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Três maneiras de falar sobre valor

David Graeber

[tradução de Graeber, David. 2001. "Three Ways of Talking about Value” . In: Toward an Anthropo-
logical Theory of Value. Palgrave Macmillan, New York. Pp. 1-22]

Quando se lê muita antropologia, é difícil não ter a impressão de que as teorias do valor estão na
moda ultimamente. Certamente, vemos referências a "valor" e "teorias do valor" o tempo todo - ge-
ralmente feitas de forma a sugerir que há uma literatura vasta e provavelmente muito complicada
por trás delas.1 Entretanto, se tentarmos rastrear essa literatura, rapidamente nos deparamos com
problemas. Na verdade, é extremamente difícil encontrar uma "teoria do valor" sistemática em
qualquer lugar da literatura recente; e geralmente é muito difícil descobrir em que corpo teórico, se
é que existe algum, um determinado autor que usa o termo "valor" está se baseando. Às vezes, sus-
peita-se que é essa mesma ambiguidade que torna o termo tão atraente.

O que eu gostaria de fazer neste capítulo é oferecer algumas sugestões sobre como essa situação
surgiu. Acho que isso tem algo a ver com o fato de a antropologia ter ficado presa em uma espécie
de limbo teórico. Os grandes dilemas teóricos de cerca de vinte anos atrás nunca foram realmente
resolvidos; é mais como se tivessem sido ignorados. Há um sentimento geral de que uma teoria do
valor teria sido a solução ideal para a maioria desses dilemas, mas essa teoria nunca se concretizou
de fato; daí, talvez, o hábito de tantos acadêmicos agirem como se ela realmente existisse.

Será mais fácil entender por que uma teoria do valor parece ser tão promissora se observarmos a
maneira como a palavra "valor" foi usada na teoria social no passado. Pode-se dizer que há três
grandes correntes de pensamento que convergem para o termo atual. São elas:

1. "valores" no sentido sociológico: concepções do que é bom, adequado ou desejável na vida


humana

2. "valor" no sentido econômico: o grau em que os objetos são desejados, especialmente, con-
forme medido pelo quanto os outros estão dispostos a abrir mão para obtê-los

3. "valor" no sentido linguístico, que remonta à linguística estrutural de Ferdinand de Saussure


(1966), e pode ser mais simplesmente traduzido como "diferença significativa"

Quando os antropólogos de hoje falam de "valor" - especialmente quando se referem a "valor" no


singular, quando há vinte anos teriam falado de "valores" no plural - eles estão, no mínimo, insinu-
ando que o fato de todas essas coisas serem chamadas pela mesma palavra não é coincidência. Em
última análise, são todas refrações da mesma coisa. Mas se refletirmos sobre isso, essa é uma noção
muito desafiadora. Isso significaria, por exemplo, que quando falamos sobre o "significado" de uma
palavra e quando falamos sobre o "significado da vida", não estamos falando de coisas totalmente
diferentes. E que ambas têm algo em comum com o preço de venda de uma geladeira. Agora, colo-
car as coisas dessa forma levanta objeções óbvias. Um cético poderia responder: é bem possível que
todos esses conceitos tenham algo em comum, mas, nesse caso, esse "algo" teria de ser tão abstrato
e vago que apontá-lo simplesmente não faria sentido. Nesse caso, a ambiguidade realmente é o pon-
to. Mas não acho que seja assim. De fato, se olharmos para a história do pensamento antropológico
sobre cada um dos três tipos de valor mencionados acima, veremos que, em quase todos os casos,

1Em Entangled Objects, Nicholas Thomas tem até mesmo uma seção chamada "value: a surplus of theories" (1991:30),
embora nessa seção ele realmente cite apenas três.
os estudiosos que tentaram criar uma teoria coerente de qualquer um deles acabaram caindo em
problemas terríveis por falta de consideração suficiente dos outros.

Vou fazer um breve esboço dessas histórias, uma de cada vez:

I: O projeto de valor de Clyde Kluckhohn

A análise teórica de "valores" ou "sistemas de valores" está em grande parte confinada à filosofia
(onde é chamada de "axiologia") e à sociologia (onde é aquilo de que se está livre quando se é "livre
de valores"). É possível pegar uma obra de antropologia de quase qualquer época e, se folhear o li-
vro por tempo suficiente, é quase certo encontrar pelo menos uma ou duas referências casuais a "va-
lores". Mas os antropólogos raramente se esforçaram muito para defini-los, muito menos para tornar
a análise de valores uma parte da teoria antropológica. A única grande exceção ocorreu no final da
década de 1940 e início da década de 50, quando Clyde Kluckhohn e uma equipe de acadêmicos
aliados em Harvard embarcaram em um grande esforço para colocar a questão dos valores no centro
da antropologia. O projeto de Kluckhohn, de fato, era redefinir a própria antropologia como o estu-
do comparativo de valores.

Hoje em dia, o projeto é lembrado principalmente porque conseguiu entrar na Teoria Geral da Ação
de Talcott Parson (Parsons e Shils 1951), concebida como uma espécie de entente cordiale entre a
sociologia, a antropologia e a psicologia, que dividiu o estudo do comportamento humano entre
elas. Os psicólogos deveriam investigar a estrutura da personalidade individual, os sociólogos estu-
davam as relações sociais e os antropólogos deveriam lidar com a forma como ambas eram media-
das pela cultura, que se resume em grande parte à forma como os valores são escondidos em símbo-
los e significados. O principal trabalho antropológico de Kluckhohn foi entre os Navaho, mas ele
concebeu a noção de fazer um estudo comparativo de valores que se concentrou no condado de
Rimrock, Novo México (1951b, 1956; Vogt e Albert 1966), que era dividido entre cinco comunida-
des diferentes: Navaho, Zuñi, Mórmon, Texana e Mexicano-Americana. Kluckhohn acreditava que
sua existência proporcionava o mais próximo que se poderia chegar em antropologia de um experi-
mento controlado: uma chance de ver como cinco grupos de pessoas com sistemas de valores pro-
fundamente diferentes se adaptavam ao mesmo ambiente. Ele enviou cinco estudantes, um para es-
tudar cada um deles (e, de fato, muitos da próxima geração de antropólogos americanos estiveram
envolvidos no estudo de Rimrock em um momento ou outro), enquanto ele permaneceu em Har-
vard, liderando um seminário sobre valores e elaborando uma série de documentos de trabalho que
visavam definir os termos de análise.

Então, o que são valores, exatamente? Kluckhohn continuou refinando suas definições. O pressu-
posto central, porém, era que os valores são "concepções do desejável" - concepções que desempe-
nham algum tipo de papel na influência das escolhas que as pessoas fazem entre diferentes cursos
de ação possíveis (1951a:395). O termo-chave aqui é "desejável". O desejável não se refere sim-
plesmente ao que as pessoas realmente querem - na prática, as pessoas querem todo tipo de coisa.
Os valores são ideias sobre o que elas deveriam querer. Eles são os critérios pelos quais as pessoas
julgam quais desejos consideram legítimos e dignos de serem realizados e quais não consideram. Os
valores, portanto, são ideias, se não necessariamente sobre o significado da vida, pelo menos sobre
o que se pode legitimamente querer dela. O problema, porém, está na segunda metade da definição:
Kluckhohn também insistiu que essas não eram apenas filosofias de vida abstratas, mas ideias que
tinham efeitos diretos sobre o comportamento real das pessoas. O problema era determinar como.

É claro que, quando se fala de valores no sentido tradicional, isso não é tão difícil. Quero dizer com
isso que, no sentido em que se pode dizer que a comunidade Navaho em Rimrock valoriza muito
algo que chama de "harmonia", ou a comunidade texana, algo que chama de "sucesso". Normal-
mente, a "análise de valor", tal como ela é, consiste em identificar esses termos e interpretá-los,
descobrindo exatamente o que "harmonia" ou "sucesso" significa para as pessoas em questão e co-
locando essas definições em um contexto cultural mais amplo. O problema, porém, é que esses ter-
mos tendem a ser altamente idiossincráticos. Kluckhohn estava interessado na comparação sistemá-
tica de valores.

Para comparar esses conceitos, Kluckhohn e seus discípulos acabaram tendo que criar um segundo
nível, menos abstrato, do que ele chamou de "orientações de valor". Essas eram "suposições sobre
os fins e propósitos da existência humana", a natureza do conhecimento, "o que os seres humanos
têm o direito de esperar uns dos outros e dos deuses, sobre o que constitui realização e
frustração" (Kluckhohn 1949:358-59). Em outras palavras, as orientações de valor misturavam idei-
as sobre o desejável com suposições sobre a natureza do mundo no qual era preciso agir. A próxima
etapa foi estabelecer uma lista básica de questões existenciais que, presumivelmente, toda cultura
tinha de responder de alguma forma: os seres humanos são bons ou maus? Suas relações com a na-
tureza devem se basear em harmonia, domínio ou subjugação? A lealdade final de alguém deve ser
para consigo mesmo, para com um grupo maior ou para com outros indivíduos? Kluckhohn chegou
a fazer essa lista, mas ele e seus alunos acharam muito difícil passar desse nível super-refinado para
os detalhes mais mundanos de por que as pessoas preferem cultivar batatas em vez de arroz ou pre-
ferem se casar com seus primos cruzados - o tipo de assunto cotidiano com o qual os antropólogos
normalmente se preocupam.

