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J. C. Ryle
Vivemos num mundo em que todas as coisas são passageiras. Reinados, impérios,
cidades, instituições antigas, famílias, tudo está sujeito à mudança e à corrupção.
Prevalece uma lei universal: em todas as coisas criadas há uma tendência à decadência.
Há algo de triste e de deprimente em tudo isso. O que o homem lucra com todos os seus
esforços? Será que não há nada que se mantenha de pé? Não há nada que perdure? Não
há nada acerca do qual podemos dizer: isso vai durar para sempre?
Nosso Senhor Jesus Cristo fala de algo que deverá continuar, que não irá passar. Há algo
criado por Deus que é uma exceção àquela lei universal. Há algo que não perecerá e não
passará e este algo é a construção fundada sobre a rocha – a Igreja do Senhor Jesus
Cristo. Ele declara, com suas próprias palavras: “Sobre esta pedra edificarei a minha
Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.”
Nós nos perguntamos qual é esta Igreja? Existem poucas perguntas mais importantes do
que esta. Devido à falta de seriedade com que o assunto tem sido tratado, os erros que
têm infestado a Igreja e o mundo não são poucos, nem pequenos.
A Igreja da qual falamos não é uma construção material. Não é um templo feito por mãos
humanas, feito de madeira, tijolos, pedras ou mármore. É um grupo de homens e
mulheres. Não é uma igreja visível e particular, na terra. Não é a igreja oriental ou a
ocidental. Não é a igreja protestante, muito menos a igreja romana. A Igreja é aquela
que quase não aparece aos olhos dos homens, mas que tem grande importância aos
olhos de Deus.
A Igreja é feita de todos os crentes verdadeiros em Jesus Cristo. Ela compreende todos
os que se arrependeram dos seus pecados e se achegaram a Cristo, pela fé, e foram feitos
novas criaturas n’ele. Ela compreende todos os eleitos de Cristo, todos os que receberam
a graça de Deus, todos os que foram remidos pelo sangue de Cristo, todos os que
vestiram a justiça de Cristo, todos os que nasceram de novo e estão sendo santificados
pelo Espírito de Cristo. Todos estes, de todas as nações, povos e línguas compõem o
corpo de Cristo. Este é o rebanho de Cristo. Esta é a noiva. Esta é a esposa do Cordeiro.
Esta é a “santa igreja católica” do credo dos apóstolos. Esta é a Igreja construída sobre a
pedra.
Os membros desta Igreja não adoram Deus da mesma maneira, nem têm todos a mesma
forma de governo.
Porém, todos o adoram com um só coração. Todos eles são guiados por um só Espírito.
São todos verdadeiramente santos. Todos podem dizer: “Aleluia,” e todos podem
responder: “Amém.”
Esta é aquela Igreja da qual todas as igrejas visíveis da terra são servas. Todas elas servem
aos interesses da única Igreja verdadeira. Elas são andaimes, por trás dos quais a grande
construção está sendo feita. Estas são as cascas, embaixo das quais o miolo vivo cresce.
Elas têm várias formas de utilidade. A melhor e a mais valiosa forma é o treinamento dos
membros para a Igreja verdadeira de Cristo. Entretanto, nenhuma igreja visível tem o
direito de dizer: “Nós somos a única Igreja verdadeira. Nos somos ‘os homens,’ e a
sabedoria morrerá conosco.” Nenhuma igreja visível deve ter jamais coragem de dizer:
“Nós duraremos para sempre. As portas do inferno não prevalecerão contra nós.”
3. Um fundamento: o Senhor Jesus Cristo diz: “Sobre esta pedra construirei a minha
igreja.”
O que o Senhor Jesus Cristo queria dizer quando ele falou deste fundamento? Será que
ele se referiu ao apóstolo Pedro, com quem estava falando? Certamente que não. Se ele
tivesse se referido a Pedro, porque não disse: “Sobre ti eu construirei a minha igreja.” Se
ele estivesse se referindo a Pedro, ele teria dito: “Eu construirei a minha Igreja sobre ti,”
tão simplesmente como ele disse: “A ti darei as chaves.” Não! Não era a pessoa do
apóstolo Pedro, mas a confissão que o apóstolo Pedro havia recém feito. Não era Pedro,
o errante, o instável, mas a poderosa verdade que o Pai havia revelado a Pedro. Era a
verdade a respeito do próprio Jesus Cristo que era a pedra. Era o fato de Cristo ser o
Mediador e de Cristo ser o Messias. Era a bendita verdade que Jesus era o Salvador
prometido, o verdadeiro Fiador, o Intercessor entre Deus e o homem. Esta era a pedra e
o fundamento sobre o qual a Igreja de Cristo seria edificada.
Meus irmãos, este fundamento custou um preço muito alto. Foi preciso que o Filho de
Deus tomasse a nossa natureza sobre ele, e com esta natureza vivesse, sofresse e
morresse, não por seus próprios pecados, mas pelos nossos. Foi preciso que, com aquela
natureza, Cristo fosse para a sepultura e vivesse novamente. Foi preciso que, com aquela
natureza, Cristo subisse aos céus para assentar-se à direita de Deus, trazendo redenção
eterna para todo o seu povo. Nenhum outro fundamento além deste poderia ter levado
o peso daquela Igreja de que Cristo fala. Nenhum outro fundamento poderia ter suprido
as necessidades de um mundo de pecadores.
