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Percepções dos catadores sobre resíduos dos serviços de saúde (rs) no lixão da
estrutural
Perception from waste collectors on health service waste in the estrutural’s landfill
Percepciones de los recolectores de basura sobre los residuos de los servicios de salud (rs) en el
vertedero de la estructural
Elisa Maria Amate1, Fernando Ferreira Carneiro2, Maria Graça comportavam este material. Conclui-se que os
Luderitz Hoefel3
RS no DF têm uma destinação inadequada e os
catadores constituem um grupo de pessoas
Resumo: Este estudo objetiva verificar a
vulneráveis que cotidianamente lidam com
presença de resíduos de saúde (RS) no lixão da
essa problemática, além dos riscos próprios
Estrutural, localizado no Distrito Federal (DF),
desta atividade.
2013, por meio dos relatos dos catadores de
Palavras-chave: Resíduos de Serviços de
recicláveis que trabalham no lixão. Os
Saúde, Políticas públicas, catadores, Lixo.
catadores foram entrevistados e suas falas
analisadas por meio da Hermeneutica
Abstract: This study aims at verifying the
Dialetica, além do levantamento bibliográfico
presence of solid health-care waste in the
das políticas sobre resíduos no Brasil e DF, sob
Estrutural’s landfill, located in the Federal
a ótica de sua evolução histórica. Os
District (DF), in 2013, through reports from
participantes entrevistados em sua maioria
the waste pickers working in this area. Their
eram mulheres, de 35anos, pardas, oriundas do
reports were analyzed through the Minayo’s
Nordeste, com renda de 1 a 2 salários
Dialectic Hermeneutics, besides all
mínimos, que trabalham em média 10 h por
bibliographic research about health waste
dia e se encontram em situações de
policies in Brazil and DF. The interviewed
insalubridade, sofrendo com acidentes de
participants were mostly 35 years old women,
trabalho no lixão com material
who work an average of 10 hours a day and
perfurocortante, além de outros agravos. Ficou
find themselves in a insalubrity situation,
evidente que há presença de RS no lixão,
going through needlestick injuries at the
identificando os sacos azuis como aqueles que
landfill, in addition to other accidents. It has
1
Atua no Laboratório de Saúde do Trabalhador, Departamento de
Saúde Coletiva UnB. Email: nith_ema@yahoo.com.br.
been evident the presence of solid health-care
2
Pesquisador e Diretor da FIOCRUZ - CE. Professor Colaborador do
Núcleo de Estudos de Saúde Pública da UnB. Email: waste in the landfill, identifying the blue
fernando.carneiro@fiocruz.br.
3
Professora do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de plastic bags as the ones containing this type of
Brasília (UnB). Email: gracahoefel@gmail.com.
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material. The conclusion is that solid health- que cargan esos materiales. La conclusión es
care waste in the Federal District has an de que los RS en el DF tienen una destinación
inappropriate destination and the waste pickers inadecuada y los recolectores constituyen un
constitute a vulnerable group of people, who grupo de personas vulnerables que
face, on a daily basis,this issue, in addition to cotidianamente lidian con esa problemática,
other unpredictable outcomes of such an además de los riesgos propios de esa actividad.
activity.
Palabras-clave: Residuos de Servicios de
Key-words: Medical waste, Public Policies,
Salud, Políticas Públicas, Recolectores,
Solid Waste Segregators, waste. Basura.
destino destes resíduos gerados no Brasil, Contudo, o catador vive em pobreza nas ruas e
devendo servir de alerta às instituições nos lixões com um salário mensal em media
responsáveis pela saúde pública e à sociedade de R$140,00 apesar da responsabilidade de
sobre esta temática (5). 60% de todos os resíduos que são reciclados
Em Brasília, o lixão situa-se ao norte no Brasil. No Brasil, a prática de catar
da Vila Estrutural e a sudoeste do Parque resíduos sólidos configura-se em um trabalho
Nacional de Brasília (PNB), que agrega a caracterizado como uma ocupação
maior unidade de conservação ambiental da regulamentada, embora informal (6).