Nesse ponto, a história assume um tom de tragédia. Quase todos os envolvidos sentiram que o estu-
do de Rimrock foi um fracasso; ao redigir suas conclusões, os pesquisadores de campo acharam
quase impossível desenvolver termos comuns. Mesmo enquanto os discípulos de Kluckhohn - nota-
damente a filósofa Edith Albert - continuavam a publicar ensaios cheios de confiança científica no
final dos anos 50 e início dos anos 60, o próprio Kluckhohn parece ter passado os últimos anos de
sua vida atormentado por um sentimento de frustração, uma incapacidade de encontrar o avanço
que tornaria possível um estudo comparativo real e sistemático de valores - ou, de qualquer forma,
relacioná-lo adequadamente à ação (Albert 1956, 1968, Kluckhohn 1951a, 1961, F. Kluckhohn e
Strodtbeck 1961). Isso foi ainda mais frustrante porque Kluckhohn considerava seu projeto, em
muitos aspectos, um último esforço para resgatar a antropologia americana do que quase todos con-
sideravam o marasmo teórico. Enquanto os antropólogos britânicos sempre conceberam sua disci-
plina como um ramo da sociologia, a escola norte-americana fundada por Franz Boas se baseou na
teoria da cultura alemã para comparar as sociedades não principalmente como formas de organizar
as relações entre as pessoas, mas igualmente como estruturas de pensamento e sentimento. A supo-
sição sempre foi a de que havia, no centro de uma cultura, certos padrões, símbolos ou temas fun-
damentais que mantinham tudo unido e que não podiam ser reduzidos à pura psicologia individual;
o problema era definir precisamente o que era isso e como se poderia chegar a isso. O problema era
definir exatamente o que era isso e como se poderia chegar a isso. O que se tem é um quadro estra-
nho e um tanto contraditório, já que essa também foi a época em que a antropologia Boasiana esta-
va no auge de sua influência popular e autoridade acadêmica, cheia de dinheiro da Guerra Fria, em
uma época em que seus livros eram lidos com frequência por americanos comuns, mas, ao mesmo
tempo, carregava um sentimento crescente de falência intelectual. O esforço de Kluckhohn para re-
enquadrar a antropologia como o estudo de valores poderia ser visto como um último esforço para
salvar o projeto Boasiano; atualmente, é visto como mais um beco sem saída. O consenso daqueles
que se dão ao trabalho de falar sobre o episódio (Edmonson 1973, Dumont 1982), no entanto, é que
não havia nada de inerentemente errado com o projeto em si: ao contrário, ele fracassou por falta de
uma teoria adequada da estrutura. Kluckhohn queria comparar sistemas de ideias, mas não tinha um
modelo teórico de como as ideias se encaixavam como sistemas. Em seus últimos anos, ele se inte-
ressou cada vez mais pela ideia de pegar modelos emprestados da linguística, mas as ferramentas
disponíveis na época simplesmente não estavam à altura do desafio. Seus críticos parecem sugerir
que se ele ou seu projeto tivessem durado mais alguns anos, até que os modelos estruturalistas en-
trassem em cena no final dos anos 60, tudo poderia ter sido diferente.
Seja como for, o projeto não teve sucessores intelectuais. Isso não quer dizer, é claro, que os antro-
pólogos não falem mais sobre "valores". Algumas subdisciplinas regionais são verdadeiramente ob-
cecadas por valores específicos (especialmente aquelas que lidam com regiões sem uma estrutura
social muito elaborada, como clãs ou sistemas de linhagem): a mais notória é a antropologia do
Mediterrâneo, que durante a maior parte de sua história se concentrou na "honra". Mas quase nada
foi feito sobre "valores" em geral. Isso se aplica até mesmo aos estudiosos que trabalham na própria
tradição intelectual de Kluckhohn. Alguns dos teóricos culturais americanos mais influentes dos
anos 60 e 70 - estou pensando aqui especialmente em Clifford Geertz e David Schneider - continua-
ram, de muitas maneiras, nessa tradição, mas seguiram em direções muito diferentes.

De certa forma, isso é muito ruim. Apesar de toda a sua esterilidade na prática, há algo atraente na
ideia-chave de Kluckhohn: o que torna as culturas diferentes não é simplesmente o que elas acredi-
tam que o mundo seja, mas o que elas acham que se pode exigir dele de forma justificável. Em out-
ras palavras, a antropologia deveria ser o estudo comparativo de filosofias práticas de vida. Na ver-
dade, o paralelo mais próximo disso nas ciências sociais foi provavelmente o estudo comparativo de
Max Weber sobre as religiões mundiais, que também se preocupou em delinear um número limitado
de formas possíveis de pensar sobre o significado da existência humana e, em seguida, tentar enten-
der as implicações de cada uma delas para a ação social. É possível que seu trabalho esteja prestes a
ser reavivado: houve alguns esforços recentes, por exemplo, de Charles Nuckolls (1999), para inte-
grar essa análise de valor com abordagens psicológicas na antropologia. Mas, para os propósitos
atuais, o importante é que o primeiro grande esforço para criar uma teoria antropológica dos valores
encalhou definitivamente; e que as preocupações antropológicas com essas questões começaram a
se desenvolver, nos anos 60, em duas direções opostas: uma que olhava para a economia, a outra,
para a linguística.

II: o indivíduo maximizador

Praticamente desde o início da antropologia moderna, tem havido esforços para aplicar as ferramen-
tas da microeconomia ao estudo de sociedades não ocidentais. Há vários motivos pelos quais isso
parecia óbvio. Em primeiro lugar, porque (além da linguística) a economia sempre foi a ciência so-
cial que poderia fazer a alegação mais plausível de que o que estava fazendo era algo parecido com
uma ciência natural; há muito tempo ela tem a vantagem adicional de ser vista como o próprio mo-
delo de ciência "dura" pelo tipo de pessoa que distribui subsídios (pessoas que geralmente têm al-
gum treinamento econômico). Ela também tem a vantagem de unir um modelo extremamente sim-
ples da natureza humana a fórmulas matemáticas extremamente complicadas que os não especialis-
tas raramente conseguem entender, muito menos criticar. Suas premissas são bastante simples. A
sociedade é formada por indivíduos. Presume-se que qualquer indivíduo tenha uma ideia bastante
clara do que deseja da vida e que esteja tentando obter o máximo possível com o mínimo de sacrifí-
cio e esforço. (Essa é a chamada abordagem "mini/max". As pessoas querem minimizar sua produ-
ção e maximizar seus rendimentos). O que chamamos de "sociedade" - pelo menos, se controlarmos
um pouco a "interferência" cultural - é simplesmente o resultado de toda essa atividade de interesse
próprio.

Bronislaw Malinowski já se queixava desse tipo de coisa em 1922, naquele que é, sem dúvida, o
primeiro livro de antropologia econômica: Argonautas do Pacífico Ocidental. Segundo ele, essa teo-
ria não ajudaria em nada a explicar o comportamento econômico nas Ilhas Trobriand:

Outra noção que deve ser destruída, de uma vez por todas, é a do Homem Econômico Primi-
tivo de alguns livros didáticos de economia atuais... motivado em todas as suas ações por
uma concepção racionalista de interesse próprio e atingindo seus objetivos diretamente e
com o mínimo de esforço. Até mesmo um exemplo bem estabelecido deve mostrar o quão
absurda é essa suposição. O primitivo Trobriandês nos fornece um exemplo que contradiz
essa teoria falaciosa. Em primeiro lugar, como vimos, o trabalho não é realizado com base
no princípio do menor esforço. Pelo contrário, muito tempo e energia são gastos em esforços
totalmente desnecessários, isto é, de um ponto de vista utilitário. (Malinowski 1922:60)

Malinowski cita o exemplo da atitude dos homens das Ilhas Trobriand em relação às suas hortas de
inhame: as energias intermináveis que eles dedicam à disputa para tornar sua horta a mais arrumada
e atraente (esforço que, em termos estritamente "econômicos", é totalmente inútil). O objetivo da
jardinagem era mostrar quanto esforço um homem poderia dedicar a ela; como resultado, metade
das colheitas acabava apodrecendo por falta de alguém para comê-las. Além disso, as que eram co-
midas não eram comidas pelo próprio jardineiro:

O ponto mais importante sobre isso, no entanto, é que todos ou quase todos os frutos
de seu trabalho, e certamente qualquer excedente que ele possa obter por meio de
esforço extra, não vão para o próprio homem, mas para seus parentes. Sem entrar em
detalhes... pode-se dizer que cerca de três quartos das colheitas de um homem vão,
em parte, como tributo ao chefe, em parte, como sua dívida com o marido e a família
de sua irmã (ou mãe) (Malinowski 1922:60-61).

