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FELICIANO
T9 Literatura
Plano de Ensino- Literatura
Professor: Arlei Pereira da Silva
No Meio do Caminho
Carlos Drummond de Andrade
Questões objetivas:
A – da encruzilhada
B – da estrada
C – do campo
D- da vida
E- do tempo
3. Sabe-se que, pela gramática normativa, deveria ser usado o verbo “havia” no lugar de
“tinha”.
A – Próprio (denotativo)
B – Figurado (denotativo)
C – Figurado (conotativo)
D- Próprio (conotativo)
6. As palavras “pedra” e “caminho”, nesse texto de Drummond, são exemplos da seguinte figura
literária:
A – Metáfora
B – Metonímia
C – Pleonasmo
D- Sinestesia
E- Hipérbole
7. Todas as afirmativas abaixo estão de acordo com esse poema de Drummond, EXCETO:
A – O poema se constitui de versos livres.
B – O poema é moderno.
C – Esse poema é um soneto.
D – Ignorou-se o uso de rima nesse poema.
E – Ignorou-se o rigor da metrificação nesse poema.
QUESTÕES DISSERTATIVAS
2. Pode-se afirmar que o eu lírico está querendo fugir. Do que ele está fugindo?
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3. No poema o eu lírico tenta evadir (fugir) da realidade. De que forma ele tenta evadir?
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4. Pode-se afirmar que o eu lírico não está feliz onde vive? Retire do texto um verso que comprove essa
afirmação.
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5. No poema lido há uma ideia de evasão na morte. Retire do poema os versos em que isso aparece.
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7. Para o eu lírico a solução para a sua tristeza consiste em ir morar em Pasárgada. Para você, devemos fugir do
lugar onde vivemos para conquistarmos a felicidade ou devemos fazer diferente?
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URUPÊS
Jeca Tatu era um pobre caboclo que morava no mato, numa casinha de sapé. Vivia na
maior pobreza, em companhia da mulher, muito magra e feia e de vários filhinhos pálidos e
tristes.
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Jeca Tatu passava os dias de cócoras, pitando enormes cigarrões de palha, sem ânimo de
fazer coisa nenhuma. Ia ao mato caçar, tirar palmitos, cortar cachos de brejaúva, mas não tinha
ideia de plantar um pé de couve atrás da casa. Perto um ribeirão, onde ele pescava de vez em
quando uns lambaris e um ou outro bagre. E assim ia vivendo.
Dava pena ver a miséria do casebre. Nem móveis nem roupas, nem nada que significasse
comodidade. Um banquinho de três pernas, umas peneiras furadas, a espingardinha de carregar
pela boca, muito ordinária, e só.
Todos que passavam por ali murmuravam:
- Que grandíssimo preguiçoso!
Jeca Tatu era tão fraco que quando ia lenhar vinha com um feixinho que parecia brincadeira.
E vinha arcado, como se estivesse carregando um enorme peso.
- Por que não traz de uma vez um feixe grande? Perguntaram-lhe um dia.
Jeca Tatu coçou a barbicha rala e respondeu:
- Não paga a pena.
Tudo para ele não pagava a pena. Não pagava a pena consertar a casa, nem fazer uma horta,
nem plantar arvores de fruta, nem remendar a roupa.
Só pagava a pena beber pinga.
- Por que você bebe, Jeca? Diziam-lhe.
- Bebo para esquecer.
- Esquecer o quê?
- Esquecer as desgraças da vida.
E os passantes murmuravam:
- Além de vadio, bêbado...
Jeca possuía muitos alqueires de terra, mas não sabia aproveitá-la. Plantava todos os anos
uma rocinha de milho, outra de feijão, uns pés de abóbora e mais nada. Criava em redor da casa
um ou outro porquinho e meia dúzia de galinhas. Mas o porco e as aves que cavassem a vida,
porque Jeca não lhes dava o que comer. Por esse motivo o porquinho nunca engordava, e as
galinhas punham poucos ovos. Jeca possuía ainda um cachorro, o Brinquinho, magro e sarnento,
mas bom companheiro e leal amigo.
Brinquinho vivia cheio de bernes no lombo e muito sofria com isso. Pois apesar dos
ganidos do cachorro, Jeca não se lembrava de lhe tirar os bernes. Por quê? Desânimo,
preguiça...
As pessoas que viam aquilo franziam o nariz.
- Que criatura imprestável! Não serve nem para tirar berne de cachorro...
Jeca só queria beber pinga e espichar-se ao sol no terreiro. Ali ficava horas, com o
cachorrinho rente; cochilando. A vida que rodasse, o mato que crescesse na roça, a casa que
caísse. Jeca não queria saber de nada. Trabalhar não era com ele.
Perto morava um italiano já bastante arranjado, mas que ainda assim trabalhava o dia inteiro. Por
que Jeca não fazia o mesmo?
Quando lhe perguntavam isso, ele dizia:
- Não paga a pena plantar. A formiga come tudo.
Mas como é que o seu vizinho italiano não tem formiga no sítio?
- É que ele mata.
- E porque você não faz o mesmo?
Jeca coçava a cabeça, cuspia por entre os dentes e vinha sempre com a mesma história:
- Quá! Não paga a pena...
- Além de preguiçoso, bêbado; e além de bêbado, idiota, era o que todos diziam.
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Um dia um doutor portou lá por causa da chuva e espantou-se de tanta miséria. Vendo o
caboclo tão amarelo e xucro, resolveu examiná-lo.
- Amigo Jeca, o que você tem é doença.
Pode ser. Sinto uma canseira sem fim, e dor de cabeça, e uma pontada aqui no peito que
responde na cacunda.
- Isso mesmo. Você sofre de anquilostomiase.
- Anqui... o quê?
- Sofre de amarelão, entende? Uma doença que muitos confundem com a maleita.
- Essa tal maleita não é a sezão?
Isso mesmo. Maleita, sezão, febre palustre ou febre intermitente: tudo é a mesma coisa, está
entendendo? A sezão também produz anemia, moleza e esse desânimo do amarelão; mas é
diferente. Conhece-se a maleita pelo arrepio, ou calafrio que dá, pois é uma febre que vem
sempre em horas certas e com muito suor. O que você tem é outra coisa. É amarelão.
