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Agradecimentos
Prefácio da Autora
Introdução
PARTE 1
A ESTRUTURA DA HISTÓRIA
Juntando as Ideias
A Estrutura em Três Atos: Por Que e Como Utilizá-la
O Segundo Ato: Como Mantê-lo em Movimento
Como Criar Cenas
Criando um Roteiro Coeso
PARTE 2
O DESENVOLVIMENTO DA IDEIA
PARTE 4
ESTUDO DE CASO
Epílogo
Linda Seger
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AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos
Ao Dr. Leonard Felder, pelo título, e por editar a segunda edição deste livro;
À Cynthia Vartan, por editar a primeira edição deste livro;
À Dara Marks por sua franca interação com o material, encorajamento e apoio constante;
Aos revisores da segunda edição — Sharon Cobb, Carolyn Miller e Treva Silverman e aos
revisores da primeira edição — Mary Beth Gaik, Mark Gerson e Lindsay Smith. Agradeço a vocês
por suas idéias, contribuições e por toda ajuda;
À Cathleen Loeser e a Chris Vogler, pela ajuda com o capítulo 6;
A Bill Kelley e David Bombyk, pelas informações e pelos dois memoráveis jantares, quando
trocamos idéias, sobre o filme A Testemunha. À Pamela e a Earl Wallace, que me forneceram as
informações adicionais para essa segunda edição;
À Columbia Pictures e a Larry Gelbart, Don McGuire e Murray Schisgal, por permitirem as
citações do roteiro de Tootsie;
À Horizon Films, pela permissão de uso das citações extraídas do roteiro de Uma Aventura na
África;
À Universal/MCA e a Peter Benchley, pela permissão de uso das citações extraídas do roteiro
de Tubarão; à Universal e à Ambling Entertaine-ment, a Bob Gale e Robert Zemeckis pela
permissão de uso das citações extraídas do roteiro do filme De volta para o Futuros
À Paramount Pictures, pela permissão de uso das citações extraídas do roteiro do filme A
Testemunha;
A George Lucas e à Lucas Film Ttd, pela permissão de uso das citações extraídas do roteiro do
filme Os caçadores da Arca Perdida.
E, como sempre, ao meu marido, Peter Le Var, por sua constante afeição, por seu amor e por
todas aquelas maravilhosas mensagens nas costas, que me ajudaram a continuar a escrever.
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PREFÁCIO DA AUTORA
Quando escrevi a primeira edição de Como Aprimorar um Bom Roteiro, já existiam inúmeros
livros sobre redação de roteiros no mercado. Porém, notei que nenhum deles discutia o importante
processo que explica como reescrever um roteiro. Assim, decidi voltar o foco do meu livro para
esse processo. Entretanto, tão logo comecei a receber comentários de leitores sobre o livro, descobri,
para minha surpresa, que estava sendo muito usado não só por roteiristas que queriam aprender
a escrever um roteiro, mas também por roteiristas mais experientes, ganhadores de Oscars, que
encontravam problemas com o processo de reescrita.
A primeira edição, contudo, não fornecia todas as informações necessárias para quem quisesse
criar um roteiro, desde o primeiro rascunho até o roteiro final, utilizado durante as filmagens.
Faltava o primeiro passo do processo de escrita: juntar as idéias. Outro assunto muitos não havia
sido abordado era a criação das cenas. Assim, decidi que já era tempo de fazer uma nova edição.
Uma vez que a primeira sem dúvida alguma, estava sendo bastante útil para muitos roteiristas,
queria torná-la o mais completa possível, sem mexer naquilo que já estava bom.
A segunda edição é essencialmente igual a primeira. A diferença está no acréscimo de dois
capítulos novos, de alguns exemplos de filmes mais atuais e de informações adicionais nos capítulos
existentes. Nesta edição o leitor encontrará uma discussão mais ampla sobre o tema, a sequência
de créditos, a cena central e a montagem. Mantive os exemplos principais pois se baseiam em três
filmes que desafiam a passagem do tempo: Uma aventura na África, A Testemunha e Tootsie. Na
primeira edição não tive permissão para fazer citações do filme A Testemunha. Nessa edição a
Paramount Studios gentilmente me concedeu permissão para fazer uso do roteiro, o que permitiu
que eu pudesse desenvolver ainda mais os conceitos mostrados na primeira edição.
Agradeço a todos os leitores que elogiaram a primeira edição, e espero que continuem a apreciar
e aprender Como Aprimorar um Bom Roteiro.
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INTRODUÇÃO
Não basta somente uma boa idéia para a criação de um grande roteiro. Também de nada adianta
apenas colocar essa idéia no papel. Na redação de roteiros, mais do que em qualquer outra forma
de redação, o que faz com que um bom roteiro se torne excelente não é só o modo como ele é
escrito, mas também como é reescrito.
Os princípios que regem o processo de redação de roteiros são basicamente os mesmos
empregados no processo de reescrita. Se você estiver escrevendo seu primeiro roteiro, este livro irá
ajudá-lo a desenvolver sua habilidade de criar histórias dramáticas e interessantes. Se já for um
escritor experiente, este livro irá ajudá-lo a articular aquelas habilidades que você intuitivamente
já utiliza. E se você, por acaso, estiver sentindo uma enorme dificuldade em avançar no processo
de reescrita de algum roteiro, sem saber ao certo que rumo deve tomar, este livro irá ajudá-lo a
analisar e superar esse obstáculo, resolvendo os eventuais problemas existentes e fazendo com que
você retome o caminho certo.
Este livro irá conduzi-lo ao longo de todo o processo, desde o momento em que surge a primeira
centelha de uma idéia, até o final do processo de reescrita de um roteiro. Quando você começa a
escrever, precisa saber como organizar suas idéias, como criar uma história interessante, como
criar personagens bem dimensionados, que tenham apelo e mereçam sua atenção por umas duas
horas. Mas, acima de tudo, você precisa saber como reescrever seu roteiro quando estiver terminado
— pois, se você escrever um roteiro, pode ter certeza que precisará reescrevê-lo. Faz parte da
natureza do negócio. A não ser que você seja um escritor que só escreve para si mesmo, e depois
guarda seus roteiros no fundo da gaveta, você se pegará revisando e reescrevendo seus roteiros por
inúmeras vezes.
A primeira vez, você vai reescrevê-lo para deixar o primeiro esboço “redondinho”. Então, seus
amigos lhe darão algumas sugestões e você vai reescrevê-lo de novo, para deixá-lo um pouco
melhor. Seu agente certamente vai lhe dar algumas sugestões também, visando aumentar o apelo
comercial do roteiro, e você, mais uma vez, vai reescrevê-lo para incorporar essas ideias. O produtor
e o patrocinador vão pedir que você o reescreva, pois também querem ver sua participação refletida
no roteiro. E ainda tem os atores, que lhe trarão outro tipo de ideias, dizendo o que “funciona bem
para eles”, e por isso também vão pedir que você altere “uma coisinha aqui e outra acolá”.
Ora, tudo isso é maravilhoso, desde que você saiba o que reescrever, e tenha certeza de que cada
vez que fizer isso estará melhorando seu roteiro. Porém, infelizmente, é rarissimo ver isto acontecer.
Na verdade, muitos se sentem como aquele cara que resolveu ser um roteirista porque já estava
cansado de ver tanta coisa ruim na televisão e no cinema. “Com certeza posso fazer bem melhor
que isso!”, pensou ele. Certo dia, depois de submeter seu roteiro a um produtor, e de vê-lo ser
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recusado, ele protestou: “Mas este roteiro é muito melhor do que tudo que já vi!”. “Com certeza”,
respondeu o produtor, “Qualquer um pode escrever coisa melhor que os roteiros que você tem
visto. O segredo não é só escrever, mas escrever de um modo tão brilhante que, mesmo depois que
toda a equipe arruinar seu roteiro, tentando reescrevê-lo, ele ainda assim mereça ser produzido.”
Esta é a mais pura verdade. Muitos roteiros vão piorando, e não melhorando, a cada vez que são
reescritos. Quanto mais se afastam do original, mais confusos se tornam. Parece que que começam
a perder sua mágica. Lá pela quinta vez em que é reescrito, o ritmo se perde, e alguns elementos
começam a não fazer mais sentido. Depois de umas 10 tentativas de reescrevê-lo, a história ficará
totalmente diferente, e ninguém mais vai se interessar me fazer o filme.
A solução parece bem simples: “Ora, não reescreva!”. Infelizmente, você não tem essa opção. A
maior parte dos roteiros, mesmo o que contam com toda a magia e criatividade que se possa
colocar no primeiro esboço, não ficam bons logo de cara. Alguns são redundantes, outros são
muito longos e fica impossível transformá-los num bom filme, que possa ser comercializado. Às
vezes, falta alguma coisa na criação de determinada passagem – desenvolver mais algum, completar
uma linha de diálogo do personagem, finalizar um enredo secundário. Alguns roteiristas tem no
primeiro esboço apenas a semente de uma ideia que só vai nascer e desabrochar se o escritor
mergulhar mais fundo na história. Sem passar pelo processo de ser reescrito, todas essas questões
permanecem sem solução.
Portanto, qual seria a resposta para essa questão? Ou melhor, será que existe mesmo uma
resposta? Ora, a solução não é assim tão dificil quanto parece: basta reescrever apenas o que não
ficou bom e deixar o resto como estava. O difícil é se limitar a fazer isto, pois temos que resistir a
tentação de ficar trabalhando o texto cada vez mais, num processo que parece não ter fim. Significa
também não se deixar levar por alguma ideia nova e diferente, que pode até ser muito boa, mas
não resolve o problema que estamos tentando solucionar. Em outras palavras, resume-se em
mofificar apenas aquilo que não ficou bom, em vez de ficar mexendo no roteiro todo. Isto significa
que devemos nos ater à ideia criativa original do roteirista, que por sinal já é “muito boa, obrigado”.
As sugestões devem apenas ajudar a manter o roteiro em sua “trilha original”, e não permitir que
se desvie dela.
Mas como fazer isso? Este livro foi escrito justamente para tratar desse assunto. Seu intuito é
definir o que significa “manter-se na trilha” e determinar quais são as diretrizes que se deve seguir,
para fazer com que um bom roteiro fique ainda melhor. Foi concebido para ensinar como se fazer
para escrever e reescrever um roteiro com eficiência e rapidez, sem perder ao longo desse processo
a magia da criação, desde o primeiro esboço até o roteiro final, que será usado na filmagem.
O foco do meu trabalho como consultora de roteiros tem sido, quase que exclusivamente, trazer
roteiros para a trilha certa, resolvendo os problemas, mas preservando sua criatividade original.
Tenho trabalhado dessa forma com centenas de roteiros de filmes para cinema e televisão, desde
miniséries, novelas, filmes de terror, aventura, sitcoms e comédias de modo geral, dramas e até
filmes de fantasia. O desafio é sempre o mesmo: como fazer com que o próximo esboço do roteiro
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fique bom. O processo também é o mesmo, não importa com quem eu esteja trabalhando:
roteiristas, produtores, diretores ou executivos da indústria de entretenimento. Juntos, analisamos
quais são as dificuldades, definimos os conceitos a serem trabalhados, e procuramos soluções para
que o esboço fique bom. Já trabalhei com inúmeras pessoas dentre as mais criativas e bem sucedidas
nesse ramo, e percebi que problemas na hora de escrever e reescrever roteiros podem acontecer
com todo mundo, mesmo com os mais experientes.
Geralmente, as dificuldades surgem porque os problemas não foram devidamente detectados
ou analisados, antes de começar a reescrever o roteiro. Em decorrência disso, muitas vezes o diretor
vem e manda reescrever o segundo ato, por exemplo. Mesmo assim ele continua insatisfeito, e
conclui então que o problema é com o personagem principal. Daí, novas alterações são feitas
visando resolver essa questão. Em seguida, mais modificações são introduzidas na tentativa de
consertar o enredo secundário. Mas o enredo secundário, depois de reescrito, acaba tirando o
roteiro principal dos trilhos, e daí começa tudo de novo.
Como roteiro só funciona como um todo, é claro que as alterações feitas em uma parte afetam
as demais. Meu trabalho como consultora é identificar e analisar esse tipo de problema, antes de
começar a reescrever um roteiro, e trabalhar em conjunto com todos os envolvidos no processo de
criação para que os problemas sejam de fato resolvidos. Descobri que o processo de reescrever
roteiros não é algo indefinido, mágico, ou aleatório, que pode ou não funcionar. Existem elementos
bem específicos que são indispensáveis para aprimorar um bom roteiro, elementos esses que
podem e devem ser conscientemente analisados e melhorados.
Naturalmente, como cada roteiro é único, os problemas que surgem são diferentes. Seria
impossível escrever um livro com todos os passos para a criação de um roteiro perfeito. O processo
de criação não segue um esquema rígido, e este livro não foi concebido para fornecer regras e
formulas que possam ser seguidas mecanicamente.
Entretanto, posso afirmar, pela minha experiência como consultora, que os tipos de problemas
que surgem nos roteiros são recorrentes. São problemas de expressão, problemas com o momentum
ou problemas com uma ideia específica que não foi suficientemente desenvolvida. São problemas
que podem fazer a diferença entre vender um roteiro e receber mais uma carta de recusa, ou entre
o sucesso comercial e o fracasso de bilheteria.
Para compreender melhor como esses problemas foram resolvidos nos grandes roteiros vou
tomar como exemplo alguns dos filmes mais primorosos e bem sucedidos. Muitos são os mesmos
que serviram de exemplo na primeira edição desse livro, mas dessa vez me concentrei em alguns
deles, como: A testemunha, Uma aventura na África e Tootsie. Esses são filmes que escapam à
barreira do tempo, servem como ótima fonte de aprendizado, além de serem um bom
entretenimento, pois podem ser assistidos várias vezes, sem cansar, só de estudá-los muito se
aprende sobre a arte e o ofício de escrever roteiros. Eu me utilizo também de exemplos tirados dos
filmes Tubarão, Guerra nas Estrelas e De volta para o futuro, que continuam a ser os melhores
filmes para ajudar a compreender questões relacionadas a prognóstico dos problemas e desfechos.
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Acrescentei, nesta edição, um exemplo extraído do filme Os caçadores da Arca Perdida, e fiz
comentários sobre alguns filmes mais recentes, como Os imperdoáveis, A lista de Schlinder e O
fugitivo. Além desses, faço menções menos detalhadas a filmes como E o vento levou, Atração
fatal, O caça fantasmas e Por favor, matem minha mulher. Todos foram sucessos de bilheteria e
conseguiram algum elogio da crítica. Além disso, particularmente os considero ótimos exemplos
para quem quer aprender a fazer filmes. São filmes muito bem estruturados, com ideias bem
trabalhadas e personagens bem dimensionados. Contudo, não são fórmulas: são filmes criativos,
artísticos e bem elaborados. Para aqueles que não assistiram, recomendo que o façam. Você deve
procurar se familiarizar com eles, pois, em cada capítulo vamos analisar algumas de suas
características com alguma profundidade. Pode estar certo de que, além de descobrir porque
foram tão bem sucedidos e como isso aconteceu, você também vai se divertir.
Acredito piamente que, para criar um bom filme, que tenha alguma coisa a dizer e que seja de
boa qualidade, duas coisas são necessárias: um roteiro bem escrito e que passe por um processo
bem trabalhado na hora de ser reescrito. Com alguma criatividade e uma boa ideia é possível fazer
um bom roteiro. Mas o objetivo desse livro, no entanto, vai além disto. Queremos mostrar como
aprimorar um bom roteiro. Mãos à obra!
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PARTE 1
A ESTRUTURA DA HISTÓRIA
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CAPITULO 1
JUNTANDO AS IDÉIAS
Vamos imaginar que você seja um roteirista e acaba de ter uma idéia genial para um filme. Acha
que sua idéia é incrível e que o filme tem potencial para ser tão bom quanto o E.T. e tão original
quanto Os Caça-Fantasmas, tão tocante quanto Conduzindo Miss Daisy. Alguns trechos da ação
são formidáveis, lembram o filme Duro de Matar, e um pouco talvez do estilo de Os Imperdoáveis.
Voce já sabe que para fazer um filme não basta ter uma boa idéia: a produção também é muito
importante. Você quer fazer tudo certo. Por onde deve começar, então?
Imagine agora que você seja um produtor e acaba de ler um artigo que lhe deu algumas idéias
para um filme. Porém, antes de contratar um roteirista para desenvolvê-las, quer organizá-las
melhor. Você quer ser coerente e criar uma linha de ação dramática sólida e eficaz. Mas como fazer
isto?
Ou, então, imagine-se no papel de um diretor. Nunca fez um roteiro na vida, mas há quase dois
anos tem uma linha de ação dramática que não pára de martelar na sua cabeça. Você quer colocá-
la no papel, em formato de tratamento ou roteiro. Quem sabe, então, você possa encontrar um
roteirista para ajudá-lo com isso. Mas por onde deve começar?
As idéias raramente surgem completas. A maior parte dos roteiros nasce de um lampejo criativo,
de fragmentos de imagens. Talvez comece com algum tema específico que você pretenda explorar.
Pode ser também que comece com algum personagem que você tenha conhecido ou imaginado.
Quem sabe são fragmentos de uma história que sempre lhe vêm à mente, e que estão pedindo para
serem contados. Pode ser até algo tão simples quanto uma ideia de apenas uma linha — "Algo
sobre circos” — ou quem sabe algo mais complexo como um épico — "Uma história que meu avô
me contou sobre as batalhas da Revolução Russa. Em algum ponto entre o momento em que a
ideia surge e as 120 páginas de um roteiro, essa idéia precisa tomar corpo. A história tem que
tomar forma, ganhar vida por intermédio dos personagens, ser construida através de imagens e
emoções, ser entrelaçada com outras idéias. É a forma como isso é feito que determina se o roteiro
será uma confusão total, um roteiro razoável ou uma verdadeira obra de arte.
Como acontece com toda forma de arte, o processo de escrever um roteiro começa com um
certo caos. As idéias ainda estão incompletas. A linha de ação dramática ainda não está bem
definida e, a qualquer momento, pode desembocar em um beco sem saída. Os personagens podem
parecer inconsistentes, unidimensionais, previsíveis demais ou muito parecidos com algum outro
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personagem que você já viu mais de cem vezes. Você ainda não sabe bem o que já tem nas mãos,
e principalmente não sabe onde pode chegar.
Esse processo envolve uma progressão continua do caos para a ordem.
A velocidade desta progressão depende de vários fatores: de quão rápido você escreve; do
quanto já domina o processo e a arte de escrever; de quão disciplinado você é; do grau de
complexidade que sua ideia apresenta; de quanta pesquisa você precisará fazer e do quanto valoriza
seu próprio processo criativo. Alguns conseguem pensar rápido, ser mais organizados, ter idéias
que fluem mais rápido do que sua capacidade de anotá-las. Já outros precisam de tempo para
amadurecer suas idéias. Não existe uma fórmula pronta para ser criativo. Não existe um processo
que seja único e que se aplique a todos indistintamente.
ORGANIZANDO AS IDÉIAS
Existem muitas formas de dar início a um ordenamento sistematizado de suas idéias. Alguns
roteiristas preferem ficar pensando em suas idéias durante algum tempo, brincar um pouco com
elas, antes de começar a escrever. Mas é importante escrevê-las no papel, para que possa ver o que
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você já conseguiu obter, e decidir para onde deseja ir. Anotar suas idéias é fundamental também
porque desocupa espaço em sua mente, criando condições para que novas idéias surjam. Boas
idéias chamam novas idéias e assim — eureca! — a história começa a tomar forma.
Um roteiro pode ser dividido em cinco partes: a linha de ação dramática, os personagens, a
idéia central, as imagens e os diálogos.
Cada um desses elementos vai tomando forma em etapas distintas do processo. Há pessoas que
têm mais facilidade em lidar com personagens, e assim podem iniciar seu trabalho por determinada
personagem que imaginaram. Elas deixam a história vir à tona à medida que vão descobrindo as
decisões e ações das personagens.
Outras preferem começar pela história. Ficam intrigadas com a seqüência dos eventos. Gostam
de ação, de ver os personagens fazendo coisas emocionantes.
Já existem certos roteiristas que preferem começar por alguma idéia
específica que pretendam explorar. Talvez comecem tentando responder a uma pergunta como:
O que aconteceu naquele verão que mudou minha vida? Ou quem sabe decidam explorar temas
relacionados à justiça, identidade, ou algo voltado para o que acontece com pessoas vítimas da
ganância ou da corrupção.
De qualquer maneira, por onde quer que você comece, num dado momento terá que juntar
todos esses elementos no roteiro. E como todos eles são interligados, ao trabalhar com os
personagens, novas idéias surgem, e assim por diante.
Dessa forma, o que você está buscando é um método de juntar suas idéias, mas ao mesmo
tempo ainda mantê-las fluidas o suficiente para que não se cristalizem antes do tempo. Em outras
palavras, seu objetivo é dar todas as oportunidades para que as ideias surjam, se modifiquem e
tomem novas formas.
Para conseguir fazer isto, muitos roteiristas anotam suas ideias em fichas indexadas.
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O ESBOÇO
O esboço se resume a umas poucas linhas acerca de cada uma das cenas que compõe a história.
Você pode anotá-las em folhas de papel, no seu computador ou em folhas soltas de fichário, usando
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uma página para cada cena. Um esboço completo pode ter de 50 a 100 linhas, mas você não
precisa, necessariamente, anotar todas as cenas principais, antes de começar a escrever seu roteiro.
Se você fosse escrever o esboço da primeira parte de Uma Aventura
na África, ele ficaria assim:
1. A missão. Mostrar Rose e seu irmão na vila onde fica a missão. Charlie chega.
2. Cena mostrando o início do relacionamento entre Charlie e os irmãos missionários, Rose e
o Reverendo Samuel.
3. Os alemães chegam — matam o Reverendo Samuel e os nativos, destroem o vilarejo.
4. Charlie volta ao vilarejo. Enterra o Reverendo Samuel. Ele e Rose planejam sua fuga.
...Etc.
Com este mínimo de informação, já é possível começar a redigir o roteiro, embora alguns
roteiristas prefiram antes elaborar bem mais cada cena, recheando-as com informações sobre a
história e personagens. Ou podem optar por escrever o primeiro tratamento do roteiro.
O TRATAMENTO
Alguns roteiristas começam a escrever pelo tratamento, que é basicamente uma narrativa ou
resumo da história. Assim como um conto, o tratamento é bem curto — tendo em média de oito
a quinze páginas — e conta o início, o meio e o fim da história. Se a história lhe ocorrer de forma
completa, já de início, o primeiro tratamento é uma ótima oportunidade de colocar a narrativa
numa seqüência lógica. Ao acompanhar a linha da narrativa, você poderá verificar se a história faz
sentido, se é plausível, se tem ação suficiente, e se segue uma direção definida. Se perceber que
algum fato parece não ter relação com outro, é bem possível que você tenha se desviado e saído
por alguma tangente que não tenha nada a ver com a história. Se sua história parece não sair do
lugar, você conseguirá perceber exatamente onde está faltando mais ação. Se o clímax não estiver
bem claro, você verá que sua história não está conseguindo se estruturar, ou perdeu a direção
rumo ao final.
Se estiver escrevendo um tratamento para um estúdio ou uma produtora, o formato geralmente
solicitado costuma ter de cinco a doze páginas. No entanto, o tratamento também pode ser
empregado como uma ferramenta de criação. Alguns roteiristas usam o tratamento como forma
de escrever em fluxo de consciência, deixando todas as suas idéias aflorarem livremente. Podem
escrever, por exemplo, cinco páginas sobre o ambiente do apartamento de um dado personagem,
ou explicar por que dois dos personagens se sentem atraídos um pelo outro e, em seguida, resumir
as próximas oito cenas em apenas uma ou duas linhas. O tratamento coloca no papel a faísca
inicial da idéia. É também uma excelente oportunidade para permitir que todas as idéias venham
à tona, para começar a pegar o ritmo dos diálogos, bem como para começar a sentir um pouco o
estilo da história.
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Os tratamentos ajudam muito na elaboração da história, pois permitem que você perceba
eventuais problemas e vá reformulando a história à medida que eles vão surgindo. No entanto, é
muito importante manter o tratamento fluido, bem maleável, especialmente nos estágios iniciais,
de tal forma que ele possa ser modificado e ampliado, enquanto o texto é reescrito. Para certos
roteiristas, uma vez escrito, torna-se uma verdade absoluta. Há também quem se encante com as
aparências, com o simples fato de uma linha de ação estar escrita de forma limpa e bem organizada
no papel, ainda que no fundo ela não esteja boa. Se você também se sentir assim, evite passar suas
idéias a limpo: rabisque-as em papéis de rascunho para ter total liberdade de continuar brincando
com elas, explorá-las ao máximo, e até introduzir alguma idéia maluca no texto que, mais tarde,
você mesmo pode decidir descartar. Isto evita que você fique preso a uma determinada forma, e
faz com que se sinta livre para fazer constantes alterações em sua linha de ação, até que a uma certa
altura, você sinta que ela está “de acordo” — coerente, interessante e bem estruturada.
FAZENDO UM DIÁRIO
O tratamento é uma excelente ferramenta para se chegar a uma noção mais clara da história,
mas não é muito útil quando se trata do desenvolvimento do tema ou mesmo dos personagens.
Por isso, alguns roteiristas, antes de escrever o roteiro em si, costumam trabalhar com um diário.
Escrever uma espécie de diário dá ao roteirista uma oportunidade de explorar personagens e
temas de uma forma muito semelhante ao que ele faria, se estivesse escrevendo sobre sua própria
vida e assuntos pessoais.
Essa técnica do diário faz com que o roteirista possa penetrar mais fundo na mente de seus
personagens, descobrindo assim o que eles pensam, o que sentem, o que os incomoda, com o que
se importam e de que forma reagem. Como na vida real, em que o fato de escrever seus pensamentos
mais íntimos em um diário pode ajudá-lo a compreender melhor a si mesmo, você vai perceber
que a técnica do diário poderá ajudá-lo a conhecer melhor o íntimo dos personagens, ajudando-o
a encontrar para cada um deles um rosto e uma voz.
O diário pode ser escrito na primeira pessoa, como se você fosse o próprio personagem
descrevendo suas experiências e pensamentos. Pode também ser escrito na terceira pessoa, como
se os personagens fossem amigos seus, ou alguém a quem você estivesse observando. Pode conter
descrições de personagens, ações e relações. Você pode fazer perguntas do tipo: Quanto o
personagem ganha? Como é sua família? Em que escola se formou?
Você pode criar um personagem escrevendo sobre pessoas que conheça e procurando definir
de que forma seu personagem se assemelha a elas. Talvez possa começar a imaginar traços da
personalidade do personagem que lhe interessem, ou se perguntar por que um certo personagem
age de determinada forma ou faz o que faz. Pode ser que decida basear sua história em alguma
experiência pessoal, e comece a escrever sobre seus sentimentos em relação a alguém que o tenha
abandonado, anos atrás. Quem sabe se lembre de um romance que viveu num certo verão e resolva
escrever todos os detalhes que provocarão uma reviravolta nessa história. Algo começa a borbulhar
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dentro de sua cabeça à medida que você trabalha com suas idéias. Você fica mais entusiasmado, as
idéias vão surgindo. Talvez decida usá-las; talvez elas lhe apontem um novo rumo.
Os temas também podem ser explorados através da técnica do diário. Os roteiros contêm idéias,
e as idéias precisam ser trabalhadas, tanto quanto a história e os personagens. Se seu tema trata da
influência negativa e cada vez mais disseminada da violência (como no filme O Passado Não
Perdoa), você pode fazer anotações no diário sobre as várias formas e os diferentes níveis com que
a violência afeta os diversos personagens. Você pode escrever sobre os pesadelos de seu personagem,
quando se depara com a violência. Pode falar da estranha atração que as pessoas sentem pela
violência, que parece fazer parte de todo mundo. Pode analisar como se dá a formação de fortes
vínculos entre pessoas que vivem sob a égide da violência. Ao analisar, por exemplo, os vínculos
formados entre soldados ou vítimas de guerra, ou entre membros de gangues, estará se assegurando
que o tema escolhido está em sintonia com uma audiência contemporânea.
Da mesma forma que o tratamento o ajudará a verificar certos aspectos da história, o diário
pode ajudá-lo a penetrar no interior dos personagens e do tema.
A esta altura, você já deve ter experimentado várias dessas técnicas, e descoberto que seus
personagens começam a querer falar com você. Se isto estiver acontecendo, arrume logo um
gravador, e experimente uma outra técnica.
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simplesmente corta. Algum tempo depois, pode voltar ao gravador, para tentar captar novamente
a inspiração de um diálogo ou uma certa associação de idéias. Mesmo que não utilize exatamente
as mesmas palavras, é importante saber por que elas foram ditas naquela ordem específica.
Porém, em vez de usar todas estas técnicas que mencionamos, você pode decidir que quer
apenas se sentar e escrever. E há roteiristas que fazem exatamente isto.
PROGRAMAS DE COMPUTADOR
Vivemos na era da informática. A maior parte dos roteiristas escreve direto no computador.
Muitos costumam acessar a Internet, e se comunicar com outros roteiristas em grupos de bate-
papo. Portanto, nada mais natural que tenham surgido no mercado vários programas de
computador destinados a ajudar roteiristas a escrever e reescrever seus roteiros.
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Não estou me referindo a templates, isto é, programas para formatar roteiros (como o Scriptoor,
o MovieMaster ou o Scriptwrite), mas sim a programas destinados a auxiliá-lo na organização e
preparação para escrever seu roteiro. (Quando escrevi este livro, estavam disponíveis no mercado
o Collaborator, o Storyline e o Dramatica). Há muita controvérsia em relação a estes programas.
Alguns acham que são muito limitantes, como aqueles livros de desenho em que as crianças têm
de seguir os números. Estes programas dizem ao roteirista onde ele deve colocar cada elemento, e
lhe asseguram que, se seguir direitinho todos os passos, terá em mãos um roteiro “perfeito .
Outros vêem nesses programas uma espécie de catalisador para sua criatividade. Servem como
guias para mantê-los na rota e indicar qual deve ser seu próximo passo.
O que estes programas de roteiro fazem de fato? Quando podem ser úteis? Com o que você
precisa tomar cuidado?
Um programa desses no mínimo ajuda você a organizar suas idéias e a colocar toda a informação
de que dispõe num só lugar. Ao contrário das fichas, que você precisa escrever e reescrever, ou dos
blocos de rascunho com aquelas anotações extensas, num programa desses toda a informação
relativa à história, aos personagens, à locação e ao tema, tudo, rigorosamente tudo, está reunido
em um único lugar, onde pode ser modificado por diversas vezes, à medida que idéias novas forem
surgindo.
Um programa desses também poderá ajudá-lo a perceber as questões que você precisa solucionar,
enquanto escreve o roteiro. Existem centenas, senão milhares, de elementos que contribuem para
fazer com que um roteiro dê certo. Os roteiristas mais experientes conhecem esses elementos
inconscientemente, mas um novato ainda não dispõe desta percepção. Esses programas de roteiro
perguntam o tempo todo ao roteirista: Você já resolveu os problemas da biografia do seu
personagem? Você sabe o que seu personagem quer e que ações vai tomar para conseguir o que
deseja? Qual é o conflito? Quais são os problemas que seu personagem terá que resolver? Quem
será sua audiência? As decisões do seu personagem fazem sentido? Quais são os traços da
personalidade dos personagens principais e coadjuvantes?
Muitas dessas perguntas são bem parecidas com as que você encontrará no final de cada capítulo
deste livro. Da mesma forma que as perguntas do livro, sua finalidade é manter o roteirista a par
das questões que precisam ser resolvidas, fazendo assim com que o roteiro dê certo.
Um bom programa trabalha como um parceiro ou alguém que o ajude a levar suas idéias em
frente. Muitos deles trazem definições, informações, análise de roteiros famosos e mostram como
os vários elementos se relacionam nesses roteiros. Desta forma, esses programas servem, ao mesmo
tempo, como recursos para aprendizagem e como ferramentas para o processo de escrita.
Alguns deles ainda possibilitam que você brinque com suas idéias. A maioria é programada
para fazer certas perguntas em vários pontos do processo de criação da sua história. Muitos
organizam o material de tal forma que você consegue enxergar o relacionamento entre os vários
elementos que compõem o roteiro.
Lembre-se de que qualquer programa é baseado na teoria dramática adotada por seu idealizador.
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Você terá que aprender o vocabulário utilizado por quem idealizou o programa. Assim, antes de
começar a escrever, talvez você tenha que estudar alguns conceitos.
Qualquer programa sempre tem uma certa lógica implícita. Um programa de computador só
pode ser construído de forma lógica, ainda que alguns roteiristas adotem certas abordagens não-
racionais para a escrita de roteiros. Talvez você queira começar a construir seu personagem a
partir de um diálogo, ou de algum aspecto relacionado ao ritmo ou à energia do personagem, ou
ainda por algo relacionado à forma como ele se veste, por exemplo. Porém, quando começar a
fazer perguntas sobre o personagem, verá que as perguntas são sempre as mesmas, o que pode
levá-lo a pensar que exista somente um processo de criação. Isso acontece pelo fato de o programa
não poder levar em conta as centenas de diferentes pontos de partida que um roteirista possa
adotar, ou os milhares de diferentes processos que redundam em bons roteiros.
No final das contas, o teste para qualquer método consiste em verificar se ele é ou não uma
ferramenta útil e eficiente para você. Qualquer que seja o método, será tão bom quanto o talento
da pessoa que o utiliza. Se a pessoa se deixar limitar por um programa, acabará conseguindo
chegar a um roteiro, mas provavelmente acabará com um roteiro previsível, sem a menor
originalidade. Portanto, esteja certo de uma coisa: se determinado método não o ajuda a moldar e
estruturar sua história, nem a criar personagens cativantes e envolventes, com certeza esse método
não é para você. Um bom método deve deixar espaço e flexibilidade suficientes para que você
desenvolva seu próprio processo criativo. Deve funcionar como um parceiro de criação, ajudando-o
a resolver seus problemas bem como dar forma ao seu roteiro.
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Para a maioria dos roteiristas, o processo de escrever um roteiro, desde a primeira idéia até o
primeiro tratamento, leva cerca de três a seis meses, embora haja roteiristas que cheguem a levar
um ano ou até mais. Pode até ser que alguns levem uns cinco anos. Também já conheci outros que
conseguiram escrever um roteiro em três semanas. O próprio processo de reescrever o roteiro
pode demorar em torno de duas semanas ou até dois anos, quem sabe. Isso não importa. Não há
um tempo fixo que deva ser obedecido durante a criação de um roteiro. Também não existe um
jeito certo ou um jeito errado para se fazer isso, pois não existe um único processo de criação.
APLICAÇÃO
Há uma razão para você estar escrevendo um roteiro. Também há certas perguntas que pode
fazer e que irão ajudá-lo a permanecer em contato com sua paixão, sua criatividade e com o
método que seja melhor para preparar seus pensamentos para começar a escrever.
Portanto, antes de começar a escrever seu roteiro, pergunte a si mesmo:
■ O que me leva a querer escrever este roteiro?
■ Já refleti bem a respeito de todos os elementos do roteiro — a história, os personagens, o
tema, as imagens, os diálogos?
■ Consigo ouvir a voz dos meus personagens? Eles já estão começando a falar comigo, de
forma que eu possa ter verdadeiros personagens falando, quando começar a escrever os diálogos?
■ Gastei tempo suficiente explorando as possibilidades da história e dos personagens, antes
de me apressar em escrever o roteiro?
■ Será que eu impus uma série de regras à minha história e aos meus personagens ou permiti
que fossem evoluindo naturalmente?
■ Estou concentrando o foco naquilo que me comove, em minha arte, naquilo que realmente
quero dizer? Ou estou mais preocupado com aspectos comerciais, relacionados ao marketing, à
fama ou a quanto dinheiro esse roteiro irá me render? Estou pensando apenas em ganhar prêmios
ou já me daria por satisfeito com uma simples indicação?
■ Estou me lembrando de manter os olhos no processo em vez de ficar tentado a encontrar
soluções rápidas?
Depois que tiver passado por toda essa fase de preparação, você estará pronto para começar a
escrever seu roteiro. Quando tiver chegado a este ponto, estará pronto para dar uma estrutura e
uma forma dramática para sua história. Estará pronto para moldar o início, o meio e o fim do seu
roteiro.
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CAPÍTULO 2
Imagine que você é um escritor que acaba de escrever um roteiro maravilhoso. O roteiro é de
fato muito bom, e você sabe disso. Inclusive já o mostrou a vários amigos, que disseram ter achado
seu roteiro melhor do que o do filme E. T., o Extraterrestre. Mas lá no fundo você não está assim
tão seguro. Ainda acha que há algo de errado nele. Em algum ponto, talvez no segundo ato, parece
que os elementos não estão se encaixando muito bem. Alguma coisa não bate. As coisas não
parecem estar como deveriam e você começa a ter uma série de dúvidas sobre seu trabalho.
