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APOSTILA DE ROTEIRO
PARA INICIANTES

Cinema

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Enedi Chagas
Março / 2008

Enedi Chagas 1
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Introdução

Quando comecei a escrever roteiros senti uma grande dificuldade em todos os


sentidos. Principalmente no que diz respeito a o que uma pessoa precisa conhecer para
escrever um roteiro. As pessoas começam com uma idéia na cabeça, mas não sabem
ao certo como passá-la para o papel.

Alguns livros sobre roteiros são muito bons e instrutivos, mas a ansiedade natural e a
pressa de ao menos começarmos a escrever, nos faz pular algumas páginas ou até
mesmo, não darmos a devida importância à informação que elas contêm. Pois bem,
pensando nisso, resolvi resumir e reescrever bem objetivamente toda a informação
que recolhi até hoje e transformá-la nesta apostila com exercícios práticos e exemplos
de produções brasileiras e americanas já produzidas.

Escrever um roteiro é transformar imagens, primeiramente visualizadas no


pensamento de seu criador, em palavras. Segundo alguns produtores de Hollywood, o
que não está no papel não está na tela.

Syd Field, famoso roteirista americano, define o roteiro como uma história contada em
imagens diálogos e descrição, dentro do contexto de uma estrutura dramática. O
roteiro em si é semelhante à obra literária pelos códigos utilizados para manipular a
fantasia na narração, mas ao mesmo tempo, torna-se distinto a medida que se
desenvolve pois o roteirista está muito mais próximo da imagem sem si do que o
escritor. O roteiro é o princípio de um processo visual.

Um bom roteiro fica evidente desde a primeira página. O estilo, a forma com que as
palavras são escritas, o jeito que a história é estabelecida, o controle da situação.
Quando terminar seu roteiro e enviá-lo á uma produtora ou um diretor eles não vão ler
todas a páginas pra saber se é bom ou não. Se forem ler todos os projetos que
chegam as suas mãos todos os dias, não teriam tempo para produzir. A maioria dos
profissionais do ramo tiram suas conclusões nas primeiras 30 páginas do roteiro, assim
como você gosta ou não de um filme nos primeiro 30 minutos de exibição.

Você tem 30 páginas para apresentar sua história e as primeiras 10 são cruciais.
Nestas primeiras 10 páginas você tem de estabelecer 3 coisas para quem vai ler seu
roteiro.

1 - Quem é seu personagem principal.


2 - Qual a premissa dramática.
3 - Qual a situação dramática em torno de sua história.

Antes de começar a escrever, leia a apostila acompanhando os tópicos e fazendo os


exercícios, pois após disso, você saberá o que fazer para escrever o seu roteiro de uma
forma simples, organizada e nos padrões profissionais. Como diria Syd Field “Escrevê-
lo ou não, será escolha sua”.

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Story Line

Este é o termo usado para designar, com o mínimo de palavras, o conflito central da
história. É a história que pretende contar resumida em, no máximo, 6 linhas. Um breve
relato que define o ponto principal do desenvolvimento do roteiro. Veja abaixo, o
exemplo do filme "Esqueceram de Mim".
         
-  Esqueceram de Mim é uma comédia para a família sobre um garoto de 8 anos
de idade que, acidentalmente, é deixado sozinho em casa por sua família
durante o feriado de Natal, e que precisa defender sua casa de dois
atrapalhados e persistentes bandidos.
 
Um relato simples que descreve todo o filme. Ele evidencia o protagonista, o local, a
época, o conflito central e os antagonistas. É a sua ferramenta para se, por acaso,
durante o desenvolvimento do roteiro, você se desviar da história que pretendia contar
que, apesar de ser um texto curto, ele deve possuir três pontos:

1 - Apresentação
2 - Desenvolvimento
3 - Solução

Escrever uma story line é uma tarefa muito simples e qualquer pessoa é capaz de
fazê-lo até mesmo sem perceber. Pense da seguinte maneira. Na saída de um cinema
alguém pára e lhe pergunta o que você viu no filme. Você vai descrever a história em
poucas palavras sem adjetivos. Lembre-se que a pergunta original foi “O que você VIU
no filme” e não se você gostou. Aí está a sua story line. Só que no caso da preparação
do roteiro, você vai contar em poucas linhas, uma história que ainda não existe. Você
ainda não a viu por inteiro.

O exemplo abaixo foi retirado do livro “Da Criação ao Roteiro” de Doc Comparato. É
um bom exemplo para termos uma visão de como a Idéia se torna uma Story Line.

1º. A Idéia – “Fui ao enterro de meu amigo. Três dias depois ele passeava pelas ruas
de Nova York”.

Story Line – “Jack vai ao enterro de seu amigo em Viena. Não se resigna, investiga e
acaba descobrindo que ele está vivo e encenou seu próprio enterro porque era
procurado pela policia. Descoberto por sua curiosidade, o amigo acaba morto”

Esta é a story line que deu origem ao roteiro e posteriormente ao filme “O Terceiro
Homem” baseado no livro do escritor britânico Graham Greene.

A força da linguagem é importante, e definir o conflito matriz em poucas palavras é um


exercício fundamental para o roteirista.

Exercício:
Pegue o artigo da idéia que escolheu e, com a ajuda do material que pesquisou, crie
uma story line contando em até 6 linhas, a base da história para um futuro roteiro.

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Sinopse

O argumento ou sinopse, é a story line desenvolvida sob a forma de texto. É onde se


começam a surgir os personagens, suas necessidades e conflitos. Em outras palavras,
é o resumo do seu roteiro em poucas páginas.

Em alguns trabalhos, como por exemplo, as tele-novelas, as sinopses são exigidas


pelas emissoras para que se possa ter uma idéia do desenvolvimento da trama, se ela
é um projeto que trará audiência suficiente para se manter no ar até o fim de um
prazo determinado e principalmente qual será o custo da produção. No caso do roteiro
cinematográfico ela é desnecessária para a venda do projeto, mas, é uma excelente
ferramenta que você poderá usar para desenvolver seu roteiro e ter uma idéia geral se
sua idéia funciona. Uma boa sinopse é o guia perfeito para se extrair um bom roteiro.

Não pretendo me aprofundar muito nas tele-novelas, mas através delas temos bons
exemplos de sinopses como o da novela Celebridade, exibida em 221 capítulos pela
Rede Globo no período de 13 de outubro de 2003 a 26 de junho de 2004. Uma novela
de Gilberto Braga escrita em conjunto com Eleonor Bassères, Sergio Marques, Márcia
Prates, Maria Helena Nascimento, Denise Bandeira, Ângela Chaves e Marília Garcia.

Esta é uma cópia pública da sinopse extraída da Internet.

“Em 1988, a beleza da jovem Maria Clara Diniz inspirou seu namorado, o compositor
Wagner Lopes, a compor uma canção para ela, "Musa do Verão", que veio a ser um
grande sucesso, estourando no país e no mundo inteiro, com o título internacional de
"Summer Spell". Maria Clara, a musa inspiradora, tornou-se a modelo exlusiva da
marca "Summer Spell", negociada com o sucesso da música. Com sua imagem
espalhada em outdoors, comerciais de TV e anúncios de revista, de uma hora para
outra sua figura se tornou conhecidíssima. No dia do casamento de Wagner e Maria
Clara acontece uma tragédia. Ubaldo Quintela, um conhecido boêmio carioca, invade a
cerimônia disposto a exigir que Wagner Lopes confessasse publicamente que havia lhe
roubado a canção. Tresloucado, afirmava que a música que transformara Maria Clara
em celebridade era de sua autoria. Ubaldo ameaça Wagner com uma arma e, fora de
si, acaba atirando, matando o compositor. O desfecho trágico do noivado de Maria
Clara, ao invés de encerrar sua carreira, marcou o início de uma trajetória de sucesso,
meteórica, não como modelo, mas como empresária. Resolveu apostar na sua
sensibilidade em identificar talentos, especialmente os da área musical, e passou a
agenciar estrelas e a produzir shows. Em pouco tempo já era uma empresária
respeitada sem, entretanto, abandonar os dividendos que o licenciamento dos
produtos Summer Spell lhe trazia. O maior patrocinador dos shows que Maria Clara
produz é o empresário Lineu Vasconcelos, com quem ela mantem uma relação
fraternal, quase de filha para pai. Lineu é dono do Grupo Vasconcelos, um império de
comunicação com inúmeras empresas, jornais, revistas, emissoras de rádio e TV. Uma
das revistas de maior tiragem do grupo é a Fama, dirigida por um homem com
talentos de sobra e escrúpulos de menos, Renato Mendes, sobrinho de Lineu, que vive
batendo de frente com Maria Clara.
Lineu está apreensivo, pois sua única filha, Beatriz, está de volta ao Brasil com o
marido, o premiado cineasta Fernando Amorim, seu desafeto. Esse retorno mexe em
feridas do passado e vai desestabilizar ainda mais esse casamento, calcado numa
relação estável demais para Fernando, e numa paixão doentia para Beatriz. E nada
mais poderá segurar essa relação quando Maria Clara e Fernando se conhecerem -

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para desespero da mulher dele, uma mulher mimada e insegura que vê em seu marido
sua única razão para viver.
Beatriz lutará com todas suas armas para impedir o amor que nasce entre Fernando e
Maria Clara. Mas ela não será o único obstáculo na vida de Maria Clara Diniz. Sua
imagem pública suscita os sentimentos mais variados. Alguns desenvolvem paixões
irrefreáveis com as celebridades, com seus ídolos; outros mantém uma relação
patológica com elas. Maria Clara é um paradigma, um mito para Laura Prudente da
Costa, que surge do nada disposta a se espelhar na empresária. Quer ser como ela,
mas não seguindo a risca seus passos. Para atingir seu objetivo, está disposta a trilhar
caminhos mais escusos e menos sacrificantes. Com a cumplicidade de seu comparsa,
Marcos, Laura traça um plano maquiavélico para se aproximar da empresária e obtém
sucesso na empreitada. Usando de falsidade e perfídia, passa a conviver na intimidade
de Maria Clara. Aos poucos Laura vai armando mil intrigas, se apoderando de segredos
importantes. Usando de frieza associada ao seu talento nato para o crime, Laura vai
traçando seu plano de derrubar Maria Clara e tomar seu lugar no show business.”

Quem assistiu à novela percebe que a sinopse acima resume a premissa dramática de
toda a história e o conteúdo dos primeiros acontecimentos da trama. Em uma tele
novela nem sempre as sinopses são acompanhadas a risca, pois, dependendo da
aceitação dos telespectadores, os capítulos previamente elaborados podem sofrer
alterações como a morte de um personagem, ou o reaparecimento de um
supostamente falecido, coisas desse tipo.

Uma boa maneira de saber se sua sinopse está bem escrita é se ela responde as
questões como estas:

- O objetivo do protagonista está claro?


- Qual é o clímax?
- Quais as ações principais do protagonista?
- O que pretendo contar com essa história?
- A questão será boa para meu personagem?

Qualquer pergunta do tipo “estraga prazeres” será boa para se comprovar a solidez da
sinopse, descobrir seus pontos fracos ou situações que possam ser melhoradas. Este
não é exatamente o ponto ideal para ter estilo e embora deva ser atraente e sugestiva,
sua qualidade mais forte deverá ser a solidez, porque é sobre a sinopse que se apóia o
passo seguinte.

Exercício:
Utilizando como exemplo a sinopse da novela “Celebridade” acima, escreva a sinopse,
da sua story line com pelo menos 15 linhas.

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Personagem

A forma mais simples de se criar um personagem, após imaginá-lo fisicamente em sua


cabeça, é criando biografias para eles procurando descrever como é o personagem, cor
de pele, idade, humor, personalidade, como pensa, onde vive, trabalha ou o que faz
para viver, se possui alguma peculiaridade etc. e depois os revele através de suas
ações e traços físicos, sempre levando em consideração somente o que for importante
para contar a sua história.

O nascimento da personagem que vai começar a desenvolver o conflito é determinado


no próprio instante que se começa a escrever a story line e você, a partir deste
momento, precisa selecionar um de seus personagens para ser o seu personagem
principal.

O filme é um meio visual. Você deve encontrar palavras e situações adequadas para
revelar os conflitos do seu personagem visualmente. Você não poderá revelar o que
não conhece. Daí a distinção entre conhecer o seu personagem e revelá-lo o papel.

O diagrama abaixo foi apresentado por Syd Field.

No filme "Chinatown" por exemplo, o roteirista não fez qualquer menção as


características do personagem principal, interpretado por Jack Nickolson, mas seu
roteiro foi tão bem escrito que a descrição física ou psicológica foi desnecessária. Mas
para se alcançar esse nível, seu roteiro deve ser tão bem escrito que o ator ao lê-lo
saiba exatamente como o personagem deve ser.

Para fazer de seu personagem pessoas reais na tela, classifique a vida o personagem
sob três aspectos báciso: Profissional, Pessoal e Privado.

Profissional Determine o que faz pra viver, onde trabalha, qual a função, com quem
trabalha, se gosta ou não gosta do que faz etc.
Pessoal Solteiro, casa, viúvo, separado, com quem vive ou se relaciona, como é
o relacionamento, social ou isolado etc.
Privado O que faz quando está sozinho, do que gosta, do que não gosta, tem
algum habito, animal de estimação etc.

