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O Globo/Estado - 14/06/98
Na minha mesa, Tostão não chegou a ser botão. Eu já era bem crescido quando ele
apareceu, e fica um pouco ridículo fazer botão de um jogador mais novo que você.
Botões, para a garotada daquele tempo, eram venerados como ícones, beijados, polidos
com flanela, concentrados em caixa de charuto e inegociáveis. Pois bem, vi o Tostão
deslizar nos gramados e, sem querer desmerecê-lo, era mesmo um homem com braços e
pernas. Nem por isso há de nascer um centroavante que se lhe compare, como nunca
haverá ponta-esquerda semelhante ao Canhoteiro que só eu vi jogar. Desde já discordo
de quem, concordando comigo, sustenta que o futebol era muito mais bonito no passado.
Ao contrário de nós mortais, que éramos todos mais bonitos no passado, os craques do
passado são ainda melhores hoje. Penduraram as chuteiras, mas na permanente edição
da nossa memória vão produzindo novos lances memoráveis. Posso vê-los sempre de
uniforme, uniformes diferentes uns dos outros, num vestiário com o teto cheio de
chuteiras penduradas. Reúnem-se em torno do técnico, ouvem a preleção em silêncio,
mas não prestam muita atenção. Dispensam alongamentos, entram em campo e já
começam a jogar. Não dão entrevistas. Não fazem cera, não atrasam a bola, não cobram
lateral, não ficam na barreira, faz cada qual o que lhe dá na telha. E no entanto exibem
um belo conjunto, mantendo-se invictos há anos e anos, mesmo porque contra eles não
há quem se atreva a jogar. Me vendo de boca aberta, naquela tarde gelada, o Tostão não
fazia idéia dos gols que continua a marcar dentro da minha cabeça.
É um garoto, o Denilson, e imagino o que será seu futebol daqui a mais ou menos 30
anos, quando estarei abarrotado de memórias. Seu drible na corrida, calculo que possa
chegar a algo como a velocidade do TGV Paris-Nantes, embora jamais à do Canhoteiro.
Babando de antemão, me vejo a lembrar o Denilson adiantando a bola na medida certa,
feito isca, para surrupiá-la do bico do pé do beque. Verei o Denilson em nova arrancada,
como quem corre num parque, e a bola que corre serelepe ao seu lado, quase latindo.
Verei o Denilson desviando a bola sem tocá-la, talvez com um assobio - ele tem boca de
assobiador. Verei o molejo dele, trançando as pernas diante do próximo adversário, e, de
repente hei de ver o drible de corpo. O drible de corpo é quando o corpo tem presença de
espírito.