O doutor receitou-se o remédio adequado; depois disse: "E trate de comprar um par de
botinas e nunca mais me ande descalço nem beba pinga, ouviu?"
- Ouvi, sim, senhor!
Pois é isso, rematou o doutor, tomando o chapéu. A chuva passou e vou-me embora. Faça o
que mandei, que ficará forte, rijo e rico como o italiano. Na semana que vem estarei de volta.
- Até por lá, sêo doutor!
Jeca ficou cismando. Não acreditava muito nas palavras da ciência, mas por fim resolveu
comprar os remédios, e também um par de botinas ringideiras. Nos primeiros dias foi um horror.
Ele andava pisando em ovos. Mas acostumou-se, afinal... Quando o doutor reapareceu, Jeca
estava bem melhor, graças ao remédio tomado. O doutor mostrou-lhe com uma lente o que tinha
saído das suas tripas.
- Veja, sêo Jeca, que bicharia tremenda estava se criando na sua barriga! São os tais
anquilostomos, uns bichinhos dos lugares úmidos, que entram pelos pés, vão varando pela carne
adentro até alcançarem os intestinos. Chegando lá, grudam-se nas tripas e escangalham com o
freguês. Tomando este remédio você bota p'ra fora todos os anquilostomos que tem no corpo. E
andando sempre calçado, não deixa que entrem os que estão na terra. Assim fica livre da doença
pelo resto da vida. Jeca abriu a boca, maravilhado.
- Os anjos digam amém, sêo doutor!
Mas Jeca não podia acreditar numa coisa: que os bichinhos entrassem pelo pé. Ele era
"positivo" e dos tais que "só vendo". O doutor resolveu abrir-lhe os olhos. Levou-o a um lugar
úmido, atrás da casa, e disse:
- Tire a botina e ande um pouco por aí.
Jeca obedeceu.
- Agora venha cá. Sente-se. Bote o pé em cima do joelho. Assim. Agora examine a pela com esta
lente.
Jeca tomou a lente, olhou e percebeu vários vermes pequeninos que já estavam penetrando
na sua pele, através dos poros. O pobre homem arregalou os olhos assombrado.
- E não é que é mesmo? Quem "haverá" de dizer!...
- Pois é isso, sêo Jeca, e daqui por diante não duvide mais do que a ciência disser.
- Nunca mais! Daqui por diante nha ciência está dizendo e Jeca está jurando em cima!
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- T'esconjuro! E pinga, então, nem p'ra remédio...
- Tudo o que o doutor disse aconteceu direitinho! Três meses depois ninguém mais conhecia o
Jeca.
A preguiça desapareceu. Quando ele agarrava no machado, as arvores tremiam de pavor.
Era pan, pan, pan... horas seguidas, e os maiores paus não tinham remédio senão cair.
Jeca, cheio de coragem, botou abaixo um capoeirão para fazer uma roça de três alqueires. E
plantou eucaliptos nas terras que não se prestavam para cultura. E consertou todos os buracos
da casa. E fez um chiqueiro para os porcos. E um galinheiro para as aves. O homem não parava,
vivia a trabalhar com fúria que espantou até o seu vizinho italiano.
- Descanse um pouco, homem! Assim você arrebenta... diziam os passantes.
- Quero ganhar o tempo perdido, respondia ele sem largar do machado. Quero tirar a prosa do
"italiano".
Jeca, que era um medroso, virou valente. Não tinha mais medo de nada, nem de onça! Uma vez,
ao entrar no mato, ouviu um miado estranho.
- Onça! Exclamou ele. É onça e eu aqui sem nem uma faca!...
Mas não perdeu a coragem. Esperou a onça, de pé firme. Quando a fera o atacou, ele
ferrou-se tamanho murro na cara, que a bicha rolou no chão, tonta. Jeca avançou de novo,
agarrou-a pelo pescoço e estrangulou-a. Conheceu, papuda? Você pensa então que está lidando
com algum pinguço opilado? Fique sabendo que tomei remédio do bom e uso botina ringideira...
A companheira da onça, ao ouvir tais palavras, não quis saber de histórias - azulou! Dizem que
até hoje está correndo... Ele, que antigamente só trazia três pausinhos, carregava agora cada
feixe de lenha que metia medo. E carregava-os sorrindo, como se o enorme peso não passasse
de brincadeira.
- Amigo Jeca, você arrebenta! Diziam-lhe. Onde se viu carregar tanto pau de uma vez?
- Já não sou aquele de dantes! Isto para mim agora é canja, respondia o caboclo sorrindo.
Quando teve de aumentar a casa, foi a mesma coisa. Derrubou no mato grossas perobas,
atorou-as, lavrou-as e trouxe no muque para o terreiro as toras todas. Sozinho! Quero mostrar a
esta paulama quanto vale um homem que tomou remédio de Nha Ciência, que usa botina
cantadeira e não bebe nem um só martelinho de cachaça. O italiano via aquilo e coçava a
cabeça.
- Se eu não tropicar direito, este diabo me passa na frente, Per Bacco!
Dava gosto ver as roças do Jeca. Comprou arados e bois, e não plantava nada sem primeiro
afofar a terra. O resultado foi que os milhos vinham lindos e o feijão era uma beleza. O italiano
abria a boca, admirado, e confessava nunca Ter visto roças assim.
E Jeca já não plantava rocinhas como antigamente. Só queria saber de roças grandes, cada
vez maiores, que fizessem inveja no bairro.
E se alguém lhe perguntava:
- Mas para que tanta roça, homem? Ele respondia:
- É que agora quero ficar rico. Não me contento com trabalhar para viver. Quero cultivar todas as
minhas terras, e depois formar aqui uma enorme fazenda. E hei de ser até coronel...
E ninguém duvidava mais. O italiano dizia:
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- E forma mesmo! E vira mesmo coronel! Per la Madonna!...
