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All content following this page was uploaded by João Fábio Bertonha on 11 June 2018.
ISSN 2177-2940
Diálogos (Online)
ISSN 1415-9945
(Impresso)
http://dx.doi.org/10.4025/dialogos.v21i3
no sentido marxista do termo e muito menos Mesmo assim, dada a carência de estudos
dentro das tradições da esquerda, mas no de sobre o projeto Lebensborn em português, ele é
procurar alterar significativamente a herança uma bem vida adição à bibliografia disponível.
cristã e humanista da Europa através de Além disso, perdidas nas recordações e na
programas e políticas públicas, pelo poder do pesquisa da autora, temos alguns elementos
Estado. Essas alterações radicais na sociedade muito interessantes para repensar o próprio
incluiriam a morte em larga escala, como no projeto Lebensborn e, especialmente, para
Holocausto, e também a criação e a promoção relacioná-lo à grande questão de fundo, ou seja,
da vida, como no projeto Lebensborn, objeto a obsessão demográfica nazista e dos Estados
desse livro. fascistas em geral.
O trabalho de Ingrid von Oelhafen e Nos anos posteriores à guerra, uma série
Tim Tate é jornalístico e memorialístico e, como de filmes explorou a conexão entre o nazismo, a
tal, traz poucas novidades analíticas, violência e o sexo. Todo um filão da cultura
bibliográficas ou documentais. Também não é o contemporânea explorava – e ainda explora – a
primeiro livro a dar voz às crianças do Lebensborn, dominação sexual como fonte de prazer e os
pois livros publicados em inglês, francês ou nazistas se encaixavam perfeitamente enquanto
alemão anteriormente já o fizeram. Suas 240 protagonistas. Dentro desse filão, surgiram
páginas são, na realidade, uma descrição, livros e filmes que associavam o Lebensborn à
jornalística e romanceada, da odisseia da autora, criadouros da SS, locais onde a elite de Himmler
por décadas, para descobrir sua verdadeira procriava com arianas escolhidas para gerar
origem, tendo sido uma das crianças raptadas bebês para o Reich.
pelos agentes nazistas e adotadas por casais
alemães para reforçar demograficamente a Na verdade, a organização surgiu, em
Alemanha e a raça ariana. Apenas por isso, a 1936, com objetivos bem mais prosaicos, ou
leitura já valeria a pena, pois é uma tocante seja, fornecer assistência social às famílias da SS
história de uma pessoa em busca de sua e, especialmente, às mulheres consideradas
identidade, de sua origem. Uma história que racialmente válidas que não tivessem, por si só,
parte da Alemanha e se desenvolve em parte do condições de criar seus filhos. Longe de ser uma
continente europeu, até chegar à Eslovênia. vergonha ou um fardo para a sociedade, as mães
solteiras, especialmente, deveriam ser amparadas
No entanto, do ponto de vista do e apoiadas, para o bem racial da Alemanha. Um
historiador e de leitores com mais conhecimento esquema de adoção dessas crianças por oficiais
a respeito do nazismo, o livro, na verdade, deixa da SS sem filhos também foi criado e
a desejar e seu título indicando a “verdadeira desenvolvido.
história” do projeto é um pouco fantasioso e até
sensacionalista. Os dados apresentados não são Num certo sentido, essa proposta não
corretamente referenciados, muitos números e era muito diferente de outras políticas natalistas
informações são vagos ou não passíveis de que estavam em projeto em vários países da
confirmação e as observações são subjetivas e Europa e das Américas naquele momento.
impressionistas. Em termos historiográficos, Numa época em que, pelo próprio avanço da
valeria muito mais a pena ter traduzido um livro modernidade, a natalidade caia em todo o
denso em termos analíticos e documentais como Ocidente, vários Estados – democráticos ou não
o de LILIENTHAL (2003) ou um quase clássico - procuraram lançar iniciativas para diminuir a
em língua inglesa, como o de CLAY e mortalidade infantil e a geral, apoiar a
LEAPMAN (1985). maternidade e a infância e controlar a emigração,
a imigração e as migrações internas para seus
253 JF Bertonha. Diálogos, v.21, n.3, (2017), 251 - 255