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TEXTOS

FUNDAMENTAIS DE
FICÇÃO EM LÍNGUA
INGLESA

Suelen Vasconcelos
Virginia Woolf, a
feminist perspective
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Identificar a vida e a obra de Virginia Woolf.


„„ Relacionar as obras de Virginia Woolf entre si e com o contexto
histórico.
„„ Classificar os três momentos do romance no período modernista.

Introdução
Virginia Woolf (1882-1941) foi uma das maiores escritoras em língua inglesa.
A autora foi responsável por textos clássicos da literatura, como Mrs.
Dalloway (1925), Orlando (1928), To the Lighthouse 1927), dentre outros, e
também escreveu contos e ensaios críticos – como o aclamado A Room
of One’s Own (1930) –, sempre tendo um olhar crítico sobre a sociedade,
os papeis sociais e o tempo em que viveu. Woolf aplicou características
específicas à sua obra, como o uso do fluxo de consciência, e fez escolhas
estilísticas que tornaram sua narrativa lírica, profunda. Assim, muitos a
destacam como um dos maiores nomes do modernismo, ao lado de
escritores como James Joyce, Joseph Conrad e William Faulkner.
Neste capítulo, você aprenderá sobrea vida e a obra de Virginia Woolf
para compreender melhor o período histórico em que ela se insere. Após
essa contextualização, verá um breve apanhado de algumas obras de
Woolf, apresentado para que você seja capaz de relacionar a importância
de tais textos com o contexto histórico em que eles foram produzidos.
Finalmente, você lerá uma análise de um dos romances mais conhecidos
da escritora, Mrs. Dalloway, relacionando-o com questões do período
modernista.
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A vida e a obra de Virginia Woolf


