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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

A IRMANDADE DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO DE CANEÇAS NA


TRANSIÇÃO DA MONARQUIA CONSTITUCIONAL PARA A REPÚBLICA:
IMPACTE DA REVOLUÇÃO REPUBLICANA NAS SOCIABILIDADES
RELIGIOSAS

Fátima Cristina Castelo Morgado

Mestrado em História Contemporânea

Dissertação orientada pelo Professor Doutor António Matos Ferreira

Ano 2012
RESUMO

O presente trabalho pretende estudar o impacte do confronto religioso


provocado pela implantação da República na ação desempenhada pela Irmandade do
Santíssimo Sacramento de Caneças para a salvaguarda e manutenção das
sociabilidades religiosas da comunidade rural. Para o estudo de caso, analisa-se a
influência dos normativos, designadamente da Lei da Separação do Estado das
Igrejas, de 20 de Abril de 1911, na vitalidade da Irmandade.
Pretende-se compreender a influência da Lei no reconhecimento legal da
Irmandade e no encerramento da capela de S. Pedro de Caneças e apresentar a
mobilização dos confrades e habitantes da povoação na defesa do livre exercício do
culto público, num momento da história nacional em que se defendia a laicização da
sociedade por se considerar que o catolicismo era um do fatores responsáveis pelo
atraso do povo português.
Neste contexto político e cultural, os fiéis defenderam a sua crença e as
representações simbólicas associadas à mesma. A par da intervenção dos cidadãos
em prol da sua religiosidade, constata-se ainda o seu envolvimento na vida política e
cultural da comunidade. A religiosidade das populações corresponde à dimensão
espiritual e cultural dos cidadãos e faz parte das vivências quotidianas em sociedade.
A expressão coletiva das sociabilidades religiosas, afetadas no momento de
transição, ressurgiu após 1918 e prevalece até aos nossos dias. Este ressurgimento
demonstra também que a separação das esferas religiosa e temporal, não constituiu a
“questão religiosa”, mas o modo como a separação foi preconizada na Lei da
Separação, por se considerar que a mesma concedia aos leigos poderes que eram da
competência do clero, como a organização e a gestão do culto. As cultuais, como
forma associativa preconizada na referida Lei, originou o confronto religioso entre os
poderes temporal e religioso, durante a I República.
O decreto-lei de 22 de Fevereiro de 1918 atenuou as divergências causadas
pela Lei da Separação ao atribuir às Irmandades a sustentação do culto público e
reconhecer aos ministros da religião o direito de participarem nas corporações, de
acordo com os princípios religiosos.

Palavras-chave: Irmandade, Separação, Sociabilidade religiosa, Cultuais.

2
ABSTRACT

The present work aims to study the impact of religious confrontation


provoked by the establishment of the Republic on the safekeeping and maintenance
of the sociability of the rural community religious by the Caneças Brotherhood of
Blessed Sacrament. For the case study, the normative influence is analyzed, namely
the Law on the Separation of State from Churches, April 20, 1911, in the vitality of
the Brotherhood.
The aim is to understand the influence of the Law in the legal recognition of
the Brotherhood and in the closure of the St. Pedro de Caneças chapel and present
the members and town inhabitants mobilization in defense of the public worship free
exercise, in a moment of national history where secularization of society was
defended, as Catholicism was considered one of the factors responsible for the
backwardness of the people Portuguese.
In such political and cultural context, the believers defended their belief and
the symbolic representations associated with it. Along with the citizens’ intervention
in favor of their religion, there was also their involvement in the political and cultural
life of the community. The religiosity of the population corresponds to the cultural
and spiritual dimension of the citizens and is part of everyday experiences in society.
The collective expression of religious sociability, affected at the time of the
transition, rose again after 1918 and prevails up until now. This resurgence also
demonstrates that the separation of the religious and temporal spheres did not
constitute a "religious issue", the issue was how the separation was commanded in
the Law of Separation, on the grounds that it granted powers to lay people that were
taught to be within the competence of the clergy, as responsible for the organization
and management of the cult. The cultuais, as an associative body advocated by the
law, gave rise to a religious confrontation between the temporal and religious
powers, during the First Republic.
The decree-law of February 22, 1918 attenuated the differences caused by the
Law of Separation on assigning to the Brotherhoods the support of public worship
and recognizing to the religion ministers the right to participate in corporations,
according to the religious principles.

Key words: Brotherhood, Separation, Sociability religious, Cult

3
ÍNDICE GERAL

RESUMO/ABSTRACT 2

AGRADECIMENTOS 5

ABREVIATURA E SIGLAS 6

INTRODUÇÃO 8

METODOLOGIA 16

CAPÍTULO 1 - O AMBIENTE ECLESIÁSTICO- RELIGIOSO EM CANEÇAS


NO INÍCIO DA REPÚBLICA 23
1.1 - As Irmandades na Capela de São Pedro de Caneças 26
1.2 - O lugar e as gentes de Caneças 34
1.3 - A Paróquia de Loures e as Irmandades em 1910 no contexto do
Concelho de Loures 42

CAPÍTULO 2 - A IRMANDADE DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO E


A LEI DA SEPARAÇÃO 55
2.1 - A sua relação com o poder local e o poder eclesiástico 57
2.2 - Interrupção da liberdade de culto 71
2.3 - Constituição de uma cultual? 79

CAPÍTULO 3 - A IRMANDADE COMO REDE DE SOCIABILIDADE 89


3.1- A dimensão social da Irmandade 90
3.2 - A sua relação com o poder político local após 10 de Setembro de 1915 99
3.3 - Manifestações de sociabilidade no quotidiano 108

CONCLUSÃO 115

FONTES E BIBLIOGRAFIA 119


1.Fundos documentais 119
2. Legislação 124
3. Periódicos 126
4. Bibliografia Geral 126
5. Bibliografia - História Local 132
6. Bibliografia - Irmandades/ Confrarias 134

CRONOLOGIA 136

ANEXOS 144

4
AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu orientador Professor Doutor António Matos Ferreira a sua


disponibilidade e encorajamento no decorrer da orientação do trabalho de
investigação, contributo fundamental para a reflexão do tema que me propus estudar.
A sua amabilidade e saber constituíram apoios essenciais à concretização do trabalho
final. Aos professores do curso de Mestrado de História Contemporânea da
Faculdade de Letras de Lisboa, Professor Doutor Ernesto Castro Leal, Professor
Doutor Sérgio Campos Matos e Professor Doutor António Ventura pelo incentivo
manifestado para a concretização deste trabalho. Aos membros do Centro de Estudos
de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa pelo apoio e acolhimento
revelado nos seus Seminários. Ao Professor Doutor Luís Salgado pela partilha das
suas reflexões sobre o tema em estudo. À Mestre Rita Mendonça Leite pelo estímulo
ao meu trabalho de pesquisa. Ao Mestre Sérgio Ribeiro Pinto pelo importante
contributo e colaboração no esclarecimento das minhas reflexões durante a
elaboração do texto.
Registo ainda, com amizade, o interesse e cooperação pela minha pesquisa
evidenciados pela Dr.ª Teresa Ponces do Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa
e Dr. Jorge Afonso do Arquivo Municipal de Loures. À Dr.ª Ana Gaspar do Arquivo
Contemporâneo do Ministério das Finanças, ao Dr. António Gouveia do Arquivo do
Governo Civil de Lisboa e Miguel do Centro de Documentação Anselmo
Braamcamp Freire de Loures o meu agradecimento pela disponibilização das fontes
nos respectivos arquivos. Ao pe. António Tavares da Igreja Matriz de Caneças e à
Guida pelo entusiasmo e receptividade em me facultarem o acesso ao acervo
documental. O agradecimento à minha amiga Helena pelo encorajamento e auxílio,
ao meu primo Miguel pela ajuda e disponibilidade.
À minha família por ser o meu espaço de partilha e de ânimo. Aos meus avós
pelo seu carinho e ensinamentos de vida, sempre no meu coração. Aos meus
sobrinhos pela sua compreensão. À minha irmã Fernanda por ser o meu porto de
abrigo.

5
ABREVIATURAS E SIGLAS

ABREVIATURAS

Art. - artigo
Cân. - Cânones
Cf. - conferir
Cit. por - Citado por
Cx. - caixa
Dir. - Direção
Doc. - documento
Dr. - Doutor
Ed. - Edição
Et al. - et alii (e outros)
Fl. - Folha
Fls. - Folhas
Liv. / L. - Livro
Ms. - Manuscrito
Nº - número
N. - Nossa
Op.cit. - obra já citada
P. - página
Proc. - Processo
S.- São
S.- Secção
Séc. - século
Sg. - seguinte
Sgg. - seguintes
S.d. - sem data
S.l. - sem local
Sr.ª - Senhora
SSº - Santíssimo
Stª. - Santa
Stº - Santo
U.I. - Unidade de Instalação
Vol. - volume

6
SIGLAS DE FONTES MANUSCRITAS/IMPRESSAS

ADMIN - Administração dos Bens Cultuais


ACMF - Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças
AGCL - Arquivo do Governo Civil de Lisboa
AJFC - Arquivo da Junta de Freguesia de Caneças
AML - Arquivo Municipal de Loures
ANTT - Arquivo Nacional da Torre do Tombo
AHPL - Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa
AHP- Arquivo Histórico Parlamentar
ARROL - Arrolamentos dos Bens Cultuais
CEDEN - Cedência de Bens
CJBC - Comissão Jurisdicional dos Bens Cultuais
D.G. - Diário do Governo
DGCI - Direção Geral de Contribuições e Impostos
LCORR - Livros de correspondência recebida
LEGIS - Legislação
IS - Imposto Sucessório
LIS - Lisboa
LOU - Loures
PROCD - Processos Disciplinares

SIGLAS DE INSTITUIÇÕES

C.M.L. - Câmara Municipal de Loures


UCP - Universidade Católica Portuguesa

7
INTRODUÇÃO

As irmandades1 ou confrarias como modelo associativo surgem na Europa


cristã ao ritmo do desenvolvimento societário de cada região e país. As organizações
associativas assumem características próprias de acordo com o espaço em que se
enquadram, o rural e o urbano, o que determina a sua composição social, ainda que a
natureza da sua formação fosse idêntica. Os seus membros, os irmãos ou confrades,
comprometiam-se a realizar práticas religiosas e de caridade, em favor da
comunidade2.
A par das motivações que levaram os fiéis 3 leigos a associarem-se (aos quais
se reuniram, por vezes, elementos do clero), devemos considerar também as

1
As irmandades ou confrarias são associações de fiéis constituídas organicamente para o incremento
do culto público. Estas associações regulam-se, atualmente, pelo Código de Direito Canónico de 1917
(cân.707-719), dispondo de estatutos particulares. Não podem existir sem decreto formal e não podem
erigir-se senão em igrejas ou capelas públicas ou semi-públicas e costumam ter altar determinado. Cf.
Irmandade. In Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa: Editorial Enciclopédia,
Limitada. Vol. 14, p. 19. Confraria «consoante a definição do Prof. Marcelo Caetano, era uma
associação voluntária em que se agrupavam os irmãos para um auxílio mútuo, tanto no material como
no espiritual […]». Cf. Alberto Martins de Carvalho – Confraria. In Dicionário de História de
Portugal. Porto: Livraria Figueirinhas, 1989. Vol. 2, p. 153. «Na perspectiva canónica, as confrarias
são associações de fiéis constituídas organicamente com o fim de exercerem obras de piedade ou
caridade e de promoverem o culto público […] As confrarias cuja designação provém do étimo latino
confraternitas são também conhecidas por confraternidades, fraternidades e, principalmente,
irmandades, denominação que o código reservava às pias uniões constituídas como corpo orgânico.»
Pedro Penteado – Confrarias. In Dicionário de História Religiosa de Portugal. Dir. Carlos Azevedo.
Mem Martins: Círculo de Leitores SA. 2000. Vol. 1, p. 459. As confrarias medievais surgem entre os
séculos XI e XIII (o seu aparecimento remonta aos collegia romanos e às guildas germânicas, de cariz
pagão, cuja criação teve como intenção valorizar a sociabilidade masculina e as relações amigáveis
entre os seus membros). As confrarias surgiram ligadas a movimentos associativos laicos, ocupando
os leigos os seus órgãos de gestão, sem a intervenção da autoridade eclesiástica. Tal facto levou a
Igreja católica a integrá-las nos mosteiros e nas paróquias, contribuindo para a cristianização das
comunidades através da oração e, em simultâneo, para estreitar as relações sociais entre os leigos.
Inicialmente, a ação piedosa e caritativa das irmandades, em Portugal, era controlada pelas
autoridades eclesiásticas de quem dependia a aprovação dos seus estatutos ou compromissos,
exceptuando as misericórdias. Cf. Pedro Penteado – Confrarias. In Dicionário de História Religiosa
de Portugal. Vol. 1, p. 459-462. Isabel dos Guimarães Sá – As Confrarias e as Misericórdias. In
História dos Municípios Portugueses e do Poder Local: dos finais da Idade Média à União Europeia.
Dir. César Oliveira. S.l. Círculo de Leitores, 1996, p. 55-60.
2
Cf. Pedro Penteado – Confrarias. In Dicionário de História Religiosa de Portugal. Vol.1, p. 459-
470. O agrupamento dos indivíduos realizava-se de acordo com os ofícios, sendo as relações reguladas
por compromisso. Algumas mantinham a o culto e veneração do seu padroeiro. O culto do seu orago
realizava-se em capelas privativas instituídas nas igrejas paroquiais ou dos institutos religiosos. O
espírito de solidariedade manifestava-se também através da criação e manutenção de pequenos
hospitais.
3
As associações de fiéis eretas para exercerem obras de piedade ou caridade podem denominar-se
ordens terceiras, confrarias ou irmandades ou pias uniões. As ordens terceiras são associações pias que
vivem de acordo com as regras cristãs de uma ordem religiosa. As Ordens Terceiras chegaram a
atingir papel de destaque no século XVIII à semelhança das Misericórdias, pela ação assistencial que
exerciam junto da população carenciada. Cf. As Confrarias e as Misericórdias. In História dos
Municípios Portugueses e do Poder Local: dos finais da Idade Média à União Europeia, p. 55-60.

8
orientações espirituais, influenciadas pela mentalidade e pela cultura que as
caracteriza ou define, inseridas no contexto político-social de cada época.
As irmandades4, no seio do catolicismo, desenvolveram um importante papel
religioso e social, porque contribuíram para a cristianização das populações, através
da sua ação piedosa (devoção) e da caridade (amor ao próximo). Essas ações
consistiam em prestar auxílio material e espiritual aos mais necessitados, como dar
alimentação, ajudar em caso de doença, garantir o enterro digno e a oração para a sua
salvação eterna.
As irmandades eram entidades reguladoras das relações interpessoais locais e
de expressão de solidariedade social5. A solidariedade horizontal manifesta-se entre
os confrades, por exemplo através dos trajes e acessórios utilizados em atos solenes
que representavam a comunidade unida e fraternal através de representações
simbólicas da crença. Por sua vez, estas manifestações de fraternidade simbolizavam
a homogeneidade social dos confrades 6. A solidariedade fraternal também se

4
A partir do Concílio Ecuménico de Trento (1545-1563) foram definidas com rigor as competências
das confrarias e passou a existir a divisão entre confrarias eclesiásticas e laicas. As confrarias
eclesiásticas eram criadas pela intervenção de prelados, submetendo os estatutos à autoridade do bispo
e às visitações pastorais e as confrarias laicas eram criadas apenas por leigos, tendo algumas a
proteção régia como as misericórdias. As competências específicas das confrarias eram definidas pela
natureza da sua formação. Nas paróquias existiam, por exemplo, as confrarias do Subsino, do
Santíssimo Sacramento, das Almas e de Nossa Senhora do Rosário e existiam as confrarias associadas
às ordens religiosas. Entre as confrarias destacam-se as sacramentais que tinham como motivo
principal o culto do Santíssimo, devendo existir em cada paróquia, segundo a determinação do
Concílio de Trento. Estas confrarias deviam assegurar o viático aos doentes, o enterro digno dos fiéis,
a realização da procissão do Corpus Christi e de outros atos solenes. Cf. Isabel Guimarães Sá – As
Confrarias e as Misericórdias. In História dos Municípios Portugueses e do Poder Local: dos finais
da Idade Média à União Europeia, p. 55-60. O culto eucarístico, incrementado com a reforma católica
do concílio Tridentino, influenciou a expansão das confrarias do Santíssimo Sacramento, cujo modelo
se inspirou na arquiconfraria no convento de Santa Maria Sopra Minerva. Modelo aprovado pelo Papa
Paulo III, em 1537, promovia o culto eucarístico, zelo pelos sacrários, visita aos enfermos,
acompanhamento do sagrado viático, realização da festa em honra do Santíssimo, celebração de
missas por intenção dos irmãos, fomento da oração diária. Cf. João Francisco Marques – Rituais e
manifestações de culto: as confrarias do Santíssimo Sacramento, a reserva eucarística e os atentados
sacrílegos. In História Religiosa de Portugal. Dir. Carlos Azevedo. Mem Martins: Círculo de Leitores
SA, 2000. Vol. 2, p. 568.
5
Cf. Isabel Guimarães Sá – As Confrarias e as Misericórdias. In História dos Municípios Portugueses
e do Poder Local: dos finais da Idade Média à União Europeia, p. 55-60.
6
Havia irmandades que possuíam uma base associativa vertical, pois agrupavam membros de estatuto
social diferenciado, como sucedeu na Irmandade do SSº Sacramento de Caneças. Os confrades eram
trabalhadores, proprietários, comerciantes e o seu compromisso autorizava ainda a inscrição de ambos
os sexos. Segundo Isabel Guimarães Sá, as misericórdias recrutavam membros da elite local -
nobreza, clero, indivíduos de profissões liberais, mestres de oficina ou do mar e proprietários
agrícolas. Os irmãos eram distinguidos pelo seu estatuto social «irmãos nobres, clero e profissões
liberais» e «irmãos mecânicos» os que laboravam outras profissões. As misericórdias, a partir do
século XVIII, concorriam com as irmandades, no acompanhamento dos fiéis defuntos e na realização
de obras caritativas, limitando a ação das irmandades à piedade, nos lugares onde co-existiam. Cf.
Isabel Guimarães Sá – As Confrarias e as Misericórdias. In História dos Municípios Portugueses e do
Poder Local: dos finais da Idade Média à União Europeia, p. 55-60.

9
expressa pelo recrutamento dos seus membros, pelo estatuto social que ocupam
através das suas ocupações profissionais.
As relações confraternais estreitavam-se por ocasião da realização das festas 7
em honra do santo padroeiro ou de outras invocações ou da celebração eucarística de
momentos solenes do calendário litúrgico, para celebrar o nascimento de Jesus e a
sua ressurreição, como se observa nos estatutos e processos de conta de gerência da
Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças.
Mas, nem sempre a dinâmica das irmandades se manteve num estádio
elevado, face aos condicionantes político-sociais que caracterizaram e influenciaram
a sociedade, aos abusos cometidos por alguns confrades na gestão dos rendimentos,
ao surgimento de associações de novas invocações que retiravam privilégios e
estatuto na ação caritativa às irmandades eretas. Outras não subsistiram no tempo.
Com o dealbar da época moderna, a coroa portuguesa começa a exercer um
maior controlo sobre as irmandades: sob a jurisdição régia 8 passavam a considerar-se
as associações, cuja criação não dependesse da autoridade eclesiástica, aprovando os
estatutos das irmandades ou confrarias; os oficiais régios (provedores e funcionários
do Desembargo do Paço) deveriam fiscalizar as contas das irmandades; as
irmandades dependiam ainda da autorização superior para o pedido de empréstimos
ou aceitação de legados pios9.

7
Para Pedro Penteado as festas confraternais «foram a melhor manifestação da identidade e da força
destas associações religiosas». As confrarias demonstravam a sua devoção através da exibição da
riqueza. Cf. Sensibilidades e representações religiosas: confrarias. In História Religiosa de Portugal.
Vol. 2, p. 323-329.
8
Provisão de 6 de Junho de 1785. Cf. Pedro Penteado – Confrarias. In Dicionário de História
Religiosa de Portugal. Vol. 1, p. 464.
9
Na 2ª metade do séc. XVIII, as confrarias portuguesas debatiam-se com problemas vários que
punham em causa a sua vitalidade, como o cumprimento das obrigações de missas e capelas
instituídas, e até a sua sobrevivência: a legislação pombalina que para os legados pios condicionava a
nº dos bens imóveis e as capelas vagas, revertiam em favor da coroa; a diminuição de benfeitores; o
decréscimo de rendimentos, agravado com a cobrança da décima parte sobre os rendimentos das
irmandades; a diminuição da entrada de confrades em algumas confrarias; a não cobrança de multas
sobre empréstimos concedidos a alguns confrades; na área de Lisboa observa-se o declínio de
irmandades após o terramoto de 1755; o aparecimento de novas formas de sociabilidade; a propaganda
iluminista contra as festas organizadas, além da desordem pública, também era repudiada pelos gastos
e falta de assiduidade no trabalho; alguns consideravam que a ação caritativa estimulava a
mendicidade. Cf. Pedro Penteado – Sensibilidades e representações religiosas: Confrarias. In História
Religiosa de Portugal. Vol. 2, p. 323-329. No entanto, se algumas irmandades desapareciam outras
surgiam com novas invocações, confrontadas com o quadro político-social desenhado por novas
matrizes ideológicas de sociedade que na sua transformação implicavam conflitos ideológicos em
relação à ordem social estabelecida, como ao nível da natureza, atribuições e composição social das
irmandades, onde os seus membros desenvolviam elos de ligação, a partir do elemento comum que os
unia – a crença no catolicismo. Era necessário criar respostas, desenvolver ações que não pusessem
em causa o propósito fundamental da existência dessas corporações.

10
Após a mudança política em Portugal operada com a revolução liberal, a
autoridade da coroa sobre as irmandades continuou a ser exercida através da
fiscalização das suas contas e pela orientação, em parte, na aplicação dos seus
rendimentos em ações de beneficência sugeridas pelo poder político 10.
Todavia, o novo regime político ocasionou no seu seio confrontos ideológicos
entre os próprios liberais11 (vintistas e cartistas), sem menosprezar o conflito
fratricida que opôs forças liberais e absolutistas, entre 1832-1834. Com o
liberalismo, a relação entre o Estado e a Igreja conheceu também momentos de
tensão. A expulsão das congregações religiosas masculinas 12, como já acontecera no
reinado de D. José I com as leis de 3 de Setembro de 1759 e 28 de Agosto de 1767
ou, no séc. XIV, com o beneplácito régio decretado por D. Pedro I, em 136113.

10
Cf. Decreto de 16 de Maio de 1832, nº 23 (Implantação do sistema administrativo) -Disponível em:
www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1799; Decreto-lei de 18 de Julho de 1835 (organização
Administrativa) - Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1803; Decreto de 31 de
Dezembro de 1836 (Código Administrativo Português) -Disponível em:
www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1814; Carta de Lei de 29 de Outubro de 1840 (alterou e revogou
partes do Código Administrativo de 1836) -Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1819;
Decreto de 18 de Março de 1842 (Código Administrativo) -Disponível em:
www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1823; Código Civil de 1867, aprovado por Carta de lei em 26 de
Junho de 1867 -Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1839; Código Administrativo,
aprovado por Decreto de 21 de Julho de 1870 - Disponível em:
www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1126; Código Administrativo de 1878, aprovado por Carta de Lei
de 5 de Maio de 1878 -Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1127; Código
Administrativo Português de 1886, aprovado por Decreto de 17 de Julho de 1886 – Disponível em:
www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1176; Nova Reforma Administrativa de 1892, aprovado por Lei
de 6 de Agosto de 1892 - Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1178; Código
Administrativo de 1894, aprovado por Decreto de 2 de Março de 1894 - Disponível em:
www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1180; Código Administrativo de 1900, aprovado em 21 de Junho
de 1900, publicado no D.G. nº 158, de 25 de Junho de 1900 -Disponível em
www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1860.
11
O liberalismo monárquico-constitucional legitimava os poderes do rei, assegurava a soberania do
Rei e o direito de sucessão; defendia a soberania popular mas os direitos políticos não eram para
todos. Não havia igualdade política nem social, e o interesse público estava subordinado ao interesse
social, segundo a perspetiva democrática ou radical. O liberalismo defendia a liberdade nos planos
político, social, económico, cultural e religioso, mas o confronto dar-se-á entre os liberais quanto ao
papel atribuído ao Rei. A matriz ideológica do liberalismo assentava na defesa da democracia liberal,
do capitalismo industrial, da ascensão da burguesia, da liberdade de expressão e pensamento, do
individualismo, do nacionalismo e do anticlericalismo e secularização da sociedade. Cf. Maria de
Fátima Bonifácio – A Monarquia Constitucional (1807-1910). Alfragide: Texto Editores, Ldª, 2010.
Mas o modelo de Estado dos liberais também pressupunha uma religião oficial, a católica romana,
expressa nas Constituições e na Carta Constitucional, «a religião católica era a religião do reino, e se
esse reino era definido como a associação política de todos os cidadãos portugueses, então o
catolicismo seria também, necessariamente, a religião de todos os portugueses.» Cf. Rita Mendonça
Leite – Representações do protestantismo na sociedade portuguesa contemporânea: da exclusão à
liberdade de culto (1852 -1911). Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa – UCP, 2009, p. 23.
12
A Lei de 28 de Maio de 1834 de Joaquim António de Aguiar.
13
O beneplácito régio foi também estabelecido nas Ordenações Afonsinas e utilizado por D. João I e
D. Afonso V. D. João II aboliu o beneplácito mas restabeleceu-o em 1495, ordenando que ao
Desembargador do Paço competia o conhecimento dos rescritos (resposta do papa sobre assuntos
teológicos, com valor de bula) que precisassem de ajuda do «braço secular», assim como «a resolução

11
Ainda durante a guerra civil, é decretada a extinção dos dízimos 14 por
Mouzinho da Silveira15, implicando problemas no sustento aos conventos, mosteiros,
catedrais, Seminários, bispos e párocos. Por exemplo, para o sustento dos párocos é
estabelecida a côngrua paroquial que provinha de um imposto paroquial. O clero e
demais agentes religiosos passam a ser controlados pelo regime liberal. As questões
relacionadas com as Congregações Religiosas, a dependência do poder político do
poder da Santa Sé e o antijesuítismo, expressas durante o século XVIII, mantêm-se
no século XIX com críticas à influência do clero na sociedade. A afirmação do poder
temporal da esfera do religioso, resultou na subordinação deste último ao poder
político16.
Ao longo da 2ª metade do século XIX, surge e afirma-se progressivamente
uma propaganda ideológica favorável a uma laicização acentuada por uma
progressiva desconfessionalização da sociedade, patente já aquando do debate sobre
o casamento civil (1868) 17. Associada a um novo modelo de sociedade, defende-se a
liberdade de cultos, a abolição da religião oficial do Estado, a reforma constitucional,
o ensino laico, o antijesuítismo e o anticlericalismo. Outro exemplo elucidativo é o
que ocorreu com a realização das Conferências de Casino 18, em que os oradores se
referiam às transformações política, social, cultural e moral da sociedade. A

de quaisquer dúvidas que aparecessem sobre a execução dos rescritos […]». D. Manuel II confirmou a
determinação e seu filho D. João III também. D. João V alargou o Beneplácito a todas as Bulas,
Despachos, Breves, Graças do Papa ou dos seus tribunais e ministros. No reinado de D. José I o
direito régio manteve-se. Mesmo depois das relações interrompidas com a Santa Sé entre 1760 e 1770,
D. Maria I alarga o direito régio até às pastorais ou mandados dos bispos. Durante o liberalismo, o
beneplácito foi mantido pelas Constituições de 1822 e 1838 e pela Carta Constitucional de 1826. Cf.
Maria Antonieta Soares Azevedo – Beneplácito régio. In Dicionário de História de Portugal. Dir. Joel
Serrão. Vol. 1, p. 328-329. A superintendência do poder civil liberal sobre a esfera do religioso, no
que concerne às irmandades e ao clero nacional, manteve-se através das determinações dos códigos
administrativos e de leis especiais que foram publicadas. Por exemplo, o Decreto de 16 de Maio de
1832, nº 23, em relação clero consignou no seu artigo 45º, ponto 7º: «Vigiar o procedimento no
exercício da autoridade temporal e espiritual do clero, tanto regular como secular: cuidando sobretudo
em que não usurpem o poder civil, nem exijam maiores elementos do que os que lhe forem taxados».
In Decreto de 16 de Maio de 1832 [Em linha] Nº 23. Implantação do sistema administrativo.
Universidade Nova de Lisboa. Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/investigacao/1799 PDF.
14
Cf. Nuno Gonçalo Monteiro – A sociedade local e os seus protagonistas. In História dos Municípios
Portugueses e do Poder Local: dos finais da Idade Média à União Europeia. Dir. César Oliveira. S. l.
Círculo de Leitores, 1996, p. 29-55.
15
Decreto de 30 de Julho de 1832.
16
A religião católica é a religião oficial do Estado liberal. O Estado português é um Estado
confessional, associando-se à Monarquia o Catolicismo e o Clericalismo, o que legitimava o controlo
do poder político sobre a esfera do religioso, pretendendo afastar assim a influência da Santa Sé em
assuntos do reino.
17
Samuel Rodrigues – A polémica sobre o casamento civil (1865-1867). Lisboa: Instituto Nacional de
Investigação Científica, 1987.
18
Cf. Maria de Fátima Bonifácio – A Monarquia Constitucional (1807-1910), p. 157-170.

12
estagnação económica, social e cultural de Portugal era associada à influência
perniciosa do clero na sociedade portuguesa19.
Nomeadamente, o discurso republicano, para desacreditar a monarquia, usou
também a intercessão do clero sobre os governantes. Este discurso estende-se à
República implantada em 1910: a luta contra a monarquia significava também lutar
contra o clero (e também contra a doutrina católica como ocorreu no concelho de
Loures, patente nos periódicos da época). O anticlericalismo e o combate à
monarquia eram os principais motores da propaganda republicana, como se observa
pela leitura dos jornais de Loures20.
A nova recomposição social, cultural e mental, pensada pelos defensores da
República, pôs em causa duas mundividências - as visões do mundo e de Deus, pelo
que a “questão religiosa” surge devido ao «confronto e concorrência de mentalidades
e de projectos societários»21. A origem da vida e do mundo era influenciada pela
explicação teológica, satisfazendo as necessidades espirituais que se colocavam às
pessoas. Esta visão do mundo entrará, de alguma forma em confronto com o modelo
cultural22 preconizado pela República que defendia o materialismo e de certa forma o
agnosticismo, sem negar a existência de Deus.
O sentimento religioso católico, após a instauração da República, abalado na
sua exteriorização, vai prevalecer através da união dos católicos23, de acordo com os

19
Cf. Fernando Catroga – O Estado laico. In Viva a República: 1910-2010. Junho 2010, p. 120.
20
Cf. Anexo XXXII.
21
António Matos Ferreira – A Centralidade da “Questão Religiosa” na mudança de Regime Político.
In Viva a República: 1910-2010. Junho 2010, p. 133.
22
O movimento republicano «estava convicto de que a sociedade portuguesa só atingiria um novo
consenso quando o tempo económico e o tempo político estivessem em sintonia com um tempo
cultural […] o advento dessa sociedade só seria possível quando, previamente, o poder político
deixasse de impor uma religião oficial e respeitasse o princípio da liberdade de consciência […]», para
que tal se verificasse era necessária a «separação das Igrejas do Estado». Cf. Fernando Catroga – O
Estado laico. In Viva a República: 1910-2010. Junho 2010, p. 121.
23
Mudanças que se faziam sentir em toda a Europa, o que levou a Igreja católica a procurar novas
ações de evangelização para diminuir o impacte da descristianização. Uma das reações ultramontanas
foi a proclamação do dogma da Imaculada Conceição da Virgem Maria, em 1854, pelo papa Pio IX
(1846-1878), embora D. João IV tivesse consagrado o Reino de Portugal e os seus domínios
ultramarinos a N. Sr.ª Imaculada Conceição, em 25 de Março de 1646, na festa da Anunciação (cf.
Cónego Thomas de Saint Laurent – A Virgem Maria: padroeira e rainha de Portugal. Porto: Livraria
Civilização Editora, 1996). O Papa procurava unir os crentes através da devoção a N. Sr.ª. No entanto,
o beneplácito foi somente dado após a aprovação das Cortes, o que mereceu o descontentamento de
setores católicos portugueses, uma vez que a devoção a N. Sr.ª da Conceição datava do séc. XVII.
Alguns liberais consideravam que esta determinação do papado era uma subordinação da Igreja
Nacional ao poder episcopal romano. Por outro lado, o culto mariano em Portugal remontava à Idade
Média, desde a afirmação da nacionalidade com as conquistas de D. Afonso Henriques. Outra foi a

13
espaços onde estavam integrados, ainda que a comunhão dos valores cristãos e a
celebração de rituais tivessem sido condicionados pelos acontecimentos políticos.
Com a implantação da República, as irmandades sentiram dificuldades em
assegurar o seu dinamismo e, no caso português, a situação política vivida,
condicionou fortemente a ação pastoral do clero e dos fiéis. As redes de sociabilidade
religiosa, unidas pela piedade e caridade, estabelecidas no seio das irmandades foram
abaladas porque as associações cultuais não se constituíram e algumas das igrejas
foram encerradas ao culto público. Para Luís Salgado de Matos «As paróquias sem
cultual eram mais de 90% do total nacional. Nelas, o culto prosseguiu sem qualquer
problema.24» No concelho de Loures, por não ser ter constituído associação cultual
nas igrejas de Loures, Stº. Antão e S. Julião do Tojal, Póvoa de Santo Adrião,
Frielas, Odivelas e Caneças, os lugares de culto foram encerrados25. Em Caneças, o
culto teria sido mantido, a julgar pela documentação consultada, exceptuando-se
outras manifestações de religiosidade popular, como as procissões.
Considerando o contexto político e social referenciado pretende-se com este
trabalho de pesquisa analisar as sociabilidades religiosas, tendo como referência um
estudo de caso, a Irmandade do Santíssimo Sacramento em Caneças. No momento de
transição política na sociedade portuguesa da Monarquia Constitucional para a
República, pretende-se estudar o impacte da revolução republicana nas
sociabilidades religiosas católicas.
O presente trabalho apresenta a Irmandade do Santíssimo Sacramento de
Caneças, enquadrando-a no espaço geográfico e no ambiente religioso e político que
caracterizava o concelho de Loures de então.
De seguida, analisa-se a preponderância das medidas de política religiosa.
Designadamente, a influência Lei da Separação do Estado das Igrejas no exercício do

convocação do I Concílio do Vaticano em 1869, cujos decretos condenavam o materialismo e o


ateísmo e declarou a infabilidade do papa, anteriormente publicara, em 8 de Dezembro de 1864, os
documentos Quanta Cura e Syllabus, onde expressava a incompatibilidade entre a religião católica e o
liberalismo, no que se referia à espoliação dos direitos da Igreja este sentido não foi incluído no
contexto. Todavia, os documentos Syllabus e a declaração da infabilidade papal causaram mal-estar
mesmo nos países católicos, porque alguns católicos entendiam que se tratava de ingerência de Roma
nos assuntos da Igreja nacional. Pio IX considerava que a Igreja era o caminho para a regeneração dos
valores espirituais da sociedade. Cf. Manuel Clemente - Portugal e os Portugueses. 2ª ed. Lisboa:
Assírio e Alvim, 2009.
24
Cf. Luís Salgado de Matos – A separação do Estado e da Igreja. Alfragide: Publicações D.
Quixote, 2011, p. 219.
25
ACMF/ Arquivo/CJBC/ INVEN/ 016 – Rol das igrejas encerradas por distrito pela aplicação da Lei
da Separação, 1914, cx. 667.

14
culto público e dinâmica da Irmandade do SSº Sacramento de Caneças, com
referências às Irmandades da Paróquia de Loures e de outras paróquias.
Em virtude de o novo regime ter como intenção substituir as Irmandades por
associações cultuais, cujos preceitos organizativos eram impostos pelo poder
político, pretende-se estudar a ação da Irmandade e analisar o seu papel enquanto
fator de organização autónoma das autoridades política e eclesiástica, numa época de
conflito político e religioso. Para tal, procede-se ao estudo do comportamento dos
mesários e confrades face aos condicionalismos políticos que determinavam a
harmonização do seu compromisso, ao abrigo do artigo 17º do decreto da Separação
de 20 de Abril de 1911. Facto esse que transformaria a Irmandade em associação
cultual, contrariando as orientações da hierarquia eclesiástica.
De acordo com os papéis religioso, económico, cultural e social da Irmandade,
estuda-se a composição e funcionamento da Irmandade do Santíssimo Sacramento
para a compreensão da interacção da associação na vida da comunidade, nas
dimensões religiosa e social.
É também motivo de reflexão o modo como os membros da Irmandade
articulavam a relação entre “ser-se católico e ser cidadão”, a afirmação social e
política dos confrades e a natureza e o grau das influências políticas dos veraneantes
ou de novos moradores, oriundos principalmente da Capital, nas sociabilidades
religiosas e no ambiente social e político da localidade.
Por fim, analisa-se o impacte da presença e organização da Irmandade,
particularmente, no momento da reabertura da capela de S. Pedro ao culto público, em
29 de Junho de 1918, e as ações subsequentes que culminaram na aprovação dos
estatutos da Irmandade em 29 de Setembro de 1921, e na entrega formal da capela pela
Junta de Freguesia de Caneças.
Este trabalho de pesquisa pretende ser um contributo para o conhecimento da
história e sociabilidades religiosas ao nível local, contextualizado em acontecimentos
que marcaram (e marcam) a nossa história nacional. O estudo da história local é
essencial para a compreensão da história de um país nas suas diversas dimensões.
A cultura de um povo alicerçada em vivências sagradas ou profanas é o pulsar
da identidade das comunidades, é a partilha de usos e costumes que conferem ao
indivíduo o sentido de pertença pelas relações sociais que se estabelecem.

15
METODOLOGIA

O trabalho apresenta-se em três capítulos que se subdividem em três


subcapítulos cada um, cujo objetivo visa compreender o papel da Irmandade do
Santíssimo Sacramento de Caneças, no contexto social, político e religioso, no
período de transição entre o final da Monarquia Constitucional e a implantação da
República, no concelho de Loures.
Partindo de um estudo de caso, procura-se enquadrar os acontecimentos
vividos pela Irmandade, enquanto organização social e religiosa, em alguns
acontecimentos ocorridos nas paróquias do concelho de Loures.
No primeiro capítulo, para o estudo do ambiente eclesiástico-religioso em
Caneças no início da República, apresenta-se um breve historial das Irmandades da
capela de São Pedro com o objetivo de identificar as instituições, a sua natureza, as
suas atribuições, as relações confraternais, as formas de sociabilidade fomentadas
pela Irmandade e a sua influência na vida económica, social e cultural da
comunidade, a partir da sua dimensão religiosa. O objetivo é enquadrar a Irmandade
no espaço comunitário onde se insere, considerando depois a sua reação aos
normativos republicanos, os quais vão influenciar o ambiente religioso em Caneças.
De seguida, caracteriza-se o espaço geográfico de Caneças, a evolução
administrativa do povoado, atendendo à sua ligação à freguesia de Loures. Neste
ponto, explanam-se as atividades económicas das suas gentes para a compreensão da
influência da Irmandade no desenvolvimento económico da povoação e da possível
rede de sociabilidade que se desenvolve entre os confrades e entre estes e os restantes
habitantes.
No último subcapítulo, apresenta-se a paróquia de Loures, enquanto lugar
inserido no concelho de Loures, à qual Caneças pertencia, próximos da capital.
Procura-se enquadrar a vida religiosa e as sociabilidades da paróquia de Loures,
partindo da identificação das Irmandades existentes e da sua ação, referindo também
os ambientes noutras paróquias do concelho, no período em estudo.
Esta reflexão pretende compreender a dimensão religiosa, económica, social e
cultural da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças, no contexto da
paróquia de Loures. Apurar-se a problemática causada pela Lei da Separação
(decreto de 20 de Abril de 1911) em torno das cultuais, retirou vitalidade às
Irmandades da paróquia de Loures e também à devoção religiosa dos crentes que não

16
podiam manifestar a sua crença através do exercício público do culto, face ao
encerramento dos templos.
No segundo capítulo, aborda-se a relação da Irmandade do Santíssimo
Sacramento de Caneças com o poder local e o poder eclesiástico, tendo como ponto
de partida para essa abordagem as medidas republicanas, nomeadamente o decreto da
Separação do Estado das Igrejas. No tratamento deste tema, o ano de 1912 é a
referência para a reflexão e análise dos condicionalismos causados pela legislação
republicana e sua aplicação na dinâmica da Irmandade.
O decreto da Separação coloca, de alguma forma, as irmandades numa
situação ambígua, perante as determinações da lei emanada do poder civil e as
decisões da autoridade eclesiástica. Neste contexto, a Irmandade do Santíssimo
Sacramento de Caneças age de forma a conciliar os seus interesses de liberdade de
culto, mas na linha das orientações da Santa Sé e do Patriarcado.
As ocorrências envolvendo a Irmandade do SSº Sacramento de Caneças,
enquadram-se nos acontecimentos nacionais, quanto à questão religiosa sobre a
legitimidade da autoridade civil em limitar a gestão do culto. Além da verba indicada
a despender com o culto público, a lei determina que a manutenção e organização do
culto dependiam da constituição de cultual, o que retirava à Igreja o seu principal
múnus.
Com base nos pressupostos enunciados, as vivências religiosas em Caneças
são equacionadas a partir das relações estabelecidas com o poder local, para se
observar a influência do poder local sobre a Irmandade, no que respeita à sua
atividade, e sobre os católicos, resultado da aplicação da Lei da Separação.
A relação da Irmandade do Santíssimo Sacramento com o poder local e o
poder eclesiástico, abordado no primeiro subcapítulo, permite articular essa
informação no tratamento dos dois subcapítulos subsequentes, tendo por base a lei da
Separação.
A Lei da Separação foi causadora de mal-estar por entendimentos diferentes
quanto à sua natureza e aplicação e, possivelmente, também por compreensões
contraditórias e pouco esclarecidas do seu conteúdo, que se alargavam a outros
diplomas. A partir da Lei da Separação, analisa-se o seu efeito na interrupção do
exercício do culto na capela de S. Pedro e na dissolução da Irmandade do Santíssimo
Sacramento.

17
A pesquisa de informação em diferentes fontes permitiu verificar que a
informação produzida pelos diferentes protagonistas (confrades da Irmandade, padre
capelão João Ramos do Rosário, pároco de Loures Joaquim José Pombo,
administração do Concelho, Governo Civil, Comissão de Administração dos Bens
Eclesiásticos do Concelho de Loures e Junta de Paróquia de Loures) não
correspondia ao mesmo entendimento quanto à interpretação da referida Lei, o que
condicionou o funcionamento da Irmandade e o entendimento sobre a liberdade de
culto.
A questão da aprovação dos estatutos da Irmandade, harmonizados ao abrigo
da nova legislação, foi o principal embate para os anos que se viveram entre 1912 e
1921, protagonizados pela Irmandade para o seu reconhecimento legal e a
manutenção da capela aberta ao culto, em oposição às autoridades político-
administrativas do Concelho.
O conhecimento do ambiente religioso vivido em Caneças, na paróquia de
Loures e noutras paróquias do concelho de Loures, à luz da visão republicana, é-nos
dado pelos periódicos de Loures. Nos jornais são emitidas opiniões e relatados
acontecimentos, de forma irónica, no âmbito da vida religiosa e sociabilidades
religiosas (Irmandades e Ordem Terceira de São Francisco de Loures), que mostram
a animosidade pelo clero, mas também pelas manifestações de piedade e de caridade
das populações.
O último subcapítulo trata a questão da constituição de um agrupamento
cultual em Caneças, ao abrigo do artigo 19º da Lei da Separação, para compreender
até que ponto, mais uma vez, diferentes interpretações da Lei pela autoridade
competente, condicionou a atividade da Irmandade e implicou que a capela
continuasse encerrada.
Depois da análise de alguns artigos da Lei da Separação e da observação das
repercussões dos mesmos na vitalidade da Irmandade do Santíssimo Sacramento, o
terceiro capítulo apresenta a irmandade como rede de sociabilidade.
O primeiro subcapítulo aborda a dimensão social da Irmandade, tendo em
conta a sua composição social para se perceber até que ponto os seus membros
geraram a dinâmica da Irmandade ou dos seus irmãos na vida religiosa, social,
cultural, económica e política, no período de transição política em estudo.

18
Pretende-se ainda abordar o papel de alguns cidadãos na vida política e
cultural local, no sentido de se aprofundar o seu papel enquanto elite que se
reorganizou em termos cívicos, no momento em que a Irmandade deixou de exercer
esse papel. Embora os membros da Irmandade não estivessem afastados da vida
política, como se verifica em 25 de Dezembro de 1922 numa declaração conjunta dos
membros da Junta de Freguesia de Caneças (irmãos e mesários da Irmandade) e da
Irmandade do Santíssimo Sacramento.
O segundo subcapítulo estuda a relação da Irmandade com o poder político,
após a criação da freguesia de Caneças, em 10 de Setembro de 1915. No contexto das
mudanças políticas que se foram observando ao nível da política nacional,
designadamente, a influência das medidas legislativas (como o Decreto nº
3856/1918, D.G. I série. Nº 24, de 22 de Fevereiro de 1918) do Governo sidonista na
Irmandade. Alterações que se traduziram na reabertura da capela ao culto e na
aprovação legal da Irmandade do Santíssimo Sacramento.
O terceiro subcapítulo refere-se às manifestações das sociabilidades
quotidianas em Caneças (as festas, as procissões, as feiras, o acompanhamento de
defuntos nos enterros) para se percepcionar as redes de sociabilidade que se
construíram ou prevaleceram no momento de transição política, as quais se
desintegram com o encerramento da capela ao culto. Em termos das vivências
religiosas em comunidade, articular a influência do fecho da capela e do não
reconhecimento legal da Irmandade no quotidiano da povoação.
Na conclusão do trabalho sublinha-se o papel da Irmandade do Santíssimo
Sacramento de Caneças, enquanto rede de sociabilidade, no período em estudo,
perante o impacte dos normativos publicados. Se bem que as redes de sociabilidade
tenham sofrido um interregno, os fiéis não perderam a sua devoção. As
manifestações das tradições religiosas perduraram até aos nossos dias. A Irmandade
enquanto organização foi afetada, mas não o sentimento religioso dos crentes.
A cronologia enquadra os acontecimentos da vida local e nacional com a
indicação de normativos jurídicos.
O anexo documental deste trabalho encontra-se organizado por ordem
cronológica, à excepção da reprodução de algumas figuras. A maioria é cópia dos
documentos originais. As figuras, incluídas no anexo documental, têm como objetivo

19
enquadrar os acontecimentos no espaço e divulgar aspetos das vivências religiosas da
época.
Na pesquisa da documentação uma das dificuldades prendeu-se com a falta de
referências específicas ao tema em estudo “Irmandades”, em alguns arquivos, e o
espólio documental da Irmandade ser constituído, apenas, por três livros,
desconhecendo-se o paradeiro dos restantes livros. Em relação à documentação
produzida pela Irmandade do Santíssimo Sacramento, somente, se registam a
existência dos livros presentes no Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa: Livro
nº 1 dos acórdãos da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças (atas de 1763
a 1825, mas com hiatos temporais significativos nos finais do séc. XVIII e durante o
séc. XIX); Livro de deliberações da Irmandade de São Pedro de Caneças (atas de
1903 a 30 de Junho de 1912 sobre aprovação das contas e orçamentos, eleição de
mesas administrativas, excepto das mesas eleitas em 28 de Janeiro e 1 Julho de
1912); Livro das contas da Irmandade de S. Pedro (mapas das contas do ano
económico de 1902-1903 ao ano 1911-1912; o último mapa refere-se a 30 de Junho
de 1912).
Por simpatia, uma pessoa da terra trouxe ao meu conhecimento cópias de
cinco documentos originais, referentes ao pagamento da côngrua paroquial (ano 1890
-1891) e recibos do pagamento da quota anual de um irmão da Irmandade do
Santíssimo Sacramento (1870, 1885, 1887, 1891).
Registo ainda as fontes orais que são mencionadas que fornecem informações
que ajudam a compreender as vivências locais, apesar da impossibilidade em serem
corroboradas pela documentação escrita.
Para a reunião de informação, a consulta de documentos foi realizada em
diversos locais, tais como: Arquivo Municipal de Loures, Arquivo Nacional da Torre
do Tombo, Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Arquivo Contemporâneo do
Ministério das Finanças, Arquivo da Igreja de S. Pedro de Caneças, Arquivo da Junta
de Freguesia de Caneças, Arquivo Histórico Parlamentar, Arquivo do Governo Civil
de Lisboa e Centro de Documentação Anselmo Braamcamp Freire de Loures.
Para a compreensão do papel religioso, social, económico da Irmandade
foram fundamentais os livros da Irmandade, no Arquivo Histórico do Patriarcado, a
partir dos quais a pesquisa foi orientada para outras fontes documentais noutros
arquivos.

