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Graduada em história pela USP e com doutorado em antropologia social UFRJ, atualmente

professora da UFRJ. experiência em antropologia urbana. Suas pesquisas tem o foco em


analisar os processos de transformação urbana com foco na cidade do RJ. Atualmente tem
dois processos em andamento, um que busca compreender a formação material e simbólica
dos subúrbios cariocas nas primeiras décadas do século XX, e o segundo visando analisar
os aspectos de muitas transformações ocorridas na zona oeste do RJ no decorrer dos
últimos anos.

UM ESTULO COPACABANA
Entre 1920 (com 17 mil habitantes e 1,5% da população total da cidade) e 1970 (com 250
mil habitantes e 6% da população total da cidade), o crescimento demográfico do bairro foi
de espantosos 1.500%, enquanto a cidade, no mesmo período,crescia 240 %.

● NECESSIDADE DE DIFUSÃO DE UM LIFESTYLE


A partir do gritante hiato descritivo e simbólico entre tais transcrições, a proposta aqui é a de
percorrer pistas que nos ajudem a compreender, além das transformações socioespaciais
por que passou a região, o processo de consolidação de significados que, ainda hoje,
associam Copacabana e a Zona Sul do Rio de Janeiro a determinados ethos e visões de
mundo.

O Beira-Mar começou a circular em 28 de outubro de 1922. Ao longo de seus 22 anos e 771


edições, o periódico buscou fazer jus ao programa a que se propusera desde o seu primeiro
número: lançar-se como “órgão de defesa dos interesses dos moradores do bairro
Copacabana, Ipanema e Leme”. Articulando as três regiões atlânticas em uma única
unidade territorial, a “CIL” (sigla para Copacabana-Ipanema-Leme, à qual seria incorporado
o Leblon, poucos anos mais tarde), a publicação partia da pressuposição de uma unidade
simbólica, cultural e discursiva entre os habitantes daquelas praias, atribuindo-lhes, desde o
princípio, um nome comum. Os “cilenses” eram, assim, pauta e público daquele jornal,
aparecendo, edição após edição, como um bloco social natural que emergia da poderosa
conjugação entre o ambiente balneário e o compartilhamento de valores “aristocráticos”.
Criado por um dos mais influentes comerciantes da região, Seu Manoelzinho como uma
forma de informar "sua alta sociedade".

Deixar claro que estamos falando de burgueses desocupados o suficiente para ficarem
fritando na beira da praia e jogando futebol num campo de farofa.

QUE VENHAM OS MAILLOTS


As novas formas de uso da praia, como por exemplo o espaço da areia, causou certo furor
entre os mais pudorados. As peles a mostra causaram desconforto pela sociedade. Apesar
de fortemente criticados, a aristocracia carioca que usufruía deste espaço se alinhava aos
padrões internacionais de civilização e modernidade. Então começa a surgir o sentimento
de “comportamento vanguardista” em prol do modismo internacional do novo uso das
praias. VIVÊNCIA DA CORPORALIDADE: Como essas pessoas conviviam com peles à
mostra?
"À imoralidade e à promiscuidade a que os conservadores ligavam os trajes de banho, a
aristocracia praiana respondia com a afirmação de seu mais forte princípio: o alinhamento
aos padrões internacionais de civilização e de modernidade, a partir das características da
realidade local." Haviam campanhas contra essa falta de pudor local, conferindo a moda,
mais importância que a própria lei.
"Theo Filho, por sua vez, evocando a autoridade de um assíduo frequentador das mais
refinadas praias europeias, ia mais longe: “Bárbaros, sim, bárbaros e selvagens são os
policiais que, nas nossas praias, nessa quinzena que findou, se deram ao desfrute de deter
senhoras e senhoritas, expondo-as ao vexame de um exame insolente e torpe. O que quer
a polícia de Copacabana é que fora das praias tragam os banhistas paletó ou roupão
cobrindo a roupa de banho, sob pena de serem detidos. Isso por aqui não precisa ter ares
de Nice, Trouville, Dover, Miami, Palm Beach e outra qualquer estação balneária moderna.
Precisa continuar a ser a Copacabana provinciana de 1910.”
● Guarda: Perdão, senhorita! Isto aqui não é a rua do Ouvidor ou Avenida, é uma praia
de banhos!
● PASSAR SLIDE
Temos então o cronista da revista careta associando a exibição do corpo cmo uma “beleza
nacional” além de defender que o tipo físico brasieiro era superior. Toda essa discussão
acontecia em meio a popularização do maiô, sendo este usado para diferenciar os cilenses
dos demais, porém, a peça demorou a cair no gosto do público, causando certo furor entre
vários cronistas, pois pela Europa o traje era bastante popular, e esta seria uma marca
visível de que o Brasil é um país civilizado. pag.4-5
"Num Rio de Janeiro ainda imberbe nas práticas que compunham o universo praiano, a
novidade servia para diferenciar a aristocracia cilense, que fazia das areias um laboratório
de hábitos que conjugavam os princípios do que entendiam ser a salubridade, a
modernidade e a civilização.
Não por acaso, em 1929 um colaborador do Beira-Mar constatou que “a escolha do trajo de
banho de mar é, no momento, uma das mais sérias preocupações das mulheres elegantes”.
Logo, com os quatro membros a mostra, a preocupação com o corpo ganha destaque neste
cenário Além disso, e não em menor medida, pelo fato de que “com ele ficam logo
devassados os defeitos e as belezas daquelas que preocupam os nossos olhos, evitando
portanto um golpe azarado”. 14 Não era outro o sentido da nota publicada no Rio Musical
de 5 de julho de 1924: O banho de mar é sobretudo uma documentação de boas qualidades
plásticas. Ali podemos escolher uma esposa sem o receio de quaisquer protuberâncias e
reentrâncias assimétricas, ocultas pelo vestido habilmente cortado. Também um marido,
nesse século de eugenia, deve ser estudado nas praias.
.”[...] Mais que um modismo aleatório, a febre dos maiôs correspondia à ponta de lança de
um projeto mais amplo, que tinha na elaboração da distinção física da elite praiana um de
seus principais alicerces”.