Quando tiver dúvida sobre seu personagem, recorra a você mesmo e se pergunte o
que faria em determinada situação.

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Exemplo prático de criação de personagens com perguntas e respostas.

Homem ou Mulher? Mulher


Idade? 20 e poucos
Nome? Ana
Ana de que? Bergan
Tem família? Sim
Quem é seu pai? Antônio Bergan
O que faz seu pai? Empresário bem sucedido
Sua mãe? Joana Bergan
O que ela faz? É dona de casa
Tem irmãos? Não
Infância? Solitária
Relação com a família? Tensa
Local onde mora Minas Gerais
Situação financeira da família? Ricos
Situação financeira de Ana? Desempregada, sustentada por seu pai
Educação? Estudante de direito
Personalidade de Ana? Rebelde

Sua personagem está montada e, dependendo da história que pretenda contar, não
necessita de mais informações.

Sabemos que Ana Bergan é uma mulher de 20 e poucos anos, estudante de direito,
filha única do casal Joana e Antônio Bergan, um empresário bem sucedido de Minas
Gerais. Teve uma infância solitária e pela relação tensa, apesar da dependência
financeira que mantém com os seus pais, tornou-se rebelde à vista da família.

Partindo deste ponto, precisaríamos agora, determinar o que acontece com esta
personagem, seus conflitos e suas necessidades para podermos começar o roteiro.
Desenvolver qual será a história a ser contada e qual será a sua premissa dramática.

Quando começar a elaborar seus personagens, não dedique tempo demais com
informações desnecessárias. No caso da personagem acima, Ana Bergan por exemplo,
se formos escrever um roteiro sobre o porque da relação tensa com sua família não vai
ter importância se ela é branca ou negra, feia ou bonita, magra ou gorda, baixa ou
alta. Preserve apenas informações relevantes para a criação de seu personagem.

Exercícios:
Para a construção de personagens, um bom exercício e alugar alguns filmes, de
preferência com o mesmo ator, e tentar identificar quais são seus conflitos, valores,
sentimentos e como será mudado no final ou se será mudado.

Utilizando o exemplo da “bibliografia”, do personagem Ana Bergan, crie seu


protagonista baseado na sua sinopse.

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Estrutura

Neste ponto você já deve saber sobre o que vai ser seu roteiro, já tem sua sinopse, já
conhece seu personagem principal sua vida e seu conflito central e como você
pretende descrever estas situações. A partir de agora sua preocupação é como colocar
em palavras, e de forma ordenada, todo o redemoinho de eventos que estão em sua
cabeça. Lembre-se que o mais difícil é saber o que escrever.
 
O formato padrão cinematográfico utilizado é o mesmo, tanto no Brasil como qualquer
outro lugar do mundo. Por isso, se você pretende registrar seus roteiros fora do Brasil,
preocupe-se apenas em desenvolvê-lo o mais profissional possível e ter o cuidado de
enviá-lo a um profissional para traduzi-lo ou corrigir a sua tradução.
   
Formatação Papel   Modelo Carta (27,94 x 21,59cm, branco e de boa qualidade)
                   Fonte                       Courier ou Courier News  tamanho 12
                   Margens                  Superior 2,5cm
                                                Inferior 3,0cm
                                                   Esquerda 3,5cm
                                                   Direita 3,5cm
                    Nomes                     Esquerda 9,0cm
                    Informação ao ator Esquerda 7,5cm
                    Diálogos                 Esquerda 6,5 e direita 7,5
                    Impressão                Cor preta
Páginas Numeradas, cabeçalho a direita ex: 2. 3.
Apresentação Encadernação de dois furos
 
Tente não ser muito longo ou repetitivo incluindo muitos flash backs. Uma boa base
para saber quanto tempo de filme seu roteiro vai produzir é o número de páginas.
Cada página representa aproximadamente 1 minuto de filme. Se você pretende
escrever um longa metragem, por exemplo, 120 páginas são aproximadamente 2
horas de filme.
         
Lembre-se de nunca utilizar palavras em itálico. Somente o título na capa do roteiro
poderá ser em negrito e centralizado, todo o restante do texto será escrito simples, em
caixa baixa e com margem a esquerda.
 
Capa - Dê 8 enters e na oitava linha escreva o titulo do seu roteiro entra aspas e em
maiúscula. Pule uma linha e escreva "de", pule outra linha e escreva seu nome. No fim
da pagina, a direita escreva seu endereço, telefone e e-mail. Pule uma linha e escreva
a sigla do órgão que registrou seu roteiro e o número do registro.

Primeira página -  Dê 5 enters e na sexta linha, centralizado na página e entre aspas


e em maiúscula, escreva o título do seus roteiro. Dê mais 4 enters e na décima linha, a
esquerda escreva FADE IN: No Brasil não é considerado essencial mas fora do Brasil
sim. Pule uma linha e escreva seu primeiro cabeçalho.

Última página -  Após a última linha escrita, pule duas linha e escreva a direita FADE
OUT. Pule mais duas linha e escreva centralizado na tela FIM. 

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( Modelo: Capa )

“BELTRANO É O TAL”

de

Fulano de Souza

R. Reta, 38
Lugar Nenhum – RJ
Brasil - cep 22000-000
Fone: (21) 2345-6789

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copyright©Fulano de Souza
Todos os direitos reservados fulanodesouza@bom.com
(Modelo: Primeira Página)

“BELTRANO É O TAL”

FADE IN:

1.INT. CASA DE BELTRANO – QUARTO / DIA

O lugar é humilde e sem decoração.

Beltrano está em sua cama lendo jornal. O TELEFONE toca. Ele


deixa o jornal sobre a cama, se levanta, se aproxima do
aparelho sobre a pequena mesa e atende.

BELTRANO
Alo.

HOMEM (V.O.)
(brincalhão)
Beltrano, meu camarada!

Xxx
Xxx
Xxx
Xxx
Xxx
Xxx

(Modelo: Última Página)

Beltrano, orgulhoso de seu feito, curva seu corpo para


frente, cumprimentando a platéia agradecendo os aplausos.

FADE OUT.

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FIM

Desenvolvimento

Se você conhece a necessidade do seu personagem, pode criar obstáculos que


preencham essas necessidades. Como ele vence esses obstáculos é a sua história.
Conflito, luta, vencer obstáculos são ingredientes primários de todo drama.
 
Quando estiver escrevendo seu roteiro, tente evitar palavras como: vimos, estamos,
entramos, ouvimos... Para o leitor, soa melhor "um sino toca ao longe" do que
"ouvimos o sino tocar". Em algumas situações é difícil e não há jeito, mas tente.
Lembre-se de que você está descrevendo um fato, embora ele só esteja acontecendo
em sua cabeça. Evite também a palavra “câmera”, você só precisa descrever a cena.
 
Evite ser literário em excesso, descreva somente o essencial para o desenrolar do
roteiro, só o que precisa ser revelado para o desenvolvimento do personagem.

Não enumere suas cenas. Essa numeração será de acordo com a produção.
 
Em todo cabeçalho deve constar se a cena será interna (INT.) ou externa (EXT.), o
local onde ela se passa e se é dia ou noite. Todas as vezes que precisar mudar de
lugar ou de tempo, muda-se o cabeçalho. Após escrever o cabeçalho, pule uma linha e
descreva a cena. Existem também algumas variações como: Continua, Momentos
Depois e Mais Tarde.
 
Toda história seja ela qual for, tem princípio, meio e fim. Se você já conhece o
personagem e qual será o seu fim, você já tem boa parte do roteiro resolvido em sua
cabeça. O ponto que determina o acontecimento marcante para a mudança do
principio para o meio e do meio para o fim é chamado de ponto de virada. Confira o
gráfico abaixo.

 
                                                
 
O ponto de virada 1, não é uma regra, mas em um longa metragem de
aproximadamente 120 minutos, geralmente, ocorre em torno de 20 minutos de filme e
é o gancho quando algo acontece que muda a direção da situação. É a apresentação
do problema, a questão que será resolvida no fim. O ponto de virada 2, também não é
regra mas ocorre próximo aos 80 minutos de filme e, na maioria das vezes é o evento
que leva a solução da questão.
 
Algumas palavras no roteiro costumam serem escritas em maiúscula como o
personagem que vai falar, a primeira vez que o personagem aparece no roteiro ou a
primeira vez que aparece na cena, objetos importantes e também sons que vão
precisar ser criados artificialmente como o toque de um telefone, uma janela que se
quebra etc.

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Algumas instruções se tornam necessárias para a produção e são escritas entre


parentes e abreviadas conforme os exemplos abaixo:

- Para diálogos:

(V.O.) - Voice Over é quando, por exemplo, ouvimos o pensamento do personagem ou


um narrador.

Exemplo:

Maria está à mesa com um copo de café em uma das mãos.

MARIA (V.O.)
Será que ele ainda vai me procurar?

(O.S.) - Off Screen é quanto o personagem fala, mas não está visível na cena.

Exemplo:

Maria pega uma fatia de pão e come.

JOÃO (O.S.)
Maria!

Maria, eufórica, se levanta e corre até a janela.

(CONT.) – O Continua é quando o mesmo personagem continua sua fala interrompida


por alguma ação que precisa ser feita para dar continuidade ao dialogo.

Exemplo:

MARIA
Pensei que não ia mais vir aqui.

Ela corre até a porta e a abre. João está a sua espera.

MARIA (CONT.)
Estava preocupada.
 

O “CONTINUA” também pode ser usado quando uma cena se encaixa em outra, dando
seqüência ao acontecimento.

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Exemplo:

28.INT. CASA DE MARIA / SALA – DIA

JOÃO e MARIA se abraçam e se beijam. João a pega no colo e a


leva para o interior da casa.

29.INT. CASA DE MARIA / QUARTO – CONTINUA

JOÃO, com MARIA em seus braços, se aproxima da cama e a


deita.

- Para cenas:

CORTA PARA: - É utilizada para cortar a cena para uma outra e escrita com margem
a direita.

Exemplo:

João olha fixo nos olhos de Maria e a beija apaixonado.

CORTA PARA:

30.EXT. RUA DO CENTRO DA CIDADE – DIA

MATCH CUT: - É utilizada para cortar lentamente de uma cena para outra. Como por
exemplo, se o personagem está no mesmo local da cena, mas com anos mais velho.

Exemplo:

João olha fixo nos olhos de Maria e a beija apaixonado.

MATCH CUT:

João, 20 anos mais velho, olha Maria nos olhos.

JOÃO
Eu te amo.

POV - Point of View é quando vemos o que o personagem está vendo pelo mesmo
ponto de vista. Use POV, descreva a cena que quer demonstrar e encerre a instrução
pulando uma linha e escrevendo VOLTA Á CENA.

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Exemplo:

POV MARIA

Por trás de João, a porta se abre lentamente.

VOLTA A CENA

INSERT - É quando você quer enfatizar algum detalhe na cena. O segundo antes da
bomba explodir, a última gota d´águas etc.

Exemplo:

Com o abrir a porta, a chave se cai.

INSERT

Chave caindo lentamente.

VOLTA A CENA

 
Só dê instruções de posicionamento e tomadas de câmera quando estritamente
necessário. Lembre-se que quem vai dirigir o filme, já leu seu roteiro e já tem a idéia
montada em sua cabeça e nem sempre, o que você escreveu é a melhor forma de
mostrar a cena. 

Segue abaixo, um exemplo excelente dado pelo professor e roteirista Hugo Moss onde
as instruções de câmera foram necessárias.
   
Um alpinista está escalando uma montanha com muita dificuldade. Ele olha
para baixo, limpa o suor da testa, poe um grampo na pedra. Toda a cena é
dada a instrução em CLOSE UP e CLOSE SHOTS até o final quando... o ANGULO
ABRE PARA REVELAR que a "montanha" é uma pequena rocha no meio do
Central Park em Nova York, com crianças brincando por perto, casais
passeando, num belo domingo de verão.
 
Neste caso, se não houvesse as instruções de câmera, o humor da cena seria perdido.
 
Exercícios:
Antes de começar a escrever seu roteiro, escolha dois filmes que goste, baixe os
roteiros e leia-os por completo. Após fazer isso, assista aos filmes e compare, cena por
cena, a construção do roteiro.

Assista-os, primeiramente, atento aos detalhes e tente "escrever" algumas cenas.


Utilize o roteiro original na Internet para corrigir seu exercício.

Segue abaixo, uma relação de algumas das instruções mais utilizadas.