Virginia Woolf teve o privilégio de nascer em meio a uma família ligada às letras
e às artes, de uma forma geral, e esse foi o contexto em que viveu. Mesmo após
o casamento, a autora continuou em meio a artistas, filósofos, historiadores,
escritores, o que lhe conferiu um círculo de criação e de amizades bastante
diverso e atuante junto a intelectuais da época. Adeline Virginia Stephen nasceu
em Kensington, Inglaterra, no dia 25 de janeiro de 1882, e veio a ter o sobrenome
Woolf após seu casamento com Leonard Woolf, em 1912. Juntos, eles fundaram
a Hogarth Press, em 1917, e também fizeram parte do Bloomsbury Group.
É importante destacar esse ambiente em que Virginia nasceu e cresceu
porque um dos focos da obra que ela viria a desenvolver seria justamente uma
grande crítica a papeis sociais e à tradicional sociedade vitoriana. A autora
nasceu nessa época bastante moralista e, embora tenha produzido também
na era pós-vitoriana, muito do que escreveu ainda estava sob os efeitos dos
valores dessa época. Além de ter crescido em um ambiente crítico repleto de
intelectuais, os pais de Virginia eram também um exemplo de “modernismo”
em comparação com a tradição social.
O pai da autora era Leslie Stephen, historiador e autor. Ao se encontrar viúvo,
casou novamente com a mãe de Virginia, Julia Prinsep Stephen, que embarcou
em um segundo casamento, pois também era viúva. Ela era enfermeira e chegou
a escrever sobre a profissão. Em uma época em que as mulheres sequer chegavam
a trabalhar, escrever sobre o mundo do trabalho, como fez a mãe de Virginia,
foi um grande avanço, sem contar que ela também chegou a trabalhar como
modelo para alguns pintores. Em meio a modelos que fogem de estereótipos
sociais, Virginia Woolf teve a oportunidade de ter contato com formas de pensar
diferentes, tanto por vivências domésticas quanto por suas vivências sociais
na juventude, quando passou a frequentar o grupo de Bloomsbury, o que pode
ter tido bastante influência no despertar de seu senso crítico.
Virginia foi educada em casa pelo próprio pai e teve acesso a vários livros
e estudos por meio da biblioteca que tinha em casa. Os Stephen tinham muitas
conexões sociais e costumavam receber, em sua residência, artistas, escritores,
filósofos, ou seja, vários dos mais proeminentes pensadores da época. Desde
pequena, Virginia sempre teve gosto pela leitura e pela escrita. Um de seus
passatempos quando criança era organizar uma espécie de jornal para relatar
os acontecimentos de sua casa. Ela também sempre relatava suas experiências
em um diário, hábito que a acompanhou ao longo de sua vida e contribuiu
para desenvolver seu estilo, uma vez que sua escrita viria a ser marcada por
um forte fluxo de consciência.
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Após a morte dos pais, Virginia e sua irmã Vanessa deixaram Kensington
e foram morar em Londres. Mesmo no novo local, a família continuou com
seu estilo de vida voltado para as artes e manteve encontros com intelectuais
da época. Isso foi logo após a Primeira Guerra Mundial (1914-1919), e os
encontros em grupo incluíam debates críticos sobre a situação social nos
quais os participantes falavam principalmente, dentre outros assuntos, sobre
economia, filosofia, política e arte.
Os encontros semanais de muitos desses contemporâneos de Virginia
Woolf, incluindo ela mesma, no bairro de Bloomsbury, acabou originando
um grupo de intelectuais conhecido como Bloomsbury Group. Virginia e sua
irmã Vanessa Bell eram as únicas mulheres participantes do grupo. É interes-
sante notar que alguns dos homens da família, como os irmãos de Vanessa
e Virginia, foram mandados para a Universidade de Cambridge para ter sua
educação, enquanto as mulheres foram sendo educadas principalmente em
casa, como era costume da época. Assim, participar do Bloomsbury Group
era uma forma de pensar, debater e de se posicionar a respeito das tradições
sociais, políticas e literárias vigentes após a Era Vitoriana.
Durante o período entre guerras, Virginia já tinha conhecido e se casado
com Leonard Woolf, e eles haviam fundado a Hogarth Press em 1917. Por
meio dessa editora, muitos trabalhos de escritores, como Katherine Mansfield
e Sigmund Freud, foram publicados, e a própria Virginia Woolf teve seus tra-
balhos publicados pela editora. Tanto a escritora quanto Leonard trabalhavam
como editores, selecionando trabalhos de importantes pensadores da época.
Virginia Woolf sofreu imensamente a perda de entes queridos. Cada mo-
mento de despedida era uma grande dor para ela, como a morte de seus seus
pais e de sua irmã Stella. Virginia sofria de depressão e de mudanças súbitas
de humor, estados que eram agravados severamente em cada episódio de
perda familiar. Mesmo após o casamento com Leonard, os momentos de
crises depressivas ainda eram presentes e vieram a ser constantes na vida da
autora. Ainda assim, ao longo de seus dias, Virginia foi convidada a palestrar
em universidades, editou textos, escreveu e publicou ensaios.
Em 1940, a casa dos Woolf em Londres foi bombardeada, pois já havia
começado a Segunda Guerra Mundial, e esse foi mais um episódio de grande
impacto na vida da autora. Como Leonard era judeu, ela temia terrivelmente
por ele e pela família e sofria com o impacto da guerra. Dessa forma, todo
um contexto social degradante e preocupante agravou suas crises mentais.
No mês de março de 1941, Virginia Woolf deixou uma carta de suicídio a seu
marido, Leonard. A carta que segue foi escrita pela autora e é reproduzida na íntegra
na apresentação do romance The Hours, de Michael Cunningham (1998, p. 07):
4 Virginia Woolf, a feminist perspective

Dearest,
I feel certain I am going mad again. I feel we can't go through another of
those terrible times. And I shan't recover this time. I begin to hear voices, and
I can't concentrate. So I am doing what seems the best thing to do. You have
given me the greatest possible happiness. You have been in every way all that
anyone could be. I don't think two people could have been happier till this
terrible disease came. I can't fight any longer. I know that I am spoiling your
life, that without me you could work. And you will I know. You see I can't even
write this properly. I can't read. What I want to say is I owe all the happiness
of my life to you. You have been entirely patient with me and incredibly good.
I want to say that – everybody knows it. If anybody could have saved me it
would have been you. Everything has gone from me but the certainty of your
goodness. I can't go on spoiling your life any longer.
I don't think two people could have been happier than we have been.

