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Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Bioses Africanas no Brasil:


Notas de História Ambiental
2
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Universidade do Estado de Santa Catarina


Prof. Dr. Sebastião Iberes Lopes Melo
Reitor
Prof. Dr. Antonio Heronaldo de Sousa
Vice-Reitor
Prof. Dr. Paulino de Jesus Francisco Cardoso
Pró-Reitor de Extensão, Cultura e Comunidade
Profª. Dra. Marlene de Fáveri
Diretora Geral do Centro de Ciências Humanas e da Educação - FAED
Profª. Dra. Jimena Furlani
Diretora de Extensão do Centro de Ciências Humanas e da Educação -
FAED
Profª. Msc. Neli Góes Ribeiro
Coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros - NEAB/UDESC

C onselho Editorial
Profª Msc. Neli Góes Ribeiro
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
Prof. Dr. Paulino de Jesus Francisco Cardoso
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
Prof. Dr. Wilson Roberto Mattos
Pró-Reitoria de Pesquisa e Ensino de Pós-Graduação -
Universidade do Estado da Bahia - UNEB
Prof. Dr. Manuel Jauará
Universidade Federal de São João del-Rei - UFSJ
Profa. Dra. Maria Antonieta Antonacci
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP
Prof. Dr. Dagoberto da Fonseca
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP
Profª Msc. Claudia Rocha
Universidade do Estado da Bahia - UNEB
Prof. Dr. Acácio de Almeida
Casa das Áfricas
Prof. Msc. Willian Robson Soares Lucindo
Pesquisador Associado NEAB/UDESC
Prof. Dr. Silvio Marcus de Souza Correa
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

Secretaria e Colaboração Técnica


Karla Leandro Rascke
Mestranda em História pela PUC-SP

Colaboração Técnica
Mariana Schlickmann
Graduanda em História pela UDESC
3
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Sílvio Marcus de Souza Correa


(organizador)

Bioses Africanas no Brasil:


Notas de História Ambiental
4
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Editores
José Isaías Venera
José Roberto Severino

Comercial
Ivana Bittencourt dos Santos Severino

Rua Lauro Müller, n. 83, Centro, Itajaí - CEP. 88301.400


Fone/Fax: (47) 30455815

267.642
R223f

ISBN 978-85-62459-29-0

Revisão
Cristiane Mare da Silva

Projeto Gráfico e diagramação


J. I. Venera
5
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Agradecimentos

O presente livro é resultado de um projeto acadêmico


desenvolvido entre as atividades de um seminário
de ensino e pesquisa, realizado no Laboratório
de Imigração, Migração e História Ambiental
(www.labimha.ufsc.br) e com a participação de
estudantes do Programa de Pós-Graduação em História
da Universidade Federal de Santa Catarina. O
engajamento e o empenho dos colaboradores dessa
coletânea foram imprescindíveis para que o projeto
chegasse a bom termo. Como organizador do livro,
gostaria de agradecer aos co-autores pela dedicação,
responsabilidade e competência com as quais
enfrentaram o desafio de escrever essas notas de história
ambiental sobre bioses africanas no Brasil.
O trabalho de toda a equipe contou com a colaboração
de vários profissionais que indicaram bibliografia,
concederam entrevistas, responderam questionários,
fizeram críticas e deram sugestões valiosas para o
andamento das pesquisas e para a elaboração dos artigos
a seguir.
Nossos agradecimentos aos professores Eunice
Nodari (UFSC), João Klug (UFSC), Janes Jorge
(UNIFESP), Vânia Regina Pivello (USP), aos
pesquisadores José Carlos Leite Reis e Wilson Werner
Koller, da Embrapa, e Carlos Romero Martins, do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA) e Lesley Henderson do
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Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

South African National Biodiversity Institute, ao


jornalista Alfredo Ricardo Lucas Lopes, aos engenheiros
agrônomos Carlos Alberto Z. Mendes, Angelo Savy Filho
e Douglas George de Oliveira, ao proprietário rural Ivadi
de Almeida, ao agrônomo da Epagri Milton da Veiga, a
mestre em ecologia Valéria Forni Martins, à bióloga Mel
Simionato Marques, ao coordenador da FUNASA em
Santa Catarina, Marcos José Medeiros Fernandes, e last
but not least a engenheira florestal e diretora executiva
do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação
Ambiental, Silvia Ziller.
7
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Sumário
Prefácio: 09
Uma história de permutas afro-brasileiras
Sílvio Marcus de Souza Correa
(organizador)

Africanizando a paisagem rural do 21


Brasil: a invasão de uma gramínea exótica
Sílvio Marcus de Souza Correa
Gramíneas africanas na paisagem 51
rural de Santa Catarina
Marlon Brandt
Melinis minutiflora Beauv.: a 77
introdução de espécies africanas no Brasil
Simoni Mendes
A invasão do e no pasto: a 97
introdução da Brachiaria Radicans
Napper e suas consequências nos
arredores da Lagoa De Sombrio - SC
Alfredo Ricardo Lopes
Made in Africa? A domesticação e 121
aclimatação da mamona (Ricinus
communis L.) no Brasil
Samira Peruchi Moretto
"Besouro africano": 147
a inserção de uma espécie exótica
Carina Santos de Almeida
8
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Anopheles gambiae e Aedes 169


aegypti: a "invasão" do Brasil e o
irromper de epidemias
Eveli Souza D´Avila de Oliveira
História de uma invasão 191
biológica: a questão do caramujo
africano Achatina fulica
Márcio José Werle
Considerações finais 203
Sobre os autores 207
9
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Prefácio

Uma história de permutas


afro-brasileiras
Em 1823, José Bonifácio de Andrada e Silva
chamava a atenção para as mudanças antrópicas na
paisagem brasileira, bem como para o seu impacto
ambiental. Segundo ele, “o nosso belo Brasil, em menos
de dois séculos, ficará reduzido aos páramos e desertos
áridos da Líbia” 1 . Para o ilustre deputado, a
africanização da paisagem era também uma
consequência da economia escravista. Aliás, José
Bonifácio foi o primeiro pensador brasileiro a estabelecer
um nexo causal entre a destruição ambiental e a
escravidão2.
Mas em áreas do Brasil meridional, onde predominou
a pequena propriedade rural e o regime de trabalho livre,
houve também profundas alterações dos biomas e
ecossistemas3. A europeização da paisagem sulina teve
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Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

impactos ambientais irreversíveis como, por exemplo, a


drástica redução das florestas entre 1850 e 1950. No
entanto, o “imperialismo ecológico” deve ser relativi-
zado 4. Afinal, a agricultura dos colonos de origem
europeia dependeu de muitos produtos americanos
como batata, mandioca, milho, tabaco e, inclusive, de
alguns de origem africana como melancias5. Houve
também a “caboclização” de muitos colonos, o que
preocupou aqueles mais germanófilos e que sonhavam
em ver europeizadas as paisagens brasileiras. Mas como
afirmou José Honório Rodrigues, nossa europeização
foi durante muito tempo um “caiamento”6. Mesmo nas
províncias sulinas do Império, onde houve grande
concentração de imigrantes europeus, as paisagens
culturais continham vários elementos americanos,
africanos e asiáticos. Isso porque mãos europeias
também plantavam espécies nativas e outras exóticas
de origem africana ou asiática.
A africanização da paisagem brasileira tem uma
longa história. No Brasil, copiosa vegetália africana
chegou por meio do comércio atlântico. A paisagem
colonial foi desde cedo se africanizando. Para isso, a
permuta alimentar foi decisiva7. A dimensão espacial e
a variação temporal dessas trocas dificultam o estudo
da dispersão de plantas e animais pelo mundo atlântico.
Na segunda metade do século XV, pimentas da Guiné
eram vendidas em Lisboa. No século XVI, pimentas do
Brasil chegaram a Europa, não só por mãos portugue-
sas, mas também francesas. Pimenta-do-reino, pimenta-
malagueta e outras do gênero Capsicum foram
replantadas em várias partes da África e do Brasil. No
século XV, algumas plantas africanas já medravam em
Portugal e não tardou para que elas fossem trazidas para
11
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

os jardins e pátios dos colégios dos padres e em torno


das casas-grande e das senzalas do Brasil colonial. Mas
não eram apenas especiarias que se aclimatavam
alhures. Leguminosas, frutíferas, corcubitáceas,
tubérculos e tantos outros vegetais entraram na
complexa permuta alimentar dos tempos modernos.
Além das propriedades nutritivas que fomentava a
permuta alimentar, havia as propriedades medicinais
de muitas plantas. Em Colóquios dos Simples e Drogas
da Índia (1563), o cristão novo Garcia da Orta coligiu
várias informações sobre as propriedades e usos de
plantas na Índia portuguesa e sobre a dispersão de
algumas delas no Oriente e no Ocidente. Copiosa
documentação quinhentista trata também da introdução
de espécies exóticas no Brasil e, entre elas, muitas vindas
do Índico, algumas já aclimatadas na África atlântica.
Juntamente com as plantas, circulavam também
informações sobre suas propriedades, receitas culinárias
ou formas de preparo para prevenções ou curas de
certas moléstias. Esse conhecimento se divulgava numa
rede intercultural. Assim, por exemplo, na Ilha de Santa
Catarina, um negro liberto curou com ervas e frutos da
região dois tripulantes da expedição de M. Bougainville.
Em sua História Natural da Ilha de Santa Catarina e da
Costa do Brasil (1770), Antoine Joseph Pernetty
comenta que lhe asseguraram que “este negro só havia
se utilizado da goiabeira”8.
Em relação às plantas do Brasil, os africanos não se
valeram apenas do conhecimento adquirido com os
nativos. Segundo suas religiões, tentaram, na medida
do possível, ressacralizar a natureza9. Ervas medicinais
e/ou de importância ritual para cerimônias religiosas
foram trazidas da África. A experiência da agricultura
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Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

tropical dos africanos foi também um fator decisivo para


a expansão e dispersão de plantas de origem africana
no Brasil desde os tempos coloniais. Da economia de
subsistência até a agro-exportadora baseada em
produtos como a cana-de-açúcar ou o café, plantas de
origem africana tiveram supina importância e definiram
a paisagem agrária do Brasil.
Além dos quiabos e dos inhames, os frutos tropicais
foram facilmente disseminados pelo mundo atlântico.
Melancias e bananas eram trazidas da África. Do Brasil
eram levados o amendoim, o caju e o abacaxi. Assim,
não é de estranhar que o holandês Linschoten descreveu
o caju e o ananás já aclimatados na Índia portuguesa
no final do século XVI. De lá também vieram vários
frutos para o Brasil. Aliás, alguns elementos afro-orientais
na paisagem exótica de Salvador da Bahia não
escaparam ao olhar acurado dos viajantes europeus que
visitaram o país10. Bananas, mangos, tamarinos, jacas
e laranjas eram abundantes nos quintais e exalavam
seu perfume pelas ruelas e ladeiras da cidade. Outro
elemento paisagístico do litoral baiano, o coqueiro, teria
vindo da África oriental. Da África ocidental, o quiabo
e algumas espécies de inhames foram trazidos para o
Brasil, bem como a palmeira de dendê.
Escusado lembrar que a população de origem
africana era onipresente na paisagem humana de
Salvador e de outras cidades portuárias do Brasil.
Aquarelas do holandês ver Huell, do francês Debret ou
do alemão Wendroth demonstram, respectivamente, a
presença africana em Salvador, Rio de Janeiro e Rio
Grande.
Atualmente, o inventário de comunidades
remanescentes de quilombos tem demonstrado o quanto
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Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

às paisagens, especialmente rurais, têm “janelas


temporais” que permitem aos estudiosos se deparar
ainda com certas africanidades. Mas a africanização
da paisagem não se limita à presença humana de origem
africana. A africanização da paisagem ocorreu também
pela ação de colonos imigrantes, nativos e mestiços que
introduziram plantas e animais de origem africana em
suas plantações, em seus roçados, em seus jardins, à
beira de suas casas ou às margens de fontes de água ou
em campos de pastagem. Além da introdução de
animais e plantas de origem africana, houve também o
cruzamento de espécies e outras que chegaram já
híbridas.
Essas experiências de aclimatação, cruzamento e
hibridação concorrem para confundir os caminhos da
dispersão biológica tanto no Brasil quanto na África.
No espólio iconográfico do artista batavo Albert Eckhout,
por exemplo, encontram-se entre os ícones de animais
do Brasil, pinturas de lhamas do altiplano andino, de
um elefante africano e caprinos e ovinos da Guiné e de
Angola11. Provavelmente, as lhamas no nordeste brasi-
leiro foram introduzidas pelos espanhóis durante a União
Ibérica. O elefante foi um presente para o Conde
Maurício de Nassau de uma embaixada africana em
visita ao Brasil. Já as cabras e os caprinos, provenientes
na sua maioria de Angola, foram registradas com seus
respectivos nomes (Pagaffa, Cai, Coquo, Mua-
naancoquo, Zombe, Zunu e Ememe). Provavelmente,
esse tipo de cruzamento euro-africano foi feito,
primeiramente, pelos portugueses na África.
Assim como a hibridação de várias espécies de
plantas para rentabilizar a agricultura tropical, o
cruzamento de raças de bovinos, caprinos, ovinos,
14
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

muares e cavalares foi imprescindível à criação de


animais no Brasil desde o período colonial. Em sua
Cultura e Opulência do Brasil (1711), o padre Antonil
já destacava a importância da pecuária para a fazenda
real12.
O comércio de produtos tropicais foi o principal
motivo das trocas bióticas pelos portugueses. O
historiador Warren Dean ressaltou o quanto é interes-
sante acompanhar esse processo de reorganização da
paisagem brasileira e de desenvolvimento de novos
recursos agrícolas via adaptação de espécies silvestres
nativas e via aclimatação de espécies exóticas adap-
tadas13. Com o passar dos séculos, os conhecimentos
técnicos e científicos foram sendo aprimorados e a
aclimatação de muitas plantas só foi possível com o
avanço da botânica, da química e de outras ciências.
A invasão biológica de espécies exóticas, no entanto,
não era uma preocupação dos naturalistas. Algumas
empresas e mesmo alguns governos se preocupavam
com a concorrência e, por isso, buscavam proteger certos
produtos tropicais, proibindo inclusive a venda de
sementes, etc. No Brasil oitocentista, o jardim botânico
do Rio de Janeiro foi o grande responsável pelas diversas
tentativas de aclimatação de espécies exóticas, sendo
que muitas sementes nativas entraram em circulação
na rede internacional dos jardins botânicos e de
aclimatação 14. Isso não impediu que a baunilha, o
cacau, o café e outras espécies vegetais fossem
clandestinamente de um continente para o outro.
Importante lembrar que alguns brasileiros também
tinham missões secretas durante suas viagens de negócio
no exterior. Na viagem do jovem Hipólito José da Costa
Pereira estava, por exemplo, a missão de conhecer
15
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

espécies agrícolas cultivadas nos Estados Unidos e enviar


clandestinamente do México exemplares da planta e do
inseto da cochonilha para serem aclimatados no Brasil15.
Em nosso país, a degredação de vários biomas e
ecossistemas desde os tempos coloniais favoreceu,
contudo, a invasão biológica de animais e plantas. Entre
as espécies exóticas, encontram-se muitas de origem
africana. Cabe salientar que nem toda a espécie exótica
tem potencial para se tornar uma espécie invasora. Uma
série de fatores conjugados é que favorece a invasão
biológica de uma espécie exótica. Assim, algumas
gramíneas de origem africana tem medrado no Brasil
desde o período colonial. Aliás, o jornalista brasileiro
Hipólito José da Costa Pereira aconselhava a introdução
de gramíneas de origem africana para o desenvol-
vimento das pastagens da jovem nação independente16.
Cabe lembrar que gramíneas africanas foram
introduzidas nas últimas décadas para manejo das
pastagens e, posteriormente, foram reconhecidas como
espécies invasoras em biomas como o Cerrado e o
Pampa.
A primeira parte deste livro trata de algumas
gramíneas de origem africana que foram introduzidas
no Brasil. O vulgo capim-gordura (Melinis minutiflora
Beauv.) foi amplamente disseminado por regiões de
bioma Cerrado. Na década de 1940, o capim-gordura
era a forragem mais utilizada na região do Planalto
Central. Sua biomassa combustível favorece, no entanto,
os incêndios durante a estiagem. Nas últimas décadas,
outras gramíneas de origem africana surgiram como
alternativas mais rentáveis ao manejo das pastagens.
Em Santa Catarina, nos arredores da Lagoa de
Sombrio, a disperção da gramínea Brachiaria Radicans,
16
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

também conhecida como tanner-grass ou capim-gabriel,


é outro exemplo de invasão biológica. O alto grau de
nutrientes na água decorrente da degradação do corpo
lacunar potencializa a proliferação desta gramínea de
áreas alagadiças. No Planalto de Santa Catarina, a
africanização da paisagem também se verifica pela
introdução de outras gramíneas de origem africana. No
Rio Grande do Sul, o vulgo capim-annoni (Eragrostis
Plana N.) se tornou uma espécie invasora no bioma
Pampa.
Além das gramíneas, outras plantas de origem
africana foram e ainda são introduzidas no Brasil. Entre
elas, destaca-se a mamona (Ricinus communis L.),
planta oleoginosa originária da África setentrional. A
espécie foi introduzida no Brasil no período colonial e,
hoje, se encontra presente em diferentes biomas no país.
Atualmente, a cultura da mamona está em expansão
devido à política agrícola em prol do biodiesel.
Na história ambiental, uma “invasão” ocorre,
frequentemente, sem alardes. Diferente da “invasão dos
bárbaros” ou de outras invasões dos compêndios de
história, a invasão biológica que trata o presente livro
não foi percebida de chofre pelos humanos. Quando a
invasão biológica de espécies exóticas se torna
perceptível aos humanos, em geral, seu impacto
ambiental já é múltiplo. O reconhecimento tardio da
invasão biológica de espécies exóticas dificulta a
investigação histórica, especialmente da fase inicial
tanto da introdução quanto da dispersão dessas espécies
em biomas hospedeiros.
A segunda parte do livro trata de animais de origem
africana que chegaram ao Brasil no século XX. Alguns
deles são protagonistas de uma silenciosa invasão
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Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

biológica. São coleópteros, insetos e moluscos. Alguns


deles foram introduzidos voluntariamente como, por
exemplo, o besouro africano (Digitonthophagus gazella)
considerado uma “solução ecológica” para combater a
mosca-do-chifre. A dispersão do besouro africano na
região do Pará tem sido favorecida pelas mudanças
antrópicas, especialmente as queimadas da floresta e a
pecuária extensiva. Além do besouro africano, o
caramujo africano (Achatina fulica) foi introduzido
propositadalmente no Brasil. O molusco tem se
espalhado em certas áreas do Brasil. Essa invasão
biológica tem um agravante, pois o caramujo africano
transmite doenças.
Também mosquitos de origem africana dos gêneros
Anopheles e Aede são transmissores de doenças como
a malária e a dengue, respectivamente. Atualmente, esses
mosquitos são encontrados em diversas regiões do
continente americano. Porém, eles têm sua origem na
África e chegaram às terras americanas através da
dispersão antrópica involuntária. Estes insetos
adaptaram-se e reproduziram-se no Brasil, sendo que
muitas áreas se tornaram focos endêmicos. O Aedes
aegypty é o mosquito transmissor tanto do vírus da
dengue quanto da febre amarela. Por sua vez o
Anopheles do subgênero gâmbia foi encontrado no
nordeste no início do século XX. Este que já era
apontado por entomologistas como sendo o principal
vetor da malária em muitas regiões da África, encontrou,
no nordeste brasileiro, condições ambientais ideais para
a sua adaptação e proliferação, alastrando-se
rapidamente e provocando uma grande epidemia de
malária nos Estados do Rio Grande do Norte e Ceará.
Os casos do besouro, do caramujo e dos mosquitos
18
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

de origem africana não esgotam a panóplia de


invertebrados que vieram do continente africano para
o Brasil. Esses exemplos permitem demonstrar como a
história ambiental favorece o estudo da africanização
das paisagens em vários biomas e ecossistemas do
Brasil. A introdução e a dispersão de plantas e animais
de origem africana no Brasil são capítulos de história
ambiental que contribuem para uma nova abordagem
das relações entre o Brasil e a África.

Sílvio Marcus de Souza Corre


Organizador

Notas:
1 Ver PÁDUA, José Augusto. As profecias dos desertos da
Líbia: Conservação da natureza e construção nacional no
pensamento de José Bonifácio. Revista Brasileira de
Ciências Sociais
Sociais, v.15, n.44, p.119-142, outubro/2000.
2 PÁDUA, Op. cit., p.133.
3 CORREA, Sílvio M. de S.; BUBLITZ, Juliana. Ter erra
ra de
Promissão
romissão. Uma introdução à eco-história da colonização
européia do Rio Grande do Sul. Passo Fundo/Santa Cruz
do Sul: Ediupf/Edunisc, 2007.
4 A interpretação da expansão européia pelo historiador da
Universidade do Texas não atenta para as particularidades
das áreas de colonização e imigração europeias na América
Latina a partir do século XIX quando a “biota portátil” dos
europeus teve menos impacto do que aquela trazida durante
a Conquista. CROSBY, Alfred. Imperialismo Ecológico
Ecológico:
A Expansão Biológica da Europa. São Paulo: Companhia
das Letras, 1993.
19
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

5 CORREA, Sílvio M. de S. Africanidades na paisagem


brasileira. Revista Inter thesis
Interthesis
thesis, v. 7, n. 1, p. 96-116, 2010.
6 RODRIGUES, José H. Brasil e ÁfricaÁfrica: outro horizonte.
Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1964.
7 Sobre permutas alimentares afro-brasieliras, ver CASCUDO,
Luís Câmara. História da Alimentação no Brasil.
São Paulo: Global Editora, 2004, p. 218-226.
8 HARO, Martim Afonso P. (org.). Ilha de Santa Catarina.
Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX,
Florianópolis: Editora da UFSC; Ed. Lunardelli, 4ª edição,
1996, p. 105.
9 BASTIDE, Roger. As Religiões Africanas no Brasil.
São Paulo: Pioneira; Edusp, 1971.
10 CORREA, 2010, p. 96-116.
11 Theatrum Rerum Naturalium Brasiliae
Brasiliae. Editora Index,
1993.
12 ANTONIL, José A. Cultura e Opulência do Brasi.
Lisboa: Edições Alfa, 1989.
13 DEAN, Warren. A Botânica e a P olítica Imperial:
Política
Introdução e Adaptação de Plantas no Brasil
Colonial e Imperial. São Paulo: IEA/USP, 1992 (Série
História das Ideologias e Mentalidades, Coleção
Documentos, vol. 1).
14 Ibidem.
15 BUVALOVAS, Thais Helena dos Santos. O Diário da minha
Viagem para Filadélfia: Maçonaria e jornalismo político na
missão de Hipólito José da Costa aos Estados Unidos. Alm.
Braz.
Braz., 2009, n. 9, pp. 103-121.
16 PEREIRA, Hipólito J. da Costa. Diário da minha Viagem
Viagem
para Filadélfia (1798-1799)
(1798-1799). 2ªed. Brasília: Senado
Federal, 2004.
20
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental
21
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Africanizando
a paisagem sulina:
a invasão de uma gramínea exótica

Sílvio Marcus de Souza Correa

A africanização das paisagens brasileiras remonta


aos primórdios da colonização portuguesa. Desde o
século XVI a plasticidade da paisagem colonial foi sendo
modelada com a introdução de numerosas espécies
exóticas. Por séculos não houve preocupação alguma
com a antropização do ambiente tropical pela
agricultura, pecuária, mineração e outras atividades
econômicas. No Brasil, a paisagem humana foi, sem
dúvida, aquela mais africanizada e, sem dúvida, a que
22
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

suscitou maior temor durante a vigência do regime


escravista. Em sua “Memória sobre a necessidade de
abolir a introdução de escravos africanos no Brasil”
(1821), Maciel da Costa alertava em tom racista que o
aumento da população negra levaria, no rodear dos
anos, o Brasil a se confundir com a África 1. José
Bonifácio de Andrada e Silva pleiteou também a
abolição da escravatura e chegou ainda a propor uma
“missão civilizatória” ao império brasileiro em reinos
africanos. Afinal, segundo Andrada e Silva: “Só o Brasil
é quem pode realizar os desejos cosmopolitas que
procuram civilizar a África”2.
A abolição da escravidão e a “missão civilizatória”
que defendiam o ilustre deputado não deixam de ser
um projeto para “desafricanizar” o Brasil e a própria
África. Bem é verdade que havia um partido brasileiro
em Angola e Moçambique que preferia uma
subordinação ao Brasil que a Portugal 3. Afinal, os
traficantes brasileiros, angolanos e moçambicanos
tinham interesses em comum e a independência da
“África portuguesa” ou sua passagem para a órbita
política brasileira parecia mais coerente para seus
negócios do que o domínio português que, sob pressão
inglesa, corroborava a proibição do tráfico de escravos.
Alguns parlamentares brasileiros, no entanto,
defendiam a manutenção do tráfico negreiro sem temer
a africanização do Brasil. O conservador Bernardo
Pereira de Vasconcelos chegou até afirmar que a África
civiliza a América4. Ao Império brasileiro também se
cogitou um quinhão da costa africana sob a forma de
protetorado 5 . Enfim, havia uma tendência em
homogeneizar paisagens no mundo atlântico por meio
das relações afro-brasileiras. Mas a preocupação
23
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

ambiental de Andrada e Silva retomava o espectro da


africanização da paisagem brasileira.
[...] e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes
que favoreçam a vegetação, e alimentem nossas fontes e
rios, sem que o nosso belo Brasil em menos de dois séculos
ficará reduzido aos paramos e desertos áridos da Líbia. Virá
então esse dia (dia terrível e fatal), em que a ultrajada
natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos6.
Passados quase os duzentos anos previstos por
Andrada e Silva, algumas paisagens do Rio Grande do
Sul se africanizaram. As vistosas bananeiras que cobrem
morros próximos ao litoral marítimo, as rústicas
gramíneas que infestam os campos e a desertificação
que aumenta em certas zonas áridas restam obliteradas
pela representação dominante de paisagens culturais
europeizadas do Brasil meridional. Além disso, a
europeização das paisagens rural e urbana do Rio
Grande do Sul e Santa Catarina pode ser também
observada pelos topônimos. Alguns deles, inclusive,
substituindo nomes nativos como a localidade de Butiá
Verde que passou a se chamar Fraiburgo, após a
transformação de sua paisagem, ocorrida pela
substituição de suas araucárias pelas macieiras7.
Na historiografia regional, a europeização das
paisagens do Brasil meridional é um tema que não
suscita muita controversa. Pela propaganda e mídia,
imagens pretensamente europeizadas têm auferido
lucros para os empreendimentos turísticos em áreas de
colonização alemã e italiana no Rio Grande do Sul.
Em prol do desenvolvimento do turismo em algumas
cidades dos estados de Santa Catarina e Rio Grande
do Sul também há um apelo à tradição açoriana. Mas
a tradição açoriana é mais atlântica, tão próxima da
24
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Europa quanto da África.


Assim como a europeização das paisagens para fins
turísticos tem mostrado certa rentabilidade para alguns
municípios, a africanização de algumas paisagens
humanas tem sido orientada no mesmo sentido, ou seja,
para desenvolver uma espécie de turismo cultural que
possa ser uma alternativa de renda para certas
comunidades remanescentes de quilombos no meio
rural. Algumas estâncias no Rio Grande do Sul têm,
igualmente, abertas suas porteiras para o turismo rural.
Neste caso, certas senzalas servem ainda de atrativo,
onde alguns objetos dos tempos da escravidão são
igualmente exibidos.
A africanização dos campos naturais no Rio Grande
do Sul ainda está muito associada à paisagem humana,
ao contingente pretérito de escravos africanos ou às
atuais comunidades remanescentes de quilombos no
meio rural. Porém, a história ambiental pode auxiliar a
história afro-brasileira ao mapear outras paisagens no
Brasil meridional que remetem às paisagens da África
austral.
Já no século XIX, um viajante australiano sentenciou
a dominância da vegetação desértica nos campos do
Rio Grande do Sul, caso o pastoreio intensivo
continuasse. Mais próxima da paisagem australiana, o
deserto da Namíbia ou as savanas da África austral
poderiam se prestar para desenhar cenários futuros em
campos de pastagens degradados, onde, inclusive, a
pecuária contribui para o alastramento da Eragrostis
plana N.. Cabe lembrar que, antes da invasão biológica
dessa planta africana, o autor d’A Fisionomia do Rio
Grande do Sul (1942), o jesuíta Balduíno Rambo,
acreditava que o predomínio da pecuária evitaria certas
25
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

regiões sulinas de perder suas feições nativas8. Rambo


não imaginava que o gado poderia vir a ajudar a
invasão biológica de uma planta exótica que em poucas
décadas já alterou a paisagem dos campos naturais do
Rio Grande do Sul.
Nas últimas duas décadas, a fitogeografia das
pastagens naturais no Rio Grande do Sul tem passado
por profundas alterações. Entre elas, destaca-se a
dominância de uma gramínea de origem africana. A
Eragrostis plana Nees é uma gramínea de origem
africana que tem se adaptado muito bem aos campos
do Brasil meridional. No passado recente, ela já foi
considerada uma boa alternativa para o manejo das
pastagens. Hoje, no entanto, trata-se de uma invasão
biológica do bioma pampa. Agrônomos, biólogos,
engenheiros e técnicos agrícolas têm desenvolvido
pesquisas sobre essa planta exótica, mais conhecida
no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina pelo nome
de capim-annoni.
Se de um lado, o capim-annoni é completamente
desconhecido no campo da história social, por outro, a
Fazenda Annoni se tornou uma referência na história
dos movimentos sociais no Brasil. Em 1985, essa
fazenda foi ocupada, pelo Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem-Terra (MST), depois desapropriada pelo
governo federal e serviu para o assentamento de
centenas de famílias de agricultores. Era o início da
reforma agrária no sul do país tão reivindicada pelos
trabalhadores rurais sem terra desde os tempos da
ditadura. Mas o que a Fazenda Annoni pode conter para
uma história ambiental de uma invasão biológica?
O nome dessa fazenda se deve ao capim-annoni que
abundava em seus campos e que, por sua vez, foi assim
26
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

denominado por causa do proprietário rural Ernesto


José Annoni, grande entusiasta no Rio Grande do Sul
da produção e venda da gramínea africana Eragrostis
plana N.. Como essa planta exótica chegou ao Sul do
país, encontrou condições para se alastrar africanizando
aquelas paisagens campestres e contribuiu indireta-
mente para uma grande vitória do movimento social
dos agricultores sem-terra é o que será apresentado a
seguir.

Preâmbulos à invasão biológica da Eragrostis


plana Nees
A invasão biológica de plantas exóticas pode ser
considerada como uma das maiores ameaças à
biodiversidade9. A degradação de biomas e ecossis-
temas pela intervenção humana pode favorecer a
dominância de algumas plantas exóticas em detrimento
das nativas10. Muitas paisagens brasileiras atuais têm
espécies de origem afro-asiática como as mangueiras
indianas ou as bananeiras africanas. A cana-de-açúcar
foi trazida do Oriente, adaptada em São Thomé e
introduzida no bioma do massapé do nordeste brasileiro
e logo depois se espalhado por outros biomas do norte
ao sul do Brasil11. Também os coqueiros que embelezam
as praias do nordeste brasileiro têm origem afro-asiática.
Para a história afro-brasileira, por exemplo, “os
portugueses foram agentes distribuidores de espécies
alimentares com surpreendente eficiência.” De suas
mais longínquas possessões ultramarinas traziam
sementes, raízes, “mudas”, bulbos, etc.12. A ideia era
plantar tudo que lhes interessava em áreas atlânticas
27
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

mais próximas de Portugal. Suas possessões insulares


no Atlântico e nas costas da África ocidental e da
América portuguesa foram verdadeiros laboratórios
tropicais para a realização de experimentos, especial-
mente de espécies recolhidas no Oriente. Evidentemente,
o controle fito-sanitário era de acordo com o
conhecimento botânico e zoológico que se tinha. De
algumas espécies, inclusive, não era recomendado o seu
cultivo por suas toxinas ou por transmitir febres,
moléstias, etc.13.
Mas o mundo luso-tropical foi, igualmente, de trocas
de micro-organismos. Além das espécies exóticas que
foram distribuídas pelas redes mercantes, vírus e
bactérias invadiram novos ecossistemas na carona dos
portugueses. A contaminação microbiológica teve
grande impacto tanto na África quanto no Brasil. As
epidemias de varíola, febre amarela, tuberculose,
malária, entre outras, fazem parte da história do mundo
atlântico14.
Viabilizada pela ação humana, a introdução de
copiosa animália e plantas em novos ecossistemas foi,
em geral, realizada com objetivo econômico, mercantil.
A costa brasileira pode ser o melhor exemplo desse
empreendimento colonizador que identifica um bioma
ou ecossistema para nele desenvolver espécies nativas
ou exóticas altamente rentáveis. Na Mata Atlântica,
houve diversas alterações ecológicas15. Algumas delas
decorreram da modificação dos parâmetros de
colonização. Em termos de ecologia humana, houve a
substituição paulatina dos ameríndios pelos africanos.
Isso permitiu que os ecossistemas naturais fossem
alterados em função das atividades econômicas sob a
ordem do escravismo colonial 16 . A colonização
28
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

portuguesa provocou também a exaustão do


extrativismo do pau-brasil. Desenvolveu a agricultura
canavieira em seu lugar. Na América portuguesa, além
de culturas agro-exportadoras, surgiu um novo sistema
alimentar que combinou bananas e mandioca17.
No Brasil de então, o impacto ambiental de uma
invasão biológica sempre foi subestimado ou mesmo
desconhecido. Mesmo aqueles com preocupações
ambientais como José Bonifácio de Andrada e Silva,
eram entusiastas da aclimatação de certas plantas
exóticas. Para sua idealizada colônia de pretos em Santo
Amaro, por exemplo, Andrada e Silva pensava em
cultivar pastos artificiais a partir da importação de
sementes de feno, trevo e lucerna18. Em sua viagem pelo
Rio Grande do Sul (1820-21), o botânico francês
Auguste Saint-Hillaire comentou sobre a invasão
biológica de plantas nocivas à triticultura.
Disseram-me haver duas plantas muito nocivas às culturas
do trigo, nascendo no meio das plantações e abafando os
vegetais; uma tem o nome de joio, e segundo me informaram,
deve ser uma gramínea; a outra, denominada Calamus,
não é outra coisa senão a aveia comum. Esta é de tão
difícil extermínio, que, mesmo depois de transformado em
capoeira um terreno de trigal, derrubada e queimada a
capoeira e feita nova cultura com sementes puras, a aveia
reaparece em abundância19.
Mas com o avanço da microbiologia desde o final
do século XIX, cresceu a vigilância sanitária e fito-sani-
tária em relação à circulação de animais e plantas. O
poder de adaptação evolutiva de microorganismos, como
vírus ou bactérias, em novos animais hospedeiros ou
ambientes receptores obriga, atualmente, cientistas ao
estudo, observação, controle e vigilância permanentes.
As plantas exóticas também se adaptam algumas
29
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

melhores que outras e a sua hibridação pode vir de


encontro á interesses econômicos, à segurança alimentar
ou à sustentabilidade de um ecossistema.
No meio rural do Brasil meridional, algumas plantas
exóticas são altamente rentáveis e seu impacto
ambiental é minimizado pelo lobby de agricultores ou
pecuaristas. Já outras comprometem a rentabilidade das
atividades extrativas, agrícolas e/ou ligadas à pecuária.
Disso decorre um problema de avaliação do impacto
ambiental de certas plantas exóticas, pois, geralmente,
alguns laudos técnicos consideram nocivas ou daninhas
apenas aquelas plantas que prejudicam a rentabilidade
dos negócios agro-pecuários20.
Numa perspectiva em história ambiental, a invasão
biológica de espécies exóticas pode ser estudada
independentemente do que ela representa em termos
econômicos. No entanto, a história ambiental tem
mostrado muito mais as incalculáveis perdas nos
processos de destruição ambiental do que seus ganhos21.
No caso da herbácea Eragrostis plana Nees, que
desde as últimas décadas tem sido considerada uma
praga nas pastagens do Rio Grande do Sul, o seu dano
ambiental pode ser exagerado em função dos prejuízos
econômicos que ela causa à pecuária. Lembrando que
os africanos extraíam uma fibra desta planta e da qual
produziam vestimentas e utensílios. A atual invasão de
tecidos sintéticos made in China inibe, provavelmente,
um aproveitamento econômico do capim-annoni no Sul
do Brasil. Mas o Rio Grande do Sul também já teve
produção de outro vegetal exótico no final do século
XVIII e início do século XIX e centenas de escravos
africanos e crioulos produziam fibras dessa planta na
Fazenda Real do Linho Cânhamo. A proibição do
30
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

plantio da maconha também inibiu outra forma de


rentabilidade do linho cânhamo. Além disso, a indústria
têxtil tem usado mais fios sintéticos do que fibras
naturais. Esses exemplos demonstram, portanto, que a
rentabilidade de uma planta exótica é muito relativa.
Nos últimos anos, o lobby dos pecuaristas tem
contribuído para uma imagem negativa dessa planta
exótica que invadiu os campos do Rio Grande do Sul.
Muitos pesquisadores e técnicos têm, inclusive, adotado
posições pró-pecuaristas e se esforçado na busca de
meios nem sempre ecológicos para combater esse
invasor. Ao mesmo tempo em que proprietários rurais,
técnicos e engenheiros agrícolas, agrônomos e outros
atores de instituições públicas ou não-governamentais
reúnem esforços para combater o capim-annoni, há um
lobby muito grande junto ao governo do Rio Grande do
Sul para autorizar e promover a invasão biológica de
eucaliptos como uma alternativa econômica para as
regiões tradicionalmente pecuaristas da metade Sul do
estado22. Nota-se, portanto, que a invasão biológica nem
sempre é vista como danosa. Por pressões políticas e/
ou econômicas, alguns laudos técnicos sobre impacto
ambiental de uma invasão biológica podem ter sua
objetividade comprometida.
Alguns pesquisadores chegam a chamar o processo
de invasão biológica de contaminação biológica. Neste
caso, há implicitamente a ideia de patologia. A contami-
nação biológica se refere aos danos causados por
espécies alienígenas a um dado bioma ou ecossistema.
As plantas exóticas podem, no entanto, se adaptar e
provocar mudanças no novo meio sem, necessaria-
mente, causar danos ambientais e/ou econômicos23.
A invasão biológica da Eragrostis plana N. não se
31
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

limita apenas aos campos do Brasil meridional. No


entanto, outros biomas parecem dispor de defesas que
inibem sua proliferação. Isso não significa que outras
gramíneas de origem africana não estejam presentes
em outras paisagens brasileiras. No sul do Brasil, o
capim-elefante já é a principal forrageira em regiões de
vales24. Em outras regiões brasileiras como o Cerrado
predomina o capim-búfalo (Cenchrus ciliaris). Há
também o capim-guiné. Talvez a mais antiga gramínea
africana na paisagem brasileira seja o capim-angola
que se adaptou bem em áreas ribeirinhas, embora não
suporte alta pressão de pastejo. Provavelmente, o
capim-angola ou capim-bengo foi introduzido pela
Companhia das Índias Ocidentais quando os holandeses
ocuparam o nordeste brasileiro25. Sua adaptação e
expansão pela Mata Atlântica foram favorecidos pela
degradação do bioma pela monocultura de outra planta
exótica, a cana-de-açúcar.