Por esse tempo o doutor passou por lá e ficou admiradíssimo da transformação do seu doente.
Esperara que ele sarasse, mas não contara com tal mudança. Jeca o recebeu de braços abertos
e apresentou-o à mulher e aos filhos. Os meninos cresciam viçosos, e viviam brincando contentes
como passarinhos. E toda gente ali andava calçada. O caboclo ficara com tanta fé no calçado,
que metera botinas até nos pés dos animais caseiros! Galinhas, patos, porcos, tudo de sapatinho
nos pés! O galo, esse andava de bota e espora!
- Isso também é demais, sêo Jeca, disse o doutor. Isso é contra a natureza!
- Bem sei. Mas quero dar um exemplo a esta caipirada bronca. Eles aparecem por aqui, veem
isso e não se esquecem mais da história.
Em pouco tempo os resultados foram maravilhosos. A porcada aumentou de tal modo, que vinha
gente de longe admirar aquilo. Jeca adquiriu um caminhão Ford, e em vez de conduzir os porcos
ao mercado pelo sistema antigo, levava-os de auto, num instantinho, buzinando pela estrada
afora, fon-fon! fon-fon!... As estradas eram péssimas; mas ele consertou-as à sua custa. Jeca
parecia um doido. Só pensava em melhoramentos, progressos, coisas americanas. Aprendeu
logo a ler, encheu a casa de livros e por fim tomou um professor de inglês.
Quero falar a língua dos bifes para ir aos Estados Unidos ver como é lá a coisa.
O seu professor dizia:
- O Jeca só fala inglês agora. Não diz porco; é pig. Não diz galinha! É hen... Mas de álcool, nada.
Antes quer ver o demônio do que um copinho da "branca"...
Jeca só fumava charutos fabricados especialmente para ele, e só corria as roças montado em
cavalos árabes de puro sangue. Quem o viu e quem o vê! Nem parece o mesmo. Está um
"estranja" legítimo, até na fala. Na sua fazenda havia de tudo. Campos de alfafa. Pomares
belíssimos com quanta fruta há no mundo. Até criação de bicho da seda; Jeca formou um
amoreiral que não tinha fim.
- Quero que tudo aqui ande na seda, mas seda fabricada em casa. Até os sacos aqui da fazenda
têm que ser de seda, para moer os invejosos...
E ninguém duvidava de nada.
- O homem é mágico, diziam os vizinhos. Quando assenta de fazer uma coisa, faz mesmo, nem
que seja um despropósito...
A fazenda do Jeca tornou-se famosa no país inteiro. Tudo ali era por meio do rádio e da
eletricidade. Jeca, de dentro do seu escritório, tocava num botão e o cocho do chiqueiro se enchia
automaticamente de rações muito bem dosadas. Tocava outro botão, e um repuxo de milho atraia
todo o galinhame... Suas roças eram ligadas por telefones. Da cadeira de balanço, na varanda,
ele dava ordens aos feitores lá longe.
Chegou a mandar buscar no Estados Unidos um telescópio.
- Quero aqui desta varanda ver tudo que se passa em minha fazenda.
E tanto fez, que viu. Jeca instalou os aparelhos e assim pode, da sua varanda, com o
charutão na boca, não só falar por meio do rádio para qualquer ponto da fazenda, como ainda
ver, por meio do telescópio, o que os camaradas estavam fazendo. Ficou rico e estimado, como
era natural; mas não parou aí. Resolveu ensinar o caminho da saúde aos caipiras das
redondezas. Para isso montou na fazenda e vilas próximas vários Postos de Maleita, onde tratava
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os enfermos de sezões; e também Postos de Anquilostomose, onde curava os doentes de
amarelão e outras doenças causadas por bichinhos nas tripas. O seu entusiasmo era enorme.
- "Hei de empregar toda a minha fortuna nesta obra de saúde geral, dizia ele. O meu patriotismo é
este. Minha divisa: Curar gente. Abaixo a bicharia que devora o brasileiro..."
E a curar gente da roça passou Jeca toda a sua vida. Quando morreu, aos 89 anos, não
teve estátua, nem grandes elogios nos jornais. Mas ninguém ainda morreu de consciência
tranquila. Havia cumprido o seu dever até o fim.
Meninos: nunca se esqueçam desta história; e, quando crescerem, tratem de imitar o Jeca. Se
forem fazendeiros, procurem curar os camaradas da fazenda. Além de ser para eles um grande
benefício, é para você um alto negócio. Você verá o trabalho dessa gente produzir três vezes
mais.
Um país não vale pelo tamanho, nem pela quantidade de habitantes. Vale pelo trabalho que
realiza e pela qualidade da sua gente. Ter saúde é a grande qualidade de um povo. Tudo mais
vem daí.
Questões:
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Procedimentos: Leitura do conto “Negrinha”;
O 13 de Maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana.
Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Inocente derivativo:
- Ai! Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!...
Tinha de contentar-se com isso, judiaria miúda, os níqueis da crueldade. Cocres: mão
fechada com raiva e nós de dedos que cantam no coco do paciente. Puxões de orelha: o torcido,
de despegar a concha (bom! bom! bom! gostoso de dar) e o a duas mãos, o sacudido. A gama
inteira dos beliscões: do miudinho, com a ponta da unha, à torcida do umbigo, equivalente ao
puxão de orelha. A esfregadela: roda de tapas, cascudos, pontapés e safanões a uma -
divertidíssimo! A vara de marmelo, flexível, cortante: para "doer fino" nada melhor!
Era pouco, mas antes isso do que nada. Lá de quando em quando vinha um castigo
maior para desobstruir o fígado e matar as saudades do bom tempo. Foi assim com aquela
história do ovo quente.
Não sabem! Ora! Uma criada nova furtara do prato de Negrinha coisa de rir - um pedacinho de
carne que ela vinha guardando para o fim. A criança não sofreou a revolta - atirou-lhe um dos
nomes com que a mimoseavam todos os dias.
- "Peste?" Espere aí! Você vai ver quem é peste - e foi contar o caso à patroa.
Dona Inácia estava azeda, necessitadíssima de derivativos. Sua cara iluminou-se.
