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Robert Kaucher - Terra, Mar e Céu, Cosmologia Na Mitologia Celta
Robert Kaucher - Terra, Mar e Céu, Cosmologia Na Mitologia Celta
Nos últimos anos aqui no Brasil o interesse na mitologia e nas tradições Célticas cresceu
substancialmente, mas, com a exceção de uma pequena coleção de livros e sites na Internet, na verdade
há poucas fontes de informação para as pessoas que desejam aprender mais sobre a mitologia Céltica.
Esta realidade criou uma situação peculiar onde para preencher este buraco, o mito tomou o lugar da
verdade. Um mito é que os Celtas acreditavam em um sistema cosmológico baseado nos quatro
elementos da Terra, o Ar, a Água e o Fogo e que estes quatro elementos foram associados aos pontos
cardeais exatamente do modo que eles estão na Wicca hoje. Quando nós olhamos para a mitologia
Céltica, principalmente o galho irlandês, vemos que isto não é a verdade e que o sistema cosmológico
Céltico é muito mais complexo. A primeira coisa que temos que discutir é a divisão básica do multiverso
em três partes: o reino celestial dos Deuses Altos, o reino mediano dos mortais e o submundo dos
antepassados e deuses da fertilidade. Na tradição Céltica isto é expresso normalmente na tríade de Terra,
Mar e Céu (talamh agus muir agus neamh em irlandês). Essa tradição anciã explica muitos dos contos
folclóricos da Irlanda, nos quais as pessoas alegam ver o fundo de barcos passando pelo céu azul, como
se fosse um grande oceano. Também explica por que o deus do mar Manannán cantou este poema a
Bran[1]:
'Bran vê
O número de ondas que batem pelo mar claro:
Eu me vejo em Mag Mon[3]
Flores vermelhas sem falta.
Vemos neste poema que o reino oceânico está conectado com a fertilidade e com a abundância e que
para Manannán as ondas do oceano não são água mas os topos das árvores que balançam ao vento. O
oceano também era associado com os mortos: o primeiro mortal que morreu na Irlanda era Eber Donn,
que se afogou antes de chegar à orla e fui enterrado em Teach Duinn (a Casa de Donn), normalmente
associado a uma ilha rochosa pequena perto da Ilha Dursey, a oeste da península de Bearre, no Sudoeste
de Munster na Irlanda. O “Outro Mundo” Céltico normalmente é representado como sendo Ilhas[4]. É
importante lembrar que o Outro Mundo insular, ou Submundo, normalmente não é um lugar como o
Hades grego mas é um lugar de repouso, um paraíso para nossa família morta. Alguns dos nomes mais
comuns para estas ilhas são listados abaixo.
Tír na mBán A Terra de Mulheres Uma ilha espiritual para guerreiros terem amantes perpétuas
Tír na mBeo Terra dos Viventes Uma ilha onde não há a morte, só se festeja e alegria.
Uma ilha paraíso onde as pessoas ficam perpetuamente jovens
Tír na nÓc A Terra da Juventude e saudáveis.
A ilha de Manannán onde os deuses festejam e bebem a
Tír Taingíri A Terra de Promessa Cerveja da Imortalidade feita por Goibniu.
Embora o Submundo pudesse ser encarado como uma ilha, isto não deveria ser considerado um
conceito rígido, pois o mito é fluido e uma metáfora não deveria ser fixada em sua mente.
O reino celestial foi concebido como um grande retângulo e no mito irlandês aprendemos que havia
quatro cidades onde as Tuatha Dé[5] aprenderam a magia e o druidismo e de onde trouxeram os quatro
tesouros mostrados no quadro abaixo.
Coire an Dagdai (o Caldeirão do Dagda) Muirias A função agrária dos fazendeiros e os outros produtores.
