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Gabriela Reznik
Fundação Oswaldo Cruz
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All content following this page was uploaded by Gabriela Reznik on 11 May 2022.
GABRIELA REZNIK
Rio de Janeiro
2022
GABRIELA REZNIK
Rio de Janeiro
2022
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559ª ATA DA COMISSÃO EXAMINADORA DA TESE DE DOUTORADO EM QUÍMICA
BIOLÓGICA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM QUÍMICA BIOLÓGICA
APRESENTADA E DEFENDIDA POR GABRIELA REZNIK.
No sétimo dia do mês de abril de dois mil e vinte e dois, às 14h00min, realizou-se
de forma totalmente remota e em concordância com o disposto na Resolução CEPG nº
01, de 16 de março de 2020, tendo sido gravada através do aplicativo Zoom®, a defesa da
Tese de Doutorado em Química Biológica (Educação, Difusão e Gestão em Biociências)
apresentada e defendida por Gabriela Reznik, intitulada: "Pertencimento, inclusão e
interseccionalidade: vivências de jovens mulheres em projetos orientados por
equidade de gênero na educação e divulgação científica". A Comissão foi organizada
obedecendo ao disposto nas Resoluções do Conselho de Ensino para Graduados da
UFRJ e no Regulamento do Programa de Pós-graduação em Química Biológica, área de
concentração em Educação, Difusão e Gestão em Biociências, estando constituída pelos
Professores:
(x) Marcia Cristina Bernardes Barbosa (Professor Titular da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul), (x) Sandra Gouretti Unbehaum (Pesquisador da Fundação Carlos
Chagas), (x) Jacqueline Leta (Professor Associado IV do Instituto de Bioquímica Médica
Leopoldo de Meis, UFRJ), (x) Débora Foguel (Professor Titular do Instituto de Bioquímica
Médica Leopoldo de Meis, UFRJ), (x) Isaltina Maria de Azevedo Mello Gomes
(Professor Titular da Universidade Federal de Pernambuco), além de seu(ua)
orientador(a), (x) Luisa Medeiros Massarani (Pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz),
sendo designado(a) Presidente da Banca e sem direito a voto. Após haver o(a)
candidato(a) apresentado os resultados de sua tese, obedecendo ao prazo regimental, foi
dada a palavra aos examinadores para arguição, na seguinte ordem: Marcia Cristina
Bernardes Barbosa, Sandra Gouretti Unbehaum e Jacqueline Leta, tendo o(a)
candidato(a) respondido às perguntas formuladas. Assim sendo, a Comissão
Examinadora decidiu recomendar a outorga ao(à) candidato(a) do Grau de Doutor em
Ciências (Educação, Difusão e Gestão em Biociências). Nada mais havendo a tratar, eu,
Luisa Medeiros Massarani, lavrei a presente Ata, que assino em meu nome e dos demais
membros da Banca Examinadora.
________________________________________________
Luisa Medeiros Massarani
(Presidente da Banca)
Desenhos e colagens, feitos entre maio e agosto de 2020, sobre escrever a tese em meio
a pandemia de Covid-19 enquanto cuido de duas crianças pequenas, buscando, em
referências literárias e acadêmicas, o espaço de minha própria autoria.
5
Agradecimentos
1
Kilomba, 2020, p. 26.
2
hooks, 2017, p. 51.
6
Patricia Spinelli, por ser referência de engajamento na temática, pela organização de
importantes eventos na área, como o Promoting gender equity in STEM, no qual percebi
a possibilidade de seguir em frente com meus interesses de pesquisa. À Tatiana Saint
Pierre, pela colaboração no projeto “Estudo da composição mineral de cabelo
relacionada com o uso de tratamentos químicos estéticos”. À Karina Mochetti, Daisy
Maria Luz, Angela Biazutti, Camila Signori e Luciana Witovski, pelas conversas
iniciais na exploração do campo de pesquisa.
Ao CNPq, em especial à Maria Lucia de Santana Braga, por ceder documentos
da chamada 18/2013 para análise durante a pesquisa. Agradeço ao CNPq pela bolsa de
pesquisa durante o doutorado e à Fulbright pela bolsa de doutorado sanduíche.
À Jacqueline Leta, pelas contribuições ao longo do percurso e por ter aceitado o
convite de compor a banca. Obrigada por ter topado a ideia da disciplina “Mulher,
ciência e feminismos”, durante a qual aprendi muito ao seu lado, do Lucas Tramontano,
da Gilda Olinto e da turma que embarcou conosco na proposta. Obrigada, Lucas e
Gilda, pelas importantes trocas ao longo da construção da disciplina.
À Márcia Cristina Bernardes Barbosa, Sandra Unbehaum, Débora Foguel e
Isaltina Gomes, por aceitarem o convite de compor a banca.
Aos amigos do PEGED/IBqM, pelo suporte acadêmico, em especial, à Marcelle,
Washigton, Gustavo, Josemar, Roseday, Fábio, Marcelo, Juliana, Ana Paula, Tatiana,
Andreia e Larissa.
Ao Grupo de Trabalho de Parentalidade e Equidade de Gênero da UFRJ e ao
projeto de extensão “Mães na Universidade: acesso, permanência e progressão”, por
serem espaços em que estamos construindo novas possibilidades de ser mulher e mãe
dentro da universidade, buscando um espaço acadêmico mais equâmine e inclusivo. Em
especial, à Gizele Martins, Mithaly Corrêa, Karin Menéndez Delmestre, Sabrina
Ferreira, Luana Fontel, Marcela Sandim e Lizzie Calmon, pelas trocas e construções ao
longo de 2020 e 2021. Ao movimento Parent in Science, pela inspiração e conquistas,
por terem aberto o programa de embaixadoras e a possibilidade de contribuir para o
grupo, em especial à Fernanda Staniskuasqui, Leticia Oliveira, Rossana Soletti, Camila
Infanger, Milena Freire e Alessandra Brandão.
À Marina Nucci, por ser referência no campo de gênero e ciência, pela amizade
e ensinamentos na disciplina “Gênero, ciência e saúde”, no Instituto de Medicina Social,
da UERJ. À Jane Russo, pelas importantes discussões durante as aulas no IMS-UERJ e
pelas contribuições no projeto da tese.
7
À Angela Maria Carneiro de Araújo, pelo aprofundamento nas discussões sobre
divisão sexual do trabalho na disciplina “Gênero, trabalho e política”, da Unicamp.
Ao Yurij Castelfranchi, que me inspirou a pesquisar no campo da percepção
pública da ciência e nos estudos feministas da ciência.
À Jocelyn Steinke, minha referência nos estudos de gênero e comunicação da
ciência, pelo acolhimento e apoio ao longo dos últimos dois anos da tese.
À Angela Calabrese Barton, por ter aberto as portas de seu grupo durante o
estágio na Universidade de Michigan. Ao grupo de pesquisa, em especial Wissam
Sedawi, Hyeri Mel Yang, Day Greenberg, Mez Perez, Francisco Parra Camacho, Mimi
Owusu, Jazz e Devon.
Aos amigos e amigas bolsistas Fulbright Brasil do ano 2020-2021, que ninguém
soltou a mão de ninguém, em meio às incertezas durante os dois anos de pandemia e
adiamentos, e por se tornarem uma importante comunidade de apoio. Aos colegas da
Fulbright da Universidade de Michigan, por estarem sempre dispostos a se reunir e
compartilhar momentos juntos. À Raquel Parrine, Marina Miranda Fiuza, Lais Petri,
Stefania Kerekes, Ana Luisa Guimarães, Tierney, Monique Weenstra e Annie Zirkel,
fundamentais na instalação, adaptação e vivência em Ann Arbor.
Ao amado NEDC puxadinho, Marina Ramalho, Carla Almeida, Renata
Fontanetto, Vanessa Brasil, Leticia Rumjanek, Luis Amorim, Catarina Chagas e
Rosicler Neves. Obrigada, Carla e Mari, por serem mentoras no meu caminho pela
divulgação científica. Obrigada, Rê, por dividir muitas reflexões e estar junto na
caminhada pelos estudos de gênero na divulgação científica. Obrigada, Cata, por me
ajudar a enxergar o desejo em trabalhar com mulheres e suas histórias, ao me convidar
para integrar sua equipe na produção de conteúdo para o Prêmio L´Oreal Para Mulheres
na Ciência. Agradeço ainda à Simone Evangelista, grande parceira neste trabalho.
Às amigas Camila Mudy, Mari, Alanna, Jade, Dani, e muitas outras que
compartilharam momentos e conversas ao longo desses anos, obrigada por se fazerem
presentes na vida e por reunirem mulheres incríveis ao seu redor.
À minha querida família, Lipe, Ju, Tom, mãe, Pedro, pai, Márcia e Carol, é um
privilégio ter vocês ao lado nessa caminhada e por serem essa amorosa rede de apoio
comigo e com nossas meninas. Obrigada, pai, por acolher minhas angústias acadêmicas.
Ao Henrique, meu maior companheiro.
Às minhas filhas Clarice e Bebel, por serem quem são e por eu ser quem sou por
ter vocês na vida.
8
Resumo
REZNIK, Gabriela. Pertencimento, inclusão e interseccionalidade: vivências de
jovens mulheres em projetos orientados por equidade de gênero na educação e
divulgação científica. Tese de Doutorado em Educação, Gestão e Difusão em
Biociências – Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2022.
9
Abstract
REZNIK, Gabriela. Belonging, inclusion and intersectionality: experiences of young
women in projects guided by gender equity in informal science education. Tese de
Doutorado em Educação, Gestão e Difusão em Biociências – Instituto de Bioquímica
Médica Leopoldo de Meis, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2022.
10
Lista de Figuras
FIGURA 1: PROPORÇÃO DAS MULHERES PESQUISADORAS NA AMÉRICA LATINA (FONTE: UNESCO, 2019). ...........................86
FIGURA 2: PARCELA DE ESTUDANTES DE AMBOS OS SEXOS MATRICULADOS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR, POR CAMPO DE ESTUDO,
MÉDIA MUNDIAL (FONTE: DECIFRANDO O CÓDIGO, UNESCO, 2018B, UIS 2014-2016). .......................................87
FIGURA 3: DIVULGAÇÃO DA CHAMADA Nº 31/2018 (FONTE: TWITTER DO CNPQ) .........................................................94
FIGURA 4: MARCO CONTEXTUAL DOS FATORES QUE INFLUENCIAM A PARTICIPAÇÃO, O DESEMPENHO E O AVANÇO DE MENINAS E
MULHERES NOS ESTUDOS DE STEM (FONTE: UNESCO, 2018). ..........................................................................100
FIGURA 5: MODELO TEÓRICO DE CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE CIENTÍFICA (KANG ET AL., 2019) .....................................105
FIGURA 6: PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA [FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA]....................................................111
FIGURA 7: MAPA COM A DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DAS ESCOLAS ENVOLVIDAS NO ESTUDO (TMC EM ROXO; MCE EM
VERMELHO; QUI EM VERDE; E MOI EM AZUL) (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). ..................................................138
FIGURA 8: DIMENSÕES ANALÍTICAS E PRINCIPAIS RESULTADOS [FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA]. ......................................160
Lista de Gráficos
GRÁFICO 1: DISTRIBUIÇÃO DE PARTICIPANTES POR PROJETO E POR ANO/SEGMENTO ESCOLAR (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA).
.................................................................................................................................................................139
GRÁFICO 2: DISTRIBUIÇÃO DE PARTICIPANTES POR AUTODECLARAÇÃO DE COR/RAÇA (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). .......139
GRÁFICO 3: GRAU DE INSTRUÇÃO DOS PAIS DAS RESPONDENTES (N=71), DISCRIMINADOS PELO GRAU DE INSTRUÇÃO DA MÃE
(EM LARANJA) E DO PAI (EM AZUL) (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). ..................................................................140
GRÁFICO 4: DISTRIBUIÇÃO DAS PREFERÊNCIAS DAS JOVENS POR ESCOLHA DE CARREIRA FUTURA (FONTE: ELABORAÇÃO
PRÓPRIA). ...................................................................................................................................................141
GRÁFICO 5: DISTRIBUIÇÃO POR ESTADOS DOS PROJETOS CONTEMPLADOS NAS CHAMADAS DO CNPQ MENINAS NAS CIÊNCIAS
EXATAS, ENGENHARIAS E COMPUTAÇÃO DE 2013 E 2018 (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). .................................143
GRÁFICO 6:DISTRIBUIÇÃO POR REGIÕES DO PAÍS DOS PROJETOS CONTEMPLADOS NAS CHAMADAS DO CNPQ MENINAS NAS
CIÊNCIAS EXATAS, ENGENHARIAS E COMPUTAÇÃO DE 2013 E 2018 (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). ...................144
GRÁFICO 7: DISTRIBUIÇÃO POR GÊNERO DA/O PROPONENTE NAS CHAMADAS DO CNPQ MENINAS NAS CIÊNCIAS EXATAS,
ENGENHARIAS E COMPUTAÇÃO DE 2013 E 2018 (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). .............................................145
GRÁFICO 8: CARACTERÍSTICAS ASSOCIADAS À FIGURA DE CIENTISTA A PARTIR DAS RESPOSTAS “PROVÁVEL” E “MUITO PROVÁVEL”
ÀS AFIRMAÇÕES CONTIDAS NO QUESTIONÁRIO (N=73) (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). .......................................205
GRÁFICO 9: CARACTERÍSTICAS ASSOCIADAS PELAS PARTICIPANTES A CIENTISTAS DE DIFERENTES ÁREAS DE CONHECIMENTO A
PARTIR DAS AFIRMAÇÕES DO QUESTIONÁRIO (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). .....................................................215
GRÁFICO 10: EXPECTATIVAS DAS PARTICIPANTES SOBRE GRAU DE DIFICULDADE OU FACILIDADE EM SEGUIR A CARREIRA DE
CIENTISTA (N=73) (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA)..........................................................................................216
GRÁFICO 11: EXPECTATIVA DAS PARTICIPANTES SOBRE GRAU DE DESEJO EM TRABALHAR COMO CIENTISTA (N=73) (FONTE:
ELABORAÇÃO PRÓPRIA). ...............................................................................................................................216
GRÁFICO 12: VISITAÇÃO A ESPAÇOS CIENTÍFICO CULTURAIS NOS DOZE MESES ANTERIORES À PESQUISA COM A FAMÍLIA (FONTE:
ELABORAÇÃO PRÓPRIA). ...............................................................................................................................217
GRÁFICO 13: PRINCIPAL MOTIVO DE NÃO VISITAÇÃO A MUSEUS E CENTROS DE CIÊNCIA (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). ....218
GRÁFICO 14: HÁBITOS DE CONSUMO INFORMATIVO SOBRE CIÊNCIA E TECNOLOGIA (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). .........218
GRÁFICO 15: MEIOS USADOS PARA ACESSAR INFORMAÇÕES SOBRE C&T (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). .......................219
11
Lista de Tabelas
TABELA 1: DESCRIÇÃO DOS PROJETOS INCLUÍDOS NO CORPUS DA PESQUISA NO QUE DIZ RESPEITO AO NOME DO PROJETO,
INSTITUIÇÃO COORDENADORA, ÁREA DE ATUAÇÃO DAS COORDENADORAS, OBJETIVO GERAL DO PROJETO, CONTEÚDO
ABORDADO NAS ATIVIDADES ENVOLVIDAS, PRINCIPAIS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS, FINANCIAMENTO E ANO DE INÍCIO DO
PROJETO (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). ......................................................................................................114
TABELA 2: DESCRIÇÃO DAS ENTREVISTADAS, COM RELAÇÃO À IDADE, RAÇA/ETNIA, RELIGIÃO, ANO E SEGMENTO ESCOLAR,
PROJETO E LOCAL DE MORADIA (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA).........................................................................128
TABELA 3: DESCRIÇÃO DOS GRUPOS FOCAIS RELATIVA AO PERFIL DE PARTICIPANTES E DURAÇÃO (FONTE: ELABORAÇÃO
PRÓPRIA). ...................................................................................................................................................130
TABELA 4: DISTRIBUIÇÃO DAS PARTICIPANTES QUE RESPONDERAM AOS QUESTIONÁRIOS POR PROJETO E POR ESCOLAS
ENVOLVIDAS (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). .................................................................................................137
TABELA 5: DESCRIÇÃO DOS PROJETOS CONTEMPLADOS NAS CHAMADAS DO CNPQ MENINAS NAS CIÊNCIAS EXATAS,
ENGENHARIAS E COMPUTAÇÃO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). ..........................148
Lista de Quadros
QUADRO 1: ATIVIDADES RECOMENDADAS NO ITEM 1.5.4 NA CHAMADA 31/2018 (FONTE: CHAMADA 31/2018). ............94
QUADRO 2: LISTAGEM DOS CÓDIGOS USADOS PARA ANÁLISE DAS ENTREVISTAS DAS ESTUDANTES DAS ESCOLAS DE ENSINO
FUNDAMENTAL E MÉDIO (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). ...............................................................................133
QUADRO 3: LISTAGEM DOS CÓDIGOS USADOS PARA ANÁLISE DOS GRUPOS FOCAIS COM AS ESTUDANTES DAS ESCOLAS DE
ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA).....................................................................135
QUADRO 4: PRINCIPAIS ESTRATÉGIAS ELABORADAS PELOS PROJETOS NA CONSTRUÇÃO DE PERTENCIMENTO E IDENTIDADE
CIENTÍFICA DAS JOVENS E ESTRATÉGIAS QUE PODEM SER INCORPORADAS (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). ...............180
Lista de Siglas
ACCHOs - Organizações de Saúde Controladas pela Comunidade Aborígene
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
EF - Ensino Fundamental
EM - Ensino Médio
IMPA - Instituto de Matemática Pura e Aplicada
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IFRJ - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro
MCTI - Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações
MCTIC - Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações
MCE - Meninas nas ciências exatas da Baixada Fluminense
MOI - Meninas Olímpicas do IMPA
NSF - National Science Foundation
OBMEP - Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas
II PNPM - II Plano de Políticas para as Mulheres
PMC - Programa Mulher e Ciência
PUC-Rio - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
QUI - Estudo estatístico da composição química do cabelo
SPM - Secretaria de Políticas para as Mulheres
STEM - Science, Technology, Engineering and Mathematics
TMC - Tem Menina no Circuito
UE - União Europeia
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Unirio - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
YESTEM - Youth Equity + STEM
12
Sumário
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................................... 16
DOS MEUS CAMINHOS ......................................................................................................................... 20
APRESENTAÇÃO DOS CAPÍTULOS ......................................................................................................... 24
13
4.5.2. Entrevistas .................................................................................................................. 124
Entrevistas com as coordenadoras ................................................................................................................... 125
Entrevistas com as jovens participantes ........................................................................................................... 126
4.5.3. Grupos focais .............................................................................................................. 129
4.5.4. Análise dos dados ....................................................................................................... 132
4.6. CARACTERIZAÇÃO DAS JOVENS PARTICIPANTES .................................................................... 136
4.6.1. Idade, raça/etnia e segmento escolar........................................................................... 137
4.6.2. Interessadas nas exatas ............................................................................................... 139
4.6.3. Profissão e grau de instrução dos pais ........................................................................ 140
4.6.4. Universidade como desejo ........................................................................................... 140
14
6.2.3.5. Metodologias de ensino aprendizagem ativas e de experimentação ........................................... 192
6.2.4. Dimensão social .......................................................................................................... 196
6.2.4.1. Tempo, rotina e trabalho doméstico no cotidiano das jovens ..................................................... 196
6.2.4.2. Vivências cotidianas de discriminação de gênero, raça, classe e território ................................ 198
15
Introdução
16
preparatório e não foi ouvida. Em seu lugar, o professor privilegiava a fala dos meninos.
A jovem descreve a situação das mulheres na ciência não como uma questão de falta de
interesse, mas de falta de incentivo: “não é uma questão de interesse pelas áreas de
exatas, é uma questão de não serem incentivadas. Com esse projeto, a gente está sendo
incentivada sim”, afirma.
As três histórias não são casos isolados: é notável a forma como jovens
mulheres, maioria negra, estudantes de escola pública e moradoras de regiões de
vulnerabilidade social, descreveram a construção de um senso de pertencimento aos
espaços acadêmicos, ao vivenciarem projetos centrados em equidade de gênero na
educação em ciências exatas. As jovens integram o corpus de análise desta pesquisa por
participarem, cada qual, de um dos quatro projetos analisados e localizados no estado do
Rio de Janeiro, contemplados nas chamadas pública do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) “Meninas nas Ciências Exatas,
Engenharias e Computação”, lançadas em 2013 e em 2018.
Ainda que, nas últimas décadas, haja um cenário de maior participação feminina
nas carreiras científicas, as mulheres continuam sub-representadas nas áreas de ciências
exatas, tecnologias e engenharias. São muitos fatores que afetam a participação das
mulheres nas ciências – desde a construção de estereótipos de gênero na infância (Bian
et al., 2017) até o impacto da maternidade (Machado et al., 2019), práticas
discriminatórias (Mitchell & Martin, 2018) e de viés implícito (Moss-Racusin et al.,
2012; Calaza et al., 2021) que dificultam a entrada, permanência e ascensão das
mulheres na carreira científica. Os fatores que influenciam a construção de identidades
nas ciências, tecnologias, engenharias e matemáticas3 perpassam o âmbito individual,
como interesse, motivação, autopercepção e autoeficácia; os âmbitos familiar e de
pares, como a influência das crenças e expectativas dos pais, o grau de instrução dos
pais, e a motivação das pares; âmbito escolar, como a relação com docentes, a
diversidade e representatividade de gênero e raça, o ambiente e as metodologias de
ensino aprendizagem, os recursos para experimentação, contato com espaços científico
culturais, e o âmbito social, que diz respeito às normas culturais e sociais de gênero e as
representações de ciência e da figura de cientista nas mídias e nas artes (ver Unesco,
2018).
3 Usualmente juntas no termo em inglês STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics).
17
A inclusão e a diversidade são importantes por permitir que diversos grupos
sejam representados, assim como a variedade de pontos de vista e de repertórios
permitem alcançar resoluções e inovações que beneficiem um número maior e mais
diverso de pessoas. Engajar-se neste tema de pesquisa diz respeito tanto a uma questão
de justiça social quanto de visibilizar a importância da diversidade nos espaços
acadêmicos.
Na última década, no Brasil, cresceu o número de iniciativas e políticas
orientadas por equidade de gênero na educação em ciências, tecnologias, engenharias e
matemática (STEM, na sigla em inglês) (Lima, 2017; Oliveira; Unbehaum; Gava,
2019), apesar de que, desde 2016, estejamos enfrentando um cenário político
conservador de descontinuidade de políticas de gênero (Sígolo; Gava; Unbehaum, 2021)
e de políticas na área de divulgação científica. Com maior enfoque no Ensino
Fundamental e Médio, uma iniciativa importante foi a chamada pública do CNPq que
busca incentivar jovens a se interessarem e ingressarem nas áreas de exatas, engenharias
e computação, lançada em 2013, contemplando 325 projetos a nível nacional, e
reeditada em 2018, com 78 projetos aprovados. Em 2018, o estado do Rio de Janeiro foi
o segundo maior estado contemplado, com dez projetos em curso ao longo de 2019 e
2020.
Esta tese se insere no campo dos Estudos de Gênero, Ciências e Tecnologias,
também designado como Estudos Feministas da Ciência ou Estudos de Gênero e
Ciência. Iremos dialogar com três vertentes do campo, descritas por Lopes e
colaboradores (2014), que discutem carreiras e políticas científicas, educação em
ciências e divulgação científica e mídia (no que tange as percepções sobre ciência e
cientistas). Entendemos, nesta pesquisa, que gênero e sexo são categorias socialmente
construídas, e que não é possível se referir à mulher como uma categoria única, mas sim
às mulheres e aos feminismos, em suas mais diversas vertentes, localizadas em
contextos e espaços particulares. Irei, portanto, me referir aos feminismos, em sua
pluralidade e diversidade, como movimentos relativos às reflexões e ações orientadas a
acabar com a subordinação, desigualdade e opressão sexista. A produção teórica que se
desenvolve dentro de um contexto feminista tem como característica ser comprometida
com uma ação política, não apenas como um conhecimento abstrato, mas que tem como
norte a prática política feminista (Facio & Fries, 1999). Iremos discutir as vivências das
jovens a partir de marcadores interseccionais, compreendendo gênero não como uma
18
categoria isolada, mas inserida em condições estruturantes da sociedade, que envolvem
hierarquias de poder, de raça, classe, território, sexualidade e demais interseções.
A necessidade de uma abordagem feminista na divulgação científica surge à
medida que a área se desenvolve enquanto campo de prática e de pesquisa a fim de
visibilizar as questões de equidade, diversidade e inclusão, incluindo os marcadores de
raça, poder, classe e gênero (Lewenstein, 2019). A contribuição de uma perspectiva
feminista interseccional estimula a importância da posicionalidade enquanto
pesquisadoras/es, comunicadoras/es e educadoras/es. Quando explicitamos nossas
perspectivas, demarcando o lugar pelo qual falamos, permitimos que se visibilize as
perspectivas dominantes (e não dominantes) que moldam os discursos em torno da
ciência (Haraway, 1995; Halpern, 2019). Ao pensar no papel da divulgação científica,
seja no âmbito da prática ou da pesquisa, a reflexão sobre inclusão e equidade de gênero
se coloca desde a formação de uma equipe mais diversa até ter como norte a
importância de espaços que levem em conta as diferenças. Assim, além da importância
de criação de espaços seguros e acolhedores, as experiências, vivências e
conhecimentos de diferentes públicos devem ser validados e reconhecidos. Como as
práticas de educação e divulgação científica podem influenciar no senso de
pertencimento de meninas e demais grupos minoritários ao espaço científico, de forma a
não reproduzir normas sociais e culturais de gênero, raça, sexualidade e assimetrias de
poder que constringem suas possibilidades de futuro? Compreender os múltiplos fatores
que afetam a participação das mulheres nas ciências pode ajudar a construir caminhos
para uma educação e divulgação científica que busque levar em conta essas inequidades
históricas.
Neste âmbito, esta pesquisa busca compreender as percepções, motivações e
vivências de jovens mulheres em projetos orientados por equidade de gênero na
educação em STEM, desenvolvidos em escolas públicas do estado do Rio de Janeiro.
As perguntas que nortearam este trabalho foram: (i) Quais as motivações e interesses de
jovens para participarem de projetos nas áreas de ciências exatas?; (ii) Quais as
percepções das jovens sobre a figura de cientista e da prática científica?; (iii) Quais as
motivações e percepções das coordenadoras sobre a importância dos projetos?; (iv)
Qual a rotina dessas jovens e sua vivência cotidiana na discussão sobre feminismos e
em episódios de discriminação de gênero e raça?; e (v) De que forma a vivência nos
projetos influenciou na autopercepção das jovens sobre pertencimento nas áreas
científicas?.
19
Como percurso metodológico, sumariamente: (i) mapeamos os projetos
contemplados nas chamadas públicas “MCTI/CNPq/SPM-PR/Petrobras nº 18/2013
Meninas e Jovens Fazendo Ciências Exatas, Engenharias e Computação” e
“CNPq/MCTIC nº 31/2018 Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação”,
no contexto do estado do Rio de Janeiro; (ii) selecionamos quatro projetos para análise;
(iii) realizamos entrevistas com coordenadoras dos projetos; (iv) aplicamos
questionários e realizamos entrevistas com as participantes em momentos iniciais dos
projetos; e (v) realizamos grupos focais em momento final dos projetos.
20
Vida/Fiocruz (atualmente intitulado Divulgação e Popularização da Ciência), sob a
orientação de Luisa Massarani e coorientação de Marina Ramalho, realizado no ano
seguinte. Este estudo mostrou uma expectativa positiva das participantes sobre o
ingresso na carreira científica, ainda que as motivações das participantes na ciência
estivessem, principalmente, nas ciências da saúde e ciências biológicas – áreas em que
já há predominância de cientistas mulheres (Reznik et al., 2017). Coincidentemente,
para esta tese, ao estudar os objetivos do Programa Mulher e Ciência (PMC) do CNPq,
um deles versa sobre a importância de promover a transversalização de gênero para
áreas onde não havia acúmulo dessa discussão, de forma a promover uma ampliação da
discussão feminista e das relações de gênero, bem como a incorporação de mais
pesquisadoras/es à temática (Lima, 2017). Esta pesquisa de doutorado é, de certa forma,
fruto do trabalho de transversalização da temática promovido pelo PMC.
Minha identificação com o feminismo surgiu a partir da maternidade, em 2014.
Atribuo isso ao encontro com outras mulheres em um processo de se rever, de se apoiar
e de me envolver em movimentos feministas. Reconhecendo meu privilégio como
mulher branca e de classe média, foi apenas ao me tornar mãe, que comecei a olhar de
outra forma para as relações de gênero e para suas desigualdades e assimetrias de poder.
É a partir deste primeiro contato com as reflexões sobre gênero e ciência – e das
novas relações que emergiram com a maternidade – que mantive um olhar sensível para
as questões de gênero durante a pesquisa de mestrado no programa de pós-graduação
em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia (HCTE) da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, orientada por Ildeu de Castro Moreira e co-orientada por
Massarani. Ao analisar a imagem da ciência e de cientistas em filmes de animação no
acervo do Festival Anima Mundi, me detive também sobre as imagens das mulheres
cientistas nos filmes de animação. Observamos que havia uma invisibilidade da mulher
cientista, presente em apenas 10% dos filmes analisados, porém identificamos uma
reconfiguração do estereótipo em filmes nos quais a mulher se posicionava em lugar de
conquista de espaço e visibilidade (Reznik et al., 2019; Reznik & Massarani, 2019).
A partir de 2017, atuei, de forma pontual, na equipe coordenada por Catarina
Chagas de produção do material de comunicação e de divulgação do Prêmio L´Óreal
Para Mulheres na Ciência, promovido pela L´Óreal Brasil, em parceria com a Unesco e
a Academia Brasileira de Ciências. O contato com as ganhadoras do prêmio e suas
trajetórias, assim como observar a forma como muitas passaram a se envolver nas
21
discussões sobre mulheres nas ciências após receberem o prêmio foram importantes
para amadurecer o interesse nesta temática.
Passei ainda a integrar o movimento “Parent in Science”, o “Grupo de Trabalho
de Parentalidade e Equidade de Gênero da UFRJ” e o projeto de extensão “Mães na
Universidade: acesso, permanência e progressão”. Foram encontros potentes, em que
me vi não apenas inserida em uma rede de troca e de apoio entre mulheres mães no
espaço acadêmico, mas de construção de políticas públicas e ações que ressoam na vida
de dezenas de mulheres no âmbito acadêmico, apontando para uma universidade mais
inclusiva, equânime e diversa.
No doutorado, comecei a minha investigação partindo da perspectiva das
epistemologias feministas norte-americanas – a partir de autoras como Evelyn Fox
Keller (1978), Londa Schiebinger (2001) e Donna Haraway (1995) –, críticas à noção
de ciência neutra, universal, objetiva e masculina, que ganharam força e densidade
teórica a partir da década de 1970, em consonância com a segunda onda do movimento
feminista e dos estudos sociais da ciência.
Em paralelo, me interessava entender a construção do imaginário científico e os
estereótipos que cercam a figura da/o cientista. A imagem do cientista como homem,
branco, de meia idade, com inteligência acima da média e isolado socialmente está
fortemente presente na percepção pública e é um dos múltiplos fatores que afasta as
mulheres de desejarem se tornar pesquisadoras e ingressarem nas carreiras científicas.
Com a emergência de projetos que visam estimular meninas a ingressarem nas carreiras
científicas, particularmente nos campos de ciências exatas, historicamente masculinos e
excludentes, me questionei se estes projetos olhavam para as questões da produção de
conhecimento na perspectiva dos estudos feministas.
Seria possível se engajar em prol de uma maior inserção das mulheres na ciência
a partir de uma perspectiva de romper com estruturas dominantes e de poder dentro da
cultura científica? Como essa inserção se constrói a partir de “lugares de resistência e
possibilidade” (Kilomba, 2020, p.68)? Será que as/os coordenadoras/es dos projetos
estariam munidas/os destas discussões quando aplicaram para os editais? Que
percepções de ciência e de cientista tem as jovens que se interessaram a participar dos
projetos? Elas se sentem pertencentes a este espaço? Participar dos projetos
influenciaria estas jovens a se sentirem pertencentes a este espaço?