- Eu curo ela!. - disse, e desentalando do trono as banhas foi para a cozinha, qual perua choca, a
rufar as saias.
- Traga um ovo.
Veio o ovo. Dona Inácia mesmo pô-lo na água a ferver; e de mãos à cinta, gozando-se na
prelibação da tortura, ficou de pé uns minutos, à espera. Seus olhos contentes envolviam a
mísera criança que, encolhidinha a um canto aguardava trêmula alguma coisa de nunca visto.
Quando o ovo chegou a ponto, a boa senhora chamou:
- Venha cá!
Negrinha aproximou-se.
- Abra a boca!
Negrinha abriu a boca, como o cuco, e fechou os olhos. A patroa, então, com uma colher,
tirou da água "pulando" o ovo e zás! na boca da pequena. E antes que o urro de dor saísse, suas
mãos amordaçaram-na até que o ovo arrefecesse. Negrinha urrou surdamente, pelo nariz.
Esperneou. Mas só. Nem os vizinhos chegaram a perceber aquilo. Depois:
- Diga nomes feios aos mais velhos outra vez, ouviu, peste?
E a virtuosa dama voltou contente da vida para o trono, a fim de receber o vigário que
chegava.
- Ah, monsenhor! Não se pode ser boa nesta vida... Estou criando aquela pobre órfã, filha da
Cesária - mas que trabalheira me dá!
- A caridade é a mais bela das virtudes cristãs, minha senhora murmurou o padre.
- Sim, mas cansa...
- Quem dá aos pobres empresta a Deus.
A boa senhora suspirou resignadamente.
- Inda é o que vale...
Certo dezembro vieram passar as férias com Santa Inácia duas sobrinhas suas,
pequenotas, lindas meninas louras, ricas, nascidas e criadas em ninho de plumas.
Do seu canto na sala do trono, Negrinha viu-as irromperem pela casa como dois anjos do
céu - alegres, pulando e rindo com a vivacidade de cachorrinhos novos. Negrinha olhou
imediatamente para a senhora, certa de vê-la armada para desferir contra os anjos invasores o
raio dum castigo tremendo.
Mas abriu a boca: a sinhá ría-se também... Quê? Pois não era crime brincar? Estaria tudo
mudado - e findo o seu inferno - e aberto o céu? No enlevo da doce ilusão, Negrinha levantou-se
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e veio para a festa infantil, fascinada pela alegria dos anjos.
Mas a dura lição da desigualdade humana lhe chicoteou a alma. Beliscão no umbigo, e
nos ouvidos, o som cruel de todos os dias: "já para o seu lugar, pestinha! Não se enxerga?"
Com lágrimas dolorosas, menos de dor física que de angústia moral sofrimento novo que se
vinha acrescer aos já conhecidos - a triste criança encorujou-se no cantinho de sempre.
- Quem é, titia? - perguntou uma das meninas, curiosa.
- Quem há de ser? - disse a tia, num suspiro de vítima. - Uma caridade minha. Não me corrijo,
vivo criando essas pobres de Deus... Uma órfã. Mas brinquem, filhinhas, a casa é grande,
brinquem por aí afora.
- Brinquem! Brincar! Como seria bom brincar! - refletiu com suas lágrimas, no canto, a dolorosa
martirzinha, que até ali só brincara em imaginação com o cuco.
Chegaram as malas e logo:
- Meus brinquedos! - reclamam as duas meninas.
Uma criada abriu-as e tirou os brinquedos.
Que maravilha! Um cavalo de pau!... Negrinha arregalava os olhos. Nunca imaginara coisa assim
tão galante. Um cavalinho! E mais... Que é aquilo? Uma criancinha de cabelos amarelos... que
falava "mamã"... que dormia...
Era de êxtase o olhar de Negrinha. Nunca vira uma boneca e nem sequer sabia o nome desse
brinquedo. Mas compreendeu que era uma criança artificial.
- É feita?... - perguntou, extasiada.
E dominada pelo enlevo, num momento em que a senhora saiu da sala a providenciar sobre a
arrumação das meninas, Negrinha esqueceu o beliscão, o ovo quente, tudo, e aproximou-se da
criatura de louça. Olhou-a com assombrado encanto, sem jeito, sem ânimo de pegá-la.
As meninas admiraram-se daquilo.
- Nunca viu boneca?
- Boneca? - repetiu Negrinha. - Chama-se Boneca?
Riram-se as fidalgas de tanta ingenuidade.
- Como é boba - disseram. - E você como se chama?
- Negrinha.
As meninas novamente torceram-se de riso; mas vendo que o êxtase da bobinha perdurava,
disseram, apresentando-lhe a boneca:
- Pegue!
Negrinha olhou para os lados, ressabiada, com o coração aos pinotes. Que ventura, santo
Deus! Seria possível? Depois pegou a boneca. E muito sem jeito, como quem pega o Senhor
menino, sorria para ela e para as meninas, com assustados relanços de olhos para a porta. Fora
de si, literalmente... era como se penetrara no céu e os anjos a rodeassem, e um filhinho de anjo
lhe tivesse vindo adormecer ao colo. Tamanho foi o seu enlevo que não viu chegar a patroa, já de
volta. Dona Inácia entreparou, feroz, e esteve uns instantes assim, apreciando a cena.
Mas era tal a alegria das hóspedes ante a surpresa extática de Negrinha, e tão grande a força
irradiante da felicidade desta, que o seu duro coração afinal bambeou. E pela primeira vez na vida
foi mulher. Apiedou-se.
Ao percebê-la na sala Negrinha havia tremido, passando-lhe num relance pela cabeça a imagem
do ovo quente e hipóteses de castigos ainda piores. E incoercíveis lágrimas de pavor
assomaram-lhe aos olhos.
Falhou tudo isso, porém. O que sobreveio foi a coisa mais inesperada do mundo - estas
palavras, as primeiras que ela ouviu, doces, na vida:
- Vão todas brincar no jardim, e vá você também, mas veja lá, hein?