20
Destaco os processos de contas de gerência no Arquivo Nacional da Torre
Tombo. Estes processos constituem um auxílio fundamental para a construção das
vivências religiosas na comunidade de Caneças e a percepção do estabelecimento de
redes de sociabilidade.
Os fundos do Arquivo Municipal de Loures contribuíram para a recolha de
informação, no âmbito da história local. A documentação proporcionou cruzar
informações entre os fundos documentais da Administração do Concelho, Câmara
Municipal de Loures, Governo Civil de Lisboa, Junta da Paróquia de Loures e
elementos do Arquivo da Junta de Freguesia de Caneças. Os documentos
apresentam-se essenciais para a compreensão das sociabilidades religiosas no
concelho de Loures no momento de transição política da monarquia constitucional
para a república.
A documentação presente no Arquivo Contemporâneo do Ministério das
Finanças foi crucial para investigar e compreender os procedimentos da Irmandade,
após as determinações do decreto separatista, e sua relação com o poder político
local e central: o processo de arrolamento de bens da Irmandade (17 de Junho de
1911), as questões que levaram ao encerramento da capela, à dissolução da
Irmandade e aos processos de reabertura da capela e reconhecimento legal da
Irmandade.
No Arquivo do Governo Civil de Lisboa, consultei o processo da Irmandade
que resultou na aprovação do alvará de 29 de Setembro de 1921, o qual contém os
projetos de estatutos de 1912 e 1921.
O Arquivo Histórico Parlamentar permitiu a consulta do processo de criação
da freguesia de Caneças e do caderno de recenseamento de eleitores da assembleia da
freguesia de Loures. O caderno do recenseamento eleitoral possibilitou investigar as
profissões de alguns dos cidadãos que fizeram parte da Irmandade e observar a
participação dos cidadãos recenseados de Caneças, na primeira eleição de deputados
para a assembleia parlamentar, em 28 de Maio de 1911.
Para a bibliografia de carácter geral, recorri à Biblioteca Nacional e à
Biblioteca da Faculdade de Letras.
O Centro de Documentação Anselmo Braamcamp Freire permitiu a consulta
de periódicos sobre o concelho de Loures, fonte documental importante utilizada

21
neste trabalho. No seu espólio, o Centro reserva livros antigos sobre Loures e
reproduções digitais de lugares e pormenores do quotidiano.
Para o esclarecimento de alguns aspectos dos ambientes religioso, social,
político, económico e cultural, vividos no concelho de Loures, distingo as obras de
Joaquim José da Silva Mendes Leal – Admirável igreja matriz de Loures. Edição do
autor, de 1909; e do padre Álvaro Proença – Subsídios para a história do concelho
de Loures. Lisboa, 1940.Vol. 1. Estas obras podem ser consultadas no Centro acima
referido.
O texto do trabalho foi escrito seguindo o acordo ortográfico. Na transcrição
de documentos, a pontuação foi mantida mas a ortografia foi atualizada. Também as
indicações bibliográficas em notas de rodapé, em cada capítulo, quando surgem pela
primeira vez aparecem completas, e apresentam-se de modo abreviado nas restantes.

22
Capítulo 1

O AMBIENTE ECLESIÁSTICO-RELIGIOSO EM CANEÇAS


NO INÍCIO DA REPÚBLICA

A relação Estado-Igreja, vivida com a implantação da República, determinada


pelo propósito da separação 26 das esferas temporal e religiosa e consignada nos
diplomas legais, trouxe à discussão a problemática “questão religiosa” associada à
“questão política”, influenciando os ambientes de então.
No contexto legislativo do regime republicano, o ambiente eclesiástico e
religioso em Caneças foram determinados pela interpretação e aplicação da Lei da
Separação do Estado das Igrejas e legislação subsequente, pois condicionou as
vivências religiosas perante o encerramento da capela ao culto e a dissolução da
Irmandade do Santíssimo Sacramento.
A Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças viu-se confrontada com a
posição da administração concelhia que considerou, e informou a Comissão de
Administração dos Bens Eclesiásticos do Concelho de Loures, de que a corporação
não tinha harmonizado os estatutos, de acordo com as determinações no decreto de
20 de Abril de 1911. Como a Irmandade não se constituiu como associação cultual
implicou o encerramento da capela ao culto.
As posições assumidas pelos órgãos políticos e administrativos (Câmara
Municipal e Administração do Concelho) e pela comunidade, caracterizaram-se por
divergências e contradições várias. A extinção da Irmandade do Santíssimo
Sacramento de Caneças e o encerramento da capela de S. Pedro ao culto público
resultaram da informação produzida pelos órgãos concelhios (Administração do
Concelho e Comissão dos Bens Eclesiásticos do Concelho de Loures), sem atender à
veracidade das situações.
Além destes factos, a Irmandade viu os seus bens imobiliários arrolados em
17 de Junho de 1911, os domínios de foro direto e as propriedades Quinta das Lages
e Fonte da Verdelha, ulteriormente confiscadas.
No contexto político da implantação republicana de então, os habitantes de
Caneças, o padre capelão da capela de São Pedro, a Irmandade do Santíssimo

26
Cf. Sérgio Pinto – Separação religiosa como modernidade: decreto-lei de 20 de Abril de 1911 e
modelos alternativos. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa – UCP, 2009, p. 21-30.

23
Sacramento e a paróquia de Loures viveram a questão religiosa com a intensidade
própria dos momentos que caracterizaram o início do República.
Localmente, a ação dos que defendiam a manutenção da capela ao culto, e ao
mesmo tempo reivindicavam a legalidade da constituição da Irmandade do
Santíssimo Sacramento, protestaram contra a posse administrativa dos bens
imobiliários da Irmandade27. Mas, nenhuma das situações foi atendida
favoravelmente pelo poder administrativo e político.
A questão da expropriação dos bens das corporações e das Igrejas, pelo
Estado republicano, foi também motivo de forte contestação por todo país e nos
debates parlamentares, principalmente o confisco dos passais dos párocos e de outros
imóveis, muitos deles deixados em doação como legados pios e outros adquiridos
pela Igreja. A Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças tentou fazer valer os
seus direitos, mas sem obter o efeito pretendido.
A consulta da documentação da Administração do Concelho e a do Patriarca
de Lisboa, D. António Mendes Belo, referente à correspondência com os párocos do
concelho de Loures, mostra que a expropriação de bens foi um assunto delicado e
controverso entre as partes envolvidas, gerando na hierarquia eclesiástica e nos
párocos o sentimento de incompreensão e injustiça face à apropriação desses bens
pelo Estado28. O pároco de Loures Joaquim José Pombo29 também mostrou o seu
desagrado pela expropriação da residência paroquial por considerar ter sido:

27
Leia-se sobre o direito de posse de bens pela Igreja o discurso do padre Casimiro Rodrigues de Sá,
na sessão da Câmara dos Deputados, em 29 de Junho de 1914, lembrando que, somente em dois
momentos da História de Portugal, se tinha procedido à confiscação de bens eclesiásticos: no período
pombalino (leis de 3 de Setembro de 1759 e de 28 de Agosto de 1767) e no governo liberal do
príncipe D. Pedro (decreto de 18 de Agosto de 1834 de Joaquim António de Aguiar). Cf. Sérgio Pinto
– Separação religiosa como modernidade: decreto-lei de 20 de Abril de 1911 e modelos alternativos,
p. 211-240. Como refere Casimiro de Sá no seu discurso, em caso da extinção das corporações
religiosas, os bens na sua posse eram «[…] destinados para a manutenção doutros estabelecimentos de
piedade ou instrução, e para a sustentação do culto e do clero […] salvo a aplicação dada aos bens no
acto da fundação ou doação […]». Cit. por Sérgio Pinto – Separação religiosa como modernidade:
decreto-lei de 20 de Abril de 1911 e modelos alternativos, p. 236.
28
Ao pároco de Bucelas foi comunicado pelo senhor Patriarca que tinha sido solicitado ao governador
Civil as medidas necessárias para não ser retirada a residência paroquial (AHPL – Livro 2º do Registo
da Correspondência Oficial de Sua Eminência o Senhor D. António I com os Vigários e Párocos,
1910-1913. U.I. 112).
29
Pároco colado da paróquia de Loures, nomeado em 12 de Janeiro de 1887 (AML – Livro de registo
de juramentos e autos de posse de párocos de Loures (1869-1887). Padre pensionista do Estado
republicano que em carta ao Vigário-Geral do Patriarcado afirmou que não contribuiu para a «reforma
ou uniformização dos estatutos de qualquer das irmandades existentes na freguesia» de Loures.
(AHPL – Carta de 12 de Janeiro de 1912. In Vários documentos sobre cultuais. U.I. 2332).

24
«[…] injustamente apreendida em fins de 1912, pela autoridade
administrativa do concelho de Loures, a residência paroquial que me era
concedida na lei da separação das igrejas do Estado, tenho a honra de rogar a
V. Ex.ª se digne ordenar que pela Comissão executiva da referida lei me seja
restituída a dita residência como é de justiça. 30»

Perante as diferentes questões, foram protagonistas, simultaneamente, os


confrades e moradores de Caneças, o padre capelão31 e o pároco de Loures na defesa
da sua liberdade culto32, no que respeitou às manifestações exteriores de crença -
prática de sacramentos, procissões e formas de caridade, expressões do religioso, do
social e da cultura de uma comunidade.
Em relação à piedade popular dos católicos de Caneças, o pároco de Loures,
Joaquim José Pombo, considerou «na sua maneira são católicos» e, por isso, eram
necessárias condições «a fim de poderem continuar […] os seus deveres
religiosos»33.

30
Ofício do pároco de Loures de 26 de Fevereiro de 1918 ao Ministro da Justiça. (ACMF – Processo
CJBC/LIS/LOU/ADMIN/076). O seu pedido foi indeferido pela Comissão Central da Execução da
Lei da Separação porque ao pároco tinham concedido o aumento da pensão, por não utilizar a
residência paroquial.
31
Padre capelão João Ramos do Rosário «exerceu ordens» de 1903 a 1912, conforme indicam as
contas de gerência da Irmandade do Santíssimo Sacramento (ANTT), isto é, realizou funções
sacramentais.
32
Segundo um artigo do jornal Quatro de Outubro, assinado por Frei António, um pseudónimo,
intitulado A Missa: «Algumas pessoas, umas ingénuas, outras ainda fanatizadas pelos padres
reacionários, e, portanto, pela igreja, porque entendem, pela sua ingenuidade ou fanatismo religioso,
que só na igreja é que se encontra remédio para todos os males e achaques, lamentam-se de não
poderem ouvir missa, pelo facto de algumas das igrejas estarem fechadas.
Ouvir missa dizem; ver missa, ou ver o padre fazer momices no altar, direi eu. […] As orações que o
padre lê no missal e que constituem a missa, qualquer pessoa temente a Deus as podem ler ou rezar
em casa.» In Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 64 (6 de Julho de 1913) 1.
33
Ofício do pároco de Loures Joaquim José Pombo, datado 23 de Agosto de 1914, remetido ao
Ministro da Justiça, que o enviou à Comissão Central de Execução da Lei da Separação (ACMF –
CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 - Processo 2782, L.7, Fl. 80).

25
1.1-AS IRMANDADES NA CAPELA DE SÃO PEDRO DE CANEÇAS

A capela de São Pedro34 era a igreja e, portanto, o lugar de culto que, modesta
na sua decoração35 e construção, constitui um testemunho importante da vida
religiosa das gentes de Caneças, sendo a sua edificação anterior ao séc. XVIII. Na
capela constituíram-se duas Irmandades: a Irmandade do Apóstolo São Pedro36 e a
Irmandade do Santíssimo Sacramento37, constatando-se que a confraria sacramental

34
ANTT – Memórias paroquiais: dicionário geográfico. Vol. XXI, 12 de Maio de 1758, fl. 1255. Cf.
Anexo I.
35
A capela tem um púlpito simples com baldaquino, decorado com palmas e rosas pintadas a ouro,
símbolos cristãos relacionados com a paixão e a ressurreição de Cristo, as palmas, e as rosas
possivelmente com o culto mariano. A base do púlpito é de mármore, enquanto os outros elementos
são de madeira com as decorações descritas. A nave principal tem um painel de azulejo azul e branco
a revestir as paredes, com motivos naturalistas e aves. O baptistério é um espaço pequeno com a
devida pia batismal encerrada por portas de ferro. A capela tem coro. A disposição de algumas das
imagens não correspondem à sua posição inicial e algumas das imagens não são as originais.
36
Conforme indica a provisão de D. João V de 22 de Novembro de 1745, dada ao Juiz e mais irmãos
da Irmandade de São Pedro de Caneças, autorizando o aforamento de casas legadas por Francisco
Valentim para cumprimento de duas missas rezadas anualmente (ANTT – Provisão Régia in
Chancelaria de D. João V (Comuns B-C). Livro nº 112, fls. 43 verso). A Irmandade era
administradora da capela instituída por João Francisco Valentim em 27 de Agosto de 1720 (AML –
Autos de Contas, capela de João Francisco, de 04-09-1756 a 08-03-1912). Por este documento,
podemos considerar a possibilidade da Irmandade de S. Pedro de Caneças se ter constituído no séc.
XVII, tomando também como referência a obra de Joaquim José da Silva Mendes Leal – Admirável
igreja matriz de Loures. Lisboa: ed. do autor, 1909. O autor, na p. 333 do livro supracitado, menciona
a existência de uma «tábua de 1672, existente na sacristia» da Igreja Matriz, segundo a qual se
realizava uma festividade no dia 29 de Junho, em Caneças, dia festivo de S. Pedro. Por Provisão régia
de 20 de Abril de 1762, passada em 4 de Fevereiro de 1763, foi aprovado novo compromisso à
Irmandade do Apóstolo S. Pedro de Caneças, cujos irmãos tinham recebido da autoridade episcopal
autorização para terem sacrário pelo que eram responsáveis pelo culto do Santíssimo Sacramento
(ANTT – Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas, maço 2080, doc. 48. Cf.
Anexo V). No entanto, de acordo com o pedido ao rei D. José para mercê de uma feira franca, em
1759 (Cf. Anexo III), este foi feito pelos mordomos do Santíssimo Sacramento, cuja Irmandade teve
compromisso aprovado em 7 de Fevereiro de 1762. Em 21 de Junho de 1762 foi passada a provisão de
aprovação do compromisso (ANTT – Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas,
maço 2079, cx 1918, doc. 7. Cf. Anexo IV). Possivelmente, alguns dos irmãos prestavam auxílio nas
duas Irmandades.
37
Provisão Régia de D. José I de 7 de Fevereiro de 1762 autorizou a criação da nova confraria,
aprovando o compromisso de oito capítulos. Segundo o teor do documento, a Irmandade funcionava
sem «regime». O Procurador da Coroa achava que não se devia confirmar o primeiro parágrafo do
capítulo segundo por não distinguirem «pessoas, ou famílias»; considerou também que não devia
assistir às mesas administrativas padre «[…] pois estes actos eram livres, e independentes deles […];
que a confraria «[…] era, e seria sempre sujeita a jurisdição real […]»; e que nenhum clérigo, mesmo
que fosse irmão, devia fazer parte das mesas administrativas. O parecer do Procurador considerava
que após os seus considerandos não havia dúvidas quanto à aprovação do compromisso. No entanto, o
compromisso foi aprovado, com a autorização dos clérigos puderem fazer parte das mesas, «[…] em
razão do clericato, cuja nobre qualidade os não faz menos dignos daqueles empregos.» (ANTT –
Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas. Maço 2079, cx 1918, doc. 7). Cf.
Anexo IV. A Irmandade do SSº, em 1759, antes da confirmação régia do seu compromisso, solicitara
a provisão para a criação de uma feira franca. Anteriormente à aprovação do compromisso da
Irmandade, a administração do SSº Sacramento era uma das preocupações dos fiéis. De acordo com a
resposta ao inquérito do pe. Teotónio José de Brito Barros da paróquia de Loures ao arcebispo da
Lacedemónia D. José Dantas Barbosa, o terramoto de 1755 destruiu a ermida, pelo que andavam a

26
alcançou preponderância sobre a consagrada ao apóstolo S. Pedro, na vida da
comunidade local38.
Segundo a tradição oral, a capela foi consagrada a São Pedro por ter
protegido o sítio de Caneças de febres epidémicas que afetaram as povoações dos
arredores de Lisboa, no séc. XVI. A referência documental mais antiga à festividade
em honra do padroeiro é o ano de 1672, e manteve-se até 29 de Junho de 190939. A
celebração da festa religiosa em honra do Padroeiro40 era uma expressão de
sociabilidade em que o povo exprime a sua união coletiva através da devoção
comunitária, símbolo de pertença, de identidade de um povo, que se relaciona e
interage pela fé.
A Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças obteve da autoridade
eclesiástica, «do ordinário» (autoridade episcopal), autorização para administrar o
Santíssimo Sacramento, isto é, a comunhão. De acordo com o conteúdo 41 da provisão
de D. José I de 7 de Fevereiro de 1762 à Irmandade do Santíssimo:

«[…] o Juiz e mais mordomos do Santíssimo Sacramento da Igreja de São


Pedro, do lugar de Caneças, termo desta cidade, freguesia de Santa Maria de
Loures, me representarem por sua petição, que a eles suplicantes lhe fora
concedido pelo ordinário o poderem ter o sacrário para se dar o Santíssimo
por viático aos enfermos e o sacramento da extrema unção, e se poderem
sepultar na dita Igreja os ditos moradores que falecerem […]» 42.

A administração do Santíssimo constituiu uma das preocupações dos


habitantes de Caneças, os quais pediram ao Cardeal Patriarca de Lisboa licença para
«erigirem nova paróquia para socorro espiritual de suas almas» 43, em virtude de

recuperar a capela-mor, na qual se pretendia colocar sacrário para a «conservação do SSº Sacramento»
(In Memórias paroquiais: dicionário geográfico. Vol XXI, 12 de Maio de 1758, fl. 1255).
38
Cf. Anexo III.
39
A festa sofreu depois um longo período de interregno. As celebrações reiniciaram-se na década de
90 do século passado.
40
Citando Pinharanda Gomes «A virtude da piedade determina, entre o mais, o respeito, o amor e o
cumprimento dos actos religiosos externos, por isso a Liturgia é uma das suas melhores fontes, e
fundamenta a festa como parte integrante da vida comunitária, sem prejuízo da vida individual de
piedade.» In J. Pinharanda Gomes – Povo e religião no termo de Loures. Braga: Câmara Municipal
de Loures, 1982, p. 155.
41
Provisão de D. José I confirmando o compromisso de «uma nova Confraria», de 5 de Fevereiro de
1762 (ANTT – Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas. Maço nº 2079, cx.
1918, doc. 7). Cf. Anexo IV.
42
ANTT – Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas, Maço nº 304, doc. 4.
43
AHPL – Cópia da Provisão do Cardeal Patriarca de Lisboa D. José de 26 de Maio de 1757, in
Registo Geral da Câmara Patriarcal (1756-1760), Ms. 555, fls. 53 e 53 verso. Cf. Anexo II. D. José
Manoel da Câmara foi o 2º Cardeal Patriarca de Lisboa (1754-1758), in Os Patriarcas de Lisboa.
Coordenação D. Carlos Azevedo, Sandra Saldanha, António Oliveira, Lisboa: Centro Cultural do
Patriarcado de Lisboa e Alêtheia Editores, 2009, p. 23-32. In João Raymundo Alves – Almanaque do

27
alguns enfermos falecerem sem lhes ser administrado o viático face à distância da
paróquia de Loures, agravada pelas más condições dos caminhos. A autorização para
a criação da paróquia religiosa de Caneças não foi considerada, mas foi concedida
provisão para erigir sacrário na ermida e administrar os sacramentos da extrema-
unção pelo capelão com a anuência do pároco de Loures44 e licença para a sepultura
na ermida. A celebração dos batismos e dos matrimónios continuava a ser realizada
na Igreja paroquial45.
Os batismos passaram a realizar-se na capela, após a construção do
baptistério, condição satisfeita pela Irmandade do Santíssimo Sacramento46. Para a
realização dos batismos, devia existir «capela e pia baptismal decente 47», sacerdote
habilitado e autorizado pelo pároco de Loures. O sacramento do batismo só podia ser
ministrado, por provisão do Patriarca de Lisboa, com conhecimento do pároco da
Igreja Matriz de Loures48. Por exemplo, a pastoral de 19 de Maio de 1900, do
patriarca D. José III49, concedeu, por três anos, licença para se administrarem
batismos, devido à distância entre Caneças e a Matriz e às despesas que acarretava, o
que implicava que este sacramento fosse recebido tardiamente pelas crianças. A
provisão foi também renovada pelo patriarca D. António Mendes Belo 50 em 22 de
Novembro de 1909, a pedido da Irmandade.

concelho de Loures para 1912, refere que, em 1751, o arcebispo da Lacedemónia D. José aprovou o
Santíssimo na capela e deu licença ao capelão para ministrar os sacramentos, à exceção do batismo e
do matrimónio que continuavam a ser recebidos na Igreja de Loures. Pela documentação consultada
da Câmara Patriarcal entre 1751 e 1757 não se encontrou provisão que comprove esta informação
(João Raymundo Alves – Almanaque do concelho de Loures para 1912. Lisboa: Instituto Geral das
Artes Gráficas, 1911, p. 56). Nesta data o arcebispo da Lacedemónia era realmente D. José Dantas
Barbosa, mas a provisão foi concedida pelo Cardeal Patriarca D. José no ano de 1757.
44
Cf. Anexo II.
45
Cf. Anexo II.
46
Ordem de pagamento nº 3 ao pedreiro que realizou a obra de reconstrução de uma casa pequena
para aí ser colocada a pia batismal, cuja despesa consta no respetivo mapa de contas (ANTT –
Governo Civil: Irmandades – contas de gerência, ano económico 1900-1901. Cota 806-B, cx. 5). Cf.
Anexo X.
47
Joaquim José Mendes Leal – Admirável igreja matriz de Loures. Lisboa: edição do autor, 1909, p.
379.
48
A capela de S. Pedro de Caneças esteve ligada à Igreja Matriz de Loures até 1964. Em 16 de Julho
de 1989, o Senhor Patriarca D. António Ribeiro celebrou, em Caneças no lugar das Fontainhas, uma
missa campal para comemorar o 25º aniversário da Paróquia. D. António Ribeiro, 15º Patriarca de
Lisboa (1971-1998). Cf. António Matos Ferreira – D. António Ribeiro. In Os Patriarcas de Lisboa.
Coordenação D. Carlos Azevedo; Sandra Saldanha; António Pedro Oliveira, p. 161-171.
49
D. Frei José Sebastião Neto, 12º Patriarca de Lisboa (1883-1907). Cf. Henrique Pinto Rema, O.F.M.
– D. Frei José Sebastião Neto. In Os Patriarcas de Lisboa. Coordenação D. Carlos Azevedo; Sandra
Saldanha; António Pedro Oliveira, p. 119-128.
50
Portaria nº 209, de 22 de Novembro de 1909, em que o Patriarca informa aos interessados que
devem efetuar o pagamento do imposto de selo à Fazenda Nacional, do qual não podia dispensar os
batizados por não ser assunto da sua competência. Esta última consideração parece ter sido pedida

28
A Irmandade do Santíssimo Sacramento da capela de São Pedro, com
compromisso reformulado e aprovado pelo rei D. José I51, acabou por se unir no seu
papel religioso, cultural e social, à Irmandade de S. Pedro, como aconteceu noutras
capelas e igrejas. Na primeira página do Livro nº 1 dos acórdãos da Irmandade da
Irmandade do Santíssimo Sacramento lê-se:

«Neste livro se há-de escrever os Acórdãos que as mesas que servirem ao


Apóstolo de São Pedro e Santíssimo Sacramento fizerem juntos e o que por
eles for acordado terá força de lei que senão pode revogar senão por outra
Junta Grande, na forma que dispõe o nosso compromisso. Ano de 1763»52

A Irmandade do Santíssimo Sacramento era composta por homens e


mulheres (fazendeiros, foreiros, trabalhadores braçais, lavadeiras53), mas apenas os
homens faziam parte das mesas administrativas. Mesas que se comprometiam em
incrementar e assegurar o culto público, o viático aos doentes e promover os atos
solenes (missas, procissões, enterro digno dos fiéis) e a caridade, zelando pelos mais
carenciados. Conforme declararam, no seu compromisso, «para assim os fiéis com
mais zelo e fervor servirem ao mesmo Senhor e fizeram o compromisso que
ofereciam e para este ter a sua devida observância […]»54.

pelo requerente (AHPL – Decretos e Portarias do Patriarca desde 1 de Março de 1908 a 19 de Julho
de 1911. U.I. 170). D. António Mendes Belo, 13º Patriarca de Lisboa (1908-1929). Cf. Maria Lúcia
Brito de Moura – D. António Mendes Belo. In Os Patriarcas de Lisboa. Coordenação D. Carlos
Azevedo; Sandra Saldanha; António Pedro Oliveira. p. 129-141.
51
A partir do século XVIII, a coroa atribuiu a si a aprovação dos compromissos das Irmandades que
não tivessem estatutos aprovados, prerrogativa que pertencera exclusivamente à autoridade
eclesiástica, exceptuando as misericórdias, cujos compromissos dependiam da confirmação régia.
52
APHL – Livro nº 1 dos acórdãos da Irmandade do Santíssimo Sacramento. U.I. 662. Irmandade ou
Confraria é a designação que surge na documentação consultada quanto à Irmandade do Santíssimo
Sacramento da capela de São Pedro de Caneças, que acabou por assumir um lugar de maior relevo na
vida religiosa da comunidade. No período de transição em estudo verifica-se que, alguns processos
das contas de gerência ou a correspondência enviada à Administração do Concelho de Loures ora se
referem à Irmandade de São Pedro, ora à Irmandade do Santíssimo Sacramento, o que demonstra a
associação das duas Irmandades em reunião magna, tal como se encontra também manuscrito no livro
de deliberações da Irmandade. No entanto, após a implantação da República, em determinado
momento, o assunto foi tratado pela Administração do Concelho de Loures como se existissem duas
Irmandades distintas, tendo a referida administração proposto ao Governo Civil de Lisboa a extinção
de ambas, porque não possuíam estatutos aprovados e não tinham irmãos em número suficiente.
53
Cf. Petição dos moradores face ao aforamento do terreno do rossio (ANTT – Desembargo do Paço -
repartição da Corte, Estremadura e Ilhas. Maço nº 228, doc. 29).
54
Provisão de D. José I confirmando o compromisso da Irmandade do Santíssimo Sacramento, de 5 de
Fevereiro de 1762 (ANTT – Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas. Maço
2079, 1 fl.). O motivo principal da formação da Irmandade era a administração do Santíssimo
Sacramento aos enfermos e a celebração da Eucaristia, em torno da qual se organizava o culto público
e eram mantidas as vivências religiosas, testemunhos de fé dos elementos da comunidade. Questões
abordadas no Concílio Tridentino (1545-1563) quanto à doutrina, foi proclamada a existência do
purgatório, a legitimidade das indulgências, da invocação dos santos, do culto das relíquias e das
imagens. Devido ao Concílio Tridentino, a partir do séc. XVI, aumentou o número de irmandades

29
As receitas da Irmandade provinham de quotas anuais dos irmãos e irmãs,
casados ou solteiros, os quais obrigavam-se a contribuir com uma jóia e esmola para
os pobres para se associarem. Os mais novos deviam apresentar uma petição para
serem aceites na Irmandade. Os donativos e demais receitas garantiam o pagamento
de salário aos padres capelães da capela e das despesas relacionadas com a
manutenção do culto, conservação da capela e auxílio aos necessitados.
A Irmandade do Santíssimo Sacramento além da sua dimensão religiosa,
assumiu um papel regulador nas relações interpessoais no seio da comunidade local,
na sua relação com as autoridades civis e religiosas, constituindo-se redes de
sociabilidade distintas, em que o propósito era assegurar o culto público, o viático
aos enfermos e prestar ações de beneficência como se procurará demonstrar no
presente estudo. Esta função religiosa pela forma de enquadrar e dar sentido à vida
das pessoas e da comunidade apresentava uma identificação entre a pertença
religiosa e social.
O terramoto de 1755 afetou também Caneças e, nomeadamente, o edifício da
capela de São Pedro55, que necessitou da construção de nova capela-mor. As
despesas de reconstrução do altar-mor, para aí colocar o sacrário para a conservação
do Santíssimo Sacramento, e dos serviços religiosos prestados à comunidade foram
custeadas pelos moradores e pelos irmãos da Irmandade do Santíssimo Sacramento.
Perante as dificuldades financeiras sentidas, a Irmandade solicitou ao rei D.
José I autorização para a realização de uma feira franca e livre sobre todos os géneros
vendidos no Rossio (Largo Vieira Caldas). O produto do aluguer do terrado
assegurava o culto do Santíssimo, permitia apoiar os moradores do lugar, na doença e
na morte, pagar os serviços religiosos celebrados pelo padre capelão e garantir os
melhoramentos necessários na capela. Analisado o pedido da Irmandade, D. José I
concedeu a provisão real56, em 25 de Janeiro de 1760, em que autorizava a realização
da feira no Domingo seguinte depois da Pascoela, durante três dias 57.

sacramentais que promoveram o culto do Santíssimo, devendo em cada paróquia existir a Irmandade
do Santíssimo. Pedro Penteado refere o aparecimento de inúmeras confrarias e irmandades do
Santíssimo Sacramento, das Almas do Purgatório e de Nossa Senhora do Rosário na maioria das
paróquias portuguesas, entre os séculos XVI e XVIII. Cf. Pedro Penteado – Confrarias. In Dicionário
de História Religiosa de Portugal. Vol.1, p. 459-470.
55
ANTT – Memórias paroquiais: dicionário geográfico. Vol. XXI, 12 de Maio de 1758, fl. 1255.
56
Chancelaria de D. José I (Comuns). Livro 52, fl. 183 e verso (ANTT – Desembargo do Paço -
repartição da Corte, Estremadura e Ilhas, Maço nº 304, doc. 4, fls. 3-4).
57
Cf. Anexo III.

30
Assim, à festa da Páscoa da Ressurreição, associou-se a feira franca e livre,
como meio de ajuda financeira para as celebrações religiosas e também para a
manutenção do espaço religioso.
Alguns anos depois, por nova solicitação da Irmandade do Apóstolo São
Pedro e Santíssimo Sacramento, D. José I concedeu provisão 58, em 9 de Março de
1768, para a mudança da feira para a 1ª oitava da Páscoa da Ressurreição, por a
anterior coincidir com a feira da Agualva-Cacém. Mercê confirmada pela rainha D.
Maria em 5 de Junho de 178059.
A Irmandade continuou a influenciar a dinâmica económica da comunidade,
pois apresentou nova petição ao Rei, à época D. João VI, para ser concedida
autorização para que a feira franca de três dias da Páscoa da Ressurreição fosse
repartida entre a Festa da Páscoa e a Festa de São Pedro. Os irmãos da Irmandade
justificaram o pedido por os moradores e forasteiros acorrerem ao primeiro dia de
feira e, nos restantes, escassearem por não poderem abandonar o trabalho do
campo60. A solicitação obteve a provisão favorável de D. João VI61.
Constata-se que a Irmandade do Santíssimo Sacramento assumiu, além do seu
papel religioso e social, um papel importante na dinamização da vida económica da
comunidade com o propósito de garantir a sua ação religiosa e social. A Irmandade
desenvolveu diferentes redes sociais de solidariedade entre os confrades
(solidariedade horizontal) e entre os irmãos e os moradores, neste caso indo ao
encontro também dos interesses locais, no que respeitava à comercialização dos
produtos fabricados no lugar e arredores. Relações de sociabilidade que se

58
ANTT – Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas. Maço nº 304, doc. 4, fls.
6-8. Cf. Anexo VI.
59
Provisão de D. Maria I de 5 de Junho de 1780. O pedido foi feito pelo Juiz e oficiais da Irmandade
de S. Pedro e Santíssimo Sacramento (ANTT – Registo Geral de Mercês de D, Maria I. Liv. 9, fl.
1899). Cf. Anexo VII.
60
Termo de conferência do Acórdão da Junta Grande das mesas que serviram ao apóstolo S. Pedro e
Santíssimo Sacramento, datado de 2 de Agosto de 1818, deliberando para a mudança de dois dias da
feira da Páscoa para os dias 29 e 30 de Junho. O termo de 2 de Agosto de 1818 estava registado na
folha 16 do dito livro (ANTT – Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas. Maço
nº 204, doc. 4, fl. 12). O escrivão, proprietário encartado dos ofícios do Juízo da Correição do Cível
do termo da cidade de Lisboa, refere que os mesários apresentaram um livro «encadernado em
Pergaminho», em cujo título se lê: «Neste livro somente nele se há - de escrever os Acórdãos que as
Mesas que servirem ao Apostolo São Pedro, Santíssimo Sacramento deste Lugar de Caneças fizerem
juntos com a definição, e o que por eles for acordado, ficará tendo força de Lei que senão pode
revogar por outra Junta Grande na forma que dispõem o nosso compromisso. Ano de mil sete centos e
sessenta e três.» (ANTT – Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas. Maço nº
304, doc. 4, fl. 12). Cf. Anexo VIII.
61
A petição foi atendida, concedendo D. João VI esta mercê por provisão de 28 de Novembro de 1818
(ANTT – Chancelaria D. João VI – Comuns. Liv. 22, fls. 372 verso e 373). Cf. Anexo IX.

31
mantiveram até à implantação da República, pois a Irmandade interveio na sociedade
como reguladora das relações sociais e também como mecanismo de poder, por
exemplo junto da autoridade real para a obtenção das mercês e também do poder
diocesano para a criação da paróquia de Caneças.
A implantação da República, como aconteceu na paróquia de Loures e
noutras paróquias do concelho, condicionou o papel da Irmandade porque esta não se
constituiu como cultual ao abrigo do artigo 17º da Lei da Separação, registando-se
inúmeras informações contraditórias.
Perante o facto do encerramento da capela, da expropriação dos bens
imobiliários da Irmandade62, cujas rendas passaram a ser administradas pelo Estado,
e a ausência da aprovação dos estatutos da Irmandade do Santíssimo Sacramento
pelo Governo Civil de Lisboa63, ao abrigo da Lei da Separação do Estado das
Igrejas64, os mesários e confrades da Irmandade do Santíssimo da Sacramento
apelam ao Ministro da Justiça.
Na petição65 de Janeiro de 1913, os confrades referem a sua surpresa pelo
arrendamento de propriedades da Irmandade «única entidade legítima para
administrar os bens da corporação […]»66, pela proibição do culto na capela e
inexistência de aprovação dos estatutos harmonizados de acordo com a lei, pelo que
pedem a intervenção do Ministro.
Dos bens arrolados e transferidos para o Ministério das Finanças constavam:
o edifício da capela, cinco domínios diretos de foros em Caneças, Vale de Nogueira e
Odivelas, e as propriedades da Quinta das Lages, em Caneças, e da Fonte da

62
O arrolamento bens da Irmandade do SSº Sacramento e da capela de São Pedro foi realizado em 17
de Junho de 1911 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ARROL/006). Cf. Anexo XIV.
63
A questão envolvendo a aprovação do projeto de estatutos em que a Irmandade do Santíssimo
Sacramento reafirma o seu envio às autoridades competentes em Junho de 1912, juntamente com a
declaração ao abrigo da portaria de 18 de Novembro de 1911, constituiu o cerne do problema, porque
o fundamento da extinção da Irmandade e consequente encerramento da capela foi a alegação das
autoridades competentes de que a corporação não tinha apresentado o referido compromisso em
harmonia com ao decreto de 20 de Abril de 1911. Mas, como veremos no capítulo seguinte, o
Governo Civil, em ofício 17 de Fevereiro de 1916, confirma a recepção do projeto de estatutos em
Setembro de 1912 e da dita declaração.
64
Decreto de 20 de Abril de 1911. D.G. nº 92 (21 de Abril de 1911).
65
Petição dos mesários e confrades da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças ao Ministro
da Justiça Álvaro de Castro (Governo democrático), datada de 27 de Janeiro de 1913 (ACMF –
CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 - Processo 8530, L. 12, fl. 109). A expropriação de bens, já referida no
início do presente capítulo, foi sentida com injustiça pelos confrades e irmãos subscritores do
requerimento. Cf. Anexo XXIV.
66
Idem.

32
Verdelha, em Loures67. Estas duas últimas propriedades foram legadas à Irmandade
do Santíssimo Sacramento em testamento, por José Maria Lourenço Júnior 68. A
Irmandade ainda reclamou junto do Administrador do Concelho o direito de receber
as rendas de algumas das propriedades entregues à sua administração, mas sem surtir
o resultado esperado69. A propriedade da Quinta das Lages 70, deixada em testamento
à Irmandade, foi inicialmente arrendada e, posteriormente, vendida por arrematação
em 6 de Março de 191471.
Os procedimentos tomados pela Irmandade em exercício não tiveram o
acolhimento esperado, face às posições assumidas pela administração do Concelho 72.
O seu propósito era o encerramento da capela ao culto (encerrada no final de
Dezembro de 1912) e a dissolução da Irmandade (despacho do Governador Civil de
5 de Setembro de 1913). O Administrador do Concelho emitiu pareceres, reveladores
de falta de imparcialidade pela natureza das alegações produzidas.
A publicação do decreto da Separação, ao qual acresce o anúncio de novas
medidas legislativas pelo poder político, influenciou o ambiente religioso e
eclesiástico vivido em Caneças. A informação da administração do Concelho de que
a Irmandade não procedera à reformulação do compromisso73, a aprovação do

67
Freguesia de Loures.
68
Testamento de José Maria Lourenço Junior, de 27 de Abril de 1903 (ACMF – DGCI-LIS-LIS 3-IS -
02786, 4 fls.). Cf. Anexo XI.
69
Quatro de Outubro, semanário do concelho de Loures, publicou o seu nº1 em Abril de 1912. Jornal
republicano de apoio às medidas políticas do regime, assumiu críticas radicais contra a religião
católica e o clero, nomeadamente os jesuítas. Este jornal manteve a publicação até 1938. Segundo
notícia do Quatro de Outubro, o Administrador do Concelho recebeu os mesários da Irmandade, que
lhe explicaram como tinha sido realizado o arrendamento da Quinta das Lages e doutras casas. O
Administrador concluiu que as ditas propriedades só seriam arrematadas, terminado o ano de contrato.
In Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 21 (19 de Novembro de 1911) 1. A notícia do ofício, remetido pela
Irmandade ao Administrador do Concelho, foi divulgada em O Cinco de Outubro. Com ironia refere a
ignorância da lei da Separação e que o dito ofício teria sido, certamente, redigido pelo padre da capela.
In O Cinco de Outubro. Lisboa. Nº 30 (21 de Janeiro de 1912) 2.
70
Segundo queixa apresentada pela Comissão Paroquial Republicana de Loures e Junta da Paróquia
de Loures à Comissão Central de Execução da lei da Separação, em 4 de Março de 1916, as rendas do
aluguer da Quinta das Lages não contavam no cofre da Tesouraria da Fazenda Pública, desde os anos
anteriores a 1914 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/030).
71
Cópia do ofício da Comissão Concelhia de Administração dos Bens Eclesiásticos de Loures ao
Administrador do Concelho, de 24 de Outubro de 1914. O ofício refere ainda os domínios diretos que
eram administrados pela Irmandade (AGCL – Confraria do Santíssimo Sacramento de Caneças.
Processo nº 1353, cx 51, cópia nº 15). Cf. Anexo XLV.
72
Na proposta de extinção da Irmandade, o Administrador do Concelho dá pareceres relativos à
Irmandade de S. Pedro e à Irmandade do Santíssimo Sacramento, negligenciando que as duas se
tinham associado (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/028 - Processo 2101, cópias dos pareceres,
números 2 e 3, remetidas pelo Governo Civil à Comissão Central de Execução da Lei da Separação,
fls. 7 e 8). Cf. Anexos XXIX e XXX.
73
Informação que não é corroborada pela documentação oficial. Em 31 de Agosto de 1912, o
Administrador do Concelho António Sá Nogueira, remeteu ao Governo Civil de Lisboa: a ata de 10 de

33
orçamento do ano económico 1911-1912 pelo Governo Civil de Lisboa74, o
arrolamento de bens e posterior expropriação face à dissolução 75 da Irmandade, o
encerramento da capela 76 foram as razões da insistência da Irmandade e moradores
de Caneças e pároco de Loures para a restauração da Irmandade e do culto público na
capela de S. Pedro.

1.2- O LUGAR E AS GENTES DE CANEÇAS

Caneças é um povoado antigo, cuja presença humana pode ser comprovada


desde o tempo da Pré-História através dos vestígios arqueológicos, como a anta das
Pedras Grandes. Foi aldeia da «província da Estremadura, Patriarcado e Termo da
cidade de Lisboa77», integrada na freguesia de N. Sr.ª da Assunção de Loures.
As condições naturais do lugar favoreceram a prática da atividade agrícola,
com destaque para o cultivo de legumes, cereais e árvores de fruto de boa
qualidade78, a par da pastorícia. Oliveira Marques refere em Introdução à história da
agricultura em Portugal que as herdades de Caneças abasteciam de pão de trigo e
cevada o Mosteiro de Santo Elói, em Lisboa 79.

Dezembro de 1911 em que os confrades deliberaram reformar os estatutos ao abrigo do art. 38º da Lei
da Separação; a declaração de 10 de Dezembro de 1911; a ata da Irmandade do Santíssimo
Sacramento em que os irmãos, em reunião magna, tinham aprovado os estatutos, em 25 de Junho de
1912; o projeto de estatutos aprovado em assembleia de 1 de Junho de 1912 (AGCL - Processo nº
1353, cx 51). O Governador Civil de Lisboa em carta à Comissão Central de Execução da Lei da
Separação, em 17 de Fevereiro de 1916, confirma a recepção do projeto de estatutos em Setembro de
1912, da declaração ao abrigo da portaria de 18 de Novembro de 1911, e das petições de 27 de Janeiro
e de Abril de 1913, esta contém 300 subscritores (cf. Anexo XXVI) para a restauração do culto da
capela (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/028 - Processo 2101, L. 9, fl. 22, ofício fls. 4-5).
74
Ofício do Governo Civil de Lisboa de 13 de Fevereiro de 1912 (AML – Administração do Concelho
de Loures. Ofício do Governo Civil de Lisboa de 13 de Fevereiro de 1912).
75
Despacho de 5 de Setembro de 1913 do Governador Civil de Lisboa (ACMF –
CJBC/LIS/LOU/ADMIN/028). Cf. Anexo XXXI. Outro Governador Civil deu continuidade ao
processo de aprovação dos estatutos da Irmandade, remetidos em Setembro de 1912, considerando
que o despacho de extinção da Irmandade não fora cumprido e também que o mesmo não devia ter
sido cumprido, porque a Irmandade apresentou o referido projeto no tempo legal, que os irmãos não
foram intimados para legalizar a situação da Irmandade e não se tinha provado que a Irmandade
estivesse abandonada (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/028 - Processo 2101. Despacho de 9 de
Abril de 1915, cópia nº 5, fl.10). Cf. Anexo XLVIII.
76
Inicialmente, encerrada pela administração do Concelho e, formalmente, com a cedência do edifício
religioso à Câmara Municipal de Loures para aí instalar uma escola. Decreto nº 1648/1915. D.G. I
série. 113 (15 de Junho de 1915). Cf. XLIX.
77
ANTT – Pe. Luís Cardoso - Dicionário Geográfico ou Notícia História. Lisboa: Oficina Sylviana e
Academia Real (1747-1751), Tomo II, fl. 413.
78
ANTT – Memórias paroquiais: dicionário geográfico. Vol. XXI, 12 de Maio de 1758, p. 1250-
1251.
79
Oliveira Marques – Introdução à história da agricultura em Portugal. Lisboa: Cosmos, 1978, p.
76-77.

34
Além dos produtos agrícolas, chegavam à capital do reino também o leite, os
queijos e pão. O trabalho agrícola e a pastorícia caracterizaram a forma de
sobrevivência da população até meados do século XX, aos quais se associaram as
trocas comerciais e atividades artesanais relacionadas com as principais actividades
económicas, a venda de água de Caneças em Lisboa e arredores e o laborioso
trabalho das lavadeiras80.
Cedo o lugar de Caneças passou a ser procurado para a cura de maleitas,
levando a burguesia de Lisboa a celebrar contratos de aforamento com o Senado da
Câmara de Lisboa, como informam documentos datados do século XVIII.
Caneças, sem perder o seu carácter de espaço rural, pela proximidade com
Lisboa, pese o facto das más redes viárias e de transporte, tinha com a capital uma
relação privilegiada, pois ambas dependiam entre si para a sobrevivência.
Em meados do século XIX, começam a surgir casas particulares arrendadas
na época de veraneio e, simultaneamente, os primeiros hotéis, face à procura de
pessoas oriundas da capital que, atraídas pelas qualidades do ar, procuravam aqui o
simples repouso, ou então, a cura para algumas doenças, designadamente, a
tuberculose81.
Associada às magníficas condições propiciadas pelo ar, também a água
tornou Caneças um lugar conhecido, pelas qualidades terapêuticas da água que
brotava das suas inúmeras nascentes, permitindo o desenvolvimento do comércio da
água, sem menosprezarem o trabalho da terra. Remonta ao século XVIII a construção
de vários aquedutos82, em Caneças, que integram o Aqueduto das Águas Livres.

80
A atividade das lavadeiras é referenciada em documentos do século XVIII, sendo este também um
elemento de proximidade entre Lisboa e Caneças, com referência à produção do linho (ANTT –
Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas. Maço nº 228).
81
Na esperança de cura para o filho, os pais do poeta Cesário Verde alugaram casa em Caneças:
«A minha nova pequena casa […] Não fica na Caneças oficial e consagrada, dos Hintzes e dos hotéis;
fica longe, do outro lado das ribeiras e dos pomares, no sítio a que chamam O Lugar d’ Além». Carta
de Cesário Verde ao conde de Monsaraz, de 16 de Junho de 1886, in O livro de Cesário Verde e
poesias dispersas. 3ª ed. Mem Martins: Publicações Europa – América, s.d. p. 225-226. Também
Ernesto Hintze Ribeiro veraneava em Caneças, e aqui teria concebido o «plano de Caneças» sobre o
lançamento de impostos ao país (pautas aduaneiras), em 1886. In Diário da Câmara dos Deputados
(apêndice à sessão de 8 de Agosto de 1890) nº 65. Sessão 28, sessão legislativa 1, nº 65 S (8 de
Agosto de 1890), p. 1. As aprazíveis condições levaram, ainda nesses tempos, à organização de
carreiras especiais ao fim de semana entre a Capital e Caneças, para que os forasteiros acorressem aos
pinhais para o convívio familiar.
82
Aquedutos do Olival do Santíssimo, Poço da Bomba, Vale da Moura e do Carvalheiro, percorrem a
parte norte da atual freguesia.