A carta mostra o estilo de escrita que a consagrou, representando o fluxo de


consciência. Virginia (retratada na Figura 1) já não aguentava a carga pesada
e se sentia um fardo para seu marido. No dia 28 de março de 1941, a escritora
encheu os bolsos de seu casaco com pedras pesadas, deixou a carta para seu
marido e caminhou para o rio Ouse na tentativa de se afogar. As autoridades
somente encontraram seu corpo cerca de três semanas depois do ocorrido.

Figura 1. Capa de uma das biografias sobre Virginia Woolf mais conhecidas. Essa biografia
foi feita pelo próprio sobrinho da autora, Quentin Bell, filho de Vanessa Bell, irmã da escritora.
Fonte: Openlibrary (2018, documento on-line).
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Bloomsbury Group
Alguns dos nomes mencionados até agora, como Virginia Woolf, Vanessa Bell, Leonard
Woolf e Quentin Bell, fizeram parte do Boomsbury Group. Os membros costumavam
fazer encontros semanais na residência de próprios frequentadores do grupo para
discutir assuntos como política, economia, literatura, feminismo e arte. A própria
Virginia Woolf escrevia em seus diários sobre o alívio e os benefícios em discutir e
trocar ideias com pessoas que, como ela, acreditavam na importância das artes na
sociedade.

Para saber mais sobre o grupo, você pode consultar, no link a seguir, um artigo no site
do Tate Museum, de Londres, apresentando informações, listas de membros, principais
ideias e fotos da época.

https://goo.gl/iAw2Ai

Obras e momento histórico


O estilo literário de Virginia Woolf é marcado pelo fluxo de consciência, e
a autora é uma das grandes representantes desse tipo de escrita fluída, com
longas frases e parágrafos, que busca representar o pensamento em movimento.
Juntamente com Woolf, outros grandes nomes que escreveram dessa forma
tiveram sua ascensão no início do século XX, durante o período que seria
chamado de modernismo, incluindo James Joyce, William Faulkner e, no
Brasil, Clarisse Lispector.
A tentativa de representar, na escrita, o turbilhão de ideias, a forma de pensar
e o fluxo de pensamentos foi uma forma moderna de escrita, uma tentativa de
representar o interior e as múltiplas vozes. Foi justamente o período em que
houve um aprofundamento de estudos acerca do inconsciente, principalmente
com os trabalhos de Sigmund Freud e de Carl Jung.
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William James, irmão do grande escritor Henry James, foi o primeiro


grande estudioso a mencionar o termo stream of consciousness (fluxo de
consciência), criando uma associação entre o pensamento e um fluxo contínuo
fluindo em rápido movimento. Segundo Humphrey (1954, p. 04), acerca das
colocações de William James sobre o fluxo de consciência na literatura:

[...] podemos definir o fluxo de consciência ficcional como um tipo de ficção no


qual a ênfase básica está na exploração dos níveis de consciência pré-discursivos,
com o propósito, principalmente, de revelar o ser psíquico dos personagens.

Há várias imagens relacionadas à representação do fluxo de consciência.


Uma metáfora bastante utilizada para compreender a técnica é a de um rio – daí
vem o termo “fluxo”. É comum remeter à ideia de água, uma vez que essa é
a substância comumente relacionada com a representação do inconsciente e
com a ideia de fluidez. Virginia Woolf tem, inclusive, um de seus romances
mais conhecidos que se baseia nessa imagem intitulado The Waves (1931). O
livro é considerado bastante audacioso, porque não apresenta uma narrativa
tradicional em que são contadas as ações das personagens, mas traz uma
representação de seus pensamentos e consciência. As imagens de água, fluxo
e movimento podem ser observadas no seguinte trecho do romance:

Beneath us lie the lights of the herring fleet. The cliffs vanish. Rippling small,
rippling grey, innumerable waves spread beneath us. I touch nothing. I see
nothing. We may sink and settle on the waves. The sea will drum in my ears.
The white petals will be darkened with sea water. They will float for a moment
and then sink. Rolling me over the waves will shoulder me under. Everything
falls in a tremendous shower, dissolving me (WOOLF, 1950, p. 101).