Negrinha ergueu os olhos para a patroa, olhos ainda de susto e terror. Mas não viu mais a fera
antiga. Compreendeu vagamente e sorriu.
Se alguma vez a gratidão sorriu na vida, foi naquela surrada carinha...
Varia a pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma - na princesinha e na mendiga.
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E para ambos é a boneca o supremo enlevo. Dá a natureza dois momentos divinos à vida da
mulher: o momento da boneca - preparatório -, e o momento dos filhos - definitivo. Depois disso,
está extinta a mulher.
Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha uma alma. Divina eclosão!
Surpresa maravilhosa do mundo que trazia em si e que desabrochava, afinal, como fulgurante flor
de luz. Sentiu-se elevada à altura de ente humano. Cessara de ser coisa - e doravante ser-lhe-ia
impossível viver a vida de coisa. Se não era coisa! Se sentia! Se vibrava!
Assim foi - e essa consciência a matou.
● Todos nós sabemos que o nosso nome é o que nos identifica. A partir dele somos gente,
somos conhecidos, enfim, temos uma identidade. Por que você acha que a menina não
tem nome na história? E por que o apelido está no diminutivo?
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● Aponte algumas características que o narrador atribui à personagem principal – Negrinha –
e à patroa – Inácia.
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● Observe o seguinte trecho: “A mãe da criminosa abafava a boquinha da filha e afastava-se
com ela para os fundos do quintal [...]” (6º parágrafo). Quem era a criminosa e qual era o
crime que estava sendo cometido?
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● Em diversas passagens no texto, o narrador usa a ironia para falar de Dona Inácia.
Destaque, no mínimo, dois trechos onde isso fica evidente, explicando a crítica implícita.
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● Qual foi, na sua opinião, o pior castigo sofrido por Negrinha?
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● Qual foi o fato que mudou a vida de Negrinha?
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● A que são comparadas as sobrinhas de Dona Inácia no texto? Por que você acha que é
feita essa comparação?
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● O que Negrinha achava que fosse crime e qual foi o fato que mudou essa percepção?
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● O que matou Negrinha? Por que, na sua opinião, isso a matou?
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● Literatura e realidade: Você acredita que os fatos ocorridos com negrinha ainda podem
ocorrer na realidade atual? Como? Justifique sua resposta.
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Aula____: Leitura e interpretação do conto “Jogo do Osso”
Objetivo: Reconhecer características da literatura regionalista gaúcha.
Procedimentos: Leitura do conto abaixo.
Jogo do Osso
- Pois olhe: eu já vi jogar-se uma mulher num tira de taba. Foi uma parada que custou vida... mas
foi jogada!
Um pouco pra fora da Vila, na volta da estrada, metida na sombra dumas figueiras velhas ficava a
vendola do Arranhão; era um bochinche mui arrebentado, e o dono era um sujeito alarifaço, cá
pra mim, desertor, meio espanhol meio gringo, mas mui jeitoso para qualquer arreglo que
cheirasse à plata...
Mui destravado da língua e ao mesmo tempo rezador, sempre se santiguando e olhando por
baixo, como porco, tudo pra ele era negócio: comprava roubos, trocava cousas, emprestava pra
jogo, com usura, e sempre se atrapalhava para menos, no troco dos pagamentos.
Às vezes armava umas carreiritas, que se corriam numa cancha dumas três quadras que ele
mesmo tinha arranjado a um lado do potreiro; então conchavava algum gringo tocador de realejo
e estava preparado o divertimento. O que ele queria era gente, peonada, andantes, vagabundos,
carreteiros, para poder vender canha e comida e doces; e de noite facilitava umas mesas de
primeira, de truco ou de sete-em-porta para tirar o cafife. Doutras ocasiões ajeitava umas
dançarolas que alvorotavam o chinaredo da vizinhança.
Duma vez que ele tinha trançado umas carreiras, com duas ou três pencas de patacão, e se
havia ajuntado algum povo, tudo gauchada leviana, choveu.
E a gente foi ganhando na venda, apinhoscou-se por debaixo das figueiras e no galpão.
Quando passou o aguaceiro e oriou o terreiro, deram alguns aficionados para jogar o osso.
Ansim:
Escolhe-se um chão parelho, nem duro, que faz saltar, nem mole, que acama, nem areento, que
enterra o osso.
É sobre o firme macio, que convém. A cancha com uma braça de largura, chega, e três de
comprimento; no meio bota-se uma raia de piola, amarrada em duas estaquinhas ou mesmo um
risco no chão, serve; de cada cabeça da cancha é que o jogador atira, sobre a raia do centro:
este atira daqui pra lá, o outro atira de lá pra cá.
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O osso é a taba, que é o osso do garrão da rês vacum. O jogo é só de culo ou suerte.
Culo é quando a taba cai com o lado arredondado pra baixo: quem atira assim perde logo a
parada. Suerte é quando o lado chato fica embaixo: ganha logo e sempre.
Quer dizer: quem atira culo perde, se é suerte ganha e logo arrasta a parada.
Ao lado da raia do meio fica o coimeiro que é o sujeito depositário da parada e que a entrega logo
ao ganhador. O coimeiro também é que tira o barato - para o pulpeiro. Quase sempre é algum
aldragante velho e sem-vergonha, dizedor de graças.
Pois há gente que se amarra o dia inteiro nessa cachaça, e parada a parada envida tudo: os
bolivianos, os arreios, o cavalo, o poncho, as esporas. O facão nem a pistola, isso, sim, nenhum
aficionado joga; os fala-verdade é que têm de garantir a retirada do perdedor sem debocheira dos
ganhadores... e, cuidado... muito cuidado com o gaúcho que saiu da cancha do osso de marca
quente!...
O Osoro era um moreno mui milongueiro, compositor de parelheiros e meio aruá; andava sempre
metido pelos ranchos contando histórias às mulheres e tomando mate de parceria com elas.
O Chico era domador e morava de agregado num rincão da estância das Palmas; e vivia com
uma piguancha bem jeitosa, chamada Lalica.