35
As características naturais de Caneças fomentaram, desde o século XVIII 83 e,
nomeadamente, no século XIX, a vinda da burguesia lisboeta que, em alguns casos,
chegou a adquirir propriedades e a fixar aqui residência.
Em Caneças viveram ou veranearam escritores, músicos, militares, artistas,
famílias burguesas com ligações a políticos da época, com experiências de vida
diferentes, que contribuíram, por certo, na divulgação da cultura, das tradicionais e
novas posições políticas e realização de melhoramentos na localidade através de
ações de beneficência84.
Por outro lado, o produtor agrícola era, simultaneamente, o intermediário na
troca de produtos, convivendo fora do seu meio natural com os ambientes de Lisboa
e de outros lugares dos arredores.
Ao observarmos estas redes sociais de influência, podemos constatar que
conviviam em Caneças, no período de transição do final da Monarquia
Constitucional para a República, por ventura apoiantes de fações políticas
antagónicas, monárquicos e republicanos.
Caneças pertencia, civil e religiosamente, à paróquia de Loures85, pelo que os
episódios de intolerância vividos na paróquia, após o 5 de Outubro de 1910, quanto à
expressão do sentimento religioso e respetivas vivências, foram sentidos na Igreja
Matriz e demais capelas, sob a sua autoridade. Setores da população manifestaram
também apoio ao novo regime. A subcomissão republicana de Caneças homenageou
o primeiro Presidente da República, propondo à Comissão Administrativa do
Concelho de Loures, a atribuição do seu nome ao largo principal de Caneças:

83
Contrato de enfiteuta celebrado entre o Senado de Lisboa e o mestre pasteleiro de Lisboa Manuel da
Maia, no séc. XVIII, que construiu casa em Caneças para que um genro beneficiasse da qualidade
salutar do ar (ANTT – Desembargo do Paço - repartição da Corte, Estremadura e Ilhas. Maço nº 228).
84
Como José Maria Lourenço Junior e sua esposa, proprietários da Quinta das Lages, residentes em
Lisboa onde eram proprietários de uma oficina de Caldeireiro. O casal contribuiu para o
embelezamento de um largo e a esposa seria a maestrina da filarmónica Avante Canecense. José
Lourenço apresentou à Câmara Municipal dos Olivais uma petição, para à sua custa, arborizar e fechar
um espaço de 19 m2 no largo do Lugar de Caneças (Largo Vieira Caldas), para construir um coreto
para a «sociedade Avante Filarmónica Canecense». Pretendia divertir «os moradores e residentes». A
petição foi deliberada, em sessão de Câmara de 10 de Novembro de 1881 (AML – Câmara Municipal
dos Olivais, doc. 17). Segundo a tradição oral, a música foi expressão, em parte, de posições políticas
divergentes, entre a Real Fanfarra de Caneças (apoiante da monarquia) e a Avante Canecense
(apoiante das ideias republicanas). Bordalo Pinheiro numa das suas litografias humorísticas,
ridicularizando estas últimas, publicada em O António Maria (3 de Janeiro de 1884) uma intitulada
«A Árvore da Liberdade».
85
Administrativamente, Caneças pertenceu à freguesia de Loures e esta, por sua vez, ao termo de
Lisboa até à criação do concelho dos Olivais em 11 de Setembro de 1852. Em 22 de Julho de 1886,
foi aprovada a extinção do concelho dos Olivais e criado o concelho de Loures (decreto publicado em
27 de Agosto de 1886), passando a freguesia de Loures, a que pertencia Caneças, a fazer parte do
concelho de Loures, condição em que se encontrava em 5 de Outubro de 1910.

36
«[…] Excelência, permita-nos a sua alma bondosa e sonhadora de poeta
delicado, que nós habitantes desta simples plebe saloia possamos assim
perpetuar na memória de nossos filhos o nome glorioso do primeiro
presidente da República Portuguesa […] »86 .

Em relação à vida inicial da nova filarmónica, o confronto político entre


republicanos também foi aceso, face a uma carta anónima publicada no Quatro de
Outubro87. O autor da missiva denunciou a existência de «um grande quadro com o
retrato de todos os reis de Portugal»88, na sede, pelo que a nova filarmónica devia
continuar a chamar-se Real fanfarra de Caneças. Em resposta, a Direção afirmou que
«apenas teve em vista efetivar um dos melhoramentos há muito reclamados pelo
povo de Caneças, varrendo do seu seio, sistemática e energicamente, todos aqueles
que dela se aproximarem com intuitos políticos […]»89.
Estas considerações demonstram que não se pretendia associar as questões
políticas à dinâmica cultural da povoação, nem tão pouco prejudicar os interesses
favoráveis ao bem-estar da população 90, ainda que a maioria dos elementos da
direção da filarmónica pertencessem ao Partido Republicano Português.

86
Homenagem ao sr. Presidente da República. Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 7 (19 de Maio de 1912)
1. Carta enviada em 8 de Maio de 1912 ao Dr. Manuel de Arriaga. Domingos Afonso Fernandes
(subscreveu a petição de 30 de Agosto de 1914 para o reconhecimento legal da Irmandade e abertura
da capela ao culto); António Maria Leal (Farmacêutico em Caneças, com estabelecimento no Largo
Vieira Caldas, exerceu os cargo de regedor e Presidente da Junta de Freguesia de Caneças, em 1918),
Luis Rodrigues Simões (?).
87
Filarmónica de Caneças. Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 50 (30 de Março de 1913) 1.
88
Filarmónica de Caneças. Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 51 (6 de Abril de 1913) 1-2.
89
Filarmónica de Caneças. Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 51 (6 de Abril de 1913) 1. A carta anónima
foi refutada sob a forma de protesto, resultado da reunião magna de associados. A Direção assumia ser
republicana e justificou a presença do quadro real, que já existia na Sociedade há oito anos, sem os
retratos dos reis D. Carlos e D. Manuel II, por serem considerados «as duas mais odiosas figuras dos
últimos tempos». Realçaram a presença do filho do fundador da antiga fanfarra, o músico Augusto
Castro. A Direcção deliberou ainda registar no livro de atas uma moção, assinada pelo sócio nº 119,
António Duarte Silva, da qual transcrevemos o excerto: «Considerando que a Sociedade Musical de
Caneças, no uso legítimo de um direito que ninguém bem-intencionado lhe pode contestar, se permite
o luxo de, dentro das salas da sua sede, ter, como ornamento, os quadros que muito bem entenda,
inclusive o de 32 cabeças coroadas […] se reserva o direito de convidar de, para as suas festas íntimas,
convidar só aqueles que o seu modo de sentir lhes apontar». In Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 51 (6
de Abril de 1913) 1.
90
Destacamos o pormenor curioso de A Portuguesa ser tocada, apenas, em atos oficiais ou festas
nacionais, como Dia da Árvore. Segundo a Direção da filarmónica dava «[…] mau resultado o
tocar-se a Portuguesa [...] ». A maneira do hino ser respeitado seria a sua execução nos momentos
oficialmente considerados, tal como o ministério da Guerra determinara. In Filarmonica de Caneças.
Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 51 (6 de Abril de 1913) 1. Prova de instabilidade social causada pelo
toque do hino nacional, em Caneças deu-se um episódio que envolveu um cidadão que não tirou o
chapéu enquanto A Portuguesa era tocada pela filarmónica, em festejos do dia 8 de Agosto de 1912. O
cidadão teve de apresentar queixa contra o cabo de polícia por agressão. O queixoso lamentou ainda a
recusa do referido cabo em prestar-lhe auxílio após as agressões, tendo recebido curativo do médico

37
Em Caneças, o ambiente religioso caracterizava-se pelas práticas religiosas
tradicionais. A manutenção do culto de acordo com o calendário litúrgico, o
acompanhamento de funerais de irmãos e não irmãos, as celebrações festivas em
honra se São Pedro e de Nossa Senhora do Rosário. Momentos em que se realizavam
as procissões com o esplendor próprio de uma comunidade rural, em que as bandas
de música e os foguetes anunciavam e abrilhantavam os solenes festejos 91.
Realizações que estavam a cargo da Irmandade do Santíssimo Sacramento, a
quem cabia a organização das contas (mapas de despesas e receitas e elaboração dos
orçamentos), conservação dos bens imóveis e da capela e dos bens imobiliários92.
Sendo Caneças dependente de Loures administrativa e religiosamente, o
ambiente eclesiástico-religioso foi também influenciado e determinado pela relação
entre o padre capelão da capela de S. Pedro de Caneças, João Ramos do Rosário, o
pároco de Loures Joaquim José Pombo e a Junta de Paróquia e Administração do
Concelho de Loures.
Além da abordagem ao relacionamento entre a Irmandade do Santíssimo
Sacramento e órgãos político-administrativos, temos de considerar o relacionamento
entre a Irmandade, o padre capelão da capela e o pároco de Loures, durante o período
de transição política, do final da monarquia constitucional até à implantação da
República. Constata-se que a relação entre a irmandade, o padre capelão e o pároco
de Loures não indicia problemas de convivência ou de oposição à autoridade e
hierarquia eclesiásticas, durante a fase final da monarquia constitucional 93 e os
primórdios da República. Todos vão ser interventivos na defesa da liberdade
religiosa.
A situação de estabilidade social altera-se com a publicação da Lei da
Separação do Estado das Igrejas, principalmente, pelo ambiente anticlerical e
antirreligioso vivido em Loures e que se refletiu em Caneças. Anticlericalismo

da povoação (AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano de


1912).
91
A H PL – Livro de contas da Irmandade de São Pedro de Caneças (1902 a 1912). U.I. 1930.
92
Idem.
93
Embora da documentação consultada, conste um conflito com o padre capelão João Francisco
Rodrigues, em 1804. Os mesários da Irmandade consideraram que o padre não cumpria as suas
obrigações, pelo que exigiam a entrega da chave da casa onde residia para ser entregue a outro padre.
A defesa do padre alegava que o despedimento do padre era injusto e se devia à recusa do mesmo em
deslocar-se a pé de Loures e a outras partes distantes, porque no seu contrato tinha ficado registado
que a Irmandade lhe «aprontaria besta» (ANTT – Governo Civil de Lisboa: Mesários da Irmandade
Santíssimo Sacramento de S. Pedro de Caneças. Cx. J, doc. 1006.)

38
manifestado em relação ao padre João Ramos de Rosário, em Caneças, e ao pároco
de Loures Joaquim José Pombo.
O teor dos documentos de protesto apresentados, em nome da Irmandade e
dos habitantes de Caneças e do padre capelão João Ramos do Rosário, encaravam a
determinação em encerrar a capela ao culto e o reconhecimento da ilegalidade da
Irmandade como resultado da ação do Administrador do Concelho João Raymundo
Alves.
Além das informações contraditórias sobre o envio do projeto de estatutos a
reformar e a eleição dos corpos gerentes da Irmandade do Santíssimo Sacramento,
em torno dos quais se baseou a discussão para a dissolução da Irmandade em virtude
da constituição da associação cultual não se ter verificado, afere-se também a
manifestação de atitudes radicais de intolerância religiosa. Estes comportamentos
repercutiram-se em ameaças ao padre João Ramos do Rosário, que o levaram a
apresentar queixa ao Administrador do Concelho e ao Governador Civil de Lisboa,
em 16 de Dezembro de 191294.
Na descrição das ocorrências, o padre João Ramos do Rosário denunciou que
tinha sido ameaçado por alguns indivíduos que não queriam nenhum padre no
Concelho; por outro lado manifestou a sua preocupação pela notícia que corria em
Caneças, sobre o encerramento da capela, apesar de a Irmandade ter os estatutos
reformados em harmonia com a Lei e, somente, aguardar a sua aprovação do
Governo Civil. Na situação descrita, o padre João Ramos do Rosário acusa: «Todo
este jogo parte do cidadão Raimundo Alves»95, o Administrador do Concelho.
Perante o requerimento do padre João Ramos do Rosário, a secretaria-geral
do Governo Civil de Lisboa solicitou ao Administrador do Concelho de Loures que
se tomassem as medidas legais convenientes e se informasse o Governo Civil das
mesmas96.
O sentimento anticlerical e antirreligioso sentido em Caneças teve expressão
na imprensa escrita concelhia, nos periódicos O Cinco de Outubro e Quatro de

94
Queixa apresentada ao Governador Civil de Lisboa, de 16 de Dezembro de 1912 (AML –
Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano de 1912). Cf. Anexo XXIII.
95
Idem.
96
No entanto, a resposta da Administração do Concelho à solicitação não foi possível comprovar na
documentação consultada. Em 16 de Dezembro de 1912, o Administrador do Concelho era José Maria
da Silveira Mesquita, nomeado em 13 de Novembro de 1912, em substituição de António Francisco P.
Sá de Nogueira, nomeado em 31 de Julho de 1912. João Raymundo Alves tinha sido exonerado do
cargo em 25 de Julho de 1912, por problemas relacionados com abusos cometidos contra párocos do
concelho de Loures, porém foi renomeado em Janeiro de 1913 para exercer o mesmo cargo.

39
Outubro. No suplemento de 24 de Novembro de 1912 do Quatro de Outubro,
podemos ler:
«[…] enquanto não se der cumprimento cabal à lei da separação sobre a
capela de Caneças, onde faz prédicas um bem conhecido padre reacionário,
nós não largaremos de mão a resolução que se impõe, de se fechar aquela
casa.
Se Raimundo Alves não tem força necessária para fazer cumprir a lei,
declare-o para que nós perante a comissão central reclamemos contra mais
esta afronta, evitando também um susto ao padre, como aquele que apanhou
quando alguns bons republicanos lhe foram fazer uma visita […]» 97.

No mesmo jornal, acusavam o padre capelão João Ramos do Rosário de


reacionário já que, por ocasião da morte do rei D. Carlos, pretendeu «levantar as
populações destes sítios»98 . Ironizam também contra o Administrador do Concelho,
José Maria da Silveira Mesquita, chamando-lhe «general inválido»99, cuja presença
constituía uma provocação aos «republicanos e liberais do concelho». Expressões
usadas nos artigos do jornal Quatro de Outubro, para manifestar o descontentamento
da nomeação do novo Administrador para a qual os órgãos concelhios não foram
consultados. A nomeação de Silveira Mesquita resultou do afastamento de João
Raymundo Alves pelos abusos cometidos contra os párocos de Fanhões, Loures e
Bucelas. Os autores dos referidos artigos consideravam uma ingerência do poder
central (Ministério do Interior e Governo Civil de Lisboa) nos assuntos do Concelho,
tanto mais consideraram que a situação fora motivada pela intriga. Raymundo Alves
salvara os padres «das iras populares e poupando-os tanto quanto foi possível, às
mãos deles ia morrendo.»100
A determinação da administração do Concelho, apoiada por alguns
republicanos que, nos jornais101, concelhios expressavam posições anticlericais,
antirreligiosas e anticatólicas, em dissolver a Irmandade e encerrar a capela ao culto,
foi motivo de contestação de fiéis católicos, confrades, padre capelão, pároco de
Loures, e moradores de Caneças, a partir de 1912. Posições antagónicas que se foram

97
Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 33 (24 de Novembro de 1912) 2. Nesta data, João Raymundo Alves
não era o Administrador do Concelho. José Maria Mesquita Silveira ocupava o cargo de
Administrador.
98
Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 17 (7 de Agosto de 1912) 1.
99
Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 33 (24 de Novembro de 1912) p.1 verso. Consideraram que a
nomeação do General (13 de Novembro de 1912) era uma afronta por não terem sido consultados os
republicanos de Loures. Chamavam ao general inválido por estar reformado. Chegou mesmo a ser
utilizada a força para manter a ordem em Loures, por desacatos provocados pela nomeação.
100
Idem.
101
Cf. Anexo XXXII.

40
observando, malgrado as contradições entre os fundamentos e os documentos
estudados.
Sobre a polémica do encerramento dos espaços de culto, constata-se que num
ofício-circular datado de 30 de Abril de 1913, expedido pela Secretaria do Ministério
do Interior para o Governo Civil e arquivado na correspondência da administração do
Concelho, se alertava para o fecho precipitado das igrejas por algumas Juntas de
Paróquia. Das igrejas só deviam passar para a posse do Estado, as paroquiais, quando
existisse interesse social, caso não se tivessem constituído cultuais. Ao Ministério da
Justiça cabia o encerramento definitivo das igrejas paroquiais102.
Todavia, Caneças não era paróquia civil nem religiosa, mas o despacho
superior determinou o encerramento da capela, publicado em 15 de Junho de 1915,
no Diário do Governo, sob proposta do Ministro da Justiça e dos Cultos. A capela de
S. Pedro devia ser transformada em escola, de acordo com o parecer da Câmara
Municipal de Loures.
É nesta disputa que se vão nortear as vivências religiosas em Caneças, a
piedade do povo, a liberdade de consciência dos cidadãos para a prática da sua
religião, e da própria instituição Igreja, para que fosse permitida a continuidade do
culto e reconhecida a legalidade da Irmandade do Santíssimo Sacramento, na capela
de São Pedro de Caneças.
Em defesa da religião e da sua prática, neste caso a católica, foram realizadas
várias petições em nome da Irmandade e dos moradores de Caneças em 1913 e 1914
e, simultaneamente, cidadãos ligados à Irmandade vão surgir na vida política da
localidade.

102
AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano de 1913.
Ofício-circular de 30 de Abril de 1913.

41
1.3-A PARÓQUIA DE LOURES E AS IRMANDADES EM 1910 NO
CONTEXTO DO CONCELHO DE LOURES

Por ocasião da implantação da República, existiam quinze103 Juntas de


Paróquia, no concelho de Loures: Santa Maria de Loures104, São Saturnino de
Fanhões, Nossa Senhora da Purificação de Bucelas, Santíssimo Nome de Jesus de
Odivelas, São Tiago de Camarate, Senhora da Purificação de Sacavém, São Julião do
Tojal, Santo Antão do Tojal, São João da Talha, Santa Iria d’Azóia, Póvoa de Santo
Adrião, São Pedro de Lousa, São Julião de Frielas, São Silvestre de Unhos e Nossa
Senhora da Encarnação da Apelação. Em cada paróquia estavam eretas Irmandades
ou Confrarias, considerando as igrejas, ermidas e capelas, sob a autoridade eclesial
paroquial respectiva.
O ambiente religioso e as vivências religiosas, após a implantação da
República, começam a ser afetados com o processo de arrolamento dos edifícios de
culto, bens imobiliários e objetos, realizado em Junho de 1911 na freguesia de
Loures.
As capelas, sob a dependência da Igreja Paroquial de Loures eram: capela de
São Pedro de Caneças; capela de Santa Ana105, em Loures; capela de Nossa Senhora

103
Esteves Pereira; Guilherme Rodrigues – Loures. In Portugal: dicionário histórico, corográfico,
biográfico, bibliográfico, numismático e artístico. Vol. 4. Lisboa: João Romano Torres, 1909, p. 543-
544. Mapa do concelho de Loures adaptado. In Loures tradição e mudança I centenário da formação
do concelho (1886-1986). Loures: Câmara Municipal de Loures, 1986, vol. 1, p. 33-44. O mapa
contém imagens das ermidas e Matriz da paróquia de Loures (cf. Anexo XXVII).
104
Os achados arqueológicos em Loures remontam o povoamento desta região ao Paleolítico. Joaquim
José Mendes Leal refere o povoamento de Loures desde os romanos, a edificação da Igreja situa entre
1190 e 1220 e a visitação do bispo de Lisboa D. Ayres Vasques à Igreja que elevou a matriz, em 1250
(In Mendes Leal – Admirável igreja matriz de Loures, p. 99). A fundação da povoação e o seu
fundador são desconhecidos, mas no século XII, o nome da povoação de Loures surge numa das
visitações realizadas pelo bispo da diocese de Lisboa D. Aires Vasques. A povoação foi comenda da
Ordem de Cristo e, possivelmente, pertenceria aos Templários. Foi vigairaria da apresentação da
mitra, «tendo passado a reitoria.» Loures pertenceu ao termo de Lisboa e passou a fazer parte do
concelho dos Olivais com a sua criação em 11 de Setembro de 1832. Em 27 de Julho de 1886, a
freguesia de Loures integrou o concelho de Loures. O orago de Loures é Santa Maria. (Loures, in
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa: Editorial Enciclopédia, Limitada, s.d., vol. 15,
p. 506-507). A religiosidade na freguesia de Loures era significativa, tendo em conta as ermidas
públicas e privadas existentes, sob a dependência da Igreja Paroquial de Loures, e as manifestações de
piedade popular, como as romarias e as procissões, pelo menos até ao Liberalismo. Cf. Joaquim
Mendes Leal – Admirável igreja matriz de Loures, 1909.
105
A capela de Santa Ana foi cedida à C. M. L. para a construção de um hospital ou de uma escola
(Decreto nº 5959. D.G. nº 138, I série (15 de Julho de 1919). Os móveis, utensílios e alfaias foram
vendidos em hasta pública em 19 de Maio de 1923 pela Segunda Comissão de Administração dos
Bens das Igrejas de Lisboa (ACMF/Arquivo/CJBC/Lis/LOU/ARROL/006, p. 49).

42
da Saúde106, em Montemor; capela de Santo Amaro 107 (São Filipe) em A-dos-Cãos;
capela de Santa Petronila, na Murteira; ermida de Senhor Jesus dos Desamparados 108,
no Tojalinho 109; todas elas foram alvo do processo de arrolamento, encerramento dos
templos e, posteriormente, alguns dos seus bens110 foram vendidos em hasta pública.
Estes acontecimentos condicionaram e impediram a liberdade de culto, uma
vez que incluíam, além dos edifícios, os objetos de culto.
O advento da República alterou a organização religiosa nas paróquias do
concelho de Loures, após a publicação do decreto de 20 de Abril de 1911, em que se

106
A capela de N. Sr.ª da Saúde foi entregue à Fábrica da Igreja em 8 de Maio de 1944, pelo auto de
entrega, assim como uma oliveira no adro. Dois terrenos e uma morada de casas foram transferidos
para o Ministério das Finanças em 14 de Março de 1917. Os móveis, utensílios e alfaias foram
vendidos em hasta pública em 2 de Agosto de 1924, na sede da 2ª Comissão de Lisboa. Quatro painéis
de milagres foram restaurados pelo Conselho de Arte e Arqueologia para o Museu Nacional de arte
Antiga. (ACMF/ Arquivo/CJBC/Lis/LOU/ARROL/006, p. 50-51).
107
ANTT – Memórias paroquiais: dicionário geográfico. Vol. XXI, 12 de Maio de 1758, fl. 1255. Na
capela de S. Filipe, as imagens, os paramentos, as alfaias e os móveis foram vendidos em hasta
pública, em 6 de Dezembro de 1923, autorizada pela Comissão. O edifício da capela, uma parcela de
terra em redor do templo e sete oliveiras num terreno municipal foram devolvidos à Fábrica da Igreja
em 8 de Maio de 1944 pelo auto de entrega (ACMF/ Arquivo/CJBC/Lis/LOU/ARROL/006, p. 45-46).
As capelas de S. Filipe e de Stª Ana foram as únicas arrendadas na paróquia de Loures, segundo uma
relação de imóveis da Comissão de Inquérito a que se refere o Decreto de 21 de Janeiro de 1918, em
circular de 27 de Fevereiro de 1918 (ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/089. Cx. 274, fls. 2-3). O jornal
Quatro de Outubro publicitou um edital da Comissão Concelhia de Administração dos Bens
Eclesiásticos em que anunciava a arrematação, para arrendamento, da capela de Stº Amaro (S. Filipe),
ermida de «Santana», e ainda da ermida do Espírito Santo em Ponte de Lousa, capela de S. Roque
perto de Stº Antão do Tojal, capela de S. Sebastião em S. Julião do Tojal e da Quinta da Mitra, Palácio
dos Arcebispos, em Stº Antão do Tojal. In Quatro de Outubro. Nº 128 (11 de Novembro de 1914) 3.
Em 29 de Novembro foi comunicada a arrematação, para arrendamento, da ermida de S. Roque da
paróquia de Bucelas. In Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 132 (11 de Novembro de 1914) 3.
108
O edifício e pertences da Ermida do Senhor Jesus dos Desamparados foram entregues à Fábrica da
Igreja pelo auto de entrega de 8 de Maio de 1944 (ACMF/ ARQUIVO/CJBC/LIS/LOU/ARROL/006,
p. 52).
109
ACMF/ Arquivo/CJBC/LIS/LOU/ARROL/006. Processo de arrolamento da Igreja Matriz e capelas
sob a sua dependência da Paróquia de Loures, na presença do Administrador do Concelho, João
Raymundo Alves; do representante da Câmara Municipal, António Saraiva, e do funcionário da
repartição das Finanças de Loures, Valentim Augusto da Costa. Após um longo processo de pedido de
reabertura da capela de São Pedro de Caneças ao culto, com muitas contradições como se verá, a
incorporação do edifício da capela na fazenda nacional foi declarada sem efeito em 2 de Outubro de
1923. Dos bens arrolados, foram vendidos em hasta pública terrenos de cultivo e quintas. O edifício e
seus pertences foram entregues à Fábrica da Igreja pelo auto de entrega de 8 de Maio de 1944. Em de
28 de Julho de 1943, as casas que pertenciam à capela foram arroladas e, em 9 de Outubro de 1946, as
ditas casas foram entregue ao Benefício Paroquial. Com a República, numa das casas foi estabelecida
a primeira sede da freguesia de Caneças e também aí se realizaram os atos do registo civil (casa
situada na Rua 20 de Dezembro, em Caneças, junto ao antigo Largo do Pião, cf. Anexo LV).
110
Na Igreja Matriz de Loures, «móveis, utensílios, paramentos e alfaias da antiga igreja de santa
Maria de Loures foram vendidos em hasta pública, efectuada em 19 de Maio de 1921 pela 2ª
Comissão de Administração dos Bens das Igrejas de Lisboa, processo nº 2956
(ACMF/Arquivo/CJBC/LIS/LOU/ARROL/006, p. 33). No mesmo processo de arrolamento, outros
bens foram arrematados em 7 de Fevereiro de 1924 (p. 3 verso). A cedência do passal, de uma morada
de casas e de uma courela de oliveiras à Câmara Municipal de Loures foi anulada para a instalação do
quartel da Guarda Republicana (D.G. nº 18, I série, 1 de Fevereiro de 1917). A Igreja matriz foi
entregue à Fábrica da Igreja com seus pertences, pelo auto de entrega de 8 de Maio de 1944 (ACMF/
Arquivo/CJBC/LIS/LOU/ARROL/006, p. 33-40).

43
registou o encerramento das igrejas ao culto e apropriação dos respectivos bens:
Loures, incluindo a capela de Caneças, Lousa, Bucelas, Fanhões, Santo Antão e São
Julião do Tojal, Póvoa de Santo Adrião, Frielas, Odivelas 111. Algumas das
Irmandades destas paróquias harmonizaram os estatutos, ao abrigo do artigo 17º da
Lei da Separação, transformando-se em associações cultuais112. Outras reformaram
os seus compromissos ao abrigo do artigo 38º da mesma lei 113.
As Irmandades que reformassem o seu compromisso ao abrigo do art. 17º
teriam de contribuir para as despesas de culto, desde que destinadas à assistência e
beneficência. Segundo o art. 32º, as corporações com o encargo de culto deviam
aplicar «um terço de quanto receberem para fins cultuais a atos de assistência e
beneficência»114. Se a corporação fosse encarregue do sustento e habitação do
ministro da religião, aplicaria «a sexta parte»115 do que recebia em ações de
beneficência e assistência, conforme o art. 33º. Entendia-se que as Irmandades que
harmonizassem os seus estatutos ao abrigo do art. 38º diferiam das associações
cultuais criadas de acordo com os anteriores artigos. As corporações que
reformassem o seu compromisso segundo a disposição do art. 38º, além de
contribuírem para as despesas do culto, só podiam aplicar ao culto uma quantia que
não excedesse «a terça parte dos seus rendimentos totais e dois terços da quantia»
que tinham dispendido com o culto «em média, nos últimos cinco anos» 116. Para a
autoridade eclesiástica, as corporações que harmonizassem os estatutos ao abrigo dos
artigos 17º, 32º e 33º transformavam-se em associações cultuais, em que a

111
Lista do Governo Civil de Lisboa produzida entre 24 de Janeiro e 3 de Março de 1914 (ACMF/
ARQUIVO/CJBC/INVEN/016. Cx. 667).
112
Nas Igrejas de Apelação, Camarate e Sacavém, as respetivas Irmandades do Santíssimo Sacramento
constituíram-se em cultuais. Despacho da Direção Geral dos Eclesiásticos do Ministério da Justiça, de
25 de Novembro de 1912, publicado no D.G. nº 278 (26 Novembro 1912), aprovou «os estatutos da
associação cultual, denominada Instrução, Beneficência e Culto, com sede na freguesia de Camarate»
e da «associação cultual denominada Instrução, Beneficência e Culto, com sede na freguesia de
Sacavém».
113
As Irmandades do SSº da Póvoa de Santo Adrião e de Bucelas chegaram a ser denominadas de
Comissão de Assistência e Beneficência, em 1913, e a Ordem Terceira de S. Francisco de Loures, em
1918. As Irmandades do Santíssimo de Odivelas e de Fanhões também tomaram conhecimento dos
estatutos aprovados, respetivamente em 3 Setembro e 8 de Outubro de 1913 (AML – Administração
do Concelho, anos de 1913 e 1918). Embora os estatutos das Irmandades do SSº Sacramento de
Odivelas e de Fanhões tivessem sido aprovados, as igrejas foram encerradas.
114
Art. 32º - Lei da Separação de 20 de Abril de 1911, publicada no D.G. nº 92, de 21de Abril de
1911.
115
Art. 33º - Lei da Separação de 20 de Abril de 1911, publicada no D.G. nº 92, de 21de Abril de
1911.
116
Art. 38º - Lei da Separação de 20 de Abril de 1911, publicada no D.G. nº 92, de 21de Abril de
1911.

44
organização e gestão do culto ficavam na dependência de leigos117, assim como o
sustento do clero. O culto era exercido por associações de assistência e beneficência
e não por associações cultuais118. As Irmandades eram aconselhadas a reformarem os
estatutos ao abrigo do art. 38º, para a manutenção da sua autonomia em relação ao
poder temporal e da sua dependência da autoridade eclesiástica.
Posições estremadas que, ao longo do tempo, influenciaram a vida religiosa, a
relação entre os poderes da Igreja e do Estado e, simultaneamente, o relacionamento
entre a sociedade laica e a Igreja e a autoridade eclesiástica e os leigos ao nível
nacional e local.
Ao Estado laico, sem confissão religiosa, caberia «a formação moral e cívica
dos indivíduos»119 e tudo o que se relacionasse com a religião pertencia à esfera
privada. Todavia, o novo projeto cultural republicano estava a implicar o desrespeito
pela autonomia dos cidadãos na sua liberdade de consciência e religiosa, pretendendo
anular a influência secular da Igreja Católica na sociedade, com todas as limitações
já mencionadas após a publicação do decreto de 20 de Abril de 1911.
No concelho de Loures, ocorreram em algumas paróquias manifestações
populares contrárias à liberdade religiosa, negando o direito de cidadania apregoado
pela República.
Na sequência de atos praticados nas localidades do Concelho, que
contrariavam a própria lei120, quanto à “defendida” liberdade religiosa, o Governador
Civil de Lisboa, confrontado com as reclamações, devidas à expulsão dos párocos de
Loures, Fanhões e Bucelas, emitiu o seguinte despacho para a Administração do
Concelho, em ofício de 17 de Julho de 1912, em data anterior ao sucedido com o
padre capelão de Caneças:

117
Representação coletiva dos Bispos portugueses de 15 de Março de 1913 (ACMF – CJBC-LEGIS-
045). Cf. Anexo XXV.
118
Cf. Luís Salgado de Matos – A separação do Estado e da Igreja, p. 164, refere-se à posição do
Cardeal Merry del Val (Secretário de Estado da Santa Sé, no pontificado de Pio X).
119
Fernando Catroga – O republicanismo em Portugal: da formação ao 5 de Outubro de 1910. 3ª ed.
Alfragide: Casa das Letras, 1910, p. 214.
120
Lei da Separação do Estado das Igrejas, 20 de Abril de 1911, artigos 1º e 3º - Artigo 1º - «A
República reconhece e garante a plena liberdade de consciência a todos os cidadãos portugueses e
ainda aos estrangeiros que habitarem o território português»; Artigo 3º - «Dentro do território da
República ninguém pode ser perseguido por motivos de religião, nem por perguntado por autoridade
alguma acerca da religião que professa.» Perante as acções que violentaram a liberdade religiosa, o
Ministro do Interior, Duarte Pereira da Silva, divulga pelos concelhos o Edital de 17 de Julho de 1912,
sobre os abusos cometidos, contrários à lei.

45
«Diga-se à autoridade Administrativa que todos os cidadãos portugueses têm
direitos consignados na lei, que só por lei podem sofrer restrição e que não é
admissível que cada qual tome para si atribuições que exclusivamente às
autoridades constituídas pertencem.
Nestes termos deverá dos factos que neste ofício relaciona levantar o
necessário auto, procedendo às investigações necessárias afim de se lhe dar o
devido destino visto que existe alguém a queixar-se como lesado.»121

Observando a documentação relativa à correspondência entre o Governo Civil


e a Administração do Concelho, constatamos a preocupação da primeira entidade em
que a lei fosse cumprida e não servisse de justificação a atos menos lícitos, dos quais
chegavam reclamações ao Governo Civil. Por este motivo, o Governador Civil 122 de
Lisboa reforçou o pedido de informação sobre o papel dos regedores e dos
administradores do Concelho na questão da expulsão dos párocos de Loures,
Fanhões, e Bucelas.
Do mesmo modo, o pároco de Loures, Joaquim José Pombo, confrontado
com delações de republicanos não católicos que o acusavam de ter fugido, redige
uma carta ao administrador do Concelho, datada de 10 de Agosto de 1912,
mencionando que se ausentara de Loures por motivo de saúde, há mais de ano e
meio, conforme atestado médico enviado ao Ministro da Justiça 123. A sua saúde
impediu-o de continuar a exercer ordens em Loures, pelo que não devia constituir
motivo para o encerramento da Matriz, nem para ficar impedido de beneficiar da
pensão do estado. Embora o pároco de Loures se tenha declarado pensionista 124 do
Estado não significa que fosse apoiante do regime vigente. A pensão era o seu
sustento, tanto mais que o passal acabou por ser cedido à Câmara Municipal de
Loures e, por outro lado, continuava a ser considerado «o clero como parte integrante
do funcionalismo público.125»

121
AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1910.
122
AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1912. Ofício de 17
de Agosto de 1912.
123
AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1912.
124
Carta enviada ao Administrador do Concelho, em Outubro de 1910, em que se comprometia a
acatar as novas instituições. O pároco Augusto José Marques Soares da Igreja da Póvoa de Santo
Adrião também redigiu uma carta em que se comprometeu respeitar «as novas instituições […] e com
elas colaborar na nossa amada Pátria.» Carta datada de 31 de Outubro de 1910 (AML – Administração
do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1910). A Irmandade do SSº Sacramento da
Póvoa de Stº Adrião transformou-se em Comissão de Assistência e Beneficência da freguesia (AML –
Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1913. Ofício do Governo
Civil de Lisboa para a alteração dos estatutos, 8 de Julho de 1913).
125
Cf. Luís Salgado de Matos – A separação do Estado e da Igreja, p. 221.

46
O ofício remetido ao Diretor dos Negócios Eclesiásticos, em 25 de Maio de
1914, pelo pároco Joaquim José Pombo mostra que a celebração dos atos religiosos
tinha sido interrompida abruptamente na Igreja Paroquial, o padre refere a «expulsão
arbitrária do padre que o substituía, privando-o também dos benefícios materiais do
estado»126. Segundo o pe. Álvaro Proença, o padre António Martins da Silva
substituiu o pároco Joaquim Pombo e, no decorrer dos acontecimentos políticos em
Loures, teria estado preso em Lousa e depois conduzido para Lisboa, juntamente
com os padres de Bucelas e Fanhões127. O padre de Bucelas foi preso por bucelenses
«por suspeita de conspirador»128. O padre de Fanhões apresentou queixa contra um
cidadão por ter retirado da Igreja objetos de culto129.
Mas, os protestos continuavam a chegar ao Governo Civil de Lisboa, face a
abusos cometidos contra os locais de culto, cruzeiros, pelourinhos, párocos e fiéis.
Situações que originaram vários telegramas de Lisboa para a administração
concelhia 130, pedindo o respeito pela liberdade de culto.
Estes acontecimentos condicionaram as manifestações de piedade popular e o
culto religioso no Concelho e, designadamente, na paróquia de Loures à qual
Caneças pertencia.
As ocorrências no concelho de Loures para limitar ou impedir o culto católico
nos templos também se manifestaram na realização de procissões. O pároco de

126
ACMF/ CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 - Processo 2782, L.7, fl. 80. No mesmo ofício, o padre
Joaquim José Pombo deu o seu parecer desfavorável à utilização da Igreja Matriz de Santa Maria de
Loures para outros fins que não os religiosos.
127
Álvaro Proença – Subsídios para a história do concelho de Loures. Lisboa: União Gráfica, 1940,
vol. 1, p. 46. O pároco teria exercido ordens entre 1910 e 1912. Mas, em 14 de Outubro de 1912, o
Patriarca D. Mendes Belo encarregou o padre de Stº Estevão das Galés, Manuel Pereira, de paroquiar
a Igreja de Loures, por ausência do pároco de Loures. Na carta afirma que o Santíssimo se encontra
«há muito por renovar, e no caso das espécies já estarem corrompidas» o padre devia «queimá-las e
lançar as cinzas no sumidouro.» (AHPL – Livro 2º do registo de correspondência oficial de Sua
Eminência Reverendíssima Senhor D. António com vigários e párocos (1910 a 1913) U.I. 112. Carta
nº 245, de 14 de Outubro de 1912).
128
Ofício do regedor de Bucelas Júlio Dias da Conceição, de 16 de Julho de 1912, ao Administrador
do Concelho (AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1912).
Nesta data, João Raymundo Alves era o Administrador que, posteriormente, foi afastado do cargo
para que o inquérito apurasse, ou não, a sua responsabilidade nos atos cometidos contra os párocos
(Exoneração em 25 de Julho de 1912 pelo Governador Civil de Lisboa. AML – Administração do
Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1912).
129
Ofício da Comissão Central da Execução da Lei da Separação ao Administrador do Concelho de
Loures para que se averiguasse o sucedido, de 19 de Julho de 1912 (AML – Administração do
Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1912).
130
AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1910. Ofício de 15
de Outubro e o telegrama de 24 de Outubro de 1910 em que se pedia a presença do Administrador do
Concelho no Governo Civil.

47
Fanhões, em ofício de 23 de Maio de 1912131, comunica ao Administrador do
Concelho que tinha autorização do Governo Civil para a presença de dois polícias
cívicos132 na festa religiosa, que ocorreria no dia 26 de Maio de 1912. No entanto,
faltava a confirmação oficial da Administração.
A continuidade das associações laicas religiosas e a liberdade de culto nas
igrejas ou capelas onde tinham sido eretas passaram a estar comprometidas. Com o
encerramento dos locais de culto, a falta de aprovação dos estatutos de algumas
irmandades, a perseguição e expulsão de párocos, o arrolamento de bens, a vida
religiosa no concelho de Loures viveu momentos conturbados, nos primeiros anos do
regime republicano. No entanto, a prática e vivência da religião expressava-se com
fraca mobilização da comunidade na paróquia de Loures, já no período da monarquia
liberal. Para Mendes Leal, as Irmandades evidenciavam um fraco dinamismo na
Igreja de Loures, no final do séc. XIX e início do séc. XX:

«Em 1889 vindo nós morar para Loures, vendo o desleixo das quatro
Irmandades da Igreja, que arrogavam existência - Irmandade do Santíssimo -
das Almas - Santo Nome de Jesus e Conceição (que nem a festa do Orago da
freguesia já se fazia) […]133».

O autor refere ainda que a tradicional festa do Orago da freguesia, em louvor


de Santa Maria, conhecera um intervalo e que foi retomada em 1901, por uma
comissão, da qual fez parte. Segundo o povo nunca mais tornariam «a ver nesta
Igreja festejo assim, nem iluminações nos arraiais com luz elétrica»134. Pelo menos
até 1909 a festa não se tornou a realizar135.
Em 1909136, na Igreja paroquial de Loures137, existiam, apenas, as Irmandades
do Santíssimo Sacramento138, Almas, Santo Nome de Jesus e de N. Sr.ª. da
Conceição e a Ordem dos Terceiros de S. Francisco139.

131
Na mesma carta, o pároco de Fanhões manifesta a sua preocupação pelo facto da administração
concelhia não ter enviado a ata da eleição da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Fanhões às
instâncias superiores.
132
Na sequência da implantação da República, a Polícia Civil de Lisboa passa a designar-se Polícia
Cívica (Decreto de 17 de Outubro de 1910).
133
Cf. Joaquim Mendes Leal - Admirável igreja matriz de Loures, p. 137.
134
Op. cit. p. 138.
135
Op. cit. p. 138.
136
Op. cit. p. 138.
137
Em 1758, na Igreja Matriz de Loures existiam as Irmandades do Santíssimo Sacramento, de Nossa
Senhora da Conceição, das Almas e a Confraria de Nossa Sr.ª. do Rosário (ANTT - Memórias
paroquiais: dicionário geográfico. Vol. XXI, 12 de Maio de 1758, fl. 1253). O nº de Irmandades foi

48
Da análise da documentação da administração do concelho de Loures 140,
constatamos que, até à revolução republicana, eram enviados, anualmente, os
orçamentos gerais e as contas das Irmandades das paróquias do concelho de Loures
ao administrador do concelho que depois os remetiam ao Governo Civil de Lisboa,
para a respetiva aprovação. Facto que demonstra e permite também compreender as
vivências religiosas das comunidades do Concelho.

ultrapassado em 1781: Santíssimo Sacramento, N. Senhora da Conceição, N. Senhora do Rosário,


Santo André, São Sebastião, São Miguel, Almas, Santo Nome de Jesus e oito corporações de oblatos:
Stº. António, S. Braz, S. João Baptista, S. Marçal, Stª. Catarina, Stª. Maria Madalena, Stª. Luzia e Stº
Amaro. Cada uma das associações tinha rendimentos próprios e celebrava as festas religiosas,
sobretudo as da sua invocação. A importância das Irmandades foi decrescendo com o advento do
liberalismo. Cf. Joaquim Mendes Leal – Admirável igreja matriz de Loures; Álvaro Proença -
Subsídios para a história do concelho de Loures. Vol. 1, p. 46-54.
138
A Irmandade do Santíssimo Sacramento resultou da associação das Irmandades de Nossa Senhora
da Assunção e dos Louvados, em 1675, e tinha a seu cargo as festas do Santíssimo, as do Orago e as
da Semana Santa. A Irmandade possuía grande vitalidade económica antes de 1820, tendo ajudado à
realização de obras de mosaico e de talha na capela-mor. Após 1876, a corporação mostrava
dificuldades financeiras. Segundo o padre Álvaro Proença, a Irmandade foi restaurada em 1931. A
história da Irmandade foi abordada por Subsídios para a história do concelho de Loures. Vol. 1, p. 59-
69 e em Admirável igreja matriz de Loures, p. 25-31.
139
A Ordem de São Francisco de Assis fundou em Loures, entre os anos 1200-1300, o convento de
franciscanos, denominado Divino Espírito Santo que prestava assistência aos pobres. Mas os
terramotos de 1531 provocaram a destruição do convento e da igreja, surgindo a Irmandade do Divino
Espírito Santo, entre 1541 e 1543, que construiu o hospital, o albergue e a ermida do Espírito Santo,
em Loures. A Ordem Terceira de Loures é restaurada pelo benfeitor, Luiz Castro do Rio, em 1574,
sendo edificado novo convento para os frades franciscanos, em terrenos do benfeitor, no lugar da
Mealhada. Aí construíram o convento, hospício e uma ermida. O convento recebeu o nome de Divino
Espírito Santo. Durante 52 anos teve lugar a «procissão da cinza» entre a ermida e a Igreja Matriz.
Após a edificação da capela de Santa Ana e de S. Joaquim, no lugar de Alvogas, a Ordem pediu
licença para funcionar nesta capela. Em 1746, quando a Ordem se instala na ermida do Espírito Santo,
a Irmandade do Divino Espírito Santo deixou de funcionar. Cf. Admirável igreja matriz de Loures, p.
149-156. Em 1838, a Ordem e a Irmandade dos Escravos do Santíssimo (ereta a partir do assalto à
ermida da Mealhada em 1826) foram extintas devido a grande cheia que afetou Loures, provocando a
derrocada da ermida. Cf. Admirável igreja matriz de Loures, p. 156-165. A Ordem tinha presidentes
ou representantes em vários lugares da freguesia de Loures: Caneças, Loures, Pinheiro, Murteira,
Montemor, A- dos - Cãos; A-dos-Calvos, Guerreiros, Mealhada, Ponte de Frielas e Ponte de Lousa.
Os Terceiros de São Francisco deviam assistir os irmãos pobres com médico, cirurgião, botica; visitar,
socorrer, acompanhar os irmãos falecidos, e sufragar-lhes a alma; Aos irmãos mais pobres pagavam as
despesas com os enterros (Cf. Álvaro Proença – Subsídios para a história do concelho de Loures.
Vol. 1, p. 59-69). A Ordem dos Terceiros de S. Francisco recebeu, em 1873, por testamento, o legado
de Luís Pereira da Mota, composto por valor monetário e a propriedade Casal da Murteira para que a
Ordem se reorganizasse, o que aconteceu apenas em 1896. Entre os membros diretivos da Ordem
estava Joaquim José Mendes Leal como 1º secretário. Em 1898, a Ordem possuía hospital e albergue.
A corporação funcionava na matriz, realizou obras na Igreja, e erigiu uma capela-santuário em Maio
de 1899. Na Quaresma e na Páscoa realizava as procissões e festejava anualmente o dia da sua
protetora, a rainha Santa Isabel. Cf. Joaquim Mendes Leal – Admirável igreja matriz de Loures, p.
165 e sg.). Sobre a história do Convento do Espírito Santo e da Ordem Franciscana em Loures, existe
a publicação recente editada pela Câmara Municipal de Loures – De Convento a conventinho:
biografia de um espaço, 2009.
140
O Administrador do Concelho era o elo de ligação administrativo entre as Irmandades e o Governo
Civil. Cabia à entidade representativa local transmitir a informação do e para o órgão fiscalizador
central sobre as Irmandades (AML – Administração do Concelho - Correspondência recebida e ANTT
– Governo Civil – Irmandades, contas de gerência).

49
Da observação dos orçamentos da Irmandade do Santíssimo Sacramento de
Caneças, verificamos que as despesas inscritas referem-se ao culto, ao pagamento
aos ministros do culto, às festividades religiosas em louvor do santo padroeiro, a
obras de natureza assistencial a irmãos e à conservação dos espaços de culto 141.
Pese ainda o facto de a devoção religiosa ter conhecido um decréscimo pós-
liberalismo 142, somente, em duas Irmandades do concelho de Loures, nos anos que
antecederam a revolução de Outubro, o número reduzido de irmãos impediu a eleição
de novos corpos gerentes.
A Irmandade do Santo Nome de Jesus de Loures comunicou ao
Administrador do Concelho que não tinha sido possível eleger a nova mesa gerente
em 31 de Maio de 1908143, por não ter havido quórum, apenas compareceram seis
irmãos. Nesse mesmo ano, a Irmandade do Santo Nome de Jesus de Odivelas, em
ofício de 5 de Julho 144, informou também que o número de confrades tinha sido
insuficiente para a eleição de nova mesa. Porém, ambas as corporações superaram os
problemas e mantiveram a sua função após 5 de Outubro de 1910.
O ambiente antirreligioso e anticlerical, após a revolução republicana,
valorizado e enaltecido pelos órgãos de comunicação locais, lê-se numa das notícias
referente às eleições para a mesa da Ordem Terceira de São Francisco de Loures:

«Realizou-se […] esta eleição com grande concorrência de irmãos,


conseguindo vencer a lista republicana, apesar da valente galopinagem feita
pela lista contrária junto dos irmãos moradores em vários casais, espíritos
ainda ignorantes, que para mais facilmente os convencerem lhes diziam que
os republicanos se queriam introduzir na Irmandade para se apossarem do
dinheiro que devia ser para os pobres […]
Vai finalmente entrar o espírito republicano dentro da mais importante
irmandade do concelho.»145

141
AHPL – Livro de contas da Irmandade de São Pedro de Caneças (de 1902 a 1912). U.I. 1930.
E ANTT – Governo Civil: Processo de contas de gerência da Irmandade do Santíssimo Sacramento de
Caneças, ano de 1903-1904. Cf. Anexo XIII.
142
A obra de Mendes Leal, que tomamos como referência para o conhecimento da religiosidade na
paróquia de Loures, escreveu que a freguesia de Loures foi «modelo de religiosidade», entre os anos
de 1640 e 1840. Na Igreja Matriz e suas ermidas realizavam -se inúmeras festividades que incluíam as
procissões, destacando a festa em honra de N. Sr.ª do Cabo que se realizava de 26 em 26 anos,
conhecida pelo Círio dos Saloios (1838-1839; 1863-1864; 1888-1889). Cf. Admirável igreja matriz de
Loures, p. 31-33.
143
AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1908. Ofício
datado de 3 Junho de 1908.
144
AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1908.
145
Eleição da nova mesa para a Irmandade dos Terceiros de Loures. Quatro de Outubro. Lisboa. Nº
116 (26 de Julho de 1914) 1.