No processo de aprofundamento do tema, conversei com coordenadoras de
projetos sobre meninas nas ciências que estavam em curso – como, por exemplo,
22
“Meninas no Mast”, do Museu de Astronomia e Ciências Afins; “Meninas com
Ciência”, do Museu Nacional/UFRJ; “Mergulho na ciência”, da Universidade de São
Paulo; “Ciclo Meninas na Ciência”, da Casa da Descoberta/UFF; “Include Meninas”, do
Departamento de Computação/UFF; “Tem Menina no Circuito”, do Departamento de
Física da UFRJ e “Meninas nas Exatas”, do Museu Ciência e Vida em parceria com
UFRJ campus Xerém – e estabeleci a colaboração de pesquisa com quatro projetos.
Após desenvolver o desenho da pesquisa e as metodologias de análise, passei a
frequentar pontualmente os encontros dos grupos, entrevistar as participantes e
coordenadoras. Meu percurso de pesquisa me levou a pensar os fatores que
influenciavam aquelas jovens a construírem identidades positivas com as áreas de
ciências exatas, levando em conta as especificidades das atividades de cada um dos
projetos. Foi notável que, ao longo do ano, as jovens vindas de diferentes escolas e
segmentos escolares, formaram grupos coesos dentro dos projetos. Além disso, me
chamou a atenção as normas sociais de gênero que emergiam das histórias de vida das
jovens, quando entrevistadas individualmente e relatos de discriminação a partir de
marcadores interseccionais de gênero, raça, classe e território.
Ao longo das entrevistas com as coordenadoras e ao ver a potência das falas das
jovens envolvidas sobre a importância destas iniciativas em construir um senso de
pertencimento ao espaço acadêmico, fomos construindo – eu e as coordenadoras dos
projetos – um espaço de troca e de diálogo. Quando, em março de 2020, algumas de nós
nos reunimos no I Simpósio Mulheres em STEM, realizado no Instituto Tecnológico da
Aeronáutica, em São José dos Campos, começamos a desenvolver o embrião de uma
rede de projetos para meninas em STEM no Rio de Janeiro. Realizamos encontros
semanais/quinzenais de apresentação de projetos e discussão de desafios, de forma
remota, por meio da plataforma do Skype, de março a julho de 2020.
Apontamos para a importância de criação de redes a fim de realizar encontros a
nível estadual que reúnam pesquisadoras e demais pessoas envolvidas em projetos para
meninas em STEM para troca de experiências a partir de um contexto de diversidade de
abordagens, consolidação de repositório de materiais produzidos que possam ser
compartilhados e replicados, mapeamento dos principais desafios encontrados,
fortalecimento de iniciativas na temática e possibilidades de ampliação das políticas de
financiamento e continuidade de projetos.
A importância da formação de redes e parcerias vem sendo apontadas na
avaliação de políticas de gênero, fortalecendo a necessidade de um fluxo contínuo de
23
editais para financiamento dos projetos (Unbehaum & Gava; 2017; Queiroz, 2018). Esta
troca resultou no livro Exatas é com elas: tecendo redes no estado do Rio de Janeiro,
organizado por Dahmouche (2022), em elaboração, no qual assino um dos capítulos, e
que é formado pela experiência e reflexões das coordenadoras dos projetos do Rio de
Janeiro.
De agosto de 2021 a fevereiro de 2022, em momento de finalização da tese, tive
a oportunidade de realizar um doutorado sanduiche na Universidade de Michigan, em
Ann Arbor, nos Estados Unidos, por meio de bolsa concedida pela Fulbright Brasil, no
grupo da pesquisadora Angela Calabrese Barton. Nesta experiência, integrei a equipe do
projeto Youth Equity+STEM (YESTEM), uma parceria entre pesquisadoras dos
Estados Unidos e da Inglaterra, coliderada por Calabrese Barton e por Louise Archer.
A imersão em comunidades de pesquisa e prática orientadas por conceitos de
equidade, inclusão e justiça social foram importantes para discutir as percepções das
jovens e das coordenadoras dos projetos, entendendo que estas iniciativas estão
formando o que chamamos de “contra-espaços” (Solorzano; Ceja; Yosso, 2000; Ong;
Smith; Ko, 2018), e que dialogam com o campo emergente da comunicação da ciência
inclusiva (Canfield et al., 2020). Alinhavando a noção de “contra-espaço” com
conceitos da teoria do ponto de vista, da teoria feminista interseccional e decolonial,
nesses contra-espaços, as mulheres que estão à margem encontram espaços de
resistência e de possibilidades, a partir da posição única que ocupam (Lugones, 2019;
Kilomba, 2020). É na criação de contra-espaços em que jovens mulheres de grupos não-
dominantes, ao se sentirem pertencentes e incluídas, podem reivindicar sua presença
legítima a partir de uma posição interseccional (Avraamidou, 2000; Calabrese Barton et
al., 2020).
Esta tese está organizada em sete capítulos, além desta Introdução e das
Considerações finais. A seguir, descreveremos brevemente a organização dos capítulos.
No capítulo “Gênero, feminismos e ciência”, partimos dos conceitos de gênero,
divisão sexual do trabalho, feminismos e a articulação da diferença, discutindo a
importância de um olhar interseccional como ferramenta analítica para aprofundar a
interpretação das percepções articuladas nas entrevistas e grupos focais que compõem o
24
corpus desta pesquisa. Após as conceituações iniciais, contextualizamos a formação do
campo de Estudos de Gênero e Ciência – também chamado de Estudos de Gênero,
Ciências e Tecnologias ou de Estudos Feministas da Ciência – e a crítica feminista à
ciência.
No capítulo “Equidade e inclusão na divulgação científica”, discutiremos
sobre as contribuições do campo de pesquisas em divulgação científica em prol da
construção de sentido em torno de uma ciência mais inclusiva, diversa e equitativa.
Dialogaremos sobre equidade no contexto da educação não formal, sobre divulgação
científica inclusiva e as produções que versam sobre gênero e divulgação científica, as
quais discutem aspectos sobre representações estereotipadas da figura de cientista nas
mídias e nas artes, os surveys de percepção pública da ciência, as percepções de gênero
e ciência na esfera pública e aspectos sobre quem está (ou não está) autorizado a falar
sobre ciência.
No capítulo “Meninas nas STEM: políticas nacionais, representatividade,
pertencimento e identidade”, discutiremos o panorama brasileiro e mundial da
inserção das mulheres nas ciências, particularmente nas áreas de ciências exatas, e as
políticas e iniciativas brasileiras nas últimas duas décadas que buscaram incentivar
jovens a se interessarem por essas áreas. Na segunda parte do capítulo, discutiremos
sobre fatores que afetam a participação de meninas e mulheres nas ciências, a partir do
referencial teórico da educação em STEM, destacando as pesquisas que tangem sobre
representatividade, pertencimento e identidade científica.
No capítulo “Abordagem metodológica”, apresentaremos o percurso
metodológico usado para mapear os projetos, para compor o corpus de análise da
pesquisa, para compreender as motivações e percepções das jovens participantes e das
coordenadoras. Para tal, descreveremos os objetivos centrais da tese, a metodologia de
mapeamento dos projetos, os critérios de seleção dos projetos, a metodologia de
aplicação dos questionários, de realização das entrevistas e dos grupos focais.
Descreveremos os objetivos relativos à escolha deste percurso metodológico e as
metodologias de análise dos dados coletados. Iremos ainda introduzir brevemente os
projetos, seus objetivos e as atividades realizadas, e apresentar o perfil das jovens
entrevistadas.
No capítulo “Mapeamento e importância das políticas orientadas por
equidade de gênero na educação em STEM”, analisaremos a capilaridade dos
projetos contemplados no território nacional, por meio da distribuição dos projetos por
25
região e por estados brasileiros; a proporção de homens e mulheres na liderança dos
projetos em nível nacional, por meio da análise comparativa de gênero das/os
proponentes nas chamadas de 2013 e de 2018. Em seguida, focaremos nos dados do
estado do Rio de Janeiro, em que identificaremos os projetos contemplados, no que diz
respeito ao nome do projeto, instituição coordenadora e financiamento; analisaremos a
abrangência temática dos projetos contemplados, por meio da análise das principais
áreas de conhecimento abordadas; identificaremos o período de criação e duração dos
projetos e identificaremos os artigos científicos publicados em periódicos revisados por
pares resultantes dos projetos. Na segunda parte, analisaremos as percepções sobre a
importância dos projetos, a partir das narrativas das cinco coordenadoras entrevistadas,
as quais foram categorizadas em quatro dimensões: dimensão social referente às jovens
participantes, dimensão formativa referente às graduandas, dimensão formativa
referente às coordenadoras propriamente ditas, e dimensão pessoal.
No capítulo “Motivação, interesses e vivências nos projetos: pertencimento e
interseccionalidade”, discutiremos as motivações e vivências das jovens nos projetos a
partir das dimensões individual, familiar, escolar, do projeto propriamente dito e social.
Categorizamos a vivência das jovens em sua dimensão individual no que se refere às
motivações, aos interesses, à identidade científica e à perspectiva de carreira futura;
dimensão familiar, referente ao incentivo e reconhecimento de familiares, e crenças e
expectativas dos pais baseadas em normas sociais e culturais dominantes; dimensão
escolar, referente ao reconhecimento da comunidade escolar, melhora no desempenho
escolar, e intervenção nos espaços escolares; dimensão do projeto, sobre
representatividade de gênero, raça e território, desenvolvimento de autoestima e
autoconfiança, formação de senso de pertencimento ao grupo e ao espaço universitário,
e metodologias de ensino aprendizagem experimentais; e dimensão social, com
narrativas sobre trabalho doméstico no cotidiano das jovens, e vivências de
discriminação de gênero, raça, classe e território.
No capítulo “Estereótipos de cientistas e hábitos de consumo de informação
sobre ciência e tecnologia”, analisaremos como as jovens construíram sentido sobre a
figura de cientista. Para analisar as percepções das participantes sobre os estereótipos de
cientistas, analisamos as respostas aos questionários e as narrativas trazidas durante as
entrevistas e grupos focais. Sugerimos que as jovens trouxeram uma percepção
estereotipada da figura de cientista – ainda que tivessem elementos como colaboração e
sociabilidade –, que, nos grupos focais, foi ressignificada, atribuindo características
26
como paixão e interesse. Discutimos as percepções iniciais das jovens sobre cientistas
de áreas distintas, as expectativas sobre o grau de dificuldade ou de facilidade para
seguir a carreira e o desejo de se tornarem (ou não) cientistas. Na segunda parte do
capítulo, discutimos a frequência de visitação à espaços científicos culturais e hábitos de
consumo informativo sobre ciência e tecnologia. Ao final, analisamos as falas das
participantes sobre as percepções acerca de mulheres nas ciências, e suas visões sobre
movimentos feministas dentro deste contexto.
Nas “Considerações finais”, descreveremos o que aprendemos ao longo dessa
pesquisa, suas limitações e desdobramentos futuros. Sugerimos que os projetos se
transformam em “contra-espaços”, analisamos as noções de diversidade e
representatividade, e discutimos o senso de pertencimento e identidade a partir de um
olhar interseccional. Além disso, buscamos propor aproximações e afastamentos das
estratégias usadas nos projetos, a partir das narrativas das jovens, no que se referem aos
modelos de equidade, inclusão e justiça social na educação não formal e ao modelo de
divulgação científica inclusiva.
Boa leitura!
27
1. Gênero, feminismos e ciência
Não existem discursos neutros. Quando as/os acadêmicos/as brancos/as afirmam ter um
discurso neutro e objetivo, eles/as não estão reconhecendo que também escrevem a partir de um
lugar específico, que, naturalmente, não é neutro nem objetivo, tampouco universal, mas
dominante. Eles/as escrevem a partir de um lugar de poder.
Grada Kilomba, 2016, p.17
28
pertencem a grupos marginalizados estão situados de forma a permitir que vejam mais
do que aqueles que não o são; e (iii) que as perspectivas parciais exigem que sejamos
mais, em vez de menos, responsáveis por nosso conhecimento, rejeitando as divisões
binárias entre mente/corpo, sujeito/objeto e natureza/cultura.
Para exemplificar a demarcada relação existente entre sexismo e ciência, uma
história não tão conhecida do cientista inglês Charles Darwin (1809-1882) são as cartas
que trocou com a educadora e reformista social norte-americana Caroline Augusta
Kennard. Ela teve conhecimento de que um dos embasamentos científicos para a
alegação da suposta inferioridade da mulher com relação ao homem vinha dos escritos
do naturalista britânico. Indignada e descrente, escreveu a ele pedindo que reparasse tal
equívoco. Em resposta, Darwin a surpreendeu quando reforçou sua opinião:
“Certamente acredito que as mulheres, conquanto, em geral, superiores aos homens
[em] qualidades morais, são inferiores em termos intelectuais” (Saini, 2018, p. 39),
reiterando os argumentos publicados em 1871, em “A Descendência do Homem e
Seleção em Relação ao Sexo”.
Ainda que suas formulações sobre hereditariedade e ancestralidade tenham sido
disruptivas com a visão vigente de origem da vida e constituam importante contribuição
para o entendimento da evolução na Terra, o pensamento sexista de Darwin estruturou
sua produção científica, exemplificando como a construção de conhecimentos
científicos se estabelecem a partir dos valores e interesses dos sujeitos que a produzem e
não apesar deles. São justamente as relações desiguais e hierárquicas de poder que se
apresentam dentro do campo científico, e a pretensa universalidade e neutralidade dos
saberes – ao representarem uma visão androcêntrica e do Norte global – que serão tema
de investigação dessas pesquisadoras e irão constituir referencial teórico para a análise
que me proponho nesse trabalho.
Caso ainda mais emblemático foi o contexto da introdução do termo
“Mammalia”, em 1758, na taxonomia zoológica por Carlos Lineu (1707-1778) para
distinguir o grupo de animais que abrangia humanos, chimpanzés, morcegos e demais
organismos que possuem pelos, três ossos no ouvido e um coração de quatro câmaras.
Os motivos da escolha das mamas ao invés das características citadas acima carregavam
um caráter político, como detalhou a bióloga e historiadora da ciência Londa
Schiebinger (1998), ao narrar as origens e consequências sociais da escolha de Lineu. O
taxonomista era ativista na campanha contra a instituição das amas-de-leite, em um
momento que se desejava reforçar o papel doméstico e manter as mulheres no espaço
29
privado da casa e do trabalho reprodutivo. Além disso, embasava o debate na intenção
de diminuir as taxas de mortalidade infantil, atribuídas, muitas vezes de forma
preconceituosa, ao ambiente propiciado pelo envio das crianças para amas-de-leite, que,
na concepção de Lineu e do grupo ao qual pertencia, “por virem de classes mais pobres,
ingeriam comida gordurosa, bebiam álcool, tinham doenças de pele e doenças venéreas
– o que produzia um leite insalubre, quando não letal” (Schiebinger, 1998, p. 236).
Havia ainda um esforço de legitimar o quão “natural” era para o sexo feminino,
seja humano ou animal, amamentar e cuidar de suas próprias crias, reforçando o papel
da mulher como responsável pelo trabalho reprodutivo. A autora afirma que “o termo
‘Mammalia’ foi a única das grandes divisões zoológicas a centrar-se em órgãos
reprodutivos, e o único termo que destacou uma característica associada principalmente
à fêmea” (Schiebinger, 1998, p. 221). Enquanto as mamas lactantes ligariam os
humanos aos demais animais de seu grupo, a característica que os distinguiria entre si
seria elencada a partir de um atributo tradicionalmente masculino: a razão – ao criar a
nomenclatura homo sapiens. A história do termo ilustra que as escolhas dentro do
campo científico não são neutras e aponta como, no interior da ciência e de seus
critérios de objetividade, existem interesses sociais e visões sexistas, como discutido por
Sandra Harding (2007): “opiniões sexistas e racistas não são invenções de indivíduos ou
grupos de pesquisa; são suposições amplamente sustentadas por instituições e pela
sociedade como um todo” (Harding, 2007, p.165).
Como visto nos exemplos narrados, a estreita relação entre sexismo e ciência foi
sistematizada pelas teóricas feministas a partir da década de 1970, que se debruçaram
sobre diversas questões a respeito das relações sociais de gênero e a produção de
conhecimento científico (ver Keller, 1985; Harding, 1993; Haraway, 1995; Schiebinger,
2001; Harding, 2007). Suas contribuições vão além de visibilizar o lugar das mulheres –
e suas interseções interpeladas por diversos marcadores sociais da diferença –, mas na
crítica à própria forma de construção do conhecimento científico. A física e historiadora
da ciência Evelyn Fox Keller (1985) inaugurou a discussão argumentando que não é
possível entender o desenvolvimento da ciência moderna sem atentar para o papel que
as metáforas de gênero desempenharam na formação dos valores e objetivos
incorporados na empreitada científica, como a metáfora central de Francis Bacon (1561-
1626) da “ciência como poder, uma força viril o suficiente para penetrar e subjugar a
natureza” (Keller, 1985, p. 48). Schiebinger, no livro O feminismo mudou a ciência?
(2001) exemplificou ainda como determinadas características marcadoras da
30
masculinidade, como a barba, serviram para delinear não apenas homens e mulheres no
século 18 como possíveis sujeitos do conhecimento, mas também os distinguir
racialmente.
31
experiências das mulheres, em suas diferenças, fossem tomadas como base para a
construção de conhecimento científico. A filósofa e educadora afro-caribenha Yuderkys
Espinosa Miñoso (2020) argumentou que as feministas brancas focaram sua crítica ao
androcentrismo e à pretensa objetividade da ciência, enquanto as feministas negras e de
cor apontaram como a teoria feminista clássica e o pretenso universalismo da categoria
mulher seriam também perspectivas de um ponto de vista formulado a partir de
mulheres em posição privilegiada de classe e raça.
32
muitos dos quais emergiram como referenciais importantes após as análises inicial das
entrevistas com as sujeitas da pesquisa.
33
formação primeiramente no campo das ciências naturais e desenvolverem uma crítica a
partir de suas experiências pessoais como cientistas de bancada de laboratório.
Na linha “mulher e ciência”, diversos trabalhos apontaram para a invisibilidade e
deslegitimização das mulheres nas ciências, assim como um esforço de resgate por
recuperar a trajetória e os saberes de mulheres ignoradas pelas histórias convencionais
da ciência, que tiveram seus trabalhos creditados a outros ou categorizados como não-
ciência. Schiebinger (2001) realizou um apanhado das primeiras publicações e
conferências que se destinavam a resgatar as realizações de mulheres na história da
ciência. Destacar mulheres reconhecidas e recuperar biografias – como de Marie Curie,
Rosalind Franklin e Sophie Germaine – faz parte ainda da corrente chamada de história
compensatória, que busca mostrar como, apesar dos desafios, as mulheres conseguiram
avançar como produtoras de conhecimento.
A história das mulheres nas ciências, no entanto, não foi um percurso linear de
progressão, mas sim de avanços e recuos. A institucionalização da ciência nas
universidades impôs barreiras de entrada às mulheres, que só foram aceitas amplamente
– as mulheres brancas – a partir de 1837, no contexto das universidades americanas.
Schiebinger (2001) descreveu ironicamente que, na Royal Society, desde sua fundação
em 1660 até 1945, o único membro permanente do sexo feminino foi um esqueleto em
sua coleção anatômica. Schiebinger (2008), por sua vez, ao analisar o contexto
americano estabeleceu três níveis distintos de análise: a participação das mulheres na
ciência; o gênero nas culturas da ciência; e o gênero nos resultados da ciência. O
primeiro nível diz respeito à crescente participação das mulheres, com foco na história e
na sociologia do engajamento das mulheres nas instituições científicas. No segundo
nível, a autora ressaltou a dimensão de como as relações de gênero sustentaram
determinadas suposições e valores nas culturas das ciências. Na terceira dimensão,
debruçou-se sobre como os preconceitos de gênero impactaram o próprio conteúdo das
disciplinas científicas.
A geóloga e historiadora da ciência brasileira Maria Margaret Lopes (2006), ao
tratar dos estudos de gênero e ciência a partir da ótica da história das ciências, discorreu
sobre a crescente discussão e o aprofundamento teórico que aconteceram nas últimas
décadas em torno da sub-representação das mulheres, de sua exclusão das práticas e das
instituições científicas, focando também no papel que a representação do saber
científico desempenha na construção do conceito do que é natural/natureza e do que é
cultural/social. Após a expansão do espectro de pesquisas e da incorporação de diversas
34
vertentes, Lopes e colaboradores (2014) sistematizaram o campo como Estudos de
Gênero, Ciências e Tecnologias, categorizando as vertentes em: Trajetórias/História de
Mulheres em Ciência e Tecnologia; Carreiras de Mulheres em C&T e Política Científica
e Tecnológica; Epistemologia/Teorias de gênero e C&T; Construções
Científicas/Tecnológicas de Gênero em Saúde, Medicina e Biotecnologia; Educação e
GC&T; Divulgação Científica e Mídia: Imagens de Gênero e C&T; TICs e usos da
C&T; e Recursos Naturais, Desenvolvimento e Saberes Populares.
Uma das importantes contribuições das epistemólogas feministas da ciência foi a
proposição de uma metodologia que promovesse um outro tipo de objetividade, que
tivesse critérios melhores e mais fortes para reduzir a incorporação de preconceitos
sexistas e vieses androcêntricos nas pesquisas, a partir da teoria do ponto de vista. Nesta
proposta de objetividade, a produção científica não partiria de um ideal abstrato, mas se
iniciaria de um reconhecimento de contextos e práticas a partir do olhar dos grupos
oprimidos. Para Harding (2019), o principal problema da suposta neutralidade da
ciência nas práticas convencionais seria a homogeneidade das comunidades científicas,
compostas majoritariamente pela presença masculina, e treinadas a partir de técnicas
específicas de cada disciplina: “tais comunidades atraem e admitem apenas cidadãos de
um conjunto específico de valores e interesses sociais da elite e os treina para práticas
de pesquisa que levam adiante tais valores e interesses específicos” (Harding, 2019, p.
146).
Ao propor o conceito de ‘objetividade forte’, Harding (2019) argumenta que
historicamente não há consenso para o termo objetividade. Na ciência moderna, a
objetividade vem sendo vinculada à noção de neutralidade de valores, isto é, à
suposição de que uma ciência quantitativa, baseada em medições ‘exatas’, poderia
isentar o conhecimento produzido do olhar dos sujeitos que o produzem. Outra
concepção de objetividade, a partir da noção de “ciência normal” de Thomas Kuhn
(1962), é compreendida a partir dos princípios que se estabelecem no interior de
comunidades científicas, nas quais estudantes de níveis iniciais seriam encorajados/as a
sustentar posições e argumentos desenvolvidos por chefes de laboratório, produzindo
fatos ditos objetivos, que refletiriam interesses dominantes. Vale notar que os ideais de
objetividade se modificaram em resposta às transformações nos métodos e objetivos das
pesquisas, assim como a partir de processos e interesses sociais, como por exemplo na
introdução de novas tecnologias de observação e instrumentos científicos. Como
afirmou Harding (2019, p. 158), “a objetividade se torna mais uma das características
35
dos ideais de pesquisa a perder sua aura de validade universal e passa a ser localizada
em um contexto histórico particular”.
Uma das principais questões colocada pelas críticas feministas à ciência foi: de
que modo é possível fazer uma ciência que permita a confiabilidade dos resultados de
pesquisa e simultaneamente possa responder às questões de grupos oprimidos e
minoritários? Nesta perspectiva, uma pesquisa objetiva precisaria ser justa e
compromissada com os ideais políticos e intelectuais de diversidade. Harding
problematiza a noção de reprodutibilidade de pesquisa como forma de confirmar e
validar os métodos. A primeira crítica é que, se dentro das comunidades científicas, os
valores e pressupostos seriam potencialmente compartilhados por todos, a prática de
repetição de procedimentos e técnicas dificilmente traria à tona os valores e interesses
envolvidos. Outra crítica diz respeito aos altos custos para a realização das pesquisas, de
modo que as perspectivas que prevaleceriam seriam dos grupos que já se encontram em
posição de vantagem com subsídios e financiamento, reiterando, intencionalmente ou
não, pressupostos econômicos, políticos e culturais destes grupos.
Ao discutir as interseções dos estudos de gênero e ciência com os estudos sociais
da ciência, Harding (2019) apontou que a compreensão da coconstituição ou
coprodução das ciências e suas sociedades, desenvolvida por Steve Shapin e Simon
Schaffer, estaria alinhada com o ideal da metodologia do ponto de vista e o conceito de
objetividade forte. Esta compreensão – de coprodução das ciências – compreenderia que
as dimensões sociais e científicas estariam em contínua relação, entendendo que o
“social” não está fora ou antes de projetos científicos, mas que estão intrinsecamente
relacionados, de modo que “toda ciência sempre esteve completamente perpassada pela
sua sociedade e toda sociedade perpassada pela sua ciência” (Harding, 2019, p. 159).
Desta forma, ter, como ponto de partida da pesquisa, valores, pressupostos e
conhecimentos de fora dos quadros dominantes poderia ser um parâmetro para tornar
uma pesquisa mais objetiva. Para conquistar essa distância crítica, Harding argumentou
sobre a importância de promover a diversidade nos grupos de pesquisa. A promoção da
diversidade vem sendo valorada como um princípio para busca de equidade e justiça
social. No entanto, a autora apontou para a importância de ter não apenas pessoas
diversas nas equipes, mas o reconhecimento dos saberes destes atores.
36
exatamente o que é científica e politicamente valioso sobre o pensamento que advém da
vida dos grupos oprimidos. Mera diversidade não possui os recursos teóricos e
analíticos para capturar porque as “perspectivas faltantes” são tão valiosas (Harding,
2019, p. 150).
Uma ‘ciência situada’ pode abrir caminho para uma outra definição de objetividade e de
universalidade – definição que inclui a paixão, a crítica, a contestação, a solidariedade e
a responsabilidade (Lowy, 2000, p.24).
37
as feministas não precisam de uma doutrina de objetividade que prometa
transcendência, uma estória que perca o rastro de suas mediações justamente quando
alguém deva ser responsabilizado por algo, e poder instrumental ilimitado (...)
Precisamos do poder das teorias críticas modernas sobre como significados e corpos são
construídos, não para negar significados e corpos, mas para viver em significados e
corpos que tenham a possibilidade de um futuro (Haraway, 1995, p. 16).
38
feministas utilizaram a ideia de gênero como diferença produzida na cultura, mas
uniram a essa noção a preocupação pelas situações de desigualdade vividas pelas
mulheres” (Piscitelli, 2009, pg. 123).
A historiadora Joana Maria Pedro (2011) contextualizou o uso dos termos
‘gênero’, ‘mulheres’ e ‘mulher’ como categorias analíticas nos estudos acadêmicos,
historicamente situadas. Na década de 1970, a categoria “mulher” ganhou
proeminência, identificada com a unidade, irmandade e vinculada ao feminismo radical.
A emergência da categoria “mulheres” nos anos 1980 encontrou ressonância nas críticas
à universalização da categoria “mulher”, a partir principalmente das discussões
levantadas pelas feministas negras. A socióloga Erica Melo (2008) argumentou ainda
que o feminismo não podia deixar de olhar para as especificidades que atravessaram a
categoria “mulher” com relação às categorias de representação e de identidade, como
raça/etnia, geração, orientação sexual e classe. Haraway (2009) também problematizou
o uso da categoria “mulher” como uma categoria única:
não existe nada no fato de ser “mulher” que naturalmente una as mulheres; não existe
nem mesmo uma tal situação – “ser” mulher. Trata-se de uma categoria altamente
complexa, construída por meio de discursos científicos sexuais e de outras práticas
sociais questionáveis (Haraway, 2009, p. 47).
39
sexo, diziam, se refere aos atributos físicos e é anatômica e fisiologicamente
determinado. Viam gênero como uma transformação psicológica do eu – a convicção
interior de que se é homem ou mulher e as expressões comportamentais dessa
convicção” (Fausto-Sterling, 2001, p. 15).
quase tudo que se queira dizer sobre sexo – de qualquer forma que sexo seja
compreendido – já contém em si uma reivindicação sobre gênero. O sexo, tanto no
mundo de sexo único como no de dois sexos, é situacional; é explicável apenas dentro
do contexto de luta de gênero e poder (Laquer, 2001, p. 23).
40
desigualdades de poder ou uma parte oprimida nesta relação. Safiotti (2004) defendeu o
uso conjunto do termo gênero com o termo patriarcado, uma vez que gênero seria
entendido como um termo mais vasto e abrangente, e patriarcado poderia ser
considerado um caso específico de relações de gênero. Enquanto patriarcado entende
relações hierarquizadas entre seres socialmente desiguais, o termo gênero
compreenderia também relações igualitárias. O uso conjunto se justificaria por “gênero”
ser pretensamente neutro e possuir um nível mais acessível de compreensão, enquanto
patriarcado, ainda que mais específico, explicitaria o vetor dominação-exploração.
Não se trata de abolir o uso do conceito de gênero, mas de eliminar sua utilização
exclusiva. Gênero é um conceito por demais palatável, porque é excessivamente geral,
a-histórico, apolítico e pretensamente neutro. Exatamente em função de sua
generalidade excessiva, apresenta grande grau de extensão, mas baixo nível de
compreensão. O patriarcado ou ordem patriarcal de gênero, ao contrário, como vem
explícito em seu nome, só se aplica a uma fase histórica, não tendo a pretensão da
generalidade nem da neutralidade, e deixando propositadamente explícito o vetor da
dominação-exploração. Perde-se em extensão, porém se ganha em compreensão
(Safiotti, 2004, p. 139).
42
por características a destinação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres
à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a ocupação pelos homens das funções de forte
valor social agregado” (Kergoat, 2009, p. 67).
Essa divisão ocorreria a partir de dois princípios, o da hierarquização e o da
separação. O princípio da separação diz respeito à noção de que existiriam trabalhos
destinados especificamente aos homens e trabalhos destinados às mulheres, e o
princípio hierárquico se refere ao entendimento de que há uma valorização maior de um
trabalho em detrimento do outro, sendo o trabalho masculino de maior valor que o
trabalho feminino. Esses princípios estão ancorados numa ideologia essencialista e no
determinismo biológico, que atribuiu um papel inerente de cuidados para as mulheres, e
uma visão naturalizada da maternidade como uma dádiva feminina e de desvalorização
do trabalho do cuidado enquanto trabalho, como argumentou Kergoat (2009, p. 68):
“tornou-se coletivamente ‘evidente’ que uma enorme massa de trabalho era realizada
gratuitamente pelas mulheres, que este trabalho era invisível, que era feito não para si,
mas para os outros e sempre em nome da natureza, do amor e do dever maternal”.
Hirata e Kergoat (2007) discutiram a presença de duas linhas de pesquisa sobre o
conceito, uma mais descritiva, que buscaria estudar a distribuição de homens e mulheres
no mercado de trabalho e nas carreiras, e as variações no tempo e no espaço; e outra que
buscaria os processos pelos quais a sociedade utilizaria essa diferenciação para
hierarquizar as atividades e as explicações para esta distribuição, entendendo que as
desigualdades seriam sistemáticas.
As autoras discutiram ainda o enfraquecimento da discussão sobre divisão
sexual do trabalho e do trabalho doméstico não remunerado a partir dos anos 1990, que
passou a figurar “em termos como ‘dupla jornada’, ‘acúmulo’ e ‘conciliação de tarefas’,
como se fosse apenas um apêndice do trabalho assalariado” (Hirata & Kergoat, 2007, p.
599). No contexto das novas configurações da divisão sexual do trabalho, as autoras
propuseram modelos para explicar as relações entre as esferas doméstica e profissional.
No ‘modelo de conciliação’, caberia à mulher essa articulação de vida pessoal e
profissional enquanto no ‘paradigma da parceria´ se entenderia a divisão de tarefas
numa relação de parceria, e as relações mais em termos de igualdade do que de poder.
No entanto, esses modelos de conciliação e de parceria não se confirmariam nas práticas
sociais, exercidas mais em termos de ‘conflito’, ‘tensão’ e ‘contradição’.
As mulheres em situação privilegiada recorreriam à externalização do “seu”
trabalho doméstico e contratação de outras mulheres em situação de trabalho
43
precarizado, no que as autoras chamaram da emergência do ‘modelo de delegação’
como nova modalidade de divisão sexual do trabalho. Este modelo viria apaziguar as
tensões nas relações entre casais, incorporando, porém, ao debate o entrelaçamento
entre raça, classe e colonialidade, visto na citação a seguir.
ela [divisão sexual do trabalho] não é a expressão das escolhas de mulheres e homens,
mas constitui estruturas que são ativadas pela responsabilização desigual de umas e
outros pelo trabalho doméstico, definindo condições favoráveis à sua reprodução. Essas
estruturas constituem as possibilidades de ação, na medida em que constrangem as
alternativas, incitam julgamentos que são apresentados como baseados na natureza (em
aptidões e tendências que seriam naturais a mulheres e homens) e fundamentam formas
de organização da vida que, apresentando-se como naturais ou necessárias, alimentam
essas mesmas estruturas, garantindo assim sua reprodução (Biroli, 2016, p. 739).