Outro caso comum é o do produtor que deseja desesperadamente conseguir a opção para um
determinado roteiro muito engraçado, único no gênero, e perfeito para ser encenado por um dos
artistas mais badalados da cidade. Contudo, por algum motivo, o roteiro parece ter algo de
estranho. Não tem consistência. O final é muito melhor do que o começo. Além disso, tem uma
quantidade excessiva de personagens. Você não quer perder este negócio, mas, ao mesmo tempo,
não pode se comprometer com a opção de uma história que não dê certo.
Suponha que você seja um diretor de produção que deve começar as filmagens em menos de
três semanas. O roteiro do filme, que já conta com 138 páginas, ainda está sendo terminado, o
segundo ato está atrasado, e a estrela do filme não gosta da forma como seu personagem aparece
neste ato.
Todas essas situações são corriqueiras, e precisam ser resolvidas para que um roteiro fique bom.
Estes problemas geralmente são estruturais. Não é a história que é ruim; o problema está na
construção dessa história. O fato é que o roteiro ainda não está bom; mas, por onde começar a
consertá-lo?
Desde os primórdios, as peças de teatro tendem a seguir uma estrutura em três atos. A começar
pela tragédia grega, passando pelas peças de Shakespeare, pelas séries dramáticas, ou pelos Movie-
of-the-Week, o que se observa é sempre a clássica estrutura em três atos: começo, meio e fim —
que também pode ser definida como: apresentação, confrontação e resolução.
Na maior parte das peças em três atos, essa divisão estrutural é nítida: a cortina desce no final
do primeiro ato, deixando claro que chegamos ao fim da apresentação. O mesmo ocorre no final
do segundo ato, marcando o término da confrontação. E a seguir, temos o terceiro ato, que caminha
em direção ao clímax e à resolução.
A televisão, a fim de possibilitar a exibição de comerciais, interrompe artificialmente sua
programação, criando estruturas de dois atos (para os sitcoms) de sete atos para os filmes de longa
metragem (com duas horas de duração), ou de quatro atos para novelas e seriados. Mesmo assim,
apesar desses cortes artificiais, num bom espetáculo de televisão dá para perceber a clássica
estrutura de três atos, com uma clara apresentação, uma confrontação e uma resolução.
Embora nos filmes de cinema a exibição nunca seja interrompida, também encontramos esta
mesma estrutura em três atos, o que ajuda na dinâmica e no foco da história. Em conseqüência
dessa estrutura estar presente em todas as formas de arte dramática, os mesmos comentários que
faço a respeito da estrutura de filmes de cinema aplicam-se também para a televisão e o teatro.
Na elaboração de um filme, esses atos normalmente compreendem: de dez a quinze páginas
para a apresentação da história, seguidas de mais umas vinte páginas de confrontação no primeiro
ato; a seguir, um longo segundo ato de quarenta e cinco a sessenta páginas e, por fim, um terceiro
ato mais rápido, de vinte a trinta e cinco páginas. Cada ato tem um foco diferente. A passagem de
um ato para outro normalmente se dá através de uma ação ou evento denominado ponto de
virada. Se fizéssemos um gráfico para mostrar essa estrutura em três atos, chegaríamos ao seguinte
esquema:
Cada parte desta estrutura tem uma finalidade diferente. A apresentação atinge objetivos
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diversos do segundo ponto de virada. O mesmo se pode dizer do desenvolvimento dos dois
primeiros atos, que é bem diverso. O ritmo do terceiro ato é geralmente mais rápido do que nos
precedentes.
É mais fácil reformular um roteiro após termos identificado e nos concentrado na apresentação,
nos pontos de virada e na resolução.
A APRESENTAÇÃO
Os primeiros minutos da história são os mais importantes. Muitos roteiros têm problemas
justamente nestes primeiros momentos, por não apresentar a história de modo claro, por não se
focalizar bem nela, ou até mesmo por apresentar tudo, menos a própria história.
O objetivo da apresentação é passar aquelas informações vitais, de que precisamos para
compreender a história. Quem são os personagens principais? De que trata a história? Onde se
passa? Que tipo de história temos: uma comédia, um drama ou uma tragédia?
A apresentação existe para nos dar pistas sobre a espinha dorsal da história, ou seja, a direção
em que ela caminha. Começa focalizando a situação e traça uma linha de ação coerente. Ela dá
impulso à história e ajuda a orientar o público, para que possa assistir ao espetáculo sem ficar o
tempo todo se perguntando sobre o que o filme trata, ou o que os personagens estão fazendo, ou
por que estão fazendo isto ou aquilo.
Comece com uma imagem. Na maioria dos bons filmes, a apresentação começa com uma
imagem. A primeira coisa que visualizamos é uma imagem que nos dá uma boa noção do lugar
em que se passa o filme, do ambiente, da estrutura e, por vezes até do tema. A primeira imagem
pode mostrar uma batalha espacial (como em Guerra nas Estrelas), ou um bando de gângsteres
nas ruas de Nova York (Amor, Sublime Amor) ou uma jovem cantando nas colinas (A Noviça
Rebelde), ou ameaçadoras estátuas de leões, guardando a entrada de uma biblioteca mal-
assombrada (O Caça-Fantasmas).
Filmes que começam com um diálogo, em vez de uma imagem, são geralmente mais difíceis de
serem entendidos. Isto porque nossos olhos gravam mais rapidamente os detalhes do que nossos
ouvidos. Quando uma informação importante é transmitida verbalmente, antes que o público
tenha tido oportunidade de se habituar ao estilo, ao lugar e à parte sonora do filme, a audiência
terá dificuldades em se lembrar dessa informação verbal. Conseqüentemente, podemos acabar
não conseguindo fazer com que o público se envolva na história.
Por isso, comece sempre com uma imagem, transmitindo um sentimento, a sensação do lugar
em que se está. Procure dar uma idéia do ritmo e do estilo do filme. Conte o máximo possível
através dessa imagem. Introduza o público no clima da história. Se possível, crie uma metáfora
para o filme, apresentando o tema de modo simbólico, através das imagens mostradas nas cenas
iniciais.
Alguns dos filmes mais populares são lembrados por suas imagens vibrantes e inesquecíveis.
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para se proteger do sol. Dois jovens negros o ajudam no barco. São tão altos, magros, e graciosos
que até lembram fios de espaguete negro. Um deles, todo importante e atarefado, cuida do motor
a vapor, que exige muita atenção. O outro abana ALLNUT, que aproveita a mordomia, contente e
descontraído... O African Queen gira lentamente sua proa em direção à margem.
A imagem continua mostrando todo o rebuliço provocado pela chegada do barco e a frustração
do Pastor e de Rose, que tentam arduamente terminar o hino de modo digno, enquanto Allnutt se
aproxima, fumando seu charuto e trazendo o correio.
Vemos que a primeira imagem é rica em contrastes. Em apenas alguns minutos, fomos
apresentados aos “negros convertidos " e aos “nativos cristianizados". Conhecemos também Rose
e o Pastor, dois piedosos missionários brancos, que permanecem em franca oposição à figura de
Allnutt, o homem branco pagão que, escarrapachado em seu barco, contrasta intensamente com a
compenetrada Rose, toda perfilada na igreja. Reparamos que havia pessoas cantando e outras que
não cantavam; vimos os “brancos civilizados” tentando impor sua ordem ao “povo primitivo".
Este mundinho à parte é subitamente invadido por uma coluna de fumaça e um apito, que vão
ligar esta região isolada aos problemas de uma guerra mundial.
Procure um elemento catalisador. Depois que a imagem inicial introduz a história, precisamos
começar a apresentar os principais personagens que farão parte da trama. Precisamos ter
informações sobre a situação: Onde estamos? O que está acontecendo? E então precisamos de
algum acontecimento para dar início à história. Isto é o que costumo chamar de elemento
catalisador da história.
O elemento catalisador é o que faz a ação da história começar. Alguma coisa acontece — uma
explosão, um assassinato, uma carta que chega ou uma visita — e deste momento em diante, a
história começa a se definir. A partir deste ponto, sabemos do que trata a história, qual será sua
espinha dorsal.
O elemento catalisador é como se fosse um primeiro empurrão que faz com que o roteiro se
desenvolva. Algo acontece, alguém toma uma decisão. O personagem principal começa a agir, a
história principia.
Existem três tipos diferentes de elementos catalisadores. Os mais marcantes consistem naquelas
ações específicas que dão início à história. No filme A Testemunha, um assassinato acontece, e
John Book é chamado para solucioná-lo. Um fantasma é visto na biblioteca em O Caça-Fantasmas.
Em Tubarão, alguém é morto por um tubarão.
Às vezes o catalisador pode ser uma informação que o personagem recebe, e que nos fornece
uma pista da história. Isto acontece muito nos Movies-of-the-Week, que frequentemente tratam
de uma questão específica, ou de crimes e doenças. Por exemplo, uma senhora fica sabendo que
está com câncer; um homem recebe uma promoção ou um casal descobre que nunca poderá ter
filhos.
Muitas vezes o elemento catalisador vem a ser uma situação, uma série de incidentes que se
passam durante um certo tempo, e que nos remetem à história. Em De Volta para o Futuro, só
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ficamos sabendo que existe uma máquina do tempo após uns vinte minutos de projeção. Mas
sabemos que um dos principais personagens é um cientista maluco. Sabemos também que Marty
terá uma reunião com ele no Twin Pines Mall, e que este encontro é secreto e muito importante.
Conforme a situação vai se definindo, ficamos cada vez mais curiosos e, no final do primeiro ato,
a espinha dorsal da história torna-se evidente.
Tootsie também tem um começo baseado numa situação. Sabemos que Michael é um ator
desempregado, e que é uma pessoa com quem é difícil de se trabalhar. Ninguém quer empregá-lo
por causa de seu gênio, apesar de ser um bom ator. Ficamos sabendo que há um ótimo papel
disponível para uma atriz, numa novela. Essa situação é construída no decorrer do primeiro ato
até que, ao seu final, descobrimos o rumo da história. E a partir daí ela está pronta para ser
desenvolvida.
Levante a questão central: A apresentação da história, entretanto, ainda não está completa.
Apesar de as imagens terem nos orientado, e de o elemento catalisador ter colocado a história em
movimento, ainda falta um outro ingrediente para podermos de fato começar a história.
Toda história, num certo sentido, traz em si um mistério. Na apresentação, a história sugere
uma pergunta que só será respondida no clímax. Geralmente somos apresentados a um problema
ou a uma situação que exige uma solução. Esta situação ou problema desperta em nós algumas
perguntas. Por exemplo, ao assistir ao filme A Testemunha, geralmente perguntamos: será que
John Book vai descobrir quem é o assassino? Já no filme Uma Aventura na África, indagamos se
os alemães vão continuar seu massacre impunemente e no filme Tubarão, perguntamos se Martin
conseguirá pegar o tubarão.
Uma vez levantada a questão central, tudo o que acontecer dali por diante vai ser relacionado a
ela. Na maioria das vezes, a questão central encontra uma resposta afirmativa, quando a história
atinge seu clímax. John Book consegue pegar os criminosos, Allnutt e Rose dinamitam o Louisae
Martin pega o tubarão. No entanto, ficamos sem saber as respostas dessas perguntas até o final do
filme. Podemos até tentar adivinhar qual será o desfecho, mas continuamos presos à história, e
curiosos o tempo todo para saber o que vai acontecer.
Uma vez que a questão central é definida, a apresentação termina e a história já está pronta para
se desenvolver.
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sucesso de bilheteria. No entanto, acredito que é possível conjugar as duas coisas: fazer um filme
de arte com um roteiro muito bem elaborado, sem que uma coisa prejudique a outra. Por isso,
recomendo sempre uma apresentação curta, sem floreios, e de fácil compreensão.
Esta apresentação será seguida pelo desenvolvimento do primeiro ato. Depois da apresentação,
serão necessárias outras informações para nos conduzir na direção da história. Precisaremos saber
mais sobre os personagens e vê-los um pouco em ação, antes de podermos acompanhar a sua
evolução, no segundo ato. É provável que seja necessário conhecer um pouco da backstory dos
personagens ou da situação em torno da qual se desenrola a história. De onde vem esse personagem?
O que o motiva? Qual é o conflito central? Quem é seu antagonista?
Para analisar o primeiro ato, precisamos compreender aqueles ele-nentos dramáticos mais
importantes que nos preparam para o desenrolar da história.
Podemos definir elemento dramático como sendo um único momento dramático ou um
acontecimento dramático específico. Na música, o encadeamento de marcações ou cadências
regulares forma o que chamamos de ritmo ou compasso. Conforme vamos encadeando mais
marcações teremos um trecho de uma música, e depois uma melodia, até chegarmos a uma canção
inteira. Com a arte dramática acontece da mesma maneira. Os elementos dramáticos mais
importantes, quando reunidos, criam uma cena. Esses elementos dramáticos de uma cena somam-
se aos de outras cenas, criando um ato. Por sua vez, os elementos dramáticos principais de cada
ato juntam-se as de outros atos, criando a história.
No filme A Testemunha, foram necessários vários desses elementos dramáticos para definir a
ação central do primeiro ato, a saber, a tentativa de identificar o assassino:
■ John Book mostra a Samuel um suspeito para identificação.
■ John consegue que Rachel e Samuel fiquem mais um dia.
■ John mostra a Samuel diversos suspeitos.
■ John mostra para Samuel fotos do arquivo policial.
■ Samuel vê a foto de McFee e o identifica como sendo o assassino.
■ John Book avisa o chefe de polícia, Paul Schaeffer.
■ McFee tenta matar John e John percebe que Paul está envolvido no assassinato.
Estes elementos dramáticos não constituem o foco principal da história, mas nos preparam
para o que virá a seguir.
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de uma ação drástica — McFee tenta matar John Book. Com esta ação, John compreende que Paul
está envolvido no crime. A partir deste ponto, voltamos a nos indagar: “Será que John vai conseguir
pegar o criminoso?" A resposta que antes parecia ser um “sim”, muda agora para “pode ser que
nao".
O risco aumenta novamente. John precisa deixar este lugar; ele tem que fugir. Sua vida, pela
primeira vez, corre perigo, juntamente com as vidas de Rachel e de Samuel. Nesta hora, John
precisa tomar algumas decisões: destrói os arquivos, leva Rachel e Samuel de volta para a fazenda
e se esconde, até a situação se acalmar.
No filme A Testemunha temos o exemplo de um ponto de virada que contém dois momentos
dramáticos diferentes. O primeiro acontece quando John é baleado, e percebe que Paul é um
assassino. Isto faz a ação mudar de rumo, e encerra o primeiro ato. No entanto, ainda é necessário
outro momento dramático para passarmos ao segundo ato. Até esse ponto, a única coisa que
sabemos é que John pretende fugir. A ação do segundo ato, com a sua conseqüente permanência
na fazenda dos amish, ainda não começara. Ela se inicia quando John se recupera de seu ferimento
e guarda seu carro no estábulo, tendo que se esconder na Fazenda Lapp. Pouco antes, a intenção
de John era fugir, e o segundo ato poderia ter mostrado um homem escondido em algum hotel de
segunda categoria. Em vez disso, John se vê forçado a permanecer numa fazenda amish, e o
segundo ato se desenvolve em torno desse eixo.
Em Tootsie, o primeiro ato mostra detalhes do personagem de Michael: seu talento como ator
e professor de teatro, sua personalidade difícil, sua procura por trabalho. No primeiro ponto de
virada, aos vinte e dois minutos de filmagem, Michael se transforma em Dorothy. A partir daí, o
segundo ato se desenvolve explorando todas as mudanças, complexidades e situações inimagináveis,
que decorrem dessa transformação de um homem em uma mulher.
Em Uma Aventura na África, após cerca de trinta minutos de exibição, tendo Allnutt e Rose
fugido rumo ao desconhecido, Rose tem a idéia de dinamitar o navio alemão Louisa e Allnutt
finalmente concorda com ela. Esta decisão nos conduz ao segundo ato, que vai tratar justamente
desta intenção.
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O GRANDE FINAL
O clímax normalmente ocorre nas últimas cinco páginas do roteiro seguido por uma resolução
que dá um desfecho a todas as situações pendentes. O clímax marca o fim da história: é o grande
final. Este é o momento em que o problema é resolvido, a questão central é respondida, a tensão
desaparece e sentimos que agora tudo vai dar certo.
■ John captura Paul e, com isso, percebemos que nada mais resta senão um adeus.
■ Marty “volta ao futuro”.
■ Tootsie é descoberto sob seu disfarce, mas consegue ficar com a garota.
■ Em Os Caça-Fantasmas, o fantasma grandalhão é capturado e, no filme Tubarão, Martin e
Matt finalmente conseguem pegar o tubarão.
Uma vez alcançado o clímax, a festa chega ao fim e é hora de ir para casa. Não há mais nada a
dizer, e o melhor é não falar mais nada mesmo. Embora possa surgir a tentação de prolongar a
história, de adicionar alguma informação ou outra imagem, na realidade, o melhor a fazer é
admitir que a história terminou. Portanto, é hora de escrever simplesmente “FIM”.
Além da clássica estrutura em três atos, existem outras formas de se estruturar um roteiro.
Dentre elas, citamos dois métodos que podem ser usados na continuação do trabalho de
estruturação de um roteiro: a seqüência de créditos e a cena central.
A SEQUÊNCIA DE CRÉDITOS
Um filme pode começar de três maneiras. De acordo com a primeira delas, a maneira tradicional,
o filme começa exibindo na tela uma relação das pessoas e empresas que participaram de alguma
forma para aquela produção audiovisual. Esses créditos são exibidos por alguns minutos, para só
então dar inicio a história. Sua forma de apresentação pode ser bem simples: letras brancas sobre
um fundo preto ou vice-versa (como, por exemplo, nos filmes de Woody Allen). Também podem
seguir o estilo clássico, bastante usado nos filmes anteriores à década de 50 (e também em outros
filmes como Uma Janela para o Amor e A Idade da Inocência).
Uma segunda maneira consiste em sobrepor os créditos às imagens e ações, geralmente em
cenas sem diálogos (como nos filmes O Silêncio dos Inocentes, Tubarão, Atração Fatal). Dessa
forma, o cineasta já apresenta algumas informações e uma boa dose de contexto junto com os
créditos, antes mesmo de o filme começar.
A partir da década de 1980, surgiu um terceiro modo de apresentação dos créditos: um número
cada vez maior de filmes tem uma seqüência de cenas que antecede os créditos. Na maioria dos
casos, são dois ou três minutos de montagem, ou uma a duas cenas curtas que são usadas para
apresentar personagens ou mesmo um determinado contexto ou situação. Essas cenas iniciais são
seguidas por uma tradicional seqüência de créditos (como em Amigos, Sempre Amigos) ou por
créditos sobrepostos à ação (como em War Games).
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A CENA CENTRAL
A cena central acontece exatamente no ponto onde se espera que ela ocorra — mais ou menos
na metade do roteiro. Syd Field, em seu livro Manual do Roteiro, fala que a cena central divide a
história em duas partes, ao introduzir um acontecimento ou uma linha de diálogo que ajuda a
estruturar o segundo ato.
Tendo trabalhado como consultora em mais de 1.500 roteiros, e tendo utilizado muitos dos
melhores filmes como exemplo em meus cursos, posso dizer o seguinte: nem sempre existe uma
cena central; porém, quando ela existe, constitui-se num instrumento excelente para estruturar o
segundo ato, tarefa que costuma ser bem difícil.
Além de dividir o roteiro em duas partes, a cena central também divide ao meio o segundo ato.
Ela imprime uma certa direção à primeira parte do segundo ato e muda essa direção, na parte final
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deste ato. No entanto, faz tudo isso sem deixar que o segundo ato perca seu foco geral, que por sua
vez foi determinado pelo primeiro ponto de virada.
Algumas das melhores cenas desse tipo são encontradas em filmes de mistério ou de suspense.
No filme Atração Fatal, Alex conta que está grávida lá pela metade do filme. O segundo ato inteiro
gira em torno da questão de como fazer para “se livrar de Alex”, mas essa cena central especificamente
traz Dan de volta à vida dela, ainda que ele quisesse se afastar.
No filme O Fugitivo, mais ou menos na metade do segundo ato, Richard Kimble consegue
obter, por computador, uma informação sobre o homem de um braço só. Neste caso, a primeira
metade da ação do segundo ato gira em torno da fuga para Chicago. Todas as cenas são basicamente
cenas de perseguição. A segunda metade do segundo ato mostra Richard investigando o homem
de um braço só e Sam Gerard investigando Richard. Embora o filme jamais deixe de mostrar que
Gerard deseja encontrar Richard, essa investigação feita por Richard dá uma estrutura adicional
ao segundo ato.
Na cena central do filme O Silêncio dos Inocentes, Hannibal Lecter muda-se para Memphis,
conseqüentemente mudando a direção da história no restante do segundo ato. A cena central em
Tootsie mostra a fama cada vez maior de Dorothy, à medida que ela se torna a queridinha da
audiência e da mídia e aparece em revistas de âmbito nacional.
Muitos escritores acham um pouco confusa essa técnica de utilizar a cena central. Em meu
trabalho de consultoria, descobri que muitos escritores confundem a cena central com o primeiro
ponto de virada, e acabam desarticulando a estrutura normal, pois só começam o segundo ato
depois de chegar à metade do roteiro. Entretanto, se o roteirista criar uma nítida estrutura em três
atos, a cena central surgirá espontaneamente. Neste caso, durante o processo de reescrever seu
roteiro, o roteirista conseguirá reforçar essa cena, imprimindo-lhe ainda mais foco.
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muito demorada pode ser fatal — geralmente acaba numa troca de canal.
Alguns filmes custam muito até chegar ao primeiro ponto de virada, fazendo com que a ação
evolua muito lentamente no primeiro ato e acabe se concentrando no segundo, o que pode levar a
audiência a perder o interesse. Foi justamente isso que aconteceu no filme Tempo de Despertar,
que teve seu primeiro ponto de virada muito tardio (por volta de quarenta e três minutos de
filme), e um segundo ato mais leve e concentrado.
Há outros filmes que introduzem o segundo ponto de virada cedo ou tarde demais. No primeiro
caso, isso força uma evolução mais lenta do terceiro ato; no segundo, faz com que haja falta de
tempo para desenvolver adequadamente a tensão e o suspense que levam ao grande final.
Existem também filmes com uma resolução tão longa que parece não terminar nunca. Mesmo
depois de já se ter chegado ao clímax, a resolução ainda continua a se estender indefinidamente.
Os filmes Passagem para a índia e A Cor Purpura foram muito criticados quanto a esse aspecto,
pois tinham resoluções longas demais, com mais de vinte minutos. Quando isto acontece, o público
não entende com clareza o final, ou sente que já viu o final, e fica se perguntando porque o filme
não acaba.
A Testemunha é um dos melhores filmes que se pode escolher para o estudo da estrutura. É
claro, conciso, dá para perceber a passagem de um ato para outro, bem como acompanhar as
mudanças na ação e no espaço.
Poderíamos citar ainda outros filmes que também dariam bons exemplos para o estudo da
estrutura: Os Imperdoáveis; O Fugitivo; Por Favor, Matem Minha Mulher; De Volta para o Futuro
e Tootsie. Nestes, como em muitos outros filmes, os pontos de virada à primeira vista nem sempre
são aparentes. Entretanto, o teste para estes ou quaisquer outros filmes é sempre o mesmo: se você
se sentir preso ao filme durante toda a exibição, e não perder o interesse ou a dinâmica da história,
pode estar certo de que o roteiro foi bem estruturado.
APLICAÇÃO
Trabalhar na reestruturação de uma história é como escrevê-la novamente. Raramente os três
atos já estarão bem delineados logo no primeiro esboço. O que costuma acontecer é que um ato
sempre fica mais marcante do que os outros. Outras vezes o ponto de virada não está bem colocado,
ou é muito fraco, prejudicando a passagem de um ato para o outro.
Quando for analisar a estrutura de seu roteiro, faça a si mesmo estas perguntas:
■ Lembrei de começar com uma imagem?
■ Será que a imagem que escolhi dá uma idéia do estilo e do sentido da história?
■ Tenho um nítido elemento catalisador para começar a história? Este catalisador é forte e
dramático o suficiente, e se expressa através de uma ação, como é o ideal?
■ A questão central está conduzindo minha história a um clímax? Essa questão ficou clara
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CAPÍTULO 3
QUAL É A FUNÇÃO DOS ENREDOS SECUNDÁRIOS?
Um enredo secundário eficiente possui várias funções. A mais importante delas é acrescentar
uma nova dimensão ao enredo principal. Durante o desenvolvimento normal da história, o
protagonista está inteiramente voltado para a ação. São os enredos secundários que lhe dão a
oportunidade de sentir o perfume das flores, de se apaixonar por alguém, de se dedicar a um
hobby ou de desenvolver uma nova habilidade.
Um bom enredo secundário dá impulso ao enredo principal, mudando, muitas vezes, sua
direção, em função do efeito que exerce sobre ele. Em Tootsie, Michael poderia perfeitamente se
contentar em continuar como Dorothy por mais uma temporada. Porém, ao se apaixonar por
Julie, ele se vê forçado a mudar a direção do enredo principal, e começa a procurar uma oportunidade
para revelar sua verdadeira identidade. No filme A Testemunha, o cuidado de John por Rachel,
uma situação criada pelo enredo secundário, acaba por aumentar o interesse do enredo principal,
na cena em que Paul aponta uma arma para a cabeça e Rachel.
Um bom enredo secundário afeta a história principal não só por dar impulso ao enredo
principal, mas também por se cruzar com ela. O enredo principal e o secundário são conectados
entre si de várias maneiras. Por exemplo, a pessoa que desperta o interesse amoroso do protagonista
no enredo secundário, pode ser também a testemunha de um crime no enredo principal. No filme
Amargo Pesadelo, a prática da canoagem, elemento que integra o enredo secundário, passa a
integrar o enredo principal ao se tornar um meio dos protagonistas escaparem do perigo por que
estavam passando.
Um bom enredo secundário engloba também o tema da história. No filme Sociedade dos Poetas
Mortos, cada aluno representa um enredo secundário que ajuda a expandir o tema da criatividade
versus o conformismo. No filme Feitiço da Lua cada enredo secundário traz uma faceta diferente
do tema geral, o amor.
Os enredos secundários podem tratar de praticamente qualquer assunto. Em geral, consistem
numa história de amor que revela uma dimensão adicional dos personagens. Algumas vezes,
servem para trazer à tona importantes temas individuais dos personagens relacionados à identidade,
integridade, cobiça, amor ou autoconhecimento. O enredo secundário mostra por exemplo, as
vulnerabilidades de um personagem. É comum encontrarmos filmes policiais em que o detetive
tem que se enquadrar no perfil do valentão, sempre preparado para qualquer coisa. No entanto,
através do enredo secundário que retrata seu relacionamento familiar, podemos perceber seu lado
mais vulnerável.
Muitas vezes, é através do enredo secundário que ficamos conhecendo os sonhos, objetivos e
desejos dos personagens. É como se o personagem estivesse muito ocupado com a ação do enredo
principal, e o enredo secundário lhe desse a chance de relaxar, sonhar, desejar e pensar em algo
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à medida que as várias linhas de ação vão alterando a direção do filme. Nada é como parece ser,
tudo vai mudando, seja o relacionamento de Barbara (Bette Midler) com o marido Sam (Danny
DeVito), sejam as intenções dos seqüestradores, seja as relações entre Sam e sua amante, que
secretamente tem um outro amante, Earl. Cada enredo secundário que vai surgindo, muda a
direção da história, criando situações imprevisíveis e cheias de humor.
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salva a vida dela, jogando fora sua pistola. A resolução ocorre quando ele parte.
Neste enredo secundário que acabamos de descrever, os pontos de virada acontecem logo após
os pontos de virada do enredo principal, no esquema abaixo, eu aponto os minutos em que tudo
isso se passou d filme, embora no roteiro deste filme, como o de muitos outros, um minuto equivale
a uma página. Se tivéssemos que fazer um esquema do enredo principal (história “A”) e do enredo
secundário (história “B”), ficaria mais ou menos assim:
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MARTY
Ele é um voyeur!
P.D.V. de GEORGE:
A moça chega perto da janela.
GEORGE procura aproximar mais a visão, mas perde o equilíbrio e despenca na rua.
MARTY observa GEORGE gemendo, e depois, tentando vagarosamente se levantar.
Nesse momento, um carro aparece, virando a esquina.
George não se dá conta, mas Marty percebe que o carro pode atropelar George.
MARTY
Papai! Cuidado!
George ainda está aturdido. Marty se precipita pela rua e, num salto espetacular, o empurra
para fora da trajetória do carro.
Quando Marty está tentando se desviar, o carro dá uma guinada VINDO EM DIREÇÃO A ELE
— ouve-se uma freada, e o carro acaba atingindo Marty!
George, que nunca foi de se envolver com nada, foge, deixando Marty inconsciente, estirado no
meio da rua.
Esse incidente foi um azar para George, pois, em função dele, Lorraine fica conhecendo Marty,
e não George. A história passa, então, a se desenvolver ao contrário do que se imaginava. Marty se
vê forçado a representar o papel de cupido para seus pais. Precisa dar um jeito de fazer os dois
dançarem juntos na festa, para que ele pudesse vir a nascer, no futuro.
Infelizmente, George não é nenhum Don Juan. Ele resiste a todas as sugestões que lhe fazem
para convidar Lorraine para dançar “Enchantment Under The Sea”. Então, Marty é obrigado a
forçar a barra, criando assim a cena do primeiro ponto de virada do enredo secundário
INTERIOR DO QUARTO DE GEORGE PAN SOBRE O ROSTO DE GEORGE. Ele dorme
profundamente em sua cama.
Neste momento, UM PAR DE MÃOS COM LUVAS coloca LEVÍSSIMOS FONES DE OUVIDO
nas orelhas de George.
AS MESMAS MÃOS inserem uma fita cassete intitulada “VAN HALEN” num Walkman. Um
dedo gira o botão do volume para o nível “10”e pressiona a tecla “PLAY”.
GEORGE acorda, gritando! Abre os olhos e fica ainda mais aterrorizado com o que vê:
UM ASSUSTADOR MONSTRO AMARELO... Marty, com sua roupa à prova de radiação... aos
pés de sua cama!
Marty desliga a música. Quando fala, sua voz sai distorcida pelo filtro do capacete, que fica na
altura da boca. Uma janela aberta indica por onde ele entrou.
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MARTY
Silêncio, terrestre!
GEORGE
Quem é você?
MARTY
(Imitando Darth Vader)
Meu nome é Darth Vader. Eu sou um alienígena do Planeta Vulcano!
GEORGE
Eu devo estar sonhando...
MARTY
Silêncio, eu estou recebendo uma transmissão da Battlestar GalactiCa! Você, George McFly,
criou uma controvérsia na continuidade do tempo-espaço. Por isso o Supremo Klingon te ordena
que leve a terrestre do sexo feminino chamada “Baines, Lorraine” para um local conhecido como
Hill Valley High School, em exatamente quatro ciclos terrestres, a partir de agora, isto é, no sábado
à noite, em sua linguagem.
GEORGE
Você quer dizer, levar Lorraine ao baile?
MARTY
Afirmativo.
GEORGE
Mas, eu não sei se vou conseguir...
MARTY LIGA O WALKMAN novamente. GEORGE GRITA!
E então concorda em levar Lorraine ao baile!
No segundo ato, o enredo secundário continua, girando em torno dos esforços de George para
sair com Lorraine — sendo que nada dá certo, pois ela está mais interessada em Marty. Finalmente,
Marty bola um plano que se torna o segundo ponto de virada do enredo secundário, e que acaba
finalmente levando ao beijo, quando dançam juntos “Enchantment Under The Sea”.
EXTERNA: O QUINTAL DA CASA DE GEORGE — DIA
(…)
MARTY
Talvez seja melhor estudarmos novamente nosso plano.
Onde é para você estar às 8:55h?
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GEORGE
No baile.
MARTY
E eu, onde eu devo estar?
GEORGE
No estacionamento, com ela.
MARTY
Muito Bem! Então, lá peias 9 horas ela vai ficar brava comigo.
GEORGE
Mas, por que? Por que ela ficará brava com você?
MARTY
(É difícil para ele dizer o motivo)
Bem.. .porque.. .bem, as moças direitas ficam bravas com os rapazes que... tentam se aproveitar
delas...
GEORGE
Quer dizer que você vai — você vai tentar tocá-la naquele lugar!?
MARTY
George, fique sossegado, vou estar apenas representando. Não se preocupe com isso. Só se
lembre que às 9 horas você vai estar passando pelo estacionamento, e vai ver a gente (Marty engole
seco, com dificuldade para continuar a falar...)bem, vai ver a gente se atracando dentro do carro.
Então você vai correr para acudir Lorraine, abrir a porta e dizer o que... ?
George não responde nada…
MARTY
Sua fala, George...
George
Bem... "Ei! Você aí! Tire suas mãos sujas de cima dela!”Você mesmo que devo xingar?
MARTY
Claro, George! Claro que você tem que xingar e em seguida você vai me dar um soco no
estômago, me deixar na lona, e então você e Lorraine viverão felizes para sempre.
Nesta cena sentimos o tom de urgência e a energia que vão sendo construídas à medida que
Marty se prepara para voltar ao futuro, depois de ter se assegurado de que seus pais já tinham se
beijado, no baile. O clímax do enredo secundário é esse beijo e a resolução ocorre logo após, com
a partida de Marty.
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Este enredo secundário é único, pois tem uma dupla apresentação e uma dupla resolução. De
um lado, o enredo secundário sobre o passado tem começo, meio e fim bem nítidos: George e
Lorraine se conhecem, o relacionamento vai sendo construído e eles terminam juntos. No entanto,
esse enredo secundário é enquadrado pelo presente. No primeiro ato, antes de Marty voltar ao
passado, os personagens de George e Lorraine são apresentados. Quando ele volta ao presente,
vemos a resolução do segundo enredo secundário. Marty os transformou com a sua presença, e
percebemos que houve uma mudança perceptível no casal. Na segunda resolução, George e
Lorraine têm uma linda casa, Biff trabalha para George e George acaba de publicar seu primeiro
livro de ficção científica. Que grande mudança!
No filme Tootsie, vemos um exemplo de uma das mais complexas utilizações de enredos
secundários. Embora a maioria dos filmes empregue, no máximo, três enredos secundários,
Tootsie faz uso de cinco deles.
Temos o enredo secundário de Michael e Julie; o de Michael e Sandy; o de Michael e Les; o de
Michael e Brewster e finalmente, o de Julie e Ron. Cada um deles, de algum modo, tem algo a dizer
sobre dois temas: amor e amizade. Cada um tem uma estrutura própria e se desenvolve a partir da
linha do enredo principal, ao mesmo tempo em que se cruzam com ela.
Vamos analisar primeiro um enredo secundário de cunho romântico, que mostra a relação
amorosa entre Julie e Michael. Os pontos principais desse enredo secundário são os seguintes:
Apresentação: Michael (disfarçado de Dorothy) encontra Julie em seu primeiro dia de
trabalho, e se sente atraído por ela. (21’)
Primeiro ponto de virada: Julie o convida para jantar. Começa daí uma amizade. (46’)
Confrontação do enredo secundário: Eles se tornam amigos e viajam juntos. Conversam
bastante e Dorothy consegue convencer Julie a romper com Ron. Dorothy ajuda Julie a tomar
conta das crianças.
Segundo ponto de virada: Dorothy tenta beijar Julie (84’).
Confrontação: Julie se recusa a ver Dorothy.
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Clímax: Michael diz: “O pior já passou.” Eles se tornam amigos. Agora eles podem continuar
com seu relacionamento. Passam a viver juntos. (110’)
Note como a linha do enredo secundário é completamente diferente da estrutura da linha do
enredo principal. Veja abaixo a estrutura da linha do enredo principal:
Apresentação: Michael não consegue arrumar emprego. (18’ — Note que se trata de uma
apresentação voltada para a situação, como no filme De Volta para o Futuro).
Primeiro ponto de virada: Michael consegue um emprego, como Dorothy. (20’)
Confrontação: Michael se torna um grande sucesso.
Segundo ponto de virada: Michael tenta romper seu contrato, mas o sucesso de Dorothy é
tamanho que ninguém aceita a idéia do rompimento. (76’)
Clímax: Dorothy tira seu disfarce e revela sua verdadeira identidade como Michael. (104')
Perceba como o enredo secundário romântico da uma dimensão à linha original do enredo. O
romance é a razão que leva Michael a querer quebrar seu contrato. Ele está apaixonado e, portanto,
não quer mais continuar se disfarçando de mulher.
Em Tootsie, o segundo ponto de virada do enredo ocorre logo depois da cena de onze minutos
em que Michael se apaixona por Julie. Em consequência disso, ele fica desesperado para acabar
com sua farsa Mas descobre que está totalmente amarrado a seu contrato. Este fato aumenta ainda
mais seu desejo de expressar seu amor por Julie, o que acaba levando ao segundo ponto de virada
da história, quando tenta beijar Julie. Depois disso, como Julie decide não vai mais se encontrar
com Dorothy (ela não é “este tipo de mulher”), Michael se vê forçado a descobrir um meio de sair
dessa enrascada. Isso nos leva ao clímax do enredo principal (o fim do disfarce), que, por sua vez,
desencadeia o clímax do enredo secundário e, ao mesmo tempo, sua resolução (Michael e Julie
ficam juntos).
