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INTUIÇÃO – OBSERVAÇÃO

FONTE DE ILUSÃO OU CONHECIMENTO?1

JulioFrochtengarten2

A proposta de focalizar os temas Intuição e Observação me trouxe


oportunidade de perceber o quanto somos capazes de nos servir de alguns
termos sem ter ideia clara dos conceitos que eles abrigam, assumindo o
sentido que têm no senso comum, na linguagem coloquial.

Notei que tenho me servido do termo “observação” para me referir ao que faço
quando me coloco no vértice psicanalítico. Bionse serve muitas vezes do
termo, por isso não deixa de ser surpreendente descobrir que muitos
dicionários de termos bionianos, assim como índices remissivos de alguns de
seus livros, não contemplam o vocábulo “observação”.É possível quesua
ausência se dê em função do que ele afirma em um de seus Seminários:
“Temos que usar o termo ´observação´, como uma espécie de metáfora, uma
aproximação, pois utilizamos uma linguagem inadequada ao nosso trabalho...”3

Fora do âmbito da Psicanálise nos acostumamos a pensar em observação


como exame de fenômenos mediado pela sensorialidade. Mas, por exemplo,
em antropologia e etnologia se utiliza a expressão “observação participante”
para se referir ao método de investigação em que o pesquisador procura
integrar-se ao grupo estudado, vivendo junto a este e participando de suas
atividades por período relativamente prolongado, como se fosse um de seus
membros, de modo a captar sua vida com maior riqueza de detalhes. De forma
análoga, podemos pensar em observação psicanalítica como observação
participante, instrumento e método a reger nossa prática. Assim, se
“observação” é um termo que costuma se ligar aos dados sensoriais da
experiência, quando ganha o qualificativo “psicanalítica” passa a remeter à
experiência emocional; e a partir daíos dados sensoriais já não são suficientes
parasustentá-la.

1
Trabalho apresentado na XII Jornada de Bion realizada pela Sociedade Brasileira de Psicanálise em abril
de 2019.
2
Membro Efetivo e Analista Didata da SBPSP.
3
Bion, W. R. (1990) Seminários na Clínica Tavistock, Blucher: São Paulo, 2017, p. 26.
2

Sem ter definido claramente no que constitui a observação psicanalítica, é


novamente surpreendente ver, emAtenção e interpretação,Bionmencionarseu
interesse em um modo de pensar que permita uma “observação clínica correta”
4
; e que o psicanalista deveria evitar “observação defeituosa” 5.

Penso queuma teoria da observação se diferencia de uma teoria psicanalítica.


Esta última corresponde às formulações do corpo teórico da psicanálise, às
suas concepções (fileira F da Grade); já, uma teoria da observação
corresponde às realizações dessas teorias na prática. Um sistema dessa
ordem foi exposto por Bionno livro Transformações, e podemos considerar a
Grade, construída por ele, sua figuração. Assim, aofalarmos em observação
psicanalítica compreendo que estamos nos referindo a uma função que se
dápor meio de elementos sensoriais, mas, indubitavelmente, para além deles.
O que está além penso ser, justamente, a intuição do analista, guia de sua
compreensão ede sua prática. São elas, observação e intuição, que constituem
a observação psicanalítica e norteiamo uso, formulado ou não, para si mesmo
ou seus pares, da Grade.

Por essas razões, passo adesenvolver este texto em busca de conceitos, e


desembocando em pensamentos imperfeitos. Ao longo dele devo tomar ambos
os termos, observação – acrescido, mesmo que não de forma explícita, do
qualificativo psicanalítica – e intuição como complementares e referidos a uma
mesma atividade mental. Intuição seria o método da observação psicanalítica.

O tema visto por grande angular

Buscando ideias claras e conceitos precisos sobre Intuição, busquei sua


evolução, e sua relação com o conhecimento, no campo da filosofia. O que se
apresentou a mim foi de tal extensão que percebi não ter condições de me
aprofundar por aí.Mas do pouco que apreendi arrisco algumas palavras que
podem nos ser úteiscomo referências.

