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DE SISTEMA?
Is there time for system change? - Global Ecosocialist Network
Por John Molyneux via SystemChangeNotClimateChange.org
Revisão: 21/03/2023
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Não destaquei estes trechos por considerar o relatório do IPCC um texto sagrado ou,
de forma alguma, a última palavra no assunto. Pelo contrário, parece-me bem claro
que o relatório foi conservador em suas previsões – o que não é surpresa, já que seu
método requer consenso entre milhares de cientistas. Na realidade, o aquecimento
global e seus efeitos cruciais estão avançando em ritmo mais acelerado do que o IPCC
esperava (cf. John Molyneux, “How fast is the climate changing?”, Climate &
Capitalism, 02/08/2019). Meu propósito aqui é mostrar que, de acordo com o IPCC,
e com toda compreensão séria a respeito das mudanças climáticas, o que estamos
enfrentando não é o limite de um penhasco, de cuja beirada iremos despencar em
2030, ou em qualquer outra data previsível, mas sim um processo que vem se
intensificando rapidamente, com crescentes efeitos catastróficos. O mais provável,
no decorrer desse processo, é que ocorram pontos de rupturas a partir dos quais o
ritmo das mudanças acelere muito rapidamente e certas alterações se tornem
irreversíveis, mas ninguém sabe exatamente quando esses pontos ocorrerão e se, até
lá, ainda estaremos falando de um processo, ao invés de uma imediata e completa
extinção.
É vital que haja um entendimento correto, cientificamente embasado, desse
processo. Nos engajarmos, na condição de ativistas, em algum tipo de contagem
regressiva (restam agora apenas 10, 9, 8… anos para salvar o planeta, como se
houvesse uma linha temporal bem fixada) provavelmente não ajudará - e nem
queremos ser chamados de falsos alarmistas quando o mundo não acabar. Um
entendimento correto é importante para dar fundamentação à questão crucial: há
tempo para uma mudança de sistema?
O argumento que diz não haver tempo suficiente para mudar o sistema (me refiro
aqui à superação do capitalismo) tem rondado o movimento ambientalista há muito
tempo, bem antes do alerta de 12 anos.
Lembro-me do argumento sendo atirado agressivamente contra certo trotskista um
tanto infeliz, quando da Campanha Contra as Mudanças Climáticas na qual me
envolvi pela primeira vez no início da década de 2000. “Não há tempo para esperar
pela sua revolução”, disseram a ele. É claro que agora este argumento pode ser usado
de forma dissimulada por pessoas que são, na verdade, pró-capitalistas, mas também
de forma honesta por pessoas que saudariam o fim do capitalismo se o
considerassem uma possibilidade prática. Cito Alan Thornett, socialista de longa
data, como testemunho disso:
“A solução padrão levantada pela maior parte da esquerda radical […] é a
derrubada revolucionária do capitalismo global – implicitamente nos próximos 12
anos, porque esse é todo o tempo que temos para isso […] Tal abordagem é
maximalista, esquerdista e inútil. Enquanto socialistas, podemos votar com as duas
mãos pela abolição do capitalismo e, sem dúvida, esse é o objetivo a longo prazo.
Mas, como resposta ao aquecimento global, dentro do prazo de 12 anos, não faz
sentido. Haveria uma ‘vácuo de credibilidade’. Embora os efeitos catastróficos das
mudanças climáticas estejam batendo à porta, dificilmente o mesmo pode ser dito,
com alguma credibilidade, a respeito de uma revolução socialista mundial – a
menos que eu tenha perdido algo. Não digo que seja impossível, mas é uma
possibilidade remota demais para servir de resposta ao aquecimento global e às
mudanças climáticas […] Sendo bem direto, se a superação do capitalismo, a nível
mundial, for a única solução para o aquecimento global e as mudanças climáticas
nos 12 anos que restam, então não há solução” (Alan Thornett, Facing the
Apocalypse: Arguments for Ecosocialism, Resistance Books 2019, p. 95).
Alan expressa aqui, de forma bem clara, o argumento que eu quero contestar.
A primeira coisa a ser dita é que, para marxistas e socialistas sérios (a começar por
Marx, Engels e Rosa Luxemburgo), a luta revolucionária não se contrapõe à luta por
reformas. Ao invés disso, a revolução é algo que cresce a partir da luta por demandas
concretas²
Assim, da mesma forma que os marxistas combinam a convicção de que a única
solução para a exploração é a abolição do sistema de salários com o apoio à luta
sindical por aumento salarial e melhores condições de trabalho, pode-se lutar por
demandas imediatas, tais como transporte público gratuito, abandono do uso de
combustíveis fósseis e investimentos massivos em energias renováveis, ao mesmo
tempo em que se defende a revolução ecossocialista. Dessa forma, a possibilidade de
um capitalismo ecologicamente sustentável é submetida a um teste prático.
Contudo, esta necessária resposta não esgota a questão. Se a revolução parece
demasiadamente remota e improvável como solução, então os ativistas climáticos
deveriam basicamente concentrar todos os seus esforços na luta por reformas, ao
invés de discutir e organizar a revolução – e mais, concentrar-se de forma massiva
apenas em reformas sobre essa questão. Afinal, se não por um moralismo abstrato,
qual seria o ponto de se concentrar em questões como o direito dos trabalhadores, a
luta antirracismo, os direitos reprodutivos da mulher, os direitos LGBTQ, etc.,
quando a sobrevivência da humanidade estaria em risco já nos próximos poucos
anos? No entanto, se o esperado é que o capitalismo se evidencie não-reformável, ou
reformável de forma insuficiente, então será necessário juntar a campanha
ecossocialista, o ativismo revolucionário, a propaganda e a organização em uma
frente bem mais ampla, reconhecendo que a revolução exige a mobilização em massa
da classe trabalhadora em torno de várias questões, assim como sua união para
enfrentar as inúmeras estratégias de dividir-e-governar.
Consequentemente, surgem três questões legítimas:
1. Qual a probabilidade de conter as mudanças climáticas com reformas sobre
a base capitalista?
2. Quão "remota" é a possibilidade de uma revolução socialista?
3. Há alternativas à essa escolha binária?
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NOTAS DO AUTOR
1. “O nível presente de aquecimento global é definido pela média de um período de 30 anos centrado em 2017,
assumindo que o ritmo recente de aquecimento se mantenha” IPCC-SPM, versão português, p. 7, nt. 5.
2. O exemplo mais óbvio é a Revolução Russa, que cresceu a partir da demanda por pão, terra e paz, mas o
mesmo se aplica a praticamente todas as revoluções populares.
3. Veja John Molyneux, “Apocalypse Now! Climate Change, capitalism and revolution”, Irish Marxist Review 25,
2019, e Martin Empson, “System Change not Climate Change”, Bookmarks, Londres, 2019
4. Eu discuto isso em profundidade em “Understanding Left Reformism”, Irish Marxist Review e em “Lenin for
Today”, capítulo 3, Bookmarks, Londres, 2017.
5. “Na verdade, alguém só poderia prever ‘cientificamente’ a luta, mas não seus momento concreto”. Antônio
Gramsci, “Selection from the Prison Notebooks”, Londres 1971, p. 438
NOTAS DO GRUPO
i.Greenwashing, comumente traduzido como "lavagem verde" ou "maquiagem verde", diz respeito ao
comportamento ou atividades corporativas que fazem as pessoas acreditarem que determinada empresa está
fazendo mais para proteger o meio ambiente do que realmente está (cf. Cambridge Dictionary Online)