Em outras palavras, em vez de "economizar" seus esforços, os homens das Ilhas Trobriand estão
ativamente tentando realizar trabalhos desnecessários; depois, eles dão os produtos para as famílias
de suas irmãs. Não há nem mesmo reciprocidade direta envolvida, já que a família do homem não é
alimentada pela família de sua irmã, mas pelos irmãos de sua própria esposa.

Esses exemplos poderiam ser multiplicados infinitamente e, nos primórdios da antropologia, eles
eram. Isso não fez muita diferença. A cada década, mais ou menos, houve pelo menos uma nova
tentativa de colocar o indivíduo maximizador de volta na teoria antropológica.

De fato, o esforço para conciliar as duas disciplinas é, em muitos aspectos, inerentemente contra-
ditório. Isso se deve ao fato de que a economia e a antropologia foram criadas com objetivos quase
totalmente opostos em mente. A economia tem tudo a ver com previsão. Ela surgiu e continua a ser
mantida com todos os tipos de financiamento generoso, porque as pessoas com dinheiro querem
saber o que outras pessoas com dinheiro provavelmente farão. Como resultado, é também uma dis-
ciplina que, mais do que qualquer outra, tende a participar do mundo que descreve2 . Ou seja, a
ciência econômica se preocupa principalmente com o comportamento das pessoas que têm alguma
familiaridade com a economia - ou que a estudaram ou que, no mínimo, atuam em instituições que
foram totalmente moldadas por ela. A economia, como disciplina, quase sempre desempenhou um
papel na definição das situações que descreve. Os economistas também não têm problemas com
isso; eles parecem achar que é assim que deve ser. A antropologia foi, desde o início, totalmente
diferente. Ela sempre esteve mais interessada na ação das pessoas que são menos influenciadas pelo
mundo prático ou teórico no qual o analista se move e opera. Isso era especialmente verdadeiro na
época em que os antropólogos se viam estudando os “selvagens"; mas até hoje os antropólogos con-
tinuam mais interessados nas pessoas cuja compreensão do mundo e cujos interesses e ambições
são mais diferentes dos seus. Como resultado, a pesquisa é geralmente realizada sem pensar em
promover esses interesses e ambições. Quando Malinowski estava tentando descobrir o que os jar-
dineiros das Ilhas Trobriand estavam tentando realizar ao agir como agiam, é quase certo que nunca
lhe ocorreu que, fosse o que fosse, a leitura de seu livro poderia torná-los mais capazes de realizá-
lo. Na verdade, quando um antropólogo descobre que alguém está usando textos antropológicos
dessa forma - por exemplo, como um guia para a realização de seus próprios rituais - ele geralmente

2 Ou, pelo menos, quanto mais esse for o caso, maior será a chance de que suas previsões sejam precisas.
fica bastante incomodado. A economia, portanto, tem a ver com a previsão do comportamento indi-
vidual; a antropologia, com a compreensão das diferenças coletivas.

Como resultado, os esforços para trazer modelos de maximização para a antropologia sempre aca-
bam tropeçando no mesmo tipo de beco sem saída incrivelmente complicado. Os estudos de caso
clássicos da antropologia econômica, por exemplo - os relatórios de Franz Boas sobre o potlatch
Kwakiutl (1897, etc.) ou os de Malinowski sobre a troca de kula das Trobriandas (1922) -, referiam-
se a sistemas de troca que pareciam funcionar com base em princípios totalmente diferentes dos dos
observadores: aqueles em que as figuras mais importantes pareciam não estar tanto tentando acumu-
lar riqueza quanto disputando para ver quem conseguia dar mais. Em 1925, Marsel Mauss cunhou a
expressão "economias da dádiva" para descrevê-las.

Na verdade, a existência de presentes - mesmo nas sociedades ocidentais - sempre foi um problema
para os economistas. A tentativa de explicá-los sempre leva a alguma variação dos mesmos argu-
mentos circulares, um tanto tolos.

P: Se as pessoas agem apenas para maximizar seus ganhos de uma forma ou de outra, então como
você explica as pessoas que dão coisas de graça?

R: Eles estão tentando maximizar sua posição social, ou a honra ou o prestígio que recebem ao faz-
er isso.

P: E quanto às pessoas que dão presentes anônimos?

R: Bem, eles estão tentando maximizar o senso de autoestima ou a boa sensação que têm ao fazer
isso.

E assim por diante. Se você for suficientemente determinado, sempre poderá identificar algo que as
pessoas estão tentando maximizar. Mas se tudo o que os modelos de maximização estão realmente
argumentando é que "as pessoas sempre buscarão maximizar alguma coisa", então eles obviamente
não podem prever nada, o que significa que dificilmente se pode dizer que empregá-los torna a an-
tropologia mais científica. Tudo o que elas realmente acrescentam à análise é um conjunto de supo-
sições sobre a natureza humana. A suposição, acima de tudo, de que ninguém faz nada principal-
mente por preocupação com os outros; que, independentemente do que se faça, a pessoa está apenas
tentando obter algo para si mesma. Em inglês comum, existe uma palavra para essa atitude. Ela é
chamada de "cinismo". A maioria de nós tenta evitar pessoas que levam isso muito a sério. Na eco-
nomia, aparentemente, eles chamam isso de "ciência".3

Ainda assim, todos esses becos sem saída produziram um efeito colateral interessante. Para realizar
uma análise econômica desse tipo, quase sempre é preciso mapear uma série de "valores" de algo
parecido com o sentido sociológico tradicional - poder, prestígio, pureza moral etc. - e defini-los
como sendo, em algum nível, fundamentalmente semelhantes aos valores econômicos. Isso significa
que os antropólogos econômicos têm de falar sobre valores. Mas isso também significa que eles
precisam falar sobre eles de uma forma bastante peculiar. Quando se diz que uma pessoa está esco-
lhendo entre ter mais dinheiro, mais posses ou mais prestígio, o que se está realmente fazendo é pe-
gar uma abstração ("prestígio") e reificá-la, tratando-a como um objeto não fundamentalmente dife-
rente em espécie dos potes de molho de espaguete ou lingotes de ferro-gusa. Essa é uma operação

3 Devo observar de passagem que essa apresentação simplificada pode parecer uma espécie de espantalho; a maioria dos
economistas bem-sucedidos é consideravelmente mais sutil. Mas, na verdade, qualquer pessoa que tenha feito cursos
introdutórios de, digamos, teoria da escolha racional, provavelmente já se deparou exatamente com esse tipo de argu-
mento.
peculiar, porque, na verdade, o prestígio não é um objeto do qual se possa dispor como quiser, ou
mesmo, na verdade, é uma atitude que existe na mente de outras pessoas.4 Ele. só pode existir em
uma rede de relações sociais. É claro que se pode argumentar que a propriedade também é uma re-
lação social, reificada exatamente da mesma forma: quando alguém compra um carro, não está re-
almente comprando o direito de usá-lo, mas sim o direito de impedir que outros o usem - ou, para
ser ainda mais preciso, está comprando o reconhecimento de que tem o direito de fazer isso. Mas
como se trata de uma relação social tão difusa - um contrato, de fato, entre o proprietário e todas as
outras pessoas no mundo inteiro - é fácil pensar nela como uma coisa. Em outras palavras, a forma
como os economistas falam sobre "bens e serviços" já envolve a redução do que são realmente rela-
ções sociais a objetos; uma abordagem economista dos valores estende o mesmo processo ainda
mais, a praticamente tudo. 5

Mas com base em quê? Na realidade, a única coisa que o molho de espaguete e o prestígio têm em
comum é o fato de que algumas pessoas os desejam. O que a teoria econômica tenta fazer, em últi-
ma análise, é explicar todo o comportamento humano - todo o comportamento humano que ela con-
sidera digno de explicação, de qualquer forma - com base em uma certa noção de desejo, que, por
sua vez, tem como premissa uma certa noção de prazer. As pessoas tentam obter coisas porque essas
coisas as farão felizes ou as gratificarão de alguma forma (ou, pelo menos, porque elas acham que
isso acontecerá). O cheesecake de chocolate promete prazer, mas o mesmo acontece com o conhe-
cimento de que os outros não o consideram obeso; os atores racionais regularmente pesam um con-
tra o outro. É essa promessa de prazer que os economistas chamam de "valor".