Como dá para perceber, há um movimento de oscilação constante entre o enredo principal e o
enredo secundário. Sem esses pontos de encontro entre o enredo principal e o secundário, este
último pareceria irrelevante, e ficaria solto, totalmente separado da linha de ação dramática.
O enredo de Tootsie se baseia em complicações. Os enredos secundários são acrescentados, um
após o outro, com o intuito de complicar cada vez mais a linha de ação dramática que mostra
“Michael disfarçado como Dorothy”.
Com certeza, do ponto de vista de Michael, conseguir trabalhar como atriz parecia ser a solução
ideal para seus problemas. Ele conseguira um emprego no qual poderia expressar seus talentos
naturais. Porém, em vez disso, essa solução aparentemente ideal acabou complicando ainda mais
sua vida. Todos os enredos secundários decorrem dessa estranha decisão de se disfarçar de mulher
para conseguir um emprego. Cada um desses enredos mostra uma dimensão diferente dessa
situação, além de desenvolver a temática do amor.
Já que chamamos de “B” o enredo secundário de Michael e Julie, podemos chamar de “C” o
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Segundo ponto de virada: Brewster faz uma serenata para Dorothy e tenta seduzi-la. (88’)
Clímax: Michael revela seu disfarce e Brewster percebe que Dorothy não é uma mulher.
(104’)
Enredo secundário F: Julie e Ron
(Ron é o diretor da novela. Ele sai com Julie — e com muitas outras mulheres, sem que ela saiba
disso).
Apresentação: Mostra que Julie e Ron estão saindo juntos. (34')
Confrontação: Michael percebe a forma desdenhosa com que Ron trata Julie.
Climax: Julie decide terminar com Ron, depois que Dorothy lhe dá umas lições de auto-
estima. (79')
Embora o enredo secundário B seja o principal e precise de uma estrutura mais forte para se
desenvolver ao longo de toda a trama central, os outros enredos secundários são, às vezes, mais
equilibrados, mesmo sem terem o foco tão voltado para sua estrutura e seus pontos de virada. É
comum que esses enredos secundários, menos importantes (como a história de Ron e Julie), não
necessitem mais do que umas poucas pinceladas para serem criados e postos em foco, de modo
que possamos notar sua influência sobre a história principal.
Como no filme Tootsie, muitas outras tramas têm vários enredos secundários. É comum ouvir
falar na história “A” (que se refere sempre ao enredo principal) e também na história “B”, “C” e “D”
(que dizem respeito aos enredos secundários).
Em muitos seriados de televisão, os enredos secundários são parte integrante do próprio
formato. A história “A” (ou seja, o enredo principal), pode ser a história de um mistério a ser
solucionado (nos seriados de detetives) ou retratar uma situação engraçada (no caso das comédias
e sitcoms). Já a história “B” (o enredo secundário principal), em geral, é mais pessoal e pode girar
em torno do relacionamento de certos personagens como, por exemplo, de um personagem
coadjuvante que se apaixona ou enfrenta algum tipo de problema com os filhos. A história “C”, na
televisão, em geral é criada para acrescentar um toque de humor ao enredo. Pode mostrar alguma
confusão que aparece na hora de pintar a casa, de reformar o escritório ou de adestrar o cachorro.
Ocasionalmente, pode existir uma história “D”, usada com o intuito de aumentar ainda mais a
dimensão do enredo. Costuma girar em torno de algum personagem secundário ou alguma outra
história de menor importância.
Se as linhas dos enredos secundários forem cuidadosamente trabalhadas, um bom filme será
capaz de suportar um grau significativo de complexidade, podendo trabalhar ao mesmo tempo
com três a sete enredos secundários. Entretanto, se a história tiver muitos enredos secundários
que estejam mal integrados, acaba se tornando confusa, sem foco e sobrecarregada com o excesso
de eventos que acontecem simultaneamente.
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APLICAÇÃO
Quando estiver trabalhando com o enredo secundário, procure separá-lo da linha de ação
principal, para ter uma idéia clara de como ele esta funcionando. Se voce não estiver conseguindo
perceber qual é a história "A" e qual é a história "B", pergunte a si mesmo: “De onde vem o
movimento da história? Onde se concentra a maior parte da ação?” É bem provável que esta seja
a linha de seu enredo principal. Pergunte em seguida: “Qual é o meu tema? O que eu quero
transmitir? Quais são as linhas principais que estão me ajudando a transmitir essa mensagem ao
público?” As respostas a essas perguntas irão me mostrar quais são as linhas dos enredos
secundários.
Ao fazer a separação entre as linhas dos enredos secundários e a linha do enredo principal, você
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consegue ver como estruturou cada uma delas. Procure encontrar a apresentação do enredo
secundário. Deixe claro o que acontece em cada um dos três atos. Geralmente, a estrutura do
enredo secundário é a mais difícil de visualizar. Para isso, talvez você precise descobrir o ponto de
confrontação do enredo secundário. Quando conseguir traçar esta linha, procure traçá-la de volta
ao princípio da sua história. Provavelmente este é o primeiro ponto de virada. Depois, procure
localizar o próximo ponto de virada. Existe algum ponto onde o enredo secundário se torna mais
urgente ou mais intenso? Se houver, é aí que se encontra o segundo ponto de virada. Procure
assegurar-se de que, quando o clímax do enredo principal acontecer, os clímaces dos enredos
secundários ocorram logo a seguir.
Uma das principais tarefas de um roteirista é fazer com que o enredo secundário funcione.
Quando for reescrever seu roteiro e estiver tentando condensar as idéias e deixá-las mais claras,
faça as seguintes perguntas:
■ Este enredo secundário é realmente necessário? Acrescenta algo à história? Em algum ponto
ele se encontra com a história ou lhe dá uma nova dimensão?
■ Quantos enredos secundários eu tenho em meu roteiro? Caso eu tenha mais de três ou
quatro, seria possível cortar algum deles, para concentrar mais o foco no enredo principal e nas
histórias "B" e "C"?
■ Meus enredos secundários têm uma estrutura clara? A apresentação, os pontos de virada e
o clímax estão bem nítidos, sobretudo nos principais enredos secundários, isto é, nas histórias “B”
e “C"?
■ A resolução do enredo secundário está ocorrendo perto do climax do enredo principal?
Se seu enredo secundário estiver bem estruturado, se der dimensão à história e conseguir cruzar
com o enredo principal em algum ponto, com certeza ele vai funcionar bem e vai ajudá-lo, no
decorrer do filme a dizer o que você pretende. Agora, seu maior desafio é manter o roteiro
movimento, principalmente no segundo ato, um dos mais difíceis.
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CAPITULO 4
O segundo ato às vezes parece interminável. Para quem escreve, ele representa a necessidade de
manter a história em movimento, durante quarenta e cinco a sessenta páginas. Para quem vai ao
cinema, um segundo ato mal trabalhado se transforma na hora do cochilo, de sair para comprar
pipoca, ou de jurar que nunca mais se arriscará a assistir um filme deste maldito cineasta.
A maior parte dos problemas do segundo ato decorre de um momentum insuficiente e da falta
de foco. O filme parece não sair do lugar! E a pior parte é que não estamos bem certos do que está
acontecendo nem do porquê.
Estes problemas, todos correlacionados, surgem porque o filme se desvia da espinha dorsal da
história. Em geral, o que acontece é que a inclusão de certas cenas desconectadas da história
acabam deixando o filme confuso e lento. Ou então os personagens ficam só falando o tempo
inteiro, em vez de interpretar seus papéis. Uma outra hipótese é que a história esteja se desenrolando
muito depressa, ou muito devagar, por falta ou supressão do ritmo.
Uma apresentação e confrontação bem definidas no primeiro ato são fatores que ajudam muito
a deixar o segundo ato mais claro. Um primeiro ponto de virada impactante também ajuda bastante
a manter o segundo ato em movimento. Mas serão necessários outros elementos para que o
segundo ato consiga prender a atenção da audiência por uma hora ou mais.
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primeiro ato do filme A Testemunha, onde é possível notar um forte momentum ocorrendo de
uma cena para outra. O ritmo se move mais ou menos da seguinte forma:
• Samuel aponta McFee como o assassino.
• Em conseqüência, surge a cena seguinte:
• John Brook visita Paul, e conta o que descobriu sobre McFee. Paul lhe recomenda que
mantenha sigilo a respeito deste assunto.
• Isto provoca a reação de John:
• John volta para seu apartamento, onde é alvejado por McFee. Ele então percebe que Paul é
um dos assassinos.
• Em conseqüência deste tiro, John agora toma uma nova atitude:
• John pega Rachel e Samuel, pede emprestado o carro de Elaine? e se dirige para a fazenda
dos amish.
• Isto conduz à cena seguinte:
• Devido ao seu ferimento, John desmaia.
Isto leva ao segundo ato, quando então John se esconde na fazenda dos amish. Note como cada
cena está interligada com a cena seguinte. É este o momentum que continuamente empurra a
história para adiante.
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Embora os pontos de ação dramática possam ser usados em qualquer ato, são particularmente
importantes no segundo ato, quando o roteiro precisa da maior quantidade possível de momentum,
pelo maior período de tempo. Existem vários tipos de pontos de ação dramática que podem ser
utilizados. Já estudamos os pontos de virada, que são pontos de ação dramática que ocorrem no
final do primeiro e segundo atos. Já vimos também a cena central, um ponto de ação dramática
que ocorre bem no meio do roteiro. Outros pontos de ação dramática são o obstáculo, a complicação
e a reversão de expectativa.
O OBSTÁCULO
Em muitos filmes, observamos um personagem que tenta fazer alguma coisa — tal como seguir
uma pista, ou executar uma determinada ação — mas isto parece não dar certo, pois não leva a
lugar algum. Isso acontece porque o personagem encontrou um obstáculo. É como se ele tivesse
se deparado com um muro: não lhe resta outra saída a não ser mudar de direção e tentar outro
tipo de ação. O obstáculo é um ponto de ação dramática porque obriga o personagem a tomar
uma decisão, agir de outro modo ou a tomar um outro rumo.
Note como o obstáculo funciona: ele interrompe a ação por um instante, até que o personagem
contorne o obstáculo e tente continuar por outro caminho. A história não se desenvolve a partir
de um obstáculo mas sim da decisão provocada por ele de se tentar uma outra ação. Por exemplo,
se eu fosse uma vendedora e batesse na porta de alguém para tentar vender meu produto, e o
cliente me dissesse “nao”, eu teria encontrado um obstáculo pela frente. Então, eu bateria em outra
porta, numa nova tentativa, e outro cliente me diria “não”. Eu teria me deparado com mais um
obstáculo. Finalmente, eu bateria numa terceira porta e alguém compraria meu produto. Graças a
esta venda, pude terminar mais cedo o trabalho e sair para comemorar com meu chefe. Durante a
comemoração, fui promovida, ganhei uma sala para trabalhar e agora não preciso mais sair pelas
ruas a bater de porta em porta.
Por este exemplo, podemos ver que os obstáculos levaram à continuidade da ação, mas a
verdadeira confrontação, o verdadeiro momentum resultaram da última ação, quando o obstáculo
já havia sido superado.
No filme Tubarão vemos um bom exemplo de como funcionam os obstáculos, quando Martin,
Matt e Quint tentam pegar o turbarão assassino:
■ Primeiro, Quint tenta fisgar o tubarão com sua linha de pesca.
O tubarão é esperto, e se esconde debaixo do barco, até arrebentar a linha.
■ Depois, com um arpão, tentam fisgar o tubarão, que foge em disparada.
■ Em seguida, tentam usar uma gaiola para tubarões, mas o tubarão a destrói.
■ Finalmente, Martin consegue atirar dentro da boca do tubarão um cilindro de oxigênio, que
explode e o mata.
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No filme E o Vento Levou, Scarlett tenta obter dinheiro de Rhett para pagar os impostos de sua
propriedade, Tara. Quando ele diz não (um obstáculo), ela se casa com Frank Kennedy, para
conseguir seu objetivo.
Em A Testemunha Paul tenta localizar John na fazenda dos amish. Ele pede ajuda à polícia de
Lancaster, que não tem como localizá-lo, pois os amish não têm telefone (um obstáculo). Então
Paul interroga o parceiro de John, que se recusa a falar (outro obstáculo). Por fim, Paul mata o
parceiro de John, o que indiretamente faz com que John Brook acabe revelando seu esconderijo.
Embora possam ser encontrados em quase todos os filmes, os obstáculos são mais utilizados
em filmes policiais, de mistério, ação ou aventura. Ocasionalmente também são usados em dramas
e comédias. É possível incluir vários obstáculos num mesmo filme. Porém, caso sejam utilizados
em excesso, a história fica repetitiva, como se estivéssemos reprisando a ação em lugar de
desenvolvê-la. Neste caso, os obstáculos, em vez de conferir momentum à história, fazem com que
ela fique mais lenta, pesada. No entanto, se forem bem dosados, os obstáculos ajudam muito a
impelir a história para adiante.
A COMPLICAÇÃO
A complicação é um ponto de ação dramática que não surte resultado imediato. Alguma coisa
acontece, mas a reação a este acontecimento só vai ocorrer mais tarde. O fato de termos de esperar
por isso nos faz antecipar a reação inevitável.
Vamos analisar uma complicação em Tootsie, por exemplo. Para conseguir um emprego,
Michael se travestiu de mulher e se transformou em Dorothy Michaels. Seu único propósito era
conseguir trabalho. Mas já no primeiro dia de trabalho no estúdio, ele conhece Julie. Embora
naquele momento nada aconteça, sabemos que é apenas uma questão de tempo. A presença de
JuJie complica o propósito inicial de Michael. Imaginamos que ele vá se apaixonar por ela, o que
vai colocar em risco seu emprego.
O primeiro encontro e a reação final por ele provocada estão separados por trinta e duas páginas
de roteiro. Dorothy conhece Julie na página vinte e nove. Nesse primeiro encontro, eles simplesment
se observam.
RITA
Ron, quero fazer um teste com a Srta. Michaels.
Vamos gravar um vídeo com ela.
JULIE PHILIPS, a estrela do programa, uma loira estonteante, passa por Dorothy bem na hora
em que esta derruba umas paginas do roteiro. Rapidamente, Dorothy se agacha para apanhá-las,
quando percebe Julie ajoelhada a seu lado, tentando ajudar.
DOROTHY
Oh, querida, nao consigo achar a página quatro!
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JULIE
Eles não vão nem perceber que está faltando...
Julie junta as páginas. Ambas se levantam. Julie as entrega para Dorothy, sorrindo com simpatia.
JULIE
Não encare isto aí como uma câmera. Pense numa coisa menos intimidante, como uma máquina
fotográfica.
Julie então se afasta. Dorothy a acompanha com o olhar. Na porta Julie se vira, pisca para ela e
faz um sinal de positivo com o polegar.
Nada acontece neste primeiro encontro, mas só pela forma como Dorothy olha para Julie,
percebemos que “ele” está se apaixonando por ela.
Trinta e duas páginas depois, Julie convida Dorothy para uma visita à sua casa.
JULIE
Dorothy... eu sei que isto não é bem o que você gostaria de ouvir — mas temos vinte e seis
páginas para amanhã. Se você pudesse fazer a gentileza de vir até minha casa, e ensaiar comigo;
poderíamos comer qualquer coisa, eu sou especialista em comida congelada. Bem, é claro que
você pode me dizer que por hoje basta de ensaios.
O relacionamento vai se desenvolvendo num crescendo, da complicação (o primeiro encontro)
até uma reação (a visita).
Em Tootsie vemos outra complicação, quando Dr. Brewster, o médico da novela, conhece
Dorothy e decide que a deseja. Mais uma vez, o resultado deste ponto de ação dramática não é
imediato. Na verdade, ele só vai acontecer no decorrer do terceiro ato, quando Dr. Brewster decide
fazer uma serenata para Dorothy, praticamente forçando-a a aceitar sua atenção.
Mais uma complicação surge, quando o pai de Julie se apaixona por Dorothy. Ele a conhece no
começo do segundo ato, mas quase nada acontece, até que Dorothy faz uma visita à sua fazenda,
no final do segundo ato. Eles cantam e dançam juntos, o que o leva a se declarar para Dorothy.
Uma complicação nao é um ponto de ação dramática comum. Na realidade, é bastante rara.
Muitos roteiros não lançam mão de complicações. No entanto, quando está presente num roteiro,
pode ser bastante sutil. Para identificar uma complicação, procure por três elementos:
■ A complicação não surte efeito imediato; portanto, ela cria uma expectativa na história.
■ A complicação é o começo de uma nova linha ou de um enredo secundário. Ela não muda
a história em si; ao contrário, mantém o desenrolar da história, embora lhe acrescente um elemento
novo.
■ A complicação é algo que se coloca no caminho da intenção do personagem.
Por causa de Julie, Breswster e Les, Michael não pôde continuar sendo Dorothy Michaels, apesar
de estar no auge de sua carreira. Ele continua com sua intenção originai: ter sucesso. Estes
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personagens não alteram sua intenção inicial, mas certamente interferiram no seu deseio de
continuar sendo Dorothy. E esta é a complicação.
A REVERSÃO DE EXPECTATIVA
O ponto de ação dramática mais forte que existe é a reversão de expectativa, pois provoca um
giro de 180º na direção da história, fazendo-a mudar de uma direção positiva para uma negativa
ou vice-versa. É mais forte que a maioria dos pontos de virada, que apenas desviam a trajetória da
ação, sem contudo invertê-la. A reversão de expectativa provoca uma reviravolta completa.
As reversões de expectativa podem atuar de forma física ou emocional, pois podem reverter
tanto a ação quanto as emoções de um personagem. Em Os Caça-Fantasmas, professores
universitários desempregados decidem mudar de vida e fundar seu próprio negócio. Em Tubarão,
o povo da cidadezinha acha que pegou o tubarão e começa a festejar, mas ocorre uma reversão de
expectativa, quando Matt avisa que o tubarão capturado não é o assassino.
Em Cocoon, a missão de Walter parece não ter mais sentido, quando os idosos drenam toda a
energia da piscina e um dos habitantes de Antares morre. Isto provoca uma reversão de expectativa
em sua missão. Contudo, sua missão sofre uma nova reversão de expectativa, quando os idosos se
oferecem para ajudar a salvar os casulos.
Estes três momentos também retratam reversões de expectativa emocionais. Em Os Caça-
Fantasmas, os apáticos e avoados professores se transformam, de repente, em pessoas altamente
motivadas. Em Tubarão, Martin e Matt passam de um clima festivo para um clima de apreensão.
Em Cocoon, Walter passa da dor e desespero para a esperança.
Introduzir uma reversão de expectativa no primeiro ou segundo ponto de virada pode ser uma
ótima maneira de criar momentum para o segundo e o terceiro atos. No entanto, as reversões de
expectativa podem funcionar em qualquer ponto do roteiro. Em filmes de terror, freqüentemente
ocorre uma reversão de expectativa quando todos estão festejando e se sentindo seguros, e de
repente a causa do terror reaparece.
Nos filmes policiais, acompanhamos uma reversão de expectativa quando o investigador, quase
a ponto de desistir da investigação, finalmente tem uma inspiração e descobre como pode
solucionar o caso.
Nos romances, testemunhamos reversões de expectativa quando o herói desaparecido finalmente
volta para sua amada, ou quando sua amada, no leito de morte, tem uma súbita melhora.
Tanto os obstáculos, ao forçar a tomada de novas decisões, quanto as complicações, ao introduzir
uma reação antecipada, impulsionam a história para frente. As reversões de expectativa, no
entanto, ao fazer com que a história tome um rumo totalmente novo, provocando assim novos
desdobramentos, são bem mais intensas e têm o dom de arremessá-la para frente. Justamente em
função dessa capacidade de criar um momentum de tamanha intensidade, será muito raro você
precisar lançar mão de mais do que uma ou duas reversões de expectativa num mesmo roteiro.
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Uma ou duas delas já terão força suficiente para dar impulso à história ao longo daquele difícil
segundo ato. Em todos esses exemplos dados, notamos que a ação evolui, em vez de se repetir.
Assim, em lugar de criar uma cena na qual um investigador fica fazendo e refazendo a mesma
pergunta sem parar, você opta por fazer com que o investigador a repita apenas o suficiente para
elucidar o ponto que lhe interessa (em geral, umas duas ou três vezes bastam), mas nunca a ponto
de fazer com que a mesma ação fique se repetindo. Isso permite que a história se desenvolva
melhor, dando origem a novos desdobramentos, a novas descobertas e a ações diferentes.
A SEQUÊNCIA DE CENAS
O momentum é algo que se obtém através dos pontos de ação dramática, que criam cenas de
ação—reação, onde cada cena conduz à próxima, levando assim a história ao seu clímax.
Por vezes, estas cenas de ação-reação são aglutinadas em torno de uma espécie de mini-linha
de ação dramática central. Estas cenas têm começo, meio e fim, e são marcadas por uma
apresentação, confrontação e um clímax que jamais sofrem a interrupção de enredos secundários.
Este tipo de cena, conhecida como seqüência de cenas, é a que provoca o maior momentum.
A maioria das sequências de cenas é relativamente curta, com duração de três a sete minutos.
Porém, às vezes, uma seqüência de cenas pode tomar todo o terceiro ato, como no filme A
Testemunha, onde a cena do confronto final é composta por uma longa seqüência de cenas, com
duração de quatorze minutos.
Muitas das cenas mais memoráveis são na verdade sequências de cenas. No filme E o Vento
Levou, o incêndio de Atlanta é retratado por uma sequência de cenas com sete minutos de duração.
A cena da tempestade em Um Lugar no Coração também é uma seqüência de sete minutos. Na
última batalha de Guerra nas Estrelas observamos mais uma seqüência de cenas.
Em E o Vento Levou, temos duas seqüências de cenas, uma após a outra. A primeira mostra “o
nascimento do bebê de Melanie e a segunda retrata “o incêndio de Atlanta”. Ambas duram cerca
de sete minutos e estão, provavelmente, entre as melhores cenas de todo o filme. Ao analisar mais
de perto estas duas seqüências, é possível observar como as seqüências de cenas dão foco e
momentum à história.
A seqüência que mostra “o nascimento do bebê de Melanie" começa depois que o cerco à Atlanta
já durava trinta e cinco dias. Percebendo que os ianques iriam tomar a cidade de assalto, os soldados
e moradores começam a abandoná-la. Justamente neste momento, Melanie entra em trabalho de
parto.
Apresentação: Melanie avisa que está tendo contrações
Primeiro ponto de virada: Scarlett manda Prissy chamar o médico
Confrontação: Prissy volta, dizendo que o médico não poderá vir atendê-la
Segundo ponto de virada: Dizem a Scarlett que ela terá que ajudar a fazer o parto
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APLICAÇÃO
Nenhum destes recursos para reescrever uma história pode ser imposto a um roteiro. Eles
precisam ser parte integrante da história. Contudo, podem contribuir para reforçar um roteiro
que já traga em si alguma reversão de expectativa, complicação ou mesmo alguma sequência de
cenas.
No entanto, para que estes recursos possam ser bem utilizados num roteiro, é importante
entendê-los bem. Um primeiro passo seria assistir a alguns filmes tentando especificamente
identificá-los. Verá que certos filmes se apoiam mais em um desses recursos do que nos outros, ao
passo que alguns recorrem a todos.
Só para começar, preste atenção na quantidade de obstáculos que Sam Gerard encontra ao
tentar encontrar Richard Kimble, no filme O Fugitivo.
Observe o uso de reversões de expectativa no filme O Caça-Fantasmas (quando o homem da
agência de proteção ambiental deixa o fantasma sair), ou em Atração Fatal, quando a segunda
noite de sexo tórrido se transforma numa tentativa de suicídio.
Note o uso de cenas marcantemente estruturadas, com começo, meio, e fim, como a primeira
cena, no restaurante, em A Lista de Schindler, ou algumas das longas seqüências de lutas em Os
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através de ações físicas, diálogos, ou mesmo através de respostas emocionais. Desde que haja
relação entre uma ação e outra, e desde que você tenha uma estrutura que dê sustentação à sua
história, seu roteiro vai se desenvolver.
Tendo isto em mente, não precisa se preocupar em saber se seu roteiro é mais relacional e tem
um ritmo mais lento do que Rambo, ou do que o de algum filme de James Bond, nem se o ritmo
mais rápido de sua história de aventura se torna mais lento durante uma cena de amor. Desde que
haja cenas de ação—reação, seu roteiro terá direção, foco e momentum.
Analise quais tipos de pontos de ação dramática você utilizou, e como faz para manter a história
em movimento no segundo ato. Não tente impor nada à história que não lhe seja intrínseco, mas
ao mesmo tempo não hesite em ser intenso e dramático. A história, e especialmente o segundo ato,
precisarão de energia e impacto para se manter emocionantes — e para manter o momentum
fluindo.
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CAPÍTULO 5
As cenas são como os tijolos na construção de uma história. Através do uso de imagens e
diálogos, uma grande cena faz a história avançar, revela quem são os personagens, explora uma
idéia e constrói imagens. Uma grande cena é aquela que faz tudo isso, ao passo que uma cena bem
feita alcança pelo menos alguns desses objetivos.
Os roteiristas costumam me dizer: “Escrevi essa cena com a intenção de revelar um personagem.”
E, realmente, é apenas isso que aquela cena se limita a fazer. Entretanto, um filme, na realidade, é
algo multidimensional e por isso uma cena pode perfeitamente ter várias finalidades ao mesmo
tempo. O background da cena pode mostrar uma imagem, enquanto as ações revelam um
personagem, trechos do diálogo podem servir para levar a história adiante, ao passo que a
combinação de tudo isso pode estar voltada para a exploração do tema.
Grandes cenas podem criar momentos de tensão e suspense, levar a audiência às lágrimas ou
ao terror ou até mesmo a alterações de ordem física, como suar frio ou provocar a aceleração dos
batimentos cardíacos.
Uma grande cena é aquela que envolve emocionalmente a platéia. Aristóteles já dizia que a
tragédia deve induzir a platéia a sentimentos de piedade e medo. Não há a menor dúvida de que
os melhores filmes despertam em nós essas emoções, embora também provoquem outros tipos de
sentimento, como compaixão, alegria, raiva, frustração, empolgação, desapontamento e tristeza.
IDEALIZANDO A CENA
Como acontece com os demais aspectos da arte dramática, não existem regras ou fórmulas fixas
para aplicarmos ao seu processo de criação. O que temos são alguns conceitos e idéias que nos
ajudam a compreender um pouco desta arte. Quando estiver trabalhando suas cenas, lembre-se de
que existe um bom motivo para o cinema já ter sido chamado de moving picture, dado seu forte
caráter pictórico. Embora o ato de escrever esteja associado a palavras, quem escreve para cinema
está, na verdade, criando diálogos e imagens. Em outras palavras, isto significa escolher cenas que
contenham movimento e direção — bem como conflito ação e emoção — e expressar tudo isso
através de locações cinematográficas, ações dramáticas e relacionamentos dinâmicos entre os
personagens.
Como os filmes têm movimento, as cenas em geral são curtas, variando entre uma ou duas
frases simples até cenas de três a quatro páginas. Os diálogos tendem a ser econômicos, alternando-
se entre os personagens em falas de poucas sentenças. Como há um limite, em geral de 120 páginas,
para o tamanho de um roteiro, cada linha de um diálogo, cada descrição é muito importante e
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precisa ser levada em conta. Além disso, como quem dá vida à cena são o diretor e os atores, ela
precisa trazer em si coloridos, texturas, relacionamentos e sentimentos que serão representados
por esses artistas. Quando se escreve um roteiro, as palavras precisam ser muito bem pensadas.
Diversos detalhes devem ser comunicados em poucas frases bem trabalhadas, que sejam capazes
de pintar um quadro dos personagens e de suas ações, mas sem detalhar em excesso para não
invadir o espaço do trabalho alheio.
Uma boa cena alcança uma série de objetivos:
1. Faz a história avançar, passando as informações necessárias para que possamos acompanhá-
la. Num filme de mistério, a cena revela alguma pista; num filme romântico, cria um relacionamento.
Como numa jornada, ela nos leva cada vez mais perto do destino final. Num bom roteiro, as cenas
conduzem para uma determinada direção e boa parte delas nos levará cada vez mais perto do
clímax. (Lembre-se, por exemplo, de como as cenas vão pouco a pouco transmitindo várias
informações, no filme O Fugitivo; ou em Tootsie, de como as cenas vão pouco a pouco levando
Michael a se desmascarar; ou de como as cenas no filme O Silêncio dos Inocentes vão revelando
cada vez mais pistas a Clarise Starling.)
Uma cena da história implica que outra ação acontecerá na próxima cena. Na verdade, ela
antecipa a ação seguinte, ou seja, apresenta e carrega em si as sementes da cena seguinte.
No filme A Testemunha, uma das cenas mostra John Book recebendo de Samuel uma informação
que fará com que a ação avance:
JOHN BOOK
Sou um oficial da polícia... É meu dever descobrir o que aconteceu. Quero que você me conte
tudo o que viu lá.
Passada essa cena, a investigação continua.
Uma cena não precisa ser assim tão direta, desde que conduza à cena seguinte.
Acompanhe este diálogo do filme Tootsie, entre George e Michael:
GEORGE
Ninguém vai te empregar.
MICHAEL
Ninguém? Você quer dizer, ninguém em...
GEORGE
(interrompendo)
Ninguém, em parte alguma!
CORTE:
CENA EXTERNA: UMA RUA DA CIDADE —
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DURANTE O DIA
A história começa com a imagem de Michael, vestido como Dorothy, caminhando pela rua
com seu primeiro par de sapatos de salto alto. Se ninguém estava disposto a contratar Michael
como Michael, talvez contratem Michael como Dorothy Michaels.
2. Uma cena pode revelar personagens. A maior parte do personagens são apresentados
nas cenas dos enredos secundários, mas as cenas da história “A” também podem ser usadas com
essa finalidade, mostrando como determinado personagem age, que decisões toma e como se
comporta sob pressão.
Informações sobre determinado personagem, dadas por uma cena da história “B” podem
resultar numa ação desse personagem em uma da história “A”. Às vezes uma cena dá a impressão
de estar apenas revelando o personagem, mas pode perfeitamente estar mostrando também
alguma habilidade do protagonista, que lhe será muito útil mais tarde para alcançar seu objetivo.
Por exemplo, o filme mostra uma cena em que o protagonista está praticando seu esporte
predileto: alpinismo. Podemos imaginar que esta cena sirva apenas para revelar o personagem.
Porém, mais tarde, veremos que o protagonista usará esta habilidade para resgatar os companheiros
desaparecidos em combate ou para invadir uma fortaleza no alto de um penhasco.
As melhores cenas voltadas para a apresentação de personagens não revelam características ao
acaso, mas revelam traços de personalidade que vão se tornar úteis em outra parte do roteiro. Por
isso as características dos personagens, mostradas numa cena, como a paixão por jogos de
computador (em War Games), a habilidade de imitar vozes (em Uma Babá Quase Perfeita) ou o
fato de gostar de tocar piano (em O Piano), não aparecem somente com a finalidade de revelar o
personagem, mas também de desenvolver a própria história.
No filme A Testemunha, descobrimos novos aspectos da história de John e Rachel, quando ela
lhe traz limonada no celeiro. Essa cena atua em vários níveis. Revela um outro lado de John,
mostrando que ele possui habilidades para a carpintaria, e fazendo uma introdução para cena da
construção do celeiro. Deixa claras as diferenças existentes entre John e Daniel, apenas pelo jeito
como cada um toma sua limonada. Daniel sorve civilizadamente, enquanto John toma grandes
goles, com um prazer quase sensual. A cena também ajuda a desenvolver o relacionamento entre
John e Rachel, pois mostra John caçoando e brincando com ela. Por fim, a cena ajuda a fazer com
que a história "B” avance, ao mostrar que Rachel está muito mais interessada em John do que em
Daniel.
JOHN BOOK
O que houve com Hochstetler?
RACHEL
Ele tomou uma limonada e saiu.
JOHN BOOK
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Parece um meteoro.
RACHEL
Você entende de carpintaria?
JOHN
Tenho algumas noções...
RACHEL
E o que mais você sabe fazer?
JOHN
Eu sei bater nos outros. Sou ótimo nisso!
Este diálogo provocador revela a dinâmica do relacionamento entre esses dois personagens que,
até aqui, está inteiramente subentendido. Como em todas as grandes cenas, fica algo nas entrelinhas,
um subtexto que está sendo encenado aqui. Imaginamos que o subtexto de Rachel seja: “Estou me
sentindo atraída por você e quero que você saiba que não gosto de Daniel”. Para John, o subtexto
poderia ser: “Já percebi que seu namoro com Daniel não é lá nenhuma paixão. Quero tirar isso a
limpo, mas ao mesmo tempo não quero muita intimidade, pois vou precisar partir logo.” A atração
que começa a brotar aqui, culmina com a cena em que os dois dançam juntos e com a cena da
construção do celeiro.
3. Uma cena também serve para explorar um tema. Os filmes sempre giram em torno
de algum tema: o bem e o mal, um problema de identidade, integridade moral, cobiça, amor,
traição e outros inúmeros temas relacionados à condição humana. As cenas exploram e desenvolvem
esses temas através do que os personagens dizem, de suas ações, e também por meio das imagens
criadas pelo roteiro.
Às vezes uma cena mostra sem rodeios o tema escolhido, como no filme “A Testemunha", onde
Eli explica, logo no início, um tema central que norteia a filosofia dos amish:
ELI
A arma que você carrega nas mãos serve para matar um homem... O que que você carrega nas
mãos você também leva para dentro do coração.
Em outras ocasiões o tema central é revelado através de decisões e reações de um personagem.
Rachel expressa sua filosofia e seus valores através de seu modo de agir:
O imenso revólver calibre 38 de Book está guardado na gaveta, em seu coldre. Samuel, fascinado,
pega a arma. Incapaz de resistir à tentação, ele a tira do coldre.
BOOK
Pare!.. .Nunca, jamais, aponte uma arma carregada...
Neste instante, chega Rachel:
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RACHEL
Samuel, espere por mim lá embaixo. John Book, enquanto você estiver nesta casa, exijo que siga
nossas regras.
BOOK
Tome, pode ficar com a arma. Ponha em algum lugar que ele não encontre.
Rachel hesita e em seguida pega a pistola, segurando-a com cuidado, e sai.
Nesta cena, a atitude dos personagens e a situação em si apontam
para o tema da não-violência:
4. Uma boa cena constrói uma imagem. Embora parte da tarefa de trabalhar as imagens
fique por conta do diretor, o roteirista também precisa lembrar de incluir imagens no roteiro,
tendo sempre consciência de que toda imagem transmite uma mensagem.
Quando esse recurso é pouco explorado, a imagem simplesmente repete uma idéia sem, contudo,
desenvolvê-la. A ganância, por exemplo, pode ser retratada de forma estática e repetitiva, através
da imagem de um personagem escondendo dinheiro em algum lugar. As cenas podem repetir essa
imagem, talvez mostrando várias vezes o personagem contando seu dinheiro, para destacar sua
ganância.
Entretanto, uma imagem que vai pouco a pouco se desenvolvendo tem o efeito de expandir a
própria imagem. Para explorar essa mesma idéia da ganância, o roteirista pode mostrar uma
pessoa que está disposta a tudo por dinheiro. A cena seguinte mostra essa pessoa comprando jóias
e roupas caras. Uma outra cena mostra todo um aparato de segurança, isto é, guardas, alarmes e
cachorros para proteger sua riqueza. Mais tarde, uma outra cena mostra que essa pessoa coloca o
dinheiro acima de tudo: família, amizades e até mesmo integridade pessoal.
Às vezes uma imagem torna o tema visível dentro da cena. Um exemplo disso são as cenas que
mostram o tema de vida em comunidade, como na primeira cena de A Testemunha: “Pessoas
vestidas de preto caminham pela alameda”. A imagem mostra uma comunidade que tem em
comum os mesmos valores, roupas e estilo de vida.
A cena ideal é aquela que faz a história avançar, revela um personagem, explora um tema e
constrói uma imagem. Contudo, raramente uma cena atinge esse ideal. Nos filmes de mistério, por
exemplo, certas cenas apenas servem para fazer a história avançar e revelar um pouco de um ou
outro personagem. Muitas cenas dos enredos secundários se concentram no tema ou no
personagem, mas em nada colaboram para o desenvolvimento da história principal. Porém, o
simples fato de ter em mente que as cenas podem atuar em diversos níveis vai melhorar
automaticamente a qualidade das cenas que um roteirista optará por exibir.
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de dormir.
No filme Atração Fatal, há uma cena em que Dan e Beth precisam conversar sobre a casa que
pretendem comprar. É uma cena parada, que se passa na cozinha. O que torna a cena interessante
são os truques engraçadinhos que Ellen tenta fazer com o baralho, para seu pai, mas que dão
errado.
Mesmo nas cenas mais paradas, de pura exposição, o roteirista sempre pode inventar algo
interessante para acrescentar um pouco de movimento.