TUDO É FEITO POR SPORT


Obviamente a diferenciação da elite carioca através do padrão estético corporal não era
novidade quando o maiô se popularizou, mas logo as práticas desportivas foram ligadas aos
costumes americanos de saúde e manutenção da beleza. Assim, as revistas conferiram
grande importância as sessões esportivas, enaltecendo o lifestyle esportivo. “[...]“O sport é a
vida. Façamo-lo na praia, sob a pompa gloriosa do nosso sol, diante do verde móvel do
oceano, sobre as areias de nossas praias que tão propícias são para isso.” pag-8
e. O Beira-Mar acompanhou cuidadosamente essa tendência, dedicando, desde o seu
início, cerca de duas páginas por edição ao tema do esporte. As categorias sportmen e
sportwomen frequentavam com desenvoltura as notas mundanas na valorização de um
estilo de vida que se contrapunha radicalmente a tipos como a melindrosa e o almofadinha,
negativamente vinculados ao uso de drogas, a uma aparência pálida e a hábitos
excessivamente noturnos.
sem reservas, a opinião da educadora Maria Luiza Pitanga, segundo a qual “os banhos de
mar e de sol, os diversos esportes, já bem introduzidos em nossa terra, têm contribuído
para o aperfeiçoamento da raça”. 18 Adaptando o discurso eugênico, que via no exercício
físico um dos caminhos de construção de uma raça mais forte, a professora somava às
suas vantagens os supostos benefícios da vida praiana, de modo a mostrar que as areias
atlânticas não apenas colaboravam com a graça de suas senhoritas, como também
ofereciam prestimosos serviços ao futuro da nação.
● PASSAR SLIDE
A ironia do cronista se constrói sobre a difusão desenfreada de um estilo de vida esportivo
por entre os mais diversos tipos de atividade ligados à elegância praiana. Acusando o uso
indiscriminado do termo “esporte” (sport), então não mais restrito ao vocabulário dos
exercícios físicos, o autor denuncia sua transformação em metáfora aplicável a tudo aquilo
que remetesse à juventude, ao lazer e, naturalmente, à distinção.
● "Rosalina, naquele beijo, deu-se toda. Ainda era ingênua. e pensava que, como nos
contos de dada, depois daquele beijo, casar-se-ia com o príncipe encantad, viveria
longos anos e teria muitos filhos. Mas o amor, hoje, é só um sport como outro
qualquer. Beija-se como se joga tênis, e namorasse como se faz o footing. É um
sport como qualquer outro desta época desportiva. O amor é um sentimento que,
hoje não vai além da epiderme .

É de extrema importância frisarmos que havia um discurso eugenista por trás de todo apelo
esportivo dos meios de comunicação, sobretudo da revista Beira-Mar “Não era, portanto,
somente a construção do corpo humano, brasileiro ou até mesmo carioca, que estava em
jogo. Era com a fixação de mecanismos de aperfeiçoamento físico para a juventude
copacabanense que se preocupavam os editores do Beira-Mar, fazendo de sua aberta
militância pela prática desportiva nas areias mais uma estratégia de distinção territorial do
que propriamente a adesão à campanha genérica pela salubridade do povo”
“Outra mostra de que os signos de status ganhavam um perfil próprio ao chegarem às
areias da CIL é a criação, em 1928, da Liga Amadora de Futebol de Areia (Lafa)”.
“[...]o. Ao ligar a eugenia à alegria, à beleza, ao esporte, à praia e à dança (modismo
moderno por excelência), o argumento se encerra com a sugestão de que das areias da CIL
emergia nada menos que uma nova raça, que, atualizando um hábito tão antigo como o
banho de mar, primava pela destreza com que o incorporava ao cenário da moderna
civilização.[...]” É interessante notar a necessidade incessante de comparação das praias às
paisagens Clássicas.