50
Esta passagem no periódico mostra, em parte, o contexto em que se
confrontaram os valores religiosos, morais e políticos, durante os anos da I
República, em torno dos quais se desenvolveu a questão religiosa e a questão
política.
O ambiente religioso vivido no concelho foi propiciado pelas influências
republicanas que remontavam aos finais do século XIX146, que se faziam sentir nas
associações filarmónicas, na imprensa, como exemplo, Lápis e Penna e A Economia.
Imprensa que criticava o governo monárquico e manifestava o seu apoio à República.
Do ano 1883, existe referência ao candidato republicano, Dr. António Carvalho de
Figueiredo, às eleições camarárias 147 de Loures. Surgem também os Centros
Escolares Republicanos em Loures148, uma vez que a instrução era o meio para se
atingir o progresso e o desenvolvimento.
A proximidade com a capital e as relações económicas mantidas entre Lisboa
e Loures, à semelhança do que aconteceu em Caneças, foi preponderante para o
crescimento e afirmação da ideologia republicana junto de comerciantes,
funcionários do estado e profissionais liberais. Essas influências ajudam a
compreender o sentimento anticlerical e antirreligioso que marcaram a I República,
alterando as sociabilidades e práticas religiosas do concelho, nas suas diferentes
representações.
A Irmandade do Santíssimo Sacramento da Igreja Matriz de Loures, antes da
sua dissolução administrativa, procedeu em conformidade com as orientações do
Patriarcado e harmonizou os estatutos ao abrigo do artigo 38º do Decreto de 20 de
Abril. A Irmandade remeteu ao Patriarcado 149 cópia de um requerimento enviado ao

146
Cf. Ana Paula Assunção [et al.] – Loures na memória da República: 4 de Outubro de 1910.
Loures: Câmara Municipal de Loures, 1985, p. 22-37.
147
Cf. Ana Paula Assunção [et al.] – Loures na memória da República: 4 de Outubro de 1910, p. 28.
À excepção da freguesia de Fanhões, em 1913, as restantes tinham Comissões Paroquiais do Partido
Republicano: Apelação, Bucelas, Camarate, Frielas, Loures, Lousa, Odivelas, Póvoa de Stº Adrião,
Santo Antão do Tojal, S. João da Talha, S. Julião do Tojal, Unhos, e Caneças tinha uma Subcomissão
Paroquial. A Comissão Municipal, constituída por representantes das outras Comissões, estava
representada em Loures.
148
Centro Escolar Republicano de Camarate, fundado em Agosto de 1908; Centro Escolar
Republicano de Sacavém, fundado no 1º semestre de 1909; Centro Escolar Republicano de Loures,
criado em 31 de Janeiro de 1909; Centro Escolar Republicano Tenente Valdez, na Pontinha, fundado
em 3 de Fevereiro de 1911. In catálogo da exposição Loures no despertar da República. Loures:
Câmara Municipal de Loures, Outubro 1910, p. 61.
149
AHPL – Vários documentos sobre cultuais. U.I. 2332. Estes documentos incluem o compromisso
reformado da Irmandade para aprovação da autoridade eclesiástica, com a indicação que a Irmandade
do Santíssimo Sacramento de Loures foi criada em 1677 e os seus estatutos aprovados pelo arcebispo
de Lisboa D. Luiz de Sousa.

51
Governo Civil de Lisboa, datado de 24 de Dezembro de 1911, para o exame dos
estatutos reformados. Na ata da reunião de assembleia geral, de 24 de Dezembro de
1911, foram mencionadas as escassas receitas, as quais não impediriam, todavia, a
manutenção do culto na Igreja. Solicitavam ainda, que a Igreja fosse considerada
monumento nacional, pois era muito visitada por nacionais e estrangeiros, devido aos
mármores embutidos e ao trabalho de talha 150.
Por seu lado, o pároco de Loures Joaquim José Pombo, em missiva ao
Vigário geral do Patriarcado, reforçou o seu assentimento às orientações superiores
eclesiásticas na questão da constituição das cultuais. Afirmou que era padre colado e
que em tempo algum contribuiu para a «reforma ou uniformização dos estatutos de
qualquer das Irmandades existentes na freguesia»151. Todavia, a sociabilidade
religiosa na Igreja Paroquial de Loures sofreu contrariedades.
A Irmandade do Santíssimo Sacramento de Loures apresentou os estatutos
para aprovação do Governo Civil em 8 de Fevereiro de 1912, os quais foram
aprovados por alvará de 27 de Março de 1915. Os orçamentos e contas da corporação
foram aprovados até ao ano económico de 1912-1913.
No entanto, o arrolamento dos seus bens e entrega ao Estado resultou de
decisão da Comissão Concelhia de Administração dos Bens Eclesiásticos, por
considerar a Irmandade extinta por não ter apresentado orçamento e estatutos
aprovados152.
A versão oficial da Irmandade à Administração do Concelho foi de que a
associação se encontrava abandonada, por falta de mesários e irmãos, em 26 de Maio
de 1913153, antes da aprovação do projeto de estatutos e do orçamento pelo Governo
Civil.
Em Maio de 1915, a Irmandade do Santíssimo Sacramento de Loures
requereu a entrega das chaves da Igreja e das alfaias e outros pertences arrolados
para reiniciar o culto católico, uma vez que os estatutos e o orçamento tinham obtido

150
Idem.
151
Ofício do pároco ao Vigário Geral do Patriarcado, de 12 de Janeiro de 1912 (AHPL – Vários
Documentos sobre cultuais. U.I. 2332).
152
Ofício da Comissão Concelhia de Administração dos Bens Eclesiásticos do Concelho de Loures ao
Administrador do Concelho de Loures, de 27 de Abril de 1915 (ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/033.
Cópia de uma cópia do original datada de 5 de Maio de 1915).
153
A Irmandade do Santíssimo de Loures comunicou à Administração do Concelho que a associação
se encontrava abandonada por falta de mesários e irmãos, em 26 Maio de 1913. A rogo do juiz,
assinou a carta António Sebastião d’ Almeida. No entanto, o orçamento, do ano 1912-1913, foi
aprovado pelo Governo Civil de Lisboa (AML – Administração do Concelho de Loures -
Correspondência recebida, ano de 1913).

52
aprovação do Governo Civil. A sua pretensão estava dependente da autorização do
Ministro da Justiça e dos Cultos154, mas a Igreja só foi restaurada ao culto em
1931155.
Além da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Loures ter harmonizado os
seus estatutos, ao abrigo do artigo 38º do decreto da Separação e o respectivo
orçamento para o ano 1912-1913, o mesmo sucedeu à Irmandade de Santo André e
Almas de Loures. A Irmandade, em ata156, datada também de 24 de Dezembro de
1911, declarou que cumpriria as determinações legais e apresentaria os orçamentos
ao abrigo do artigo 38º do decreto de 20 de Abril de 1911. Reiterava também a
intenção de «apresentar à aprovação superior o seu orçamento e conta nos prazos
legais e incluir uma verba para beneficência de harmonia com as leis vigentes» 157.
Embora as situações se apresentassem favoráveis à continuidade da
Irmandade, o Juiz comunicou que a corporação estava abandonada há cerca de dois
anos, por falta de irmãos e mesários 158, em 26 de Maio de 1913.
Ao contrário das Irmandades da Igreja de Loures mencionadas, o
representante da Irmandade do Santo Nome de Jesus de Loures159, comunicou ao
Administrador do Concelho que o juiz falecera e a falta de comparência de irmãos
não permitiu eleger nova mesa. Informou também que a Irmandade não estava
legalmente erecta e que não possuía rendimentos, pelo que deveria ser extinta 160.
Comparando os acontecimentos envolvendo os interesses da Irmandade do
Santíssimo Sacramento de Caneças e dos moradores, com a mobilização dos
católicos de Loures, ligados às três Irmandades (Santíssimo Sacramento, Santo

154
Ofício do Governador Civil de Lisboa ao Presidente da Comissão Central de Execução da Lei da
Separação, participando a pretensão da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Loures (ACMF/
CJBC/LIS/LOU/ADMIN/033. Cópia de uma cópia do original datada de 5 de Maio de 1915). Será
interessante estudar a mobilização da população perante o encerramento da Igreja, a extinção das
Irmandades. Sobre o arrolamento dos bens, indicámos em nota de rodapé parte do seu destino.
155
Cf. Álvaro Proença – Subsídios para a história do concelho de Loures. Vol. 1, p. 46.
156
A Irmandade declarou a impossibilidade em reformar os estatutos, porque se tinham extraviado e
organizar um novo compromisso implicava despesas superiores à Irmandade. Na mesma ata afirma
que os gastos a manter são com os encargos obrigatórios – legados pios, aprovação das contas, verbas
para alienados e tuberculosos, cera para o altar. A sua principal receita provinha dos enterros
católicos, situação que o decreto de Abril alterara. (AHPL – Vários documentos sobre cultuais. U.I.
2332).
157
AHPL - Vários documentos sobre cultuais. U.I. 2332.
158
Ofício da Irmandade de 26 de Maio de 1913 (AML – Administração do Concelho -
Correspondência recebida, ano de 1913).
159
Luiz de Jesus Gomes, em 22 de Maio de 1913, em resposta às circulares nº 176 e nº 177 do
Administrador do Concelho (AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência
recebida, ano de 1913).
160
AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano de 1913.

53
Nome de Jesus e Santo André e Almas), à excepção da Ordem Terceira de S.
Francisco, constatamos que as sociabilidades e sensibilidades religiosas foram
vividas com diferente intensidade e empenho na defesa da autonomia da liberdade
religiosa dos cidadãos, de acordo com a documentação estudada.
Em Caneças, os católicos e moradores uniram-se na defesa da autonomia
religiosa e administrativa da povoação, da liberdade de expressarem o seu culto em
comunidade e pelo reconhecimento legal da Irmandade do Santíssimo Sacramento.
Defendiam a criação da paróquia religiosa ou da freguesia para a independência civil
e religiosa de Loures. Nesse sentido, mobilizaram-se para a aprovação da freguesia
de Caneças e apresentaram petições apelando ao direito de expressarem a sua crença,
sem usarem da violência argumentaram contra as decisões das autoridades
competentes, conseguindo provar a entrega do projeto de estatutos da Irmandade do
Santíssimo Sacramento em 1912.
Em contrapartida, as Irmandades da Igreja de Loures com os estatutos a
aprovados não reuniram o número suficiente de irmãos para subsistirem. Donde, o
tipo de resistência em Caneças parece manifestar também uma afirmação da
comunidade local.
A questão religiosa vivida no contexto da freguesia de Loures levanta a
problemática no que se refere ao relacionamento entre os poderes temporais e o
eclesiástico, como também a relação entre as pessoas que os representavam,
portanto, esta conflituosidade, sendo marcada pela componente religiosa, envolvia
também as disputas de influência de poder no município.

54
CAPÍTULO 2
A IRMANDADE DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO
E A LEI DA SEPARAÇÃO

A separação161, promulgada pelo decreto de 20 de Abril de 1911, pôs em


causa a autonomia da Igreja e a liberdade religiosa dos cidadãos, face à intervenção
do Estado no domínio do religioso, como a organização do culto, a apropriação de
bens, a dependência da hierarquia católica do poder civil/político na produção e
divulgação de documentos eclesiásticos, na utilização dos espaços de culto, nas
manifestações religiosas populares, na ação sócio-caritativa da Igreja (a católica
romana, neste estudo de caso).
Problemáticas que têm suscitado reflexões sobre o modelo expresso no
decreto de 20 de Abril, tendo como ponto de partida a questão da separação ou
integração dos poderes temporal e religioso. E em torno desta reflexão, consideramos
a determinação da lei no que concerne à constituição das associações cultuais e ao
papel das associações laicas de fiéis, as Irmandades de tradição secular. Constituição
que fomentou, nas primeiras décadas do séc. XX, confronto de ideias e de práticas
sociais de cariz religioso, condicionando o ambiente político-religioso de então.
Considerando estes pressupostos, procurar-se-á demonstrar como a Lei da
Separação das Igrejas do Estado influenciou a liberdade de culto e as funções de
natureza assistencial e de beneficência que caracterizavam a ação da Irmandade do
Santíssimo Sacramento de Caneças. Até que ponto o culto foi comprometido face às
novas orientações?
O Estado laico princípio orientador da ação republicana, que pretendia
afirmar a autonomia dos indivíduos na sociedade, a sua liberdade de consciência e
liberdade religiosa, nem sempre esses princípios foram entendidos pelos seus
agentes. Através da Lei da Separação e de outros diplomas aplicados ainda nos
últimos meses de 1910, pareceu pretender a descristianização forçada para a

161
Lei da Separação, de 20 de Abril de 1911, publicada no D.G. nº 92 (21 de Abril de 1911). Cf.
Sérgio Pinto – Separação religiosa como modernidade: decreto-lei de 20 de Abril de 1911 e modelos
alternativos, p. 253. A Lei da Separação deu início à política laicizadora do regime republicano:
laicizava o estado, promovia a constituição de associações cultuais para controlo da vida religiosa nas
comunidades, desprestigiando o papel do clero e respetivas hierarquias, expropriava as igrejas e suas
corporações religiosas, reforçava a dependência do clero do poder temporal enquanto funcionários
públicos. Cf. Vitor Neto – O Estado, a Igreja e a Sociedade em Portugal (1822-1911). Lisboa:
Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1998, p. 272.

55
afirmação da separação do mundo político do mundo religioso, não respeitando a
cultura e a vontade dos cidadãos162.
Para que as mudanças culturais, defendidas para a sociedade, acontecessem,
foi necessário produzir leis, como a Lei da Separação do Estado e das Igrejas, de
Afonso Costa mas assumida pelo Governo provisório, para que se assistisse a uma
nova ordem social e a um novo modelo cultural.
Para o regime republicano, o novo paradigma cultural era a base do progresso
social, assente na instrução e na valorização de práticas sem o pendor da religião.
Nessa linha de pensamento, assistiu-se à substituição dos feriados religiosos
nacionais pelos feriados cívicos163. O Estado pretendia separar o poder civil e o
poder religioso através de uma ação em que subestimou a autonomia das instituições
religiosas e respetivas hierarquias164.
Nesse sentido, a interpretação da Lei de 20 de Abril de 1911,nomeadamente,
os seus artigos 17º, 19º, 32º e 38º, motivou críticas e versões distintas quanto ao teor
e objetivos dos referidos artigos, considerando que o Estado estava interferir na
organização e gestão do culto público e, simultaneamente, na constituição das
associações religiosas laicas.

162
Cf. António Matos Ferreira – Laicidade. In Dicionário de História Religiosa. Dir. Carlos Azevedo.
Lisboa: Círculo de Leitores Sa e Centro de Estudos de História Religiosa – UCP, 2000. Vol. 3, p. 59-
65.
163
Dia 1 de Janeiro – dia da Fraternidade Universal; Dia 31 de Janeiro – em memória dos Precursores
e Mártires da República; 5 de Outubro - homenagear os Heróis da República; 1 de Dezembro –
comemorara Autonomia da Pátria Portuguesa; 25 de Dezembro – dia da Festa da Família Portuguesa.
164
A separação não era refutada pela hierarquia católica. Em 1885, Leão XIII, na sua encíclica
Immortale Dei distinguiu na sociedade cristã a coexistência do poder eclesiástico e do poder civil,
ambos autónomos, de acordo com o seu múnus. O Papa procura conciliar os dois poderes, defendendo
a legitimidade de cada um, dando início à política do Ralliement. A Igreja aceitava as alterações
políticas e procurava agir através da união dos fiéis em defesa da cristianização da sociedade. Cf. João
Ameal – História da Europa. Lisboa/São Paulo: Editorial Verbo, 1984. Vol. 5, p. 379-384.

56
2.1- A SUA RELAÇÃO COM O PODER LOCAL E O PODER
ECLESIÁSTICO

Após o ano de 1912, a vida religiosa dos moradores de Caneças foi


condicionada pelo encerramento da capela ao culto.
A Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças, em assembleia geral de
confrades de 10 de Dezembro de 1911, redigiu a ata165 em que os presentes
admitiram a reforma dos estatutos, os quais deviam ser apresentados em nova
reunião para a respetiva aprovação. Os confrades decidiram, por unanimidade,
«continuar com o culto e beneficência em harmonia e conforme o artigo trinta e oito
da lei da separação»166. Na declaração167, os mesários obrigavam-se a reformular os
estatutos «nos prazos, que ulteriormente» lhes fossem indicados e «a empregar no
serviço do culto» quantia que não excedesse «a terça parte dos seus rendimentos
totais e dois terços da quantia que tem dispendido com o mesmo em média nos
últimos cinco anos». A Irmandade podia apresentar os estatutos ulteriormente e,
assim, evitava a sua extinção e o encerramento da capela ao culto, e agia conforme as
orientações do Patriarcado ao harmonizar os estatutos ao abrigo do art. 38º da Lei da
Separação.
A Igreja Católica considerava que a reformulação dos estatutos, ao abrigo do
artigo 38º, não implicava a formação de cultual168:

«[…] em obediência às Instruções e determinações comunicadas pela Santa


Sé, reformarem os seus Estatutos de harmonia com prescrito no artigo 38º e

165
Portaria de 18 de Novembro de 1911,do Ministério da Justiça, publicada no D.G. nº 271, de 20 de
Novembro de 1911. O diploma instruía as irmandades a entregarem a ata da assembleia geral em que
os irmãos se comprometiam a reformar os estatutos ao abrigo do decreto da Separação e a declaração
em que os mesários anunciavam que o orçamento seria organizado e apresentado «dentro dos limites
do artigo 38º», do mesmo decreto, bem como a apresentação dos estatutos reformados «no prazo que
ulteriormente for designado». A portaria prorrogava o prazo para a apresentação dos estatutos das
irmandades que não os reformassem até 31 de Dezembro de 1911, caso não cumprissem o preceituado
nos artigos 39º e 169º da Lei da Separação. Evitava a extinção das irmandades.
166
Cópia da ata autenticada da Confraria do Santíssimo Sacramento de Caneças para resolver sobre a
continuação com o culto e beneficência, de 10 de Dezembro de 1911 (AGCL – Confraria do
Santíssimo Sacramento de Caneças. Processo nº 1353, cx 51). Cf. Anexo XV.
167
Declaração dos mesários da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças, de 10 de Dezembro
de 1911 (AHPL – Livro de deliberações da Irmandade, fl. 14. U.I. 1885). A declaração faz também
parte do processo remetido ao Administrador do Concelho de Loures, em 25 de Junho de 1912, que,
por sua vez o enviou ao Governo Civil de Lisboa em 31 de Agosto de 1912 (AGCL – Confraria do
Santíssimo Sacramento de Caneças. Processo nº 1353, cx 51). Cf. Anexo XVI.
168
Também as Irmandades do Santíssimo Sacramento e das Almas de Loures apresentaram ao
Patriarcado cópia das atas com o mesmo conteúdo, datadas de 24 de Dezembro de 1911, como
mencionámos no capítulo anterior (AHPL – Vários documentos sobre cultuais. U.I. 2332).

57
não com o que se mostra consignado nos artigos 17 e seguintes do decreto de
20 de Abril. »169

A hierarquia católica aconselhava também os párocos170 a não promoverem a


constituição das associações «dentro das bases fixadas pelo decreto de 20 de Abril de
1911»171, e a não reconhecerem a natureza das corporações cultuais.
O aparecimento de cultuais verificou-se por todo o país172, excepto nos
distritos da Horta, Funchal e Ponta Delgada 173, embora não constituíssem a maioria
de associações de fiéis. Toda a questão em torno das cultuais caracteriza-se pela
dependência dos assuntos da esfera espiritual, incluindo o próprio clero, da sociedade
civil. O clero não podia intervir nas corporações e na organização e gestão do culto,
ficava subordinado às decisões dos leigos em matérias da sua competência.
Por outro lado, as receitas que promoviam o sustento do culto, como as
doações e legados em testamentos foram proibidos; caso se observassem essas
situações e não fossem reclamadas pelos sucessores, os bens revertiam para a Junta
de Paróquia que os aplicaria em ações de beneficência e assistência 174.
O ambiente de instabilidade social, em parte fruto da questão política e
religiosa, não impediu que a associação de fiéis em Caneças, a Irmandade do
Santíssimo Sacramento, agisse na salvaguarda do culto em relação à sua manutenção.
Considero que, pelas fontes consultadas, não foram ações mitigadas pelo ideário
republicano, as pessoas mobilizaram-se independentemente das suas preferências
políticas, distinguindo o espiritual do político.
Enquanto cidadãos (homens e mulheres de Caneças) procuraram defender a
sua liberdade de consciência e de culto, anunciada no artigo 1º da polémica Lei da
Separação, através de representações apresentadas às autoridades superiores em

169
AHPL – Provisões, Portarias: correspondência oficial durante a residência do Sr. Patriarca em
Santarém: de 3 de Fevereiro de 1912 a 21 de Outubro de 1916, fl. 26 verso. U.I. 174.
170
Orientações dirigidas aos párocos sobre cultuais para que dêem informações sobre corporações
cultuais (AHPL – Vários documentos sobre cultuais, fl. 2. U.I. 2332).
171
Orientações escritas transmitidas às Irmandades, aos párocos e às Juntas de Paróquia. As
Irmandades deviam lavrar o seu protesto em como eram corporações eclesiásticas a quem competia a
guarda e administração dos bens móveis e imobiliários destinados ao exercício do culto, conforme os
seus estatutos. Também as Juntas de Paróquia deviam reafirmar a sua legitimidade, enquanto Fábricas
da Igreja, para a guarda e administração de bens e alfaias destinadas ao culto (AHPL – Vários
documentos sobre cultuais, fl. 2. U.I. 2332).
172
Maria Lúcia Brito Moura – A «Guerra Religiosa» na I República. 2ª ed. Lisboa: Centro de Estudos
de História Religiosa - UCP, 2010, p. 288.
173
Op.cit. p. 288.
174
Artigo 29º da Lei da Separação de 20 de Abril de 1911, publicada no D.G. nº 92, de 21de Abril de
1911.

58
favor da manutenção da capela para o exercício do culto público e do
reconhecimento da existência legal da Irmandade do Santíssimo.
Considerava um Edital175 da Comissão Concelhia de Administração dos Bens
Eclesiásticos de Loures, de 15 de Novembro de 1914, que não existia espírito
religioso no Concelho que mostrasse a «necessidade da conservação destes templos
com todos os seus objetos de culto». A Comissão Concelhia, ao declarar que o povo
não professava a religião católica, condicionou a prática religiosa em relação à
utilização dos objetos de culto, aos espaços de culto e à administração de bens
imobiliários que contribuíam para sustentar as despesas.
O Edital informava que «todas as igrejas, capelas e ermidas do concelho de
Loures», à excepção da igreja de Santa Iria d’Azóia, se encontravam encerradas há
três anos, pelo que propunha a venda, em hasta pública, de inúmeros bens
imobiliários, mobiliários e objetos de culto, ressalvando os de valor artístico ou
histórico. Justificavam também a venda pelas reclamações contra o mau estado dos
edifícios e das alfaias de culto e dos furtos de que eram alvo. A venda dos bens, por
arrematação, da paróquia de Loures176 sucedeu, principalmente, nos anos 20 do
século XX, de acordo com as anotações constantes no processo de arrolamento.
Quanto à informação sobre o encerramento de todas as igrejas e ermidas, à
excepção da Igreja de Santa Iria d’Azóia177, esta contraria o que já referimos sobre a
situação da capela de São Pedro de Caneças que, em 1911, se encontrava aberta ao
culto como outras Igrejas do Concelho, inclusive a Matriz de Loures.
Esclarece ainda o Edital, que até à data da emissão do referido documento,
não se tinham registado reclamações ou pedidos para a reabertura de qualquer das
igrejas e capelas do concelho de Loures. A comprovar pela documentação em estudo,
esta consideração não corresponde à verdade dos factos e tomemos como exemplo as
ocorrências na capela de Caneças. A Irmandade será dissolvida e a capela encerrada
ao culto público, após as petições.
De acordo com os pressupostos anteriores, constata-se que o relacionamento
com os poderes locais não foi fácil, designadamente, com a Comissão Concelhia de

175
Edital de 15 de Novembro de 1914, assinado pelo Presidente da Comissão João Raimundo Alves.
(ACMF/ CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001. Processo nº 2782, Fl. 29). Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 131.
(22 de Novembro de 1914) 3. Cf. Anexo XLVII.
176
ACMF/ARQUIVO/CJBC/LIS/LOU/006.
177
Embora o Regedor tenha comunicado ao Administrador do Concelho que na freguesia não existia
associação religiosa, mas que outrora existiu uma Irmandade na ermida, em 3 de Setembro de 1912
(AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano 1912).

59
Administração dos Bens Eclesiásticos de Loures e administração do Concelho 178 e
com alguns republicanos que assumiram posições anticlericais e anticatólicas, como
as ameaças proferidas contra o capelão João Ramos do Rosário da capela de Caneças
e os párocos de Bucelas, Fanhões e Loures.
Mas, é preciso ter em consideração que, em Caneças, também havia
republicanos católicos que não se constrangeram em agir em prol do seu credo,
participavam na vida da Irmandade do Santíssimo Sacramento, subscreveram as
petições e participavam na vida política local. Ser republicano podia significar ser
católico ou não, da mesma forma que ser partidário da monarquia não correspondia,
necessariamente, professar o catolicismo.
Manifestações pró-república aconteciam no concelho de Loures e em
Caneças, como a moção179 de apoio ao Governo e ao Partido Republicano Português,
aprovada por um grupo de republicanos de Caneças, por ocasião da preparação da
eleição de uma comissão local partidária que contribuísse para o «desenvolvimento e
progresso da localidade». Em Caneças, teve ainda lugar uma conferência
patriótica180, em 29 de novembro de 1914, presidida por Herculano Moreira Feyo
(secretário da Câmara Municipal de Loures), em que o orador proferiu o discurso
sobre «Verdadeiros e falsos patriotas» para abordar a questão I Guerra Mundial.
Nessa abordagem, considerou os opositores à participação no conflito apoiantes da
monarquia, designando-os de «falsos patriotas», enquanto os republicanos eram os

178
O republicano João Raymundo Alves exerceu as funções de taquígrafo da Câmara dos Deputados
(ainda no tempo da monarquia) e, posteriormente a de Oficial do Registo Civil. Cidadão que se
mostrou favorável à causa republicana em artigos de opinião nos jornais Lápis e Penna (surge em
1907, propriedade Raymundo Alves & Companhia) e A Economia (criado em 17 de janeiro de 1908).
Após 1912, as suas mensagens tiveram voz em O Cinco de Outubro e Quatro de Outubro, de cujo
periódico será proprietário. Exerceu os cargos de Administrador do Concelho de Loures e de
Presidente da Comissão Concelhia de Administração dos Bens Eclesiásticos de Loures. Durante as
suas administrações no Concelho de Loures, ocorreram os conflitos mais significativos com os fiéis de
Caneças, ao nível de contradições da informação declarada. Ao compararmos a informação com as de
outras fontes, observa-se que revela parcialidade de pareceres, quanto à situação da Irmandade do
Santíssimo Sacramento e da capela. O padre João Ramos do Rosário chega a acusar o Administrador
de ser o causador das ameaças que sofreu. A presença dos democráticos no funcionalismo estatal,
associações, clubes, centros escolares, e grupos secretos (Formiga Branca) fomentou o «centralismo
burocrático, subalternizando a dinâmica de partido em relação à dinâmica do estado» o que contribuiu
para o desenvolvimento de «um partido de cartel» ao serviço «das companhias públicas e das
sociedades económicas e financeiras». Cf. Ernesto Castro Leal – Partidos e Programas: o campo
partidário republicano português (1910-1926). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra,
2008, p. 46-47.
179
Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 64 (6 de Julho de 1913) 1.
180
Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 132 (de 29 de Novembro de 1914) 1; Quatro de Outubro. Lisboa.
Nº 133 (de 13 de Dezembro de 1914) 3. A Conferência realizou-se a pedido da Comissão Municipal
Republicana do concelho de Loures e ocorreu numa sala cedida por António Raimundo Martins,
comerciante em Caneças e membro da subcomissão republicana paroquial de Caneças.

60
«verdadeiros patriotas». Para alguns republicanos, aqueles que defendessem opiniões
divergentes de um determinado grupo eram associados à causa monárquica. No que
se referiu à Lei da Separação, o conferencista comparou o autor da mesma a Marquês
de Pombal, de forma elogiosa.
No entanto, estes acontecimentos não podem ser tomados como exemplos de
apoio ou de repúdio ao poder instituído, pelos cidadãos da pequena comunidade.
Estas ações permitem conhecer comportamentos e, consequentemente, as dinâmicas
sociais que se foram estabelecendo face aos condicionalismos que foram surgindo no
contexto político-religioso, enquadrando os católicos e confrades da Irmandade a sua
ação na sociedade.
Os mesários da Irmandade não contestavam o poder político instituído. Na
petição de 27 de Janeiro de 1913, remetida à Direcção Geral dos Negócios
Eclesiásticos, afirmaram que eram «todos cidadãos pacíficos alheios a política e
sempre respeitadores dos mandados da autoridade legitimamente […]»181.
Por este motivo consideravam não haver razão que levasse ao encerramento
da capela, tanto mais que a Irmandade e o capelão tinham apresentado as declarações
previstas na lei, e reformulado os estatutos os quais foram aprovados em assembleia
geral de 1 de Junho de 1912182. O compromisso da Irmandade encontrava-se «há
meses» no Governo Civil de Lisboa «a fim de ser aprovado»183. Estatutos184 que
tinham sido remetidos ao Administrador do Concelho em 25 de Junho de 1912 185 e,
por este, ao Governo Civil em 31 de Agosto de 1912186.
Como referimos, a mesa da Irmandade, na declaração de 1911,
comprometeu-se a apresentar os orçamentos e contas nos prazos legais e a despender
no serviço de culto a quantia que não excedesse a terça parte dos seus rendimentos
totais e dois terços da quantia despendida nos últimos cinco anos, conforme o artigo

181
Petição dos mesários e confrades da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças, de 27 de
Janeiro de 1913, face ao encerramento da capela de S. Pedro e à inexistência de aprovação dos seus
estatutos (ACFM/CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001). Cf. Anexo XXIV. D. António Mendes Belo,
Patriarca de Lisboa, defendia a necessidade das forças católicas unirem esforços, na defesa do
interesse da religião católica, desenvolvendo ações religiosas e sociais (Carta de D. António ao
Secretário de Estado Cardeal de Sua Santidade, 30 de Junho de 1913. AHPL – Provisões, Portarias:
correspondência oficial durante a residência do Sr. Patriarca em Santarém: de 3 de Fevereiro de
1912 a 21 de Outubro de 1916. Carta nº 16. U.I. 174).
182
Cf. Anexo XVII.
183
Petição de 13 de Janeiro de 1913 dos mesários e confrades da Irmandade do SSº de Caneças
(ACFM/CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001. Fls. 3-5).
184
Cf. Anexo XVIII.
185
Cf. Anexo XIX.
186
Cf. Anexo XXI.

61
38º da Lei da Separação. Além de garantirem o culto, continuavam a dedicar-se ao
socorro de irmãos em necessidade. As receitas para isso provinham,
maioritariamente, das quotas de irmãos e de esmolas voluntárias, como já referimos.
Declaração que também foi remetida ao Patriarcado A Irmandade ao tomar esta
posição, correspondia às orientações do Patriarcado, que considerava «lamentável» a
existência das:

«associações cultuais, como ficam sendo as Irmandades regidas por estatutos


aprovados em conformidade com o artigo 17º e seguintes do decreto da
Separação; associações anti-canónicas, condenadas e reprovadas na
sapientíssima Encíclica Iamdudum in Lusitania de 24 de Maio de 1911
[…]»187.

Pretendia-se que fosse «respeitada a hierarquia e fiquem ressalvados os


direitos espirituais dos párocos»188. O que estava em causa era a organização e a
gestão do culto, o qual devia estar sob a dependência da hierarquia (prelados e/ou
párocos) e não dos leigos, «ressalvando os legítimos direitos dos párocos, quanto à
presidência e direção do mesmo culto, ao ensino religioso e, geralmente, em tudo o
que pertence à esfera espiritual» 189.
A ação da Irmandade para a manutenção do culto na capela tornar-se-á
infrutífera, como se verá. A problemática envolverá a transformação da Irmandade
187
Carta de D. António Mendes Belo ao Sr. Cardeal de Estado de Sua Santidade, no seguimento da
mensagem da Representação das Irmandades do Santíssimo da cidade de Lisboa, e Ofício-Circular do
Patriarca, de 20 de Agosto de 1913 (Carta nº 50, de 1 de Dezembro de 1913. AHPL – Provisões,
Portarias: correspondência oficial durante a residência do Sr. Patriarca em Santarém: de 3 de
Fevereiro de 1912 a 21 de Outubro de 1916. U.I.174). A encíclica Iamdudum in Lusitania do Papa
Pio X, publicada em 24 de Maio de 1911, criticava a Lei republicana, no que se referia à religião;
apoiava a Pastoral Coletiva dos Bispos portugueses em defesa da religião e da Igreja católica e da
união dos católicos (divulgada pelos padres a partir de 1911, em que se condenava a legislação
republicana em matéria religiosa, a perseguição de que a religião estava a ser alvo em termos de poder
espiritual); criticava o afastamento dos Bispos do Porto e de Beja (D. António Barroso e D. Sebastião
Leite de Vasconcelos); considerava que o decreto espoliava à Igreja os seus bens materiais; criticava
as associações cultuais porque o objetivo era afastar o clero da organização do culto e a intervenção
do Estado na esfera eclesiástica; criticava a ruptura pretendida com a Santa Sé, no que respeitava ao
exercício da sua autoridade sobre matérias religiosas em Portugal. Cf. Vitor Neto - O Estado, a Igreja
e a Sociedade em Portugal (1822-1911), p. 278-285.
188
Carta de D. António Mendes Belo ao Sr. Cardeal de Estado de Sua Santidade, no seguimento da
mensagem da Representação das Irmandades do Santíssimo da cidade e Lisboa e Ofício-Circular do
Patriarca, de 20 de Agosto de 1913. (Carta nº 50, de 1 de Dezembro de 1913. AHPL – Provisões,
Portarias: correspondência oficial durante a residência do Sr. Patriarca em Santarém: de 3 de
Fevereiro de 1912 a 21 de Outubro de 1916. U.I. 174).
189
Idem. Segundo a carta coletiva dos Bispos Portugueses, de 15 de Março de 1913, «O Papa, com a
plenitude do poder, governa superiormente toda a Igreja, o Bispo governa a diocese; o pároco
administra espiritualmente a paróquia. O pároco exerce, ou qualquer sacerdote, exerce o seu múnus na
dependência do Bispo, assim como o Bispo o exerce na dependência do Papa.» (ACMF – CJBC-
LEGIS- 045 - Carta dos Bispos, p. 22). Cf. Anexo XXV.

62
em associação cultual ao abrigo do artigo 17º da Lei da Separação. Transformação
que não é aceite pela associação que declara a reformulação do seu compromisso ao
abrigo do artigo 38º, seguindo as orientações do Patriarcado. Posteriormente, ao
abrigo do artigo 19º da mesma Lei, solicita autorização para a constituição do
agrupamento cultual transitório, com o apoio do pároco de Loures Joaquim José
Pombo.
Neste contexto político-religioso, os fiéis e habitantes de Caneças, como nos
são apresentados os signatários das petições, solicitam a reabertura da capela de São
Pedro ao culto. A população tenta agir, fazendo valer os direitos de manifestar a
liberdade de crença, perante um regime republicano defensor dos princípios da
liberdade, da igualdade, e do direito à segurança e propriedade. Essa liberdade
deveria ter como desiderato manter as suas vivências religiosas, em comunidade, sem
as condicionantes da interpretação de uma lei que abriu caminhos a atos de
intolerância e subjugou, neste caso, as manifestações de fé seculares.
De um momento para o outro, os costumes, a tradição era como que
“coagida” a dar lugar a uma nova ordem cultural e moral, em que os princípios da
liberdade e da tolerância eram entendidos como vontades de um novo regime que
definia o caminho que cada um devia tomar, mas sujeita a interpretações locais que
aumentavam as inimizades e situações de confronto.
Em Caneças, a “questão religiosa” fez-se sentir quanto ao entendimento sobre
a separação dos poderes temporal e espiritual e a intervenção do poder político sobre
o poder eclesiástico e, simultaneamente, sobre as vivências religiosas e a liberdade
de escolha dos cidadãos, a partir das interpretações às leis vigentes 190. O ambiente
religioso vivido no Concelho foi influenciado pelo encerramento das Igrejas ao culto,
as perseguições e violência191 usadas contra os párocos do Concelho, a venda de bens
em hasta pública e a dissolução de algumas das Irmandades, como se referiu no
anterior capítulo.

190
Cf. João Seabra - O Estado e a Igreja em Portugal no início do século XX: a Lei da Separação de
1911. Cascais: Principia Editora, Lda. 2009, p. 97.
191
O Governador Civil de Lisboa indagou sobre o autor da expulsão dos padres e o papel dos
regedores e do administrador perante os incidentes, solicitando em 14 de Julho de 1912, ao
Administrador do Concelho de Loures esclarecimentos pela expulsão dos párocos de Loures, Fanhões
e Bucelas. Este último preso pelo «povo da freguesia de Bucelas», por suspeita de conspiração. O
Governador Civil emitiu o seguinte despacho: «não é admissível que cada qual tome para si
atribuições que exclusivamente às autoridades constituídas pertencem […]» (AML – Administração
do Concelho - Correspondência recebida, ano de 1912).

63
Neste sentido, os leigos agiram na proteção da sua liberdade religiosa, daí o
seu papel nesta pequena comunidade onde procuraram mover-se perante uma
interpretação “excessiva da lei” e as inúmeras contradições, face aos documentos
remetidos para as autoridades competentes e que pareciam não chegar ao destino. A
instabilidade vivida e sentida motivou a defesa dos valores cristãos em que
acreditavam.
A Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças atuou na salvaguarda da
liberdade de culto, globalmente pela defesa da religião com direito à identidade. Esse
comportamento traduzia-se na organização do culto e ao seu papel religioso, social,
cultural e até económico192, mas não foi uma força de oposição ao poder político
instituído. Tanto mais, como afirmou D. António Mendes Belo, «a situação das
Irmandades quanto à sua dependência do poder civil em tudo o que se relaciona com
a administração dos seus bens e rendimentos»193 era anterior ao regime republicano.
Dependência consignada na lei com a obrigação do pagamento de contribuições
sobre os seus bens e para a assistência de obras de beneficência e de instrução.
Não obstante existir em Caneças uma subcomissão do Partido Republicano
Português, não se verificou a existência de pressões, pelo menos expressas e
assumidas, para manter a Igreja aberta ao culto nem para a constituição de cultual,
nem o oposto. Alguns destes republicanos, e respetivas famílias, estão entre os
signatários das petições, apresentadas para a reabertura da capela ao culto, para o
reconhecimento da legalidade da Irmandade do Santíssimo Sacramento,
posteriormente, para a constituição do agrupamento cultual transitório e,
simultaneamente, constituíam a elite política local194.

192
A feira na 2ª feira da Páscoa deixou de realizar-se como costume, pelo que os habitantes
apresentaram uma petição (16 de Março de 1911) para que a feira se realizasse no Domingo de Páscoa
(AML- Câmara Municipal de Loures: Representações e requerimentos, de 1911 a 1914). A dinâmica
económica do lugar em torno da vida religiosa foi uma realidade, por ocasião dos festejos da Páscoa e
do Dia do santo Padroeiro (AML – Câmara Municipal de Loures: Requerimentos e representações, de
1911 a 1914.)
193
Carta do Sr. Patriarca ao Sr. Cardeal de Estado de Sua Santidade, de 1 de Dezembro de 1913 (Carta
nº 50, de 1 de Dezembro de 1913. AHPL – Provisões, Portarias: correspondência oficial durante a
residência do Sr. Patriarca em Santarém: de 3 de Fevereiro de 1912 a 21 de Outubro de 1916. U.I.
174).
194
António Duarte Sacavém foi barbeiro em Caneças e guarda do cemitério municipal de Caneças.
Após o 5 de Outubro de 1910, tornou-se presidente da filarmónica «Sociedade Musical de Caneças»,
membro da Subcomissão Paroquial do Partido Republicano Português de Caneças e da Comissão
Paroquial Municipal do mesmo Partido (cf. Loures na Memória da República: 4 de Outubro de 1910,
p. 29), não assinou qualquer das petições. Também não se verificaram, da sua parte, declarações,
expressas ou implícitas, de oposição à abertura da capela ao culto ou à legalidade da Irmandade do
SSº na documentação estudada. António Duarte Sacavém foi uma das vítimas da pneumónica em 1 de

64
Da análise da documentação, observamos a existência de informações que se
contradizem, quanto aos procedimentos realizados pela Irmandade do Santíssimo
Sacramento de Caneças, em cumprimento da legislação em vigor, e a administração
do concelho de Loures. Tais posições levaram à dissolução da Irmandade e ao
encerramento da capela ao culto, durante a administração do Concelho por João
Raymundo Alves195, que esclareceu sobre a inexistência de «qualquer espécie de
reclamação» ou «pedido para a reabertura de qualquer das referidas igrejas ou
capelas.»196
As diligências tomadas pela Irmandade do Santíssimo Sacramento, com o
apoio dos habitantes e dos párocos, contrariam a afirmação transcrita, presente no
Edital. Todavia, como expusemos no capítulo anterior, por ocasião do arrolamento
de bens da capela de São Pedro de Caneças, em 17 de Junho de 1911, o jornal O
Cinco de Outubro197, refere uma reunião entre o Administrador do Concelho e a
Irmandade de São Pedro de Caneças (Santíssimo Sacramento) sobre o arrendamento
da Quinta das Lages, pertencente à capela de São Pedro. A Quinta das Lages tinha
sido doada à confraria como prova o testamento de José Maria Lourenço Junior,
lavrado em 27 de Abril de 1903. O legado foi aceite pelos mesários para que
pudessem socorrer aos inválidos e enfermos pobres de Caneças, pelo que procederam
à realização das diligências legais para a concessão da licença régia sobre a referida
doação198. No entanto, o Administrador do Concelho informou os mesários que,
terminado o ano de arrendamento, o imóvel passava para a posse do Estado.

Outubro de 1918. Embora não tenha subscrito nenhuma das petições para a reabertura da capela ao
culto, membros da sua família assim procederam, como sua mãe Matilde do Nascimento. Segundo o
testemunho oral de uma familiar, por ocasião do encerramento da capela, deu calma aos habitantes. O
seu espólio manuscrito continha informações sobre os acontecimentos da época, mas foram doados ao
antigo Arquivo de Loures, desconhecendo-se até à data o seu paradeiro. Outros confrades
desempenharam cargos políticos na Câmara Municipal de Loures e na Junta de freguesia de Caneças,
criada em 10 de Setembro de 1915, como se refere no 3º capítulo.
195
Administrador do Concelho de Loures, de 1911 a 25 de Julho de 1912, renomeado em Janeiro de
1913.
196
Edital de 15 de Novembro de 1914, publicado em Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 131 (22 de
Novembro de 1914) 3. A cópia do mesmo Edital consta no processo da Comissão Central de
Execução da Lei da Separação ACMF/CJBC/LIS/LOUCEDEN/001. Processo 2782, fl. 29.)
197
O Cinco de Outubro. Lisboa. Nº 21 (19 de Novembro de 1911) 1. Jornal semanário republicano,
cujo proprietário foi António Ribas d’ Avelar, solicitador, que se candidatou pelo Círculo 36 (a que
pertencia o concelho de Loures) nas eleições de 28 de maio de 1911 para a Assembleia, mas não foi
eleito. Protestou contra o resultado eleitoral no Círculo e propôs a repetição de votação nas
assembleias de voto de Bucelas, Cadafais, Cadaval, Loures, Meca, Sacavém, Stª Ana da Carnota
(AHP – Secção IX, cx. 46-A). Ribas d’ Avelar foi Presidente da Câmara dos Solicitadores entre 1933-
1934.
198
AHPL – Livro de deliberações da Irmandade de São Pedro de Caneças. U.I. 1885. Ata de 10 de
maio de 1905, p. 5-5 verso. Informação comprovada pelo testamento do testador, lavrado em 27 de

65
Por outro lado, a Irmandade realizava os normais procedimentos
administrativos, os quais pareciam decorrer sem problemas, não fossem as
dificuldades de comunicação entre a Irmandade e a Administração do Concelho. A
mesa reeleita da Irmandade do Santíssimo Sacramento, em 28 de Janeiro de 1912199
enviou ao Administrador do Concelho cópia da ata da eleição dos novos membros da
mesa que serviriam no ano 1912-1913.
Em 10 de Março do mesmo ano, o secretário da Irmandade, solicitou à
mesma entidade, o envio do orçamento aprovado superiormente, referente ao ano
económico 1911-1912, decisão que era do seu conhecimento200. A falta do
orçamento estava «causando grande transtorno ao regular andamento dos negócios»
da corporação, uma vez que era necessário adquirir cera, azeite, vinho e hóstias para
o culto, assegurar as esmolas aos pobres, pagar ao padre capelão, ao sacristão e a
limpeza da igreja. De facto, o Governo Civil de Lisboa comunicara em ofício de 13
de Fevereiro de 1912, a aprovação do orçamento201, o qual devia ser entregue à
Irmandade do Santíssimo Sacramento.
Além da elaboração do orçamento, a mesa enviou ao Administrador do
Concelho 202, em 25 de Junho, os três exemplares dos estatutos, em cumprimento da
deliberação da confraria em assembleia geral e do estabelecido na Lei da Separação.
Documentos que provam que a Irmandade apresentou os Estatutos reformados para
aprovação superior e contrariam a argumentação da administração concelhia 203 e até
do Governo Civil, num dado momento, de que a Irmandade não reunia, desde 1909,
era administradora de «umas propriedades que pertenciam à capela que passaram

Abril de 1903 (ACMF – DGCI -LIS - LIS 3- IS -02786). Depois do arrendamento da Quinta, esta foi
vendida por arrematação a Constâncio Vigoço. Mais tarde, a Quinta passou a ser gerida pela Obra de
N. Sr.ª do Amparo e foi abrigo para enfermos do sexo masculino. Há poucos anos, a Quinta foi doada
à Província Portuguesa da Ordem Franciscana, sendo um espaço em que o Movimento Emaús exerce
a sua atividade sócio-caritativa. Anexo XII.
199
Os mesários foram reeleitos para os seguintes cargos: Juiz, Francisco Fernandes Lapa; Tesoureiro,
Manuel Nunes; Procurador, António Rodrigues Rolim; Secretário, José Temo Rodrigues; Irmãos: José
Bento Luís Cardoso e José Martiniano Sarreira (AML – Administração do Concelho de Loures -
Correspondência recebida, ano de 1912).
200
AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano de 1912.
201
AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano de 1912.
202
Ofício da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças, de 25 de Junho de 1912 (AML –
Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano de 1912. Ofício presente
também no Arquivo do Governo Civil de Lisboa - processo nº 1353, cx 51. Comprovado pelo ofício
da 3ª Repartição do Governo Civil ao Presidente da Comissão Central da Execução da Lei da
Separação, datado de 17 de Fevereiro de 1916 (ACMF/ CJBC/LIS/LOU/ ADMIN/028 - Processo
2101, L. 9, fl. 22).
203
Cópia da resposta do Administrador do Concelho sobre a Irmandade do SSº de Caneças, ao
Governo Civil de Lisboa, em 2 de Junho de 1913 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/028 - Processo
nº 2101, fl. 7, cópia nº 2). Cf. Anexo XXX.