Escolha cenas que ajudem a orientar o público. Há momentos em que você precisa de cenas de
localização, para que o público saiba onde se encontra e qual é a relação entre um elemento e outro
do enredo. Geralmente estas cenas são rápidas e mostram, por exemplo, um carro entrando no
edifício em que mora um personagem; ou uma cena em que aparece a parte externa de uma
prisão, seguida por outra cena interior que mostra a disposição das celas. Às vezes uma cena
dessas mostra a altura de uma muralha (como no filme O Fugitivo), o quão longa será a corrida
(como em Ben-Hur) ou a altura de uma torre (como em Um Corpo que Cai). Sem essas cenas, o
público ficaria desorientado sem ter acesso à informação visual de que precisa para entender a
história. (Se você quiser ver exemplos de filmes em que faltam esse tipo de cenas, assista Mrs.
Soffel - Um Amor Proibido, ou assista à cena do tiroteio no O.K. Corral, em Paixão dos Fortes.
Nesses dois filmes, ficamos muitas vezes sem saber onde estamos, e não percebemos a proximidade
física das pessoas, dos edifícios e dos cavalos).
Você também pode usar montagens para transmitir informações e mostrar a passagem do
tempo. Uma montagem é composta por uma seqüência de pequenas cenas que, em geral,
transmitem informação. Geralmente não têm diálogo, embora algumas possam ter uma ou duas
linhas de falas. Lançando mão da técnica de colocar diversas cenas bem curtas em seqüência, é
possível transmitir informação de forma mais rápida.
Certamente todos já tiveram a oportunidade de ver montagens que retratam dois personagens
se apaixonando: um jantar à luz de velas, um passeio de mãos dadas pela praia, um beijo ao luar e
a cena final dos dois fazendo amor, apaixonadamente. Em vez de usar um ato inteiro para mostrar
como eles se apaixonaram, uma montagem dessas consegue fazer isso em alguns segundos,
permitindo que o filme explore outros aspectos desse relacionamento (o que se passa depois disso,
talvez concentrando mais o foco sobre o período do casamento). Embora essas montagens
românticas sejam as mais populares e comuns, na verdade uma montagem pode ser usada para
qualquer assunto: uma seqüência que mostre como a personagem conseguiu um emprego, a
construção de sua casa, a mudança para uma nova cidade ou mesmo a investigação de um crime.
Nas montagens, entretanto, não temos cenas de confrontação. Elas não mostram interação
entre personagens, não expressam conflitos e não transmitem muitas emoções. Mas certamente
trazem muito material para a história, de maneira bem rápida. Um bom exemplo é a montagem
feita no início do segundo ato de O Caça-Fantasmas, quando eles finalmente ficam famosos. A
montagem, que começa logo após os caça-fantasmas terem capturado o fantasma no hotel, mostra
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os comentários que as pessoas faziam sobre eles nas ruas, sua foto na capa da revistas Time e a
discussão sobre eles no Larry King Show.
O Fugitivo tem uma montagem muito boa lá pela metade do segundo ato, quando os oficiais
estão interrogando os amigos de Richard, enquanto ele prepara uma nova identidade como
faxineiro do hospital.
Em Tootsie, há uma montagem no final do segundo ato que mostra Dorothy, toda atrapalhada,
tomando conta de Amy, a filha de Julie. A montagem retrata uma noite longa e muito difícil:
MONTAGEM:
INTERIOR — QUARTO DE AMY — TARDE DA NolTE
Sentada no chão, cercada de brinquedos, Dorothy agita os brinquedos para Amy e faz caietas
engraçadas. Mas a criança não para de chorar.
INTERIOR DA SALA — TARDE DA NOITE
Dorothy corre em volta da sala, de salto alto, carregando Amy, que continua a chorar. Ela corre
da sala para o segundo andar, em direção ao quarto.
INTERIOR DA COZINHA — TARDE DA NOITE
Dorothy está tentando dar purê de maçã para Amy (e as duas ficam cobertas de purê). Amy
continua a chorar. Amy joga purê em Dorothy.
INTERIOR DO BANHEIRO — TARDE DA NOITE
Dorothy tenta limpar a blusa e o cabelo, enquanto conversa com Amy, que colocou sentada
dentro da pia.
INTERIOR DA SALA — TARDE DA NOITE
Dorothy está sentada, com Amy no colo. Mexe os brinquedos que estão em cima da mesa, na
tentativa de fazê-la dormir. Mas nada parece funcionar.
INTERIOR DO QUARTO DE AMY — TARDE DA NOITE
AMY brinca no chão, em meio aos brinquedos. A CÂMERA VOLTA PARA TRÁS e mostra
Dorothy dormindo, no canto do quarto. Dorothy acorda com o barulho de um brinquedo, levanta-
se e vai pegar Amy.
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Perdida. Ao ler esta cena, repare quantas técnicas diferentes foram utilizadas para comunicar o
que realmente era o objetivo principal da cena: que os nazistas haviam encontrado Tanis.
Se você assistir novamente ao filme, notará que essa cena poderia ter sido filmada em qualquer
lugar: um escritório, uma sala de aula, uma sala de reuniões. Em vez disso, resolveram utilizar um
cenário mais interessante - um impressionante salão de leitura em estilo gótico, o que acrescentou
riqueza visual e interesse à cena.
INTERIOR — SALÃO DE LEITURA — DIA
INDY sobe na plataforma em frente à sala. Dois homens, EATON e MUSGROVE, o seguem.
EATON
Ravenwood foi seu professor na Universidade de Chicago.
INDY
Sim, foi.
EATON
Você tem alguma idéia por onde ele anda atualmente?
INDY
O que sei são só boatos. Parece que ele está em algum lugar na Ásia,
se não me engano. Faz mais de dez anos que não falo com ele. Éramos amigos, mas... tivemos
um desentendimento tempos atrás.
Com este diálogo começam a surgir informações da backstory, o que faz com que a cena revele
uma série de informações sobre o personagem. Descobrimos onde Indy estudou. (Descobrimos
também que a pessoa que escreveu o roteiro fez direitinho sua pesquisa, escolhendo uma das
melhores universidades do país para o doutorado de Indy. Puxa, o homem deve ser um crânio!).
Também ficamos sabendo de seu relacionamento com o professor Ravenwood. Mas, isso não nos
é dado simplesmente como COMO CRIAR CENAS |109|
uma mera informação e ponto final. Transmite uma atitude do personagem, pois sentimos
claramente que Indy se sente incomodado com o tal desentendimento que teve com Ravenwood.
À medida que a cena continua, ela se reveste de um certo mistério, além de transmitir a
informação que vai introduzir todo o resto da história.
MUSGROVE
Dr. Jones, compreenda que tudo o que vamos falar agora é estritamente confidencial.
INDY
Compreendo perfeitamente.
Musgrove pigarreia.
MUSGROVE
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Ontem à tarde, as agências européias interceptaram uma mensagem alemã, que foi enviada do
Cairo para Berlim. Pois bem...
EATON
(interrompendo)
Veja bem, nos últimos dois anos, os nazistas têm enviado vários grupos de arqueólogos pelo
mundo todo, atrás de artefatos religiosos. Hitler está obcecado com isso... Ele tem obsessão por
coisas sobrenaturais. Parece que atualmente está havendo uma escavação arqueológica dirigida
por alemães, num deserto perto da cidade do Cairo.
Musgrove abre uma maleta.
MUSGROVE
Exatamente. Nós temos uma informação aqui, mas não sabemos como utilizá-la. Talvez você
saiba. (Ele lê) “Evolução no projeto Tanis. Encontramos peça do cetro de Ra. Abner Ravenwood,
U.S.”
Novamente vemos aqui muita exposição. Porém, perceba a forma como diálogo trocado entre
Brody e Musgrove ajuda a manter o interesse, neste vai e vem. Note como a expectativa aumenta
quando Eaton interrompe Musgrove, pretendendo revelar a informação importante. Por outro
lado, Musgrove, que é quem está de posse do telegrama, retoma novamente o comando da conversa,
para tratar do motivo que os levara esse encontro.
À medida que a cena continua, a reação emocional de Indy diante dessa informação acrescenta
um novo colorido à cena. Ele fica nitidamente empolgado e chega a interromper Brody, enquanto
este lhe dá a notícia.
Indy e Brody entreolham-se. Indy bate na mesa com mão.
INDY
Os alemães encontraram Tanis!
EATON
Mas, o que Tanis significa para você?
BRODY
Bem, é...
INDY
(interrompendo)
A cidade de Tanis é um dos prováveis locais onde se encontra a Arca
Perdida.
MUSGROVE
A Arca Perdida?
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Começamos assim a perceber que Indy era um homem de um vasto conhecimento, apesar dele
mesmo não se considerar um entendido em Tanis... (“Quem fez a primeira pesquisa mais profunda
a respeito de Tanis foi Ravenwood. Ele, na verdade, era obcecado com isso, embora nunca tenha
conseguido descobrir onde ficava a cidade.”)
O começo da cena já tinha deixado claro que Indy dominava a arqueologia. Agora começa a
mostrar suas habilidades como professor.
COMO CRIAR CENAS \Uij
INDY
A Arca da Aliança, a arca que os hebreus usaram para levar os Dez
mandamentos.
EATON
Você quer dizer os Dez Mandamentos da Bíblia?
INDY
Exatamente, os Dez Mandamentos. As tábuas de pedra que Moisés trouxe do Monte Sinai e que
depois quebrou, se é que você acredita nessa história.
Os homens ficaram impressionados, mas impassíveis.
INDY
Algum de vocês aí freqüentou as aulas de catecismo?
Aqui temos, portanto, mais informação sobre a história, mas também mais informação sobre o
personagem e sua atitude em relação à religião. Indy freqüentou as aulas de catecismo, mas agora
dá a impressão de ser agnóstico.
A cena prossegue, explicando a história da Arca, como foi levada para o templo de Salomão, em
Jerusalém e depois desapareceu, numa tempestade de areia.
Mas existem ainda outras informações para serem transmitidas, o que é feito através de fortes
recursos visuais.
EATON
O que exatamente é essa peça do cetro de Rá?
INDY
Bem, o cetro é só um bastão usado por uma autoridade real.
Ele mostra o tamanho que o cetro deve ter e, virando de lado um quadro negro, começa a
desenhar alguma coisa com um pedaço de giz. Este desenho nos ajuda a reconhecer o cetro quando
mais tarde for mostrado no filme.
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Uma história pode ser contada através do ponto de vista de um personagem, de vários deles ou
através de um ponto de vista onisciente. Muitos filmes tentam fazer com que o público se identifique
completamente com um personagem específico. Você fica sabendo só o que esse personagem sabe.
Ele está presente em todas as cenas e o público vai vivendo a história através dos olhos desse
personagem. Tootsie conta a história de Michael Dorsey; praticamente todas as cenas giram em
torno dele e o público vai acompanhando sua trajetória através do filme. Uma Aventura na África
é contado através do ponto de vista de dois personagens, Rose e Allnutt. Em todas as cenas pelo
menos um deles aparece.
Um ponto de vista onisciente faz com que a audiência tenha informações às quais o protagonista
não tem acesso. Passa uma visão mais ampla e objetiva da história. Em vez de nos identificarmos
completamente com determinado personagem, conseguimos enxergar outros aspectos da história.
O filme A Lista de Schlinder adota esse ponto de vista onisciente, mostrando diversas cenas que
focalizam Schlinder, o comandante, as mulheres no campo de concentração, as crianças, os
homens, os nazistas e a população do gueto.
Às vezes os filmes policiais querem fazer com que a audiência saiba mais do que o protagonista.
Então, mostram cenas com o vilão ou com a policia, apesar de a maioria das cenas girar em torno
do personagem principal.
Alguns filmes trazem o ponto de vista de um ou mais personagens combinado com algumas
cenas de ponto de vista onisciente. No filme O Fugitivo, a maior parte das cenas giram em torno
do agente Gerard ou de Richard Kimble, mas algumas são voltadas para outros personagens como
a polícia de Chicago, o homem de um braço só e algumas cenas com os outros agentes em que
Gerard não aparece. Se tiver a intenção de que a audiência se identifique mais de perto com um ou
dois personagens, o ponto de vista deverá ser mais estreito e subjetivo. Se precisar mostrar mais
informações para que a audiência com compreenda os principais pontos da história que compõem
o mistério, a saída será ampliar o ponto de vista
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TERCEIRO ATO:
O homem negro apanha, de repente um revólver .357 Magnum e começando pela cabine mais
próxima, vai abrindo uma a uma toda as portas.
...À medida que ele vai se aproximando, Samuel tenta desesperadamente fechar o trinco.
Finalmente, ele consegue trancar a porta.
O HOMEM NEGRO
Ele tenta abrir a porta da cabine de Samuel... mas está trancada
ÂNGULO DENTRO DA CABINE ONDE ESTÁ SAMUEL
Lutando contra o medo, Samuel se encolhe o mais que pode.
O HOMEM NEGRO
chuta a porta, mas esta resiste...
Em desespero, Samuel descobre a única saída possível... agacha-se e passa por debaixo da
divisória para a cabine ao lado, que o homem negro já havia examinado. Mas seu chapéu cai no
caminho. Close em sua mão, que volta, por baixo da divisória, para apanhar o chapéu...
CLÍMAX:
...no exato momento em que o homem negro arromba a porta com um violento pontapé, que
arrebenta a fechadura e quase a arranca a porta fora das dobradiças, ele aparece emoldurado pelo
vão da porta, como se o cano enorme de seu revólver estivesse apontando para nossas gargantas.
RESOLUÇÃO:
Uma pausa e, em seguida, o homem negro guarda o revólver no coldre e se vira, acompanhando
seu parceiro em direção à saída.
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As cenas podem ser contrastadas pela variação entre uma cena longa, seguida de outra curta,
pela mudança de uma cena de diálogo para outra visual, ou de uma cena interna para outra externa.
O ritmo também pode variar de uma cena para outra: uma cena calma mostrando alguém indo
para a cama, seguida de uma outra que mostra um carro de polícia numa perseguição a outro
veículo. No filme O Fugitivo, há uma seqüência de cenas que se alternam, que mostram Gerard
novamente no encalço de Kimble.
Um determinado tema pode ser contrastado de cena para cena. Você pode passar da cena
frenética de um violento assassinato para uma cena silenciosa no interior de uma capela. Ou de
uma cena que retrate uma acalorada discussão em família para outra em que a família aparece
feliz, reunida em torno da mesa. (Em muitos de seus filmes Woody Allen explora com maestria
essa técnica do contraste entre cenas que retratam diversos tipos de relacionamento familiar).
O contraste de determinado tema pode ser intensificado através do intercutting (técnica que
mescla, intercala duas ou mais cenas contrastantes que foram gravadas em separado). No filme A
Lista de Schlinder, a cena do casamento no campo de concentração é intercalada com a cena de
Schlinder beijando uma mulher em um night club que, por sua vez, é mesclada com a cena do
comandante batendo em Helen, a mulher que ele havia levado para casa.
No filme Cabaré, há também uma cena parecida com essa, em que o som de uma briga num
beco como que reproduz a música e o barulho das conversas e risadas dentro do cabaré. No filme
O Poderoso Chefão, a cena de um batizado é contrastada com a de um assassinato. No segundo
filme desta série, a cena de um desfile é intercalada com a cena de um assassinato, e em O Poderoso
Chefão III, a cena da ópera é intercalada com cenas de outro assassinato.
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entre cenas. Trata-se de um filme encantador, cheio de estilo, com um charme especial. Contudo,
é um tanto episódico, pois carece de uma força condutora mais significativa. Apesar de ter cenas
individuais muito boas, elas não se integram bem no sentido de conduzir a história ao seu clímax.
Com isso, não se tem a sensação de que o final está se aproximando, e quando o final efetivamente
chega, as pessoas ficam um pouco perplexas, achando que a resolução parece meio arbitrária.
Algumas vezes as cenas não fluem bem por falta de momentum ou de se ter investido mais na
evolução dramática no contexto de uma determinada cena. Em vez de ir evoluindo em direção a
um ponto determinado, a cena é monótona, estática, descritiva. Há cenas que mostram, por
exemplo, um policial dirigindo uma viatura pelas ruas da cidade, uma mulher escrevendo em seu
diário, um homem trabalhando. Em seguida, outra cena mostra o mesmo policial na delegacia, a
mulher saindo de casa para o trabalho e o homem voltando para casa. Embora exista espaço num
filme para cenas desse tipo, ou seja, cenas meramente de exposição ou cuja única finalidade é
revelar algum personagem, se o peso delas superar o das cenas que fazem a história evoluir, o filme
vai parecer estático. Quando o público gosta dos personagens (o que muitas vezes acontece
comigo), pode ser que tenha um pouco mais de paciência com a falta de evolução dramática e de
direção da história. Mas quando os personagens não são simpáticos, um filme de noventa minutos
parece durar três horas.
Para compreender bem este conceito, vamos analisar dois filmes que despertaram bastante
interesse em 1993: O Sol do Paraíso e Vício Frenético. Os cineastas de ambos os filmes são, sem
dúvida, muito talentosos e têm grande potencial. Entretanto, há muitas cenas nesses filmes que
são estáticas, meramente descritivas e repetitivas. O mesmo ocorre com alguns filmes de Robert
Altman e John Cassavetes. Apesar de serem brilhantes em muitos aspectos, geralmente se nota,
em seus filmes, a falta de elementos dramáticos mais fortes que promovam o desenrolar da história.
Quando a gente gosta dos personagens ou do estilo adotado pelo diretor (o que acontece comigo
nesses dois casos), é possível ter um pouco mais de paciência com a natureza episódica das cenas.
Mas, é sempre bom lembrar que uma cena pode trabalhar em vários níveis diferentes. Mesmo
sendo uma cena fortemente voltada para o personagem ou para a história em si, ela pode, ao
mesmo tempo explorar um certo tema e ajudar a construir uma imagem.
APLICAÇÃO
Quando estiver analisando suas próprias cenas, faça as seguintes Perguntas:
■ Existe uma razão de ser para todas as minhas cenas, dentro da história?
■ A maioria das cenas conduz a história em direção ao clímax?
■ Será que dei uma boa estrutura a cada cena isolada, de modo que todas caminhem
numa determinada direção? Será que todas elas fazem sentido, têm algo a dizer?
■ Será que estou dando muitas informações desnecessárias, antes de realmente
introduzir uma cena? Ou estou deixando para introduzir as cenas na última hora?
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■ Será que estou alongando a cena, mesmo depois de já ter mostrado o que queria,
apesar de não haver mais nada a dizer?
■ Estou bem ciente do fato de que as cenas de um filme retratam basicamente imagens?
Estou me lembrando de que é melhor mostrar uma imagem, mostrar os conflitos e emoções, do
que ficar dando informações verbalizadas?
■ O relacionamento entre as cenas é interessante? As minhas cenas são repetitivas,
monótonas? Ou são intensas, emocionantes, dramáticas, com acontecimentos fascinantes?
■ Será que conseguirei prender a atenção do público, não só pelo sentido geral da história,
mas também pelas cenas isoladas que vão pouco a pouco conduzindo ao clímax?
Todo filme cria um certo ritmo visual e consegue chegar a esse ritmo, em grande parte, através
da dinâmica que vai surgindo entre as cenas e também pela interação de uma com outra. O
contraste entre as cenas, sua estrutura, a intensidade de cada uma, e a dinâmica dos personagens,
tudo isso age em conjunto para construir a história através das cenas.
Se as cenas funcionam bem, você está no caminho certo para criar um roteiro que consiga ter
momentum e clareza. Mas isso não basta. Além de movimento seu roteiro também precisa ter
coesão.
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CAPÍTULO 6
Toda forma de arte busca um senso de unidade. Seja ao ouvir uma música, apreciar uma pintura,
ou ao assistir a um filme, sempre queremos ter essa sensação de que a obra tem unidade, coesão.
Obras de arte de gêneros diferentes conseguem chegar a essa coesão de diferentes formas. A
música, por exemplo, lança mão de motivos e ritmos recorrentes que unificam uma composição.
Não raro um determinado instrumento marca presença em uma sinfonia, tocando sempre uma
mesma melodia. Em certas passagens, os trombones, os trompetes ou os tímpanos se sobressaem
pela repetição de um certo som ou ritmo. Assim, a composição musical adquire um senso de
unidade, pois percebemos que tem começo, meio e fim, sendo essas repetições que nos ajudam a
perceber que ainda se trata da mesma peça musical.
A pintura também costuma recorrer à repetição de cores e formas para alcançar essa coesão.
Mesmo numa peça artesanal, como uma colcha de retalhos, o mesmo tipo de tecido ou o mesmo
formato é usado justamente com essa finalidade. Já na arquitetura, a coesão é obtida pela repetição
do estilo das janelas e dos arcos, por exemplo, ou mesmo através da utilização de luz.
Com os filmes não poderia ser diferente. Eles também precisam passar um senso de unidade e
integração. Os roteiros se tornam coesos pelo uso de recursos como a antecipação, o desfecho, os
temas recorrentes, a repetição e os contrastes.
ANTECIPAÇÃO DE DESFECHO
Todos nós já vimos algum filme de mistério em que a câmera dá um zoom numa faca, que mais
tarde será usada para cometer um crime, ou mesmo onde um personagem faz alguma ameaça que
só será levada a cabo posteriormente. Estes são alguns dos exemplos mais simples de utilização de
dois recursos: a antecipação e o desfecho.
A antecipação é uma pista fornecida sob a forma visual — ou através de um trecho de diálogo
— que costuma ser utilizada para introduzir determinada ação ou passar alguma informação cujo
desfecho só se dará mais para frente na história.
Normalmente vemos a antecipação e o desfecho serem utilizados em filmes de mistério, como
forma de ajudar o público a acompanhar pistas complexas, que conduzirão à solução do caso.
Esses recursos também podem ser utilizados em comédias, onde a apresentação de uma piada
deve ser feita de tal forma a arrancar o máximo possível de risos na platéia.
Bem no início da trilogia de Star Wars são fornecidas importantes informações sobre o pai de
Luke Skywalker. Essas informações só têm um desfecho quando descobrimos que Darth Vader é
o pai dele. Em Tootsie, ficamos sabendo que houve algum problema com a fita de vídeo, e que o
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programa irá ao ar ao vivo. Essa informação tem seu desfecho quando Michael vê nisto a
oportunidade para se desmascarar, bem no clímax do filme.
A maioria dos filmes utiliza alguma forma de antecipação e desfecho. No filme Uma Aventura
na Africa, acompanhe a maneira como Charlie descreve a fortaleza alemã pela qual terão que
passar, antes de torpedear o Louisa, antecipando o perigo a que estarão expostos ao descerem o
rio.
ALNUTT
Se há algum ponto ao longo do rio em que os soldados alemães certamente estarão de olho é
Shona, pois é lá que existe uma travessia de balsa, bem onde desemboca a estrada velha que vem
do sul.
ROSE
Mas eles não podem fazer nada conosco.
ALLNUTT
Não podem, é? Eles têm fuzis, metralhadoras, talvez até canhões. Basta um tirinho nesta nossa
banheira velha, mocinha, que iremos pelos ares, em pedacinhos.
ROSE
Então passaremos por la durante a noite.
ALLNUT
Ah, não. Isto é que não!
ROSE
E por que não?
ALLNUT
Porque as corredeiras começam um pouco depois de Shona, e nem um louco as atravessaria de
dia, quanto mais à noite.
ROSE
Então passaremos durante o dia. Iremos pela margem oposta, e passaremos o mais rápido e o
mais longe possível de Shona.
E foi exatamente isso que eles fizeram, e tudo ocorreu da forma como haviam previsto.
Aqui vemos antecipação e desfecho sendo utilizados da forma mais direta possível. O diálogo
menciona que algo vai acontecer e, mais tarde, aquilo de fato acontece, exatamente como previsto.
Em E o Vento Levou, enquanto deixam uma Atlanta em chamas para trás, Rhett Butler diz a
Scarlett que ela está assistindo à derrota do velho Sul. E mais tarde o filme confirma as palavras
dele.
Em De Volta para o Futuro, vemos algumas formas inusitadas de utilizar a antecipação e o
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desfecho. Esse roteiro extremamente compacto é talvez um dos melhores exemplos de como a
antecipação e o desfecho podem ser usados para dar coesão, humor e tensão a uma história.
Desenvolver o relacionamento entre o presente e o passado exigiu muito cuidado na hora de
escrever o roteiro. Muito do humor e do sentido de coesão da história decorrem dessa atenção aos
detalhes.
Existem vários tipos de antecipações e desfechos em De Volta para o Futuro.
O primeiro tipo de antecipação é de caráter informativo, pois de certa forma introduz o que vai
acontecer e o que se deve esperar. Muitos diálogos giram em torno de como a máquina do tempo
funciona e de como acontecem as viagens através do tempo. É o próprio professor Brown quem
explica:
BROWN
Eu lhe apresento a minha mais nova invenção. Esta é a maior de todas — a que passei minha
vida toda tentando construir... Se meus cálculos estiverem corretos, quando este carro atingir a
velocidade de 140 km/h, você verá algo incrível acontecer.
E tudo acontece exatamente como ele antecipara. Ao atingirem 140km/h, Marty é arremessado
ao passado. Brown fala do capacitor de fluxo, do relógio, e do tipo de combustível que utilizou, o
que virá a causar toda sorte de complicações mais adiante.
MARTY
Ele funciona com gasolina sem chumbo?
BROWN
Infelizmente não. Ele precisa de alguma coisa que forneça muito mais energia...
Então, Brown aponta para um tanque, onde estão desenhados os símbolos de material radioativo.
Plutônio!
MARTY
Plutônio?!
Mais tarde, vai faltar plutônio para levar Marty de volta ao futuro, e Brown começará a ficar
desesperado, quando percebe quanta energia é necessária para fazer a máquina do tempo funcionar.
BROWN
1,21 gigawatts! Como vou gerar toda esta energia?... A única fonte capaz de fornecer esta
quantidade enorme de energia é um raio... Infelizmente, nunca se sabe quando e onde um raio vai
cair.
Isto nos leva ao segundo tipo de antecipação, no qual um objeto ou
informação é apresentado num contexto e o desfecho só ocorre em outro. Esse tipo de antecipação
é muito sutil, e seu desfecho é imprevisível e surpreendente. Primeiro, fornece ao público algum
dado que parece irrelevante, mas que mais tarde se transforma num desfecho, à medida que vamos
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A MÃE DE LORRAINE
O pequeno Joey adora ficar no seu chiqueirinho. Ele chega a chorar quando tentamos tirá-lo
de lá. Por isso, deixamos ele lá o tempo todo... parece que isto o deixa feliz.
Mesmo a informação aparentemente sem importância de que George, quando jovem, gostava
de escrever histórias de ficção científica, tem seu desfecho na resolução, quando vemos que ele
acaba de publicar o seu primeiro livro.
Note, em todos esses exemplos, que nada é esquecido, nada é desprezado. Todo elemento que é
apresentado e cria uma antecipação tem seu desfecho em algum momento do roteiro. Tudo que
for necessário para o desfecho final da história é apresentado em algum momento, no início.
TEMAS RECORRENTES
Enquanto a antecipação e o desfecho normalmente mantêm relação com a história, os temas
recorrentes tendem a ser mais relacionados com o tema principal. O tema recorrente vem a ser
alguma imagem, ritmo ou som que se repete ao longo do filme, com o propósito de conferir
profundidade e dimensão à linha de ação dramática, e dar mais textura ao tema principal. Precisa
ser repetido, no mínimo, por três vezes, para cumprir sua função. Os que produzem os melhores
efeitos são os temas recorrentes que se repetem por todo o filme, pois ajudam o público a se
concentrar em determinados elementos.
Um dos temas recorrentes mais fáceis de reconhecer nos filmes é, na realidade, o tema sonoro
— como, por exemplo, aquele som que ouvimos, no filme O Tubarão, toda vez que o tubarão se
aproxima. Este som foi apresentado, a princípio, nos três primeiros minutos do filme. É tocado
cada vez que o tubarão se aproxima, com uma única exceção — quando o tubarão atacou Quint,
Matt e Martin pela primeira vez. Isso faz com que a tensão aumente, por antecipação, cada vez que
ouvimos esse som, pois faz com que possamos prever que o tubarão vai atacar de novo. A única
vez em que o som não foi usado, o medo se tornou ainda maior, por ter sido algo inesperado.
Em Os Caça-Fantasmas, vemos o tema recorrente dos leões que mais tarde se transformam no
demônio Zuul. Esta imagem aparece ao longo do filme sob diversos disfarces: como os leões, na
biblioteca, como o cão feroz na geladeira de Dana, e mais tarde como os demônios que dominam
Dana e Louis. Cada vez que vemos essas imagens, as figuras se alteram, ficando ainda mais sinistras.
No final, Dana e Louis se libertam desses demônios, permitindo que os cidadãos de Nova Iorque
vivam em paz.
Em Cocoon, também há um tema recorrente — golfinhos — que, embora seja algo ainda menos
relacionado à história, acrescenta dimensionalidade e textura ao roteiro. No início do filme, nuvens
se formam e algo estranho ocorre no céu, provocando uma reação dos golfinhos, dentro do mar.
Mais tarde, quando os casulos centenários são tirados da água, os golfinhos estão próximos. Os
golfinhos novamente estão por perto, quando os casulos são devolvidos ao mar, no terceiro ato.
Esses animais são usados no filme como uma metáfora. Sua imagem desperta diversas
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associações que costumamos fazer com esta criatura tão dócil, que nos parece ser o mais “humano”
dos animais marinhos. Os golfinhos têm uma linguagem própria e são conhecidos como animais
pacíficos e afáveis. Cercar os habitantes de Antares de golfinhos estabelece uma ligação subliminar
entre estas duas espécies que, embora muito diferentes, possuem qualidades semelhantes.
Influenciados por essa associação, passamos a encarar os habitantes de Antares como seres
extraterrestre amistosos, pacíficos, merecedores de nossa ajuda. Este tema recorrente nos ajuda a
dimensionar os habitantes de Antares e nos dá pistas sobre o que devemos pensar e sentir a respeito
de sua missão.
O roteiro do filme A Testemunha adquire coesão por intermédio de um tema recorrente
relacionado à lavoura: grãos de trigo. Ao longo do filme acompanhamos várias mudanças no uso
dos grãos de trigo produzidos pela lavoura. Essas mudanças simbolizam as alterações por que
passam John Book e toda a comunidade amish, através de imagens que reforçam a simplicidade e
a pureza dessa comunidade ou que ganham uma força dramática adicional por meio de contrastes.
No início do
filme, vemos os amish atravessando a lavoura a pé, enquanto se dirigem
a um enterro. Eles formam uma comunidade rural que vive em harmonia com a terra, como
notamos pelas imagens de quando emergem da
lavoura alta e caminham em direção à casa. Durante a cena do enterro vemos o pão sendo
colocado sobre a mesa. Aqui, o grão de trigo passou por uma transformação, mas continua sendo
natural, íntegro e nutritivo. Na cidade, há uma cena em que Rachel e John Book comem um
cachorro-quente num fastfood. Nessa cena, o grão, fruto da lavoura, foi corrompido, pois foi
processado e alterado em relação à sua forma normal, natural e saudável, da mesma forma como
Rachel e Samuel se deixaram corromper pela cidade. No segundo ato, a cena em que Rachel
esconde munição dentro da farinha demonstra que harmonia e violência agora estão ligadas uma
à outra, devido à presença de John na comunidade. No terceiro ato, os grãos estocados no silo se
transformam em uma arma mortífera, como símbolo supremo da violência que invadiu esta
comunidade pacífica.
REPETIÇÃO E CONTRASTE
Qualquer coisa que repita uma idéia ou imagem num roteiro pode ser considerada uma
repetição. A repetição pode ocorrer através de imagens, diálogos, atributos dos personagens, da
trilha sonora ou do uso de qualquer combinação destes elementos, para manter a audiência
concentrada numa determinada idéia.
Por exemplo, se você estivesse escrevendo uma história sobre um alcoólatra, você poderia
repetir esta informação sobre o personagem de diversas maneiras. De início, poderia mostrar o
personagem bebendo. Em seguida, poderia mostrá-lo curtindo sua ressaca. Noutras cenas, ele
poderia aparecer em uma casa, cercado por garrafas de vinho vazias, ou cambaleando pela rua, ou
pedindo dinheiro para comprar bebida, ou desesperado por causa de seu vício. Recorrendo ao uso
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de diversas imagens e características, e distribuindo-as como um fio que percorre todo o roteiro,
você manteria sua audiência concentrada no seu foco de interesse.
Da mesma forma que a repetição, o contraste também ajuda a manter o foco do roteiro, pois
exige que resgatemos do passado algo que servirá de contraste no futuro. Somente porque já
tínhamos ficado sabendo que os amish são pessoas pacifistas, que se opõem à violência, é que
podemos entender o motivo de a atitude de John Book — no final do terceiro ato, quando ele
esmurra os punks — ter deixado os turistas chocados, pois era uma atitude que decididamente
nada tinha a ver com os amish.
No filme E O Ventou Levou, a primeira e a segunda parte estabelecem contrastes com o estilo
de vida que o vento levou. Vemos os conotes em Four Oaks, antes e depois; em Tara, antes e
depois; do Sr. O'hara, antes e depois; e as mudanças ocorridas com Scarlett, antes e depois da
guerra.
De Volta para o Futuro utiliza os contrastes para fazer humor — desde o filme de Ronald Reagan
dos anos 50, passando pelos diferentes tipos de skate usados no passado e hoje em dia, e as
mudanças ocorridas em Biff, George e Lorraine — contrastando passado e futuro.
Os contrastes ajudam o roteirista a trabalhar os opostos e ajudam a audiência a fazer ligações,
ao mostrar as diferenças entre as diferentes partes da história. O contraste coloca certos detalhes
em destaque, fazendo com que nós os observemos com mais atenção, por que já tivemos contato
com o seu oposto.
Você pode usar os contrastes para mostrar as diferenças entre personagens, cenas, locações,
texturas e energia. Você pode contrastar personagens — mostrando talvez duas pessoas de tipos
completamente diferentes, como Eddie Murphy e Nicky Nolte, em 48 Horas, ou como vemos em
Atração Fatal, contrastando a morena Beth (a esposa) com a loira Alex (a amante).
O filme O Tubarão contrasta a diversão e a trivialidade de uma festa na praia com a morte de
um banhista, instantes depois. Em A Testemunha, o ambiente, os ruídos e a energia frenética da
cidade são contrastados com a vida pacata dos amish, no segundo ato. Uma Aventura na Africa
contrasta dois personagens completamente diferentes — Rose e Allnutt
— que têm um objetivo comum.
Contrastes, repetições, temas recorrentes, antecipações e desfechos são recursos utilizados com
a finalidade de conferir unidade a uma historia, reforçar sua linha temática, e manter o foco da
audiência sobre aquilo que você deseja que ela se concentre.
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Pode ocorrer do diretor querer mudar a cena do assassinato, sem se dar conta de que, ao alterar
o desfecho, será necessário mudar completamente a antecipação de uma cena anterior. Certa vez,
participei de uma reunião na qual o roteirista, o diretor e o produtor me disseram tinham resolvido
acrescentar um assassinato na primeira cena. No entanto, eles não haviam percebido que isto
alteraria toda a linha de ação dramática, dali para frente. Depois de doze horas tentando encaixar
essa nova cena, sem perder as cenas excelentes que vinham a seguir, acabamos desistindo da
alteração.
Problemas com a unificação do roteiro são particularmente comuns em histórias de mistério e
de espionagem. Muitos executivos se recusam a comprar estes tipos de histórias, por acreditarem
que o público não se interessa por elas, uma vez que não costumam ser sucesso de bilheteria. Na
realidade, quase todos nós gostamos de um bom enigma. O que acontece é que muito poucos
deles são interessantes, pois em geral pistas essenciais são omitidas, ou a apresentação e desfecho
das informações não são bem elaborados, de forma que possamos acompanhar a história.
Pense em Mistério no Parque Gorki, A Garota do Tambor e O Casal Osterman. Nenhum deles
teve bom desempenho comercial. A despeito de terem algumas ações emocionantes e intrigantes
linhas de ação dramática, todos estes filmes tiveram problemas relacionados à falta de clareza de
informações. Antecipações e desfechos inadequados contribuíram para seu fracasso.
Dramas, comédias, filmes de faroeste e de ficção científica também precisam ser muito claros
na maneira como apresentam suas informações. O filme A Missão foi alvo de muitas críticas por
uma apresentação e desfecho falhos no que diz respeito à sua geografia. Ora parecia difícil escalar
a montanha, ora parecia fácil. A antecipação das dificuldades no primeiro ato, e seu desfecho, nas
cenas de batalha do terceiro, não parecem se encaixar.
O mesmo tipo de crítica foi feita com relação a Nascido Para Matar e Sem Saída. Alguns críticos
chegaram a comentar que a A Cor do Dinheiro consistia, na realidade, em dois filmes diferentes,
pois algumas reviravoltas do final nada tinham a ver com a apresentação feita no início. A bem da
verdade todos nós já assistimos a filmes de suspense que, a uma certa altura, nos deixam perdidos,
pela falta de coesão de seus roteiros.
Quando se reescreve um roteiro, uma das coisas mais difíceis é conseguir manter sua unidade.
Como bem demonstram os exemplos citados, muitas vezes nem mesmo profissionais brilhantes
conseguem manter um roteiro coeso. Isto exige uma grande atenção aos detalhes, uma análise
exaustiva e constante visão do roteiro como um todo. Todo esse cuidado, contudo, será bem
recompensado — que o digam o sucesso de crítica de público e o Oscar da Academia.