Nesse dia Unha vindo com ela ao festo do Arranhão. Enquanto os dois jogavam, a morocha
andava lá por dentro, com as outras, saracoteando.
Havia violas; havia tocadores; a farra ia indo quente. E os dois, jogando. O Chico perdia uma em
cima da outra.
E relanceou os olhos pelos vedores, esperando que algum comprasse a camorra; ninguém se
picou.
- O ruano?
- O mano contra a Lalica! Assim como assim, esta china já está me enfarando!...
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- Pois topo!
Os mirones se entreolharam, boquejando, alguns; eles bem viam que o gaúcho estava sem liga,
que já tinha perdido tudo, o dinheiro, o cavalo, as botas, um rebenque com argolão de prata; e
agora, o outro, o Osoro, para completar o carcheio, ainda tinha topado a última parada, que era a
china...
A cousa ia ser tirana; correu logo voz; em roda dos dois amontoou-se a gente.
O Osoro atirou, e deu suerte...
O Ruivo atirou, e deu suerte...
- Ora, não deu gosto! disse um.
- Outra mão! disse o outro.
E o Ruivo atirou: culo!
O Osoro atirou: suerte!
- Ganhei, aparceiro!
- Pois toma conta, ermâo!
- Tu é que tens de fazer a entrega...
- Não tem veremos... Trato é trato!...
Já ia querendo anoitecer.
O que se passou entre aquelas três criaturas, não sei; se juntaram num canto do balcão
da venda e falaram. Por certo que o Chico Ruivo disse à china que a jogara numa parada de
taba; o Osoro só disse uma vez:
-Eu, se perdesse o ruano, o Chico já ia daqui montado nele...
A Lalica deu uma risadinha amarela; olhou o Osoro, olhou o Chico Ruivo, cuspiu de nojo e
disse pra este, na cara:
- Sempre és muito baixo!..., guampudo, por gosto!...
- Olha, guincha, que te grudo as chilenas!...
- Ixe! Este, agora, é que me encilha, retalhado!...
Nisto um violeiro pegou a rufar uma dança chorada; umas parelhas pegaram a se menear
no compasso da música e logo o Osoro, para cortar aquele aperto, travou do pulso da morocha,
passou-lhe o braço na cinta e quase levantando-a no ar entrou na roda dos dançadores; o Ruivo
ficou quieto, mas de goela seca e nos olhos com uma luz diferente.
Na primeira volta, quando o par passou por ele, a china ia dizendo mui derretida:
- Quando quiseres, meu negro...
Na segunda volta, como num despique, ela tornou a boquejar pro Osoro:
-Eu vou na tua garupa...
E na outra, a china vinha calada, mas com a cabeça deitada no peito do par, olhando
terneira pra ele, com uma luz de riso, os beiços encolhidos, como armando uma promessa de
boquinha; e o Osoro se esqueceu do mundo... e colou na boca da tentação um beijo gordo,
demorado, cheio de desaforo...
O Chico Ruivo teve um estremeção e deu um urro entupido, arrancou do facão e atirou o
braço pra diante, numa cegueira de raiva, que só enxerga bem o que quer matar...
E vai, como pegou o Osoro pela esquerda, do lado, meio por detrás, por debaixo da paleta,
o facão saiu no rumo certo e foi bandear a Lalica meio de lado, sobre a esquerda da frente.
Vancê compr'ende? Do mesmo talho varou os dois corações, espetou-os no mesmo feno,
matou-os da mesma morte, fazendo os dois sangues, num de cada peito, correrem juntos num só
derrame... que foi lastrando pelo chão duro, de cupim socado, lastrando... até os dois corpos
baterem na parede, sempre abraçados, talvez mais abraçados, e depois tombarem por cima do
balcão, onde estava encostado o tocador, que parou um rasgado bonito e ficou olhando fixo para
aquela parelha de dançarmos morrentes e farristas ainda!...
Levantou-se uma berraçada.
- Matou! Foi o Chico Ruivo!... Amarra! Cerca!.. Mas o Ruivo parece que voltou a si; coriscou o
facão aos dois lados e atropelou a porta, ganhou o terreiro e se foi ao palanque onde estava o
ruano do Osoro: montou e gritou pra os que ficavam: - Siga o baile!...
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E deu de rédea, no escuro da noite. O Arranhão acudiu ao berzabum; aquele safado, curtido na
ciganagem, só soube dizer:
- Pois é... jogaram o osso, armaram a sua paranda... mas nenhum pagou nada ao coimeiro!...
Que trastes!...
Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que
velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam.
Todos com juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia,
saiu de lá, com uma fita verde inventada no cabelo. Sua mãe mandara-a, com um cesto e um
pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha à aldeia. Fita-Verde partiu, sobre logo,
ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em calda, e o cesto estava vazio, que
para buscar framboesas. Daí, que, indo, no atravessar o bosque, viu só os lenhadores, que por lá
lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido nem peludo. Pois os lenhadores tinham
exterminado o lobo. Então, ela, mesma, era quem se dizia:
- “Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou.” A
aldeia e a casa esperando acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas,
que a gente não vê que não são.
E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo, e não o outro,
encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também vinha-lhe correndo, em pós.
Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas borboletas nunca em
buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as plebeinhas flores, princesinhas
e incomuns, quando a gente tanto por elas passa. Vinha sobejadamente. Demorou, para dar com
a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu:
- “Quem é?”
- “Sou eu…”.
Fita Verde descansou a voz. “Sou sua linda netinha, com cesto e pote, com a fitaverde no
cabelo, que a mamãe me mandou.”
Fita-Verde assim fez, e entrou e olhou. A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia,
para falar agalgado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo:
- “Depõe o pote e o cestona arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo.”
- Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que mãos tão trementes!
- É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta…, a avó murmurou.
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- Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados!-
- É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta…, a avó suspirou.
- Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido?-
É porque já não estou te vendo, nunca mais, minha netinha…, a avó ainda gemeu.
Aula____: Leitura e interpretação de textos. Data: _______________
Objetivo: Conhecer e interpretar textos do realismo fantástico.
