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07622022 1767
Inúmeros fatores são determinantes para a biental10. Com relação à fiscalização sanitária, é
ocorrência de doenças e do vetor transmissor das possível, por exemplo, identificar locais propícios
arboviroses urbanas. As condições inadequadas para a proliferação do mosquito Aedes aegypti
de habitação em aglomerados urbanos, em de- e adotar medidas educativas e/ou legais a partir
corrência da ausência de planejamento urbano e das irregularidades constatadas10.
da efetividade das políticas habitacionais diante Por outro lado, o manejo ambiental busca eli-
de um elevado déficit habitacional, juntamente minar os riscos de criadouros. Trata-se de “um
com situações de irregularidade na prestação de conjunto de medidas e intervenções nos riscos
serviços de saneamento básico, resultando em ambientais que impeçam ou minimizem a pro-
intermitências ou interrupção no fornecimen- pagação do vetor, evitando ou destruindo os cria-
to de água potável ou mesmo a falta de acesso douros potenciais de Aedes aegypti”. Nesse sen-
à agua potável, e o manejo e destinação inade- tido, podem-se citar boas práticas na gestão de
quados dos resíduos sólidos, associados à ina- resíduos sólidos, como por exemplo, a instalação
dequação do manejo das águas pluviais, seja na de ecopontos para a correta segregação e acondi-
macro, meso e microdrenagem, tanto nas áreas cionamento dos resíduos10.
comunitárias como domiciliares, bem como fa- Controle integrado ou manejo integrado de
tores supranacionais, como o crescente trânsito pragas foi encontrado somente em Controle de
de pessoas e cargas entre países e as mudanças Vetores: procedimentos de segurança13. O con-
climáticas provocadas pelo aquecimento global, trole integrado consiste em utilizar “várias téc-
destacam-se dentre esses fatores. Dessa forma, nicas disponíveis e necessárias a um programa
pode-se dizer que o controle vetorial é uma ação unificado”13. Com relação ao controle químico,
de responsabilidade coletiva, não se restringin- foram encontradas informações em FUNASA13,14
do apenas aos profissionais do setor de saúde. O e DNPCED10.
envolvimento de setores como abastecimento de O controle químico “é a última alternativa de
água, esgotamento sanitário e planejamento ur- controle a ser utilizada, uma vez que outras ações
bano é essencial para dar suporte às ações de con- menos agressivas e eficazes devem ser prioriza-
trole das arboviroses urbanas a fim de se alcançar das”13. Quando se realiza o tratamento focal, apli-
sua sustentabilidade10. ca-se um larvicida nos depósitos positivos com
Ainda no que se refere ao controle vetorial, formas imaturas que não podem ser eliminados
cabe mencionar a aplicação dos agrotóxicos como mecanicamente. Por outro lado, para realizar o
os inseticidas. Uma ampla variedade de equipa- tratamento perifocal, aplica-se “uma camada de
mentos é utilizada no controle da dengue, “desta- inseticida de ação residual nas paredes externas
cando-se os utilizados na aplicação de inseticidas dos depósitos situados em pontos estratégicos,
para o tratamento residual (perifocal), os costais por meio de aspersor manual, com o objetivo de
motorizados, o nebulizador portátil e o nebuliza- atingir o mosquito adulto que aí pousar na oca-
dor pesado”10. Visto que o uso desses equipamen- sião do repouso ou da desova”14.
tos de aspersão de inseticidas apresenta alcance Com relação ao controle biológico, foram en-
limitado e provoca grande impacto ambiental e à contradas informações em FUNASA13,14 e DNP-
saúde pública, o DNPCED10 ressalta seu caráter CED10. A utilização de controle biológico tem por
complementar às demais ações de controle, de- vantagem minimizar os danos ambientais que os
vendo ocorrer de forma concomitante. inseticidas comuns podem causar14. O Ministério
Por isso, o planejamento das atividades re- da Saúde vem adotando o uso do Bacillus thurin-
lacionadas ao controle vetorial consiste em um giensis israelensis (Bti) como agente biológico10.
fator essencial para se definir as necessidades de Com relação ao controle legal, esse tema foi
pessoal, equipamentos e insumos de forma pré- abordado em DNPCED10 e FUNASA13. Além
via, garantindo assim suas aquisições em tempo disso, o controle legal está relacionado com a “co-
hábil. É importante também que as ações de con- leta e destinação adequada de resíduos sólidos,
trole vetorial sejam planejadas e executadas de regulamentação de atividades econômicas críti-
forma intersetorial, promovendo a articulação cas (ferro-velho, borracharias), limpeza de terre-
entre diversos setores municipais (educação, lim- nos baldios e educação ambiental”13.
peza urbana, saneamento etc.) e permanente10. Com relação ao controle mecânico, esse tema
Somente DNPCED10 apresenta informações foi abordado em DNPCED10 e FUNASA13. De
sobre vigilância sanitária. As duas áreas de atua- acordo com o documento13:
ção da vigilância sanitária no controle da dengue o controle mecânico compreende técnicas bas-
são: i) fiscalização sanitária; e, ii) manejo am- tante simples e eficazes, representando algumas
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Ao analisarem os fatores de risco para a ocor- ses certamente será mais efetivo se os gestores
rência de dengue, Rivera e Rodríguez17 relatam compreenderem a importância dos serviços de
que as densidades vetoriais aumentam com as saneamento para a promoção da saúde pública,
práticas de armazenamento de água, em função levando em consideração a análise interdiscipli-
da intermitência da falta de abastecimento de nar do território”.
