Você está na página 1de 2

[329]

O QUE É ECONOMIA VERDE?


José Eli da Veiga

Valor – sexta-feira, 24 de novembro de 2023, p. A19

Essencialmente uma economia que daria as costas a 70% da biosfera, pois os oceanos
são azuis e esverdear é a pior coisa que lhes pode suceder: https://abrir.link/6sidP

Como explicar, então, que venha de tamanho disparate a convenção absolutamente


hegemônica de uso do verde para se aludir à sustentabilidade, tanto na dimensão
substantiva, da “economy”, quanto teórica, da “economics”?

A resposta parece óbvia, dado que a cor verde foi a eleita pelos ambientalistas, desde
ao menos dois séculos antes do advento do Greenpeace. Portanto, a pergunta passa a
ser por que a teriam escolhido.

Há quem evoque o simbolismo positivo desta cor para a espiritualidade, com exemplos
astrológicos, bíblicos, kardecistas, umbandistas, do candomblé e até do tarot e da
numerologia.

Porém, o mais provável é que a razão seja, ao contrário, bem objetiva. A defesa do
meio ambiente surgiu em ecossistemas terrestres e a noção de sustentabilidade
emergiu na aurora da engenharia florestal, em 1713.

Assim, na segunda metade do século XX, não poderia ter sido outra a cor atribuída ao
mais novo de todos valores sociais historicamente selecionados, que passou a adjetivar
a primeira utopia do Antropoceno: o desenvolvimento sustentável.

Para ir além, vale uma categórica recomendação de leitura: o livro The Spirit of Green
– The Economics of Collisions and Contagions in a Crowded World, de William D.
Nordhaus (Princeton U. P., 2021).

Como o único prêmio Nobel de Economia a algum pesquisador do aquecimento global


havia sido atribuído a Nordhaus, em 2018, nada mais estranho que, três anos depois,
tenha sido gélida a recepção de tal lançamento.

Vítima da pandemia de covid-19? Talvez, mas também é possível que tenha


decepcionado a maioria dos admiradores de suas inigualáveis modelagens para a
precificação do carbono, fãs do livro anterior: The Climate Casino (Yale U.P., 2013).

Por mais surpreendente que seja, agora Nordhaus se pretende – nada mais, nada menos
– que o guru econômico daquilo que faz questão de grafar com maiúsculas: um
movimento “Verde” que se opõe à realidade “Marrom”.

Diz que economia Verde é o ramo da “economics” mais voltado ao comportamento de


sistemas não mercantis afetados pelos humanos. E deplora que a maior parte de seus
adeptos sejam céticos quanto à capacidade de a economia neoclássica incorporá-los.

Argumenta, ao contrário, que os bens e serviços ambientais são como outros quaisquer,
exceto por sofrerem de falhas de mercado. A solução é corrigir tais falhas, para
prosseguir normalmente com os negócios. Por exemplo, se a poluição urbana é o
resultado de emissões subvalorizadas de dióxido de enxofre, então basta que se defina
um preço adequado para tais emissões.
Admite que quatro grandes deficiências precisariam ser corrigidas numa teoria
econômica propriamente Verde. Embora não acate todas, concorda que estão no
“espírito do Verde”, precisando ser cuidadosamente avaliadas.

A primeira é que as preferências atuais não refletem os interesses das gerações futuras.
Decisões são tomadas por consumidores e eleitores, sem que gerações futuras sobre
elas tenham voz. Os futuros eleitores não terão como derrubar os políticos de hoje.

A segunda é que os mercados financeiros e as decisões públicas também não ponderam


presente e futuro, o que distorce as taxas de desconto. Custos presentes são
sobrevalorizados e benefícios futuros, subvalorizados. O futuro parece pequeno demais
devido a defeito no telescópio usado para tentar observá-lo.

Em terceiro, a economia de mercado subestima os bens públicos, como a qualidade


ambiental e os serviços ambientais. Por exemplo, certas espécies podem ser extintas
porque o seu estoque reprodutor está subvalorizado.

O que se aplica com ainda mais força aos bens públicos globais, como as alterações
climáticas ou a proteção da camada de ozônio, para as quais os preços de mercado não
são apenas baixos, mas nulos. O preço das emissões de dióxido de carbono costuma ser
zero, bem inferior aos custos sociais.

O quarto defeito está no fato de o pensamento econômico dominante minimizar a


preocupação central que, em certo sentido, abrange as três primeiras: a necessidade
de garantir que o crescimento seja sustentável.

Pois é justamente nesta questão – crescimento - que o livro mais decepciona, ao não
trazer esforço propositivo para alguma estratégia. No máximo, faz interessantes
comentários sobre a proposta de Green New Deal, infelizmente bem restritos ao
contexto político dos EUA, nos anos 2018-2020.

Bem mais grave, contudo, é que, aos 80 anos, William D. Nordhaus tenha conseguido
descartar - em livro de 352 páginas sobre economia verde - a principal escola de
pensamento a respeito, nascida lá nos EUA, nos anos 1980: a economia ecológica.

Publicada regularmente deste 1989, a revista Ecological Economics - já no número


215 -, foi cirurgicamente omitida. Nem sequer mereceu menção algum dos trabalhos
do saudoso Herman E. Daly (1938-2022): https://l1nk.dev/KzA9d

Como entender tão escandalosa demonstração de sectarismo “Verde”?

---
José Eli da Veiga, professor sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP: www.zeeli.pro.br

Você também pode gostar