No final das contas, a maior parte da teoria econômica se baseia na tentativa de fazer desaparecer
tudo o que lembra a "sociedade". Mas mesmo que se consiga reduzir toda relação social a uma coi-
sa, de modo que se fique com o sonho do empirista, uma palavra que não consiste em nada além de
indivíduos e objetos, ainda é preciso entender por que os indivíduos acham que alguns objetos lhes
proporcionarão mais prazer do que outros. Só se pode ir até certo ponto apelando para as necessida-
des fisiológicas.6 No final das contas, ao se deparar com a necessidade de explicar por que, em al-
gumas partes do mundo, a maioria das pessoas é indiferente aos prazeres do cheesecake de chocola-
te, mas se empolga com os da bebida de ameixa salgada, ou por que, em outras, a obesidade é con-
siderada atraente, os economistas, mesmo que a contragosto, geralmente admitem que precisam tra-
zer de volta alguma noção como sociedade ou cultura.

Foi exatamente esse tipo de questão que esteve por trás do debate formalista-substantivista que pre-
ocupou a antropologia econômica na década de 1960 (Polanyi 1957, 1959, 1968; Dalton 1961,
Burling 1962, Cook 1966, etc.). Hoje em dia, a maioria considera esse debate bastante inútil e, de
fato, a base teórica de ambas as posições foi amplamente desacreditada, mas as questões básicas
nunca foram realmente resolvidas. Vou fazer um breve resumo.

4Da mesma forma, o poder é frequentemente definido como a capacidade de influenciar as ações de outras pessoas, o
que, novamente, não é muito semelhante à propriedade privada.

5 Na literatura antropológica, essas abordagens são frequentemente chamadas de "abordagens utilitaristas", uma frase
que ficou famosa por Marshall Sahlins (1976). Decidi usar o termo "economista", porque o significado é mais evidente
e não há perigo de confusão com as doutrinas específicas do século XIX.

6 Embora seja preciso admitir que muitas pessoas com mentalidade econômica tentarão levar isso o mais longe que pu-
derem. Até mesmo a mais leve reflexão demonstra que o simples fato de os seres humanos estarem biologicamente dis-
postos a desejar comida e sexo significa pouco em si mesmo; afinal, todos nós podemos pensar em formas de experiên-
cia culinária ou sexual que os outros desejam e cuja imposição consideraríamos a mais terrível das punições.
Os termos "formalismo" e "substantivismo" foram, na verdade, ambos inventados pelo economista
húngaro Karl Polanyi. A obra mais famosa de Polanyi, A Grande Transformação, foi um relato das
origens históricas, na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, do que hoje chamamos de "mercado".
Neste século, o mercado passou a ser visto praticamente como um fenômeno natural - uma emana-
ção direta do que Adam Smith chamou de a "propensão natural do homem para carregar, permutar
e trocar uma coisa por outra". Na verdade, essa atitude decorre logicamente da mesma teoria (cíni-
ca) da natureza humana que está por trás da teoria econômica. O raciocínio básico - raramente de-
clarado de forma explícita - é mais ou menos assim. Os seres humanos são movidos por desejos;
esses desejos são ilimitados. Os seres humanos também são racionais, na medida em que sempre
tenderão a calcular a maneira mais eficiente de obter o que desejam. Portanto, se forem deixados à
própria sorte, algo como um "mercado livre" inevitavelmente se desenvolverá. É claro que, em 99%
da história da humanidade, isso nunca aconteceu, mas isso se deve à interferência de um ou outro
estado ou elite feudal. As relações feudais, que são baseadas na força, são basicamente inimigas das
relações de mercado, que são baseadas na liberdade; portanto, quando o feudalismo começou a se
dissolver, o mercado inevitavelmente surgiu para tomar seu lugar7 .

A beleza do livro de Polanyi é que ele demonstra como essa sabedoria comum está completamente
errada. De fato, o Estado e seus poderes coercitivos tiveram tudo a ver com a criação do que hoje
conhecemos como "o mercado" - baseado em instituições como propriedade privada, moedas naci-
onais, contratos legais e mercados de crédito. Todos tiveram de ser criados e mantidos por políticas
governamentais. O mercado foi uma criação do governo e sempre permaneceu assim. Se realmente
refletirmos sobre as suposições que os economistas fazem sobre o comportamento humano, só faz
sentido que seja assim: o princípio da maximização, afinal, pressupõe que as pessoas normalmente
tentarão extrair o máximo possível de quem quer que seja com quem estejam negociando, sem levar
em consideração os interesses dessa outra pessoa - mas, ao mesmo tempo, que nunca, em nenhuma
circunstância, recorrerão a qualquer uma das formas mais óbvias de extrair riqueza daqueles em re-
lação aos quais o destino é indiferente, como, por exemplo, tomá-la à força. O "comportamento de
mercado" seria impossível sem a polícia.

Polanyi continua descrevendo como, quase tão logo essas instituições foram criadas, homens como
Smith, Malthus e Ricardo, todos fazendo analogias com a natureza para argumentar que essas novas
formas de comportamento seguiam leis inevitáveis e universais. É ao estudo dessas leis que Polanyi
se refere como "formalismo" econômico. Polanyi está perfeitamente disposto a admitir que os
métodos formais são apropriados para entender como as pessoas se comportarão em um mercado
como esse. Mas, na maioria das sociedades, essas instituições não existiam; simplesmente não se
pode falar de uma "economia", no sentido de uma esfera autônoma de comportamento que opera de
acordo com sua própria lógica interna. Em vez disso, é preciso adotar o que ele chama de abor-
dagem "substantiva" e examinar o processo real por meio do qual a sociedade se abastece de ali-
mentos, abrigo e outros bens materiais, tendo em mente que esse processo está totalmente inserido
na sociedade e não em uma esfera de atividade que possa ser distinguida, por exemplo, da política,
do parentesco ou da religião.

A escola Substantivista da antropologia econômica (seu principal expoente foi o aluno de Polanyi,
George Dalton) era, portanto, basicamente empírica. A pessoa pega uma determinada sociedade,
observa como as coisas são distribuídas e tenta entender os princípios. O principal resultado foi uma
lista de novas formas de troca e distribuição, todas as quais não pareciam operar com base em
princípios de maximização econômica, para acrescentar às economias de dádiva com as quais os
antropólogos já estavam familiarizados. Essas formas incluíam a noção de economias redistributi-

7Essa parece ser uma versão popular muito grosseira do pensamento do pensador social do século XIX, Herbert Spen-
cer, cujo trabalho nos círculos acadêmicos é, curiosamente, considerado totalmente desacreditado.
vas, o fenômeno dos portos de comércio (enclaves neutros nos quais os comerciantes de diferentes
países podiam fazer negócios de acordo com taxas de câmbio preestabelecidas: [Polanyi, Arensberg
e Pearson 1957]), a noção de esferas de troca (Firth 1959, Bohannon 1955, 1959; Bohannon e Bo-
hannon 1968) e as esferas de sociabilidade de Marshall Sahlins (Sahlins 1972).

Tudo isso foi uma contribuição definitiva para o conhecimento humano. O problema era o arcabou-
ço teórico geral. Uma coisa é dizer que as "sociedades" têm maneiras diferentes de distribuir bens.
Outra coisa é explicar o que determinados membros da sociedade em questão pensam que estão fa-
zendo quando dão presentes, ou exigem dinheiro do dote, ou trocam açafrão por marfim em um por-
to de comércio. Isso é exatamente o que seus oponentes foram rápidos em apontar. Porque, quase
imediatamente, o desafio do Substantivismo foi enfrentado por uma contraofensiva dos autoprocla-
mados Formalistas (por exemplo, Burling 1962, Cook 1966). Os formalistas alegaram que Polanyi
havia entendido errado o que era de fato a economia. A economia não dependia da presença ou au-
sência de algo chamado "a economia". A economia estava preocupada com um certo tipo de com-
portamento humano chamado “economizar" [“economizing"]. As pessoas economizam quando fa-
zem escolhas entre diferentes usos de recursos escassos em uma tentativa de minimizar seus resul-
tados e maximizar as recompensas. (Sim, eles disseram que isso envolvia algumas suposições a pri-
ori sobre a natureza humana, mas todo mundo tem que trabalhar com algumas suposições: o teste
final é se as teorias resultantes produzem resultados). O objetivo da ciência social não é comparar
diferentes formas de sistema social, mas entender o que motiva os seres humanos a agir da maneira
que agem.

Nesse ponto, eles tinham razão. Na maioria das vezes, os Substantivistas não tentavam explicar
nada; eles apenas criavam taxonomias. Na medida em que invocavam uma teoria maior, geralmente
era alguma variante do funcionalismo durkheimiano. Enquanto os economistas viam a forma da so-
ciedade, em grande parte, como o resultado de decisões individuais, os funcionalistas representa-
vam a sociedade como uma força ativa por si só - até mesmo como algo próximo a um agente cons-
ciente e com propósito, embora seu único propósito pareça ser uma espécie de autopreservação
animalesca. Para um Durkheimiano, as instituições econômicas podem ser vistas como um meio de
integração social - uma das maneiras pelas quais a sociedade cria uma rede de laços morais entre o
que, de outra forma, seria uma massa caótica de indivíduos - ou, se não for isso, pelo menos o meio
pelo qual a "sociedade" aloca recursos. A pergunta óbvia é como a "sociedade" motiva as pessoas a
fazer isso. Sem alguma teoria de motivação, fica-se com uma imagem de autômatos que seguem
sem pensar as regras que a sociedade estabelece para eles, o que, no mínimo, torna difícil entender
como a sociedade poderia mudar.