44
No centro da análise, portanto, está a divisão sexual do trabalho e o fato de que tenha
impacto muito distinto nos dois grupos (ou classes) que são, assim, produzidos: as
mulheres, que têm sua força de trabalho apropriada, e os homens, que se beneficiam
coletivamente desse sistema (Biroli, 2016, p. 726).
é como mulher negra numa sociedade racista ou mulher branca numa sociedade racista
que a maternidade se define, e não abstratamente. É como mulher que tem acesso a
recursos materiais e serviços para o cuidado de seus filhos quando procura acomodar
trabalho e maternidade ou como mulher que esbarra na falta de creches sem ter
substitutivos na forma de apoio público ou da renda de um familiar adulto para sustentar
a si e aos filhos que uma mulher vive a maternidade. Se o ideal burguês moderno do
amor e dedicação maternal (Badinter, 1985) atravessa as classes sociais, a possibilidade
de sua realização é restrita e os efeitos dos julgamentos nele ancorados são variáveis
(Biroli e Miguel, 2015b, p. 51-52).
45
Neste contexto, busco, no entendimento da pluralidade dos feminismos e na
atualidade do debate feminista sobre as diferenças, caminhos para nortear uma prática
política feminista.
Assim como não podemos nos referir a mulher como substantivo singular,
igualmente os feminismos são formados por concepções plurais e diversas. Como ponto
de convergência, está o objetivo político de transformar a situação de opressão e
subordinação das mulheres, como na definição de bell hooks4 (2019, p. 13), “o
feminismo é um movimento para acabar com sexismo, exploração sexista e opressão”.
Ao compreender que as relações de gênero atravessam toda a sociedade e que são um
dos eixos centrais que organizam as nossas experiências, é importante destacar que seus
sentidos e efeitos não se restringem apenas às mulheres, isto é, as desigualdades de
gênero dizem respeito às posições relativas de mulheres e de homens na sociedade,
numa vinculação com raça, classe e sexualidade (Biroli & Miguel, 2015a).
Para a escritora e pesquisadora Heloisa Buarque de Hollanda, estaríamos
vivendo a chamada quarta onda do feminismo, a qual se caracterizaria pela existência de
uma nova geração política “baseadas em narrativas de si, de experiências pessoais que
ecoam coletivas” (Hollanda, 2018, p. 12), cujos espaços são múltiplos – nas ruas, nas
redes sociais, nas artes, nas escolas e nas universidades. Para a autora, duas tendências
aparecem como discussões centrais para o pensamento feminista atual, o feminismo
decolonial e a crítica a um feminismo individualista e neoliberal, a partir de
questionamentos como: com quais mulheres os feminismos dialogam e quais mulheres
seguem marginalizadas do debate feminista?
A marca mais forte deste momento é a potencialização política e estratégica das vozes
dos diversos segmentos feministas interseccionais e das múltiplas configurações
identitárias e da demanda por seus lugares de fala. Nesse quadro, o feminismo
eurocentrado e civilizacional começa a ser visto como um modo de opressão alinhado
ao que rejeita, uma branquitude patriarcal, e informado na autoridade e na colonialidade
de poderes e saberes (Hollanda, 2020, p. 12).
4
bell hooks é o pseudônimo da pesquisadora e escritora norte-americana Gloria Jean Watkins, e será
usado propositalmente em letras minúsculas por orientação de hooks ao longo de suas escritas, que
justifica a importância de enfatizar a substância de seu trabalho, não a sua pessoa.
46
Ao analisar o feminismo decolonial como um feminismo subalterno a partir do
contexto latino-americano, a cientista política Luciana Ballestrin (2020) afirma que, na
atualidade, “o feminismo é o movimento global mais importante em termos de inovação
teórica, intervenção social, atuação política e resistência democrática” (Ballestrin, 2020,
p. 1). O movimento vem sendo pensado na forma de “ondas”, que sistematizam em
períodos as conquistas sociais, políticas e de direitos civis das mulheres. Ballestrin
argumenta, no entanto, que essa terminologia tem como referencial a história de
mulheres do Norte global e que a periodização não reflete de forma síncrona o
desenvolvimento do movimento feminista em demais partes do mundo, como na
América Latina. Segundo a autora, uma das questões centrais para o movimento
feminista na atualidade seria tornar-se mais representativo e inclusivo em termos de
identidades, ainda que essa dimensão represente um paradoxo e que seja necessário
traçar um debate sobre os limites do pluralismo dentro dos feminismos.
1.4.1. Interseccionalidade
47
avenidas para compreender como esses eixos de opressão se entrecruzam e, no
entrecruzamento desses eixos, as mulheres se deparam ao mesmo tempo com diferentes
fluxos que a oprimem. Como afirma Piscitelli (2008, p. 267), “a interseccionalidade
trataria da forma como ações e políticas específicas geram opressões que fluem ao
longo de tais eixos, confluindo e, nessas confluências, constituiriam aspectos ativos do
desempoderamento”.
Ainda que o termo tenha ganhado força nas últimas décadas, a articulação das
categorias de raça e gênero – questionando a categoria mulher como universal – já
estava presente no discurso “E eu não sou uma mulher?” em 1851, que se tornou
referência devido ao seu pioneirismo, proferido pela abolicionista e ex-escravizada
Sojourner Truth, na Convenção dos Direitos das Mulheres, em Ohio, nos Estados
Unidos. Em seu discurso, ela posicionou o debate tanto como negra quanto como
mulher, desarticulando, rompendo e decentrando questões supostamente universais do
feminismo branco. Um ponto central da interssecionalidade enquanto ferramenta
analítica seria decentrar o sujeito normativo dentro da teoria feminista. A partir de um
enfoque integrado, a interseccionalidade é um conceito que busca dar conta da
complexidade das identidades e das desigualdades sociais. Neste sentido, é mais do que
reconhecer a existência de múltiplos sistemas de opressão, é compreender como a
interação entre essas categorias produzem e reproduzem desigualdades sociais. Deste
modo, Avtar Brah e Ann Phoenix (2004), definem:
já vinham insistindo nessa matriz [de dominação] alegando que o feminismo negro é
fruto da experiência de ser negro – vivida através do gênero – e de ser mulher – vivida
através da raça – dimensões que se imbricam e que rejeitam qualquer priorização
(Hollanda, p. 19, 2020).
48
pautas das mulheres negras, que não encontravam eco nem nas pautas do feminismo
branco nem no movimento negro, afirmando que “é da mulher negra o coração do
conceito de interseccionalidade” (Akotirene, 2019, p. 24). A autora situou que o
conceito pode ser apropriado de forma frequente e indevida como forma de pensar as
múltiplas identidades de um indivíduo, “no entanto, a interseccionalidade é antes de
tudo uma lente analítica da interação estrutural e seus efeitos políticos e legais”
(Akotirene, 2019, p. 63).
Ao discutir o contexto de formação do debate interseccional nos Estados Unidos
e no Reino Unido, Henning (2015) destacou as teóricas do feminismo negro, como
Angela Davis, bell hooks, Audrey Lorde e Patricia Hill Collins, em suas importantes
contribuições na problematização da categoria “mulher” e ao debate sobre as formas de
entrelaçamento de diferenças sociais de gênero, raça e classe nas experiências vividas
por mulheres negras. A diversidade de definições de interseccionalidade foi debatida
por Collins (2015) que se refere:
ao insight crítico de que raça, classe, gênero, sexualidade, etnia, nação, capacidade e
idade operam não como entidades unitárias e mutuamente exclusivas, mas como
fenômenos de construção recíproca que, por sua vez, moldam desigualdades sociais
complexas (Collins, 2015, p. 2)
Entre as mulheres lésbicas, eu sou negra; e entre as pessoas negras, eu sou lésbica.
Qualquer ataque contra as pessoas negras é um problema para lésbicas e gays, porque
eu e outras milhares de mulheres negras somos parte da comunidade lésbica. Qualquer
ataque contra lésbicas e gays é um problema para pessoas negras, porque milhares de
lésbicas e homens gays são negros. Não existe hierarquia de opressão (Lorde, 2019, p.
236).
49
desenvolvida por Crenshaw, defendeu a visão do impacto do sistema e das estruturas na
formação de identidades, à medida que os sujeitos aparecem como constituídos por
sistemas de dominação e marginalização. Uma das principais críticas a essa abordagem
foi a fusão de diferença com desigualdade, e que “o poder é tratado como uma
propriedade, que uns têm e outros não tem, e não como uma relação” (Piscitelli, 2008,
p. 267), de modo a desconsiderar que as relações de poder poderiam ser alternadas e que
houvesse espaço para resistência. Na abordagem construcionista, como no pensamento
de Brah (2006), destacam-se aspectos dinâmicos e relacionais das identidades sociais,
de modo que os marcadores de identidade não aparecem como categorias
necessariamente limitantes, mas que permitem espaços de resistência e ação. Ainda que
haja diferenças que tracem limites fixos, como é o caso do racismo, a autora
argumentou que, nesta abordagem, diferença não é estritamente sinônimo de
desigualdade, opressão e subordinação, mas pode remeter à equidade, diversidade e
formas de resistência política.
Na esteira desse debate sobre a dimensão da dominação e a dimensão da luta
política, a socióloga francesa Danièle Kergoat (2010) propôs o conceito de
“consubstancialidade” como alternativa ao de interseccionalidade. Para ela, as relações
sociais seriam consusbtanciais porque:
elas formam um nó que não pode ser desatado no nível das práticas sociais, mas apenas
na perspectiva da análise sociológica; e as relações sociais são coextensivas: ao se
desenvolverem, as relações sociais de classe, gênero e “raça” se reproduzem e se
co-produzem mutuamente (Kergoat, 2010, p. 94).
Além disso, na análise interseccional, haveria uma tendência a fixar relações que
são dinâmicas: “tais práticas [sociais] não se deixam apreender por noções geométricas
como imbricação, adição, intersecção e multi-posicionalidade — elas são móveis,
ambíguas e ambivalentes” (Kergoat, 2015, p. 93). A autora argumenta ainda sobre a
necessidade de colocar no centro da análise o sujeito político, e não o sujeito como
vítima de múltiplas dominações.
Sobre a distinção dos conceitos de interseccionalidade e de consubstancialidade,
Hirata (2014), argumentou que, do ponto de vista de Crenshaw e demais autoras que
defendem o primeiro conceito, “interseccionalidade” oferece maior enfoque na
interseção entre gênero e raça, e o segundo, proposto por Kergoat, enfocaria na
interseção entre gênero e classe. Como convergência dos conceitos, estaria o
entendimento de não hierarquização das formas de opressão. Akotirene (2019) criticou a
50
proposição de consubstancialidade, ao argumentar que a defesa da descolonização do
pensamento feminista não pode deslegitimar as epistemes negras, dando ênfase ao
pioneirismo do feminismo negro na articulação do conceito de interseccionalidade.
Biroli (2016) endossou o argumento de que o gênero não é produzido
isoladamente e as demais variáveis não podem ser vistas apenas como posicionamento e
identificação das pessoas. A autora deslocou a discussão sobre a problemática da
diferença para a problemática do privilégio, de modo que as diferenças se definem na
forma de privilégios “não estamos tratando de uma questão identitária, mas de posições
que ganham sentido em hierarquias” (Biroli, 2016, p. 732). Dessa forma, Biroli e
Miguel (2015b) argumentaram que essas diferenciações se definem racialmente e que as
mulheres brancas se encontram em um polo de poder e de violência. Akotirene também
destacou o olhar para a branquitude e a posição de privilégios: “vejamos o branco como
sistema político, em que raça, classe e gênero proporcionam uma experiência imbricada
de privilégios” (Akotirene, 2019, p. 47).
51
prática de desumanização a partir da colonialidade do ser. Lugones (2019) utiliza o
termo ‘colonialidade’ a partir da análise do sociólogo peruano Aníbal Quijano,
assumindo a intrincada relação entre os processos de racialização e a exploração
capitalista.
Uso o termo colonialidade para nomear não apenas uma forma de classificar pessoas
através de uma colonialidade de poder e dos gêneros, mas também para pensar sobre o
processo ativo de redução de pessoas, a desumanização que as qualificam para a
classificação, o processo de subjetivação, a tentativa de transformar o colonizado em
menos que humano (Lugones, p. 361, 2019)
52
“Feminismo decolonial” nomeia uma corrente dos feminismos subalternos, contra
hegemônicos, que incluem também os feminismos pós-coloniais, negro, comunitário e
indígena, cujas representantes, intelectuais não brancas, denunciam o racismo de gênero
e a forma como a geopolítica do conhecimento silencia as vozes das intelectuais e dos
intelectuais subalternos, isto é, todas as pessoas não brancas, indígenas, negras,
chicanas, latinas, indianas, asiáticas, afrodescendentes, mestiças, imigrantes, e as vozes
de sexualidade dissidente, pessoas transexuais, gays e lésbicas dos países periféricos do
capitalismo (antes chamados de países do terceiro mundo, em desenvolvimento)
(Castro, p.1, 2020)
A margem não deve ser vista apenas como um espaço periférico, um espaço de perda e
privação, mas sim como um espaço de resistência e possibilidade. A margem se
configura como um “espaço de abertura radical” (hooks, 1989, p. 149) e criatividade,
onde novos discursos críticos se dão (Kilomba, 2020, p. 68).
53
2. Equidade e inclusão na divulgação científica
Suas decisões de não visitar centros de ciência, não ir a palestras científicas, não assistir muita
ciência na TV e não se voluntariar para consultas científicas locais ou nacionais só podem ser
entendidas como inteiramente estratégicas. Essas práticas, na melhor das hipóteses, tornavam
seus egos, culturas, histórias, conhecimentos e práticas invisíveis e, na pior, reproduziam
ideologias racistas, classistas e sexistas que os representavam como deficientes.
Emily Dawson, 2019, p. 2, tradução nossa
Que a ciência seja acessível por todos e todas é um princípio que ecoa em muitas
iniciativas em divulgação cientifica. Embora cercada de diferentes concepções sobre
como e por que é necessário ampliar a cultura científica, a noção de que as pessoas
devem se apropriar de conhecimentos científicos é um valor amplamente difundido
nesse campo. Ao entender a ciência como parte da cultura, produzida por sujeitos
constituídos de identidades e diferentes marcadores sociais – como gênero, raça, classe,
sexualidade e território –, vemos, no entanto, que a exclusão está presente em diferentes
práticas que dialogam sobre ciência e sociedade. Assim, atividades de divulgação
científica, muitas vezes, levam à reprodução em vez de mitigar as desigualdades sociais.
Falar de equidade neste contexto diz respeito a compreender que há diferenças e
desigualdades que estruturam o campo da ciência e da divulgação cientifica que
precisam ser levadas em conta para garantir que todas e todos tenham a mesma
dignidade e exercício da cidadania em meio a uma cultura científica. Falar em equidade
de gênero é ir além do enfoque quantitativo da necessidade de ter mais mulheres na
ciência, mas criticar em vias de transformar as práticas dominantes excludentes dentro
dos campos em questão. Requer, portanto, desafiar as estruturas de poder que criam
desigualdades e inibem a participação e inclusão nessas práticas (Archer et al., 2021).
A diversidade e equidade de gênero nas ciências vêm sendo defendida a partir de
quatro principais argumentos: o da produtividade e inovação, ao considerar que um
ambiente de trabalho diverso amplia as chances de encontrar soluções inovadoras e
criativas para problemas complexos; o de justiça social, na qual se argumenta sobre a
reparação de inequidades históricas; o democrático, que diz respeito à
representatividade nos espaços de poder e de tomada de decisão; e o utilitário, uma vez
que as mulheres representariam um contingente importante como força de trabalho em
áreas científicas masculinizadas, com as exatas e as engenharias (Phillips et al., 2014;
Fogg-Rogers, 2017; Nielsen et al., 2017; Hunt et al., 2018).
54
Ao buscarmos mapear a produção acadêmica acerca de equidade e inclusão na
divulgação científica, nos deparamos com uma produção difusa, crescente e
relativamente recente. No contexto internacional, identificamos produções voltadas a
dialogar sobre equidade no contexto da educação não formal (equity in ISL - Informal
Science Learning), sobre divulgação científica inclusiva (inclusive science
communication) e na produção compilada em duas edições especiais do periódico
Journal of Science Communication, intitulados “A necessidade de uma abordagem
feminista na divulgação científica” (The need for feminist approaches to science
communication) e “Espaços negligenciados na divulgação científica” (Neglected spaces
in science communication).
Tanto no contexto internacional quanto nacional, consideramos as produções
que versam sobre gênero e divulgação científica, as quais discutem aspectos sobre
representações estereotipadas da figura de cientista nas mídias e nas artes, as percepções
de gênero e ciência na esfera pública e aspectos sobre quem está (ou não está)
autorizado a falar sobre ciência. No contexto nacional, buscamos mapear ainda as
produções acerca de inclusão social no contexto de centros e museus de ciências e nos
surveys de percepção pública da ciência. Além disso, a produção acadêmica sobre os
projetos orientados por equidade de gênero na educação em ciências, que
desenvolveremos mais detalhadamente no Capítulo 3, configuram um aporte teórico
importante para a compreensão de iniciativas em equidade e inclusão na divulgação
científica.
Nesta tese, divulgação científica será compreendida de forma ampla como um
termo que abrange práticas diversas de interlocução entre ciência e sociedade,
compartilhamento de saberes e aprendizagens em espaços coletivos, em atividades de
educação não formais e de engajamento público, como mídias, artes, práticas museais,
entre outras. Como campo acadêmico, a pesquisa em divulgação científica é composta
por pesquisadoras/es de áreas multidisciplinares e vem sendo ancorada, nas últimas três
décadas, numa ampla reflexão sobre como a divulgação da ciência deve ser modelada,
compreendendo uma gama de modelos e teorias, que alternam desde um modelo de
déficit, ancorado numa concepção linear e hierárquica de transmissão de conhecimento,
a modelos contextuais, de conhecimento leigo e de engajamento público, que
55
consideram relações mais dialógicas na construção da comunicação pública da ciência
(Brossard & Lewenstein, 2010)5.
Um dos desafios para se refletir e construir modelos que expliquem e guiem as
atividades em divulgação científica é o fato das práticas serem diversas e terem
complexidades inerentes aos seus meios – as quais abrangem desde textos de
divulgação em revistas, programas de televisão e canais em redes sociais a exposições,
peças teatrais, conferências de consenso, clubes de ciência, cafés e chopps científicos,
entre muitas outras. Davies e colaboradores (2019) propuseram um modelo ancorado na
concepção cultural da divulgação científica, que iria além da discussão sobre a oposição
entre déficit e diálogo, e incorporaria a visão da divulgação da ciência enquanto cultura,
que leve em consideração quatro principais aspectos: experiência, identidade, narrativa
e emoção. Desta forma, neste modelo, buscaria olhar para a comunicação da ciência
como cultura, enquanto contação de história e narrativa, como ritual e como uma
construção coletiva de significado, ao mobilizar ideias sobre as distintas experiências,
ao enfocar uma perspectiva identitária, e dar atenção aos aspectos afetivos e emocionais
que envolvem a divulgação científica.
Na tentativa de apontar caminhos para lidar com questões estruturais acerca do
acesso desigual para o engajamento nas ciências, Canfield e colaboradoras (2020)
sistematizaram e propuseram um modelo de divulgação científica inclusiva (Inclusive
Science Communication). A divulgação científica inclusiva é uma proposta de um
modelo interseccional, equitativo e uma maneira de construir agência pessoal e
comunitária, co-criando caminhos para se envolver nas ciências. Neste modelo propõe-
se que se considere intencionalmente a centralidade e a diversidade de vozes e
identidades, especialmente aquelas que foram e/ou permanecem marginalizadas na
5
Quatro modelos foram sistematizados por Brossard e Lewenstein (2010) como tentativas de enquadrar
as atividades em divulgação científica, brevemente definidos a seguir: modelo de déficit - que considera
que as pessoas teriam lacunas de conhecimento sobre os conceitos básicos da ciência e que a melhor
forma de superar esse déficit seria transmitindo conhecimento, de forma linear e hierárquica, do domínio
dos especialistas, ao “público leigo”; o modelo contextual - que também se baseia em estratégias de
transmissão hierárquica de conhecimento, mas leva em conta o fato de que as pessoas interpretam de
forma diferente as informações e mensagens que recebem, de acordo com suas experiências pessoais,
com as suas características psicológicas e com o meio social em que se encontram; o modelo do
conhecimento leigo - que busca uma aproximação mais horizontal no diálogo entre ciência e sociedade,
em estratégias que valorizem e respeitem conhecimentos não formais, não científicos e não técnicos do
público; e o modelo de engajamento público - que envolve a participação mais ativa da sociedade no
debate sobre questões relacionadas à ciência e à tecnologia, compreendendo a ciência como inserida na
sociedade e um envolvimento mais politicamente engajado com temas dessa natureza.
56
prática, pesquisa, treinamento e envolvimento nas ciências, incluindo, mas não se
limitando a raça, etnia, idade, habilidade, gênero, sexualidade e status de cidadania.
A inclusão social na divulgação científica, nesta perspectiva, deve ser entendida,
não apenas como uma questão de oportunidades de acesso ao conhecimento, mas de
pensar a diversidade e representatividade em todas as suas etapas de produção – nos
espaços de poder e de decisão, do design à implementação –, na perspectiva de
valorização e legitimação de identidades, conhecimentos e práticas dos diversos sujeitos
envolvidos e para o qual se destinam essa construção. Entendemos que, “se a
divulgação científica pode ser parte da solução na democratização do conhecimento
científico, ela também é parte do problema, ao reforçar valores hegemônicos, modelos,
linguagens e mecanismos de exclusão social” (Massarani & Merzagora, 2014, p. 2,
tradução nossa).
A necessidade de uma abordagem feminista na divulgação científica surge à
medida que a área se desenvolve enquanto campo de prática e de pesquisa a fim de
visibilizar as questões de equidade, diversidade e inclusão, incluindo os marcadores de
raça, poder, classe e gênero (Lewenstein, 2019). A contribuição de uma perspectiva
feminista interseccional estimula a importância da posicionalidade enquanto
pesquisadoras/es, comunicadoras/es e educadoras/es. Quando explicitamos nossas
perspectivas, demarcando o lugar pelo qual falamos, permitimos que se visibilize as
perspectivas dominantes (e não dominantes) que moldam os discursos em torno da
ciência (Haraway, 1995; Halpern, 2019).
Tratar de questões sobre inclusão social é ainda mais desafiador em países como
o Brasil, que é marcado por profundas desigualdades estruturais, econômicas e sociais.
Historicamente, os grupos dominantes pertencentes às elites tiveram maior presença
tanto na gestão quanto como audiência em espaços científicos culturais, como centros e
museus de ciências, os quais refletem uma longa trajetória de exclusão social, servindo
por e para as classes sociais dominantes até pelo menos o início do século 20 (Cazelli;
Marandino; Studart, 2003; Moreira, 2006; Massarani & Moreira, 2016).
A partir do final do século 20 e início do século 21, observou-se a criação e
expansão de centros e museus de ciências no país, por meio de incentivo governamental
57
e de associações e sociedades científicas, como a Associação Brasileira de Centros e
Museus de Ciência (ABCMC). Em levantamento realizado pela ABCMC em 2005, por
exemplo, constavam cerca de 110 espaços científico-culturais no país (Brito; Ferreira;
Massarani, 2005), passando para 190 em 2009 (Massarani et al., 2009) e, na última
edição do Guia de Museus e Centros de Ciência da América Latina e do Caribe,
constavam 268 instituições no Brasil (Almeida et al., 2015).
A expansão desses espaços aconteceu concomitante à implementação de
políticas públicas sistemáticas no país, com destaque para a criação do Departamento de
Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia em 2003, para a implementação da
Semana Nacional da Ciência e Tecnologia e a realização de editais de fomento
direcionados para o campo da divulgação científica (Massarani & Moreira, 2016). É
importante destacar que, a despeito desse crescimento, em 2016, com a ascensão de um
contexto político conservador e de desvalorização das instituições científicas,
observamos um retrocesso nas políticas para a área de divulgação científica, com a
extinção da Secretaria de Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social e do
Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia, e escassez de
editais e fomento para a área.
No contexto brasileiro, pesquisadoras e pesquisadores vêm se debruçando sobre
o tema da inclusão social na divulgação científica (Moreira, 2006; Cazelli et al., 2015;
Cazelli; Falcão; Valente, 2018; Norberto Rocha; Fernandes; Massarani, 2021). Em
artigo precursor da temática, em 2006, Moreira tratou da questão sobre inclusão social
na divulgação científica no Brasil, discutindo sobre as profundas desigualdades sociais
históricas do país, no que concerne à distribuição de riquezas, de acesso aos bens
materiais e culturais e da apropriação dos conhecimentos científicos e tecnológicos. O
autor argumentou a importância de um processo coletivo amplo que vise transformar
esse cenário:
58
“questões como a participação cidadã, a formação de opinião e os processos ativos de
tomadas de decisão, objetivando o engajamento público com as ciências” (Cazelli et al.,
2015, p. 205). Alguns exemplos de promoção da inclusão social por meio das
instituições museológicas estariam relacionados ao acesso e logística, como na
disponibilização de transporte gratuito para realização de visitas e eventos ou ações de
divulgação da ciência que levem atividades do museu para fora da instituição, como as
iniciativas de ciência móvel que alcançam regiões desprovidas de equipamentos
científico culturais. No entanto, Cazelli e colaboradores (2015) argumentaram que a
inclusão social deve ser mais do que apenas ampliar o acesso e diversificar a audiência,
de modo a renegociar os propósitos e a função dos museus na sociedade:
mais do que incluir e integrar esse público com a instituição museu, trata-se, antes de
tudo, de mudar o olhar e a postura para ampliar o “fazer com”, mais que o “fazer para”
(...) a exclusão está relacionada em última instância à representação que se faz da
sociedade como um todo e de seus diferentes grupos e, mais ainda, conforme o modelo
de reconhecimento do que é compartilhado (Cazelli et al., 2015, p. 208-209).
59
financiamento. Além disso, as autoras discutem a importância de conduzir mais
pesquisas que compreendam as estratégias de acessibilidade oferecidas às visitas e
como os diferentes públicos percebem e se identificam com tais estratégias.
No contexto europeu e norte-americano, também houve esforços de pesquisas,
de metodologias inovadoras, focadas nos conceitos de equidade e de justiça social,
desenvolvidas em contextos de educação não formal, particularmente em projetos de
longo prazo extracurriculares realizados em escolas, clubes de ciência e cursos de verão.
Essas pesquisas sugerem que alguns espaços de educação não formal podem envolver e
apoiar jovens mulheres e demais grupos minoritários no desenvolvimento de uma
identificação com a ciência (por exemplo, Calabrese Barton & Tan, 2010; Archer et al.,
2015; Dawson, 2017; Calabrese Barton & Tan, 2020; Calabrese Barton et al., 2020;
Archer et al., 2021). Ao revisar a literatura sobre a participação equitativa e
colaborativa de jovens na educação não formal, a pesquisadora Louise Archer e
colaboradoras (2021) identificaram quatro princípios e abordagens comuns para a
prática: (i) dar centralidade para a juventude, ao enfocar suas identidades, valores e
experiências; (ii) desafiar práticas, epistemologias e representações dominantes nas
ciências; (iii) apoiar o protagonismo e autoridade de jovens; e (iv) respeitar e valorizar a
identidade dos jovens no âmbito das STEM.
Calabrese Barton e colaboradoras (2020) discutem o conceito de “presença
legítima” (rightful presence) de jovens em atividades de educação não formal e sua
implementação, mostrando exemplos de como as possibilidades de presença legítima
surgem quando educadores e jovens se envolvem de forma colaborativa em expor,
interromper e transformar narrativas e práticas injustas.
Para colocar em prática os princípios de presença legítima em atividades de
educação não formais, as autoras implementaram os princípios no desenvolvimento de
um curso de verão em STEM com jovens negros/as de 11 a 13 anos, o qual foi
construído de forma compartilhada entre os jovens, as educadoras e as pesquisadoras. A
coleta de dados envolveu ciclos de conversas reflexivas diárias, relatórios desenvolvidos
pelas educadoras no processo de desenho participativo e documentação etnográfica.
Ter uma presença legítima em atividades de educação não formal significa que a
comunidade de aprendizagem, por meio de seus discursos, práticas e relações, apoia a
luta política contínua pelo pertencimento do grupo pelas características de quem são e
não pelas atitudes e comportamentos esperados de determinado grupo, isto é, significa
“tornar ‘presentes’ aqueles que foram tornados ‘ausentes’ pelas formas de racialização e
60
colonização durante o processo de escolarização” (Calabrese Barton et al., 2020, p.
290).
Para alcançar equidade e justiça social, Calabrese Barton & Tan (2020) propõem
que as ações sejam orientadas por três princípios básicos: (i) a luta política de aliados
como parte integrante da aprendizagem: o direito aos direitos de re-autoria; (ii) a
legitimidade reivindicada por meio da presença: tornando a justiça/injustiça visível; e
(iii) a ruptura coletiva das relações educador/educando: ampliando o sócio-político. O
primeiro princípio diz respeito ao trabalho conjunto de educadores e jovens para
desafiar e transformar a participação em disciplinas de modo que os conhecimentos
trazidos pelos jovens sejam valorizados e reconhecidos.
Desta forma, as autoras intitulam estas transformações como “direitos de re-
autoria” porque essas rupturas e transformações mudam quais conhecimentos, práticas e
experiências são considerados importantes, destacando o papel das/os educadoras/es em
criar ambientes que permitam que esses conhecimentos sejam visibilizados:
É insuficiente - e injusto - simplesmente perguntar aos jovens quais direitos eles acham
que precisam ser reescritos, pois eles podem não saber imediatamente. Temos que estar
atentos ao que os jovens trazem para as atividades de educação não formais e temos que
projetar espaços e processos de aprendizagem de forma a permitir que isso apareça
(Calabrese Barton et al., 2020, p. 291, tradução nossa).
61
que "o trabalho colaborativo exigia que fossem mais honestas e vulneráveis para
reconhecer e relatar os dilemas e questões decorrentes do envolvimento neste projeto"
(Calabrese Barton et al., 2020, p. 312).
Humm e colaboradoras (2020) entrevistaram e realizaram grupos focais com
públicos excluídos de espaços de divulgação científica na Alemanha, e descreveram que
diversos fatores, especialmente emocionais, desempenhavam um papel na exclusão de
certos grupos do engajamento na divulgação científica. Dewitt e Archer (2017)
apontaram que mesmo quando há acesso para atividades de educação não formal em
ciências, as diferenças na participação, tanto em qualidade quanto em quantidade,
variam de forma que favorecem jovens brancos, do sexo masculino e economicamente
favorecidos. Deste modo, mesmo quando os jovens têm acesso à projetos
extracurriculares em STEM, eles muitas vezes experimentam padrões de prática
excludentes semelhantes aos encontrados em ambientes de educação formal, com
experiências de aprendizagem que não consideram suas vivências como recursos de
aprendizagem valiosos.
Griffiths e Keith (2021) relataram a experiência da co-criação de um festival de
ciências e artes, o SMASHfestUK, realizado em espaços públicos e comunitários, como
bibliotecas e praças, entre 2015 e 2019, em Deptford, no sudeste de Londres, na
Inglaterra, com o objetivo de envolver comunidades sub-representadas, moradoras de
áreas de vulnerabilidade social e majoritariamente pessoas negras, como organizadoras
e como público de atividades em STEM. Cada edição do festival foi realizada de forma
colaborativa, com temáticas que tinham significado para a comunidade local,
historicamente excluída e negligenciada em atividades de divulgação científica. Além
do impacto na comunidade local enquanto organizadora e produtora do festival, as
autoras descrevem que o festival promoveu representatividade e diversidade na equipe;
para alguns jovens, a experiência no festival fortaleceu a intenção de seguir uma carreira
em STEM; e o uso de histórias e imersão encorajaram o público em construir narrativas
pessoais, de modo a favorecer uma identidade com a temática (Griffiths e Keith, 2021).
