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reformador Junho 2008 - b.

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Cristianismo Redivivo
História da Era Apostólica
Nascimento de Jesus
“Para quem está familiarizado com a história antiga, não deve ser motivo de
perturbação o fato de que as principais datas na vida de Jesus sejam apenas
aproximadas. [...] Na verdade, as datas de nascimento até mesmo de alguns
imperadores romanos não são certas [...].” 1

HAROLD O DUTRA DIAS

N
o prólogo deste artigo há cassez dessas fontes, seja em decor- Os historiadores do Cristianis-
uma citação do historiador rência da ausência de parâmetros na mo, porém, chamam a atenção pa-
John P. Meier, professor na interpretação dos dados colhidos, ra o fato de que os Evangelhos não
Universidade Católica de Washing- somos obrigados a reconhecer a li- são essencialmente obras de his-
ton D. C., considerado um dos mais mitação dos “instrumentos científi- tória, no sentido atual da palavra.
eminentes pesquisadores bíblicos cos da moderna pesquisa histórica”. Os Evangelistas não pretendiam
de sua geração. Ao estabelecer os Nesse ponto, consideramos pre- produzir uma biografia completa
limites da ciência e da investigação ciosa a contribuição dada pela ou mesmo um sumário da vida de
humanas, ele adverte: “Por Jesus da Doutrina Espírita no equaciona- Jesus. Ao contrário, escreveram
história, refiro-me ao Jesus que po- mento de graves questões. No ca- com a finalidade de transmitir o
demos ‘resgatar’ e examinar utili- so da cronologia da vida de Jesus, ensino do Mestre, os fatos princi-
zando os instrumentos científicos é lícito concluir que a obra psico- pais da sua vida, de modo a legar
da moderna pesquisa histórica”.2 gráfica de Francisco Cândido Xavier à posteridade o testemunho da fé.
A pesquisa histórica baseia-se supre inúmeras lacunas, impossíveis Nesse sentido, é justo conside-
em fontes (documentos, registros, de serem transpostas sem o auxí- rar que os Evangelistas organiza-
inscrições, ossuários, obras de his- lio da revelação espiritual, tendo em ram o material da tradição (oral
toriadores, achados arqueológi- vista as limitações da historiografia. e/ou escrita) de acordo com um
cos) e adota métodos específicos, Os dados cronológicos mais im- propósito redacional. Compila-
adequados ao tipo de fonte anali- portantes da vida de Jesus encon- ram e organizaram as narrativas
sada, com vistas à interpretação tram-se nas narrativas da infância sem se preocuparem com a ordem
consistente dos dados coletados. (Mateus, 2; Lucas, 1:5, 2:1-40) e histórica dos acontecimentos. É o
Por vezes, seja em razão da es- nas narrativas da paixão (Mateus, que nos demonstra o pesquisador
26-27; Marcos, 14-15; Lucas, 21- norte-americano:
1
MEIER, John P. Um judeu marginal: re- -23; João, 13-19). Outros dados
pensando o Jesus histórico. 3. ed. Rio de relevantes podem ser encontrados [...] Tais compilações ainda são
Janeiro: Imago, 1993. p. 367. nos evangelhos de Lucas e João visíveis em Marcos: por exem-
2
Idem, ibidem. p. 35. (Lc., 3:1-2 e 23; Jo., 2:20). plo, as passagens polêmicas loca-

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lizadas no início do ministério justifica o ceticismo exagerado A.U.C.,5 declarando 1o de janeiro


de Jesus na Galiléia (2:1; 3:6), em com relação aos dados contidos de 754 A.U.C. como o início do
contraposição a outra série de nos Evangelhos. Deve ser encon- primeiro ano da Era Cristã, o
passagens semelhantes já em Je- trada uma posição de equilíbrio “Anno Domini” (Ano do Senhor).
rusalém, ao final do ministério que prime pela fé raciocinada. Posteriormente, descobriu-se
(11:27; 12:34); uma seção central Assim, considerando o relato dos que a data estabelecida por Dioní-
de relatos de milagres e palavras Evangelistas, pode-se afirmar que sio estava absolutamente equivo-
de Jesus, agrupados pela palavra- Jesus nasceu no tempo do impera- cada, visto que fixava o nascimen-
-chave “pão” (6:6; 8:21) e uma co- dor Augusto (37 a.C.-14 d. C.), an- to de Jesus três anos após a morte
letânea de parábolas (4:1; 34). tes da morte de Herodes, o Grande. de Herodes, o Grande.
Não há motivo para considerar- No ano 525 d.C., o papa João I Para se encontrar a data da
mos essas compilações como ten- (470-526 d.C.) pediu a Dionísio4 morte de Herodes, utilizou-se pre-
do preservado a inviolável ordem que elaborasse um calendário com ciosa informação fornecida pelo
cronológica dos eventos, especial- o cálculo dos ciclos pascais, as da-
mente porque Mateus e Lucas não tas futuras da Páscoa. Frei Dionísio, de inúmeras obras da Igreja Romana,
o fizeram. Mateus, por exemplo, além de elaborar uma efeméride importantes para o direito canônico, além
de ter elaborado a tabela com as datas da
reordena livremente os relatos de pascal, estabeleceu um novo ca-
Páscoa. Todavia, seu nome entrou para a
milagres que aparecem em Mar- lendário, em oposição ao sistema história por ser o criador do “Anno Do-
cos, para criar um grupo conciso alexandrino, da era diocleciana, mini”, alterando o calendário da época.
de nove relatos divididos em três fixando a data do nascimento de 5
A.U.C. (Anno Urbis Conditae) – Ano da
grupos intercalados por material Jesus em 25 de dezembro de 753 fundação da cidade de Roma. Os historia-
de “enchimento” (Mateus, 8-9). dores fixam a data da fundação daquela
cidade no ano 753 a.C., acolhendo os
O grande Sermão da Montanha, 4
Dionysius Exiguus (470-540 d.C.) nas- informes do historiador romano “Varrão”.
em Mateus, reaparece, em parte, ceu na Scythia Menor (Romênia/Bulgá- É comum confundir-se a sigla A.U.C. com
em Lucas como o Sermão da Pla- ria), transferindo-se para Roma por volta Ab Urbe Condita, título do livro de Tito
nície, menor que o outro (ambos do ano 500 d.C., onde se tornou tradutor Lívio sobre a história de Roma.