É claro que os formalistas, como já observei, não conseguiam fazer muito melhor. Eles estavam tra-
balhando com ferramentas originalmente projetadas para prever o comportamento individual em um
ambiente de mercado; ao distorcê-las, às vezes conseguiam prever o comportamento de indivíduos
em outras culturas, mas não os valores que os motivavam ou, nesse caso, a forma da sociedade
como um todo. Em sua forma mais ambiciosa, um formalista poderia tentar demonstrar como, se
começarmos com um grupo de pessoas vivendo, digamos, no Baluquistão, e um conjunto disperso
de "valores" (comida, sexo, prestígio, não ser torturado no inferno por toda a eternidade, etc.), pode-
ríamos mostrar como a forma existente da sociedade Baluchi surgiu como resultado das estratégias
que as pessoas adotaram para garanti-los. Isso é basicamente o que Frederick Barth propôs que os
antropólogos fizessem, chamando sua abordagem de Transacionalismo (1966; cf. Kapferer 1976). O
transacionalismo foi provavelmente a tentativa mais ambiciosa de aplicar os princípios da economia
formal à antropologia e causou certo alvoroço no final da década de 1960. A pergunta óbvia, porém,
era: mesmo que fosse possível criar um modelo que gerasse todo o sistema de linhagem Baluchi ou
a estrutura de um reino da África Ocidental a partir da coleção correta de valores, qual seria o obje-
tivo? O que se saberia então que não se sabia antes de começar? O resultado não seria nem mesmo
uma reconstrução histórica, mas um modelo puramente lógico que não precisa ter nada a ver com as
origens históricas reais das sociedades em questão.

A maioria dos antropólogos de hoje em dia se perguntaria qual é o sentido de sequer entrar em tudo
isso; o debate Substantivista-Formalista é considerado definitivamente ultrapassado. Mas há um
ponto. Parece-me que essas questões básicas nunca foram resolvidas. Aqueles que começam anali-
sando a sociedade como um todo ficam, como os Substantivistas, tentando explicar como as pessoas
são motivadas a reproduzir a sociedade; aqueles que começam analisando os desejos individuais
acabam, como os Formalistas, incapazes de explicar por que as pessoas optaram por maximizar al-
gumas coisas e não outras (ou, de outra forma, explicar questões de significado). De fato, embora os
estudiosos tenham se desviado para outras preocupações, os mesmos problemas continuam ressur-
gindo. Como veremos, muito do que se passa por teoria pós-estrutural mais recente e renovadora
hoje em dia é, em grande parte, um transacionalismo esquentado, sem as fórmulas econômicas so-
fisticadas, com algumas fórmulas linguísticas ainda mais sofisticadas coladas em seu lugar.

III: Estruturalismo e valor linguístico

Há muito tempo os linguistas têm o hábito de falar do significado de uma palavra como seu "valor".
Desde muito cedo na história da antropologia, houve esforços para conectar esse uso a outros tipos
de valor. Um dos mais interessantes pode ser encontrado em Os Nuer (1940:135-38), de Evans-Prit-
chard: uma discussão sobre o "valor" da palavra cieng, ou "lar". Para um Nuer, observa Evans-Prit-
chard, o "valor" dessa palavra varia de acordo com o contexto; um falante pode usá-la para se refe-
rir à sua casa, à sua aldeia, ao seu território, até mesmo (ao falar com um estrangeiro) à Nuerlândia
como um todo. Mas é mais do que uma palavra; a noção de "lar", em qualquer um desses níveis,
também carrega uma certa carga emocional. Implica um senso de lealdade, e isso pode se traduzir
em ação política. O lar é o lugar que se defende contra pessoas de fora. Portanto, estamos falando
de valor também no sentido sociológico, de "valores". "Os valores", diz Evans-Pritchard, "são in-
corporados em palavras por meio das quais influenciam o comportamento" (135). Ou, alternativa-
mente, a noção de "lar", quando serve para determinar quem alguém considera um amigo e quem é
um inimigo, no caso de possíveis rixas de sangue, também" se torna um valor político". Observe
aqui como o termo "valor" desliza de "significado" para algo mais parecido com "importância": o
lar de uma pessoa é essencial para o senso de si mesmo, suas lealdades, o que mais importa na vida.

Esse foi um começo fascinante, mas nunca foi a lugar algum. Em vez disso, quando um antropólogo
contemporâneo fala sobre o valor das palavras, quase sempre está se referindo às ideias de Ferdi-
nand de Saussure, fundador da linguística estrutural moderna.

Em seu Curso de Linguística Geral (1916 [1966]), Saussure argumentou que se poderia de fato fa-
lar de qualquer palavra como tendo um valor, mas que esse valor era essencialmente "negativo".
Com isso, ele quis dizer que as palavras adquirem significado apenas por contraste com outras pala-
vras do mesmo idioma. Tomemos, por exemplo, a palavra "vermelho". Não é possível definir seu
significado ou "valor" em um determinado idioma sem conhecer todos os outros termos de cor no
mesmo idioma, ou seja, sem conhecer todas as cores que ela não é. Podemos traduzir uma palavra
em algum idioma africano como "vermelho", mas seu significado (ou valor) não seria o mesmo que
"red" em inglês se, por exemplo, esse outro idioma não tiver uma palavra para "marrom". Nesse
caso, as pessoas desse idioma poderiam ter o hábito de se referir às árvores como vermelhas. A de-
finição mais precisa de "red" em inglês, então, seria: a cor que não é azul, nem amarela, nem mar-
rom, etc. Segue-se que, para entender o "valor" de qualquer termo de cor, é preciso também conhe-
cer os de todos os outros no idioma: o significado de um termo é seu lugar no sistema total.8 O ar-
gumento de Saussure, é claro, teve um enorme impacto sobre a antropologia e foi a influência mais
importante sobre o surgimento do estruturalismo, que se originou da sugestão de Saussure de que
todos os sistemas de significado são organizados com base nos mesmos princípios de um idioma, de
modo que, tecnicamente, a linguística deveria ser considerada apenas um subcampo de uma disci-
plina principal (ainda inexistente) que ele chamou de semiologia, a ciência do significado.9

Como esses exemplos sugerem, a abordagem de Saussure era mais voltada para o vocabulário do
que para a gramática, mais voltada para os substantivos e adjetivos do que para os verbos. Ela se
preocupava mais com os objetos da ação humana do que com as ações em si. Não é de se surpreen-
der, portanto, que aqueles que tentaram seguir o exemplo de Saussure e de fato criar essa ciência
inexistente tenderam a ser mais bem-sucedidos ao explorar o significado de objetos físicos (Barthes
1967; Baudrillard 1968; Sahlins 1976). Os objetos são definidos pelas distinções significativas que
podem ser feitas entre eles. Para entender o significado (valor) de um objeto, então, é preciso enten-
der seu lugar em um sistema maior. Assim como o valor do "vermelho" é determinado negativa-
mente por todas as outras cores que ele não é, se quisermos analisar o significado de, digamos, uma
gola alta usada sob o paletó, devemos examinar o conjunto completo de outras coisas que uma pes-
soa pode estar usando: ou seja, usar uma gola alta significa que não se está usando camisa e gravata
sob o paletó, mas que também não se está usando uma camiseta ou nada. Novamente, o significado
de um elemento só faz sentido em termos de seu contraste com outros elementos possíveis dentro
do mesmo sistema. Essa é uma consideração crucial, pois significa que nada pode ser analisado iso-
ladamente. Para entender qualquer objeto, é preciso primeiro identificar algum tipo de sistema total.
Isso se tornou a marca registrada do Estruturalismo: o objetivo da análise era sempre descobrir o
código oculto, ou sistema simbólico, que (como a linguagem) unia tudo.

Quase inevitavelmente, porém, a questão se tornou como conectar esse tipo de valor ao valor em
qualquer um dos outros dois sentidos. No início, quando o Estruturalismo era uma ideia nova que
parecia oferecer soluções para quase todos os problemas pendentes na teoria social, parecia evi-
dente que seria possível fazer isso. Por isso, Marshall Sahlins (ex-substantivista, recém-descoberto
estruturalista) concluiu sua famosa análise do sistema de vestuário ocidental em Cultura e Razão
Prática (1976) sugerindo que só se poderia entender o valor econômico também como o produto de
distinções significativas. Para entender por que as pessoas querem comprar coisas, disse ele, temos
que entender o lugar que essa coisa ocupa em um código de significado mais amplo.