Uma vez obtido o fundamento, ele é muito forte. Ele pode suportar o peso do pecado
do mundo inteiro. Ele carrega sobre si o peso dos pecados de todos os crentes que se
alicerçam nele. Pecados de pensamento, pecados da imaginação, pecados do coração,
pecados da mente, pecados que todos veem e pecados que ninguém vê, pecados contra
Deus e pecados contra o homem, pecados de todo o tipo — aquela poderosa pedra pode
aguentar o peso de todos esses pecados sem recuar. A posição mediadora de Cristo é
um remédio suficiente para todos os pecados de todo o mundo.
A história da Igreja verdadeira de Cristo sempre foi uma história de lutas e conflitos. Ela
tem sido constantemente assaltada por um inimigo mortal, Satanás, o príncipe deste
mundo. O diabo odeia a Igreja verdadeira de Cristo com ódio mortal. Ele está sempre
lançando oposição entre os membros. Ele está sempre incitando os filhos deste mundo
a fazerem a vontade dele, ferindo e atormentando o povo de Deus. Já que ele não pode
ferir a cabeça, ele tenta ferir o calcanhar. Já que ele não pode impedir que os creik tes
sejam salvos, ele tenta vexá-los no caminho. Este inimigo tem subsistido por seis mil
anos. Milhões de pagãos têm sido agentes do diabo e têm feito a obra dele, mesmo não
estando conscientes disso. Os Faraós, os Herodes, os Neros, os Júlios, os Dioclecianos,
as sanguíneas Marias — o que eram eles senão instrumentos de Satanás quando
perseguiam os discípulos de Jesus Cristo?
Lutar contra as forças do inferno têm sido uma experiência comum a todo o corpo de
Cristo. Têm sido sempre fogo cerrado, embora este nunca possa consumir-nos. As igrejas
visíveis têm o seu tempo de prosperidade e épocas de paz, mas nunca houve um tempo
de paz para a Igreja verdadeira. Os conflitos são perpétuos. A luta ainda não terminou.
Lutar contra as forças do inferno têm sido uma experiência individual de cada membro
da Igreja. Cada um tem que lutar. O que são as vidas dos santos senão recordes de
batalhas? O que eram homens como Paulo, Pedro, Tiago, João, Policarpo, Inácio, Agos-
tinho, Lutero, Calvino, senão soldados engajados numa luta incessante? As
vezes, eles próprios foram assaltados; outras vezes, suas propriedades. Às vezes, eles
foram assaltados por calúnia e difamação, e outras vezes por perseguições declaradas.
Mas de uma maneira ou de outra, o diabo tem investido continuamente contra a Igreja.
As “portas do inferno” têm continuamente atacado o corpo de Cristo.
Há uma promessa gloriosa dada pelo poderoso “Fundador’: “As portas do inferno não
prevalecerão contra ela.” Aquele que não mente declarou com suas palavras reais que
as forças do inferno não prevaleceriam contra ela. Ela deverá continuar a manter-se
firme, apesar de todos os ataques. Ela nunca será ultrapassada. Todas as outras coisas
criadas pelo homem perecem, mas a Igreja de Cristo não perece. A violência das lutas
exteriores, ou a decadência interior prevalecem sobretudo, mas não sobre o templo que
Cristo construiu.
As igrejas visíveis antigas em muitos casos caíram e pereceram. Onde está a igreja de
Éfeso e a de Antioquia? Onde está a igreja de Alexandria e a de Constantinopla? Onde
está a de Corinto, a de Filipos, a de Tessalônica? Onde realmente elas estão? Elas saíram
da Palavra de Deus. Elas orgulhavam-se dos seus bispos, sínodos, cerimônias, sabedoria
e tradições. Elas não se gloriaram na cruz de Cristo. Elas não seguraram com firmeza o
Evangelho. Elas não colocaram Jesus na posição devida. Hoje, elas estão entre as coisas
que passaram. O seu tempo de glória passou. Contudo, em todo esse tempo, a Igreja
verdadeira continuou.
Oprimiram a Igreja num país? Ela escapou para outro. Pisotearam-na e a maltrataram
num solo? Ela criou raízes e floresceu noutro. Fogo, espada, prisões, multas, castigos,
nunca foram capazes de destruir sua vitalidade. Os que a perseguiram morreram e foram
para onde mereceram, mas a Palavra de Deus viveu, cresceu e se multiplicou. Ela pode
parecer fraca aos olhos dos homens, mas a Igreja verdadeira é como uma bigorna. Ela
quebrou muitos martelos no passado e talvez irá quebrar muitos mais antes de chegar o
fim. Aquele que está envolvido nela está tocando a menina dos olhos de Deus.
Caminhe com orgulho da Igreja í que você pertence. Viva como cidadão do céu. Deixe
sua luz brilhar diante dos homens, de modo que o mundo possa ganhar com a sua
conduta. Deixe o mundo saber de quem você i e a quem você serve. Sejam epístola: de
Cristo, lidas e conhecidas por todo: os homens; escritas em letras tão claras que ninguém
possa dizer: “Eu não sei se ele é um membro de Cristo ou não.”
Viva corajosamente. Confesse Cristo diante dos homens. Qualquer que seja a sua
ocupação, confesse Cristo nela. Por que você teria vergonha; dele? Ele não teve
vergonha de voo na cruz. Ele está pronto para confesse o seu nome diante do Pai no céu.
Pc que você se envergonharia dele? Seja audacioso, bem audacioso. O bom soldado não
se envergonha dó seu uni forme. O verdadeiro cristão não deve se envergonhar nunca
de Cristo.
Viva alegremente. Viva como um homem que tem aquela tremenda esperança — a
segunda vinda de Jesus Cristo. É para isso que todos nós devemos olhar.