Procedimentos: Leitura do texto: “O Anão no Televisor”.
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c) Por que o personagem não gosta de ser visto? Do que ele se esconde ou o que
ele esconde?
d) Quem é o narrador? Por que ele não tem nome?
e) Por que o personagem desliga o televisor durante o dia?
f) E à noite, o que ele faz?
Aula____: Leitura e interpretação de textos. Data: ____
Objetivo: Desenvolver habilidades de leitura e interpretação de contos.
Procedimentos:
b) Leitura e interpretação do conto abaixo;
c) Formar grupos para leitura e interpretação do texto;
d) Realizar exercícios de interpretação textual;
e) Realizar hipóteses de leitura e expor oralmente;
f) Cada grupo deve recortar imagens de situações que dialoguem com o texto lido;
g) Após recortarem, expor para a turma e explicar as imagens recortadas.
Há doze anos tomavam café juntos a ela o acompanhava até a porta. “Você está com um
fio de cabelo branco. Ou tinge ou tira.” Ele sorriu, apanhou a maleta a saiu para tomar o ônibus.
Faltavam doze para as oito, em três minutos estaria no ponto. O barbeiro estava abrindo, a
vizinha lavava a calçada, o médico tirava o carro da garagem, o caminhão descarregava cervejas
a refrigerantes no bar.
Estava no horário, podia caminhar tranquilo. Coçou a mão, descobriu uma leve mancha
avermelhada de uns dois centímetros de diâmetro. Quando o ônibus chegou, a mão coçou de
novo. Agora ardia um pouco a ele teve a impressão de que no lugar da mancha havia uma leve
depressão. Como se tivesse apertado uma bolinha muito tempo, com a mão fechada.
Não tinha lugar sentado, cruzou a borboleta, foi até a frente, cumprimentando pessoas que
não sabia o nome, mas que tomavam o elétrico na mesma hora que ele. Segurava a maleta com
a mão direita, com a esquerda apoiava-se no varão do teto. Três pontos antes do final, o ônibus
superlotado, ele sentiu uma comichão violenta. Não podia olhar, nem levantar a mão. Estava
chegando, dava para esperar. Foi empurrado para a saída, despediu-se das pessoas, olhou a
mão. No lugar da mancha tinha um buraco. De uns dois centímetros de diâmetro. Um orifício
perfeito.
Perfeito, como se tivesse sempre estado ali. Nascido. Passou os dedos pelas bordas, por
dentro, sentindo cócegas. Assoprou por dentro. Olhou através dele, acompanhando uma aleijada
que caminhava na outra calçada. Afastava a mão dos olhos, focalizava um objeto, aproximava a
mão.
Ficou algum tempo distraído com isso. Quando chegou no escritório, o chefe perguntou o
porquê do atraso.
- Foi por causa do furo na mão.
- Ah, é? Pois vai ter um furo de meio dia no salário deste mês. Está bem?
Não fazia mal, há quinze anos ele não tinha uma falta, um minuto descontado. Foi para a
mesa, um pouco perturbado com o furo. Não triste, mas querendo saber o que podia fazer com
aquilo. Passou o dia disfarçando a mão entre os papéis. Não queria que os colegas vissem. Eles
não tinham furo na mão. De vez em quando soprava através do buraco, fazia barulhos estranhos
com a boca. Na hora do lanche, focalizou um colega, colocando a mão sobre o olho. Na hora de
bater ponto de saída, enfiou a alavanca no buraco a empurrou. Contente, sentia-se mais que os
outros. A sensação começara no meio da manhã, depois que a primeira depressão desaparecera.
Tinha pensado em ir ao médico, explicar o caso. Desistiu.
A mulher esperava na porta, tomando a fresca da tarde. Entraram, ele tomou banho,
descansou dez minutos, como todos os dias. Foram até a sala, ele desligou a TV, a mulher ficou
olhando algum tempo para a tela cinza, como se esperasse ainda ver a novela interrompida.
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Então, ele mostrou a mão e a mulher começou a chorar. Ela chorou a soluçou por dez minutos.
Depois perguntou:
- Dói muito?
- Não dói nada.
- Foi um acidente?
- Não, apareceu no ônibus.
- Como apareceu?
- Apareceu. Não sei como.
- E se a gente reclamar da companhia de ônibus?
- Ela não tem nada com isso.
A mulher foi ao banheiro, trouxe o estojo de emergência, apanhou gaze, esparadrapo,
mercúrio cromo. Ele não deixou fazer a atadura.
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Todo o ônibus olhava para ele. Sentou-se, segurando firme a maleta. Os outros
passageiros começaram a descer. O cobrador foi buscar um PM. O motorista chegou até ele,
olhando o furo na mão, bem visível, por cima da maleta.
- Por que o senhor não vai por bem?
- Pago minha passagem, tenho direito de andar no carro que quiser.
- Não tem nada. O senhor é que pensa.
O PM entrou, apanhou o homem com furo na mão ela gola, jogou-o fora, na calçada. A
maleta abriu, os papéis espalharam. Ajoelhado, ele começou a catá-los. O povo olhando. O PM
disse:
- Quando mandarem o senhor tomar outro carro, o senhor toma.
Ele pensou: estão todos combinados, não é possível, é uma brincadeira da turma, comigo.
Depois, ele se lembrou que não tinha turma, vivia só, ele e a mulher, às vezes ela até reclamava.
Os passageiros voltaram ao ônibus. Ele se levantou, ficou encostado no ponto. Minutos depois
chegou outro ônibus. Só abriu a porta da frente, alguns passageiros desceram. Bateu na porta de
entrada, chutou, o cobrador colocou a cabeça para fora.
- Ei, companheiro, o que é isso. Espere chegar o outro carro.
Decidiu ir a pé. Tinha anotado os números dos ônibus, iria à companhia fazer uma
reclamação. O pior é que chegaria atrasado. Quando entrou no escritório, passou rápido pelo
chefe, mas este não se incomodou. Foi direto para a mesa. Havia um paletó na cadeira. Ele
colocou a maleta na mesa, sentou-se. Abriu a gaveta, não a encontrou arrumada, como deixava
todos os dias, no fim da tarde, os lápis selecionados por cores, os clips, borracha, papéis
ordenados. Estava tudo remexido. Ouviu um “com licença”, levantou os olhos, encontrou um
homem de uns trinta anos, gordo.