66
para a posse do estado» e não tinha o projeto de estatutos aprovados. Mas as
autoridades competentes não intimaram a corporação para a correção de eventuais
irregularidades no projeto de estatutos.
Contrariando a argumentação de que a mesa da Irmandade não reunia, desde
1909, além das outras atas anteriormente indicadas, considere-se a última ata
redigida pela Irmandade do Santíssimo Sacramento, no livro de deliberações, em 30
de Junho de 1912. A ata refere-se ao exame do orçamento e das contas do ano
económico 1911-1912, cujos mapas estão presentes no Livro das contas da
Irmandade de São Pedro de Caneças204, o que demonstra que a Irmandade mantinha
as suas tarefas.
O Juiz da Confraria à época205, Jacinto José de Carvalho, ao tomar
conhecimento «extra oficialmente que se pretendia fechar a capela de Caneças» 206,
por não haver administração que assumisse tal responsabilidade, enviou uma segunda
cópia da ata, autenticada, da eleição para a gerência no ano 1912-1913. Da eleição
mencionada, informa que, em devido tempo, foi dado conhecimento, o que realmente
se comprova pelo ofício de 27 de Julho de 1912. Se a informação não chegou à
administração concelhia foi por «motivo de extravio» escreveu o Juiz. Neste ofício,
relembra também o envio de três cópias dos estatutos à administração do Concelho
para serem aprovados pela «estação competente»207.
Pelos motivos descritos no ofício, o Juiz considerou que não podia alegar-se
que a confraria estava «fora da lei» porque se encontrava «em igualdade de
circunstâncias dos suas congéneres que esperam aprovação dos estatutos.»208

204
AHPL – Livro das contas da Irmandade de São Pedro de Caneças. U.I. 1930.
205
Em ofício de 26 de Julho de 1912, a Irmandade comunica à administração do Concelho, a decisão,
em reunião magna, de eleger os seus corpos gerentes. No livro de deliberações não houve registo de
atas, além do dia 30 de Junho de 1912. A nova mesa foi eleita em 1 de Julho de 1912. Todavia,
podemos especular sobre motivos pessoais que possam estar na origem desta mudança, antes de findar
o ano de gerência da mesa eleita em Janeiro de 1912. De toda a maneira, a mesa eleita em 1 de Julho
de 1912, dirigirá a vida da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças, tendo remetido à
administração concelhia cópia da ata da sua eleição, em 24 de Novembro do mesmo ano. Também foi
esta mesa que promoveu a petição de mesários e confrades de 27 de Janeiro de 1913.
206
A nova mesa foi eleita em reunião magna, sob a presidência de Manuel Fernandes Lapa, José
Telmo Rodrigues Gouveia secretariou a reunião e Manuel Nunes foi o escrutinador. Foram eleitos
Jacinto José de Carvalho, Juiz; José dos Santos Paisana, Tesoureiro; Sebastião da Silva Caliça ou
Caliço (?), Procurador; Joaquim da Silva Galucho, Secretário. Os novos membros tomaram posse dos
cargos, os quais foram conferidos pelo Juiz da mesa cessante, Francisco Fernandes Lapa e restantes
confrades (AML – Administração do Concelho de Loures - Correspondência recebida, ano de 1912).
Cf. Anexo XX.
207
Idem.
208
Idem.

67
De acordo com as cópias documentais 209, a Irmandade apresentou no
Governo Civil, em Setembro de 1912, «o projecto dos seus novos estatutos, assinado
por 24 irmãos, tendo antes, em Fevereiro do dito ano, apresentado a declaração
exigida pela portaria de 18 de Novembro de 1911»210.
O ofício, acima referido, menciona também um requerimento apresentado por
proprietários e habitantes de Caneças, trezentos signatários, em que solicitam a
abertura da capela ao culto, pois esta tinha sido «encerrada com o fundamento de não
ter a cultual»211 e que os estatutos estavam «devidamente reformados conforme a
lei»212. Informação corroborada pela documentação presente no Arquivo do Governo
Civil de Lisboa, remetida em 31 de Agosto de 1912 pela administração do Concelho,
mas sobre a mesma não existe referências documentais quanto ao seu envio por esta
entidade.
Esta informação é muito importante, porque contraria as versões da
administração do Concelho e reforça a posição sempre defendida pela Irmandade no
que se refere ao envio dos documentos.
A Irmandade tinha de facto harmonizado os estatutos, somente, aguardava a
sua aprovação pelo Governo Civil. Pesem as informações contraditórias sobre o
projeto de estatutos a harmonizar, a eleição dos corpos gerentes da Irmandade, o
número de irmãos que serviam a Irmandade e os comportamentos anticlericais contra
o padre João Ramos do Rosário que confirmou a preocupação pela notícia que corria
em Caneças sobre o encerramento da capela, em finais de 1912 213.
O sentimento antirreligioso, no sentido de não considerar válida a prática
religiosa e o anticlericalismo, teve ecos na imprensa escrita concelhia que elogiava as
medidas do Governo Provisório e a Lei da Separação na questão das cultuais. E, no

209
Ofício do Governo Civil à Comissão Central de Execução da Lei da Separação, de 17 de Fevereiro
de 1916, sobre o envio da declaração de 10 de Dezembro de 1911 e do projeto de estatutos de 25 de
Junho de 1912 da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças (ACMF – CJBC/LIS/LOU/
ADMIN/028 - Processo nº 2101, L. 9, Fl. 22). Cf. Anexo L.
210
Idem.
211
Requerimento dirigido ao Governador Civil de Lisboa, datado de 12 de Abril de 1913 (AGCL -
Processo nº 1353, cx 51). Cf. Anexo XXVI. Confirmado pelo ofício do Governador Civil ao
Presidente da Comissão Central da Execução da Lei da Separação, de 17 de Fevereiro de 1916: «em
Abril de 1913, deu também entrada nesta secretaria, uma representação, assinada por cerca de 300
moradores do referido lugar de Caneças, e sobre a qual se mandou ouvir o respectivo administrador do
concelho do concelho, pedindo para a reabertura ao culto da Capela de S. Pedro […] visto a
Irmandade ter apresentado os seus estatutos em devido tempo.» (ACMF – CJBC/LIS/LOU/
ADMIN/028 - Processo 2101).
212
Idem.
213
Cf. Anexo XXIII.

68
caso da capela de S. Pedro de Caneças, esta tinha de ser encerrada para o
cumprimento da Lei da Separação 214.
A contestação dos fiéis, confrades e moradores de Caneças, do padre capelão,
posteriormente, do pároco de Loures Joaquim José Pombo, não bastou para evitar a
dissolução da Irmandade do Santíssimo Sacramento e o encerramento da capela ao
culto, nem impediu a mobilização da comunidade para atingir os seus intentos, num
contexto político adverso no Concelho.
As petições dos fiéis e moradores (os dois requerimentos datados de Janeiro e
Abril de 1913, posteriormente, os requerimentos de 1914 e 1918) vão ser os
mecanismos de lutas pacíficas utilizados, sempre enunciando os mesmos motivos: a
necessidade da reabertura da capela ao culto público e a Irmandade harmonizara os
estatutos e declarara o seu propósito de os reformar ao abrigo do artigo 38º da Lei da
Separação, por conseguinte solicitava que a capela fosse reaberta ao culto.
Para os signatários das petições, o encerramento da capela era contrária à Lei
da Separação, pelo que solicitavam a reabertura da capela e a entrega do dinheiro das
rendas à mesa administrativa da Irmandade, pois em sua defesa alegavam a entrega
dos documentos exigidos. As incoerências surgem entre as alegações da
administração do Concelho e os mesários. Senão observemos o comportamento do
administrador do Concelho, em 15 de Maio de 1913215.
Nessa data, o Administrador do Concelho informou o Governo Civil que a
capela estava encerrada há dez meses, por inexistência de pároco que, em tempos,
tinha existido a Irmandade de São Pedro; que a Irmandade não possuía bens e
rendimentos próprios; que a Irmandade não tinha reformado os seus Estatutos e tinha
somente cinco irmãos, cujo número era ilegal, que a capela não tinha rendimentos e
que os bens arrolados não tinham sido reclamados, pelo que era de parecer que a
Irmandade fosse extinta.
Quanto há informação de que a Capela se encontrava encerrada «há dez
meses» não constituiu um esclarecimento imparcial, porque o padre capelão ainda
exercia aí o culto. As ameaças ao padre começaram em Agosto de 1912 e a julgar
pela sua exposição de 16 de Dezembro desse ano, corria o boato que queriam

214
Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 1 (24 de Novembro de 1912) 2.
215
Ofício da 3ª Repartição do Governo Civil ao Presidente da Comissão Central da Execução da Lei
da Separação, datado de 17 de Fevereiro de 1916 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ ADMIN/028 - Processo
2101, L. 9, Fl. 22). Cf. Anexo L.

69
encerrar a capela. Tanto mais que a Comissão Concelhia de Administração de Bens
Eclesiásticos de Loures deliberou guardar as chaves da capela, em reunião de 30 de
Dezembro de 1912216, alegando que o culto era realizado ilegalmente e
desconheciam o padre que o praticava. Portanto, na capela era exercido o culto
público.
Em resposta ao inquérito217 sobre a Irmandade do Santíssimo Sacramento, o
Administrador do Concelho, João Raymundo Alves218, propôs a extinção da
Irmandade, em 14 de Junho de 1913, a cuja proposta juntou um auto de inquérito em
que, apenas, foram ouvidas quatro testemunhas sobre a situação da corporação.
Quanto à Irmandade de S. Pedro de Caneças, as duas Irmandades estavam reunidas
por decisão em assembleia magna; os livros de deliberações (atas) e das contas, bem
como os orçamentos aprovados pela estação competente mostram que a Irmandade
tinha vitalidade: garantia as despesas do culto, a conservação da capela, pagava as
contribuições respetivas, assegurava o socorro aos irmãos carenciados e promovia as
festividades em honra de N. Sr.ª. do Rosário219, por ocasião da Páscoa e realizava a
festa do santo Padroeiro, louvado em procissão e missa cantada.
A documentação, além de demonstrar a atividade da Irmandade, fornece-nos
contributos importantes para compreendermos a vivência religiosa da comunidade,
desde os finais da monarquia constitucional até ao advento da República. O sentido
de pertença comunitária também é revelado pelos registos paroquiais, pois dão-nos a
conhecer os matrimónios, os batismos e óbitos, na medida em que não havia registo
civil autónomo220.
Considerando as objeções e as contestações dos confrades nas petições e os
seus esclarecimentos, em 1913, estas não foram suficientes, pois o Governador

216
Ata de 30 de Outubro de 1912 da Comissão Concelhia de bens Eclesiásticos. (ACMF – Livro de
atas da Comissão Concelhia de Loures, nº 1, de 1912 a 1925.)
217
Após ofício da 3ª Repartição de 21 de Maio de 1913, foi remetido o Ofício inquirindo sobre a
Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças. Documento referido no ofício da 3ª Repartição do
Governo Civil ao Presidente da Comissão Central da Execução da Lei da Separação, datado de 17 de
Fevereiro de 1916 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ ADMIN/028 - Processo 2101, L. 9, Fl. 22.)
218
Novamente, nomeado Administrador do Concelho, desde Janeiro de 1913, após exoneração em 25
de Julho de 1912.
219
ANTT – Governo Civil: Irmandades – Contas de gerência.
220
O Código do Registo Civil obrigatório foi publicado a 18 de Fevereiro de 1911. O nascimento da
filha Sara de António Duarte Sacavém e de Maria Henriqueta Pedroso foi registado pelo oficial João
Raimundo Alves na repartição do Registo Civil de Loures, em 30 de Março de 1911 (Registo de
nascimento, nº 13, p. 44-45). O padrinho António Mateus dos Santos, natural de Caneças, de profissão
proprietário, morador em Lisboa, foi mordomo da Irmandade do SSº de Caneças entre 1907-1908,
desempenhou a função de regedor nos anos 20 do século passado.

70
Civil221 acabou por emitir o despacho da dissolução da Irmandade, em 9 de Setembro
de 1913.
Os fundamentos de suporte à extinção da Irmandade e à adjudicação 222 dos
seus bens ao Estado não corresponderam, de todo, à realidade: funcionava
irregularmente, mas não intimaram a Irmandade sobre eventuais correções ao projeto
de estatutos, considerando que os estatutos se encontravam no Governo Civil; os
irmãos não realizavam as suas contribuições e o seu número era insuficiente para a
constituição dos corpos gerentes, contradiz a mobilização de pessoas que
subscreveram as petições e os orçamentos e contas apresentados.
Por outro lado, tendo solicitado informação sobre as duas Irmandade, no ato
de dissolução o Governador Civil não se refere a nenhuma das Irmandades em
concreto, à de São Pedro ou à do Santíssimo Sacramento.
A ação dos católicos não esmoreceu e, em 1914, procuram a aproximação ao
poder político-administrativo.

2.2- INTERRUPÇÃO DA LIBERDADE DE CULTO

A Lei da Separação 223 no seu artigo 1º pretende salvaguardar e legitimar aos


cidadãos o direito de escolha de credo e passamos a citar: «A República reconhece e
garante a plena liberdade de consciência a todos os cidadãos portugueses e ainda aos
estrangeiros que habitarem o território português.» Desta forma, artigo contemplou
este princípio de liberdade de consciência, mas não impediu a discórdia entre a esfera
do religioso e a esfera da política. A separação pôs em causa a comunhão de
interesses pela forma como foi interpretada e legitimada na lei. A questão religiosa
continuava a estar associada à questão política.

221
Cópia do despacho do Governo Civil de Lisboa enviado à 2ª Comissão Central de Execução da Lei
da Separação (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/028 - Processo nº 2101). Cf. Anexo XXXI.
222
A Comissão Concelhia de Administração dos Bens Eclesiásticos de Loures, em reunião de 31 de
Dezembro de 1912, decidiu arrendar a Quinta das Lages e duas casas pertencentes, no seu entender à
Capela. (ACMF – Livro de atas da Comissão Concelhia de Loures, nº 1, de 1912 a 1925). As casas
eram legados pios administrados pela Irmandade e a Quinta das Lages, como já referimos, tinha sido
legada em testamento à Irmandade para cumprir fins caritativos. Missão que, nos nossos dias, cumpre
ligada ao Movimento Emaús. A mesma Comissão deliberou a venda da azeitona, das oliveiras no
Largo fronteiro à Capela de S. Pedro, em reunião de 8 de Agosto de 1913 (ACMF – Livro de atas da
Comissão Concelhia de Loures, nº 1, de 1912 a 1925). Da deliberação resultou o respetivo Edital,
publicitado no Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 130 (15 de Novembro de 1914) 3. O produto da venda
das azeitonas, antes da revolução, revertia para a capela de S. Pedro.
223
Lei da Separação de 20 de Abril de 1911. D.G. nº 92 (21 de Abril de 1911).

71
A Igreja Católica era reconhecida pela monarquia constitucional mas, na
República, perdeu a sua personalidade jurídica enquanto instituição, a qual só era
reconhecida caso se constituíssem as cultuais 224. A Lei da Separação retirou à
hierarquia católica o direito de decidir sobre a gestão do culto. A livre escolha de
credo estava contemplada no artigo 1º do normativo, o mesmo não aconteceu quanto
à forma de o manifestar ou de gerir a sua religião, desde o culto ao uso do hábito
talar pelos ministros da religião.
Os leigos teriam de assumir um novo papel, no que se referia à gestão do
culto, passando este a ser da sua responsabilidade, uma vez que a Lei determinava a
criação de associações cultuais que deviam ter como principal propósito a assistência
e a beneficência 225. Embora o artigo 19º da Lei ressalvasse a formação de
agrupamentos cultuais transitórios de fiéis (face à impossibilidade de se formarem as
cultuais, de acordo com os artigos anteriores), em que os mesmos contribuíssem para
o culto público, sob iniciativa particular, devendo o ministro da religião organizar a
contabilidade.
A hierarquia católica vê diminuído o poder de ação naquilo que considera ser
do âmbito da sua esfera. A Igreja Católica, enquanto instituição/organização, assistiu
à secundarização do seu papel na sociedade durante a I República, nomeadamente na
gestão dos assuntos que constituíam o seu múnus, ainda que, na monarquia, várias
ações tenham subordinado o poder da Igreja ao poder político226.
Este conflito de interesses, provocado pela Lei da Separação, guiou o modo
de atuar de leigos e Igreja/instituição, em que os intervenientes procuraram legitimar
as suas ações e mobilizar-se para atuarem nos ambientes mais adversos. O patriarca
D. António Mendes Belo apelou ao Presidente da República, para que não se
levantassem «[…] embaraços à igreja nos assuntos que são da sua exclusiva
competência e atribuições e fazem parte dos seus direitos espirituais». 227 D. Mendes
Belo, na mesma carta, reconhece a autoridade do Estado e tudo o que pertence ao
domínio temporal.

224
Cf. Como refere Luís Salgado de Matos: «Segundo a Lei da Separação, a Igreja só tinha
personalidade jurídica face ao Estado português por meio das associações cultuais». In Luís Salgado
de Matos - A Separação do Estado e da Igreja. Alfragide: Publicações D. Quixote, 2011, p. 43.
225
Artigos 17º e 18º da Lei da Separação de 20 de Abril de 1911. D.G. nº 92 (21 de Abril de 1911).
226
Cf. Vitor Neto - O Estado, a Igreja e a Sociedade em Portugal (1832-1911), p. 31 e sg.
227
Carta datada de 8 de Janeiro de 1913 (AHPL – Provisões, Portarias: correspondência oficial
durante a residência do Sr. Patriarca em Santarém: de 3 de Fevereiro de 1912 a 21 de Outubro de
1916. U.I. 174).

72
Neste ambiente desfavorável quanto ao modo de ser assegurado o culto pela
esfera do religioso, a Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças procurou
reagir na tentativa de ser respeitada a liberdade religiosa quanto ao culto público 228.
Foi necessário unir esforços para promover a liberdade de culto sem que a Irmandade
se tornasse uma cultual.
Todavia, foram anos complicados para alcançarem os seus propósitos, da
parte do Patriarcado não houve uma posição de contestação quanto aos caminhos
escolhidos para a reabertura da capela ao culto, mesmo após a insistência da
Irmandade em reformar os estatutos ao abrigo do artigo 38º. Intenção expressa no
artigo 11º do projeto de estatutos de 1 de Junho de 1912229. Ao contrário do sucedido
à cultual de Sacavém (constituída ao abrigo do artigo 17º da Lei da Separação), cujo
interdito à mesma Irmandade foi anulado após os pedidos dos mesários que
pretendiam ser reconhecidos pelo Patriarcado e Santa Sé230.
Malgrado o pedido para a manutenção da capela de São Pedro aberta ao culto,
junto das autoridades políticas, este não foi atendido e a Irmandade também não viu
reconhecida legalmente a sua constituição. A Irmandade evocou a sua antiguidade
«com estatutos do tempo do Marquez de Pombal» 231 e que, após a Lei da Separação,
os mesários e o capelão apresentaram as declarações consignadas na Lei, assim como
procederam à reforma dos estatutos. Sobre os estatutos aguardavam a aprovação dos
mesmos pelo Governo Civil, mas os seus argumentos não foram tidos em
consideração.
Para os signatários, como já referimos, o encerramento da capela era contrária
à Lei da Separação, pelo que solicitavam a reabertura da capela e a entrega do
dinheiro das rendas à mesa administrativa da Irmandade.
Perante o encerramento da capela, o Administrador do Concelho e o
Presidente da Câmara Municipal de Loures solicitaram a concessão do arrendamento
do edifício 232 para a instalação de uma escola do ensino primário (16 de Fevereiro de

228
Agiram sem afrontar a legitimidade do poder político instituído em 5 de Outubro de 1910.
229
Cf. Anexo XVIII.
230
Portaria de 25 de Agosto de 1922 (AHPL – Decretos, Portarias e Provisões: anos de 1916-1930.
U.I. 172).
231
Petição dos mesários e confrades da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças ao Ministro
da Justiça, datada de 27 de Janeiro de 1913 (ACMF/ CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 - Processo 2782,
fls. 3-5). Requerimento de 12 de Abril de 1913 de moradores e proprietários de Caneças (AGCL –
Confraria do Santíssimo Sacramento de Caneças. Processo nº1353, cx. 51).
232
Em sessão de Câmara de 4 de Março de 1914, foi dado a conhecer o ofício da Comissão Central da
Execução da Lei da Separação que questionava a Câmara sobre o valor das rendas que esta proporia

73
1914), à Comissão Central de Execução da Lei da Separação, conforme a Lei da
Separação233.
A Junta de Paróquia de Loures reforçou a informação, em 5 de Março de
1914, ao comunicar que, na capela de São Pedro de Caneças, não era exercido o
culto, desde Junho de 1912 «por falta de concorrência de fiéis e pela ausência do
respetivo pároco.»234
O argumento não corresponde à verdade dos factos pelo que se apurou, como
demonstrámos no capítulo anterior. Por outro lado, os novos requerimentos do
pároco de Loures, dos fiéis e habitantes de Caneças, em 1914, contrariam os
fundamentos das autoridades políticas administrativas do Concelho.
Os habitantes do lugar de Caneças e Vale de Nogueira continuaram a
defender a coesão e autonomia religiosa em relação ao poder civil, no que respeitou à
abertura da capela ao exercício do culto público, não aceitando as decisões políticas e
tão pouco compreendiam os motivos. Apresentaram então a nova petição 235 ao
Ministro da Justiça Sousa Monteiro 236, em 30 de Agosto de 1914, pois pretendiam
que fosse concedida autorização para se «continuar a cumprir os seus deveres
religiosos na Capela de São Pedro»237.
Os signatários solicitavam que fosse tida em consideração a existência de
baptistério na capela e cemitério privativo 238, e que o pároco tinha «sempre exercido

pelas igrejas de Caneças, Frielas, Póvoa de Santo Adrião e Loures. A Câmara informa, nesse
documento, que tinha pedido a cedência de edifícios onde não era exercido o culto: sugeriu a renda
anual de 20 escudos para a capela de São Pedro; para a Igreja da Póvoa de Santo Adrião, propôs a
renda anual de 26 escudos; de 12 escudos para a capela de Santa Ana, a qual estava em situação de
ruína; para na Igreja de Frielas, onde funcionava há um ano uma escola provisória, por não haver
outra casa no lugar, propôs o arrendamento anual de vinte e quatro escudos (ACMF –
Arquivo/CJBC/LIS/LOU/ESTAT/002 e CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001). De facto, a Junta de Paróquia
de Loures pediu o encerramento da capela. Além da capela de São Pedro de Caneças, também as
igrejas paroquiais de Frielas, Loures, Póvoa de Santo Adrião e de Odivelas foram propostas para
cedência dos edifícios. Como referimos no capítulo 1, estas igrejas foram encerradas, por não se
realizar o exercício do culto, pelo que «as respectivas Juntas de Paroquias» pediam a cedência destes
edifícios para serem adaptados a escolas (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 - Ofício da
Administração do Concelho de Loures, datado de 16 de Fevereiro de 1914, dirigido ao Presidente da
Comissão Central de Execução da Lei da Separação (assina o ofício João Raymundo Alves).
233
Artigos 90º e 91º da Lei da Separação de 20 de Abril de 1911. D.G. nº 92 (21 de Abril de 1911).
234
ACMF – Arquivo/CJBC/LIS/LOU/ESTAT/002.
235
Petição dos habitantes do lugar de Caneças e Vale de Nogueira, de 30 de Agosto de 1914
(ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 - Processo 2782, L. 7, fl. 80). Cf. Anexo XXXVII.
236
Eduardo Augusto de Sousa Monteiro ocupou a pasta da Justiça de 22 de Julho a 12 de Dezembro de
1914, no Ministério de Bernardino Machado (9 de Fevereiro a 12 de Dezembro de 1914).
237
O novo pedido deu também entrada na mesma Direcção em 2 de Setembro de 1914
(ACMF – Arquivo/CJBC/LIS/LOU/ESTAT/002).
238
Cemitério existente antes de 1819 anexo à capela de S. Pedro de Caneças. O cemitério Municipal
foi criado em 1885, no tempo da Câmara Municipal dos Olivais.

74
as suas funções paroquiais»239 e que na povoação não existia outra capela pública.
Fundamentos apoiados pelo pároco de Loures240, Joaquim José Pombo, que
mencionou que sempre se tinha exercido culto público, na capela. Os «habitantes
daquele importante e populoso lugar» necessitavam da capela para o exercício do
culto público. O pároco valorizou as necessidades espirituais dos crentes.
Na petição, os requerentes não mencionam os argumentos utilizados nos
pedidos anteriores, nem se referem em concreto à Lei da Separação. Atendendo aos
motivos apresentados, pediam os 103 signatários que a capela fosse aberta ao culto
católico. Assinam o requerimento homens e mulheres241, de diferente estatuto social
e ocupação profissional (como nas petições de 27 de Janeiro e de 12 de Abril de
1913).
O pároco de Loures mencionou ainda o desejo dos habitantes de Caneças em
que fosse criada a freguesia, conforme projeto apresentado à Câmara Municipal de
Loures. Caso a capela fosse encerrada ao culto, os habitantes ficariam
impossibilitados do culto católico a que tinham direito.
Para o pároco de Loures a ordem de reabertura da capela ao culto dependia da
autoridade administrativa correspondente, pelo que era de justiça a devida
autorização para o exercício livre do culto católico e do capelão, nos termos dos
artigos 94º242 e 95º243 da Lei da Separação. O pároco também se mostrou contrário ao

239
ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 - Processo 2782, L. 7, fl. 80.
240
Ofício do pároco de Loures Joaquim José Pombo remetido ao Ministro da Justiça, datado 16 de
Junho de 1914, que o enviou à Comissão Central de Execução da Lei da Separação.
(ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 - Processo 2782, L. 7, Fl. 80). Cf. Anexo XXXV.
241
Comerciantes, trabalhadores, antigos mesários, proprietários - Família Appleton (Família de
proprietários de terra que se dedicava à agricultura, com prémios de produção), Família Vieira Caldas
(Homens da família ocuparam cargos na vereação na Câmara Municipal dos Olivais. Um dos largos
principais de Caneças, o Rossio, é denominado Largo Vieira Caldas. José Manuel da Silva de Passos
refere-se a «António Vieira Caldas, capitalista e importantíssimo proprietário em Caneças, que
empregou toda a sua influência política, como particular amigo do estadista António Maria Fontes
Pereira de Melo, e sacrificou grande parte da sua fortuna a beneficiar e melhorar esta localidade.» In
O bilhete postal ilustrado e a história urbana da Grande Lisboa. Lisboa: Editora Caminho, 1997, p.
29.
242
Artigo 94º- «Nos edifícios referidos nos artigos anteriores só poderão tomar parte nas cerimónias
cultuais, principal ou acessoriamente, os ministros da religião católica, que forem cidadãos
portugueses, tiverem feitos os seus estudos teológicos em estabelecimentos de ensino nacionais e não
tiverem incorrido nem incorrerem na perda dos benefícios materiais do Estado.»
243
Artigo 95º- «Nas catedrais e igrejas, que até agora têm sido paroquiais, os ministros da religião
encarregados de presidir às cerimónias do culto poderão ser os mesmos que actualmente
desempenham essas funções, salvo se não satisfizerem aos requisitos do antecedente artigo; e, quando
por qualquer causa houverem de ser substituídos por outros, estes, sob pena de desobediência, não
poderão funcionar enquanto o Estado, por intermédio do Ministério da Justiça, não verificar, sobre
requerimento dos próprios, que reúnem as condições do artigo anterior […]».

75
encerramento da Igreja de Loures e à possibilidade da Igreja ser utilizada para fins
diferentes da sua natureza244.
O pároco reiterou ainda as suas considerações manifestadas em novo
ofício 245, mais uma vez pedia que fossem atendidos os factos de a capela de S. Pedro
ser a única na povoação, que nela existia baptistério e cemitério privativo e que aí se
faziam as encomendações dos falecidos. Pelos factos apresentados, o pároco reforçou
a necessidade da capela ser aberta ao culto católico paroquial, tecendo a seguinte
consideração sobre os habitantes «que na sua maneira são católicos» de que o pároco
dava o seu «testemunho, a fim de poderem continuar […] os seus deveres
religiosos», mas também era importante «o pároco ou o substituto poder também
desempenhar as suas funções paroquiais na dita capela, como sempre fez.»246
Em Setembro de 1914, um grupo de quatro pessoas 247 apresentou nova
declaração, propondo a constituição de um agrupamento cultual transitório de fiéis,
de acordo com o artigo 19º da Lei da Separação. Os peticionários pediam o
reconhecimento do referido agrupamento e declaravam que se obrigavam a
contribuir para as despesas do culto, «na conformidade da circular de 23 de Junho de
1911».
Todavia, a aspiração para a reabertura da capela de São Pedro para o
exercício do culto público não foi atendida favoravelmente, pela Comissão
Central248. A Comissão reconheceu a autenticidade dos documentos entregues, bem
como o seu conteúdo e as assinaturas, mas entendeu que os argumentos não
comprovavam a necessidade de afetar a capela ao exercício do culto público; que o

244
Ofício do pároco de Loures José Joaquim Pombo, datado 25 de Maio de 1914, remetido ao
Director dos Negócios Eclesiásticos, que o enviou à Comissão Central de Execução da Lei da
Separação (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 - Processo 2782). Parecer desfavorável do pároco
de Loures sobre a utilização da Igreja Matriz de Santa Maria de Loures para outros fins que não os
religiosos. Refere que a celebração dos atos religiosos foi interrompida pela «expulsão arbitrária» do
padre que o substituía, privando-o também dos benefícios materiais do Estado. Cf. Anexo XXXIV.
245
Ofício do pároco de Loures Joaquim José Pombo, datado 23 de Agosto de 1914, remetido ao
Ministro da Justiça, que o enviou à Comissão Central de Execução da Lei da Separação (ACMF –
CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001-Processo 2782, L.7, fl. 80). Cf. Anexo XXXVI.
246
Idem.
247
Adelaide Vieira Caldas, Christina Maria, António dos Santos, Evaristo da Silva, em nome do
Agrupamento de Fiéis do Lugar de Caneças, subscreveram uma nova petição em 28 de Setembro de
1914. Cf. Anexo XXXVIII.
248
Parecer da Comissão Central de Execução da Lei da Separação, de 3 de Outubro de 1914. A
Comissão refere os requerimentos acima apresentados por diversos indivíduos, mesários e confrades
da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças e de habitantes do lugar ao Ministro da Justiça,
em 27 de Janeiro de 1913, e os três ofícios do padre Joaquim José Pombo de 25 de Maio, 16 de Junho
e 23 de Agosto de 1914 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, L.7, Fl. 80, ofício nº
1703). Cf. Anexo XLI.

76
inventário não tinha sido contestado e declarou que os peticionários não foram
reconhecidos legalmente como entidade competente para receber o edifício, nos
termos da lei «quer a título gratuito e precário, quer por uso antigo e direito próprio,
pois que não representam qualquer confraria, corporação ou agrupamento cultual» 249.
Nem poderiam, porque estavam a solicitar licença para constituírem o agrupamento
cultual transitório.
A Comissão considerou a informação do presidente da Junta da Paróquia de
Loures (5 de Março de 1914) em como o edifício se encontrava encerrado, desde
Julho de 1912, por falta de fiéis e ausência do ministro da religião. Esta última
consideração contradiz os requerimentos dos habitantes e também as notícias no
jornal Quatro de Outubro, bem como as queixas do capelão, apresentadas depois de
Julho de 1912. O mesmo jornal faz referência à celebração de missa em Agosto de
1912 pelo padre João Ramos do Rosário. Por outro lado, a Confraria enviou novos
documentos à administração Concelhia, nomeadamente os Estatutos reformados em
1 de Junho de 1912.
Foi neste contexto que a liberdade de exercer o culto público foi condicionada
e interrompida, pesem as ações da comunidade e dos padres unidos em torno de um
objetivo comum – continuar a praticar o culto público.
Para a Igreja Católica era necessário «criar e garantir um espaço para a sua
acção religiosa entre o inconsciente colectivo simbólico e a prática ritual […]»250.
Cabia aos católicos participarem na vida social pública, no sentido de garantirem a
liberdade e a autonomia «plena da prática religiosa»251. Em consonância com estes
princípios, os católicos em Caneças procuraram reorganizar-se para garantirem a sua
liberdade de atuação e, portanto, de afirmação pública, o respeito pelo seu credo e as
práticas rituais que lhe estavam associadas. Não foi, no entanto, uma tarefa fácil
perante os acontecimentos já descritos.
O reconhecimento da liberdade e tolerância religiosa foi condicionado pelas
decisões políticas e administrativas, a partir das suas apreciações quanto às
sensibilidades religiosas do povo. Como se pode ler no despacho da Comissão era
«desnecessário para o culto e da categoria daqueles bens que os artigos 90º e 104º da

249
Parecer da Comissão Central de Execução da Lei da Separação, de 3 de Outubro de 1914.
(ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001-Processo 2782, L.7, fl. 80, ofício nº 1703).
250
Cf. António Matos Ferreira - Um católico militante diante da crise nacional: Manuel Isaías
Abúndio da Silva (1874-1914). Lisboa: Centro de Estudos Religiosa Católica – UCP, 2007, p. 317.
251
Idem

77
Lei da Separação mandam aplicar preferentemente a serviços de assistência e
beneficência ou educação e instrução.»252
O fundamento religioso não bastou para fazer respeitar os direitos de posse
sobre os bens religiosos e a capela de São Pedro de Caneças. Sob proposta do
Ministro da Justiça e dos Cultos, a capela foi cedida à Câmara Municipal de
Loures253 para a instalação de uma escola do ensino primário, mediante o pagamento
de uma renda anual.
A interrupção da liberdade de culto motivou o pedido dos católicos e
moradores de Caneças para a constituição de um agrupamento cultual transitório na
Igreja, apoiado pelo pároco de Loures254, ainda que a hierarquia eclesiástica255
condenasse estas corporações.
As Irmandades, caso desobedecessem quer às orientações do poder civil quer
às do poder eclesiástico, o exercício do culto público estaria comprometido. Todavia,
em Caneças procurar-se-á garantir o culto público no espaço de sempre, em vez de
combater o novo regime, reagindo, assim, às posições tomadas por alguns
republicanos de intolerância para com a religião católica, a Igreja Católica e o clero.
Nesta análise, devemos contemplar o facto de que os católicos não apoiariam
as mesmas ideologias e práticas políticas e, mesmo no seio dos republicanos, nem
todos estariam de acordo com as imposições da Lei da Separação do Estado das
Igrejas, ainda que pudessem considerar a necessidade em alterar as estruturas
políticas, económicas, sociais e culturais monárquicas, de forma a definir novas
formas de sociabilidade no Estado laico preconizado pelo projeto republicano 256.

252
Parecer da Comissão Central de Execução da Lei da Separação, de 3 de Outubro de 1914 (ACMF/
CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001-Processo 2782, L. 7, fl. 80, ofício nº 1703).
253
Decreto nº 1648/1915. D.G. I Série. 113 (15 de Junho de 1915). A Câmara Municipal de Loures
não conseguiu a cedência gratuita do edifício, como desejava, mas o arrendamento, de acordo com o
art. 111º da Lei da Separação e art. 7º, nº 1 do Regimento de 22 de Agosto de 1911. Cf. Anexo XLIX.
254
Ofício do pároco de Loures ao Presidente da Câmara Central de Execução da Lei da Separação, em
10 de Outubro de 1914 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001). Cf. Anexo XLII.
255
Encíclica do Papa Pio X, Iamdudum in Lusitania, 24 de Maio de 1911, condenando a Lei da
Separação e, entre outros documentos, o Protesto Coletivo dos Bispos, redigido em Dezembro de
1910, mas distribuído nas dioceses em Fevereiro de 1911.
256
Cf. Fernando Catroga – O republicanismo em Portugal: da formação ao 5 de Outubro de 1910, p.
220-sgg. O autor considera que «a libertação política e social passava pela emancipação cultural e esta
exigia não a secularização externa e institucional da sociedade, mas também uma profunda
secularização interior das consciências.» Op.cit. p. 221.

78
2.3 - CONSTITUIÇÃO DE UMA CULTUAL?

Após as petições dos mesários, confrades, habitantes e padres em 1912, 1913


e 1914, verifica-se que o apelo para a manutenção da capela aberta ao culto e o
reconhecimento da legalidade da Irmandade não foi atendido superiormente.
Consumaram a extinção 257 da Irmandade, em 5 de Setembro de 1913, e cedência da
capela à Câmara Municipal de Loures para a instalação de uma escola, por decreto de
15 de Junho de 1915. Perante as duas realidades, os fiéis, mesários, pároco,
moradores dinamizaram um conjunto de ações para a reabertura da capela ao culto,
nos anos que se seguiram, considerando as hipóteses que permitiriam alcançar o
objetivo, ao abrigo da Lei da Separação.
Em 1914, os protagonistas foram o pároco de Loures, Joaquim José Pombo e
os habitantes de Caneças e Vale de Nogueira (entre os quais se encontravam antigos
mesários e confrades). Como se abordou no anterior subcapítulo, o pároco de Loures
em missivas de 16258 de Junho e 23259 de Agosto de 1914, solicitou superiormente a
abertura da capela, uma vez que a mesma tinha baptistério, cemitério privativo e que
o pároco tinha «sempre exercido os actos de culto». Por sua vez, os habitantes
necessitavam de garantir a assistência espiritual.
Em 30 de Agosto de 1914, os fiéis solicitaram, ao Ministro da Justiça, a
reabertura da capela de São Pedro ao culto, com os fundamentos, já referidos. Não é
de estranhar a afirmação sobre o exercício de culto pelo pároco de Loures, o que
reforçou o teor da sua carta, pois este podia ser realizado noutro lugar da localidade,
até em casa de um dos fiéis. Situação que se verificou ter acontecido pelo país 260 e as
orientações do Patriarcado apontavam esse caminho. Permitia-se que os crentes
conservassem a prática dos rituais litúrgicos e constituía uma forma de protesto e de
resistência ativa à constituição de associações cultuais 261.

257
Despacho do Governador Civil de Lisboa de 5 de Setembro de 1913 (ACMF –
CJBC/LIS/LOU/ADMIN/028 - Processo 2101, Fl. 9).
258
ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, fls. 7-8.
259
ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, fl. 9.
260
CF. Maria Lúcia Brito - A «Guerra Religiosa» na I República, p. 230-234.
261
Segundo Vítor Neto, entre 1911-1918, foram constituídas 255 cultuais, sendo o nº total de
freguesias em Portugal de 3923, pelo que se pode concluir que os republicanos não conseguiram
controlar o culto. Junto ao Litoral português, formaram-se as cultuais e, no caso de Lisboa e áreas
limítrofes, estas foram influenciadas pela ideologia republicana pela proximidade com a Capital e pela
ação da maçonaria (em Lisboa existiam 61 lojas maçónicas). Cf. Vitor Neto - O Estado, a Igreja e a
Sociedade em Portugal (1822-1911), p. 291.

79
Como discursou Casimiro de Sá262 e passamos a citar: «Entre Irmandades e
cultuais não há ponto algum de contacto», as Irmandades estavam sujeitas à
autoridade eclesiástica e «à sua jurisdição no exercício do culto». Esta era a principal
fonte de discórdia causada pela Lei da Separação, pois o «culto que elas promovem e
sustentam exerce-se sob a dependência jurisdicional e sob a fiscalização efetiva dos
párocos e dos bispos.» Esse controlo não competia à autoridade civil.
A Lei da Separação, nos artigos 17º e seguintes do seu capítulo II, retira aos
prelados a sua missão de gerirem o culto, as associações cultuais através dos leigos
organizavam-no, passando os párocos a dependerem dos leigos em matéria da sua
competência. Por outro lado, o exercício do culto só podia ser mantido caso estas
corporações se destinassem à assistência e à beneficência.
De acordo com estas considerações, que retiravam à Igreja católica
prerrogativas seculares e pretendiam reduzir o seu espaço público, a Irmandade do
Santíssimo Sacramento de Caneças seguiu outra orientação e reformulou os estatutos
em 1912 ao abrigo do artigo 38º da Lei da Separação, tendo redigido a declaração ao
abrigo da portaria de 18 Novembro de 1911263. Em cumprimento da «lei da
separação»264, a Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças passava a
«denominar-se = Associação de Beneficência e Assistência Pública da mesma
invocação»265, mantinha o culto, a festa do orago, continuava a assistir os irmãos em
caso de necessidade, com alimentos e medicamentos, administrava o legado de José
Maria Lourenço e contribuía para o Hospital de S. José, como responsável pelo
cumprimento do legado de Francisco Valentim, do séc. XVIII266.
Mas como se apurou, a Irmandade do Santíssimo de Caneças não recebeu
qualquer informação do Governo Civil sobre a aprovação do seu compromisso ou
notificação para os regularizar, ao contrário das duas congéneres de Loures (Stº
André e Almas e SSº Sacramento de Loures). O que parece significar uma distinção
entre os procedimentos com a sede do município e uma localidade a ela subordinada.

262
Discurso de Casimiro Rodrigues de Sá, de 29 de Junho de 1914, na 136ª Sessão Ordinária. Cit. por
Sérgio Pinto – Separação religiosa como modernidade: decreto-lei de 20 de Abril de 1911 e modelos
alternativos, p. 195.
263
Do mesmo modo, procederam das Irmandades do Santíssimo Sacramento e de Santo André e
Almas da Igreja Matriz de Loures.
264
Artigo 1º - Projeto de estatutos reformados, em 1 de Junho de 1912 (AGCL. Processo nº 1353, cx
51). Cf. Anexo XVIII.
265
Idem.
266
Artigos 2º, 3º, 11º - Projeto de estatutos reformados, em 1 de Junho de 1912 (AGCL. Processo nº
1353, cx 51). Cf. Anexo XVIII.

80
Era necessário continuar a resistir com argumentações teóricas e fidedignas.
Da representação de 30 de Agosto de 1914, emergiu um grupo constituído por
católicos «em nome do agrupamento dos fiéis do lugar de Caneças» 267. O grupo,
formado por duas senhoras e dois senhores, dirigiu ao Ministro da Justiça, em 28 de
Setembro de 1914, uma carta em que se obrigavam «a contribuir para as despesas do
culto público» na capela de S. Pedro, «na conformidade da circular de 23 de Junho
de 1911».
A Circular 268 de 23 de Junho de 1911 da Comissão Central de Execução da
Lei da Separação, de Francisco José Medeiros, determinava que as Irmandades que
não quisessem constituir-se como cultuais, podiam formar-se como agrupamento
cultual transitório, ao abrigo do artigo 19º269 da Lei da Separação. Por este artigo, os
párocos podiam participar na sua organização. Este procedimento parecia ser uma
solução para o exercício do culto público na capela de S. Pedro, e assim também
considerou o pároco de Loures que comunicou ao Ministro da Justiça270 e ao
Presidente da Comissão Central de Execução da Lei da Separação271 as intenções dos
paroquianos.
Porém, o requerimento, em nome do agrupamento de fiéis, não mereceu a
atenção pretendida, o Governador Civil entendeu que «só coletivamente constituídos
em associação de assistência e beneficência com autorização do Ministério da
Justiça» podiam «contribuir para as despesas de culto»272. Para a constituição desta
corporação, os fiéis tinham de constituir-se em associação de assistência e
beneficência ao abrigo do polémico artigo 17º da Lei da Separação, e contribuir para
as despesas do culto, devendo organizar três exemplares dos estatutos, escritos em
papel selado e assinados pelos associados e remeter os compromissos ao Ministério.

267
Cf. Anexo XXXVIII.
268
Cf. Luís Salgado de Matos - A Separação do Estado e da Igreja, p. 217.
269
Artigo 19º: «Não existindo nos limites de uma paróquia, nem podendo constituir-se desde já,
qualquer das corporações a que se referem os artigos anteriores, essa paróquia poderá agregar-se, para
os efeitos cultuais, a uma paróquia vizinha, onde exista ou possa formar-se qualquer dessas
corporações; e se nem isso for realizável, os fiéis da mesma ou de diversas paróquias poderão
transitoriamente contribuir para o culto público em suas reuniões efectuadas por iniciativa particular,
mas o ministro do culto deverá organizar a contabilidade da receita e despesa e tê-la sempre em dia, à
disposição de qualquer dos fiéis contribuintes e da Junta de Paróquia, sob pena de desobediência, e de
poder ser proibido o respectivo culto.»
270
Cópia da carta enviada pelo pároco ao Administrador do Concelho em 25 de Setembro de 1914
(ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, fl. 18). Cf. XXXIX.
271
Cópia da carta enviada pelo pároco em 10 de Outubro de 1914 (ACMF –
CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, fl. 18). Cf. Anexo XLII.
272
Cópia da carta do Governador Civil de Lisboa ao Administrador do Concelho de Loures, de 2 de
Outubro de 1914 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, fl. 19). Cf. Anexo XL.

81
Contrariando o parecer desfavorável de 2 de Outubro de 1914, o pároco de
Loures comunicou ao Presidente da Comissão Central de Execução da Lei da
Separação, em 13 de Outubro de 1914, que «não tendo ainda sido possível aos fiéis
do culto católico […] a constituição d’ uma associação de assistência e beneficência
[…] por iniciativa particular fundados no artigo 19 da lei da separação formaram o
agrupamento cultual transitório a que se referem as declarações […]» 273. Declarações
que se referiam somente à formação do agrupamento cultual transitório, em
conformidade com a Circular nº 5 de 23 de Junho de 1911.
Ao contrário do Presidente da Câmara Municipal de Loures274, do Presidente
da Junta de Paróquia de Loures275 e do Presidente da Comissão Concelhia de
Administração dos Bens Eclesiásticos276, somente, o Administrador do Concelho de
Loures, Félix Anastácio Soeiro, transmitiu o seu parecer 277 favorável às pretensões
dos peticionários. Os signatários tinham que se habilitar «segundo a lei em vigor»,
pois considerava «ser atendível» o pedido formulado.
Na verdade, este parecer não estava em conformidade com os defensores do
encerramento da capela ao exercício do culto que, através do periódico local também
manifestavam o seu repúdio:

«O sr. Administrador do concelho informando uma petição de dois ou três


carolas de Caneças em que pediam a abertura da capela, informou ser
atendível, a referida petição. […] a tal petição não é nada atendível… Ainda
que isso contrarie o sr. administrador do concelho a capela não será
aberta.»278.

A opinião noticiada no jornal, estava em consonância com as propostas das


restantes autoridades político-administrativas que, durante o mês de Novembro de
1914, as expuseram, mas eram divergentes da posição assumida pelo Administrador
do Concelho.

273
Cópia da carta enviada pelo pároco de Loures ao Administrador do Concelho (ACMF –
CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, fl. 80). Cf. Anexo XLIII.
274
José Duarte Junior.
275
Francisco Barbante.
276
João Raymundo Alves.
277
Ofício de 20 de Outubro de 1914 (resposta com carácter urgente) remetido pelo Administrador do
Concelho de Loures ao Diretor da Direção Geral dos Eclesiásticos (ACMF –
CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, fl. 15). Cf. Anexo XLIV.
278
Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 131 (22 de Novembro de 1914) 1.