Em busca de compreender como a exclusão ocorre na prática da divulgação
científica, a pesquisadora Emily Dawson vem refletindo sobre o tema há mais de uma
década a partir de pesquisas etnográficas com grupos marginalizados na Inglaterra em
atividades de educação não formal. Dawson (2018) investigou a participação de
indivíduos de baixa renda e minorias étnicas em atividades de museus de ciências no
Reino Unido, no qual evidenciou que as minorias marginalizadas experimentaram
62
exclusão devido ao imperialismo cultural e percepção de impotência diante das
atividades propostas por espaços científico culturais, por refletirem valores e práticas de
grupos dominantes. A exclusão está estruturada pelo racismo, sexismo, pela
discriminação de classe e outras interseções. Dawson (2019) chama a atenção para o
fato de que, comumente, a inclusão/exclusão na divulgação científica é vista pelo
prisma de um duplo déficit: um déficit atitudinal, quando as pessoas não se interessam
por temas de ciência enquanto deveriam se interessar; e um déficit comportamental,
quando as pessoas não visitam espaços científicos culturais e não consomem conteúdos
científicos, enquanto deveriam frequentá-los e consumi-los.
As estratégias desenvolvidas para suprir estas lacunas vão desde tentar persuadir
as pessoas sobre o quão incrível é a ciência a explicar sobre os benefícios de fazer parte
destes espaços e de se apropriar destes conhecimentos. As tentativas de inclusão por
meio destes prismas tendem a não ser bem-sucedidas, pois rotulam os públicos como
desinteressados e deficientes de algo, e não para os fatores pelos quais determinados
grupos são excluídos, de modo a operar mudanças estruturais. Parte do problema está
justamente em assumir os próprios privilégios e vulnerabilidades na formulação de
atividades enquanto grupo dominante, como argumenta Dawson (2019, p.6): "abordar a
exclusão/inclusão significa ser ativa, ser corajosa, tomar uma posição, construir
relacionamentos, ser paciente e ser humilde".
Dawson (2014) argumenta que “colocar a equidade no coração da divulgação
científica é crucial para o desenvolvimento de práticas mais inclusivas” (Dawson, 2014,
p. 1). A exclusão social na divulgação científica vem sendo descrita em termos de
"barreiras", como custo ou distância geográfica ou a falta de interesse. A autora critica a
“abordagem de barreiras” no debate sobre inclusão na divulgação científica, destacando
o desafio para pesquisadoras/es e formuladoras/es de políticas em compreender como
abordar as questões complexas e múltiplas que envolvem a exclusão social na
divulgação científica. Dawson (2014) exemplifica que a não participação em atividades
de divulgação científica vem sendo percebida, nesta abordagem, como uma escolha
passiva e não ativa. A remoção de barreiras – por exemplo, o custo envolvido no acesso
aos museus e a proximidade com os espaços científicos culturais – é, no entanto,
insuficiente para mudar o comportamento de não participação e não interesse, que
envolve a noção de pertencimento e identidade com estes espaços. O enfoque nas
barreiras deixaria as questões sobre relações hierárquicas de poder em segundo plano,
63
além de invisibilizar a complexidade envolvida na exclusão social da divulgação
científica, que necessitaria de uma abordagem interseccional.
Segundo a pesquisadora Katherine Canfield e colaboradoras (2020), a definição
de um modelo divulgação científica inclusiva abrangeria: (i) o reconhecimento das
discriminações, opressões e inequidades históricas, e a centralidade do conhecimento,
das vozes e das experiências de indivíduos e comunidades marginalizadas nas ciências;
(ii) o reconhecimento de identidades interseccionais e como elas demarcam as relações
sociais dentro do meio acadêmico; (iii) o reconhecimento de que o viés explícito e
implícito dos/as divulgadores/as cientificas influenciam no design e no
desenvolvimentos de seus trabalhos; (iv) a rejeição ao modelo de déficit na
comunicação pública de ciência, no qual se considera a audiência como destituída de
conhecimento e de experiências válidas; (v) a incorporação de métodos que respeitem e
valorizem ideias, experiências e críticas de um público diverso sobre ciências; (vi) a
noção de pertencimento e engajamento do público a partir de abordagens colaborativas;
(vii) a abordagem em vários níveis de atuação de modo a modificar culturas e estruturas
organizacionais e lidar com questões estruturais acerca do acesso desigual e de
engajamento nas ciências; e (viii) sua relevância tanto para ambientes formais quanto
não formais de aprendizagem.
Além dos pontos descritos acima, o modelo é baseado em três principais
princípios: intencionalidade, reciprocidade e reflexividade. Esta sistematização se deu a
partir de uma pesquisa exploratória realizada pelas pesquisadoras do Instituto Metcalfe,
da Universidade de Rhode Island, nos Estados Unidos, na qual foram entrevistadas/os
30 pesquisadoras/es de diversos campos da divulgação científica que vem atuando em
práticas e pesquisas orientadas/os pelos princípios de equidade e justiça social
(Canfield; Menezes; Liu, 2020).
O princípio de intencionalidade diz respeito à consideração intencional do
público com quem se está se comunicando, como a ciência é definida em seu trabalho e
como as identidades marginalizadas são, e têm sido, representadas e apoiadas em
atividades de engajamento e na divulgação científica como um todo. Baseia-se na
tomada de consciência das experiências vividas das/os participantes, em priorizar a
relevância cultural e em enfatizar um modelo de engajamento multidirecional e baseado
em diálogo.
O segundo princípio, da reciprocidade envolveria a necessidade de "estar com,
em vez de fazer para" por meio de relações equitativas que reconhecem e valorizam
64
formas variadas de expertise, aplicar abordagens baseadas em conhecimentos
comunitários e garantir benefícios co-criados entre diferentes públicos e
comunicadoras/es, pesquisadoras/es e praticantes. O princípio de reflexividade aponta
para a reflexão contínua, crítica e sistemática sobre as identidades pessoais, práticas e
resultados de comunicadores e públicos envolvidos, seguida de adaptação conforme
necessário para repensar práticas e interações injustas
Ao aplicar conceitos de justiça social para pensar as práticas de divulgação
científica, Dawson (2017) evidencia a importância da combinação de dois modelos para
tratar de questões de inclusão e exclusão. O primeiro modelo diz respeito à justiça social
redistributiva, isto é, a ideia de que justiça seria a igualdade de acesso e distribuição
entre grupos sociais: todos deveriam ser capazes de fazer e aproveitar das mesmas
oportunidades. O segundo modelo diz respeito à justiça social relacional, isto é, a ênfase
em valorizar as diferenças: o reconhecimento, respeito e valor de que as pessoas são
distintas e que isso deve ser levado em consideração.
É possível olharmos esses modelos em conjunto no sentido de uma escala de
inclusão, na qual um nível de inclusão menor se localizaria em ter oportunidades de
acesso e participação e um nível de inclusão maior incluiria as questões de
representação, poder e transformação cultural. Na prática científica, essa linha de
raciocínio implicaria em considerar a necessidade do recrutamento e participação de
cientistas mais diversos em termos de gênero, raça/etnia, classe etc. e simultaneamente
agir para uma mudança de cultura e na forma de produção de conhecimento científico,
como na indagação:
6
Ver mais em:< http://yestem.org/>.
65
equitativos. A bússola busca apoiar o planejamento de atividades mais equitativas em
divulgação científica, que centrem jovens de grupos não dominantes como guias na
formulação de atividades (YESTEM UK Project Team, 2020). A bússola busca nortear
a formulações de programas e atividades em educação não formal, a partir dos eixos: (i)
desafiar o status quo; (ii) trabalhar com e valorizar as comunidades não dominantes;
(iii) incorporar a equidade como mainstream; e (iv) estender as práticas de equidade em
termos de duração e do vetor individual para o coletivo.
Além da bússola da equidade, o projeto YESTEM desenvolveu oito práticas
equitativas como propostas de ferramentas para projetos orientados por equidade e
justiça social (Yestem Project Team, 2021), e que partem do princípio da necessidade
de adaptação à diferentes contextos político socioculturais. São elas: (i) reconhecer
explicita e publicamente os conhecimentos e práticas que grupos não dominantes trazem
para as experiências de educação não formal; (ii) reivindicar a presença legítima de
grupos não dominantes; (iii) compartilhar autoridade e ser responsável sobre como se
compartilha poder; (iv) mudar narrativas, intencionalmente desafiar e buscar novas
histórias sobre quem conta como cientista e quem pode fazer ciência; (v) estar
criticamente com as comunidades não dominantes, refletindo criticamente sobre sua
posicionalidade e abrindo espaço e diálogo para romper narrativas dominantes; (vi)
abraçar a humanidade, valorizando cada indivíduo por quem ele é e não por quem ele
deveria ser; (vii) planejar conjuntamente atividades, propostas e planos; (viii) e
remodelar o terreno de aprendizagem, isto é, as instituições, pessoas, recursos e
oportunidades que hospedam e estruturam o envolvimento de jovens, conforme
necessário para atender aos interesses da juventude e das comunidades.
Crianças pequenas, de cinco, seis e sete anos, ouviam uma história sobre alguém
realmente muito inteligente. Quatro imagens desconhecidas eram, então, apresentadas a
elas: duas mulheres e dois homens. Quem as crianças escolhiam como protagonista da
história que haviam escutado? Na primeira etapa da pesquisa de Bian e colaboradores,
publicada na revista Science em 2017, aos cinco anos, meninos e meninas apontavam
figuras de seu mesmo gênero como a personagem narrada na história. Já aos seis e sete,
66
no entanto, as meninas se identificavam menos com a personagem mulher e apontavam
para a figura masculina. A pesquisa consistiu em quatro etapas, realizada primeiramente
com 96 crianças e replicada com um número maior, sendo maioria norte-americanas, de
classe média e branca. Na segunda etapa, as crianças deveriam adivinhar qual era a
figura mais inteligente entre duplas de mesmo gênero e de gêneros distintos. Na terceira
tarefa completavam quebra-cabeças em que associavam objetos (como martelo) ou
atributos (como inteligência) a figuras masculinas ou femininas. Na última etapa,
investigaram como as crenças sobre atributos de inteligência e genialidade moldavam os
interesses das crianças. A partir dos seis anos, de forma similar aos estudos anteriores,
as meninas se interessavam menos por jogos para crianças muito inteligentes e mais por
jogos para crianças dedicadas.
Diversos estudos acerca da percepção pública da ciência apontam que a figura
de cientista é associada constantemente a uma pessoa genial e com inteligência acima
da média (ver, por exemplo, o estudo precursor de Mead & Métraux, 1957; Weingart et
al., 2003; Pansegrau, 2008; Steinke et al., 2011; Reznik et al., 2017). Como identificado
na pesquisa de Bian e colaboradores (2017), os estereótipos culturais sobre o interesse
nas ciências parecem surgir durante os primeiros anos escolares em vários campos de
STEM.
Por estereótipos culturais, entendemos estereótipos construídos socialmente e
reforçados em uma determinada sociedade que transcendem as crenças de um indivíduo
e são expressos por meio de padrões dentro de muitos aspectos dessa cultura, incluindo
objetos físicos, representações midiáticas, interações sociais e uso da linguagem.
Quando jovens têm uma identidade social que é o alvo de estereótipos negativos em
algum domínio de conhecimento, podem construir autorrepresentações negativas, como
menor identificação, crença reduzida em sua capacidade de ter sucesso e uma menor
sensação de pertencimento (Master & Meltzoff, 2020).
Há uma prevalência de estereótipos culturais que associam meninos e homens às
ciências, sendo uma associação particularmente forte nas áreas de exatas e tecnológicas
(Master et al., 2014; Master & Meltzoff, 2020). Os valores reforçados em muitos grupos
de meninas e mulheres podem entrar em conflito com suas próprias percepções sobre a
ciência e a figura de cientista, de modo a afastar meninas de se sentirem pertencentes a
este espaço e desejarem seguir carreiras científicas (Leaper, 2015). As disciplinas nas
áreas de exatas e tecnológicas são vistas como campos masculinos ou como não
femininos e a área de matemática é particularmente idealizada como um campo onde
67
apenas habilidade e talento nato podem levar ao sucesso, enquanto esforço e dedicação
não seriam suficientes (Kessels, 2015).
Por exemplo, nas percepções sobre matemática, um estudo norte-americano
evidenciou que é desde cedo que aparece o estereótipo implícito de que a 'matemática' é
igual 'meninos' (Cvencek et al., 2011). No Chile, quando confrontadas com duas
imagens, uma masculina e uma feminina, e questionadas sobre qual o personagem
gostou mais, teve um desempenho melhor e teve mais facilidade em matemática,
crianças de cinco anos indicaram que a personagem feminina acharia matemática mais
difícil, teria pior desempenho e menos interesse (del Río & Strasser, 2013). Na
percepção sobre a área de tecnologia, crianças norte-americanas de seis anos relataram
explicitamente que os meninos iriam gostar mais de uma programação ou atividade de
robótica do que as meninas (Master et al., 2017).
Em pesquisas que usam da metodologia de “Desenhe um/a cientista” (DAST, na
sigla em inglês), além do personagem masculino, crianças e adolescentes associam a
figura de cientista com demais símbolos recorrentes, relacionados ao universo da
ciência de bancada e ao laboratório, como o jaleco, os óculos, a barba e os tubos de
ensaio (Chambers, 1983). A partir de uma meta-análise de cinco décadas de pesquisas
usando DAST sobre estereótipos relacionados às relações de gênero nas ciências,
observou-se que, conforme as crianças crescem, maior a chance de desenharem um
cientista do sexo masculino do que uma cientista, sendo as meninas mais propensas a
desenharem cientistas homens a partir dos dez anos de idade (Miller et al., 2018).
Uma metodologia amplamente usada nas pesquisas em percepção pública da
ciência para investigar os interesses, atitudes e percepções de ciência na esfera pública
são os surveys, que descreveremos a seguir, buscando compreender como esse
instrumento pode servir para ampliar nossa compreensão acerca das percepções de
gênero e ciência por parte de diferentes públicos.
68
diferentes públicos sobre ciência e tecnologia é fundamental em diversos aspectos,
como na formulação e a avaliação de políticas públicas, para favorecer uma maior
inclusão social, compreender os processos que levam a aceitação ou a rejeição de novas
tecnologias, para aperfeiçoar modelos de divulgação científica e de ensino de ciências e
ainda para entender os fatores que levam as/os jovens a escolher, ou não, seguir
carreiras científicas (Castelfranchi, 2013).
Numa perspectiva histórica, a importância da opinião pública sobre ciência e
tecnologia ganhou força após as duas guerras mundiais, tanto pelo papel crucial do
conhecimento científico para o desenvolvimento de tecnologias bélicas estratégicas na
disputa política quanto pelo impacto público causado pelas bombas de Hiroshima e
Nagasaki, que deflagaram o debate público sobre o papel e a imagem da ciência, e a
responsabilidade moral de cientistas. No contexto mundial, a primeira survey de
percepção pública da ciência foi organizada nos Estados Unidos, em 1957, pela
National Association of Science Writers, dentro do contexto da Guerra Fria. Em 1977,
iniciaram as pesquisas de percepção pública da ciência na União Europeia, por meio do
Eurobarômetro, que investigavam atitudes e interesses dos europeus sobre ciência e
tecnologia de forma geral e sobre temas específicos, como biotecnologia, engenharia
genética e transgênicos. Após a criação da National Science Foundation e coordenados
pelo pesquisador Jon Miller, os Estados Unidos passaram a realizar surveys periódicas,
a partir de 1979, que foram inicialmente bienais e quadrienais. A maioria dos países
latino-americanos começou a realizar pesquisas nacionais de percepção pública da
ciência a partir da década de 1990 e, com mais intensidade, depois dos anos 2000, como
Colômbia, México, Panamá, Argentina, Venezuela, Chile, Uruguai e Costa Rica.
Em 1987, o Brasil se destacou como o primeiro país latino-americano a realizar
uma pesquisa nacional sobre percepção da ciência, intitulada “O que o brasileiro pensa
da ciência e da tecnologia?” (CNPq/GALLUP, 1987). A pesquisa foi realizada pelo
Instituto Gallup e pelo Museu de Astronomia e Ciências Afins, por encomenda do
CNPq, com a intenção de dar subsídios para a Assembleia Nacional Constituinte de
1988. Após esta iniciativa pioneira, a segunda enquete nacional foi realizada quase uma
década depois, em 2006, coordenada por diversas entidades científicas, como a
Academia Brasileira de Ciências, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, o
Museu da Vida/Fiocruz e o LabJor/Unicamp, intitulada “Enquete Nacional de
Percepção Pública Ciência”. Foram realizadas, em nível nacional, surveys subsequentes
em 2010, 2015 e 2019. Regionalmente, foram realizadas três surveys de percepção
69
pública da ciência, duas no estado de São Paulo, em 2005 e em 2010, e uma no estado
de Minas Gerais, em 2016. Em 2019, foi realizada a primeira survey com um recorte
etário de público, intitulada “O que os jovens brasileiros pensam da ciência e da
tecnologia?”, coordenada pelo Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e
Tecnologia (INCT-CPCT). A pesquisa envolveu 2.206 jovens brasileiros entre 15 e 24
anos e abrangeu uma etapa de pesquisa qualitativa, com a realização de grupos focais
(Massarani et al., 2021a; Massarani et al., 2021b).
Os pesquisadores Carmelo Polino e Yurij Castelfranchi (2019), ao traçarem um
panorama da percepção pública da ciência na Iberoamérica, argumentaram que a ciência
tem sido atribuída de autoridade social e cultural, contrastando com o pessimismo e a
desconfiança que pesam sobre as instituições em geral e sobre os direcionamentos
econômicos, culturais, políticos e ambientais dos países ibero-americanos. A partir de
um olhar integrado para as surveys realizadas, os autores consolidaram e analisaram
dados sobre interesse, consumo de informação e participação cultural identificadas com
grupos sociais específicos e sugerem a existência de um mapa complexo de atitudes,
onde avaliações positivas - indicadores de autoridade cultural - coexistiriam com
críticas moderadas. Um dos apontamentos é que, como instituição social, a ciência
manteve uma posição de prestígio e de confiança na percepção pública. Universidades,
institutos de pesquisa, cientistas, médicas/os, engenheiras/os e outros especialistas vêm
sendo apontados como fontes de confiança de informação para os cidadãos e
importantes para orientar as políticas públicas, de modo que a credibilidade na ciência
parece ser uma característica estrutural, relativamente estável ao longo do tempo e que
poderia indicar a presença de uma autoridade social, epistêmica e cultural.
Nas pesquisas analisadas por Polino e Castelfranchi (2019), a participação e
acesso a bens culturais e naturais foi medida a partir do indicador de visita a diversos
espaços – como museus de arte, museus de ciência e tecnologia, bibliotecas, jardins
zoológicos, aquários, reservas e parques naturais ou ambientais, ou participação nas
atividades da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia e feiras de ciência – nos doze
meses anteriores a entrevista. De acordo com a estimativa de um índice elaborado com
dados de pesquisas na Argentina, Brasil, Chile, Espanha e Panamá, metade dos
entrevistados afirmou não ter visitado nenhum museu de arte, zoológico, aquários,
parques ambientais e naturais ou museus de ciência e tecnologia durante o ano da
entrevista. As probabilidades de participação foram consideravelmente reduzidas em
70
centros urbanos menores, entre os idosos e, principalmente, nos grupos sociais mais
vulneráveis em termos de capital escolar e nível socioeconômico.
Polino e Castelfranchi (2019) destacaram a questão sobre como contribuir para
uma maior apropriação dos bens simbólicos da ciência num cenário de desigualdade
social e entre a população excluída, e argumentaram que as políticas de cultura
científica não podem ser elaboradas sem se relacionarem às políticas de inclusão social.
Além disso, incentivaram a incorporação de um número maior de variáveis nos surveys,
relacionados a trajetórias de vida, capital social e cultural, posições políticas, valores
morais, práticas e crenças religiosas e envolvimento político.
No contexto brasileiro, Castelfranchi (2018) analisou dados baseados nas
pesquisas nacionais ocorridas em três décadas – as enquetes realizadas em 1987, 2006,
2010 e 2015 –, evidenciando tendências dos principais indicadores de autoridade
cultural da ciência e mudanças estruturais durante essas décadas de transformações
sociais aceleradas no Brasil. Os dados foram coletados em entrevistas presenciais, com
amostras representativas da população adulta brasileira (a partir de 18 anos em 1986 e
de 16 anos, de 2006 em diante), estratificadas por idade, sexo e nível educacional.
Sobre as tendências na autoridade cultural da ciência no Brasil, o interesse em
ciência e tecnologia aumentou nestas três décadas analisadas, ainda que não houve
aumento na familiaridade com instituições e cientistas, sugerindo uma percepção de
distanciamento social entre ciência e sociedade. Enquanto o interesse esteve
principalmente associado ao fator educacional, as atitudes com relação à ciência, como
a percepção das promessas e riscos e as posições “anti-ciência” não podem ser
relacionadas de forma simplista ao nível educacional, ao acesso à informação e
apropriação de conhecimento. Além disso, pessoas de maior nível educacional
demonstraram maior preocupação com formas de controle social e participação pública,
e concordaram menos com uma maior autonomia da ciência. A probabilidade de alguém
demonstrar nenhum interesse em C&T diminuiria com o nível educacional e aumentaria
se a respondente for do gênero feminino.
O enfoque nas questões de equidade de gênero nas ciências é pouco explorado
nos grandes surveys nacionais e internacionais. Em 2016, no survey realizado no estado
de Minas Gerais, um dos resultados apontados foi que as pessoas que declararam menor
interesse em ciência tendiam a ter opiniões contrárias à paridade entre gêneros, medido
por meio do grau de concordância com afirmações como “estudar ciência é mais
importante para o homem do que para a mulher” e “em geral, os homens são cientistas
71
melhores do que as mulheres” (Castelfranchi et al., 2016). Assim como na análise das
tendências por Castelfranchi (2018), no survey “O que os jovens brasileiros pensam da
ciência e da tecnologia?”, encontrou-se uma correlação entre interesse em C&T e
gênero da/o respondente, de modo que, entre as/os jovens brasileiras/os, as mulheres
tinham uma chance ligeiramente menor que os homens de declarar interesse na área.
Neste survey centrado nos/as jovens, as mulheres declararam maior interesse que os
homens por medicina e saúde e grande parte de respondentes acreditavam que homens e
mulheres têm a mesma capacidade para ser cientistas e que devem ter as mesmas
oportunidades (Massarani et al., 2021a; Massarani et al., 2021b).
72
filmes de curta metragem de animação exibidos no Festival Anima Mundi entre 1993 e
2013, em que a figura da mulher cientista é retratada em narrativas diversas, entre elas,
a exclusão das mulheres das práticas e instituições científicas, narrativas com
fundamentos sexistas, e outras que reconfiguram a imagem da mulher como
protagonista da prática científica. A associação da figura masculina com o atributo de
genialidade e brilhantismo aparece de forma persistente ao longo de meio século na
história do cinema ocidental, em pesquisa realizada por Galvéz e colaboradores (2019),
por meio de análise computacional das associações de pronomes e palavras correlatas
nas legendas em mais de onze mil filmes entre os anos de 1967 e 2016.
Na mídia, Massarani e colaboradores (2019) analisaram as representações de
cientistas por meio de análise de conteúdo e análise visual dos programas Jornal
Nacional e Fantástico, da Rede Globo, sendo a imagem preponderante do cientista
homem, branco e de meia idade, e a imagem associada à mulher foi a de jovem. Os
dados reforçam uma estrutura hierarquizada da ciência brasileira, em que as mulheres
tiveram um papel crescente, porém com menor acesso a posições de poder e cargos de
liderança. Carvalho & Massarani (2017) analisaram as diferenças de representação de
cientistas homens e mulheres ao longo da programação diária das emissoras televisivas
Rede Globo e Rede Record, e constataram que a presença de pesquisadoras foi quatro
vezes menor que a de pesquisadores, sendo maior a presença de homens cientistas em
programas de entretenimento e de mulheres em publicidades. Mitchell e McKinnon
(2019) identificaram algum progresso na paridade de gênero nas representações da
figura de cientista ao analisar os perfis publicados no jornal The New York Times entre
2011 e 2018, ponderando, no entanto, a falta de diversidade e representatividade étnica
nos perfis. Na representação da mulher cientista, as autoras argumentam que a ênfase
dada a ‘supermulher’ e ‘super cientista’ reforça o estereótipo da ciência como uma
atividade de pessoas geniais e de inteligência acima da média.
Ainda que pouco frequentes, há exemplos de representações de meninas e
mulheres cientistas que reconfiguram o papel da mulher como protagonista e que
ganharam destaque na mídia e nas artes, como a personagem Luna em “O Show da
Luna” e a Princesa Jujuba em “Hora da Aventura” (Inocêncio & Oliveira, 2015; Anibal
& dos Santos, 2016; de Oliveira & Magalhães, 2017; Meneses, 2017). Outro exemplo é
a série educativa “O laboratório de Emily” (Calandrelli, 2020), apresentada pela
comunicadora da ciência Emily Calandrelli, e gravada quando a apresentadora estava
grávida de nove meses. Sobre o programa, Emily afirma em sua conta no Twitter:
73
Estou especialmente orgulhosa de ser uma mulher grávida fazendo ciência em uma
plataforma como a Netflix. Pessoalmente, acho que isso envia uma mensagem muito
legal sobre quem é bem-vinda na área de STEM. Essas carreiras geralmente não são
muito acolhedoras para as famílias, especialmente mulheres que desejam ter uma
família (tradução nossa)7.
74
do Rio de Janeiro. Por meio de três grupos focais pelo WhatsApp, Fontanetto (2021)
analisou as narrativas das jovens sobre mercado de trabalho para mulheres,
representatividade feminina, dificuldades e obstáculos na sociedade, sexismo, racismo,
opções de carreira e visões acerca de estereótipos de cientista. Nos grupos focais, ao
discutir sobre percepções acerca de atividade e trabalhos supostamente femininos e
masculinos, as jovens dialogaram sobre normas sociais e culturais que têm raízes
históricas e estruturais, e adotaram posturas críticas, de questionamento e de
enfrentamento. Desta forma, Fontanetto (2021, p. 123) argumentou que as jovens
“demonstram uma leitura diferente e processos de mudança que ocorrem em seus
círculos sociais ou em suas trajetórias pessoais”. Fontanetto (2021) argumentou ainda
sobre a importância de representatividade de gênero e de raça na divulgação cientifica
brasileira nas redes sociais:
75
referencial teórico dos estudos feministas da ciência, Costa (2019) discorreu sobre um
viés biologizante, positivista e institucionalizante do conteúdo do canal, apontando para
a necessidade de localizar saberes e discutir criticamente a pretensa objetividade e
neutralidade do conhecimento científico. Desta forma, a autora argumentou que se o
campo da divulgação científica não centrar o debate nessas questões, se constituirá
“apenas mais uma camada reificadora de desigualdades” (Costa, 2019, p. 198). Desta
forma, a autora tece considerações sobre a importância de levar em conta os estudos
feministas da ciência na divulgação científica:
76
De forma similar, a capacidade das ACCHOs de falar com seu público decorreu
de um profundo entendimento por ser uma associação de dentro da comunidade,
administrada por e para a população local. As autoras argumentaram que a comunicação
da ciência branca, ocidental, europeia e anglófona deveria aprender com práticas,
conhecimentos e valores exercidos por grupos minoritários e marginalizados:
Esses corpos e experiências que são marginais à ciência normal ou hegemônica também
estão ansiosos para incorporar outro ethos da ciência, especialmente por causa de suas
experiências marginais: um ethos que pode cuidar das comunidades que eles
incorporam, um ethos que pode estar atento a essas comunidades e às suas necessidades
(Pérez-Bustos, 2019, p.2, tradução nossa).
77
a experiência queer, que definem como “um ato instrucional, comunicativo e
performativo que desafia a heteronormatividade” (Roberson & Orthia, 2021, p. 2,
tradução nossa). Em um sentido amplo, queer significaria não normatividade ou aquilo
que não é heteronormativo, abrangendo uma ampla gama de sexualidades e gêneros,
identificados como lgbtqia+. A heteronormatividade seria, portanto, uma construção
social hegemônica dentro das estruturas ocidentais de produção de conhecimento e no
interior das instituições que tornam a heterossexualidade não apenas a norma, mas
também um lugar de privilégio (Roberson & Orthia, 2021).
As autoras advogam a necessidade das pessoas queer passarem a serem vistas
não apenas como objetos de estudo, mas enquanto pesquisadoras e comunicadoras, de
modo a exercer controle sobre agendas, teorias e paradigmas de pesquisa. Desta forma,
argumentam que a pesquisa e a prática em comunicação da ciência devem ser mais
críticas sobre as vozes que são ouvidas, sobre por que e quais públicos estão envolvidos,
tendo em mente em como a normatividade e a heteronormatividade contribuem para as
desigualdades de gênero e para as relações de poder na divulgação científica (Roberson
e Orthia, 2021).
Ao pensar no papel da divulgação científica, seja no âmbito da prática ou da
pesquisa, a reflexão sobre inclusão e equidade de gênero se coloca desde a formação de
uma equipe mais diversa até ter como norte a importância de espaços que levem em
conta as diferenças. Assim, além da importância de criação de espaços seguros e
acolhedores, as experiências, vivências e conhecimentos de diferentes públicos devem
ser validados e reconhecidos.
Como as práticas de educação e divulgação científica podem influenciar no
senso de pertencimento de jovens mulheres ao espaço científico, de forma a não
reproduzir normas sociais e culturais de gênero, raça, sexualidade e assimetrias de poder
que constringem suas possibilidades de futuro? Compreender os múltiplos fatores que
afetam a participação das mulheres nas ciências pode ajudar a construir caminhos para
uma educação e divulgação científica que busque levar em conta essas diferenças e
inequidades históricas.
78
3. Meninas nas STEM: políticas nacionais, representatividade,
pertencimento e identidade
Porque Eurídice, vejam vocês, era uma mulher brilhante. Se lhe dessem cálculos ela
projetaria pontes. Se lhe dessem um laboratório ela inventaria vacinas. Se lhe dessem
páginas brancas ela escreveria clássicos. Mas o que lhe deram foram cuecas sujas, que
Eurídice lavou muito rápido e muito bem, sentando-se em seguida no sofá, olhando as
unhas e pensando no que deveria pensar.
Marta Batalha, 2016
79
política pública por meio de ações que conjugavam educação, trabalho e justiça. No
entanto, o projeto foi interrompido em 1937, com a decretação do Estado Novo. A
participação oficial do Brasil na I Conferência Internacional da Mulher, em 1975, no
México, promovida pela Organização das Nações Unidas e que contou com Bertha Lutz
como integrante da delegação brasileira, foi um marco no fortalecimento do movimento
feminista brasileiro.
Segundo Melo e Tomé (2018), a criação em 1985 do Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher, vinculado ao Ministério da Justiça, teve papel importante no
reconhecimento da necessidade de políticas específicas para as mulheres e influenciou a
inclusão de orientações para políticas públicas mais igualitárias na Constituição Federal
de 1988. As autoras argumentaram que o período de 2003 a 2010 foi um dos melhores
momentos para as políticas afirmativas de gênero e de raça, por meio da criação de duas
secretarias dotadas de status ministerial e de orçamento, a Secretaria de Políticas para as
Mulheres (SPM) e a Secretaria de Políticas de Promoção e de Igualdade Racial. Foi por
meio da SPM e da criação do Programa Mulher e Ciência pelo CNPq que, em 2008, o
debate sobre a participação das mulheres nas ciências foi inserido nas orientações de
políticas nacionais pela primeira vez.
A partir das disputas e tensionamentos sobre a necessidade de políticas de
equidade de gênero na educação em ciências, emergiram iniciativas brasileiras na última
década, que buscam incentivar o interesse de jovens pelas áreas de ciências, tecnologias,
engenharias e matemática (STEM, na sigla em inglês). Neste capítulo, discutiremos o
panorama brasileiro e mundial da inserção das mulheres nas ciências, particularmente
nas áreas de ciências exatas, e as políticas e iniciativas brasileiras nas últimas duas
décadas que buscaram incentivar jovens a se interessarem por essas áreas. Na segunda
parte do capítulo, discutiremos sobre fatores que afetam a participação de meninas e
mulheres nas ciências, a partir do referencial teórico da educação em STEM, destacando
as pesquisas que tangem sobre representatividade, pertencimento e identidade científica.