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FLASH BACK - Volta ao passado.
FUSÃO - Duas cenas que se fundem em uma só.
FREEZE - Congelar a cena.
SLOW MOTION - Imagem lenta.
QUICK MOTION - Imagem rápida.
KHROMA KEY - Fundo azul, muito utilizado em ficção.
ZOOM – Aproximação ou afastamento.
ZOOM IN - Entrando dentro de...
DOLLY BACK – Grua de afastamento. A Câmera se afasta de determinado objeto.
DOLLY IN – Grua de aproximação. A Câmera de aproxima do objeto.
DOLLY OUT – A Câmera retrocede e abandona o objeto.
DOLLY SHOT – Mais utilizado para movimentos verticais.
PROCESS SHOT - Cena filmada em movimento atrás dos atores.
LONG SHOT - Plano aberto revelando todo o cenário.
PLANO MÉDIO - Linha da cintura pra cima.
CLOSE UP - Plano fechado em um ponto, geralmente no rosto.
CLOSE SHOTS - Plano fechado, geralmente na linha dos ombros pra cima.
DESFOCAR – A câmera altera o objeto focado.
ELIPSE – Passagem muito rápida de tempo.
ESFUMAR – Imagem dissolve-se na cor branca ou funde-se com outra.
FLASH FORWARD – Cena que revela parcialmente alguma coisa de vai acontecer.
HALO DESFOCADO – A câmera desfoca em volta de um objeto enquanto este se
mantém focado.
PROCESS SHOT – Maneira de simular movimento. Uma cena pré filmada projeta-se
por trás dos atores.
SLOWS SCREEN – Divisão da tela mostrando, ao mesmo tempo, imagens de
acontecimentos separados.
TRAVELLING – Câmera que acompanha o movimento dos atores em mesma velocidade
VARRIDO – A câmera corre, mudando a imagem de lugar.
INTERCUT – Duas cenas diferentes que se revezam.

Exemplo:

Maria corre pelo corredor em direção a seu quarto. João não


consegue alcançá-la antes que ela feche a porta.

INTERCUT – DISCUSSÃO

JOÃO
Nos já discutimos sobre isso.

MARIA
Vá embora!

Perceba que Maria e João estão em ambientes diferentes, em cenas diferentes .

Roteiro Final

Enedi Chagas 15
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Muitos diretores e produtores só consideram o termo “roteiro final” para um roteiro


que já foi aprovado para o inicio das gravações. Aqui, eu me refiro ao final do roteiro
do qual você está escrevendo.

Após ter terminado de escrever seu roteiro, releia-o quantas vezes forem necessárias.
Não importa o número de vezes que você fizer isso, sempre vai encontrar algo que
possa ser melhorado até chegar ao roteiro final.

Pontos de verificação:

1 – Formatação
Sempre que escrever um roteiro, seja ele qual for ou de que tamanho for, obedeça
sempre a formatação padrão. Este é um fator eliminatório para muitos produtores. Um
roteiro mal formatado nem sempre é lido.

2 – Cabeçalhos
Verifique se todos os seus cabeçalhos contêm os números das cenas e as informações
necessárias como, interna ou externa, o local onde se passa a cena e o período do dia.

3 – Descrições de cenas
Tome o cuidado de não escrever novamente o que já está informado no cabeçalho
como, por exemplo:

09.INT. QUARTO DE MARIA – DIA

Maria está em seu quarto...

Isso é redundante. Você já especificou onde ela estava no cabeçalho.

4 – Nomes
Preste atenção se todos os personagens têm o mesmo nome até o final da história.
Você não pode começar o roteiro com um personagem chamado Antônio e, de repente
chamá-lo de Toni.

5 – Instruções para o ator


Não dê instruções com freqüência, eles geralmente as desconsideram. Se o diálogo
estiver claro e de acordo com o que foi descrito em cena, ele saberá exatamente o
"humor" do personagem e o que deve fazer.

6- Reduza o número de páginas


Se, por exemplo, o seu roteiro completo foi escrito em 134 páginas, reveja as cenas e
os diálogos e reflita se eles são realmente importantes para o desenvolvimento da
história. Tente mantê-lo em no máximo 110 páginas, filmes muito longos correm o
risco de se tornarem cansativos.

7 – Corte de Páginas
Não separe o cabeçalho da descrição da cena. Caso seu cabeçalho seja no última linha
da página, passe-o para a página seguinte. No caso de diálogo, escreva “continua” na
linha abaixo ao corte do seu diálogo e na próxima página escreva “continuação”. Eu,
particularmente, não gosto de partir diálogos, mas, se isso ocorrer, veja no exemplo
Abaixo a forma que poderá ser escrito.
Exemplo:

Enedi Chagas 16
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MARIA
Estamos todos muito cansados.
Precisamos estar preparados.
(mais)

(Fim da página) (CONTINUA)


-------------------------------------------------------------
31.

CONTINUAÇÃO:

MARIA(CONT.)
Amanhã será um grande dia.

As fases com que se aplicam os métodos de produção de um roteiro são:

1 - Procure uma boa idéia. Seja ela original, pesquisada ou adaptada.


2 - Conheça seu protagonista e seus conflitos.
3 - Organize sua história.
4 - Escreva suas cenas e diálogos.
5 - Reescreva quantas vezes forem necessárias.
6 - Registre seu roteiro
7 - Venda seu roteiro.

Exercício:
Reveja todos os exercícios, seu material pesquisado, sua story line, sua sinopse e, se
ainda não escreveu, escreva seu roteiro utilizando as informações da apostila. Quando
tiver certeza de que ele já está pronto, peça a seus amigos e sua família para lê-lo.
Eles serão os “críticos” que vão avaliar sua história.

Produções Brasileiras

Enedi Chagas 17
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Para o estudo com produções brasileiras, selecionei as primeiras 10 páginas de filmes


conhecidos e de roteiros premiados como “O Homem que Copiava” e “Cidade de
Deus”. São filmes atuais e de visões e estilos de escrita diferenciados que podem
ajudar bastante no entendimento do “ o que” se escrever em determinadas situações .

Os roteiros exemplificados abaixo são para serem estudados e analisados e não para
serem copiados e adaptados a uma outra idéia. Para o roteirista iniciante, é
interessante ter uma noção mais apurada e analisada de outras obras. Trabalhos de
escritores já consagrados e com maior experiência são sempre um ótimo aprendizado,
independente de quem tenha escrito ou quantos prêmios o roteiro recebeu.

Particularmente, acho sempre mais convincente começar a treinar com alguma coisa
simples e que você tenha facilidade de pesquisar sobre o assunto, como uma história
sobre um caso ocorrido em sua família, por exemplo.

Para escrever bem é necessário conhecimento. O mais difícil não são as idéias e sim
como elas vão se transformar em palavras que serão escritas no roteiro. O mais difícil
é saber o que escrever e qual a melhor forma.

Seguem abaixo alguns sites eu possuem bancos de roteiros já produzidos e liberados a


leitura pública. Nem sempre a formatação disponível é a correta mas dê especial
atenção ás palavras e a forma escrita utilizada pelo roteirista.

Os roteiros disponibilizados na Internet estão protegidos pela Lei 9.610/98 e pelas


convenções internacionais de direito autoral, sendo vedado seu uso para propósitos
comerciais, assim como sua reprodução parcial ou integral, sem a autorização
expressa do autor. Eles destinam-se apenas a leitura, estudo e fonte de informação .

Seguem abaixo alguns sites com roteiros disponíveis á leitura pública:

www.casacinepoa.com.br
http://portalliteral.terra.com.br
www.artv.art.br
www.roteirodecinema.com.br

- O Homem que Copiava

Enedi Chagas 18
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Diretor Jorge Furtado


Roteirista Jorge Furtado
Roteiro Original
Ano 2003
Gênero Comédia Romantica
Premiações 11 e 3 indicações

Resumo André, rapaz pobre, que se


apaixona por Silvia, sua
vizinha a quem ele espiona com
um binóculo, começa a xerocar
cédulas de dinheiro na intenção
de comprar presentes para ela.

Seguem abaixo, as primeiras dez páginas do roteiro.

CENA 1 - SUPERMERCADO - INTERIOR/DIA

ANDRÉ, 18 anos, magro, roupas simples, mochila nas costas,


está na fila de um caixa de supermercado. Atrás dele, um
HOMEM, 50 anos, com dois pacotes na mão. Atrás do homem, uma
SENHORA, 40 anos, e uma CRIANÇA de 5 anos, com um carrinho
cheio de compras. André tira do bolso sua a carteira de
dinheiro enquanto a MOÇA do caixa, 18 anos, vai passando as
compras de André: esponja para lavar pratos, detergente,
leite, pão, margarina, fósforos. André confere o dinheiro na
carteira.

ANDRÉ
Quanto deu até agora?

MOÇA
Oito e vinte e cinco.

ANDRÉ
Tudo bem.

Ela passa a carne e registra.

ANDRÉ
Quanto?

MOÇA
Onze e trinta.
ANDRÉ
(surpreso) Quanto é a carne?

Enedi Chagas 19
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MOÇA
Três e cinco.

ANDRÉ
Não vai dar. Eu só tenho onze e cinqüenta.

MOÇA
Deu onze e trinta.

ANDRÉ
É que eu preciso levar o álcool. Quanto é o
álcool?

MOÇA
Um e vinte.

ANDRÉ
Pois é, não vai dar. Desculpe, mas é que eu
preciso levar o álcool.

MOÇA
Eu já registrei a carne.

Ao fundo, um CASAL entra na fila.

ANDRÉ
Não dá para tirar o detergente? Quanto é o
detergente?

MOÇA
Eu já registrei o detergente.

ANDRÉ
Eu sei, desculpe. Mas é que eu preciso levar o
álcool.

A mulher e o homem na fila estão visivelmente irritados com a


demora dele.

MOÇA
O que eu faço?

ANDRÉ
É que... eu preciso levar o álcool mesmo,

Enedi Chagas 20
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desculpe.

A moça, mal contendo a irritação, toca uma campainha que


acende uma luz sobre o caixa. O homem na fila troca de caixa,
resmungando, irritado. O SUB-GERENTE, 30 anos, camisa branca,
crachá e calça de tergal cinza, chega ao caixa.

MOÇA
Tenho que abrir.

SUB-GERENTE
O que foi?

Uma VELHINHA chega e entra na fila.

ANDRÉ
Desculpe, mas eu preciso levar o álcool. Não
vi que a carne era tão cara.

SUB-GERENTE
Quanto é que você tem?

ANDRÉ
Tenho onze e cinqüenta.

O sub-gerente examina a conta.

SUB-GERENTE
A conta deu onze e trinta.

ANDRÉ
É que eu preciso levar o álcool, que ainda não
está na conta.

SUB-GERENTE
Quanto é o álcool?

MOÇA
Um e vinte.

O Sub-Gerente, visivelmente irritado, examina André enquanto


tira uma chave do bolso mexe na registradora.

MOÇA
Você vai tirar o quê?

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ANDRÉ
Quanto é o detergente?

MOÇA
Um e quinze. Se deixar a carne, dá.

ANDRÉ
E a esponja?

MOÇA
A esponja é quarenta.

André pensa um pouco, faz contas.

MOÇA
E aí?

ANDRÉ
Tudo bem, deixa a carne.

A Moça separa a carne, registra o álcool.

MOÇA
Nove e quarenta e cinco.

André paga. A Moça dá o troco em moedas. André pega o troco e


sai, sob o olhar irritado do gerente e dos outros clientes.

CENA 2 - TERRENO BALDIO - EXTERIOR/DIA

André sai do supermercado, caminha pela calçada até um


terreno baldio ao lado do supermercado. Ele olha para os
lados, abre a mochila, revelando uma grande quantidade de
dinheiro, notas de cem e cinqüenta. Despeja o dinheiro no
chão. Derrama álcool sobre o dinheiro e acende um fósforo. O
dinheiro queima.

Créditos Iniciais

CENA 3 - PAPELARIA - INTERIOR/DIA

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Uma pequena papelaria e livraria de subúrbio. Estantes com


revistas e balcões com material escolar. No fundo da loja,
André opera uma máquina fotocopiadora.

ANDRÉ (VS)
O meu nome é André. Era o nome do meu pai. Foi
ele quem escolheu o meu. Minha mãe me chamava
de Zinho. Ele não gostava, só me chamava de
André. Depois ele desistiu, começou a me
chamar de Zinho também.

CENA 4 - SEQ. DE MONTAGEM: RUAS DO QUARTO DISTRITO + TABLE-


TOP - EXTERIOR-INTERIOR/DIA

Imagens do Quarto Distrito, um antigo bairro operário de


Porto Alegre: casas de classe média-baixa, fábricas fechadas,
depósitos.

ANDRÉ (VS)
Eu moro em Porto Alegre, uma cidade no sul do
Brasil. Moro no Quarto Distrito, na Presidente
Roosevelt, que é essa rua.

Gravuras do Presidente Roosevelt e de sua mulher, num


trabalho escolar, na fotocopiadora.

ANDRÉ (VS)
Roosevelt foi presidente dos Estados Unidos,
era casado com uma gordinha que era prima
dele. Ele ficou conhecido por causa da
Doutrina Roosevelt, que não deu tempo de eu
ler o que era.

Desenho de André: uma velha parecida com Eleanor Roosevelt.

ANDRÉ (VS)
Nem sei direito o que é doutrina, acho que é
um monte de regras. Parece nome de uma velha.
Vó Doutrina.

A fachada do prédio do Clube Gondoleiros,

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ANDRÉ (VS)
Da janela do meu quarto eu vejo um clube, o
Gondoleiros...

Uma festa no salão do clube, casais dançando.

ANDRÉ (VS)
...onde tem umas festas. No teto do prédio tem
uma gôndola. Não sei se em Porto Alegre já
teve alguma gôndola.

Na caixinha de música da mãe de André uma pequena gôndola


gira.

ANDRÉ (VS)
Minha mãe tem uma caixinha de música com uma
gôndola que rodeia.

