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Qual Será A Igreja Eterna?

J. C. Ryle

Vivemos num mundo em que todas as coisas são passageiras. Reinados, impérios,
cidades, instituições antigas, famílias, tudo está sujeito à mudança e à corrupção.
Prevalece uma lei universal: em todas as coisas criadas há uma tendência à decadência.

Há algo de triste e de deprimente em tudo isso. O que o homem lucra com todos os seus
esforços? Será que não há nada que se mantenha de pé? Não há nada que perdure? Não
há nada acerca do qual podemos dizer: isso vai durar para sempre?

Nosso Senhor Jesus Cristo fala de algo que deverá continuar, que não irá passar. Há algo
criado por Deus que é uma exceção àquela lei universal. Há algo que não perecerá e não
passará e este algo é a construção fundada sobre a rocha – a Igreja do Senhor Jesus
Cristo. Ele declara, com suas próprias palavras: “Sobre esta pedra edificarei a minha
Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.”

Há cinco coisas nestas palavras que merecem nossa atenção:

Uma construção: “Minha Igreja.”

Um fundador: “Eu construirei a minha Igreja.”

Um fundamento: “Sobre esta pedra.”

Riscos implícitos: “As portas do inferno.”

Uma segurança: “As portas do inferno não prevalecerão contra ela.”

1. Uma construção: o Senhor Jesus Cristo fala da “Minha Igreja.”

Nós nos perguntamos qual é esta Igreja? Existem poucas perguntas mais importantes do
que esta. Devido à falta de seriedade com que o assunto tem sido tratado, os erros que
têm infestado a Igreja e o mundo não são poucos, nem pequenos.

A Igreja da qual falamos não é uma construção material. Não é um templo feito por mãos
humanas, feito de madeira, tijolos, pedras ou mármore. É um grupo de homens e
mulheres. Não é uma igreja visível e particular, na terra. Não é a igreja oriental ou a
ocidental. Não é a igreja protestante, muito menos a igreja romana. A Igreja é aquela
que quase não aparece aos olhos dos homens, mas que tem grande importância aos
olhos de Deus.

A Igreja é feita de todos os crentes verdadeiros em Jesus Cristo. Ela compreende todos
os que se arrependeram dos seus pecados e se achegaram a Cristo, pela fé, e foram feitos
novas criaturas n’ele. Ela compreende todos os eleitos de Cristo, todos os que receberam
a graça de Deus, todos os que foram remidos pelo sangue de Cristo, todos os que
vestiram a justiça de Cristo, todos os que nasceram de novo e estão sendo santificados
pelo Espírito de Cristo. Todos estes, de todas as nações, povos e línguas compõem o
corpo de Cristo. Este é o rebanho de Cristo. Esta é a noiva. Esta é a esposa do Cordeiro.
Esta é a “santa igreja católica” do credo dos apóstolos. Esta é a Igreja construída sobre a
pedra.

Os membros desta Igreja não adoram Deus da mesma maneira, nem têm todos a mesma
forma de governo.

Porém, todos o adoram com um só coração. Todos eles são guiados por um só Espírito.
São todos verdadeiramente santos. Todos podem dizer: “Aleluia,” e todos podem
responder: “Amém.”

Esta é aquela Igreja da qual todas as igrejas visíveis da terra são servas. Todas elas servem
aos interesses da única Igreja verdadeira. Elas são andaimes, por trás dos quais a grande
construção está sendo feita. Estas são as cascas, embaixo das quais o miolo vivo cresce.
Elas têm várias formas de utilidade. A melhor e a mais valiosa forma é o treinamento dos
membros para a Igreja verdadeira de Cristo. Entretanto, nenhuma igreja visível tem o
direito de dizer: “Nós somos a única Igreja verdadeira. Nos somos ‘os homens,’ e a
sabedoria morrerá conosco.” Nenhuma igreja visível deve ter jamais coragem de dizer:
“Nós duraremos para sempre. As portas do inferno não prevalecerão contra nós.”

Esta é aquela Igreja à qual pertencem as preciosas promessas do Senhor de preservação,


continuidade, proteção e glória final. Diz Hooker: “C que quer que leiamos nas Escrituras
a respeito do amor eterno e da graça salvadora de Deus para com as suas igrejas, refere-
se unicamente à esta Igreja, a qual chamamos, de maneira apropriada de corpo místico
de Cristo.” Pequena e menosprezada, como a Igreja verdadeira deve ser neste mundo,
ela é preciosa e digna de honra aos olhos de Deus. O templo de Salomão em toda a sua
glória era mesquinho e desprezível em comparação com aquela Igreja que está
construída sobre a pedra.

2. Um fundador: o Senhor Jesus Cristo declara: “Eu construirei a minha igreja.”

A Igreja verdadeira de Cristo é carinhosamente cuidada pelas três pessoas da Trinidade.


