Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INTUIÇÃO – OBSERVAÇÃO
JulioFrochtengarten2
Notei que tenho me servido do termo “observação” para me referir ao que faço
quando me coloco no vértice psicanalítico. Bionse serve muitas vezes do
termo, por isso não deixa de ser surpreendente descobrir que muitos
dicionários de termos bionianos, assim como índices remissivos de alguns de
seus livros, não contemplam o vocábulo “observação”.É possível quesua
ausência se dê em função do que ele afirma em um de seus Seminários:
“Temos que usar o termo ´observação´, como uma espécie de metáfora, uma
aproximação, pois utilizamos uma linguagem inadequada ao nosso trabalho...”3
1
Trabalho apresentado na XII Jornada de Bion realizada pela Sociedade Brasileira de Psicanálise em abril
de 2019.
2
Membro Efetivo e Analista Didata da SBPSP.
3
Bion, W. R. (1990) Seminários na Clínica Tavistock, Blucher: São Paulo, 2017, p. 26.
2
4
Bion, W. R. (1970). Atenção e interpretação, Imago: Rio de Janeiro, p. 58.
5
Idem
3
Aproximando...
6
Bergson, H. (2006). O pensamento e o movente, Livraria Martins Fontes Editora Ltda: São Paulo, p. 29.
7
Maggi Piccini, A.(1985).Intuição: lacuna teórica na psicanálise. Revista Brasileira de Psicanálise, 19:33.
5
Isto quer dizer que Freud não usara desta função para formular a teoria
psicanalítica ou em sua clínica? Penso que não. Em primeiro lugar, por
queobservação e intuição se fazem presentesno início de qualquertrabalho de
investigação e ciência. Em segundo, porque Freud sempre se moveu orientado
pela busca de compreensão, chegando ao ponto, por exemplo, de declarar
terdificuldades com a música,alegando que esta não se prestava à
compreensão. Sendo Freud um homem de seu tempo, inserido em sua cultura,
e precisando “prestar contas” à comunidade científica, talvez tivesse evitado
reconhecer que viesse usando a intuição; ou simplesmente evitasse usar o
termo mais frequentemente. De qualquer forma, o termo intuição sempre gerou
desconfiança e aversão por parte dos psicanalistas. Mas não será essa a
atividade mental posta em funcionamento com a proposta de uma “atenção
flutuante”, nas recomendações técnicas sobre as “anotações durante a
sessão”, no “cegar-se artificialmente para focalizar toda a luz no ponto escuro”?
Para que serviria a análise do analista?
A pouca importância que Freud dá ao termo “intuição” é tão forte queele não
consta no Vocabulário de Psicanálise (Laplanche e Pontalis), nem no
Dicionário Crítico da Psicanálise de Rycroft.
8
Freud, S. (1976) – A questão de uma visão do Universo. In: Novas Conferências Introdutórias (1932) –
SE – Vol. XXII; págs. 194, 195, 196. Imago: Rio de Janeiro.
6
9
Bion, W. R. Volviendo a pensar. EdicionesHorme, S.A.E.: Buenos Aires, p, 184 - 185.
10
Bion, W. R. (1970). Atenção e interpretação. Imago Editora: Rio de Janeiro, p.130.
11
Bion, W. R. (1970). Atenção e interpretação. Imago Editora: Rio de Janeiro, p. 24.
7
Também pelo forte apelo que fazem à dimensão sensorial, Bion entende que
“memória” e “desejo” deveriam ser afastados. “Para conseguir um estado de
mente essencial para a prática da análise, evito qualquer exercício de
memória... Sigo um processo similar no que tange a desejos... Os fenômenos
centrais da psicanálise não têm fundamentação em dados sensoriais”. 12
Pensamentos imperfeitos
13
apresentam, como “fatos selecionados” (Henry Poincaré) . Uma aproximação
poética deste processo pode ser apresentada através dos versos do poema
Escritor, escritório: “Palavra justa, flaubertiana, descoberta / no meio do
cascalho da linguagem: / a pedra exata do sentido. / Peça perdida e
encontrada que faltava / no puzzle para completar o jogo. / Figura difícil, que
apareceu depois / de muita espera para acabar o álbum”.14
13
Bion, W. R. (1962). O aprender com a experiência. Imago Editora: Rio de Janeiro.
14
Freitas Fº, A (2016). Companhia das Letras: São Paulo, p. 25.
9
De qualquer forma, o que a intuição me traz – seja de forma mais direta, seja
através de conjecturas (como pretendo ilustrar clinicamente) – abre um novo
problema, pois terá que ser comunicado, primeiro para mim mesmo e depois
para o outro. E sua potência terá que ser acompanhada com a evolução da
experiência. Como intuição se mostra tão difícil de definir; como foram diversas
15
Bion, W. R. (1990) Seminários na Clínica Tavistock, Blucher: São Paulo, 2017, p. 62.
10