82
O Presidente da Junta de Paróquia de Loures279 informou que, em sessão da
Junta, decidiram ser desnecessária a abertura da capela de São Pedro ao culto, pois a
mesma encontrava-se encerrada há vários anos para o exercício de culto por «falta de
fiéis e pela ausência do pároco que há mais de seis anos» não residia «nesta
freguesia»280. Este argumento, como já se observou, contradiz a informação da
Comissão Concelhia de Loures que comunica a sua determinação em guardar as
chaves da capela de São Pedro de Caneças, porque aí se realizava o exercício do
culto e nem sabiam qual o pároco que ministrava as cerimónias 281. Por outro lado, a
ausência, do pároco Joaquim José Pombo era do conhecimento do Ministério da
Justiça282.
A Comissão Concelhia de Administração dos Bens Eclesiásticos 283 do
concelho de Loures emitiu também parecer desfavorável para a reabertura da capela
ao exercício do culto, justificando que se tal verificasse a ordem pública podia ser
comprometida, pois «o povo […] deseja que a referida capela seja cedida por meio
de arrendamento à Câmara Municipal que ali deseja instalar uma nova escola».
Desejo que não foi comprovado por outra fonte documental.
Os elementos que nos permitem corroborar a vontade de que a capela fosse
encerrada ao culto, por uma fação radical quanto ao sentimento religioso, são as
veiculadas pelos periódicos284 concelhios, emitindo opiniões pessoais dos seus
responsáveis, que evidenciaram posições anticlericais, antijesuíticas, anticatólicas e

279
Ofício do Presidente de Freguesia de Loures, 10 de Novembro de 1914, ao Presidente da Comissão
Central de Execução da Lei da Separação (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, fl.
27).
280
Ofício do Presidente da Junta de Freguesia de Loures, 10 de Novembro de 1914, ao Presidente da
Comissão Central de Execução da Lei da Separação (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001-
Processo 2782, fl. 27).
281
Como já referimos, à semelhança de outras localidades, o exercício do culto era realizado na semi-
clandestinidade e também que somente em 30 de Outubro de 1912, a Comissão Concelhia de
Administração de Bens Eclesiásticos decidiu guardar as chaves (ACMF - Livro de atas da Comissão
Concelhia de Loures, nº 1, de 1912 a 1924. Ata de 30 de Outubro de 1912).
282
O pároco, no seu ofício ao Administrador do Concelho, 10 de Agosto de 1912, informava que
estava impossibilitado de paroquiar «há mais de um ano» por motivo de doença, conforme o atestado
enviado ao Ministro da Justiça (AML – Administração do Concelho de Loures – Correspondência
recebida, ano de 1912). Mais tarde, o pároco redigiu um pedido à Comissão Central de Execução da
Lei da Separação, em 26 de Fevereiro de 1918, solicitando a restituição da residência paroquial. Tal
pretensão não foi atendida, porque era padre pensionista e a sua pensão tinha sido aumentada por «não
utilizar a residência» (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/076).
283
Ofício da Comissão Concelhia de Administração dos Bens Eclesiásticos pertencente ao Estado do
Concelho de Loures, 10 de Novembro de 1914, ao Presidente da Comissão Central da Lei da
Separação (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, fl. 28). Esta consideração de o
povo desejar a Igreja para a instalação da escola, não foi comprovada por documentação escrita.
284
Cf. Anexo XXXII.

83
antiultramontanas, e ainda as decisões controversas das autoridades políticas e
administrativas.
Por seu lado, a Câmara Municipal de Loures285 continuou a insistir na
cedência da capela de Caneças para a instalação da uma escola para o sexo feminino,
em virtude de existir um elevado número de alunos, pelo que era preciso fazer o
desdobramento da escola mista286.
A Câmara considerava também que a Igreja Matriz de Loures era suficiente
para o culto287 e que a abertura da capela de São Pedro ao seu exercício representava
«uma provocação aos sentimentos liberais daquele lugar, visto que ali não existe
espírito religioso, podendo por isso dar origem a qualquer alteração da ordem
pública.»
As afirmações do Presidente da Câmara Municipal de Loures demonstram as
posições políticas que os indivíduos foram assumindo, em todo o processo que
relacionou com a liberdade religiosa dos cidadãos em Loures e, particularmente, em
Caneças.
As considerações dos vários representantes do poder político concelhio em
que negam a religiosidade da comunidade, refutando as dinâmicas religiosas das
gentes do lugar, iam mais além da questão da constituição da cultual. A liberdade
religiosa e a crença popular foram postas em causa, sem se observarem os costumes e
práticas tradicionais, em suma a vontade individual e a liberdade de expressão do
sentimento religioso.

285
Ofício da Câmara Municipal de Loures, 17 de Novembro de 1914, ao Presidente da Comissão
Central de Execução da Lei da Separação (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 2782, fl.
26).
286
A professora oficial da Escola mista, Júlia Escrivanis de Carvalho, assinou as petições de 27 de
Janeiro e 12 Abril de 1913, em que mesários e confrades solicitavam a reabertura da capela e a
entrega do dinheiro das rendas à mesa administrativa da Irmandade. Petição dos habitantes para que a
capela fosse cedida para instalação de uma escola também não foi encontrada.
287
Todavia, na Igreja Matriz de Santa Maria de Loures não se realizava o exercício de culto, ainda que
a Irmandade do Santíssimo Sacramento da Igreja tivesse solicitado as chaves do templo e as respetivas
alfaias de culto, em 5 de Maio de 1915 ao Governo Civil. No ofício, declaram que a Irmandade estava
legalmente constituída, situação que confirmamos pela documentação presente no fundo da
Administração do Concelho e que observámos no subcapítulo 1.3. Mas, a informação é negada pelo
Presidente da Comissão Concelhia dos Bens Eclesiásticos, em 27 de Abril de 1915. A Igreja Matriz
encontrava-se fechada ao culto desde 1910 e os objetos deteriorados, pelo que a Comissão Concelhia
decidiu pedir à Comissão Central a avaliação dos objetos existentes para que os mesmos fossem
vendidos em hasta pública (ACMF – Ata nº 1 da Segunda Comissão de Lisboa, de 4 de Maio de 1921,
in Livro de atas da Comissão Concelhia de Loures, nº 1, de 1912 a 1924). O relógio e o sino da Igreja
foram também cedidos à Câmara Municipal de Loures, por decreto publicado no D. G. I Série, nº 264
(28 de Dezembro de 1921), (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/003).

84
Da análise do Edital de 15 de Novembro de 1914288, extraem-se diversas e
contraditórias informações sobre a questão religiosa no Concelho, o que evidencia as
dificuldades em constituir o agrupamento cultual transitório em Caneças. Se nas
freguesias do Concelho se constituíssem associações cultuais de acordo com a lei da
Separação, o Edital determinava que «qualquer outra associação» que quisesse
«restabelecer o culto religioso» podia «declará-lo a esta Comissão Concelhia, no
prazo de um mês a contar da data deste edital, para que tal seja tomado em
consideração, para os efeitos da resolução tomada da venda dos objectos acima
mencionados.»
É interessante observar o pormenor da data para conferir legalidade ao ato de
constituição de associação cultual ou outra corporação. Por este Edital, o
agrupamento cultual transitório de Caneças não tinha cabimento legal, pois o pedido
tinha sido feito anteriormente, em Setembro de 1914.
Um documento289 não datado, da Comissão Central de Execução da Lei da
Separação, contendo cinco assinaturas, reforçou o indeferimento, de 3 de Outubro de
1914, à constituição do agrupamento cultual transitório, na capela de Caneças.
Segundo os fundamentos para o indeferimento, consideraram que os fiéis,
apenas, se propunham contribuir para o culto do lugar de Caneças e não se
destinavam «a manter o culto paroquial». As corporações deviam assumir «o encargo
do culto da respectiva religião em uma freguesia pelo menos», de acordo com a
interpretação do artigo 17º e seguintes da Lei da Separação. Sendo assim, não se
podia constituir «uma associação cultual ou um agrupamento transitório só para
prover ao culto privativo de um número restrito de paroquianos ou de uma devoção
particular».
Mas, de acordo com a Lei da Separação, constata-se que a formação do
agrupamento cultual transitório estava consignada no artigo 19º da mesma Lei.
Também podemos especular sobre a intenção do pároco de Loures em querer agrupar
os fiéis da paróquia de Loures, tendo pedido permissão para o exercício do culto na
Matriz em Maio de 1914 ou fundamentar a formação do agrupamento com a criação
da freguesia de Caneças.

288
Cf. Anexo XLVII.
289
Parecer de indeferimento da Comissão Central de execução da Lei da Separação à constituição do
agrupamento cultual transitório na capela de Caneças (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001-
Processo 2782, fl. 30, documento não datado). Cf. Anexo XLVI.

85
No documento290 em análise ainda existem os fundamentos de que o pároco
de Loures não residia na freguesia de Loures «há 6 anos», embora os peticionários
refiram que o exercício do culto foi mantido. Consideraram que a cedência gratuita
da capela aconteceria se o agrupamento se tivesse constituído até 31 de Dezembro de
1912 e, por fim, que a capela estava encerrada «há mais de dois anos» e, por isso,
devia ser destinada «a qualquer fim de interesse social». De facto, a Irmandade podia
ter beneficiado da lei de Julho de 1912291, para regularizar os estatutos, ao abrigo do
art. 38º da Lei da Separação, mas motivos alheios à vontade dos peticionários
impediram essa contemplação. A mesa enviou a declaração ao abrigo da portaria de
18 de Novembro de 1911, em Fevereiro de 1912, posteriormente remeteu o projeto
de estatutos aprovados, em 25 de Junho do mesmo ano, elaboraram o orçamento para
o ano económico 1911-1912, o qual foi aprovado pagaram as contribuições
devidas292.
A petição de quatro signatários para a formação do agrupamento cultual
transitório, apoiado pelo pároco de Loures, constituiu uma alternativa à formação de
uma corporação que não seguisse o artigo 17º da Lei da Separação.
A interpretação da Lei da Separação, nomeadamente os seus artigos 17º e 19º,
condicionou a constituição do agrupamento cultual transitório para garantir do culto
público e a reabertura da capela para o exercício do mesmo com o apoio do pároco
de Loures. Pelos motivos invocados, a Comissão Central confirmou «integralmente o
anterior parecer de 3-10-1914»293, negando a pretensão para a constituição do
agrupamento cultual transitório.
A questão religiosa em torno das cultuais afetou as práticas e as
sociabilidades religiosas que se desenvolviam através das Irmandades, pondo em
causa o lugar da religião na sociedade e dos seus legítimos representantes, o clero, e
a devoção dos leigos, porque para se associarem não bastava a natureza espiritual
que os movia, estavam dependentes do controlo do Estado e das suas específicas

290
Cf. Anexo XLVI.
291
Lei de 10 de Julho de 1912. D.G. nº 178 (23de Julho de 1912). Artigo 1º - prorrogava até 31 de
Outubro o prazo estabelecido nos artigos 39º e 169º da lei de 20 de Abril de 1911 para que as
irmandades harmonizassem os seus estatutos. A lei contemplava as irmandades que cumpriram a
portaria de 18 de Novembro de 1911, desde que «por motivo atendível».
292
Como para o Fundo Especial destinado à defesa contra a tuberculose – Mapa demonstrativo das
receitas arrecadadas pela Caixa Geral de Depósitos, durante o ano económico de 1911-1912, in D.G.
nº 288 (9 de Dezembro de 1912). Cf. Anexo XXII.
293
Cf. Anexo XLVI.

86
determinações, tinham de se associar para fins de assistência e beneficência, caso
contrário a associação motivada pela crença religiosa não era permitida.
A nova Lei determinava as condições em que o culto público devia ser
realizado e organizado, por isso impunha a constituição das associações cultuais.
Condição que os crentes não compreendiam, nem aceitavam, porque a separação da
esfera religiosa do campo político, consignada na nova Lei, condicionava a liberdade
religiosa quanto às suas representações e expressões religiosas e motivaram querelas
graves294.
As obrigações, em contribuir para entidades de beneficência, já eram práticas
do tempo da monarquia295, pelo que este não seria o verdadeiro problema. O
problema era que a nova Lei determinava a quantia a despender com o culto, tida
como uma ingerência da esfera política no universo religioso, retirava ao clero as
suas competências e mesmos os leigos estavam condicionados em termos
associativos.
A extinção296 da Irmandade do Santíssimo Sacramento e o encerramento da
capela de S. Pedro ao culto foram motivadas por não se ter constituído a associação
cultual ao abrigo do artigo 17º do decreto de Abril, pesem as alegações da Irmandade
para a harmonização dos estatutos ao abrigo do artigo 38º e, posteriormente, para a

294
Cf. Ernesto Castro Leal - Partidos e programas: o campo partidário republicano português 1910-
1926, p. 19 e sgg. O autor cita Sampaio Bruno, que considera a República como «a causa pública, é o
bem comum, a causa e o bem de todos os portugueses». A república era a pátria de todos os cidadãos,
onde devia existir tolerância e respeito pelas diferenças.
295
No processo do ano económico de 1900-1901 da Irmandade do Santíssimo Sacramento constam os
seguintes documentos: Recibo de despesa do pagamento ao Fundo Especial da Beneficência Pública
(verba depositada na Caixa Geral de Depósitos e Instituições de Previdência, destinada a combater a
tuberculose); Recibo da Câmara Municipal de Loures referente ao pagamento da contribuição
Municipal Directa pela Irmandade do SSº; Recibo do pagamento da contribuição predial pela
Irmandade do SSº; Ordens de pagamento pelo fornecimento de vinho, azeite, carvão, hóstias, incenso,
cera para sustento do culto religioso; Ordem de pagamento pela lavagem e limpeza da capela; Ordens
de pagamento pelo aluguer da armação da capela da Irmandade do SSº, durante a festividade de São
Pedro, nos dias 29 e 30 de Junho, e a um fogueteiro pela venda de fogo solto para a mesma
festividade; ata da reunião em que as contas de 1900-1901 foram aprovadas; Cópia do edital,
comunicando que as contas de 1900-1901 podiam ser examinadas pelos irmãos. O edital era exposto
na sacristia da capela para que, no prazo de oito dias, os irmãos pudessem apresentar reclamação, por
escrito; Mapa da média da receita que inclui as subscrições para a missa, esmolas extraordinárias,
enterros de irmãos, anuais (quotas) dos irmãos; Ordens de pagamento, por exemplo, ao padre capelão
e sacristão; Ordem de pagamento por uma empreitada à Irmandade do SSº, para reconstrução de uma
casa pequena para servir de baptistério da capela; Alvará do Administrador do Concelho concedendo
licença para o lançamento do fogo; Recibo do pagamento à Comissão Distrital Lisboa pelo julgamento
da conta da Irmandade do ano 1898-1899 (ANTT – Irmandades, Governo Civil, Contas de Gerência
1900-1901, cx. 5, cota 806-B).
296
As informações contraditórias, face à legalização da aprovação dos estatutos, originaram, em 5 de
Setembro de 1913, a dissolução da Irmandade, por Despacho do Governador Civil Daniel Rodrigues e
o consequente encerramento formal da capela ao culto, em 15 de Junho de 1913.

87
constituição do agrupamento cultual transitório, recorrendo ao artigo 19º do mesmo
normativo.
Apesar da resolução de 9 de Abril de 1915297 do Governador Civil de Lisboa
determinar a continuidade do processo, relacionado com a aprovação dos estatutos da
Irmandade e que se considerasse o anterior despacho nulo, esta decisão não
influenciou o rumo dos acontecimentos em favor dos interesses da Irmandade e do
pároco de Loures.
A resolução de 9 de Abril não perde importância no contexto dos factos. Pelo
contrário comprova as alegações dos confrades, mesários, capelão João Ramos do
Rosário e pároco Joaquim Pombo. O projeto de Estatutos tinha sido entregue no
prazo legal e os irmãos não tinham sido intimados para legalizar a Irmandade, nem
tão pouco tinha sido comprovado que a Irmandade estava abandonada 298.
Todos estes elementos, analisados a partir da realidade local, sugerem
claramente a articulação da problemática religiosa e a gestão da sua conflituosidade
com o que na I República ocorreu em termos de recomposição dos poderes e das
influências locais.

297
Cf. Anexo XLVIII.
298
Ofício da 3ª Repartição do Governo Civil ao Presidente da Comissão Central da Execução da Lei
da Separação, datado de 17 de Fevereiro de 1916 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ ADMIN/028- Processo
2101, Fls. 4-5). Cedência da capela de S. Pedro de Caneças à Câmara Municipal de Loures (Decreto
nº 1648, de 15 de Junho de 1915).

88
CAPÍTULO 3

A IRMANDADE COMO REDE DE SOCIABILIDADE

A Igreja defendia a sua independência face ao poder civil, pretendia encontrar


mecanismos que não condicionassem a sua ação religiosa e evangelizadora, mais do
que combater os poderes políticos constituídos. As lutas e divergências políticas
entre monárquicos e republicanos não deviam ser confundidas com as crenças e
devoções religiosas de cada cidadão; como já referimos o que estava em causa era a
defesa da liberdade de consciência de cada indivíduo, a sua liberdade religiosa. E, em
Caneças, os fiéis e restantes habitantes tentaram que essas premissas de culto fossem
respeitadas. Todavia, as dificuldades repercutiram-se nas vivências religiosas durante
os primeiros anos de regime republicano.
Durante a I República, a legislação condicionou o relacionamento dos
indivíduos e a reorganização das instituições quanto ao seu papel na sociedade.
Relacionamentos que se manifestaram na vida religiosa do concelho de Loures e
influenciaram a dinâmica e as posições assumidas pelas Irmandades das diferentes
paróquias, designadamente na paróquia de Loures, à qual Caneças estava ligada.
A problemática religiosa, associada à questão política, foi propagandeada na
luta que visava o reconhecimento do regime republicano, cujo projeto299 era político,
social, cultural, moral e espiritual, em que ao combate contra a monarquia era
associado o anticlericalismo 300. O ideário republicano pretendia regenerar a
sociedade, de acordo com os seus princípios doutrinários, entendiam que a religião e
as suas instituições condicionavam a evolução e o progresso da sociedade 301. E, em

299
Uma sociedade que se pretendia laica, liberta da influência do catolicismo, para tal era necessário
promover na sociedade uma profunda transformação cultural. A política laicizadora da sociedade
passou pelo decreto da Separação do Estado das Igrejas, de 20 de Abril de 1911.
300
Cf. António Matos Ferreira – Aspetos da ação da Igreja no contexto da I República. In História
Contemporânea de Portugal. Dir. João Medina. Genève: Edições Ferni, s.d. Tomo I, p. 207-269.
301
Desse modo, leis monárquicas, limitadoras da ação da Igreja, foram consideradas em vigência: as
leis de 3 de Setembro de 1759 e de 28 de Agosto de 1767 sobre a expulsão dos jesuítas de Portugal e
seus domínios; a lei de 28 de Maio de 1834 decretou a extinção das ordens religiosas e levou à
aplicação do decreto de 18 de Abril de 1901 de Hintze Ribeiro, que autorizava a constituição de
associações religiosas para fins de beneficência, instrução ou de “propaganda missionária”. Com a
legislação republicana acresce a lei do divórcio, a lei do registo civil obrigatório, o juramento de
carácter religioso foi substituído pela declaração de honra, os dias da semana, à exceção do Domingo,
são considerados dias de trabalho, proibição das forças armadas em participarem em solenidades
religiosas, as leis da família decretadas no dia 25 de Dezembro de 1910, proibição do ensino da
doutrina cristã nas escolas, extinção da Faculdade de Teologia e da cadeira de Direito Canónico no
curso de Direito e ainda a atribuição aos Governadores Civis de poderem substituir as irmandades e
confrarias por novas comissões. Cf. António Matos Ferreira – Aspetos da ação da Igreja no contexto

89
relação à religião católica romana e respectivas hierarquias, consideravam que era a
responsável pelo atraso do país.
Pretendiam retirar ao catolicismo «o seu poder político e cultural»302.
Manifestando-se o poder cultural da religião católica no ensino, no culto, nas
procissões e romarias e nos registos paroquiais de batismo, matrimónio e óbito.
Segundo Catroga, «expulsava as procissões das ruas para que estas fossem
transformadas em espaços exclusivos do espectáculo político»303, pelo que era
necessário romper com os rituais quotidianos das vivências religiosas,
«manifestações externas do culto»304.

3.1 – A DIMENSÃO SOCIAL DA IRMANDADE

O fenómeno religioso, neste caso a religião católica, fazia parte da formação


ideológica das comunidades, nas suas vertentes moral, cultural, social e económica,
expressa através de símbolos e rituais durante séculos. Aspetos que constituíram
condições de sociabilidade, tendo como elemento de união a crença na mesma
doutrina religiosa - o catolicismo. As práticas e devoções religiosas faziam parte das
vivências quotidianas das comunidades.
Neste sentido, os homens tiveram necessidade de aglutinar interesses para
defesa dos seus valores, constituindo, no plano do religioso, associações de fiéis que
garantissem e, de certo modo, valorizassem a sua visão da vida, mas também da
morte. A quotização confere o sentido de pertença, de identidade, assim como a
participação nas procissões.
A Irmandade do Santíssimo Sacramento da capela de S. Pedro de Caneças,
como as suas congéneres, assumiu uma dimensão religiosa mas também social e
cultural. A caridade (amor ao próximo) e a piedade (devoção) foram os alicerces para
a sua ação na comunidade.
Como forma de sociabilidade, as dimensões espiritual, cultural e social da
Irmandade só podiam ser cumpridas através de práticas materiais e simbólicas.

da I República. In História Contemporânea de Portugal. Dir. João Medina. Genève: Edições Ferni,
s.d. Tomo I, p. 207-269.
302
Fernando Catroga – O republicanismo em Portugal: da formação ao 5 de Outubro de 1910, p. 209
sgg.
303
Op.cit. P. 209.
304
Cf. Rui Cascão – Vida quotidiana e sociabilidade. In História de Portugal. Dir. José Mattoso. 1ª
ed. Lisboa: Círculo de Leitores, 1993. Vol. V, p. 517 sgg.

90
Sustentar o culto público como a celebração das missas, o enterro dos irmãos, a ajuda
aos mais necessitados (auxílio médico e alimentar), promover o ritual religioso
ligado às festividades litúrgicas, designadamente a festa da Páscoa e em honra do
santo padroeiro305, assegurar os registos paroquiais eram dinâmicas que garantiam a
cristianização da sociedade e influenciavam as relações na comunidade.
As mesas da Irmandade que se constituíram, desde os finais do século XIX
até 1912 e, posteriormente, em 1918 e 1921, estabeleceram relações entre os seus
membros e a comunidade, pelo que se procura compreender, neste capítulo, se a
Irmandade foi um instrumento de poder de uma elite local capaz de influenciar e
compor diferentes redes de sociabilidade, de acordo com as necessidades da
povoação. Observa-se a importância social dos seus membros na comunidade através
da sua participação na vida religiosa, económica, cultural e política da localidade e as
suas ocupações profissionais.
Como se constatou no capítulo anterior, a revolução republicana condicionou
a vida religiosa em Caneças e foi motivo da interrupção do culto público na capela de
São Pedro, por não se ter constituído a associação cultual nem o agrupamento cultual
transitório, ao abrigo dos artigos 17º, 19º ou do artigo 38º da Lei da Separação como
defendia a hierarquia católica.
Todavia, antes do final do ano de 1912 corre a notícia de que a capela ia ser
encerrada e o reconhecimento legal da Irmandade do Santíssimo passa a não ser
considerado pelas autoridades competentes de maneira a garantir o exercício do culto
público. A última mesa da Irmandade, antes do encerramento da capela, foi eleita em
1 de Julho de 1912, para servir no ano 1912-1913, tendo o orçamento do ano
económico 1911-1912306 sido aprovado.
Apesar dos condicionantes às práticas religiosas, as pessoas reorganizaram-
se, em busca de espaço para a sua ação, não como contra - poder à ideologia
republicana, mas na tentativa de harmonizar o seu modo de agir para garantir a sua
liberdade religiosa, sem se tornarem instrumentos do poder político republicano. A
partir de 1913, os confrades e moradores de Caneças intervieram em defesa da
liberdade religiosa, conseguindo a abertura ao culto público na capela de S. Pedro,
em 1918, e a aprovação do alvará da Irmandade em 29 de Setembro de 1921.

305
Procissão em honra de S. Pedro. Cf. Anexo LI.
306
Ofício do Governo Civil de 13 de Fevereiro de 1912 (AML – Administração do Concelho de
Loures - Correspondência recebida, ano de 1912.)

91
Os elementos ligados à Irmandade, e em nome desta, desenvolveram redes
sociais em vários domínios, desde a sua constituição no século XVIII. Além de
criarem e manterem elos de ligação ao nível da vida religiosa comunitária, no que
respeita ao domínio da espiritualidade, para garantir a prática da sua religiosidade, a
Irmandade assumiu também um papel preponderante na vida económica da
povoação, através da obtenção de ajudas financeiras à sustentação do culto.
Para esse fim, desenvolveu diversas diligências para conseguir a mercê régia
de uma feira franca307. Feira que se realizava na primeira oitava da Páscoa mas, nos
primórdios da República, irmãos da Irmandade assinaram uma petição, em 16 de
Março de 1911, para que a feira realizada na segunda-feira da Páscoa passasse para o
domingo de Páscoa308.
Paralelamente, no seio organizativo da Irmandade constituíram-se teias
familiares, pois membros da mesma família integravam as mesas da Irmandade,
desde o tempo da monarquia constitucional. Na sua relação com as autoridades
eclesiásticas, o pároco de Loures e o Patriarcado, não se observaram, nos
documentos estudados, relações de animosidade, no período da I República.
No entanto, o acervo documental consultado, não nos permite ter uma ideia
precisa do número de republicanos ou de monárquicos que existia em Caneças, nem
tão pouco o número de canecenses inscritos no Partido Republicano Português (ou
posteriormente, noutra organização partidária), embora tivesse sido constituída a
subcomissão republicana de Caneças. De acordo com a informação do Quatro de
Outubro, era a única subcomissão nas eleições para as comissões paroquiais
republicanas309 no concelho de Loures, no ano de 1913.
No recenseamento para as eleições para a assembleia nacional constituinte de
28 de Maio de 1911, dos cento e setenta e oito cidadãos recenseados de Caneças,
exerceram o direito devoto trinta e três, dos cinquenta e quatro 310 cidadãos
alfabetizados, e vinte e sete chefes de família, ou seja, cerca de 34% do total de
cidadãos recenseados. Possivelmente, o interesse em participar na vida política não
seria motivador para os cidadãos, em parte. Alguns dos cidadãos recenseados

307
ANTT – Provisão D. José I de 25 de Janeiro de 1760.
308
AML – Câmara Municipal de Loures: Requerimentos e Representações, ano de 1911. Cx 15.
309
As Próximas Eleições. Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 51 (de 6 de Abril de 1913) 1.
310
Entre os cidadãos recenseados consta o padre João Ramos do Rosário, sem ser elegível. O padre
não exerceu o direito de voto. Segundo o caderno de recenseamento da freguesia de Loures, o nº total
de cidadãos recenseados é de 1035, ou seja, somente 17% residiam em Caneças (AHP – Caderno de
recenseamento da freguesia de Loures. Secção IX, cx. 47).

92
integravam há vários anos a Irmandade, mas não se pode pressupor se eram, na
maioria, apoiantes da matriz ideológica republicana ou o oposto. Eram católicos e
cidadãos a usufruírem do direito de participar na vida política do país, à semelhança
dos seus anseios em manifestarem livremente o seu credo na sua capela.
É certo que, antes da implantação do novo regime, Caneças dava mostras da
simpatia pela monarquia, o nome da Real Fanfarra311, fundada em 19 de Março de
1880. Também a Padaria Primavera 312, no centro da localidade, fazia propaganda à
sua casa exibindo uma bandeira monárquica numa janela do estabelecimento, assim
como o Hotel Progresso tinha a insígnia pintada em terrinas decorativas.
A tradição oral foi transmitindo a notícia de que em Caneças republicanos
residentes e forasteiros reuniam-se na Botica para troca de ideias, desde o séc. XIX.
Embora a distância entre Caneças, a sede de paróquia e Lisboa fosse significativa
para a época, tendo em conta as condições viárias e os meios de transporte, não
podemos menosprezar as ligações aos fervorosos republicanos de Loures e às
influências de Lisboa.

«Em Caneças, bonita localidade, muito frequentada por lisboetas, trata-se de


publicar um jornal, sem cor política, e, segundo nos informam de feição
literária.»313

Esta frase demonstra a proximidade de contactos estabelecidos entre os


moradores e os vindos da capital, os quais remontavam aos séculos passados.
Forasteiros procuravam Caneças para veranear e, por sua vez os canecenses
deslocavam-se diariamente a Lisboa para venderem os seus produtos agrícolas, a
água e a roupa cuidada pelas lavadeiras. Além do mais, o jornal não trataria de
assuntos da política, mas de cariz literário.
Instaurada a República as relações mantinham-se, principalmente, com os
republicanos (democráticos) que utilizavam os periódicos locais para ridicularizem o
catolicismo, os jesuítas, os padres, as Irmandades, as festividades religiosas (como as

311
Participou no concurso de filarmónicas, juntamente com oito bandas, realizado Real Tapada da
Ajuda, no dia 12 de Julho de 1884. Pela sua prestação recebeu um galardão bordado a ouro (existente
na coletividade) das mãos da rainha D. Maria Pia de Sabóia, segundo a tradição oral. No entanto, a
Fanfarra inicialmente não teria o nome de Real. Como já se referiu, havia também no lugar a
filarmónica Avante Canecense, regida por uma senhora que estaria próxima das ideias republicanas,
mas não significa que os seus membros fossem anticatólicos ou anticlericais.
312
A Fortuna: jornal hebdomadario de propaganda do comércio e da indústria- magasine ilustrado e
recreativo. Lisboa: A. Affonso D’ Oliveira, (14 de Outubro de 1909).
313
Esta notícia foi editada pelo Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 45 (23 de Fevereiro de 1912) 1. Mostra
a proximidade de contactos estabelecidos com os moradores da capital.

93
procissões), servindo-se de acontecimentos pontuais em todo o concelho de Loures.
Quanto às cultuais, apoiavam as determinações legais e defendiam que o culto não
existia nas igrejas do Concelho porque não se tinham constituído cultuais ou que o
patriarcado tinha ordenado o encerramento das igrejas.
Por vezes, verificaram-se ainda atitudes individuais ambíguas ou declaradas
quanto às preferências políticas. Era o caso da professora da Escola Oficial Mista de
Caneças, Júlia Augusta dos Anjos Escrivanis de Carvalho 314. A professora
subscreveu a petição dos mesários e confrades da Irmandade do SSº Sacramento de
Caneças de 27 de Janeiro de e a de moradores em 12 de Abril de 1913, pelo que se
pode inferir que a professora era católica e membro da Irmandade, mas nas petições
subsequentes não consta a sua participação.
Destacou-se como professora no Concelho 315 pelos resultados obtidos pelos
alunos nos exames do 1º e 2ºgraus. Este feito valeu-lhe, e a outros professores do
Concelho, o voto de louvor da Câmara Municipal de Loures, aprovado em sessão
camarária316. Atenta ao que se passava à sua volta, denunciou uma senhora
veraneante em Caneças que afastava as crianças da escola, sob o pretexto de atrair
«as crianças para as ensinar a ler e a rezar recompensando-as depois com bolos e
outras dádivas […]»317 .
Da mesma forma, a professora mostrou ser reivindicativa na defesa dos
direitos da sua classe, designadamente no pedido de aumento dos ordenados dos

314
A professora faleceu em 25 de Maio de 1920, em Caneças. Não deixou ascendentes nem
descendentes segundo a sua certidão de óbito.
315
Boa Professora. Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 129 (8 de Novembro de 1914) 1. No exame do 1º
grau, nove alunos passaram com distinção, e no exame do 2º grau um aluno obteve distinção e outro,
aprovação.
316
Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 128 (11 de Novembro de 1914) 1. Receberam o voto de louvor os
professores de Bucelas, Camarate, Frielas, Loures, Odivelas, Pinheiro de Loures, Povoa Stª Iria, Stª
Iria, Stº Antão do Tojal, S. Julião, Unhos e Zambujal.
317
A professora considerou que esta atitude provocou o afastamento de alunos da escola, à semelhança
do que acontecera nos anos anteriores. (AML – A.C.M.L. - Correspondência e requerimentos de
professores -Educação, Ensino Primário e Básico, cx. 1915 a 1916, carta de 19 de Outubro de 1914).

94
professores318. Mas, simultaneamente, felicitou a Câmara concelhia pelo seu
heroísmo e pelo triunfo do movimento que restabeleceu a Constituição 319.
Através da leitura dos jornais do Concelho 320, foi possível identificar cidadãos
que pertenciam ao Partido Republicano Português e constavam da lista
subcomissão321 republicana de Caneças, desempenharam cargos na direção322 da
filarmónica da terra, a qual ajudaram a reorganizar e, simultaneamente, faziam parte
dos corpos gerentes da Sociedade de Instrução Militar Preparatória 323 e ocuparam
cargos políticos324.
Alguns destes cidadãos eram católicos, ligados à vida da Irmandade e da
Igreja, desde a segunda metade do século XIX e os seus ascendentes, desde tempos
muito recuados, tinham integrado o corpo de irmãos ou de gerência da Irmandade do
Santíssimo Sacramento.

318
A professora Júlia de Carvalho fez parte da Comissão delegada de professores do concelho de
Loures. No documento, requerem o reconhecimento da atividade docente através do aumento dos
ordenados. Enaltecem o empenho e dedicação dos professores e o interesse de outros povos pela
educação: «[…]se não fora a abnegação dos nossos professores que, apesar de escassamente
remunerados têm cumprido regularmente os seus deveres oficiais […] Outros povos têm
compreendido que a instrução é a alavanca do progresso. » (AML – C.M.L. - Correspondência e
requerimentos de professores -Educação, Ensino Primário e Básico, cx. 1915 a 1916.)
319
A informação encontra-se num pequeno documento não datado (AML – C.M.L.- Correspondência
e requerimentos de professores -Educação, Ensino Primário e Básico, cx. 1915 a 1916). Talvez a
professora se estivesse a referir ao movimento de 14 de Maio de 1915 que pôs fim à ditadura de
Pimenta de Castro.
320
Periódicos concelhios - Quatro de Outubro e O Cinco de Outubro.
321
Filiados no Partido Republicano Português e que participaram nas eleições para a Comissão
Municipal Republicana de Loures, in Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 62 (22 de Junho de 1912) 1.
322
Faziam parte da Direção: António Raimundo Martins, Presidente (comerciante, Diretor da
Sociedade Musical de Caneças e membro do PRP - Partido Republicano Português); Leonardo José
Fernandes, Tesoureiro (comerciante; confrade da Irmandade do Santíssimo Sacramento, subscreveu a
petição para o reconhecimento legal da Irmandade e abertura da capela ao culto, vogal da Junta de
Freguesia de Caneças em 1922); António Duarte Sacavém, 1º Secretário (barbeiro, membro do PRP,
Presidente da Câmara Municipal de Loures triénio 1915-1917); Francisco dos Santos Paisana, 2º
Secretário (proprietário e comerciante, antigo mesário, membro do PRP, Presidente da Câmara
Municipal de Loures de 2 de Janeiro a 11 de Abril de 1923 e, posteriormente, Presidente da Junta de
freguesia de Caneças). In Quatro de Outubro. Lisboa. Nº 51 (6 de Abril de 1913) 1.
323
Fundada em Dezembro de 1914. Corpos gerentes: José Eduardo dos Santos (empregado público,
mordomo da Irmandade do Santíssimo Sacramento em 1903,1904-1905 e entre 28 de Abril de 1910 a
28 de Janeiro de 1912). Segundo a informação oral de suas netas, foi educado por D. Adelaide Vieira
Caldas, sua madrinha, subscritora das petições e do agrupamento cultual transitório para a reabertura
da capela ao culto. A mãe e padrasto de José dos Santos eram trabalhadores da família Caldas);
António Duarte Sacavém; Joaquim Pedro Nunes (escrivão da Irmandade do Santíssimo Sacramento
em 1903 e entre 21de Abril de 1907 a 28 de Abril de 1910. Mordomo no ano 1904-1905, funcionário
da Junta de Freguesia de Caneças e, posteriormente, do Registo Civil); António Raimundo Martins
(comerciante, filiado no P.R.P.); Domingos Afonso Fernandes (comerciante, já o mencionámos como
antigo confrade); Alfredo Simões Roussado (proprietário industrial); Raimundo Alves; Casimiro
Martins Claro (trabalhador e desempenhou a função de cabo de polícia, escrivão da Irmandade entre
28 de Abril de 1910 e 30 de Junho de 1911); António dos Santos Abade (?).
324
No anexo referente às mesas administrativas faz-se a devida observação, embora alguns dos
republicanos já tenham sido referenciados em notas do capítulo 2. Cf. Anexo LXXIV.

95
Por outro lado, nem todos os antigos elementos da Irmandade, simpatizantes
ou militantes do Partido Republicano Português, subscreveram as petições para a
reabertura da capela ao culto e para o reconhecimento legal da Irmandade, mas foi
um número minoritário. Como por exemplo, um membro da Irmandade, Juiz entre 21
de Abril de 1907 a 28 de Abril de 1910 325, tomou parte na subcomissão republicana
de Caneças (1913), integrou a direção da Sociedade Musical de Caneças, assumiu os
cargos de vereador e de Presidente da Câmara Municipal de Loures e da Junta de
Freguesia de Caneças326, após o 5 de Outubro de 1910.
Do mesmo modo, também não nos é possível demonstrar se a maioria dos
signatários das petições para a reabertura da capela ao culto eram apoiantes dos
regimes monárquico ou republicano, mas sendo republicanos não significava que não
fossem católicos.
As expressões do republicanismo, em termos políticos, surgem, após a
revolução, relacionadas à filarmónica da Sociedade Musical de Caneças, à
toponímia, e à constituição das subcomissões republicanas, enquanto a Irmandade do
Santíssimo Sacramento lutava pela reabertura da capela ao culto e pelo seu
reconhecimento legal.
Das petições, para a reabertura da capela ao exercício do culto público e
reconhecimento legal da Irmandade do Santíssimo Sacramento, não constam alguns
dos nomes dos elementos que fizeram parte da Comissão Municipal e da
Subcomissão Paroquial do Partido Republicano Português e, ao mesmo tempo, da
direção da coletividade musical e do exercício de cargos políticos. Mas também não
se encontraram documentos que demonstrassem posições desfavoráveis às
pretensões dos requerimentos, como a alegação do Presidente da Junta de paróquia
de Loures.

325
Francisco dos Santos Paisana, carroceiro, proprietário agrícola e comerciante, batizado em 9 de
agosto de 1886, na Igreja de Santa Maria de Loures, filho de José Santos Paisana, fazendeiro, e de
Maria Joaquina Bernardina. Teve como padrinho Francisco Bernardino, empregado na Nunciatura e
morador em Lisboa e madrinha Rita Razo (?) também residente em Lisboa. O seu pai pertenceu à
mesa da Irmandade e subscreveu as petições.
326
A freguesia de Caneças foi criada pela Lei nº 413/1915. D. G. I série. Nº 182 (10 de Setembro de
1915) 1. Em relação à criação da freguesia de Caneças, os 111 signatários, do sexo masculino, eram
moradores de Caneças e Vale de Nogueira, dos quais cerca de 25 subscreveram as petições de Janeiro
e de Abril de 1913 e de Agosto de 1914 para a reabertura da capela ao culto. Entre os mesmos
subscritores, estes ocuparam cargos políticos na Câmara Municipal de Loures e, posteriormente, na
Junta de Freguesia de Caneças, assim como ao nível da associação cultural Sociedade Musical de
Caneças.

96
Constata-se também que mesários da Irmandade, desde o tempo da
monarquia constitucional, vão manter-se fiéis aos propósitos de reabrir a capela ao
culto público e protestar em favor da aceitação legal da Irmandade pelas autoridades
administrativas competentes. Ao subscreverem as petições, assim como elementos da
respetivas famílias, estavam a insistir na defesa da legitimidade do exercício do culto
católico. Alguns destes cidadãos aparecem também, após 1915, a desempenhar
cargos políticos ao nível da Junta de Freguesia de Caneças.
A Irmandade era composta por elementos masculinos e femininos, mas as
mulheres não ocupavam funções nas mesas administrativas 327. As mesas eram eleitas
«segundo domingo depois do São Pedro»328. Pela análise da composição das mesas
administrativas da Irmandade, constata-se que alguns dos cidadãos desempenharam
funções culturais e políticas, constituindo a elite social, económica, cultural e política
da comunidade329. A Irmandade foi um mecanismo de poder, de influência nas
relações e vivências da povoação, da qual faziam parte proprietários agrícolas que
também se dedicavam ao comércio dos produtos que produziam, irmãos com
atividade ligada ao comércio, pequenos artesãos como o ferreiro, ferrador e sapateiro
e trabalhadores por conta de outrem330.
Os confrades pertencendo à mesma ordem social estabelecem entre si
relações de solidariedade horizontal, ligados ao culto do Santíssimo Sacramento e à
prática da caridade através da assistência aos mais carenciados. Em vida com a
atribuição de esmolas aos pobres inabilitados (géneros alimentares e medicamentos),
garantiam aos doentes o recebimento dos sacramentos e, na morte, acompanhavam
os enterros de irmãos ou não. A Irmandade embora fosse uma associação laica, os

327
Artigos números 4º a 7º do projeto de estatutos, aprovado em reunião magna em 1 de Junho de
1912 (cf. Anexo XVIII) e artigos 1º e 8º dos estatutos aprovados por alvará em 29 de Setembro de
1921 (cf. Anexo LXVI). No estatuto de 1921, art. 8º, os menores tinham de ter licença «de seus pais
ou tutores» e as mulheres casadas «autorização do marido».
328
Artigo nº 7º do projeto de estatutos, aprovado em reunião magna em 1 de Junho de 1912 (cf.
Anexo XVIII).
329
Mesas administrativas da Irmandade do SSº Sacramento de Caneças. Cf. Anexo LXXIV.
330
Cf. Pedro Penteado – Confrarias. In História Religiosa de Portugal. Vol. 2, p. 323-334. O autor
refere-se às Irmandades e Confrarias no quadro da sociedade portuguesa na época moderna. Também
no caso da Irmandade do SSº Sacramento de Caneças, constata-se que a forma de agir, as
sociabilidades criadas, e o papel da Irmandade remontam ao século XVIII, como se verificam nos
documentos estudados. As práticas, as representações e a natureza das suas atribuições mantiveram-se
até 1912. Nos nossos dias, não existem Irmandades na paróquia de Caneças, mas os rituais e as festas
religiosas permanecem como formas de manifestação da crença, e para a sua prossecução os fiéis
organizam-se em colaboração com o pároco.

97
padres capelães eram membros presentes nas suas reuniões 331, cabendo à Irmandade
conseguir as receitas necessárias ao culto, ao enterro de fiéis e à realização das festas
do Santo Padroeiro, de Nossa Sr.ª do Rosário e de S. Sebastião.
Podemos depreender que os membros da Irmandade e os subscritores
(homens e mulheres) das petições para a reabertura da capela ao culto, não
questionavam a separação da política da religião, somente procuraram fazer
prevalecer a prática da sua crença, sendo as suas fundamentações sempre recusadas
até Maio de 1918.
O sentimento religioso das pessoas da pequena povoação foi atingido na
essência quanto à liberdade de expressarem o seu credo e, assim, de o praticarem em
comunidade e, sem serem contra poder, procuraram agir em defesa da sua liberdade
religiosa.
A separação do Estado e das Igrejas, de acordo com o consignado na Lei da
Separação, de 20 de Abril de 1911, pretendia remeter o culto para a esfera privada,
pois o culto público só poderia existir se fosse formada associação cultual.
As Irmandades tinham uma natureza religiosa e espiritual à qual se deve
associar a sua dimensão cultural, preservando e divulgando rituais, usos e costumes
ligados à cristianização da sociedade e fazem parte da cultura e mentalidade das
populações desde há séculos, como o acompanhamento dos enterros, a celebração
das procissões, as missas332.
A dimensão social das Irmandades manifestou-se enquanto agentes
promotores dos valores cristãos através da caridade (amor ao próximo) e da piedade,
mas também eram formas de distinção ou agregação social em relação aos membros
que delas faziam parte, uma vez que a composição social era formada essencialmente
por elementos da pequena burguesia. Pequena burguesia que também exercia a sua
rede de influências na vida política e cultural local.
A dimensão económica das Irmandades, enquanto gerentes de receitas e
despesas, tinha como principal propósito assegurar o culto público e, por esse
motivo, foram geradoras de práticas que ajudavam a superar as suas dificuldades,

331
AHPL – Livro nº 1 dos acórdãos. U.I. 662. O padre capelão João Ramos do Rosário também
subscreveu a ata lavrada em 10 de Dezembro de 1911 e o projeto de estatutos aprovado em 1 de Junho
de 1912, conforme os documentos no Arquivo do Governo Civil de Lisboa. CF. Anexos XV e XVIII.
332
António Camões Gouveia [et al.] – O Deus de todos os dias: espaços, sociabilidade e práticas
religiosas. História Religiosa de Portugal. Dir. Carlos Azevedo. Vol. 2. Mem Martins: Círculo de
Leitores SA e Autores, 2000, p. 317-596.

98
como aconteceu com a Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças ao
conseguir provisões régias para a realização das feiras francas, em datas próximas da
celebração religiosa da Festa da Páscoa da Ressurreição e no dia do santo padroeiro
da povoação.
Considerando as dimensões enunciadas, a Irmandade do Santíssimo
Sacramento de Caneças criou diferentes redes de sociabilidade que se foram
relacionando, a partir do elemento fundamental que é o religioso, o motivo nuclear
da sua constituição e da sua expressão. Em torno da comunhão de interesses
espirituais, religiosos e caritativos, os membros que compunham a Irmandade agiram
em defesa da sua crença e de valores comuns, os valores cristãos, valorizando o
sentido de pertença à comunidade.

3.2- A SUA RELAÇÃO COM O PODER POLÍTICO LOCAL APÓS 10


DE SETEMBRO DE 1915

A Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças, após o despacho da sua


extinção de 5 de Setembro de 1913 e adjudicação dos seus bens à Comissão
Concelhia de Administração dos Bens Eclesiásticos, continuou a apelar às mais altas
instâncias políticas, ao Ministro da Justiça, na esperança de que as suas alegações
fossem atendidas favoravelmente.
Como se analisou no capítulo anterior, o processo que conduziu à dissolução
da Irmandade e ao encerramento da capela foi estudado, pediram-se pareceres às
entidades concelhias, após novos pedidos de reabertura da capela ao culto e a
comunicação da constituição do agrupamento cultual transitório, em 1914 (ano em
que os moradores de Caneças e Vale de Nogueira apresentaram a representação, em
28 de Janeiro para a criação da paróquia civil de Caneças).
Porém, um despacho de indeferimento às pretensões referidas, de 3 de
Outubro de 1914, do Governador Civil, e reafirmado por um documento assinado,
mas não datado, afastou a possibilidade de reiniciar o exercício do culto público na
capela.
Para alguns autores, o ano de 1914 «marcou a grande viragem para o
confronto doutrinal com o regime»333, devido à discussão gerada em torno da Lei da
Separação (neste estudo já se apresentou algumas das problemáticas suscitadas por

333
Cf. Joaquim Veríssimo Serrão – Igreja portuguesa. In História de Portugal. 2ª ed. Lisboa: Editorial
Verbo, 2011, vol. 12, p. 135.