A produção para ganho é a produção de uma diferença simbolicamente significativa; no caso


do mercado consumidor, é a produção de uma distinção social apropriada por meio do con-
traste concreto no objeto. O ponto está implícito na aparente ambiguidade do termo "valor",
que pode se referir ao preço de algo ou ao significado de algo (como o conceito diferencial
de uma palavra) ou, em geral, àquilo que as pessoas consideram "caro", seja moral ou mone-
tariamente. Os antropólogos, aliás, estão bastante familiarizados com essa ambiguidade,
embora nem sempre estejam totalmente conscientes dela, pois muitos a adotam para ilustrar
a universalidade do comportamento econômico racional, mesmo quando a troca de mercado
está especificamente ausente. As pessoas estão, no entanto, economizando seus recursos: só
que estão interessadas em "valores" diferentes dos materiais - fraternidade, por exemplo
(1976:213-14).

8 Outra maneira de imaginar isso seria dizer que cada idioma começa com o espectro completo de cores e o corta arbi-
trariamente, atribuindo uma palavra a cada divisão. Isso às vezes é chamado de "fatiar a torta" da realidade.

9 Em vez disso, a maioria dos autores subsequentes a chamaram de "semiótica".


Portanto, o valor em cada sentido é, em última análise, o mesmo, assim como os formalistas eram
frequentemente forçados a admitir. As coisas são significativas porque são importantes. As coisas
são importantes porque são significativas.

Sahlins continua observando que o próprio Saussure fez uma analogia semelhante e sugere que a
passagem em que ele faz isso deveria ser a base para qualquer antropologia econômica futura. Para
entender o valor de uma peça de cinco francos, escreveu Saussure, é preciso ser capaz de entender
(a) algo diferente com o qual ela possa ser "trocada", ou seja, um pedaço de pão, e (b) algo seme-
lhante com o qual ela possa ser "comparada", ou seja, uma peça de um franco ou outras denomina-
ções de dinheiro.

Da mesma forma, uma palavra pode ser trocada por algo diferente, uma ideia; além
disso, ela pode ser comparada com algo da mesma natureza, outra palavra. Seu valor,
portanto, não é fixo, desde que se afirme simplesmente que ela pode ser "trocada"
por um determinado conceito, ou seja, que ela tem este ou aquele significado: é pre-
ciso também compará-la com valores semelhantes, com outras palavras que se
opõem a ela (Saussure in Sahlins 1976: 214-215).

Talvez o melhor que se possa dizer sobre essa passagem seja que, na onda de entusiasmo que ge-
ralmente segue a descoberta de novas e poderosas técnicas para entender a realidade - como o Es-
truturalismo foi nos anos 60 e 70 -, há boas razões para deixar o bom senso de lado e ver até onde
essas técnicas podem levá-lo. Ainda assim, esse parece ser o ponto em que elas atingiram seus limi-
tes. Ainda assim, esse parece ser o ponto em que elas atingiram seus limites. Quero dizer, realmen-
te: o que significa dizer que, ao usar uma palavra, você a está "trocando" por um conceito? De que
forma isso realmente se assemelha a pagar a um lojista por um pedaço de pão? Acima de tudo, de
que tipo de "comparação" estamos realmente falando aqui? Afinal, quando se observa que um pão
custa cinco francos e um bife frito custa vinte, não se está simplesmente observando que o pão e o
bife frito são diferentes. É mais provável que estejamos enfatizando o fato de que um vale mais. É
por isso que se pode dizer que há um elemento de avaliação envolvido. Isso também é exatamente o
que torna o dinheiro único - o fato de ele poder indicar exatamente o quanto um vale mais do que o
outro10 - e exatamente o que os modelos saussureanos não conseguem avaliar. O último fornece
uma maneira de entender como o mundo é dividido, como os objetos são agrupados em categorias
com base em suas diferenças em relação a outros tipos de objetos - e Sahlins está certo quando diz
que, em uma sociedade de consumo, o marketing é muitas vezes uma questão de criar distinções
simbólicas entre produtos que, de outra forma, são praticamente idênticos, como duas marcas dife-
rentes de flocos de milho ou detergente -, mas isso, por si só, não explica por que as pessoas estão
dispostas a gastar dinheiro com eles. As pessoas não compram coisas simplesmente porque as reco-
nhecem como sendo diferentes de outras coisas de alguma forma. Mesmo que o fizessem, isso não
explicaria por que estão dispostas a gastar mais em determinadas coisas do que em outras.

Com relação ao estruturalismo, os resultados já estão mais ou menos definidos. O consenso geral é
que seu maior ponto fraco é a avaliação. Muitos apontaram, por exemplo, que os críticos literários
estruturalistas muitas vezes forneceram análises brilhantes dos princípios formais subjacentes a um
romance ou poema, descobrindo todos os tipos de padrões ocultos de significado, mas que não for-
neceram nenhuma visão sobre se o romance ou poema em questão era bom. Da mesma forma, as
abordagens estruturalistas na antropologia - como exemplificado nos trabalhos de Claude Levi-

10Um sistema que simplesmente indicasse que o bife-frito valia mais seria, tecnicamente, seria um sistema de classifi-
cação. Um sistema que especifique precisamente quanto mais acrescenta um elemento de "proporcionalidade".
Strauss (1949, 1958, 1962, 1966) - tendem a se concentrar em como os membros de diferentes cul-
turas entendem a natureza do universo e, por isso, podem ser notavelmente reveladoras; mas no
momento em que se tenta entender como, digamos, uma coisa é vista como melhor - preferível,
mais desejável, mais valiosa - do que outra, os problemas surgem imediatamente. Como resultado,
o grande dilema do estruturalismo tem sido como passar da compreensão da contemplação passiva
do mundo pelas pessoas (o "selvagem cerebral" de Geertz) para sua participação ativa nele.11

Na verdade, ninguém fez mais do que Marshall Sahlins para pensar em uma maneira de sair dessa
caixa, muitas vezes com resultados espetaculares (Sahlins 1981, 1985, 1988, 1991). Portanto, talvez
eu não esteja sendo especialmente justo com ele ao destacar esse único texto, muito antigo. Mas
também é verdade que, desde então, ele tendeu a abandonar completamente a discussão sobre valor.
O único autor que fez um esforço consistente para desenvolver uma teoria do valor de acordo com
as linhas estruturalistas foi Louis Dumont (1966, 1971, 1982, 1986). Seu trabalho, portanto, merece
uma análise mais detalhada.

Dumont é, obviamente, mais conhecido por ter sido o responsável quase sozinho pela popularização
do conceito de "hierarquia" nas ciências sociais. Sua noção de valor, de fato, emerge diretamente de
seu conceito de hierarquia.

O Estruturalismo Clássico, de acordo com Dumont, foi desenvolvido como uma técnica destinada a
analisar a organização formal de ideias, não de valores. Realizar uma análise estrutural significa, em
primeiro lugar, identificar certas oposições conceituais importantes - cru/cozido, puro/impuro, mas-
culino/feminino, consanguinidade/afinidade etc. - e, em seguida, mapear como elas se relacionam
entre si, digamos, em uma série de mitos ou rituais, ou talvez em um sistema social inteiro. O que a
maioria dos estruturalistas não consegue perceber, acrescenta Dumont, é que essas ideias também
são "valores". Isso ocorre porque, em qualquer par de termos, um deles será considerado superior.
Esse termo superior sempre "engloba" o inferior. A noção de englobamento é, por sua vez, a chave
para a noção de hierarquia de Dumont. Uma de suas ilustrações favoritas é a oposição entre direita e
esquerda. Há muito tempo, os antropólogos observaram uma tendência, que aparentemente ocorre
na grande maioria das culturas do mundo, de a mão direita ser tratada como algo moralmente supe-
rior à esquerda (Hertz 1907, Needham 1973). Ao oferecer um aperto de mão, observa Dumont,
normalmente é preciso estender uma mão ou a outra. Assim, a mão direita estendida, de fato, repre-
senta a pessoa como um todo - incluindo a mão esquerda que não está estendida (Dumont 1983, ver
Tcherkezoff 1983). (Isso é o que ele chama de "englobar o contrário".) Esse princípio de hierarquia,
argumenta ele, aplica-se a todas as oposições binárias significativas - na verdade, Dumont rejeita a
ideia de que dois desses termos possam ser considerados iguais ou que possa haver qualquer outro
princípio de classificação, o que, como se pode suspeitar, gerou certa controvérsia, já que obvia-
mente não é verdade.12

Portanto, o significado surge ao se fazer distinções conceituais. As distinções conceituais sempre


contêm um elemento de valor, pois são classificadas.13 Ainda mais importante, os contextos sociais
nos quais essas distinções são colocadas em prática também são classificados. As sociedades são
divididas em uma série de domínios ou níveis, e os mais altos englobam os mais baixos - eles são

11Portanto, também politicamente: na França, nos anos 60, os Estruturalistas eram famosos por sua passividade política,
ou até mesmo pelo conservadorismo (já que, na prática, ser "apolítico" geralmente significa ser moderadamente de di-
reita).