região, distante apenas 13 km do centro Além dos riscos ambientais aos quais
administrativo brasileiro. Ele ocupa uma área os catadores estão expostos, há um grande
de aproximadamente 200 hectares, hoje, com sofrimento psicossocial gerado pelo trabalho:
sua capacidade praticamente esgotada, o lixão a história de vida dos catadores de materiais
apresenta inúmeros problemas sociais, de recicláveis é marcada pela vergonha,
poluição do solo e dos recursos hídricos, além humilhação e exclusão social; sua ocupação é
(2)
de interferir na fauna do parque . Durante as sentida como sendo desqualificada e carente
décadas de 1970 e 1980 a ocupação pouco de reconhecimento pela sociedade (7).
cresceu, não comprometendo Haja vista a problemática relacionada à
significativamente o entorno do parque; daí, a má gestão dos resíduos sólidos de saúde
ocupação foi se consolidando devido ao resultando em uma destinação final
aumento do número de catadores e à fixação inadequada, o que reflete negativamente no
de pequenas chácaras (plantio de subsistência). meio ambiente e na saúde pública, ressalta-se
Em 1993 foram cadastradas 393 famílias a necessidade de realizar o levantamento
residentes, das quais 149 sobreviviam da situacional da disposição final desses resíduos
atividade de cata do lixo. Já em 1994, o no DF. Partiremos da verificação da presença
número de famílias residentes duplicou e desse tipo de resíduo no lixão da Estrutural por
passou para aproximadamente 700. meio da perspectiva dos catadores.
Atualmente, a Vila Estrutural é uma das
maiores regiões do Distrito Federal, com 40 Metodologia
(2)
mil habitantes . Trata-se de um estudo de caso do tipo
O catador é o sujeito mais importante qualitativo, analítico, que foi realizado no
no ciclo da cadeia produtiva de reciclagem, Lixão da Estrutural - DF, parte de uma
fazendo cerca de 89% de todo o trabalho. pesquisa maior intitulada “Condições de
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podemos esquecer que a Vila Estrutural é uma a 58% caso fosse feita uma segregação
comunidade marcada pela violência urbana, conforme determinam as leis (16).
configurando-se em um dos locais mais Os catadores alegaram que sabiam
(2,8)
violentos do DF . Então por quais razões identificar o RS através do saco de lixo de cor
eles negaram? Seria medo de sofrer retaliações azul e afirmavam que as carretas utilizadas
ou maiores questionamentos a respeito? - o para a destinação eram as mesmas que
medo é uma característica do ser humano para recolhiam o lixo das residências:
se proteger e adotar estratégias de defesa "A maioria é os ‘cuca’!.É
contra constrangimentos físicos e aqueles que abre a traseira,
assim! (MOVIMENTO DE
psicológicos. LEVANTAR O BRAÇO DE
É importante ressaltar que as clínicas BAIXO PARA CIMA) Aí,
fecha de novo! Aquele que
veterinárias, serviços de necrotério e fica passando aqui nas ‘rua’!
instituições de pesquisa e ensino também estão Tem um... é dois ou é três que
é só hospitalar mesmo! "
sob a égide das legislações vigentes, contudo
"[...]Tudo de hospital!É
não existem dados suficientes sobre RS frequente demais! Cai... em
gerados em ambientes e nem números oficiais sacola... sacola azul. Cai
demais! ... Já! Muita gente já
que indiquem a quantidade gerada nestes sai fora logo! "
estabelecimentos. " [...]O saco azul, e aí, tem
Em relação aos aspectos relacionados mais é nesse saco! Quando o
cuca derrama você já vê que é
aos espaços de tratamento veterinário, sempre desse... do hospital!"