Da suscetibilidade dos campos à invasão


biológica
Alguns ecossistemas podem ser mais suscetíveis à
invasão biológica do que outros. A suscetibilidade de
um ecossistema pode depender do grau de sua
biodiversidade. A redução da biodiversidade pode
facilitar a invasão se espécies exóticas vierem a preen-
cher certas funções ecológicas26. No caso de plantas
exóticas, um fator que pode favorecer sua invasão é a
“vantagem competitiva” com relação a espécies nativas
pela falta de parasitas ou concorrentes naturais. Cabe
salientar que o grau de alteração de um ecossistema
pode também favorecer o potencial de dispersão e
32
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

estabelecimento de plantas exóticas. O manejo radical


dos ecossistemas, como o desmatamento ou as
queimadas para preparo da terra para a agricultura e/
ou pecuária e o sobrepastoreio, contribui para a redução
da biodiversidade e fragiliza o ambiente.
Em geral, os campos abertos são suscetíveis à
invasão biológica. No caso de plantas exóticas, a
similaridade de ambientes climáticos à sua região de
origem facilita a adaptação; além de fatores externos
que viabilizam a invasão, há também fatores internos
como a alelopatia de plantas exóticas, ou seja, a
produção de toxinas biológicas que impedem o
crescimento de plantas de outras espécies nas
imediações onde a invasora se instala. Cabe salientar
que a invasão biológica de espécies exóticas tende a
produzir alterações nas cadeias tróficas, bem como na
reprodução ecológica da flora nativa e no desempenho
de funções de espécies num dado ecossistema. A
densidade de espécies, o acúmulo ou distribuição de
biomassa, o porte da vegetação, as taxas de
decomposição, os processos evolutivos e as relações
entre polinizadores e plantas num ecossistema podem
ser alterados pela invasão biológica.
No Brasil, o Pampa é um bioma que se encontra
apenas no Rio Grande do Sul. Parte desse bioma
também se encontra no Uruguai e na Argentina.
Segundo o Mapa de Biomas do Brasil, do IBGE, o
Pampa representa pouco mais de dois por cento do
território nacional. Entre outros ecossistemas do pampa,
têm-se os campos27. Cabe ressaltar que o Rio Grande
do Sul tem cerca de 10 milhões de hectares de pastagens
naturais, ou seja, 37% de seu território. Nesses campos,
as gramíneas nativas já foram de grande diversidade28.
33
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Na vasta região do pampa, seus campos naturais


serviram desde o século XVIII para a invasão biológica
do gado introduzido pelos ibéricos. Por muitas décadas,
as vacarias Del Mar e dos Pinhais atraíram tropeiros e
changadores. Depois surgiram as estâncias com seus
escravos africanos e tropas de gado. A introdução e a
reprodução natural do gado alteraram o ecossistema e
muitas sementes de plantas nativas pegaram carona com
o gado e se expandiram pelas regiões de transumância.
Outras tiveram sua área reduzida pelo pisoteio do gado
ou pastejo intensivo. Isso pode ter sido agravado com a
Lei de Terras de 1850, pois o cercamento dos campos
concorreu, provavelmente, para a perturbação do bioma
campos por meio de uma elevada lotação do gado,
pisoteio constante ou pastoreio intensivo.
A cadeia alimentar também foi alterada com a
presença de gado muar, cavalar e vacum. As onças
tiveram novas presas nos campos o que facilitava a vida
de presas naturais como a ema, a anta, o veado
campeiro e a capivara29. Mas faltam estudos em história
ambiental sobre o impacto da introdução do gado nos
ecossistemas do Brasil meridional. Por isso, pouco se
pode ainda dizer sobre uma correlação entre a invasão
do gado e a redução da biodiversidade nos campos
naturais do Rio Grande do Sul.
Se a maior suscetibilidade dos campos à invasão
biológica estiver relacionada com a redução da
biodiversidade e/ou com a degradação do solo pelo
pisoteio excessivo do gado ou pelo pastoreio intensivo,
então, a dispersão do capim-annoni pode ter sido
favorecida pela alteração provocada pela invasão da
animália exótica à época da colonização europeia e da
posterior atividade pecuária nos campos do Rio Grande
34
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

do Sul. Mesmo que a gramínea africana se encontre em


outros ecossistemas do Brasil meridional, em áreas de
mata ou altas e frias como da região de Cambará do
Sul ela não predomina como nos campos.
Na África austral, a herbácea Eragrostis plana N.
compete com outras gramíneas em certas áreas de
savanas. No sudoeste africano, as condições ecológicas
das savanas e do deserto têm limitado a sua expansão.
Outros biomas e ecossistemas inibem a dominância
desse capim. Além disso, os pastores nômades lograram
por muito tempo evitar um maior desgaste das savanas.
No entanto, a colonização holandesa na África austral
provocou grande perturbação em alguns biomas. A
ocupação de vastos territórios pelos colonos brancos
obrigou alguns grupos de pastores nômades a buscar novas
terras, adentrando assim outros ecossistemas com o seu
gado. As sementes da Eragrostis plana N. se deslocaram
no rúmen do gado e germinaram no esterco. Mas seu
impacto ambiental foi reduzido pelas condições climáticas
e pela concorrência com outros vegetais nativos.
Na África austral, a competição ecológica pelos
recursos naturais cada vez mais reduzidos devido à
colonização holandesa redundou em conflitos étnicos
entre pastores nativos. Em termos de ecologia humana,
houve também contágios que abalaram a reprodução
biológica de autóctones e de alóctones. O tifo prostrou
um grande número de Namas por volta de 1666. Em
1715, a epidemia de varíola deve ter causado enorme
mortandade entre os Cóis e os Holandeses, pois ela
ceifou a vida de ¼ da população da Cidade do Cabo30.
Na Namíbia, grupos de pastores nômades como os
Hereros e Namas também viram chegar novos grupos
expulsos de suas terras pelos colonizadores europeus
35
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

ou pelos seus descendentes, os Boers. A colonização


alemã do sudoeste africano promoveu uma guerra sans
merci contra Hereros e Namas entre 1904 e 1907. Alguns
dos sobreviventes se refugiaram em regiões sob
protetorado inglês. Seus rebanhos atravessaram a
fronteira, provavelmente, com passageiros clandestinos:
as sementes de gramíneas.
Se a expansão biológica dessa gramínea foi no
sentido da África do Sul para o Sudoeste africano ou
vice-versa é tema para controversas. Em ambas as
regiões, os grupos de pastores nômades dividiram as
vastas áreas de savanas ou mesmo desérticas com
caçadores e coletores por milhares de anos. Desde o
século XVII, no entanto, os colonos holandeses e, poste-
riormente, os Boers, contribuíram para a perturbação
daqueles biomas e ecossistemas por meio de uma
pecuária menos itinerante do que aquela dos pastores
nômades. A partir do século XIX, a colonização inglesa
provocou novas alterações ecológicas mesmo que
indiretas ao incitar o Grande Treck dos Boers sobre
territórios de grupos autóctones. No final do século XIX,
a colonização alemã da atual Namíbia forçou igualmente
o deslocamento de grupos de pastores nômades para
outras regiões. O impacto ambiental do colonialismo
sobre a fitogeografia da África austral ainda necessita
de maiores estudos.

A entrada das primeiras sementes da África


austral no Brasil meridional
De acordo com a bibliografia, a Eragrostis plana Nees
chegou à Estação Experimental de Tupanciretã da
Secretaria da Agricultura do RS, quando lotes de outra
36
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

semente sul-africana (Chloris gayana Kunth) foram


importados da África do Sul em meados do século XX31.
O novo capim na paisagem foi logo observado pelo
fazendeiro Ernesto José Annoni. A Eragrostis plana N.
é uma planta cespitosa, de altura média de meio metro.
Sua parte aérea e sistema radicular são muito resistentes
à tração mecânica, sendo difícil arrancar as touceiras.
Esse capim é muito rústico, com grande resistência em
solos pobres e ácidos. Nessas condições, tende a
dominar outras espécies. Por efeito alelopático, outras
gramíneas têm sua germinação inibida. Apresenta
sistema radicular ramificado e profundo; por isso,
suporta bem os períodos de seca. As touceiras guardam
pequenas distâncias entre si. Suas sementes são
formadas em grande quantidade. Uma planta adulta
pode produzir milhares de sementes com poder germi-
nativo conservado por vários anos. A digestão bovina
não altera as sementes. Por isso, o gado se torna um
dos principais responsáveis pela disseminação da
Eragrostis plana N.
Além de Ernesto José Annoni, a Secretaria da
Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul também
se interessou por forrageiras estrangeiras que poderiam
enriquecer a dieta alimentar do gado32. Sementes foram
importadas da África austral para o Brasil meridional.
Uma nova conexão entre o Brasil e a África foi
estabelecida. Foram importados lotes de sementes de
capim-de-rhodes (Chloris gayana K.) e capim-chorão
(Eragrostis curvula N.). Essas forrageiras predominavam
em certos tipos de savanas, especialmente em regiões
de solos áridos como o sudoeste africano. Mas
misturadas as sementes importadas, vieram sementes
da Eragrostis plana N. Uma parte do estoque foi para a
37
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Estação Experimental de Tupanciretã, entre a região


central e o planalto médio do estado. O restante das se-
mentes foi para a Estação Experimental de Uruguaiana,
na fronteira oeste.
Mas nenhuma documentação oficial comprova a
discriminação das espécies importadas. Isso significa
que a Secretaria da Agricultura não tinha nenhuma
informação sobre o eventual impacto ambiental seja do
capim-rhodes, do capim-chorão ou daquele que ficaria
conhecido como capim-annoni. Geralmente, os
agrônomos ou técnicos e engenheiros agrícolas ligados
às instituições públicas como FEPAGRO, EMATER ou
EMPRAPA repetem em uníssono que as sementes da
Eragrostis plana N. chegaram acidentalmente nos
campos do Rio Grande do Sul. Isso serve como um álibi
para isentar o poder público da responsabilidade pela
invasão biológica dessa planta exótica nos campos
naturais do estado. Nenhum estudo averiguou, todavia,
como foi realizada a importação dessas sementes pela
Secretaria da Agricultura no final da década de 1950.
No final dos anos 50, inicia o processo de
descolonização da África. A África austral, todavia, resta
dominada pelo poder branco. A atual Namíbia estava
sob influência política da África do Sul. Dessa região
africana, são exportadas várias sementes. Algumas delas
chegam à Argentina e ao Brasil. Em Angola, os
portugueses mantêm seu poder colonial e logram
exportar para a Alemanha mais de 20.000 toneladas
de mandioca para servir de forragem33. No norte da
África, a Argélia sob domínio francês desenvolveu a
viticultura com videiras exóticas. Algumas delas foram
exportadas para o Brasil meridional. Também mudas
de macieiras chegaram clandestinamente ao país. Em
38
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

breve, Santa Catarina seria o primeiro estado brasileiro


a ter um pomar experimental de frutas de clima
temperado, a partir da experiência argelina34.
O período pós-colonial não comprometeu o
intercâmbio entre países da África e da América Latina.
Em termos acadêmicos, houve, inclusive, uma grande
recepção da teoria da dependência nos emergentes
círculos intelectuais africanos35. No plano econômico,
os países em desenvolvimento apresentavam problemas
estruturais comuns. A industrialização parecia ser um
imperativo ao crescimento econômico, mas a
modernização da agricultura e da pecuária também era
visada por “políticas desenvolvimentistas” em alguns
países latino-americanos e africanos. Brasil, Argentina,
África do Sul e Namíbia (essa última ainda sob domínio
da república sul-africana) tinham uma pecuária
tradicional, mas também uma pecuária moderna que
inovava não apenas com a importação de raças bovinas,
mas também com o manejo das pastagens. No Rio Grande
do Sul, desde a República Velha o governo autorizou a
importação de novas raças, estimulou a vinda de
frigoríficos e subsidiou pesquisas agronômicas,
notadamente sobre o manejo de biomas como os
campos naturais ou as dunas do litoral marítimo.
Em meados do século XX, as condições climáticas
similares entre o Brasil meridional, a Argentina e a África
Austral devem ter pesado na importação de sementes
africanas. A similaridade do clima e das paisagens
campestres era propícia para a adaptação do capim
africano nos campos do Brasil meridional e da
Argentina. Porém, faltaram algumas variáveis para o
cálculo da rentabilidade deste agro business.
Segundo as informações obtidas em entrevistas, é
39
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

plausível que o governo Meneghetti tenha chancelado a


importação de sementes africanas sem fazer maiores
estudos sobre o impacto ambiental de sua invasão
biológica no bioma hospedeiro. Também não se levou
em consideração a relação histórica de pastores
nômades sul-africanos com a savana repleta dessas
gramíneas36. A experiência argentina parecia confirmar
o sucesso daquele capim nas pastagens e para a
engorda da ganadería. Possivelmente, o gado argentino
também foi responsável pela “contaminação” dos
campos do Rio Grande do Sul ao passar a fronteira
sem quarentena. A negligência sanitária ou mesmo o
contrabando poderiam ter facilitado a invasão biológica
dessa gramínea africana.
Das estações experimentais e das carreteiras que se
tornaram sementeiras, houve um alastramento
incontrolável. Além disso, houve a comercialização de
suas sementes pelo Grupo Rural Annoni, de Sarandi
(RS). Em 1974 a gramínea africana ocupava quase 20
mil hectares no Rio Grande do Sul. Hoje, as estimativas
ficam entre 500 mil a um milhão de hectares invadidos
por ela. Alguns estimam que a área de pastagem nativa
invadida no Rio Grande do Sul seja superior a um
milhão de hectares37.

Os prejuízos da pecuária causados pela


gramínea invasora
O capim-annoni tem causado grandes perdas na
pecuária do Brasil meridional. Considerado como um
ganho à paisagem ecológica dos campos naturais em
meados do século XX, nas últimas décadas ele se tornou
o grande vilão da pecuária extensiva. Pela portaria n.
40
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

205 de 13 de março de 1979, o Ministério da Agricultura


proibiu a comercialização, o transporte, a importação
e exportação de suas sementes e mudas. A proibição
teve por base alguns relatórios técnicos que apontavam
para o baixo valor forrageiro e o baixo grau de
palatabilidade daquele capim.
Além de seu baixo teor nutritivo, essa gramínea
africana é muito fibrosa e por ficar presa entre os dentes
dos ruminantes causa inflamação da gengiva o que pode
levar a perda precoce da dentição. Sem dentes, os
ruminantes têm dificuldades em pastar e o engorde do
gado fica comprometido.
A abertura de estradas vicinais e a grande circulação
de gado em pé favoreceram a disseminação de sementes
do capim e sua proliferação pelos campos. Pelo processo
de alelopatia, o capim de origem africana tem eliminado
gramíneas nativas como o capim-caninha. Nos últimos
anos, os longos períodos de estiagem favorecem a
expansão do capim-annoni pelos campos do Rio
Grande do Sul.
As estimativas sobre a superfície das áreas invadidas
pela gramínea africana variam de 500 mil a um milhão
de hectares no Rio Grande do Sul. Com base no cálculo
sobre 500 mil hectares e que em cada hectare se produz
em média 50 quilos de carne, com um boi vivo ao custo
de R$ 1,50 o quilo, pode ser estimada em R$ 37.500
milhões a perda anual com esse invasor dos campos.
Para 2008, alguns pesquisadores chegaram a prever
uma invasão de mais de dois milhões de hectares, o
que representa 20% dos campos nativos do RS38.

Uma guerra biológica contra a Eragrotis plana


41
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Nees
A guerra biológica contra o invasor africano é recente.
Práticas tradicionais como de alta lotação do gado (com
três bovinos por hectare), rotação de culturas e plantio
de outras gramíneas não deram resultados satisfatórios.
Tampouco o uso de herbicidas como Roundup ou outros
agrotóxicos inibiu a proliferação da gramínea africana.
Algumas pesquisas como da equipe da EMBRAPA
em Bagé (RS) têm logrado alguns resultados
animadores. O agrônomo especialista em plantas
forrageiras e pesquisador da EMBRAPA, Klecius E.
Gomes descobriu um fungo de solo chamado rizoctone
que provoca clorose numa planta (Pennicetum
clandestinum) com características semelhantes ao
capim-annoni. Resta ainda realizar novos testes e
comprovar cientificamente a eficiência deste controle
ecológico.
O agrônomo da FEPAGRO de Uruguaiana (RS),
Djair José Tomazzi, avalia como a melhor alternativa
encontrada até o momento a implantação do sistema
silvo-pastoril. Por meio deste sistema se faz a integração
entre pastagem, criação de gado e plantação de
eucaliptos. Após três anos adotando esse sistema na
estação experimental de Uruguaiana, houve uma
diminuição da incidência de capim-annoni de 70%.
Para o engenheiro agrônomo Renato Borges de
Medeiros (UFRGS) e o ecólogo Telmo Focht (UFRGS),
a prevenção é a melhor estratégica contra a invasão de
plantas exóticas como a Eragrostis plana N 39 . O
problema maior talvez seja a imprevisibilidade das
respostas evolutivas das plantas aos recursos disponíveis
no bioma hospedeiro. O aumento da diversidade das
42
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

invasoras em áreas de campo exige um desenvolvimento


contínuo de técnicas de manejo e de controle; porém, o
alto grau de adaptação das plantas invasoras a uma
alta pressão de seleção e aos herbicidas as torna mais
resistentes. Se essa guerra biológica ainda não foi
definida, a gramínea africana está em franca vantagem.
Algumas gramíneas alienígenas como a Brachiaria
humidicola já mostrou ser uma grande concorrente e,
por conseguinte, inibidora da germinação da Eragrostis
plana N.; porém, o seu cultivo poderia redundar numa
nova invasão biológica40. Enfim, a guerra biológica em
curso pode ser mais um capítulo de história ambiental,
pois ela tem tratado dos primórdios de certas alterações
nos biomas ou nos ecossistemas do Novo Mundo ou de
impactos ambientais causados pela colonização
europeia.

Uma conquista social com a ajuda de um


“vilão” ambiental
Em 1985, a Fazenda Annoni foi ocupada por mais
de mil famílias de agricultores do Movimento Sem-Terra.
Considerada improdutiva, os ocupantes pediam a
desapropriação daquela fazenda. A base legal dessa
reivindicação seria ainda assegurada pela nova
constituição, promulgada em 1988. O debate pela
desapropriação da Fazenda Annoni e os efetivos
assentamentos (onde vivem, atualmente, um pouco mais
de 300 famílias), foram considerados um marco da
atuação do MST no Rio Grande do Sul e, mais tarde,
em todo o Brasil.
Mas o golpe fatal à Fazenda Annoni foi a portaria n.
43
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

205, de 13 de março de 1979, pela qual o Ministério da


Agricultura proibiu a comercialização, o transporte, a
importação e exportação de sementes e mudas do
capim-annoni. O Grupo Rural Annoni assistiu, então,
a morte de sua “galinha dos ovos de ouro”.
Em 1985, a abertura democrática no Brasil trazia
em seu bojo a esperança da reforma agrária para muitos
trabalhadores rurais sem terra. No norte do estado do
Rio Grande do Sul a tensão social no campo era grande.
A improdutividade da Fazenda Annoni foi, então, um
argumento para a ocupação daquela propriedade. Por
lá começou a reforma agrária no Sul do Brasil nos
primeiros anos da redemocratização do país.
Dos assentamentos emergiu, igualmente, uma nova
força política dos pequenos agricultores que
desempenhou um papel importante para a emancipação
de Pontão (RS). Em 1996, este foi o primeiro município
brasileiro a ter um prefeito “assentado”. Nelson José
Grasselli foi ainda reeleito em 2000. Se o capim-annoni
alterou aquela paisagem campestre, o MST provocou
também mudanças nas relações de poder e na
geopolítica dos municípios daquela região. Para o novo
município de Pontão foram residir muitas famílias que
haviam participado da ocupação da Fazenda Annoni.
Atualmente, culturas de milho, soja e trigo compõem
a paisagem rural da antiga Fazenda Annoni. Há ainda
outras influências da diversificação que se operou após
a reforma agrária, como, por exemplo, a horticultura, a
fruticultura, a suinocultura e a pecuária. Cabe lembrar
que o governo federal concedeu uma indenização
milionária à família ex-proprietária da Fazenda Annoni.
Pelo valor da indenização muito acima do preço de
mercado, constata-se que as touceiras de capim-annoni
44
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

não foram levadas em conta pela perícia do INCRA.

Considerações finais

Historiadores, agrônomos, biólogos, ecologistas,


técnicos e engenheiros florestais ou agrícolas podem
compartilhar e defender muitas ideias em comum. Mas
no caso da invasão biológica do capim-annoni, há um
ponto de colisão. Para a história dos movimentos sociais
no Brasil, a ocupação e a desapropriação da Fazenda
Annoni e, posteriormente, o assentamento de famílias
de agricultores representam uma das primeiras
conquistas dos trabalhadores rurais à época da
redemocratização do país. Nesse sentido, a constatação
da improdutividade daquelas terras do Grupo Rural
Annoni, em Sarandi (RS), teve relação com a proibição
da comercialização da Eragrostis plana N. Diante das
dificuldades de desenvolver a pecuária naqueles campos
infestados de capim-annoni, a família proprietária foi
negligente com a produtividade da fazenda. A
quantidade da planta invasora naqueles campos acabou
favorecendo outra ocupação: a de famílias de
agricultores sem-terra. Pelo que a Fazenda Annoni
representa para a história do Brasil contemporâneo e
pelo impacto da invasão biológica da Eragrostis plana
N., será difícil chegar a um consenso entre aqueles que
por esse capim africano se interessam.
O estudo da invasão biológica da Eragrostis plana
N. favorece também a reflexão histórica sobre a matriz
econômica de uma região tradicionalmente atrelada à
pecuária. Ao mesmo tempo, ele acusa uma
“globalização ambiental” das paisagens. Pelas
substâncias fito-tóxicas, a gramínea africana inibe a
45
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

germinação de outras forrageiras. Isso reduz a


biodiversidade e homogeneíza a paisagem.
A africanização da paisagem rural no Brasil sempre
esteve associada à paisagem humana, ao contingente
de escravos africanos ou às comunidades
remanescentes de quilombos no meio rural. Porém, a
história ambiental pode auxiliar a mapear outras
paisagens afro-brasileiras.

Notas:
1 COSTA apud PÁDUA, J. A. Um sopro de destruição destruição.
Pensamento Político e Crítica Ambiental no Brasil Escravista
(1786-1888). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, p.
124-125.
2 ANDRADA E SILVA, José Bonifácio de. Projetos para o
Brasil (organização de textos por Miriam Dolhnikoff), São
Paulo: Companhia das Letras/Folha de São Paulo, 2000,
p. 43.
3 SILVA, Alberto da Costa. Um Rio Chamado A tlântico
Atlântico
tlântico.
A África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro:
Editora Nova Fronteira, 2003, p. 12; CAPELA, José. O
escravismo colonial em Moçambique
Moçambique. Porto: Edições
Afrontamento, 1993, p. 204-205; RODRIGUES, José H.
Brasil e África
África: outro horizonte. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1961, p. 129-132.
4 VASCONCELOS, Bernardo P. A África civiliza a
América
América. Discurso no Senado, em 25 de abril de 1843.
5 PRADO, J.F. de Almeida. A Bahia e suas relações como
Daomé. In: O Brasil e o colonialismo europeu
europeu. São
Paulo: Companhia Editora Nacional (Brasiliana), 1956, p.
183.
6 SILVA, José B. Andrada e, Op. Cit., p.40-41.
7 NODARI, Eunice S.; KLANOVICZ, Jó, NODARI, Eunice
S.; KLANOVICZ, Jó. Das Araucárias às Macieiras
Macieiras:
46
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Transformações da paisagem em Fraiburgo – Santa


Catarina. Florianópolis: Editora Insular, 2005, p. 36.
8 RAMBO, Balduíno. A fisionomia do Rio Grande do
Sul
Sul. 2 ed. São Leopoldo: Unisinos, 2000, p. 436-437.
9 ZILLER, S.R. A Estepe Gramíneo-
Gramíneo-L L enhosa no
segundo planalto do P araná
Paraná
araná: diagnóstico ambiental
com enfoque à contaminação biológica. Curitiba: UFPR,
2000. 268 f. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do
Paraná. Curitiba, 2000.
10 Sobre a intervenção humana em ecossistemas enquanto
pré-condição à invasão biológica de plantas exóticas, Cf.
BINGGELLI, P. The human dimensions of invasive
woody plants. (http://members.tripod.co.uk/WoodyPlant
Ecology); RADOSEVICH, S. R.; STUBBS, M. M.;
GHERSA, C. M. “Plant Invasions: Process and Patterns,
Weed Science. Lawrence, n. 51, p. 254-259, 2003.
11 Sobre a paisagem canavieira no massapé nordestino, cf.
FREYRE, Gilberto. Nordeste. Aspectos da Influência da
Cana sobre a Vida e a Paisagem do Nordeste do Brasil. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1937.
12 CASCUDO, L. Câmara. História da Alimentação no
Brasil. São Paulo: Global Editora, 2004, p. 218.
13 HENRIQUES, Isabel C.; MARGARIDO, Alfredo. Plantas
e Conhecimento do Mundo nos Séculos XV e XVI.
Lisboa: Alfa, 1989, p. 138.
14 UJVARI, Stefan Cunha. A história da humanidade
contata pelos vírus
vírus. São Paulo: Contexto, 2008, p. 63-
98.
15 DEAN, Warren. A fer ro e fogo
ferro fogo: a história e a devastação
da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das
Letras, 1996.
16 José Bonifácio de Andrada e Silva foi um dos primeiros
intelectuais brasileiros que estabeleceu uma conexão causal
entre o escravismo colonial e a degradação ambiental a,
Cf. PÁDUA, Op. Cit., p.150.
17 Cf. HENRIQUES, Isabel C.; MARGARIDO, Alfredo. Plantas
47
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

e Conhecimento do Mundo nos Séculos XV e XVI XVI.


Lisboa: Alfa, 1989, p. 114. Sobre as permutas alimentares
afro-brasileiras, especialmente a banana e a mandioca, cf.
CASCUDO, Op. cit, p. 218-228.
18 SILVA, José Bonifácio de Andrada e. Op. Cit., p. 83.
19 SAINT-HILLAIRE, Auguste. Viagem ao Rio Grande do
Sul. Itatiaia: Belo Horizonte, 1980, p.191.
20 Escusado lembrar que muitas das ervas daninhas hodiernas
já foram plantadas nos herbários de mosteiros da Europa
medieval. Algumas qualidades medicinais ou fitoterápicas
delas foram subestimadas pelo conhecimento científico
moderno.
21 GROVE, Richard. Green Imperialism. Cambridge,
Cambridge University Press, 1995; CROSBY, A. W.
Imperialismo Ecológico
Ecológico. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993; MACKENZIE, J. (dir) Imperialism and the
Natural W orld
World
orld, Manchester, 1990.
22 Entre os órgãos públicos que tratam do problema da invasão
biológica nos campos do Rio Grande do Sul (RS) se
destacam a FEPAGRO, a EMATER e a EMBRAPA. Já a
ONG ambiental The Nature Conservancy (TNC) desenvolve
o Programa de Espécies Exóticas Invasoras para a América
do Sul, no qual a invasão do capim-annoni nos campos do
RS tem sido um dos itens em estudo.
23 Desde 1997, a ONU, em cooperação com a FAO, desenvolve
o Programa Global de Espécies Invasoras (GISP). A
conferência da ONU sobre biodiversidade realizada em
março em Montreal, no Canadá, teve como foco a
contaminação biológica e logrou estabelecer quinze
princípios a serem seguidos para o tratamento do problema.
24 O capim-elefante (Pennisetum purpureum Schum.) é uma
gramínea cespitosa, originária da África. De Cuba, ela foi
introduzida no Brasil ainda no primeiro quartel do século
XX. Seu valor forrageiro foi descrito por Napier Springer,
cujo pré-nome foi dado a uma das variedades desta gramínea
difundida em todas as regiões tropicais e subtropicais do
Atlântico. Em 1910, o Departamento de Agricultura da
Rodésia já fazia o manejo das pastagens com o capim-
48
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

elefante. Cf. CARVALHO, M. M. et al. Capim elefante


produção e utilização
utilização. 2. ed. Brasília: EMBRAPA – SPI,
1997; SHIMOYA, A. et al. Comportamento morfo –
agronômico de genótipos de capim – elefante. Revista
Cer es
Ceres
es, Viçosa, MG, v. 48, n. 276, p. 141-148, mar. / abr.,
2001.
25 Programa Global de Espécies Invasoras (GISP), 2005, p.
32.
26 REJMÁNEK, M.; RICHARDSON, D.M. What attributes
make some plant species more invasive? Ecology
Ecology, v. 77, n.
6, p. 1655-1661, 1996.
27 BOLDRINI, I. Campos do Rio Grande do Sul:
Caracterização Fisionômica e Problemática Ocupacional.
Boletim do Instituto de Biociência
Biociências, Porto Alegre, n.
56, p. 1-39, 1997.
28 ARAÚJO, A. A. P rincipais Gramíneas do Rio Grande
Principais
do Sul
Sul. Porto Alegre: Sulina, 1971.
29 Sobre a alteração na paisagem sulina pelas vacarias, cf.
CORREA, Sílvio M. de S.; BUBLITZ, Juliana. Ter ra de
erra
Promissão
Promissão: uma introdução à eco-história da colonização
do Rio Grande do Sul. Passo Fundo/Santa Cruz do Sul:
Editora UPF/UNISC, 2006, p. 45-48.
30 ILIFFE, John. Africans: the History of a Continent.
Cambridge: Cambridge University Press, 1995, p. 114.
31 MEDEIROS, Renato B.; SAIBRO, João Carlos de Saibro;
FOCHT, Telmo Focht. Invasão de capim-annoni (Eragrostis
plana Nees) no bioma pampa do Rio Grande do Sul. In:
PILLAR, V.P.; MÜLLER, S.C.; CASTILHOS, Z.;
JACQUES, A.V.A. (Orgs.) Campos Sulinos
Sulinos: Conservação
e Uso Sustentável da Biodiversidade. Brasília: Ministério do
Meio Ambiente, 2009, p. 320; SARS 1978. Relatório e
apreciação sobre o valor nutritivo, produtividade e
comportamento do “capim Annoni 2” (Eragrostis plana
Nees). In Relatório
Relatório. IPZFO, Secretaria Agricultura do Rio
Grande do Sul Porto Alegre, p. 13.
32 REIS, J. C. L. Capim annoni-2: Origem, Morfologia,
Características, Disseminação. Anais da Reunião
49
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Regional de A valiação de P
Avaliação esquisa com Annoni-2,
Pesquisa
1991, Bagé: EMBRAPA-CPPSUL, Documentos 7, 1993,
p. 5-23.
33 CASCUDO, L. Câmara. Op. Cit., p. 128.
34 NODARI; KLANOVICZ, Op. Cit, p. 57.
35 Cf. COOPER, Frederick, Conflito e Conexão: Repensando
a História Colonial da África. Anos 90 90, Porto Alegre, v.
15, n. 27, p. 21-73, jul. 2008, p. 11.
36 Cf. KIRKMAN, K. P.; Morris, C. D. Ecology and Dynamics
of Eragrostis curvula and E. plana with View to Controlling
their Spread in Natural Grasslands (s.n.t.).
37 MEDEIROS, Renato B.; FOCHT, Telmo. Invasão, prevenção,
controle e utilização do capim-annoni-2 (Eragrostis plana
Nees) no Rio Grande do Sul, Brasil. Pesquisa
Agropecuária Gaúcha
Gaúcha. Porto Alegre, v. 13, n.1-2, 2007,
p. 105-114.
38 Ibidem, p. 106.
39 Ibidem, p. 108.
40 COUTO, A.C. A avaliação de duas espécies de
Brachiaria visando controlar a reinvasão por
Eragr Nees. Pelotas: UFPel, 1994. Dissertação
ostis plana Nees
Eragrostis
(Mestrado em Zootecnia) – Universidade Federal de Pelotas.
Pelotas, 1994.
50
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental
51
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Gramíneas africanas na
paisagem rural de Santa
Catarina
Marlon Brandt

As alterações impostas ao meio ambiente através da


ação humana têm reduzido o mundo natural, conforme
apontam historiadores como Warren Dean, a “entornos
domesticados, aparados e moldados para se adequarem
a algum uso prático ou à estética convencional”, cujo
resultado mais visível se reflete na paisagem1. Esta,
sendo um produto da ação humana ao longo do tempo2,
possui não somente uma dimensão espacial, mas
também histórica, que para Milton Santos apresenta-se
como uma “combinação de objetos naturais e de objetos
52
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

fabricados, isto é, objetos sociais”3, sendo assim um


resultado da acumulação de atividades de muitas
gerações, que expressa uma imbricada relação que
envolve diferentes objetos e ações em variadas escalas
temporais4.
Ao longo do processo histórico, a dinâmica das
diversas sociedades que ocuparam e ocupam o globo
terrestre, com temporalidades e espacialidades distintas,
imprimiram diferentes marcas na paisagem natural,
(re)construindo-a e (re)significando-a, criando não
somente bens materiais, mas também valores, crenças,
costumes e representações, tanto da natureza quanto
do homem. Ou seja, a paisagem, como salienta Aziz
Nacib Ab’Saber é sempre uma herança5. Herança que
não seria apenas de processos fisiográficos e biológicos,
mas também de sucessivas formas de ocupação de um
território e da relação com diferentes povos que por sua
vez refletiram em variadas formas de apropriação e uso
dos recursos naturais, atuando, por exemplo, de forma
seletiva na introdução, dispersão ou exclusão de espécies
de animais e plantas de um determinado espaço.
No Brasil verifica-se ao longo da ocupação
portuguesa uma troca de elementos naturais e humanos
pelo Atlântico, cuja presença africana esteve, quase
sempre, associada á paisagem humana, ao contingente
de escravos ou as comunidades remanescentes de
quilombos nos espaços rurais do país. A influência dessa
cultura, com suas práticas relacionadas à religiosidade,
à alimentação, as técnicas de tecelagem e agricultura
são, como ressalta Silvio Marcus de Souza Correa,
fatores que “modelaram a plasticidade das paisagens
afro-brasileiras” 6. Porém essa africanização das
paisagens também se fez no mundo natural, com a
53
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

introdução de plantas e animais de origem africana.


Espécies vegetais africanas das famílias das musáceas,
cucurbitáceas e gramíneas tornaram-se onipresentes na
paisagem agrária do Brasil desde as primeiras pegadas
dos europeus no continente americano7.
Para Warren Dean a introdução de espécies exóticas,
se não foi fundamental, sem dúvida colaborou com a
colonização de diversos espaços do continente
americano. Os portugueses, ao longo da colonização
brasileira, foram responsáveis pela introdução de
animais e plantas já domesticadas que se encontravam
em Portugal ou em seus domínios coloniais como a costa
africana. A introdução dessas espécies visava à
produção econômica ou o atendimento das necessidades
pessoais, convertendo vastas extensões de vegetação
natural em lavouras e pastagens. Essas transferências,
assim como outras que se seguiram, atuaram de modo
direto sobre os mais variados ecossistemas naturais,
modificando-os e, em alguns casos, simplificando-os de
maneira drástica, promovendo, em seu conjunto,
profundas alterações na composição da fauna e flora
dos mais diversos biomas do país8. Ocorreram também
introduções acidentais, cuja disseminação se deu em
muitos casos em áreas já degradadas pelas atividades
humanas, de forma indireta por animais, ventos e
chuvas. No caso das plantas, e mais especificamente
das gramíneas, esta ocorreu das duas maneiras,
marcando sua presença notadamente nos espaços
rurais9.
As gramíneas (Poaceae), de acordo com Tarciso de
Souza Filgueiras, estão entre as plantas mais
disseminadas em todo o globo, possuindo espécies de
distribuição geral e outras de distribuição local, restritas
54
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

e mesmo endêmicas. Algumas espécies são predomi-


nantemente tropicais em sua abrangência, enquanto
outras são predominantemente de clima temperado. Essa
família possui, como um todo, um amplo espectro
ecológico, sendo capaz de colonizar os mais variados
habitats10. É o caso de Santa Catarina, onde estas se
encontram em regiões que apresentam diferentes climas,
solos e relevos, cujas gramíneas marcam presença nos
mais diversos espaços, sejam eles rurais ou urbanos,
africanizando a paisagem do Estado.
Teria sido, para autores como Warren Dean, em
algum momento do século XVIII, que capins de origem
africana surgiram em invernadas e palhagens destinadas
à alimentação de animais em uma área próxima ao
Rio de Janeiro, possivelmente trazida ao continente pela
cama de palha dos navios negreiros. Assim, espécies
como capim-colonião (Panicum maximum Jacq.),
capim-gordura (Melinis minutiflora P. Beauv.) e capim-
jaraguá (Hyparrhenia rufa (Nees) Stapf.), que no
continente africano ocupam áreas degradadas e franjas
de floresta alterada se espalharam pelo país. Coevoluídas
em seu ambiente original com animais de pasto e com
a ação humana, tornaram-se palatáveis e resistentes
ao fogo. Uma vez no novo continente, muitas destas
espécies, cuja dispersão poderia ser voluntária ou não,
logo se tornariam uma presença comum em muitas
terras, sejam elas de cultivo, abandonadas, onde crescia
a vegetação secundária, pastagens ou mesmo em áreas
de campos nativos, de cerrado, margens de rios e
florestas nativas das mais variadas formações vegetais.
Essas transferências de gramíneas prosseguiriam, de
modo que, ao final do século XX fosse possível encontrar
mais de quarenta espécies vicejando em diversos
55
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

espaços do território brasileiro11.