12 As críticas são numerosas; ofereci meu próprio modelo alternativo em Graeber 1997.

13Pode-se observar que, dessa forma, ele conseguiu acrescentar a um modelo saussureano simples um elemento de
classificação (mas não de proporcionalidade).
mais universais e, portanto, têm mais valor. Em qualquer sociedade, por exemplo, os assuntos do-
mésticos, que se relacionam aos interesses de um pequeno grupo de pessoas, serão considerados
subordinados aos assuntos políticos, que representam as preocupações de uma comunidade maior e
mais inclusiva; e, provavelmente, essa esfera política será considerada subordinada à esfera religio-
sa ou cosmológica, em que os sacerdotes ou seus equivalentes representam as preocupações da hu-
manidade como um todo perante os poderes que controlam o universo.14 Talvez o aspecto mais ino-
vador da teoria de Dumont seja a maneira como as relações entre diferentes termos conceituais po-
dem ser invertidas em diferentes níveis. Como Dumont desenvolveu seu modelo em uma análise do
sistema de castas indiano, essa pode ser uma boa ilustração. No nível religioso, em que os brâmanes
representam a humanidade como um todo perante os deuses, o princípio operacional é a pureza. To-
das as castas são classificadas de acordo com sua pureza e, por esse padrão, os brâmanes superam
até mesmo os reis. Na esfera política subordinada, na qual os humanos se relacionam apenas com
outros humanos, o poder é o valor dominante e, nesse contexto, os reis são superiores aos brâmanes,
que devem fazer o que eles dizem. No entanto, os brâmanes são, em última análise, superiores, por-
que a esfera na qual eles são superiores é a mais abrangente.15

É claro que nada disso se aplica à sociedade ocidental contemporânea, mas, de acordo com Du-
mont, os últimos trezentos anos ou mais da história europeia foram uma espécie de aberração. Ou-
tras sociedades ("quase nos sentimos tentados a dizer, sociedades' normais'") são "holísticas", e as
sociedades holísticas são sempre hierárquicas, classificadas em uma série de domínios cada vez
mais inclusivos. Nossa sociedade é a grande exceção porque, para nós, o valor supremo é o indiví-
duo: presume-se que cada pessoa tenha uma individualidade única, o que remete à noção de uma
alma imortal, que, por definição, não são comparáveis. Cada indivíduo é um valor em si mesmo, e
nenhum pode ser tratado como intrinsecamente superior a qualquer outro. De fato, na maioria de
seus trabalhos mais recentes (Dumont 1971, 1977, 1986), Dumont expandiu efetivamente os argu-
mentos de Polanyi em A Grande Transformação, argumentando que foi precisamente esse princípio
de individualismo que possibilitou o surgimento da "economia".

Poderíamos ir além. Na França, existe hoje uma escola de antropologia dumontiana, formada em
grande parte por seus alunos dedicados, e sua abordagem das sociedades tradicionais não ocidentais
(ou seja, as normais e hierárquicas) é, em muitos aspectos, uma nova forma de Substantivismo. Na
verdade, ele é mais radical do que o original em sua rejeição intransigente de qualquer coisa que
remeta ao individualismo metodológico.16 A principal diferença é que eles descartaram a suposição
funcionalista de que as instituições econômicas agem para integrar a sociedade e colocaram em seu
lugar a noção saussureana de que é preciso entender um sistema total de significado para que qual-
quer parte específica dele faça sentido. De qualquer forma, isso significa que a primeira etapa da
análise é identificar alguma totalidade. Os Dumontianos chamam seu projeto de "comparação de
inteiros", ou seja, não se referem tanto a sistemas simbólicos quanto a sociedades consideradas
como totalidades estruturadas em torno de determinados valores-chave. (Ou, como diz Dumont,
"ideias-valores").

14Isso não quer dizer que Dumont esteja argumentando que todas as sociedades têm essas esferas de forma exata; é
simplesmente uma ilustração instantaneamente reconhecível.

15Para citar um exemplo mais simbólico da tradição ocidental: enquanto na esfera secular são as mulheres que dão à luz
os homens (um gesto claro de englobamento), no nível mais elevado das origens cósmicas, foi o contrário, com Eva
produzida a partir da costela de Adão.

16Nas sociedades tradicionais, não se pode realmente falar de "indivíduos". Não há uma distinção clara entre sujeitos e
objetos; em vez disso, os próprios atores são compostos de diferentes aspectos ou elementos que têm diferentes valores
hierárquicos.
Observe como, mesmo na análise original de Dumont sobre a Índia, o uso do termo valor abrange
uma gama bastante ampla. A pureza, por exemplo, é claramente um valor da variedade de "valores
culturais" com os quais Kluckhohn se preocupou, uma concepção de como as pessoas deveriam
querer ser; o poder, por outro lado, parece mais um dos valores que os formalistas criaram ao tentar
explicar o que as pessoas de fato parecem querer, mesmo que não necessariamente admitam isso.17
A alegação é que ambos são, em última análise, "ideias-valores" que podem ser analisados em ter-
mos saussureanos, como parte de um sistema geral de significado.

A melhor ilustração de como tudo isso funciona na prática pode ser encontrada em um livro chama-
do Of Relations and the Dead (1994), escrito em conjunto por quatro alunos de Dumont: Daniel de
Coppet, que trabalhou entre os 'Aru'Aru nas Ilhas Salomão (1969, 1970, 1982, 1985, 1992), Cecile
Barraud na aldeia molucana de Tanebar-Evav (1979), Andre Iteanu entre os Orokaiva de Papua
Nova Guiné (1983a, 1983b, 1990) e Robert Jamous entre os berberes do Rif marroquino. A ideia do
livro é comparar cada sociedade como um sistema total.

Em todos os casos, as sociedades acabam se estruturando em torno de dois ou três valores-chave. O


mais elevado é aquele que define o lugar de seus membros no cosmo como um todo. Assim, entre
os berberes de Jamous, embora os homens importantes passem a maior parte do tempo defendendo
e aumentando sua honra por meio de várias formas de troca agressiva, que vão desde a doação de
presentes dramáticos até a troca de violência em disputas de sangue, a honra não é o valor mais alto.
O valor mais alto é baraka, que pode ser traduzido aproximadamente como graça divina e é imanen-
te aos homens santos que resolvem disputas e geralmente mediam as relações humanas com Deus.
No vilarejo molucano de Barraud, a vida é ocupada por uma série de trocas matrimoniais, mas isso
ocorre em um nível de valor mais baixo, chamado haratut - grosso modo, a sociedade da ilha em
relação a seus próprios ancestrais divinos -, enquanto o nível mais importante é o de lor, ou "lei", no
qual a sociedade de vivos e mortos está vinculada a outras sociedades. Os dois casos melanésios são
ainda mais complicados, pois os valores não são nomeados - os autores fazem a interessante (e pro-
fundamente estruturalista) sugestão de que os principais valores recebem nomes somente quando
uma sociedade está ciente de que existem outras sociedades com valores diferentes. Quando isso
não acontece, os membros dessa sociedade não distinguem a natureza de sua ordem social da natu-
reza dos cosmos como um todo, e os valores são vistos como inerentes à própria estrutura da reali-
dade. Entre os 'Aru'Aru, por exemplo, os três valores-chave estão incorporados em três constituintes
básicos de cada ser humano: corpo, respiração e "imagem" ancestral (o último é o único elemento
que sobrevive à morte de uma pessoa). Esses, por sua vez, correspondem aos três objetos de troca
mais importantes: taro, carne de porco e dinheiro de concha. De acordo com De Coppet, a vida ritu-
al ' dosAru'Aru é, em grande parte, composta por uma intrincada rede de trocas, na qual o taro, a
carne de porco e o dinheiro das conchas trocam de mãos como forma de construir e desfazer perso-
nas humanas, criando novas personas com casamentos ou dissolvendo-as em funerais e, no nível
mais alto, reproduzindo as relações entre os seres humanos e seus ancestrais.

Em sociedades como essas, argumentam os autores, é totalmente absurdo falar sobre indivíduos
maximizando bens. Não existem indivíduos. Qualquer pessoa é composta pelas mesmas coisas que
troca, que, por sua vez, são os constituintes básicos do universo.