99
Casimiro de Sá no parlamento) «apresentava-se como um marco decisivo para a
compreensão de um caminho que se aproximava do fim, o da “guerra religiosa”» 334.
Realizou-se o II Congresso da Federação das Juventudes Católicas (2 e 3 de
Maio de 1914, na Igreja de N. Sr.ª do Carmo, no Porto). No ano seguinte,
aconteceram o I Congresso dos Médicos Católicos (Porto) e o III Congresso das
Juventudes Católicas (Braga). Foi fundado o Centro Católico Português335 (1917).
Em 30 de Janeiro de 1921, ocorreu o I Congresso do Centro Católico Português
(Lisboa).
As mudanças políticas, no que concerne à discussão do modelo da Lei da
Separação de 20 de Abril de 1911, entre os deputados republicanos, alertavam para a
necessidade da sua reformulação, pois a Lei era geradora da discórdia entre a Igreja e
o Estado. Estava em causa a estabilidade social e os princípios da liberdade
individual, mas também das instituições, particularmente da Igreja Católica.
Possivelmente, o ambiente político então vivido, tenha sido propício aos
católicos e habitantes de Caneças, apoiados pelo pároco de Loures Joaquim Pombo,
para alcançarem seus intentos, malgrado o despacho de 3 de Outubro de 1914.
Entretanto, o Governador Civil, Cassiano Nunes, chamou a si o processo da
aprovação do projeto de estatutos e anulou o despacho de 5 de Setembro de 1913,
pelos motivos mencionados no capítulo 1, ordenando que o processo seguisse «com
urgência, os seus trâmites legais»336, de acordo com as orientações do Ministério da

334
Cf. Sérgio Pinto - Separação religiosa como modernidade: decreto-lei de 20 de Abril de 1911 e
modelos alternativos, p. 103.
335
Fundado em 8 de Agosto de 1917, em Braga, com o apoio da hierarquia católica portuguesa.
Destacou-se pela sua intervenção na vida parlamentar portuguesa. Grupo representativo da Igreja
Católica desenvolveu a sua ação em defesa da religião católica, da religiosidade do povo, dos valores
humanos e cristãos. Antes da fundação do Centro, os católicos elegeram dois eclesiásticos, em 1915,
um para a Câmara dos Deputados e outro para o Senado. Cf. Manuel Braga da Cruz – Partidos
Políticos Confessionais. In Dicionário de História Religiosa de Portugal. Dir. Carlos Azevedo. Mem
Martins: Círculo de Leitores S. A. e Centro de Estudos da História Religiosa – UCP, 2000. Vol 3, p.
380-384. Sobre as intervenções de António Lino Neto, um dos quatro deputados eleitos pelo Centro,
nas eleições de Abril de 1918, leia-se: António Matos Ferreira; João Miguel Almeida - António Lino
Neto: intervenções parlamentares (1918-1926). Lisboa: Divisão de Edições da Assembleia da
República e Textos Editores Lda. 2009, p. 407.
336
Cópia do despacho do Governador Civil de Lisboa Cassiano Nunes, denominado Resolução de 9
de Abril de 1915 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/028- Processo 2101, fl. 10, cópia nº 5. O
Governo Civil reiterou a informação de que a Irmandade do Santíssimo Sacramento, erecta na capela
de São Pedro, não tinha sido extinta nem o projeto de estatutos aprovado, o qual foi apresentado no
prazo legal, não obstante os dois despachos exarados, em que o primeiro mandava extinguir a
Irmandade e o segundo anulava o primeiro despacho e ordenava a aprovação dos referidos estatutos.

100
Justiça. A resolução de 9 de Abril de 1915337 permitiu o prosseguimento da
aprovação dos estatutos, que a Irmandade tanto reclamou.
Todavia, as decisões pareciam não ser unânimes entre os órgãos
administrativos, resultando o encerramento formal da capela de S. Pedro de Caneças
por decreto de 15 de Junho de 1915, pois a Comissão Concelhia de Administração
dos Bens Eclesiásticos considerara a cedência da capela 338 à Câmara Municipal de
Loures.
Cerca de três meses depois, Caneças é elevada a paróquia civil, em 10 de
Setembro. O testemunho do pároco Joaquim José Pombo, expresso na sua carta de 16
de Junho de 1914, cumpria-se, pois no seu entendimento era um dos motivos
importantes para a abertura da capela ao culto.
Os habitantes consideravam a criação da freguesia uma questão importante
para a resolução dos problemas da localidade 339, tendo em conta a distância a que se
encontravam de Loures, situação agravada pelas más condições viárias, prejudicial
também às práticas religiosas.
A solidariedade demonstrada, no processo de criação da freguesia 340, pela
Junta de Paróquia de Loures e Câmara Municipal de Loures, não se verificou para
com a Irmandade, fiéis e moradores de Caneças quando solicitaram a capela aberta
ao culto público. Refira-se que alguns dos peticionários subscreveram os
requerimentos em nome da liberdade de culto ou para a criação da freguesia.
Face a protestos quanto à legalidade da resolução de 9 de Abril de 1915, o
Governador Civil de Lisboa, João d’ Oliveira da Costa Gonçalves, respondeu341 ao
Presidente da Comissão Central de Execução da Lei da Separação que, de acordo
com o ponto único do artigo 189º do Código Administrativo de 1878, a resolução de

337
Idem.
338
Em 3 de Abril de 1914, esta Comissão informou a Comissão Central de Execução da Lei da
Separação que a capela tinha sido assaltada, tendo sido furtadas três coroas de prata e «vários outros
objectos» (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/095. Cx. 274).
339
«Sete casas e Caneças; povoação esta muito importante, e há anos a querer desligar-se da freguesia.
[…]». Cf. José Joaquim da Silva Mendes Leal – Admirável igreja matriz de Loures, p. 218.
340
Requerimento para a criação da freguesia de Caneças. Cf. Anexo XXXIII.
341
Ofício da 3ª Repartição do Governo Civil de Lisboa, de 24 de Março de 1916, ao Presidente da
Comissão Central de Execução da Lei da Separação. No mesmo ofício, informa que os bens da
Irmandade arrolados foram vendidos (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ ADMIN/028 - Processo 2101, fl.11).
Cf. Anexo LIV.

101
9 de Abril de 1915 só podia ser anulada por recurso, interposto para o Supremo
Tribunal Administrativo 342.
A Comissão Central considerou que não tinha competência para interpor
recurso ao despacho do Governo Civil de 9 de Abril de 1915343, e informou, em
Fevereiro, que esperava a atenção do Governador Civil «para a situação anómala da
referida irmandade»344. A Comissão aguardava «a douta resolução»345 do
Governador. Pelo documento, a Comissão instava o Governador a anular a resolução
de 9 de Abril, com os fundamentos de ter sido proferida durante a ditadura de
Pimenta de Castro e que os seus bens tinham sido transferidos e a declaração ao
abrigo do artigo 38º tinha sido entregue fora de prazo. A capela de São Pedro
permaneceu encerrada ao culto pelo que, juridicamente, a Irmandade não tinha
constituição legal346. Parece, contudo, que as determinações da Comissão Central de

342
Código Administrativo de 1878: «Artigo 189º - As resoluções tomadas pelo governador civil
podem, em todos os casos e a todo o tempo, ser revogados pelo governo. Ponto único: Das resoluções
tomadas pelo governador civil há recurso para o supremo tribunal administrativo nos casos de
incompetência, excesso de poder, violação e ofensa de direitos.»
343
Despacho do Governo Civil de 9 de Abril de 1915, transcrito a fl. 10 que anulou o do mesmo
Governo Civil, transcrito a fl. 9, de acordo com a lei em vigor (ACMF – CJBC/LIS/LOU/
ADMIN/028 - Processo 2101, Fl. 10, cópia nº 5). A Comissão Central de Execução da Lei da
Separação, na sua Resolução nº 3196, de 22 de Maio de 1918, decidiu deslindar o processo de
extinção da Irmandade, e devolveu-o volveu ao Governo Civil, argumentando que o despacho de 9 de
Abril ofendeu os interesses da Provedoria Central da Assistência de Lisboa. No mesmo documento,
informa que não tinha competência para interpor recurso do despacho de 9 de Abril (ACMF –
LIS/LOU/ADMIN/028 - Processo 2101, cx. 274.)
344
Ofício da Comissão central de execução da Lei da Separação ao Governador Civil, de 28 de
Fevereiro de 1916 (AGCL - Processo nº 1353, cx. 51). Cf. Anexo LII.
345
Idem.
346
Faltava o alvará do Governador Civil, órgão que determinava a aprovação dos estatutos. Desde o
tempo da monarquia liberal, esta era uma das competências dos Governadores Civis bem como a
aprovação do orçamento e contas. Durante o regime monárquico (desde o século XVIII), o poder
político não superintendia o culto, as suas práticas, nem tão pouco determinava as despesas para
assegurar o mesmo, conferia, com especial atenção o cumprimento das contribuições prediais, a
décima (imposto aplicado sobre os rendimentos das corporações em favor de atos de beneficência, no
Concelho, e do ensino primário na respetiva freguesia (Código Administrativo Português de 17 de
Julho de 1886, art. 220 - ponto 4º) e, posteriormente, foi instituída a dádiva para assistência aos
tuberculosos. Já pelo decreto-lei de 18 de Julho de 1835, art. 43º, as confrarias não podiam gastar os
seus rendimentos ou alienar propriedades sem autorização do Governo Civil, mas «conservarão a ação
primária da sua administração interna»; o produto das confrarias em excesso podia ainda auxiliar os
estabelecimentos congéneres mais necessitados «usando sempre de maior circunspecção e prudência»
(Decreto-lei de 18 de Julho de 1835, art. 43º - ponto 2º). O Código Administrativo de 1836 admitia a
dissolução de mesas caso as contas não estivessem em ordem; ao Administrador Geral competia
aprovar as contas das Irmandades, após fiscalização do Conselho de Distrito (art. 108º - ponto 2º). O
Código de 18 de Março de 1842 conferia ao Governador Civil a competência de auxiliar com as
sobras das rendas das Irmandades os estabelecimentos pios mais necessitados «ou mais úteis, ouvindo
as Juntas de Paróquia e as câmaras respectivas (art. 229º- ponto VI); ao Administrador do Concelho
competia receber as contas das Irmandades na 1ª quinzena de julho (art. 248º - ponto III). Em suma
até 1910, os restantes Códigos Administrativos (de 21 de Julho de 1870; 13 de Maio de 1878; 17 de
Julho de 1886; 6 de Agosto de 1892; 2 Março de 1894; 21 de Junho de 1900; e ainda o Código Civil
de 1867), atribuem ao Governador Civil as competências seguintes: fiscalizar e aprovar as contas;

102
Execução de Execução tiveram preponderância na orientação dos acontecimentos.
Registe -se a cedência de espaços, pertencentes à capela de São Pedro, à Junta de
Freguesia, em 1 de Maio de 1918347, sitos no Largo do Pião da localidade.
A conjuntura política nacional de instabilidade, após 1911, desencadeou nos
partidos políticos diferentes atitudes e perspetivas na chamada “questão religiosa”,
face à Lei da Separação. Também o ambiente político-administrativo local sofreu
alterações com a criação da Freguesia de Caneças, em 10 de Setembro de 1915. A
Circular de 23 de Junho de 1911 de Francisco de Medeiros348 procurou esclarecer a
interpretação dos artigos da Lei da Separação em relação à constituição das cultuais,
mas os anos que se seguiram não foram consensuais para o cumprimento das
disposições políticas.
Mais tarde, o governo ditatorial de Sidónio Pais que «encarava o fenómeno
religioso de forma diferente do radicalismo»349 provocado pela Lei da Separação,
considerou imperioso resolver o mal-estar causado pela Lei de Abril, para evitar
conflitos e defender a liberdade e tolerância religiosas, conforme o preâmbulo do
decreto nº 3856350, promulgado em 22 de Fevereiro de 1918.

superintender na aplicação dos fundos de legados pios, doações e heranças e na alienação ou aquisição
de bens imóveis, para que não contrariassem o fundo que os criou; verificar se as corporações
cumpriam os regulamentos governamentais; aprovar os estatutos das corporações e podiam propor a
dissolução de mesas administrativas ou de Irmandades que não tivessem o nº de irmãos suficientes
para comporem a mesa ou os estatutos aprovados. O regime republicano revogou o Código
Administrativo de 4 de Maio de 1896 e repôs o Código de 1878, por o considerarem de orientação
liberal e democrática, na defesa da descentralização e da autonomia administrativa. O Código foi
aprovado pelo Decreto com Força de Lei em 13 de Outubro de 1910, sob a tutela do Ministro do
Interior António José de Almeida.
347
Resolução número 3047, de 1 de Maio de 1918 (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/045 - Processo
3020, cx. 274). Nesta data, o Presidente da Junta de Freguesia de Caneças era António Maria Leal. O
pedido do espaço tinha sido apresentado pelo Presidente da Junta de Freguesia de Caneças Policarpo
Domingos Pedroso, em 5 de Abril de 1916, porque a Junta estava instalada provisoriamente em sua
casa, por falta de recursos. Na nova dependência, a Junta de Freguesia podia realizar as suas sessões e
guardar aí o seu arquivo. Deste processo, constam os pareceres favoráveis da Administração do
Concelho de 24 de Julho de 1916 à Comissão Central de Execução da Lei da Separação, para a
cedência de dependências da capela à Junta de Freguesia; e da Comissão Concelhia dos Bens
Eclesiásticos, sob a presidência de João Raymundo Alves. Como esses espaços estavam em estado de
ruína, a Junta comprometia-se a realizar as obras necessárias à sua recuperação. Nesta morada de
casas funcionou o registo civil, como consta do auto de posse de entrega das ditas casas ao Benefício
Paroquial, em 9 de Outubro de 1946, p. 54 e 54 verso, Anexo XIV.
348
Cf. João Seabra - O Estado e a Igreja em Portugal no início do século XX: a Lei da Separação de
1911, p. 107-109.
349
Sérgio Pinto – Separação religiosa como modernidade: decreto-lei de 20 de Abril de 1911 e
modelos alternativo, p. 115.
350
Decreto nº 3856/1918. D. G. Nº 34 – I série (22 de Fevereiro de 1918).

103
Neste contexto político, em 9 de Abril de 1918, reaparece um grupo de
fiéis351 (antigos confrades e mesários), em nome da Irmandade do Santíssimo
Sacramento de Caneças, signatários de um abaixo-assinado, em que solicitavam, ao
Ministro da Justiça352, a reabertura da capela de São Pedro de Caneças ao culto.
Invocavam na representação a inexistência de motivo originado pela Irmandade e
que a mesma não tinha sido dissolvida legalmente. Em 2 de Maio de 1918353,
insistem no pedido, evocando os mesmos motivos do anterior e, finalmente,
conseguem a abertura da capela ao culto.
Sob proposta do Ministro da Justiça, foi publicada a portaria nº 1.354354, de
10 de Maio de 1918, mas publicada em 13 de Maio, determinando que a Igreja de
São Pedro de Caneças fosse afeta ao culto público, por se provar «a necessidade para
o exercício do culto público católico, na freguesia e concelho de Loures» de Caneças.
Para tal, a igreja tinha de ser entregue à corporação religiosa 355 que se regularizasse,
de acordo com o decreto nº 3.856356, de 22 de Fevereiro de 1918 e a portaria
nº1244357 de 4 de Março de 1918.
Antes de a Irmandade regularizar358 a sua situação, a capela foi aberta ao
exercício do culto público, realizando-se «a primeira missa […] pelas 12 horas»359,

351
Francisco Fernandes Lapa, Miguel Silvestre Cruz Sobrinho, Jacinto Francisco Raposo, José
Martiniano Sarreira, Domingos Fernandes Coelho.
352
ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/079 - Processo 5189, L. 10, fl. 240. Cf. Anexo LVI.
353
ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/079 - Processo 5189, L. 10, fl. 240. Cf. Anexo LVII.
354
Portaria nº 1.354/1918. D. G. nº 103. I Série (13 de Maio de 1918). Portaria do Ministro da Justiça e
dos Cultos Martinho Nobre de Melo (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/079 - Processo 1269, L. 5, fl.
18). Cf. Anexo LVIII.
355
O exercício do culto continuava a depender das corporações, segundo o “decreto de Moura Pinto”.
A “questão religiosa” atenuada com o decreto, de certa forma com outras desobrigações, como o fim
da proibição de uso vestes talares (revogação do art. 176º da Lei da Separação de 20 de Abril de
1911), mas a problemática da autonomia da Igreja, em relação à organização e gestão do culto e ao
direito de posse de bens materiais, continuava a ser o motivo de contestação da hierarquia católica. Cf.
Luís Salgado de Matos – A Separação do Estado e da Igreja, p. 453-469. Leia-se a carta do Bispo do
Porto sobre o decreto de Moura Pinto, remetida a António Lino Neto, em 18 de Fevereiro de 1923.
Sobre as Irmandades considera que estas funcionam de acordo com as leis civis, o que revela o
desprezo pela hierarquia católica, e as submete à tutela do Estado e, por outro lado, a sustentação do
culto público continua a depender das corporações. Refere-se ainda ao direito da Igreja sobre os seus
bens imobiliários, dos quais tinham sido espoliados e às obrigações pecuniárias da Igreja em relação
ao estado. Cit. por António Matos Ferreira; João Miguel Almeida – António Lino Neto: intervenções
parlamentares (1918-1926), p. 379-381.
356
Decreto nº 3856/1922. D.G. nº 34. I Série (22 de Fevereiro de 1918) (ACMF –
CJBC/LIS/LOU/ADMIN/079 - Processo 1269, L. 5, fl. 18).
357
A portaria nº 1244 regulamentava a entrega de bens às corporações religiosas do culto público
católico, a guarda, conservação e seguro dos bens cedidos (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/079 -
Processo 1269, L. 5, fl. 18). Portaria nº 1244/1918. D.G. nº 46. I Série (4 de Março de 1918).
358
O Administrador do Concelho de Loures, Calixto Morgado, intimou a Irmandade, em 25 de
Novembro de 1918, a declarar o seu propósito em solicitar a aprovação do projeto dos seus estatutos,
anteriormente apresentados à 3ª Repartição do Governo Civil, conforme orientações do Governo Civil

104
no dia 29 de Junho, dia do Padroeiro S. Pedro. Por pedido dos habitantes de Caneças
ao Patriarca D. Mendes Belo foi autorizada a celebração do batismo e matrimónio na
capela360. A missa aconteceu sem o despacho de nulidade da dissolução da
Irmandade em 5 de Setembro de 1913. O referido despacho foi proferido pelo
Secretário de Estado do Trabalho, em 11 de Novembro de 1918:

«Declaro nulo e insubsistente o despacho que mandou extinguir a


irmandade do Santíssimo Sacramento, de S. Pedro de Caneças, para o efeito
de ficar subsistindo, e mando se proceda à aprovação dos seus estatutos.»361

A Irmandade do SSº Sacramento de Caneças confirmou ao Governador


Civil o seu propósito em «solicitar a aprovação da reforma dos seus estatutos» 362,
após indicação do Governo Civil à Administração do Concelho 363. Contudo,
somente, em 1 de Janeiro de 1921364, em reunião magna de quarenta e três irmãos, na
Casa de Despacho da capela de S. Pedro, foi aprovado o projeto de estatutos365, ao
abrigo do decreto 3856, de 22 de Fevereiro de 1918, e eleita a mesa administrativa da
Irmandade366. Após as alterações introduzidas por sugestão do Governador Civil e o
pagamento dos direitos de mercê e do imposto especial 367, à Irmandade foi concedido
alvará em 29 de Setembro de 1921368.

de Lisboa. Estariam a referir-se ao projeto remetido em Setembro de 1912 (AML – Administração do


Concelho de Loures, ano 1918).
359
Ofício do Juiz da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças à Junta de Freguesia de
Caneças, de 25 de Junho de 1918, comunicando a abertura da capela ao culto (AJFC – Livro 1º de
registo da correspondência recebida). O Presidente da Junta de Freguesia comunicou a situação ao
Administrador do Concelho, no mesmo dia. Cf. Anexo LX.
360
Ofício do Patriarca ao pároco da Ameixoeira autorizando as respetivas celebrações até à colocação
do pároco de Loures e após a «reconciliação» da capela, de 25 de Junho de 1918 (AHPL – Registo da
Correspondência com os Vigários da Vara e Párocos, 1917-1929, p. 11. U.I.114). Cf. Anexo LIX. A
«reconciliação» pode ser entendida como a autorização formal da abertura da capela ao culto público
com a devolução do espaço de culto e objetos de culto aos paroquianos, o que aconteceu somente em
25 de Dezembro de 1922. O pároco da Ameixoeira ficou também encarregue do culto na Igreja
Paroquial de Bucelas, em 23 de Maio de 1918 (AHPL – Registo da Correspondência com os Vigários
da Vara e Párocos, 1917-1929, p. 59. U.I. 114). Entre 1915 e 1925, o pároco colado da Igreja de N.
Sr.ª da Encarnação da Ameixoeira foi Delfim Simões Amaro que também participo em 1904 na festa
religiosa de S. Pedro. (AHPL – Registo cronológico paroquial. U.I. 69).
361
AGCL – Processo nº 1353, cx 51. Cf. Anexo LXIII.
362
Ofício de 3 de Dezembro de 1918 enviado ao Administrador do Concelho que o remeteu na mesma
data ao Governo Civil (AGCL – Processo nº 1353, cx. 51). Cf. Anexo LXII.
363
Cf. Anexo LXIV.
364
Cf. Anexo LXV.
365
Cf. Anexo LXVI.
366
AGCL – Processo nº 1353, cx. 51. Cf. Anexo LXV.
367
Cf. Anexos LXVII.
368
Cf. Anexos LXVIII.

105
Em Novembro de 1922, o decreto369 de 13 de Novembro, anulou o de 12 de
Junho de 1915, o qual cedia à Câmara Municipal de Loures a capela de São Pedro de
Caneças para a instalação de uma escola. O mesmo decreto determinou que a capela
«com todos os seus anexos» fosse «definitivamente incorporada na Fazenda
Nacional». Este despacho significava que não existia corporação constituída, e por
esse motivo os bens eram incorporados na Fazenda Nacional.
Provavelmente, a informação da Câmara Municipal de Loures, ao
Presidente da Comissão Central de Execução da Lei da Separação, de que na capela
de São Pedro de Caneças exercia-se o culto público católico, mas «sem nenhum
título», visto que não existia «qualquer comissão encarregada para tal fim»370, em
Agosto de 1922, tenha influenciado a promulgação do despacho de 13 de Novembro.
A ambiguidade desta informação tem a ver com a data de produção da
mesma, o dia 17 de Agosto de 1922, que contraria o teor do ofício 371 da Irmandade
do Santíssimo Sacramento, de 9 de Fevereiro de 1922. Nesta data, foi comunicada à
Comissão Central a constituição legal da Irmandade do Santíssimo Sacramento de
Caneças por alvará do Governador Civil de Lisboa. Pelo mesmo ofício, a Irmandade
solicitava a entrega de todos os bens móveis e imóveis, papéis de crédito e respetivos
juros acumulados e de tudo o que constasse «no respectivo inventário existente na
Comissão»372.
Perante as informações divergentes, que se prolongam ao ano de 1923,
sobre os bens da Capela, a Comissão Central373 faz saber ao Ministério das Finanças
que a situação provinha de «uma irregularidade que se praticou durante a ditadura
«dezembrista»374, ao afetar a capela de Caneças ao culto pela portaria nº 1354, de 13
de Maio de 1918. Mas, a questão era delicada e não convinha alterar para que não

369
Decreto nº 8481/1918. D. G. nº 235. I Série (13 de Novembro de 1922).
370
Resposta do Presidente da Comissão Central à Segunda Comissão de Administração dos Bens das
Igrejas de Lisboa (desde 4 de Maio de 1921 passou a exercer as funções da Comissão Concelhia de
Loures), segundo resposta da Câmara Municipal de Loures de 17 de Agosto de 1922 à Segunda
Comissão (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 8530, L. 12, fl. 109). Cf. Anexo LXX.
371
Ofício de 9 de Fevereiro de 1922 do Juiz da Irmandade (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/066 -
Processo 8197, L. 12, fl. 43). Cf. Anexo LXXIX. Portugal estava sob o governo de António Granjo,
assassinado na “Noite Sangrenta” juntamente com outros políticos.
372
Idem.
373
Cópia do ofício do Presidente da Comissão Central ao Diretor Geral da Fazenda Pública para
esclarecimento quanto à capela de S. Pedro e seus bens imóveis, de Outubro de 1923. A resposta
deriva da solicitação da Fazenda Pública, em Setembro de 1923 (ACMF –
CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 -Processo 8530, L. 12, fl. 109). Cf. Anexo LXXIII.
374
Idem.

106
servisse «de pretexto de ataque aos inimigos do Regimen.»375 Evitou-se assim
«despesas inúteis com o praceamento da capela»376.
Além de se evitarem as despesas inúteis, não convinha alterar a ordem
pública para evitar ataques à república democrática, por «irregularidades» cometidas
durante o governo de Sidónio Pais, pois Portugal vivia um período de relativa
estabilidade governativa, sob a presidência de António José de Almeida e o
ministério de António Maria da Silva 377.
A par das condições políticas favoráveis, a Irmandade do Santíssimo
Sacramento de Caneças, e todos os que acreditaram e se uniram em defesa da
liberdade religiosa, conseguiram que a capela de S. Pedro cumprisse a sua missão de
“altar” e o reconhecimento legal da corporação.
Em Dezembro de 1922, a Junta de Freguesia de Caneças entregou à
Irmandade o edifício da «Igreja Paroquial, bem como os paramentos, alfaias e
demais objectos destinados ao culto […]»378 e a Irmandade379 comprometeu-se a
inscrever no orçamento anual uma verba destinada às obras, conservação e segurança

375
Idem (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/066 - Processo 8197, L. 12, fl. 43). O edifício religioso e
os seus pertences foi entregue à Fábrica da Igreja, conforme o auto de entrega de 8 de Maio de 1944 e
a casa, sede provisória da Junta de Freguesia e, posteriormente, Casa do Registo Civil como já
referenciámos (ACMF – ARQUIVO/CJBC/LIS/LOU/ARROL/006).
376
Ofício da Direção geral da Fazenda Pública solicitando esclarecimento quanto à situação da capela
de S. Pedro de Caneças e seus bens, em 29 de Setembro de 1923. Em resposta a Comissão considera
que a situação deve ser mantida (ACMF – CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001- Processo 8530, L. 12, fl.
109). Esta situação levou o professor Manuel Pina d’ Almeida a sugerir a entrega da capela à Junta ou
à Câmara para ser transformada numa escola. Três habitantes resolveram, perante tal sugestão,
ameaçar o professor e insultar a esposa, que apresentou queixa ao Administrador do Concelho (AML
– Correspondência recebida, ano 1923). No processo de arrolamento de Loures sobre a capela de S.
Pedro de Caneças, existe o seguinte registo, datado de 27 de Dezembro de 1933: «Ficou sem efeito a
sua incorporação na Fazenda Nacional, em 2 de Outubro de 1923, como consta do ofício nº 8538
daquela data, da Comissão Central de Execução da Lei da Separação.»
377
O Partido Democrático ganhara as eleições de 29 de Janeiro de 1922. A Presidência do Ministério
foi ocupada pelo Eng.º. António Maria da Silva, de 7 de Fevereiro de 1922 a 15 de Novembro de
1923. Segundo João Bonifácio Serra «Há […] pôr em destaque o facto de essa estabilidade relativa,
verificada ao longo do ano de 1923, assentar na reprodução do quadro de hegemonia do Partido
Democrático, o que realça, ainda mais as descontinuidades governativas de 1919-1921 se reportarem a
uma situação de contestação e ameaça a essa hegemonia.» João Bonifácio Serra – Do 5 de Outubro ao
28 de Maio: instabilidade permanente. In Portugal Contemporâneo, Dir. António Reis. Lisboa:
Publicações Alfa, 1990, vol. 3, p. 79.
378
Ata da reunião, em 25 de Dezembro de 1922, entre os elementos da Junta de Freguesia de Caneças
e da Irmandade do SSº Sacramento enviada ao Administrador do Concelho, em conformidade com o
disposto na portaria nº 1353, de 13 de Maio de 1921, e da portaria nº 1244, de 4 de Março de 1918,e
nº 3092, de 18 de Fevereiro de 1922, com referência ao art. 89º da lei de 20 de Abril de 1911. Foi
anexo à ata o inventário dos bens entregues à Irmandade. (ACMF – CJBC/LIS/LOU/ADMIN/079 -
Processo1269, L.6, fls. 2). Cf. Anexo LXXII.
379
Assinaram a ata e o ofício o Presidente da Junta e Vogais, respectivamente, Manuel Nunes, Alfredo
Francisco Nunes da Silva e Leonardo José Fernandes; e da Irmandade, Francisco Fernandes Lapa,
presidente da Mesa Administrativa; o Tesoureiro, Joaquim Diniz Morgado; o Secretário, António dos
Santos Abadesso Junior; o Vogal, Jacinto Francisco Raposo. Cf. Anexo LXXII.

107
da Igreja e dos objetos de culto. Compromisso legal assumido entre antigos e atuais
mesários e confrades da Irmandade, após reclamação da Irmandade em 20 de
Setembro por não estar na posse «de seus bens»380.
O conflito de interesses vivido em Caneças perante o encerramento da
capela de São Pedro de Caneças e o não reconhecimento legal da Irmandade, disputa
gerada pela interpretação e aplicação do decreto de 20 de Abril de 1911, à
semelhança do que se passou por todo o país, gerou na Irmandade a capacidade de se
organizar e de agir, no sentido de garantir a liberdade religiosa dos católicos.
A Irmandade assumiu um papel importante na mobilização da
comunidade local, criando redes sociais que não se circunscreveram somente ao
espaço eclesial, no período de transição da monarquia constitucional para a
República. A Irmandade contribuiu para a conservação das sociabilidades religiosas,
unidas pelos valores cristãos, ao nível das representações e vivências religiosas,
perante a nova recomposição social e cultural gerada pela República, de que se
tratará no próximo subcapítulo.

3.3- MANIFESTAÇÕES DE SOCIABILIDADE NO QUOTIDIANO

As sociabilidades religiosas na capela de S. Pedro de Caneças tinham diversas


expressões, representadas pelas práticas devocionais e de caridade para a salvação
eterna e promover, em simultâneo, louvar a vida através das ações quotidianas.
A Irmandade do Santíssimo Sacramento assegurava a assistência aos mais
pobres, pelo que os novos mordomos tinham de pagar a inscrição como mordomos e
contribuir com esmola para os pobres (solidariedade vertical), cumprir as obrigações
dos legados pios e como Irmandade sacramental tinha de incrementar e conservar o
culto do Santíssimo Sacramento.
Para satisfazer a sua principal missão, o culto do Santíssimo, devia prover a
capela de cera para os altares (a compra era realizada anualmente), vinho, incenso,
hóstias e azeite para as lanternas. Também relacionado com o culto, era necessário
contar com os emolumentos do capelão e do sacristão, a aquisição de «livros
impressos»381 (possivelmente livros doutrinários), observar também os cuidados de

380
Cf. Anexo LXXI.
381
AHPL – Livro das contas da Irmandade de S. Pedro (de 1902 a 1912). U.I. 1930. E contas de
gerência da Irmandade: anos 1897-1898; 1899-1900; 1900-1901; 1903-1904; 1906-1907; 1909-1910
(ANTT – Governo Civil - Irmandades: contas de gerência).

108
limpeza do espaço de culto e realizar obras para a sua conservação e a «lavagem de
roupas» (relacionadas com vestes do padre capelão e adornos da capela).
Segundo seu compromisso do século XVIII e as despesas e receitas das
contas de gerência estudadas, o padre capelão devia promover as missas dominicais e
as dos dias santos. Celebrar o dia do apóstolo São Pedro com «missa cantada com
seu sermão»382. No dia de Natal, o padre comprometia-se a celebrar uma missa à
meia-noite e duas durante o dia «por intenção dos irmãos vivos e defuntos»383 e
devia dar «o menino de Jesus a beijar»384; na Quaresma385, celebrar sermões nos
domingos da Quaresma «de tarde» e as missas e, no domingo (possivelmente de
Ramos), «benzerá as palmas»386; no Jubileu387, os fiéis assistiam ao sermão e missa
na quinta-feira santa e a sexta-feira da paixão era dedicada à solenidade do Santo
Sudário. Tinham também lugar as «festas de senhor exposto e procissão» 388.
O padre capelão devia confessar 389 os irmãos doentes, ministrar-lhes os
sacramentos, e assistir aos enterros390 devendo os irmãos da Irmandade «acompanhar
aos seus irmãos defuntos e juntamente com o Santíssimo Sacramento», caso não
cumprissem esta obrigação eram «obrigados a pagar em pena de sua missão meio
latão de cera para a mesa do Santíssimo Sacramento»391. As práticas rituais de apoio
aos enfermos, o acompanhamento dos defuntos nos enterros, a missa eram
manifestações coletivas de fé, que obedeciam a determinadas regras.

382
Ata redigida pelos mesários da Irmandade de 28 de Junho de 1767 (AHPL – Livro nº 1 dos
acórdãos das mesas que serviram ao Apóstolo S. Pedro e Santíssimo Sacramento, ano de 1763. U.I.
662).
383
Idem
384
Idem.
385
Ata redigida pelos mesários da Irmandade de 16 de Novembro de 1794 (AHPL – Livro nº 1 dos
acórdãos das mesas que serviram ao Apóstolo S. Pedro e Santíssimo Sacramento, ano de 1763. U.I.
662). Na capela havia também um confessionário (ACMF –ARQUIVO/CJBC/LIS/LOU/ARROL/006,
p. 43).
386
Idem.
387
Idem.
388
Idem.
389
Idem.
390
Ata redigida pelos mesários da Irmandade de 11 de Março de 1804. (AHPL – Livro nº 1 dos
acórdãos das mesas que serviram ao Apóstolo S. Pedro e Santíssimo Sacramento, ano de 1763. U.I.
662).
391
Ata redigida pelos mesários da Irmandade de 26 de Dezembro de 1775 (AHPL – Livro nº 1 dos
acórdãos das mesas que serviram ao Apóstolo S. Pedro e Santíssimo Sacramento, ano de 1763. U.I.
662).

109
O pároco de Loures Joaquim José Pombo recordou à Irmandade, em 1900,
que o capelão da ermida de Caneças devia prestar «os socorros espirituais aos
enfermos que acidentalmente residem em Caneças»392.
A devoção popular não se restringia às manifestações religiosas no espaço de
culto, realizavam-se as romarias e as procissões, cujas festas, desde o século XVIII,
em Caneças, acabam por ter a sua dimensão profana com o aparecimento das feiras,
promovendo outras expressões de sociabilidade.
Na primeira oitava da Páscoa tinha lugar no largo (o Rossio), junto da Igreja,
a feira franca, cujo produto se destinava a assegurar o culto e a conservar a capela.
Depois, a feira foi repartida pelo dia de S. Pedro.
Conciliava-se a festa religiosa com as manifestações de cariz profano. Na
feira eram vendidos produtos hortícolas, gado, fazendas, árvores de fruto, tecidos,
alfaias agrícolas, utensílios de barro, quinquilharias. À festa associavam ainda os
divertimentos como os bailaricos e as músicas de concertina. Além de se engalanar o
espaço religioso também o espaço profano tinha apontamentos que assinalavam a
festa, como as bandeiras.
A comunidade relacionava-se no ato mais solene, em que se associava à
missa e à procissão, onde exteriorizava a sua fé, e no espaço da feira, em que
adquiria ou vendia produtos, e nos momentos em que desfrutava dos divertimentos.
Desde o século XVII, celebrava-se o dia do Santo padroeiro com «missa
festiva ofertada e sermão»393 e procissão.
Segundo um registo existente na matriz, as festas religiosas estendiam - se a
toda a freguesia de Loures394, durante o ano, com a celebração de missas; ladainhas;

392
«Ordem do Prior de Loures para os gerentes da Ermida de Caneças sobre emolumentos. Registada
a fl. 4 do Livro de Termo e Posses.» In Joaquim José da Silva Mendes Leal – Admirável igreja matriz
de Loures, p. 381. No mesmo documento, consta os emolumentos que a Irmandade devia pagar ao
pároco de Loures no acompanhamento dos enterros para Lisboa, com o pormenor de «sendo de
coche», e «nos outros casos», mas com o propósito de auxiliar as «despezas de pagamento do
ordenado do seu capelão». Com o mesmo intento, metade da verba pertencente ao tesoureiro paroquial
«nos enterros dos adultos que são sepultados no Cemitério de Caneças». Podemos considerar que os
emolumentos devidos ao pároco por acompanhamento de defuntos e ao tesoureiro paroquial
pretendiam ajudar a Irmandade a gratificar o capelão.
393
Joaquim José da Silva Mendes Leal – Admirável igreja matriz de Loures, p. 331-336.
394
A capela de Santa Ana, no lugar de Alvogas, em Loures, foi dedicada a Santa Ana e São Joaquim.
Das festas religiosas e profanas anuais, destaca-se a provisão de D. José I que concedeu privilégios à
feira anual de Loures, isentando os que nela participavam de impostos, por ocasião do dia de Santa
Ana (dia 26 de Julho). Os bens (móveis, utensílios e alfaias) da capela foram vendidos em hasta
pública em 19 de Maio de 1921, pensa-se que no lugar da ermida foi construída uma escola
(atualmente usada para atividades com adultos). Na capela de Santa Petronila, realizavam -se,
anualmente, as festas dedicadas a Santa Petronila e a S. Pedro, em 31 de Maio, festejando o dia de

110
visitas pascais395 do pároco de Loures para a bênção das casas dos fregueses,
acompanhado pelos Irmãos do Santíssimo de Loures, recebendo uma determinada
prenda, folar ou dinheiro; romarias; procissões (do orago, Quaresma, Páscoa);
sermões; festas dedicadas ao orago das ermidas e da matriz.
Em Setembro, realizavam-se as romarias a Montemor396 (desde o século
XVII), em louvor de N. Sr.ª da Saúde, que juntava populares de Lisboa e Loures.
Organizando-se, já no século XIX, uma procissão em homenagem a N. Sr.ª da Saúde,
de Montemor à Matriz de Loures, onde a imagem ficou em exposição 397. Outra
manifestação de piedade popular era a realização do Círio a N. Sr.ª do Cabo
Espichel, que criava uma rede de solidariedade e fraternidade entre as freguesias do
termo de Lisboa, «26 paróquias da zona saloia»398 acolhiam o Círio, e Loures
participou nesta expressão de sociabilidade religiosa.
A Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças tinha sob a sua
responsabilidade a organização das procissões em louvor de São Pedro, N. Sr.ª do
Rosário e S. Sebastião. Dias de festa em que os andores eram engalanados, as
bandeiras, as lanternas e o palio preparados, para percorrerem as ruas próximas da
capela.
A par destes preparativos, era necessário acordar com o padre capelão ou
padres a celebração da missa, por exemplo em honra do apóstolo, que devia ser

Santo António, em Setembro. A capela de Nossa Senhora da Saúde foi erguida para agradecer a Nossa
Senhora por ter protegido o lugar de Montemor do flagelo da peste que atingiu Lisboa, em 1598. Por
esse facto, realizavam-se, anualmente, romarias às quais acorriam inúmeros forasteiros. A capela foi
edificada em 1621 por Miguel Tostado. A Irmandade do Santíssimo Sacramento de Loures tinha a seu
cargo as festas do Santíssimo, as do Orago e as da Semana Santa.
Cf. Álvaro Proença – Subsídios para a história do concelho de Loures, vol. I, p 118.
395
Cf. Joaquim José da Silva Mendes Leal – Admirável igreja matriz de Loures, p. 101-102. Álvaro
Proença refere que o vigário, durante três dias, «saía a cavalo, de sobrepeliz e estola, acompanhado de
três irmãos do Santíssimo, a pé». In Subsídios para a história do concelho de Loures, vol. I, p. 38. O
Quatro de Outubro, num dos seus artigos, refere-se, ironicamente, ao padre João Ramos do Rosário
que tinha sido proibido de vestir o hábito talar «à procura do folar da Páscoa». Retirando a ironia da
notícia, mostra a probabilidade de a visita pascal se realizar no lugar de Caneças, todavia a
documentação em estudo não faz referência a este costume no início do século XX.
396
Joaquim José da Silva Mendes Leal – Admirável igreja matriz de Loures, p. 211-212.
397
O Padre Francisco Borja Ferreira, a pedido dos fiéis, organizou a procissão para que a imagem
fosse adorada na Igreja, para proteção contra uma grave epidemia que assolou Lisboa e arredores de
1832 a 1834. Passada a ameaça da epidemia, N. Sr.ª regressou à ermida onde, anualmente, se
realizavam festejos para agradecer a proteção. Cf. Joaquim Mendes Leal – Admirável igreja matriz de
Loures, p. 211-212.
398
Sara Silva, Santuário de Nossa Senhora do Cabo Espichel: Raízes de um Culto. In Nossa Senhora
do Cabo em Odivelas (2003) p. 23-26. Leia-se também J. Pinharanda Gomes – Povo e religião no
termo de Loures, p. 159-160. E Joaquim José da Silva Mendes Leal – Admirável igreja matriz de
Loures, p. 206-209.

111
«rezada e cantada»399. Mas a festa era ainda abrilhantada com bandas de música
(filarmónicas)400 que acompanhavam o desfile processional, o qual era anunciado
pelo «fogo»401, cuja licença era concedida pela Câmara.
A organização da procissão obedecia a rituais que uniam os confrades e a
população. Podemos deduzir que os fiéis com as bandeiras 402 abririam o cortejo,
seguindo-se depois os andores com as imagens dos santos, e a julgar pelo
arrolamento de bens, pelo menos sete andores403 ostentariam as imagens das doze
inventariadas404, os fiéis exibiriam as lanternas 405 e insígnias. Alguns dos andores
eram acompanhados pelos crentes devotos da imagem exposta para pagamento de
promessas.
Os irmãos da Irmandade, envergando as suas capas, acompanhavam a
procissão, o Juiz precederia o andor com a imagem do santo louvado, envergando a
vara de juiz406. O padre sob o palio (de damasco branco e encarnado 407) fechava o
cortejo, como alta dignidade representante dos desígnios de Deus. Atrás, seguia a
banda filarmónica e os católicos que se associavam à representação simbólica da fé.
Além destas festividades, eram concedidas autorizações para outras festas
religiosas, pelo Patriarcado, como as celebrações em honra de S. Sebastião em
Caneças408 para exposição do Santíssimo Sacramento e procissão 409.
A Irmandade no estatuto, aprovado por alvará de 29 de Setembro de 1921,
comprometeu-se através da sua mesa administrativa continuar a assegurar o culto,
realizar a festa de S. Pedro, celebrar missas «por alma dos seus irmãos» e satisfazer
os legados pios410. Quando as condições financeiras o permitissem, celebraria as
festas de «Nossa Senhora do Rosário em 2ª feira da Páscoa e de S. Sebastião em

399
Orçamento Ordinário de receita e despesa da Irmandade, ano 1903-1904 (ANTT – Governo Civil
de Lisboa: Irmandades – contas de gerência. Cota 829 B).
400
Orçamento Ordinário de receita e despesa da Irmandade, ano 1909-1910 (ANTT – Governo Civil
de Lisboa: Irmandades – contas de gerência. Cota 1039 B, cx. 71, doc. 97).
401
Idem.
402
Existiam 4 bandeiras em damasco e 4 varas de bandeiras. Cf. Anexo XIV.
403
Cf. Anexo XIV, p. 4.
404
Imagens: S. Francisco, S. Miguel, S. Braz (pequeno), Sr.ª da Conceição, S. José, Sr.ª do Rosário
com o menino, Sr.ª do Carmo (pequena), Sr.ª das Dores (pequena), Stº António, S. Sebastião, S. Pedro
e S. João, 4 Jesus Crucificados. Cf. Anexo XIV, p. 41 verso-42.
405
Existiam 8 lanternas e três insígnias. Cf. Anexo XIV, p. 42.
406
Cf. Anexo LI.
407
Cf. Anexo XIV, p. 42 verso.
408
AHPL – Provisões de licenças para Festas, 1858-1865, (U.I. 148). Esta festa, mais tarde, passou a
ser chamada de Festa dos Veraneantes, porque assinalava o fim da época estival com um baile, mas
mantinha a realização da procissão.
409
Idem.
410
Art. 2º - Estatutos aprovados em 29 de Setembro de 1921. Cf. Anexo LXVI.

112
setembro»411. Anualmente, nomeariam «pessoas de reconhecidos sentimentos
religiosos, mordomos especiais para a celebração das festividades de culto»412. Por
ocasião dos funerais de irmãos defuntos, os confrades deviam acompanhar o
funeral413e, em Novembro, por intenção dos irmãos falecidos deviam prover nove
missas, além das comemorações dos fiéis defuntos414. A Irmandade continuava a
prestar auxílio aos paroquianos necessitados e quando houvesse recursos subsidiaria
o «ensino primário»415. A beneficência era exercida nos dias da festa de S. Pedro,
Páscoa, dia de Todos os Santos e Natal416. Embora, os estatutos não refiram a
obrigação de sustentar padre capelão, tinham de preservar as alfaias do culto,
adquirir cera, paramentos e conservar o espaço de culto 417. As mesas eram eleitas por
três anos em Junta Grande 418.
Estas festas atraíam o povo e forasteiros pelo simbolismo que representavam
para os crentes, envoltas em alguma espectacularidade, também elas forma de
evangelização, bem como as representações simbólicas presentes na decoração das
igrejas, junto de uma população que era, maioritariamente, analfabeta. Estas
expressões do social religioso mostram a dimensão religiosa no contexto
comunitário, que leva à formação de redes de sociabilidade unidas pela crença
religiosa, nas suas diversas manifestações.
Graças aos espaços de sociabilidade que se foram criando, os usos e costumes
tradicionais, vão-se consolidando e recompondo à medida dos desafios de cada
tempo histórico419.

411
Art. 2º - Ponto 1º dos Estatutos aprovados em 29 de Setembro de 1921. Cf. Anexo LXVI.
412
Art. 3º - Estatutos aprovados em 29 de Setembro de 1921. Cf. Anexo LXVI. Para a realização das
festividades consideravam a necessidade em obter receitas extraordinárias. A Irmandade tinha de
satisfazer ainda os impostos consignados na lei (art. 2º dos estatutos).
413
Art. 16º- Estatutos aprovados em 29 de Setembro de 1921. Cf. Anexo LXVI.
414
Art. 17º- Estatutos aprovados em 29 de Setembro de 1921. Cf. Anexo LXVI.
415
Artigos 3º e 4º dos Estatutos aprovados em 29 de Setembro de 1921. Cf. Anexo LXVI.
416
Art. 43º- Estatutos aprovados em 29 de Setembro de 1921. Cf. Anexo LXVI.
417
Art. 44º - Estatutos aprovados em 29 de Setembro de 1921. Cf. Anexo LXVVI.
418
Art. 25º - Elegiam o Juiz, o 1º e 2º escrivão, Procurador, 1º Mordomo e 2º Mordomo. Cada um
tinha funções específicas de acordo com os artigos 33º a 40ºdos Estatutos aprovados em 29 de
Setembro de 1921. Cf. Anexo LXVI.
419
«[…] o Estado […] é a representação superior de um povo inteiro, com os seus diversíssimos
hábitos, costumes tendências, opiniões e crenças, nunca deve resolver-se pela prática dos actos que
ofendam ou susceptibilizem nenhuma classe, grupo ou associação, porque em manifestações do
pensamento ou em convicções da consciência divirjam daqueles que num dado instante da História
governam uma nação e têm a responsabilidade dos seus destinos.» Discurso do padre Casimiro
Rodrigues de Sá. In Sérgio Pinto – Separação religiosa como modernidade: decreto-lei de 20 de Abril
de 1911 e modelos alternativos, p. 185.

113
No caso das sociabilidades religiosas em Caneças, no tempo de transição da
Monarquia Constitucional para a República, as tradições em torno da religiosidade
do povo, prevaleceram mesmo com o interregno forçado da I República 420. Exemplos
desse facto, é acontecerem ainda as festas religiosas, dedicadas a N. Sr.ª do Rosário e
S. Pedro, neste caso com reinício somente na década de 90 do século passado.
A devoção religiosa promovida pela Irmandade do Santíssimo Sacramento
manteve-se e ressurgiu mesmo com o encerramento da capela ao culto, constituindo
um elemento de unidade na comunidade através da comunhão dos valores cristãos. A
Irmandade421 foi uma das formas de sociabilidade mais antiga na povoação, por ter
sido a sua única forma de vida associativa durante mais de um século, em que
fomentou os laços de solidariedade e de partilha da fé.

420
As contas de gerência referentes aos anos económicos 1910-1911 e 1911-1912 não fazem
referências às festas de S. Pedro ou de N. Sr.ª do Rosário. Registam despesas com os emolumentos do
capelão e do sacristão, aquisição de cera, vinho e hóstias para o culto, cera, contribuições prediais,
contas dos legados pios, contribuição para a assistência de doentes com tuberculose, consertos na
capela e na Quinta das Lages. No que respeita às despesas, na parte das contribuições anuais e das
jóias verifica-se uma diminuição. Após a aprovação dos estatutos da Irmandade em 1921, as contas de
gerência, dos anos 1923-1924 e 1924-1925, foram aprovadas pela autoridade competente. Embora o
alvará date de 1921, somente, em 25 de Dezembro de 1922, foi assinado o termo de responsabilidade
entre a corporação e a Junta de freguesia, que incluiu a cedência da capela e alfaias de culto (Anexo
LXXII).
421
Mesas administrativas de 1897 a 1921. Cf. Anexo LXXIV.