Outra obra da autora em que a fluidez é um traço marcante é Orlando (1927).


Nesse romance, é possível flutuar não só em termos de fluxo de consciência,
mas também em relação ao tempo, espaço e aos papeis de gênero. Isso porque
o livro propõe uma espécie de biografia-história de uma personagem durante
mais de trezentos anos e, em vez de trazer fatos reais e de ter como base fatos
verídicos da vida de alguém, o que geralmente caracteriza o gênero literário
biografia, a autora inova mais uma vez, criando uma personagem que não se
prende a um gênero – masculino ou feminino – e tampouco ao tempo, a um
período específico. Com tanta fluidez, é possível mergulhar na representação
dos pensamentos do protagonista, Orlando, personagem que muda de gênero
durante a narrativa, o que pode ser visto como uma inovação e um questio-
namento sobre os papeis de gênero na sociedade.
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Debater como a sociedade impõe papeis sociais a homens e mulheres foi


um dos grandes temas trabalhados por Woolf e teve grande importância,
principalmente a partir dos anos 1970, ao tratar de questões feministas. Em
Orlando, a autora toca nesse ponto ao afirmar que:

Different though the sexes are, they intermix. In every human being a va-
cillation from one sex to the other takes place, and often it is only the clothes
that keep the male and female likeness, while underneath the sex is the very
opposite of what it is above. Of the complications and confusions which thus
result every one has had experience; but here we leave the general question
and note only the odd effect it had in the particular case of Orlando herself
(WOOLF, 1995, p. 130).

Nesse trecho, observa-se que Orlando já tinha deixado de ser homem


pelo uso do pronome reflexivo herself, que associa a personagem, agora, a
uma figura feminina. A fluidez na prosa de Woolf é extremamente moderna
tanto na estilística quanto ao tratar de um tema tão rígido para a sociedade
como algo maleável, que é a posição que homens e mulheres assumem na
sociedade.
As questões sociais levaram Woolf a pensar, discutir e ter uma voz
extremamente crítica sobre a sociedade. Um dos textos mais importantes
da autora quanto a esse assunto é o famoso ensaio A Room of One’s Own
(1930), que foi traduzido para o português como “Um teto todo seu”. O
texto mostra a veia crítica da autora sobre a situação da mulher na socie-
dade, sobre ter um espaço, ter individualidade e uma voz própria e livre.
A ideia principal que a autora defende está bem sintetizada nas seguintes
palavras do texto, talvez a mais famosa e mais citada de todo o livro: “[...]
a woman must have money and a room of her own if she is to write fiction”
(WOOLF, 1988, p. 15).
Ainda sobre a questão feminina, Woolf (1988, p. 20) segue em seu ensaio
afirmando que “[…] it would have been impossible, completely and entirely, for
any woman to have written the plays of Shakespeare in the age of Shakespeare”.
Por meio dessas palavras, a autora aborda o assunto sob uma perspectiva mais
histórico e econômico. É muito comum que a participação e as contribuições
sociais femininas tenham sido avaliadas como inferiores em termos de quanti-
dade e de produtividade, mas a grande verdade é apontada por Woolf, uma vez
que as condições de vida proporcionadas às mulheres, historicamente, dentro
das atribuições que foram sendo dadas ao sexo feminino, não permitiriam
que elas tivessem independência e liberdade para atuar socialmente em pé
de igualdade com os homens. O simples fato de atrelarem a mulher à esfera
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privada, a tarefas do lar e ao papel de mãe já é um fator limitante no que diz