O Brasil faz parte dos países que possuem a maior
diversidade ecológica do mundo, estando dividido, de
acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, o IBGE, em seis biomas terrestres:
Amazônia, Mata Atlântica, Caatinga, Cerrado, Pantanal
e Pampa 12 . Santa Catarina está inserida em sua
totalidade no bioma Mata Atlântica, porém dada sua
diversidade de relevo, que exerce uma considerável
influência no clima e na vegetação, faz com que existam
diferentes regiões fitogeográficas em seu território, fruto
de suas diversas formações geológicas e da
complexidade de seus agentes morfogenéticos.
Encontra-se nesse espaço altitudes que variam entre 0
e mais de 1.000 metros, com serras, vales, depressões e
um planalto que surge em alguns lugares a poucos
quilômetros da planície litorânea, levemente se
inclinando rumo ao oeste13.
No litoral e adentrando vales de baixa altitude, como
o Vale do Itajaí, encontra-se a Região da Floresta
Ombrófila Densa, conhecida também como Floresta
Tropical Pluvial. No interior, já nas áreas de planalto,
com clima mais frio, domina a Região da Floresta
Ombrófila Mista, com a dominância fisionômica da
araucária, o que a faz ser também conhecida como
Floresta com Araucária, Floresta de Araucária ou Mata
de Pinhais, onde também se encontram os Campos.
Essa outra formação vegetal originalmente se
encontravam formando ilhas em meio a floresta, onde
predominavam agrupamentos herbáceos, com a
ocorrência de capões, matas ciliares e de galerias, que
formam bosques em meio à formação campestre. Já a
Região da Floresta Estacional Decidual se encontra
56
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

disposta no planalto ao longo do alto Rio Uruguai, em


áreas cuja altitude relativa é menor14.
Habitado por séculos por diversos povos indígenas,
o território catarinense passa a ser ocupado por
portugueses e espanhóis no século XVI, a partir da
incursão de navegadores ibéricos, missionários,
degredados, desertores e náufragos em suas terras. As
ocupações na faixa litorânea promovidas por vicentistas
no século XVII, açorianos no século XVIII e alemães no
litoral e Vale do Itajaí, a partir do século XIX,
promoveram, em comparação a população autóctone
que habitava o litoral, um maior uso da terra em virtude
de suas atividades agrícolas e pecuárias, convertendo
a Mata Atlântica em pastagens e plantações.
Acompanhando as diferentes levas que passam a
ocupar esses espaços são introduzidos animais como
bois, cavalos e porcos, e também diversas espécies de
plantas, sejam elas nativas do continente ou
provenientes da Europa, África e Ásia. Conforme aponta
Nazareno José de Campos, a economia litorânea
catarinense, a partir do século XVIII, era majorita-
riamente agrária, predominando a pequena propriedade
rural, com uma modesta criação de animais15. Assim,
ao longo dos séculos XVII e XVIII, marcados por uma
maior presença portuguesa na faixa litorânea, cada vez
mais foram disseminadas plantas e animais exóticos,
despertando, inclusive, o comentário de diversos
viajantes que percorreram a região.
O engenheiro militar francês Frézier, ao desembarcar
na Ilha de Santa Catarina em 1712 aponta alguns de
seus elementos naturais. Em seu relato evidencia a
presença de espécies exóticas cultivadas em sua
paisagem: “as árvores frutíferas são excelentes em suas
57
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

espécies, as laranjas são tão boas como as da China,


existem muitas limeiras, limoeiros, goiabeiras, palmitos,
bananeiras, cana-de-açúcar, melões, jerimuns e batatas
[...]”16. A leitura da paisagem ilhéu retratada por Frézier
evoca, para além da existência de vastas florestas
nativas, diversos elementos estrangeiros à flora local,
onde destacam-se plantas africanas e asiáticas nessa
paisagem, como melões, bananeiras e canas-de-açúcar.
Dentre os elementos citados pelo viajante, apenas uma
gramínea, a cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L),
é destacada, muito possivelmente pela importância no
quadro econômico local, para a produção de açúcar e
aguardente, quanto pelo porte da planta, que se
destacava em uma paisagem cujas florestas nativas
haviam sido postas ao chão para o cultivo desta e de
outras culturas.
Outros viajantes como Langsdorff, Mawe e von
Chamisso também atentam para a profusão destes
elementos e do café. Chamisso, em 1815 descreve os
povoados dispersos pela costa da Ilha de Santa Catarina,
estando ao seu redor “as plantações de bananas, de
café, de algodão, etc, e pequenos cercados onde são
cultivados os temperos verdes de cozinha, semelhante
às ervas europeias. Os mamoeiros e as palmeiras […]
abundam nessas hortas”17.
Porém essas descrições não ultrapassavam a região
litorânea que, em seu interior abrigava a Serra Geral,
uma formidável muralha de difícil transposição, dada
as íngremes declividades com que se apresentam face
à planície litorânea. Seu povoamento ocorreu não pela
direção leste-oeste, mas pelo sul e pelo norte, a partir
da segunda metade do século XVIII, quando os imensos
rebanhos introduzidos no atual Rio Grande do Sul pelos
58
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

jesuítas, que compunham as chamadas “Vacarias” do


Mar e dos Pinhais passam a ser explorados pelo lado
português18. A quantidade de animais introduzidos e
sua reprodução promoveram, já nesse período,
profundas transformações no ambiente natural da
região. A mudança na composição vegetal dos Campos
a partir da introdução do gado pelos europeus é
mencionada por diversos autores, como Pierre
Deffontaines para quem o pisar contínuo do gado
alterou, pouco a pouco o tipo das pastagens, que
também passaram a empobrecer – se com a introdução
de espécies exóticas19. Referindo-se a região do pampa
argentino, por exemplo, comenta Alfred Crosby que,
a usurpação da biota nativa do pampa já devia ter
começado no fim do século XVI, quando animais da Europa
chegaram, vicejaram e se propagaram em enormes rebanhos.
Seus hábitos de alimentação, seus cascos atropeladores,
seus excrementos e as sementes das plantas que carregavam
com eles, tão estrangeiros na América quanto eles mesmos,
alteraram para sempre o solo e a flora do pampa. Essa
alteração deve ter sido rápida, porque poucos registros se
encontram a respeito dela nos documentos da época, pelo
menos até o século XVIII20.
A captura e transporte deste gado marcou a abertura
dos primeiros caminhos destinados ao transporte de
gado muar, bovino e cavalar do Rio Grande do Sul ao
Sudeste e as regiões mineradoras. O surgimento das
primeiras áreas de pouso e invernadas, acrescido ao
estabelecimento de fazendas de criação, modificou
desde então o aspecto original dos Campos no Sul do
país. Gradativamente formou-se nessas regiões do Sul
do Brasil uma economia que tem por base, de um lado,
as grandes fazendas pastoris dos campos e de outro, o
grande mercado comprador, as feiras, como a conhecida
59
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Feira de Sorocaba, onde os animais eram então


comercializados e repassados às regiões mineradoras
de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso21.
Dominava nos Campos uma economia de caráter
pastoril, com baixa ocupação demográfica, onde a ação
humana se fazia perceber principalmente através do
estabelecimento de fazendas, com suas plantações e
pastagens, empregando o expediente das queimadas
para a renovação do pasto após os meses frios ou a
abertura de novas pastagens em áreas de capões ou de
transição com a Floresta de Araucária22. Nas fazendas
a presença de espécies exóticas na paisagem campestre
foi registrada por viajantes europeus que percorreram
a região no século XIX, como o naturalista francês
Auguste de Saint-Hillaire, que ao cruzar a região que
compreende os Campos Gerais, no Estado do Paraná,
narrou da seguinte forma a paisagem local:
Esses campos constituem inegavelmente uma das mais belas
regiões que já percorri desde que cheguei à América; suas
terras são menos planas e não se tornam tão monótonas
como as nossas planícies de Beauce, mas as ondulações
do terreno não chegam a ser tão acentuada de maneira a
limitar o horizonte. Até onde a vista pode alcançar,
descortinam-se pequenas pastagens; pequenos capões onde
sobressai a valiosa e imponente araucária surgem aqui e ali
nas baixadas, o tom carregado de suas folhagens
contrastando com o verde claro e viçoso do capinzal. De
vez em quando apontam rochas nas encostas dos morros,
de onde se despeja uma cortina de água que vai se perder
no fundo dos vales; uma numerosa quantidade de éguas e
bois pastam pelos campos e dão vida a paisagem, vêem-se
poucas casas, mas todas bem cuidadas, com pomares
plantados de macieiras e pessegueiros23.
De modo geral essa descrição ilustra muito bem a
paisagem dos Campos sulinos ao longo dos séculos
60
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

XVIII, XIX e início do XX, onde se é possível perceber a


inserção e disseminação de uma fauna e de uma flora
exóticas, sobretudo de árvores frutíferas já existentes
na Europa, como pêssegos, maçãs e ameixas, espécies
de clima temperado, o que estava relacionado ao clima
local, com temperaturas inferiores as encontradas nas
regiões litorâneas ou em vales com menor altitude. No
entanto, bois, cavalos, macieiras e pessegueiros não
podem ser vistos como os únicos elementos de origem
estrangeira introduzidos nos Campos do planalto desde
as primeiras incursões do homem europeu a partir do
século XVI.
Se as condições naturais do planalto possibilitaram
uma ampla difusão natural de espécies exóticas de
plantas europeias como as mencionadas pelo
naturalista francês, com maior tolerância ao frio,
elementos africanos também marcam presença na
paisagem, como era o caso da melancia e da cana-de-
açúcar. A primeira era, como ressalta Maurício Vinhas
de Queiroz, uma das principais fontes alimentares da
população planaltina, junto com o milho o feijão e a
abóbora,sobretudo a formada por sitiantes que viviam
nos interstícios das grandes fazendas pastoris nas áreas
de florestas24. Já a cana-de-açúcar era cultivada, como
menciona o militar Vieira da Rosa, em sua Chorographia
de Santa Catharina, escrita em 1905, em municípios
como Campos Novos, que compreendia praticamente
toda a porção central do planalto. Ao destacar as
principais atividades econômicas do município refere-
se à existência de dezessete engenhos no município, cujo
destino possivelmente era a produção e consumo local
de aguardente e açúcar25. A presença e a localização
da planta na região possivelmente não diferem muito
61
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

da encontrada pouco mais de um século depois, sendo


vista nas áreas mais baixas e em vales de rios, porém
em menor número, servindo principalmente para o
consumo local do caldo de cana. Em relação a
introdução destes elementos africanos, pouco se pode
saber a respeito, de modo semelhante ao litoral, sendo
possível apenas realizar conjeturas sobre o possível
cenário da paisagem litorânea e planaltina de Santa
Catarina.
Nas descrições efetuadas sobre o litoral e o planalto
entre os séculos XVIII e XIX, percebe-se uma ausência
de referências a outros elementos da paisagem, que não
fossem de valor econômico na época. Isso fica claro,
por exemplo, na leitura de um ofício enviado pelo
governador da Ilha de Santa Catarina, o Tenente-
Coronel João Alberto de Miranda Riveiro ao Vice-Rei,
Conde de Resende, D. Antônio José de Castro, enviando
um relatório sobre a Ilha de Santa Catarina e distritos
de sua jurisdição em 1797. No documento são listadas
diversas espécies de peixes, aves e plantas, porém no
caso dessa última, eram listadas apenas as árvores que
possuíssem alguma serventia. Assim encontram-se
espécies nativas como a canela preta, o cedro, o
sassafrás, espécies exóticas, como o pessegueiro, a
laranjeira e o limoeiro26.
Espécies de menor porte ou sem valor eram deixados
de lado, da mesma forma que e as pastagens onde se
encontravam o gado criado pelos moradores locais, que,
embora mencionado pela sua quantidade ou qualidade
da carne, não possuíam maiores informações sobre o
seu manejo e alimentação. Esta poderia ter o emprego
de gramíneas exóticas que se dispersariam, de forma
intencional ou não, pela derrubada da floresta nativa e
62
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

a ação constante das queimadas. Gramíneas dos


gêneros Brachiaria, Melinis e Panicus eram relatadas
no país desde o período colonial como aponta Tarciso
Filgueiras 27, sendo lícito supor que sua presença e
transporte pudessem ocorrer nas áreas de maior contato
com outros espaços do território, se desenvolvendo onde
as condições climáticas permitissem, o que era visto
sobretudo na faixa litorânea.
Muitas seriam as pastagens formadas pela ação
humana após a derrubada da floresta nativa ao longo
do litoral catarinense, por criadores locais ou abertos
para o usufruto de tropeiros que transportavam seus
animais para o comércio com a capital, como era o
caso de uma área localizada ao sul da Ilha de Santa
Catarina, que se constituía em um caminho que vinha
do Rio Grande do Sul. A esse respeito uma Provisão
Régia de 1728, decretava o seu uso por criadores
afirmando que “o Campo chamado Araçatuba que está
juncto desta Ilha [de Santa Catarina] ficasse em parte
communs para os Supplicantes trazerem os seus
gados”28.
Viajantes como Langsdorff, que visitou Santa
Catarina em 1803 comentou que era muito comum os
moradores possuírem animais domésticos como bois,
vacas, porcos e cavalos, o que fazia com que a carne
fosse abundante e barata se comparado ao preço
europeu29. É possível pensar também que estes poderiam
ser criados soltos, em diversos pastos que serviam para
o uso em comum, em espaços preteritamente ocupados
por florestas, da mesma forma que os Campos de
Araçatuba, e que eram existentes tanto na Ilha de Santa
Catarina quanto em outras regiões do litoral e planalto30.
Porém, essas pastagens, como salienta Warren Dean,
63
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

raramente eram realizadas selecionando-se capim,


nativo ou exótico, inexistindo mesmo qualquer seleção
nos séculos anteriores ao XIX. Ao invés disso, o que
predominava era o avanço de qualquer capim que
viesse a se adaptar31. Pode-se pensar então que, ao
menos nas regiões de fluxo de mercadorias e animais,
muitas plantas, nativas ou não, tenham sido
transportadas nas cargas, no pelo ou mesmo no
excremento dos animais, desenvolvendo-se nas
pastagens, em florestas recém-devastadas ou mesmo em
áreas já degradadas pelo uso excessivo do solo e seus
nutrientes.
Se a difusão de diversas espécies de gramíneas que
possivelmente passaram a povoar o território catarinense
desde a chegada do europeu, possuem poucas menções
até o final do século XIX, a situação passa grada-
tivamente a se alterar com a chegada do novo século.
Pesquisas, cultivos e introduções voluntárias passam a
surgir á medida que a atividade agropecuária passa a
despertar maior atenção do poder público. Em relação
à pecuária, ao procurar aumentar a produtividade dos
rebanhos, buscou-se não apenas o melhoramento
genético dos plantéis, mas também introduzir novas
espécies de plantas consideradas mais nutritivas para
a alimentação animal.
Estudos como o realizado pelo Padre Raulino Reitz
em 1948 sobre a Paróquia de Sombrio 32 , já
mencionavam a existência de diversas espécies exóticas
na paisagem rural da região, nos espaços onde “as
extensas pastagens ao norte e ao sul da Lagoa do
Sombrio, bem como os campos litorâneos, acham-se
repletos de rezes”. Muito desse gado era originário do
Rio Grande do Sul, onde os criadores traziam os animais
64
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

para o apascentamento na região durante o inverno33.


Esse trânsito possivelmente introduziu novas espécies
de plantas na região, de modo voluntário ou não. Ao
inventariar as espécies vegetais da região de Sombrio,
o padre, juntamente com seu irmão, João Reitz, pároco
local, menciona algumas espécies de gramíneas, as
quais seriam abundantes nas pastagens:
Conhecemos o capim capivara, c. d’Angola, c. dos
Capoeirões, c. Guatemala, c. Limão, c. Ferro, c. Canivão,
c. Milha, c. Branco, c. Rocho, etc. O Capim-graxa ou c.
Gordura é de excelente resultado nas plantações de campos
artificiais34.
Espécies africanas são mencionadas nessa passa-
gem, como o capim-angola (Brachiaria purpurascens
(Forsk) Stapf) e o capim-gordura, que também é
cultivado pelos pecuaristas, suprimindo a vegetação
nativa na formação de pastagens artificiais.
As pesquisas referentes a agricultura e a pecuária
têm início em Santa Catarina no final do século XIX
com a instalação e funcionamento da Estação
Agronômica e Veterinária de Rio dos Cedros, localizada
no Vale do Itajaí, realizando pesquisas relacionadas ao
fumo, buscando também introduzir, testar e avaliar
diversas espécies vegetais, incluindo cereais, frutíferas,
forrageiras e florestais, distribuindo sementes e orien-
tando produtores da região35.
As experiências agrícolas na Estação, realizadas pelo
italiano Giovanni Rossi, foram também realizadas com
espécies de origem africana, como a cana-de-açúcar e
gramíneas empregadas no cultivo de forragens que
teriam obtido um ótimo resultado, onde Rossi, cita o
caso do capim-gordura. Capim que, combinado à
pastagem natural tornaria, a seu ver, viável a criação
65
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

de qualquer raça animal, por mais exigente que fosse36.


Já no planalto foi criado em 1905 pelo Governador
Vidal Ramos um Campo de Demonstração, com o intuito
de fomentar a agricultura, passando, em 1912, a fazer
parte do Posto Zootécnico Federal. Este possuía como
objetivo melhorar a criação de gado, atuando tanto no
melhoramento dos rebanhos quanto na formação de
pastagens e combate a doenças e pragas que afetavam
as criações e os campos. José Carlos Ramos aponta
para diversos relatórios que indicam as atividades
empreendidas pelo Posto Zootécnico, que vão das raças
bovinas a espécies de gramíneas e forrageiras indicadas,
sendo elas, na época, de origem nativa ou exótica.
Dentre as espécies experimentadas, são mencionados
pelo autor o cornichão (Lotus Corniculatus L.), de
procedência europeia e africana, a Chloris virgata Sw.,
de origem pantropical, e de gramíneas e leguminosas
dos gêneros Agrostis, Bromus, Festuca, Melilotus,
Cynosurus, juntamente com azevém, aveia, favas,
serradela e ervilhaca 37 . Algumas dessas espécies
introduzidas pelo Posto Zootécnico se disseminariam
entre centenas de produtores, seja pela distribuição
desse posto ou de outras estações experimentais do Sul
do Brasil, juntamente com o intercâmbio entre os
produtores. Dessa maneira, como apontam Ulisses de
Arruda Córdova, José Lino Rosa e Nelson Eduardo
Prestes, as que “sobreviveram ao longo desse tempo se
adaptaram às condições edafoclimáticas locais e
regionais e se tornaram naturalizadas”38.
Posteriores relatórios e documentos oficiais, apontam
a existência de iniciativas por parte do Estado, ao
fomentar a agricultura e a pecuária, de conduzir diversos
experimentos e introduções de forragens exóticas,
66
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

continuando e ampliando as experimentações feitas no


planalto e no Vale do Itajaí desde o início do século XX.
Assim, continuam a ser encontradas informações em
relatórios e publicações científicas sobre experimentos
com forragens, muito embora nem todos os documentos
apresentem uma lista com as espécies manejadas, nem
mesmo se eram gramíneas ou leguminosas. Foram
também criadas novas estações experimentais,
responsáveis pela introdução e distribuição dessas
plantas para produtores rurais. Com o passar dos anos,
plantas e sementes também foram disseminadas através
do intercâmbio entre criadores.
Documentos como o Relatório da Secretaria da
Agricultura de 1960, ao apresentar as atividades
executadas na estação localizada na Fazenda Assis
Brasil, até então sede dos Serviços Agropecuários do
Estado de Santa Catarina, em Florianópolis, elencam
as diversas espécies de plantas cultivadas na fazenda
que cederia seu espaço, a partir do mesmo ano, para a
Universidade Federal de Santa Catarina. Nesse último
ano foram cultivados dentre as diversas espécies de
forragens, o capim-elefante (Pennisetum purpureum
Schumach), cuja introdução teria ocorrido no Brasil por
volta da década de 192039. Possivelmente suas sementes
podem ter sido responsáveis pelo seu alastramento pela
Ilha de Santa Catarina, ocupando espaços, onde foi
ateado fogo várias vezes por muito tempo40.
Tanto a difusão desde o período colonial, quanto as
realizadas mais tarde por particulares ou pela iniciativa
pública, tem alterado a paisagem local, sendo que muitas
dessas gramíneas passaram, no novo ambiente, a se
multiplicar competindo e ocupando espaços da
vegetação nativa. Conforme autores como Silva Renate
67
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Ziller, tamanho é o potencial das espécies exóticas em


alterar os sistemas naturais, que as plantas exóticas
invasoras são atualmente consideradas a segunda maior
ameaça mundial à biodiversidade, perdendo apenas
para a destruição de habitat pela ação humana direta.
Esse processo, denominado de contaminação biológica,
refere-se aos danos provocados por espécies que não
fazem parte de um ecossistema, mas que se naturalizam,
passando a se dispersar e a provocar mudanças em
seu funcionamento41.
O comportamento de muitas dessas gramíneas
empregadas em pastagens cultivadas, assim como de
outras plantas de origem exótica, em relação ao
ambiente, pode ser considerado agressivo, como é o
caso de espécies como o capim-gordura, capim-elefante
e capim-colonião42. Algumas destas espécies podem
invadir áreas cultivadas e mesmo competir com a flora
local, como pode ter ocorrido no caso já citado do
capim-elefante na Ilha de Santa Catarina 43. Essas
invasões tem o agravante de não serem absorvidas e
terem seus impactos amenizados com o tempo. Pelo
contrário, o problema aumenta á medida que as plantas
exóticas invasoras ocupam o espaço das nativas,
provocando com isso a perda da biodiversidade e a
modificação dos ciclos e características naturais dos
ecossistemas atingidos, alterando a fisionomia da
paisagem, podendo inclusive trazer consequências
econômicas vultosas44.
Nas regiões onde as florestas nativas foram con-
vertidas em pastagens ou roças, dentro do processo de
sucessão da vegetação, não é raro encontrar espécies
como o capim-gordura, capim-elefante e capim-colonião
compondo os primeiros estágios da sucessão, pois
68
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

ambientes abertos tendem a ser mais facilmente


invadidos por espécies arbóreas que áreas florestais,
sobretudo em solos pobres em nutrientes45. A devastação
da Mata Atlântica promovida pelas mais diversas
intervenções humanas na paisagem, como abertura de
pastos, lavouras e construção de estradas deixou
diversos espaços ou de solo degradado ou de áreas
expostas, colaborando para o avanço e desenvolvimento
de diversas espécies de gramíneas africanas nos mais
diversos espaços do Estado, como pode ser observado
nas imagens da Figura 1 e 2:

Figura 1: capim-gordura disperso às margens da rodovia BR-


282, no município de Rancho Queimado em novembro de
2008. Fonte: acervo do autor.
69
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Figura 2: capim-elefante na margem da rodovia BR-282


confrontante a uma área de pastagem no município de Águas
Mornas em novembro de 2010. Fonte: acervo do autor.

Atualmente essas gramíneas de origem africana


podem ser encontradas em todos os espaços onde as
condições edafoclimáticas permitem. Mesmo no
planalto, onde áreas com clima mais frio, e solos pouco
espessos não permitem o aproveitamento econômico
ou o pleno desenvolvimento de gramíneas exóticas46,
encontram-se diversas pastagens com espécies
cultivadas de origem africana. Nessas, é possível
encontrar não apenas a cana-de-açúcar, mas também
pastagens com Hemártrias (Hemarthria altíssima (Poir)
Stapf & Hubb.), braquiárias (Bracchiaria decumbens
(Staph.) e Bracchiaria brizantha (A. Rich.) Staph.),
estrela africana (Cynodon plectostachins) e capim-
quicuio (Pennisetum clandestinum Hochst.), para
mencionar alguns exemplos47.
Cabe destacar nesse caso uma série de estudos
realizados pela Empresa de Pesquisa Agropecuária e
Extensão Rural de Santa Catarina, a Epagri, que resultou
70
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

em um zoneamento agroecológico do Estado, onde são


indicadas as principais espécies de gramíneas,
classificando-as como recomendadas, toleradas e não
toleradas nessas zonas. A não ser nas regiões de clima
mais frio, com maiores altitudes, como em alguns
espaços do Meio-Oeste e regiões de Lages e São
Joaquim, diversas espécies de gramíneas africanas,
como as já citadas no corpo do texto, se não possuem o
cultivo recomendadas, ao menos são toleradas nas
condições locais48. Inclusive nas áreas onde é aplicado
o Pastoreio Racional Voisin 49, frequentemente são
empregadas espécies de origem africana50.
A africanização das paisagens rurais de Santa
Catarina, que sempre esteve associada ao contingente
de escravos ou aos quilombolas do meio rural, vai além
da ocupação humana, tendo em sua história a
introdução e invasão biológica de diversas plantas
africanas, das quais as gramíneas são apenas uma
pequena parte, cujos estudos em história ambiental
podem trazer novos olhares e questionamentos sobre
paisagens afro-brasileiras no Brasil meridional.

Fontes:
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ferro fogo: a história e a devastação
da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das
Letras, 2004, p. 23-24.
2 CORRÊA, Rober to Lobato; ROSENDAHL, Zeny.
Apresentando leituras sobre paisagem, tempo e cultura. In:
CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zeny (orgs)
Paisagem, T empo e Cultura
Tempo Cultura. 2. Ed. Rio de Janeiro:
EdUERJ, 2004, p. 8.
71
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

3 SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem


homem. 5.
Ed. São Paulo: Edusp, 2004, p. 54-56.
4 SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes. As florestas vão
desaparecer? Um retrato da situação ambiental do país. In:
ALBUQUERQUE, Edu Silvestre. (Org). Que país é esse?
Pensando o Brasil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Editora
Globo, 2005, p. 312.
5 AB’SABER, Aziz Nacib. Os domínios de natur natureza
eza no
Brasil
Brasil: potencialidades paisagísticas. 5 ed. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2008, p. 9.
6 CORREA, Sílvio Marcus de Souza. A Africanização da
paisagem rural do Brasil meridional: uma intersecção da
história agrária com a história ambiental. ENCONTRO DO
GT HISTÓRIA AGRÁRIA, 2. 2009, Porto Alegre. Anais...
Porto Alegre, 2009, p. 1-4.
7 CORREA, Sílvio Marcus de Souza. Africanidades na
paisagem brasileira. Revista INTERthesis
INTERthesis, Florianópolis,
v. 7, n. 1, p. 96-116, 2010, p. 97
8 DEAN, Warren. A botânica e a política imperial: a introdução
e a domesticação de plantas no Brasil. Estudos Históricos
Históricos.
Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 216-228, 1991, p. 216.
ecológico: a expansão
9 CROSBY, Alfred W. Imperialismo ecológico
biológica da Europa (900-1900). São Paulo: Companhia
das Letras, 1993, p. 133-174.
10 FILGUEIRAS, Tarciso de Souza. Africanas no Brasil:
gramíneas introduzidas da África. Cadernos de
Geociências
Geociências, Rio de Janeiro, n. 5, p. 57-63, 1990, p. 57.
11 DEAN, 2004, p. 130-131.
12 FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA
E ESTATÍSTICA. Mapa de biomas do BrasilBrasil. Brasília,
2004. 1 Mapa. Escala: 1:500.000. Disponível em: http://
www.ibge.gov.br. Acesso em 2 de maio de 2006.
13 PELUSO JÚNIOR, Victor Antônio. O relevo do território
catarinense. Geosul
Geosul, Florianópolis, n. 2, p. 7-69, 2º sem.
1986, p. 8; LEITE, Pedro Furtado; KLEIN, Roberto Miguel.
Vegetação. In: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Geografia do Brasil Brasil:
72
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

região Sul. Vol. 2. Rio de Janeiro: IBGE, 1990, p. 113.


14 LEITE, Pedro Furtado; KLEIN, Roberto Miguel. Op. Cit., p.
113-150.
15 CAMPOS, Nazareno José de. São José: faces do rural no
transcorrer histórico. In: CAMPOS, Nazareno José de;
BRANDT, Marlon; CANCELIER, Janete Webler. (Orgs.). O
Espaço rural de Santa Catarina
Catarina: novos estudos.
Florianópolis: Editora da UFSC, 2010 (no prelo), p. 11.
16 HARO, Martin Afonso Palma de (org). Ilha de Santa
Catarina
Catarina: relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII
e XIX. 4. ed. Florianópolis: Editora da UFSC; Editora
Lunardelli, 1996, p. 24.
17 Ibidem, p.233.
18 EHLKE, Cyro. A conquista do Planalto Catarinense
(bandeirantes e tropeiros do “Sertão de Curitiba”)
Curitiba”).
Rio de Janeiro: Laudes, 1973, p. 122.
19 DEFFONTAINES, Pierre. História do Gado nos países do
Prata particularmente no Uruguai. Boletim Geográfico
Geográfico.
Rio de Janeiro, ano IX, n. 114, maio-junho de 1953, p.
250.
20 CROSBY, Op. Cit., p. 145.
21 BRANDT, Marlon; CAMPOS, Nazareno José de. Uso
comum da terra e práticas associativistas da população
cabocla do planalto de Santa Catarina. Geosul Geosul,
Florianópolis, n. 45, jan. Jul. 2008, p. 46.
22 KLEIN, Roberto. Mapa fitogeográfico do Estado de
Santa Catarina
Catarina. Itajaí: Herbário Barbosa Rodrigues, 1978,
p. 17-18.
23 SAINT-HILLAIRE, Auguste de. Viagem a Curitiba e
Província de Santa Catarina
Catarina. Belo Horizonte: Itatiaia/
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1978, p.
15-16.
24 QUEIROZ, Maurício Vinhas de. Messianismo e conflito
social
social: a guerra sertaneja do Contestado (1912-1916). 3.
ed. São Paulo: Ática, 1981. Coleção Ensaios, n. 23, p. 36.
73
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

25 ROSA, José Vieira da. Chorographia de Santa


Catarina
Catarina. Florianópolis: Typographia da Livraria Moderna,
1905, p. 263.
26 Ofício do Governador da Ilha de Santa Catarina Tenente-
Coronel João Alberto de Miranda Riveiro ao Vice-Rei do
Estado do Brasil, Conde de Resende, D. Antônio José de
Castro, remetendo relatórios e mapas referentes à extensão
e limites da ilha de Santa Catarina e distritos de sua
jurisdição, 1797. Doc. do Arquivo Ultramarino, Conselho
Ultramarino, Brasil - Santa Catarina. Caixa 6. Doc. nº 387.
27 FILGUEIRAS, Op. Cit., p. 57-60.
28 Provisão Régia de 05 de abril de 1728. Arquivo do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, setor de manuscritos.
Atualmente a área que compreendia os Campos de
Araçatuba localiza-se em Palhoça.
29 HARO, Op. Cit., p. 164.
30 A esse respeito conferir CAMPOS, Nazareno José de. Ter ras
erras
comunais na Ilha de Santa Catarina
Catarina. Florianópolis:
UfSC/FCC, 1991; Ter ras de uso comum no Brasil
erras Brasil: um
estudo de suas diferentes formas. São Paulo: USP, 2000.
258f. Tese (Doutorado em Geografia Humana) – Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de
São Paulo. São Paulo, 2000; Usos e formas de apropriação
da terra na Ilha de Santa Catarina. Geosul
Geosul, Florianópolis,
n. 34, p. 113-135, jul/dez. 2002; BRANDT, Marlon. Uso
comum e apropriação da terra no município de
Fraiburgo – SC SC: do Contestato à colonização.
Florianópolis:UFSC, 2007. 310 f. Dissertação (Mestrado
em Geografia) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2007.
31 DEAN, 2004, p. 130.
32 A introdução de espécies exóticas de origem africana na
Lagoa do Sombrio é tratada nessa obra por Alfredo Ricardo
Silva Lopes.
33 REITZ, Raulino. Paróquia de Sombrio
Sombrio: ensaio de uma
monografia paroquial. Brusque, Azambuja, 1948, p. 154.
34 Ibidem, p. 123.
74
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

35 SANTOS, Lucy Woellner dos. Estação Agronômica e


de V eterinária do Estado
Veterinária Estado: uma abordagem história sobre
o início da pesquisa agrícola em Santa Catarina (1895-
1920). Florianópolis: Editora da UFSC, 1998, p. 103-115.
36 Ibidem, p. 127-128.
37 RAMOS, José Carlos. O “estado da arte” na pesquisa
regional em forragicultura. In: REUNIÃO DO GRUPO
TÉCNICO EM FORRAGEIRAS DO CONE SUL, 15. 1998,
Lages. Anais eletrônicos... Disponível em: http://
www.inta.gov.ar/mercedes/info/grupocampos/XVII/
Ramos.pdf. Acesso em 10 de setembro de 2010, p. 20.
38 CÓRDOVA, Ulisses de Arruda; ROSA, José Lino; PRESTES,
Nelson Eduardo. A importância de pesquisar forrageiras
adaptadas. In: REUNIÃO DO GRUPO TÉCNICO EM
FORRAGENS DO CONE SUL - GRUPO CAMPOS, 11.
2006. Pelotas. Anais eletrônicos.... p. 1-3. Disponível
em: http://www.cpact.embrapa.br/publicacoes/download/
documentos/documento_166/PDFs/1/1-15.pdf . Acesso em
7 de abril de 2011, p. 1.
39 SHIMOYA, Aldo. et al. Comportamento morfo – agronômico
de genótipos de capim-elefante. Revista Cer es
Ceres
es, Viçosa,
MG, v. 48, n. 276, p. 141-148, mar. / abr., 2001, p. 142;
SANTA CATARINA. Relatório da Secretaria da Agricultura,
1960, p. 18-20. Arquivo Público do Estado de Santa
Catarina, p. 18-20.
40 Espécies exóticas invasoras: fichas técnicas. In: Instituto
Hórus
Hórus. Disponível em: http://www.institutohorus.org.br/
inf_fichas.htm. Acesso em 1 de outubro de 2010.
41 ZILLER, Sílvia Renate. Os processos de degradação
ambiental originados por plantas exóticas invasoras. Revista
Ciência Hoje
Hoje, São Paulo, n. 178, 2001.
42 FILGUEIRAS, Op. Cit.
43 Ibidem.
44 ZILLER, Sílvia Renate. Op. Cit.
45 ZILLER, Sílvia Renate. Op. Cit. VEADO, Ricardo Wagner
ad-Víncula. Geossistemas de Santa CatarinaCatarina. Rio
Claro: UNESP, 1998. 330 fl. Tese (Doutorado em Geografia)
75
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

- Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade


Estadual Paulista – Campus de Rio Claro. Rio Claro, 1998,
p. 251-198; KLEIN, Sabrina Maria. Presença de
gramíneas forrageiras exóticas em área de Floresta
Ombrófila Densa em Blumenau/SC
Blumenau/SC: plantas forrageiras
sob o enfoque de plantas invasoras. Santa Maria: UFSM,
2009. 57 f. Dissertação (Mestrado em Zootecnia) - Centro
de Ciências Rurais, Universidade Federal de Santa Maria.
Santa Maria, 2009, p. 27.
46 LAGO, Paulo Fernando. Gente da ter ra catarinense –
terra
desenvolvimento e educação ambiental
ambiental. Florianópolis:
UFSC/FCC/Lunardelli/UDESC, 1988, p. 265-266.
47 SANDRIN, Eduardo. Caracterização do sistema de
produção de leite junto aos par ceiros da W
parceiros alter
Walter
Alimentos – Seara/SC. Florianópolis: UFSC, 2007, 62
f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Agronomia)
- Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Santa
Catarina. Florianópolis, 2007, p. 40.
48 DUFLOTH, J. H; et.al. (Org.). Estudos básicos regionais
de Santa Catarina
Catarina. Florianópolis, 2005. 1 CD ROM.
49 O Pastoreio Racional Voisin, ou PRV, criado pelo francês
André Voisin na década de 1950, é um sistema intensivo de
manejo da pastagem e do solo que procura manter um
equilíbrio entre o solo, o capim e o gado, um sem prejudicar
o outro, para que seja possível obter o máximo da planta
respeitando seus ciclos. Ver MELADO, Jurandir. Manejo
de pastagem ecológica
ecológica: um conceito para o terceiro
milênio. Viçosa: Aprenda Fácil, 2000, p. 49-50.
50 Autores como Luiz Carlos Pinheiro Machado indicam o
emprego de gramíneas de origem africana para o Pastoreio
Racional Voisin como capim-elefante (Pennisetum
purpureum Schumach), capim-jaraguá (Hyparrhenia rufa
(Nees) Stapf.), andropogon (Andropogon gayanus Kunth.),
capim-colinião (Panicum maximum Jacq.), hemártria
(Hemarthria altíssima (Poir) Stapf & Hubb.), braquiárias
(Bracchiaria decumbens (Staph.) e Bracchiaria brizantha
(A. Rich. Staph.), dentre outras espécies. MACHADO, Luiz
Carlos Pinheiro. Pastor eio racional V
astoreio oisin
Voisin
oisin: tecnologia
agroecológica para o terceiro milênio. 2. Ed. São Paulo:
Expressão Popular, 2010.
76
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental
77
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Melinis Minutiflora Beauv.:


a introdução de espécies africanas no brasil

Simoni Mendes

Após a ocupação do Brasil pelas então potências


europeias, Portugal, Holanda e Espanha, no decorrer
do século XVI, a região passa a entrar no circuito
mundial de transferências e distribuições de espécies.
Essa prática de introdução de novas espécies em novos
biomas ocorre desde então em diversas partes do
mundo. Espécies exóticas são transferidas para outras
regiões, onde a ausência de seus predadores naturais
aliado à determinadas características do novo ambiente,
faz com que as espécies se estabeleçam com facilidade
na nova região.
Alfred W. Crosby1 e, posteriormente, Jared Diamond2
associam o grande sucesso de ocupação dos europeus
78
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

na época dos descobrimentos a sua prática de


introdução de plantas, animais e parasitas de uma
colônia para outra, dominando assim inicialmente a
fauna e a flora e, posteriormente, as populações.
A introdução de espécies exóticas e invasoras ocorre
de duas formas: proposital ou acidental. Por proposital
entende-se o transporte de espécies naturais de uma
região para outra, de forma intencional, geralmente
visando algum tipo de lucro. Já os casos acidentais
ocorrem quando determinada espécie migra para outras
regiões, em geral, juntamente com o deslocamento dos
seres humanos, mas sem que estes se deem conta. No
Brasil, o quadro de espécies exóticas é extenso e nele se
enquadram plantas e animais que nos dias de hoje,
grande parte da população ignora que sejam exóticas,
como é o caso da banana e da melancia, por exemplo.
Além de espécies comuns ao convívio dos brasileiros,
outras espécies estão muito presentes no Brasil, como é
o caso das gramíneas, utilizadas quase sempre como
forrageiras. Grande parte das espécies de gramíneas
comercializadas no Brasil nas últimas décadas são
exóticas e invasoras, sendo a maioria de origem
africana, como é o caso de Panicum maximum Jacq.,
Hyparrhenia rufa (Nees) Stapf. e Melinis minutiflora
Beauv.3 Dentre todas as espécies exóticas e invasoras
de origem africana presentes no Brasil, este trabalho
pretende analisar de que forma ocorreu a introdução
da espécie Melinis minutiflora, também conhecida como
Capim-gordura, em território brasileiro.
A introdução de espécies exóticas em novas regiões
traz para o historiador um novo objeto de pesquisa.
Enquanto biólogos e agrônomos analisam as vantagens
e desvantagens de determinadas espécies, cabe ao
79
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

historiador analisar de que forma e em que situação


tais espécies foram introduzidas. Outro elemento que
deve ser ressaltado no caso de espécies exóticas é o
fato de que muitas vezes ela se caracteriza como um
problema ecológico no seu novo habitat, pois pode alterar
toda a cadeia alimentar da região. O que não quer dizer
necessariamente que em seu local de origem ela também
seja um problema. Muitas vezes determinadas espécies
são trazidas para o Brasil por seus aspectos positivos
na região de origem e quando são introduzidas acabam
trazendo problemas para o meio ambiente
De acordo com o Sistema Engler, M. minutiflora é uma
angiosperma, monocotyledoneae, pertencente à família
Poaceae, de gênero Melinis4. Essa espécie pode ser
encontrada em regiões tropicais e subtropicais, entre 30º
de latitude norte e sul do equador, tanto no continente
africano como nas Américas, Ásia e Oceania,
especialmente entre 200 e 2300 metros de altitude, com
temperatura entre 18º e 27ºC.5 De acordo com Martins6
a espécie estudada é uma
Planta perene, herbácea, C4, apresenta altura média entre
0,40 e 0,60 m, podendo chegar a 1,6 m ou mais. Os colmos
ascedentes são provenientes de uma base emaranhada e pouco
ramificada, emitem raízes nos entrenós inferiores e tendem
comumente a dobrar-se. Os pelos glandulares da folhagem
exudam um óleo de cheiro característico […]. Produz grande
quantidade de sementes (200 – 280 kg/há), e em um
quilograma ocorre cerca de 13 a 15 milhões de sementes.
O Capim-gordura não se adapta a situações climá-
ticas extremas, prefere locais nem muito frios, nem muito
quentes, dessa forma, a espécie até pode ser encontrada
na região sul do Brasil, porém ela tende a se desenvolver
apenas na primavera e no verão. “Se a temperatura,
porém, baixa a 0º a planta morre. As sementes caídas
80
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

ao solo, no entanto, germinarão na primavera seguinte,


perpetuando-se assim a espécie.”7
Segue abaixo uma imagem de M. minutiflora,
registrada pelo Instituto Horus, nos acostamentos da
BR – 376, no Estado do Paraná, no Brasil:

Figura 3: Melinis minutiflora Beauv. BR- 376 – Paraná – Brasil


Fonte: Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação
Ambiental – www.institutohorus.org.br

A espécie foi descrita pela primeira vez pelo


naturalista francês Palisot de Beauvois, em uma
publicação, no início do século XIX, a partir de um
exemplar colhido no Rio de Janeiro. Sabe-se que o
gênero Melinis possui entre 15 e 20 espécies, mas
apenas M. minutiflora ocorre no Brasil8.
Por sua alta capacidade de dispersão e sua alta
produção de sementes e biomassa, o Capim-gordura é
considerado uma espécie exótica e invasora. Trata-se
de uma invasora extremamente agressiva de difícil
erradicação. Reproduz-se facilmente, possuindo uma
grande quantidade de cariopses9 com alto valor de
germinação10.
81
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