CENA 5 - PAPELARIA - INTERIOR/DIA

André trabalhando, tirando cópias na fotocopiadora. Detalhes


da máquina fazendo cópias.

ANDRÉ (VS)
Eu trabalho nesta papelaria, sou operador de
fotocopiadora. Aqui você liga e desliga a
máquina. Está vendo? Liga. Desliga. Liga.
Desliga. Liga, desliga. Não é bom ficar
fazendo isto muitas vezes, pode queimar. Liga.
Desliga.

SEU GOMIDE, 50 anos, está sentado próximo a entrada da loja,


no caixa. Interrompe a leitura de uma revista para dar uma
olhada no espelho côncavo pelo qual controla a loja.

ANDRÉ (VS)
É melhor parar, o Bolha acaba me vendo pelo
espelho bolha dele. Ele diz que o espelho é
para a segurança da loja. O Bolha pensa que eu
sou otário. Considerando o que ele me paga,
ele não deixa de ter uma certa razão. O nome
do bolha é seu Gomide.

DONA MARIA, 40 anos, entra na loja acompanhada de GUIGO, um


menino de dois anos.

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ANDRÉ (VS)
A dona bolha se chama Maria. Só aparece aqui
na loja para ver revista e pegar dinheiro. O
nome do bolhinha é Rodrigo. Ou Diogo. Eles
chamam o bolhinha de Guigo, acho que é
Rodrigo.

André pega folhas de ofício num pequeno armário. Dentro do


armário, uma lâmpada acesa. Guigo, atraído pela luz, tenta
abrir o armário dos papéis.

ANDRÉ (VS)
Ele fica abrindo o armário do papel, por causa
da luz. Isso é outra coisa que você tem saber.
O papel da máquina deve ser bem seco e por
isso fica guardado num armário com uma luz
dentro que o bolhinha adora ficar abrindo. Não
mexe aí, bolhinha.

André segura o braço de Guigo.

ANDRÉ
Não pode...

MARIA
Deixa ele, André.

ANDRÉ
É que depois o papel gruda e o seu Gomide
Reclama de mim, Dona Maria.

SEU GOMIDE
Tira esse guri daí, Maria.

Maria pega Guigo pela mão e o afasta do armário.

MARIA
Vem Guigo, vem, não mexe. Eu já vou.

Maria e Guigo saem da loja.

ANDRÉ (VS)
Isso, dona Bolha, vá em frente. Adeus,

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bolhinha.

André prepara as folhas para a máquina. Põe o papel na


máquina.

ANDRÉ (VS)
Quando o papel acaba, você abaixa este troço,
tira esta gaveta e põe o papel. Primeiro você
solta bem o papel, para não grudar. É só
segurar, dobrar, soltar. Segurar, dobrar,
soltar. Mais uma. Aí você arruma o papel e põe
na gaveta. Põe a gaveta na máquina e levanta o
troço. Aqui você controla a cópia, mais escura
ou mais clara.

CENA 6 - PAPELARIA - INTERIOR/DIA

Seu Gomide orienta André a operar a máquina.

SEU GOMIDE
É melhor deixar sempre no meio.

CENA 7 - PAPELARIA - INTERIOR/DIA

André opera a máquina: aperta botões, prepara a cópia de uma


gravura. Põe o original sobre o vidro da máquina.

ANDRÉ (VS)
Certo bolha. Sempre no meio. Aqui você diz
para ela quantas cópias você quer. Aí você
levanta esta tampa e põe o papel que você quer
copiar, o original, aqui. Você tem que pôr no
limite desta marca no vidro. Aí você fecha a
tampa, cuidando para não tirar o papel do
lugar. Apertando este botão aqui você está
dizendo: vá em frente, minha filha, está tudo
certo. E ela vai.

A máquina faz a cópia da gravura. A luz da máquina varre o


rosto de André.

ANDRÉ (VS)
Essa luz é a melhor parte.
A cópia sai na gaveta da máquina.

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ANDRÉ (VS)
Pronto. Você já sabe tudo que é preciso saber
para fazer o que eu faço. Operador de
fotocopiadora. Grande merda. É o que eu digo
para as gurias se elas me perguntam. Só se
elas me perguntam.

CENA 8 - PARQUE - EXTERIOR/DIA

André e uma Guria, num parque, sentados.

GURIA
O que é que você faz?

ANDRÉ
Eu? Eu sou operador de fotocopiadora.

GURIA
Que que é isso?

ANDRÉ
Eu opero uma máquina de fotocópias.

GURIA
Tipo assim, xerox?

ANDRÉ
É. Só que é de outra marca.

GURIA
Você trabalha no xerox de uma firma?

ANDRÉ
Não, não. Numa loja.

GURIA
Ah. Legal.

CENA 9 - PAPELARIA - INTERIOR/DIA

André opera a máquina.

ANDRÉ (VS)
Muito legal. Liga, desliga, o papel com a luz,
a gaveta, o botão sempre no meio, quantas

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cópias e vai minha filha. Quantos neurônios um


sujeito precisa para fazer essa merda?

CENA 10 - PARQUE - EXTERIOR/DIA

André e a Guria continuam sentados.

ANDRÉ
É uma merda.

GURIA
Bom...

ANDRÉ
É só pra ganhar uma grana. Eu trabalho com
ilustrações, mandei um material para uma
revista.

ANDRÉ (VS)
"Material". Acho que ela não caiu nessa.
Gurias são espertas.

CENA 11 - QUARTO DE ANDRÉ - INTERIOR/NOITE

André ocupa uma pequena escrivaninha, coberta de papéis


soltos, desenhos e canetinhas. Ele desenha gurias, gurias de
todos os tipos, magras, gordas, altas, bonitas e feias.

ANDRÉ (VS)
Quando eu não estou trabalhando eu fico em
casa desenhando. É divertido porque não serve
para nada, só para dizer para as gurias. Não
tem dado muito certo. Gurias reconhecem um
operador de fotocopiadora em poucos segundos.

Desenhos de gurias na praia, gurias num carro, gurias cheias


de jóias.

ANDRÉ (VS)
Gurias não sonham em passar a vida ao lado de
um operador de fotocopiadora, viajar pelo
mundo com um operador de fotocopiadora, ter
filhos de um operador de fotocopiadora. Pelo
menos eu, até agora, não encontrei nenhuma
guria que sonhasse isso.
CENA 12 - APARTAMENTO DE SÍLVIA - INTERIOR/NOITE

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Através do binóculo, a sala do apartamento de Sílvia.


ANTUNES, 60 anos, está no sofá, apalermado frente à
televisão. Na televisão, um programa de auditório.

ANDRÉ (VS)
Ela ainda não chegou. Ela mora com o pai. Acho
que é pai, só pode ser. Ela chega em casa onze
meia. Um dia ela atrasou, fiquei preocupado,
ela chegou quase meia noite. Deve ter ido
comer alguma coisa depois do cursinho.

André observa o apartamento: mesa para quatro pessoas, sofá,


televisão ligada, na parede da sala, um quadro com uma
paisagem dos Alpes Suíços e uma Santa Ceia.

ANDRÉ (VS)
Pelos móveis, eles não devem ter grana, são
tão duros quanto eu.

André observa Antunes.

ANDRÉ (VS)
Só que o pai dela trabalha, tem um uniforme,
uma camisa que tem aquelas coisinhas no ombro,
presas por um botão, parece um policial civil,
ou agente sanitário, estes que matam mosquito.
Nunca vi ele trazendo para casa aquela máquina
de matar mosquito, mas acho que eles não levam
mesmo para casa, aquilo é veneno. Talvez ele
seja agente sanitário.

SILVIA, 20 anos, entra em casa. Vai até a cozinha, pega uma


fruta na geladeira e cruza a sala, passando por Antunes sem
falar com ele. Ele também não tira os olhos da televisão.

ANDRÉ (VS)
Ela chegou. Linda. Ela vai direto para o
quarto, acho que janta na rua. As vezes ela
pega alguma coisa na cozinha. Só as vezes,
quase nunca. Ela chega sempre depois das onze
e vai direto para o quarto.

CENA 13 - APARTAMENTO DE SÍLVIA/BINÓCULO - INTERIOR/NOITE

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A luz do quarto de Sílvia se acende. Há apenas uma fresta no


vidro da janela, o resto está coberto de papel decorado.

ANDRÉ (VS)
O vidro é quase todo coberto com um papel. No
vidro têm também três adesivos, antigos, por
trás do papel, e um papel colado, na fresta.

Sílvia se aproxima do papel colado no vidro e o examina.

ANDRÉ (VS)
O papel colado tem três linhas de cola, pode
ser um cartão postal, pelo tamanho. As vezes
ela pára e fica olhando para o papel. Deve ser
uma foto. Ela tinha uma veneziana, mas
apodreceu e eles tiraram, nunca mais
colocaram. Deve ser caro, uma veneziana.

Sílvia desaparece no quarto outra vez. Sua mão reaparece


abrindo a porta do armário.

ANDRÉ (VS)
Pela fresta dá para ver só um pedaço do
armário, mas as vezes ela deixa a porta do
armário aberta e na porta tem um espelho.
Dependendo do jeito que a porta fica aberta dá
para ver um pedaço diferente do quarto, pelo
espelho.

CENA 14 - QUARTO DE SÍLVIA - INTERIOR/NOITE (TRUCAGEM)

Os vários fragmentos do quarto de Sílvia montam um painel –


como um código de barras de imagens.

ANDRÉ (VS)
A cama tem um edredon floreado. Tem um abajur
numa mesinha ao lado da cama. Uma televisão no
quarto, só dá para ver a luz, ela fica vendo
filme até tarde. Uma escova, cabo de madeira
redondo. Uma latinha que acho que era de
biscoitos, com umas flores.

A luz se apaga.

ANDRÉ (VS)
Pronto. Acabou.

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CENA 15 - SEQ. DE MONTAGEM: QUARTO DE ANDRÉ + RUAS + TABLE-


TOP - INTERIOR-EXTERIOR/NOITE-DIA

André em seu quarto, fazendo contas. Detalhes de suas contas


no papel, detalhes do contracheque.

ANDRÉ (VS)
Eu ganho dois salários mínimos, são trezentos
e dois reais por mês, duzentos e noventa com
os descontos.

André caminhando na calçada.

ANDRÉ (VS)
Não gasto em transporte, vou a pé para a loja
e não saio nunca.

Mãe de André abrindo a geladeira. Detalhe do carnê da


imobiliária.

ANDRÉ (VS)
Minha mãe paga o supermercado com a pensão
dela, eu pago metade do aluguel...

Planta baixa do apartamento de André. Detalhe do quarto de


empregada.

ANDRÉ (VS)
... dois quartos com dependência de empregada,
se a gente tivesse empregada e ela conseguisse
dormir de pé.

Sala do apartamento, a janela aberta.

ANDRÉ (VS)
Sala, vista para o prédio em frente, tudo isso
por apenas...

Detalhe dos recibos.

ANDRÉ (VS)
... trezentos e trinta reais, trezentos e
oitenta com o condomínio.
Estas seriam as primeiras dez páginas apresentadas pelo roteirista ao produtor para a
venda do projeto. Apesar da versão disponível na Internet não estar formatada

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corretamente, perceba que em todos os cabeçalhos e descrições de cena estão


presentes as informações que realmente são importantes para as cenas.

Na primeira parte do roteiro, é detalhada a vida de André. O que pensa, onde trabalha,
qual seu relacionamento com o mundo ao redor dele e toda a rotina pacata de seu
trabalho e sua vida simples ao lado do pai. O que nos chama a atenção e torna-se o
gancho para a história se tornar interessante é: O que uma pessoa como André está
fazendo com uma mochila de dinheiro, e porque o queimaria?

Uma idéia interessante do roteirista foi fazer a paródia de o personagem em um caixa


de supermercado, fazendo contas e pedindo para retirar algumas mercadorias por não
poder pagá-las, com o fato de estar com uma mochila de dinheiro. Ora, se ele tinha o
dinheiro, porque não o utilizou? Esta é a questão principal que será desenvolvido ao
longo do roteiro.

As numerações no inicio do cabeçalho como “CENA 01...” refere-se ao número da cena


dentro do roteiro. Esta numeração não é uma exigência, até porque, geralmente, os
roteiros são filmados em ordem aleatória a que foi escrita.

As siglas VS (Voice Screen) que aparecem ao lado do nome do personagem em


algumas falas é uma variação de V.O. (Voice Over), mas o efeito é o mesmo.

Leia novamente os trechos com cuidado prestando atenção em como o roteirista


utilizou as palavras para descrever as cenas. A forma de diálogo que utilizou e se esta
de acordo com as características do personagem.

Para terem uma idéia da experiência do roteirista acima, Jorge Furtado, segue abaixo
uma pequena mostra de seus trabalhos cinematográficos como roteirista já
produzidos.

2000 - Tolerância
2001 – Caramuru – A Invasão do Brasil
2002 – Houve uma vez Dois Verões
2003 – O Homem que Copiava
2003 – Lisbela e o Prisioneiro
2003 – Os Normais
2004 – Meu Tio Matou um cara
2005 – O Coronel e o Lobisomem

- Cidade de Deus

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Diretor Fernando Meirelles


Roteirista Bráulio Mantovani
Roteiro Adaptação de livro de Paulo Lins
Ano 2002
Gênero Crime
Premiações 49 e 29 indicações

Resumo História de dois garotos crescendo em uma


comunidade violenta do Rio de Janeiro, que
tomam diferentes caminhos em suas vidas.