No que tange à redenção, sem dúvida nenhuma, Deus Pai escolhe e Deus Espírito
santifica todos os membros do corpo de Cristo. Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito
Santo, três pessoas e um só Deus, cooperam para a salvação de todas as almas. Isto é
verdade, e não devemos nos esquecer nunca. Entretanto, há um outro ponto peculiar: o
socorro para a Igreja vem do Senhor Jesus Cristo. Ele é o Redentor e o Salvador, único e
sublime. Desta forma, ele quer dizer, no texto: “Eu construirei; a tarefa de construir é
minha tarefa especial.”

3. Um fundamento: o Senhor Jesus Cristo diz: “Sobre esta pedra construirei a minha
igreja.”

O que o Senhor Jesus Cristo queria dizer quando ele falou deste fundamento? Será que
ele se referiu ao apóstolo Pedro, com quem estava falando? Certamente que não. Se ele
tivesse se referido a Pedro, porque não disse: “Sobre ti eu construirei a minha igreja.” Se
ele estivesse se referindo a Pedro, ele teria dito: “Eu construirei a minha Igreja sobre ti,”
tão simplesmente como ele disse: “A ti darei as chaves.” Não! Não era a pessoa do
apóstolo Pedro, mas a confissão que o apóstolo Pedro havia recém feito. Não era Pedro,
o errante, o instável, mas a poderosa verdade que o Pai havia revelado a Pedro. Era a
verdade a respeito do próprio Jesus Cristo que era a pedra. Era o fato de Cristo ser o
Mediador e de Cristo ser o Messias. Era a bendita verdade que Jesus era o Salvador
prometido, o verdadeiro Fiador, o Intercessor entre Deus e o homem. Esta era a pedra e
o fundamento sobre o qual a Igreja de Cristo seria edificada.

Meus irmãos, este fundamento custou um preço muito alto. Foi preciso que o Filho de
Deus tomasse a nossa natureza sobre ele, e com esta natureza vivesse, sofresse e
morresse, não por seus próprios pecados, mas pelos nossos. Foi preciso que, com aquela
natureza, Cristo fosse para a sepultura e vivesse novamente. Foi preciso que, com aquela
natureza, Cristo subisse aos céus para assentar-se à direita de Deus, trazendo redenção
eterna para todo o seu povo. Nenhum outro fundamento além deste poderia ter levado
o peso daquela Igreja de que Cristo fala. Nenhum outro fundamento poderia ter suprido
as necessidades de um mundo de pecadores.

Uma vez obtido o fundamento, ele é muito forte. Ele pode suportar o peso do pecado
do mundo inteiro. Ele carrega sobre si o peso dos pecados de todos os crentes que se
alicerçam nele. Pecados de pensamento, pecados da imaginação, pecados do coração,
pecados da mente, pecados que todos veem e pecados que ninguém vê, pecados contra
Deus e pecados contra o homem, pecados de todo o tipo — aquela poderosa pedra pode
aguentar o peso de todos esses pecados sem recuar. A posição mediadora de Cristo é
um remédio suficiente para todos os pecados de todo o mundo.

Todos os membros da Igreja verdadeira de Cristo fazem parte deste fundamento. Os


crentes são desunidos e não concordam uns com os outros em muitos aspectos. Porém,
na questão da base da sua salvação, todos têm uma só mente: eles estão fundamentados
na pedra. Pergunte lhes onde eles buscam sua paz, sua esperança, seu otimismo em
relação ao que está por vir. Você verá que tudo flui daquela verdade poderosa — Cristo,
o Mediador entre Deus e o homem, e da posição que ele ocupa — Sacerdote e Fiador
de pecados.

4. Riscos implícitos: há menção das “Portas do inferno.”

A história da Igreja verdadeira de Cristo sempre foi uma história de lutas e conflitos. Ela
tem sido constantemente assaltada por um inimigo mortal, Satanás, o príncipe deste
mundo. O diabo odeia a Igreja verdadeira de Cristo com ódio mortal. Ele está sempre
lançando oposição entre os membros. Ele está sempre incitando os filhos deste mundo
a fazerem a vontade dele, ferindo e atormentando o povo de Deus. Já que ele não pode
ferir a cabeça, ele tenta ferir o calcanhar. Já que ele não pode impedir que os creik tes
sejam salvos, ele tenta vexá-los no caminho. Este inimigo tem subsistido por seis mil
anos. Milhões de pagãos têm sido agentes do diabo e têm feito a obra dele, mesmo não
estando conscientes disso. Os Faraós, os Herodes, os Neros, os Júlios, os Dioclecianos,
as sanguíneas Marias — o que eram eles senão instrumentos de Satanás quando
perseguiam os discípulos de Jesus Cristo?

Lutar contra as forças do inferno têm sido uma experiência comum a todo o corpo de
Cristo. Têm sido sempre fogo cerrado, embora este nunca possa consumir-nos. As igrejas
visíveis têm o seu tempo de prosperidade e épocas de paz, mas nunca houve um tempo
de paz para a Igreja verdadeira. Os conflitos são perpétuos. A luta ainda não terminou.