O nome genérico por qual é conhecida essa


gramínea, Capim-gordura, deve-se ao fato de que a
espécie possui uma natureza viscosa, sendo pegajosa
ao toque, devido ao óleo viscoso que é secretado dos
pêlos que recobrem suas folhas e perfilhos, além de
possuir um odor característico, repugnado por algumas
pessoas11.
Na África, sua região de origem, M. minutiflora pode
ser encontrada na parte tropical do continente, ficando
o Brasil como centro de desenvolvimento e dispersão
da espécie. Segundo o Relatório do Ministério da
Agricultura de 194312, o Capim-gordura encontra-se
desde o sul do Saara até a colônia do Cabo.
De acordo com informações obtidas na tese de
doutorado de Carlos Romero Martins13, em sete países
africanos se encontra uma quantidade significativa de
M. minutiflora. São eles: Marrocos, Nigéria, Congo,
Angola, Uganda, Quênia e Tanzânia.
Uma importante característica da espécie em questão é sua
notável capacidade de se estabelecer em terras degradadas,
locais onde outras gramíneas não conseguiriam se
estabelecer. M. minutiflora é a única gramínea que pode
formar pastagem de razoável produtividade, especialmente
quando associada a leguminosas tropicais, em locais de
solo pobre e exaurido14.
A introdução da espécie no Brasil ainda é uma
incógnita para os historiadores, visto que duas versões
são sustentadas por ecologistas e biológos. Uma versão
afirma que M. minutiflora tenha sido introduzida
acidentalmente através dos navios negreiros, essa versão
é sustentada por estudiosos como Carlos Romero
Martins e Roberto Zanin. Enquanto a outra versão
aponta para uma introdução proposital, através do
82
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

incentivo de programas agropecuários, teoria essa


sustentada, especialmente, por pesquisadores como
Morosini e Klink.
Quando se fala de invasão de qualquer espécie
africana no Brasil, a explicação mais simples que se
pode dar é que a espécie veio com escravos em algum
dos inúmeros navios negreiros que cruzaram o Atlântico,
vindos da África, em direção ao Brasil. A constante
utilização dessa explicação acabou banalizando esse
fato, fazendo com que, muitas vezes, embora a história
seja verídica, ela acaba sendo constantemente
questionada por historiadores.15
Segundo Primac e Rodrigues16, o Capim-gordura teria
chego ao Brasil, bem como outras espécies, inclusive
doenças e parasitas, junto as roupas dos escravos. Os
capins africanos teriam sido encontrados, ainda durante
o século XVIII, em invernadas e forragens de cavalos,
próximo ao Rio de Janeiro após uma introdução a partir
das camas de palha dos navios dos escravos17. Além desses
autores, Nelson Pupo18 também aponta as camas de
escravos dos navios negreiros como o transporte entre a
África e o Brasil, onde a espécie se adaptou tão bem que
muitos a consideram nativa da região. Em entrevista
concedida para essa pesquisa, o analista ambiental Carlos
Romero Martins19 aponta o Rio de Janeiro como porta de
entrada de M. minutiflora no Brasil.20 De acordo com
Morosini e Klink21, no entanto, o Capim-gordura foi
introduzido no Brasil através de programas agropecuários
de substituição de pastagens, em meados do século XX.
Uma vez introduzidos no Brasil, essa espécie, graças a
sua agressividade, teria se disseminado em regiões não
destinadas á pecuária, principalmente em regiões de
preservação ambiental.
83
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Apesar desse indicativo, não existe nenhuma prova


concreta de que a disseminação tenha ocorrido através
de qualquer tipo de programa agropecuário, sendo esse
fato mencionado apenas por esses autores. Dessa
forma, as evidências começam a apontar com mais
veemência para a introdução acidental.
Um dos fatores que apontam para a introdução do
Capim-gordura, muito antes de meados do século XX,
ocorre com base no relato feito por Jorge Ramos de
Otero em um manual desenvolvido pelo Ministério da
Agricultura na década de 1950. De acordo com Otero22,
o capim-gordura é uma gramínea de origem indígena,
que cresce espontaneamente nos Estados centrais do
território brasileiro, também é conhecida como capim
catingueiro, capim melado ou meloso. Se na década de
1950, M. minutiflora já se encontrava tão disseminada
na paisagem brasileira a ponto de sua origem ser
erroneamente associada aos indígenas, leva-nos a crer
que a espécie já estava há muitas décadas na região,
tendo possivelmente sido introduzida no Brasil
anteriormente ao século XIX.
Ainda segundo o autor23 a gramínea foi introduzida
em outros países, como nos países da América do Norte,
nas Antilhas, Argentina, Colômbia, litoral e interior do
Congo, em Madagascar e no Kibolo. O que não fica
claro, no entanto, é se o autor considera o Brasil como
ponto de partida dessa disseminação pelo mundo.
São inúmeros os pesquisadores que reproduzem a
fala de alguns elementos chaves que lhes permitem
afirmar que o Capim-gordura foi introduzido no Brasil
durante a vigência do tráfico de escravos no Atlântico.
Desses elementos, dois foram encontrados no decorrer
da pesquisa e apontam para o fato de que muito
84
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

possivelmente a espécie tenha entrado no Brasil no


período colonial.
O primeiro deles é de autoria do naturalista francês
Auguste Saint-Hilaire, que em uma de suas viagens pelo
interior do Brasil iniciada em 1816, menciona a
presença de M. minutiflora na região de Paracatú,
localizada no caminho entre Minas Gerais e Goiás.
Segundo o naturalista, as terras dessa região são boas
para todo tipo de cultivo, porém, é necessário que a
deixe descansar entre uma cultura e outra, por
aproximadamente cinco anos. “[…] Quando se tem o
cuidado de dar ás terras um repouso desta duração, o
capim gordura (Melines minutiflora) não se alastra;
porém, se as enfraquece não interpondo tempo
sufficiente entre dois annos de cultura, a ambiciosa
graminea não tarda a se mostrar”24. Infelizmente, nesse
relato não há outras informações sobre a gramínea em
questão. Mas pode-se levantar a seguinte hipótese: se a
porta de entrada da espécie foi o Rio de Janeiro e no
início do século XIX, o Capim-gordura já se encontra
disseminado no interior do país a ponto de ser conhecido
de tal forma por Saint-Hilaire, pode-se concluir que
desde o século XVIII temos a presença da espécie em
território brasileiro.
A segunda fonte é uma publicação do Ministério da
Agricultura, de 1943,25 na qual a Secção de Agros-
tologia e Alimentação dos Animais dedica um capítulo
inteiro ao Capim-gordura. Nesse relato em que as
vantagens e desvantagens da utilização de M. minu-
tiflora são amplamente discutidas, o autor ressalta que
a forrageira em questão é proveniente da África, embora
alguns autores a considere nativa das Américas. Vale
lembrar que o relato é da década de 1940 e em nenhum
85
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

momento é mencionada a teoria de que a espécie


chegou ao Brasil propositalmente no século XX. Se
ocorreu algum incentivo, para a implantação da espécie
através de programas agropecuários antes da
publicação desse artigo, o Ministério da Agricultura
deveria saber. Se, por sua vez, o incentivo tenha ocorrido
depois desse período, fica claro que a espécie já estava
no Brasil, pois o relato comprova.
Tendo em vista que a caracterização da espécie
ocorreu ainda no século XIX, a partir de uma amostra da
espécie localizada no Rio de Janeiro, aliado ao fato de
Saint-Hilaire registrá-la também nesse período, conclui-
se que a espécie chegou ao Brasil no período que coincide
com o período de tráfico de escravos africanos. Importante
ressaltar, que considerar essa afirmação, no entanto, não
nega que a espécie tenha sido introduzida, posteriormente,
a partir de programas agropecuários. Mesmo a espécie já
estando ambientalizada no interior do Brasil, alguma outra
região que desconhecesse essa existência poderia ter
promovido a introdução.
Outra forma de introdução de espécies foi muito
comum durante todo o período colonial no Brasil. Trata-
se da importação de espécies promovida pelo governo
português, que visava desenvolver em suas colônias
espécies que pudesse lhe render lucros. Dificilmente, M.
minutiflora iria se enquadrar nesse perfil, visto que
naquele momento a criação de gado não era uma
atividade lucrativa para a Coroa portuguesa. Sendo
assim, não haveria necessidade de se introduzir, naquele
momento, de forma intencional o Capim-gordura no
Brasil ou qualquer outra espécie forrageira.
Atualmente, o Capim-gordura se encontra totalmente
disseminado no Brasil. As regiões de maior ocorrência
86
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

da espécie são o planalto central, parte dos Estados de


Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito
Santo, especialmente, no bioma cerrado. Para compre-
ender o estabelecimento dessa espécie no cerrado
brasileiro é necessário analisar o contexto ecológico que
acompanhou esse processo de ocupação de espécies
exóticas e invasoras. Apesar de ser considerado, por
alguns autores, pobre e infértil, o solo do cerrado possui
uma boa estrutura física, que aliada a um relevo
predominantemente plano, favorece a implantação da
pecuária intensiva e agricultura mecanizada. Por esse
motivo, o cerrado tende a ser substituído rapidamente
por culturas e pastagens26. Além disso, a temperatura e
altitude favoráveis, tornando o cerrado brasileiro o
habitat ideal para o desenvolvimento da dessa espécie
invasora.
Além das regiões citadas acima, outras regiões do
Brasil contam com a presença do Capim-gordura, porém
em menor quantidade. São elas: Pará, Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraíba, Bahia, Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Uma vez introduzido no Brasil, o Capim-gordura se
expandiu para as outras regiões da América, por isso,
muitos autores consideram o Brasil como a porta de
entrada de M. minutiflora no Novo Mundo. As primeiras
sementes chegaram aos Estados Unidos em 1899
importadas pelo Departamento de Agricultura, sua
procedência era do Estado de Pernambuco e foi enviada
por Nery da Fonseca. Nos anos subsequentes, inúmeras
regiões da América Latina começaram a receber mudas
de M. minutiflora e em todos esses países de clima
tropical e sub-tropical a experiência foi bem sucedida e
a forrageira prosperou27.
87
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Na África, o Capim-gordura tem inúmeras utilidades.


No Congo, ele é utilizado como repelente sendo
considerado um forte inseticida, usa-se essa forrageira,
também, para construir camas e forrar ninhos de aves28.
Essa característica carrapaticida, que se estende aos
insetos, da espécie foi comprovada pelo Dr. Ciferri,
diretor da Estação Agronômica de Moca, na República
Dominicana.29
O Sr. M. T. Dawe, em viagem à África Ocidental, na
época de colonização Portuguesa, descobriu que a
mosca Tsé-tsé, responsável pela transmissão da doença
do sono era afugentada pelo odor característico de M.
minutiflora.30 Na década de 1940, a forragem mais
utilizada no Brasil, especialmente na região central do
país, era o Capim-gordura, na década de 1960, dos
123 milhões de hectáres de pastagem que o Brasil
possuía, cerca de 30 milhões era utilizado para criação
de gado leiteiro, sendo que essa área possuía como
principal gramínea, M. minutiflora.31
O artigo do Ministério da Agricultura espelha a
importância que o Capim-gordura tinha nesse período
entre as décadas de 1940 e 1960.
Indubitavelmente até a presente data o Capim-gordura tem
sido utilizado sobretudo para formar pastagens. Alias, em
virtude de produzir essa gramínea sementes em abundancia
tem se disseminado espontaneamente, ocupando vastíssima
extensão de terreno sem ter havido, propriamente, a
intervenção do homem. Devido ao seu aroma um tanto
ativo alguns animais no começo não o apreciam, recusando
mesmo aceitá-lo, mas em muito pouco tempo habituam-se
a consumi-lo e depois preferem-no a muitas outras
forrageiras.32
Uma qualidade da planta em questão é sua grande
resistência ao pisoteio, além de que por ser uma planta
88
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

invasora, que se alastra com facilidade, é possível utilizá-


la para abafar as ervas daninhas, como a “tiririca” e a
“grama da seda”. Uma desvantagem na utilização do
capim-gordura, no entanto, está no fato de que é uma
planta exclusivista, que raramente se associa a outra
forrageira, o que não é muito aconselhável, visto que a
associação de plantas seria muito útil do ponto de vista
nutricional.33
Apesar desse entusiasmo inicial demonstrada pelo
Ministério da Agricultura, nas décadas subsequentes,
as deficiências do capim-gordura começam a ser
percebidas e a espécie passa a ser substituída por outras
forragens. Na década de 1970, M. minutiflora se
apresenta como um problema ecológico na região. Por
apresentar baixa capacidade de suporte, não suportar
o pastoreio intensivo e apresentar baixa produtividade,
a espécie começa a ser substituida por Brachiaria,
Panicum e Andropogon. A partir de então, o capim-
gordura passa a ser utilizada em trabalhos de
recuperação de áreas degradadas, mas na década
seguinte começou, novamente, a ser substituída por
Branchiaria decumbens e, atualmente, é pouco utilizada
com essa finalidade.34
Recentemente, uma nova forma de utilização do
capim-gordura tem sido incentivada no Brasil, em uma
visita ao site da Defesa Civil de Santa Catarina35, na
sessão em que se orienta a população sobre o que fazer
para evitar deslizamentos de encostas, pode-se observar
o incentivo no plantio de M. minutiflora nas encostas
dos morros. A ideia é cobrir as encostas dos morros
com vegetação, nesse caso o capim-gordura e outras
espécies de gramíneas semelhantes, para proteger a terra
dos deslizamentos.
89
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Em entrevista, Vânia Regina Pivelo36 explica que


qualquer tipo de gramínea com raízes abundantes seriam
úteis para prevenir o desmoronamento. E na falta de
conhecimento de espécies nativas, a tendência é indicar
espécies africanas.37
Além disso, para Carlos Romero Martins,
O uso de espécies exóticas no coquetel de sementes para
revegetação de taludes de corte/aterro de estradas é uma
prática antiga no país. No caso, esse procedimento é em
decorrência de não termos espécies nativas que substitua o
papel das espécies introduzidas. O gordura tem a capacidade
de um recobrimento rápido dessas áreas, só que devido a
sua agressividade impede o estabelecimento das espécies
nativas. Seria importante que fosse elaborado uma proposta
de manejo de longo prazo que visasse a sua substituição
por espécies nativas da região (herbáceas/arbustivas).38
M. minutiflora possuí uma rápida disseminação,
fazendo com que a espécie se alastre com facilidade. A
invasão dessa forrageira está associada a distúrbios
ambientais, especialmente quando ocorre a presença
do fogo. Após esse evento, o capim-gordura aparece na
região, muito agressivo e com alto potencial de invasão.
Além dessa invasão natural da espécie, ainda
ocorreram outras ações intencionais da população em
geral visando aumentar a área de ocupação da espécie,
durante as décadas de 60 e 70. Algumas familías de
camponeses da região central do Brasil costumavam
colher sementes da forrageira na beira das estradas e
as vendiam para comerciantes locais, que por sua vez
revendiam as sementes diretamente para pecuaristas
ou companhias de sementes39.
Outra forma curiosa da disseminação da gramínea
foi relatada pelo Sr. Luiz Van Beethoven Benício de
Abreu, em entrevista ao pesquisador Roberto Zanin. Ao
90
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

ser questionado sobre as formas de introdução do


Capim-gordura em uma área de preservação ambiental,
denominada Parque Nacional de Brasília (PNB), o
entrevistado surpreendeu ao relatar que uma das formas
de introdução ocorreu porque as sementes foram
jogadas de um avião, a mando do ex-presidente da
República, o Sr. João Goulart, que na época possuía
uma fazenda nas proximidades do PNB.
Segundo o entrevistado:
O João Goulart tinha uma fazenda grande em Niquelândia
[...] ele jogou sementes de capim-gordura de avião. Começou
por lá e depois jogou por aqui. Ele morou algum tempo na
Granja do Torto [...] ele semeou tudo em volta de Brasília
[...] a idéia dele era que o capim gordura iria trazer uma
grande vantagem [...] de avião, ele via uma clareira no
Cerrado e lançava as sementes.40
Além do cerrado, outras regiões do Brasil, hoje,
contam com a presença da forrageira Capim-gordura.
De acordo com as informações contidas no site do
Instituto Horus41, pode-se constatar que M. minutiflora
ocorre em todas as regiões do país, em diversos biomas,
porém sempre com a mesma característica: a espécie
só ocupa regiões já degradadas.
M. minutiflora, como grande parte das espécies
exóticas e invasoras, apresenta-se como grande risco a
biodiversidade da região por ela ocupada, uma vez que
vai impedir o desenvolvimento das gramíneas nativas,
além de alterar a cadeia alimentar da fauna local,
alterando todo o ecossistema.
Além disso, o Capim-gordura apresenta algumas
características particulares que prejudica ainda mais a
região por ela ocupada. Entre essas características,
destaca-se a produção de grande quantidade de
91
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

biomassa combustível produzida por ela, especialmente


nos períodos de seca, o que acaba por alterar o regime
de fogo das áreas invadidas e facilita a ocorrencia de
grandes incêndios. Esses incêndios são produzidos
também em virtude da presença de resina inflamável
nessa espécie, o que implica em temperaturas elevadas
se comparada com a temperatura do ar em queimadas
na vegetação nativa42.
Outro problema ocasionado pela presença de M.
minutiflora está no valor nutricional dessa forrageira para
a alimentação do gado. Segundo Zanin, um pasto
ocupado por um único capim exótico não fornece um
regime balanceado para o gado. O que acaba gerando
doenças no gado, originadas a partir da deficiência
alimentar, especialmente nos períodos de seca, quando
os capins param de extrair sais minerais do solo43.
Os pesquisadores, atualmente, estão estudando
formas de combater a presença dessa espécie no Brasil.
Em entrevista concedida por Carlos Romero Martins ao
pesquisador Roberto Zanin, fica evidente as diversas
tentativas que se tem feito nos últimos anos para
combater essa espécie. Segundo o entrevistado, a
utilização apenas do fogo não é eficiente. Em uma
experiência realizada por seu grupo de pesquisa,
constatou-se que é preciso utilizar o fogo, seguido de
aplicação de um herbicida glicosado pontual apenas
na touceira e, por último, promover o arranquio nas
plântulas que se estabeleceram. Para Martins, esse é um
experimento que se mostra promissor para o combate
a espécie.44
Vale lembrar que essa pesquisa, na condição de um
estudo histórico, não pretendeu de forma alguma recriar
uma imagem negativa da espécie, mas sim entender de
92
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

que forma ela foi introduzida em território brasileiro,


bem como as mudanças na percepção sobre essa planta
exótica. Além disso, é importante ressaltar que M.
minutiflora na condição de espécie invasora no Brasil
apresenta alguns riscos que não se desenvolve em seu
habitat natural, local onde ela possui inúmeras
qualidades.

Notas:

1 CROSBY, Alfred W. Imperialismo ecológico


ecológico:: a
expansão biológica da Europa 900-1900. São Paulo:
Companhia das Letras; Schwarcz, 1993.
2 DIAMOND, Jared. Ar mas, Ger
Armas, mes e Aço
Germes Aço. Rio de Janeiro:
Ed. Record, 2008.
3 SOUZA, Francisco H. Dübbern de. As sementes de
espécies forrageiras tropicais no Brasil. Campo
Grande: RMBRAPA/CNPGC, 1984, [s/p].
4 MARTINS, Carlos Romero. Caracterização e manejo
da gramínea Melinis minutiflora P P.. Beauv
Beauv.. (capim-
gordura): uma espécie invasora do cerrado. Brasília: UNB,
2006. Tese (Doutorado) – Universidade de Brasília. Brasília,
2006, p. 9.
5 Ibidem, p. 13-14.
6 Ibidem, p. 11.
7 MINISTÉRIO DA AGRICULTURA. Seção de Agrostologia
e Alimentação dos Animais. O capim-gordura. Rio de
Janeiro, publicação 6, 1943, p. 7.
8 MARTINS, Op. Cit., p. 9.
9 Cariopse é um tipo de fruto cuja semente é presa no
pericarpo.
10 FILGUEIRAS, Tarcísio S. Africanas no Brasil: Gramíneas
Introduzidas da África. Cadernos de Geociências
Geociências. Rio
de Janeiro, n. 5, 1990, p. 59.
93
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

11 AIRES, Felipe Salvo. Desenvolvimento de técnica de


manejo
manejo,, sem uso de agentes químicos, no controle
da espécie invasora Melinis minutiflora Beauv Beauv..
(capim-gordura) para aplicação em áreas de campo
sujo
sujo. Brasília: UNB, 2009. Dissertação (Mestrado) –
Universidade de Brasília. Brasília, 2009, p. 11.
12 MINISTÉRIO DA AGRICULTURA. Op. Cit., p. 1.
13 MARTINS, Op. Cit.
14 CURADO, Teresa de Fátima Cardoso; COSTA, Nuno Maria
de Souza. Gramíneas para pastagens cultivadas em Minas
Gerais.. Inf
Inf.. Agropec
Agropec. 6 (71) nov. 1980, p. 7.
15 Ver CORREA, Sílvio Marcus de Souza. Africanidades na
paisagem brasileira. INTERthesis
INTERthesis, Florianópolis, v. 7, n.
1, p. 96-116, 2010.
16 PRIMACK, R. B.; RODRIGUES, E. Apud ZANIN, Roberto.
Aspectos da introdução das espécies exóticas exóticas: o
capim-gordura e a branchiária no Parque Nacional de
Brasília. Brasília: UNB, 2009. Dissertação (Mestrado) –
Universidade de Brasília. Brasília, 2009, p. 19.
17 ZANIN, Op. Cit., p. 29.
18 PUPO, Nelson Ignacio H. Manual de pastagens e
forrageiras. Campinas: Instituto Campineiro de Ensino
Agricola, 1979, p. 75.
19 Carlos Romero Martins é doutor em Ecologia pela
Universidade de Brasília. Atualmente, atua como analista
ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recusos Naturais Renováveis (IBAMA).
20 MARTINS, Carlos Romero. Entr evista sobr
Entrevista sobree M.
minutiflora
minutiflora. Mensagem recebida por simoni.mendes
@yahoo.com.br, em 25 de agosto de 2010.
21 MOROSINI, I. B.; KLINK, C. A. Interferência do capim-
gordura (Melinis minutiflora Beauv) no desenvolvimento de
plântulas de embaúba (Cecropia pachystachya Trécul). In:
LEITE, L.L.; SAITO, C.H. Contribuição ao conheci-
mento ecológico do Cer rado
rado. Brasília: Universidade de
Cerrado
Brasília, Dep. De Ecologia, 1997, p. 83.
94
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

22 OTERO, Jorge Ramos de. Infor mações sobr


Informações sobre
e algumas
plantas forrageiras
forrageiras. Rio de Janeiro: Ministério da
Agricultura serviço de informação agrícola, 1952, p. 20.
23 Ibidem, p. 25.
24 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem às nascentes do
rio S. Francisco e pela provincia de Goyaz
Francisco Goyaz. Tomo I.
São Paulo: Companhia Editoral Nacional, 1937, p. 266.
25 MINISTÉRIO DA AGRICULTURA. Op. Cit., p. 1.
26 PIVELLO, V. R. Invasões biológicas no cerrado brasileiro:
efeitos da introdução de espécies exóticas sobre a
biodiversidade. Ecologia Info
Info, Suécia, v. 33, 2005.
Disponível em: http://www.ecologia.info/.
27 Ibidem, p. 2.
28 AIRES, Op. Cit., p. 11.
29 MINISTÉRIO DA AGRICULTURA. Op. Cit., p. 23.
30 Ibidem, p. 22.
31 ZANIN, Op. Cit., p. 31.
32 MINISTÉRIO DA AGRICULTURA. Op.Cit., p. 20.
33 Ibidem, p. 8.
34 MARTINS, Op. Cit., p. 16.
35 DEFESA CIVIL DE SANTA CATARINA. Como agir em
caso de desastres
desastres: deslizamentos. Disponível em: http://
w w w. d e f e s a c i v i l . s c . g o v. b r / i n d ex . p h p ? o p t i o n =
com_content&task=view&id=184&Itemid=239. Acesso
em 15 de julho de 2010.
36 Vânia Regina Pivello possui doutorado em Environmental
Technology, na University of London. Atualmente, atua como
professora no Departamento de Ecologia, da Universidade
de São Paulo.
37 PIVELLO, Vânia Regina. Entr evista sobr
Entrevista sobree M.
minutiflora. Mensagem recebida por simoni.mendes
minutiflora
@yahoo.com.br, em 07 de julho de 2010.
95
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

38 MARTINS, Carlos Romero. Entr evista sobr


Entrevista sobree M.
minutiflora
minutiflora. Mensage recebida por simoni.mendes@
yahoo.com.br, em 25 de agosto de 2010.
39 SOUZA, Francisco H. Dübbern de. As sementes de
espécies forrageiras tropicais no Brasil. Campo
Grande: RMBRAPA/CNPGC, 1984, [s/p].
40 ABREU. Apud ZANIN, Roberto. Op. Cit., p. 50.
41 INSTITUTO HORUS. Locais de Ocorrência do Capim
Gordura
Gordura. Disponível em: http://i3n.institutohorus.org.br/
ver_ocurrencias_localidades.asp?id_especie=86. Acesso em
15 de julho de 2010.
42 MARTINS, C.R.; HAY, J. V.; CARMONA, R. Potencial
invasor de duas cultivares de Melinis minutiflora no cerrado
brasileiro – características de sementes e estabelecimento
de plântulas. R. Ár vor
Árvor
voree, Viçosa, MG, v. 33, n. 4, 2009, p.
174.
43 ZANIN, Op. Cit., p. 29.
44 MARTINS. Apud ZANIN, Op. Cit., p. 74.
96
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental
97
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

A invasão do e no pasto:
a introdução da Brachiaria radicans Napper e
suas consequências nos arredores da lagoa
de Sombrio – SC

Alfredo Ricardo Silva Lopes

O presente trabalho pretende historicizar o processo


de introdução da gramínea Brachiaria radicans Napper,
também identificada como Brachiaria arrecta Stent e
vulgarmente chamada de tanner-grass ou capim-gabriel,
no entorno da Lagoa de Sombrio-SC. Neste contexto, a
introdução da espécie exótica será relacionada ao
quadro de degradação que foi produzido no corpo
lacunar. A intersecção de condicionantes naturais e
antrópicos, no meio em questão, gerou uma situação
98
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

onde a degradação ambiental foi potencializada pela


introdução de uma espécie exótica.
Desta forma, duas histórias se entrelaçam: a traje-
tória da espécie exótica, que trazida do seu local de
origem, encontrou, em outro meio, condicionantes
diferenciados que colaboraram para o caráter invasivo
que lhe é atribuído; a segunda história é a do corpo
d’água, que por seus atributos peculiares e práticas de
utilização dos recursos naturais vem sofrendo um
processo de degradação que teve seu início a partir da
década de 1950. Neste caminho, a narrativa deste
trabalho privilegiará os dois processos a fim de
evidenciar como e onde os emaranhados “destinos” dos
objetos em questão produziram o quadro que hoje gera
preocupação aos municípios limítrofes da Lagoa de
Sombrio1.
A História Ambiental parte da premissa de que a
experiência humana no planeta não ocorreu, e não
ocorre, sem a interação dos seres humanos com o
ambiente que os cerca 2. Desta forma, o presente
trabalho se vale deste modelo interpretativo para analisar
a degradação ambiental como um processo que engloba
condicionantes sociais, culturais e naturais, onde as
diferentes maneiras com que cada cultura se apropria
dos recursos naturais aglutinadas às características do
ambiente devem ser vistas como variáveis de uma grande
equação, que neste caso tem como saldo a deterioração
das antigas características do ambiente.
A Brachiaria radicans Napper é uma gramínea que
pertence à família das Poaceae (Gramineae). Uma das
mais importantes famílias das Angiospermas, devido a
sua importância econômica e ecológica; sua ampla
distribuição geográfica; e seu elevado número de
99
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

espécies, que inclui cerca de 793 gêneros e 10.000


espécies, distribuídas em todas as regiões do globo,
sendo que no Brasil ocorrem aproximadamente 197
gêneros e 1368 espécies3. A B. radicans Napper tem
como habitat natural áreas alagadas e mal drenadas,
possui uma alta palatabilidade para os bovinos, mas
devido à baixa carga protéica e problemas de
intoxicação vem sendo pouco utilizada como
forrageira4. A gramínea, que também recebe o nome de
B. arrecta, é originária da África, mais precisamente da
região onde estão localizados os países Quênia, Uganda
e Tanzânia, países que margeiam o Lago Victoria, e da
região tropical sulafricana5.
Diversos sítios da internet se apropriam da mesma
explicação para relatar a origem da gramínea6.
Joe Tanner, fazendeiro da Rhodésia trouxe a B. radicans de
uma fazenda para a Marandella Grassland Research Station,
onde foi cultivada como gramínea de pastagem e
posteriormente introduzida em outros países da África,
Guiana Francesa e Brasil7.
A referência recai sempre sobre a mesma obra
Tropical Pasture and Fodder Plants8 de A.V. Bogdan,
este livro foi publicado inicialmente em Londres e um
ano depois nos EUA, pela mesma editora a Longman
Group Limited. Vale ressaltar que o agricultor da
Rhodésia (atual Zimbábue) ou era de origem inglesa ou
tinha seus antepassados ingleses, uma vez que a
Rhodésia era uma colônia inglesa até 1953. A
Morandella Grassland Research Station foi fundada em
1929 quando o atual Zimbábue ainda era uma colônia
inglesa, a estação de pesquisa, segundo o próprio sítio
virtual, se preocupava com o estudo de espécies vegetais
para melhorar a alimentação do gado9. Apesar do
100
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

governo inglês dirigir as pesquisas e a introdução dessa


gramínea em outras partes da África, segundo o
pesquisador inglês, ela também foi introduzida nos EUA,
América Central, Guiana Francesa e no Brasil por
iniciativas diversas10.
Ao se apropriar do trabalho de Sedulsky11, o manual
sobre gramíneas forrageiras do gênero Brachiaria da
EMBRAPA afirma que no Brasil durante a década de
1980 existiam
16 espécies deste gênero, das quais cinco são nativas, três
foram provavelmente introduzidas há várias décadas, sendo
portanto consideradas como nativas, e sete foram
introduzidas recentemente, sendo cultivadas como
forrageiras12.
Na relação das espécies introduzidas recentemente
está a B. radicans Napper. Os livros, manuais e trabalhos
acadêmicos sobre as espécies “recentemente” inseridas
no Brasil não explicitam o quão recente é esse processo,
o que chega a ser um problema para os historiadores
mais cautelosos às datas. Entretanto, com base no segun-
do grupo, na catalogação das espécies introduzidas e
tidas como nativas, aparece a referência “provavelmente
há dezenas de anos” 13 . Esta constatação pouca
relevância tem sobre a datação exata da entrada das
gramíneas exóticas no país, mas fornece uma
substancial ideia sobre noção de tempo do escritor do
guia da EMBRAPA14, pois ao salientar que as espécies
tidas como nativas foram introduzidas há no mínimo
mais de duas décadas, o “recentemente”, anteriormente
exposto, ganha contornos mais palpáveis, dando a
entender que a B. radicans possivelmente chegou ao
Brasil a partir da década de 1950.
101
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

A introdução e utilização das gramíneas do gênero


Brachiaria é defendida pela Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária em razão da facilidade de
adaptação tanto a solos pobres sujeitos a secas
estacionais, quanto a solos úmidos e férteis. Além da
adaptabilidade, outros fatores são evidenciados como
preponderantes para o cultivo da espécie, como: alta
produção de matéria seca; não apresentam problemas
limitantes de doenças; crescimento bem distribuído
durante maior parte do ano. Ainda segundo a empresa,
a utilização do gênero vai crescer em todo o país, com
o desenvolvimento do programa de expansão da
pecuária no Norte e Centro do Brasil15.
O posicionamento da EMBRAPA se mostra claro no
tocante ao cultivo das gramíneas para o melhoramento
do teor nutritivo da alimentação do rebanho. Entretanto,
a mesma não leva em consideração o potencial de
disseminação dessas plantas, que fora do seu espaço
de origem, demonstram possuir uma capacidade de
dispersão e de competição muito superior às gramíneas
nativas.
O trabalho de Vânia R. Pivello, professora do
Departamento de Ecologia Geral da Universidade de
São Paulo, sobre Invasões Biológicas no Cerrado
Brasileiro: Efeitos da Introdução de Espécies Exóticas
sobre a Biodiversidade expõe que as invasões biológicas
são os maiores problemas ecológicos da atualidade, pois
o alastramento de espécies exóticas ocorre de forma
que as invasoras tendem a dominar o ambiente e causar
danos às nativas, contribuindo para a diminuição da
biodiversidade16. O trabalho da ecóloga enfoca as duas
espécies de gramíneas exóticas que mais se
disseminaram pelo bioma Cerrado, a Melinis minutiflora
102
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Beauv(Capim-Gordura) e a Brachiaria decumbens


Stapf(Capim Braquiária) competem e vencem as
espécies nativas17. Segundo o Instituto Hórus, que trata
de desenvolvimento e conservação ambiental, “todas
as espécies de Brachiaria introduzidas escapam ao
cultivo, invadem áreas cultivadas e competem com
espécies nativas” 18. Diversas formas de controle –
controle biológico, arranquio, fogo, sombreamento, – são
elencadas por Pivello. Contudo, por falta de pesquisa
sobre a invasão das gramíneas, medidas corretivas
eficazes ainda não foram tomadas19. Além disso, em
razão da utilização da forrageira para incrementar os
ganhos econômicos com a criação de gado as pesquisas
científicas na maioria das vezes privilegiam o mercado,
em vez do bioma.
Antes de se tratar sobre a introdução da B. radicans
na região sul de Santa Catarina, cabe a historicização
da ocupação das margens da Lagoa do Sombrio, bem
como, a utilização dos recursos naturais disponíveis no
ambiente.
A Bacia Hidrográfica do Rio Mampituba situa-se
entre dois estados: Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
No manancial compartilhado entre os dois estados
ficam evidentes as semelhanças no relevo e hidrografia,
logo, o desenvolvimento das práticas agrícolas foi
semelhante nos dois lados da divisa estadual. Segundo
Holn, “A área total da bacia é de 1.940 km², sendo 37%
(712 km²) no Rio Grande do Sul e 63% (1.228 km²) em
Santa Catarina”20. A bacia alcança atualmente total ou
parcialmente 18 municípios, sendo que 10 estão do lado
catarinense e 8 no rio-grandense. A Lagoa de Sombrio,
situada no lado catarinense, deságua diretamente no
rio Mampituba.
103
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

A contribuição do padre Raulino Reitz é essencial


para caracterização geográfica da lagoa e dos seus
entornos, pois por meio de suas definições e
mapeamentos realizadas na década de 1940 torna-se
possível analisar as transformações no meio, além, é
claro, de fornecer os depoimentos que ampararam as
constatações iniciais desta pesquisa21.
Outra fonte que muito auxilia nas caracterizações
sobre a Lagoa de Sombrio são os relatórios para análise
ambiental do corpo d’água, estes estudos possuem tanto
informações referentes às peculiaridades quanto aos
atuais níveis de poluição, salinização e diminuição da
lâmina d’água. Entretanto é necessário salientar que os
dados presentes nos relatórios são dados atuais, servindo
apenas como indicativos das transformações ocorridas
no corpo d’água.
A Lagoa do sombrio abrange uma área de 51,17 Km²,
tendo como perímetro 50,46 Km e comprimento máximo
de 16.700m. Seu volume integrado a partir de 8 seções é
de 28.979.400 m3. Na lagoa encontram-se profundidades
de até 2 m, sendo sua profundidade modal igual a 0,90 m,
já a declividade média da lagoa é de 0,05%. Sendo que seu
centro geográfico está localizado nas coordenadas N=
6.770.950m e E = 626.623m22.
No tocante as dimensões da lagoa, é necessário
salientar que a mesma possui dois corpos, que podem
ser divididos pela estreita passagem, também conhecida
como “travessio”, que existe nas proximidades da divisa
quádrupla entre os municípios de Santa do Sul,
Balneário Gaivota, Passo de Torres e São João do Sul.
O corpo norte possui, atualmente a partir das
constatações do relatório da UNISUL, um comprimento
de 10.550m e largura de 4.550m, já o corpo sul tem um
comprimento de 6.150 e largura de 4.270m.
104
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

A chegada dos primeiros colonizadores na região é


marcada pela pequena migração que fizeram os
lusobrasileiros da Vila de São Domingos de Torres em
1945, que se estabeleceram no sul de Santa Catarina
via Lagoa de Sombrio. Este processo não aconteceu
sem embates por território com os indígenas Carijós,
entretanto estes antecedentes históricos não perpassam
os objetivos desse trabalho.
Um dos fatores que dinamizou o povoamento na
região foi o tropeirismo. A partir do século XVII o
transporte de gado da Província São Pedro do Rio
Grande para as Minas Gerais fez do sul do litoral
catarinense parte do primeiro caminho até Sorocaba.
Na passagem do gado surgiram as primeiras trilhas, o
pisoteio do rebanho abriu passagens que nunca mais
foram fechadas.
O impulso povoador do tropeirismo também se deu
em virtude do incipiente comércio realizado por estes
indivíduos e da necessidade de parada em locais
específicos durante a jornada. Assim, com o passar das
décadas e o desenvolvimento desses núcleos, cidades
apareceram nos entrepostos de troca e comércio23.
Posteriormente, com a utilização da serra como caminho
para o Sudeste o “Caminho dos Conventos” perdeu sua
importância, entretanto o tráfego de tropeiros resistiu
atendendo aos mercados locais até a construção da BR-
101, em 197124.
Marco na localização da lagoa e um dos monumentos
naturais mais conhecidos na região são as Furnas de
Sombrio, que segundo relatos dos primeiros luso-
descendentes, estavam localizadas às margens da Lagoa
de Sombrio, como aponta Reitz.
105
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Encantadora e vistosa furna se acha no ponto mais avançado


da série de morros areníticos que percorre o sul do município
de Araranguá. É visto a 2 km da vila de Sombrio. Os seus
arredores são admiravelmente belos e recordam saudades
a todos que os viram. Amplo plano se estende ante sua
boca, que beija as doces águas da Lagoa de Sombrio. [...]
Monumental é a sua entrada. Figueiras, orquídeas, bromélias
e lianas adornam a sua fachada. [...] O silêncio litúrgico
vagueia pelo espaço25.
Atualmente, a distância entre as Furnas e a lagoa
chega a aproximadamente 800 metros. Os atributos
conferidos ao local por Reitz focalizam o universo de
significação onde o padre estava inserido, ao tratar do
silêncio litúrgico transforma a furna em um espaço
clerical, logo, sagrado. Essa leitura coaduna com as
características gerais da área no tocante à admirável
beleza e as “doces” águas da lagoa, que certamente
eram salobras, em virtude da constante entrada de água
do mar pela parte sul da lagoa.
“A “vocação” para a pecuária no entorno da lagoa
era favorecida pela severidade do inverno na serra. Via
Serra do Faxinal, os pecuaristas rio-grandenses traziam
o gado no inverno para engordar nos pastos do litoral,
esse processo era chamado de invernada. Raulino Reitz
afirma que diversos criadores se estabeleceram nos
campos litorâneos a fim de melhorar a produção de
gado, “as extensas pastagens ao norte e ao sul da Lagoa
do Sombrio, bem como os campos litorâneos, acham-
se repletos de rezes”26. A “vocação” pecuária também
dirigiu a comercialização de artigos de couro na região,
que pelo comércio tropeiro eram direcionados para o
Rio Grande do Sul.
Antes da construção da BR-101 em 1971, era através
da lagoa que os produtos regionais (madeira, mandioca,
106
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

cerâmica) mais facilmente escoavam até o porto de


Torres-RS. Com o asfaltamento da rodovia, mudando o
escoadouro econômico regional, a Lagoa de Sombrio
perdeu visibilidade e, consecutivamente, importância
frente à comunidade. Ainda, durante a década de 1970,
foi criado um canal entre a Lagoa do Caverá (pertencente
aos municípios de Araranguá e Sombrio) e a Lagoa de
Sombrio, a ligação entre as duas lagoas já existia, mas
era sinuosa. No mesmo projeto, a ligação da Lagoa de
Sombrio com o Rio Mampituba que também era
sinuosa. Com a efetivação desse projeto a vazão de água
aumentou, a lâmina d’água da lagoa diminuiu e,
sucessivamente, cresceram as terras utilizáveis para a
agricultura.
A bacia do rio da Laje (canal entre as lagoas do
Caverá e Sombrio) constitui-se também em ambiente
reconhecido como impactante negativo da Lagoa do
Sombrio. Atividades antrópicas desenvolvidas no
interior desta bacia como a agricultura, fecularia e
cerâmica, somadas aos dejetos urbanos, são citados
como catalizadores da degradação da Lagoa.
107
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Figura 4: - Brachiaria radicans nas margens do Rio da Laje.