Seguem abaixo, as dez primeiras páginas do roteiro.

EXT. CASA DE ALMEIDINHA - DIA

Abrimos com a imagem de um FACÃO sendo afiado.

CARACTERES em superposição: 1981

Ouve-se o murmúrio de VOZES alegres, vozes CANTANDO um samba


acompanhado de um BATUQUE. Não vemos as pessoas. Mas os sons
deixam claro que se trata de um ambiente festivo. A letra do
samba tem como tema: comida.

MÃOS NEGRAS amarram com um barbante a PERNA de um GALO.

O galo é imponente e vistoso. Alternamos o galo --incomodado


por ter a perna amarrada -- a imagens que sugerem a
preparação de um almoço:

ÁGUA FERVENDO numa enorme panela.

O galo parece reagir à imagem anterior.

Batatas sendo descascadas por MÃOS de uma mulher negra.


O galo reage como se entendesse a situação: vai virar comida.

GALINHAS MORTAS sendo depenadas por MÃOS de mulheres negras.


O galo reage. Ele tenta libertar a perna amarrada ao
barbante.
MÃO masculina negra percute o couro de um pandeiro.

A letra do samba faz referência explícita ao tema comida.

O galo parece entender que seu fim está próximo.

Enedi Chagas 33
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Um FACÃO sendo afiado por mãos negras masculinas. A faca vai


CRESCENDO, tornando-se cada vez mais ameaçadora.

O galo se desespera. Luta. E escapa.

ALMEIDINHA, o negro que segura o facão, percebe a fuga do


galo e dá o alarme.

ALMEIDINHA
O galo fugiu!

Pela primeira vez, vemos a casa de Almeidinha do lado de


fora. Trata-se de um lugar pobre, uma casa de alvenaria da
Cidade de Deus. A festa está acontecendo no quintal. A fuga
do galo provoca um grande ALVOROÇO entre os convidados: na
maioria homens, JOVENS, NEGROS e MULATOS. Apenas alguns são
BRANCOS. Estão quase todos de calção e chinelo.

Dezenas de bandidos saem correndo atrás do galo. Eles fazem


parte da quadrilha de Zé Pequeno. Todos berrando:

(CONT.)

Page 2
VOZES DOS BANDIDOS
Pega o galo, pega o galo!

EXT. RUA PRÓXIMA - DIA

BUSCA-PÉ, o narrador da história, tem nas mãos uma câmera


fotográfica profissional. É negro e tem aproximadamente 18
anos. Ao lado dele o amigo BARBANTINHO. Eles caminham por uma
rua do conjunto.

BARBANTINHO
Aí, Busca-Pé... Tu acha mesmo que
os cara vão te dar emprego no
jornal se tu conseguir tirar essa
foto?

BUSCA-PÉ
Eu tenho que arriscar.

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BARBANTINHO
Porra! Tu tá arriscando é a vida.
Por causa de uma foto, mermão! Dá
um tempo!

MONTAGEM PARALELA

Intercalamos a conversa de Barbantinho e Busca-Pé às imagens


dos bandidos perseguindo o galo pelas vielas da Cidade de
Deus:

VIELA - BANDIDOS

Com ZÉ PEQUENO -- gordinho, pescoço socado e cabeçudo -- à


frente, os bandidos perseguem o galo pelas vielas da Cidade
de Deus. Os bandidos estão se divertindo com a situação.

Zé Pequeno aparece em close imediatamente após Busca-Pé dizer


“daquele filho da puta”.

A perseguição é cheia de peripécias, com o galo "dando um


baile" nos perseguidores.

Durante a perseguição, passamos por alguns dos caminhos


tortuosos da Cidade de Deus: casas simples, algumas casas
muito pobres, ruas mal cuidadas, moradores na maioria negros,
pobres e ASSUSTADOS com a correria dos bandidos.

RUA - BUSCA-PÉ E BARBANTINHO

BARBANTINHO (CONT.)
Na boa, Busca-Pé. Eu acho que os
cara do jornal tão de sacanagem.
Eles nunca vão te dar emprego.

BUSCA-PÉ
Pô, Barbantinho. Se conseguir essa
foto, eu vou ficar na moral com os
caras, tá entendendo?

(CONT.)

Page 3

Enedi Chagas 35
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BARBANTINHO
Tu tá falando dum jeito que parece
até que a gente tá num episódio da
Missão Impossível.

BUSCA-PÉ
Pior é que é.

VIELA - BANDIDOS

Zé Pequeno, ao dobrar uma viela, tromba com um VENDEDOR de


PANELAS. Zé Pequeno cai no meio das panelas. Dá sua RISADA
FINA, ESTRIDENTE E RÁPIDA.

Ele se levanta, e começa a ESPANCAR violentamente o vendedor


de panelas. Zé Pequeno tira de trás do calção uma PISTOLA.
Parece que ele vai matar o coitado. Mas, em vez disso, aponta
o revólver para o alto, e dá a ordem:

ZÉ PEQUENO
Senta o dedo no galo!

Imediatamente, todos os bandidos sacam suas armas e correm


atrás do galo, que está se aproximando cada vez mais a uma
esquina.

RUA - BUSCA-PÉ E BARBANTINHO

BARBANTINHO
Porra, Busca-Pé! Vamo sai saindo.
Se tu encontrar o cara? Ele deve tá
querendo te matar.

BUSCA-PÉ
Barbantinho, se liga: a última
coisa que eu queria na minha vida
era ter que ficar cara a cara com
aquele bandido de novo.

Neste exato momento, as duas ações paralelas se encontram: o


galo vira a esquina. Atrás dele, Zé Pequeno e sua gangue.

Barbantinho arregala os olhos. Busca-Pé levanta um pouco a


câmera fotográfica em direção ao olho mas não consegue levar
o gesto até o final. Ele fica paralisado, olhando para Zé
Pequeno que aponta a arma para Busca-Pé e grita:

Enedi Chagas 36
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ZÉ PEQUENO
Segura o galo.

Busca-Pé assume a pose de goleiro, fica meio abobalhado,


tentando agarrar o galo, que passa no meio das pernas dele.

Uma MULHER que empurra um carrinho de bebê vê a cena e se


afasta apressadamente.

(CONT.)

Page 4
Zé Pequeno avança em direção a Busca-Pé.

Busca-Pé está apavorado. Barbantinho, paralisado.

Zé Pequeno pára de repente. Todos os bandidos apontam suas


armas para alguém que está atrás de Busca-Pé.

Busca-Pé olha para trás e vê uma PATRULHA de 6 policiais.


À frente da patrulha está o detetive Cabeção -- nordestino e
mal-encarado.

Busca-Pé ainda na pose de goleiro desajeitado. A imagem


congela.

BUSCA-PÉ (V.O.)
Na Cidade de Deus, não dá pra saber
o que é pior: encarar os bandidos
ou a polícia. É um bangue-bangue
sem mocinho. E sempre foi assim...
Desde que eu...

FUSÃO PARA:

EXT. CAMPINHO - DIA

Um grupo de garotinhos jogando futebol. Entre eles estão os


meninos Busca-Pé e Barbantinho. A idade dos garotos varia de
8 a 10 anos.

CARACTERES em superposição: ANOS 60


O MENINO BUSCA-PÉ está jogando como goleiro. Seus gestos são
idênticos aos do jovem Busca-Pé tentando agarrar o galo na
cena anterior.

A bola vem na direção dele. E passa por entre as pernas do

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menino, que se revela um frangueiro.

BUSCA-PÉ (V.O.)
(...) me conheço por gente.

Gritos da molecada. O jogo continua.

BUSCA-PÉ (V.O. cont.) (cont.)


Muito malandro já chegou na Cidade
de Deus com experiência ou com
disposição pra bandidagem...

PERTO DALI

DADINHO e BENÉ -- também garotos na faixa dos 8 aos 10 anos,


todos negros -- se aproximam do jogo.

Barbantinho agarra a bola assustado.

(CONT.)

Page 6
BARBANTINHO
Miou o jogo!

DADINHO
Aí, molecada! Deixa eu dar uns
toque nessa bola manera aí!

STILL de Dadinho em CLOSE.

BUSCA-PÉ (V.O.)
Dadinho, por exemplo, parecia que
já tinha nascido bandido.

Barbantinho, nervoso, joga a bola para Busca-Pé, que fica


perplexo.

Dadinho se aproxima de Busca-Pé de maneira ameaçadora.

Bené se coloca entre os dois. Não é tão assustador quanto


Dadinho. Ele fala para Busca-Pé.

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BENÉ
Como é que tu chama?

BUSCA-PÉ
Busca-Pé.

STILL de Bené e Busca-Pé.

BUSCA-PÉ (V.O.) (cont.)


Pra quem ainda não percebeu, esse
aí com o Bené sou eu.

Imagem volta a ganhar movimento.

BENÉ
Não deixa o Dadinho chuta tua bola,
não, que ele é perna-de-pau. No
primeiro chute ele fura a bola.

Busca-Pé hesita. Não entrega a bola mas não consegue


disfarçar o medo que sente de Dadinho.

Busca-Pé começa a recuar, andando para trás, preparando-se


para correr. Logo nos primeiros passos, Busca-Pé tromba com
alguém maior do que ele: CABELEIRA, um bandido de uns 18
anos, que veste uma CAMISETA BRANCA.

Cabeleira toma a bola de Busca-Pé.

Dadinho aplaude.

DADINHO
Aí, Cabeleira! Mostra que tu sabe
da arte.

(CONT.)

Page 7
Cabeleira afasta os meninos com um gesto autoritário.

CABELEIRA
Vamo afastando, molecada!

Todos formam um círculo em volta do bandido.

Cabeleira faz embaixadas com a bola de futebol revelando uma

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extrema habilidade...

BUSCA-PÉ (V.O.)
Pra contar a história da Cidade de
Deus, eu tenho começar pela
história desse cara aí: o
Cabeleira!

Chegam ALICATE e MARRECO, de armas na mão. Marreco carrega


também uma CAMISETA VERMELHA.

MARRECO
Qualé, cumpádi? O caminhão do gás
tá quase chegando! Tu vai ficá aí
de bobó?

Cabeleira esboça um leve sorriso, sem perder o controle da


bola. Há uma troca de olhares entre Marreco e Busca-Pé: um ar
de cumplicidade.

ALICATE
Cumé que é, Cabeleira? Num vai dizê
que tu vai negá fogo?

Cabeleira chuta bola com força, para o alto. Imitando os


trejeitos de um pistoleiro do velho oeste, saca a arma,
escondida na parte de trás do calção, e dispara para o alto.

A bola de futebol EXPLODE.

ARTE - CARTELA

Texto enche a tela: A HISTÓRIA DE CABELEIRA

EXT. RUA DO CONJUNTO - DIA

Um CAMINHÃO DE GÁS cruza uma esquina ao longe. Quase na outra


esquina, entram Cabeleira, Marreco e Alicate -- todos armados
e usando camisetas vermelhas --, junto com Dadinho e Bené. Os
maiores amarram camisetas na cabeça para cobrir parte do
rosto, imitando bandidos de westerns, de quem copiam também
os trejeitos.
Eles cortam o caminho pelos quintais para se aproximarem e
surpreenderem o caminhão.

Dadinho e Bené também põe a camiseta sobre o rosto, para


imitar os mais velhos.

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(CONT.)

Page 8

Marreco atravessa a rua na frente do caminhão. Põe a mão


atrás para puxar a arma.

DENTRO DO CAMINHÃO

Mão na buzina. Entendemos que o motorista acelerou.

NA RUA

Marreco se esquiva para não ser atropelado.

No meio das casas, Cabeleira dá um tiro para o alto e comanda


o ataque. O caminhão está cercado por meninos de todos os
lados.

Cabeleira pára na frente do caminhão e aponta a arma para


frente.

Marreco e Alicate entram no enquadramento enquanto texto está


apresentando cada um.

BUSCA-PÉ (V.O.)
Cabeleira era o cara que mandava no
Trio Ternura. E o Trio Ternura era
ele mais o Alicate e o...
(pausa, tom triste)
Marreco...

Cabeleira dá um tiro para o alto.

CABELEIRA
Todo mundo parado aí! O primeiro
que se mexê leva bala!

MARRECO
E hoje tem gás de graça pra todo
mundo.

Os moradores dão vivas.

Na fila dos moradores, estão LÚCIA MARACANÃ e BERENICE.


Lúcia Maracanã saúda os bandidos: ela reconhece o bando mesmo
com eles usando os lenços sobre o rosto.

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Motorista e ajudante saem com as mãos para cima


Abrem a caçamba e começam saquear o caminhão. Alicate,
ajudado por um morador entrega um botijão para Berenice e
Lúcia.

Berenice olha para Cabeleira enquanto ele dá um tranco no


ajudante por tentar esconder parte do dinheiro.

CABELEIRA
Tu tá disposto a morrer pra salvar
o dinheiro do teu patrão, rapá?

Marreco tira o dinheiro do ajudante. Muito troco. Notas


pequenas.