O TRIUNFO DAS MORENAS


Voltando ao passado, temos aqui um impasse em relação ao banho de sol. Historicamente
pessoas com marcas de sol eram tidas como trabalhadores braçais, logo, a população mais
pobre. Tal visão permeava a Europa e atravessava o Atlântico, tato que, havia um decreto
municipal que determinava os horários corretos para a prática do banho de sol.
● Insiro aqui a informação de quem em 1917, foram noticiadas nada menos que trinta
mortes por insolações na cidade do Rio.
Apenas nos anos 20 que as peles tostadas começam a se tornarem comuns pelo mundo:
“Espie aquele grupo de moças morenas. Conheci-as o ano passado, oxigenadas todas e
alvas como lírios. Eram o prazer dos olhos e a agonia dos corações. A moda, contudo,
escravizou-as exigindo-lhes o tom de iodo. E é um prazer vê-las, pela manhã, a queimar-se
impiedosamente expondo-se aos raios do sol. … Se a parisiense decretou tal moda, a
brasileira, com muito mais facilidade, acaboclar-se-á.”
“ É fácil perceber, portanto, que a primazia da moda não excluía, sob nenhum aspecto, o
respaldo da ciência.” Neste momento temos o banho de sol tido como mais elegante que o
próprio banho de mar. E mais uma vez este modismo é usado como uma diferenciação das
elite cilense, pois para adquirir o bronzeado era necessário grande tempo livre nos
balneários. “[...] Aludindo às técnicas do corpo adquiridas pela adesão ao estilo de vida
praiano, o cronista indicava a distinção física da copacabanense como caracterização
legítima da carioca, atribuindo sua especificidade ao fato de ter “no vestiário a sua roupa de
banho” e de haver se adestrado “a caminhar pela areia com a mesma elegância com que
caminha no asfalto.” E assim foi que a pele bronzeada foi relacionada à brasilidade:
“[...]Moldado pelos esportes, bronzeado e exibido na graça dos maiôs, o corpo praiano
passara, sem demora, do protótipo da elite balneária para um modelo de nação. Salubre,
eugênico e plástico, o copacabanense típico carregava no próprio corpo a inscrição de um
estilo de vida que servia de cartilha para a modernidade dos trópicos, ampliando, ampliando
drasticamente os sentidos da distinção sobre a qual se construíra sua identidade local. “
Racismo desse rolê. Puxar o saco da professora.