Fonte: acervo do autor.

Entretanto, nas entrevistas realizadas pelo


documentarista Gustavo Rotta Camargo com atuais
pescadores da lagoa, na produção do vídeo-
documentário “Lagoa de Sombrio: Seu povo fala”, de
2009, surgiu mais uma questão que segundo o
entrevistado Pedro China poucos levam em
consideração. A extração da turfa na região norte da
Lagoa do Caverá. A turfa é um combustível orgânico
rico em restos vegetais. Era utilizada inicialmente na
combustão dos fornos de olarias na região de Criciúma.
Segundo o pescador, os caminhos retilíneos produzidos
para aumentar a velocidade da água em direção ao rio
Mampituba e, posteriormente, ao mar foram criados
para secar a zona turfeira. Não existem indícios que os
dois processos, a rizicultura e extração da turfa, tenham
sido realizadas em conjunto, mas ação sistêmica
108
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

contribuiu enormemente para degradação da lagoa.


A rizicultura voltada ao abastecimento do mercado
regional foi empreendida a partir de 194027. Dados não
precisos fornecidos por agricultores locais afirmam que
a técnica de cultivo do arroz irrigado chegou à região
Sul de SC no início da década de 1960. Em conversas
com os habitantes locais fica claro que muitos
consideram que a intervenção realizada nos cursos da
Lagoa de Sombrio foi produzida unicamente para
aumentar o cultivo do arroz, pois as águas poderiam
ser usadas para irrigação da plantação e, posterior,
aumento da área cultivada.
Somado a esse tema estaria a introdução de
agrotóxicos no estado, através de programas de extensão
rural da extinta ACARESC28. Pois, a disseminação de
defensivos agrícolas está diretamente ligada a fundação
da ACARESC em 195729. Devido ao Programa
PROVÁRZEAS implantado na década de oitenta, que
consiste no aproveitamento das várzeas irrigáveis para
o cultivo do arroz, a prática agrícola ocupou cada vez
mais as terras próximas dos rios e lagoas.
Como ponto chave para explicar a industrialização
local, o estudo de Leila Maria Vasquez Beltrão (A
Industrialização em Sombrio/SC: Gênese e evolução)
apropria-se da análise sobre a pequena produção
mercantil e a industrialização das áreas coloniais do
Sul brasileiro de Armen Mamigonian. Nesta perspectiva,
afirma que apesar de vinculada ao pólo dinâmico
nacional (São Paulo),
a industrialização no sul desenvolveu centros com dinamismo
próprio. Aqui [em Sombrio] a pequena produção mercantil
de origem agrária, aliada ao pequeno capital comercial, a
experiência artesanal, a presença de operários de origem
109
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

européia e uma divisão social do trabalho forneceu as bases


para uma evolução [industrial]30.
As explicações de Beltrão sobre a entrada do
município na conjuntura industrial capitalista apesar
de devidamente acertadas, perdem de vista um fator
preponderante, a influência do meio na incipiente
industrialização da segunda metade de século XX. Não
se trata de afirmar um determinismo do meio ou, até
mesmo, exclusiva dependência da indústria da matéria-
prima local. Mas, de se levar em consideração que o
tipo de produção e os meios para transporte de
mercadorias estavam diretamente relacionados às
condições que o meio oferecia e ao resultado do
envolvimento das culturas luso-descendente e indígena.
Exemplo disso são os produtos desenvolvidos nesse
primeiro estágio manufatureiro. Os calçados são
derivados da experiência manufatureira com o couro,
abundante na região por causa dos excelentes campos
para pecuária. A indústria alimentícia estava
diretamente vinculada com as fecularias, herança dos
indígenas. A Cerâmica e Moveleira descendem do
extrativismo das primeiras olarias e serrarias. Sendo
ainda relevante salientar que todas estas características
estavam inseridas num contexto onde a região possuía
a maior parte de sua população na área rural, onde
imperava a policultura e o trabalho familiar. Pois, apesar
da vinculação com mercados regionais como Torres-
RS e Laguna-SC as articulações econômicas ainda
eram embrionárias.
Desta forma, serve como marco a construção da BR-
101 tanto para conferir mobilidade e potencializar a
ocupação do território, quanto para escoamento de
produtos a outras regiões. Pois, a circulação de
110
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

mercadorias em âmbito regional ocorria por meio


lacustre até o final da década de sessenta. O envio da
extração de madeira e dos produtos cerâmicos também
se dava via Lagoa de Sombrio, lanchas maiores
desaguavam a produção no porto gaúcho. Já a
comunicação com o porto de Laguna, para escoamento
principalmente da farinha de mandioca, ocorria por
carretas de bois31.
As consequências ambientais da inserção da região
no modelo industrial contemporâneo estão diretamente
articuladas com a exaustão da matéria-prima e/ou
degradação do meio. O setor madeireiro (posteriormente
moveleiro) passou por grandes dificuldades com a
escassez de madeira já nos anos setenta, segundo
Beltrão com a fiscalização da FATMA32 e IBAMA33 a
partir do final dos anos oitenta a crise aumentou34.
A rizicultura nas margens da Lagoa de Sombrio foi
proibida pelo Ministério Público em 2005. Devido ao
intenso uso de insumos químicos e agrotóxicos é elevada
a concentração de Nitrogênio, Fósforo e Potássio nas
águas da lagoa. Entretanto, nos cursos d’água próximos
à lagoa, o cultivo de arroz irrigado continua sendo
efetuado. A indústria da fécula vem se adaptando às
novas implicações legais para seu funcionamento.
O processo tardio de industrialização do município
de Sombrio repercutiu de várias formas sobre o setor
primário. Leila Beltrão avalia a participação da
População Economicamente Ativa de 1970 a 1991, o
setor primário sai de uma contribuição de 68,3% para
24,1, respectivamente35. Na conjuntura de crescimento
industrial eclodiu uma migração das regiões rurais do
município para a formação de zonas periféricas na
cidade, quadros como esse são um dos reflexos da
111
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

redução da participação do setor primário. Outro ponto


importante conectado a população da zona rural, mais
precisamente aqueles fixados às margens da lagoa é
que com a degradação da Lagoa de Sombrio a
possibilidade de subsistência, mesmo tendo ciência da
natureza policultora das propriedades, é drasticamente
ameaçada. Ambos os fatores possuem ainda uma
natureza interativa, que potencializa a concentração
populacional no ambiente urbano do município.
A pesca, componente indispensável para a
manutenção das populações tradicionais encontrou
diversos problemas. A falta de peixes também ocorre
em virtude da pesca predatória, quando pescadores não
credenciados às colônias de pesca além de utilizaram
redes proibidas para peixes menores, não respeitam o
período em que a pesca deve ser interrompida. A
necessidade de fiscalização está presente na fala do Sr.
Pedro China, morador do Morro dos Macacos, afirma
que no passado os “pescadores tiravam da lagoa só o
que precisavam, mas hoje é diferente, eles [os
pescadores de fora] vêm com malha fininha e levam
tudo”36. O choque dos modos de vida influenciados pelas
transformações econômicas, como esta apontada pelo
entrevistado, já foi analisado por outros pesquisadores.
Em Pescadores da Modernagem, Wellington Castellucci
Júnior trata das transformações culturais, do trabalho e
da memória em Tairu-BA. Na obra a “modernagem”,
forma com que os pescadores locais tratam a
modernidade, é retratada como desfiguradora das
tradições e costumes37.
Um fator importante de degradação da Lagoa de
Sombrio é diretamente relacionado com a industria-
lização e crescimento do município de Sombrio. O
112
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

esgoto doméstico e os resíduos sólidos da cidade até o


ano de 2008 eram jogados em sua totalidade na lagoa,
a situação vem se tornando mais grave, pois de 1996
até 2002 a população do município aumentou quase
10%38.
O direcionamento do esgoto doméstico do centro do
município e o deságue dos efluentes originados do lixão
foram altamente impactantes no manancial da lagoa,
pois a partir do Estudo de Impacto Ambiental produzido
pela Empresa Junior do curso de Engenharia Ambiental
da UNISUL pôde se averiguar que os problemas de
eutrofização da parte norte da lagoa são, em boa
medida, causados pelo lançamento destes detritos. Pois
“os esgotos urbanos contêm, além de detritos orgânicos,
restos de alimentos, sabões e detergentes, portanto,
essencialmente contêm carboidratos, gorduras, material
protéico, fosfato, nitrogênio e bactérias”, tais compo-
nentes fornecem à massa d’água nutrientes que tornam
excessivas às algas39.
No tocante a herança pecuária e seus impactos, a
prática extensiva manteve-se hegemônica nos arredores
da Lagoa de Sombrio. Sobre as ações impactantes no
meio lacunar pode-se salientar o pisoteio das terras nos
arredores e, segundo o Estudo de Impacto Ambiental
da UNISUL, os detritos orgânicos de origem animal.
Estes,
quando em contato com o corpo hídrico produzem
substâncias como o gás sulfídrico e amônia, ocasionando a
mortandade de peixes, torna-se relevante observar que
houve, uma redução em 16,51% do rebanho efetivo de
bovinos, em um período de 14 anos (1990-2003)40.
Entretanto, segundo o estudo da Empresa Júnior do
curso de Engenharia Ambiental, esta redução não foi
113
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

significativa para a lagoa em termos de produção de


detritos, pois conforme os dados do relatório que
comparam o equivalente populacional local ao
equivalente animal, os detritos da população bovina se
equivalem aos detritos de uma população humana de
350.000 mil pessoas. Ainda tratando da redução no
efetivo bovino, nenhum trabalho atenta para o motivo
desta diminuição, e até a publicação do Estudo de
Impacto Ambiental da UNISUL o rebanho não era visto
como degradante do corpo lacunar. O grau de toxidade
da gramínea pode ser apontado como um fator
preponderante para a recente diminuição do rebanho.
Raulino Reitz em sua obra sobre a Paróquia de
Sombrio com ajuda de seu irmão João Reitz, pároco
local, inventariou as riquezas vegetais da região. Ao
tratar dos capins, forma com que define as gramíneas,
assevera que as gramas forrageiras são abundantes nas
formações campestres locais.
Conhecemos o capim capivara, c. d’Angola, c. dos
Capoeirões, c. Guatemala, c. Limão, c. Ferr o, c. Canivão,
c. Milha, c. Branco, c. Rocho, etc. O Capim-graxa ou c.
Gordura é de excelente resultado nas plantações de campos
artificiais41.
O “balancete” produzido pelo padre é bem
esclarecedor, além de levantar os tipos de gramíneas
pelo nome coloquial, também difere os campos nativos
dos artificiais, salientando que o capim gordura (Melinis
minutiflora) já era cultivado na região. Baudolino Rambo
publica no capítulo XVI do livro de Reitz seus Estudos
Botânicos em Sombrio, neles realiza um levantamento
da flora ao redor da Lagoa de Sombrio, onde evidencia
as novas espécies de plantas que encontrou, em nenhum
momento o renomado botânico cita a B. radicans.
114
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

A braquiária, como é popularmente conhecida na


região, não aparece nos relatos dos clérigos, o que valida
a informação cedida pelo Engº Agrº Carlos Alberto Z.
Mendes em entrevista sobre a introdução da B. radicans.
Segundo ele, “a gramínea foi introduzida na década de
1960 na região”. Neste caso, pode-se inferir que a
inserção da B. radicans nos arredores da Lagoa de
Sombrio ocorreu simultaneamente com sua entrada no
país, pois se a gramínea tivesse sido introduzida na
região Sul de Santa Catarina pelas suas características
dispersivas, a chegada neste ambiente não teria sido
simultânea à inserção no Brasil.
Quanto ao agente introdutor, nenhum dado oferece
uma resposta direta, entretanto a simultaneidade na
introdução e a intencionalidade de melhorar as
condições do pastejo defendidas pela EMBRAPA para
a utilização das gramíneas induz a ACARESC, criada
em 1957, como possível introdutora dessa nova espécie
exótica.
Como toda espécie exótica invasora, a B. radicans
contribui sensivelmente para a diminuição da
biodiversidade, pois compete e domina o ambiente,
atacando as plantas nativas. Excepcionalmente, no meio
em questão, a gramínea potencializou outros problemas.
Apesar de ter sido introduzida nas Américas
principalmente como gramínea para alimentação
animal, a Brachiaria radicans mostrou-se tóxica quando
cultivada em solos turfosos e ingerida em grande
quantidade por bovinos. Pois, como demonstram Gava
et al, nos estudos realizados na região de Tubarão(SC).
Bovinos mantidos em pastagens constituídas exclusivamente
de Brachiaria radicans com desenvolvimento exuberante,
como ocorre nos solos turfosos, desenvolvem alterações
115
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

clínicas a partir do 4º dia do início da ingestão; elas se


intensificam com a ingestão continuada da planta e se
tornam graves a partir dos 7º a 8º dias, com a eventual
morte do animal.
B. radicans quando cresce sobre solos com muita matéria
orgânica (solos turfosos), se ingerida pelos bovinos em
quantidades de 75% da dieta pode produzir hemoglobinúria
leve. [...]
A morte de bovinos que ingerem grandes quantidades de B.
radicans pode ser explicada pela hemólise. Essa, por sua
vez desencadeia anemia que pode explicar a necrose de
coagulação observada no fígado. A hemoglobinúria em
decorrência da hemólise produz nefrose hemoglobinúrica
agravando ainda mais o quadro clínico42.
Desta forma, em virtude da interação da espécie
exótica com o meio pôde se constatar que a espécie
contribui para a intoxicação do gado criado no sistema
extensivo nas margens da Lagoa de Sombrio, pois
segundo Gava, A. et al, na literatura há poucas
referências sobre intoxicação por B. radicans43, além
deste fator, a espécie ainda contribui para a
sedimentação do solo nas margens da lagoa.
Para se adaptar às regiões alagadiças a espécie
dispersa suas raízes de forma cuneiforme capilarizada,
estas possuem a capacidade de condensar o solo ao
redor das hastes para aumentar a sustentabilidade da
planta. Nas margens da lagoa este processo se mostra
altamente impactante, pois com o estabelecimento de
colônias da gramínea, porções de solo têm se
sedimentado e avançado para dentro dos domínios do
manancial. Este processo ocorreu na parte norte com
maior rapidez em virtude do despejo dos efluentes da
zona urbana de Sombrio e deságue dos resíduos dos
diversos defensivos agrícolas e agrotóxicos carregados
116
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

pelo Rio da Lage e Canal D.N.O.S.


Nenhum estudo ainda foi produzido sobre o impacto
da B. radicans no seu bioma hospedeiro, o presente
trabalho focaliza a ação da gramínea como catalisadora
do processo de degradação do manancial, ao mesmo
tempo em que evidencia o manancial degradado como
ambiente potencializador para a disseminação da
espécie. Nessa narrativa de histórias distintas um
mesmo elemento entrelaçou o “destino” fatídico dos
objetos em análise, o projeto de utilização dos recursos
naturais para incremento de ganhos econômicos, onde
a natureza deveria dobrar-se às necessidades humanas.

Notas:

1 Vale salientar, que a definição dos dois objetos da pesquisa


está relacionada à dissertação de mestrado, em andamento,
deste mesmo autor sobre a degradação da Lagoa de Sombrio
e a desarticulação cultural das populações tradicionais
estabelecidas no entorno do manancial.
2 WORSTER, Donald. Para Fazer História Ambiental. Revista
Estudos Históricos
Históricos. Rio de Janeiro, vol. 4, n. 8, 1991, p.
1-17.
3 LONGHI-WAGNER, H.M.; BOLDRINI, I.I.; BOECHAT, S.
de C. Morfologia e taxonomia de gramíneas
sulriograndenses. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2005.
4 INSTITUTO HÓRUS. Brachiaria radicans.. Disponível em
http://www.institutohorus.org.br/index.php?modulo
=inf_ficha_urochloa_subquadripara . Acessado em 09 de
julho de 2010.
5 FAO. Brachiaria radicans Napper. http://www.fao.org/ag/
AGP/AGPC/doc/GBASE/data/Pf000192.HTM, acessado
em 05 de junho de 2010.
6 Cf: FAO. Op. Cit; INSTITUTO HÓRUS. Op. Cit.; EMBRAPA.
Gramíneas F or
For rageiras do Gênero Brachiaria
orrageiras Brachiaria. Campo
117
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Grande: 1984. Disponível em: http://www.cnpgc.embrapa.br/


publicacoes/ct/ct01/04especies.html#4.6.
7 INSTITUTO HÓRUS. Op. Cit.
8 BOGDAN, A. V. Tropical pastur e and fodder plants
pasture
(grasses and legumes). London: Longman, 1977. 475
p.
9 MORANDELA GLASSLAND RESEARCH SYATION.
History. Disponível em http://www.afdevinfo.com/htmlreports/
org/org_31394.html, acessado em 05 de outubro de 2010.
10 BOGDAN, A. V. Tropical PPastur
asture
asture and F odder Plants
Fodder Plants.
New York: Longman Group Limited, 1977, p. 64.
11 SENDULSKY, T. Chave para identificação de
Brachiaria.. J. Agroceres, 5(56):4-5, 1977.
Brachiaria
12 EMBRAPA, Op. Cit.
13 Ibidem.
14 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
15 Ibidem.
16 PIVELLO, V. R.. Invasões biológicas no cerrado brasileiro:
efeitos da introdução de espécies exóticas sobre a
biodiversidade. Ecologia Info
Info, Suécia, v. 33, 2005.
Disponível em http://www.ecologia.info/.
17 Ibidem.
18 INSTITUTO HÓRUS. Op. Cit.
19 PIVELLO, Op. Cit.
20 HOLN, Luis. Expressões de conhecimento de grupos
sociais locais para a gestão de recursos hídricos
na bacia hidrográfica do rio Mampituba
Mampituba. Florianó-
polis: UFSC. 2008. 177 f. Dissertação (Mestrado em
engenharia Ambiental) - Universidade Federal de Santa
Catarina. Florianópolis, 2008, p. 30.
21 REITZ, Raulino. Paróquia de Sombrio
Sombrio: ensaio de uma
monografia paroquial. Brusque, Azambuja, 1948.
22 UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA. Curso
de Engenharia Ambiental. Empresa Junior de Engenharia
118
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Ambiental – EJEA. Estudo de Impacto Ambiental - Canal


da Barrinha na Lagoa do Sombrio. Palhoça, 2005, p. 15-
16.
23 ARAÚJO, Homero da Costa. Caminho das tropas.
Florianópolis: Insular, 2003.
24 BRIGHTWELL, M. das G. S. L.; NODARI, E. S.; KLUG,
J. Saberes e Sabores de Praia Grande: práticas
alimentares, memória e história. Florianópolis: Imprensa
Universitária, 2005.
25 REITZ, Op. Cit., p. 104.
26 Ibidem, p. 154.
27 BELTRÃO, Leila Maria Vasquez. A industrialização em
Sombrio/SC
Sombrio/SC: gênese e evolução. Florianópolis: UFSC.
2001. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade
Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2001, p. 112.
28 Associação de Crédito e Assistência Rural de Santa Catarina,
hoje a atual EPAGRI – Empresa de Pesquisa Agropecuária
e Extensão Rural de Santa Catarina.
29 CARVALHO, M. M. X.; NODARI, E. S.; NODARI, R. O.
Avanço no Uso de Agrotóxicos e das Intoxicações Humanas
em Santa Catarina. Revista Brasileira de Agroecologia
Agroecologia,
v. 4, 2009, p. 2763.
30 BELTRÃO, Op. Cit., p. 2.
31 Ibidem, p. 54.
32 Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina.
33 Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis.
34 BELTRÃO, Op. Cit., p. 117.
35 BELTRÃO, Op. Cit., p. 74.
36 LOPES, A. R. Silva . A degradação da Lagoa de Sombrio-
SC e as relações ambientais para subsistência dos
pescadores (1960-2005). In: XXV Simpósio Internacional
de História, 2009, Fortaleza. Anais do XXV Simpósio
Inter nacional de História
Internacional História: Por uma est(ética) da beleza
na história. Fortaleza: ANPUH, 2009, p. 10
119
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

37 CASTELLUCCI JUNIOR, W. Pescador escadores


es da
Moder nagem
Modernagem
nagem:: cultura, trabalho e memória em Tairú-BA.
São Paulo: Annablume, 2007.
38 UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA, Op. Cit.,
p. 72.
39 Ibidem, p. 42.
40 Ibidem, p. 42.
41 REITZ, Op. Cit., p. 123.
42 GAVA, Aldo et al. Intoxicação espontânea e experimental
por Brachiaria radicans (tanner-grass) em bovinos. Pesquisa
Veterinária Brasileira. Vol. 30, n.3, pp. 255-259, 2010,
p. 257. Disponível em http://www.scielo.br/
s c i e l o. p h p ? p i d = S 0 1 0 0 - 7 3 6 X 2 0 1 0 0 0 0 3 0 0 0 1 2
&script=sci_abstract&tlng=pt.
43 Ibidem, p. 158.
120
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental
121
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Made in africa?
A domesticação e aclimatação da mamona
(ricinus communis l.) no Brasil

Samira Peruchi Moretto

Os seres humanos modificam constantemente o meio


natural para facilitar sua adaptação nos locais onde se
instalavam após as imigrações e migrações, assim
alteravam e domesticavam a paisagem. Charles Clement
afirma que a domesticação da paisagem é um “processo
inconsciente e consciente em que a intervenção humana
na paisagem resulta em mudanças na ecologia da
paisagem e na demografia de suas populações de plantas
e animais, resultando numa paisagem mais produtiva e
“segura” para humanos1".
122
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

O Brasil tem a flora mais rica do mundo, com mais


de 56 mil espécies de plantas nativas, correspondendo
a quase 20% da flora mundial2. Mesmo apresentando
grande variedade de árvores nativas, existe uma grande
quantidade de espécies arbóreas e arbustivas exóticas,
que pelo fato de se adaptarem tão facilmente ao solo e
ao clima do país, são muitas vezes confundidas ou
enquadradas como espécies nativas.
Dentro desta lista de espécies exóticas aclimatadas3
no Brasil, se encontra a mamona (Ricinus communis L.),
também conhecida sob as denominações de mamoneira,
rícino, carrapateira, bafureira, baga e palma-criste; nos
países de língua inglesa a espécie é conhecida como
castor bean e castor seed. Atualmente o Brasil tem 8%
da área de mamona plantada no mundo4. Segundo o
padre Raphael Bluteau em 1712, a palavra mamona é
de origem africana, aparecendo como um dos termos
introduzidos no Brasil pelos escravos5.
A árvore da mamona é originaria da parte norte da
África, presente na Etiópia, na região do Sennaar e
Kordofan, como também na Índia. A espécie foi
introduzida no Brasil há mais de três séculos e
atualmente se encontra presente em diferentes biomas
no país. Esta pode ser uma das razões para que a planta
seja vista por muitos como nativa, assim como aponta
Furnazieri: “A mamona é uma planta cuja origem é até
agora incerta. Uns a tem como africana e alguns como
planta nativa da América”6.
A mamona é uma planta da família das euforbiáceas,
é uma arbustiva, com diversas colorações de caule,
folhas e racemos (cachos), podendo ou não possuir cera
no caule e pecíolo. O tronco é classificado como de
madeira mole, nodosa, oca e alva7.
123
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Os frutos possuem espinhos, como pode ser


observado na imagem a baixo, e em alguns casos são
inermes. Em seu habitat nativo, e em locais com clima
quente, a mamona pode atingir de três a quarenta
metros de altura, as folhas são lombadas e apresentam
hastes ramificadas desde a base. As sementes
apresentam-se com diferentes tamanhos, formatos e
grande variabilidade de coloração. É uma planta
monóica, portanto com flores femininas na parte
superior e masculinas na inferior. As flores femininas
possuem três sojas, em cada qual se desenvolve uma
semente8. Quando as cápsulas estão maduras
explodem, espalhando seus grãos e gerando a dispersão
natural da espécie.

Figura 5: Fruto da mamona.


Fonte: acervo da autora.
124
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

A planta apresenta um grande potencial de


adaptação, mesmo originária da região com clima
tropical, existem registros de sua existência em locais
de clima frio, como na Escócia. A mamona se desenvolve
bem ao nível do mar, assim como em altitudes acima
de dois mil metros e pode ser cultivada em quase
qualquer tipo de solo, porém prefere solos drenados e é
sensível ao excesso de água 9. Por estes motivos,
atualmente a planta se encontra espalhada por
diferentes áreas do mundo. Contudo a dispersão da
espécie foi em grande parte antrópica, isto é,
influenciada pelos seres humanos. O objetivo deste
trabalho é analisar o processo de aclimatação e
domesticação da mamona no Brasil.

Mamona: da África para o Brasil


Quando arqueólogos chegaram às grandes pirâmides
egípcias, construções datadas entre 5.500 e 2.500 a.C.,
encontraram além das tumbas e das riquezas dos faraós
uma grande quantidade de objetos ovais, minúsculos,
que mais pareciam mármore polido10. Esses objetos
foram submetidos a análises e foram identificados como
sementes de mamona.
Do mundo latino antigo também provém algumas
das possíveis versões para a origem da palavra rícino:
teria surgido a partir do vocábulo latino cici, que
correspondia à palavra “semente”, durante a
Antiguidade clássica11. Outra possibilidade é que os
romanos achavam a semente da mamona semelhante
a um carrapato, por este fato a denominaram de rícino12.
Existem indícios de que através dos romanos, a
mamona tenha sido dispersada por alguns países da
125
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Europa durante a Antiguidade. No entanto, a espécie


pode ter migrado para o Brasil através dos escravos
africanos e não introduzida por meio de portugueses,
como apontam diferentes autores13. Um documento
datado de 179114, escrito por Vicente Coelho de Seabra,
cientista com formação portuguesa, aponta para uma
nova hipótese sobre aclimatação e domesticação da
mamona no Brasil, uma vez que a espécies apareceu
no relato como pouco conhecida em Portugal.
Vicente Coelho de Seabra nasceu em Congonhas do
Campo, em Minas Gerais, Brasil. Depois dos estudos
secundários, inscreveu-se no curso de Medicina, na
Universidade de Coimbra, em 1783. Antes de iniciar os
seus estudos médicos, Seabra frequentou as Faculdades
de Matemática e Filosofia da Universidade de Coimbra.
Entre 1784 e 1786, estudou não só matemática como
física, licenciou-se em Filosofia, grau que constituía um
requisito para a admissão na Faculdade de Medicina.
Em 1791 foi nomeado demonstrador da cadeira de
Química e Metalurgia (Faculdade de Filosofia)15. As
investigações químicas de Vicente Coelho de Seabra
abrangeram uma gama considerável de assuntos que
incluíam agricultura e higiene.
Membro da Academia de Ciências de Lisboa, Vicente
Coelho de Seabra publicou juntamente com outros
pesquisadores e cientistas, o livro Memórias Econômicas
da Academia Real das Sciencias de Lisboa, em 1791.
Seabra ficou responsável pelo capítulo: Memória sobre
a Cultura do Rícino ou Mamona, onde relata seus
primeiros resultados feitos com experimentos de
mamona, fazendo um estudo comparado com as
oliveiras. No artigo o autor lamenta suas tentativas
frustradas referente à cura da ferrugem nas folhas das
126
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

oliveiras e propõe uma nova cultura, que apresente


propriedades semelhantes das oliveiras, para substituir
o cultivo. Em função das propriedades oleaginosas,
Seabra sugere o cultivo da mamona:
Entre as plantas, de cujo fruto se poderia tirar uma suficiente
porção de óleo com grande vantagem, me lembrei de uma,
que em Minas Geais do Brasil, somente faz lá necessário o
azeite para o uso cibário, suprindo-o nos mais usos
econômicos com igualdade , e muito maior comodidade
no preço, como é notório a todos os Mineiros. Coloco-me
pois examinar, se a cultura desta a planta em Portugal
poderia ter as mesmas vantagens , que lá16.
Seabra se colocou à disposição para realizar
experimentos que já estavam em andamento na
referente data. Um dos principais apontamentos do texto
é uma lista de comparação entre a mamona e a oliva,
conclui que a mamona pode propiciar a extração de
um óleo, com propriedades singulares, economicamente
viáveis para a produção em grande escala em Portugal.
Uma de suas preocupações é de como seria a
aclimatação e a produtividade da mamona em Portugal,
Neste momento o autor comete um ledo engano
afirmando que mamona é nativa do Brasil:
O clima de Portugal não é sem dúvida tão próprio, como o
de Minas Gerais; contudo é semeável, e produz
abundantemente nele , afora os meses de Novembro ,
Dezembro , Janeiro , e Fevereiro; meses , em que não temos
quase produção de alguns vegetais arbóreos. No Jardim
Botânico de Coimbra houve alguns pés de Mamoneira, que
produziram copiosamente.[...] Na cerca dos Religiosos
Benediélinos existem alguns há bastante anos, e produzindo
sempre bem. O mesmo digo da quinta do Excellentil Timo
Bispo de Coimbra, e em Formoselhe, onde os plantei para
fazer as minhas indagações particulares. A minha constante
127
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

observação me tem feito ver que a Mamoneira, com exceção


dos meses acima referidos, produz com muito pouca
diferença, do que em Minas Gerais, donde é natural17.(Grifos
nossos)
Os escritos de Seabra refutam a teoria de que a
mamona tenha sido introduzida no Brasil através de
Portugal, ou simplesmente nos colocam a beira de novas
hipóteses sobre a aclimatação desta espécie. Uma vez
que o autor mostra certo desconhecimento do cultivo
da mamona em Portugal, apontando que a mamona
foi trazida anteriormente ao século XVIII, e/ou
simplesmente, chegou ao Brasil através dos africanos,
sem intermédio dos portugueses. Existem outros textos
que também afirmam que a presença da espécie já no
período colonial: “No Brasil a mamona é conhecida
desde a era colonial quando dela se extraía o óleo para
lubrificar as engrenagens e os mancais dos inúmeros
engenhos de cana” 18. Seabra aponta ainda que a
produção do óleo de mamona era desenvolvido em
Minas Gerais, com técnicas específicas. Descrevia tanto
os instrumentos necessários pra extração da mamona,
como também os recipientes propícios para o preparo
do óleo, mostrando assim, que em Minas Gerais no
século XVIII, já havia uma produção substancial e com
um conhecimento agregado à produção dos derivados
da espécie.
Partindo do pressuposto de Peter Burke quando
afirma que “as iconografias não foram feitas simples-
mente para serem observadas, mas também para serem
lidas, pois elas contam uma mensagem que quando
interpretada é de extrema importância para o
historiador19”; a análise iconográfica de um quadro
permite inferir que a mamona foi introduzida no Brasil
128
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

ainda no século XVII.


Albert Eckhout foi um dos pintores que integrou a
comitiva do Príncipe de Nassau, que permaneceu no
Brasil de 1637 a 164420. O pintor mereceu destaque
por compor em suas obras um conjunto de detalhes
etnográficos intersectados com o meio natural. A ciência
e a arte eram elementos cruciais nos quadros dos pintores
naturalistas holandeses do século XVII, além da beleza
estética havia a preocupação descritiva, a natureza era
retratada de forma fidedigna.
No quadro A Mameluca, pintado em 1641 por Albert
Eckhout, podem ser observados diferentes elementos da
fauna e da “flora brasileira”. No canto inferior esquerdo,
encontram-se porquinhos-da-índia (Cavia porcellus). A
mulher usa como adorno, nos cabelos, flores de
laranjeira. Ao lado da mulher encontra-se um cajueiro
(Anacardium occidentale), e do lado esquerdo,
apresenta-se a mamona (Ricinus communis) em
destaque na imagem 03.
A mulher mameluca, personagem central da obra,
representa a miscigenação do português com o indígena
brasileiro. A mamona que aparece no quadro ao lado
de (outras) espécies nativas, pode ter sido enquadrada
como espécies de origem brasileira ou, assim como a
mameluca, representar o processo de colonização.
Segundo Alfred Crosby21 a colonização foi um fenômeno
ecológico, por essência, no qual os colonizadores
dispersaram para a sua sobrevivência plantas e animais.
Esses animais, plantas, doenças e pragas auxiliaram
no processo de transformação e destruição da floresta
de forma direta ou indireta.
129
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Figura 6: Albert Eckhout, A Mameluca. Óleo sobre tela, 2267


X 160 cm, 1641.
Fonte: acervo: Museu Nacional da Dinamarca, Copenhague.
130
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

A presença da mamona no quadro de Albert Eckhout,


levando em consideração o caráter descritivo de suas
obras, aponta que a espécie foi introduzida no Brasil
anterior a 1641, data do quadro. O quadro de Albert
Eckhout, juntamente com os apontamentos sobre
manufatura da mamona no século XVIII, leva a certeza
da introdução da planta já no período colonial.
A falta de conhecimento e aproveitamento da espécie
em Portugal, no mesmo período, como consta nos
relatos de Seabra, apontam mais uma vez que a espécie
possa ter sido introduzida por portugueses diretamente
para o Brasil juntamente dos navios negreiros. A espécie
é originaria da costa centro-ocidental da África, mas a
mamona é endêmica e foi aclimatada para a parte sul
do mesmo continente22, região ocupada pelo grupo
etnolinguístico Banto 23 , donde vieram muitos dos
africanos escravizados para o Brasil.
O texto de Seabra revela ainda a existência de
diferentes culturas da mamona em distintas regiões do
país como: Minas Gerais, Bahia e Pará, já no século
XVIII. O que ainda não se sabe é se a mamona foi
aclimatada em diferentes períodos nestas regiões ou
ainda domesticada a partir da introdução em uma só
área no Brasil.

