elias falarão do seu "êxodo" (Lc 9,31: a expressão é típica do
terceiro evangelista), que Jesus "deverá realizar em Jerusalém". A expulsão da sinagoga
e da cidade de Nazaré é o prelúdio para esse êxodo. Começa a peregrinação de Jesus, a
sua partida para Cafarnaum, depois para as outras cidades da Galileia e, finalmente, para
Jerusalém e, de lá, para o céu (cf. Atos 1,10).
1. Na exegese moderna
Nas últimas décadas do século XVIII e nas primeiras do século XIX, foi de novo
adotada uma abordagem predominantemente histórica. A. von Harnack (1851-1930) é
entusiasta de Lucas: reavalia as pretensões literárias e volta a considerar Atos como uma
obra essencialmente histórica, sem tendências ideológicas históricas (Lukas der Arzt,
der Verfasser des dritten Evangeliums und der Apostelgeschichte: Beitrage zur Einl. em
das NT, 1, Leipzig 1906, p. 117). O trabalho de Lucas expressa um verdadeiro otimismo
para a cultura humana, aproxima-se do espírito grego e contribui para a cristianização
do helenismo que está na origem da nossa civilização.
2. Na exegese contemporânea
O trabalho de estudiosos como H. J. Cadbury (The Style and Literary Method of
Luke) tem ajudado a destacar a unidade linguística e estilística da obra de Lucas. O
próprio Dibelius deve concordar que Atos não é simplesmente uma coleção de
episódios pré-existentes na tradição oral.
O trabalho de Conzelmann (citado no início deste bloco) teve uma grande influência
nos estudos de Lucas. Em continuidade com as premissas de Bultmann, Conzelmann
argumenta que a teologia de Lucas tem o seu ponto de partida num problema central e
Para Conzelmann este "mas", em Atos 1,8, expressa uma "substituição" decisiva. À
questão da Parusia Lucas responde com a necessidade de um "tempo da Igreja". Nasce
assim uma "reestruturação" da expectativa escatológica: o esquema binário original
(promessa - cumprimento) é reestruturado num esquema ternário: promessa – Jesus -
Igreja. Não é tanto uma questão de quando o Reino virá, mas de pertencer a ele, de estar
nele.
À base dos relatos está o fato de que é Deus (através dos seus enviados) que liga os
vários acontecimentos. Deus Pai é o responsável final pelo que acontece: as suas
promessas dirigem a história e a fazem avançar para o cumprimento do que foi
prometido (João, Jesus, a Igreja, a incredulidade judaica, etc. são apresentados como o
cumprimento do AT).
Entre os clássicos da teologia lucana, um pouco discutido, mas com intuições muito
significativas:
H. CONZELMANN, El centro del tiempo. La teología de Lucas, (Madrid 1974)