A VIDA NOS BUNGALOWS


● Colocar o último capítulo de Melle. Cinema
● "Uma pequena casa aqui em Paquetá… Perto das pedras, do mar… Apenas
caiada… Sem enfeites, sem nada… Muitas árvores ao redor, muitas flores, muita
sombra e o nosso amor…"
● "Janelinhas de brinquedo, portas minúsculas em arco para deixar a cabeça da gente
passar, pequenas lanternas coloridas, cortinas, cortininhas de criança. … Poupette
não tinha estilo, não tinha significação, mas era uma casa … deliciosa e
moderníssima. Absolutamente moderna, isto é, absolutamente incômoda para o
seus moradores, mas absolutamente interessante para quem a via por fora."
● Falar sobre o Saber Morar em bangalows
“ Ter um bungalow em Copacabana é um sonho de muita gente boa. E, quando o bungalow
se ergue na praia, olhando para o mar, a coisa é de um chic de meter inveja. Mas realizar
esse lindo sonho para depois não saber viver dentro do bungalow é realmente de se
lastimar. E quem tem tal vivenda não pode sentar-se à mesa em mangas de camisa,
rodeado pela família com o mesmo descuido na toilette, tudo isto de ampla janela aberta,
para que toda a gente assista à cena caseira, mais que burguesa. De onde se conclui que a
primeira coisa que alguém tem a fazer antes de arranjar dinheiro para comprar um
bungalow em Copacabana é aprender a viver dentro dele…” um comentário aos novos ricos
“O Rio sofria, então, a sua formidável transformação. De cidade provinciana
transformava-se, em poucos anos, em capital cosmopolita. De cidade bem brasileira, com
as suas chácaras como as da Tijuca e suas casas como as de Botafogo, sempre com a
velha e esguia palmeira dizendo o número de boas e pacatas gerações que por ali
passaram – o Rio começou a ser grande cidade internacional com Copacabana e com
Leblon, construídos à americana, feitos de bungalows e de jardinetes simétricos e
asfaltados.” Assim como Maria Antonieta no século XVIII, os aristocratas cilenses
adquiriram o gosto pela vida pitoresca e bucólica: “[...] emergiram como a mais perfeita
conjugação entre a influência estrangeira e a adequação ao clima dos trópicos [...]”
OS CILENSES SE DIVERTEM
● Colocar algumas ilustrações de Melle. Cinema
● "O jazz band, com barulho, plangia o j'aime[...] O baile era no Guanabara.
Dançava-se no jardim iluminado. a silhueta do palácio branco, suas escadarias
acesas, lâmpadas coloridas nas árvores como uma imensa festa de Natal, umas
nuvens de champanhe no cérebro, e aquela voz de homem, quente de desejos, e
aquela música comentando-lhe ao longe as mais íntimas emoções, faziam de
Rosalina tonta de uma tonteira nova e deliciosa.[...] Lá longe, entre as árvores
iluminadas repetia-se, na ironia de um shimmy, o J'aime. E os pares excitados,
dançavam!..."
● PASSAE SLIDE
A aristocracia cilense buscou no American Way of Life uma forma de se distinguir e de exibir
seu lifestyle, fosse através das músicas, das danças e de suas preferências por produções
Hollywoodianas, porém, havia certa resistência em relação a adesão da aristocracia ao
Carnaval “As festas carnavalescas de 1929 se distinguem das festas carnavalescas dos
anos anteriores pela influência do mundanismo e do maillot. Oh, sim, para não destoar da
época do cinema e dos réveillons… Os instrumentos bárbaros, de origem africana, os
tamborins, os chocalhos, os apitos e as lúgubres gaitas … caíram de moda, e se foram
refugiar entre as estações suburbanas mais recuadas, até que desapareçam totalmente.
Agora, é o jazz-band quem enche de rugidos … toda essa metrópole. Temos em 1929 um
Carnaval puramente americano. … Neste ano quem dita as leis carnavalescas é o maillot.
… Carnaval mundano e aquático, Carnaval dos salões e das praias de banho… Os nossos
foliões se alegram porque, em 1929, as festas de momo pertencem mais a nós, aos
balneários elegantes, que a outros pontos do Rio de Janeiro. Os banhos de mar à fantasia e
os bailes de máscara são a nota do dia.” Aqui vemos a busca pela diferenciação do
carnaval aristocrata com o carnaval suburbano, com seus ritmos oriundos da cultura
africana.
● Capa de O Malho mostra um índio vestido com as cores da bandeira brasileira,
admirando umabmulher repleta de signos da cultura americana. (Legenda da
imagem: O sr. Medeiros e Albuquerque numa conferência afirmou que a América do
Norte é um perigo para o Brasil.
DA PRAIA À LITERATURA

● "Os olhos em êxtase para a fumaça de seu Chevalier Dcorsay. Rosalina refletia:
Não. Não me fizeram para ser uma mulher honesta. Fizeramhme para ter muitas
toilletes e para ter muitos amantes. Aslloas, uma mulher com muitas toilletes não
pode viver para um homem só. A elegância é a já função do amor. E quando uma
mãe, como a que possuo, faz tanta questão que antes dos quinze anos a a filha
tenha uma lingerie maravilhosa, muito leve e muito bordada; que antes dos quinze
anos ela pinte os olhos, a boca e passe depilatório pelo corpo; que antes dos quinze
anos ela visto excitantemente, tenha passos ondulantes, dê a mão a beijão aos
homens e agrade esses mesmos homens com recursos de prostituta- é que,
visivelmente, essa digna mas não pretende que sua digna filha vá para algum
convento. Quando, desde menina, criança, lembro-me ainda, aos doze anos,
ensinaram-me a entrada numa sala e agrado os amigos de meu pai- até me
ensinaram aqueles que eu devia agradar de preferência, os mais influentes e os
mais importantes- e agradar com sordisoos falsos e com amabilidades insinceras;
agradar com processos de mundana, é que queriam que eu fosse mundana e me
prostituisse. E eu me prostituí e hoje me sinto como uma alma incontentavel de
prostituta. quanto mais homens, melhor! E eu só quero que os meus amantes
passem de moda como os meus chapéus …"
● "Ah! Finalmente compreendo… Finalmente compreendo por quê te chamam de
Melle. Cinema!... Assim te chamam porquê és falsa; como o cinema, és falsa e
artificial e mentirosa! E depois… E depois… És como o cinema: um espetáculo…
Para todos… Um espetáculo barato… Um espetáculo para quem quiser… Quem
quiser, que entre… Que entre… És, sim, e maravilhosamente, a Melle. Cinema!..."
“se alimentava, assim, de uma poderosa imagem literária, capaz de fixar alguns dos
elementos que passariam a definir o bairro e seus habitantes frente ao restante da capital.”

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