Para Descartes, o conhecimento da experiência se faria


essencialmentemediado pela racionalidade. Para Hume, no outro extremo, o

4
Bion, W. R. (1970). Atenção e interpretação, Imago: Rio de Janeiro, p. 58.
5
Idem
3

conhecimento seria um ato essencialmente empírico, uma passagem direta dos


dados imediatos da experiência. Mas a filosofia precisou encontrar formas
alternativas para procurar superar o hiato que separa a experiência do
conhecimento da mesma.

Até Kant – filósofo a que Bion tanto se refere – o conhecimento e a experiência


em si, vinham sendo tratados como entidades independentes. A partir
deledesencadeou-se uma reviravolta no pensamento filosófico, com um
afastamento da cisão conceitual entre os dois polos, o sujeito que conhece e o
objeto a ser conhecido. Tendo colocado a ênfase no estudo da subjetividade, a
filosofia de Kant acabou conduzindo a uma menor atenção ao objeto a ser
conhecido; e incrementou a atenção no próprio processo de conhecer. Uma
decorrência de suas ideias foi um menorapego à questão da verdade ou
falsidade da essência da experiência; o interesse passou a centrar-se no
próprio processo do pensar e sua relação com aquilo sobre o que se
pensa.Escreveu ele, em Crítica da Razão Pura, que, apesar de todo o
conhecimento se iniciar com a experiência, nem todo ele brota da própria
experiência. Abria-se assim uma brecha, a meu ver, para o surgimento da
intuição como elemento de mediação entre esses dois polos. O conhecimento
seria, então, constituído tanto pelo que recebemos através das impressões dos
sentidos como pelo que nossa faculdade de conhecer fornece e acrescenta a
ela. Sendo assim, inclusive as impressões sensoriais tomam parte na
constituição do conhecimento, como contingência neste complexo processo.
Assim, é bem possível que não haja condições de se distinguir, com exatidão,
a experiência e o conhecimento gerado a partir dela.

Ainda, seguindo Kant, temos que considerar a realidade não sensorial


impossível de ser conhecida em si mesma. Daí, todo conhecimento desta
realidade serconsiderado ilusão ou verossimilhança. Porém, alguns filósofos
que o sucederam, consideraram que haveria mais possibilidades de se
alcançar conhecimento destasrealidades não sensoriais. Entre estes últimos é
preciso mencionarBergson, para quem o próprio conhecimento pode ser
alcançado através da intuição – a qual não seria uma visão direta –, e teria,
depois, que encontrar formas de ser expresso. Assim, a própria intuição é uma
forma de conhecimento, apesar de não ser este suficientemente claro e nem
4

total; o conhecimento vai sendo alcançadopor aproximações sucessivas,num


processo de ir-e-vir. De qualquer forma, na medida em que intuição e
conhecimento formalizado têmnaturezas diversas entre si, o processo de
passagem de um para outro não seria um continuum,mas se daria por saltos.

Bergson retoma as características clássicas da noção de intuição, como


apreensão ou consciência imediata de uma realidade; sua noção de intuição
não envolve qualquer conhecimento inacessível à experiência. Pelo contrário, é
da experiência sensível, temporal e imediata, que poderá, ou não, surgir a
intuição. Se a intuição nos é dada, então ela nos fornecerá os caracteres de
uma dada realidade, sem qualquer relatividade devida a nossos sentidos ou
nosso conhecimento.“Intuição, portanto, significa primeiro consciência, mas
consciência imediata, visão que mal se distingue do objeto visto, conhecimento
que é contato e mesmo coincidência” 6. Pensar intuitivamente é pensar em
duração; já a inteligência envolve imobilizações justapostas.O
conhecimentooriginadono intelecto é imediatamente claro, depende apenas de
um esforço suficiente que dá uma nova ordem a ideias elementares já
conhecidas;todavia,o conhecimentoque advém de uma intuição,qualquer que
seja nossa força de pensamento, é geralmente obscuro;e com o tempo a
obscuridade pode ir se dissolvendo.Bergson escreve que, numa discussão, o
filósofo determinista sempre nos parece claro, fácil e parecendo ter razão
enquanto aquele que é intuitivo “transpira sangue”.

Aproximando...