(CONT.)

Page 9

Moradores saem carregando botijões.

Camburão da polícia vira a esquina, os garotos correm.

EXT. RUAS DO CONJUNTO - DIA

Cabeleira, Alicate e Marreco correm, perseguidos de perto,


por um POLICIAL que dá tiros para o alto. Eles riem. E também
atiram para o alto.

BUSCA-PÉ (V.O.)
O Trio Ternura não tinha medo de
ninguém. Nem da polícia... Eles
achavam que a Cidade de Deus era
deles. Mas tinha um monte de
bandido que achava a mesma coisa.
Naquele tempo, a Cidade de Deus
ainda não tinha dono.

Os bandidos se metem pelas ruelas do local.

MONTAGEM cria a sensação de labirinto: o Policial nunca sabe


para onde ir.

Os bandidos param um instante. Tiram as camisetas vermelhas,


jogando-as por trás do muro de uma casa. Todos agora estão de
camiseta branca. Eles continuam correndo até o...

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EXT. CAMPINHO - DIA

Eles chegam ao campinho onde os garotos estão jogando futebol


com a bola murcha, que Cabeleira estourou antes com o tiro, e
fingem que fazem parte do jogo.

O Policial passa correndo por eles, sem se dar conta de quem


eles são.

Assim que o Policial some da vista, eles caem na gargalhada.

BUSCA-PÉ (V.O.)
Com o know how que eu adquiri no
entendimento da bandidagem, eu
posso falar com toda a segurança: o
Trio Ternura, no fundo, era um
bando de pé-de-chinelo.

Marreco se aproxima de Busca-Pé.

BUSCA-PÉ (V.O. cont.) (cont.)


Principalmente o meu irmão: o
Marreco.

Marreco tira dinheiro do calção e entrega para Busca-Pé.

MARRECO
Aí, Busca-Pé! Leva esse dinheiro aí
pra mãe compra umas comida. Mas não
conta pro velho que fui eu que te
dei!

Cabeleira atira dinheiro para o alto.

(CONT.)

Page 10

CABELEIRA
Aí molecada, pra vocês comprar uma
bola nova.

Os bandidos se afastam.

Busca-Pé faz um sinal para Barbantinho. Eles saem correndo e


a câmera os acompanha.

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EXT. RUAS DO CONJUNTO - DIA

Busca Pé e Barbantinho correm pelas ruas de terra e com


poucas casas, em direção aos Apês.

Os garotos passam pelo meio de uma mudança que chega. Olham


tudo com mesmo movimento de cabeça.

Um GAROTO da mesma idade que está chegando, olha para eles


com uma cara meio deslocada. Busca Pé e Barbantinho, fazem
cara de poucos amigos. Marcando território.

Ao longo da rua, mais duas mudanças. Barbantinho e Busca Pé


passam examinando. Uma GAROTA BONITINHA sorri.

Um caminhão em primeiro plano de onde descem várias pessoas


carregando malas e trouxas. Uma fila vai se formando, de
costas para a câmera.

Uma ASSISTENTE SOCIAL orienta os novos moradores.

BUSCA-PÉ (V.O.)
Quando eu cheguei na Cidade de
Deus, eu era ainda moleque. E a
minha família era como todas as
outras que tavam se mudando pra lá:
a gente tinha ficado sem casa por
causa das enchentes... E a
filosofia do governo naquela época
consistia no seguinte raciocínio:
não tem onde pôr? Manda pra Cidade
de Deus!

Os dois garotos viram e descem o barranco em direção ao mato.

EXT. POMAR DE UM SÍTIO - DIA

Busca-Pé e Barbantinho comem goiabas no pé.

BUSCA-PÉ
Barbantinho, tu vai querer ser o
que quando crescer?

BARBANTINHO
Eu...

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Antes que Barbantinho termine a fala, GRITOS de mulher fazem


os meninos descerem da árvore em disparada.

Como pôde perceber, o roteiro de “Cidade de Deus” foi escrito de maneira


completamente diferente onde, apesar dos pensamentos de Busca Pé serem expressos
em forma de narrativa como foi o de André em “O Homem que Copiava”, o roteiro
demonstra que o filme terá muito mais ação.

Perceba que para cada mudança de ação, o roteirista pula uma linha, dando ênfase de
que a imagem deverá ser mudada rapidamente e não continuada .

A utilização de MONTAGEM é muito boa quando você pretende mostrar lugares


diferentes seqüenciados ou situações paralelas como as descritas no começo do
roteiro, como a trajetória de Zé Pequeno perseguindo o galo pelas ruas ao mesmo
tempo em que Busca Pé está conversando com Barbantinho pelas ruas da favela .

Os roteiros cinematográficos de Bráulio Mantovani não são tantos como os de Jorge


Furtado, até porque, a primeira obra de Jorge Furtado, “Temporal”, é datada de 1984 .

A forma marcante com que Bráulio Mantovani escreve vem lhe rendendo muitos
elogios e, seu trabalho em Cidade de Deus, lhe rendou uma nomeação ao Oscar de
Melhor Roteiro Adaptado. Veja abaixo seus trabalhos.

2002 – Cidade de Deus


2005 – Nanoilusão
2006 – O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias
2007 – Querô ( Colaboração )
2007 – Tropa de Elite
2008 – Linha de Passe ( Em produção )

Nem sempre a formatação disponível é a correta, mas dê especial atenção ás palavras


e a forma escrita utilizada pelo roteirista.

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Produções Americanas

O Cinema americano hoje é o mais aclamado em todo o mundo. A industria do


entretenimento é movimentada por um investimento invejável de milhões de dólares e
possui cerca de 12000 roteiristas sindicalizados, segundo a Writers Guild of América.

A exemplo disto, sua premiação, a mais famosa do mundo, o Oscar, é um dos


objetivos principais de, acredito eu, todos os profissionais do ramo . A coroação final
de todo o seu trabalho.

Para estudo das produções americanas, utilizo como exemplo, trechos traduzidos do
livro de Syd Field, famoso roteirista e professor americano, “4 Roteiros”, onde é
realizado um estudo detalhado trazendo dicas imprescindíveis.

O livro é composto por trechos comentados dos roteiros de: “Thelma e Louise”, de
Callie Khouri, “O Exterminador do Futuro 2 – O Julgamento Final” de James Cameron,
“O Silencio dos Inocentes” uma adaptação do romance de Tom Harris realizada por
Ted Tally e “Dança com Lobos” de Michael Blake.

Dos quatro, utilizarei nesta apostila os estudos realizados sobre “O Exterminador do


Futuro 2” e “O Silêncio dos Inocentes” por se tratarem de obras distintas e de gêneros
totalmente deferentes das produções realizadas no Brasil.

Logo no começo do livro, na introdução, Syd Field escreve um parágrafo interessante :

“Escrever roteiros é uma técnica que ocasionalmente se eleva ao nível de arte. Como
os filmes, é uma atividade única, que muda e se move constantemente, espelhando as
necessidades e preocupações do nosso tempo. Como conseqüência disso, cada geração
traz um novo olhar e uma nova sensibilidade para o roteiro”

O que ele quer dizer como isso? O cinema, principalmente o americano, digo isso pelo
grau de importância e investimento que é tratada esta área, é um dos poucos lugares
onde tudo é possível. Se pegarmos roteiros mais antigos e compararmos com os atuai,
veremos que com o passar dos anos as histórias foram se adaptando as possibilidades
de criação, alem da forma escrita ter sido aperfeiçoada conforme sua época.

Locações, antes consideradas como impossíveis como filmes rodados em regiões


montanhosas, em geleiras ou a necessidade de efeitos especiais que hoje são
comumente realizados pela computação gráfica, e muitos outros recursos que foram
desenvolvidos a partir da necessidade, da criatividade do roteirista e do cineasta em
fazer com que “aquilo” se tornasse real.

Existe muitos sites na Internet com uma diversidade de roteiros americanos


disponíveis. Se tiver algum conhecimento em inglês, dedique algum tempo de seu fim
de semana para a leitura destes materiais.

Consulte o site: www.dailyscript.com

- O Exterminador do Futuro 2 ( Terminator 2 )

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Diretor James Cameron


Roteirista James Cameron e William Wisher Jr.
Roteiro Seqüência de original
Ano 1991
Gênero Ficção / Ação
Premiação 4 Oscar, 19 premiações e 18 indicações

Resumo Após 10 anos, John, filho de Sara Connor, o


futuro líder da resistência, torna-se o novo
alvo de um novo cyborg mais mortal. Para
defendê-lo, a resistência mais uma vez,
envia um protetor ao passado.

Seguem abaixo, trechos do roteiro extraídos do livro


traduzido de Syd Field.

Trecho de abertura

EXT. RUAS DA CIDADE – DIA

Centro de Los Angeles. Meio dia de um dia quente de verão. A


multidão da hora do almoço empilha-se num muro de seres
humanos. Em SLOW MOTION eles se movem em massa entre as filas
brilhantes de carros espremidos pára-choque contra pára-
choque. Ondas de calor distorcem a torrente de faces. A
imagem é surreal, onírica... e como um sonho ela começa
lentamente a:

FUNDIR-SE COM

EXT. RUÍNAS DA CIDADE – NOITE

O mesmo lugar do último plano, só que agora é uma paisagem do


inferno. Os carros enferrujados estão parados em filas, ainda
pára-choque contra pára-choque. Os contornos dos edifícios ao
fundo foram quebrados por alguma força inimaginável, como uma
linha de castelos de areia pisoteados...

UMA CARTELA SURGE EM FADE:

LOS ANGELES, 11 DE JULHO DE 2029

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SARA (V.O.)
O Skynet, o cumputador que
controlava as máuinas, enviou dois
exterminadores de volta no tempo.
Sua missão: destruir o lides da
Resistência humana... John connor.
Meu filho... O primeiro
exterminador foi programado para me
caçar, no ano de 1984... antes que
John nascesse. Ele fracassou. O
segundo foi mandado para caçar John
quando ele ainda era uma criança.
Como antes, a Resistência foi capaz
de mandar um guerreiro solitário.
Um protetor para John. A questão
era somente qual deles o alcançaria
primeiro...

Trecho de descrição de Sara Connor. Primeira aparição.

Tendões se tencionam e relaxam enquanto ALGUÉM se exercita.


Um monte de cabelos esconde a face que entra EM QUADRO,
abaixa, retorna... Uma MULHER, em camiseta de regata e calças
de uniforme de paciente de hospital, está pendurada na parte
mais alta da cama. A interna, face coberta, exercita-se para
cima, para baixo, pra cima, para baixo. Como uma máquina sem
mudança de ritmo.

CORREDOR

SILBERMAN
A próxima paciente é uma mulher de
vinte e nove anos com diagnostico
de desordem esquizofrênica aguda.
Os sintomas usuais... depressão,
ansiedade, manifestações violentas,
mania de perseguição.

Silberman se aproxima da porta e toca o interfone.

SILBERMAN
Bom dia, Sarah.

Ela se volta lentamente em PLANO PRÓXIMO. SARAH CONNOR não é


a mesma mulher de que nos lembrávamos. Seus olhos perscrutam
através de uma selvagem massa de cabelos, como os de um
animal acuado.

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Desafiadora e intensa, mas inquieta e procurando uma forma de


escapar, ao mesmo tempo. Lutar ou Lutar.

Somente com duas páginas, os primeiros minutos de filme, já


podemos perceber a situação da personagem, Sarah, seu filho
John, o Exterminador, o que acarretou sua condição e o que
ainda está por vir. Este é um filme de ação e deixa isso
claro desde os primeiros minutos. Veja abaixo o ponto de
virada I, uma das cenas de ação.

EXT. CANAL DE CONTROLE DE INUNDAÇÕES

John desce a rampa de serviço com sua moto, mais rápido do


que jamais havia feito. Ele corre ao longo do leito do canal,
virando num afluente mais estreito, com paredes verticais.

Ele olha para trás. Nem sinal do perseguidor. De repente, vê


o sol bloqueado por uma enorme sombra. O caminhão, grande
como uma casa, todo cromado e rugindo seu motor, arrebenta a
cerca e lança-se direto no meio do canal.

Ele se choca a cerca de cinco metros abaixo do solo e a cem


por hora, e vai despedaçando horrivelmente seus metais na
parede de concreto. Ele ricocheteia de um Aldo para o outro
nas paredes; então, rugindo como um dinossauro gigante
acelera para frente, ganhando velocidade.

John olha para trás e vê esse muro de metal que quase


preenche as estreitas paredes de concreto do canal e acelera
ao máximo a pequena moto. O caminhão é todo feito de músculos
atravessando o canal como um trem num túnel. Seus grandes
pneus levantam enormes respingos de lama, iluminados pelo pôr
do sol. Parece um tipo de demônio. E está vencendo.

SOBRE ELES, na estrada auxiliar que corre paralela, o


Exterminador luta para alcançá-los. Ele olha para baixo e vê
John com o caminhão do inferno pouco atrás. Está somente a
uns seis metros e continua a se aproxima.

NO CANAL, um John desesperado em primeiro plano e o muro de


metal enchendo o quadro logo atrás dele.