80
sua melhor aceitação, foram substituídas pela sigla STEM, que significa science,
technology, engineering and mathematics, em inglês (Sanders, 2009). Ao ganharem
prioridade de financiamento pelo governo americano em 2009 por meio do programa
Educate to Innovate, proposto pelo então presidente Barack Obama, as políticas de
educação em STEM se ampliaram com o investimento de bilhões de dólares em
projetos nas escolas norte-americanas. A campanha foi criada em resposta à constatação
do baixo desempenho das/os estudantes americanos nessas áreas e à perda de
competitividade internacional. Obama, em seu discurso na Third Annual White House
Science Fair, em 2013, pronunciou a importância dedicada ao campo:
Uma das coisas em que me concentrei como presidente é em como criarmos uma
abordagem prática para ciências, tecnologias, engenharias e matemática. Precisamos
fazer disso uma prioridade para treinar um exército de novos professores nessas áreas, e
garantir que todos nós, como país, levantemos essas disciplinas pelo respeito que
merecem (White House, 2013, tradução nossa).
81
em qualquer uma das disciplinas da sigla STEM separadamente. Essa abordagem
agrupa muitas disciplinas distintas no pressuposto de que sua importância
compartilhada promoveria inovação tecnológica, competitividade, prosperidade e
segurança nacional (Xie; Fang; Shauman, 2015). No entanto, adotar essa definição leva
a outro dissenso, que diz respeito a quais disciplinas pertencem ao campo STEM.
Algumas agências federais, como a NSF, usam uma definição mais ampla de STEM 8,
que incluiria psicologia e ciências sociais, além das ciências exatas e engenharias.
Demais agências americanas, como o Serviço de Imigração e Controle de Aduanas dos
Estados Unidos, usam uma definição mais restrita que exclui as ciências sociais e
abrange apenas as áreas de matemática, química, física, computação, ciências da
informação e engenharias (Gonzalez & Kuenzi, 2012).
A segunda definição mais usual enfatiza as conexões lógicas e conceituais que
permeiam os campos STEM como um todo, definindo como um conjunto de práticas e
processos que transcendem as linhas disciplinares e das quais emerge outro tipo de
conhecimento e aprendizagem. Sanders (2009) discute a noção de uma educação
integrativa em STEM, a qual incluiria abordagens que exploram o ensino e
aprendizagem entre, pelo menos, duas disciplinas em STEM, ou entre uma disciplina da
sigla e outra disciplina escolar. A noção de educação integrativa em STEM acarreta
ainda a necessidade de uma formação de professores para dar conta desta abordagem
transdisciplinar na educação em STEM.
Ao propor essa abordagem, Sanders (2009) defende a necessidade da
interdisciplinaridade, argumentando que a integração entre disciplinas ajudaria a
fornecer um contexto e uma estrutura para organizar entendimentos abstratos no campo
das ciências e incentivaria estudantes a construir ativamente conhecimentos científicos
contextualizados. A educação integrativa em STEM estaria baseada nos pilares do
construtivismo, considerando: (i) o aprendizado como um processo construtivo; (ii)
motivação e crenças como essenciais para a cognição; (iii) a interação social como
fundamental para o desenvolvimento cognitivo; e (iv) o conhecimento e as experiências
dependentes de contexto.
Em 2013, ao lançar o Plano Estratégico para a Educação em STEM, o governo
norte-americano enfatizou a prioridade da ampliação do número de estudantes de
82
grupos minoritários nos cursos de graduação em STEM – incluindo, neste incentivo, o
estímulo a participação das mulheres nessas áreas. A noção de que os homens seriam
naturalmente mais talentosos e interessados em ciências é um estereótipo culturalmente
difundido, visto em diversos estudos sobre viés implícito que associam tanto a
matemática quanto a genialidade ao masculino (ver Capítulo 2). Refletindo essa crença
normativa, as meninas relatam consistentemente autoavaliações mais baixas de
habilidades quantitativas, menor autoconfiança nas habilidades matemáticas, menor
interesse e motivação para aprender matemática e ciências, assim como menor interesse
em seguir carreiras nos campos de STEM. A inclusão de mulheres no plano estratégico
norte-americano para a educação em STEM teve o intuito de tratar as questões sobre
desigualdades de gênero discutidas na literatura na área (Xie; Fang; Shauman, 2015).
Como discutido anteriormente, o movimento da educação em STEM se iniciou
nos Estados Unidos e se disseminou para demais regiões do mundo, trazendo consigo
moldes do sistema educacional estadunidense (Pugliese, 2020). O pesquisador brasileiro
em educação em STEM Gustavo Pugliese (2020) destacou três fatores relacionados com
a expansão mundial da educação em STEM: a exaltação da inovação, uma vez que a
educação em STEM apareceria como resposta a um currículo desatualizado das
exigências da indústria e do mercado de trabalho; a escassez de profissionais
capacitados nessas áreas e a perda de competitividade econômica; e o baixo
desempenho e motivação de estudantes nas ciências. Pugliese (2017) argumenta que as
motivações que alavancaram o movimento de educação em STEM estariam mais
centradas na esfera econômica do que em interesses educacionais:
83
Outra questão destacada por Pugliese (2020) é o esvaziamento das humanidades
e do entendimento social da natureza da ciência na proposta curricular dentro da
educação em STEM, promovendo uma educação científica tecnicista que
desconsideraria as questões sociais e éticas na construção do conhecimento científico. O
autor argumenta que, como modelo pedagógico de ensino de ciências, baseado em
projetos e resolução de situações-problemas, a educação em STEM se aproximaria do
que é entendido como o modelo de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). No entanto,
a influência do setor econômico aproximaria a ‘educação em STEM’ a um modelo
tecnicista. Desta forma, o autor destaca a importância de uma educação em STEM
voltada para os interesses sociais e de grupos minoritários:
não nos beneficiará o modelo de STEM education voltado para justiça social em que se
defenda a inclusão de minorias em STEM apenas porque beneficia a economia do país,
mas sim um modelo que se paute em benefícios para as próprias minorias, em como
essas minorias podem usufruir do acesso às áreas STEM (Pugliese, 2020, p. 226).
84
(Casagrande & Carvalho, 2014), inclusão e pertencimento nos cursos de engenharia
(Faulkner, 2007) e o campo da educação STEM e gênero (Oliveira; Unbehaum; Gava,
2019; Sígolo; Gava; Unbehaum, 2021). Conceitos chaves para o entendimento destas
questões são o de segregação horizontal – a partir do qual se discute a existência de
fatores que fazem com que as mulheres ocupem áreas de menor prestígio e remuneração
– e o de segregação vertical, que diz respeito aos fatores que dificultam as mulheres a
ascenderem e alcançarem posições de liderança, que se desdobram nos conceitos de
“teto de vidro”, “labirinto de cristal” e “leaky pipeline” (Schiebinger, 2001; Olinto,
2011; Lima, 2013; Guedes; Azevedo; Ferreira, 2015). Este debate vem sendo discutido
ainda a partir da teoria de divisão sexual do trabalho, que “tem por características a
destinação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva
e, simultaneamente, a ocupação pelos homens das funções de forte valor social
agregado” (Kergoat, 2009, p. 67; ver Capítulo 1).
O ingresso e distribuição de homens e mulheres entre áreas de conhecimento
vêm sendo foco de relatórios internacionais e nacionais, que buscam avaliar a situação e
a participação das mulheres e demais grupos minoritários na ciência e tecnologia
(National Science Foundation, 2019; European Commission, 2018; Elsevier, 2017;
Unesco, 2018; Unesco, 2019; OCDE, 2019; IBGE, 2018).
Segundo relatório Women in Science - Unesco Institute for Statistics, em 2019,
do total de pessoas empregadas na área de Pesquisa & Desenvolvimento, em horário
parcial e integral, no mundo, apenas 29,3% eram mulheres. Como mencionado
anteriormente, o cenário é mais positivo com relação à inserção feminina na América
latina e Caribe, em que o percentual médio de mulheres empregadas nessas áreas
chegou a 45,1% (Unesco, 2019). Na Figura 1, está detalhada a proporção de mulheres
pesquisadoras entre os diferentes países da América Latina, em que, por exemplo, na
Bolívia, representavam 61,4% dos pesquisadores enquanto, no Peru, representavam
29,9%.
85
Figura 1: Proporção das mulheres pesquisadoras na América Latina (Fonte: Unesco, 2019).
86
Figura 2: Parcela de estudantes de ambos os sexos matriculados na educação superior, por
campo de estudo, média mundial (Fonte: Decifrando o código, Unesco, 2018b, UIS 2014-2016).
87
O relatório She Figures fornece uma série de indicadores sobre igualdade de
gênero em pesquisa e inovação no âmbito europeu, de modo a compreender o impacto e
os efeitos das políticas implementadas nesta área (European Comission, 2018). Na
União Europeia (UE), a proporção de mulheres no nível de doutorado variou entre os
diferentes campos, apresentando, em 2016, maior representação na educação (68%) e
sub-representação no campo da informação e tecnologias de comunicação (21%), e nos
campos de engenharias e construção (29%). Constituindo apenas um terço dos
pesquisadores europeus, as mulheres tinham maior presença no setor governamental
(42,5%) e no ensino superior (42,1%), enquanto, no setor empresarial, representavam
apenas 20,2% do número total de pesquisadores.
Com relação às condições de trabalho, a proporção de mulheres que trabalhavam
em período parcial foi maior que a dos homens: 13% das pesquisadoras e 8% dos
pesquisadores estavam trabalhando meio período em 2016. Em termos de remuneração,
o relatório evidencia uma disparidade salarial considerável entre os gêneros nas
ocupações científicas em P&D: as pesquisadoras na UE receberam, em média, 17%
menos do que seus colegas homens em 2014, e a disparidade salarial aumentou com a
idade. Além disso, na progressão da carreira acadêmica, -- comumente observado em
diversos estudos e conhecido como efeito tesoura –, no início da carreira, as mulheres
eram maioria na condição de estudantes e se tornaram minoria ao subir em posições
acadêmicas, nos diferentes níveis na escala de status como docentes. No contexto
nacional, a pesquisadora Roberta Arêas e colaboradoras (2021) analisaram as posições
ocupadas por gênero nos cargos técnicos e políticos no sistema de ciência e tecnologia
brasileiro e descreveram igualmente o efeito tesoura na ciência nacional, em que as
mulheres são maioria até a pós-graduação e seguem em queda da posição docente nas
universidades até sua ausência na chefia de agências de fomento e ministérios.
No contexto brasileiro, segundo o relatório Estatísticas de Gênero: indicadores
sociais das mulheres no Brasil 2018, as mulheres alcançam, em média, um nível de
instrução maior que o dos homens, sendo a maior diferença no Ensino Superior (IBGE,
2018). Na faixa etária de 25 a 44 anos, o percentual de homens que completou a
graduação foi de 15,6%, enquanto o de mulheres atingiu 21,5%. Vale destacar a
disparidade por cor/raça entre as mulheres: o percentual de mulheres brancas com
ensino superior completo é mais do que o dobro do calculado para as mulheres pretas ou
pardas. Ainda assim, em relação aos rendimentos médios do trabalho, no Brasil, as
mulheres com Ensino Superior completo receberam 63,4% em relação à remuneração
88
média dos homens com mesmo grau de formação em 2016 (IBGE, 2018). Para dar
visibilidade ao trabalho não remunerado realizado pelas mulheres, outro indicador
importante é o número de horas dedicadas aos cuidados de pessoas e/ou afazeres
domésticos: em 2016, dedicaram cerca de 73% a mais de horas do que os homens – isto
é, dedicavam cerca de oito horas semanais a mais que os homens (IBGE, 2018).
No Censo da Educação Superior de 2018, realizado pelo Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), as mulheres foram maioria no
ingresso (55,2%), mas matrículas (57%) e como concluintes (61%) no Ensino Superior
(INEP, 2018). O relatório Education at a Glance de 2019, da OCDE, aponta que as
mulheres brasileiras (25 a 64 anos) têm 34% mais chances de se formar no ensino
superior do que os homens.
A socióloga Moema Guedes (2010) mostra uma relação direta entre
escolarização e participação feminina no mercado de trabalho. A autora observa ainda
que, dependendo da área cursada na graduação, há diferenças salariais. Em carreiras
consideradas tipicamente masculinas, as diferenças salariais entre homens e mulheres
eram maiores do que naquelas nas quais as mulheres eram maioria. Em carreiras como
agronomia e todos os tipos de engenharia, o contingente de mulheres, na graduação, não
chegava a 30% em 2000. Já em comunicação social e biologia, as mulheres se
destacaram por serem maioria – 64% e 76%, respectivamente –, nos dados do censo de
2000 do IBGE (Guedes, 2008). Em 2014, os percentuais no ensino superior brasileiro se
mantinham díspares: maior número de mulheres nas áreas de saúde e bem-estar (76,6%)
e de educação (72,7%), e maior percentual de homens nas ciências exatas, matemática e
computação (69%) e engenharia, produção e construção (68,5%) (Barros & Mourão,
2018).
89
Ciência, Tecnologia e Inovação 2016-2019. Nele, é mencionado que as políticas de
combate às desigualdades de gênero na ciência e tecnologia têm sido adotadas por
outros países e é destacada como uma tendência (Lima, 2017), como observado a
seguir.
91
3.4. Políticas orientadas por equidade de gênero na educação em ciências
9
Trecho da Chamada 18/2013
92
nestas regiões, poderia ter apenas o título de mestre, enquanto aos demais era exigido o
título de doutor. Há ainda indicação, na chamada, que os/as coordenadores/as deveriam
selecionar estudantes do ensino médio preferencialmente com melhor desempenho em
matemática, física e química.
Na chamada 18/2013, foram aprovados 325 projetos (de 528 recebidos)
vinculados à 107 instituições, contemplando, nas três modalidades de bolsas previstas,
aproximadamente 1.500 bolsistas em todo o país. As áreas com o maior número de
propostas foram Engenharia Química, Química, Ciência da Computação, Engenharia da
Computação, Engenharia Mecânica, Engenharia Elétrica e Física (Lima, 2017).
Na chamada CNPq/MCTIC nº 31/2018 Meninas nas Ciências Exatas,
Engenharias e Computação (Figura 3), lançada em 2018, foram contemplados 78
projetos dos 702 submetidos para aprovação, com cerca de 360 escolas envolvidas.
Com seis milhões de reais – cujo orçamento inicial era de três milhões de reais e
acrescido de mais três milhões pelo Ministério da Educação –, o objetivo era tanto:
10
Trecho da Chamada 31/2018
93
Quadro 1: Atividades recomendadas no item 1.5.4 na chamada 31/2018 (Fonte: Chamada
31/2018).
1. Atividades nas instalações da instituição do/a coordenador/a do projeto (visitas a
laboratórios e instalações, entre outras);
2. Atividades de iniciação à pesquisa que incluam teoria e prática científica
adequada aos objetivos do projeto proposto;
3. Atividades nas escolas participantes (oficinas, palestras, cursos, competições,
exposições, núcleos de experimentação científica, entre outras);
4. Atividades de divulgação do projeto fora da escola (por meio de eventos, blogs,
vídeos, páginas em redes sociais, entre outras), com o uso de técnicas modernas
de comunicação pública da ciência para a produção/elaboração ou emprego de
materiais audiovisuais inovadores e criativos que convidem as jovens a conhecer
o tema;
5. Cursos de capacitação para professores das escolas participantes nas áreas de
ciências exatas, computação e tecnologias;
6. Atividades de preparação das alunas para participação em olimpíadas, mostras,
feiras de ciências e outras modalidades de concursos científicos, bem como em
atividades da SNCT, seminários de iniciação científica e outras atividades
semelhantes;
7. Programa de aulas complementares para as alunas, com foco em ciências exatas,
computação e tecnologias;
8. Criação de um núcleo de apoio nas escolas para manutenção das atividades após o
encerramento da vigência dos projetos;
9. Desenvolvimento de produtos voltados à melhoria do ensino nas áreas de ciências
exatas e à incorporação de tecnologias digitais de informação e comunicação ao
ensino;
10. Elaboração de programa de treinamento e/ou capacitação para as meninas e
jovens nas ciências exatas, engenharias, computação, robótica, com
desenvolvimento de jogos, games, aplicativos educativos e congêneres;
11. Previsão de mostra de vídeos, palestras e oficinas com uso de recursos
audiovisuais e/ou outras formas que demonstrem para a comunidade escolar a
existência de mulheres como cientistas e pesquisadoras com contribuições
significativas para a ciência e a tecnologia no Brasil e no mundo.
94
A iniciativa Elas nas Exatas lançou em 2015 e em 2017, os editais Gestão
Escolar Para Equidade: Elas Nas Exatas11. Organizados em parceria entre o Instituto
Unibanco, o ELAS Fundo de Investimento Social e a Fundação Carlos Chagas. Os
editais tinham como intuito “contribuir para romper uma cadeia de valores pré-
estabelecidos, que discriminam as meninas na área das ciências exatas, e promover
oportunidades no campo das ciências e das tecnologias” (Unbehaum & Gava, 2017, p.
4). A iniciativa buscou apoiar ações realizadas em escolas, com foco no enfrentamento
dos estereótipos de gênero e na sensibilização da gestão escolar, com o envolvimento de
estudantes do Ensino Médio de escolas públicas. No primeiro edital, de 175 projetos
submetidos à chamada, foram selecionados dez projetos, de oito estados brasileiros, que
desenvolveram suas ações ao longo de 2016. No segundo edital, de 113 propostas
recebidas, foram selecionadas dez, que envolveram cinco regiões do país e foram
desenvolvidas ao longo de 2018.
Recentemente, demais iniciativas nacionais estão sendo construídas no âmbito
de estimular e promover o interesse de meninas nas ciências, como, por exemplo, o
prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher” 12, promovido pela Sociedade Brasileira para
o Progresso da Ciência (SBPC); o prêmio “Menina Hoje, Cientista Amanhã”13,
promovido pela Fundação Oswaldo Cruz; e o programa “Mulheres na ciência” 14 e
“Garotas STEM”, promovido pelo British Council Brasil, dentre outras iniciativas.
No que tange a pesquisa e avaliação dos projetos e das chamadas, há pesquisas
que avaliam o edital Elas nas Exatas (Unbehaum & Gava, 2017), apresentam um
panorama geral da chamada 18/2013 enquanto política pública (Lima & Costa, 2016;
Lima, 2017), trazem uma avaliação de projetos realizados no âmbito da chamada
18/2013 no estado da Paraíba (Queiroz, 2018) e análise do material produzido pelos
projetos contemplados pela chamada 18/2013 (Caseira & Magalhães, 2019). Há anda
publicações realizadas pela equipe dos projetos desenvolvidos (ver, por exemplo, Brito
et al., 2015; Maciel & Bim, 2016; Witovisk et al., 2018; Herrera & Spinelli, 2019;
Galdino et al., 2020).
As pesquisadoras Sandra Unbehaum e Thais Gava (2017), ao avaliar o I Elas nas
Exatas, realizaram um mapeamento das características dos grupos proponentes e das
11
Ver mais informações em: <http://www.fundosocialelas.org/elasnasexatas/edital/>.
12 Ver mais informações em: <http://portal.sbpcnet.org.br/premio-carolina-bori-cienciamulher/>.
13 Ver mais informações em: <https://olimpiada.fiocruz.br/premio-menina-hoje-cientista-amanha/>.
14 Ver mais informações em: < https://www.britishcouncil.org.br/mulheres-na-ciencia>.
95
atividades realizadas, e propuseram ações necessárias para a implementação de projetos
de equidade de gênero nas escolas. As autoras classificaram os projetos em três
categorias: propostos por organizações da sociedade civil (ONGs) e coletivos;
apresentados por associações de pais ou pela gestão escolar; e submetidos por
pesquisadoras vinculadas às universidades. No que diz respeito aos grupos vinculados
às universidades, as autoras identificaram que as proponentes haviam sido contempladas
anteriormente na chamada 18/2013, sendo a proposta aprovada uma continuidade do
trabalho anterior. Identificaram que o interesse em participar do edital surgiu a partir do
reconhecimento da baixa representatividade das mulheres em suas áreas e destacaram as
características de possuírem bastante conhecimento sobre as áreas das exatas e
tecnológicas, uma vez que eram pesquisadoras dessas áreas, porém pouco conhecimento
sobre as questões de gênero, e pouca experiência e familiaridade com a dinâmica
escolar.
A partir da avaliação do Edital Elas nas Exatas, Unbehaum & Gava (2017)
propuseram a formulação de cinco parâmetros para o desenvolvimento de projetos de
equidade de gênero nas escolas, são eles: (i) envolvimento da escola na execução das
ações, desde a elaboração do projeto ao planejamento das ações; (ii) apoio técnico e
teórico em gênero à equipe gestora (iii) formação continuada dos professores; (iv) foco
no aprendizado das meninas nas disciplinas das ciências, fortalecendo-as nos conteúdos
dessas áreas; e (v) trabalho estruturado a partir de parcerias, promovendo maior
capilaridade do trabalho, continuidade e consolidação.
Com relação à avaliação da chamada 18/2013, Lima (2017) destaca o
envolvimento na temática de gênero de áreas que até então não haviam sido alcançadas
pelo PMC nos editais para desenvolver pesquisas sobre gênero, mulheres e feminismos,
além do efeito multiplicador da iniciativa, que serviu de influência para a elaboração
dos editais Elas nas Exatas e projetos de extensão nas universidades, como o Meninas
na Ciência, da UFRGS. A partir de relatos dados na II Conferência de Mulheres na
Física, Lima (2017) descreve que um dos resultados percebidos foi o desejo das jovens
participantes de ingressarem na universidade e as escolhas de curso terem sido
orientadas pela vivência no projeto. No que diz respeito às graduandas, destacou-se a
motivação de permanecerem no curso escolhido. Um resultado positivo foi ainda o
aumento de visibilidade recebida pelas bolsistas na escola. No caso dos professores da
educação básica, observou-se interesse de dar continuidade à formação e ingressar na
pós-graduação. Araújo & Tonini (2019) apontam que, na avaliação da chamada
96
18/2013, há dados positivos acerca do interesse das estudantes de ensino médio – cerca
de 80% afirmaram ter aumentado o interesse nas áreas relacionadas após a participação
no projeto – e das graduandas – mais de 70% declararam que pretendiam concluir a
graduação nas áreas relacionadas ao projeto e cerca de metade pretendia ingressar na
pós-graduação.
As pesquisadoras Fabiani Figueiredo Caseira e Joanalira Corpes Magalhães
(2019) analisaram os projetos contemplados na chamada 18/2013 que criaram páginas e
redes sociais de divulgação na Internet. As autoras identificaram que, dos 104 projetos
cujos grupos proponentes eram vinculados às universidades, apenas 14 desenvolveram
páginas na web – 11 páginas de Facebook e quatro canais de Youtube. Por meio da
análise de discurso, investigaram as enunciações e imagens presentes nos materiais de
divulgação na forma de almanaques e histórias em quadrinhos e destacaram a ausência
da representação de cientistas negras nos materiais.
Em sua tese, Cecília Queiroz (2018) investigou como os 20 projetos
desenvolvidos na Paraíba, no âmbito da chamada 18/2013, efetivaram-se em dois
contextos, nas universidades e nas escolas de Ensino Médio Inovador. Queiroz avaliou a
implementação e os resultados dos projetos a partir da Abordagem do Ciclo de
Políticas, entrevistou gestores/as nacionais do CNPq e da SPM; coordenadoras/es,
docentes e estudantes das universidades e gestoras/es, docentes e estudantes das escolas
de ensino médio. A autora focou nos/nas participantes de 11 projetos, dos 20
desenvolvidos na Paraíba, nas três universidades e cinco escolas envolvidas, realizando
42 entrevistas e um grupo focal.
Ao analisar os documentos produzidos pelas/os coordenadores, Queiroz
destacou dois indicadores: a pertinência e a coerência entre os objetivos propostos no
projeto e os objetivos da chamada 18/2013; e a discussão sobre gênero ou gendramento
na área. As discussões de gênero nos projetos foram praticamente ausentes: apareceu
em apenas um dos onze projetos. A autora argumenta que:
isso pode indicar uma fragilidade da CP [chamada pública] em relação ao alcance dos
seus objetivos, o que resultou na secundarização da sub-representação em STEM,
mesmo em projetos com investimento específico para abordar o tema, e apontou que os
efeitos dos projetos foram pouco abrangentes (Queiroz, 2018, p. 284).
97
tiveram artigos publicados que abordam explicitamente as questões de gênero. Este fato
reforça, segundo a autora, o argumento de que diversos proponentes submeteram
projetos sem que tivessem afinidade com o debate sobre relações de gênero nas
ciências.
Dentre as sugestões apontadas a partir da avaliação dos projetos na Paraíba,
estão envolver gestores de escolas em projetos em equidade de gênero; desconstruir a
ideia de vocação sobre as escolhas de cursos e carreiras profissionais das estudantes,
evidenciando o gendramento presente nos espaços educacionais; garantir, nas chamadas
públicas, recursos para que as escolas melhorem sua infraestrutura e possam viabilizar
transporte para participação em ações externas; e ampliar o prazo de execução dos
projetos em fluxo contínuo, entre outros (Queiroz, 2018). O processo de avaliação dos
projetos realizado por Queiroz (2018) foi partilhado com a equipe do CNPq e resultou
em mudanças no edital seguinte, realizado em 2018, como, por exemplo, no requisito de
doação dos equipamentos obtidos pelo projeto para a escola e o período de execução
mais longo.
Ao avaliar as percepções das jovens participantes sobre o projeto Meninas no
Museu de Astronomia e Ciências Afins, realizado pelo Mast, as pesquisadoras e
coordenadoras do projeto Sandra Benitez Herrera, Patrícia Figueiró Spinelli e Ana Paula
Germano (2017, 2019) usaram uma triangulação de métodos com observação
participante, entrevistas e grupo focal. O projeto foi um desdobramento do Dia das
Meninas no Mast. Com início em 2016, a primeira edição do projeto teve a duração de
um ano e meio. Nesta edição, o projeto contou com recursos institucionais e,
posteriormente, foi contemplado no edital 31/2018. Na análise das percepções das sete
jovens participantes – de idade entre 15 e 17 anos e estudantes de escolas públicas – que
participaram da primeira edição, as autoras descreveram que a expectativa inicial era de
obter maior conhecimento por áreas que ainda desconheciam e pela vivência na
instituição que poderia abrir portas futuramente. Destacaram que houve uma mudança
de percepção sobre a ciência e suas atitudes, relacionada a visão de suas próprias
capacidades nas áreas e ao aumento de autoconfiança.
Em pesquisa sobre os dados e resultados do projeto Tem Menina no Circuito
após cinco anos de funcionamento, Gabriella Galdino da Silva, Elis Sinnecker, Tatiana
Rappoport e Thereza Paiva (2020) analisaram as percepções de 44 estudantes da
educação básica que participaram das atividades entre 2014 e 2019, por meio de
questionário on-line e análise das respostas seguindo a metodologia do Discurso do
98
Sujeito Coletivo, com foco nas temáticas sobre perfil das estudantes, passeios, planos,
influência e importância do projeto. Sobre a influência do projeto, as autoras
identificaram percepções relativas ao interesse na aprendizagem de física e de novos
conhecimentos, assim como uma melhor relação com a disciplina.
No que se refere à importância do projeto, as percepções das jovens foram
relacionadas tanto à obtenção de novos conhecimentos quanto à formação pessoal e
questões de gênero. Como uma das considerações das autoras sobre escolhas de atuação
profissional, destaca-se que, ainda que poucas estudantes tenham ingressado na área de
exatas após a vivência no projeto, houve uma ampliação do horizonte de possibilidades,
antes desconhecidas por elas, além de um aumento na percepção de autoconfiança e
autoestima. As autoras propõem, como implicações futuras, a importância de elaborar
estratégias para estimular a permanência e evitar a evasão de estudantes do projeto, ter
instrumentos de coleta de dados e avaliação contínua, e elaborar um planejamento anual
das atividades para controle do desenvolvimento das habilidades e competências das
participantes (Galdino da Silva et al., 2020).
99
relação com docentes, a diversidade e representatividade de gênero e raça, o ambiente e
as metodologias de ensino aprendizagem, os recursos para experimentação, contato com
espaços científico culturais, e o âmbito social, que diz respeito às normas culturais e
sociais de gênero e as representações de ciência e da figura de cientista nas mídias e nas
artes (ver Unesco, 2018), como elencados na Figura 4.
Figura 4: Marco contextual dos fatores que influenciam a participação, o desempenho e o
avanço de meninas e mulheres nos estudos de STEM (Fonte: Unesco, 2018).
Uma iniciativa importante para desenvolver esta temática, fundada em 2010, foi
a rede Network Gender & STEM: Educational and occupational pathways and
participation A rede envolve diversos países, com maior número de pesquisadores da
Europa e dos Estados Unidos, e busca compreender vários aspectos relacionados às
escolhas de carreira e trajetórias profissionais de meninas e mulheres na direção das
STEM, além de buscar detectar novas abordagens para tratar do tema da sub-
representação de mulheres nestas áreas. Foram organizados congressos bienais pela rede
desde 2012. No primeiro evento, na Holanda, o tema foi "Caminhos engendrados em
direção a (e fora de) campos STEM". Em 2014, o congresso foi realizado na Alemanha
e versou sobre "Gênero e STEM: o que escolas, famílias e locais de trabalho podem
fazer?". Em 2016, no Reino Unido, a temática foi "Participação de meninas e mulheres
em STEM: lições passadas e possíveis futuros" e, em 2018, nos Estados Unidos, o
evento abordou "Re-imaginando quem faz STEM". Trabalhos apresentados durante os
congressos foram publicados em seis dossiês especiais da revista International Journal
of Gender, Science and Technology (Wayttt et al., 2013; Lazarides & Ittel, 2015;
Lazarides & Ittel, 2016; Watson et al., 2018; Perez-Felkner, 2019; Beyer, 2020).
100
Nesta seção, buscaremos discutir alguns dos fatores que influenciam na inserção
de jovens nas ciências, como motivação e interesse, a construção de identidade
científica e de senso de pertencimento, a presença de figuras de incentivo e mentoras e a
importância da representatividade.
101
escolherem esta carreira, em um estudo intercultural com 86 estudantes da Índia,
Estados Unidos e Brasil. A partir de cinco perguntas sobre o motivo da escolha de
carreira, o papel de professores, os planos de continuidade na carreira e o momento de
vida da escolha da área, as autoras codificaram as respostas a partir de três dimensões:
identidade científica, experiências passadas e expectativas futuras. O interesse prévio
por ciências, categorizado como identidade científica, apareceu como a principal
motivação entre as respondentes dos três países. Com relação às expectativas futuras,
estudantes brasileiras expressaram objetivos de carreira mais genéricos e abstratos, com
menor familiaridade com as opções de carreira disponíveis, e exaltaram a figura de
orientação e mentoria como influências positivas. No entanto, as estudantes
descreveram que as desigualdades de gênero no tratamento recebido por professores foi
um fator desencorajador na perspectiva de escolha da carreira. A motivação e interesse
são fatores que contribuem na formação de um identidade científica e de um senso de
pertencimento, como discutiremos a seguir.
102
Uma conceituação precursora de identidade científica, proposta por Heidi
Carlone e Angela Johnson (2007), refere-se a como as pessoas se veem como pessoas
“da ciência” e como são reconhecidas pelos outros como pessoas “da ciência”,
considerando três dimensões da identidade científica: competência, desempenho e
reconhecimento. Desta forma, uma identidade científica seria desenvolvida quando,
como resultado da competência e desempenho de uma pessoa, ela é reconhecida por
outras pessoas significativas (cuja aceitação importam para ela).
Esta conceituação foi desenvolvida a partir de um estudo etnográfico com 15
mulheres negras consideradas bem-sucedidas, no qual Carlone e Johnson (2007)
examinaram a natureza de suas experiências científicas ao longo de seus estudos de
graduação e pós-graduação, e suas carreiras científicas, através das lentes da identidade
científica. Entre as participantes, quatro eram latinas, três indígenas, e quatro ásio-
americanas. As pesquisadoras coletaram dados por meio de entrevistas etnográficas e
entrevistas de acompanhamento realizadas seis anos depois, que foram analisadas
observando-se principalmente os domínios associados à competência, desempenho e
reconhecimento. A partir das análises, as autoras classificaram as experiências das
participantes em três principais categorias: aquelas que formaram uma identidade de
cientista pesquisadora; aquelas que formaram identidades científicas alternativas, mas
que nas quais se consideravam satisfeitas; e aquelas cuja formação da identidade
científica foi interrompida e disruptiva.
A pesquisadora Lucy Avraamidou (2020) argumenta que um dos objetivos da
pesquisa sobre identidade científica é contribuir para entender como esta identidade
pode servir para permitir uma aprendizagem significativa e com propósito. A autora
endossa a concepção de identidade como um processo constante de se tornar, um
processo que estaria sempre vinculado a um lugar ou contexto sociopolítico, em vez de
um produto ou de uma concepção prévia do que seria uma identidade científica. Esse
posicionamento ofereceria espaço para a multiplicidade, diversidade, subjetividade e
hibridez existirem e reconhecer as infinitas maneiras de se tornar uma pessoa com
identidade científica. Avraamidou (2020) discute a necessidade de interseccionalidade
como uma estrutura conceitual para estudar a identidade científica, que abordem as
desigualdades na educação formal e não formal, bem como a influência múltipla e
interligada de sistemas de privilégio e opressão na ciência, como racismo e sexismo.