Os usos práticos da mamona


A mamona possuía um valor utilitário para os
egípcios desde a Antiguidade. Fazia-se a extração do
óleo da semente para a fabricação do óleo de rícino,
que era utilizado para acender lampiões e para uso
medicinal: como ungüento e também purgante. Durante
131
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

três vezes ao mês o óleo de rícino era misturado com a


cerveja, com o objetivo de realizar limpeza intestinal,
uma vez que possuía efeitos laxativos. As sementes de
mamona também eram conhecidas por gregos e
romanos, que após notarem as toxinas dos grãos,
utilizavam apenas como medicamento de uso tópico24.
O principal uso antrópico medicinal da mamona está
relacionado as suas propriedades laxativas: é conside-
rado tão eficaz que era normalmente utilizado para
limpar o trato digestivo em casos de envenenamento. O
óleo de mamona, por ser tolerado pela pele, muitas vezes
é utilizado para medicamentos e cosméticos. No Oriente
merece destaque por suas propriedades medicinais, na
Índia, ainda hoje é utilizado para massagear o peito
após o parto, para estímulos do fluxo de leite materno25
e na China, as sementes esmagadas são usadas no
tratamento de paralisia facial.
No Brasil colonial o óleo da mamona era utilizado
para fins medicinais (óleo de rícino), lamparinas
domésticas, iluminação pública e lubrificante. Segundo
Seabra:
O óleo de Rícino ou de Mamona tem alguns usos Médicos,
que deixo de referir por não ser este o lugar , onde se devem
numerar , basta dizer , que a bebida é purgante e a semente
comida produz vômitos, donde veio o dar-se-lhe também o
nome de tártaro. Mas para o uso Farmacêutico deve ser
tirado e torrado. Para usos econômicos, porém, em que ser
igual ao azeite, deve-se tirar pela torrefação e cozimento
como ensinamos (§ 16 , e 17). Não serve para o uso cibário
em virtude purgativa que tem.
Saint-Hilaire relata ter visto pela primeira vez um
engenho de moer mamona no interior de Minas Gerais,
em 1817. O engenho era composto por um “tubo
132
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

revestido de tábuas, que dava a forma de um cone que


estava fixado a um cone que girava mediante a uma
roda d’água. A este último eixo estava uma moenda
onde eram jogadas as sementes de mamona”26.
O óleo da mamona, extraído após preparo nos
engenhos, era utilizado principalmente como lubrificante
para maquinário. Nos antigos carros de boi feitos de
madeira, utilizados no período colonial do Brasil, muitas
peças sofriam desgastes em função do atrito. Para
aumentar a durabilidade dos carros de boi e carroças
às peças que serviam como roldanas eram untadas com
uma pasta composta por sebo de boi e carvão moído
ou com óleo de carrapato (mamona) 27. Além de
lubrificante o óleo da mamona era largamente
empregado na iluminação no interior. O óleo da
mamona alimentava as lamparinas e era preferível por
produzir menos odor e fumaça28, já no litoral utilizavam
o óleo da baleia.
O Capitão Bernardo José Gomes Carneiro, morador
de São João del Rei, deixou em inventario a divisão de
seus bens em 1847. Dentre seus pertences a serem
divididos estava descrito no inventário, uma trapizanga
de moer mamona, evidenciando a importância de tal
maquinário:
uma Fazenda denominada do Congo Fino que se compõem
de terras de cultura e campos de criar, com engenho de
cana e de pilões movido por água, engenhos de serra inferior,
casa de engenho, cozinhas, dois paióis grandes, dois
moinhos, uma trapizanga de moer mamona, casa de tenda
de ferreiro, ranchos de carros, senzalas e muitos outros
cômodos, tudo coberto de telha com currais e quintais, tudo
cercado de muros de pedra e adobes, com pomares de
árvores de espinhos e de outras muitas diversas qualidades
e cafezais 17:000$00029.
133
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

No século XX, iniciaram estudos mais aprofundados


que descobriram novos aproveitamentos para a
indústria a partir da extração do óleo da mamona. Na
década de 1920 o Instituto Nacional de Tecnologia (INT)
iniciou estudos e teste sobre combustíveis alternativos e
renováveis no Brasil. Em 1936, foi elaborado pelo
Instituto Agronômico de Campinas (IAC) um plano geral
de melhoramento da mamona. No ano seguinte
indicavam como melhor cultivar: diminuindo o porte,
facilitando a colheita, a sua resistência a praga e
moléstias e um bom rendimento de óleo: essas eram as
qualidades mais realçadas30.
De acordo com dados do Catálogo Geral Descritivo
para sementes e mudas de 1937 e 1938, a região de
Pelotas, na metade sul do RS, também é historicamente
produtora de mamona e toda produção era destinada
às fábricas de óleo da cidade31. No Estado de Santa
Catarina, na década de 1940, já existia na região do
município de Tubarão cerca de 250 mil pés de
mamoeiro. Os vegetais foram introduzidos no município
para a extração do óleo da mamona32.
No final da década de 1970, já havia sido descoberto
que o óleo extraído das sementes da mamona tem um
elevado valor estratégico, pelo fato de não existirem bons
substitutos em muitas de suas aplicações e pela sua
versatilidade industrial. O óleo da mamona, principal
produto obtido pela industrialização das sementes, é a
base para a obtenção de uma diversificada linha de
matérias–primas utilizadas na fabricação de resina
plástica, confecções de autoblocantes para fibras óticas
e de colas isolantes, nas indústrias de cosméticos e
perfumaria, na elaboração de próteses e implantes na
substituição do silicone em cirurgias ósseas, de mama
134
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

e de próstata, como aditivos do querosene em tanques


de aviões e foguetes.
O polímero derivado do óleo de mamona
desenvolvido pelo professor de química analítica da USP
- Universidade de São Paulo, em São Carlos, Gilberto
Chierice atualmente é utilizado para próteses humanas.
Chierice afirma que o óleo extraído da semente de
mamona é o elemento do polímero, uma espécie de
plástico vegetal - substância valiosa para quem precisa
de implante ósseo.
A partir desse material, foram desenhadas próteses de várias
partes da estrutura óssea e produzido um cimento ósseo. As
próteses de polímero de mamona substituem as pesadas e
caras próteses convencionais feitas de platina. Obtidas com
diferentes texturas e densidade, podem substituir até
implantes de silicone. A pesquisa começou em 1987, a
pedido da Telebrás, uma resina para vedar cabos telefônicos
aéreos e subterrâneos. O experimento teve continuidade com
a equipe sendo solicitada a ajudar hospitais a criarem uma
prótese de testículo para a cirurgia de câncer prostático. O
objetivo era reduzir o custo do procedimento. Criamos um
polímero, mais ou menos parecido com o atual. Primeiro
testamos o material em animais, depois em pacientes
terminais, cujas análises após o óbito mostraram uma
perfeita compatibilidade com o organismo33.
O óleo da mamona foi reconhecido como lubrificante
de alta qualidade dada a sua insuperável viscosidade,
motivo pelo qual é usado em motores de alta rotação e
de avançada tecnologia. Também é utilizado na fabri-
cação de corantes, anilinas, desinfetantes, germicidas,
óleos lubrificantes de baixa temperatura, colas e
aderentes; serve de base para fungicidas, inseticidas,
tintas de impressão, nylon e matéria plástica. No interior
do Nordeste as folhas do mamoneiro são misturadas à
135
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

forragem para alimentar o gado e como cobertura do


solo e adubo natural para cultivos34.
Outro importante uso do óleo de mamona é na
substituição do óleo diesel, devido à atual preocupação
com o meio ambiente, na busca de “combustíveis ver-
des”, não poluentes e biodegradáveis. O biodiesel
consiste num substituto natural do óleo diesel e que pode
ser produzido a partir de fontes renováveis, a sua
utilização está associada à substituição parcial de
combustíveis fósseis, como o petróleo. A principal base
para produção do biodiesel é o óleo vegetal, e que este
pode ser obtido a partir da mamona bem como da soja,
girassol, canola, milho, algodão, dendê, babaçu, pequi,
entre outros35. O biodiesel de mamona apresenta calor
de combustão comparável ao diesel mineral e alta
viscosidade.
O rendimento médio da mamona em bagas, no
Brasil, segundo IBGE, entre 2001 e 2005 continua muito
baixo, cerca de 672 kgha-1. A baixa produtividade pode
ser explicada devido ao baixo nível tecnológico
empregado pela maioria dos produtores rurais e pela
pequena oferta de cultivares selecionadas para alta
produtividade de grãos, para colheita mecânica (porte)
e para resistência à doenças36.
O Programa Nacional de Biodiesel regulamentou e
autorizou o uso comercial deste produto em todo o
território nacional e estabelece os percentuais de mistura
do biodiesel ao diesel de petróleo, a forma de utilização
e o regime tributário (Medidas Provisórias 214, de 13/
09/2004 e 227 de 06/12/2004). O regime tributário é
regulamentado com diferenças por região de plantio,
por oleaginosa e por categoria de produção – a
empresarial e a constituída por agricultura familiar -
136
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

criando o selo social e isenção do IPI. Esses instrumentos


autorizam, a partir de 2005, a adição de 2% de biodiesel
ao diesel de petróleo, porém será obrigatório a partir de
200837.
Atualmente, a Bahia é o principal produtor, com cerca
de 95% (82,5 mil toneladas) do total nacional do ano
de 2003, com produtividade média de 657 kg/ha,
conforme dados do IBGE. O Nordeste possui potencial
para cultivar até seis milhões de hectares por ano de
mamona, suficientes para a produção de 4,4 bilhões de
litros de biodiesel e com uma produção de,
aproximadamente, 3,0 milhões de toneladas de torta,
que podem beneficiar 1,5 milhão de hectares (média
de 2,0 toneladas por hectare) como fertilizante do solo38.
Recentemente a Secretaria de Política Agrícola do
Ministério da Agricultura autorizou o plantio de eucalipto,
pinus e mamona em vários Estados do Brasil. A portaria
consta no Diário Oficial da União:
O cultivo de mamona foi autorizado para os municípios da
Bahia, do Maranhão e Piauí. Ela é uma das culturas mais
exploradas no Nordeste pela resistência à seca, pela geração
de emprego e renda e pelo seu grande aproveitamento. Os
restos da mamona devolvem ao solo toneladas de biomassa,
as folhas servem de alimento para o bicho-da-seda e o caule
fornece celulose para a fabricação de papel, além de ser
matéria-prima para a fabricação de tecidos grosseiros. Da
semente se extrai o óleo, com mais de 400 aplicações
industriais39.
Mesmo com os incentivos governamentais, muitos
agricultores pecuaristas são resistentes à domesticação
da mamona. A planta tem propriedades tóxicas: a
ricinina (alcalóide) na folha e ricina (toxoalbumina) na
semente que são letais ao gado. A espécie tem facilidade
de dispersão e de se proliferar em áreas ruderais como
137
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

beira de estrada, taperas, depósitos de lixo, princi-


palmente em solos argilosos ou arenosos, geralmente
férteis.
O consumo repetido de pequenas quantidades de
semente pelo gado pode torná-lo imune, no entanto a
intoxicação pelas folhas é aguda, causando perturbação
nervosa. Os sinais apresentados têm predominância
neuro-muscular: o bovino apresenta andar desequili-
brado, com tremores musculares e dificuldade de
caminhar longas distâncias, procurando ficar deitado.
Ocorre também eructação excessiva (arroto) acom-
panhada por sialorréia (baba). Já a intoxicação pelas
sementes varia de aguda a subaguda, com o animal
apresentando fraqueza, apatia e diarréia sanguinolenta,
por irritação do tubo digestivo 40 . Os sintomas da
intoxicação em animais geralmente aparecem após
algumas horas ou poucos dias. A mamona se torna letal
quando o gado ingere cerca de 20 g de folhas frescas
ou 2 g de sementes por kg de peso vivo41.
A mamona quando consumida por humanos,
principalmente por crianças, causa gastrenterite intensa
e desidratação aguda. Após ingestão há sensação de
queimadura na boca e garganta. Passado o período
latente de 3 a 6 horas, são relatados: náuseas, vômitos,
dores de estômago, diarréia, sede excessiva levando à
desidratação aguda, hipotensão e insuficiência
circulatória. Em casos mais graves: prostração, perda
da visão, perda de consciência, convulsões, hemólise,
uremia e necrose do fígado também ocorreram42.
138
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

As divergências sobre a espécie: Exótica e


invasora ou apenas exótica?
As ações humanas são os primordiais fatores que
causam a invasão biológica, seja pela introdução
acidental, proposital de novas espécies ou por distúrbios
provocados no ambiente físico ou na própria comu-
nidade.
Algumas características permitem que as espécies
exóticas se tornem potencialmente invasoras são: alta
taxa de crescimento, grande produção de sementes
pequenas e de fácil dispersão, alta longevidade das
sementes no solo, alta taxa de germinação dessas
sementes, maturação precoce das plantas já esta-
belecidas, ûoração e frutiûcação mais prolongadas, alto
potencial reprodutivo por brotação, pioneirismo,
alelopatia e ausência de inimigos43.
Quando discutimos o impacto causado pela inclusão
de plantas, há definições que precisam ser esclarecidas.
Dalva Matos e Vânia Pivello44 sugerem a necessidade
de definições das nomenclaturas a respeito das
inovações biológicas causadas por plantas, elas apon-
tam algumas:
Espécies nativas: espécie que evoluiu no ambiente em
questão ou chegou lá desde as épocas remotas, sem a
interferência direta dos seres humanos.
Espécies exóticas: espécies que estão em ambiente diferente
do seu local de origem por ação dos seres humanos, tanto
por interferência intencional ou acidental.
Exótica naturalizada: espécies fora dos seus ambientes de
origem, capaz de formar população persistente ou de conviver
com a comunidade nativa sem invadir o ecossistema natural
ou antrópico.
139
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Invasora: espécie exótica em ecossistemas natural ou


antrópico, que desenvolve altas taxas de crescimento,
reprodução e dispersão.
Praga: espécies exóticas ou não, indesejáveis no local por
razões geralmente econômicas.
Superdominante: espécie nativa que se comporta como
invasora, mediante ao desequilíbrio ambiental.
Quando tais espécies exóticas e invasoras se
alastram, tendem a desequilibrar o ecossistema afetando
o bioma de forma negativa, prejudicando a fauna e a
flora nativa. A mamona (Ricinus communis) é consi-
derada espécie invasora nas savanas ao Sul do
continente africano. Em 2007, Lesley Henderson,
membro do Agricultural Research Council na África do
Sul, publicou um artigo45 tendo como objetivo fornecer
um resumo histórico da extensão e composição de
espécies invasoras de plantas exóticas no sul da África
de 1979 até o final de 2000. Dentre as espécies
condicionadas como invasora consta a mamona.
Através do referido trabalho, Henderson divulgou as
listas das invasoras proeminentes, servindo como um
alerta para os países portadores de espécies
potencialmente invasoras46.
A mamona, segundo estudo realizado pelo instituto
Horus, apresenta-se no Brasil como espécie exótica
invasora. Dentre as características que a enquadram
como invasora estão: são de alto grau de dispersão, sua
introdução causa significativa perda de biodiversidade
em ecossistemas abertos devido ao sombreamento
excessivo, além de restrição à circulação da fauna47.
Segundo Valéria Forni Martins, mestre em ecologia
pela Universidade Estadual de Campinas, afirma que
existe a necessidade de um controle para que a mamona
140
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

não cause danos ao ecossistema nativo:


Áreas invadidas por mamona devem ser constantemente
manejadas: os indivíduos devem ser cortados e a área
vistoriada a cada mês, para que os novos indivíduos,
provenientes do banco de sementes, sejam também
cortados. Isto deve ser feito até se esgotar as sementes no
solo. Não se pode deixar passar muito tempo entre uma
intervenção e outra, pois a mamona cresce e se reproduz
rapidamente, reabastecendo o banco de sementes. Em áreas
de plantio, deve-se deixar uma “zona vazia” em torno do
cultivo, para que as sementes caiam e os novos indivíduos
sejam cortados. Assim, a população não se expande para
fora da área de plantio48.
A mamona que foi aclimatada ao Brasil há mais de
quatro séculos foi largamente difundida, principalmente
pelo seu uso e aplicabilidade. Inicialmente o óleo da
mamona era utilizado como lubrificante, para
iluminação e fototerápico; hoje atinge visibilidade
mundial por ser uma das espécies utilizadas para
obtenção de Biodiesel e para a fabricação de polímero
para próteses humanas. A planta, mesmo enquadrada
como espécie invasora exótica e com propriedades
tóxicas, é uma das espécies aclimatadas e cultivadas
em maior escala no Nordeste brasileiro. No entanto,
cabe lembrar que introdução de espécies exóticas para
a plantação de florestas homogêneas para fins
ornamentais ou comerciais altera de forma significativa
a biota, pois comprimem a fauna de seus nichos e
deslocam a flora nativa. Embora algumas espécies
respondam positivamente às pressões antrópicas, a
grande maioria demonstra restrita tolerância às
alterações ambientais rápidas e globalizantes49.
141
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Notas:
1 CLEMENT, C.R. 1492 and the loss of Amazonian crop
genetic resources. I. The relation between domestication and
human population decline. Economic Botany, v. 53, n.2,
p. 188-202, 1999. In: Nass, L.L.; Valois, A.C.C.; Melo,
I.S.; Valadares-Inglis, M.C. (Editores). Recursos genéticos
& melhoramento - plantas. Fundação de Apoio à
Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso - Fundação MT,
Rondonópolis, MT. p. 423-441, p.424.
2 GIULIETTI; HARLEY; QUEIROZ; WANDERLEY & BERG.
Levantamento preliminar de espécies frutíferas de árvores e
arbustos nativos com uso atual ou potencial do Rio Grande
do Sul. Revista Brasileira de Agroecologia, v. 2, n.
1, fev. 2007, p. 53.
3 A Aclimatação é o processo pelo qual as plantas produzidas
em locais controlados são transferidas para um ambiente
com as condições climáticas naturais; essas novas condições
devem ser passadas às plantas progressivamente, de forma
que elas sofram menos estresses, que podem culminar em
injúrias e até em morte. In: SILVA, Antonio Tadeu;
PASQUAL, Moacir; ANTUNES, Luís Eduardo C.; RAMOS,
José Darlan. Crescimento e Desenvolvimento de plantas
provenientes da cultura de tecidos. Revista Cer es
Ceres
es. Viçosa,
junho de 1995, Vol. XLII, n. 241, p. 01.
4 ERENO, Dinorah. Próteses de mamona. Polímero derivado
de óleo vegetal, sintetizado por químico de São Carlos,
ganha mercado internacional. FAPESP P esquisa Online
Pesquisa Online.
Acesso em julho de 2008. Acesso: http://www.revista
pesquisa.fapesp.br/?art=2268&bd=1&pg= 1&lg=.
5 PETTER, Margarida; FIORIN, José Luiz. África no Brasil
Brasil:
a formação da língua. São Paulo: Contexto. 2008, p. 118.
6 FORNAZIERI JUNIOR, Antonio.. Mamona
Mamona: uma rica fonte
de óleo e de divisas. São Paulo: Ícone, 1986, p. 09.
7 PEIXOTO, Ariosto Rodrigues. Plantas oleaginosas
herbáceas
herbáceas. São Paulo: Nobel, 1972, p. 109.
8 Ibidem.
142
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

9 TAVORA, Francisco Jose A. F. A cultura da mamona


mamona.
Fortaleza: EPACE, 1982, p. 56.
10 USDA, ARS, National Genetic Resources Program.
Germplasm Resources Information Networ Network - (GRIN)
[Online Database]. National Germplasm Resources
Laboratory, Beltsville, Maryland. Disponível em: http://
www.ars-grin.gov/cgi-bin/npgs/html/taxon.pl?31896. Acesso
no dia 13 de julho de 2010.
11 PEIXOTO, Ariosto Rodrigues. Plantas oleaginosas
herbáceas
herbáceas. São Paulo: Nobel, 1972, p. 107.
12 A palavra rícinus, do latim antigo, corresponde a
“carrapato”. In: TAVORA, Francisco Jose A. F. A cultura
da mamona. Fortaleza: EPACE, 1982, p. 12
13 PEIXOTO, Op. Cit, p. 107.
14 Memórias Económicas da Academia Real das
Sciencias de Lisboa
Lisboa. Para o Adiantamento da
Agricultura, das artes e da Indústria em Portugal, e suas
conquistas. Tomo III. Portugal: Cenfura Livros, 1791.
15 AMORIM, Antonio da Costa. Primórdios da Ciência
Química em Por
Por tugal
ortugal
tugal. Lisbon: ICLP, 1984, p.01.
16 Memórias Económicas da Academia Real das
Sciencias de Lisboa
Lisboa, Op. Cit, p 330.
17 Ibidem, p. 331.
18 História da Mamona. Biodiesel. Disponível em: http://
www.biodieselbr.com/plantas/mamona/historia-
mamona.htm
19 BURKE, Peter. Testemunha Ocular: História e Imagem.
São Paulo: Editora EDUSC, 2004, p. 44.
20 VALLADARES, Clarival do Prado. AlberAlbertt Eckhout. Pintor
de Maurício de Nassau no Brasil. 1637-1644. Rio de Janeiro/
Recife: Livroarte Editora, 1981.
21 CROSBY, Alfred W. Imperialismo ecológico
ecológico: a expansão
biológica da Europa 900-1900. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993.
22 HENDERSON, Lesley. Invasive, naturalized and casual alien
143
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

plants in southern Africa: a summary based on the Southern


African Plant Invaders Atlas (SAPIA). Bothalia 37, 2: 215–
248 (2007).
23 Jan Vansina. New linguistic evidence on the expansion of
Bantu. Jour nal of African Histor
Journal y. 36, p.173-195,
History
1995.
24 Ibidem, p 08.
25 BURKILL, H.M.. The useful plants of west tropical
Africa
Africa, Vol 2, Ricinus communis Linn. [family
Euphorbiaceae] Royal Botanic Gardens, Kew. Useful Plants
of West Tropical Africa, 1985.
26 SAINT-HILAIRE, Augustin. Viagem pelas províncias de
Rio de Janeiro e Minas Gerais
Gerais. São Paulo: Comp. Ed.
Nacional, 1938, p. 199.
27 ABREU, Adilson Avansi de (org). Quantos anos faz o
Brasil? São Paulo: Universidade de São Paulo, 2000, p.
28.
28 Ibidem, p. 23.
29 Inventário Capitão Bernardo José Gomes Carneiro. Local:
São João del Rei, página 396, ano 1847. Acervo: Museu
Regional de São João del Rei. Disponível em:
www.projetocompartilhar.org. Acesso no dia 10 de setembro
de 2010.
30 FORNAZIERI JUNIOR, Antonio. MamonaMamona: uma rica fonte
de óleo e de divisas. São Paulo: Ícone, 1986, p. 17.
31 VARGAS, Op. Cit, p. 11.
32 Relatório apresentado pelo Engenheiro Agrônomo A. D.
Ferreira Lima, Chefe do Acordo de defesa florestal. Janeiro
a outubro de 1942, p. 23 e 24.
33 ERENO, Dinorah. Próteses de mamona. Polímero derivado
de óleo vegetal, sintetizado por químico de São Carlos,
ganha mercado internacional. FAPESP P esquisa Online
Pesquisa Online.
Disponível em: http://www.revistapesquisa.fapesp.br/
?art=2268&bd=1&pg=1&lg=. Acesso em julho de 2008.
34 NEGRET, Fernando. Mamona, Biocombustível e algumas
considerações sobre uma Política para a Agricultura Familiar
144
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

no Semi-Árido. Ambiente Brasil Brasil, outubro de 2008.


Disponível em: http://noticias.ambientebrasil.com.br. Acesso
em julho de 2010.
35 VARGAS, Daiane Peixoto. Mamona (Ricinus communis
L.): cultura de antera, viabilidade e conservação do pólen.
Pelotas: UFPel. 2006. Dissertação (Mestrado em Fisiologia
Vegetal)- Universidade Federal de Pelotas Pelotas. 2006, p.
08.
36 Ibidem.
37 SAVY, Ângelo Filho. Mamona tecnologia agrícola
agrícola.
Campinas: EMOPI, 2005, p. 05.
38 IBGE. Mamona
Mamona. Disponível em: www.ibge.gov.br/. Acesso
em outubro de 2010.
39 MACHADO, Cristina. Aprovados zoneamentos para as
culturas do eucalipto, pinus e mamona. Rede Baiana de
Biocombustíveis
Biocombustíveis. Outubro de 2010. Disponível em:
www.rbb.ba.gov.br. Acesso em outubro de 2010.
40 EMBRAPA. Car tilha Gado de Cor te
Cartilha te. Disponível:
www.embrapa.gov.br. Acesso em julho de 2010.
41 Ibidem.
42 Ricinus commnunis.. Chemical Safety Information
from Intergovernmental Organizations
Organizations. Disponivel em:
www.inchem.org/. Acesso em agosto de 2010.
43 PARKER, I. M.; SIMBERLOFF, D.; LONSDALE, W. M.;
GOODELL, K.; WON-HAM, M.; KAREIVA, P. M.;
WILLIAMSON, M. H.; HOLLE, B. V.; MOYLE, P. B.;
BYERS, J. E.; GOLDWASSER, L. 1999. Impact: toward a
framework for understanding the ecological effects of
invaders. Biological In-vasions
In-vasions, 1: 3-19.
44 Espécies invasoras. Temas e fontes
fontes, jan./ mar de 2009.
Op. Cit, p. 27.
45 HENDERSON, Lesley. Invasive, naturalized and casual alien
plants in southern Africa: a summary based on the Southern
African Plant Invaders Atlas (SAPIA). Bothalia 37, 2: 215–
248 (2007).
145
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

46 Questionário sobre Ricinus communis. Maio de 2010.


Respostas de Lesley Henderson. Questionário elaborado por
Samira Peruchi Moretto.
47 Ricinus communis. Instituto Horus
Horus. Disponível em: http:/
/www.institutohorus.org.br/download/fichasRicinus_
communis.htm. Acesso em julho de 2010.
48 Questionário sobre Ricinus communis. Maio de 2010.
Respostas de Valéria Forni Martins. Questionário elaborado
por Samira Peruchi Moretto.
49 Extinções em massa e a crise atual da biodiversidade: lições
do tempo futuro. Revista Diálogo
Diálogo.. Canoas, n. 9, jul/ dez
de 2006, p. 57.
146
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental
147
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

“Besouro africano”:
a inserção de uma espécie exótica

Carina Santos de Almeida

[…] a raça dos escaravelhos não tem fêmea, são todos


machos. Eles ejetam seus espermas em uma pelota redonda
de material que eles saem rolando usando suas patas traseiras,
do mesmo modo que o sol aparenta girar nos céus na direção
oposta ao seu próprio curso, a qual é do leste para o oeste.

(Plutarco; Ísis e Osíris)

Os besouros “rola-bostas” exercem significativa e,


para muitos, peculiar ação no ecossistema de diversos
biomas terrestres, por terem a função coprófaga
detritívora de moldar as massas fecais. Os besouros
escaravelhos e rola-bostas juntamente com outras
espécies de besouros, moscas, piolhos, borboletas,
gafanhotos, abelhas e uma legião de seres semelhantes
148
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

constituem a Classe Insecta e integram o Reino


Animalia 1 . São fundamentais ao ecossistema e
encontram-se dispersos por diversos biomas terrestres,
exercem importante função detritívora2 à medida que,
em seus nichos, ingerem massas fecais, moldando,
rolando e enterrando-as para alimentar sua prole
(“berçários de nidificação”)3. Atualmente são utilizados
em muitos países, como no Brasil, no controle biológico
de parasitas gastrointestinais e larvas de mosca-dos-
chifres que atacam os bovinos prejudicando a economia
pecuarista. Porém, seus conhecidos benefícios não são
apanágio de especialistas do mundo hodierno, desde a
antiguidade a humanidade reconhece a função exercida
por estes insetos, tendo inclusive sacralizado a imagem
de espécies de escaravelhos.
Na mitologia egípcia o escaravelho era venerado,
Scarabaeus sacer,4 representava Khépri, que integrava três
deuses em um só: Rá-Khépri-Atoum. Assim, quando o sol
nascia pela manhã, o deus Rá era figurado pelo escara-
velho que voava pelo céu, ao mergulhar no ocidente
crepuscular, Rá-Khépri se transformava em velho, ou
Atoum, o sol poente, na realidade, os antigos egípcios
comparavam o besouro escaravelho ao deus Rá-Khépri,
o sol (Rá) era empurrado pelo céu, como os besouros
fazem com as bolas de estrume5. O escaravelho represen-
tado e materializado em joias pelos egípcios há pelo menos
2.500 a.C. era realmente um besouro “rola-bosta”6.
Na literatura do século XIX, o besouro escaravelho
também foi tema para Edgar Allan Poe7, que escreveu o
conto “O escaravelho de ouro”. A narrativa de Poe eviden-
cia um personagem apaixonado pela entomologia8, um
huguenote que vive isolado, como um ermitão,
acompanhado apenas pelo seu criado negro Júpiter, nos
149
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Estados Unidos. Este conto narrativo de aventura está


envolto pelo mistério sobre os tesouros do passado. O
escaravelho dourado integra o imaginário dos persona-
gens, mas também do autor norte-americano e seus leitores.
O “besouro africano”, vulgarmente conhecido como
“rola-bosta” por moldar os excrementos de animais de
porte médio, como bovinos, e depositar seus ovos nestas
peras de gestação onde as larvas se desenvolvem e
alimentam-se,9 representa para muitos especialistas
(veterinários, agrônomos, biólogos, entomólogos, zoólogos,
entre outros) e pecuaristas, uma solução “ecológica” no
controle biológico da “mosca-dos-chifres”, visto que este
ectoparasita10 ameaça o desenvolvimento da bovinocul-
tura. Além de minimizar a reprodução dos hematófagos11,
o besouro africano ainda exerce controle sobre os nematói-
des12 gastrinstestinais de ruminantes e beneficia a qualida-
de do solo. Como ele tem a capacidade detritívora de se
alimentar de excrementos frescos acaba por eliminar para-
sitas e larvas que se encontram nas massas fecais. Talvez
por isso, seja visto por muitos como o “amigo do pecuarista”.
A introdução e importância do “besouro africano” no
Brasil estão associadas ao incremento da produtividade
agropecuária. A despeito de ser uma espécie exótica, visto
que o “besouro africano” foi introduzido no Brasil pela
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA)
através do Centro Nacional de Pesquisa de Gado de Corte
(CNPGC) em 1989, numa fazenda experimental de
Campo Grande, Mato Grosso, esta espécie importada dos
Estados Unidos (Texas) veio a compor o programa de
controle de helmintos 13 e da mosca-dos-chifres, e
atualmente se espacializa por praticamente todos os
Estados do Brasil à medida que tem se adaptado às
condições brasileiras14.
150
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

O Brasil é o maior exportador de carne bovina no


mundo, seguido pela Austrália, os Estados Unidos apesar
de não ser o maior exportador, se configura como o maior
produtor de carne bovina e atende prioritariamente ao
mercado interno.15 Os esforços da EMBRAPA/CNPGC em
resolver os problemas enfrentados na bovinocultura com
a chamada “praga” da mosca-dos-chifres certamente
influenciou na importação do besouro africano e veio a
contribuir diretamente para que o Brasil aumentasse sua
produção pecuária na década de 1990 e alcançasse o
primeiro lugar entre os maiores exportadores mundiais.

Conhecendo o “amigo africano”


O Digitonthophagus gazella (Fabricius, 1787) (Insec-
ta: Coleoptera: Scarabaeidae) 16, nome científico do
“besouro africano”, mede pouco mais de 1,5cm. Este
animal é do filo dos artrópodes, está inserido na classe
dos insetos, que perfazem mais de 800.000 espécies,
pertence à ordem dos coleópteros, que varia de 350.000
a 375.000 no número de espécies descritas, e integra a
família dos escarabeídeos17. Entrementes, os besouros
que compõem a família Scarabaeidae não restringem
sua dieta alimentar apenas aos excrementos de outros
animais. O coprófago18 D. gazella pertence à ordem
Coleoptera que também se alimenta de animais em
decomposição (necrófagos), de frutos (frugívoros ou
carpófagos), de fungos (micetófagos), de restos de
vegetais em decomposição (saprófagos) e generalistas
(raízes, madeira, flores, folhas, entre outros)19.
Vaz de Mello20 estima que podem existir mais 5.000
espécies de coprófagos no mundo, no Brasil foram
descritas mais de 600 espécies, sendo pouco mais da
151
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

metade endêmicas, embora existam muitas regiões


brasileiras que não foram inventariadas. A família
Scarabaeidae conta com mais de 20 mil espécies vivendo
no planeta, embora nem todas sejam coprófagas21. Os
besouros da ordem Coleoptera são encontrados em todos
os tipos de habitat, a maioria é aérea vivendo no solo e
sobre a vegetação, muitos vivem enterrados no chão e
outros são aquáticos ou semi-aquáticos.22 Porém, os
besouros escaravelhos escarabeídeos coprófagos
costumam se desenvolver em biomas terrestres tropicais
e subtropicais onde a fauna é mais abundante23.
A faunística da América, assim como a da África, é
rica em espécies de besouros nativos, sobretudo
escaravelhos coprófagos, haja vista que os coleópteros
encontram-se distribuídos em muitos habitats no mundo
todo. Porém, com a “colonização” europeia no conti-
nente americano, vários animais domésticos, sobretudo
os herbívoros sociais de porte médio, passaram a ser
introduzidos e evoluíram numericamente. Com a
formação de rebanhos, houve um aumento considerável
de massas fecais em áreas de pastagens, assim, esse
volume de excrementos talvez tenha extrapolado a
capacidade de consumo por parte dos coleópteros
coprófagos nativos, ocasionando um retardo na
decomposição do estrume24.
À medida que as pastagens recebem massas fecais,
o pastejo fica comprometido porquanto os bovinos
rejeitam as pastagens com excrementos até a eliminação
completa se efetivar após várias semanas ou até em
oito ou noves meses 25 . Com a ação intensiva de
coprófagos como o D. gazella por meio do enterrio
imediato das massas fecais é possível diminuir a rejeição
ao pastejo pelos bovinos. Por outro lado, vale ressaltar
152
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

que os biomas mais propícios ao pastoreio em terras


brasileiras como pampa, cerrado e savana, em tempos
pretéritos não tinham densidades demográfica e de
rebanho como atualmente. A inserção do D. gazella
corrobora não somente para a desestruturação e
incorporação no solo das massas fecais que reduz a
proliferação de parasitos, mas permite a reciclagem de
nutrientes e melhoramento das condições físicas do solo
como também o desenvolvimento de plantas e a
sanidade das pastagens26.
A introdução do besouro africano, D. gazella, ocorreu
em 198927, para combater os nematóides e, sobretudo, os
hematófagos Haematobia irritans Linnaeus, 1758 (Diptera:
Muscidae).28 O Brasil seguiu o exemplo do Havaí, onde o
D. gazella foi introduzido em 1958, da Austrália, quando
foi importado pelo CSIRO29 em 1968, dos Estados Unidos,
que recebeu esta espécie pela primeira vez em 1972 no
Texas, do México em 1981 e do Chile promovido em
diferentes etapas30. A mosca-dos-chifres, originária da
Europa, foi identificada pela primeira vez em 1758, chegou
aos Estados Unidos por volta de 1886 por meio de bovinos
importados.31 Assim, alcançou a América do Sul através
do Caribe, Venezuela e Colômbia, no Brasil, foi identi-
ficada em Roraima apenas em 1976, segundo Bianchin e
Alves32 e em 1978 conforme Marcondes33. Não há
consenso sobre a data da chegada desta mosca, Valério e
Guimarães 34 identificaram o inseto em 1983, mas
acredita-se ao certo que foi na década de 1980, e que
teria vindo, provavelmente, da Venezuela, onde foi
registrada pela primeira vez em 193735. Atualmente, a
mosca-dos-chifres está presente praticamente em todo o
território brasileiro, assim como em países vizinhos, onde
há a atividade pecuarista.
153
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Todavia, o besouro africano não se disseminou e não


se dissemina da mesma forma em todas as regiões
brasileiras, sua adaptação é melhor em biomas tropicais,
com temperaturas mais elevadas e chuvas periódicas –
como em grande parte da África tropical e sul do Sahara
de onde é originário e há abundância de excrementos
frescos oriundos de animais de médio e grande porte
que formam extensos rebanhos – apesar da fauna de
besouros coprófagos ser extensa no continente africano
e adaptável aos biomas regionais 36. Não é mera
coincidência que este pequeno besouro africano
coprófago possua em seu nome científico, gazella, o
nome de um bovídeo mamífero do gênero Gazella
também originário da África tropical, certamente o D.
gazella se alimentava das massas fecais frescas de
rebanhos de antílopes como o Gazella.

Os “benefícios” de uma espécie exótica à


pecuária brasileira
A inserção de besouros coprófagos alóctones, como
é o caso do D. gazella, para o controle biológico ocorreu,
grandemente, porquanto o besouro africano tem a
capacidade de enterrar em média 20,6g/casal/dia de
fezes em comparação a espécie autóctone Dichotomius
anaglyptcus (=Dichotomius bos), que em valores médios
oscila entre 1,3 a 1,9g/casal/dia37. Ainda assim, o D.
gazella é altamente prolífico, tem a capacidade de se
adaptar a variações sazonais na oferta de alimento, um
casal pode gerar até 80 descendentes por geração num
ciclo biológico de cerca de um mês, enquanto que os
besouros coprófagos nativos normalmente tem uma
duração de ciclo evolutivo anual ou superior38.
154
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Por outro lado, o uso excessivo e/ou inadequado de


pesticidas na pecuária leva a um processo natural de
seleção de parasitos da mesma forma que aumenta a
resistência destes nematóides e insetos, dificultando a
eliminação de “pragas” na pecuária39. Com a expansão
da fronteira agropecuária no centro-oeste e norte do
país a partir da década de 1970, por meio da pecuária
extensiva, seguindo o modelo de ocupação do espaço e
de produção estabelecido pelo agronegócio em países
industrializados, o Brasil vem buscando produção em
larga escala, com auxilio de tecnologias, como melhoria
genética, nutricional e sanitária dos rebanhos e suas
pastagens; porém, a expansão da fronteira agropecuária
é apontada como um dos principais fatores de desflores-
tamentos, causando impacto ambiental nos biomas bem
como números crescentes de produtividade40. A cadeia
produtiva da carne, leite e couro vem incorporando
novas tecnologias que permitem aumentar a
produtividade e a qualidade dos rebanhos, os exemplos
da Austrália e dos Estados Unidos contribuíram para
que o Brasil desenvolvesse pesquisas e incrementasse o
agronegócio41. O besouro coprófago africano se insere
neste rol de tecnologias do agronegócio.
De acordo com o Censo Agropecuário do IBGE, de
1970 até 2006 houve aumento dos estabelecimentos de
pecuária, expansão da área total ocupada e, sobretudo,
ampliação do efetivo de bovinos, que passou de
78.562.250 para 169.900.049. Em 2008 o número de
cabeças de bovino ultrapassou 200 milhões, sendo que
no Brasil, a região que mais possui efetivos bovinos é o
Centro-Oeste, com mais de 68 milhões (33,9%), seguida
pela região Norte, com mais de 39 milhões (19,3%),
pela região Sudeste, com mais de 37 milhões (18,6%),
155
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

região Nordeste com mais de 28 milhões (14,2%), e,


por conseguinte, pela região Sul, que alcançou pouco
mais de 27 milhões (13,6%) (IBGE, 2008). Os Estados
brasileiros com maiores cabeças de rebanhos são Mato
Grosso, com mais 26 milhões, Mato Grosso do Sul e
Minas Gerais, com mais de 22 milhões. Assim, as
regiões que mais sofrem com as chamadas “pragas”
da pecuária, como a mosca-dos-chifres, são Centro-
Oeste e Norte do país, seja por possuírem os maiores
efetivos bovinos ademais das suas condições climáticas.
A mosca-dos-chifres, Haematobia irritans Linnaeus,
1758 (Diptera: Muscidae), é muito pequena, mede de 4
a 5 mm de comprimento, exerce hematofagia sobre os
bovinos, também pode atacar bubalinos, eqüinos e
animais silvestres, e raramente, o cão, o ovino e o
homem, seu efeito sobre o gado concerne na capacidade
de, através de suas picadas, que podem chegar a
quarenta por mosca ao dia, irritar o animal, deixá-lo
estressado, inquieto, impedindo de se alimentar
adequadamente (pastejo) e fazendo-o passar o tempo
andando e se esfregando em plantas para se livrar das
moscas que o picam42. Consequentemente, o gado pode
perder cerca de 60ml de sangue/dia e de 40kg de peso
vivo/ano, ter a qualidade de seu couro reduzida, devido
ao grande número de picadas e infecção secundária,
ainda , pode haver redução da libido dos touros e o
aborto em vacas e novilhas43.
A Haematobia irritans parasita o hospedeiro dia e
noite comumente na cabeça e cauda do animal (cupim,
costas, barriga e pernas), as fêmeas interrompem o
parasitismo para a oviposição nas fezes frescas
defecadas em no máximo 10 a 15 minutos e costumam
depositar seus ovos em baixo da borda da massa fecal.
156
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

No período de sobrevivência da mosca, que varia de


três a sete semanas dependendo das condições naturais,
é capaz de produzir 370 a 400 ovos, que eclodem em
aproximadamente 24 horas. A mosca-dos-chifres prefere
bovinos de raça europeia, mestiços e animais de
pelagem escura, assim como machos com concentração
de testosterona e bovinos adultos44.

Figura 7: Evolução da bovinocultura (efetivo bovino) por Estados


brasileiros nos anos de 1970, 2006 e 2008
Fonte: Elaborado pela autora a partir do Censo Agropecuário
de 1970 e 2006 e IBGE 2008.
157
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Segundo Marcondes45, estima-se que nos Estados


Unidos o prejuízo causado à pecuária pela mosca tenha
alcançado quase U$$ 1 bilhão por ano, já Bianchin et
al46 indica que os prejuízos alcançaram, há cerca de
uma década, U$$ 876 milhões e, no Brasil, os danos
atribuídos pela mosca-dos-chifres em relação ao
rebanho nacional de bovinos foram estimados em U$$
150 milhões.
De acordo com Bianchi e Alves,47 a EMBRAPA Gado
de Corte realizou experimentos com gado nelore e
mosca-dos-chifres a fim de estudar a epidemiologia e
os danos causados pela Haematobia irritans no Brasil
para, então, sugerir um controle racional. Os resultados
apontam que a maioria das vacas sem inseticidas
apresentou poucas moscas e que a quase totalidade de
inseticidas existentes no mercado age nas fezes bovinas
e, elimina inclusive os besouros coprófagos, que se
mostraram os inimigos naturais da mosca-dos-chifres.
Por outro lado, pesquisadores afirmam que existe a
necessidade de estudos mais detalhados em distintas
regiões fisiográficas brasileiras de pecuária sobre a
relação entre parasitos, hospedeiros e ambiente48.
A degradação das massas fecais depende das
condições físico-ambientais, como temperatura, chuvas
e ventos e da ação biológica realizadas pelos artrópodes
e outros seres vivos. Assim, a degradação de excremen-
tos em cada bioma, região e microrregião é diferen-
ciada49. Neste mesmo sentido, a presença do besouro
coprófago africano D. gazella é mais incidente em
habitats abertos, como campos, áreas subarbustivas e
formações florestais abertas; apesar de ter grande
tolerância às variações de habitat, o besouro africano
prefere espaços onde a temperatura e a umidade do
158
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

solo são mais elevadas50.


No Rio Grande do Sul, por exemplo, Estado meri-
dional brasileiro coberto boa parte pelo bioma Campos
Sulinos brasileiros, conhecido como Pampa, a pecuária
representou historicamente condição sine qua non no
desenvolvimento sócio-econômico e povoamento devido
às extensas planícies, com coxilhas isoladas e
predominância de fitofisionomias de campos; a cadeia
produtiva da pecuária é uma das mais tradicionais neste
Estado, porém, vem perdendo espaço para a ampliação
das fronteiras agrícolas no centro-oeste e no norte do
país, que tem um crescimento acentuado do efetivo
bovino51. A espécie D. gazella, de acordo com pesquisas
desenvolvidas no Estado gaúcho, se apresentou tímida
e diminuta se comparada com a atuação de outros
besouros coprófagos, o que evidencia que a sua
adaptação aos lugares mais frios, como esta região
subtropical brasileira, é mais difícil para tal espécie52.
Entrementes, apesar dos muitos “benefícios” do
besouro africano à pecuária brasileira, apontados por
pesquisadores e pela EMBRAPA/CNPGC, não se sabe
exatamente que impactos a inserção do rola-bosta
africano possa causar ao ecossistema dos biomas
brasileiros, porém, estabelecendo um comparativo entre
o efetivo de bovinos no Brasil por regiões e estados e
biomas brasileiros, percebe-se que muitos dos biomas
estão perdendo suas características de ecossistema por
causa do desmatamento seguido da expansão da
fronteira agropecuária. A região com maior número de
efetivo bovino no Brasil, Centro-Oeste, compreende três
biomas, Amazônico, Pantanal e Cerrado, o que permite
compreender que a pecuária possa estar impactando
estes ecossistemas. Outro exemplo brasileiro significativo
159
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

é a região Sul, que substituiu, ao longo do povoamento


do território, grande parte da Mata Atlântica por lavouras
monocultoras e pecuária. Na região Norte, segunda com
maior número de efetivo de bovinos no Brasil, a
evolução e o crescimento do efetivo de bovinos nos
estados desde 1970 acusa, no mínimo, que o bioma
Amazônico está cedendo lugar por meio da expansão
da fronteira às lavouras monocultoras e a pecuária
extensiva.