APLICAÇÃO
O melhor momento para se trabalhar estes elementos e incorporá-los ao roteiro é durante o
processo de reescrita. Muitas vezes um roteirista não percebe que já tem em seu roteiro a semente
para um tema recorrente, ou que a antecipação de algum desfecho pode ser aprofundada, visando
dar maior impacto dramático e mais unidade ao filme. Trabalhar com estes elementos exige uma
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análise exaustiva para ver como eles trabalham dentro da sua história.
Quando começar a reescrever seu roteiro, assegure-se de que todas as antecipações tenham
seus respectivos desfechos e vice-versa. Se já reescreveu o roteiro várias vezes, pode ser que
descubra que alguma antecipação simplesmente sumiu do roteiro, à medida que se passa de uma
revisão para outra. Ou que algum desfecho que você achava que tinha escrito, na verdade nunca
foi, exceto na sua cabeça. Portanto, siga cuidadosamente cada detalhe, para evitar que seu roteiro
tenha pontas soltas.
Procure temas recorrentes que possam ser ampliados. Para fazer isto,é interessante analisar os
objetos que utilizou no roteiro. Será que algum objetos poderia ser usado para criar um tema ou
imagem recorrente? Existe algum som que seja parte integrante da sua história e que possa ser
usado como tema? Numa história de mistério, isto poderia ser, por exemplo, o ruído de um sapato,
o que funciona bem tanto como tema, quanto como antecipação e desfecho. Numa história de
ficção científica criar um ritmo repetitivo, como o som utilizado para se comunicar com os
extraterrestres no filme Contatos Imediatos de Terceiro Grau. No final, pergunte a si mesmo:
■ Tudo que tem desfecho tem antecipação em meu roteiro?
■ Tudo que tem antecipação tem desfecho no roteiro?
■ Descobri maneiras originais para transmitir informações sobre antecipações e desfechos?
Será que nas apresentações e desfechos recorri a certos recursos como mudança de funções,
disfarce de informações ou uso de humor?
■ Será que criei ou sugeri temas que o diretor possa aproveitar para integrar visualmente o
roteiro? Pensei visualmente o meu roteiro repetindo certas imagens que lhe darão um senso de
coesão?
■ Contrastei cenas, personagens, ações ou mesmo imagens, para dar mais dramaticidade e
mais impacto ao meu roteiro?
■ Procurei ver o roteiro como um todo, ao invés de me concentrar nas partes, pelo menos em
uma das vezes em que o reescrevi?
Parte do prazer de reescrever um roteiro está justamente na oportunidade de delinear todos
estes relacionamentos. É uma oportunidade perfeita para expandir imagens e temas, intercalando-
os ao longo do roteiro. Porém, a fim de encontrar essas imagens potenciais, que o ajudarão a dar
mais dimensão à história e ao tema, é necessário explorar as linhas temáticas do roteiro. É preciso
se perguntar: “O que isto realmente significa, e como posso construir sentidos, dramaticamente,
através de imagens? A segunda parte deste livro vai examinar como fazer para elucidar e trabalhar
o tema que está por trás da história.
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PARTE 2
O DESENVOLVIMENTO DA IDÉIA
CAPÍTULO 7
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Mesmo que você seja um ótimo escritor e que seu roteiro esteja maravilhoso a pergunta que
todos os produtores e investidores fazem é sempre a mesma: “Será que dará um filme comercial?”.
As pessoas têm diferentes idéias sobre o que significa ser comercial. Muitos produtores pensam
que é só uma questão de saber dourar a pílula.
Eles costumam dizer: “Contrate os artistas certos e você terá um filme comercial.” Outros ainda
afirmam categoricamente: “Se conseguirmos nomes como Meryl Streep, Tom Cruise, Robert
Redford ou Barbra Streisand para o elenco, com certeza o filme será comercial.” Entretanto,
infelizmente não existe uma fórmula para o sucesso, pois todos esses artistas também já tiveram
seus fracassos de bilheteria.
Outros pensam que o sucesso depende do assunto abordado pelo filme. Procuram descobrir
coisas que estejam na moda, e tentam tirar proveito de tudo que está em voga. Depois de Platoon,
tinha-se a impressão de que os filmes sobre o Vietnã estavam em alta. Entretanto, Hanoi Hilton
não confirmou essa hipótese. Depois do filme Jogos de Guerra, muitos apostaram em filmes
relacionados ao mundo da computação. Mas D.A.R.Y.L. , que foi lançado pouco depois, não teve
o mesmo sucesso de bilheteria. Depois do estrondoso sucesso de Guerra nas Estrelas, todos
acharam que o ideal seria investir em filmes espaciais. Mas O Abismo Negro e Piratas das Galáxias
mostraram que este não era bem o caso. Muitos apostam que a solução é fazer a adaptação de
algum romance que esteja entre os mais vendidos e a história automaticamente se transformará
num filme de sucesso. De vez em quando isto pode até dar certo. Mas, infelizmente, também
temos alguns exemplos que mostram bem o contrário. O Resgate do Titanic praticamente provocou
a ruína da Marble Arch Productions. A Fogueira das Vaidades foi um retumbante fracasso de
bilheteria, e até filmes baseados em romances super emocionantes como: Coma e A Garota do
Tambor, tiveram resultados comerciais medíocres.
Que tal então apostarmos em continuações? O sucesso de Rocky, Um Lutador, Rocky II, A
Revanche, Rocky III, O Desafio Supremo e Rocky IV parecia estar garantido. Mas vocês se lembram
do fracasso de Tubarão III? Além do mais, os roteiros das continuações acabam se tornando muito
mais difíceis de serem redigidos. O filme Rambo II, A Missão foi lançado muitos anos depois de
Rambo, Programado para Matar, e seu roteiro precisou ser reescrito dezessete vezes, até se tornar
viável. Raramente as continuações conseguem ser tão boas quanto o filme original. Em geral não
têm o mesmo charme, nem a mesma clareza e originalidade da primeira história. Basta nos
lembrarmos de Os Caça-Fantasmas II, Olha Quem Está Falando Também ou de Tubarão III.
Para cada uma dessas fórmulas para um sucesso fácil, existe uma porção de exemplos que prova
justamente o contrário. Entretanto, existem de fato certos elementos, que passaremos a analisar
agora, que parecem ter uma contribuição decisiva para o sucesso de um filme — mesmo quando
o roteirista não é amigo íntimo de Meryl Streep ou de Robert Redford.
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exemplo, tem um apelo maior do que se fosse dirigido por algum novato, ou por um diretor
desconhecido. Do mesmo modo, se o roteiro for produzido por Ed Feldman, Saul Zaentz ou
Richard Zanuck já conta com um elemento importante a seu favor.
No entanto, o apelo comercial não está limitado ao simples fato de se ter nomes famosos
envolvidos no projeto ou de ter que ceder aos caprichos de algum executivo. Há certos fatores
comerciais que podem ser identificados e explicados, pois existem certos conceitos fundamentais
que despertam o interesse das pessoas em assistir a determinado filme. E são justamente esses
fatores que pretendemos buscar e desenvolver em um roteiro, a fim de torná-lo mais comercial.
Em geral as pessoas querem assistir a um filme porque existe nele alguma coisa que lhes fala
mais de perto, que tem para elas um sentido especial. De algum modo, as pessoas se identificam
com os personagens ou com a história. Em outras palavras, o filme consegue estabelecer uma
conexão com o público. “Conexão”, essa seria a palavra fundamental para que o filme tenha apelo
comercial. Existem meios específicos para se estabelecer essa conexão. Compreendê-los poderá
ajudá-lo a desenvolver melhor esses fatores que tornarão seu roteiro mais comercial.
Muitos dos filmes de maior êxito dramático trazem em si certas idéias que atraem as platéias,
em razão de seu apelo universal. Por trás da história, existe uma idéia que seduz a audiência, que
lhe fala diretamente ao coração. Esta idéia faz com que o público se identifique de imediato com
os personagens e situações ali retratadas, em geral porque o tema tem algo a ver com a própria
condição humana. A idéia transmite o significado dos acontecimentos, o que o escritor pensa das
coisas que aconteceram, do motivo porque aconteceram, o que aprendemos com essas experiências,
sobre suas causas e efeitos e sobre o próprio sentido da vida.
A ideia central pode se basear, por exemplo, no significado de alguma experiência vivida, como
a atração sexual por alguém, algo que pode colocar em risco nossa vida familiar (como no filme
Atração Fatal). Ou em como um ato violento pode ter graves conseqüências, que vão muito além
daqueles que o praticam (como vemos no filme Os Imperdoáveis). Ou quem sabe se baseie em
alguma mensagem que o escritor, em vez de escrever um ensaio literário, acha melhor expressar
através de uma história (talvez a ideia de que a decência humana combinada com oportunidade,
pode nos conduzir a um “Bem Absoluto”, como no filme A Lista de Schlinder).
Muitas vezes essa ideia pode ser transmitida de forma bem simples. Uma das idéias mais comuns
em muitos filmes de sucesso é a do “triunfo da vítima”. Tente se lembrar dos diversos filmes famosos
que já fizeram uso desse conceito: Rocky, Karatê Kid — A Hora da Verdade, Os Caça-fantasmas e
Um Lugar no Coração. Esta é uma idéia que funciona bem porque todos nós gostamos de vencer
as adversidades. Portanto, ao acompanhar a vitória de alguém que passa por uma adversidade no
filme, nós também nos sentimos vitoriosos.
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A “vingança” é um outro tema que tem apelo universal. Você já não teve vontade de se vingar
de alguém? Ora, Dirty Harry ou Charles Bronson podem fazer isso por você. Já ficou com raiva de
algum rival no campo amoroso? Medéia pode vingá-lo, pois como todos nós já fomos de certa
forma traídos alguma vez na vida, conseguimos nos identificar bem com este sentimento. Alguma
vez você já não sentiu raiva da atitude ambígua dos norte-americanos em relação à Guerra do
Vietnã? Rambo reduz este problema à sua expressão mais simples -— e ainda se encarrega de dar
uma lição em todos os responsáveis por trair os veteranos da Guerra do Vietnã.
Outro tema comum, mas dotado de um forte elemento de identificação, é o da “vitória do
espírito humano”. Este tema fez muito sucesso em filmes como Um Lugar no Coração e A Cor
Púrpura. Outros que também podemos citar são os filmes premiados pela Academia, Para Lembrar
um Grande Amor e No Silêncio do Amor.
Por que será que assistimos a todos esses filmes sobre pessoas ricas, que passam outras para
trás, para se tornarem ainda mais ricas? A explicação para isso é muito simples: porque a cobiça é
um sentimento bem humano, que todos nós compreendemos e já sentimos alguma vez na vida,
assim como já sentimos inveja, ciúmes e, o campeão de todos os sentimentos em nossa sociedade
de consumo: o desejo de “ter tudo só para nós”.
Alguns temas são particularmente atrativos para certas faixas etárias. Conhecendo as
características demográficas de sua audiência, você pode se concentrar em temas universais, que
tenham apelo para essa determinada faixa etária. Por exemplo, nos Estados Unidos, cerca de 60%
das pessoas vão ao cinema estão na faixa entre treze e trinta anos de idade.
É por isso que existem tantos filmes sobre “se tornar adulto” questões de “identidade”, como
Negócio Arriscado, Porky's — A Casa do Amor e do Riso, Clube dos 5, e Conta Comigo, que
fizeram sucesso. Até um filme como O Reencontro, que não parecia ter muito apelo comercial,
sensibilizou muita gente por ser um filme que tem a ver com nossas experiências e com questões
de identidade pelas quais passamos em uma certa altura da vida.
Outras experiências, embora menos acessíveis ao público em geral, têm um apelo mais forte
para certas pessoas ou grupos. Envolvem temas como “integridade”, cujo exemplo é o filme O
Homem que Não Vendeu sua Alma, ou então, sobre “resolução e completude”, como nos filmes O
Regresso para Bountiful e Num Lago Dourado, ou sobre “redenção”, como em Ausência de Malícia
e O Veredicto, que mostram um pessoa sendo salva ou redimindo sua reputação.
Dá para notar que todos esses temas têm algo a ver com o lado psicológico ou emocional do ser
humano ou com as diversas fases da vida, como o envelhecimento ou a busca de identidade. Os
melhores escritores são também grandes conhecedores da natureza humana. Observam, lêem a
respeito, sabem interpretá-la. Eles estudam o ser humano com o intuito de compreender o que ele
é capaz de fazer e quais suas motivações. Quanto mais bem descritas e retratadas forem suas
personagens, mais próximas da realidade elas serão, e mais apreciaremos vê-las nas telas.
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aquele que nos mostra “como esse lado pessoal é de fato". O elemento prescritivo é aquele que
mostra “como gostaríamos que ele fosse”. Para obter sucesso pode tirar partido de qualquer desses
elementos, ou mesmo de ambos.
Os roteiros voltados para esse elemento descritivo mostram, com precisão e realismo, como um
determinado tipo de personagem vai agir e reagir em certas situações. Todos já vimos filmes em
que as reações dos personagens nos parecem bastante “reais”. Ao assistir filmes como Porky's —A
Casa do Amor e do Riso, muitos dizem: “Puxa! É assim mesmo que agem os garotos dessa idade”.
Outro exemplo seria o filme Conta Comigo, que faz um retrato honesto de um grupo de adolescentes
de doze anos mostrando seus medos e inseguranças.
O sucesso de muitos filmes feitos para televisão depende justamente dessa capacidade de se
retratar com precisão os personagens e suas emoções. Quando assistimos a filmes como Cama
Ardente, Para Lembrar um Grande Amor, Heartsounds, Em Busca de Justiça ou Adam; vemos
como tudo soa verdadeiro. Todos esses filmes souberam descrever pessoas com uma precisão
admirável e fizeram sucesso justamente por sua capacidade de reproduzir tão bem as vivências do
público.
Já os filmes prescritivos mostram nossos ideais. Muitos deles são filmes de herói. O herói
raramente tem medos, incertezas, ou inseguranças (coisas que qualquer um de nós sentiria, se
passássemos pela mesma situação). Na verdade, ele age como gostaríamos de agir, se pudéssemos.
Isso faz com que as pessoas se identifiquem com o herói, mesmo sabendo, o tempo todo, que é
algo que não faz parte da realidade.
Esses elementos descritivos e prescritivos podem ser trabalhados de três maneiras diferentes: a
física, a psicológica e a emocional. Quando trabalhamos com personagens específicos, é possível
dar maior profundidade à dimensão descritiva, ao atribuir características físicas ao personagem.
Nesses casos, pergunte a si mesmo: “Numa situação como essa, como meu personagem se pareceria,
se fosse real?” Caso se tratasse de um adolescente de quinze anos, vivendo seu primeiro amor, ele
provavelmente ficaria corado com facilidade, talvez fosse meio desengonçado, usasse óculos ou
mesmo algum penteado “da moda” que não combinaria nada com ele. Psicologicamente, ele
provavelmente seria inseguro ou tentaria imitar algum esportista campeão, por não confiar em
suas próprias qualidades.
Emocionalmente, ele talvez fosse um pouco irritadiço ou bravo, ou do tipo solitário, ou mesmo
daqueles que riem exageradamente.
Se você estiver escrevendo um filme do tipo prescritivo, seu personagem pode ser um líder
estudantil ou um herói do futebol, por exemplo. Fisicamente, ele será alto, forte, bonitão, daquele
tipo que sempre parece maravilhoso, não importa o que esteja vestindo. Psicologicamente, ele
deve ser autoconfiante, não se preocupar com nada e acreditar que é capaz de fazer tudo o que
quiser. Emocionalmente, ele será firme como uma rocha, invulnerável ao medo e à dor. Nada
consegue deixá-lo desconcertado.
Muitos filmes recorrem a esses elementos para estabelecer uma conexão com o público, seja
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criando personagens descritivos e prescritivos, seja criando para o personagem principal um arco
de transformação que evolui do descritivo para o prescritivo, do incerto para o heróico (como nos
filmes Rocky e Karatê Kid). Esta é a razão pela qual os filmes que retratam o "triunfo da vítima”
são tão populares, pois não só trabalham temas universais, que todos podem compreender, como
também conectam o público à trajetória de transformação pessoal de um personagem.
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nos sentir seguros. Muitos filmes — como Um Lugar no Coração; Minha Terra, Minha Vida\ A
Viagem dos Condenados — lidam com essa busca por segurança e proteção. O mesmo pode ser
dito do seriado de TV O Fugitivo, bem como de inúmeros filmes de faroeste, nos quais os pioneiros
buscam encontrar um paraíso protegido.
3 - Amor e relacionamento. Uma vez que as pessoas já tenham um lar, é natural que queiram se
sentir aceitas por um grupo. Essa necessidade de aceitação pode representar tanto o anseio por
fazer parte de uma família quanto de uma comunidade. O ser humano precisa se relacionar e essa
necessidade é um tema abordado em vários filmes, das mais diferentes maneiras.
Em Um Lugar no Coração, Edna luta para preservar sua família, mas essa família não se restringe
a seus filhos. Nela também estão incluídos Moses, um homem negro; Will, um deficiente visual;
bem como a cidade onde ela morou por tantos anos. Em De Volta para o Futuro, não só a
sobrevivência de Marty, mas também a própria família estão em risco.
Filmes como Porky's —A Casa do Amor e do Riso; Loucademia de Polícia; My Fair Lady, e
mesmo A Testemunha também desenvolvem esse tema da busca de aceitação por determinado
grupo.
Certos filmes falam da busca do par perfeito ou da necessidade de se ter alguém. Outros giram
em torno de histórias voltadas para a formação de uma família e do anseio por calor humano,
aceitação e amor. Vemos isto em muitos sitcoms, como os seriados Cara e Caretas, The Cosby
Show, Os Pioneiros e All in the Family.
4- Apreço e auto-estima. Enquanto a necessidade de amor e relacionamento está ligada a uma
aceitação incondicional por parte de outros, auto-estima e respeito são coisas que precisam ser
conquistadas. As pessoas gostam de ser admiradas e reconhecidas por suas contribuições e
capacidade. Muitas vezes isto significa que a aceitação num grupo se dá em função das coisas que
a pessoa realizou. Podemos notar isso em várias situações, como o respeito conquistado por Luke
Skywalker, no final de Guerra nas Estrelas, ou as várias recompensas que James Bond recebe por
ter êxito em suas missões, ou pela confiança que Celie conquista no final do filme A Cor Púrpura.
Diversas histórias que falam de integridade, tais como Ghandi ou Martin Luther Kingjr, tratam
dessa necessidade, assim como as séries de televisão transmitidas no período da tarde, nas quais a
história em geral giram em torno de como ganhar um prêmio, ou completar com êxito algum
projeto científico, ou mesmo ser aceito como membro de um grupo. Entre os Movies of the Week,
filmes televisionados, encontramos alguns, como The $5,20 an Hour Dream, que também abordam
necessidade de superar discriminações e o desejo de alcançar sucesso e obter reconhecimento.
5 - A necessidade de conhecer e compreender. Todos nós somos curiosos. Temos um instinto
natural de querer saber como as coisas funcionam, como elas se encaixam. Gostamos de tentar
entender as coisas, de adquirir conhecimento que nos permita realizar coisas fantásticas. Lembre-
se de vários filmes sobre viagens no tempo, como De Volta para o Futuro, Um Século em 43
Minutos e A Máquina do Tempo, que mostram alguém tentando encontrar uma forma de viajar
através do tempo.
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Muitos filmes sobre cientistas (malucos ou não) também trabalham em cima dessa necessidade,
como Frankenstein e Madame Curie Histórias de detetive nos fascinam, pois retratam bem essa
nossa curiosidade natural de buscar respostas. Chinatown, Relíquia Macabra, e Intriga Internacional
são exemplos de filmes que nos envolvem nessa busca.
6 - A estética. Mesmo sentindo-se confiantes, seguras e amadas, as pessoas sentem necessidade
de encontrar um equilíbrio na vida, um senso de ordem e por isso buscam se ligar a algo capaz de
transcendê-las. Isto pode ser encarado como uma necessidade estética ou espiritual, que muitas
vezes pode levar as pessoas a buscar experiências religiosas (como nos filmes A Canção de
Bernadette e Joana D'Arc), ou experiências com a natureza (como em Os Lobos Nunca Choram),
ou mesmo uma combinação de experiências de caráter artístico e religioso, como no premiado
filme Amadeus.
Esse tipo de necessidade é a mais difícil de se trabalhar, por ser a mais abstrata e talvez a menos
universal. Entretanto, é reconhecidamente uma necessidade humana, e os filmes que conseguem
torná-la palpável, compreensível, costumam fazer sucesso.
7 - Realização pessoal. A necessidade de nos expressar, de dizer que somos, de realizar nosso
talento e habilidades é algo intrinsecamente humano. Quem escreve certamente consegue perceber
isto. Muitos filmes sobre escritores ou atletas que enfrentam dificuldades na luta por uma carreira
fizeram sucesso, pelo fato de que todos nós torcemos para que estas pessoas vençam. No entanto,
a realização pessoal é mais do que a simples busca pelo sucesso, pois está ligada à necessidade de
auto-expressão, quer a pessoa seja ou não publicamente reconhecida ou recompensada pelo que
fez. Uma coisa é a pessoa pintar um quadro na esperança de ficar famosa ou ganhar algum prêmio
por isso; outra, bem diferente, é pintar simplesmente porque a pessoa sente que tem que pintar
aquele quadro, a despeito de qualquer reconhecimento por sua obra.
Em geral pensamos que essa necessidade de realização pessoal está ligada a artistas ou atletas.
Contudo, essa necessidade pode se aplicar a outros tipos de personalidades. Um comediante tem
que ser engraçado, um médico tem que curar, um aviador tem que voar. Estas pessoas se sentem
vivas quando estão fazendo aquilo de que gostam. E este ímpeto que as move, quando mostrado
num filme, sempre é algo que nos faz torcer pelo personagem. Pense em quantos filmes você já
notou esse ímpeto: o sonho de dançar, em Momento de Decisão; o desejo de Kimberly de mostrar
sua capacidade como repórter, em Síndrome da China; e a obstinação por corridas, no filme
Carruagens de Fogo.
AUMENTANDO OS RISCOS
Em qualquer filme, para aumentar o envolvimento, você pode trabalhar com essas necessidades
de diversas maneiras. Você pode aumentar o envolvimento, por exemplo, incluindo situações em
que uma ou mais dessas necessidades corram risco. Note como isso foi feito no filme Um Lugar no
Coração, que lida com vários tipos de necessidade, como proteção, segurança, sobrevivência,
amor, relacionamento e realização pessoal. Quanto mais dessas situações de risco você puder
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introduzir num filme, maiores serão suas chances de fisgar a atenção da audiência, dando-lhes
algo de universal para que se identifique com sua história.
Uma outra forma de aumentar os riscos e o envolvimento é fazer com que, no decorrer da
história, o objetivo perseguido se torne inalcançável, sugerindo ao público que o personagem
jamais conseguirá atingí-lo. Mesmo os objetivos mais concretos, passíveis de serem atingidos,
nunca se alcançam com tanta facilidade. Assim, se nos identificarmos com uma certa necessidade
do personagem e, ao mesmo tempo, tivermos dúvidas de que ele conseguirá satisfazê-la, nossa
tendência é de encarnar a saga ali retratada, o que aprofunda ainda mais o vínculo emocional
entre a audiência e o personagem.
Quanto mais sentirmos a determinação do personagem em atingir determinado objetivo, mais
nos sentiremos ligados a ele. Aumentar os riscos consiste nisto: trabalhar com as várias emoções
que possam estar ligadas à busca de atingir esse objetivo.
Existem muitas emoções envolvidas nessa busca: raiva, medo, alegria, insegurança, desespero e
esperança. Quanto maior o espectro emocional que você atribuir aos seus personagens, mais
próximos eles se tornarão da audiência. Muitos filmes são muito diretos e mostram apenas o
necessário para atingir um determinado objetivo. Em conseqüência, a audiência se sentirá distante
dos personagens, o que dificultará sua identificação com os riscos ali retratados.
Ao unir emoção e ação, os riscos parecerão maiores, pois o público terá maior facilidade de se
identificar com eles.
À medida que você sobe na escala de necessidades, o tipo de filme que pretende fazer se modifica.
Necessidades de sobrevivência requerem filmes orientados para a ação. Esse tipo de necessidade
costuma ser essencial para os filmes de ação e aventura, filmes sobre desastres, filmes de terror, e
para a maioria dos filmes de faroeste. Já os filmes que retratam necessidade de relacionamento e
realização pessoal normalmente possuem um conteúdo emocional maior. Eles tendem a ser mais
relacionais, menos violentos, e muitas vezes incluem uma dose de humor e calor humano.
Necessidades estéticas ou a sede de saber normalmente vão se apoiar mais nos traços filosóficos
dos personagens. Portanto, o filme será mais temático, talvez com mais diálogos, e provavelmente
mais abstrato. O típico personagem desse filme costuma pensar, ponderar e tirar suas conclusões,
o que pode muitas vezes deixar o filme maçante ou muito carregado de diálogos. Entretanto, se
conduzidas com habilidade, essas histórias podem se tornar muito interessantes e até mesmo
fascinantes.
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APLICAÇÃO
Descobrir como estabelecer uma conexão com o público costuma ser difícil. Os aspectos que
conferem apelo comercial a um filme nem sempre são claros. Muitas vezes essa dificuldade tem a
ver com o tema, que está confuso ou mal desenvolvido. Ou pode ser que haja vários temas
conflitantes entre si e, nesse caso, o que precisa ser feito, ao reescrever o roteiro, é escolher aquilo
que realmente você deseja dizer.
Uma forma de explorar esses elementos é utilizando uma técnica denominada agrupamento.
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Pense na idéia principal de seu filme: “Um jovem volta ao passado numa máquina do tempo”;
ou “alienígenas chegam à Terra”; ou ainda “Homens caçam um tubarão assassino”. Escreva essa
idéia no centro de um círculo, e comece a imaginar todas as associações que você pode fazer com
ela. Faça um levantamento dos aspectos Pessoais (descritivos e prescritivos). Essa idéia tem algo a
ver com alguma tendência social? O que há de universal nela? Ela o faz se lembrar de outras
histórias?
Se usássemos essa técnica, agrupando idéias ao redor do tema básico do filme O Tubarão,
teríamos um gráfico parecido com este desenhado a seguir.
história?
■ Já fiz uma análise das ligações pessoais que tenho com o tema? Tentei imaginar as reações do
público, levando em consideração seu perfil demográfico?
Depois que você começa a entender as prováveis relações entre o público e seu material, entre
sua história e seu tema, ainda terá que explorar mais uma relação, a mais profunda em uma história:
a criação do mito, tema do nosso próximo capítulo.
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CAPÍTULO 8
A CRIAÇÃO DO MITO
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religioso
O mito é uma história “mais do que verdadeira”. As histórias em geral são verdadeiras porque
foram vividas por alguém, em algum lugar em alguma época, ou seja, são verdadeiras por serem
baseadas em fatos.
Já um mito é mais do que verdadeiro porque, de certa maneira, é vivido por todos nós. É uma
história que tem a ver com todos nós e por isso fala aos nossos corações.
Alguns mitos se originam de histórias verdadeiras que, no entanto, atingem proporções míticas
pelo fato de estarem ligadas a pessoas excepcionais, que parecem ter vivido de uma forma mais
intensa que a maioria dos mortais. Figuras como Martin Luther King Jr, Mahatma Gandhi,Sir
Edmund Hillary e Lord Mountbatten, personificam esse tipo de jornada com a qual nos
identificamos, pois já vivemos experiências semelhantes, ainda que numa escala mais reduzida.
Outros mitos giram ao redor de personagens de faz-de-conta, que conseguem sintetizar para
nós um conjunto de muitas das nossas próprias experiências. Alguns desses personagens de faz-
de-conta se assemelha aos personagens que vemos em nossos sonhos ou podem ser uma fusão de
vários tipos de personagens que já conhecemos.
Em todos os casos, o mito é sempre “uma história oculta dentro de outra história”. Na verdade,
trata-se de um arquétipo universal que nos mostra que a história de Gandhi rumo à independência
da Índia e de Sir Edmund Hillary rumo ao topo do Everest têm muito em comum, em termos de
características dramáticas. E essas mesmas características se repetem nas histórias de Rambo, de
Indiana Jones, de Luke Skywalker e de
tantos outros heróis.
No livro O Herói de Mil Faces, Joseph Campbell traça os elementos que compõem o herói
mitológico. Esses critérios foram aplicados ao filme Guerra nas Estrelas, pelos famosos
conferencistas Chris Vogler e Thomas Schlesinger, bem como em conversas entre Joseph Campbell
e Bill Moyers, no seriado da PBS, The Power of Myth (O Poder do Mito). O mito embutido na
história é a razão pela qual milhões de pessoas assistem a este filme milhões de vezes.
As histórias de heróis mitológicos possuem certas características que são comuns em todas elas.
Todas mostram quem é o herói, o que o herói busca, e como se dá a interação entre história e
personagem de modo a criar uma transformação. A caminhada rumo ao heroísmo é um processo
e este processo universal forma a espinha dorsal de várias histórias específicas, como as da trilogia
de Guerra nas Estrelas.
O HERÓI MITOLÓGICO
1. Na maioria das histórias de heróis, quando o herói é apresentado ao público está inserido
num ambiente mais do que convencional, num mundo rotineiro, fazendo coisas rotineiras.
Geralmente o herói começa como alguém bem comum: alguém inocente, jovem, simples ou
humilde. Em Guerra nas Estrelas, quando vemos Luke Skywalker pela primeira vez, ele está
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entediado por ter que desempenhar sua função, que consistia em arrumar novos droids para
trabalhar. O que ele queria, na verdade, era deixar tudo aquilo e se divertir um pouco. Queria sair
de seu planeta e ir para a Academia, mas não podia.
Esta é a típica apresentação da maioria dos heróis mitológicos. É assim que os heróis nos são
apresentados, antes de receber o seu chamado à aventura.
2. Em seguida, algo de novo acontece na vida do herói. É uma espécie de catalisador que dá o
pontapé inicial na história. Algo como o ataque alemão ao barco African Queen (do filme Uma
Aventura na África) ou o holograma da princesa Leia, em Guerra nas Estrelas. Independentemente
da forma que assuma, é um novo ingrediente que conduz o herói em direção a uma jornada de
extraordinária aventura. Assim, com este chamado à aventura, o desafio está lançado e surge um
novo problema que exige uma solução.
3. Muitas vezes, o herói não quer embarcar na aventura. Ele se recusa a atender a esse chamado,
fica relutante, com medo do desconhecido, inseguro, sentindo-se incapaz de enfrentar o desafio.
Em Guerra nas Estrelas, Luke recebe um duplo chamado à aventura: primeiro, o chamado da
princesa Leia em seu holograma; depois, é Obi-Wan Kenobi quem diz a Luke que precisa de sua
ajuda. Luke, porém, hesita. Ele volta para casa e descobre que os Stormtroopers imperiais
assassinaram sua família e queimaram sua casa. Agora ele tem uma motivação pessoal e está
pronto para embarcar na nova aventura.
4. Em qualquer jornada, o herói normalmente recebe ajuda de alguém. Esta ajuda costuma vir
de onde menos se espera. Em diversos contos de fadas, vemos uma velha senhora, um anão, uma
feiticeira ou um mágico ajudando o herói. O herói só atinge seu objetivo graças a essa ajuda e por
estar disposto a receber o que estas pessoas têm a lhe oferecer.
Vários são os contos de fada nos quais o primeiro e o segundo filhos são enviados para uma
determinada missão, mas recusam ou até mesmo menosprezam a ajuda oferecida. Em geral são
punidos por sua falta de humildade e incapacidade de aceitar auxílio. Então, é enviado o terceiro
filho, o herói. Ele aceita a ajuda oferecida, cumpre sua missão e de quebra conquista o amor da
princesa.
Em Guerra nas Estrelas, Obi-Wan Kenobi é o exemplo perfeito do personagem que ajuda o
herói. Ele ensina a Luke o Caminho da Força; é uma espécie de mentor cujos ensinamentos
continuam, mesmo após sua morte. Essa figura do mentor aparece em quase todas as histórias de
heróis. Ele é uma pessoa que detém conhecimentos, informações e habilidades especiais. Pode ser
o explorador em O Tesouro de Sierra Madre, o psiquiatra em Gente como a Gente, ou Quint, que
sabe tudo sobre tubarões, no filme Tubarão, ou mesmo a Bruxa Boa do Norte, que da para Dorothy
os sapatinhos de rubi em O Mágico de Oz. Em Guerra nas estrelas, Obi-Wan entrega a Luke o
sabre de luz, principal arma de um cavaleiro Jedi. De posse dessa arma, Luke está pronto para
prosseguir e completar seu treinamento.
5. Neste ponto, o herói está pronto a se aventurar por um mundo desconhecido, onde passará
por uma transformação. Esta travessia marca o ponto inicial da transformação do herói, e delimita
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os obstáculos que precisam ser superados para que o herói atinja seu objetivo. Normalmente, isto
ocorre no primeiro ponto de virada da história e conduz ao desenvolvimento do segundo ato.
Em Guerra nas Estrelas, Obi-Wan e Luke precisam de um piloto que os leve até o planeta
Alderan, para que Obi-Wan possa entregar os planos ao pai da princesa Léia. Estes planos são
indispensáveis para a sobrevivência da Aliança Rebelde. A partir daí, a aventura pode começar.
6. Agora, o herói começa a enfrentar vários testes e obstáculos necessários para derrotar o
inimigo e permitir que alcance seus objetivos. Nos contos de fadas, isto significa se livrar de
feiticeiras, enganar demônios, escapar de malfeitores ou enfrentar o mal. Na Odisséia, de Homero,
isto significou ter que cegar o ciclope, fugir do país dos lotófagos, resistir aos encantos das sereias
e sobreviver a um naufrágio.
Em Guerra nas Estrelas, Luke enfrenta incontáveis aventuras: junto com seus companheiros, ele
precisa chegar até a nave Millenium Falcon, escapando por pouco dos stormtroopers, antes de
entrar no hiperespaço. Precisam evitar a todo custo serem capturados na Estrela da Morte, salvar
a princesa, e até sobreviver a um compactador de lixo.
7. Em certo ponto da história, o herói chega ao fundo de poço. É comum ele passar por uma
“experiência próxima da morte”, que o leva a uma espécie de renascimento. Em Guerra nas Estrelas,
Luke parece ter morrido quando, de repente, no compactador de lixo, a serpente o puxa para
baixo. Então, ele acaba se salvando, bem a tempo de pedir ao R2D2 que pare o compactador, antes
que eles sejam esmagados. Normalmente, este é o “momento negro”, que dá lugar ao segundo
ponto de virada, o ponto em que o mal tem que ser confrontado. A partir daí a ação começa
caminhar para o emocionante desfecho.
8. Neste ponto o herói levanta sua espada e toma posse do tesouro.
Ele agora está no comando da situação, embora ainda não tenha completado toda a sua jornada.
Este é o ponto, por exemplo, em que Luke já conseguiu resgatar a princesa e os planos técnicos,
mas onde o confronto final ainda está para começar. Syd Field chama este ponto de “pinça 2”, pois
apresenta uma fala, cena ou sequencia que põe o final do segundo ato em movimento, conduzindo
ao clímax final.
9. O caminho de volta geralmente é uma cena de perseguição. Em muitos contos de fadas, este
é o ponto em que o antagonista persegue o herói, enquanto este se depara com os últimos obstáculos
que precisam ser superados, antes que ele esteja realmente a salvo e livre. Seu desafio é usar o que
aprendeu em sua vida diária. Ele tem que voltar para casa e restaurar seu mundo. Em Guerra nas
Estrelas, vemos Darth Vader numa perseguição feroz, planejando explodir o Planeta Rebelde.
10. Como toda história de heróis é uma história de transformação, temos que ver o herói
transformado ao final, ressurgindo das cinzas para uma nova vida. Ele tem que enfrentar uma
provação suprema, antes de “renascer” como herói, provando assim sua coragem e sendo
transformado. É neste ponto que vemos em muitos contos de fadas o filho do humilde ferreiro se
tornar rei e casar com a princesa. Em Guerra nas Estrelas, vemos que Luke sobrevive e se torna
uma pessoa muito diferente do jovem inocente que era no primeiro ato.
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Este é ponto em que o herói volta para casa e se reintegra à sociedade. Em Guerra nas Estrelas,
Luke destrói a Estrela da Morte e recebe sua recompensa.
Esta é uma clássica “história de herói”. Também podemos chamá-la de missão (quest) ou mito
da missão, pois nela vemos uma pessoa que tem que desempenhar uma determinada missão,
embora a missão em si não seja o verdadeiro tesouro que ela procura. Para Luke, por exemplo, a
verdadeira recompensa é o amor da princesa e o mundo novo e seguro que ele ajudou a criar.
Um mito pode ter muitas variações. Nos filmes de James Bond vemos um exemplo dessa
variação (embora o mito perca muito de sua princundidade, pois o herói não passa por uma
transformação). Outros exemplos dessas variações podem ser observados no filme Tubarão, onde
o tubarão tem que ser morto, ou no filme Um Lugar no Coração, onde Edna tem que superar
obstáculos para assegurar a estabilidade de sua família.