- O que é?
- Desculpe, esta mesa é minha.
- Sua? Desde quando?
- Me deram hoje de manhã. Era sua?
- É minha. Onde estão as minhas coisas?
- Num pacote com o chefe.
Pensou em procurar um advogado, correr à justiça trabalhista. Não podiam fazer aquilo,
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daquele jeito. Amanhã ou depois cuidaria disso. Tinha tempo. Resolveu it ao cinema. Fazia vinte
a dois anos que não ia ao cinema num dia de semana, à tarde. Comprou o bilhete no primeiro
que encontrou. Nem olhou que filme era, nem os cartazes. Quando entregou ao porteiro, este
perguntou:
- O senhor tem certeza de que é este o filme que quer ver?
Como ele não tinha, ficou indeciso, surpreso. O porteiro aproveitou.
- Está vendo? O senhor se enganou de filme. Se quiser, a bilheteira devolve o dinheiro.
Ele se recuperou, protestou. Era esse filme mesmo, que negócio é esse, também aqui
essa brincadeira?
- Por favor, meu senhor, vá a outro cinema. Senão, perco o emprego.
- E se quero ir neste?
- Melhor não entrar. Ou sou obrigado a chamar o gerente.
- Pode chamar.
O gerente veio, acompanhado de um PM de cara amarrada.
- Por que não posso entrar no cinema?
- O senhor pode, cavalheiro. Qual é o problema?
- O porteiro disse que não posso.
- Eu não disse. Só pedi ao senhor para ir a outro cinema.
- Quero este.
(Deixa ele entrar, murmurou o gerente ao porteiro).
Ele sentou-se numa fila do meio, vazia. Atrás dele, pessoas cochicharam, se levantaram,
saíram. De instante em instante, uma pessoa saía da sala. Ele não prestava atenção, apenas
achava muito barulho a movimentação. Devia ser sempre assim nas sessões da tarde. Quando a
fita terminou só tinha ele na sala. Resolveu fumar um cigarro. Na sala de espera, quatro PMs se
dirigiram a ele.
- Quer nos acompanhar?
-- Onde?
- Não tem que perguntar nada.
Quando chegaram na calçada, os PMs disseram:
- Agora, vai andando quieto, sempre em frente, sem falar com ninguém, sem olhar para os
lados. Vai.
Ficou pela rua. Estranho, estar no meio daquela gente toda que se cruzava. Será que não
estavam fazendo nada? Olhava vitrinas, livrarias, agências de viagens, via homens de maleta
preta. A maleta?
Tinha deixado no escritório. Era disso que sentia falta. A maleta na mão. Mesmo quando
não precisava dela, carregava. Fazia pane dele. Agora, os braços ficavam soltos, desamparados.
Sentia uma tensão, ao se ver na rua, àquela hora no meio da gente toda. Duas vezes se
surpreendeu caminhando em direção ao escritório. De repente, entendeu de vez que não
precisava voltar lá. O alívio foi tão grande que ele começou a suar. E se assustou um pouco. Era
como se tivesse sarado de uma doença terrível, depois de ter estado à beira da morte. Ou sair de
dentro da água, quando já estava se afogando. Sentia-se amedrontado, uma sensação esquisita
por dentro. Culpado de estar sem o que fazer, livre, andando para onde queria. Tudo por causa
do buraco. Olhou as pessoas através dele. O gesto de levar a palma da mão à frente do olho
estava se tornando um tique.
Andou, descontraído. Sentindo-se mais leve a cada hora que passava. Muito tarde da noite
(não precisava voltar para casa; atravessara como que flutuando as seis, sete, oito horas; quase
pegou o ônibus, lembrou-se a tempo, ficou vagando pela cidade, vendo a noite cair, o movimento
diminuir, as pessoas mudarem nas ruas). Sentou-se num banco da praça, olhando a mão.
Gostava ainda mais do furo.
- O senhor quer sair deste banco?
Era um homem de farda abóbora, distintivo no peito: Fiscalização de Parques a Jardins.
- O que tem este banco?
- Não pode sentar nele.
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Ele mudou para o banco ao lado, o homem seguiu
- Nem neste.
- Em qual então?
- Em nenhum.
- Olhe quanta gente sentada.
- Eles não têm buraco na mão.
- Daqui não saio.
O homem enfiou a mão embaixo da túnica, tirou um cassetete, deu uma pancada na
cabeça dele. As pessoas se aproximaram, enquanto ele cambaleava.
- Socorro, disse, com a voz fraca, amparando-se num velhote. O velhote se afastou, ele
caiu no chão, a cabeça latejando terrivelmente.
- Por que fez isso?
- Pedi para não sentar, o senhor teimou. Agora, saia da praça.
- Saia, saia, gritavam as pessoas em volta.
Andou, sem se incomodar com o povo, o fiscal. Passou a mão na cabeça, sangrava. Num
bar, pediu um copo de água gelada, jogou na cabeça. Decidiu que não iria para casa. Talvez
passasse por uma delegacia para dar queixa, abrir um Processo contra o fiscal. Embaixo de um
viaduto, sentou-se.
Vagabundos (seriam vagabundos?) tinham acendido uma fogueira. Acordou, o sol
nascendo, levantou-se rápido. De pé, lembrou-se que não precisava ir ao emprego, ir a lugar
nenhum. Sentou- se de novo, vendo os vagabundos (seriam vagabundos?) tomarem o que
parecia café. Aproximou-se.
Um deles estendeu uma lata. Quando olhou a mão do homem, viu nela um orifício de uns
dois centímetros de diâmetro que atravessava da palma às costas. Então, ele também mostrou a
mão. O homem não disse nada. Ele tomou o café. Ralo, de pó catado nos lixos dos bares, já tinha
passado uma ou duas vezes pelo coador. Serviu para assentar o estômago.
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