respeito a produzir e atuar socialmente para a esfera pública, espaço que foi
sendo atrelado socialmente aos homens.
Essa preocupação com sua época também pode ser observada em outra
aclamada obra, To the Lighthouse (1927), romance modernista cujos eventos
são fortemente marcados pela Primeira Guerra Mundial. A história é dividida
em três partes e seus acontecimentos são anteriores à guerra na primeira seção,
The Window. Na segunda parte, Times Passes, é quando a guerra explode
de fato, afetando o destino das personagens. Por fim, na terceira parte, The
Lighthouse, é finalizada a jornada das personagens, trajetória que é muito
mais interior, com uma narrativa com múltiplos pensamentos e vozes, e apre-
sentada a partir do fluxo de consciência do que por meio de acontecimentos
e ações de fato. Dessa forma, tratar da guerra em sua escrita é uma forma de
criticar tamanha barbaridade e, também, de tratar de um assunto tão público,
masculino e exterior em vez de tratar de assuntos mais íntimos e interiores.
Por mais que a escrita de Woolf possa ser chamada de intimista, seu uso da
forma narrativa expõe brutalmente e intimamente pensamentos e medos. Na
verdade, a própria Virginia expunha, por meio de seus trabalhos, os seus mais
profundos medos, como o da guerra e de suas consequências para a sociedade.

Virginia Woolf é uma das autoras que mais reúne leitores em clubes de leitura espalha-
dos pelo Brasil e pelo mundo todo. Há uma série de grupos que debatem sua obra em
encontros regulares em várias cidades. É muito comum que os organizadores criem
um calendário, escolhendo um autor ou uma obra específica pra trabalhar no encontro
de um determinado mês, e Woolf e suas obras certamente figuram em muitos desses
debates. Você pode pesquisar em sites e nas redes sociais por eventos desses tipos e
participar das leituras e debates.

O fluxo narrativo em Mrs. Dalloway no


modernismo
A frase “Mrs. Dalloway said she would buy the flowers herself ” Woolf (1996,
p. 2) abre o romance mais conhecido de Virginia Woolf, Mrs. Dalloway,
Virginia Woolf, a feminist perspective 9

publicado pela primeira vez em 1925, relançado diversas vezes, adaptado


para o cinema e amplamente discutido até hoje como um dos romances mais
importantes da literatura. A história trata de um dia no mês de julho de 1927
na vida da dona de casa inglesa Clarissa Dalloway e seus preparativos para
uma festa para amigos que ela irá oferecer mais tarde no mesmo dia. Em
termos de ações, pouco acontece, pois o que importa e inova na narrativa é a
representação do fluxo de consciência de Clarissa.
Embora compreenda apenas um dia da vida da protagonista, a inovação
moderna do romance está justamente em não se prender à ação em si. Há
três momentos distintos ao longo da narrativa: os preparativos para a festa, o
suicídio de uma das personagens e, finalmente, a festa. A ligação que todos
esses eventos têm por meio de reflexões sobre o passado, o presente e o futuro
por meio da exposição do fluxo de consciência das personagens é o que dá
grandiosidade à obra.
A crítica de Woolf a seu tempo está presente no livro. As dificuldades da
época logo após a Primeira Guerra Mundial aparecem em pensamentos como
“[…] this late age of the world’s experience had bred in them all, all men and
women, a well of tears. Tears and sorrows; courage and endurance; a perfectly
upright and stoical bearing” (WOOLF, 1996, p. 80). No trecho, podemos notar
que há uma preocupação em aguentar e sobreviver ao momento e seguir em
frente, apesar de haver um sentimento de inadequação em relação à vida em
sociedade. O pensamento de Clarissa citado surge após a personagem, em meio
ao seu caminhar em Londres, ler algumas linhas de uma peça de Shakespeare.
Os versos do bardo batem na personagem, despertando uma profunda reflexão
de inadequação, que é atemporal.
A condição dos homens e mulheres de sua época, do passado e do futuro
provoca reflexões em Clarissa. Segundo afirma a própria personagem em
certo trecho do romance:

Since our apparitions, the part of us which appears, are so momentary com-
pared with the other, the unseen part of us, which spreads wide, the unseen
might survive, be recovered somehow attached to this person or that, or
even haunting certain places after death… Perhaps — perhaps (WOOLF,
1996, p. 150).