Considerações finais

- Ora... não! O escaravelho. É de uma brilhante cor de


ouro, mais ou menos do tamanho
de uma noz grande, com duas manchas negras de azeviche,
perto de uma das
extremidades das costas e uma outra, um pouco mais
comprida, na outra extremidade.
As antenas são...
- Não tem nada de estanho nele não, sinhô Will, tou
apostando - interrompeu aí Júpiter. -
O escarvéio é um escaravéio de oro maciço, cada pedacinho
dele, por dentro e tudo,
menos as asa. Eu nunca vi um escarvéio nem a metade
mais pesado, em toda a minha
vida.
(E. Allan Poe, O escaravelho de ouro)

A estima aos besouros, delegada pela humanidade


desde os tempos antigos até a contemporaneidade, não
pode ser medida pela beleza, valor comercial ou valor
exótico que muitos contos e narrativas possam sugerir,
mas possivelmente se associa a função desempenhada
160
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

por estes coprófagos em seus habitats: equilíbrio do


ecossistema. Ademais, sua importância reside na
contribuição à pecuária extensiva e ao agronegócio.
Definitivamente, os besouros coprófagos são importantes
removedores e incorporadores de massas fecais ao solo,
contribuem para a fertilidade do mesmo e das pastagens
bem como para o controle ecológico dos insetos
indesejáveis da bovinocultura. Contudo, os impactos
causados pela introdução de espécies exóticas como é
o caso do besouro africano D. gazella ainda não foram
devidamente avaliados, haja vista que o tempo de
inserção desta espécie em território brasileiro é modesto
e que sua dispersão ainda é restrita ou pouco
inventariada. O desenvolvimento histórico e econômico
do povoamento e do agronegócio nacional está calcado
na inserção de uma série de exotismos nos biomas
brasileiros, como o gado zebu, a mosca-dos-chifres, o
besouro africano. No caso do rola-bosta africano, o
termo “invasor” é questionável e sem consenso entre os
especialistas.
Por outro lado, muitos pesquisadores estão
desenvolvendo estudos sobre espécies exóticas e
invasoras, e, especificamente, sobre o D. gazella. Dos
muitos artigos, trabalhos técnicos e pesquisas divulgados
sobre o besouro africano no Brasil, apenas os estudos
de Matavelli e Louzada53, restritos as áreas de savanas
intra-amazônicas, objetivaram investigar uma possível
competição e impacto negativo que o D. gazella pudesse
exercer sobre a população de besouros coprófagos
nativos. Mesmo assim, os estudos dos referidos
pesquisadores indicam apenas que a comunidade nativa
apresentou resistência à invasão e que uma possível
ação antrópica possa levar a diminuição na qualidade
161
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

e quantidade de recursos disponíveis.


Os pesquisadores ligados a EMBRAPA/CNPGC
também constataram por meio de trabalhos e estudos
de caso, sejam de pesquisas brasileiras como de
estrangeiras, que o impacto negativo sobre as espécies
nativas ainda não se confirmou no Brasil e nem em
outros países. Sem embargo, os besouros nativos podem
e devem ser priorizados pelos programas de controle
integrado, e somente quando estes não potencializam a
remoção de massas fecais em pastagens e não
minimizam a epidemiologia de parasitos bovinos é que
a ação e inserção do besouro africano, rola-bosta,
Digitonthophagus gazella, deve ser estimulada para se
alcançar os resultados desejados na bovinocultura de
agronegócio. Entrementes, não se pode descartar que o
D. gazella cause algum impacto ao ambiente em que
esta se inserindo, seu possível impacto ambiental só
poderá ser avaliado mediante pesquisas e estudos de
médio ou longo prazo; por outro lado, sua invasibilidade
talvez não seja percebida porquanto o desmatamento e
a degradação ambiental decorrentes da expansão da
fronteira agropecuária sejam mais evidentes nos biomas
brasileiros do que o impacto de um pequeno animal
exótico e considerado “benéfico” ao agronegócio.

Notas:
1 Estas pequenas criaturas da Classe Insecta são os “[...] mais
abundantes e espalhados de todos os animais terrestres,
sendo os principais invertebrados que podem viver em
ambientes secos e os únicos capazes de voar.” Ver STORER,
Tracy I. Zoologia Geral. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1974, p. 471.
162
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

2 Detritívoro é o animal que se alimenta de detritos de outros


animais, como penas, pêlos, escamas, entre outros. Ver
BOLSANELLO, Aurélio; BROOCKE Fº, J. D. Van Der.
Dicionário geral de Ciências Biológicas
Biológicas. Curitiba:
Ed. Educacional Brasileira S.A., 1970.
3 Os ovos dos besouros coprófagos se desenvolvem dentro
dos “berçários de nidificação” ou bolas de excrementos
moldadas para a alimentação da prole destes rola-bostas.
KOLLER, W. W.; GOMES, A.; RODRIGUES, S. R.
Perspectivas de Degradação de F ezes Bovinas pelo
Fezes
Besouro Coprófago Africano
Africano,, Digitonthophagus
gazella, e Espécies Sul-Americanas ((Coleoptera;
Coleoptera;
Aphodiidae). Campo Grande:
Scarabaeidae e Aphodiidae)
EMBRAPA-CNPGC, Comunicado Técnico, 100, abr. 2006.
4 Scarabaeus sacer é um escaravelho “[...] sagrado no Egito
ou besouro do esterco, adulto rolam bolas de excremento
para alimento das larvas”. Ver STORER, Op. cit., p. 513.
5 BRISSAUD, Jean-Marc. O Egito dos F araós
Faraós
araós. Grandes
civilizações desaparecidas. Rio de Janeiro: Otto Pierre
Editores, 1978, p. 240; STILL, John. Os besouros
besouros. São
Paulo: Globo, 1998, p.18.
6 BRUSCA, Richard C.; BRUSCA, Gary J. Invertebrados
Invertebrados.
2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007, p. 623.
7 POE, Edgar Allan. O escaravelho de ouro e gato
negro
negro.. São Paulo: Ed. Rideel, 2005.
8 A entomologia é a ciência “[...] que se ocupa dos insetos.
Devido ao número e as muitas relações biológicas dos insetos,
eles são de grande significação econômica; alguns são úteis
e muitos são prejudiciais aos interesses do homem.”
STORER, Op. cit., p.471.
9 Apesar de Plutarco, citado na epígrafe, ter afirmado que os
besouros escaravelhos coprófagos não tem fêmea, é a fêmea
desta espécie que é responsável por depositar os ovos nas
peras de gestação, berçários de nidificação ou bolas de
excrementos.
10 Ectoparasita: parasita que vive na superfície de um corpo
ou organismo. BOLSANELLO e BROOCKE Fº, Op. cit.
163
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

11 Hematófago: que se alimenta de sangue. Ibidem.


12 Nematóides: que tem forma de filamentos ou fio. Ibidem.
13 Helmintos é a “[...] designação geral dos animais
metazoários, triblásticos, de corpo habitualmente longo e
ápodo, numerosamente distribuídos pelos mais diversos
hábitats, com profundo polimorfismo, muitos deles parasitas
de animais ou de plantas vulgarmente conhecidos como
vermes, e representados principalmente por dois filos bem
definidos: os Platelmintos e os Nematelmintos ou
Asquelmintos. A colocação dos anelídios entre os vermes
ainda é controvertida.” SOARES, José L. Dicionário
etimológico e circunstanciado de Biologia Biologia. São
Paulo: Ed. Scipione, 1993, p. 206.
14 BIANCHIN, Ivo; ALVES, Rafael G. de O. Contra a mosca-
do-chifre. Cultivar Bovinos
Bovinos, n.3, jan. 2004; BIANCHIN,
Ivo; ALVES, R. G. de O.; KOLLER, W. W. Efeito de
carrapaticidas/inseticidas “pour-on” sobre adultos do besouro
coprófago africano Onthophagus gazella Fabr. (Coleoptera:
Scarabaeidae). An. Soc. Entomol
Entomol. Brasil, v. 2, n. 27,
jun. 1998.
15 ABIEC: Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras
de Carnes, 2010. Para maiores informações, consultar o
site www.abiec.com.br.
16 Anteriormente referido como Onthophagus gazella (Fabr.)
passou a integrar o gênero Digitonthophagus. Ver AIDAR,
Themis; et. al. Besouros Coprófagos (Coleoptera:
Scarabaeidae) Coletados em Aquidauana, MS, Brasil. An.
Soc. Entomol. Brasil, v. 29, n. 4, p. 817 – 820, dez.
2000. KOLLER, W. W. et al. Ecologia, comportamento e
bionomia. Besouros coprófagos (Coleoptera: Scarabaeidae)
Coletados em Campo Grande, MS, Brasil. An. Soc.
Entomol
Entomol. Brasil v. 8, n. 3, p. 403 – 412, 1999.
17 Dentro da ordem dos Coleopteras, existem quatro linhagens
ou subordens: Archostemata, Adephaga, Polyphaga e
Myxophaga. Os besouros escaravelhos e rola-bostas
encontram-se entre os Polyphaga, que contém mais de 90%
das espécies de besouros, com cerca de 300.000 espécies
descritas. BRUSCA e BRUSCA, Op. cit., p. 623; GULLAN,
P. J.; CRANSTON, P. S. Os insetos
insetos: um resumo de
164
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

entomologia. 3 ed. São Paulo: Roca, 2007, p. 170.


18 Coprófago: animal que se alimenta de fezes ou excrementos.
GULLAN e CRANSTON, Op. cit..
19 BUZZI, Zundir J. Entomologia didática. 4 ed. Curitiba:
Ed. UFPR, 2002, p. 243.
20 MELO, F. Z. Vaz de. Estado de Conhecimento dos
Scarabaeidae no Brasil
Brasil. MARTÍN-PIERA, F. et. al. Hacia
um proyecto CYTED para El inventario y estimación de La
diversidad entomológica em Iberoamérica. Monografias
Tercer Milenio, SEA, Zaragoza, vol. 1, p. 183 – 195, 2000.
21 RODRIGUES, L. R. A. Os besouros coprófagos em
pastagens. In: Simpósio sobre Ecossistemas de Pastagens.
Jaboticabal, 1989. Anais. Jaboticabal: FUNEP, p. 97- 133,
1989; FINCHER, G. T. Sustained-release bolus for horn fly
(Diptera; Muscidae) control: effects of methoprene and
diflubenzuron on some nontarget species. Environmental
Entomology
Entomology. v. 20, n. 1, p.77 – 82, 1991.
22 BUZZI, Op. Cit., p. 243.
23 MESQUITA FILHO, Walter. Deter Determinação
minação de horário
de vôo e fatores que o influenciam, em scarabaeidae
coprófagos diurnos e noturnos em Selvíria/MS
Selvíria/MS. Ilha
Solteira: UNESP. 2009. 146 f. Dissertação (Mestrado em
Agronomia) - Universidade Estadual Paulista, Ilha Solteira,
2009. Disponível em: http://www.ppga.feis.unesp.br/
dissertacoes2009/walter_final_2009.pdf. Acesso em junho
de 2010.
24 HONER, M. R.; BIANCHIN, I.; GOMES, A. O controle
estratégico da mosca-dos-chifres em bovinos de
cor te nos cer
corte rados
rados. Fase II. Observações sobre a dinâmica
cerrados
populacional dos besouros coprófagos autóctones. Campo
Grande: EMBRAPA/CNPGC, 1988.
25 KOLLER, W. W. et al. O. Ecologia, comportamento e
bionomia. Besouros coprófagos (Coleoptera: Scarabaeidae)
Coletados em Campo Grande, MS, Brasil. An. Soc.
Entomol
Entomol. Brasil, v. 8, n. 3, p.403-412, 1999; KOLLER,
W. W. et al. Ocor rência e sazonalidade de besouros
Ocorrência
copro/necrófagos ((Coleoptera:
Coleoptera: Scarabaeidae
Scarabaeidae),), em
massas fecais de bovinos, na região de cerrados
165
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

no Mato Grosso do Sul Sul. Campo Grande: EMBRAPA-


CNPGC. Pesquisa em Andamento, n. 8, p. 1-5, abr. 1997.
Disponível em:<http://www.cnpgc.embrapa.br/publicacoes/
pa/pa48.html>. Acesso em Junho de 2010; HAYNES, R.
J.; WILLIAMS, P. H. Nutrient cycling soil fertility in the
grazed pasture ecosystem. Adv
Adv.. Agron
Agron., v. 49, p. 119 –
199, 1993.
26 MIRANDA, Cesar H. B.; SANTOS, José C. C. dos.;
BIANCHIN, Ivo. Contribuição de Onthophagus gazella à
melhoria da fertilidade do solo pelo enterrio de massa fecal
bovina fresca. Estudo de caso de vegetação. Revista
Brasileira de Zootecnia
Zootecnia. Viçosa. Vol. 27, n. 8, p. 681 –
685, 1998; SILVA, Pedro G. da; GARCIA, Márcio A. da
R.; VIDAL, Mariana B. Espécies de besouros copro-
necrófagos (Coleoptera: Scarabaeidae) da Região da
Campanha do Rio Grande do Sul. Revista de Ciências
Agroveterinárias
Agroveterinárias. Lages, v. 7, n. 2, p. 143 – 149, 2008.
27 Conforme Portaria nº 28, de 22 de julho de 1988 da
Secretaria de Defesa Sanitária Vegetal. NASCIMENTO, Y.
A. do; BIANCHIN, I.; HONER, M. R. Instruções para a
criação do besouro africano Onthophagus gazella
em laboratório
laboratório.. EMBRAPA-CNPGC. Comunicado
Técnico, v. 33. Campo Grande, Embrapa Gado de Corte,
1990. BIANCHIN, I.; HONER, M. R.; GOMES, A. Controle
integrado da mosca-dos-chifres na região Centro-Oeste. A
Hora V eterinária
eterinária, Porto Alegre, v. 11, n. 65, p. 43-46,
Veterinária
1992.
28 Nome científico da mosca-dos-chifres.
29 CSIRO é a sigla para Comitê de Investigação da Carne
Australiana. Ver estudo de EDWARDS, Penny. Introduced
dung Beetles in Australia 1967 – 2007
2007. Current status
and future directions. A Landcare Australia project “Dung
Beetles for Lancare Farming” funded by The Orica
Community Foundation. 2007. Disponível em: http://
svc018.wic008tv.server-web.com/Edwards%20Penny
%20BOOK%20ALL%20PAGES-final.pdf. Acesso em junho
de 2010.
30 MATAVELLI, Rodrigo A.; LOUZADA, Julio N. C. Invasão
de áreas de savana intra-amazônicas por Digitonthophagus
166
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

gazella (Fabricius, 1787) (Insects: Coleoptera: Scarabaeidae).


Manaus. Acta Amazônica
Amazônica, v. 38, n. 1, p. 153 – 158,
2008. KOHLMANN, Bert. A preliminary study of the invasion
and dispersal of Digitonthophagus gazella (Fabricius, 1787)
in Mexico (Coleoptera: Scarabaeidae: Scarabaeinae). Acta
Zoológica Mexicana (nueva serie) serie), n. 61, Instituto de
Ecologia, Xalapa, Mexico, p. 35-42, 1994. WATERHOUSE,
D. F.; SANDS, D. P. A. Classical biological control of
arthropods in Australia. Canberra, 2001. Disponível em:
http://aciar.gov.au/system/files/node/2180/mn77.pdf. Acesso
em junho de 2010. EDWARDS, Op. cit.
31 AGNOLIN, Carlos Alber to. Óleo de citronela no
controle de ectoparasitas de bovinos. Santa Maria:
UFSM. 2009. 64 f. Dissertação (Mestrado em Zootecnia) -
Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2009,
p. 16.
32 BIANCHIN, Ivo; ALVES, Rafael G. de O. Mosca-dos-chifres,
Haematobia irritans: comportamento e danos em vacas e
bezerros Nelore antes da desmama. Pesquisa V eterinária
Veterinária
Brasileira
Brasileira, v. 22, n. 3, p. 109-113, 2002. BIANCHIN e
ALVES, 2004, Op. cit.
33 MARCONDES, Carlos B. Entomologia médica e
veterinária
veterinária. São Paulo: Editora Atheneu, 2001.
34 VALERIO, J. R.; GUIMARÃES, J. H. Sobre a ocorrência
de uma nova praga, Haematobia irritans (L.) (Diptera:
Muscidae), no Brasil. Revista Brasileira de Zoologia
Zoologia.
v. 1, n. 4, p.417-418, 1983.
35 MACEDO, José D. B de. Besouros coprófagos: os insetos
benéficos das pastagens. Revista Bahia Agrícola
Agrícola. v. 3,
n. 3, set. 1999. HONER, BIANCHIN e GOMES, Op. cit.;
FLECHTMANN, C. A. H.; RODRIGUES, S. R. Insetos
fimícolas associados a fezes bovinas em Jaraguá do Sul/
SC. 1. Besouros coprófagos (Coleoptera, Scarabaeidae).
evista Brasileira de Entomologia
Revista Entomologia, v. 39, n. 2, p. 303-
309, 1995.
36 KOLLER et al., 1997, Op. cit. BIANCHIN, Ivo.
Contribuição de Onthophagus gazella à melhoria da
fertilidade do solo pelo enterrio de massa fecal bovina fresca.
167
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Estudo de caso de vegetação.. Revista Brasileira de


Zootecnia. Viçosa
Viçosa
içosa. Vol. 27, n.8, p.681-685, 1998.
37 Vale ressaltar que estes valores podem variar dependendo
do bioma, clima e região. FAZOLIN, M.; ARGOLO, V. M.;
ESTRELA, J. L. V. P roposta para maximizar a
utilização dos recursos disponíveis na criação do
besouro africano (Onthophagus gazella, Fab.) ab.).
EMBRAPA-CPAF/AC, Boletim de Pesquisa, n.16, nov. 1997.
MIRANDA, SANTOS e BIANCHIN, Op. cit.
38 SILVA, GARCIA e VIDAL, Op. cit. KOLLER, GOMES e
RODRIGUES, Op. cit.
39 KOLLER, W. W.; GOMES, A.; RODRIGUES, S. R.
ontrole natural de parasitos em massas fecais
Controle
bovinas. Campo Grande: EMBRAPA-CNPGC,
Comunicado Técnico, 72, 2002. MARCONDES, Op. cit.
40 CUNHA, Nina R. da S. et al. A intensidade da exploração
agropecuária como indicador da degradação ambiental na
região dos Cerrados, Brasil. RER
RER, Piracicaba, v. 46, n. 2,
p. 291-323, abr./jun. 2008. RODRIGUES, Dayse M. T.;
MIZIARA, Fausto. Expansão da fronteira agrícola: a
intensificação da pecuária bovina no Estado de Goiás.
Goiânia, Pesquisa Agropecuária T ropical
Tropical
ropical, v. 38, n. 1,
p. 14-20, 2008.
41 KOLLER, GOMES e RODRIGUES, Op. Cit.
42 BIANCHIN e ALVES, Op. Cit.
43 MARCONDES. Op. Cit.
44 BIANCHIN e ALVES, Op. cit. FAZOLIN, ARGOLO e
ESTRELA, Op. Cit.
45 MARCONDES, Op. Cit.
46 BIANCHIN, et al. Op. Cit.
47 BIANCHIN e ALVES, Op. Cit.
48 “[...] dada a grande extensão territorial ocupada pela
pecuária bovina, os estudos devem levar em consideração
suas diferentes regiões fisiográficas com as respectivas
peculiaridades edofoclimáticas; os diferentes tipos de
168
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

exploração pecuária: bovinos de corte, bovinos para leite e/


ou de aptidão mista – corte e leite; as diferentes raças e ou
cruzamentos em uso e os diferentes sistemas de criação e/
ou de manejo utilizados: extensivos, semi-intensivos,
intensivo ou confinamentos. Daí resulta múltiplas e distintas
interações possíveis da relação ‘parasito x hospedeiro x
ambiente’.” BIANCHIN et al, Op. Cit., p. 886.
49 MARCHIORI, Carlos H. Espécies de Scarabaeidae
(Insecta: Coleoptera) coletadas em fezes bovinas e
carcaça de suínos em Itumbiara, Goiás, Brasil.
Pesquisa Agropecuária Tropical, v. 30 – n.2, 2000.
Disponível em: http://www.revistas.ufg.br/index.php/pat/
article/view/2577. Acesso em junho de 2010.
50 CAMPIGLIA, Marcello. A influência de sistemas
silvipastoris sobre a dinâmica populacional de
besouros coprófagos. Florianópolis: UFSC. 2002. 107
f. Dissertação (Mestrado em Agroecossistemas) -
Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2002.
Disponível em: http://www.tede.ufsc.br/teses/PAGR0072.pdf.
Acesso em junho 2010.
51 BARCELOS, Júlio O. J. et. al. A pecuária de cor corte
te no
Brasil: uma abordagem sistêmica da produção a
diferenciação de produtos. In: Primeiras Jornadas de
Economia Regional Comparada, FEERS, p. 01-27, 2005.
Disponível em: http://www.fee.rs.gov.br/sitefee/download/
jornadas/2/e13-03.pdf. Acesso em: junho de 2010.
BERNARDES, Nilo. Bases geográficas do povoamento
do Estado do Rio Grande do Sul. Ijuí: Ed. UNIJUÍ,
1997.
52 SILVA, GARCIA e VIDAL, Op. cit. Ver também: SILVA,
Pedro G. da; GARCIA, Márcio A. da R.; VIDAL, Mariana
B. Besouros copro-necrófagos (Coleoptera: Scarabaeidade
sensu stricto) do município de Bagé, RS (Bioma campos
sulinos). Biociências
Biociências. Porto Alegre, v. 17, n. 1, p. 33-43,
2009.
53 MATAVELLI e LOUZADA, Op. Cit.
169
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Anopheles gambiae e
Aedes aegypti :
a “invasão” do Brasil e o irromper de
epidemias

Eveli Souza D’Avila de Oliveira

A malária e a dengue estão entre as principais


doenças consideradas grandes problemas de saúde
pública mundial. O território brasileiro não ficou imune
a elas. Apresentando clima quente e úmido e aliado a
problemas de ordem econômico-sociais, o Brasil oferece
condições favoráveis para sua disseminação em grande
escala. Essas duas doenças tropicais - infecciosas que
se proliferam em ambiente quente e úmido - são
transmitidas aos seres humanos por diferentes espécies
170
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

de mosquitos, os quais através de sua picada, vão


inocular os agentes causadores destas moléstias no
organismo humano. São apenas as fêmeas destes insetos
as transmissoras da doença aos humanos, pois elas
necessitam da ingestão de sangue, para a maturação
de seus ovos. A malária e a dengue têm como vetores
transmissores os mosquitos dos gêneros Anopheles e
Aedes, respectivamente. Hoje, encontrados em diversas
regiões do território americano, são espécies exóticas,
originárias da África e que, ao que tudo indica, chegaram
às terras americanas através da dispersão antrópica.
Estes insetos invasores adaptaram-se e reproduziram-
se de forma avassaladora nas terras brasileiras
possibilitando, nos dias atuais, o irromper de epidemias.
O Anoheles gambiae e o Aedes aegypti apresentam
características muito parecidas. Ambos são domésticos,
ou seja, têm o hábito de viver dentro das habitações;
picam a qualquer hora do dia; alimentam-se de sangue
humano e se reproduzem em água parada e limpa, tais
como, poças, vãos, cacimbas, pneus, vasilhas
domésticas, calhas, tanques de cimento ou pedra. Esta
sua proximidade com os seres humanos e fácil
adaptação às áreas urbanas facilita a dispersão tão
rápida das doenças por eles transmitidas. Assim, na
perspectiva de combate às epidemias que estas
moléstias promoveram em diferentes regiões do Brasil,
autoridades políticas e sanitárias instituíram práticas e
estratégias para a extinção de tais males através da
extinção de seus vetores transmissores. Traça-se,
portanto, uma breve análise sobre a “invasão” do Aedes
aegypti e do Anopheles gambiae, no território brasileiro,
e apresentam-se também as políticas públicas
implementadas, visando seu controle e erradicação.
171
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

1. Malária e dengue: aspectos patológicos


A malária foi por longo tempo considerada um mal
que estava unicamente associado à influência dos
miasmas. Sabe-se, atualmente, que sua insurgência
relaciona-se com três elementos: o protozoário parasita,
o vetor anofelino e o hospedeiro humano. Nessa
perspectiva, a apostila para o curso de guarda da
malária, publicada pelo Ministério da Saúde e distribuída
para a formação dos trabalhadores do Serviço Nacional
de Malária, define-a como “uma doença infecciosa
causada por um parasito chamado Plasmódio e
transmitida pelo mosquito chamado Anofelino”1. Os
avanços no conhecimento científico, sobretudo no século
XX, em especial no campo da genética, evidenciam a
probabilidade de a malária acompanhar a humanidade
há dezenas de milhares de anos. Tanto seu agente
transmissor, o Plasmodium, como o vetor, o Anopheles,
antecedem ao surgimento dos seres humano, mas, no
que tudo indica, ela será somente disseminada entre os
homens na transição para a sociedade agrícola, que
engendrou mudanças ambientais, alterando o habitat
de seu vetor transmissor. Com a ampliação de áreas
destinadas à produção agrícola, paradoxalmente, os
seres humanos teriam instituído o ambiente propício
para a reprodução intensa dos anofelinos2.
A presença de intensa febre que ocorre em episódios
de duas a seis horas de duração é a mais marcante
característica desta enfermidade. Conforme o Manual
de Terapêutica da Malária as manifestações clínicas da
doença frequentemente observadas são
Uma fase sintomática inicial, caracterizada por mal-estar,
cefaléia, cansaço e mialgia, geralmente precede a clássica
172
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

febre da malária. O ataque paroxístico inicia-se com calafrio


que dura de 15 minutos a uma hora, sendo seguido por
uma fase febril, com temperatura corpórea podendo atingir
41oC ou mais. Após um período de duas a seis horas, ocorre
defervescência da febre e o paciente apresenta sudorese
profusa e fraqueza intensa.
Após a fase inicial, a febre assume um caráter intermitente,
dependente do tempo de duração dos ciclos eritrocíticos de
cada espécie de plasmódio: 48 horas para P. falciparum e
P. vivax (malária terçã) e 72 horas para P. malariae (malária
quartã)3.
O doente, ao longo desses acessos maláricos é
acometido de intensa debilidade física, náuseas e
vômitos. Outra característica clínica é a presença de
anemia em diferentes graus, causada em função da
destruição dos glóbulos vermelhos pelo Plasmodium em
seu processo de amadurecimento e reprodução no
organismo humano. Vale ressaltar, que manifestações
mais graves da doença podem ocorrer em gestantes,
crianças e adultos, podendo nestes casos ser até mesmo
fatal.
No que concerne à dengue, trata-se de uma doença
infecciosa causada por um arbovírus, do gênero
Flavivirus. Ela é produzida por quatro variedades
(sorotipos) de vírus: DEN 1, DEN 2, DEN 3 e DEN 4.
O manual organizado pela Secretaria de Vigilância em
Saúde aponta que
A infecção por dengue causa uma doença cujo espectro
inclui desde formas clinicamente inaparentes até quadros
graves de hemorragia e choque, podendo evoluir para o
óbito.
Dengue clássica: a primeira manifestação é a febre,
geralmente alta (39ºC a 40ºC), de início abrupto, associada
a cefaléia, prostração, mialgia, artralgia, dor retroorbitária,
173
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

exantema maculopapular acompanhado ou não de prurido.


Anorexia, náuseas, vômitos e diarréia podem ser observados.
No final do período febril, podem surgir manifestações
hemorrágicas como epistaxe, petéquias, gengivorragia,
metrorragia e outros. Em casos mais raros, podem existir
sangramentos maiores como hematêmese, melena ou
hematúria4.
A doença apresenta altos índices de morbidade, no
entanto, tem baixa letalidade em sua forma clássica.
Sua incidência é maior nas áreas urbanas, no entanto,
também pode ocorrer o aparecimento de casos nas
áreas rurais. Nos dias atuais a dengue pode ser
transmitida no Brasil também pelo Aedes albopictus,
espécie que está presente tanto nas cidades como no
meio rural5.

2- A invasão dos mosquitos e os controles


epidemiológicos
O Aedes aegypti é um inseto pertencente à subfamília
Culicinea e do subgênero Stegomyia, cuja nomenclatura
vincula-se a região onde foi pela primeira vez descrita.
Segundo o Guia de Instruções para guardas, guardas-
chefes e inspetores, elaborado pelo Ministério da Saúde
para o combate do Aedes aegypti, em sua fase adulta,
esse mosquito apresenta colorido escuro, rajado de
branco, com anéis brancos nas pernas. Manchas
prateadas são encontradas nas partes laterais do tórax
e do abdômen. Seu ataque aos seres humanos
geralmente tem ocorrência diurna, no entanto, ele pode
picar as pessoas a qualquer hora do dia ou da noite.
Seu tempo de vida é relativamente pequeno, entre dez a
quarenta e dois dias. É “um dos mais encarniçados
174
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

inimigos do homem. Inimizade exteriorizada de duas


maneiras: — pelas picadas incomodativas com que
entende martirizá-lo, e pela doença que lhe transmite,
tão impertinente umas, como excessivamente grave a
outra”6. Ele é o vetor transmissor tanto do vírus da
dengue como da febre amarela, doença que ao que tudo
indica, deixou a costa africana e atravessou o Atlântico
no interior dos insalubres navios negreiros.

Assim sendo, tem toda a justificativa o admitirmos que a


stegomyia calopus tivesse vindo para o Brasil naqueles
mesmos navios encarregados do tráfico de negros africanos
e que aqui aportavam, de quando em quando, desde os
tempos coloniais.Parece mesmo que ninguém pretende mais
opor dúvidas à origem africana do mosquito propagador e
hospedeiro temporário do gérmen ainda não visto da febre
amarela. Só assim eu posso explicar porque todos os
autores, que, na atualidade, escrevem sobre este assunto,
sempre sugestivo, substituem sistematicamente, o nome de
“stegomyia calopus” ou “fasciata” pelo de “aedes aegypti”. É
que todos eles já estão convencidos da origem africana do
mosquito rajado e, assim, assinalam-lhe o nome com a sua
pátria de origem, para melhor e mais apropriadamente
identificá-lo7.
Com ampla distribuição mundial na atualidade, em
especial nas regiões de clima tropical e subtropical, ele
“acompanhou o homem em sua longa e ininterrupta
migração pelo mundo, e permaneceu onde as alterações
antrópicas favoreceram sua proliferação”8. Em suas
incursões para os mais longínquos cantos do planeta
os seres humanos tanto de forma passiva como
intencional promoveram a dispersão de uma variedade
de espécies. Este é o caso, por exemplo, do Aedes
aegypti, que, tendo como seu berço de origem o
175
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

continente africano, expandiu-se para o continente


europeu e para diferentes regiões da América levado
em embarcações, trens, e posteriormente por carros e
aviões.
A febre amarela e a dengue apresentam aspectos
clínicos diferenciados apesar de serem transmitidas pelo
mesmo vetor O Aedes aegypti foi o responsável no início
do século passado, pela transmissão da febre amarela
urbana sendo apontado como o único vetor transmissor
desta enfermidade no Brasil9. No entanto, o último foco
deste inseto foi eliminado em 1955, no interior da Bahia,
como resposta a uma campanha empreendida pelo
Departamento Nacional de Saúde Pública em conjunto
com a Fundação Rockefeller contra a febre amarela em
sua forma urbana o que perpassava pela erradicação
de seu mosquito transmissor.
Contudo, ele se manteve em algumas áreas do
continente americano, e foi reintroduzido no território
brasileiro no final da década de 1960, provavelmente
em função da “chamada dispersão passiva dos vetores,
através de deslocamentos humanos marítimos ou
terrestres”10. No final da década de 1970, diante da
urbanização acelerada e das mudanças ambientais e
sociais dela decorrentes e somando-se a isso os
processos migratórios, a presença do vetor já era
registrada em grande parte dos Estados Brasileiros, dele
ficando livre apenas o extremo sul do país e a região
amazônica. Em 1981 o Aedes aegypti desencadeou a
primeira epidemia de dengue no Brasil. A partir daí, ele
tem mantido surtos ou epidemias de dengue que se
manifestaram nos Estados de Roraima, Rio de Janeiro,
Alagoas, Ceará, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, São
Paulo, Mato Grosso do Sul e Tocantins. Seu
176
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

comportamento estritamente urbano, e sua grande


capacidade de adaptação a criadouros artificiais tem
provocado, epidemias de dengue em várias cidades do
Brasil, acometendo um imenso número de pessoas.
Cabe ressaltar conforme Natal:
Uma espécie que conquista territórios, atravessa fronteiras
e invade novos continentes, ao utilizar o transporte como
meio passivo de ampliar sua distribuição geográfica, teria
ampla vantagem quanto a garantia de sua sobrevivência
como população. Nesse sentido, mesmo que eliminada de
uma região a reinfestação apresentará sempre nova
ameaça11.
No rastro de sua dispersão para o continente
americano, os poucos registros existentes nos conduzem
ao início da modernidade. A história de sua invasão
das terras americanas remonta ao século XVI, quando
da expansão marítima e comercial dos europeus
ocidentais. Sabemos que o comércio triangular –
Europa, América e África – foi intenso a partir da
expansão ultramarina dos portugueses. Mas, também
pelas mãos dos portugueses ganhou impulso o
deslocamento de uma variedade de espécies animais e
vegetais entre estes continentes. No ir e vir de embar-
cações transportando mercadorias, animais e princi-
palmente pessoas para os mais diferentes lugares tais
intercâmbios se materializaram. O frequente contato
entre Europa, África e América, sua interligação veicu-
lada a uma perspectiva perpassada por interesses
econômicos e os constantes deslocamentos humanos,
dinamizaram o intercâmbio de espécies entre estes
diferentes continentes. Cabe ressaltar que estudos na
atualidade apontam a potencialidade das plantas
exóticas para a degradação do meio ambiente, em
177
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

especial quando seu avanço lhes propicia o triunfo


diante as espécies nativas.
Os registros apontam inúmeras espécies de plantas
e animais que partiram de sua região original em longa
marcha para novos territórios onde foram domesticadas
e naturalizaram-se promovendo mudanças na paisagem.
Em seu estudo sobre a expansão biológica da Europa,
Alfred Crosby, evidencia a dispersão de ervas, animais
e doenças, que se espalharam para outras áreas do
planeta pela ação dos conquistadores europeus e sua
biota portátil, mudando de forma irreversível estes
espaços por eles ocupados. De forma involuntária,
fixadas nos navios e em suas cargas, nos cascos dos
animais e em seus excrementos, bem como nas roupas
e calçados dos colonizadores, ou de maneira intencional,
em seus fluxos migratórios os europeus possibilitaram
a invasão de espécies estrangeiras para o continente
americano, as quais, velozmente se dispersaram ocupan-
do e modificando os mais diversos espaços, e possibili-
tando o “êxito dos imperialistas europeus no além-
mar”12.
No rumo destes grupos de expansão também
microrganismos e doenças foram introduzidos em outros
continentes pelos colonizadores do Velho Mundo, que
já havia sido assolado no século XVI pela peste
bubônica, trazida no interior dos navios que comercia-
lizavam com o Oriente. Este seria, ao que tudo indica,
o caso da malária. Conhecida dos europeus desde a
Idade Média, se manifestou como endemia ao longo
dos séculos XVI e XVIII em várias regiões deste
continente. Durante este período a enfermidade teria se
introduzido no Novo Mundo. “Sua incandescência teria
como origem as contínuas guerras e a grande expansão
178
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

do comércio marítimo. Os europeus estavam em


permanente contato com alguns dos maiores focos da
doença na África, na Índia e na Ásia Oriental”13.
O emaranhado de embarcações que cruzavam o
Atlântico traziam junto a elas, microrganismos que ao
migrarem de seu habitat natural e se expandirem para
terras distantes disseminaram no Novo Mundo doenças
infecciosas até então desconhecidas pelos habitantes
destas terras. Um expressivo número de americanos
foram vítimas destas moléstias por eles até então
desconhecidas, como varíola, sarampo, difteria,
coqueluche, tracoma, catapora, peste bubônica, febre
tifóide, cólera, febre amarela, malária, e dengue. Tais
doenças foram responsáveis pelo irromper de epidemias
e pela devastação de grandes populações caso, por
exemplo, da devastadora epidemia de varíola, trazida
pelos espanhóis, quando aproximadamente “5 a 8
milhões de índios morreram da doença, que se
aproveitou de uma população que a desconhecia, e
portanto não tinha a menor imunidade [...]”14. Esta
vinculação de moléstias que acometiam as populações
americanas no contato com os colonizadores europeus,
englobando aí os primeiros habitantes do Brasil, pode
ser corroborada, através de uma enfermidade que
atingiu a Província da Bahia. Octávio Freitas em seu
estudo sobre as doenças brasileiras originárias do
continente africano, aponta que
é flagrante a prova da origem alienígena deste novo surto
epidêmico porque, de tal doença, só eram acometidos os
“índios batizados”; justamente aqueles que se punham em
contato com os colonizadores e seus escravos e com eles
mais intimamente conviviam, o que foi observado, tanto
nesta epidemia, como no surto relatado para S. Vicente,
em 155415.
179
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Foi neste contexto, que o continente africano tornou-


se palco tanto da intromissão de espécies desconhecidas
como também fornecedor de uma variedade de espécies
para outras áreas do planeta. Assim, juntamente com o
tráfico de escravos africanos praticado de forma intensa
pelos europeus ao longo dos séculos XIV e XIX,
entrelaçou-se o intercâmbio de animais, plantas e
também doenças. Trazidos para exercer as mais
variadas atividades, que perpassavam desde os
engenhos de cana até o trabalho doméstico, muitos
escravos foram de forma involuntária os portadores de
moléstias trazidas para as terras brasileiras através do
interesse dos colonizadores europeus que os conduziam
“sem exame prévio de suas condições de saúde e sem o
menor cuidado”16. Esta é, também, a teoria mais aceita
entre estudiosos no que concerne à entrada na América
de espécies de mosquitos até então desconhecidas neste
continente, incluindo-se aí, ao que tudo indica, os insetos
dos gêneros Anopheles e Aedes.
Mas não apenas neste período histórico, no início
da modernidade, o Brasil foi palco da invasão de insetos
vetores de doenças. Uma intempestiva invasão biológica
marcou o nordeste do Brasil no início do século 20.
Larvas do mosquito Anopheles gambiae, espécie até esta
data não encontrada no hemisfério ocidental, foram
descobertas pelo entomologista norte americano,
Raymond C. Shannon em um pequeno terreno gramado
e inundado, localizado entre o leito ferroviário e o Rio
Potengi, na cidade de Natal, capital do Estado do Rio
Grande do Norte. Este estudioso estava na mata entre
os dias 22 a 26 de março de 1930 observando o Aedes
aegyti quando
180
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

[…] encontron innumeras larvas e nymphas (de que nasciam


machos e fêmeas) da espécie de Anopheles pertencentes ao
subgênero Myzomya. Este grupo é inteiramente extranha á
fauna Americana, pois que até agora somente foi conhecido
do Velho Mundo. Demais, a especie concorda com as
descripções dos caracteres genitaes e de coloração larvaes
da especie Africana, Anopheles Myzomya gambiae […] 17.
Se as terras americanas ainda não tinham esta
espécie de mosquito transmissor da malária em sua
fauna, como ele teria invadido as terras brasileiras? A
concepção predominante é que o itinerário que conduziu
o gambiae para o Nordeste do Brasil perpassa pelo
continente africano e europeu. Segundo estudiosos,
teriam sido os Destroyers franceses, na época chamados
“avisos”, que faziam, a cada 4 dias, a rota postal França-
Natal, passando por Dakar, que muito provavelmente
trouxeram o terrível transmissor da malária na África18.
Cabe lembrar, que desde longa data Dakar era um local
de confluência entre estes três continentes, pois ao longo
dos séculos XVI a XIX foi cenário do tráfico Atlântico
de escravos africanos para o continente americano,
realizado pelos europeus. Segundo o entomologista René
Rachou, seria possível a importação do gambiae pelos
navios do governo francês argumentando que “a esse
favor fala a localização dos criadouros encontrados, a
menos de um quilômetro do ancoradouro dêsses navios
em Natal, sabendo-se, ainda, que em Dakar êsses
mesmos navios fundeavam dentro do raio do vôo do
gambiae”19. Rachou acredita ainda que a invasão teria
ocorrido na fase alada do mosquito já que a água desses
navios era acondicionada em tanques hermeticamente
fechados, o que impediria, muito provavelmente, a
importação do inseto em sua fase larvária.
181
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Os insetos do gênero Anopheles compreendem nos


dias atuais 54 espécies existentes no Brasil e estão
agrupadas em cinco subgêneros: Nyssorhynchus,
Kertszia, Stethomya, Lophopodomya. Ainda segundo
esta classificação o Anopheles gambiae, descoberto em
Natal por Shannon, pertenceria a um sexto subgênero
denominado Cellie20. Em virtude de seu pouso ocorrer
perpendicularmente à parede, ele é também chamado
de mosquito prego. Manchas características são
encontradas em suas asas e, além disso, “Todas as
espécies do subgênero Myssorrhynchus têm anéis
brancos nas pernas. As espécies do subgênero Mizomya
ao qual pertence o Anopheles gambiae, vistas a
olho nu, tem coloração uniforme nas pernas”21. Por
alimentar-se exclusivamente de sangue humano e ser
hospedeiro do agente etiológico da malária, o gambiae
é considerado o principal transmissor e disseminador
desta enfermidade, daí a grande apreensão causada
entre entomologistas e sanitaristas quando da
descoberta de sua presença no Brasil. Tal preocupação
se evidencia em um telegrama enviado por Raymond
Shannon, à Fundação Rockefeller após a coleta de
milhares de larvas deste anofelino onde dizia “Encontrei
gambiae em Natal. Pobre Brasil!”22
Considerando que em 1930 o Anopheles gambiae já
era apontado como vetor da malária de maior expressão
epidemiológica em muitas regiões do continente
africano e que as características climáticas do nordeste
brasileiro apresentam as condições ideais para a
adaptação e proliferação desta espécie, Shannon já
previa o que acabou por logo acontecer: o gambiae
alastrou-se de forma arrebatadora e provocou uma
epidemia de malária sem precedentes nos Estados do
182
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Rio Grande do Norte e Ceará.