O mito do tesouro é uma outra variação desse tema, pois os elementos permanecem os mesmo,
quer a jornada do herói esteja voltada à caça de um tesouro ou ao desempenho de missão. O herói,
humilde e relutante é chamado para uma aventura. Ele recebe a inesperada ajuda de vários
personagens singulares. Precisa superar uma série de obstáculos e, nesse processo, é transformado
e enfrenta o desafio final, o que exige que ele lance mão de todos os seus recursos, internos e
externos.
O MITO DA CURA
Embora o herói mitológico seja o tipo mais comum de mito, também há muitas histórias cujos
mitos envolvem cura. Nestas histórias, em geral encontramos um personagem ferido ou abalado
por algum motivo, que precisa então deixar seu ambiente e ingressar numa jornada em busca de
restaurar sua integridade.
A experiência universal por trás dessas histórias de cura está em nossas necessidades psicológicas
de renovação e equilíbrio. A jornada de um herói rumo ao isolamento não é assim tão diferente de
uma escapada de fim de semana ou de uma viagem para o Havaí, para se afastar de tudo ou mesmo
de uma temporada num Hotel Spa, por algumas semanas, para se curar do stress. Em todos esses
casos, temos algo que está desequilibrado, e a jornada do mito da cura se move na direção da
restauração da nossa integridade.
Essa “ferida” ou desequilíbrio pode assumir várias formas. Pode ser algo físico, emocional ou
psicológico. Normalmente envolve essas três circunstâncias. Nesse processo de isolamento
voluntário, quando a pessoa pode optar por se esconder no meio do mato, num lugar deserto ou
mesmo numa fazenda amish — como no filme A Testemunha — a pessoa restaura sua integridade,
seu equilíbrio e sua capacidade de amar. Nessas histórias, o amor e, ao mesmo tempo, uma força
restauradora e uma recompensa.
Pense em John Book, personagem do filme A Testemunha. No primeiro ato, vemos um homem
frenético, insensível, com medo de assumir compromissos, extremamente crítico e avesso às
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influência femininas em sua vida. Na verdade, John sofre de uma “ferida interna” embora a
desconheça. Quando leva um tiro e passa a sofrer de uma “ferida externa”, é forçado a se afastar de
tudo, o que dá início a seu processo de transformação.
No início do segundo ato, vemos John delirando, à beira da morte. Isto representa um mergulho
no inconsciente, uma passagem do mundo ativo e racional de sua vida como policial, no primeiro
ato, para um mundo misterioso, feminino, mais intuitivo.
Uma vez que o “problema interno” de John consiste justamente na falta de equilíbrio com seu
lado feminino, este delírio dispara o gatilho para um processo de transformação.
Mais tarde, no segundo ato, vemos John começar a mudar. Ele passa de um estilo de vida
altamente independente para uma vida em comunidade em meio a seus anfitriões amish. John
agora madruga para tirar leite das vacas e para ajudar em várias tarefas. Ele usa suas habilidades
de carpinteiro para ajudar na construção do celeiro e para terminar o viveiro dos pássaros. Pouco
a pouco, ele começa a desenvolver um relacionamento com Rachel e seu filho, Samuel. O ritmo da
vida de John muda, torna-se mais lento e com isso ele se torna mais receptivo, aprendendo
importantes lições sobre o amor. No terceiro ato, finalmente descobre que vale a pena lutar pelo
lado feminino, e abre mão de sua arma para salvar a vida de Rachel. Algumas cenas mais tarde,
quando surge uma oportunidade de matar Paul, John opta por uma solução sem violência. Embora
John não tenha “conquistado” uma princesa, ele “conquistou” amor e integridade. No final do
filme, podemos ver que o John Book do terceiro ato é uma pessoa bem diferente do John Book do
primeiro ato. Ele demonstra uma camaradagem diferente com seus companheiros da polícia, está
mais descontraído, e sentimos que, de alguma forma, essa experiência contribuiu para criar um
John Book mais humano, mais completo.
COMBINAÇÃO DE MITOS
Muitas histórias são, no fundo, uma combinação de vários mitos diferentes. Pense, por exemplo,
no filme Os Caça-Fantasmas, uma hilariante comédia sobre três homens que lutam para salvar a
cidade de Nova York dos fantasmas. Agora pense no mito da caixa de Pandora, que conta a história
de uma mulher que liberta todos os tipos de males no mundo, ao abrir uma caixa em que lhe
haviam dito para não tocar. Em Os Caça Fantasmas, o funcionário da Agência de Proteção
Ambiental é uma metáfora de Pandora, pois ao desligar a energia da câmara de contenção
ectoplásmica, ele, sem querer, soltou todos os fantasmas sobre a idade de Nova York. Combine o
mito da caixa de Pandora com uma história de herói e note que temos nossos três heróis lutando
com o Homem Marshmallow. Um deles, inclusive, “conquista a princesa”, o que vemos acontecer
quando Dr. Peter Venkman finalmente consegue as atenções de Dana Barrett. Ao examinar mais
de perto todas essas combinações de mitos, fica evidente que o filme Os Caça-Fantasmas é muito
mais do que uma simples comédia.
Já o filme Tootsie é uma espécie de releitura de várias histórias de Shakespeare, em que uma
mulher tem que se vestir de homem para alcançar determinado objetivo. Estas histórias
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shakespeareanas, por sua vez, buscaram inspiração nos contos de fadas em que o herói se torna
invisível, assume uma nova personalidade ou recorre a algum disfarce para esconder o que
realmente é. Em histórias infantis como As Doze Princesas Bailarinas e Pele de Urso — um conto
dos irmãos Grimm —, o disfarce se torna imprescindível para atingir determinado objetivo.
Combine estes elementos com temas de transformação herói mitológico, onde um herói — como
Michael, do filme Tootsie "tem que superar incontáveis obstáculos para alcançar seu sucesso
profissional e pessoal. Faça essa análise e verá como fica fácil entender por que uma história como
Tootsie nos atrai e encanta tanto.
ARQUÉTIPOS
Os mitos possuem certos personagens que costumamos encontrar em diversas histórias e que
são chamados de arquétipos. Os arquétipos representam um tipo padronizado de personagem, os
“personagens típicos”, que encontramos na jornada do herói. Embora possam assumir as mais
variadas formas, tendem a se enquadrar em certas categorias determinadas.
Ao analisar a jornada do herói mitológico, mencionamos a presença de
personagens que ajudam o herói, dando conselhos ou informações — como
o velho sábio que age como mentor do herói.
A contrapartida feminina do velho sábio é a figura da mãe dedicada Enquanto o velho sábio é
detentor de elevados conhecimentos, a mãe dedicada é conhecida por sua incrível capacidade de
instruir e por sua intuição. Esta figura materna muitas vezes dá ao herói objetos que o ajudarão em
sua jornada. Pode ser um amuleto da sorte ou os sapatinhos que Dorothy recebe da Bruxa Boa do
Norte, no filme O Mágico de Oz. Ou pode ser, como em alguns contos de fadas, um casaco que
deixa o personagem invisível, ou objetos comuns que se tornam extraordinários, como na história
The Courageous Girl, um conto de fadas do Tajiquistão
sobre uma donzela que recebe um pente, uma pedra de amolar e um espelho para ajudá-la a
vencer o demônio.
Muitos mitos contemplam uma figura sombria, um personagem que é o avesso do herói.
Algumas vezes este personagem ajuda o herói em sua jornada; em outras, opõe-se ao herói. Essa
figura pode ser o lado negativo do herói, como o irmão hostil do seriado Cain and Abel, ou as
filhas da madrasta em Cinderela, ou mesmo a menina-ladra do filme A Rainha da Neve. A figura
sombria também pode ajudar o herói, como no caso de uma prostituta que tem um coração de
ouro e salva a vida do herói ou o ajuda a rever a visão que ele tem a respeito das mulheres.
Vários mitos assumem a forma de arquétipos animalescos, que tanto podem ser figuras positivas
como negativas. Na lenda de São Jorge e o dragão, a força negativa é representada pelo dragão, um
animal violento e destruidor, assim como o tubarão do filme Tubarão. Mas há várias histórias em
que os animais ajudam o herói. É comum vermos um burro falante, ou um golfinho que salva o
herói, um unicórnio ou algum outro animal com poderes mágicos.
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O trapaceiro é outro arquétipo bem comum, de caráter negativo e que está sempre promovendo
o caos, perturbando a paz e costuma ser bastante "anarquia. Ele usa de sagacidade e astúcia para
atingir seus objetivos. Pode assumir uma forma tão inocente quanto a de um menino travesso ou
um "garoto mau", o que chega a ser engraçado e até divertido. Porém, normalmente é um vigarista,
como em Golpe de Mestre, ou o próprio demônio, como no filme O Exorcista, onde o padre é
forçado a se valer de todos os seus recursos para vencê-lo
As histórias de Till Eulenspiegel— um anti-herói medieval da tradição oral alemã — e as
novelas picarescas espanholas dos séculos XVI e XVII giram ao redor dessa figura do trapaceiro.
As Aventuras de Tom Sawyer, um dos grandes clássicos da literatura americana, também
trabalha esse tema através da figura de Tom Sawyer, um menino astuto que se tornou um
personagem imortal de Mark Twain. Em todos os países encontramos histórias que giram em
torno desta figura, cuja função primordial é passar a perna nos outros.
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APLICAÇÃO
A habilidade de estar sempre encontrando oportunidades para conferir maior profundidade
aos temas de um roteiro constitui uma parte importante do trabalho do roteirista. Parte desse
processo consiste justamente em descobrir o mito por trás das histórias de hoje.
Uma boa sugestão para descobrir esses mitos seria ler de novo alguns dos contos dos irmãos
Grimm, ou mesmo contos e lendas do folclore em geral, de todo o mundo, para começar a se
familiarizar com os vários mitos. Com isso você começará a perceber padrões e elementos que
estão ligados à nossa experiência humana.
Leia também Joseph Campbell e obras sobre mitologia grega. Se você se interessa pela psicologia
junguiana, encontrará diversos recursos valiosos em vários livros sobre o assunto. Como a
psicologia junguiana lida com arquétipos, ao estudá-la você encontrará inspiração para muitos
personagens novos.
Com todos esses recursos em mãos, é importante ter em mente que não se deve impor um mito
a uma história. Na verdade, o mito é mais um modelo, um padrão que você deve trazer à tona em
seus roteiros, quando eles parecerem estar apontando na direção de um mito.
Assim, à medida que for escrevendo, pergunte a si mesmo:
■ Há algum mito atuando nesse roteiro? Se existe, quais são os passos que estou explorando
na dinâmica da jornada do herói mitológico? Quais deles parecem estar faltando?
■ Está faltando algum personagem? Será que eu preciso de um mentor? De um velho sábio? De
um feiticeiro? Algum desses personagens ajudaria a dimensionar a jornada do meu herói?
■ Será que eu conseguiria imprimir novas dimensões emocionais ao mito se, logo de início,
apresentasse meu personagem como alguém relutante, ingênuo, simples ou decisivamente um
“anti-herói”?
■ Meu personagem sofre transformações no decorrer de sua jornada?
■ Terei utilizado uma nítida estrutura de três atos para dar sustentação ao mito, usando o
primeiro ponto de virada para que ele entre numa aventura por um mundo desconhecido e o
segundo ponto de virada para criar um “momento negro”, uma reversão de expectativa, ou uma
experiência “próxima da morte”?
Não tenha medo de criar variações em cima do mito, mas não comece pelo mito propriamente
dito. Deixe que ele surja naturalmente da história. O desenvolvimento de mitos é parte do processo
de reescrever
o roteiro. Se você começar pelo mito, descobrirá que o texto se tornará engessado, sem
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criatividade e altamente previsível. Trabalhar com o mito durante o processo de reescrita dará ao
seu roteiro maior profundidade, conferindo-lhe nova vida à medida que você descobre “a história
oculta dentro de outra história”.
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PARTE 3
A CONSTRUÇÃO
DOS PERSONAGENS
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CAPÍTULO 9
A maior parte das histórias são relativamente simples, isto é, podem ser contadas em poucas
palavras; têm começo, meio e fim. Por exemplo, no caso de E. T. poderíamos dizer que se trata da
história de um alienígena que foi encontrado aqui na Terra e, depois de algumas aventuras, volta
para sua “casa”. No filme De Volta para o Futuro, Marty volta ao passado 30 anos em uma máquina
do tempo, mas depois consegue finalmente retornar ao presente. Em Tootsie, Michael se disfarça
de mulher, consegue um emprego e, por fim, acaba desmascarando a si mesmo.
O que deixa as histórias mais complexas é a influência dos personagens. São os personagens que
dão credibilidade à história, conferindo-lhe um novo dimensionamento e conduzindo-a por novas
direções. São os personagens, com todas as suas idiossincrasias e desejos, que transformam a
história, que transformam algo simples numa história encantadora, irresistível.
Pense um pouco nos personagens de Rose e Allnutt, do filme Uma Aventura na África, e verá
que se Rose não tivesse responsabilizado os alemães pela morte de seu irmão, se não tivesse ficado
com tanta raiva e se não fosse tão obstinada, talvez o barco Louisa não tivesse sido torpedeado.
Foi o personagem de Rose que mudou o rumo da história. O plano de Allnutt era aguardar
alguns dias, até encontrar alguma maneira mais simples de salvar suas vidas. Já Rose queria se
vingar dos alemães e fazer algo por seu país. Allnutt só concordou com o plano de Rose depois que
a missionária jogou fora todo seu gim e ficou sem falar com ele, ate que ele cedesse. Vemos,
portanto, que foi o personagem de Rose quem fez com que a história tomasse uma nova direção.
O personagem influencia a história sobretudo por que os personagens, e especialmente o
protagonista, sempre têm um objetivo a alcançar. Há sempre alguma coisa que o protagonista
deseja realizar, e é precisamente isso o que dá direção à história.
No começo da história, alguma coisa motiva o personagem a perseguir este objetivo. O
personagem passa, então, a agir de modo a alcançá-lo. No final da maioria dos filmes esse objetivo
é atingido.
Do mesmo modo que a história tem uma estrutura constituída por elementos como a
apresentação, os pontos de virada e o clímax, o personagem também tem uma espinha dorsal ou
estrutura. Essa estrutura do personagem é determinada pela interrelação de três fatores: motiva
ção, ação e objetivo. Para definir com clareza um personagem, precisamos desses três elementos.
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Precisamos deles para saber quem é o personagem, o que ele deseja, por que deseja e o que está
disposto a fazer para alcançar seu objetivo.
Se um desses elementos estiver faltando, a estrutura do personagem ficará confusa e sem foco.
Ficará sem direção. Quando isso acontece, ficamos sem saber para quem devemos torcer ou
mesmo se realmente deveríamos estar torcendo por alguém. Por isso, vamos agora passar a analisar
cada um dos elementos que compõem a espinha dorsal de um personagem.
A MOTIVAÇÃO
Com certeza todos nós já vimos filmes em que não fica bem claro o porquê dos personagens
estarem agindo de uma determinada maneira. Já vimos filmes em que o herói move montanhas
para salvar seu país sem que, no entanto, nos fosse mostrado um único motivo sequer que
evidenciasse seu amor pela pátria.
Também já vimos filmes em que o personagem parece irritado, perde a cabeça ou se apaixona,
sem que haja alguma razão aparente que justifique esses estados de espírito. O que acontece nesses
casos é que a motivação do personagem não está clara ou não é forte o suficiente. E se não sabemos
por que um personagem está tomando determinadas atitudes, fica difícil nos envolvermos com a
história. O resultado disso é fácil de perceber: a história perde momentum e a audiência perde o
interesse.
A motivação é o que impulsiona o personagem numa história. Ela é o elemento catalisador que,
no início da história, faz com que o personagem se envolva na trama. E como qualquer catalisador,
a motivação pode ser de ordem física, expressa por meio de diálogo ou revelada por uma situação.
A motivação física é sempre a que dá maior impulso à trama. No filme O Fugitivo, a fuga de
Richard Kimble força Sam Gerard a começar sua perseguição. No filme Os Imperdoáveis, o fato
de alguns homens terem cortado o rosto de uma prostituta faz Bill Munny buscar vingança. Em
Os Caça Fantasmas, a aparição dos fantasmas leva os caça fantasmas a entrarem em ação.
Acontecimentos desse tipo têm o poder de lançar o personagem principal diretamente para o
centro da história. Ele se vê forçado a participar do que está acontecendo, o que faz de forma clara
e decisiva.
Muitas vezes, a história combina acontecimentos e diálogos para construir uma situação, de
modo a nos fazer perceber a motivação do personagem, apesar de não existir um momento
catalisador específico.
No filme Tootsie, a motivação foi evidenciada pelo esforço de Michael em tentar conseguir
trabalho. Foram seus repetidos fracassos que o levaram a tentar fazer qualquer coisa para resolver
o problema — inclusive se disfarçar de mulher para conseguir um papel feminino, numa novela
de televisão.
Tootsie começa com uma montagem de várias cenas que retratam esse processo de seleção do
elenco:
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VOZ
(vinda do escuro)
Não, não precisa. Estava muito bom. Muito bom mesmo. Só que você não tem a altura que
queremos.
MICHAEL
por favor, escute. Eu posso ficar mais alto. Tenho sapatos plataforma lá em casa. Posso ficar mais
alto alguns centímetros...
VOZ
Não, você não me entendeu. Precisamos de alguém menor do que você.
MICHAEL
Mas eu não sou tão alto assim. Estou usando um sapato plataforma!
Depois de assistir a essa montagem, fica fácil compreender a motivação de Michael. Daí em
diante, não temos mais razão para questionar o que levou Michael a se disfarçar de mulher para
conseguir trabalho.
Há histórias que se baseiam excessivamente na técnica de fazer o personagem explicar sua
própria motivação, em lugar de apenas mostrar essa motivação. Isto ocorre quando não há uma
ação que traga o personagem para dentro da história. Portanto, como não há esta ação específica,
o personagem se vê obrigado a explicar as razões de sua participação. Isso pode funcionar bem em
romances, mas raramente tem bons resultados quando se trata de drama. Se não pudermos ver,
com extrema clareza, o que motivou a entrada de um personagem na história, oferecer ao público
um amontoado de explicações definitivamente não irá nos ajudar.
Há vários métodos que costumam ser usados para relatar a motivação de um personagem, em
vez de mostrá-la. Mas, em geral, esses métodos não são eficazes. Um deles é o do discurso expositivo
e o outro é o do flashback.
Não são poucos os roteiros que atribuem à backstory o papel de prinpal elemento de motivação
das ações de um personagem. Isso significa que
o personagem terá que fazer longos discursos acerca de seu passado, como fora de explicar o
motivo de suas ações no presente. Nesses discursos, ele fala de suas experiências, de seus traumas,
do lugar onde cresceu, contando longas histórias de seus tempos de criança e do relacionamento
com os pais. Ou discorre sobre influências que sofreu de outras pessoas, quando ainda era jovem,
mencionando uma tia querida ou um tio malvado. Ou resolve nos contar de algum problema que
teve há dois anos — ou há quinze anos atrás —, detalhando minuciosamente como chegou à
situação atual.
Esses relatos, em geral, só ajudam a travar o roteiro, pois falam de coisas que não são relevantes
para o problema atual do personagem ou não conseguem mostrar uma motivação atual que seja
forte o bastante para se sobrepor às informações do passado. Muitas vezes o roteirista acha que
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esses discursos ajudam a revelar o personagem, quando, na realidade este se revela muito mais
através das ações que impulsionam a história.
Cenas descritivas, que só se concentram em revelar o personagem, não conseguem dar a esse
personagem o impulso motivacional necessário. E como qualquer peça dramática é muito mais
baseada em imagens do que em diálogos, tudo o que for falado, em vez de mostrado, diminuirá o
impacto dramático das cenas.
Muitas vezes os flashbacks acabam assumindo uma função mais informativa do que dramática.
Em geral, são usados para explicar, para dar informações sobre a backstory ou sobre o próprio
personagem. Não raro o próprio roteirista vai justificar o uso do flashback, dizendo que pretendia
dar mais informações sobre seu personagem ou que “O passado era importante para explicar o
presente”.
Contudo, a utilização dos flashbacks como forma de explicar a motivação do personagem
raramente alcança bons resultados. Isso é verdade por uma série de motivos. Antes de mais nada,
a função da motivação é projetar o personagem para frente e os flashbacks, por sua própria
natureza, param a ação no tempo, pois encontram motivação num passado distante, em vez de
situá-la no momento atual. Se a motivação aconteceu mesmo há muito tempo atrás, o personagem
também deveria estar presente na história desde então. Porém, a verdadeira motivação ocorre no
presente. Pode ser que seja até o último fato de uma série de incidentes que aconteceram, mas a
motivação só ocorre quando o personagem está pronto, pois é algo que acontece agora, é iminente,
é presente.
A ênfase dos flashbacks está nos detalhes e não no momento dramático, uma vez que eles se
concentram mais na psicologia interna do personagem do que naquelas ações presentes que
exigem uma reação. Assim, são feitos para revelar o personagem, mas raramente para motivá-lo.
Porém não devemos concluir por isso que os flashbacks nunca possam se usados. Alguns
flashbacks são de fato necessários, por razões temáticas ou mesmo em função do estilo de um
filme. Em O Beijo da Mulher Aranha, o flashback é um recurso indispensável para quebrar um
pouco o confinamento da cela. A história do filme Conta Comigo é mostrada em flashback, pois
explora temas como identidade e amizade, à medida que um adulto olha para um incidente
fundamental do seu passado.
Os flashbacks do filme O Fugitivo ajudam a desvendar o mistério bem como transmitem à
audiência fatos importantes sobre o assassino. Não obstante, os melhores filmes sempre darão
mais ênfase ao desdobramento da história no presente, como forma mais eficaz de revelar a
motivação dos personagens.
A esta altura é bem provável que você esteja se perguntando: “Certo, vamos admitir que eu não
utilize flashbacks ou longos discursos para explicar a história. Por onde, então, devo começar
minha história? Como faço para encontrar aquela primeira imagem que coloca a história em
movimento?” Uma forma bem comum de esclarecer e destacar a motivação é situar o personagem
num momento de crise, logo no início da história. Nestes momentos os personagens ficam mais
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vulneráveis a tomar um novo rumo. Estão prontos para tudo de novo que possa acontecer, pois de
certa forma seu antigo mundo desmoronou e uma nova história começa a emergir dos escombros.
É justamente isso o que acontece com Edna, no filme Um Lugar no Coração e com Rachel, no
filme A Testemunha. Nós as conhecemos num momento de crise, logo após a morte dos maridos,
quando estão vulneráveis, fragilizadas, precisando de ajuda, no limiar de uma vida nova.
Dentre os melhores filmes, muitas vezes encontramos personagens nessa situação. No filme Os
Caça-Fantasmas, por exemplo, os três parapsicólogos tinham perdido o emprego. Esse momento
de crise, somado ao aparecimento dos fantasmas, foi o que os lançou em uma nova carreira.
Em Guerra nas Estrelas, a Estrela da Morte está prestes a destruir tudo. Este fato é o que
impulsiona a turma do bem a entrar em ação.
A história do filme E o Vento Levou retrata um país no limiar de uma guerra civil. Esta situação
de crise é o que motiva as ações que se seguem.
Para dar certo a motivação tem que estar bem clara, bem destacada. Deve ser mostrada através
de ações, e não de palavras. Além disso, deve levar o personagem à ação, a se envolver na história,
devido a um momento de crise que enfrenta em sua vida. Em síntese, a motivação é o que coloca
o personagem em movimento. No entanto, o que dá direção a esse movimento é outro fator: o
objetivo.
O OBJETIVO
A motivação faz com que o personagem comece a olhar em direção a determinado objetivo.
Existe algo que o personagem principal deseja e é nesse sentido que ele caminha. Assim como a
motivação impele o personagem numa direção específica, o objetivo o carrega em direção ao
clímax.
O objetivo é uma parte essencial do drama. É comum ouvir a pergunta: “Mas, afinal, o que esse
personagem quer?” Sem um objetivo claro em mente, a história fica vaga e se torna extremamente
confusa. Sem ele ficará impossível encontrar a espinha dorsal da história.
É o objetivo que entrelaça o personagem ao clímax da história, o qual, por sua vez, é alcançado
pelo fato de o personagem ter ido atrás de determinado objetivo e de ter conseguido chegar lá.
Porém, não é qualquer objetivo que faz com que isso ocorra. Há três requisitos primordiais que
um objetivo precisa preencher, para que seja eficaz nessa função.
Em primeiro lugar, é preciso que haja alguma coisa em risco na história que seja capaz de
convencer a audiência de que, caso o personagem não consiga atingir seu objetivo, a perda será
muito grande. Se não acreditarmos na mais absoluta necessidade do personagem alcançar seu
objetivo, não seremos capazes de torcer para que isso aconteça. Fica bem claro que aquilo que está
em risco pode ser desde a própria sobrevivência (como em Guerra nas Estrelas), a fatores
relacionados à auto-estima (como em Tootsie) ou mesmo à sobrevivência de alguém (como em
Cocoon). Mas, para isso, precisamos compreender claramente objetivo e acreditar que é essencial
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A AÇÃO
A força e a sinceridade de um personagem são demonstradas pelos meios que ele usa para
atingir seu objetivo. Se alguém diz que quer alguma coisa, mas nada faz para obtê-la, não está
sendo sincero. Dificilmente haverá quem acredite nessa pessoa, pois carece de credibilidade. O
mesmo acontece com um personagem. Ele deve tomar algumas atitudes para atingir seu objetivo.
Quanto maior for seu empenho, quanto maiores os obstáculos, mais forte o personagem se tornará.
Os obstáculos e as ações assumem as formas mais diversas. As ações variam desde uma simples
investigação (como em Intriga Internacional), uma captura (como em Os Caça Fantasmas), até a
destruição e reconstrução de um lugar (como em E o Vento Levou). Em cada um desses casos, a
ação é clara, dramática, e a cada passo do filme nos leva mais perto do objetivo final.
Se analisássemos as motivações, ações e objetivos de alguns filmes, teríamos o seguinte quadro:
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Nestes filmes, a motivação é clara, a ação tem impacto e o objetivo é suficientemente forte para
levar o personagem a buscar sua realização.
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história dos assassinos, que se passa nos bastidores, tinha bastante movimento, mas só vemos
alguns relances dessa história, uma vez que a informação sobre os assassinos assume a forma de
um enredo secundário de menor importância. Uma vez que a ênfase maior foi colocada sobre o
personagem principal e sua respectiva transformação, durante a maior parte do filme
acompanhamos muito pouca ação do personagem, apesar de que o problema exigia muito mais
ação para se chegar a alguma solução. O personagem principal acabou sendo mais uma vítima
passiva da linha de ação dramática do que um sujeito ativo, alguém que tivesse provocado o
assassinato, ou descoberto alguma informação importante, ou mesmo levado alguém a confessar
o crime. E como o personagem não foi capaz de fazer com que o clímax acontecesse, a relação
entre a estrutura da história e a estrutura do personagem ficou enfraquecida.
A intenção do filme A Manha Seguinte parece ter sido a de criar um tipo diferente de filme. O
roteirista (James Hicks) não seguiu a estrutura padrão das histórias de detetive/mistério/assassinato,
em que uma mulher se vê envolvida numa investigação por um policial do tipo machão, e assim o
mistério acaba sendo solucionado. E, de fato, algumas das escolhas deste filme foram bem sucedidas,
o que fica evidenciado pelas críticas entusiasmadas acerca da brilhante atuação e do incrível arco
de transformação do personagem encenado por Jane Fonda.
No entanto, este filme, como muitos outros, nos mostra que o roteirista precisa pesar bem tudo
aquilo que resolve fazer. Um filme de peso precisa de uma história cuja estrutura seja bem nítida,
sem, contudo, ser previsível. Precisa integrar o enredo principal e os enredos secundários. E precisa
também que a motivação, a ação e o objetivo, ou seja, que a espinha dorsal do personagem seja
bem clara e concisa.
APLICAÇÃO
A primeira tarefa de quem reescreve um personagem é ter a certeza de que conseguiu criar um
personagem marcante, intenso. O que costuma acontecer em muitos roteiros é que há informação
demais, e isso acaba encobrindo a verdadeira motivação, a ação, e o objetivo do personagem.
Trazer à tona essa espinha dorsal do personagem, deixando-a mais clara, faz parte de um processo
que consiste em desconstruir certos aspectos e construir outros.
Se achar, por exemplo, que seu roteiro tem muita palavra e pouca ação, ao reescrevê-lo, comece
por eliminar todas as partes que lhe pareçam muito dissertativas. Procure todos os trechos em que
os personagens passam a impressão de estarem tentando se explicar. Em seguida, localize os
trechos de diálogo em que os personagens fazem longos discursos, numa tentativa de traçar sua
backstory através de um perfil psicológico. Procure eliminar todas essas partes do roteiro.
Em seguida, verifique os flashbacks. Se algum deles for mais explicativo do que dramático,
elimine-o também.
Agora, olhe para o que restou de sua história. Há algum elemento catalisador nítido que motive
o personagem a se engajar na história? Caso não haja, veja se é possível criar um momento de crise
que force seu personagem a entrar em ação. Procure mostrar esse ponto crítico visualmente.
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Localize, então, as cenas de ação que integram a sua história. Pelo fato de haver cortado aquelas
passagens muito dissertativas, é possível que você tenha ficado com pouca ação para trabalhar. Se
isso tiver mesmo acontecido, reveja as passagens que você eliminou, e procure ver se há nelas
algumas ações descritas ou implícitas, que possam ser dramaticamente representadas por seus
personagens. Caso haja, substitua as passagens que havia cortado por essas cenas de ação.
Em seguida, analise o objetivo de seu personagem. O objetivo é apresentado logo no primeiro
ato? Está bem claro? Quando o personagem atinge seu objetivo, conseguimos perceber que a
história terminou? O clímax e o objetivo se confundem (como quase sempre acontece)? Existem
objetivos bem definidos tanto na estrutura do enredo principal quanto dos enredos secundários?
Todos estes objetivos estão bem resolvidos lá pelo final do roteiro?
Uma vez que você tenha analisado as imagens e ações que integram sua história, reveja as partes
que foram removidas. Dentro das passagens dissertativas, ou até mesmo nos flashbacks, pode
haver informações pertinentes que não possam ficar de fora do roteiro. Se nestas passagens você
tiver diálogos muito longos, procure reduzir o que realmente interesse a uma linha ou duas. Em
vez de reintroduzir toda a informação de que precisa em uma única cena, fazendo assim com que
a cena fique muito verbal e acabe atrapalhando o desenrolar da história, distribua sua informação
por vários pequenos trechos do roteiro, principalmente ao longo do primeiro e segundo atos. Se
algumas dessas falas estiverem sendo usadas para revelar traços do personagem, procure substituir
o diálogo por uma imagem ou ação que demonstre essa característica.
Trazendo à tona a espinha dorsal de sua história e dos personagens, ao remover excesso de
informação que as encobria, ficará bem mais fácil perceber o que está atrapalhando o desenrolar
da história e o que é preciso fazer para lhe dar mais clareza e ação.
Finalmente, pergunte a si mesmo o seguinte, com relação ao seu roteiro:
■ Meu personagem é motivado por ações ou palavras? O momento em que ele entra na história
está bem claro? Conseguimos perceber por que ele começa a agir?
■ Qual o objetivo do meu personagem? Este objetivo é forte o suficiente para levá-lo a agir ao
longo dos três atos?
■ Meu personagem é mais ativo ou passivo na busca de seu objetivo? A ação responde ao que
é pedido pela linha de ação dramática da minha história? Se o filme for de aventura, estou
recorrendo a ações suficientemente intensas e dramáticas? Se for um filme mais relacional, será
que eu consegui encontrar formas mais sutis de conduzir a ação?
■ Caso eu tenha resolvido introduzir alguns flashbacks, backstory ou diálogos longos em meu
roteiro, será que eles são de fato absolutamente essenciais? Será que procurei cortar ou condensar
este material, na medida do possível?
■ Será que eu poderia traçar a espinha dorsal de meu personagem em poucas palavras? Estão
bem claros, no roteiro, os pontos de intersecção entre a espinha dorsal da história e do personagem?
Muitos roteiros, principalmente os de roteiristas novatos, pecam pelo excesso de informações.
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Uma vez que o excesso de informação é removido, o roteiro imediatamente recobra sua energia e
o que parecia ser um roteiro sem vida começa a exibir sinais de vitalidade.
Motivação, ação e objetivo são os elementos que dão movimento e direção a um roteiro. Mas
existe ainda um outro elemento que precisamos acrescentar e que é a parte vital do drama: o
conflito.
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CAPÍTULO 10
PROCURANDO O CONFLITO
É comum um roteirista ouvir certos palpites do tipo: “Faça um roteiro mais intenso!”, “Precisa
ter mais impacto!”, “O roteiro está muito monótono, sem graça!”. Normalmente, o que de fato a
pessoa está tentando lhe dizer é que falta conflito em seu roteiro.
O conflito é a base do drama, pois o drama é essencialmente feito de conflito. Os romances
podem ser mais interiorizados, suaves e amenos; os poemas, mais floreados, etéreos e
contemplativos; mas o drama, não. O drama precisa do ranger de dentes, do impacto, da luta. Isto
vale para qualquer forma de drama, seja um filme de aventura, uma comédia romântica, um sitcom
ou um filme de ficção científica, pois o conflito é o elemento chave de qualquer peça dramática.
O drama nunca fala de pessoas que se dão bem umas com as outras. Nele, os personagens
nunca evitam os confrontos. Um bom drama mostra os personagens num relacionamento
dinâmico que enfatiza suas diferenças. Eles se confrontam, discutem, lutam bravamente, recorrem
à persuasão e procuram impor seus pontos de vista e suas decisões sobre pessoas que não pensam
da mesma maneira.
O conflito acontece quando dois personagens têm, ao mesmo tempo, objetivos mutuamente
excludentes. Se um vencer, o outro perde. Ao longo da história, acompanhamos a luta dos dois,
protagonista e antagonista, para alcançar seus objetivos. Outros personagens também entrarão em
conflito com ambos, dando origem a uma série de conflitos de relacionamento, em cenas isoladas.
O conflito assume formas e extensões variadas. Existem tipos diferentes de conflitos, e alguns
deles são mais apropriados para o drama do que outros. Lutas, discussões e carros em perseguições
não são a única forma de expressar conflito. Os bons roteiros apresentam, ao longo da história,
conflitos de diversos tipos, expressos de várias formas.
Há cinco tipos de situações de conflito que podem ser encontradas nas histórias: o conflito
interior, o conflito relacional, o social, o situacional e o cósmico. Alguns são mais fáceis de trabalhar
do que outros alguns se adaptam melhor ao gênero dramático.
O CONFLITO INTERIOR
Quando um personagem não está seguro de si mesmo, de seu modo de agir, ou não sabe bem
o que quer, está passando por um conflito interior. Conflitos interiores funcionam melhor nos
romances, onde é comum vermos um personagem fazer certas confidências ao leitor,
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compartilhando suas inseguranças e incertezas. Porém, tendem a ser bem mais problemáticos
quando se trata de drama.
Alguns filmes tentam expressar o conflito interior lançando mão de certos recursos, como um
narrador ou trechos dissertativos. Porém, todo cuidado é pouco, pois isso pode deixar a história
excessivamente verbal.
Muitas vezes o personagem expressa seu conflito fazendo confidências a um outro personagem.
Este expediente pode ser bom, se for usado com parcimônia. Entretanto, para que funcione bem,
esse conflito interno deve ser projetado para fora, sobre outra pessoa. No filme Tootsie, há um
diálogo curto em que Michael se abre com Jeff, seu companheiro de quarto, sobre os problemas
que está tendo ao encarnar seu personagem, Dorothy:
MICHAEL
Puxa! Eu só queria parecer mais bonita. Eu sinto que ela (Dorothy) é uma pessoa tão bonita.
Talvez, se eu melhorasse o penteado, algo mais suave...
Perceba como esta confidência é breve. Michael poderia ter continuado a falar de seus
sentimentos e incertezas para Jeff. No entanto, seu conflito interno quase que imediatamente se
transforma num conflito relacional, à medida que Michael e Jeff têm que se confrontar com a nova
situação criada pela figura de Dorothy.
O telefone toca e Jeff se inclina para atender
MlCHAEL
Não atenda!
JEFF
Mas, por cluê?
MlCHAEL
Pode ser para Dorothy.
JEFF
Você deu a eles este número?
MlCHAEL
Eu tive que dar! O pessoal da novela precisava saber aonde me encontrar, caso haja alguma
mudança de horário nas gravações.
JEFF
Vou atender e ver do que se trata.
MlCHAEL
Não! Não quero que eles pensem que Dorothy vive com um homem. Não ficaria bem!
JEFF
133
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Mas, e se for para mim? Pode ser algo importante! Atenda como se fosse a Dorothy.
MlCHAEL
Mas eu não posso fazer isso! E se for a Sandy?
JEFF
Mas e se for a Diane? Como é que vou explicar uma mulher aqui?