Eles também admitem que todas as quatro sociedades têm seus "grandes homens" - "grandes ho-
mens” [bigmen] melanésios, "homens de honra" beduínos, chefes de linhagem importantes nas Mo-
lucas - e que esses são sempre aqueles que alcançaram o domínio da forma de troca mais importante

17Ele serviu a esse propósito de forma mais famosa em Sistemas Políticos da Alta Birmânia (1954), de Edmund Leach
(que, de outra forma, não é nada formalista). No caso indiano, o poder (artha) não é de forma alguma implícito, mas um
valor conscientemente articulado (ver Dumont 1970:152-66), embora ainda me pareça estar em uma ordem bem dife-
rente da "pureza".
da sociedade. Mas os valores que eles estão tentando maximizar nunca são os valores finais dessa
sociedade. Sempre há dois níveis, de modo que, embora no nível mais baixo os "valores" envolvi-
dos possam se assemelhar ao tipo que um transacionalista poderia propor - "honra", "poder", rique-
za etc. -, no nível mais importante eles são mais valores no sentido de Kluckhohn, ideias sobre o
que é importante na vida. Portanto, eles observam que, do ponto de vista da sociedade, os grandes
homens só existem para patrocinar certas formas de ritual cosmológico - ritual que, por sua vez,
serve para reproduzir a sociedade como um todo, juntamente com seus principais valores. Embora
isso contradiga, de certa forma, as declarações do próprio Dumont de que o valor com o qual ele
está lidando não tem nada em comum com o tipo econômico (os economistas analisam as preferên-
cias; os valores hierárquicos tratam da superioridade intrínseca), isso significa que esse modelo
abrange todas as três principais formas de falar sobre valor, embora subordine estritamente uma de-
las a uma síntese entre as outras duas. Quanto ao motivo pelo qual os grandes homens realizam es-
ses rituais: bem, não é com o objetivo de se engrandecer, mas simplesmente porque acreditam que é
a coisa certa a fazer.

Mais do que qualquer outra abordagem, os Dumontianos oferecem a promessa de uma grande sínte-
se de teorias de valor - no caso deles, por meio de uma espécie de Substantivismo sobrecarregado. A
questão é: a que custo? Para fazer isso, eles tiveram que fazer uma divisão rígida entre as socieda-
des "modernas", nas quais as pessoas são indivíduos e buscam valores econômicos, e as
"holísticas", nas quais não buscam. Portanto, há uma ruptura fundamental entre o tipo de sociedade
em que a maioria dos antropólogos vive e o tipo que eles estudam. Em segundo lugar, eles reintro-
duzem todos os problemas notórios do funcionalismo. Por exemplo, falar de sociedades como "tota-
lidades" parece implicar que há fronteiras claras entre elas e que elas existem em relativo isolamen-
to.18 O exame da história mostra que esse é um caso muito raro. Além disso, torna-se quase impos-
sível ver como essas sociedades podem mudar. De fato, um dos argumentos mais notórios de Du-
mont é que o sistema de castas indiano não pode, por definição, mudar. Sua estrutura é fixa; portan-
to, ele pode continuar ou pode entrar em colapso e ser substituído por um sistema totalmente dife-
rente: como uma cadeira corroída por cupins, ele manterá a mesma forma até desmoronar
(1970:219). Esses são os principais motivos pelos quais os antropólogos rejeitaram o funcionalismo
no início.

conclusões

A essa altura, o leitor deve ter pelo menos alguma ideia da história que o termo "valor" evoca. É um
termo que sugere a possibilidade de resolver dilemas teóricos contínuos; particularmente, de superar
a diferença entre o que se pode chamar de perspectivas de cima para baixo e de baixo para cima:
entre teorias que partem de uma certa noção de estrutura social, ou ordem social, ou alguma outra
noção totalizante, e teorias que partem da motivação individual. A conciliação das duas tem sido um
problema constante para a teoria social.

É claro que há aqueles que questionam se há muito sentido em uma grande teoria, para começar.
Alguns zombam da própria noção, argumentando que tudo o que a antropologia realmente tem a
oferecer ao mundo é a etnografia, a descrição de outras sociedades e outros modos de vida. Não há
dúvida de que essa é uma parte muito importante do que fazemos: manter um registro, pode-se di-
zer, das diferenças culturais e sociais, um compêndio do que significa ser humano em diferentes

18Para sermos justos, o próprio Dumont argumentou que uma das vantagens de sua abordagem hierárquica e holística é
que ela não faz distinções tão claras com ou/ou (1986:253-56), porque as hierarquias são inclusivas, não exclusivas, e
são definidas por seus centros e não por suas bordas. Mas isso parece ser, em grande parte, uma afirmação filosófica que
não se reflete muito na prática etnográfica.
épocas e lugares (e, portanto, talvez das possibilidades humanas). É difícil negar que se alguém es-
tiver lendo nossos livros, digamos, daqui a duzentos anos, é isso que provavelmente estará procu-
rando. A resposta convencional é que toda etnografia sempre implica uma teoria. Como até mesmo
as descrições mais aparentemente brandas e factuais acabam se baseando em todos os tipos de su-
posições a priori sobre o que é importante e relevante, e essas suposições, sobre o que são funda-
mentalmente os seres humanos ou a sociedade humana, a verdadeira escolha, então, é entre pensar
sobre essas questões explicitamente ou deixá-las implícitas - nesse caso, inevitavelmente acaba-se
recorrendo às crenças populares não declaradas da própria cultura. O resultado usual é um ou outro
tipo de economismo. E quanto mais se lida com as motivações humanas, mais isso se torna um pro-
blema. Uma variante mais recente dessa atitude, de que é a parte "grandiosa" da "grande teoria" que
é questionável, resultou, como veremos no próximo capítulo, em problemas muito semelhantes.

A economia, é claro, tem uma noção muito clara do que está tentando fazer e do que constitui uma
análise bem-sucedida (prevê ou não prevê o que acontece?). Uma maneira de analisar a história da
teoria antropológica é fazer a mesma pergunta. O que os antropólogos de um determinado período
estavam tentando descobrir? A disciplina claramente passou por estágios nesse sentido. Em todos os
estágios, os dados eram coletados. Mas para um evolucionista do século XIX, por exemplo, o obje-
tivo da coleta de dados sobre uma determinada sociedade era determinar sua posição em uma gran-
de série histórica e descobrir como sua existência poderia revelar algo sobre a história universal da
humanidade. Para um funcionalista, era uma questão de mostrar como determinada prática ou insti-
tuição contribuía para a estabilidade social (o que trazia consigo a suposição tácita, mas raramente
declarada, de que sem essas instituições a sociedade entraria em um tipo de caos hobbesiano). Para
um estruturalista, o objetivo da análise era mostrar como as formas sociais eram compostas de ele-
mentos simbólicos que se uniam em um sistema total de significado. Para todos, no entanto, o obje-
tivo final era o mesmo: delinear algum tipo de sistema logicamente coerente, o que significava afas-
tar-se da ação individual e, ao fazer isso, deixar o espaço vazio no qual as teorias dos economistas
estavam sempre tentando se arrastar.

No início dos anos 80, havia um consenso geral de que esse era o grande problema da época: como
criar uma teoria "dinâmica" do estruturalismo, que pudesse dar conta dos caprichos da ação huma-
na, da criatividade e da mudança. A maneira como isso era geralmente formulado era como uma
questão de passar da langue para a parole, da língua ("o código" do significado, seja qual for sua
concepção) para a fala. Foi nesse momento que o valor realmente entrou na linha de frente do deba-
te intelectual. Por razões que já deveriam ser óbvias, uma teoria do valor parecia ser exatamente o
que era necessário para preencher a lacuna: reunir a sociedade e os propósitos humanos, passar do
significado ao desejo.

É interessante que, nesses argumentos, praticamente ninguém mencionou o legado de Kluckhohn.


Seu trabalho foi considerado definitivamente ultrapassado. De qualquer forma, isso mostra até que
ponto o estruturalismo realmente passou a definir os termos do debate. Por mais primitivos que ten-
ham sido os modelos produzidos por Kluckhohn, ele pelo menos abriu a possibilidade de analisar as
culturas não apenas como formas diferentes de perceber o mundo, mas como formas diferentes de
imaginar como a vida deveria ser - como projetos morais, pode-se dizer. Isso estava tão distante das
abordagens que a maioria dos teóricos estava adotando que parecia totalmente irrelevante.

De qualquer forma, tudo isso talvez explique tanto a contínua popularidade do termo "valor" quanto
a falta de uma teoria concreta por trás dele. A antropologia não resolveu de fato os dilemas do início
dos anos 80. Em sua maior parte, ela simplesmente os ignorou. A disciplina passou a se preocupar
com outras questões: a política do trabalho de campo etnográfico, a memória, o corpo, o transnacio-
nalismo e assim por diante. O estruturalismo perdeu a proeminência e, gradualmente, passou a pa-
recer ridículo; as teorias que se concentravam no poder (Foucault) ou na prática (Bourdieu) o subs-
tituíram em grande parte; havia (e ainda há) um sentimento geral de que o debate havia terminado.
Por isso, a tendência de agir como se essa teoria existisse de fato.

No entanto, como veremos no próximo capítulo, a maioria das novas teorias que parecem ter torna-
do irrelevantes os argumentos antigos são, pelo menos em muitos de seus aspectos, pouco mais do
que versões reformuladas da mesma coisa antiga. Tampouco acho que ignorar o problema seja nec-
essariamente a melhor maneira de fazê-lo desaparecer.

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