ACIMA, o Exterminador vira a moto subitamente para a


esquerda, saindo da estrada. Atingindo um monte de terra à
direita, ele pula com a moto no ar e pula a certa que margeia
o canal.

Enedi Chagas 49
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Aterrissa na borda do canal e corre ao longo, a centímetros


da rampa de barro, passando acelerado á frente do caminhão no
canal abaixo.

John atinge uma lâmina d´água e desacelera momentaneamente. O


pára-choque gigante à frente do caminhão bate em seu pára-
lama traseiro. Em pânico, ele acelera um pouco mais. Tudo
isso está acontecendo a aproximadamente cem quilômetros por
hora. Velocidade máxima da pequena moto.

SLOW MOTION quando o Exterminador pula novamente com a moto.


Desta vez, a Harley de trezentos quilos voa no ar e aterrissa
no canal. Ela cai num raio, sobre as rodas, entre o caminhão
e John. Ela atinge o solo, provocando uma explosão de faíscas
vindas de baixo da tela. Somente os reflexos ultra-rápidos de
uma máquina poderiam equilibrar a moto. O Exterminador luta
pelo controle.

Ele acelera o motor e a moto poderosa ruge atrás da pequena


Honda de John. O Exterminador retira o garoto de sua máquina
com um dos braços e o coloca à sua frente na Harley. A Honda
de John balança e cai, esmagada instantaneamente pelo trovão
de pneus.

A Harley dispara na frente. Chega a cento e cinqüenta


quilômetros por hora. Adiante há uma passarela, apoiada a uma
estrutura que divide o canal de dois. A Harely ruge por um
dos canais, que é essencialmente um pequeno túnel.

O caminhão não cabe um qualquer um dos lados. Nem pode parar


a esta velocidade. Rodas travadas, ele derrapa no piso
barrento e choca-se contra a estrutura de concreto a centro e
trinta por hora.

O Exterminador e John emergem do túnel, olhando para trás,


para ver uma bola de fogo que explode com os tanques de
combustível do caminhão.

O Exterminador pára a Harley. John torce o corpo para ver a


destruição. Uma roda em chamas rola de dentro de túnel e
desaba na lama. O Exterminador liga a moto e eles arrancam
pelo canal, desaparecendo após a curva.

VEMOS O FOGO, enquanto uma coluna de fumaça negra sobre da


passarela. A fumaça também vem em rolos do túnel, e dentro
dele há uma sólida parede de fogo. Uma figura aparece em meio

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às chamas. Apenas contornos. Andando lentamente...


calmamente. A figura emerge do fogo.

Tem a forma humana, mas nem de longe é humano. Um homem de


cromo sem arestas. Não um mecanismo, como no interior do
Exterminador, com complexos cabos e hidráulica... esta figura
é uma superfície de cromo liquido, sem traços, dobrando
joelhos e cotovelos imperceptivelmente quando caminha. Nos az
lembrar do metal mercúrio. Um homem de mercúrio. Sua face é
simples, sem formas. Invulnerável ao calor de mil graus, ele
caminha em nossa direção.

A cada passo, retornam os detalhes. Primeiro as formas e


linhas de sua roupa emergem da superfície de cromo, depois os
detalhes mais finos... botões, traços faciais, orelhas.

Mas ele ainda é todo de cromo. Com seu último passo, a cor
retorna a tudo. É o tira novamente... ela face jovem, cabelos
louros, olhos gelados. Ele pára e olha em torno.

É um camaleão perfeito. Um robô de metal liquido. Uma máquina


assassina dotada da última palavra em termos de mimetização
para infiltração na sociedade humana.

As cenas têm informações demais? Sim. Mas funcionou. E isso é o que importa .

Esta é uma das seqüências mais famosas do filme. Quem assistiu, deve estar se
perguntando onde está a parte em que o teto do caminhão é arrancado. Pois bem,
este é um dos detalhes em que só um cineasta experiente pode aproveitar uma
dificuldade e transformá-la em solução. A cena não está no roteiro, mas está no filme.
O que aconteceu?

Pois bem, a cena do caminhão em que a capota é rasgada, foi filmada direto na
locação, ou seja, na hora da gravação da cena no canal, quando James Cameron
descobriu que o caminhão não caberia debaixo da passarela. A cena teve de ser
alterada e adaptada á situação atual. Isto é cinema!

JOHN
Você não está aqui pra me matar...
Isso eu percebi por mim mesmo.
Então, qual é o negócio?

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EXTERMINADOR
Minha missão é proteger você.

JOHN
É? Quem mandou você?

EXTERMINADOR
Você mesmo. Trinta e cinco anos à
frente você me programou para ser
seu protetor aqui, nesta época.

John o observa espantado.

JOHN
Isso é profundo.

O mais importante nessa cena foi que ela estabeleceu a


premissa dramática do roteiro. O Ponto de virada no final do
Ato I é onde história principal começa a ser contada.

Uma cena também interessante na forma que foi escrita é


quando o T1000 se transforma no guarda de segurança do
hospital onde Sarah está internada.

ENQUADRAMOS O CHÃO quando os pés do guarda passam pelo


QUADRO. Um instante mais tarde o piso começa a se mover. Ele
ondula e se projeta para cima como uma massa liquida, ainda
mantendo os dois tons dos azulejos cerâmicos. Ele arqueia
para o alto, silenciosamente, uma sombra tremula na escuridão
atrás do guarda.

Acima e adiante ouvimos o ruído de datilografia. A enfermeira


da noite está de costa para nós. Trabalhando. O guarda pára
no bebedouro. Debruça-se para tomar um gole. Atrás dele, a
massa liquida chegou a um metro e oitenta e altura e começa a
se definir rapidamente como uma figura humana. A figura perde
a cor e a textura cerâmica e torna-se... O GUARDA.

Os pés do T-1000/Guarda são as últimas partes a se formar, a


última parte do “piso liquido” a tomar o molde dos sapatos
negros e lustroso do guarda. Os sapatos se descolam do chão
real com um leve som de sucção quando o T-1000/Guarda dá seu
primeiro passo.

Mais tarde, quando John e o Exterminador tornam-se mais próximos, Sarah faz um
comentário sobre os acontecimentos e, de certa forma, antecipa a seqüência final do
filme.

Enedi Chagas 52
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POV SARAH

Não ouvimos o que John e o Exterminador estão dizendo. É


através de uma pontamima silenciosa que John tenta mostrar
outros gestos do andróide. Tenta fazê-lo caminhar mais
relaxadamente. John caminha, o Exterminador tenta imitá-lo e
depois John gesticula selvagemente, falando com rapidez...
explicando os princípios fundamentais de ser “maneiro”. Eles
tentam novamente. Continuam improvisando enquanto ouvimos.

SARAH (V.O.)
Ao olhar John com a máquina, tudo
subitamente se tornou claro. O
exterminador jamais pararia, jamais
o deixaria...estaria sempre ali. E
nunca o magoaria, nunca gritaria
com ele ou se embebedaria e o
machucaria, ou diria que não Poe
perder tempo com ele porque está
muito ocupado. E morreria para
protegê-lo. De todos os possíveis
pais que passaram ao longo dos
anos, essa coisa, essa máquina, foi
o único que esteve à altura. Num
mundo insano, esta foi a escolha
mais saudável.

Segue abaixo, as duas primeiras páginas do roteiro original .

EXT. CITY STREET - DAY

Downtown L.A. Noon on a hot summer day. On an EXTREME LONG


LENS the lunchtime crowd stacks up into a wall of humanity.
In SLOW MOTION they move in herds among the glittering rows
of cars jammed bumper to bumper. Heat ripples distort the
torrent of faces. The image is surreal, dreamy... and like a
dream it begins very slowly to

DISSOLVE TO:

EXT. CITY RUINS - NIGHT

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Same spot as the last shot, but now it is a landscape in


Hell. The cars are stopped in rusted rows, still bumper to
bumper.
The skyline of buildings beyond has been shattered by some
unimaginable force like a row of kicked-down sandcastles.
Wind blows through the desolation, keening with the sound of
ten million dead souls. It scurries the ashes into drifts,
stark white in the moonlight against the charred rubble.
A TITLE CARD FADES IN:

LOS ANGELES, July 11, 2029

ANGLE ON a heap of fire-blackened human bones. Beyond the


mound is a vast tundra of skulls and shattered concrete. The
rush hour crowd burned down in their tracks.

WE DISSOLVE TO a playground... where intense heat has half-


melted the jungle gym, the blast has warped the swing set,
the merry-go-round has sagged in the firestorm. Small skulls
look accusingly from the ash-drifts. WE HEAR the distant
echo of children's voices... playing and laughing in the sun.
A silly, sing-songy rhyme as WE TRACKS SLOWLY over seared
asphalt where the faint hieroglyphs of hopscotch lines are
still visible.

CAMERA comes to rest on a burnt and rusted tricycle... next


to the tiny skull of its owner. HOLD ON THIS IMAGE as a
female VOICE speaks:

VOICE
3 billion human lives ended on August 29th,
1997. The survivors of the nuclear fire called
the war Judgment Day. They lived only to face a
new nightmare, the war against the Machines...

A metal foot crushes the skull like china.

TILT UP, revealing a humanoid machine holding a massive


battle rifle. It looks like a CHROME SKELETON... a high-tech
Death figure. It is the endoskeleton of a Series 800
terminator. Its glowing red eyes compassionlessly sweep the
dead terrain, hunting.

The SOUNDS of ROARING TURBINES. Searchlights blaze down as a


formation of flying HK (Hunter-Killer) patrol machines passes

Enedi Chagas 54
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overhead. PAN WITH THEM toward the jagged horizon, beyond


which we see flashes, and hear the distant thunder of a
pitched battle in progress.

EXT. BATTLEFIELD - NIGHT

THE BATTLE. Human troops is desperate combat with the


machines for possession of the dead Earth. The humans are a
ragtag guerrilla army.
Skynet's weapons consist of Ground HKs (tank-like robot gun-
platforms), flying Aerial HKs, four-legged gun-pods called
Centurions, and the humanoid terminators in various forms.

SEQUENCE OF RAPID CUTS:

A Explosions! Beam-weapons firing like searing strobe-


light.
B A gunner is an armored personnel carrier fires a LAW
rocket at a pursuing Aerial HK, bringing it down in a fiery
explosion.
C Another APC is crushed under the treads of a massive
Ground HK.

D A TEAM OF GUERRILLAS in a intense fire-fight with


terminator.
E endoskeletons in the ruins of a building. Three
terminator.

F endoskeletons advance, firing rapidly. Another (complete


cyborg), with flesh ripped open and back broken, gropes for a
rifle on the ground.

G A Centurion overruns a human firing position. Soldiers


are cut down as they run. Fiery explosions light the ranks
of advancing machines.

IN A BLASTED GUN EMPLACEMENT at the edge of battle, a man


watches the combat with night-vision binoculars. He wears
the uniform of a guerrilla general, and a black beret. He is
still amid running, shouting techs and officers.

C.U. MAN, pushing slowly in as the battle rages O.S. He


lowers the binoculars. He is forty-five years old. Features
severe. The left side of his face is heavily scarred. A
patch covers that eye. An impressive man, forged in the
furnace of a lifetime of war. The name stitched on the band

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of his beret is CONNOR. We push in until his eyes fill


frame, then...

DISSOLVE TO:

A forma com que James Cameron escreveu a cenas de lutas e explosões são chamadas
de tomadas seqüenciais ou montagem, com cortes rápidos de uma cena para outra.
Este recurso é muito utilizado nos filmes de ação onde várias coisas acontecem ao
mesmo tempo.

- O Silêncio dos Inocentes ( Silence of the Lambs )

Diretor Jonathan Demme


Roteirista Ted Sally
Roteiro Adaptado do romance de Thomas Harris
Ano 1991
Gênero Thriller / Crime
Premiação 5 Oscar, 34 premiações e 26 indicações

Resumo Uma jovem cadete do FBI é chamada para


uma investigação sobre uma série de
assassinatos onde parte da pele das vítimas
é retirado mas, para isso, ela precisar
convencer um renomado psicanalista, preso
por canibalismo, a ajudar.

Seguem abaixo, trechos do roteiro extraídos do livro


traduzido de Syd Field.

PLANO EM MOVIMENTO

Com Clarice, enquanto seus passos ECOAM. Acima dela, à


direita câmeras de vigilância. À sua esquerda, celas.
Ocupantes sombrios que caminham, murmuram... Subitamente uma
figura escura na penúltima cela corre na direção dela,
deformando grotescamente sua face contra as barras enquanto
cicia.

FIGURA ESCURA
Sinto o cheiro da sua xota!

Clarice se contrai por um momento, mas depois continua a


andar.

CELA DO R. LECTER

Lentamente ENTRA NO CAMPO DE VISÃO... Atrás da parede de


vidro, poucos móveis trancados, livros, papéis. Nas paredes,

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desenhos bem-feitos, extraordinariamente detalhados, a


maioria retratando cidades européias, em carvão ou lápis de
cera.

CLARICE

Pára longe da cela a uma distância educada onde uma cadeira


espera por ela, pigarreia.

CLARICE
Doutor Lecter... Meu nome é Clarice
Starling. Posso conversar com o
senhor?