O telefone pára de tocar. Michael volta para a mesa.
MICHAEL
Está bem. Desculpe. Vamos instalar uma secretária eletrônica.
JEFF
(levanta-se e pega seu casaco)
Isto vai levar três dias. Olha, eu não reclamei, quando você fazia papel de Cyrano de Bergerac e
inventava de fincar aquela espada sofá, bem debaixo do meu braço. Também não disse nada
quando você enchia sua camisa com cuecas para fazer uma corcunda, e saía correndo e declamando,
como se estivesse no campanário da igreja.
O que eu não consigo entender é por que eu deveria ficar aqui, fingindo que esta não é a minha
casa, só porque você não é “aquele tipo de garota".
E depois disso, Jeff sai.
Aqui temos um ponto fundamental para o uso do conflito interno: ele sempre deve ser projetado
sobre alguém ou algum objeto. Ao projetá-lo para fora, sobre alguém, o conflito se torna um
conflito relacional e poderemos acompanhar mais facilmente o drama que se desenrola.
Por exemplo, se estou frustrada com meu emprego, ao chegar em casa, chuto meu cachorro e o
cachorro me morde. Dessa forma, o conflito foi projetado para fora e passou a ser um conflito
entre mim e o cachorro.
CONFLITO RELACIONAL
A maior parte dos conflitos se baseia nos objetivos mutuamente excludentes de dois personagens:
o protagonista e o antagonista. No filme A Testemunha, o conflito concentra-se essencialmente
em John Book e Paul Schaeffer. Em Os Caça Fantasmas, Dr. Peter Venkman e o homem da Agência
de Proteção Ambiental entram em conflito sobre como tratar o problema dos fantasmas, no centro
de contenção. No filme O Passado não Perdoa, o conflito principal se passa entre WilI Munny e o
xerife. Já em O Silêncio dos Inocentes o conflito fica entre Clarice Starling (simbolizando o
empenho do FBI em descobrir o responsável pelos assassinatos em série) e o assassino, que procura
permanecer incógnito.
O maior conflito em Uma Aventura na África se da entre Rose e Allnut, cujas opiniões divergem
sobre que rumo tomar, depois da morte do irmão de Rose. Este conflito é o que faz a história
134
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caminhar. Rose dá início ao conflito, quando sugere que eles façam um torpedo e se vinguem dos
alemães, por haver matado seu irmão e destruído o vilarejo.
ALLNUTT
Mas de que diabos estamos falando? Nao há nada por aqui para torpedear. O único barco neste
rio é o African Queen.
ROSE
Não é não!
ALLNUTT
0 quê?
ROSE
Existe algo que podemos torpedear, sim.
ALLNUTT
E o que seria isso por acaso, senhorita?
ROSE
O Louisa.
ALLNUTT
Não fale besteira, por favor! Você jamais vai conseguir fazer isso! Honestamente falando, é
impossível. Já te falei que não tem como descermos este rio.
ROSE
Mas o Splenger conseguiu.
ALLNUTT
Numa canoa, senhorita sabe-tudo, numa canoa!
ROSE
Se um alemão conseguiu, nós também podemos conseguir.
E, assim, Rose acaba vencendo o conflito, e eles partem atrás do Louisa.
Naturalmente, surgem outros conflitos ao longo da história: o conflito sobre o fato de Allnutt
beber, sobre quem iria dormir na chuva, sobre como passar pelas corredeiras, entre outros. E com
o desenrolar da história, aumenta o conflito e a ameaça por parte dos alemães, à medida que Rose
e Allnutt resolvem seus próprios conflitos e acabam se apaixonando.
CONFLITO SOCIAL
Muitos dos filmes feitos para a televisão e dos filmes em exibição nos cinemas tratam de conflitos
entre uma pessoa e um grupo social. Este grupo pode ser uma estrutura administrativa, um
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governo, uma gangue de bandidos, a família, uma empresa, um exército ou até um país. Lembre-se
de quantos desses filmes já viu, que retratam um pobre diabo em luta contra um sistema: Os
Gritos do Silêncio, que mostra Dith Pran contra o Khmer Vermelho; Guerra nas Estrelas, sobre a
luta de Luke, da Princesa Leia e Han Solo contra o Império do Mal; Entre Dois Amores, onde parte
do conflito se passa entre as colônias e a administração inglesa. Sempre que o tema tiver algo a ver
com justiça, corrupção ou opressão, é bem provável que tenhamos um conflito de caráter social.
Na maior parte dos conflitos sociais, uma ou duas pessoas representam, na verdade, um grupo
maior. No filme Uma Aventura na África embora Rose não fosse capaz de lutar contra a nação
alemã, tinha condições de lutar contra algo que simbolizava a Alemanha — o barco “Louisa".
No filme E o Vento Levou, a guerra e aqueles “malditos ianques” ameaça os objetivos de Scarlett,
pois a guerra poderia, a qualquer tempo, matar seu grande amor, Ashley Wilkes. Mas também
houve pessoas específicas em vários momentos, que personificaram o conflito. Rhett Butler não
deu dinheiro para que Scarlett salvasse Tara; a Feira de Caridade de Atlanta não quis deixá-la
dançar e, por fim, um soldado ianque tenta roubá-la. Esses conflitos menores dão dimensão e foco
ao conflito maior. Se o conflito permanecer apenas entre uma pessoa e um grupo corre o risco de
se tornar um pouco abstrato. Em decorrência disso, é bem provável que a
história comece com um conflito social, mas logo fica mais específica,
colocando um personagem contra outro.
No filme Tubarão, o conflito que começa entre o chefe de polícia Martin Brody e as autoridades
locais — mostrando Martin versus um grupo — rapidamente se torna mais específico, passando a
ser um conflito entre o chefe Martin e o prefeito Vaughn — mostrando Martin versus Vaughn.
Este conflito ocupa a primeira metade do filme, antes do emocionante conflito entre homem versus
fera, que ocupa a segunda metade.
Esta cena começa logo depois do primeiro ataque de tubarão, que matou um banhista. Larry
Vaughn, o prefeito, entra, cercado de vários
cidadãos.
VAUGHN
0 que está acontecendo aí, Lenny?
HENDRICKS
Houve um ataque de tubarão esta manhã, em South Chop. Foi fatal. Temos que interditar a
praia.
Hendricks continua a fazer sinais para que interditem a praia. Vaughn, Ben Meadows, Dr.
Santos, o médico legista e mais dois vereadores que os acompanhavam trocam entre si olhares
horrorizados; mas a impressão que se tem é que não é a notícia do ataque o que os assusta.
VAUGHN
Martin, com que autoridade você está pretendendo fechar a praia?
136
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MARTIN
Por acaso não tenho autoridade suficiente?
MEADOWS
Tecnicamente você precisaria obter uma autorização da defesa civil ou de uma sessão
extraordinária da Câmara de Vereadores.
VAUGHN
Vamos seguir a lei. Nós só estamos preocupados de que você esteja se precipitando um pouco.
O que você está fazendo é muito sério. E este é seu primeiro verão aqui.
MARTIN
Então me explique, por que não estou entendendo.
VAUGHN
O que estou tentando lhe dizer é que Amity é uma cidade de veraneio. Precisamos arrecadar
dinheiro nas férias de verão. Se os turistas nao puderem nadar aqui, irão para Cape Cod ou Long
Island.
MARTIN
E por causa disso vamos deixar um bufê de banhistas à disposição do tubarão?
MEADOWS
Ora, nem mesmo temos certeza de que foi de fato um tubarão.
MARTIN
O que mais poderia ter sido?
VAUGHN (para o Dr. Santos)
Não pode ter sido a hélice de um barco?
DOUTOR SANTOS
Possivelmente...sim. Um acidente de barco.
VAUGHN
Um desses malucos irresponsáveis bebe demais e sai nadando sem querer para alto mar, um
barco pesqueiro vem e ...
MARTIN
Mas doutor, foi o senhor quem me disse que tinha sido um tubarão!
DOUTOR SANTOS
Eu estava errado. Teremos que corrigir o laudo.
VAUGHN
137
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Tudo é meio psicológico, de qualquer forma. Se alguém gritar “barracuda, ninguém dá bola.
Mas experimente gritar “tubarão”. Imediatamente todo mundo entre em pânico. Acho que todos
estamos de acordo: a última coisa de que precisamos é de pânico nesta época do feriado de 4 de
julho.
A esta altura, o conflito já está bem claro — a integridade de Martin e sua genuína preocupação
com a segurança dos banhistas versus as autoridades locais, que se preocupavam apenas com os
lucros da temporada de verão.
CONFLITO SITUACIONAL
Nos anos 70, foram feitos muitos filmes sobre catástrofes que colocavam os personagens diante
de situações de vida ou morte. Apesar de as situações criarem suspense e tensão, muito do conflito
ainda mantinha um caráter relacional. Em filmes como Aeroporto, O Destino do Poseidon, Inferno
na Torre, Terremoto e mesmo Somente Deus por Testemunha, a situação se torna uma panela de
pressão, colocando em ebulição vários conflitos relacionais, à medida que os personagens divergem
quanto à melhor maneira de se salvarem. Vemos surgir em cada cena diferentes pontos de vista.
Algumas pessoas entram em pânico, outras assumem a liderança da situação e tentam persuadir
o grupo a segui-las. Geralmente esses conflitos tendem a se individualizar ainda mais, devido a
situações que mostram membros de uma família tendo que decidir sobre abandonar ou não o
marido ou a esposa agonizante, ou crianças que resolvem desobedecer aos pais, ou ainda situações
complicadas como a de antigos conflitos familiares que vêm à tona com o calor dos acontecimentos.
Sem a ajuda desses conflitos relacionais, o conflito situacional não se sustentaria por muito
tempo. Nos casos de catástrofes como um furacão, uma tempestade de neve, um incêndio, ou um
navio naufragando, o conflito só se manteria durante a situação em si. Porém, como acontece com
os outros tipos de conflito, para manter o envolvimento do público,o conflito situacional precisa
ser visto sob um ângulo mais pessoal, mais relacional.
CONFLITO CÓSMICO
Mais raramente o conflito costuma se passar entre um personagem e deus ou o demônio, ou
mesmo qualquer outra criatura invisível. Não nos referimos aqui a um deus ou demônio
humanizado, como no filme O Homem que Vendeu a Alma. Num caso como esse, o conflito é
relacional, e não cósmico, pois se trata, na realidade, de um conflito entre dois seres humanos.
O conflito cósmico é aquele que acontece entre um personagem humano e uma força
sobrenatural. Rei Lear, de Shakespeare, luta com forças desse tipo. Saliere, no filme Amadeus,
declara guerra contra Deus por ter criado uma pessoa brilhante como Mozart. Jó (o personagem
bíblico, que também dá nome ao filme) questiona e discute com Deus.
Porém, em todas essas ocasiões, o conflito sempre acaba sendo projetado sobre os seres humanos.
Saliere está bravo com Deus, mas desconta sua raiva em Mozart. O Rei Lear fica indignado contra
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a injustiça divina, embora a causa imediata de seus problemas sejam suas duas filhas, que tramam
contra ele. Quanto a Jó, podemos dizer que, ao mesmo tempo em que ele questiona a Deus, também
discute com seus amigos.
Para que possamos acompanhar o desenrolar do conflito, é preciso que o personagem materialize
o conflito cósmico, projetando seus problemas em relação a esses seres invisíveis nos seres humanos
que atravessam seu caminho.
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mostram monólogos de Allie, ou cenas em que ele está viajando, chegando ou partindo.
Em muitos filmes baseados em livros, em vez de o conflito evoluir gradativamente do começo
ao fim, ele apenas se modifica de um ato para outro. Você se lembra do filme Entre Dois Amores,
onde o conflito começa, no primeiro ato, essencialmente entre Bror e Karen, mas no segundo ato
passa a se desenvolver entre Karen e Denys?
Quando o conflito relacional não se firma ao longo da história, alguns diretores se voltam para
o tema em busca de coesão. Tanto o filme Entre Dois Amores como A Costa Do Mosquito são
filmes temáticos, cujos temas permanecem inalterados ao longo dos três atos, ainda que o conflito
se modifique. Entretanto, o uso do tema como instrumento de coesão apenas reforça ainda mais o
caráter narrativo, em vez de destacar o aspecto dramático da história.
Descobri que um dos meios de adaptar livros para o cinema é verificar se é possível converter
enredo principal em enredo secundário e vice-versa. Como nos livros o enredo principal geralmente
se desenvolve em torno da vida interior de um personagem, podemos transformar este enredo
principal num enredo secundário. Os enredos secundários de cunho mais relacional podem ser
trabalhados, criando assim uma linha relacional mais forte que atravessa todo o roteiro.
Quando trabalhei na adaptação de Christy, o best-seller que inspirou uma série de TV, tive que
enfrentar esse tipo de problema. O principal foco desse romance de 500 páginas era mostrar
Christy em busca de Deus e de sua identidade. Ao longo do livro, esse tema é trabalhado através
da história dessa moça que vai para os montes Apalaches, em 1912, para lecionar numa escola. Lá
enfrenta problemas de relacionamento com os alunos da escola, com um padre que também era
médico, e com uma rixa antiga que ameaçava o estilo de vida e as pessoas daquela comunidade.
No romance, a rixa é um mero enredo secundário que atravessa toda a história. Ao reelaborar
a estrutura do livro, trouxemos a rixa para o centro do palco, pois era ela que imprimia mais
movimento à história. Entretanto, no livro, Christy é mais uma observadora do que uma participante
da rixa. Sabíamos que ela precisaria ter uma participação maior na solução desse conflito. Para que
isso acontecesse, cruzamos a linha de dois enredos secundários, a linha do enredo da rixa com a
do enredo dos alunos da escola. Com isso, trouxemos à tona vários movimentos da história que,
no livro, estão mais implícitos do que explícitos. Combinamos algumas cenas e personagens do
livro, colocando muitas vezes Christy como elemento catalisador, em vez de usar para isto outros
personagens secundários do livro. Ao fazer com que Christy participasse mais de perto da rixa,
pudemos enfatizar também temas como o perdão, o compromisso com as pessoas da comunidade
e a sua busca de si mesma e de Deus. Christy estreou na primavera de 1994. Justamente por ser um
seriado, haveria uma séria de conflitos que poderiam ser transformados em algo mais específico
ou relacional.
Na adaptação, ser fiel a um livro frequentemente nos obriga a mexer um pouco na estrutura da
história, contrabalançando de modo mais dramático o enredo principal e os enredos secundários.
Isso significa trazer à tona alguns conflitos que estavam apenas implícitos no livro. Significa
também reordenar algumas cenas, de modo que o conflito fique bem evidente, em cada ato.
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Finalmente, significa ainda que é preciso trabalhar constantemente cada cena, adicionando-lhe
novas camadas para que a linha do conflito fique bem clara por toda a história.
APLICAÇÃO
No último capítulo, falamos sobre a relação entre motivação, ação e objetivo. Podemos agora
acrescentar mais um elemento a essa estrutura: o conflito.
Quando estiver definindo um conflito, procure expressar com clareza tanto o objetivo do
protagonista quanto do antagonista, em termos que possam de fato mostrar por que estão em
conflito. Por exemplo, se fôssemos traçar a linha dessa estrutura ao longo do filme A Testemunha,
teríamos o seguinte:
MOTIVAÇÃO AÇÃO OBJETIVO CONFLITO
John Book é chamado Ele se esconde na Provar que Paul é o John quer desmascarar
para descobrir quem é fazenda dos amish e assassino. Paul.
o assassino. procura um meio de
Paul é descoberto Primeiro Paul tenta Para matá-lo, antes que Paul quer matar John
por John. matar John; depois, John revele que ele é o antes que ele o entreg-
tenta encontrá-lo e vai assassino. ue à polícia.
atrás de John
Por este gráfico, dá para perceber que o objetivo de John é diametralmente oposto ao de Paul.
Portanto, quanto mais claro se puder mostrar essa relação de oposição, mais intenso ficará o
conflito.
Ao trabalhar o conflito, procure formas de expressá-lo com força visual e emocional. Segundo
o método Stanislavski, o ator é ensinado a verbalizar o superobjetivo (isto é, o objetivo principal)
de determinado personagem em termos dramáticos, que possam ser representados. Por exemplo,
se o objetivo do personagem em uma cena fosse obter certa informação, uma das alternativas do
ator seria simplesmente se expressar, dizendo: “Eu vou tentar conseguir essa informação”. No
entanto, isso soa muito fraco, e não expressa o objetivo de modo suficientemente dramático em
termos de ação. Portanto, seria melhor dizer: "Eu vou arrancar dele tudo que puder, não importa
como!” Isto sim nos dará uma cena dramaticamente muito mais forte.
Uma vez que o objetivo do protagonista e do antagonista estiverem claramente definidos e
verbalizados, demonstrando de forma inequívoca por que ambos estão em conflito, comece a
trabalhar com os outros personagens. Você pode passar nuances do conflito através de cenas de
conflitos secundários travados entre personagens principais e coadjuvantes. Por exemplo, se o
antagonista for um membro da Máfia, você pode criar um conflito entre ele e seu motorista em
alguma das cenas. Talvez discutam sobre o que fazer com outro mafioso (um quer matá-lo, o outro
quer apenas obter informações). Ou pode ser que o chefão da Máfia e seu alfaiate discordem
acerca de um terno. Ou pode ser ainda que a mulher do chefão comece a suspeitar de alguma coisa
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CAPITULO 11
Os críticos adoram acabar com um filme, dizendo que o personagem não evolui ao longo da
história. A evolução de um personagem é fator essencial para uma boa história. À medida que o
personagem vai passando da motivação para o objetivo, algo deve acontecer nesse processo. Um
personagem bem construído ganha alguma coisa através de sua participação na história, assim
como a própria história também se enriquece por seu envolvimento.
Já comentamos anteriormente como Rose, personagem do filme Uma Aventura na África,
muda a direção da história, graças à sua personalidade, obstinação e determinação. Vimos que
esse mesmo tipo de dinâmica entre personagem e história se passa com Edna, no filme Um Lugar
no Coração, com Martin e Matt em Tubarão e com Oskar no filmei Lista de Schindler.
Todos esses personagens entram na história como personagens bem dimensionados, não como
estereótipos. E todos se tornam ainda mais dimensionais à medida que a história e os outros
personagens vão interagindo com eles — dando-lhes conselhos, ensinando-lhes coisas,
confrontando-os, pressionando-os ou influenciando-os. Essa capacidade de evoluir e se transformar
tem tudo a ver com o fato de se tratarem de personagens tão fantásticos e bem dimensionados, que
nos dão a impressão de serem maiores do que a própria vida.
Com certeza todos já tivemos oportunidade de nos deparar com personagens estereotipados,
que em regra são definidos por suas características físicas. Esses personagens, na verdade, são
unidimensionais. Normalmente podem ser descritos por uma ou duas palavras: a loira burra; o
detetive Machão; o salva-vidas musculoso; a modelo sensual. Muitas vezes esses personagens tem
apenas um papel secundário na história, e servem como uma espécie de enfeite para a cena. Mas,
também pode acontecer de tipos como esses estarem nos papéis principais, caso que restringe
bastante o filme, por eles terem dimensões tão limitadas. Personagens bem construídos são bem
mais amplos, mais próximos da realidade. Conseguimos ver seus diferentes lados. Entendemos a
forma como eles pensam. Vemos o modo como agem. Conseguimos captar suas emoções através
de suas reações.
A propósito, os pensamentos, as ações e as emoções podem ser definidos como as três dimensões
do personagem.
A maioria dos filmes subestima uma ou duas dessas dimensões e costuma destacar mais apenas
uma delas, criando assim um personagem-tipo. Um personagem-tipo é aquele definido por apenas
uma dessas dimensões. James Bond é um personagem-tipo. Ele é um herói e, como todo herói, é
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definido por ações. Sabemos muito pouco sobre suas atitudes (exceto que ele gosta de dormir com
mulheres bonitas). Seu lado emocional é irrelevante, praticamente inexistente. Ninguém jamais
verá James Bond chorar, sentir medo, demonstrar insegurança, ficar bravo, ou ser qualquer coisa
diferente de uma pessoa fria, impassível.
Todos já tivemos contato com outros personagens-tipo: a viúva chorosa que é pura emoção; o
acadêmico arrogante, todo filosófico; o salvador da pátria que é só ação.
No entanto, cada dimensão de um personagem é composta por outras subdivisões. Os
pensamentos, por exemplo, são compostos pela filosofia do personagem, seus valores, atitudes e
pontos de vista. As ações do personagem são compostas não apenas por suas ações propriamente
ditas, mas também daquelas decisões que levam a uma ação. As emoções abrangem o perfil
emocional do personagem, bem como suas reações emocionais. Embora em qualquer personagem
bem construído uma dessas dimensões possa ser mais preponderante, cada uma delas dará sua
contribuição para criar um personagem tridimensional.
FILOSOFIA/ATITUDES
A filosofia é a característica mais difícil de se retratar. Os personagens que são definidos
principalmente por sua filosofia se tornam abstratos, tagarelas, indulgentes e normalmente
enfadonhos. Não obstante, todo personagem dimensional tem uma filosofia, pois certamente
acredita em algo: talvez numa religião, na defesa dos direitos da mulher, na liberação homossexual
ou em Deus, na família ou em qualquer outra coisa desse tipo. Suas crenças vão afetar suas ações.
Um personagem que acredita na liberação homossexual, por exemplo, pode fazer parte de
passeatas, ser um veemente defensor dessa causa ou mesmo um homossexual praticante. Portanto,
sua filosofia vai assumindo uma forma dramática por meio das ações desse personagem.
Os personagens também têm uma atitude em relação à vida. Podem ser cínicos, decididos,
desligados ou agressivos. Uma coisa é certa: todo bom personagem assume uma atitude diante da
vida, quer seja uma atitude saudável ou neurótica; uma atitude confiante ou insegura; a atitude de
quem vê a vida através de lentes cor-de-rosa ou cinza. E essa atitude afetará diretamente as ações
que ele tomará e a forma como se relacionará com outros personagens.
Só conhecemos realmente um personagem por intermédio de suas ações e atitudes, e não
através de sua filosofia. Quando a filosofia e as ações conflitam, o que temos, na verdade, é um
personagem hipócrita. Se eu digo que amo a humanidade, mas, logo em seguida, ajo de forma
diferente, mantendo todo mundo à distância e me esforçando para tornar insuportável a vida dos
outros, é evidente que o que me define de fato são as minhas ações e atitudes, pois a minha filosofia
não passa de palavras vazias.
É bem mais fácil representar a atitude do que a filosofia de um personagem, pois a atitude pode
ser expressa com mais facilidade através da ação. Não é tão difícil assim demonstrar compaixão,
amor, aceitação ou cinismo. O grande perigo que encontramos tanto em termos de filosofia quanto
de atitude é o de fazer com que o personagem tente traduzir essa dimensão em palavras, em vez
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de representá-la.
DECISÕES/AÇÕES
A ação é a essência do drama. Em se tratando de literatura, podemos nos concentrar nos
sentimentos, atitudes e crenças dos personagens. Mas não no caso de uma peça dramática, onde o
foco é sempre a ação. A ação é composta de duas partes: a decisão de agir e a ação propriamente
dita.
Quando assistimos a um filme, normalmente só notamos a ação. No entanto, é a decisão de agir
que nos ajuda a compreender como funciona a mente do personagem. O momento da decisão —
aquele momento em
que o personagem decide se vai ou não puxar o gatilho, dizer “sim" para uma incumbência, ou
se envolver num relacionamento — é em geral um momento importante de revelação do
personagem.
Em Tootsie, vemos uma cena bem cômica, em que Michael se vê obrigado a tomar uma decisão
rápida. Ele está esperando Sandy, pois vai levá-la para jantar. Enquanto espera, vê “um lindo
vestido” no closet de Sandy, que parece feito sob medida para Dorothy. Então, ele decide prová-lo
e, justo nessa hora, Sandy entra no quarto. A situação corre o risco de ser mal interpretada, a
menos que Michael decida agir rapidamente:
SANDY
(abrindo a porta)
Michael, não temos que sair para jantar. Podemos comer aqui mesmo.
Ela vê Michael com as calças abaixadas e estranha a situação.
Michael dá um pulo, tentando se cobrir e procurando alguma coisa para dizer.
MICHAEL
Sandy...Eu...Eu quero você!
SANDY
(surpresa)
Você me deseja?
MICHAEL
(se move em direção a ela, com a calça nos tornozelos, braços abertos) Eu te quero, Sandy!
E Michael arranca risos da platéia com sua presença de espírito.
Já John Book, no filme A Testemunha, decide não fazer amor com Rachel, na noite da construção
do celeiro, e essa decisão é um dos momentos poderosos do filme. Rose, em Uma Aventura
naÁfricay decide permitir que Allnutt durma a seu lado, para se proteger da chuva, e essa decisão
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pedaço maravilhoso da África, ela se volta para trás, segura a mão dele com carinho e os olhos
marejados de lagrimas, e sussurra um emocionado: “obrigada”.
No extremo oposto, encontramos um personagem como Tess McGill, em Uma Secretária de
Futuro, que tem um amplo espectro emocional. No decorrer do filme ela demonstra desapontamento,
raiva, determinação, ansiedade e alegria. Suas reações emocionais nos cativam e nos levam para
dentro de seu personagem e do filme.
Assim como muitos filmes deixam de fora da história o momento em que um personagem
decide pôr em pratica determinada ação, também deixam de fora o momento que mostraria a
reação emocional que essa ação provoca. Os filmes frequentemente mostram apenas as ações e
reações impactantes e seus efeitos sobre os personagens. Muitas vezes vemos um personagem
completamente destruído, mas não conseguimos perceber as reações emocionais que fariam com
que pudéssemos entendê-lo melhor. Os sentimentos dos personagens despertam a empatia da
audiência, fazem com que nos identifiquemos com o personagem. As emoções fazem com que o
público se envolva com a história e sinta-se na pele do personagem, vivendo com ele suas emoções.
A CADEIA DIMENSIONAL
Essas três dimensões geram uma cadeia dimensional que ajuda a definir os personagem em
todos os níveis. A filosofia do personagem inspira determinadas atitudes perante a vida. Essas
atitudes geram certas decisões que, por sua vez, geram certas ações. Essas ações nascem do perfil
emocional do personagem, que o predispõe a fazer determinadas coisas e não outras. Ele também
reage emocionalmente de uma certa maneira, em resposta às ações dos demais personagens.
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Acompanhamos as decisões que um personagem toma e como essas decisões vão se modificando
com o decorrer da história. Percebemos novas reações emocionais diante de situações inéditas. E
observamos também as novas ações que o personagem aprende a ter, em consequência das
exigências da história e de sua interação com os demais personagens.
Para entender um pouco mais essa transformação, vamos observar passo a passo as mudanças
que marcam o arco de transformação de Rose, no filme Uma Aventura na Africa. Nós poderíamos
esquematizá-las da
seguinte forma:
A atitude de Rose em relação a Allnutt e a atitude dele em relação a ela começam pela mais
completa indiferença.
ROSE
(Indiferente)
Bom dia, Sr. Allnutt
ALLNUTT
Bom dia, senhorita...
Por um momento, Allnutt observa Rose de forma totalmente casual e indiferente.
Por esta apresentação, podemos notar que não há qualquer traço de amor entre o mal-educado
Allnutt e a bem comportada Rose.
Quando o irmão de Rose morre e Allnutt volta para ver o que acontecera com eles, o
relacionamento já se modifica um pouco. Rose fica agradecida pelo retorno de Allnutt e por ele
ajudá-la a enterrar seu irmão.
ALLNUTT
Sabe de uma coisa, enquanto eu cavo essa cova, você deveria ir juntando suas coisas, moça...
Assim, podemos nos mandar daqui…
ROSE
Nos mandar daqui?
ALLNUTT
Os alemães podem voltar a qualquer momento.
ROSE
Mas por que voltariam? Não deixaram pedra sobre pedra.
ALLNUTT
Ah, eles vão voltar sim. Atrás do African Queen...
ROSE
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furiosa com ele... e Allnutt tenta melhorar seu humor. Faz a barba, tenta puxar prosa, mas ela só
quebra seu silêncio e se torna amável novamente, quando ele finalmente concorda com seu plano
de atacar o barco Louisa.
Durante esse movimento ao longo do arco, vemos que eles tiveram uma tremenda discussão,
mas conseguiram superá-la. O relacionamento dos dois se modifica novamente. Agora eles têm o
mesmo propósito e estão prontos para desempenhar sua missão.
No final do primeiro ato, Rose e Allnutt estão bastante mudados. Eles já pediram desculpas um
ao outro, já se ajudaram mutuamente, e a emoção da aventura começa a dar vida nova a Rose.
No decorrer do segundo ato, podemos notar vários momentos que mostram as mudanças em
seu relacionamento: o primeiro beijo, a primeira vez que Rose chama Allnutt de “querido”, as
aventuras e preocupações que eles compartilham.
Logo depois que passam por Shona e atravessam as corredeiras em segurança, Allnutt e Rose
festejam, dando origem a um outro ponto de virada em seu relacionamento:
ALLNUTT
Conseguimos! Conseguimos!
ROSE
Hip, hip, hurra!
ALLNUTT
Com certeza pregamos uma peça neles desta vez, hein, garota? Eu não acreditava que fosse
possível. Puxa, nós mostramos a eles!
ROSE
Hip, hip, hurra!
Charlie a beija. Um silêncio embaraçoso se segue.
ROSE
Eu pilotei bem o barco?
ALLNUTT
Claro, mais que bem, garota. Bem, estamos ficando sem combustível. Melhor atracar em algum
lugar.
E o plano deles continua a correr bem até que encalham num banco de areia, e tudo parece
perdido.
ALLNUTT
Quer saber a verdade?
ROSE
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Com certeza.
ALLNUTT
Com certeza
ROSE
Mesmo que fizéssemos a maior força, jamais conseguiríamos desencalhar esse barco.
ALLNUT
Sem chance.
Ele passa a mão no rosto dela. Lemamente ela compreende, e nós também, que sua única
preocupação é com a morte.
ALLNUT
Não se fazem mais mulheres como você.
E já bem no final da história, quando eles estão prestes a serem executados pelos alemães, a
transformação se completa:
ROSE
O senhor pode nos enforcar juntos, por favor?
ALLNUTT
Um momento aí, capitão. Podemos fazer um último pedido?
CAPITÃO
Qual seria?
ALLNUTT
Poderia nos casar?
CAPITÃO
O quê?!
ALLNUTT
Nós queremos nos casar. Capitães de navios podem fazer casamentos, não podem?
CAPITÃO
Hum, hum.
ROSE
Oh, Charlie, que idéia maravilhosa!
CAPITÃO
Que besteira é essa?
152
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ALLNUTT
Ah, Capitão, vem cá. Só levaria um minuto e significaria tanto para a moça.
CAPITÃO
Bem, se vocês querem. Por que não?
E então o capitão casa os dois.
CAPITÃO
Eu os declaro marido e mulher. Continuem com a execução.
No momento seguinte, o convés é arremessado para cima, ocorre um forte deslocamento de ar,
ouve-se um ruído impressionante e os dois são atirados na água.
ALLNUTT
Que aconteceu?
ROSE
Conseguimos, Charlie, conseguimos!
ALLNUTT
Mas, como?
Rose mostra um destroço flutuando, onde se vê escrito: African Queen.
ALLNUTT
Bem, eu vou... Tudo bem com você, Sra. Allnutt?
ROSE
Maravilhosamente bem. E com você, Sr. Allnutt?
ALLNUTT
Muito bem, para um velho homem casado.
ROSE
Estou totalmente perdida, Charlie. Para que lado fica a costa sul?
ALLNUTT
Na direção em que estamos nadando, garota.
Note como o filme espaça os momentos de transformação ao longo do arco. Nada acontece de
forma abrupta. As mudanças ocorrem à medida que cada personagem é confrontado com as
exigências da situação, na proporção em que seus propósitos se chocam e depois se tornam um só,
e à medida que um precisa do outro para atingir seu objetivo. Cada personagem sofre a influência
do outro e reage através de novas ações e emoções. Eles eram uma pessoa no início do filme e
outra quando o filme terminou.
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Uma Aventura na Africa é um excelente exemplo de uma história que influencia os personagens
e de personagens que influenciam a história. É claro, coerente e realista. Em virtude disso, vamos
nos envolvendo passo a passo com as mudanças que ocorrem em Rose e Allnutt.
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dimensionais exige muita observação da vida real. Os melhores escritores são aqueles que parecem
estar sempre prestando atenção aos pequenos detalhes, a peculiaridades dos personagens, e
escutando um certo ritmo que cada um deles tem. Eles fazem de tudo para ultrapassar a barreira
dos estereótipos e expandir sua compreensão humana. Além disso, respeitam profundamente seus
personagens, dando-lhes plena liberdade para encontrar uma grande diversidade de pensamentos,
ações e emoções.
APLICAÇÃO
Quando estiver trabalhando novamente um personagem, algo que ajuda muito é começar pelo
arco de transformação. Comece se perguntando quais são as habilidades e características de que o
protagonista precisa para alcançar seu objetivo. Por exemplo, Rose, personagem do filme Uma
Aventura na Africa, precisará adquirir mais espontaneidade, engenhosidade, coragem,
determinação e amor, para vir a ser a mulher que se torna no final do filme. Agora observe o ponto
de partida do seu personagem e estude, dentre estas características que ele tem logo no início,
quais terão que se modificar ou ser adquiridas à medida que a história evolui.
Agora imagine como o personagem fará para chegar a essas mudanças necessárias. O que
precisa acontecer na história para que isso se concretize? Como as demais personagens podem
ajudar o protagonista nessa caminhada?
Então, pergunte a si mesmo: há mostras da filosofia desse personagem ao longo da história?
Essa filosofia é expressa por ações, em vez de falas? Dá para perceber claramente as atitudes do
personagem? Sabemos como ele se sente em relação aos outros personagens e em relação à situação
em si? Estas atitudes levam o personagem a certas ações?
Se você quer que seu personagem desperte empatia, verifique suas reações emocionais e a
maneira como você mostra ao público seu perfil emocional. Tente ampliar o espectro emocional
do personagem. Alguns psicólogos dizem que todas as emoções se enquadram em uma das
seguintes categorias: loucura, tristeza, alegria e medo. No entanto, dentro dessas categorias existem
muitas outras emoções como raiva, fúria, frustração, irritação, encantamento, arrebatamento, ou
mesmo sentimentos como ficar paralisado de medo ou ter uma descarga de adrenalina diante de
algum perigo. Procure encontrar maneiras de expandir as emoções dos personagens além do
habitual medo, raiva e paixão.
Observe as ações de seus personagens. Elas desempenham um papel ativo ou passivo na história?
Essas ações ajudam a história a caminhar e também a definir os personagens?
Há personagens que gostam de jogar golfe. Outros gostam de tricotar, ler ou de colecionar
pequenos objetos Alguns têm tiques nervosos. Outros têm certas manias, como mania de limpeza,
seja tirando o pó de tudo, polindo maçanetas ou lavando a mãos o tempo todo. Detalhes como
esses ajudarão a expandir e revelar seu personagem, enquanto mantêm o foco nas ações necessárias
para que a história avance.
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CAPÍTULO 12
Muitos roteiros parecem não sair do lugar, ficam meio confusos ou muito pesados. Às vezes isto
pode ser um problema da história que está meio confusa, inconsistente ou mal estruturada. Mas
normalmente é um problema do personagem. Pode ser que o roteiro tenha simplesmente
personagens demais e não dê para saber muito bem o que cada um deles está fazendo ali. Mesmo
que você goste deles, não parecem ser necessários para o desenrolar da trama. Os personagens
começam a trombar uns nos outros, confundindo a história e ficamos sem saber para onde voltar
nossa atenção ou a quem devemos acompanhar.
Num filme de cerca de três horas de duração só podemos absorver uma certa quantia limitada
de personagens. Ter muitos deles ao mesmo tempo seria demais para nós, como se tivéssemos
assistindo a um circo com três picadeiros. Simplesmente não saberíamos para onde olhar. Em
geral, um filme comporta apenas cerca de seis a sete personagens principais. Na maioria dos casos
encontramos de três a cinco. Entre eles estão incluídos o protagonista, seu parceiro amoroso e,
talvez, de um a dois personagens coadjuvantes. Em filmes como O Reencontro, Quando os Jovens
se Tornam Adultos, O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas, Clube dos Cinco ou Sete Homens
e um Destino, você geralmente encontrará de cinco a sete personagens. Dificilmente verá mais do
que isso.
E evidente que isso nos conduz à seguinte questão: “o que devemos cortar?” É bem provável que
você tenha seus personagens favoritos, bem como aqueles que são únicos e memoráveis. Lamento
lhe dizer que favorito não é um critério válido para o nosso trabalho. Normalmente, quando
chegamos a ponto de ter que cortar alguns personagens, torna-se fundamental investigar as
funções de cada personagem.
Em tese, todo personagem deveria ter um papel essencial a desempenhar no filme. Eles
contribuem com algo específico para a produção como, por exemplo, fornecer alguma pista para
uma investigação, ser o parceiro amoroso de alguém, dar profundidade ou acrescentar sabedoria
à historia ou simplesmente ser um personagem cuja função seja dar importância ao personagem
principal (como uma secretária ou um guarda-costas). No entanto, todos devem ter uma boa
razão para estar na história.