Os povos antigos sempre procuram na sua mitologia um precedente que demonstra que sua sociedade
está no lugar correto, onde o mundo é o que é não porque as pessoas fizeram assim, mas porque os
deuses ordenaram. Neste sistema quádruplo, o qual veremos depois é de fato quíntuplo encontramos um
lugar para todos os membros da tribo Céltica primitiva sendo que os deuses da ordem e da justiça como
o Lug e a Brigit são achados no reino celestial.
A terra é o reino dos mortais e parece freqüentemente ser concebida como o corpo de uma deusa
associada à terra e à agricultura como a Tailtiu. A terra “flutua acima das águas do oceano mítico e por
meio desta conexão extrai a fertilidade necessária para dar a vida. Mas também há uma idéia mítica mais
antiga, entretanto apenas rastros sobreviveram na mitologia Céltica que demonstra que a terra pode ser
feita do corpo de um gigante primordial que foi morto por um dos Altos Deuses. Neste mito ancião a
carne dele é usada para fazer a terra, seus ossos se tornam as pedras e as rochas, seu sangue, são a água
dos rios e do oceano, sua mente vira as nuvens, sua respiração é o vento e seu olho é o sol [7]. No total
existem sete “elementos” na tradição Céltica, não quatro, e eles demonstram o princípio mágico antigo
de “assim acima, assim embaixo,” o que temos dentro de nós também existe fora de nós. Eu incluí um
oitavo elemento correspondendo à alma.
Exatamente como há quatro cidades no reino celestial dos Deuses há quatro pontos cardeais no
compasso e quatro províncias (correspondendo aos pontos cardeais) mas a palavra irlandesa para
província é cúige que significa “quinto”, não “quarto.” Na tradição irlandesa há cinco pontos e não
quatro: Leste, Sul, Oeste, Norte, e o centro. Como em todas culturas pré-modernas estas direções têm
significados especiais que são discutidos na mitologia irlandesa primitiva. Na história Suidigud Tellaig
Temra (Povoando o Palácio de Tara) aprendemos há associações semelhantes àquelas dos quatro
tesouros das Tuatha Dé[8].
Bibliografia
Outras Fontes:
Littleton, C.S. The New Comparative Mythology. Cambridge: Cambridge University Press, 1982.
Mallory, J.P. Insearch of the Indo-Europeans. London: Thames and Hudson, 1989.
Raferty, Barry. Pagan Celtic Ireland: The Enigma of the Irish Iron Age. London: Thames and Hudson.
Rees, Alwyn e Brinley: Celtic Heritage: Ancient Tradition in Ireland and Wales. London: Thames and
Hudson, 1991.
[4]O outro mundo ctonico de Manannán e os antepassados não deveria ser confundido com o “síd,” ou
domicílio espiritual dos Deuses Altos embora a palavra síd como um lugar espiritual parece ser
confundido com o conceito insular em muito da tradição literária mais recente.
[5]O Tuatha Dé (Danann), Tribos dos Deuses, é o nome mais antigo para os deuses nos mito irlandeses.
A parte “Danann”, normalmente interpretada como “da deusa Danu” não aparece nos textos mais
antigos.
[7]O palavra súil, “olho”, em irlandês é etimologicalmente “sol” e vem da mesma raiz da palavra
portuguesa.
[8]Para uma discussão mais profunda destas associações na mitologia irlandesa e em outras tradições
indo-européias veja o livro Celtic Heritage por Alwyn e Brinly Rees.
[10]Os indo-europeus são o povo de quem os celtas e muitos outros povos da Europa e da Índia
descendem.
[11]Cada tribo tinha uma bile em seu território que ficou onde o rei tribal era coroado. Estas árvores
representavam a árvore mundial mítica.
[12]Hesychius de Alexandria escreveu no seu léxico: Melías karpós: tò anthrópon génos “Sementes do
freixo: a raça dos homens” Este léxico famoso é uma coleção de expressões de vários idiomas.
Hesychius viveu no quinto século.
[13]Gollam é o nome original de Míl Espáine, o pai dos “Milesianos” O nome Míl Espáine é
obviamente uma adição literária Cristã à história e deriva do latim miles Hispaniae, o Soldado da
Espanha.