O DR. HANNIBAL LECTER

Está de pé a sua frente, vestido de pijama branco. Sua face


que há muito tempo não vê a luz do sol que parece quase
desbotada, exceto pelos olhos brilhantes e pela boca vermelha
e úmida. Ele se aproxima lentamente: O anfitrião gracioso.
Sua foz é culta, suave.

DR. LECTER
Agente Starling.

Perceba o quanto é breve a descrição de Hannibal Lecter mas bastante precisa. Não
houve excesso de informação na cena, apenas o que precisava ser escrita para
caracterizar o ambiente, a situação de Clarisse e a descrição física e psicológica de Dr.
Lecter.

EXT. MANICÔMIO JUDICIÁRIO – ESTACIONAMENTO – DIA

O desagradável conjunto de prédios em estilo gótico do


manicômio avula sobre Clarice quando ela sai apressada pela
porta da frente. Ela está muito abalada, quase cmbaleante,
enquanto esfrega sua face. Ela olha em volta e finalmente,
com algum alívio, localiza

SEU CARRO

Um velho Pinto, estacionado próximo. Esta imagem começa a


DESFOCAR...

PLANO PRÓXIMO

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Do rosto dela, lágrimas de conflito, enquanto começamos a


GIRAR EM TORNO dele quase que estonteantemente. Ela está
vendo, com os olhos da mente –

EM FLASHBACK

Uma porta de tela atendo ao se abrir, uma varanda de madeira,


e uma menina de dez anos – a jovem Clarice – correndo para
fora, pelas escadas a frente alegremente na direção de –

CÂMERA EM MOVIMENTO – POV MENINA

Um carro, modelo final dos anos 60, estacionado numa estrada


de terra. Um HOMEM, o pai de Clarice, está descendo do carro.
Ele é alto, bonito, e tem uma insígnia de xerife pregada em
sua roupa escura. Ele sorri ao vela e abre os braços
enquanto...

VOLTA A CENA

A JOVEM CLARICE

Corre para ele, e ele a pega a gira num abraço. A CÂMERA


GIRANDO com eles e capturando as faces sorridentes de ambos.
Ele a põe no chão.

JOVEM CLARISSE
Pegou algum bandido hoje, papai?

HOMEM
Não, anjo. Fugiram todos.

Abruptamente retornemos a...

CLARICE ADULTA

Sozinha no estacionamento, recostando-se em seu carro. Sua


face está enterrada entre os braços, seus ombros tremem.
OUVIMOS a série regular e rápida de TIROS quando...

CORTA PARA:

Note como as mudanças de cena não enfatizadas e antes que uma


termine, o inicio de outra já é anunciado, como a seqüência
de tiros que é ouvida no estacionamento.

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Veja abaixo como os detalhes da cabeça humano no vidro de


álcool foi descrita.

CLARICE

Se assusta, engolindo em seco, e passam-se alguns momentos


antes que ela possa olhar mais de perto.

A CABEÇA

Flutua suavemente num vaso de laboratório cheio de álcool. É


a cabeça de um homem, mas transformada grotescamente em face
de mulher pela maquiagem pesada, brincos e uma peruca
encharcada. Ao longo dos anos, a maquiagem derreter bastante
e as pupilas estão quase tão brancas quanto o leite.

Esta é a cena do Ponto de Virada no final do Ato I. Até agora tudo foi conduzido até a
cabeça ser descoberta. A partir daí, começa o desenrolar da história até chegar
finalmente em quem matou o homem da cabeça no vidro de álcool e a barganha de
Lecter para sair daquela instituição.

DR. LECTER
Ceramente a estranha coincidência
de eventos não lhe escapou,
Clarice. Jack acena com você diante
de mim. Então eu lhe dou uma
coisinha para o seu currículo. Você
pensa que é porque gosto de olhar
para você, e imagino o quão
saborosa você seria...?

CLARICE
Não sei. É isso?

DR. LECTER
Há algo eu Jack pode me dar, e eu
quero uma troca. Mas ele me odeia,
então no vai negociar diretamente.
Eis porque você está aqui.

Dr. Lecter lentamente gira o reostato de sua cela. Quando as


luzes se acendem, vemos que a cela está nua. Seus livro não
estão mais lá, nem desenhos, nem cobertor ou mesmo a tampa de
seu vaso sanitário. Clarice fica de pe´, desconcertada. O
dois se entreolham.

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DR. LECTER (CONT.)


Punição, como você pode ver. Por
causa de miggs...

Lembre que Miggs morreu no dia anterior por ter engolido sua própria língua, após
Lecter ter passado a tarde sussurrando coisas para ele. Tudo nos leva a crer que
Lecter o matou sem sequer tocá-lo.

...Exatamente como esse programa


religioso. Quando você for embora,
eles aumentam muito o volume. O
Chilton se diverte com esses
tormentos insignificantes.

CLARICE
O que o senhor quis dizer com
“transformação”, Dr. Lecter?

DR. LECTER
Estou nesta cela há oito anos,
Clarice. Sei que eles nunca vão me
deixar sair enquanto eu for vivo. O
que eu quero é uma vista. Quero uma
janela em que eu possa ver uma
árvore, ou mesmo água. Quero ir
para uma instituição federal, para
longe de Chilton E que ro uma
vista. Pago bem por ela.

CLARICE
O que quis dizer com assassino
“frangote”? Está dizendo eu ele
matou novamente?

DR. LECTER
Estou oferecendo o perfil
pscicológico de Buffalo Bill,
baseado nas evidências do caso. Eu
vou ajudar você a pegá-lo Clarice.

CLARICE
O senhor sabe, não sabe? Me diga
quem matou o seu paciente.

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DR. LECTER
As melhores coisas para aqueles que
sabem esperar. Eu tenho esperado,
Clarice. Mas quanto tempo você e
Jack podem esperar? Nosso Billy já
deve estar procurando por aquela
próxima dama especial.

Esta fala dá seqüência a primeira apresentação de Buffalo


Bill.

Segue abaixo a cena em que denota claramente o entrosamento e a confiança que


consolida o relacionamento entre Clarice e Dr. Lecter.

ACOMPANHAMOS CLARISSE

Enquando ela circula a cela, tentando manter sua face sempre


à vista.

CLARICE
Seus anagramas estão evidentes,
doutor. “Louis Friend?” “Sulfeto de
Ferro”, mais conhecido como ouro de
tolo.

DR. LECTER
Clarice... seu problema é que você
precisa se divertir mais na vida.

CLARICE
O senhor me falou a verdade lá em
Baltimore. Conte-me o resto agora.

DR. LECTER
Estudei o arquivo do caso. Você
estudou? Tudo o que você precisa
para encontrá-lo está bem nestas
páginas seja qual for o nome dele.

CLARICE
Então me diga como.

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DR. LECTER
Primeiros princípios, Clarice.
Simplicidade. Leia Marco Aurélio.
De cada coisa em particular,
pergunte: O que é a coisa em si
mesma, qual é a sua natureza? O que
ele faz, esse homem que você
procura?

CLARICE
Ele mata um...

DR. LECTER
(interrompe subitamente)
Não! Isso é circunstancial.

PLANO MAIS PRÓXIMO

Enquanto ele se levanta, ofendido pela ignorância dela e vem


para as barras.

DR. LECTER (CONT.)


Qual é a primeira e principal coisa
que ele faz, que necessidade ele
satisfaz ao matar?

CLARICE
Ódio, ressentimento social,
frustração sex...

DR. LECTER
(interrompe)
Não, ele cobiça. Essa é a natureza.
E como começamos a cobiçar,
Clarice? Saímos e procuramos coisas
para cobiçar? Faça um esforço para
responder.

CLARICE
Não. Nós so...

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DR. LECTER
Não. Precisamente. Começamos a
cobiçar o que vemos todos os dias.
Você não sente olhos percorrerem o
seu corpo, Clarice? Não vejo como
você não sentiria. E seus olhos não
percorrem as coisas que você quer?

CLARICE
Então diga-me como.

DR. LECTER
Não. É sua vez de falar, Clarice.
Você não tem mais férias pra
vender.Porque fugiu daquele rancho?

É um diálogo inteligente que fica claro desde o princípio a formação intelectual de


Lecter. Diálogos longos e bem escritos. Esse é o diferencial entre os personagens
intelectuais e os personagens comuns do dia a dia.

A cena final do filme torna-se hilária e nos diz exatamente o que vai acontecer depois.
Ao telefone, depois de sua fuga, Dr. Lecter procura por Clarisse e por telefone, diz a
ela não poder falar onde está mas que terá de se apressar pois terá um jantar com um
amigo e desliga o telefone.

VEMOS O DR. LECTER

Virando as costas para o telefone e observando.

O DR. FREDERICK CHILTON

Saltando de um pequeno avião em algum lugar da Jamaica,


acompanhado por um outro HOMEM, negro, alto. Eles se afastam
em meio a multidão.

O DR. LECTER

Sorri, olhos brilhantes.

EM MOVIMENTO

A CÂMERA se AFASTA lentamente e depois PARA CIMA, enquanto o


Dr.Lecter começa a seguir Chilton. Vemos os dois homens por
apenas mais alguns momentos, antes de finalmente perdê-los
num emaranhado de roupas de verão e chapéus e faces queimadas
pelo sol, enquanto a MÚSICA romântica pulsa ainda mais.

Simples e preciso. Um final que deixa um gancho para uma continuação .

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Seguem abaixo, as duas primeiras páginas do roteiro original .

FADE IN:

INT. GRUBBY HOTEL CORRIDOR - DAY (DIMLY LIT)

A woman's face BACKS INTO SHOT, her head resting against


grimy wallpaper. She is tense, sweaty, wide-eyed with
cncentration. This is CLARICE STARLING, mid-20's, trim,
very pretty. She wears Kevlar body armor over a navy
windbreaker, khaki pants. Her thick hair is piled under a
navy baseball cap. A revolver, clutched in her right hand,
hovers by her ear. She raises a speedloader, in her left
hand, locks it into her cylinder, twists and reloads.

CLOSE ON

A guest room door, with a small, wired pack attached to its


knob. Suddenly, wish a sharp CRACK!, the knob explodes, and
the door bursts open.
WITH CLARICE - MOVING SHOT
as she runs around a corner, through a cloud of smoke. She
shoulders aside the shattered door and rushes inside, gun at
the ready in both hands...

CUT TO:

INT. HOTEL ROOM - DAY

CLARICE'S POV - MOVING - as she first sees, sitting on the


edge of a bed - a FEMALE HOSTAGE. Black, late 20's, gagged,
hands behind her back. Then, SWIVELLING... she sees a
startled MALE SUSPECT, white, mid-20's, standing by a window
with a rifle in his hands. He is turning towards her...

Clarice drops into a combat crouch, gun extended, and shouts.

CLARICE
Freeze! FBI!

CLARICE'S POV - SLOW MOTION

all natural SOUND suspended - as the Suspect faces her with


a strange, pleading expression. The rifle is rising in his
hands, but oddly enough, it is held across his chest, not
pointing. Then another puzzling detail registers...

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THE SUSPECT'S HANDS

are taped to his gun, away from the trigger; he couldn't use
it even if he tried. Suddenly we hear a metallic CLICK, which
registers with unnatural amplification, as - Clarice reacts,
drops to the floor, rolling sideways, and -

THE "HOSTAGE"

pulls a revolver out from behind her back, still in SLOW


MOTION, raising it in her untied hands. She fires repeatedly,
flames leaping from the muzzle; the SOUND is an echoing roar
in these close quarters, but -

Clarice has come up on one knee, beside an armchair, and is


already firing back herself, two quick SHOTS, which send -

THE "HOSTAGE"

pitching over the bed, backwards, to shudder and lie still


in a haze of gunsmoke. Clarice rushes to her, clamping one
knee down on her gun hand, still keeping her covered in case
of movement. HOLD for a few beats... then we hear the shrill
blast of a WHISTLE from somewhere, off screen, as normal
ACTION and SOUND are restored.

BRIGHAM (O.S.)
Okay, people, good exercise...

Clarice relaxes, lowering her gun. The lights brighten.

PULLING BACK

Esta cena está escrita para ser a primeira no filme mas, quando foi produzido, foi
substituída pela corrida de Clarice no campo de obstáculos e aproveitada mais tarde,
para ser inserida no meio do filme.

Exercício:
Adquira do hábito de ler roteiros sempre que possível, pois, alem de ser um ótimo
exercício de enriquecimento criativo, lhe dará uma visão maior de como roteiristas
experientes escrevem, alem de diversificar as técnicas de linguagem.

Assista os quatro filmes. “O Homem que Copiava”, “Cidade de Deus”, “O Exterminador


do Futuro 2” e “O Silêncio dos Inocentes”.

A bibliografia abaixo serve também como sugestão de leitura.

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- MANUAL DO ROTEIRO
FIELD, Syd - Editora Obejtiva.

- 4 ROTEIROS
FIELD, Syd - Editora Objetiva

- ROTEIRO DE CINEMA E TELEVISÃO


CAMPOS, Flavio - Editora Jorge Zahar

- COMO RESOLVER PROBLEMAS DE ROTEIRO


FIELD, Syd - Editora Objetiva

- DA CRIAÇÃO AO ROTEIRO
COMPARATO, Doc - Editora Rocco

“O único lugar aonde sucesso vem antes de trabalho é no dicionário”


May Smith

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