É bem verdade que há vários personagens que desempenham mais de uma função. Pode haver
um personagem que seja ao mesmo tempo o parceiro amoroso de alguém, um elemento catalisador
na história e também um confidente. No entanto, na maioria dos casos, não haverá diversos
personagens desempenhando a mesma funçao, pois se vários tiverem a mesma função, o efeito de
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cada um deles se dissipará. Assim, repetir o mesmo tipo de personagem significa que o escritor
não terá tempo suficiente para dar dimensionalidade a todos eles.
Em geral, podemos dividir as funções dos personagens em cinco categorias: personagens
principais, coadjuvantes, personagens que dão dimensão à história, personagens temáticos e
personagens que dão importância a outros.
PERSONAGENS PRINCIPAIS
São aqueles que praticam a ação. Cabe a eles a responsabilidade de levar a história adiante.
Portanto, os personagens principais são sempre o foco da atenção do filme. São eles que fornecem
subsídio para o conflito principal e são suficientemente interessantes para prender nossa atenção
por cerca de três horas.
O personagem principal é o protagonista, ou seja, aquele em torno do qual a história gira.
Espera-se que o público o acompanhe ao longo do filme, torça por ele, emocione-se com ele,
enfim, que ele desperte a empatia do publico. Quase sempre se trata de uma figura positiva. Ele é
o herói da história como James Bond, Luke Skywalker, Ripley do filme Alien, o 8º Passageiro e
Oskar Schindler. Porém, o fato de ser o herói não significa que o personagem seja perfeito, que não
tenha suas falhas. Podemos até chegar a sentir raiva do protagonista, ou não gostar de certas
características dele, mas certamente é ele quem prende nossa atenção. É alguém feito para ser
visto.
De quando em quando, o protagonista pode ser um personagem do tipo negativo. A Honra do
Poderoso Prizzi, Amadeus, E o Vento Levou são exemplos de filmes cujos protagonistas não
necessariamente despertam nossa empatia ou são simpáticos. Mesmo assim eles conseguem nos
envolver na história. Vemos a história a partir do seu ponto de vista.
Para que haja conflito dramático, o protagonista precisa enfrentar a oposição de alguém que
vem a ser o antagonista. Em regra, ele é a pessoa que luta contra o herói. Mozart foi o antagonista
de Salieri; Darth Vader, o antagonista de Luke Skywalker, Paul Schaeffer, do filme A Testemunha,
é o antagonista de John Book.
Algumas vezes o antagonista é composto de uma combinação de personagens. No filme Os
Caça Fantasmas o antagonista é representado por todos os fantasmas. Em Tubarão, o antagonista
é simbolizado pelas autoridades e líderes da cidade. Nesses casos, o antagonista pode ser
representado por um grupo de personagens coadjuvantes, cuja função é impedir que o protagonista
alcance seu objetivo.
Em geral o protagonista tem alguém por quem ele se interessa. A função desse personagem é
dar dimensão e profundidade ao personagem principal.
No filme Tootsie, por exemplo, a beleza, a fragilidade, a feminilidade de Julie, o relacionamento
dela com os filhos, tudo isso serviu para fazer com que Michael deixasse de ser um machão
insensível e se tornasse um amigo atencioso. Por outro lado, a perspectiva singular de Michael
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PERSONAGENS COADJUVANTES
Os personagens principais não fazem a história sozinhos. Eles precisam de ajuda para alcançar
os seus objetivos. Na verdade precisam de personagens coadjuvantes que fiquem contra ou a favor
deles — pessoas que lhes passem informações, que os escutem, os aconselhem, que os incentivem
ou não, que os forcem a tomar decisões, que os confrontem, enfim, que os ajudem a ganhar vida.
Uma das funções que o personagem coadjuvante costuma ter é a de ser um confidente. Não
raro encontramos um confidente nas peças, particularmente, naquelas encantadoras comédias
inglesas do século XVIII,nas quais sempre tem uma criada a quem a nossa heroína conta seus
segredos mais íntimos. A heroína confia nessa pessoa, contando-lhe quem ama, seu medo do
primeiro encontro, seus ciúmes e preocupações. Em seus ombros, a heroína chora, sorri, e se apoia
em busca de ajuda para montar uma estratégia que a ajude a conquistar o amor de sua vida.
Já nos filmes, a figura do confidente costuma ser bem menos interessante. Não precisa ser
necessariamente assim, mas, lamentavelmente a idéia que se tem do confidente é de um personagem
em quem o protagonista confia, e não alguém a quem ele revele a si mesmo. Isso faz com que o
roteiro fique muito verbal, tomando o lugar do velho e bom drama.
Muitas vezes o confidente também é usado como pretexto para passar informações para a
audiência. Em decorrência disso, as cenas em que ele aparece normalmente ficam muito lentas,
repletas de monólogos e usadas como uma ocasião em que se fala tudo aquilo que é considerado
difícil de mostrar dramaticamente.
No entanto, o confidente não precisa ser uma figura monótona. Pense nele mais como uma
pessoa a quem o protagonista se revela, e não alguém com quem ele simplesmente fale. Na verdade
esse é um personagem confiável em cuja presença o protagonista pode ser ele mesmo. Em vez de
simplesmente falar e ouvir, o confidente representa uma oportunidade para que o protagonista
chore, ria, exponha seu lado mais vulnerável, revelando assim outras dimensões de si mesmo.
No filme Tudo por Uma Esmeralda, Glória (a editora e confidente) e Joan discutem sobre suas
atitudes perante os homens e a preparação de Joan por sua irmã. Mas note como se desenrola essa
discussão: não através de uma cena chata de diálogo, mas com humor e jogando com as emoções.
Joan se encontra com sua editora, Glória, em um bar. Juntos analisam os homens, clientes habituais,
que se encontram ali naquele momento.
GLORIA
Chato..., chato..., triste..., um fracassado, um grande fracassado..., aborrecido..., duvidoso...,
desesperado... Ah... Muito alegre!... Oh, olha aquele ali, o senhor comedor. Eu costumava sair com
ele. Um palhaço completo! Espera! Espera!... Da uma olhada naquele ali, que tal?
JOAN
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elemento catalisador é aquela pessoa que fornece alguma informação ou dá causa a algum
acontecimento que leva o protagonista a agir. No filme A Testemunha, Samuel desempenha essa
função.
É ele quem presencia o assassinato e conta tudo ao detetive John. Em função disso, John Book
consegue levar a investigação em frente.
Em Tootsie, o elemento catalisador é Sandy, uma vez que é ela quem conta a Michael sobre o
papel na telenovela.
O catalisador também pode ser um personagem secundário. No filme O Fugitivo, o prisioneiro,
que está no ônibus que se dirigia ao presídio, e começa a tossir, atacando o guarda em seguida, é o
elemento catalisador, pois é ele o responsável pelo acidente que possibilitou a fuga de Richard
Kimble. Às vezes, é esse personagem que fornece a pista que leva à solução do crime.
Ele também pode provocar uma transformação no protagonista. Nesse caso, o elemento
catalisador pode ser um terapeuta, um dos pais, ou mesmo um amigo do protagonista que o
confronta, provocando essa mudança. Pode ainda ser um policial que prende o protagonista ou o
juiz que profere a sentença, levando o protagonista a mudar de vida.
Quase toda a história tem um elemento catalisador, pois o protagonista não pode fazer tudo
sozinho. Todo protagonista precisa de ajuda para dar um impulso inicial na história e não permitir
que ela deixe de avançar.
Quando estiver criando um personagem desse tipo, é importante que faça dele uma figura
ativa, que ajude no desenrolar da história por meio de suas ações, e não de diálogos.
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PERSONAGENS TEMÁTICOS
Existe uma série de personagens cuja função primordial é comunicar e expressar o tema de um
filme. Embora possam ser encontrados em qualquer gênero de filme — seja de aventura, mistério,
comédia, ou drama — é nos filmes voltados para determinado tema, tal como E o Vento Levou,
Amadeus e Tootsie, que encontraremos muitos personagens desse tipo. Nesses filmes, o diretor
tem algo específico que deseja transmitir. A inspiração por trás do filme não é tanto a fascinação
pela história ou pelos personagens, mas pela própria ideia em si. O tema pode falar sobre amor e
amizade, como em Tootsie; sobre mediocridade e genialidade, como em Amadeus; ou sobre o
estilo de vida no velho sul, como no filme E o Vento Levou. Porém, o que dá ímpeto à história é
sempre o tema.
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Para comunicar o tema, o diretor conta com a ajuda dos personagens. Em muitas histórias
tematicamente complexas, um dos personagens ocupa uma posição de equilíbrio, para se certificar
de que o tema seja bem explicado e interpretado.
Há certos filmes que exigem a presença desse personagem de equilíbrio, pois podem dar margem
a má interpretação. Filmes que tratam de temas ligados ao homossexualismo, por exemplo, às
vezes precisam contrabalançar personagens homossexuais com personagens heterossexuais
marcantes. Do contrário, o filme corre o risco de ser mal visto por apresentar uma perspectiva
muito reduzida da realidade. Em filmes como Corações Desertos, Meu Querido Companheiro ou
Filadélfia, esses personagens de equilíbrio ajudam a história a ter apelo para um público mais
amplo.
Filmes nos quais as minorias ganham importantes papéis de caráter negativo também precisam
ser contrabalançados por papéis positivos. O filme O Ano do Dragão foi duramente criticado pela
forma que retratou os asiáticos, pois não havia sequer um personagem asiático de caráter positivo.
A trama de Uma Escola Muito Louca, que mostra um rapaz branco passando-se por negro para
conseguir uma bolsa de estudos destinadas à minorias étnicas, também dava margem à má
interpretação. Mesmo um filme como A Cor Púrpura foi criticado por apresentar figuras masculinas
unidimensionais, por passar uma imagem desequilibrada dos homens negros.
Para manter o equilíbrio nesses filmes normalmente basta mostrar um personagem que
represente o outro lado da moeda. No filmei A Cor Púrpura bastariam uns dois personagens de
homens negros mais positivos e bem dimensionados, para contrabalançar a imagem negativa de
Mister e Harpo. Um vilão que represente uma minoria pode ser contrabalançado por um
personagem positivo que represente essa mesma minoria. Sem isso, filmes desse tipo podem dar
margem à má interpretação ou coisa pior: protestos, cartas de reclamação e até mesmo um projeto
frustrado.
Alguns personagens temáticos dão dimensão ao tema, ao mostrar diferentes pontos de vista,
ajudando assim a comunicar a complexidade da idéia. Na verdade, poderíamos dizer que eles
representam a voz de algum grupo. No filme A Testemunha, por exemplo, Eli é a voz da não
violência da seita Amish, em seus diálogos com Samuel sobre as mazelas e os problemas da
violência. Em Os Imperdoáveis, Will Munny, com uma reação em vez de um diálogo, representa a
voz da não violência, ao reagir diante do entusiasmo de Scofield Kid em se tornar um matador
profissional. No filme A Lista de Schindler, Izthak Stern é a voz da sabedoria, comunicando uma
clara percepção do bem e do mal.
É importante não levar essa técnica muito ao pé da letra. A intenção não é fazer desses
personagens uns tagarelas. Na verdade, eles devem comunicar a idéia que defendem através de
atitudes, ações, e ocasionalmente, através de alguns diálogos.
Outro personagem que também cumpre essa função de comunicar o tema é aquele que transmite
o ponto de vista do roteirista. Nesse caso, o roteirista escolhe um personagem para dizer aquilo
que ele quer na história. Num certo sentido, esse personagem é o alter ego do roteirista. Em Guerra
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um personagem que represente o ponto de vista da audiência. Quem sabe um cético, que diga
tudo o que a audiência pensa, logo no início da história. Assim, à medida que esse personagem for
mudando seu ponto de vista ao longo da história, o mesmo acontecerá com aquelas pessoas céticas
que assistem ao filme. Isso não significa necessariamente que a história tenha que converter essas
pessoas em novos adeptos do tema, mas apenas que precisa suspender temporariamente sua
descrença durante o filme, para que elas possam se identificar com o personagem e se envolverem
no desenrolar da história.
A minissérie inspirada no best-seller de Shirley MacLaine, Minhas Vidas, fez isso particularmente
bem. A história trata de sua busca espiritual em vidas passadas e outras reencarnações, um tema
não muito popular. No entanto, havia diversos personagens que retratavam eventuais pontos de
vista do público, que iam desde Jerry à Bella Abzug e a própria Shirley, satisfazendo céticos de
todos os tipos. Para aqueles que acreditam no tema, havia o personagem de David, além de alguns
peruanos e até mesmo Shirley, depois de convertida. Dessa forma, qualquer que fosse a posição
que você defendesse, poderia encontrar alguém com quem se identificar no filme, alguém que
representasse o seu ponto de vista.
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Isso já salvou muitos roteiros, que pareciam confusos e travados, e que ganharam um novo foco,
apenas por ter deixado clara a função de cada personagem.
APLICAÇÃO
Para um roteirista, é sempre difícil cortar ou modificar personagens de que gosta. No entanto,
o trabalho de reescrever o roteiro muitas vezes significa ser implacável. Quando estiver trabalhando
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o roteiro com o intuito de esclarecer as funções dos personagens, verá que quase sempre algum
personagem favorito precisará ser cortado ou combinado com outro.
Quando começar seu trabalho de reescrita do roteiro, procure os personagens e esclareça suas
principais funções no roteiro. Dá para saber quem é o personagem principal? O protagonista está
no controle da ação? Ele atinge o clímax da história?
Se você tiver vários protagonistas, assegure-se de que a história seja compartilhada entre eles ou
que um dos protagonistas se destaque um pouco mais do que os outros. No filme Os Caça
Fantasmas, o Dr. Peter Venkman (Bill Murray) se destaca mais. Em Guerra nas Estrelas, é Luke
Skywalker quem recebe mais destaque do que Han Solo e até mesmo do que a princesa Leia. Em
Tubarão, Martin recebe mais destaque do que Quint e Matt.
Agora, identifique seu antagonista. Quem se opõe ao protagonista na história? Se houver vários
personagens ou situações com essa função, deixe bem claro qual é o principal deles e assegure-se
de que o antagonista participe de todo o roteiro.
Você tem algum confidente na história? Caso tenha, as cenas em que ele aparece ficaram muitos
verbais, cheias de diálogo, ou você conseguiu encontrar formas de mostrar as coisas que queria,
em vez de dizê-las?
Você tem vários personagens na mesma função? Se tiver, terá que cortá-los ou combiná-los.
Existe alguma função que esteja faltando? Talvez você esteja precisando de um outro elemento
catalisador ou quem sabe o público esteja sentindo dificuldade de entender o tema pela falta de
um personagem temático.
O protagonista está recebendo ajuda de personagens coadjuvantes? Será que eles realmente
estão ajudando o protagonista ou simplesmente vagando em torno dele?
Você tem algum personagem que retrata seu ponto de vista? Caso tenha, você o manteve mais
ativo e dramático do que simplesmente verbal? O seu ponto de vista está contribuindo para a
história, ou não passa de uma mensagem que você está tentando impor ao roteiro?
Você está lidando com um material que dê margem a más interpretações? Se for esse o caso,
você incluiu pelo menos um personagem de equilíbrio, para contrabalancear um pouco a situação
e assim proteger a si mesmo?
Seu filme tem humor? Há algum personagem que tenha essa função de aliviar o roteiro? Você
recorre ao humor para aliviar um pouco a tensão, deixar o material mais leve ou para divertir um
pouco mais a audiência?
Conte quantos personagens estão recebendo atenção ao longo da história . Se você precisar
identificar mais do que sete deles, comece a procurar formas de cortá-los, para que possa
acompanhar a história e a trajetória dos personagens de forma mais fácil.
Ao revisar as funções de seus personagens, pergunte a si mesmo:
■ Dá pra identificar com facilidade quem são o protagonista e o antagonista? Caso tenham
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PARTE 4
ESTUDO DE CASO
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CAPÍTULO 13
Todos os roteiros passam por uma série de dificuldades durante o longo processo em que são
escritos, vendidos e transformados em filme. No caso de escritores mais experientes, com um
roteiro razoavelmente viável e bons contatos, esse processo leva em média cerca de cinco anos. Já
para autores novatos normalmente demora mais. Estatisticamente falando, o primeiro e até mesmo
o segundo roteiro escritos raramente encontram comprador. A maioria dos roteiristas precisa
fazer de cinco a dez roteiros, até aprender todas as manhas necessárias. Uma vez que tenha
dominado a arte de escrever roteiros e que tenha tido oportunidade de demonstrar isso claramente,
ainda assim o roteirista terá que aprender a “vender” seus roteiros. Isso inclui ter (e fazer) bons
contatos, aprender a “arrumar encontros” (e até aprender a “inventar almoços”), e manter sempre
uma atitude positiva. Neste ramo, todos têm que pagar um preço. Os mais bem-sucedidos são
aqueles que, além de talentosos e dispostos a pagar esse preço, são muito, muito pacientes.
O caso do filme A Testemunha não foi uma exceção. Cerca de cinco anos se passaram entre a
criação do roteiro e o lançamento do filme. E ele seguiu um caminho sinuoso, pois o desenrolar
dessa história remonta ao início dos anos 70.
OS ANTECEDENTES
O sucesso de A Testemunha se deve às idéias de três autores consagrados: Pamela Wallace, Earl
Wallace e William Kelley. Os três dividem os créditos pela história, enquanto o roteiro para cinema
foi escrito por Earl Wallace e William Kelley.
Pamela Wallace já tinha publicado quatro romances, quando leu uma notícia no Los Angeles
Times que a deixou intrigada. A reportagem contava de um incidente no qual um grupo de
adolescentes havia apedrejado uma carruagem de um amish, atingindo e matando um bebê.
Inspirando-se nessa reportagem, ela idealizou um romance, em cuja história uma mulher amish
vinha a Los Angeles e testemunhava um assassinato. A idéia do romance não foi adiante, mas Earl
achava que talvez desse um bom roteiro de cinema. Quando a Associação dos Roteiristas entrou
em greve, em 1980, Pamela sugeriu que tentassem escrever um roteiro baseado nessa história.
Earl já era um roteirista de sucesso, tendo trabalhado como editor para a história da famosa
série de TV Gunsmoke e do filme A Conquista do Oeste. Além disso, fazia parte da equipe de
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roteiristas da minissérie The Winds of War. Partindo da idéia de Pamela, ele levou cerca de seis
semanas para escrever seu primeiro rascunho. Quando terminou, notou que a história era muito
parecida com uma história que William Kelley escrevera para A Conquista do Oeste, e decidiu
convidá-lo para escrever esse roteiro em parceria com ele.
Do mesmo modo que Pamela, William Kelley se interessava pelos adeptos da seita amish. Ele já
havia estudado em um seminário agostiniano, que ficava próximo ao condado de Lancaster, na
Pensilvânia, onde tivera a oportunidade de observá-los mais de perto. Ficara muito impressionado
com sua honestidade, franqueza e sua defesa de uma postura a favor da não-violência. Eles eram
excelentes homens de negócios, hábeis carpinteiros e grandes conhecedores de cavalos. Desde
aquela época, William havia se familiarizado com o modo de vida deles e com seu caráter
irrepreensível.
Alguns anos após ter deixado o seminário, Kelley se tornou um escritor, tendo publicado três
romances, antes de se dedicar a escrever roteiros para televisão.
Em 1972 ele apresentou à rede de televisão ABC a idéia de um seriado piloto, de duas horas de
duração, chamado Jededias. A história falava de um bispo amish que vai de carroça de Lancaster,
na Pensilvânia até Lancaster, na Califórnia, para fundar uma nova comunidade amish.
A rede ABC encomendou o roteiro, mas não o produziu. Biil aproveitou esta idéia e escreveu,
em 1975, um episódio para a série de TV Gunsmoke intitulado The Pig Man. A história era sobre
uma comunidade semelhante à dos amish, que ele chamou dc Simonites. Richter, um pistoleiro,
defende uma moça dessa comunidade que foi atacada por quatro irmãos. Nessa luta, ele mata um
dos irmãos e é ferido. Então, é levado para a comunidade, para que seu ferimento fosse tratado.
Chegando lá, acaba se apaixonando.
Gunsmoke foi cancelado antes que este episódio pudesse ser filmado. Mas o produtor de
Gunsmoke, John Mantley, logo se tornou produtor da minissérie Conquista do Oeste. Ele pediu a
Bill que reescrevesse a história, que acabou se tornando uma das principais linhas de ação dramática
dessa minissérie. Ele fez pequenas alterações nos personagens para introduzir essa linha de ação
no roteiro que, finalmente, foi exibido na televisão em 1977.
Como Earl e Bill já tinham trabalhado juntos em Gunsmoke e na minissérie A Conquista do
Oeste, eles se conheciam bem, eram roteiristas experientes, e estavam ambos sintonizados com a
idéia. A idéia da parceria se revelou uma combinação perfeita.
VENDENDO O ROTEIRO
Uma vez pronto o roteiro, um produtor, Edward Feldman, garantiu, por US$ 22.000, um
contrato de opção para comprá-lo. Esta opção, porém, não significava que o roteiro seria produzido.
Como Feldman tinha um contrato que assegurava à Twentieth Century-Fox o direito de preferência,
ofereceu o roteiro a eles. No entanto, o roteiro não despertou interesse.
Feldman pediu então a Harrison Ford que o lesse. Harisson Ford gostou do roteiro e demonstrou
171
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interesse em levar adiante o projeto. Devido a este interesse, a Paramount Studios decidiu comprar
o roteiro.
A esta altura, a equipe de criação de Ed Feldman, o diretor executivo de desenvolvimento,
David Bombyk, e os roteiristas Bill Kelley e Earl Wallace começaram a procurar diretores para o
filme. Queriam que Peter Weir dirigisse o filme, mas ele não estava disponível, pois seu nome
estava na lista dos cotados para dirigir A Costa do Mosquito. Muitos candidatos foram analisados,
mas nenhum parecia adequado para o projeto. Um deles chegou a dizer que o roteiro ficaria melhor
com um “final engraçado". Outro não tinha a menor noção de qual abordagem adotaria na direção
do filme, e dizia que "descobriria isso mais tarde”. Como a produção de A Costa do Mosquito foi
adiada por um ano, Peter Weir ficou disponível para o trabalho. Após a primeira reunião com
Peter, todos concordaram que seu nome era o melhor. Peter tinha um ponto de vista que desejava
incorporar ao roteiro. Ele estava interessado no aspecto pacifista da história, e queria trabalhar o
tema da não-violência. Ele via muitas maneiras de mostrar o choque cultural entre os amish e a
polícia. Além disso, gostava do fato desta ser uma situação “peculiarmente americana". Seu nome
parecia ter sido mesmo uma boa escolha.
A equipe de criação parecia particularmente bem equilibrada. Todos eram profissionais
experientes e cada um deles tinha uma perspectiva própria de como contribuir para o filme. Ed
Feldman já havia produzido vários filmes e programas de televisão, entre eles Uma Janela para o
Céu (partes I e II), Sonhos do Passado, O Último Casal Casado, O Rapto do Menino Dourado.
Também tinha experiência com relações públicas e uma boa noção sobre “o que faz de um filme
um sucesso comercial”.
Peter Weir estava mais interessado no tema. Desejava transmitir uma mensagem sobre a não-
violência, e queria criar um certo clima para isso, adotando uma abordagem mais lírica para o
roteiro.
A experiência adquirida por Bill, em seus tempos de seminário, o ajudou a perceber a dimensão
espiritual do filme, bem como a apreciar e entender os amish. Earl, com sua prática como editor,
pensava mais no enredo. E o co-produtor, David Bombyck, se encarregou de assegurar a coerência
do enredo, concentrando-se na espinha dorsal da história e garantindo que tudo se encaixasse
como deveria.
A Paramount Studios estava muito interessada no projeto, pois achava que A Testemunha seria
um forte candidato para receber indicações ao Oscar nas categorias de Melhor Roteiro Original e
Melhor Diretor, com grandes chances de receber ainda outras indicações.
Agora, o verdadeiro processo de reescrita começava.
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momentos de emoção são dela não de John. Sua backstory é revelada com mais clareza no primeiro
ato, quando ficamos sabendo de uma tradição dos amish, segundo a qual uma viúva deve voltar a
se casar dentro de um ano após o falecimento do marido. Rachel, porém, queria mais tempo.
Então, ela decide visitar sua
irmã em Baltimore, como forma de ter mais tempo para decidir se deve
mesmo se casar com Daniel, além de resolver certas dúvidas que tinha a respeito do modo de
vida amish.
Nos primeiros esboços, Rachel é o foco do ponto de virada do primeiro enredo secundário. À
medida que cuida dos ferimentos de John, vai se sentindo cada vez mais atraída por ele. O roteiro
descrevia uma mulher que enfrentava uma forte atração por John. Ela fica confusa com intensidade
física da situação. Com o desenrolar da história, vemos Rachel claramente se apaixonando por
John. No segundo ponto de virada Rachel confronta John, pedindo a ele que fique. Esta cena de
amor, que era particularmente forte a princípio, foi objeto de muita discussão, Earl queria mostrar
John e Rachel fazendo amor; Bill queria mostrar apenas um beijo apaixonado. Peter concordava
com o beijo, mas não queria que fosse apaixonado. No final, a cena de amor foi filmada por inteiro,
mas apenas o beijo permaneceu, após a edição.
Durante o processo de reescrever o roteiro, o foco da história volta-se mais para John Book, e
acaba se tornando mais a história dele. No primeiro ponto de virada do filme, embora vejamos
algo da reação de Rachel , a câmera mostra muito mais a reação de John, quando este percebe que
Rachel passou a noite em claro para cuidar dele. No segundo ponto de virada, existe apenas uma
linha de diálogo sobre John ficar ou não ficar, e esta questão jamais é realmente confrontada.
Outras mudanças de ponto de vista foram introduzidas, procurando suavizar o relacionamento
entre Rachel e John. Nos primeiros esboços, Rachel era muito mais mal-humorada e briguenta.
Algumas dessas cenas
chegaram a ser filmadas, mas não foram aproveitadas, pois tornavam Rachel uma personagem
irritante e mandona.
Algumas cenas foram acrescentadas para amenizar o relacionamento, a cena que eles dançam,
bem como a cena do café da manhã foram incorporadas ao segundo ato. Isso contrabalanceou os
cortes feitos no primeiro ato. criando, ao mesmo tempo, fases adicionais no desenvolvimento do
relacionamento entre os dois, no segundo ato.
Todas essas mudanças de ponto de vista redirecionaram o foco do
filme em John Book, mas também serviram para reforçar a linha do relacionamento entre John
e Rachel.
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vezes isso nos obriga a cortar algumas das melhores cenas. Alguns cortes são feitos durante a fase
em que o roteiro está sendo reescrito; outros, durante o processo de edição.
Uma das cenas favoritas de Bill se passava entre Rachel e a irmã de John, Elaine. Era uma cena
em que Rachel passa a noite na casa de Elaine, para que John pudesse continuar a interrogar
Samuel na manhã seguinte. No roteiro, a cena mostra que Rachel acorda cedo e começa a limpar
a casa de Elaine (que precisava mesmo de uma boa faxina). Elaine fica furiosa com isto, interpretando
a atitude de Rachel como uma crítica à sua competência como dona de casa.
Era uma cena bem escrita. Tinha conflito e contrastava bem os personagens de Rachel e Elaine,
acrescentando-lhes dimensionalidade. Mas pouco acrescentava à história. Como tinham que
passar logo para o segundo ato, essa era uma cena que poderia perfeitamente ser cortada, sem
prejudicar a linha de ação dramática.
Cortes importantes também foram feitos na backstory de John. Quando assistimos ao filme,
ficamos sabendo que John Book é um policial encarregado de esclarecer o assassinato. Sabemos
que o homem assassinado (Zenovich) era um policial que trabalhava sob disfarce. Sabemos que
John achava que o assassino fosse algum desocupado que ficava pelas ruas, como Coalmine, que
costumava aparecer sempre no bar Happy Valley.
A backstory que foi refeita, quando o roteiro foi reescrito, e depois cortada, era bem mais
complexa do que isso. Um dos esboços do roteiro tinha mais informações relacionadas a John.
Mostrava que a função de John, no departamento de polícia, era investigar a própria corrupção
policial, o que fazia dele alguém impopular em meio a seus colegas. Também ficamos sabendo que
ele era um idealista. O roteiro também mencionava que o parceiro de John, Carter, tinha um
encontro marcado com Zenovich, mas chegou atrasado e por isso, achava que sua irresponsabidade
de certa forma contribuíra para a morte do colega.
Havia também informações adicionais sobre a droga PCP e como isso estava relacionado ao
assassinato. Quem confiscaria a droga, quando,
e o envolvimento de Paul, McAfee e Fergie no caso também foram questões discutidas, e até um
esboço chegou a ser feito. No entanto, a maior parte desse material foi cortado durante o processo
de ediçáo.
A maioria dos cortes, especialmente os que foram feitos no primeiro ato, tinham por objetivo
conduzir a história o mais rápido possível para a fazenda dos amish. Foram cortadas todas as
informações que parecessem meramente explicativas, todos os detalhes que não fossem
indispensáveis para a apresentação e a resolução. Além dessas, qualquer cena cujo único objetivo
fosse revelar um personagem, sem contribuir diretamente para a história, também foi eliminada.
A despeito dessas cenas serem muito ricas em detalhes, o diretor Peter Weir e o editor Thom
Noble decidiram que era essencial que a apresentação fosse rápida, de forma que o desenrolar da
história na fazenda dos amish pudesse começar sem demora.
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mataria Paul. Depois, mudaram de idéia novamente: Rachel tocaria o sino, chamando a atenção
da comunidade. Porém, cada uma dessas soluções fazia de Rachel, e não do protagonista John
Book, o personagem que provocava o clímax.
A uma certa altura ficou decidido que os amish cercariam Paul, fazendo um cordão de isolamento
entre ele e John. Mas nos ensaios isto não deu certo. Finalmente, surgiu uma solução — Samuel
tocaria o sino e os amish apareceriam, para “servir de testemunha” do fato.
A FASE DE EDIÇÃO
Thom Noble ganhou um Oscar na categoria de Melhor Edição. Ele não foi o primeiro editor a
trabalhar no filme. Outro já havia tentado antes, mas houve um desentendimento sobre os rumos
que a edição estava tomando. Então, Thom foi convidado para assumir o trabalho de edição.
Muitos dos cortes aqui mencionados foram feitos por Thom. Ele e Peter concordavam que a
história tinha se que passar rapidamente da apresentação na fazenda dos amish para as cenas na
cidade, retornando, então, à fazenda. Isso implicava em cortar todas as cenas do primeiro ato que
não fossem absolutamente essenciais para a história. Também era imprescindível que a história
continuasse em movimento no segundo ato. Foi a habilidade de Thom em enxugar a história,
mantendo, ao mesmo tempo, o ritmo e o lirismo, que fez do filme um sucesso. Como disse Bill
Kelley: “Thom pegou o ritmo certo, e isto fez toda a diferença.”
RESUMO
Perguntei a Bill se, em sua opinião, havia alguma área em que ele achava que os roteiristas
tivessem se perdido. Ele mencionou que havia lutado por três pontos, tendo sido vitorioso em dois
deles. Achava que seriam necessários três homens, e não apenas um, para ir atrás de John, no
terceiro ato. Também insistiu naquela cena em que Eli confronta Rachel, pós ela ter dançado com
John. Essas duas cenas fizeram parte do filme. Porém, ele queria explorar mais a despedida de
John e Rachel, no final do filme. Sugeriu que Rachel desse a John o chapéu de seu marido, o que
seria um presente e também uma forma de reconhecer que havia um relacionamento entre eles.
Bill também achava que essa troca de presentes poderia sugerir que eles voltariam a se ver no
futuro. Mas Peter optou por rodar a cena como uma despedida não verbal.
O processo de reescrever o roteiro desse filme foi único em alguns aspectos. Não houve
desentendimentos sérios entre equipe de criação. Ed Feldman e David Bombyk estavam decididos
a proteger a integridade do roteiro. Portanto, a maioria das alterações apenas enxugava a história
ou lhe dava mais textura, em vez de alterá-la. Cerca de noventa por cento do roteiro original
permaneceu basicamente inalterado, mesmo depois de ser bastante reescrito. Os primeiros esboços
do roteiro já estavam bem estruturados e claros, de modo que a maioria das mudanças que
precisavam ser feitas foi muito mais criativa do que estrutural.
O filme foi um grande sucesso de crítica e de público. Rendeu cerca de US$ 100 milhões só nas
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exibições em cinemas, sem contar os direitos provenientes da exploração em vídeo, que aumentaram
consideravelmente essa soma. Quase todas as resenhas sobre o filme foram favoráveis. Ele recebeu
oito indicações ao Oscar, tendo sido vencedor nas categorias de Melhor Roteiro Original e Melhor
Edição.
Isso era de se esperar, se considerarmos que o filme já começou com um roteiro muito bom e
viável. Os três atos são intensos, bem delimitados, com pontos de virada que nos conduzem de um
ato para outro. O uso de obstáculos e reversões de expectativa, além das seqüências de cenas, dão
momentum à história. As linhas de ação dos personagens, assim como suas funções, são claramente
definidas. O tema também é bem trabalhado, através de imagens, contrastes e motivos.
A equipe de criação tinha uma experiência considerável no ramo cinematográfico e soube fazer
bom uso dela em proveito do filme. A grande habilidade de Peter Weir na sua maneira de dirigir
o filme aliada à extrema competência de Thom Noble em editar e concentrar o foco da história
contribuiu para criar um dos cinco melhores filmes de 1985.
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EPÍLOGO
Não faltam bons roteiros em Hollywood. Muitos roteiristas escrevem bons roteiros, com
histórias interessantes e personagens inesquecíveis. Mas existem pouquíssimos roteiros magníficos.
Um roteiro magnífico salta aos olhos. É como um murro na boca do estômago: quando você vê
um roteiro assim, fica nocauteado. Foi justamente isso que aconteceu com o filme A Testemunha.
A Paramount Pictures sabia que o filme tinha um roteiro muito bom. Mesmo antes de ser rodado,
eles já imaginavam que pudesse ser indicado para o Oscar, na categoria de Melhor Roteiro Original.
Em toda minha carreira como consultora, apenas três vezes me deparei com roteiros tão enxutos
e perfeitos quanto esse, que minha única recomendação foi: “Não mexa em absolutamente nada”.
Transformar um bom roteiro num roteiro magnífico requer a combinação de um amplo
conjunto de habilidades. O roteirista tem que encontrar uma nova abordagem para o assunto,
sendo original, incomparável e criativo; saber o que interessa à audiência, como contar uma boa
história. E precisa saber como estruturar e executar sua história de forma que faça sentido.
Este livro se concentrou no processo de criação de roteiros porque a maioria dos filmes fracassa
por razões estruturais. Quando lemos as críticas, vemos que raramente elas criticam o elenco, a
direção ou até mesmo o assunto. Em geral, o que criticam são os defeitos estruturais dos filmes:
uma linha de ação pouco clara, a falta de motivação dos personagens, enredos secundários
desencontrados, excesso de personagens, um final que não se coaduna com o início, muitas
questões que terminam sem resposta. Todos esses problemas podem ser corrigidos. Se algo não
ficou bom na primeira tentativa de escrever o roteiro, isso pode ser corrigido durante o processo
de reescrita.
O que pretendi fazer neste livro foi analisar os conceitos fundamentais que tornam um roteiro
viável. Entendendo a arte de escrever, você estará em melhor posição para resolver os problemas
que surgirem e para perceber se aquilo que está escrevendo está ficando bom ou não. Quer você
seja um roteirista, um produtor ou um diretor, trabalhar com estes conceitos poderá facilitar o
processo de escrever e reescrever um roteiro, levando-o a produzir um filme melhor e mais bem
integrado. A arte de como aprimorar um bom roteiro é também um processo. Um processo no
qual a arte e a técnica de escrever se fundem, criando a magia do cinema.
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LINDA SEGER
Em 1981, a Dra. Linda Seger praticamente criou e definiu a carreira de consultora de roteiros,
quando começou a desempenhar esse trabalho, com base em um método de análise de roteiros
que havia desenvolvido para seu projeto de dissertação.
Desde então, já trabalhou como consultora em mais de 2.000 roteiros, dentre eles 50 longas-
metragens e 35 projetos para televisão. Entre seus clientes estão a TriStar Pictures, William Kelley,
Ray Bradbury, Linda Lavin, Tony Bill, Suzanne de Passe, bem como produtores e escritores dos
seis continentes.
A Bossa Nova Editora já lançou duas obras da autora: Como Criar Personagens Inesquecíveis e
A Arte da Adaptação: Como Transformar Fatos e Ficção em Filme. Como Aprimorar um Bom
Roteiro é a terceira obra publicada no Brasil.
Outras obras da autora que serão lançadas em português pela Bossa Nova Editora:
Advanced Screenwriting. Raising your Script to the Academy Award Level (Os Segredos de um
Grande Roteiro)
From Script to Screen: The Collaborative Art of Filmmaking (Do Roteiro para a Tela: O Trabalho
Conjunto para a Produção de Filmes).
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