A partir da pergunta sobre como meninas negras e não brancas desenvolvem
uma identidade em STEM durante o segundo segmento do Ensino Fundamental, nos
103
Estados Unidos, Kang e colaboradoras realizaram um estudo longitudinal durante dois
anos, a partir da medição de identidade científica de 1821 estudantes por meio do
survey Is Science and Me?, descrito por Aschbacher et al. (2014). No modelo descrito
por Kang e colaboradoras (2019), são elencados um conjunto de fatores como
negociadores de identidade que moldam dinamicamente a construção de identidade, em
vez de fatores estáticos para determinar a identidade de uma pessoa.
Neste conjunto, são consideradas informações sobre o histórico pessoal e
familiar, oportunidades e experiências nas ciências em diferentes ambientes e
percepções sobre si mesma, sobre a ciência e sobre o trabalho de cientistas (Figura 5). O
primeiro construto para a formação de identidade envolve entender como o histórico
pessoal e familiar pode trazer possibilidades de encontros sociais e de respostas a esses
encontros, como, por exemplo, as identidades de gênero, cor/raça, interesse dos pais em
apoiar uma carreira científica e a profissão dos pais e familiares. O segundo construto
envolve as oportunidades e experiências nas ciências em diferentes ambientes, como nas
experiências em casa, na escola e fora da escola. O terceiro construto diz respeito às
percepções sobre si mesma, sobre a ciência e sobre o trabalho de cientistas, isto é, como
a pessoa se sente como estudante numa carreira científica e como percebe a ciência e a
figura de cientista.
104
Figura 5: Modelo teórico de construção de identidade científica (Kang et al., 2019)
105
11 e 15 anos em aulas de ciências e grupos de discussão com estudantes em seis escolas
na Inglaterra. Compreendendo as salas de aula como constituídas por disputas de poder
por voz, legitimidade e reconhecimento, as pesquisadoras identificaram que
determinados grupos de meninos performavam comportamentos a partir de três
elementos principais: competição; dominação e controle do discurso nas aulas de
ciências; e policiamento da conversa dos demais estudantes. As dinâmicas dos
estudantes nas salas de aula provocaram silenciamento das contribuições de alunas e
demais grupos minoritários, e a percepção destes grupos de não reconhecimento como
inteligentes nas aulas de ciências.
Como descrito nos modelos de Carlone e Johnson (2007), de Kang et al. (2019)
e nos estudos de Leaper (2015), a presença de figuras de incentivo, como professoras/es,
familiares e colegas pode auxiliar na formação de uma identidade científica e de um
senso de pertencimento. As pesquisadoras Rebecca Lazarides e Angela Ittel (2013), do
Instituto de Tecnologia de Berlim, analisaram o papel do apoio familiar e de professores
em estudo longitudinal na Alemanha. Seus resultados sugerem que a percepção do
suporte familiar é importante particularmente para a motivação e o desenvolvimento de
interesse de meninas nas STEM. As autoras indicam que os programas que visam
facilitar o interesse e o desenvolvimento de meninas e meninos nessas áreas devem
levar em conta o envolvimento dos pais como agentes sociais relevantes.
Eccles (2015) descreveu o papel das famílias nas diferenças de gênero nas
disciplinas STEM e apresentou um modelo de análise que alia abordagens psicológicas
e socioculturais. A autora apresenta resultados empíricos de dois estudos longitudinais –
os quais acompanharam jovens de cerca de 12 anos até 45 anos – que abordam a
questão de como as percepções dos pais sobre as habilidades acadêmicas de seus filhos
predizem a confiança dos próprios filhos em suas habilidades acadêmicas; como as
crenças dos pais diferem de acordo com o sexo de seus filhos; e como essas crenças
realmente preveem as próprias crenças e comportamentos das crianças.
A pesquisadora Rachael Robnett (2013) estudou o papel dos pares na retenção
de meninas e mulheres nas carreiras de STEM enquanto estudantes. A autora identificou
que a influência das colegas na motivação era importante no nível de Ensino Médio e
graduação, e a influência das colegas em fortalecer a confiança era o fato mais
importante no nível de pós-graduação. Muitas mulheres em programas de pós-
graduação em STEM já estão altamente motivadas, mas enfrentam desafios como
isolamento social, que culmina em minar sua confiança. Neste caso, a influência
106
positiva de colegas, gerando um senso de pertencimento, auxiliava a se sentirem mais
confiante em suas habilidades.
A ideia de que a exposição a modelos de papéis estereotipados de gênero pode
influenciar as aspirações e as escolhas de carreira entre crianças, adolescentes e jovens
tem levado diversas iniciativas, como as chamadas e os projetos que estamos
analisando, a buscar maior diversidade e representatividade de gênero – e de demais
grupos não dominantes - em suas atividades. Um dos objetivos das intervenções que
trazem figuras modelos em papéis contrários aos estereótipos é ajudar a mudar as
percepções de jovens mulheres sobre o que elas podem ou devem fazer, mudando as
percepções do que as mulheres e demais grupos não dominantes podem fazer.
A exposição a modelos de comportamento contrários aos estereótipos
tradicionais parece mudar as percepções de papéis de gênero de crianças e jovens,
mesmo em exposições de curto prazo (Olsson & Martiny, 2018). Por exemplo, jovens
mulheres falam mais sobre política e relatam mais intenções futuras de se engajar
politicamente em países onde há um maior número de mulheres na política (Wolbrecht
e Campbell, 2007). Outro exemplo investigado pelos pesquisadores Fredrik Jensen e
Maria Vetleseter Bøe (2013), do Centro Norueguês para Educação em Ciências,
analisou a motivação de estudantes de Ensino Médio na Noruega após a experiência de
vivenciar o Dia das Meninas (The Girl´s Day), evento de recrutamento com duração de
dois dias na universidade. Dois terços das entrevistadas se tornaram mais certas do que
pretendiam escolher como curso universitário como resultado direto da participação no
evento, sendo a interação com estudantes universitárias na figura de exemplos o
principal fator que contribuiu para essa motivação.
Pertencimento social pode ser definido como a capacidade de conexão social
dentro de um grupo, de se sentir aceita/o, incluída/o, valorizada/o e se encaixar
socialmente em determinado grupo de pessoas, seja no âmbito educacional (Goodenow
1993) ou como uma necessidade humana básica (Baumeister & Leary, 1995). Um
exemplo sobre a importância da construção de um senso de pertencimento está na
pesquisa de Rainey e colaboradoras (2018), que entrevistaram 201 estudantes do último
ano da faculdade na Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos,
principalmente mulheres e pessoas negras, que se formaram em STEM ou começaram,
mas abandonaram cursos nas áreas de STEM. A partir da autodeclaração de senso de
pertencimento, as/os estudantes analisados associaram a formação de um senso de
pertencimento quando conseguiam estabelecer relações com colegas, quando confiavam
107
em suas habilidades pessoais para finalizar a graduação, quando tinham interesse em
seu curso de graduação e quando declaravam ter uma identidade científica. Neste
estudo, Rayney e colaboradoras relataram que o senso de pertencimento era mais
frequente entre homens, estudantes brancos e formandos na área de STEM. Além disso,
o senso de pertencimento de estudantes aos campos de STEM estava correlacionado
com o número de membros do mesmo gênero na área de especialização. A importância
de ter representatividade de gênero e raça com a presença visível de estudantes com o
mesmo perfil tornaria a presença de estudantes neste ambiente de STEM mais
frequente, transmitindo o sentimento de que pertencem a esses espaços.
Tellhed, Bäckström e Björklund (2016) testaram a autoeficácia (percepções
sobre a própria competência) e as expectativas sobre pertencimento social como
indicadores das diferenças de gênero no interesse em cursos nas áreas de STEM e nas
áreas de Saúde, Educação e relativas ao trabalho de cuidado em uma amostra
representativa de 1.327 alunos suecos do Ensino Médio. As autoras relataram que o
pertencimento social apareceu como um mediador melhor das diferenças de gênero no
interesse nas áreas de Saúde, Educação e Cuidado do que a autoeficácia. Além disso,
tanto os homens quanto as mulheres respondentes acreditavam que se encaixariam
melhor em cursos com maior presença de colegas do mesmo gênero, em comparação
com cursos com maior presença de outro gênero. Essas constatações nos permitem
refletir sobre as limitações que a falta de representatividade de gênero e raça e, por
consequência, a falta de um senso de pertencimento às carreiras em STEM são fatores
que constringem as escolhas em cursos nas carreiras em que há predominância de um
determinado gênero.
Os “contra-espaços” na educação em STEM são considerados "espaços seguros"
que, por definição, se situariam nas margens, fora dos espaços formais, e ocupados por
membros de grupos não-dominantes (Solorzano; Ceja; Yosso, 2000). Esses grupos, que
inclui mulheres e estudantes racial/etnicamente sub-representadoss, tradicionalmente
foram historicamente excluídos da educação em STEM ou de carreiras nessas áreas.
Solorzano, Ceja, e Yosso (2000) e Ong, Smith e Ko (2018) definiram “contra-espaços”
como espaços acadêmicos e sociais seguros que permitem que estudantes de grupos
não-dominantes: promovam sua própria aprendizagem em que suas experiências são
validadas e vistas como conhecimento crítico; possam desabafar frustrações,
compartilhando histórias de isolamento, microagressões e discriminação; e possam
108
desafiar os estereótipos sobre as habilidades das pessoas de grupos não-dominantes de
modo a estabelecer um ambiente positivo de troca e promoção de autoconfiança.
Por meio de 39 entrevistas com mulheres não-brancas de diferentes grupos
étnicos, estágios de carreira e disciplinas de STEM, Ong, Smith e Ko (2018)
categorizaram cinco tipos de contra-espaços: (i) nas relações entre pares; (ii) nas
relações com mentoras; (iii) em conferências nacionais sobre diversidade em STEM;
(iv) nos movimentos de estudantes dentro da universidade; e (v) nos departamentos de
disciplinas de STEM. A partir dessa concepção, contra-espaços podem ser espaços
físicos, como no caso das conferências, mas também no plano conceitual e nas relações,
como nas mentorias e nas dinâmicas entre pares.
Usando dados coletados em grupos focais com estudantes afro-americanos de
três universidades dos Estados Unidos, Solorzano Ceja e Yosso (2000) discutiram a
presença de contra-espaços criados dentro de organizações estudantis afro-americanas,
organizações ou escritórios que fornecem serviços para afro-americanos e outros
estudantes, fraternidades e irmandades negras, grupos de pares e salas de estudo
acadêmicas organizadas por estudantes negros e negras. Esses “contra-espaços”
acadêmicos permitiram que estudantes afro-americanos/as, no contexto estadunidense,
promovessem sua própria aprendizagem e nutrissem um ambiente de apoio em que suas
experiências foram validadas e vistas como conhecimento relevante.
109
4. Abordagem metodológica
4.1. Objetivos
111
instituição coordenadora e financiamento; (iv) analisamos a abrangência temática dos
projetos contemplados, por meio da análise das principais áreas de conhecimento
abordadas; (v) identificamos o período de criação e duração dos projetos (vi) analisamos
as produções científicas – artigos científicos publicados em periódicos revisados por
pares, capítulo de livros e trabalhos completos publicados em anais de congresso –
resultantes do envolvimento nos projetos até novembro de 2021.
Obtivemos, por meio do acesso aos resultados das chamadas na página do
CNPq, os nomes da/os proponentes e instituições vinculadas. Os dados sobre nome dos
projetos, área de conhecimento vinculada à área de atuação das/os proponentes, ano de
início dos projetos e trabalhos publicados foram obtidos por meio do acesso ao currículo
das/os proponentes na Plataforma Lattes e pelos documentos dos projetos aprovados em
2013, cedidos pelo CNPq. A tabulação e os gráficos para visualização dos dados foram
realizados por meio do Excel.
112
Para a breve descrição dos projetos TMC, MCE, QUI e MOI, foram consultados
os documentos dos projetos enviados ao CNPq na ocasião da chamada 31/2018. Para a
descrição do projeto TMC, foram consultados ainda os relatórios finais de atividades do
projeto no âmbito do financiamento da chamada CNPq 18/2013 e Elas nas Exatas I,
fornecidos pelas coordenadoras do projeto para análise durante esta pesquisa.
15
Ver Resolução/CD/FNDE nº 63, de 15 de dezembro de 2009:
https://www.fnde.gov.br/index.php/acesso-a-informacao/institucional/legislacao/item/3372-
resolu%C3%A7%C3%A3o-cd-fnde-n%C2%BA-63-de-15-de-dezembro-de-2009
113
Tabela 1: Descrição dos projetos incluídos no corpus da pesquisa no que diz respeito ao nome do projeto, instituição coordenadora, área de atuação das
coordenadoras, objetivo geral do projeto, conteúdo abordado nas atividades envolvidas, principais atividades desenvolvidas, financiamento e ano de início do
projeto (Fonte: Elaboração própria).
Nome do projeto Instituição Área de Objetivo geral16 Conteúdo Principais atividades desenvolvidas Financiamento Início
coordenadora atuação das abordado nas
coordenadoras atividades
desenvolvidas
Tem Menina no Universidade Física Engajar meninas do ensino Circuitos Oficinas semanais nas escolas de CNPq 18/2013; 2014
Circuito (TMC) Federal do Rio fundamental e médio no estudo de elétricos circuitos em massinha, papel e Elas nas Exatas I
de Janeiro ciências exatas e outras áreas confecção de painel eletrônico
tecnológicas. Desta forma, incentivá-
las a ingressar no ensino superior em Visita ao laboratório de física da UFRJ
carreiras dentro da área de ciências
exatas como física, matemática, Apresentação em feiras de ciência
engenharias ou computação.
Meninas Instituto Matemática Promover a efetiva presença de Robótica Atividades semanais nas escolas com CNPq 31/2018 2018
Olímpicas do Nacional de meninas em atividades de jogos, desafios matemáticos, painéis
IMPA (MOI) Matemática Matemática, inclusive nas Olimpíadas sobre a questão de gênero e projetos
Pura e Aplicada escolares, visando a que se de robótica em arduíno.
interessem e desenvolvam carreiras
no âmbito científico e tecnológico. Visitas a espaços científicos culturais
16
Texto elaborado a partir dos objetivos descritos nos projetos enviados ao CNPq no âmbito das chamadas públicas.
114
Divulgação Científica nas escolas e expressões da Matemática brasileira”
no Museu Ciência e Vida.
Realização de eventos no Museu
Ciência e Vida: Ciência é com elas! E
Festival Meninas nas Exatas
Estudo estatístico Pontifícia Química Estimular meninas e jovens a se Química CNPq 18/2013; 2013
da composição Universidade interessarem pelas ciências exatas, analítica Palestras de apresentação do projeto CNPq 31/2018
química do cabelo Católica do Rio promovendo a integração escola – nas escolas (coordenadora)
(QUI) de Janeiro Universidade, a fim de incentivá-las a
ingressarem em cursos superiores, Coleta das amostras de cabelo nas
de modo a diminuir as desigualdades escolas
de gêneros no mercado de trabalho
no campo das ciências exatas. Preparação e análise química das
Propõe um projeto para criação de amostras de cabelo em laboratórios de
um banco de dados de resultados da química
composição química de cabelo, que
conta com a doação de amostras por Consolidação dos dados obtidos e
voluntários das escolas e das redação de artigo científico
comunidades onde as mesmas estão (professoras e coordenadora)
inseridas, a fim de atualizar os
valores de referência do
mineralograma capilar e identificar,
através de ferramentas estatísticas,
variáveis que afetam esses
resultados.
115
Ao integrar eletrônica com materiais normalmente utilizados em artesanato, o
projeto pretendia despertar maior interesse e engajamento das alunas. A ação do projeto
se estendeu para além dos encontros semanais com as meninas, na realização de
palestras de pesquisadoras na escola para um público mais amplo; realização de saídas
com as estudantes para institutos de pesquisa, visita a laboratórios da universidade e
espaços científico culturais.
Ambas as escolas envolvidas no projeto se situam em regiões carentes de
atividades e espaços científico culturais. O CIEP 218 Ministro Hermes Lima -
Intercultural Brasil Turquia teve cerca de 300 estudantes matriculados em 2018 e
alcançou o valor de Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 3,1 para
os anos finais do Ensino Fundamental no ano de 2015, valor inferior ao observado no
índice nacional no mesmo período e segmento (4,2), fornecido pelo Inep. Apesar disso,
o CIEP apresenta ampla infraestrutura, dotado de laboratório de ciências, laboratório de
informática, quadra de esportes, biblioteca, auditório e demais espaços. Além disso, a
escola tem ênfase no ensino de física, fornecendo aos estudantes um tempo maior desta
disciplina do que em demais escolas da rede pública. Já o Colégio Estadual Alfredo
Neves teve cerca de 300 estudantes matriculados em 2018 e apresentou o valor de 4,5
no Ideb de 2017 relativo ao Ensino Médio, que é maior do que a média nacional de 3,5
para o mesmo segmento.
Em 2019, as participantes do projeto acompanharam as atividades semanais de
forma voluntária e sem auxílio financeiro – o projeto não foi contemplado na chamada
do CNPq 31/2018 – e contou apenas com recursos institucionais como projeto de
extensão da UFRJ. Segundo as coordenadoras, a participação no projeto foi irregular ao
longo do tempo de duração do projeto, com maior presença nos meses iniciais e menor
participação no segundo semestre letivo. Destaca-se ainda que eventos pontuais, como
as saídas da escola para espaços científicos culturais e para institutos de pesquisa,
incentivaram a permanência e maior participação das jovens no projeto.
A partir das entrevistas com as coordenadoras, entendemos que um dos objetivos
do projeto era fazer com que as jovens conhecessem a universidade e se reconhecessem
nesse espaço, como na fala: “a ideia era assim ‘não importa se eu vou fazer física ou
não’, a ideia é que conheçam a universidade, vejam que as pessoas que estão lá dentro
116
são pessoas como elas. Olhem os estudantes andando ali, se reconheçam naquelas
pessoas que estão ali e aí queiram fazer”17.
17
Trecho retirado da entrevista com as coordenadoras.
18
Trecho retirado da entrevista com as coordenadoras.
117
Joaquim Gomes de Sousa - Intercultural Brasil China e Escola Municipal Meninos de
Deus.
Durante o ano, foram realizadas reuniões de planejamento mensais em que se
reuniam a coordenadora, os professores de educação básica e as graduandas. Nestas
reuniões, a equipe planejava as atividades, resolvia questões logísticas e estudava
tópicos em conjunto. Entre as ações do MOI, destacaram-se as atividades regulares
complementares à grade curricular nas escolas participantes e a visitação a ambientes
acadêmicos e profissionais das carreiras das áreas de STEM.
Em um primeiro momento, as atividades semanais nas escolas envolveram
desafios matemáticos, jogos, discussões e construção de painéis sobre a questão de
gênero. No segundo semestre, o grupo optou por realizar projetos de robótica em
arduíno, com a construção de aparatos que surgiram do desejo das estudantes em
intervir na realidade social das escolas. Para tal, os professores e as licenciandas
fizeram, anteriormente, um curso de formação em arduíno, ministrado por um
profissional do IMPA. Em seguida, cada escola desenvolveu um projeto. Dentre os
produtos desenvolvidos, destaca-se a construção de um alarme para prevenção de
enchentes e um sistema de irrigação regular da horta escolar.
Das visitas aos espaços científicos culturais, destacaram-se: visita à Casa Firjan,
espaço cultural localizado no Rio de Janeiro, e à Arena SESI Matemática; a participação
do programa Físico por uma Tarde, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas;
participação no evento IMPA de portas abertas; visita ao Parque Tecnológico, da UFRJ;
e evento de finalização do projeto no Auditório Tercio Pacciti, na Unirio, com a
presença do diretor do IMPA, e passeio no Bondinho do Pão de Açúcar.
118
ferramentas estatísticas, variáveis que afetam esses resultados. A coordenadora do
projeto havia sido contemplada na chamada 18/2013 com projeto similar e foi
contemplada novamente na chamada 31/2018.
O eixo principal deste projeto era dar oportunidades para que as estudantes da
educação básica pudessem acompanhar pesquisas e conhecer laboratórios de pesquisa.
O projeto envolveu cinco escolas públicas, sendo quatro estaduais e uma federal,
situadas na região metropolitana do Rio de Janeiro. As escolas se situavam na cidade do
Rio de Janeiro (nos bairros de Curicica, Praça Seca, Ramos e Maracanã) e Nilópolis.
O projeto envolveu cinco professoras da educação básica, 15 alunas de ensino
médio e três graduandas em química ou engenharia química da PUC-Rio. Desenvolvido
no ano de 2019 e 2020, o projeto aconteceu em cinco etapas: (1) criação e
familiarização da equipe de trabalho; (2) coleta das amostras de cabelo nas escolas e
questionários com informações das doadoras voluntárias; (3) preparação e análise
química das amostras de cabelo, na qual as estudantes de nível médio aprenderam sobre
procedimentos básicos em laboratórios de química, como, por exemplo, segurança no
laboratório, uso de balança analítica, instrumentos de medidas de volume, preparo de
soluções e separação de rejeitos de laboratório; (4) consolidação dos dados obtidos a
partir das amostras de cabelo e do mineralograma capilar e análises estatísticas; e (5)
divulgação dos resultados em eventos científicos e redação de artigo cientifico.
119
escola municipal, duas estaduais e duas federais, situadas em Duque de Caxias, são elas:
Escola Municipal Dr. Ely Combat, Colégio Estadual Círculo Operário, Colégio Estadual
Monteiro Lobato, Colégio Pedro II campus Duque de Caxias e Instituto Federal de
Educação Ciência e Tecnologia do RJ campus Duque de Caxias.
As jovens participantes se reuniram semanalmente nos laboratórios didáticos da
UFRJ campus Santa Cruz da Serra para desenvolver experimentos em física e em
nanotecnologia. O trabalho foi desenvolvido em torno do estudo do grafeno, da
condução de elétrons e da condução de spins na matéria. As participantes apresentaram
o trabalho desenvolvido em diversos eventos, como na XIII FECTI – Feira de Ciência,
Tecnologia e Inovação do Estado do Rio de Janeiro, no Sábado da Ciência “As incríveis
mulheres cientistas”, promovido pelo Espaço Ciência Viva; e em feiras de ciências
realizadas pelas escolas.
Concomitante às atividades experimentais, o projeto organizou atividades
motivacionais com mesas redondas mensais nas escolas envolvidas, abertas para a
comunidade escolar, com a presença de duas pesquisadoras em cada evento, que
narravam suas trajetórias e motivações para escolha da carreira científica. Além disso,
por meio do projeto, foram montadas, nas escolas, duas exposições itinerantes que
fazem parte do acervo do Museu Ciência e Vida dentro do tema de mulheres nas
ciências, são elas, “Pioneiras da Ciência no Brasil”, com curadoria de integrantes da
equipe do museu, e “Elas: expressões da Matemática brasileira”, reprodução da
exposição curada por Thais Jordão do Instituto de Matemática da USP-São Carlos. Para
as/os professoras/es bolsistas, foram ofertadas ainda oficinas de capacitação, na
modalidade a distância, como curso de escrita científica, orientação para pesquisa na
Educação Básica e Robótica para Educação Básica.
Foram realizados ainda dois eventos no Museu Ciência e Vida: “Ciência é com
elas!”, organizado a partir de mesas redondas com jovens pesquisadoras de ensino
médio e de graduação, que contaram suas conquistas e trajetórias; e o “Festival Meninas
nas Exatas”, que envolveu pesquisadoras do campo de políticas públicas e
pesquisadoras sênior das áreas de exatas, abordando temas sobre gênero e ciência, e
suas trajetórias pessoais e profissionais.
120
4.4. Sujeitas da pesquisa
4.5.1. Questionários
121
interesses com relação à ciência e tecnologia. Essa abordagem tem permitido construir
conhecimento para embasar políticas públicas em diversos campos das ciências sociais,
como no comportamento eleitoral, relações raciais e em medidas relativas às políticas
ambientais (Simões & Pereira, 2007). Muitos desses estudos utilizam surveys de cunho
nacional ou internacional, que permitem que seus resultados sejam extrapolados para a
totalidade da população de um país ou, conforme o caso, ao contexto em que se
inserem.
Neste estudo, focalizamos em quatro iniciativas e em jovens voluntárias.
Portanto, nossos resultados não podem ser extrapolados para a totalidade de
participantes das iniciativas e menos ainda para jovens brasileiras. Por outro lado, um
dos interesses centrais na aplicação de um questionário sobre percepção pública da
ciência para as participantes dos projetos foi replicar no grupo analisado algumas das
questões formuladas por surveys estaduais e nacionais (Castelfranchi et al., 2016;
CGEE, 2019; Massarani et al., 2021a; Massarani et al., 2021b), permitindo a
comparação de percepções das jovens participantes com demais jovens brasileiras/os e
com a população do país. Além disso, utilizarmos questões que foram rigorosamente
testadas e utilizadas em surveys de maior escala conferiu maior confiabilidade e
validade do instrumento de análise.
De forma similar ao descrito por Castelfranchi e colaboradores (2016),
Massarani et al. (2021a) e Massarani et al. (2021b), realizamos uma etapa de pré-teste
do questionário, no início de março de 2019, com a participação de 11 estudantes no
CIEP 218. Esta etapa pretendia garantir uma maior validade dos dados, na busca de
compreender se os significados inferidos pelas entrevistadas coincidiam com os
significados pretendidos pelas pesquisadoras. Nesta etapa, identificamos, por exemplo,
que as instruções iniciais de como responder às perguntas não estava sendo bem
compreendida. Optamos ainda por trocar a palavra “extracurricular” por “fora da
escola” em uma das perguntas (pergunta 10) e trocar a formulação de uma questão
(pergunta 12) para “qual a profissão de seus pais ou responsáveis?”, em vez de
perguntar diretamente se trabalhavam na área de ciência e tecnologia, uma vez que essa
pergunta gerou confusão com relação à que profissões seriam consideradas da área de
ciência e tecnologia.
Uma das questões que surgiram durante o pré-teste foi o fato de alguns
estudantes virem de famílias monoparentais e não conviverem, principalmente, com o
pai, o que nos alertou sobre a necessidade de inserir uma opção que contemplasse essa
122
opção. Essa etapa nos fez refletir sobre as assumpções que trouxemos para a pesquisa
baseadas em nossas vivências e que necessitávamos de uma reflexão anterior sobre o
tema durante o desenho do instrumento de pesquisa para a construção de perguntas a
partir de um olhar ampliado sobre família.
Após a etapa de validação do questionário, em momento inicial dos projetos –
que compreendeu os meses de março a junho de 2019, aplicamos o questionário de
percepção pública da ciência com as jovens participantes dos projetos (ANEXO I). O
questionário foi aplicado por um dia em cada projeto, respondido por 73 participantes
dos quatro projetos selecionados – sendo 28 jovens do projeto TMC, 21 do projeto
MOI, 14 do projeto MCE e 10 do projeto QUI. A quantidade de jovens respondentes se
refere às jovens que compareceram presencialmente às atividades dos projetos no dia de
sua aplicação. Para aplicação dos questionários, inicialmente, a pesquisadora se
apresentava e descrevia os objetivos da pesquisa para as participantes, entregava o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – entregue e assinado pelos responsáveis
legais – e o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido para as jovens. Após a
concordância com o termo, as participantes preenchiam o questionário.
Com relação ao número de respondentes e a totalidade de participantes de cada
projeto, no projeto MOI, todas as participantes responderam ao questionário (100%); no
projeto MCE, 14 das 15 jovens participantes responderam à pesquisa (93,3%); e, no
projeto QUI, obtivemos respostas de 10 das 15 participantes (66,7%). No projeto TMC,
a participação das jovens flutuou ao longo do ano da pesquisa e não obtivemos um dado
exato do número de participantes totais.
O questionário foi composto de 39 perguntas, sendo 11 questões discursivas. Ele
foi dividido em quatro dimensões, a saber: (i) Perfil sociodemográfico, motivação e
interesse em C&T; (ii) Consumo e hábitos informativos de C&T; (iii) Significados e
imagens atribuídas à ciência e aos cientistas; e (iv) Percepções sobre paridade de gênero
nas ciências, feminismo e discriminação de gênero.
A primeira dimensão abrangeu informações gerais das participantes, tais como
idade, gênero, bairro, cidade, escola, segmento escolar, matérias favoritas, interesse em
matérias de C&T, profissão dos pais, escolaridade dos pais, religião, carreira futura e
cor/raça. Nesta dimensão, questionamos ainda as motivações e expectativas das
participantes com relação ao projeto envolvido, em questões discursivas.
A segunda dimensão diz respeito aos hábitos de consumo de informação sobre
ciência na mídia e em espaços científico-culturais. A terceira dimensão compreendeu as
123
percepções sobre ciência e cientista propriamente ditas. Nessa parte, pedimos às
participantes que escrevessem palavras relacionadas aos termos ciência e tecnologia,
separadamente. Buscamos identificar as percepções com relação aos estereótipos de
cientistas de diferentes áreas de conhecimento, exemplificados por “cientistas que
estudam o universo”, “cientistas que estudam o fenômeno social da pobreza”,
“cientistas que estudam a cura do câncer” e “cientistas que desenvolvem robôs”.
Questionamos ainda sobre o interesse em trabalhar como cientista e o grau de
dificuldade ou facilidade que envolveria exercer essa profissão. Na quarta dimensão,
perguntamos o grau de concordância ou discordância das jovens sobre afirmações
sexistas, pedimos que descrevessem situações pessoais de discriminação de gênero, seus
interesses em discussões sobre igualdade de gênero e feminismo, e sobre participação
em movimentos de mulheres.
As dimensões (ii) e (iii) do questionário foram desenvolvidas a partir da
adaptação de questões do survey “O que os jovens pensam sobre ciência, tecnologia e
inovação?”, realizado em 2019 pelo Instituto Nacional de Comunicação Pública da
Ciência e Tecnologia (Massarani et al., 2021a; Massarani et al., 2021b) e a dimensão
(iv) contém questões adaptadas da pesquisa “Os mineiros e a ciência” (Castelfranchi et
al., 2016). Dessa forma, os resultados dessa pesquisa permitem um estudo comparativo
com duas enquetes em nível nacional e estadual.
4.5.2. Entrevistas
Com um entrevistado apenas, podemos conseguir detalhes muito mais ricos a respeito
de experiências pessoais, de cisões e sequencias das ações, com perguntas indagadoras,
dirigidas a motivações, em um contexto de informação detalhada sobre circunstâncias
particulares da pessoa (Bauer & Gaskell, 2011, p.78).
124
. A entrevista não é um processo que se dá apenas no ato de entrevistar, nem se
constitui apenas pela narrativa do entrevistado. Por constituir um processo de troca e
interlocução entre sujeitos, há marcas do/a pesquisador/a no desenvolver das etapas da
pesquisa, quando elabora o roteiro, transcreve e interpreta as falas das/os
entrevistada/os. Além disso, há uma dimensão coletiva na fala das/os entrevistadas/os,
ainda que seja realizada de forma individual, de modo que “nos permite compreender a
lógica das relações que se estabelecem no interior dos grupos sociais dos quais o
entrevistado participa em um determinado tempo e lugar” (Duarte, 2017, p. 219).
Cardano (2017) ressalta ainda as questões que emergem a partir das narrativas das/os
entrevistadas/os, que dão relevância a aspectos antes não imaginados pelo/a
pesquisador/a.
O que conta não são as perguntas, mas as respostas (...) algumas respostas abordarão
questões que, desde o planejamento do estudo, atribuímos relevância, outras recairão
sobre aspectos cuja relevância surgiu no momento, durante a interlocução (Cardano,
2017, p. 187).
19
Nomes inspirados nas escritoras Isabela Figueiredo e Conceição Evaristo, na escritora e teórica
feminista bell hooks e nas poetas Angélica Freitas e Rupi Kaur.
125
dialogassem francamente sobre desafios e questões enfrentadas ao longo da trajetória
pessoal e profissional.
127
Tabela 2: Descrição das entrevistadas, com relação à idade, raça/etnia, religião, ano e segmento escolar, projeto e local de moradia (Fonte: Elaboração
própria).