observou-se que no hospital para animais da
Universidade Federal do Paraná (UFPR) O penúltimo relato esclarece que os
nenhuma das etapas do gerenciamento interno caminhões de RS são semelhantes àqueles que
de resíduos sólidos estava de acordo com as circulam nas ruas recolhendo lixo domiciliar -
exigências legais em vigor: a segregação dos não existiria uma padronização conforme o
resíduos negligenciava aspectos importantes tipo de resíduo transportado, observadas as
do gerenciamento de RS, como a minimização cores dos sacos plásticos onde o RS é
do volume de lixo e provocava um aumento acondicionado. O resíduo infectante deve ser
significativo na quantidade total de resíduos embalado em sacos brancos-leitosos e os
segregados como RS; a diminuição na (17,18)
comuns em pretos . Em João Pessoa-PB,
quantidade total de RS gerada poderia chegar constatou-se que 26,34% dos estabelecimentos
pesquisados não possuíam padronização dos
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como que se quem trabalha aí, questionados sobre os possíveis riscos à saúde
é cachorro!" no contato com o lixo, foi manifestada
Um estudo em 2011(24) constatou que a preocupação apenas com o risco de contrair
maioria dos profissionais de saúde em uma doenças que consideram graves, como o caso
instituição de saúde realiza a separação dos da AIDS, durante manuseio de lixo hospitalar
RS, mas quando questionados quanto aos - para eles ter saúde está vinculado à
critérios utilizados, relataram ações que não possibilidade de poder trabalhar,
condiziam com normas utilizadas como indiferentemente das condições que o trabalho
referência pela instituição; alguns, inclusive, ofereça (11).
aproveitaram o momento da entrevista para Esse estudo citado anteriormente
esclarecer dúvidas. Outra preocupação dos aponta também que as concepções de saúde
catadores quanto ao RS é o potencial de convergiram para uma única certeza: ter saúde
contaminação que esse resíduo pode conter e é não contrair uma doença grave; para todas as
até alegam que nele podem estar veiculadas mulheres, a condição de não ter saúde
doenças como a AIDS: relaciona-se diretamente ao acometimento de
"Deve ser que vem com um doenças como o câncer, AIDS, tuberculose,
monte de doença pra aí! Que doença do rato etc. Portanto, observa-se aqui a
ninguém sabe, né?! Mas deve noção de perigo que o catador tem a respeito
vir com doença lá do doente da segregação incorreta do resíduo infectante,
que ninguém sabe qual é a tanto na fonte geradora quanto na destinação
doença que ‘tá’, né?!... e com final, demandando uma necessidade de
AIDS, talvez! [...]" manejo/tratamento do RS. Logo, seriam os
"Ah! A gente fica com medo de catadores conscientes de que a aproximação ao
passar até por perto, de pegar caminhão no momento do despejo de lixo é
uma doença. A gente se completamente inofensiva, em busca de
afasta!...Dá até arrepio de a material reciclável e não perigoso? As
gente pegar uma doença, não é características semelhantes dos caminhões que
não? Sabe lá o que ‘tá’ chegam ao lixão não os expõem a agravos à
contaminado nisso?!" saúde? Na fala seguinte:
Essa informação vai ao encontro dos Porque até uma vez [...] o
resultados obtidos em um estudo com carro despejou o lixo lá, e
catadores em Porto Alegre-RS, onde quando até contratou, tirou fora a
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sociedade: pessoas atraídas pela possibilidade resíduo domiciliar e o dispõe para a coleta
de obter melhor qualidade de vida, saúde e urbana externa.
educação nas grandes cidades, sem emprego,
acabam por enxergar no lixão o meio de Referências
sobrevivência para si e suas famílias.
1. Associação brasileira de empresas de limpeza
No levantamento de campo realizado pública e resíduos especiais (BR). Panorama dos
Resíduos no Brasil. São Paulo, 2008. Acesso em: 24 de
ficou evidente que há presença de RS no lixão jun. 2013. Disponível em
da Estrutural: a problemática no DF não se http://abrelpe.org.br/panorama_2008.php.
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Recebido: 31.05.2016
Revisado: 04.07.2016
Aprovado: 09.09.2016
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