[...] Vindo da África, possivelmente por um dos avisos
rapidos da Air France, adotados para a travessia do
Atlantico, o anofeles gambiae apareceu primeiro no Rio
Grande do Norte. Em 1931 já estava a 180 km de Natal.
Em 1938 assolava dois grandes vales, o do Assú e o do
Mossoró. Nessa ultima zona, calcula-se em 50.000 o numero
de pessoas atingidas pela epidemia.
Do Rio Grande do Norte o gambiense se estendeu ao Ceará,
assolando, no vale Jaguaribe, diversas cidades e fazendo cerca
de 8.000 vitimas, entre 40.000 pessoas atingidas pela malaria23.
Segundo a mesma notícia, a rápida dispersão do
mosquito ocorria através do voo e do transporte acidental
por meio de automóveis, embarcações, etc,. Tamanha
rapidez na propagação e diante do grande número de
casos fatais, o que não era comum nos casos de pessoas
acometidas pelas febres palustres, tem início uma
acirrada campanha para o controle e eliminação do
gambiae, que conforme declaração do então presidente
da Fundação Rockefeller tornara-se verdadeira “ameaça
para o hemisferio ocidental”24.
Esses trabalhos aconteceram em dois diferentes
momentos. O primeiro se desenvolveu quando da
ocorrência do surto em Natal, momento em que os
serviços de Saúde se valeram de métodos usuais de
combate aos focos larvários, adotando-se medidas
profiláticas centradas em obras de engenharia sanitária,
tais como, drenagens, aterros de regiões alagadiças e
ao mesmo tempo, a utilização de querosene em poças
d´agua visando a eliminação das larvas dos vetores e
assim, exercer o controle sobre a doença. Já o segundo,
teve início quando o gambiae atingiu o Estado do Ceará
provocando, em 1938, a epidemia no vale do Jaguaribe.
A partir daí a campanha se intensifica sendo adotadas
183
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

medidas que dessem conta da total erradicação do


mosquito e, por conseguinte, debelassem a epidemia
reinante. Neste sentido, foi firmado um acordo de
cooperação entre o Governo Brasileiro e a Fundação
Rockefeller, que se mostrava bastante preocupada com
a expansão desta tão temida espécie de anofelino para
a América do Sul, Central e do Norte.
Getúlio Vargas, com a ajuda da Fundação Rockefeller,
resolveu enfrentar a epidemia. Juntos, investiram US$ 350
mil em um exercito de médicos e técnicos, muitos deles já
experimentados no combate ao mosquito transmissor da
febre amarela. A luta contra o gambiae foi formidável. Não
sobrou um único criadouro na região que não fosse revirado
e aspergido com larvicida. Até vasos de cemitério e potes
com água benta receberam sua dose de larvicida.25
A campanha iniciou-se em 1939, sendo no mesmo
período instituído o Serviço de Malária do Nordeste
(SMNE), órgão específico para empreender tal tarefa
que chegou a compreender quatro mil trabalhadores,
num esforço contínuo para evitar a expansão do
mosquito. Além de se valer deste elevado número de
funcionários, sobre os quais era exercido efetivo e
constante controle e exigido forte empenho, a campanha
se pautou também na utilização de uma diversidade de
ações e estratégias, entre as quais o estudo minucioso
dos hábitos e da ecologia do mosquito,
[...] verificou-se que não se capturava nunca o Anopheles
gambiae fora das casas, mesmo com isca humana; nunca
se capturava também em nenhum animal – cavalo, burro,
boi – só no homem, e no homem dentro da casa. [...]
verificou-se que o Anopheles gambiae não criava em
depósitos sombreados, não criava em mata, mas
exclusivamente em pequenas coleções de água limpa e bem
ensolarada26.
184
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Todos esses conhecimentos, oriundos das extensivas


pesquisas realizadas orientou a definição das
prioridades nas ações e possibilitou a adequação das
medidas de intervenção favoráveis para o seu combate.
Entre estas se destaca a localização dos criadouros dos
mosquitos para seu extermínio na forma larvária, como
pode ser observado na imagem abaixo.

Figura 8: Procurando foco do Anopheles gambiae, em cacimbas


d’água no lito do Rio Jaguaripe, Ceará. Serviço de Malária do
Nordeste, 1938.
Fonte: Acervo da Casa de Oswaldo Cruz, Departamento de
Arquivo e Documentação.
185
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Era também aplicado inseticida no interior dos


domicílios visando á eliminação do inseto já em sua
fase alada. O expurgo de meios de transporte era
realizado com a finalidade de impedir sua dispersão
para outras regiões. Ainda em conjunto com as medidas
já descritas era efetuado paulatinamente o tratamento
profilático e curativo dos indivíduos acometidos pela
moléstia.
Diante destas e outras medidas a campanha
antigambiae, segundo especialistas e o poder político
institucionalizado, obteve total sucesso. Conforme
Hochmann, “já em 1940 extensas áreas encontravam-
se limpas. No fim desse mesmo ano as pesquisas
revelaram a ausência de Anopheles gambiae autóctone
no Brasil”27. Dois anos após ter sido iniciada tamanha
empreitada o objetivo desejado foi alcançado: o
gambiae estava eliminado naquela região. Mediante o
resultado obtido, foi extinto, em 1942, o Serviço de
Malária do Nordeste.
O sucesso da campanha antigambia instigou no
Brasil a proposta de se erradicar também o Aedes eagypti
e, por outro lado, encorajou autoridades sanitárias
brasileiras e mundiais, através da OMS, a desenvolver
amplos programas de combate à malária, que, no
entanto, não atingiram seus propósitos. Segundo
Camargo dois fatores estão aí engendrados. O primeiro
deles vincula-se aos vultosos recursos utilizados para a
campanha aqui empreendida, numerário que muitos
dos países do mundo não dispunham. Há também de
se considerar, segundo o mesmo autor, uma
peculiaridade no caso brasileiro: o fato de ser o gambiae
uma espécie “alienígena, não tinha raízes no país e mal
conseguira se estabelecer em um segmento limitado e
186
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

agreste do território, e não o melhor possível para a sua


proliferação”28.

3. Considerações finais
O longo processo de migração humana, a partir do
continente africano para as outras áreas do planeta,
promoveu a dispersão conjunta de espécies vegetais e
animais, assim como de microrganismos e doenças. A
malária e a dengue estão entre elas.
Seguindo este caminho de migrações, no alvorecer
da modernidade, com a ampliação das viagens além-
mar, com a busca da conquista de terras e populações,
com o intenso comércio atlântico, homens, plantas,
animais e microrganismos causadores de uma ampla
diversidade de doenças, ganharam novos espaços e
valores, que perpassaram ainda outras vezes por
interesses científicos. Neste sentido uma grande teia de
transferência de lugares se organizou levando consigo
espécies que deixaram seu habitat natural adaptaram-
se em terras estranhas, e com o passar do tempo, se
integraram a elas promovendo alterações ambientais.
Essas espécies vetoras associadas à transmissão da
malária e da dengue, que podem ser destacadas como
exemplos desta invasão biológica, têm sido objeto de
estudos de muitos biólogos, médicos e principalmente
entomologistas, visando a erradicação das epidemias
por eles provocadas o que tem desencadeado uma série
de trabalhos tanto sobre eles como as doenças que
provocam. Fazem-se necessários, no entanto, estudos
historiográficos cujo olhar se debruce sobre questões
relacionadas à sua dispersão pelo mundo e que
promova uma interação entre meio ambiente e suas
187
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

transformações considerando as questões econômico-


sociais.
Por outro lado, o estudo da história das epidemias e
seus agentes causadores, nos possibilita a compreensão
dos reflexos provocados nas questões ambientais, nas
possíveis mudanças na paisagem e em questões políticas
e sociais.

Notas:
1 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Apostila para o curso de
guarda da malária O .I. Superintendência de Campanhas
O.I.
de Saúde Pública. Setor Santa Catarina, 1971.
2 UJVARI, Stefan Cunha.. A história da humanidade
contada pelos vírus, bactérias parasitas e outros
microrganismos
microrganismos... São Paulo: Contexto, 2008.
3 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Dengue - instruções para
pessoal de combate ao vetor vetor: manual de normas
técnicas. 3. ed. Brasília: Fundação Nacional de Saúde,
2001. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/
publicacoes/funasa/man_dengue.pdf
4 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em
Saúde. Dengue: Diagnóstico e Manejo Clínico Clínico. 2ª
edição. Brasília: Diretoria Técnica de Gestão, 2005.
5 MINISTÉRIO DA SAÚDE, Op. Cit.
6 FREITAS, Octávios. Doenças africanas no Brasil.
Bibliotheca Pedagógica Brasileira. Série V. V. LI, São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1935, p. 212. Disponível em:
http://www.brasiliana.com.br/.
7 Ibidem, p. 218-219.
8 ROTRAUT, A. G. B. Consolo; OLIVEIRA, Ricardo Lourenço
de. Principais mosquitos de importância sanitária
no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1994, p. 115. Disponível
em: http://www.fiocruz.br/editora/media/05-PMISB03.pdf.
188
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

9 A febre amarela é uma doença infecciosa que se manifesta


clinicamente por febre icterícia, fenômenos hemorrágicos, e
histopatológica por lesões degenerativas e necróticos do
fígado e rins. Em sua forma de transmissão urbana, ocorre
sempre de forma epidêmica, com alta de letalidade naqueles
casos que evoluem para formas graves, com a presença de
hemorragias e icterícia. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Combate
ao Aedes aegypti
aegypti. Instruções para guardas, guardas-chefes
e inspetores. Brasília: Superintendência de Campanha de
Saúde Pública (SUCAM), 1985, p. 23.
10 SOCIEDADE BRASILEIRA DE INFECTOLOGIA.
Entomologista esclarece dúvidas sobre a dengue e
comente hábitos do mosquito transmissor
transmissor.. 2010.
Disponível em: http://www.sbinfecto.org.br/
default.asp?site_Acao=mostraPagina&paginaId=134&mNoti_
Acao=mostraNoticia&noticiaId=1344.
11 NATAL, Delsio. Bioecologia do Aedes aegypti. Biológico
Biológico,,
São Paulo, v. 64, n. 2, p. 205-207, jul./dez., 2002, p. 206.
Disponível em: http://www.feis.unesp.br/dtadm/stdarh/ed/
documentos/dengue/dengue%20-%20bioecologia.pdf.
12 CROSBY, Alfred W. Imperialismo ecológico
ecológico: a expansão
biológica da Europa 900-1900. Tradução José augusto
Ribeiro e Carlos Afonso Malferrari. São Paulo: Cia das
Letras, 1993, p. 175.
13 ROSEN, George. Uma história da saúde pública.
Tradução Marcos Fernandes da Silva Moreira com a
colaboração de José Ruben de Alcântara Bonfim. 2. Ed.
São Paulo: Hucitec; Editora da Universidade Estadual
Paulista. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Pós-
Graduação em Saúde Pública, 1994. (Saúde em debate;
74), p. 86.
14 UJVARI, Stefan Cunha. Meio ambiente & epidemias.
São Paulo: Editora SENAC, 2004.
15 FREITAS, Op. Cit, p. 24.
16 Ibidem, p. 30.
17 SHANNON, Op. Cit., p. 3.
18 CAMARGO, Erney Plessmann. Malária, maleita, paludismo.
189
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Revista Ciência e Cultura


Cultura. Vol. 55, n. 1. São Paulo.
Jan./mar 2003. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/
scielo.php?pid=s0009-67252003000100021&script=
sci_arttext.
19 RACHOU, René G. Erradicação de anofelinos transmissores
de malária. Revista Brasileira de Malariologia e
doenças tropicais. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de
Malária. Vol. 3, n. 2, abr. 1951, p. 328.
20 ROUTRAT, Op. Cit.
21 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Combate ao Aedes aegypti.
Instruções para guardas, guardas-chefes e inspe-
tores. Brasília: Superintendência de Campanha de Saúde
Pública (SUCAM), 1985, p. 33.
22 SILVA, Glaubia Cristiane Arruda. O beijo mortífero do
Gambiae: a epidemia de malária no Baixo Jaguaribe. IN:
NASCIMENTO, Dilene R. do; CARVALHO, Diane Maul
de; MARQUES, Rita de Cássia de (org.). Uma história
brasileira das doenças. Rio de Janeiro: Maud X, 2006,
p. 40. Disponível em: http://books.google.com.br.
23 JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 1940, p. 5.
Disponível em: http://news.google.com/newspapers?id=
4AA1AAAAIBAJ&sjid=lvUJAAAAIBAJ&pg=7045,734640&dq
=epidemia+de+mal%C3%A1ria&hl=pt-BR.
24 Ibidem, p. 5.
25 CAMARGO, Op. Cit., p. 3.
26 TAUIL, Pedro; DEANE, Leônidas; SABROZA, Paulo,
RIBEIRO, Cláudio. A malária no Brasil. Cader nos de
Cadernos
Saúde Pública. Vol. 1. n. 1. Rio de Janeiro, Jan./Mar,
1985. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script
=sci_arttext&pid=S0102-311X1985000100009.
27 HOCHMAN, Gilberto; MELLO, Maria Teresa Bandeira;
SANTOS, Paulo Roberto Elian dos. A malária em foto:
imagens de campanhas e ações no Brasil da primeira metade
do século XX. História, ciência, saúde – Manguinhos
Manguinhos.
Vol. 9, supl. 0, Rio de Janeiro, 2002, p. 7. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v9s0/10.pdf.
28 CAMARGO, Op. Cit., p. 3.
190
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental
191
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

História de uma invasão


biológica:
a questão do caramujo africano achatina fulica

Márcio José Werle

Quando nos deparamos com a palavra “invasão”


em textos históricos, normalmente lembramos episódios
relacionados às guerras e batalhas, nas quais os exércitos
conseguem conquistar determinado território usando
uma estratégia de entrada ágil e rápida. Agilidade e
rapidez não são características comumente atribuídas
a caramujos e caracóis, e nesse sentido, pode até parecer
estranho perguntar como é possível uma invasão de
caramujos? Será que animais tão lentos como os
caracóis ou caramujos seriam capazes de promover uma
invasão? Evidentemente não estamos falando de uma
192
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

invasão ao estilo bélico, mas sim de algo que ocorre


com o desenvolvimento desse animal em um novo
ambiente. A questão do caramujo africano Achatina
fulica (pronuncia-se: acatina fúlica) trata-se de uma
“invasão biológica”, e como tal, para sua compreensão
exige determinadas observações.
O termo “invasão biológica” designa um processo
pelo qual uma espécie de animal ou vegetal é introduzida
em um local fora de sua área de ocorrência natural.
Fora de sua área natural ele passa a exercer dominância
sobre os ecossistemas nativos causando impactos
negativos. Esses impactos podem ser de ordem
ecológica, econômica, social ou mesmo de saúde. Trata-
se de um processo, no qual os organismos passam então
a ser chamados de “espécies exóticas invasoras”. Desse
modo, um processo de invasão biológica pode ocorrer
imediatamente após a introdução de um organismo em
determinado ambiente ou pode também ficar latente por
muitos anos até que o organismo encontre condições
ideais para se proliferar.
Essas condições ideais somente são alcançadas
depois que a espécie invasora consegue superar algumas
barreiras que podem ser geográficas, como oceanos e
cordilheiras; ou ambientais, quando se refere às carac-
terísticas ecológicas do local onde foram introduzidas1.
Outro aspecto que marca uma invasão biológica é o
conjunto de características dos próprios organismos
introduzidos. Para que estes exerçam dominância sobre
outras espécies de um determinado ambiente é
necessário que a espécie do local esteja suscetível à
invasão, que pode acontecer pela ocorrência de algum
fator ou por uma combinação de fatores. Dentre esses
fatores, os mais importantes são:
193
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

a) a possibilidade de nichos vagos, nas quais as


comunidades cuja diversidade biótica é naturalmente
pequena e não apresenta resistência às invasões,
havendo nichos que podem ser ocupados pelas espécies
invasoras;
b) a inexistência de limitações bióticas, onde as
espécies exóticas introduzidas tem a potencial vantagem
de não possuírem competidores, predadores e parasitas;
c) a riqueza de espécies da comunidade, na qual a
resistência de uma comunidade à invasão biológica
aumenta com a riqueza de espécies presentes,
pressupondo que quanto menos esta riqueza, menos a
estabilidade;
d) as perturbações no meio antes ou no momento
da introdução, pois as perturbações no meio poten-
cializam a dispersão e o estabelecimento de espécies
invasoras, especialmente após a redução da diversidade
original ou por extinção ou superexploração.2
Uma das grandes consequências desse processo é
que as espécies invasoras são consideradas a segunda
maior causa de extinção de biodiversidade no planeta.
Evidentemente que cada espécie tem potencial de
causar determinados impactos no ambiente invadido,
que dependem das características no ambiente. De
maneira geral, esses problemas podem ser de ordem
ecológica, econômica, social, cultural ou de saúde. No
entanto nem sempre os problemas causados por espécies
exóticas invasoras são mensuráveis economicamente
ou perceptíveis em curto prazo. Não existem critérios
para determinar o mínimo de dano e disseminação ou
tamanho populacional necessário para caracterizar uma
espécie exótica invasora, porém é possível evidenciar
quando poucos indivíduos de uma espécie possuem
194
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

capacidade suficiente para gerar impactos ecológicos


negativos. Neste sentido, vale ressaltar que o potencial
de causar uma invasão não está relacionado ao número
de espécies exóticas invasoras em um local, mas sim
ao potencial risco de dano que uma ou poucas espécies
são capazes de causar.3
O caramujo gigante africano (que por ser terrestre
deveria ser chamado de caracol ao invés de caramujo)
foi introduzido no Brasil intencionalmente em 1988. Ele
conseguiu superar a barreira geográfica do oceano
Atlântico artificialmente, por meio de uma pessoa
empreendedora que buscava trazer para o país um
animal de criação que pudesse competir com o escargot
verdadeiro (Helix aspersa). A introdução da espécie
ocorreu por uma feira agropecuária realizada em
Curitiba, no Paraná. 4 Na feira agropecuária foram
comercializados kits que incluíam a matriz reprodutora,
alguns exemplares de animais e livretos que ensinavam
como iniciar a criação.5 No entanto, essa criação do
caramujo africano para fins de uso na culinária como
escargot não teve sucesso por diversos motivos. No
Brasil, por haver uma ausência de um hábito alimentar
voltado para esse animal; e no exterior, por seu paladar
não agradar aos consumidores que conhecem escargot,
sua comercialização ocorria em forma de produtos
industrializados, como patê e conservas.
Existem grandes diferenças entre os dois tipos de
caracóis. O europeu faz apenas duas posturas por ano,
de no máximo 180 ovos, e vive dois anos. Seu tamanho
máximo é de 5 centímetros, enquanto o caramujo
africano chega a 20. Além disso, em uma hora, a espécie
Achatina percorre 14 metros, enquanto a Helix
rasteja apenas 4. Desse modo, o caramujo africano se
195
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

movimenta muito mais e conseqüentemente, tem “pés”


mais musculosos, e por isso sua textura da carne
também é diferente.6
No entanto, este caracol já era criado e comercializado
em diversos países, por exemplo, segundo dados do
Instituto do Comércio Exterior da Itália, em 1978, foram
importados de Taiwan mais de 4.000 quintales (400
toneladas) de polpa de caracóis Achatina. A França
importou em 1980 cerca de 10.000 quintales (1000
toneladas). Sua importação ocorreu devido ao alto
consumo e pouca produção desse molusco e por ser
uma espécie nativa tropical, teve dificuldades de se
adaptar ao ambiente e clima europeu.7
Talvez seja relevante mapear a trajetória desse
molusco e entender como ele foi parar em Taiwan, pois
inclusive seu nome popular de caramujo africano até
pouco tempo atrás era de “caramujo chinês”. Para ter
uma noção breve da história, tudo começou com as
trocas comerciais realizadas entre África e Ásia e em
1760 se conhecia a presença do caramujo nas Ilhas de
Madagascar. Em 1803 e 1840 já fora observado nas
Ilhas Maurício. Em 1847 constatou-se sua existência nos
arredores de Calcutá, na Índia. Em 1900 no Ceilão e
em 1911 na Malásia. Entre os anos de 1920 e 1939
chegou à Indonésia, China e Japão. Nas Ilhas do Havaí
foi observada a sua presença em 1936, possivelmente
ligada aos acontecimentos bélicos de 1941 e 1945. Em
1969 foi observado pela primeira vez em Miami, na
Flórida e em 1977 na Austrália.8
Uma das questões mais importantes ligadas á história
do Achatina fulica é a participação dele nos ciclos e na
difusão das doenças angiostrongilíases, nas quais, um
dos parasitas é o Angiostrongylus cantonensis, que
196
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

ocorre desde o sul dos Estados Unidos até o norte da


Argentina, podendo ocasionar um quadro infeccioso
abdominal agudo grave, que pode levar à morte; e um
outro parasita é de uma enfermidade causada pelo
nematódeo Angiostrongylus cantonensis, descrito pela
primeira vez em 1935 na China.
Esses causadores das doenças angiostrongilíases
vermes adultos de A. cantonensis vivem nas artérias
pulmonares dos ratos. As fêmeas depositam os ovos que
evoluem para o primeiro estágio larvário, nas artérias
pulmonares, e em seguida migram para a faringe, que
engolidas passam para as fezes. Elas penetram ou são
ingeridas pelo hospedeiro intermediário (lesmas/
caramujos). Duas mudas após, passam para o terceiro
estágio, e são infectivas para os hospedeiros mamíferos.
Quando o molusco é ingerido pelo hospedeiro
definitivo, a larva (terceiro estágio) migra para o cérebro
e se desenvolve em adulto jovem, retornando para o
sistema venoso e para as artérias pulmonares onde,
torna-se sexualmente madura. Vários animais atuam
como hospedeiros paratênicos (transportadores): depois
de ingerirem lesmas infectadas, carregam as larvas
(terceiro estágio) as quais encurtam seu desenvolvimento
quando o hospedeiro paratêncio é ingerido pelo
hospedeiro definitivo. Humanos podem adquirir a
infecção por ingestão de lesmas cruas ou mal cozidas
infectadas com o parasita, ou por ingestão de produtos
crus como verduras ou frutas contaminadas com lesmas/
caramujos.9
A notícia do envolvimento do Achatina fulica nos
ciclos de propagação e desenvolvimento dessas doenças
teve grande repercussão fazendo com que muitos países
proibissem a importação, alterando suas legislações para
197
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

a produção e comercialização dos animais do tipo Achatina


f. Por exemplo, na França foram aprovadas em 1980 uma
série de leis exigindo que os produtos derivados dos
Achatina f. devessem ser devidamente identificados nos
rótulos das embalagens para evitar que fossem
confundidos com os moluscos de outras espécies. 10
Essas mudanças tiveram também seus reflexos no
consumo desse molusco e como não havia suficiente
demanda e escoamento da produção, os criadouros de
Achatina f. começaram a ser abandonados e resultando
na consequente soltura desses animais na natureza.
Vale a pena citar, que um dos métodos de criação
de caracóis, talvez o método mais econômico, foi o da
criação extensiva ou em liberdade. Esse tipo de criação
consiste apenas em libertar certo número de caracóis
em um terreno apropriado e depois de determinado
tempo recolhê-los e caçá-los.11 Essa libertação dos
animais aconteceu nas mais diversas localidades do
Brasil e acabou por resultando na proliferação da espécie
nos ecossistemas. A alta resistência de Achatina f
permite que ela viva em uma ampla variedade de
temperaturas e altitudes e assim resistindo a
temperaturas baixas que favorece a ocupação de
diferentes regiões.12
Desse modo, em 2003 o IBAMA e o Ministério da
Agricultura publicou o Parecer 003/03 que passou a
considerar ilegal a criação de caramujos africanos no
país, determinou a erradicação da espécie e previu a
notificação dos produtores sobre a ilegalidade da
atividade.
Essa medida, ao pretender colaborar com a
minimização do problema teve como consequência um
efeito que piorou a situação, pois os produtores receosos
198
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

com a fiscalização acabaram por libertar os animais


na natureza, gerando a explosão populacional de
caramujos em ambientes naturais aumentando
exponencialmente a gravidade do problema.
Essa situação evoluiu a ponto de o caramujo africano
ser uma praga agrícola, pois assim como qualquer
caracol que ataca e destrói plantações com danos
maiores em plantas de susbsitência de pequenos
agricultores. Alem disso também alarmou os Agentes
de Saúde Pública de diversos municípios. Atualmente,
dezoito anos após a introdução de Achatina f. no Brasil,
a espécie está presente em 18 Estados brasileiros, em
124 localidades, de acordo com os resultados do Informe
Nacional de Espécies Exóticas Invasoras, realizado pela
The Nature Conservancy e pelo Instituto Horus para o
Ministério do Meio Ambiente/Probio.13

Fontes:

1 ZENNI, Rafael D.; ZILLER, Silvia R. Invasões Biológicas


Biológicas:
problemas econômicos e ambientais com ênfase em
Achatina fulica. In: FISCHER, Marta L.; COSTA, Leny C.M.
(orgs.) O caramujo gigante africano Achatina fulica
no Brasil
Brasil. Curitiba: Champagnat-PUCPR, 2010, p. 175.
2 Ibidem, p. 176-177.
3 Ibidem, p. 180.
4 Ibidem, p. 181.
5 JUNIOR, Virgilio C. B. C; NUNES, Josué R. S. Ocor rência
Ocorrência
e distribuição do caramujo africano ““Achatina Achatina
fulica”Bowdich, 1822, no município de Várzae
Grande – MT
MT. Disponível em http://www.google.com.br/
url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBUQFjAA&url=http
%3A%2F%2Fwww.unipinhal.edu.br%2Fojs%2Fengenhariaambiental%
2Finclude%2Fgetdoc.php%3Fid%3D695%26article%3D252%
199
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

26mode%3Dpdf&ei=8rJFTLnWOoiLuAedp_3LAw&usg=AFQjCNF
j7mzSv9 LImG8iINWwp1uOALqKEQ.
6 William do Amaral, diretor do Instituto Brasileiro de
Helicicultura (IBH). Apud: BRISOLA, Fabio. A invasão
dos “escargots” - Caramujo vira praga no interior
do Estado
Estado.. Veja online. Disponível em: http://
veja.abril.com.br/vejarj/100903/meio_ambiente.html.
Acessado em 20 de junho de 2010.
7 GALLO, Giuseppe. El caracol
caracol: cria y explotacion.. 2. Ed.
Castello: Mundi-Prensa, 1984, p. 127.
8 Ibidem, p. 128-129.
9 MANUAL DAS DOENÇAS TRANSMITIDAS POR
ALIMENTOS. Disponível em: http://www.cve.saude.sp.
gov.br/htm/hidrica/angiostrongylus.htm. Acessado em 25 de
outubro de 2010.
10 GALLO, Op. Cit., p 132.
11 VIEIRA, Marcio Infante. Escargots: criação doméstica e
comercial. São Paulo: M. I. Vieira: Liv. Nobel, 1984, p. 53.
12 FISCHER, Marta L.; COLLEY, Eduardo; AMADIGI, Izabel
S. N.; SIMIÃO Mônica S. Ecologia de Achatina fulica. In:
FISCHER, Marta L.; COSTA, Leny C.M. (orgs.) O
caramujo gigante africano Achatina fulica no Brasil.
Curitiba: Champagnat-PUCPR, 2010, p. 103.
13 ZENNI; ZILLER, Op. Cit., p. 182-183.
200
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Anexo:
Instrução Normativa n.° 73, sobre o controle do
caramujo africano: Achatina fulica Bowdich, 1822.
(Publicado no Diário Oficial da União em 22 de agosto
de 2005, nº 161, Seção 1).

Serviço Púbico Federal – Ministério do Meio Ambiente


Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis

Instrução normativa nº 73, de 18 de


agosto de 2005.

O Presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente


e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, no uso
das atribuições previstas no Art. 24, Anexo I, da Estrutura
Regimental aprovado pelo Decreto nº 4.756, de 20 de
junho de 2003, e Art. 95, item VI do Regimento Interno
aprovado pela Portaria GM/MMA nº 230, de 14 de maio
de 2002;
Considerando o disposto no § 2º, do Art. 3º da Lei
nº 5.197, de 03 de janeiro de 1967 e nos incisos II e IV
do Art. 37 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998;
Considerando os compromissos estabelecidos no
item h do Art. 8º da Convenção sobre Diversidade
Biológica, aprovada pelo Decreto Legislativo no 02 de
03 de fevereiro de 1994 e promulgada pelo Decreto no
2.519 de 16 de março de 1998;
Considerando que o caramujo-gigante-africano –
Achatina fulica – não pertence à fauna silvestre nativa,
sendo, portanto, uma espécie exótica invasora, nociva
201
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

às espécies silvestres nativas, ao ambiente, à agricultura


e à saúde pública; e Considerando os estudos técnicos
e informações constantes do Processo Ibama nº
02001.00447/2004-88,

Resolve:
Art.1o Fica proibida, em todo o território brasileiro,
a criação e comercialização de moluscos terrestres da
espécie Achatina fulica, também conhecida como
acatina, caracolafricano, caracol-gigante, caracol-
gigante-africano, caramujo-gigante, caramujo-
giganteafricano, falso-escargot ou rainha-da-África, bem
como de seus ovos.

174 Secretaria de Vigilância em Saúde

§ 1o. A proibição prevista nesta Instrução Normativa


também se aplica aos demais moluscos exóticos
introduzidos ou criados sem a autorização do órgão
ambiental federal competente.
§ 2o Entenda-se por molusco exótico, toda a espécie
de molusco que se encontra fora de sua área natural de
ocorrência.
Art.2o Todos os exemplares de Achatina fulica
atualmente em criadores, devem ser entregues ao Ibama
ou órgão competente, no prazo de 60 dias a contar da
data da publicação desta Instrução Normativa.
Parágrafo único. Findo o prazo estipulado, os
criadores estarão sujeitos às penalidades previstas na
legislação vigente.
Art.3o Quem promover, acidentalmente ou
deliberadamente a soltura de moluscos exóticos, estará
sujeito às sanções previstas no Art. 45 do Decreto nº
202
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

3179/99 de 21 de setembro de 1999 sem prejuízo das


demais sanções penais e civis cabíveis.
Art.4o Os órgãos competentes federais, estaduais e
municipais, bem como as organizações não
governamentais com experiência comprovada na área,
ficam autorizados a implementar medidas de controle,
coleta e eliminação dos exemplares do caramujo
Achatina fulica, como uma maneira de conter a atual
invasão deste molusco nos ambientes urbanos, rurais e
naturais.
Parágrafo único. A metodologia estabelecida para o
controle e eliminação do caramujo Achatina fulica deve
estar em acordo com a legislação vigente.
Art. 5o Esta Instrução Normativa entra em vigor na
data de sua publicação.

ASSINADO NO ORIGINAL

MARCUS L UIZ BARROSO BARROS


LUIZ
Presidente
203
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Considerações finais
Em 11 de outubro de 1919, o jornal de Blumenau
Der Urwaldsbote noticiou o início da preparação do
terreno para o plantio de 50.000 pés de eucaliptos na
baixada fluminense. A Companhia Florestal Fluminense
pretendia elevar esse número para mais de um milhão
até 1920. A notícia informava que o fim dos brejos e
das febres palustres seria um importante fator higiênico
e de saneamento aliado ao proveito econômico da
cultura florestal. Considerava-se o reflorestamento com
eucaliptos um “método natural” e pouco dispendioso.
Além disso, havia duas vantagens: “repopular rapida-
mente uma superfície em que árvores seculares
desapareceram” e sanear as regiões degradadas e
tornadas malsãs, justamente pela “devastação das
matas”. A matéria pleiteava ainda por um refloresta-
mento com “essências nativas”, mesmo que “de mais
demorado crescimento”, mas cujo “valor é muito maior”.
204
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

De origem australiana, o eucalipto já havia chegado


ao Brasil no século XIX e sua expansão foi tão
prodigiosa quanto na África. Na Namíbia, os alemães
já plantavam eucaliptos em 1908, conforme matéria do
jornal Kolonie. Na Etiópia, os italianos plantaram
também milhares de eucaliptos no início do século XX.
Essa espécie também medrava em colônias inglesas e
portuguesas na África. Enfim, as invasões biológicas
de espécies exóticas continuaram durante o século XX
tanto no Brasil quanto na África.
Conforme a matéria supracitada, as vantagens do
reflorestamento com eucaliptos eram suficientes para
saudar a “ação inteligente do governo”. Quase cem anos
depois, projetos de plantações de eucaliptos no Rio Grande
do Sul geraram muitas controvérsias, principalmente pelo
seu impacto ambiental. Diante dos atuais cálculos dos
riscos de determinadas intervenções no meio ambiente,
sobretudo quando se trata de introdução de espécies
exóticas, cabe perguntar se as ações governamentais ou
particulares de tempos passados são passíveis de processos
jurídicos pelos danos ambientais causados e comprovados
posteriormente.
Em nossas pesquisas sobre a dispersão de gramíneas
e oleoginosas africanas e também de insetos e moluscos
de origem africana que, atualmente, se encontram em
vários biomas e ecossistemas do Brasil, foi possível
perceber que essas bioses africanas, com exceção dos
mosquitos Anopheles gambiae e Aedes aegypti, foram
tardiamente reconhecidas como espécies invasoras.
Algumas delas, inclusive, foram vistas como “soluções
ecológicas”, alternativas econômicas de baixo custo e
alta rentabilidade, tal como o reflorestamento de
eucaliptos, um século antes.
205
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Ao finalizar esse projeto de estudos sobre bioses


africanas no Brasil e avaliar os resultados obtidos, houve
certa frustração geral entre os pesquisadores. Afinal,
surgiu durante o trabalho da equipe uma expectativa
em encontrar documentos com os quais se poderiam
precisar datas e caminhos da introdução e dispersão
de certas bioses africanas no Brasil. Além disso, os
contatos com vários especialistas se mostraram pouco
eficientes, uma vez que um número grande deles não
respondeu ao nosso inquérito. Ao entabular um diálogo
interdisciplinar, notou-se que diferentes interesses
condicionam certos aportes. Para alguns profissionais
cujos artigos científicos não destinam mais que um
parágrafo introdutório sobre a história de uma
determinada espécie exótica e/ou invasora, o interesse
de historiadores pelo passado parece bizantinice. Mas
como já ensinava Lucien Febvre e Marc Bloch, os
historiadores vivem no presente que baliza suas
investigações, sendo dele que parte suas interrogações.
Desse modo, a africanização da paisagem brasileira
pode ser uma chave interpretativa de uma gama de
intercâmbios históricos que tem, igualmente, uma
interface com o abrasileiramento de certas paisagens
africanas. Ou seja, as mudanças antrópicas nas
paisagens têm demonstrado o quanto essas trocas foram
muito mais diversas do que aquelas que redundaram
no imperialismo ecológico. A predominância de uma
“biota portátil”– que incluía plantas, animais e micro
organismos – levada pelos europeus para todos os
continentes, tal como Alfred W. Crosby estudou, teria
sido a chave do sucesso do imperialismo, inclusive em
termos ecológicos.
No entanto, uma série de plantas e animais
206
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

americanos também foi levada para a África.


Amendoim, favas, milhos e raízes como a mandioca
medraram em solo africano, constituindo base
econômica e alimentar em muitas regiões africanas.
Algumas plantas americanas substituíram, inclusive,
similares nativas, o que não teve impacto apenas na
agricultura e na cultura alimentar, mas também na
paisagem e no meio ambiente hospedeiro.
207
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Sobre os autores
Alfredo Ricardo da Silva Lopes
Graduado em História pela Universidade Federal de
Santa Catarina e Mestre em História pela Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC) em 2011, com a
dissertação “A Lagoa do Sombrio corre que desaparece:
uma história ambiental da degradação e o atual debate
sobre a preservação da Lagoa de Sombrio (1960-
2010)”. Doutorando no Programa de Pós-Graduação
em História (UFSC), com bolsa da CAPES.

Carina Santos de Almeida


Graduada em História com especialização em História
do Brasil e mestre em Desenvolvimento Regional pela
Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC).
208
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em


História (UFSC), desde 2010, com bolsa CAPES.

Eveli Souza D’Avila de Oliveira.


Graduada em História pela Universidade do Estado de
Santa Catarina (UDESC) e com Especialização em
História Social no Ensino de I e II Graus, pela UDESC.
Mestre em História pela Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). Doutoranda no Programa de Pós-
Graduação em História (UFSC).

Márcio José Werle


Graduado em História pela Universidade Federal de
Santa Catarina e Mestre em História pela Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutorando no
Programa de Pós-Graduação em História (UFSC),
desde 2009, com bolsa da CAPES.

Marlon Brandt
Graduado em História pela Universidade do Estado de
Santa Catarina (UDESC) e em Geografia pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre
em Geografia pela Universidade Federal de Santa
Catarina. Doutor em História pela UFSC, com a tese:
“Uma História Ambiental dos Campos do Planalto de
Santa Catarina”. Professor do curso de Geografia da
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus
de Chapecó (SC).
209
Bioses Africanas no Brasil: Notas de História Ambiental

Samira Peruchi Moretto


Graduada em História pela Universidade do Federal
de Santa Catarina. Mestre em História pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em
2010, com a dissertação “Remontando a floresta: A
Implementação do Pinus e as Práticas de
Reflorestamento na região de Lages (1960 1990)”.
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em
História (UFSC), desde 2010, com bolsa do CNPq.

Simoni Mendes
Graduada em História pela Universidade do Federal
de Santa Catarina e Mestre em História pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em
História (UFSC).

Sílvio Marcus de Souza Correa


Formado em história pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), mestre em história do Brasil
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS) e doutor em sociologia pela
Westfälische Wilhelms-Universität Münster (Alemanha).
Professor da Universidade Federal de Santa Cataria
(UFSC) e bolsista produtividade em pesquisa do CNPq.

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