114
CONCLUSÃO
A implantação da República trouxe ao lugar de Caneças momentos
atribulados pela atuação de movimentos anticlericais, antirreligiosos e anticatólicos,
após a publicação do decreto da Separação do Estado das Igrejas, pelo governo
provisório.
A nova recomposição social, cultural e mental, pensada pelos defensores da
República, pôs em causa duas mundividências - as visões do mundo e de Deus, pelo
que a “questão religiosa” surge devido ao embate entre modelos societários. O novo
regime defendia a construção de uma nova sociedade, orientada pelos princípios da
igualdade, fraternidade, liberdade, segurança, a qual devia caminhar no sentido da
secularização, mesmo nas suas formas radicais de laicização sem a influência de
religiões, para o progresso da Humanidade.
A crença e as expressões do catolicismo, ritualizadas há séculos, tinham sido
atingidas pela Lei da Separação que limitava a sua expressão coletiva e pretendia
recompor a sua prática, mais do que uma Separação foi uma imposição da esfera
temporal sobre a espiritual.
A Separação para alguns setores do catolicismo não constituía o problema,
significava também maior autonomia e afirmação do mundo religioso em relação
poder temporal, o problema consistiu no modo como a Separação foi concebida pelo
poder político durante o Governo Provisório.
Ao compararmos a vitalidade da Irmandade do Santíssimo Sacramento, na
capela de São Pedro, com a das outras Irmandades da paróquia de Loures, da qual
dependia, e também com a das restantes paróquias do concelho de Loures,
constatamos ao nível local uma forte influência da imposição legislativa do governo
republicano central, designadamente, a Lei da Separação do Estado das Igrejas, de 20
de Abril de 1911, cujo zelo pelo seu cumprimento era reservado à Administração do
Concelho e Comissão dos Bens Eclesiásticos do Concelho, como acontecia por todo o
país.
A ação e manutenção das irmandades, bem como a continuação das capelas e
Igrejas abertas ao culto público foram dificultadas face às exigências da autoridade
civil, que comprometeu a liberdade religiosa católica e a autonomia da Igreja e,
consequentemente, do associativismo laico que se tinha constituído e organizado,
desde a Idade Moderna, no seio da sua comunidade rural.

115
Em Caneças, o reconhecimento administrativo da ilegalidade da Irmandade
do Santíssimo Sacramento de Caneças, quanto à sua constituição jurídica, num
processo com muitas contradições e ambiguidades, o facto de não se ter transformado
em associação cultual, e o encerramento da capela de São Pedro, por não haver
corporação que garantisse o culto, caracterizaram o ambiente religioso e eclesiástico
vivido em Caneças nos primeiros anos da I República.
Esta conjuntura difícil, assinalada pela intolerância e falência prática da
liberdade de culto, afetou a vida religiosa do lugar de Caneças e da paróquia a que
pertencia.
Todavia, as dificuldades não foram impedimentos à ação dos que defendiam a
sua religiosidade ou dos que apregoavam a tolerância e liberdade religiosas dos
crentes. Querendo fazer prevalecer a liberdade religiosa, a Irmandade, o padre capelão,
o pároco de Loures Joaquim José Pombo e demais habitantes, tentaram refutar os
argumentos que levaram ao encerramento da capela ao culto público e à dissolução da
Irmandade do Santíssimo Sacramento. Entre 1911 e 1918, tentaram fazer valer as suas
razões, as quais só teriam eco no governo de Sidónio Pais.
A instabilidade religiosa vivida em Caneças pelos católicos, face ao
arrolamento dos bens, encerramento da capela ao culto e à não constituição de
associação cultual, abalaram as vivências religiosas, porque o culto público foi
proibido e as sociabilidades religiosas que se constituíam em torno das vivências
religiosas, como as festas de S. Pedro, N. Sr.ª do Rosário, S. Sebastião, deixaram de
acontecer.
A Irmandade do Santíssimo Sacramento da capela de S. Pedro de Caneças,
promoveu as relações confraternais e sociais e as dinâmicas que se estabeleceram a
partir da crença religiosa. A Irmandade, enquanto forma de sociabilidade, fomentou a
piedade religiosa e a caridade popular, e desenvolveu junto dos crentes da pequena
comunidade rural, por excelência, o sentido de identidade e de pertença.
As sociabilidades religiosas eram (e são) expressões de valores, tradições,
sentimentos e crença das sociedades, elementos fundamentais no quotidiano dos
povos. A nova ordem política, que também pretendia ser social, moral e até
espiritual, entrou em confronto com a maneira de pensar, de sentir e de estar, isto é
com a mentalidade e a cultura do povo português.

116
Os constrangimentos sentidos pelos crentes deram-lhes a força e o sentido de
união para se organizarem e, assim, lutaram pacificamente pela sua liberdade
religiosa e pelos valores em que acreditavam. Em Caneças, os crentes não desistiram
perante as adversidades que iam surgindo, a Irmandade enquanto expressão
associativa resistiu e sensibilizou a comunidade, conseguindo a sua mobilização para
subscreverem as representações em defesa da abertura do lugar de culto local. Este
processo foi longo e complexo, estendeu-se por mais de uma década, para se alcançar
a licença para reabrir a capela ao culto (29 de Junho de 1918), a atribuição de alvará
à Irmandade (29 de Setembro de 1921) e a devolução do edifício e das respetivas
alfaias para o culto apenas aconteceu em 25 de Dezembro de 1922.
Não obstante as dificuldades sentidas pelos católicos de Caneças, em
expressarem coletivamente a sua crença, o facto é que os valores, os sentimentos e as
tradições, relacionados com o fenómeno religioso, prevaleceram até aos nossos dias
como elemento de unidade comunitária.
Observa-se também que alguns dos cidadãos da povoação constituíam a elite
local e de âmbito concelhio e participavam nas várias instituições (Irmandade,
associação da banda filarmónica, membros do Partido Republicano Português e
desempenharam cargos de influência política no município de Loures e Junta de
Freguesia de Caneças). O seu envolvimento na vida religiosa e política local
contribuiu para a sua afirmação social na comunidade daquele grupo, o que
manifesta a complexidade em termos locais entre pertença confessional, partidária e
defesa dos interesses da comunidade.
Assim, constata-se que a ação dos fiéis e moradores do lugar foi também uma
forma de afirmação dos interesses da comunidade ao nível religioso e político. O
desejo pela autonomia religiosa e administrativa da povoação em relação a Loures
envolveu a população na prossecução de tais objetivos, para além das fronteiras de
pertença partidária, donde resulta mais tarde na criação da freguesia de Caneças.
Ainda que a paróquia religiosa fosse somente criada em 1964, os membros da
Irmandade, fiéis e moradores assumiram um papel importante na reivindicação para
a sua autonomia em relação à paróquia de Loures, em defesa da administração dos
sacramentos à população local, isto é, reivindica uma jurisdição canónica própria.
A emancipação política e religiosa de Caneças de Loures pode ser entendida
como forma de afirmação da identidade e sentido de pertença da comunidade, que

117
considerava também ser o caminho mais favorável à resolução das suas dificuldades
quotidianas, onde se inscreve a problemática “questão religiosa” durante a I
República como elemento relevante.

118
FONTES E BIBLIOGRAFIA

1.FUNDOS DOCUMENTAIS:

ARQUIVO HISTÓRICO DO PATRIARCADO DE LISBOA (AHPL):

Livro 1º dos Acórdãos das mesas das Irmandades do Apóstolo S. Pedro e Santíssimo
Sacramento de Caneças, 1763-1841, (Ms. 662).
Livro das deliberações da Irmandade de S. Pedro de Caneças, erecta na capela do
mesmo lugar, 1903-1912, (U.I. 1885).
Livro das contas da Irmandade de S. Pedro de Caneças, erecta na capela do mesmo
lugar, 1902-1912, (U.I. 1930).

Câmara Patriarcal
Cópia da Provisão do Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa D. José, 1757, (Ms.554).
Registo Cronológico dos Párocos, 1890-1947, (U.I. 69).
Registo da Correspondência com os Vigários da Vara e Párocos, 1898-1900, (U.I.
107).
Registo da Correspondência com os Vigários da Vara e Párocos, 1900-1903, (U.I.
108).
Registo da Correspondência com os Vigários da Vara e Párocos, 1908-1910, (U.I.
111).
Livro 2º do Registo da Correspondência Oficial de Sua Eminência o Senhor D.
António I com os Vigários e Párocos, 1910-1913, (U.I. 112).
Registo de Correspondência oficial durante a residência do Senhor Patriarca em
Santarém, 1912-1916, (U.I. 174).
Registo da Correspondência com os Vigários da Vara e Párocos, 1917-1929, (U.I.
114).
Correspondência dirigida ao presidente da Comissão do Inventário dos bens
eclesiásticos, ao vigário-geral e ao governador civil sobre cultuais, 1911-1912, (U.I.
2332).
Decretos, Portarias e Provisões, 1908-1911, (U.I. 170).
Decretos, Portarias e Provisões, 1915-1929, (U.I. 172).
Licenças a Presbíteros, 1918-1945, (U.I. 19).

ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO (ANTT):

Memórias paroquiais: dicionário geográfico. VOL. XXI, de 12 de Maio de 1758.


Dicionário Geográfico ou Notícia Histórica: 1741-1751. Obra oferecida ao Rei D.
João V pelo padre Luís Cardoso. Lisboa: Oficina Sylviana e Academia Real. Tomo
2, fl. 433 (Caneças).
CARDOSO, Luis - Portugal sacro-profano: 1767-1768. Lisboa: Oficina de Miguel
Manescal da Costa. Tomos I – II (Santa Maria de Loures).

119
DESEMBARGO DO PAÇO

Repartição da Corte, Estremadura e Ilhas


Maço 2080, Documento 48.
Maço 2079, Documento 7.
Maço 909, Documento 82.
Maço 304, Documento 4.
Maço 228, Documento 29.

CHANCELARIA RÉGIA
Chancelaria D. João V – Comuns B e C, Livro 112. Fl. 43 e verso.
Chancelaria D. José – Comuns B e C, Livro 52. Fl. 183 verso.
Chancelaria D. João VI, Livro 22. Fls. 372 verso e 373.
Registo Geral de Mercês: D. Maria I, Liv.9. Fl. 189.

MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ECLESIÁSTICOS E DA JUSTIÇA

Estatutos e compromissos de Irmandades


Maço 419 (1821-1824) e maço 420 (1825-1833).

MINISTÉRIO DO REINO

Compromissos e estatutos de Irmandades e Confrarias


Maço 2011 (1835-1840; 1841-1843).
Registo de estatutos e compromissos: 1838-1864.
Assuntos de carácter local – Confrarias e Irmandades: Livro 1177 (1862-1864);
Livro 1178 (1864- 1867); Livro 1179 (1867-1880).

MINISTÉRIO DAS OBRAS PÚBLICAS


Processo nº 1038. Caixa 221, NP - 461/ Procº. 27. Maço 461. Inspeção dos Serviços
de Obras Públicas do distrito de Lisboa.

FEITOS FINDOS, FUNDO GERAL


Maço1006, Letras I e J.

ARQUIVO DISTRITAL DE LISBOA:

Freguesia de Santa Maria de Loures - Assentos de batismo, óbito, casamentos da


(séculos XIX e XX).

Governo Civil de Lisboa


Contas de gerência de Irmandades
Ano 1897-1898. Caixa 26, cota 898-B.
Ano 1899-1900. Cota 816 B.
Ano 1900-1901. Caixa 5, cota 806-B.
Ano 1903-1904. Caixa 829-B
Ano 1906-1907.Caixa 236.
Ano 1909-1910. Caixa 236, cota 1039-B.

120
ARQUIVO DO GOVERNO CIVIL DE LISBOA (AGCL):

Confraria Santíssimo Sacramento de Caneças. Processo nº 1353, caixa 51.

ARQUIVO MUNICIPAL DE LOURES (AML):

Câmara Municipal de Loures


Livro das sessões da Junta da Paróquia da Freguesia de Santa Maria de Loures
(anos 1836 a 1851; 1852 a 1866).
Livro de cópias de ofícios da Junta de Paroquia de Loures (1882-1887).
Livro de registo de juramentos e autos de posse de párocos de Loures (1869 -1887).
Livros de contribuições: mapas.
Registo de óbitos: receitas e despesas do cemitério municipal de Caneças (1905-
1913).
Auto de entrega do cemitério à Junta Paroquial de Caneças: ata de 4 de Maio de
1916.
Educação, Ensino Primário e Básico: correspondência e requerimentos de
professores à Câmara Municipal de Loures (1908-1914).
Educação, Ensino Primário e Básico: correspondência e requerimentos de
professores à Câmara Municipal de Loures (1915-1916).
Educação, Ensino Primário e Básico: correspondência e requerimentos de
professores à Câmara Municipal de Loures (1917-1918).
Requerimentos e representações à Câmara Municipal de Loures (1881-1915).

Administração do Concelho de Loures


Autos de Conta da Capela de João Francisco Valentim (Processo de cumprimento
do legado Pio de 4.9.1756 a 8.3.1912).
Correspondência recebida (1907 a 1925).
Livro de correspondência para fora do concelho (1913-1915).
Livro dos eleitores inscritos no recenseamento político (ano de 1926).
Livros de recenseamento militar (1880 a 1911; de 1912 a 1917; de 1912 a 1917).

ARQUIVO DA JUNTA DE FREGUESIA DE CANEÇAS (AJFC):

Livros de atas da Junta de Freguesia de Caneças (1915-1930).


Livro de registo de correspondência enviada e recebida (1915-1930).
Livro de registo de óbitos, receitas e despesas do cemitério municipal de Caneças
(1905- 1913).

ARQUIVO CONTEMPORÂNEO DO MINISTÉRIO DAS FINANÇAS


(ACMF):

ACMF/ARQUIVO/CJBC/LIS/LOU/ATAS/001- Livro 1º de atas da Comissão


Concelhia de Loures (1912-07-18 / 1925-07-23).
ACMF/ARQUIVO/CJBC/LIS/LOU/ARROL/006 - Loures (1911- 06-06 / 1943-02-
09).
ACMF/ARQUIVO/CJBC/INVEN/016 - Igrejas encerradas no concelho de Loures
pela aplicação da Lei da Separação (1914-01-24/1914-03-03), caixa 667.
ACMF/ARQUIVO/CJBC/LIS/LOU/ESTAT/002 - Irmandade do Santíssimo
Sacramento de Caneças (1914), caixa 358.

121
ACMF/ARQUIVO/CJBC/INVEN/012 - Processos do ano de 1918, produzidos pela
Comissão Jurisdicional dos Bens Cultuais, permitindo a abertura de vários templos
ao culto público, com referência à capela de S. Pedro de Caneças (1918), caixa 667.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/CEDEN/001 - Anulação da cedência da capela de S. Pedro
de Caneças à Câmara Municipal de Loures; Constituição do agrupamento cultual
transitório; Cedência da capela de S. Pedro de Caneças para a instalação de uma
escola. Processo 8530, L. 12, Fl. 109; Processo 2782, L. 7, Fl. 80 (1915-06-12 /
1923-10-02), caixa 34.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/CEDEN/002 - Cedência a título precário do relógio e sino
da Igreja Matriz de Loures à Câmara Municipal de Loures. Processo 7721, L. 11, Fl.
346 (1921-05-07 / 1921-12-29), caixa 35.
ACMF/CJBC/ADMIN/005 - Esclarecimento quanto à aplicação das verbas de
receitas e despesas das corporações para fins cultuais, tendo em conta a lei da
separação (1916), caixa 441.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/028 - Extinção da Irmandade do Santíssimo
Sacramento de S. Pedro de Caneças. Processo 2101, L. 9, Fl. 22 (1916-01-17 / 1918-
05-22), caixa 274.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/030 - Queixa apresentada pela Junta de paróquia de
Loures contra a Comissão Concelhia de Loures. Processo 2131, L. 9, Fl. 28 (1916-
01-23/ 1916-03-04), caixa 274.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/033- Requerimento da Irmandade do Santíssimo
Sacramento da freguesia de Loures pedindo a entrega das chaves da igreja e de
outros bens. Processo 766, L. 8, Fl. 154 (1915-05-05 / 1916-10-12), caixa 274.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/045-Cedência de sala para sessões e arquivo da
capela de S. Pedro de Caneças. Processo 3020, L. 9, Fl. 205 (1916-04-19 / 1918-05-
01), caixa 274.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/049 - Sobre a incorporação de um foro de que era
senhoria direta a capela de S. Pedro de Caneças (1924-01-18 / 1929-03-09), caixa
274.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/064 - Pedido de exoneração dos membros da
Comissão Concelhia de Loures. Processo 3902, L. 9, Fl. 382 (1917- 01-15 / 1917-01-
26), caixa 274.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/066 - Pedido de entrega de todos os bens móveis e
imóveis à Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças. Processo 8197, L. 12,
Fl. 43 (1922-02-09 / 1922-02-21), caixa 274.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/070 - Relação de objetos provenientes das igrejas
da Apelação e de Loures que deram entrada no Museu de Arte Antiga. Processo
3949, L. 9, Fl. 391 (1911-12-16 / 1912-08-20), caixa 274.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/072 - Inscrições e títulos pertencentes à Irmandade
do Santíssimo Sacramento de Caneças. Processo 3332, L. 9, Fl. 268 (1916-07-10),
caixa 274.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/076 - Pedido de restituição da residência paroquial
pelo pároco Joaquim José Pombo. Processo 284, L. 8, Fl. 57 (1911-12-16 / 1912-08-
20), caixa 274.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/078 - Cópias dos ofícios enviados à Câmara
Municipal de Loures pelas juntas de paróquia sobre a venda dos bens das igrejas do
concelho de Loures (1916-06-13 / 1916-06-21), caixa 274.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/079 - Requerimentos da Irmandade do Santíssimo
Sacramento de Caneças para a afetação da capela ao culto público. Processo 5189, L.
10, Fl. 240; Processo 1269, L. 6, Fl. 2 (1918-04-09 / 1922-12-30), caixa 274.

122
ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/087 - Cedência à Câmara Municipal de Loures, a
título de arrendamento, da capela de S. Pedro de Caneças (1915-06-15), caixa 274.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/089 - Relação de todos os imóveis que passaram
par o estado em resultado da aplicação da Lei da Separação (1911-12-16 / 1912-08-
20), caixa 274.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/095 - Participação de assalto na capela de S. Pedro
de Caneças (1914-04-03), caixa 274.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/097 - proposta de nomes e instalação da Comissão
Concelhia de Loures (1911-12-16 / 1912-08-20), caixa 274.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/107 - Incorporação de um foro em Vale de
Nogueira, freguesia de Caneças, na Fazenda Nacional (1920-08-26), caixa. 663.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/ADMIN/110 - Resolução da Comissão Central de Execução
da Lei da Separação autorizando a Junta de freguesia de Caneças a realizar as suas
sessões e a guardar o seu arquivo em dependências da capela de S. Pedro de Caneças.
Processo 3020, L. 9, Fl. 205 (1918-05-14), caixa 663.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/LCORR/004 - Livro de registo de correspondência recebida
pela Comissão Concelhia de Administração dos Bens das Igrejas no concelho de
Loures (1917- 02-11 / 1921-04-01), caixa. 669.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/LCORR/005 - Receitas e despesas produzidas pelos bens
sob a administração da Comissão Concelhia de Loures (1917-06-30 / 1925-07-10),
caixa 669.
ACMF/CJBC/LIS/LOU/LCORR/001 - Receitas e despesas produzidas pelos bens
sob a administração da Comissão Concelhia de Loures. Processo 6769, L. 11, Fl.
155; Processo 5117, L. 10, Fl. 226; Processo 5701, L. 10, Fl. 341 (1918-08-09 /
1921-03-31), caixa 669.
ACMF/CJBC- LEGIS- 045- Carta dos Bispos portugueses (15 Março 1913).
ACMF/CJBC- LEGIS- 016 - Interpretação do art. 38º do decreto de 20 de Abril de
1911.
ACMF/CJBC- LIS- LIS- PROCD-009 - Processo disciplinar ao senhor Patriarca D.
António Mendes Belo (23 de Agosto de 1917).

Direção Geral de Contribuições e Impostos


DGCI-LIS-LIS 3-IS-02786 -Testamento de José Maria Lourenço Junior, de 27 de
Abril de 1903, 4 fls.

ARQUIVO HISTÓRICO PARLAMENTAR (AHP):

Caderno de recenseamentos da assembleia de Loures – freguesia de Loures. Secção


IX, cx. 47.
Caderno de recenseamentos da assembleia de Odivelas – freguesia de Odivelas.
Secção IX, cx. 47.
Pareceres da mesa e das comissões de verificação. Secção IX, cx. 46-A.
Processo da criação da freguesia de Caneças. S.IV, cx. 70.
Diário da sessão da Câmara dos Deputados, sessão nº 82 (24 de Abril de 1914), p.
20-21.
Diário da sessão da Câmara dos Deputados, sessão nº 83 (27 de Abril de 1914), p.
3-5.
Diário da sessão da Câmara dos Deputados, sessão, nº 34 (9 de Agosto de 1915), p.
23.

123
Diário da sessão da Câmara dos Deputados, sessão nº 68 (1 de Setembro de 1915),
p. 15.
Diário da sessão da Câmara dos Deputados, sessão nº 52 (2 de Setembro de 1915),
p. 6-7.

CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO ANSELMO BRAAMCAMP FREIRE


(LOURES):

Arquivo Fotográfico
Fotografias e bilhetes postais referentes aos lugares do concelho de Loures.

2.LEGISLAÇÃO:

DECRETO de 16 de Maio de 1832, nº 23 (Implantação do sistema administrativo)


[em linha]. Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1799.

DECRETO – lei de 18 de Julho de 1835 (organização Administrativa) [em linha].


Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1803.

DECRETO de 31 de Dezembro de 1836 (Código Administrativo Português) [em


linha]. Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1814.

CARTA de Lei de 29 de Outubro de 1840 (alterou e revogou partes do Código


Administrativo de 1836) [em linha]. Disponível em:
www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1819.

DECRETO de 18 de Março de 1842 (Código Administrativo) [em linha].


Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1823.

CÓDIGO Civil de 1867, aprovado por Carta de lei em 26 de Junho de 1867 [em
linha].
Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1839.

CÓDIGO Administrativo, aprovado por Decreto de 21 de Julho de 1870 [em linha].


Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1126.

CÓDIGO Administrativo de 1878, aprovado por Carta de Lei de 5 de Maio de 1878


[em linha]. Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1127.

CÓDIGO Administrativo Português de 1886, aprovado por Decreto de 17 de Julho


de 1886 [em linha]. Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1176.

NOVA Reforma Administrativa de 1892, aprovado por Lei de 6 de Agosto de 1892


[em linha]. Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1178.

CÓDIGO Administrativo de 1894, aprovado por Decreto de 2 de Março de 1894 [em


linha]. Disponível em: www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1180.

124
CÓDIGO Administrativo de 1900, aprovado em 21 de Junho de 1900, publicado no
diário do Governo nº 158 de 25 de Junho de 1900 [em linha]. Disponível em:
www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1860.

Boletim geral de legislação: arquivos de leis, decretos e portarias. Nº 63. Série III,
Ano XVII (Janeiro 1943) – Lisboa.

LEI da Separação, de 20 de Abril de 1911. D.G. nº 92 (21 de Abril de 1911).

PORTARIA de 18 de Novembro de 1911. D.G. nº 271 (20 de Novembro de 1911).

LEI de 10 de Julho de 1912. D. G. nº 171 (23 de Julho de 1912).

DESPACHO da Direção Geral dos Eclesiásticos, de 25 de Novembro. D.G. nº 278


(26 de Novembro de 1912).

ESCLARECIMENTO da Direção geral dos Eclesiásticos sobre os edifícios


religiosos e o exercício do culto público de 30 de Dezembro de 1912. D.G. nº 5 (7 de
Janeiro de 1913).

PORTARIA nº 82/1914. D.G. I Série. 8 (14 de Janeiro de 1914).

PORTARIA nº 306/1915. D. G. I Série. 32 (18 de Fevereiro de 1915).

DECRETO nº 1648/1915. D.G. I Série. 113 (15 de Junho de 1915) – Cedência à


C.M.L. do edifício da capela de S. Pedro.

LEI nº 413/1915. D.G. I Série. 182 (10 de Setembro de 1915) – Criação da paróquia
civil de Caneças.

LEI nº 420/1915. D.G. I Série. 183 (11 de Setembro de 1915).

PORTARIA nº 510, de 21 de Outubro de 1915. D.G. I Série. 222 (1 de Novembro de


1915).

PORTARIA nº 1055/1917. D.G. I Série. 142 (24 de Agosto de 1917).

DECRETO nº 3728/1918. D.G. I Série 5 (7 de Janeiro de 1918).

PORTARIA nº 3092/1918. D.G. I Série. 36 (18 de Fevereiro de 1918).

DECRETO nº 3856/1918. D.G. I Série. 34 (22 de Fevereiro de 1918).

PORTARIA nº 1244/1918. D.G. I Série. 46 (4 de Março de 1918).

PORTARIA nº 1354/1918. D.G. I Série.103 (10 de Maio de 1918).

DECRETO nº 8481/1922. D.G. I Série. 235 (13 de Novembro de 1922).

125
3. PERIÓDICOS:

A Economia
O Quatro de Outubro
O Cinco de Outubro
O Regionalista
Jornal de Caneças
A Fortuna: jornal hebdomadário de propaganda e reclamo do comércio e indústria,
magasine ilustrado e recreativo. Nº 1 (14 de Outubro de 1909) – Lisboa: A. Affonso
d’ Oliveira.
O BEIRÃO: jornal semanal. Nº 248; nº 251, nº 255, nº 276, nº 293, nº 294 (anos
1912-1913), Mangualde.

4.BIBLIOGRAFIA GERAL:

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Religiosa de Portugal. Direção Carlos Azevedo. Rio de Mouro: Círculo de Leitores
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Coleção vida e cultura. Lisboa: Livros do Brasil, 1988.

DUROSELLE, Jean-Baptiste - A Europa de 1815 aos nossos dias. 3ª ed. São Paulo:
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Portugal. Direção Carlos Azevedo. Rio de Mouro: Círculo de Leitores SA e Centro
de Estudos de História Religiosa – UCP, 2000. Vol. 1, p. 310-322.

GOMES, J. Pinharanda - Laicado. In Dicionário de História Religiosa de Portugal.


Direção Carlos Azevedo. Rio de Mouro: Círculo de Leitores SA e Centro de Estudos
de História Religiosa – UCP, 2000. Vol. 3, p. 51-58.

GRANDE Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.50 vols. Lisboa/Rio de Janeiro:


Editorial Enciclopédia, Limitada, s.d. vol. 15.

HISTÓRIA Contemporânea de Portugal dos tempos pré – históricos aos nossos dias.
Direção João Medina. 14 vols. Alfragide: Ediclube, s.d.

HISTÓRIA Contemporânea de Portugal. Direcção João Medina. Genève: Editions


Ferni, SA, s.d.

HISTÓRIA da Vida Privada em Portugal. Direção José Matoso. 4 vols. Lisboa:


Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2011.

HISTÓRIA de Portugal. Direção José Mattoso. 9 vols. Lisboa: Círculo de Leitores,


1993.

128
HISTÓRIA de Portugal. Direção Joaquim Veríssimo Serrão. 18 vols. 2ª ed. Lisboa:
Editorial Verbo, 1995-2010.

HISTÓRIA de Portugal. Direção José Hermano Saraiva. 10 vols. Matosinhos: QN –


Edições e Conteúdos, S.A. 2004.

HISTÓRIA dos Municípios Portugueses e do Poder Local: dos finais da Idade Média
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135
CRONOLOGIA

A cronologia inclui os acontecimentos e legislação mais significativos


relacionados com a Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças,
designadamente do período em estudo, enquadrada nos acontecimentos nacionais.

1757
26 de Maio - Provisão do Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa D. José aos moradores
de Caneças para terem sacrário, âmbula da santa unção e sepulturas na Igreja de S.
Pedro.
1760
25 de Janeiro - Provisão de D. José I autorizando a criação de feira franca em
Caneças por pedido da Irmandade do SSº Sacramento de Caneças.

1762
5 de Fevereiro - Confirmação dos estatutos da Irmandade do Santíssimo Sacramento
por provisão D. José I .
1763
9 de Fevereiro - Confirmação dos estatutos da Irmandade de Apóstolo S. Pedro da I
por provisão D. José I .
1768
9 de Março - Provisão de D. José I autorizando a mudança de feira em Caneças.
1780
6 de Outubro - Provisão de D. Maria I da feira franca em favor da Irmandade do SSº
Sacramento de Caneças.
1818
2 de Agosto - Pedido da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças para a
realização de feira nos dias 29 e 30 de Junho (Festa de S. Pedro).
28 de Novembro - Provisão de D. João VI de à Irmandade do Santíssimo Sacramento
de Caneças para a realização de feira em Junho.

1903
27 de Abril - Testamento de José Maria Lourenço Junior.
20 de Julho - Morte do Papa Leão XIII. Sucede-lhe Pio X (eleito em 4 de Agosto).

1910
4/5 de Outubro - Implantação das República em Loures. Ocupação dos Paços do
Concelho.
5 de Outubro - Implantação da República em Lisboa.
Governo provisório presidido por Teófilo Braga
Expulsão dos jesuítas e das outras ordens religiosas
Decretos determinam que as leis de 3 de Setembro de 1759, 28 de Agosto de 1767 e
28 de Maio de 1834 continuem em vigor.
Proibição do ensino religioso das escolas.

136
Proibição do juramento religioso.
Extinção da Faculdade de Teologia e do ensino de Direito Canónico.
13 de Outubro -Restabelecimento de parte do Código Administrativo de 1878.
25 de Dezembro - Publicação das leis da família.

1911
Fevereiro - Divulgação da Pastoral coletiva dos Bispos portugueses aos fiéis.
18 de Fevereiro - Instituição do registo civil obrigatório.
18 de Maio - Criação da Comissão Central de Execução da Lei da Separação.
21 de Abril - Publicação da Lei da Separação do Estado das Igrejas de 20 de Abril.
23 de Maio - Publicação do protesto coletivo dos Bispos portugueses contra a Lei da
Separação.
24 de Maio - Encíclica Iamdudum in Lusitania, do Papa Pio X.
25 de Maio – Recenseamento dos cidadãos da freguesia de Santa Maria de Loures.
28 de Maio – Eleições para a Assembleia Nacional Constituinte.
23 de Junho - Circular de da Comissão Central de Execução da Lei da Separação.
10 de Junho - Arrolamento de bens da capela de S. Filipe, A-dos-Cãos.
10 de Junho - Arrolamento de bens da ermida de Senhor Jesus dos Desamparados,
Tojalinho .
11 de Junho - Arrolamento de bens da Igreja Paroquial de Loures.
10 de Junho - Arrolamento de bens da capela de Santa Ana, Loures.
15 de Junho - Arrolamento de bens da capela de Santa Petronila, Murteira.
16 de Junho - Arrolamento de bens da capela de N. Sr.ª da Saúde, Montemor.
17 de Junho - Arrolamento de bens da capela de S. Pedro de Caneças.
21 de Agosto - Promulgação da Constituição Republicana de 1911.
24 de Agosto - Eleição do 1º Presidente da República Dr. Manuel de Arriaga.
3 de Setembro - Fim do Governo provisório. 1º Governo Constitucional, presidido
por João Chagas.
18 de Novembro - Portaria do Ministério da Justiça sobre a reformulação dos
compromissos das Irmandades (D. G. nº 271, de 20 de Novembro de 1911).
Novembro de 1911 - Orientações emanadas da Santa Sé sobre a reforma dos
estatutos das Irmandades e Confrarias.
10 de Dezembro - Declaração dos mesários da Irmandade do SSº Sacramento de
Caneças em cumprimento da portaria de 18 de Novembro de 1911, elaborada em
reunião magna. Elaboração da ata em que se comprometem a manter o culto e a
beneficência e em reformar os estatutos para aprovação em futura reunião magna.

1912
Fevereiro - Recepção da declaração dos mesários da Irmandade do Santíssimo
Sacramento de 10 de Dezembro de 1911 no Governo Civil.
24 de Fevereiro - Fundação do Partido Evolucionista, liderado por António José d’
Almeida.
26 de Fevereiro - Fundação do Partido Unionista, liderado por Brito Camacho.
1 de Junho - Reunião magna da Irmandade do SSº Sacramento de Caneças em que
aprovaram o projeto de estatutos reformados.
25 de Junho - Envio do projeto dos estatutos da Irmandade ao Governo Civil.
1 de Julho - Ata da eleição da mesa da Irmandade do Santíssimo Sacramento de
Caneças para o ano 1912-1913.

137
10 de Julho - Publicação da Lei que prorrogava o prazo para a entrega do estatutos
pelas Irmandades ( D. G. nº 171, do Ministério da Justiça, de 23 de Julho de 1912).
25 de Julho - Exoneração do Administrador do Concelho de Loures João Raymundo
Alves.
31 de Julho - Nomeação do Administrador do Concelho, interino, António Francisco
Faustino P. Sá de Nogueira.
31 de Agosto - Envio do projeto de estatutos e da ata da reunião magna de 1 de
Junho de 1912 da Irmandade do SSº Sacramento de Caneças, pela administração do
Concelho de Loures ao Governo Civil de Lisboa.
13 de Novembro - Exoneração do Administrador do Concelho António Sá Nogueira
e nomeação de José Maria da Silveira Mesquita.
25 de Novembro - Irmandades do SSº Sacramento de Sacavém e de Camarate
reformadas como cultuais (Despacho do Ministro da Justiça, D.G. nº 278, de 26 de
Novembro de 1912).
16 de Dezembro - Queixa do padre capelão João Ramos do Rosário ao
Administrador do Concelho de Loures.
28 de Dezembro – O patriarca D. António Mendes Belo é expulso e desterrado do
Patriarcado, durante dois anos.
30 de Dezembro - Esclarecimento sobre o exercício do culto público nos templos
propriedades do Estado .
Os Bispos portugueses partem para o exílio.

1913
9 de Janeiro -1º governo do Partido Democrático, presidido por Afonso Costa.
Janeiro - Exoneração do Administrador do Concelho José Maria da Silveira
Mesquita e nomeação de João Raymundo Alves.
27 de Janeiro - Petição dos mesários e confrades da Irmandade do SSº Sacramento
de Caneças ao Ministro da Justiça.
9 de Fevereiro - Governo de Bernardino Machado.
15 de Março - Carta dos Bispos portugueses ao Presidente da República.
12 de Abril - Representação de 300 subscritores, proprietários e moradores de
Caneças, pedindo a abertura da capela ao culto.
15 de Maio - Informação do Administrador do Concelho de que a capela de S. Pedro
de Caneças se encontrava encerrada ao público.
2 de Junho - Proposta do Governador Civil para a extinção da Irmandade do SSº
Sacramento.
14 de Junho - Proposta do Governador Civil para a extinção da Irmandade de S.
Pedro.
19 e 20 de Agosto - Orientações do Patriarcado às Irmandades para a reforma dos
estatutos ao abrigo do art. 38º da Lei da Separação de 20 de Abril de 1911.
5 de Setembro - Extinção da Irmandade do Santíssimo de Caneças pelo Governador
Civil de Lisboa e adjudicação dos seus bens.
Irmandades no concelho de Loures reformadas como Comissão de Assistência e
Beneficência - Apelação, Bucelas, Póvoa de Stº Adrião.
10 de Novembro - Representação das Irmandades do SSº Sacramento de Lisboa ao
Papa sobre a reforma dos seus estatutos, ao abrigo do art. 17º da Lei da Separação.
9 de Dezembro - Publicação do mapa demonstrativo das receitas arrecadadas pela
Caixa Geral de Depósitos, durante o ano económico de 1911-1912, referente ao

138
fundo especial de beneficência pública destinado à defesa contra a tuberculose. A
Irmandade do SSº Sacramento de Caneças efetuou o pagamento.

1914
14 de Janeiro - Publicação da portaria nº 82, do Ministério da Justiça, esclarecendo
sobre a interpretação do artigo 38º da Lei da Separação (D.G. - I série. 8 (14 de
Janeiro de 1914).
28 de Janeiro - Petição dos habitantes de Caneças e Vale de Nogueira à Câmara
Municipal de Loures para a criação da freguesia de Caneças.
6 de Março - Venda, por arrematação, da Quinta da Lages.
19 de Abril - Representação dos habitantes de Caneças e Vale de Nogueira à Câmara
dos Deputados para a criação da freguesia.
25 de Maio - Carta do pároco Joaquim José Pombo de para a abertura da Igreja
Matriz ao exercício do culto.
16 de Junho - Ofício do pároco de Loures Joaquim José Pombo à Comissão Central
de Execução da Lei da Separação, de indicando três razões para a abertura da capela
de Caneças ao culto.
4 de Agosto - Início da I Guerra Mundial.
20 de Agosto - Morte do Papa Pio X. Sucede-lhe Bento XV (eleito em 3 de
Setembro).
23 de Agosto - Ofício do pároco de Loures Joaquim José Pombo à Comissão Central
de Execução da Lei da Separação, em que reforça a importância da capela para o
culto católico (existência de baptistério, realização das encomendações dos falecidos,
existência de cemitério privativo).
30 de Agosto - Representação de habitantes de Caneças e Vale de Nogueira ao
Ministro da Justiça com os mesmos fundamentos do ofício anterior para o exercício
do culto público na capela.
28 de Setembro - Declaração em nome do agrupamento de fiéis de Caneças que se
comprometia a sustentar o culto na capela de S. Pedro de Caneças pelo que pediam a
cedência da capela.
2 de Outubro - Ofício do Governo Civil de Lisboa à administração do concelho
comunicando que o agrupamento só terá validade ao abrigo do art.º17º da Lei da
Separação, formando uma associação de assistência e beneficência.
10 de Outubro - Ofício do pároco de Loures comunica à Comissão Central que os
fiéis de Caneças enviaram uma declaração ao Ministro da Justiça para a formação do
agrupamento cultual transitório.
Parecer da Comissão Central de Execução da Lei da Separação indeferindo os
pedidos para a abertura da capela ao culto, mantendo o indeferimento de um
despacho de 3 de Outubro de 1914.
13 de Outubro - Carta do pároco Joaquim Pombo ao Administrador do Concelho
sobre a formação do agrupamento cultual transitório de Caneças.
15 de Novembro - Edital da Comissão Concelhia de Administração dos Bens
Eclesiásticos, pertencentes ao Estado sobre a situação dos espaços de culto e dos
bens no Concelho.
- Edital da Comissão Concelhia de Administração dos Bens
Eclesiásticos, publicitando a venda, por arrematação, da azeitona da
capela de S. Pedro à Junta de Freguesia de Caneças.
12 de Dezembro - Governo de Vitor Hugo de Azevedo Coutinho.
Administrador do Concelho Félix Anastácio Soeiro.

139
1915
25 de Janeiro - Governo ditatorial de Pimenta de Castro.
18 de Fevereiro - Publicação da Portaria nº 306, do Ministério da Justiça e dos
Cultos, com disposições sobre a constituição de cultuais (D.G. nº 32 – I série, de 18
de Fevereiro).
4 de Março - Congresso «clandestino» do Partido Republicano Português, liderado
por Afonso Costa no palácio da Mitra, Stº Antão do Tojal – Manifesto contra a
ditadura.
14 de Maio - revolução contra o governo de Pimenta de castro, liderada pelos
Democráticos.
17 de Maio - Governo Democrático, presidido por José Ribeiro de Castro.
29 de Maio - Teófilo Braga assume as funções de Presidente da República após
renúncia de Manuel de Arriaga.
9 de Abril - Resolução do Governador Civil de Lisboa para que o processo de
aprovação do projeto de estatutos da Irmandade do Santíssimo Sacramento de
Caneças prosseguisse nos termos da lei.
15 de Junho - Cedência à C.M.L. do edifício da capela de S. Pedro de Caneças.
19 de Junho - Governo Democrático, presidido por José Ribeiro de Castro.
10 de Setembro - Criação da paróquia civil de Caneças.
11 de Setembro - Publicação da Lei nº 420, do Ministério da Justiça e dos Cultos,
restituindo às corporações administrativas os bens que estavam sob a sua
administração e cujo arrolamento fora ordenado para os efeitos da Lei da Separação
(D. G. nº 183 – I série, de 11 de Setembro).
8 de Dezembro - Comunicação do Governador Civil de Lisboa sobre os 6 cidadãos
eleitos para a Junta de Paróquia Civil de Caneças.
29 de Dezembro - 1ª sessão ordinária referente à instalação dos Junta de Paróquia
Civil de Caneças.
30 de Dezembro - Aprovação dos estatutos da Associação Luiz Pereira da Mota «
que se denominava Irmandade da Ordem 3ª de S. Francisco».
5 de Abril - A Junta de Freguesia de Caneças decidiu pedir uma casa, pertencente à
capela de S. Pedro, à Comissão Concelhia de Administração dos Bens Eclesiásticos
de Loures.
3 de Maio - Informação da entrega das oliveiras da capela de S. Pedro à Junta de
Freguesia de Caneças.
22 de Julho - Governo Democrático, presidido por José Ribeiro de Castro.
6 de Agosto - Bernardino Machado eleito Presidente da República.
29 de Novembro - Afonso Costa preside a novo governo.

1916
15 de Março - Constituição do governo da União Sagrada com Afonso Costa e
António José de Almeida.
17 de Fevereiro - Ofício do Governo Civil de Lisboa à Comissão Central de
Execução da Lei da Separação, explicando os procedimentos da Irmandade do SSº
Sacramento de Caneças (1912-1915).

140
1917
31 de Julho - Provisão de D. Mendes Belo sobre a situação das corporações
encarregadas do culto católico na diocese de Lisboa.
8 de Agosto - Criação do Centro Católico Português.
23 de Agosto - Expulsão do Senhor Cardeal Patriarca do distrito de Lisboa e distritos
limítrofes.
24 de Agosto - Publicação da Portaria nº 1055, do Ministério da Justiça e dos Cultos,
sobre as corporações que reformaram os estatutos ao abrigo do art. 17º da Lei da
Separação e que requereram a aprovação posterior ao abrigo do art. 38º da mesma lei
(D.G. nº 142 – I série, suplemento publicado a 24 de Agosto de 1917).
5 de Dezembro - Sidónio Pais toma o poder, depois de demitir o Presidente
Bernardino Machado e mandar prender Afonso Costa.
Aparições de Fátima.
Regresso de D. António Mendes Belo a Lisboa.

1918
3 de Janeiro - Dissolução da Comissão Central de Execução da Lei da Separação
pelo decreto nº 3728.
23 de Janeiro - Beatificação de D. Nuno Álvares Pereira.
22 de Fevereiro - Publicação do Decreto nº 3856 (Decreto de Moura Pinto).
4 de Março - Publicação da Portaria nº 1244/1918, esclarecendo sobre a entrega de
bens às corporações religiosas do culto público deve ser acompanhada de inventário
e o compromisso destas em conservar esses bens.
9 de Abril - Petição em nome da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caneças
para licença da abertura da capela ao público, dirigida ao Ministro da Justiça.
- Batalha de la Lys.
2 de Maio - Nova subscrição, em nome da Irmandade do Santíssimo Sacramento,
para licença da abertura da capela ao público, dirigida ao Ministro da Justiça.
10 de Maio - Publicação da Portaria nº 1354/1918 para afetação da capela de S.
Pedro ao culto público e determinação da sua entrega à corporação religiosa que para
o efeito se regularizasse.
29 de Junho - Celebração da 1ª missa na capela, após o seu encerramento no fim de
1912 e início de 1913.
10 de Julho - Restabelecimento das relações diplomáticas com a Santa Sé.
11 de Novembro - Assinatura do Armistício. Fim da I Guerra Mundial
3 de Dezembro - Declaração dos mesários da Irmandade do SSº Sacramento de
Caneças sobre o seu propósito em solicitar a aprovação do projeto de estatutos,
enviados em 1912, ao Governador Civil de Lisboa.
11 de Dezembro - Despacho do Secretário de Estado do Trabalho em que mandou
anular o despacho de 5 de Setembro de 1913 que extinguiu a Irmandade do SSº
Sacramento de Caneças e se procedesse à aprovação dos seus estatutos.
14 de Dezembro - Assassinato de Sidónio Pais.
16 de Dezembro - João Canto e Castro é eleito Presidente da República.
23 de Dezembro - Governo de Tamagini Barbosa.
Administrador do Concelho Calixto Morgado.
Caneças é afetada pela pneumónica que causou grande mortalidade infantil.

141
1919
7 de Janeiro - Novo Governo de Tamagini Barbosa.
27 de Janeiro - Governo de José Relvas.
30 de Março - Governo do democrático Domingos Pereira.
29 de Junho - Governo democrático de Sá Cardoso, após vitória nas eleições.
6 de Agosto - António José de Almeida é eleito Presidente da República.

1920
10 de Janeiro - Governo de Francisco José Fernandes Costa. Sucedendo-lhe Sá
Cardoso.
21 de Janeiro - Governo de Domingos Pereira.
8 de Março - Governo de António Maria Baptista.
6 de Junho - José Ramos Preto chefia governo.
26 de Junho - Governo de António Maria da Silva.
19 de Julho - Governo de António Granjo.
20 de Novembro - Governo de Álvaro de Castro.
30 de Novembro - Governo do tenente-coronel Liberato Pinto.

1921
1 de Janeiro - Reunião geral para a aprovação dos estatutos reformados e eleição da
mesa administrativa da Irmandade do SSº Sacramento de Caneças.
2 de Março - Governo de Bernardino Machado.
18 de Março - Administração do Concelho informa o Governo Civil de Lisboa que
devolveu os estatutos com as notas para alterações à Irmandade.
Maio - Exoneração da Comissão Concelhia de Administração dos Bens Eclesiásticos
de Loures, competências atribuídas à Segunda Comissão de Administração dos Bens
das Igrejas de Lisboa.
29 de Setembro - Aprovação dos estatutos da Irmandade do SSº Sacramento de
Caneças por alvará do Governador Civil de Lisboa.
17 de Outubro - Comunicação do Governo Civil de Lisboa da aprovação dos
estatutos da Irmandade do SSº Sacramento de Caneças e respetiva entrega,
juntamente com o alvará, à mesma Irmandade.
19 / 20 de Outubro - Noite Sangrenta, assassínio de António Granjo, Carlos da Maia
e Joaquim Machado Santos.
5 de Novembro - Governo de Carlos da Maia Pinto.
16 de Dezembro - Governo de Joaquim Cunha Leal.

1922
22 de Janeiro - Morte do Papa Bento XV. Sucede-lhe Pio XI (eleito em 6 de
Fevereiro).
29 de Janeiro - Democráticos vencem eleições.
6 de Fevereiro - Governo de António Maria da Silva.
9 de Fevereiro - A Irmandade do SSº Sacramento de Caneças informa a Comissão
Central da Execução da Lei da Separação que estava legalmente constituída, pelo que
pedia a devolução dos bens móveis e imóveis, dos papeis de crédito e respetivos
juros acumulados.

142
17 de Fevereiro - Publicação da Portaria nº 3092, do Ministério da Justiça e Cultos,
que regulou a atribuição legal da entrega dos bens arrolados às corporações
encarregadas do culto público (D.G. nº 36 – I série, de 18 de Fevereiro).
13 de Novembro - Anulação da cedência do edifício da antiga capela de S. Pedro à
Câmara Municipal de Loures (Decreto nº 8481/1922).
30 de Novembro - Novo Governo de António Maria da Silva.
7 de Dezembro - António Maria da Silva chefia novo Governo.
25 de Dezembro - A Irmandade do SSº Sacramento de Caneças comunicou à
administração do concelho que tomou posse dos bens da capela , em reunião
conjunta com a Junta de Freguesia, conforme o termo de responsabilidade.

1923
6 de Agosto - Manuel Teixeira Gomes é eleito Presidente da República.
2 de Outubro - A Comissão Central de Execução da Lei da Separação declara sem
efeito a incorporação da capela de S. Pedro de Caneças na Fazenda Nacional.
15 de Novembro - Governo de Ginestal Machado.
18 de Dezembro - Governo de Álvaro Xavier de Castro.

143

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