como tendo ocorrido na Galiléia) Os Quatro Evangelistas,


e, parcialmente, em material espa- quadro de Jacob Jordens
lhado por todo o longo relato da
jornada final de Jesus até Jerusa-
lém, em Lucas, 9:51; 19:27 [...]”.3

Por outro lado, seria temerário


acusar os Evangelistas de terem
distorcido os fatos para adequá-
-los a propósitos teológicos. Nesse
caso, vale lembrar que escreveram
para contemporâneos, muitos de-
les testemunhas oculares dos fatos
narrados, razão pela qual não se

3
MEIER, John P. Um judeu marginal: re-
pensando o Jesus histórico. 3. ed. Rio de
Janeiro: Imago, 1993. p. 50-51.

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questão cronológica que me in-


teressa, ao te argüir sobre o pas-
sado. É que nessas suaves come-
morações vem até mim o doce
murmúrio das lembranças!...
– Ah! sim, Mestre Amado – re-
trucou pressuroso o Discípulo –,
compreendo-vos. Falais da signi-
ficação moral do acontecimen-
to. Oh!... se me lembro... a man-
jedoura, a estrela guiando os po-
derosos ao estábulo humilde, os
cânticos harmoniosos dos pas-
tores, a alegria ressoante dos ino-
centes, afigurando-se-nos que
A Adoração dos Pastores, quadro de Giorgione
os animais vos compreendiam
historiador judeu Flávio Josefo mas extremamente relevantes para mais que os homens, aos quais
(Antiguidades Judaicas, livro XVII, o estudo do Cristianismo Nascente. ofertáveis a lição da humildade,
cap. 6, § 4, item 167), segundo o Nesse sentido, merece ser trans- com o tesouro da fé e da espe-
qual teria ocorrido um eclipse lu- crito o extraordinário texto do Espí- rança. [...]6 (Grifo nosso.)
nar pouco antes do falecimento rito Humberto de Campos, revelan-
daquele monarca. Com base em do a data do nascimento do Cristo: Assim, consoante a revelação
cálculos astronômicos precisos, é espiritual, pelas mãos do respeitá-
possível afirmar que a morte da- [...] o Senhor chamou o Dis- vel médium Francisco Cândido
quele rei se deu por volta de mar- cípulo Bem-Amado ao seu trono Xavier, Jesus nasceu no ano 749
ço/abril do ano 750 A.U.C. (4 a.C.), de jasmins matizado de estrelas. da era romana. Considerando que
logo após o referido eclipse. O vidente de Patmos não trazia o primeiro ano do calendário gre-
Desse modo, concluem os exege- o estigma da decrepitude, como goriano (Anno Domini – Ano 1),
tas que Jesus, seguramente, nasceu nos seus últimos dias entre os atualmente em vigor no mundo
antes do ano 4 a.C. (data da morte espórades. Na sua fisionomia ocidental, corresponde ao ano
de Herodes, o Grande). Todavia, es- pairava aquela mesma candura 754 U.A.C. (ano da fundação de
ses pesquisadores são unânimes em adolescente que o caracterizava Roma), e tendo em vista que não
reconhecer a impossibilidade de se no princípio do apostolado. há ano zero, nesse calendário, basta
determinar o ano exato do nasci- – João – disse-lhe o Mestre –, considerar a seqüência 753 U.A.C.
mento de Jesus, com base nas fontes lembras-te do meu apareci- = 1 a.C.; 752 U.A.C. = 2 a.C.; 751
históricas atualmente disponíveis. mento na Terra? U.A.C. = 3 a.C.; 750 U.A.C. = 4
Os “instrumentos científicos da – Recordo-me, Senhor. Foi no a.C. e 749 U.A.C. = 5 a.C.
moderna pesquisa histórica” nos ano 749 da era romana, apesar Desse modo, pode-se concluir
permitem chegar somente até da arbitrariedade de Frei Dioní- que o nascimento do Mestre se
esse ponto. sio, que, calculando no século VI deu no ano 5 a.C.
É nesse momento que a revelação da era cristã, colocou erradamen-
6
espiritual pode e deve ser conjugada te o vosso natalício em 754. – XAVIER, Francisco Cândido. Crônicas de
além-túmulo. Pelo Espírito Humberto de
com as pesquisas humanas, no in- Não, meu João – retornou do- Campos. 15. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007.
tuito de resolver questões intricadas, cemente o Senhor –, não é a Cap. 15, p. 89-90.

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