A partir de leituras anteriores, como quando a protagonista vaga pelas ruas


de Londres e lê as palavras de Shakespeare, ou das percepções do agora, as
dobras da memória mostram a visão crítica da condição humana.
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Ítalo Calvino, escritor muito conhecido pelo livro de ensaios “Por que
ler os clássicos?” (1993), defende uma série de considerações que fazem um
texto atingir o status de clássico. Segundo um dos seus apontamentos, sobre
os clássicos:

[...] são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das
leituras que precederam a nossa e, atrás de si, os traços que deixaram na cultura
ou nas culturas que atravessaram ou mais simplesmente na linguagem ou nos
costumes (CALVINO, 1993, p. 11).

Dessa forma, observamos que Clarissa Dalloway passeia pelas marcas de


leituras anteriores para perceber a sua condição atual. Quando a festa ocorre de
fato no romance, acaba sendo uma convecção social em que Clarissa enxerga,
mais do que nunca, o quanto as pessoas estão presas a uma representação social.
A personagem fica impactada com a notícia do suicídio de outra personagem:

She felt somehow very like him—the young man who had killed himself. She
felt glad that he had done it; thrown it away. The clock was striking. The le-
aden circles dissolved in the air. He made her feel the beauty; made her feel
the fun. But she must go back. She must assemble (WOOLF, 1996, p. 190).

No entanto, é interessante observar a reação de Clarissa com a notícia do


suicídio. Embora impactada e sentindo a dor da personagem que tinha acabado
de cometer tal ato, a protagonista entende que foi uma atitude de libertação.
Em vez de encarar apenas com tristeza ou de julgar o suicídio como um ato
de covardia, Clarissa vê coragem e luta nessa tentativa de se libertar das
amarras cotidianas. Ao olhar para sua própria festa ao seu redor, ela reúne
forças para continuar e seguir em frente, apesar de seus questionamentos
diante da vida. Assim, Woolf passa a mensagem ao seu leitor de que, embora
haja convenções, rotinas e papeis sociais a seguir, é necessário manter-se forte
e continuar lutando.
Veja, na Figura 2, as capas para alguns dos primeiros exemplares de suas
obras.
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Figura 2. Capas feitas por Vanessa Bell para os primeiros exemplares de livros de Virginia
Woolf. (a) Mrs. Dalloway (1925); (b) The common Reader (1925); (c) To the Lighthouse (1925);
(d) A Room of One’s Own (1929); (e) On Being Ill (1930); (f) The Waves (1931).
Fonte: Openlibrary (2018, documento on-line).

Busque conhecer os filmes inspirados na obra de Virginia Woolf. Para saber mais sobre
a adaptação do romance Mrs. Dalloway para o cinema, de 1997, dirigida por Marleen
Gorris e com Vanessa Redgrave estrelando como Clarissa Dalloway, clique no link:

https://goo.gl/3U4hym

Se quiser saber mais informações sobre o filme The Hours (2002), inspirado no romance
homônimo de Michael Cunningham e que tem estrelas como Nicole Kidman (interpre-
tando a própria Virginia Woolf), Julianne Moore e Meryl Streep, clique no link a seguir:

https://goo.gl/CvuJA4
12 Virginia Woolf, a feminist perspective

Virginia Woolf mostrou sua grandeza não só por meio de sua escrita, mas
também foi capaz de atuar ativamente na sociedade e de viver de acordo com
sua crença. Como uma crítica ávida da tradição social, a autora foi capaz
de desafiar a ordem tanto na sociedade quanto na forma de escrever, pois
ela não se prendeu à forma tradicional do romance. Em vez disso, Woolf
nos presenteou com um mergulho na representação da consciência de suas
personagens.
Assim, podemos ver que, nessa grande dicotomia construída socialmente,
em que mulheres são colocadas como atuantes no espaço privado como mães
e esposas e os homens têm atuação no espaço público, criticar a sociedade,
dar palestras em espaços públicos, como universidades, escrever e publicar –
atividades comuns na vida de Woolf – acabam sendo exemplos de uma mulher
que conquistou seu espaço na sociedade também com ações concretas, indo
muito além de sua ficção.