Restringindo o exame para o âmbito da Psicanálise, sinto--me um pouco mais


à vontade. Foi surpreendente descobrir7 que Freud cita o termo Intuição
apenas três vezes em sua obra. Nas “Novas conferências introdutórias”, de
1932, escreveu ele: “Não existe nenhuma forma de conhecimento derivada da
revelação, da intuição ou adivinhação... O intelecto e a mente são objetos de
pesquisa científica exatamente da mesma forma como são as coisas não-
humanas... A filosofia não se opõe à ciência..., perde porém o rumo com seu

6
Bergson, H. (2006). O pensamento e o movente, Livraria Martins Fontes Editora Ltda: São Paulo, p. 29.
7
Maggi Piccini, A.(1985).Intuição: lacuna teórica na psicanálise. Revista Brasileira de Psicanálise, 19:33.
5

método de superestimar o valor epistemológico de nossas operações lógicas e


ao aceitar outras fontes de conhecimento, como a intuição”8.

Isto quer dizer que Freud não usara desta função para formular a teoria
psicanalítica ou em sua clínica? Penso que não. Em primeiro lugar, por
queobservação e intuição se fazem presentesno início de qualquertrabalho de
investigação e ciência. Em segundo, porque Freud sempre se moveu orientado
pela busca de compreensão, chegando ao ponto, por exemplo, de declarar
terdificuldades com a música,alegando que esta não se prestava à
compreensão. Sendo Freud um homem de seu tempo, inserido em sua cultura,
e precisando “prestar contas” à comunidade científica, talvez tivesse evitado
reconhecer que viesse usando a intuição; ou simplesmente evitasse usar o
termo mais frequentemente. De qualquer forma, o termo intuição sempre gerou
desconfiança e aversão por parte dos psicanalistas. Mas não será essa a
atividade mental posta em funcionamento com a proposta de uma “atenção
flutuante”, nas recomendações técnicas sobre as “anotações durante a
sessão”, no “cegar-se artificialmente para focalizar toda a luz no ponto escuro”?
Para que serviria a análise do analista?

A pouca importância que Freud dá ao termo “intuição” é tão forte queele não
consta no Vocabulário de Psicanálise (Laplanche e Pontalis), nem no
Dicionário Crítico da Psicanálise de Rycroft.

Tenho para mim que a grandeza e a força revolucionária da Psicanálise


residem nesta atividade mental.

O seguinte fragmento de uma sessão pode bem ilustrar a questão. O cliente,


engenheiro e executivo no mercado financeiro, lida com sua vida através do
que costumamos chamar, malgrado a generalização baseada apenas em
aspectos formais, “típico das pessoas dessa formação e ambiente profissional”.
Percebo que sua forma de lidar, excessivamenteracional e concreta, tolhe
minha participação nas sessões. Em sessão recente, ele vinha lamentando ter
que se afastar das atividades físicas, às quais ele se dedica com tenacidade
obsessiva, em função de atual fratura no nariz durante um jogo. O que me

8
Freud, S. (1976) – A questão de uma visão do Universo. In: Novas Conferências Introdutórias (1932) –
SE – Vol. XXII; págs. 194, 195, 196. Imago: Rio de Janeiro.
6

ocorre,fico intimidado de apresentar a ele, mas cuidadosamente arrisco:


“Talvez você ache estranho, mas pergunto se você pode considerar outra
possibilidade: você estar tão exausto do ritmo que se impõe emsuas atividades
esportivas e a vida, que pode ter se atirado sobre o outro jogador para fraturar
seu nariz e, dessa forma, poder agora repousar”. Sua resposta me parece
sincera e me surpreende favoravelmente: “Não acho nada estranho não, eu já
tinha pensado em algo assim;aliás, às vezes penso de um jeito que não digo
por achar que você, sendo médico, é mais inclinado a pensar cientificamente”.
Na saída, me agradece e, enfaticamente, diz que a sessão havia sido muito
boa. Acredito que este fragmento ilustre o que vinha se delineando acima: a
oposição exatidão – intuição, com o próprio analista ocupando, no caso, o lugar
das ciências duras e exatas.

Aproximando ainda mais...