Lutar contra as forças do inferno têm sido uma experiência individual de cada membro
da Igreja. Cada um tem que lutar. O que são as vidas dos santos senão recordes de
batalhas? O que eram homens como Paulo, Pedro, Tiago, João, Policarpo, Inácio, Agos-
tinho, Lutero, Calvino, senão soldados engajados numa luta incessante? As

vezes, eles próprios foram assaltados; outras vezes, suas propriedades. Às vezes, eles
foram assaltados por calúnia e difamação, e outras vezes por perseguições declaradas.
Mas de uma maneira ou de outra, o diabo tem investido continuamente contra a Igreja.
As “portas do inferno” têm continuamente atacado o corpo de Cristo.

5. Segurança: “As portas do inferno não prevalecerão contra ela.”

Há uma promessa gloriosa dada pelo poderoso “Fundador’: “As portas do inferno não
prevalecerão contra ela.” Aquele que não mente declarou com suas palavras reais que
as forças do inferno não prevaleceriam contra ela. Ela deverá continuar a manter-se
firme, apesar de todos os ataques. Ela nunca será ultrapassada. Todas as outras coisas
criadas pelo homem perecem, mas a Igreja de Cristo não perece. A violência das lutas
exteriores, ou a decadência interior prevalecem sobretudo, mas não sobre o templo que
Cristo construiu.

Os impérios têm se levantado e caído em rápida sucessão. O Egito, a Assíria, a Babilônia,


a Pérsia, Tiro, Cartago, Roma, Grécia, Veneza — onde estão eles, hoje? Todos foram
criações humanas e passaram. Porém, a Igreja de Cristo vive!

As mais grandiosas cidades se tornaram um amontoado de ruínas. Os enormes muros


da Babilônia estão agora debaixo da terra. Os palácios de Nínive são agora bancos de
areia. As centenas de portões de Tebas são apenas História. Tiro é hoje um lugar onde
os pescadores lançam as suas redes. Cartago é uma desolação! Mas em todo esse tempo
a Igreja verdadeira permanece de pé. Os portões do inferno não prevalecem contra ela.

As igrejas visíveis antigas em muitos casos caíram e pereceram. Onde está a igreja de
Éfeso e a de Antioquia? Onde está a igreja de Alexandria e a de Constantinopla? Onde
está a de Corinto, a de Filipos, a de Tessalônica? Onde realmente elas estão? Elas saíram
da Palavra de Deus. Elas orgulhavam-se dos seus bispos, sínodos, cerimônias, sabedoria
e tradições. Elas não se gloriaram na cruz de Cristo. Elas não seguraram com firmeza o
Evangelho. Elas não colocaram Jesus na posição devida. Hoje, elas estão entre as coisas
que passaram. O seu tempo de glória passou. Contudo, em todo esse tempo, a Igreja
verdadeira continuou.

Oprimiram a Igreja num país? Ela escapou para outro. Pisotearam-na e a maltrataram
num solo? Ela criou raízes e floresceu noutro. Fogo, espada, prisões, multas, castigos,
nunca foram capazes de destruir sua vitalidade. Os que a perseguiram morreram e foram
para onde mereceram, mas a Palavra de Deus viveu, cresceu e se multiplicou. Ela pode
parecer fraca aos olhos dos homens, mas a Igreja verdadeira é como uma bigorna. Ela
quebrou muitos martelos no passado e talvez irá quebrar muitos mais antes de chegar o
fim. Aquele que está envolvido nela está tocando a menina dos olhos de Deus.

Uma palavra de exortação aos cristãos

Caminhe com orgulho da Igreja í que você pertence. Viva como cidadão do céu. Deixe
sua luz brilhar diante dos homens, de modo que o mundo possa ganhar com a sua
conduta. Deixe o mundo saber de quem você i e a quem você serve. Sejam epístola: de
Cristo, lidas e conhecidas por todo: os homens; escritas em letras tão claras que ninguém
possa dizer: “Eu não sei se ele é um membro de Cristo ou não.”

Viva corajosamente. Confesse Cristo diante dos homens. Qualquer que seja a sua
ocupação, confesse Cristo nela. Por que você teria vergonha; dele? Ele não teve
vergonha de voo na cruz. Ele está pronto para confesse o seu nome diante do Pai no céu.
Pc que você se envergonharia dele? Seja audacioso, bem audacioso. O bom soldado não
se envergonha dó seu uni forme. O verdadeiro cristão não deve se envergonhar nunca
de Cristo.

Viva alegremente. Viva como um homem que tem aquela tremenda esperança — a
segunda vinda de Jesus Cristo. É para isso que todos nós devemos olhar.

Condensado e adaptado de: “Warnings to the Churches” (Advertências às Igrejas) de J.


C. Ryle

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