O romance Mrs. Dalloway nos presenteia com um forte olhar crítico para os papeis
que a sociedade atribui para homens e mulheres. A protagonista do romance, Clarissa,
questiona suas escolhas na vida, já que ela mesma havia optado por um casamento
seguro e estável anos antes. No entanto, o fluxo de consciência da personagem
na narrativa é atemporal, misturando passado, presente e futuro, como pode ser
observado no trecho a seguir:

This late age of the world’s experience had bred in them all, all men and
women, a well of tears. Tears and sorrows; courage and endurance; a
perfectly upright and stoical bearing (WOOLF, 1996, p. 5).

Assim, observamos, nesse trecho, mais um exemplo da crítica que Woolf fez à sua
época. Existe um fatalismo estoico por se estar preso a uma convenção social, uma
vez que tanto homens quanto mulheres sofrem e precisam de força para continuar
vivendo em meio a convenções e dificuldades.
Virginia Woolf, a feminist perspective 13

1. O fluxo de consciência é uma homem, uma vez que defende a


técnica narrativa que se tornou questão feminina em sua escrita.
popular no início do século XX, b) o feminismo busca resgatar
tendo Virginia Woolf como uma a imagem da mulher que foi
de suas maiores representantes. sendo colocada como inferior
A respeito dessa técnica narrativa, à do homem, invertendo as
é correto afirmar que: posições, ou seja, colocando
a) o fluxo de consciência se a mulher em posição superior
relaciona com a quantidade como um resgate histórico.
de informações ordenadas c) os papéis representados por
em sequência cronológica. homens e mulheres precisam
b) o fluxo de consciência busca ser invertidos para que as
representar na escrita a mulheres tomem a esfera
complexidade do pensamento pública e os homens passem
humano, ou seja, a forma a ocupar a esfera privada.
como uma personagem d) a esfera privada foi sendo
pensa e seu fluir de ideias. historicamente construída como
c) o fluxo de consciência é um um local de atuação do homem,
termo cunhado por Freud, enquanto que a esfera pública
utilizado em seus escritos e tende a ser o espaço de atuação
na ficção que produziu. mais relacionado à mulher.
d) o fluxo de consciência tem e) os papéis de gênero foram
como metáfora constante para sendo historicamente
representar seu movimento construídos, e Woolf critica
a água de um lago. na sua escrita o tradicional
e) o fluxo de consciência é uma confinamento da mulher
técnica Freudiana amplamente na esfera privada enquanto
usada na literatura para o homem tem espaço de
mergulhar no inconsciente atuação na esfera pública.
das personagens. 3. Uma das grandes críticas de
2. Virginia Woolf foi uma crítica ávida Woolf diz respeito à existência
da questão de gênero e dos papéis de privilégios econômicos,
representados por homens e educacionais e de gênero envolvidos
mulheres na sociedade, sendo uma no processo de majoritariamente
autora que contribuiu bastante autores do sexo masculino entrarem
para os debates relacionados ao para o cânone literário. Por que o
feminismo que estão em voga fato de ter mais homens no espaço
na sociedade até hoje. A respeito de trabalho acabou ocorrendo?
dos papéis de gênero na escrita a) Os homens naturalmente
de Woolf, é possível afirmar que: ocupam mais o cânone literário
a) a autora coloca a mulher em porque há um número maior
uma posição superior à do de escritores homens.
14 Virginia Woolf, a feminist perspective