Bion é um autor que dá grande valor à intuição, insistindo nesse ponto em


diversas passagens ao longo de sua obra. Nos seus Comentários aos artigos
republicados comoSecondThoughts9, por exemplo, ele escreve: “Se a situação
analítica for intuída com precisão – prefiro esse termo a “observada”, “ouvida”
ou “vista”, porquanto ele não traz consigo a penumbra de associação sensorial
–, o analista comprova que o inglês falado, comum, é surpreendentemente
adequado para formular a sua interpretação... [Em síntese] me refiro ao
problema suscitado por uma crescente intuição. Não sabia, então, até que
ponto é comum esta experiência” [tradução livre minha]

Para ele, intuição é instrumento fundamental que se dispõe ao analista munido


de “paciência”, um “estado de mente análogo à posição esquizo-paranóide” 10 e
que se distingue da percepção sensorial. “O médico pode ver, tocar e cheirar.
O psicanalista lida com realizações que não podem ser vistas nem tocadas; a
ansiedade não tem forma, cor, odor ou som. Proponho, por conveniência, usar
o termo “intuir” como um paralelo, no âmbito do psicanalista, ao uso de “ver”,
“tocar”, “cheirar” e “escutar”.11

9
Bion, W. R. Volviendo a pensar. EdicionesHorme, S.A.E.: Buenos Aires, p, 184 - 185.
10
Bion, W. R. (1970). Atenção e interpretação. Imago Editora: Rio de Janeiro, p.130.
11
Bion, W. R. (1970). Atenção e interpretação. Imago Editora: Rio de Janeiro, p. 24.
7

Também pelo forte apelo que fazem à dimensão sensorial, Bion entende que
“memória” e “desejo” deveriam ser afastados. “Para conseguir um estado de
mente essencial para a prática da análise, evito qualquer exercício de
memória... Sigo um processo similar no que tange a desejos... Os fenômenos
centrais da psicanálise não têm fundamentação em dados sensoriais”. 12

Encontramos a expressão “intuição analiticamente treinada” de formarecorrente


em sua obra, sendo ela considerada a função que rege o analista quando ele
se volta a O– a realização do que se descreve como realidade última, coisa em
si ou verdade.

Pensamentos imperfeitos

Até aqui,minha tentativa foi no sentido de encontrar conceitos claros e precisos


dentro da área circunscrita da Observação - Intuição. A tentativa se justificaria
como procura em evitar confusão, mas, o que fica claro a esta altura, é seu
fracasso, resultando em conceitos frouxos e imprecisos; o consolo é pensar
que, por outro lado, uma conceituação clara e precisa traria uma grande
distorção da realidadeimpalpável com que lidamos na prática psicanalítica.

Busco, alternativamente,uma conceituação própria, de forma livre. Não tenho


dúvida de que existe um intervalo separando a percepção dos aspectos
sensoriais da intuição dos aspectos mentais. Mas, a intuição evolui a partir e
através do que é captado sensorialmente? Ou ela prescinde totalmente do que
é apreendido sensorialmente e se dá em outra dimensão da experiência?

Pela intuição se faz ocontato com a realidade, sem intermediação do


pensamento racional e consciente; sem a lógica, mas com a imaginação; sem
a palavra ou um por quê; ela não corresponde auma representaçãosimbólica,
mas o que ela traz tem sentido e pode ser o primórdio do pensamento. Parece
estar bem configurada pelo que nos diz sua etimologia: in – dentro; tuitus – do
verbo olhar; olhar dentro, com o olho da mente.

Clinicamente, percebo que considero intuição - observação àquilo de que me


sirvo quando relaciono e amarro, através de “conjunções constantes” (David
Hume), fatos distintos, dispersosna experiência; e que resultam, e se
12
Bion, W. R. (1970). Atenção e interpretação. Imago Editora: Rio de Janeiro, pp. 68-69.
8

13
apresentam, como “fatos selecionados” (Henry Poincaré) . Uma aproximação
poética deste processo pode ser apresentada através dos versos do poema
Escritor, escritório: “Palavra justa, flaubertiana, descoberta / no meio do
cascalho da linguagem: / a pedra exata do sentido. / Peça perdida e
encontrada que faltava / no puzzle para completar o jogo. / Figura difícil, que
apareceu depois / de muita espera para acabar o álbum”.14