Entrevistada Idade Cor/raça Religião Ano escolar Escola Projeto Local de moradia (Bairro, Cidade)
Não tem
L 17 Branca religião 3o ano do EM Colégio Pedro II - Centro de Duque de Caxias MCE Vila Kosmos, Rio de Janeiro
R 15 Branca Católica 1o ano do EM CIEP 218 Ministro Hermes Lima - Brasil Turquia MCE Xerém, Duque de Caxias
P 15 Parda Evangélica 2o ano do EM C.E. do Círculo Operário MCE Chácara Arcampo, Duque de Caxias
V 13 Parda Evangélica 8o ano do EF E.M. Dr. Ely Combat MCE Xerém, Duque de Caxias
ME 16 Preta/Negra Evangélica 2o ano do EM C.E. Monteiro Lobato MCE Xerém, Duque de Caxias
B 16 Branca Católica 2o ano do EM C.E. Profa Ma Terezinha Carvalho Machado QUI Praça Seca, Rio de Janeiro
Não tem
BM 17 Não declarou religião 2o ano do EM C.E. Profa Ma Terezinha Carvalho Machado QUI Praça Seca, Rio de Janeiro
La 15 Parda Católica 2o ano do EM C.E. Professor Mario Campos QUI Nilópolis, Rio de Janeiro
J 14 Branca Evangélica 1o ano do EM C.E. Alfredo Neves TMC Cerâmica, Nova Iguaçu
Em 16 Preta/Negra Budista 1o ano do EM C.E. Alfredo Neves TMC Ambaí, Nova Iguaçu
N 14 Preta/Negra Evangélica 1o ano do EM C.E. Alfredo Neves TMC Nova América, Nova Iguaçu
Não tem
Es 15 Branca religião 1o ano do EM C.E. Alfredo Neves TMC Posse, Nova Iguaçu
D 16 Parda Evangélica 3o ano do EM CIEP 218 Ministro Hermes Lima - Brasil Turquia TMC Parque Lafaiete, Duque de Caxias
Y 16 Branca Muçulmana 3o ano do EM CIEP 218 Ministro Hermes Lima - Brasil Turquia TMC N. Sra do Carmo, Duque de Caxias
F 15 Parda Católica 2o ano do EM C.E. Matemático Intercultural Brasil-China MOI Mutondo, São Gonçalo
Não tem
M 15 Amarela/Oriental religião 2o ano do EM C.E. Matemático Intercultural Brasil-China MOI Inoã, Maricá
Ed 15 Parda Católica 2o ano do EM C.E. Matemático Intercultural Brasil-China MOI Mutondo, São Gonçalo
El 14 Parda Católica 8o ano do EF Colégio Militar MOI Engenho de Dentro, Rio de Janeiro
I 14 Branca Evangélica 8o ano do EF Colégio Militar MOI Sulacap, Rio de Janeiro
S 14 Branca Católica 8o ano do EF Colégio Militar MOI Ramos, Rio de Janeiro
128
4.5.3. Grupos focais
Grupo focal é uma técnica que prioriza a comunicação entre participantes a fim
de coletar dados sobre um tema de interesse, simulando a dinâmica de uma conversa em
grupo no seu cotidiano. Nos grupos focais, a unidade de análise é o grupo e não os
indivíduos que o compõem. O moderador ou a moderadora atua como facilitador/a no
processo de potencializar as interações entre os participantes, com enfoque nos
processos que emergem a partir das falas. Durante a conversa em grupo, as/os
participantes influenciam uns aos outros, na defesa de pontos de vista, evidenciando
suas contradições e suas mudanças de opinião.
Kitzinger & Barbour (1999) definiram grupos focais como discussões em grupo
que exploram um conjunto específico de questões. A metodologia desses grupos pode
envolver algum tipo de atividade coletiva, como a exibição de um vídeo, ou ser apenas
o debate de determinadas questões. Segundo as autoras, “qualquer discussão em grupo
pode ser chamada de grupo focal na medida em que o pesquisador ou a pesquisadora
encoraje ativamente, e esteja atenta, às interações do grupo” (Barbour & Kitzinger,
1998, p. 20, tradução nossa). Kitzinger (1994) argumenta que essa forma de discussão
em grupo explora como as narrativas são articuladas, contrariadas e modificadas por
meio das interações sociais e como isso se relaciona com a comunicação entre pares e
com as normas de grupo estabelecidas.
Cardano (2017) argumenta que, enquanto técnica, o grupo focal se situa no meio
termo entre a observação participante e as entrevistas em profundidade, sendo um
recurso para compreender o processo de construção das percepções, atitudes e
representações sociais. O uso conjunto das técnicas de entrevistas individuais e grupos
focais pode enriquecer a análise:
Optamos por realizar grupos focais com as jovens ao final dos projetos devido às
observações realizadas ao longo do ano. Durante o ano de 2019, estivemos em algumas
das atividades propostas pelos projetos, como a mesa redonda “Ciência é com Elas” e o
“Festival Meninas nas Exatas”, organizados pelo projeto MCE, e em reuniões de
planejamento do projeto MOI. Além disso, participamos da organização do “Sábado da
129
Ciência: as incríveis cientistas mulheres”, promovido pelo Espaço Ciência Viva, no qual
convidamos os projetos MCE e TMC a se apresentarem para um público mais amplo.
Foi a partir da vivência nas atividades dos projetos, do diálogo com as
coordenadoras e do diálogo estabelecido a partir de apresentações em congressos –
assim como pelas observações da primeira etapa de análise e codificação das entrevistas
–, que seguimos o percurso metodológico para realização de grupos focais. Percebemos,
em diálogo com as coordenadoras e com os dados iniciais de análise, que as jovens
formaram um grupo coeso e que analisar a vivência nos projetos a partir das trocas entre
elas seria mais rico e refletiria melhor a dinâmica das relações durante a vivência nos
projetos do que a realização de entrevistas na etapa final dos projetos.
No período de conclusão das atividades dos projetos TMC, MCE e MOI,
realizamos ao menos um grupo focal em cada projeto, com a presença de quatro a oito
jovens, totalizando 25 participantes (Tabela 3). Devido à pandemia de COVID-19 no
ano de 2020, não foi possível realizar esta etapa no projeto QUI – que teve início mais
tardio que os demais e ainda se encontrava em desenvolvimento de suas atividades. O
objetivo dos grupos focais foi compreender as relações construídas entre as
participantes, com a escola, com a comunidade escolar e com as coordenadoras durante
a vivência nos projetos, no que diz respeito à formação de identidades em STEM,
autoconfiança, representatividade, concepções de ciência, percepções sobre a inserção
da mulher na atividade científica, perspectivas de carreira futura, perspectivas de vida
sobre casamento e maternidade a partir do aporte teórico sobre divisão sexual do
trabalho (ver Kergoat, 2009), rotina familiar e crenças e expectativas de seus familiares.
A conversa foi estimulada por um roteiro de perguntas semiestruturado (Anexo II).
Tabela 3: Descrição dos grupos focais relativa ao perfil de participantes e duração (Fonte:
Elaboração própria).
Grupo Perfil das participantes Duração
No Projeto Idade Ano escolar
1 4 TMC 15 e 16 anos 2º e 3º ano do EM 01:08:00
2 6 MCE 15 e 16 anos 1º e 2º ano do EM 00:32:00
3 8 MCE 13 a 16 anos 8º ano do EF ao 2º ano do EM 00:34:00
4 7 MOI 14 a 17 anos 9º ano do EF ao 3º ano do EM 00:27:00
Total: 25
130
semanalmente o projeto, no CIEP 218. Chegamos ao local com antecedência para
organizar o espaço para a dinâmica, dispondo as cadeiras em semicírculo. No dia
marcado, havia uma atividade extracurricular de ensaio do coral da escola, o que
interferiu na quantidade de jovens que frequentaram o espaço do projeto naquela tarde.
A graduanda, monitora do projeto, iniciou com a atividade semanal previamente
combinada de montagem de circuito elétricos em linha e em paralelo de modo a esperar
que mais jovens se juntassem ao grupo. Começamos, em seguida, a conversa disparada
a partir do roteiro de perguntas. O grupo focal teve duração de 1h e 8 minutos e foi
mediado pela autora desta pesquisa, com gravação de áudio e anotações realizadas pela
mediadora.
O segundo e o terceiro grupo focal foram realizados em 27 de novembro de
2019, no campus Tamoios da UFRJ, em Xerém. As jovens do projeto MCE estavam no
laboratório didático de biologia realizando um experimento de geração de nanopartícula
de prata a partir de um comprimido de vitamina C em solução de nitrato de prata.
Acompanhamos a atividade e realizamos o grupo focal ao término do experimento. O
grupo aconteceu no ambiente de laboratório e as meninas estavam vestidas de jaleco
com cabelos presos, e algumas com luva. Dispusemos as cadeiras ao redor da bancada
em semicírculo. Sete jovens participaram da conversa, que durou 32 minutos. Por conta
do horário de saída das jovens, o grupo precisou acabar de forma premeditada com
alguns tópicos encurtados. No turno da tarde, realizamos um grupo com oito jovens do
projeto MCE, no mesmo ambiente de laboratório, com duração de 34 minutos. O grupo
foi interrompido por uma das coordenadoras que solicitou que terminássemos a
dinâmica para dar início à atividade experimental, e teve alguns tópicos da conversa
encurtados.
Em 19 de dezembro de 2019, realizamos o quarto grupo focal com sete jovens
do projeto MOI, durante o encontro de encerramento do projeto, que aconteceu no
Auditório Tércio Pacciti, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio),
no bairro da Urca, no Rio de Janeiro. O encontro teve início com uma homenagem à
coordenadora organizada pelas graduandas e com a fala do diretor do IMPA. Em
seguida, as participantes assistiram à um filme de animação sobre matemática. Após a
atividade, fomos para uma sala reservada, previamente organizada com as cadeiras em
semicírculos, e realizamos o grupo focal. O horário propiciado pela coordenadora para a
realização da conversa foi o horário de lanche das jovens e teve duração de 27 minutos.
131
4.5.4. Análise dos dados
20
Como mencionaremos nas Considerações Finais como limitações da pesquisa, para manter um
ambiente acolhedor durante os grupos focais, optamos por não filmar a discussão, gravando as falas
apenas por áudio. No entanto, essa estratégia inviabilizou o reconhecimento das jovens a partir apenas das
vozes na etapa de transcrição e, portanto, faltaram informações acerca de raça, idade e território nas
narrativas das jovens extraídas dos grupos focais.
132
atividades", "Interesse na discussão sobre mulheres nas ciências", "Aumentar
afinidade/Ter dificuldade nas exatas", "Ser exclusivo para meninas", "Curiosidade",
"Futuro", "Novidade", "Oportunidade", "Pessoas motivadoras", "Experiência anterior no
projeto", "Conhecimentos e equipamentos não presentes na escola", "Local do projeto",
"Auxílio financeiro (bolsa)", "Ser diferente", "Revolucionar" e "Divertir".
Nas entrevistas com as jovens, a análise envolveu a criação de categorias e
códigos a priori a partir do referencial teórico dos estudos feministas da ciência e de
percepção pública da ciência e a posteriori, conforme o surgimento de temas e discursos
enunciados pelas participantes. O processo de codificação ocorreu em ciclos de
codificação e recodificação, a partir de diversas leituras do material. Na análise das
entrevistas, classificamos os enunciados das participantes em sete categorias,
subdivididas em 52 códigos. São elas: Interesses, Motivação, Rotina, Percepção sobre
ciência e cientista, Percepção sobre mulheres na ciência, Discriminação e Feminismo
(Quadro 2).
Quadro 2: Listagem dos códigos usados para análise das entrevistas das estudantes das escolas
de Ensino Fundamental e Médio (Fonte: Elaboração própria).
1. Motivação
1.1. Exclusivo para meninas
1.2. Ser professora
1.3. Aprender mais sobre [disciplina do projeto]
1.4. Importância das mulheres nas ciências
1.5. Dificuldade com a disciplina do projeto
1.6. Pessoas motivadoras
1.7. Oportunidade única
1.8. Fazer a diferença
1.9. Interesse prévio
1.10. Estar na universidade
2. Interesses
2.1. Interesse prévio pelas ciências exatas
2.2. Relação positiva com a escola
2.3. Relação negativa com a escola
3. Rotina
3.1. Cansativa
3.2. Dinâmica intensa da escola
3.3. Compromisso com irmãos
3.4. Afazeres domésticos
4. Discriminação
4.1. Falta de voz
4.2. Discriminação na prática esportiva
4.3. Discriminação nas ciências e matemática
4.4. Discriminação por conta da vestimenta
4.5. Assédio no transporte
5. Feminismo
5.1. Feminismo como união e coletividade
5.2. Feminismo como transformação da realidade
133
5.3. Feminismo como conquista histórica
5.4. Feminismo como ativismo
5.5. Feminismo como igualdade de gênero
5.6. Feminismo como escolhas individuais
5.7. Feminismo como construção de liberdade
5.8. Pautas feministas e direito de escolher ser mãe
5.9. Movimento de mulheres
6. Percepção sobre ciência e cientistas
6.1. Cientistas como altruístas
6.2. Cientistas como pessoas distantes da sociedade
6.3. Cientistas como pessoas muito inteligentes
6.4. Cientistas como pessoas brancas
6.5. Cientistas como homens
6.6. Cientistas como pessoas questionadoras
6.7. Cientistas como pessoas criativas
6.8. Cientistas como pessoas sociáveis
6.9. Cientistas como pessoas estudiosas
6.10. Cientistas como pessoas comuns
6.11. Ciência como conhecimento baseado em fatos
6.12. Ciência no cotidiano
6.13. Ciência como busca de solução
6.14. Ciências exatas como difíceis
6.15. Ciência como questionamento
7. Percepção sobre mulheres na ciência
7.1. Falta de oportunidade, capacidades iguais
7.2. Desempenho em exatas
7.3. Avanço das mulheres
7.4. Tratamento igual
7.5. “Princesa que nada, quero ser cientista”
7.6. Socialização de meninas e meninos
134
da ciência e a posteriori, conforme o surgimento de temas e discursos enunciados pelas
participantes. Na análise dos grupos focais, classificamos os trechos das falas em sete
categorias, que abrigavam 52 códigos. São elas: dimensão individual, dimensão
familiar, dimensão escolar, dimensão do projeto, dimensão social, características dos/as
cientistas e percepções sobre ciência (Quadro 3).
Quadro 3: Listagem dos códigos usados para análise dos grupos focais com as estudantes das
escolas de Ensino Fundamental e Médio (Fonte: Elaboração própria).
1. Dimensão individual
1.1. Interesse em exatas
1.2. Perspectiva de carreira futura
1.3. Falta de autoconfiança
1.4. Trabalho produtivo vs. trabalho reprodutivo
2. Dimensão familiar
2.1. Incentivo dos pais
2.2. Reconhecimento dos familiares
2.3. Crenças e expectativas dos familiares
3. Dimensão do projeto
3.1. Ambiente de aprendizagem inclusivo
3.2. Práticas de ensino
3.3. Aprendizagem além das paredes da escola
3.4. Dificuldades e problemas
3.5. Relato de atividades do projeto
3.6. Desejos sobre o futuro do projeto
3.7. Momentos marcantes
3.8. Auxílio na escolha e afirmação da profissão
3.9. Tempo no projeto / Rotina
3.10. O que significou o projeto?
3.11. Apresentação de projetos
3.12. Representatividade / Figuras exemplares
3.13. Autoconfiança e autoestima
3.14. Pertencimento
3.15. Desenvolvimento das identidades positivas de STEM
3.16. Falta de representatividade / Não pertencimento
4. Dimensão escolar
4.1. Reconhecimento da comunidade escolar
4.2. Produto retornável para escola
4.3. Melhora no desempenho escolar
5. Dimensão social
5.1. Responsabilidade nas tarefas domésticas
5.2. Rotina e cansaço
5.3. Normas sociais e culturais de gênero
5.4. Machismo no meio acadêmico
5.5. Discriminação de cor/raça
5.6. Discriminação de gênero
5.7. Discriminação por local de moradia e escola
5.8. Feminismo
6. Características de cientistas
6.1. Paixão e curiosidade
6.2. Vontade de aprender
6.3. Persistência
6.4. Ter interesse
135
6.5. Excelência
6.6. Dedicação
6.7. Esforçado/a
6.8. A casa é o laboratório / a vida é o trabalho
6.9. Determinação
6.10. Disciplina
6.11. Concentração
6.12. Reconhecimento do estereótipo
6.13. Enxergar-se como pesquisadora
7. Percepções sobre ciência
7.1. Construir conhecimento, questionar, pensar
7.2. Ciência como ciências naturais, experimentos
7.3. Ciência humanas
7.4. “Ciência é o seu doutorado”
7.5. “Ciência é o que fazemos no projeto”
136
4.6.1. Idade, raça/etnia e segmento escolar
Tabela 4: Distribuição das participantes que responderam aos questionários por projeto
e por escolas envolvidas (Fonte: Elaboração própria).
137
Figura 7: Mapa com a distribuição geográfica das escolas envolvidas no estudo (TMC em roxo;
MCE em vermelho; QUI em verde; e MOI em azul) (Fonte: Elaboração própria).
138
Gráfico 1: Distribuição de participantes por projeto e por ano/segmento escolar (Fonte:
Elaboração própria).
Ano e segmento escolar
30
25
3
20
15 7
20
10 2 3 1
1 4
5 4
7 8 4
1 4
0 1 1
8o ano do Ensino 9o ano do Ensino 1o ano do Ensino 2o ano do Ensino 3o ano do Ensino
Fundamental Fundamental Médio Médio Médio
Preta/Negra Branca; 26
; 18
Parda; 25
Cerca de 93% das respondentes afirmaram ter interesse por matérias de ciência e
tecnologia na escola. As matérias favoritas declaradas pelas respondentes foram
matemática (31), química (30), história (24), física (21) e biologia (17). Em menor
frequência, as jovens também declararam ter interesse em português (14), geografia
(11), artes (10), inglês (10), filosofia (8), ciências (7), educação física (6), sociologia
(5), mandarim (3), espanhol (2), turco (2), ensino religioso (1) e linguagem de
programação (1). Esses dados auxiliam a compreender o interesse prévio das
participantes dos projetos pelas disciplinas abordadas. Cerca de 42% das respondentes
realizavam atividades extracurriculares, entre elas cursos de idiomas, esportes, aulas de
139
música e cursos preparatórios – sendo que algumas consideraram, no questionário, o
próprio projeto como atividade extracurricular.
Gráfico 3: Grau de instrução dos pais das respondentes (n=71), discriminados pelo grau de
instrução da mãe (em laranja) e do pai (em azul) (Fonte: Elaboração própria).
Grau de instrução dos pais
Superior completo 15 20
Ensino Médio completo/Ensino Superior… 20 26
Fundamental 2 completo/Ensino Médio… 4 9
Fundamental 1 completo/Fundamental 2… 8 9
Fundamental 1 incompleto (até o 5º ano… 4 3
Não sei dizer 14 5
Não convivo 6
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
Das 59 jovens que responderam à questão discursiva “O que você pretende fazer
depois de terminar o Ensino Médio? Se pretende ir para a universidade, qual curso
gostaria de fazer?”, doze expressaram que desejavam ir para uma universidade, porém
140
ainda não tinham uma escolha de curso (Gráfico 4). As engenharias foram as escolhas
mais frequentes entre as participantes (9 jovens), seguidas da carreira em Escola Militar
e Naval (7); medicina (6); psicologia (4) e biologia (4). Uma jovem declarou não ter
interesse ou possibilidade de seguir para a universidade (“pretendo já começar a
trabalhar”), e uma jovem declarou ainda não saber se iria ou não tentar um curso
universitário.
Gráfico 4: Distribuição das preferências das jovens por escolha de carreira futura (Fonte:
Elaboração própria).
Carreira futura (n=59)
Universidade (não escolhi o curso) 12
Engenharias (Engenharia eletrônica,… 9
Escola militar/Escola Naval 7
Medicina 6
Psicologia 4
Biologia 4
Dança ou artes cênicas 3
Administração 3
Direito 2
Arquitetura 2
Turismo 2
Matemática 1
Pedagogia 1
Começar a trabalhar 1
Geologia 1
História 1
Relações Internacionais 1
Fisioterapia 1
Química forense 1
Relações Humanas 1
Bioquímica 1
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
141
5. Mapeamento e importância das políticas orientadas por
equidade de gênero na educação em STEM
142
5.1. Capilaridade dos projetos no território nacional
Gráfico 5: Distribuição por estados dos projetos contemplados nas chamadas do CNPq Meninas
nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação de 2013 e 2018 (Fonte: Elaboração própria).
143
Na chamada 18/2013, a região Nordeste foi a mais contemplada (94 projetos),
enquanto na chamada 31/2018, a região Sudeste teve mais projetos aprovados (23). As
regiões Norte e Centro-Oeste tiveram menos projetos desenvolvidos em ambas as
chamadas, sendo o Distrito Federal e Goiás responsáveis pelo maior número de projetos
aprovados no Centro-Oeste em 2013.
Gráfico 6:Distribuição por Regiões do país dos projetos contemplados nas chamadas do CNPq
Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação de 2013 e 2018 (Fonte: Elaboração
própria).
120
100 17
21 23
80
60
8 94
40 82 83
9
20 43
23
0
Norte Centro-Oeste Sul Sudeste Nordeste
144
5.2. Liderança feminina
Gráfico 7: Distribuição por Gênero da/o proponente nas chamadas do CNPq Meninas nas
Ciências Exatas, Engenharias e Computação de 2013 e 2018 (Fonte: Elaboração própria).
145
5.3. Projetos do estado do Rio de Janeiro
147
Tabela 5: Descrição dos projetos contemplados nas chamadas do CNPq Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação no estado do Rio de Janeiro (Fonte:
Elaboração própria).
Nome do projeto Instituição coordenadora Área de atuação Gênero das/os Financiamento Início do Produção
das/os coordenadoras/es (editais) projeto científica21
coordenadoras/es
Tem Menina no Circuito Universidade Federal do Rio de Janeiro Física Feminino CNPq 18/2013; 2014 Galdino et
Elas nas Exatas I al., 2020
Estudo de viabilidade infra estrutural de rede Centro Universitário Serra dos Órgãos Agronomia Feminino CNPq 18/2013 2014
de drenagem urbana no município de Carmo
na região serrana do Estado do Rio de
Janeiro
Produção orgânica no município de Universidade Federal Rural do Rio de Agronomia Masculino CNPq 18/2013 2013
Seropédica: avaliação de sua Janeiro
sustentabilidade e o seu impacto nos
atributos físicos, químicos e biológicos do
solo
Incentivando a formação na área de ciências Universidade Federal do Rio de Janeiro Física Feminino CNPq 18/2013 2014
exatas e engenharia de jovens alunas do
município de Macaé
Invadindo o universo feminino com ciência - Universidade Federal do Rio de Janeiro Química Feminino CNPq 18/2013 2013 Teixeira et
Cosméticos como tema motivador para a al., 2021;
inserção de meninas na Química Sequeira et
al., 2021
Meninas Digitais na Baixada Fluminense Universidade Federal Rural do Rio de Computação Feminino CNPq 18/2013; 2013
Janeiro CNPq 31/2018
Utilizando o Arduino como Ferramenta para Instituto Federal de Educação, Ciência e Física Masculino CNPq 18/2013 2014
Estimular conhecimentos de Eletrônica e Tecnologia do Rio de Janeiro
Programação
Transformando meninas em futuras Instituto Federal de Educação, Ciência e Química Feminino CNPq 31/2018 2018
cientistas brasileiras através da integração Tecnologia do Rio de Janeiro
entre o IFRJ e as escolas públicas do
Município de Duque de Caxias
Meninas e mulheres na RRD: ciência, Centro Universitário Augusto Motta Engenharia ambiental Feminino CNPq 31/2018 2018 Viana, 2021
tecnologia e educação para a redução de
riscos de desastres socioambientais
Meninas olímpicas do IMPA Instituto Nacional de Matemática Pura e Matemática Feminino CNPq 31/2018 2018
Aplicada
21
A partir dos trabalhos publicados no perfil da Plataforma Lattes das/os proponentes nas categorias “artigos completos”, “capítulos de livro publicados” e “trabalhos completos publicados em
anais de congresso” até novembro de 2021.
148
Apaixonadas por STEM Universidade Federal do Rio de Janeiro Matemática Feminino CNPq 31/2018 2018
Meninas nas ciências exatas da Baixada Universidade Federal do Rio de Janeiro Física Feminino CNPq 31/2018 2018
Fluminense: dos laboratórios da UFRJ ao
Museu Ciência e Vida
Meninas no Museu de Astronomia e Museu de Astronomia e Ciências Afins Astrofísica Feminino CNPq 31/2018 2016 Herrera;
Ciências Afins Spinelli;
Germano,
2018;
Herrera;
Spinelli,
2019;
Spinelli;
Herrera;
Germano,
2019
Meninas na Robótica Centro Federal de Educação Tecnológica Computação Feminino CNPq 31/2018 2018 Quirino et
Celso Suckow da Fonseca al., 2018
Estudo estatístico da composição química do Pontifícia Universidade Católica do Rio de Química Feminino CNPq 18/2013; 2013 Peregrino et
cabelo Janeiro CNPq 31/2018 al., 2021
Ampliando os olhares na região Norte Universidade Federal do Rio de Janeiro Engenharia de Feminino CNPq 31/2018 2018 Marroti, J. et
Fluminense para o relevante papel das produção al., 2021
mulheres em ciências exatas, da computação
e engenharia
149
Destaca-se que, em 2018, todas as proponentes foram mulheres e todos os projetos
tinham, em seus títulos e objetivos, o propósito de incentivar meninas a se interessarem pelas
áreas de exatas. Um dos objetivos do Programa Mulher e Ciência (CNPq) foi a
transversalização dos estudos de gênero e feminismos para demais campos de conhecimento,
que carecem de mais discussão e apropriação destes temas, como aponta Lima & Costa
(2016:34): “temos o duplo desafio de fomentar os estudos sobre ciência e tecnologia nos
estudos de gênero e de ampliar a incorporação da perspectiva de gênero em áreas onde não há
acúmulo desta discussão”. Transversalizar a discussão de gênero na produção do
conhecimento permitiria tanto levantar novas questões de pesquisa antes não incorporadas
quanto produzir e circular conhecimentos não sexistas que incentivariam, por sua vez, uma
maior participação de mulheres nas ciências (Schiebinger, 2008).
Ao contemplar pesquisadoras/es de campos das ciências exatas, engenharias e
computação, as chamadas do CNPq proporcionaram uma ampliação da discussão para
campos com pouco acúmulo nestas temáticas, porém seria importante ampliar a discussão dos
estudos de gênero nos projetos, assim como um olhar interseccional, que leve em conta os
efeitos múltiplos e variáveis de diversos marcadores sociais – como raça, classe, território e
sexualidade – que moldam desigualdades sociais complexas (Brah & Fenix, 2004; Piscitelli,
2008). A partir de um enfoque integrado, a interseccionalidade, que surge a partir das
reivindicações do movimento feminista negro, busca dar conta da complexidade das
identidades e das desigualdades sociais (Akotirene, 2019).
Uma política científica feminista, segundo Castro e Chaguri (2020), parte do
pressuposto que não é possível ampliar a representatividade de mulheres sem rever as relações
de poder que envolvem hierarquias de gênero nas ciências. Desta forma, uma política
científica feminista que foque exclusivamente na representatividade de mulheres não será
capaz de modificar a questão da desigualdade de gênero no interior das comunidades
científicas, como destacam:
150
quanto pesquisadoras das áreas de exatas e tecnológicas, além da necessidade de tensionar as
culturas acadêmicas e institucionais, pautadas em pilares androcêntricos de produção de
conhecimento.
Apontamos para a importância de criação de redes a fim de realizar encontros a nível
estadual que reúnam pesquisadoras e demais pessoas envolvidas em projetos orientados por
equidade de gênero na educação em STEM para troca de experiências a partir de um contexto
de diversidade de abordagens, criação de repositório de materiais produzidos que possam ser
compartilhados e replicados, mapeamento dos principais desafios encontrados, fortalecimento
de iniciativas na temática e possibilidades de ampliação das políticas de financiamento e
continuidade de projetos. A importância da formação de redes e parcerias vem sendo
apontadas na avaliação de políticas de gênero, fortalecendo a necessidade de um fluxo
contínuo de editais para financiamento de projetos (Unbehaum & Gava; 2017; Queiroz,
2018). Apesar dos avanços na temática e da emergência de projetos para equidade de gênero
na educação em ciências, o contexto político brasileiro nos últimos anos é de retrocesso nas
políticas de gênero e menor aporte de recursos para as ciências, principalmente na área de
humanidades, que tem um impacto na continuidade e alcance dos projetos (Sígolo; Gava;
Unbehaum, 2021).
151
pública e com a comunidade escolar, algumas passam a se envolver e a se apropriar da
literatura de estudos de gênero e ciência, e a ampliação da rede de contatos de pesquisadoras
envolvidas na temática; e (iv) dimensão pessoal, no que diz respeito a satisfação pessoal pelo
lugar de fala que assumem no projeto, por dar um retorno para a sociedade, e a
responsabilidade que assumem frente às expectativas das jovens.
É um projeto que tem muito potencial nesse sentido, esse cunho social muito forte, bem
marcado. Não necessariamente as meninas envolvidas vão escolher as carreiras de ciência e o
objetivo também não é esse. É claro que a gente quer mostrar, a gente quer atrair, mas eu, pelo
menos, não tinha a pretensão de conseguir atrair 100% das meninas. Mas elas perceberem que
são capazes, se interessarem a fazer um curso superior, continuar a estudar e não parar, se
encontrar, porque, querendo ou não, é uma oportunidade de autoconhecimento também,
entendeu? Eu acho que tem esse cunho. Elas acabam tendo um certo protagonismo na escola.
Então eu acho que isso valoriza também a aluna na escola e acho que abre oportunidades, abre
a cabecinha delas para o futuro (Conceição).
A fala de Conceição sobre o protagonismo das jovens na escola – “elas acabam tendo
um certo protagonismo na escola. Então eu acho que isso valoriza também a aluna na escola”
– está alinhada ao que desenvolveremos no Capítulo 7, concernente à dimensão escolar, em
que as jovens relatam que se sentiram valorizadas e reconhecidas pela comunidade escolar por
integrarem os projetos. Assim como Conceição, a fala de Isabela endossa a importância dos
projetos em termos de inclusão social e incentivo ao ingresso no Ensino Superior.
Mesmo que não fosse para estudar na [nome da universidade], mas que pudesse incentivar elas
a irem estudar, a continuar estudando. Então a minha ideia realmente era essa. Era mostrar
152
para a escola pública que dá para fazer ciência, não é uma coisa tão distante assim da realidade
deles (Isabela).
Eu acho que essa coisa de mostrar para as meninas uma opção é importante. Eu tive essa
liberdade de escolher que eu acho que foi a melhor coisa que os meus pais me deram, me
proporcionaram essa coisa de estudar, de conseguir estudar sem ter que parar de estudar e
fazer uma outra coisa, e a liberdade de escolher. Eu acho que as pessoas têm que ter liberdade
de escolher (Rupi).
É aumentar a possibilidade de percepção do mundo dessas meninas. Então eu não quero focar
só no ponto fora da curva. Eu quero mostrar que tem os pontos fora da curva, mas eu acho que
quando a gente mostra uma coisa muito difícil de atingir, não vira uma possibilidade, um
sonho, uma identificação. Eu quero que as meninas tenham isso. Que elas naturalizem, eu
quero que elas tenham consciência para tomar as decisões (Bell)
Eu considero uma das riquezas desse projeto é que é uma coisa local e fala do nosso território,
é bem territorial mesmo, tanto o território do museu quanto o território da universidade, e eu
entendo isso como uma riqueza, especialmente para as estudantes, que é falando delas para
elas mesmo (Conceição).
153
Uma coisa que a gente fez, e que foi importante, foi uma aproximação com as famílias. De
repente a gente começa ali: "Pô, a menina não está vindo". Eu falei: "Pensa bem. Você é mãe
da menina, você não sabe quem são essas mulheres da universidade que estão vindo aqui falar
coisas com as suas filhas". Aí a gente promoveu um piquenique com as famílias, foi um ponto
alto do projeto (Rupi).
A partir das narrativas das coordenadoras, a dimensão de inclusão social dos projetos
ganha relevância por atuarem em regiões de vulnerabilidade social e permitir que as jovens da
educação básica possam ampliar suas perspectivas de vida, por meio da criação de um senso
de pertencimento ao espaço acadêmico e universitário. Enfrentar as questões de
vulnerabilidade social das estudantes, ainda que não estejam nos objetivos das chamadas,
surgem como efeitos importantes da atuação dos projetos.