água, e com o aumento de uso de recipientes que A falta de medidas preventivas de saneamen-
acumulam água, como pneus e materiais descar- to, sejam estruturais e estruturantes, resultam no
táveis. aumento do risco de ocorrência de arboviroses
O acúmulo de resíduos sólidos também se urbanas e mesmo de epidemias. Esses fatos justi-
destaca como um fator de risco. Os autores ao ficam a intensificação do uso de modelo químico
encontrarem relação entre o gerenciamento de para o controle do mosquito Aedes aegypti. En-
resíduos sólidos e a ocorrência de dengue, apon- tretanto, a adoção dessa tecnologia necessita de
tam para a importância de se implantar uma ges- recursos financeiros elevados, traz riscos à saúde
tão de resíduos sólidos adequada nos municípios ambiental e humana e tem se mostrado ineficaz.
como uma ação estratégica para reduzir os casos Em face das pesquisas que relacionam os
de dengue18. componentes do saneamento básico como fatores
Ao analisar as componentes do saneamento de risco para a ocorrência de arboviroses urba-
drenagem e manejo das águas pluviais e o esgo- nas, esperava-se que os instrumentos norteadores
tamento sanitário nos instrumentos norteadores das políticas públicas no âmbito do enfrentamen-
das políticas públicas no âmbito do enfrentamen- to às arboviroses urbanas no Brasil apresentas-
to às arboviroses urbanas no Brasil, não foram sem maior interface entre os assuntos. Afinal, a
identificadas menções sobre esses componentes abordagem intersetorial é essencial. Segundo os
nos documentos analisados. autores, o combate à dengue extrapola a área de
saúde e é influenciado pela situação inadequada
de saneamento21.
Discussão Há necessidade da elaboração, implantação e
implementação de políticas públicas articuladas,
Diante da importância das ações em saneamento nas três esferas de governo e que considerem me-
para o monitoramento e controle desse mosquito, didas eficazes de saneamento básico. Como por
observa-se que essa temática é pouco abordada exemplo, a coleta regular de resíduos sólidos, para
nos documentos analisados, afinal, as arboviro- reversão do quadro atual das arboviroses urbanas,
ses urbanas estão relacionadas às DRSAI. De fato, promovendo o controle do vetor e a prevenção de
uma vez que se consideram as arboviroses urbanas doenças, complicações e óbitos no país.
como DRSAI, a busca por melhorias na prestação Nesse sentido, entre os componentes de sa-
dos serviços de saneamento deve ser uma cons- neamento básico, ressalta-se que existem estudos
tante para amenizar a proliferação e a ocorrência que já relacionam as estruturas de drenagem e
das arboviroses urbanas. De acordo com Funda- manejo das águas pluviais como locais propícios
ção Oswaldo Cruz (Fiocruz), a articulação entre para a presença de focos de proliferação do mos-
os componentes do saneamento com as dimen- quito Aedes aegypti e Aedes albopictus22-27. No en-
sões ambientais e da saúde tornam-se necessárias tanto, não há menção sobre a drenagem e manejo
para se atingir a promoção de territórios susten- das águas pluviais nos documentos analisados.
táveis e saudáveis19. Afinal, apesar da conhecida Além disso, a drenagem e manejo das águas plu-
relação entre saúde e saneamento, a compreensão viais precisa ter maior visibilidade entre os inves-
dessa associação apresenta lacunas que se tornam timentos municipais. Haja vista que as mudanças
entraves para a melhoria da saúde por parte dos climáticas têm propiciado eventos extremos de
beneficiados dos serviços de saneamento19. pluviosidade, com maior frequência e intensida-
A Fiocruz considera ainda que as práticas e de causando perdas decorrentes de enchentes e
políticas de saneamento são ineficazes em razão inundações e ocasionando ambientes favoráveis
da necessidade de se envolver outros fatores e por para a proliferação de vetores.
desconsiderar as condições futuras de manuten- Ressalta-se ainda a discrepância observada
ção das intervenções de saneamento, de planeja- entre a incidência da ocorrência de arboviroses
mento, a participação social, bem como a visão urbanas na área urbana em detrimento da área
antiga de ser tecnicista e voltada somente para rural. Fato é que se observa um processo de ur-
as questões de engenharia do saneamento19. Para banização sem planejamento, afetando princi-
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Colaboradores
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