Para que possa operar, a intuição depende de capacidade negativa, a


qualidade que o poeta Keats definia – atribuindo-a a Shakespeare –como
condição para aceitar a incerteza como algo belo e humano.Ela é um modo de
sondagem quando estou voltadopara o que desconheço da experiência
emocional, uma aposta no impensado–através da passividade e
disponibilidade.Mas não nos enganemos, não se trata de uma passividade
ingênua: ela é guiada pelas pré-concepções e teoriasque trago encarnadas. É
assim que realizo a célebre afirmação de Kant: “Conceito sem intuição é vazio;
intuição sem conceito é cega”. É o oposto do que ocorre quando procuramos
compreender os acontecimentos da sessão analítica a partir, e através, do
universo das teorias.

Os fenômenos que me interessam numa Psicanálisesão aqueles que me


despertam o sentimento de mistério. E neles não penetro apenas com dados
concretos e sensoriais; preciso dispor de intuição. E, quando o consigo – na
verdade lampejos de intuição –,me sinto participante e produtor de experiência,
conhecimento e sentido numa relação singular. É como se a intuiçãotrouxesse
à tona, tornandoaparente, “visível”, algo que já estava contido na experiência
emocional.

Ao mesmo tempo em que a intuição é, para mim, etapa fundamental do


processo analítico,ela é também uma espécie de jogo ou brincadeira; um
movimento, simultaneamente, “inconsequente” e estruturado; algo aquém de
um pensamento organizado como teoria. O que a intuição me
proporcionanuma sessão, tomo como balizamento; ao mesmo tempo em que a
considero estranha, procuro não abandonar o que me é fornecido por ela.

13
Bion, W. R. (1962). O aprender com a experiência. Imago Editora: Rio de Janeiro.
14
Freitas Fº, A (2016). Companhia das Letras: São Paulo, p. 25.
9

Algumas vezes, o que assim se oferece podevir a ter permanência e


durabilidade, a depender de adquirir ou não gradações de significado.

Podemos considerar as emoções e a intuição como início do pensamento.


Também podemos, com maior riqueza para o trabalho analítico, considerá-los
como forma de responder, ativa e criativamente, à experiência, um saber
discriminado ou amalgamado com ela – O.

A partir das várias correntes filosóficas e das formulações de Bion, quanto à


conceituação e discriminação de dois campos distintos, um da sensorialidade e
outro da intuição, chego a algo que me faz sentido teoricamente, mas na
experiência clínica penso ser difícil percebê-la, pois o que chamo de intuição
parece se esboçarcom apoio, ainda que mínimo, nos dados sensoriaise mesmo
em elementos de “memória” armazenada nas minhas pré-concepções e teorias
encarnadas. Mas, por outro lado,também não posso imaginar que todo meu
aprendizado e conhecimento me serãoprovidos pelos meus sentidos, a não ser
quando, temeroso de nada mais encontrar, desisto e me aferro ao uso deles.
Gosto da metáfora que Bion utiliza 15 ao comparar observação com a bengala
que o cego utiliza: ela lhe permite interpretar aquilo que este obtém ao tocar
objetos ou sentir se o piso é macio ou arenoso.Na prática, a intuição não se dá
num vazio da experiência, ela é mediada por algum, ou alguns, fragmentos
colhidos pelos sentidos, pela observação e pelas teorias encarnadas pelo
analista.

E se considerarmos a intuição comoa via de acesso que permite passar dos


dados sensoriais ao pensamento?Como ponte que leva do pré-verbal ao
verbal?

De qualquer forma, o que a intuição me traz – seja de forma mais direta, seja
através de conjecturas (como pretendo ilustrar clinicamente) – abre um novo
problema, pois terá que ser comunicado, primeiro para mim mesmo e depois
para o outro. E sua potência terá que ser acompanhada com a evolução da
experiência. Como intuição se mostra tão difícil de definir; como foram diversas

15
Bion, W. R. (1990) Seminários na Clínica Tavistock, Blucher: São Paulo, 2017, p. 62.
10

as tentativas de me acercar ao tema, penso que é hora de deslizarmos para o


terreno da clínica.

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