b) As mulheres precisam de uma que ambas as autoras tratam


renda e acesso à educação e da questão de gênero.
tempo livre para que possam b) ambas as autoras possuem
produzir em pé de igualdade um estilo parecido devido
com os homens, o que não ao uso da terceira pessoa
acontecia no passado. demonstrado no trecho acima.
c) As mulheres precisam trabalhar c) o trecho também mostra a
mais do que seus maridos para inadequação através de uma
conquistar um lugar no mercado voz feminina que luta para
de trabalho e provar seu valor. alcançar seu lugar na sociedade
d) Cabe aos homens destinar através da literatura, como
uma renda às mulheres para pode ser visto no trecho
que elas possam destinar “escrevo por não ter nada a
mais tempo para escrever. fazer no mundo”.
e) Produzir textos não gerava d) o trecho também trata do
qualquer renda, então as suicídio de uma mulher
mulheres eram economicamente narrando as suas dificuldades
prejudicadas. de adequação à sociedade,
4. Clarisse Lispector é uma das o que remete diretamente
escritoras brasileiras cujo estilo à vida e à obra de Woolf.
se aproxima bastante ao de 5. O romance Mrs. Dalloway quase
Woolf. Observe o seguinte recebeu o título de The Hours por
trecho do romance A Hora da Virginia Woolf. Qual significado
estrela (1977) de Lispector: possível do tempo dentro da
“Sim, minha força está na solidão. narrativa justificaria a importância
Não tenho medo nem de chuvas dada às horas para ter sido pensado
tempestivas nem das grandes um título como esse para o livro?
ventanias soltas, pois eu também a) O tempo é mostrado de forma
sou o escuro da noite. Escrevo por cronológica no romance,
não ter nada a fazer no mundo: fator de extrema importância
sobrei e não há lugar para mim para a narrativa da forma
na terra dos homens. Escrevo como ela é contada.
porque sou um desesperado b) A dissolução do tempo dentro
e estou cansado, não suporto da narrativa é feita em um
mais a rotina de me ser e se primeiro momento, para depois
não fosse a sempre novidade voltar à cronologia normal
que é escrever, eu me morreria dos fatos a partir da festa dada
simbolicamente todos os dias” pela personagem Clarissa.
(LISPECTOR, 1998, p. 18). c) O romance foca mais no tempo
Acerca das similaridade de estilo interior das personagens
entre as autoras observada no do que nas ações. A ação
trecho, é possível afirmar que: em si representa apenas
a) há também uma protagonista algumas horas de um dia
feminina narrando a história, já da vida da protagonista.
Virginia Woolf, a feminist perspective 15

d) Dentro da técnica de fluxo de e) Toda a ação do romance


consciência utilizada no romance, se passa dentro de poucas
as horas representam o tempo horas da vida da protagonista.
cronológico que a personagem O resto do tempo narrado
leva para alcançar a epifania, faz parte de um sonho que
que é o clímax da narrativa. representa o inconsciente.

CUNNINGHAM, M. The Hours: a novel. New York: Farrar, Straus and Giroux, 1998.
HUMPHREY, R. Stream of consciousness in the modern novel. Berkeley: University of
California Press, 1954.
OPENLIBRARY. Virginia Woolf: a biography. 2018. Disponível em: <https://openlibrary.
org/works/OL2107647W/Virginia_Woolf>. Acesso em: 13 ago. 2018.WOOLF, V. A room
of One’s Own. London: Penguin, 1988.
WOOLF, V. Orlando. London: Penguin, 1995.
WOOLF, V. Mrs. Dalloway. London: Penguin, 1996.
WOOLF, V. To the Lighthouse. London: Penguin, 1996.
WOOLF, V. The Waves. Boston: Houghton Mifflin Harcourt Publishing Company, 1950.

Leituras recomendadas
ANDRADE, S. A. Virginia Woolf e o medo. Revista Bravo, v. 5, 2002.
CANDIDO, A. A personagem do romance. In: CÂNDIDO, A. et al. A personagem de ficção.
São Paulo: Perspectiva, 1995.
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Acesso em: 13 ago. 2018.
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da Instituição, você encontra a obra na íntegra.

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