Eu disse para as meninas que a primeira tarefa delas era buscar esses dois artigos. Cada uma
trouxe dois relatos. Um de um artigo científico que olhasse para questão do gênero e um de
uma experiência semelhante ao nosso projeto. E a gente aprendeu um monte de coisas juntas,
sabe? Foi na primeira reunião oficial que elas tiveram que fazer isso. A gente discutiu o efeito
Matilda e, lendo os artigos, as meninas se deram conta de que elas se referiam aos autores
como se fossem homens. E elas se corrigiram. Elas explicaram umas para as outras o que era a
segregação vertical, a segregação horizontal, o efeito... então olha o vocabulário que elas
foram construindo. E eu fico arrepiada porque isso muda, elas estão no início da licenciatura,
entende? Da vida. Isso muda a perspectiva... elas são outras professoras (Bell).
154
que destaca o efeito multiplicador da iniciativa, uma vez que as graduandas, por vivenciarem
um projeto de divulgação científica e na temática de gênero, podem levar esta experiência em
sua atuação futura enquanto professoras, destacado na fala a seguir.
Para mim, o pilar mais importante do projeto são as licenciandas. Porque o projeto atinge
diretamente quinze meninas que, sei lá, cinco, dez vão se voltar de fato e o projeto vai ser
efetivo e vão se alinhar a matemática ou a áreas afins. Mas com cinco licenciandas vão ter
muito mais do que quinze alunas no futuro. Eu estou interferindo na formação dessas
licenciandas, entendeu? Elas estão olhando para sua prática, para sua futura ação profissional
de uma perspectiva que a formação tradicional não dá (Bell).
Foi legal a gente conhecer outras profissionais que fazem esse tipo de coisa, essas ações. Por
exemplo, conheci uma moça no [cidade brasileira] que também fez uma exposição sobre
mulheres, conheci uma outra de [cidade brasileira] que fez uma exposição sobre mulheres
matemáticas, então, assim, a gente conhecer essas outras iniciativas, eu acho que foi
superimportante e mudou meu olhar no sentido de ficar mais atenta. Mais atenta, buscar mais
bibliografia, conhecer mais a literatura, começar a escrever um pouco sobre isso também,
então eu acho que depurou o meu gosto pela temática (Conceição).
155
No ensino médio, você fica muito mais tempo com cada pessoa, você tem uma relação mais
pessoal. Na universidade, você fica seis meses só dando aula para aquela pessoa, aqui também
já é uma relação, como eu disse, mais fria e distante dos professores com os alunos. Então eu
acho que essa coisa de conviver com as alunas de ensino médio por muito tempo e acabar
conhecendo a família, a gente sabe um pouco mais da realidade, entende às vezes um pouco
mais da realidade. A realidade de quem mora na [nome da região], a distância para vir para cá,
ver mais concreto: eu pego um transporte, vou até lá vejo. Então quando eu tenho meus alunos
que moram em [nome da região], eu tenho uma percepção totalmente diferente da que eu tinha
antes. Se a pessoa se atrasar, a dificuldade que é ir e voltar, quais são as dificuldades também
na escola mesmo. Eu tenho uma visão muito melhor da escola pública no Brasil do que o que
eu tinha também, é outra coisa. Isso mudou muito na minha cabeça, eu não tinha noção muito
grande de como é que era a escola pública aqui (Angélica).
Como dimensão pessoal, destaca-se o fato do projeto ser uma oportunidade de dar um
retorno para a sociedade. Esta motivação aparece constantemente na literatura acerca das
percepções de pesquisadores/as sobre a importância da atividade de extensão e de divulgação
científica, como uma pretensa obrigação moral da/o cientista. Em uma perspectiva crítica à
noção de dever moral de pesquisadoras/es em atuar para fora da universidade, Castelfranchi
(2010) argumenta que a comunicação pública da ciência assumiu uma parte inerente da
tecnociência e que, não apenas representa uma obrigação no ponto de vista das/os cientistas,
mas um direito e necessidade política, econômica e estratégica. Na fala de Rupi, ela
argumentou sobre a necessidade de dar um retorno para a sociedade.
A gente fica aqui na universidade, faz esse trabalho e sempre ouve todo mundo falar: "Ah, as
cientistas ficam lá, não fazem nada para a sociedade" e eu acho que é uma coisa legal assim
você dar um retorno e essa é a nossa forma de dar um retorno para a sociedade. A gente faz
uma pesquisa que não tem uma aplicação imediata, a nossa pesquisa é uma pesquisa básica
que é importante, mas que não tem um retorno assim (Rupi).
156
A gente perguntava: "O que você espera do projeto e tal?", aí tinha aquelas respostas: “Ah, eu
espero ter uma vida melhor". O que você faz com aquilo? Dá um impacto, aquela coisa " E
aí?", você sente uma responsabilidade naquilo que você está fazendo (Rupi).
É o meu lugar de fala, fazer ciência como mulher é o meu lugar de fala. O que eu acho que é
mais importante mesmo é mostrar para essas meninas como pode ser maravilhoso fazer
ciência, como a gente pode se encontrar e ser feliz e desenvolver uma carreira que te dá prazer,
que te dá satisfação, como a ciência. Para mim, este projeto, em termos de pesquisa, é um dos
projetos que me deixa mais feliz, eu realmente fico muito contente mesmo (Conceição).
A partir das narrativas das coordenadoras, entendemos que políticas que centrem o
debate sobre equidade de gênero e demais marcadores sociais da diferença na educação em
ciências apontam para o desejo de mudança e de emergência de uma outra ordem social e
cultural, de modo a questionar as estruturas de poder dominantes. Como argumenta Biroli
(2016), a divisão sexual do trabalho é uma base fundamental que configura as hierarquias de
gênero nas sociedades contemporâneas. A implicação fundamental desta divisão diz respeito à
escassez de tempo livre e de renda para as mulheres, e tem como consequência grande
impacto na participação política e em espaços decisórios. Segundo Biroli, a divisão sexual do
trabalho tem caráter estruturante das relações de gênero, de modo que a responsabilização
desigual de mulheres e homens pelo trabalho doméstico e de cuidado “constituem as
possibilidades de ação, na medida em que constrangem as alternativas, incitam julgamentos
que são apresentados como baseados na natureza” (Biroli, 2016, p. 739).
A incorporação da interseção de raça e classe nas dinâmicas da divisão sexual do
trabalho é fundamental para a compreensão mais ampla da problemática. Ao tratar da divisão
sexual trabalho (Gonzalez, 1988). No que tange os espaços científicos, essa divisão estrutura
as possibilidades de ação, na medida em que constrange as alternativas de escolhas de
mulheres para carreiras profissionais diversas, e é um ponto central para o entendimento da
segregação horizontal de gênero nos cursos universitários, nos quais as mulheres estão
majoritariamente em cursos das áreas da saúde, bem-estar e humanidades, áreas de menor
remuneração e relacionadas aos papéis tradicionais de gênero e ao trabalho reprodutivo, e os
157
homens em carreiras de maior prestígio e remuneração, nas áreas de exatas, tecnológicas e
engenharias.
158
6. Motivação, interesses e vivências nos projetos: pertencimento e
interseccionalidade
Entender a motivação das participantes para se integrarem aos projetos foi uma
questão explorada tanto no questionário quanto nas entrevistas iniciais. Há crescente
evidência de que a participação em atividades de educação não formal nas áreas de
159
STEM, como clubes de ciência, workshops e curso de férias, contribuem para o
interesse de estudantes nessas áreas e a percepção de suas habilidades relacionadas às
ciências (Caspi et al., 2019; Newell et al., 2015; Young et al., 2017).
160
categorias a partir da leitura das respostas e da identificação de conteúdo recorrentes no
discurso das entrevistadas. São elas, por ordem de mais frequente: "Identidade pelas
exatas", "Busca por mais conhecimento", "Dinâmica prática das atividades", "Interesse
na discussão sobre mulheres nas ciências", "Aumentar afinidade/Ter dificuldade nas
exatas", "Ser exclusivo para meninas", "Curiosidade", "Futuro", "Novidade",
"Oportunidade", "Pessoas motivadoras", "Experiência anterior no projeto",
"Conhecimentos e equipamentos não presentes na escola", "Local do projeto", "Auxílio
financeiro (bolsa)", "Ser diferente", "Revolucionar" e "Divertir". Vale destacar que, em
muitos casos, as jovens redigiram mais de uma motivação em resposta à questão.
Eles [os pais] sabem que a gente gosta muito de matemática desde criança (mulher,
parda, 15 anos, projeto MOI).
Desde pequena eu gosto mais de matemática. Não sei dizer o porquê. É porque eu gosto
dela. As outras matérias eu gosto, mas o que mais me interessa é matemática (...)
[Entrevistadora: O que você gosta mais em matemática?] Eu gosto muito de geometria.
Eu gosto de coisas mais difíceis em matemática, me chamam mais atenção do que as
coisas mais fáceis. Prefiro as coisas mais difíceis. Então cada ano que vou passando vou
descobrindo coisas mais difíceis, aí falo: "nossa, isso é legal. É difícil de resolver".
Então isso é legal. (mulher, parda, 15 anos, projeto MCE).
Nas falas a seguir, ambas as jovens eram estudantes do Colégio Militar do Rio
de Janeiro e realizaram cursos preparatórios para a prova de seleção do colégio. Por
conta dessa vivência, tiveram acesso a conhecimentos na área de matemática anteriores
aos designados no currículo escolar. No segundo trecho, a jovem narra que seu interesse
por matemática surgiu vinculado ao colégio.
161
Na escola, ainda não tem a matemática que eu mais gosto, tipo, a parte de matemática
que eu mais gosto (...) aquelas equações que: "Ah! Caramba! Nunca pensei nisso". Aí,
quando chega nessa parte é mais legal. Fora isso, eu gosto de ciências, não sei se o que
está dando agora, mas gosto, eu gosto de quase tudo de ciências (mulher, parda, 14
anos, projeto MOI).
Além das falas que demonstraram uma construção de identidade em STEM nas
entrevistas, essa foi também a principal motivação declarada pelas respondentes nos
questionários para participarem nos projetos. A segunda motivação mais recorrente foi o
desejo de aprender mais e a ‘busca por mais conhecimento’, que apareceu em respostas
como “o desejo de sempre aprender mais” e “aprender mais sobre a área”.
Em todos os projetos envolvidos, houve atividades regulares de experimentação
nas áreas relacionadas, como a realização de circuitos elétricos em papel e massinha no
projeto TMC, a experimentação em robótica e arduíno no projeto MOI, a realização de
experimentos em nanotecnologia no projeto MCE e a aprendizagem de técnicas de
laboratório de química no projeto QUI. O formato das atividades dos projetos também
chamou a atenção como fator motivador das respondentes no questionário, que
exaltaram a ‘dinâmica prática das atividades’ como um diferencial comparado ao
formato teórico e expositivo do ensino formal, exemplificada nas respostas: “as
oportunidades de estudar ciências exatas na prática, ao invés de fazer apenas cálculos”,
“totalmente diferente da física chata na sala de aula, deve ser por isso que o projeto me
ganhou”, “aprender uma física na prática, sem todo o cálculo, uma tentativa de mudar
minha visão sobre física” e “a curiosidade de praticar física sem ser na parte teórica,
conhecer o outro ‘lado" da física’”.
Devido ao formato da chamada pública, os projetos deveriam selecionar três
jovens estudantes da educação básica de cada escola envolvida como bolsistas. Por
terem passado por um crivo de seleção, identificamos, na narrativa sobre a motivação, a
percepção de ser uma ‘oportunidade única’. Esta narrativa apareceu com destaque
apenas nas entrevistas com as jovens do projeto QUI, como na fala a seguir.
162
oportunidade única e foi algo bem selecionado, tipo, não foi algo aberto aos alunos, foi
seleção mesmo. Eles escolheram quem ia estar ali dentro, quem não ia estar e eu acho
que vai ser bem legal. É uma experiência que eu estou levando para a minha vida e isso
me ajudou a definir melhor a faculdade que eu quero fazer (mulher, negra, 17 anos,
projeto QUI).
Ainda que a maioria das jovens tenham relatado sobre um interesse prévio nas
áreas de ciências exatas, vimos outros relatos em que havia uma dificuldade no
aprendizado dessas disciplinas e a motivação para ingressar ao projeto foi uma forma de
superá-la, que discutiremos em seguida.
O projeto TMC foi o único dos projetos analisados em que, por não ter sido
contemplado pela chamada pública do CNPq em 2018, todas as jovens participantes
eram voluntárias. Uma característica comum no relato das participantes deste projeto foi
de muitas não terem afinidade prévia com a disciplina trabalhada e se envolverem no
projeto como meio de superar esta dificuldade. Na fala a seguir, uma jovem do projeto
TMC, que já era integrante do projeto no ano anterior da coleta de dados, narrou seu
percurso de estudos na disciplina de física, desde o incentivo do professor no ambiente
escolar até o envolvimento com o projeto, interesse pela disciplina e melhora no
desempenho escolar.
Eu não sou muito ligada a física e aí meu professor de física do primeiro ano ficava me
incentivando em todos os passeios que tinham aqui do colégio que era para laboratório
de física, ele me fazia ir. (...) Quando [meu professor de física] começou a passar
matéria e explicar, eu comecei a olhar assim: "Caraca! Isso aí é o que eu estou
aprendendo no Tem Menina no Circuito". Aí eu comecei a prestar mais atenção e isso
melhorou minha nota. Ano passado, no primeiro bimestre, eu tirei 5,0 e, no segundo
bimestre, eu tirei 8,0. (...) Eu melhorei muito, muito, muito na matéria de física. Eu
comecei a entender o que eu estava fazendo e o que eu estava estudando e eu comecei a
ligar os dois. E quando eu liguei os dois foi incrível. Eu adorei! Eu vi que não era tão
difícil quanto eu imaginava que era, eu comecei a estudar mais, me interessar mais
(mulher, parda, 16 anos, projeto TMC).
163
Bom, foi a minha dificuldade [que me motivou] porque eu queria muito conhecer e eu
estava muito ruim em física, principalmente. Eu era horrível em física, eu não sabia
mais o que estava me impedindo de conhecer, de ir além, porque eu não estava
conseguindo... Eu prestava atenção na professora, eu era a pessoa dedicada, me
esforçava muito, mas quando chegava na prova, zero. Não entendia o porquê. Aí
apareceu esse projeto e eu falei: "bom, quem sabe assim eu não consiga aprender de
outra forma". Então eu entrei mais por isso mesmo. Eu não dei nada, achei que ia ser
chato, achei que não ia conseguir entender porque eu sou muito burra, que eu não ia ser
inteligente o suficiente para entender. Mas eu entrei aqui e foi tudo muito tranquilo,
entendeu? É uma coisa completamente diferente, não era uma aula teórica era algo
prático mesmo. E isso eu acho que melhorou o meu desenvolvimento, abriu mais a
minha mente porque aí eu não olhei só a fórmula, olhei como era na prática, já comecei
a imaginar as coisas (mulher, 16 anos, branca, projeto TMC).
164
dos projetos. A presença de pessoas motivadoras ainda que não tenha aparecido com
muita frequência na resposta ao questionário, aparece de forma contundente nas
entrevistas iniciais. Vale ressaltar que o recrutamento das jovens para os projetos se deu
por meio das/os professoras/es – os quais, em muitos casos, também estavam
envolvidas/os como bolsistas dos projetos – e, portanto, era esperado que elas/es
aparecessem como figuras de destaque nas falas. No trecho a seguir, observa-se a
influência da professora de química em incentivar a inscrição da jovem no projeto,
assim como também a menção sobre sua afinidade e autopercepção positiva de
desempenho nas disciplinas relacionadas.
Olha, primeiro foi a minha professora de química. Ela foi minha professora de química
no primeiro ano, ela que me ofereceu o projeto, ela que me falou que tinha uma coisa
muito boa para me inscrever e eu falei que tudo bem. Depois eu fui saber que era de
nanotecnologia e eu gostei mesmo assim. Eu também gosto muito de física apesar de eu
ter mais facilidade em química, eu gosto muito de física. Eu pesquisei um pouquinho e
achei uma área muito legal e eu achei que ia ser muito bom (mulher, branca, 17 anos,
projeto MCE).
A minha mãe me falou que estavam fazendo esse projeto, e no outro dia a professora
perguntou se eu queria participar porque eu era muito boa em química e física, essas
áreas. Aí eu quis participar porque achei interessante (mulher, negra, 16 anos, projeto
MCE).
165
sua dificuldade nestas áreas. Como vemos na fala a seguir, a figura da mãe como
motivadora teve grande importância neste contexto.
Ela [mãe] deu muita força para mim porque ela sabe que eu tenho muita dificuldade...
Eu gosto muito, mas eu tenho muita dificuldade. Ela vê que eu me esforço, entendeu?
Não é porque eu não quero e sim porque algo me impede, eu não sei o quê. Então ela
[mãe] me apoiou muito, ela falou: "Segue esse caminho para ver, para melhorar"
(mulher, 16 anos, branca, projeto TMC).
Ela [mãe] falou que seria bom eu participar desse projeto (mulher, negra, 16 anos,
projeto MCE).
O interesse prévio por ciência, como um dos fatores de motivação das jovens
analisadas para ingressaram nos projetos, vem sendo apontado, na literatura, como uma
das principais motivações de mulheres a ingressarem na área de física, assim como a
figura de orientação e mentoria de professoras (Foote & Garg, 2015). O papel de
professoras tem sido associado a uma influência positiva nas percepções, interesse e na
confiança de meninas em disciplinas em STEM, como na desmistificação de estereótipo
de gênero e concepções prévias sobre as habilidades inatas dos meninos, assim como ao
servirem de modelo e exemplo para as jovens (Baker, 2013).
Destacamos, portanto, ser crucial dar atenção às dinâmicas em sala de aula e no
ambiente escolar, que antecederam, por exemplo, a vivência nos projetos, sobre as
relações entre professoras e jovens. A percepção do suporte familiar também é
particularmente importante para a motivação e o desenvolvimento de interesse das
meninas nas STEM, uma vez que as percepções dos pais sobre as habilidades
acadêmicas de seus filhos predizem a confiança dos próprios filhos em suas habilidades
acadêmicas (Eccles, 2015). Programas que visam facilitar o interesse e o
desenvolvimento de meninas e meninos nessas áreas devem levar em conta o
envolvimento dos pais como agentes sociais relevantes (Lazarides & Ittel, 2013).
166
6.1.1.4. Ambientes inclusivos para mulheres
Destacam-se dois fatores motivadores que têm relação direta com as questões de
gênero e feminismos: o ‘interesse na discussão sobre mulheres nas ciências’ e ‘ser
exclusivo para meninas’. Ao demonstrarem interesse nessa discussão, nos questionários,
as respondentes afirmaram, por exemplo, querer “saber mais sobre a posição da mulher
no mundo da química”, se interessar pelo projeto pois “ele une a área de exatas e
direitos femininos”, “ver que existe espaço para as meninas como eu entrarem na área
de exatas além de envolver os direitos das mulheres” e por querer “participar do debate
sobre a presença, a importância e o papel das mulheres nas áreas científicas”. Com
relação à participação exclusiva de mulheres ser um fator para motivar a participação
nos projetos, as jovens afirmaram em resposta aos questionários: “fiquei entusiasmada
por, primeiro, ser algo só de menina”, “por ser um projeto só de meninas” e “achei
interessante pelo fato de incluir meninas”.
Este fator apareceu novamente nas entrevistas. Uma das jovens do projeto TMC
descreveu que essa foi a principal razão de participar do projeto por encontrar um
espaço em que poderia se posicionar com a segurança de não ter comentários sexistas,
destacado na fala a seguir.
Então é muito legal ter alguma coisa só de menina. Eu achei muito empolgante, e isso
foi a maior razão de todas. Ah, é uma coisa só de meninas, sabe. A gente pode se juntar
e não vai ter as outras opiniões que não são muito agradáveis as vezes, né? (mulher,
negra, 14 anos, projeto TMC).
Similar a este relato, outra jovem destaca que, pelos espaços sociais serem
majoritariamente excludentes para as mulheres, a possibilidade de ter um projeto
inclusivo ganha uma dimensão maior, como destacado abaixo.
É a primeira vez que a gente tem algo só nosso, sabe? E os meninos ficam
incomodados. Isso é legal. Isso é legal porque lá fora a gente é excluída de muita coisa
porque muita coisa é só de meninos. E a gente se incomoda e não podemos reclamar
(mulher, 16 anos, branca, projeto TMC).
Participar do projeto apareceu ainda com uma forma de ocupar espaços pouco
acessíveis para mulheres, evidenciado a seguir na fala sobre a falta de acesso e
oportunidade.
167
Para mim faz [diferença ser inclusivo para meninas]. Porque eu acho que a gente não
tem tanta oportunidade, ainda mais de onde eu venho. A gente não tem tanto acesso a
esse tipo de informação e as outras meninas do projeto também não (mulher, negra, 17
anos, projeto QUI).
Quem me contou foi um professor de matemática. Ele me falou desse projeto e ele me
disse que o nome era Meninas Olímpicas. Eu falei: "ah, ‘meninas’! Deve ser legal
porque tem meninas, deve ser para incentivar". Eu já pensava que ia ser isso, até porque
ele disse, só que eu pensei um pouco mais à frente. Eu achava que todo mundo ia se
apoiar e tal. E foi isso que aconteceu mesmo (mulher, parda, 14 anos, projeto MOI).
168
reconhecimento do restante da comunidade escolar e de engajamento de mais meninas
na temática.
Elas estavam planejando muitas visitas. Já que eu, particularmente, não decidi ainda o
que que eu vou ser, qual curso que eu vou seguir, eu acho que isso vai me ajudar
bastante. Que eu já sei que vai ser na área de exatas, mas eu quero conhecer as minhas
opções, sabe? (mulher, 16 anos, negra, projeto MCE)
Eu quero saber como vai ser, eu quero ver a rotina das pessoas no laboratório, como que
é, tipo, se é entediante ou não, se eu ia aguentar essa rotina do todo dia de uma
faculdade. É isso que eu quero ver. Eu quero conhecer as áreas em volta daquilo que eu
quero fazer (mulher, 15 anos, parda, projeto QUI)
170
6.2.1. Dimensão familiar
Eu adorei esse circuito! Porque eu coloquei dentro de um potinho e ele estava em cima
da mesa e foi a primeira vez que o meu pai se interessou por alguma coisa que eu tinha
feito. Aí ele pegou como se fosse uma caixa de presente e começar a abrir e olhar: "O
que é isso?". "Eu que fiz. Você quer saber como faz? Eu te ensino". Aí eu mostrei para
ele: "Que legal!". Ele ficou superfeliz e orgulhoso mesmo (projeto TMC).
Ao mencionar a que “foi a primeira vez que meu pai se interessou por alguma
coisa que tinha feito”, percebemos a importância para ela desse reconhecimento de sua
capacidade pela figura paterna. Além disso, podemos identificar que, a partir da
vivência dessa jovem no projeto TMC, o interesse de seu pai em algo que ela havia
produzido ajudava a validar sua capacidade em realizar o mesmo experimento
novamente, quando ela menciona o diálogo: "Eu que fiz. Você quer saber como faz? Eu
te ensino". E, em seguida, ela demonstra o que exercitou durante o projeto no âmbito
familiar. Novamente, no trecho a seguir, outra jovem destacou que ela é vista, que
“chama a atenção” ao trazer os materiais desenvolvidos nas atividades semanais.
171
Eu acho assim que toda vez que eu aprendo alguma coisa aqui e que eu levo isso para
casa, isso chama atenção (projeto TMC).
Ambas as narrativas trazem a dimensão das jovens que estavam num lugar de
invisibilidade dentro dos seus contextos familiares e passam a ser vistas e reconhecidas,
mesmo que pontualmente, a partir da vivência que elas trazem do contexto do projeto
para a dimensão familiar. Essas narrativas remetem não apenas à invisibilidade histórica
das mulheres na produção de conhecimento, como discutido por Schiebinger (2001),
mas à questão de como as percepções dos pais sobre as habilidades acadêmicas de seus
filhos e filhas predizem a confiança de jovens em suas habilidades acadêmicas (Eccles,
2015). Além disso, a partir deste reconhecimento, destaca-se a importância de
reconhecer as jovens por quem elas são e não por quem elas deveriam ser, reivindicando
sua presença legítima (Calabrese Barton et al., 2020). Na fala a seguir, uma das jovens
relatou a satisfação em ter o reconhecimento de sua mãe e seu pai sobre o que vinha
desenvolvendo ao longo do projeto TMC.
Eu acho que mostrar, não só o que a gente aprende, mas falar com nossos pais sobre
uma matéria que a maioria não gosta e mostrar coisas diferentes, influencia. Eu não
tinha muito assunto com a minha mãe, mas chegava o dia de quarta-feira e eu tinha uma
coisa nova para mostrar para ela: "Mãe, olha isso aqui que legal que eu fiz". Outra hora,
quando ela não estava em casa, eu mandava as fotos e os vídeos: "Mãe, olha só que
legal. Está acendendo", e eu mostrava para ela. E finalmente o interesse do meu pai
pelas coisas que eu faço porque é muito difícil, e ele não achou que eu tinha feito
aquilo. É complicado (projeto TMC).
Toda quarta-feira, eu chego dentro de casa mais tarde. Antigamente quando eu chegava
tarde em casa, minha mãe brigava e falava: "você estava na rua, não sei o que", só que
às vezes eu estava num engarrafamento ou coisas assim e ela ficava muito chateada,
mas agora quando eu chego tarde em casa ela fala: "eu sei que você estava na escola,
que você estava aprendendo, que você estava absorvendo uma coisa que era para o seu
futuro". Porque realmente foi para o meu futuro. A gente começou ano passado e esse
ano eu aprendi tudo aquilo que a gente aprendeu ano passado na prática, na teoria
também aqui nessa mesma sala (projeto TMC).
172
De forma similar ao relato anterior, ao receber o reconhecimento da avó, de tios
e da mãe por integrar o projeto, a jovem narra com satisfação: “eu me destaquei”, ao se
comparar com outros familiares que não seguirem o mesmo caminho. Ela complementa
ainda “antes eles me consideravam muito infantil, agora eles acham que eu sou um
pouco mais responsável”. As relações afetadas positivamente a partir do olhar de
admiração e reconhecimento dos familiares validam sua experiência e permitem que ela
se sinta mais confiante e pertencente a esse novo espaço que conquistou.
Minha avó está super orgulhosa de mim. Ela mora em Minas e agora todos os meus
planos, eu conto para ela. Está super orgulhosa e não tem coisa melhor de saber isso.
Meus tios, minha mãe. Então eu acho que isso mudou de uma certa forma. As minhas
primas são vida louca. Então eu me destaquei. Eu acho que agora eles me veem como
uma pessoa mais responsável e permitem que eu faça mais coisas. Antes eles me
consideravam muito infantil, só que agora eles acham que eu sou um pouquinho mais
responsável por causa disso (projeto MCE).
Porque engenharia naval eu olhei assim e falei: “Nossa! Eu quero fazer isso!”. Não foi
por opiniões de outras pessoas e os meus pais. Meu pai, o sonho dele é que eu seja
médica, mas eu fico: “Não. Eu não gosto de hospital porque agulha não é para mim”
(projeto TMC).
Eu acho que ainda tem um pouco de preconceito de alguma parte dos homens. Por
exemplo, meu pai não me vê sendo uma engenheira, meu pai me vê sendo médica. Mas
eu não me vejo sendo médica, eu me vejo sendo uma engenheira. Porque às vezes a
gente fala: “Ah, eu quero ser física, por exemplo”. A pessoa fala: “você está maluca?
173
Você é uma mulher”. Eu acho que às vezes a gente tem sim esse preconceito. Às vezes
as próprias mulheres têm esse preconceito (projeto TMC).
Novamente, a jovem narra que tinha interesse em acompanhar o pai durante seu
trabalho cotidiano como mecânico industrial e ouviu de seu pai que não deveria
acompanhá-lo porque não seria um trabalho designado para alguém como ela. Na
articulação da narrativa da jovem, ela atribui o discurso do pai a um pensamento
retrógrado e conservador, quando menciona: “Eu acho que é mais pela realidade do
passado, eles ainda estão com aquelas vendas que não deixa ver que há agora um
ambiente muito mais amplo do que ele conhecia antigamente”, no exemplo a seguir.
Por exemplo, eu sempre falei: “Poxa pai, eu quero ir trabalhar junto com você. Eu quero
conhecer o que você faz”. O meu pai é mecânico industrial. Ele faz máquinas para
fábricas de cigarro e outras máquinas, tipo máquinas de moer, mas o forte dele é essas
máquinas de cigarro. Eu sempre tive interesse em conhecer as coisas que o meu pai
fazia, porque eu sempre gostei. Aí o meu pai sempre ficava: “Mas por que você quer
fazer isso? Você tem cara de médica. Por que você tem que fazer isso, né?” Eu acho que
é mais pela realidade do passado, eles ainda estão com aquelas vendas que não deixa ver
que há agora um ambiente muito mais amplo do que ele conhecia antigamente. Não é
nem pela questão de ser preconceituoso às vezes, mas é pela questão da falta de
conhecimento (projeto TMC).
Às vezes eles [pais] não aceitam tão bem, aí eu fico pensando: nossos pais foram
criados em outro tempo, em outra realidade. O que a gente está vivendo agora é
totalmente diferente do que eles foram criados. Meu pai nunca que ia imaginar que eu
criei um circuito, ia mostrar para ele como funcionava, que a gente ia saber soldar
(projeto TMC).
A questão de eu querer ser fisioterapeuta esportiva é uma coisa que, se você olhar não
tem ou está atrás dos bastidores, é muito raro. Então eu pensei, falei com a minha mãe:
174
“É pra ser feliz e para quebrar tabus”. Eu falei que eu cheguei aqui para quebrar tabus,
quebrar regras. Então é isso que eu quero fazer porque eu gosto. Eu não estou nem aí
para ganhar dinheiro. Só quero fazer uma coisa que eu gosto (projeto MCE).
Outro dia eu falei assim: “Pai, eu quero ser cientista”. Aí ele: “Por quê?”. “Pai, eu quero
ser cientista”. Aí ele: “Está bom, mas você primeiro vai passar na Marinha”. Depois
disso eu não falei mais nada porque eu não vou fazer. Eu não quero ser da Marinha. Só
que ele não sabe disso. Ele no fundo, no fundo, acha que eu vou para a Marinha, mas
mentira! Eu não vou!(...) E no meu caso, do meu pai, dele ter assim meio que essa
cabeça fechada é porque ele não conseguiu realizar o sonho dele, mas ele quer que eu
realize o sonho dele, entendeu? Por isso que eu falei da Marinha. Porque ele teve uma
oportunidade de ir pra Marinha, mas ele não foi porque ele não quis. Aí ele falou assim:
"Você vai". Eu não vou. Não vou. Vou ser cientista e isso (projeto TMC).
Esse exemplo mostra a interseção das escolhas profissionais não apenas com o
marcador de gênero, mas também com o marcador de classe social. A escolha da
carreira militar é apontada como uma procura por busca de estabilidade profissional e
financeira, com a entrada imediata no mercado de trabalho. Costa e Silva (2021), ao
estudarem as expectativas profissionais de estudantes de camadas populares,
argumentam que jovens demonstram desejo e escolha pela carreira militar por se
constituir trajetórias possíveis em seus contextos socioculturais, por sua aparente
estabilidade remuneratória e garantia de manutenção do vínculo. Nesse caso, são os
familiares da jovem que projetam essa perceptiva de carreira, porém muitas afirmaram
no questionário inicial da pesquisa o desejo em seguirem em carreiras militares.
No trecho a seguir, vemos como ambos os marcadores de gênero e classe estão
presentes na fala da mãe de modo a constringir a escolha de carreira da jovem.
Enquanto a mãe tem o desejo que a filha siga a carreira militar na Marinha, e a filha
advoga que gostaria de cursar física, a mãe se posiciona: “Isso não vai te dar dinheiro
nenhum. Isso é coisa mais para homem”, apontando tanto a dimensão da estabilidade
financeira quanto para as normas sociais e culturais de gênero e de divisão sexual do
trabalho.
175
Um primo meu me perguntou “O que você pretende fazer?” porque o sonho dela [mãe]
é que eu seja da Marinha. Eu falei: “Ah, mãe, eu quero fazer física”. Ela falou assim “O
quê? Educação física?”. Eu falei “Não, mãe. Física”. Ela falou: “Isso não vai te dar
dinheiro nenhum. Isso é coisa mais para homem”. Eu falei: “Não, eu vou fazer porque
eu gosto. Porque eu quero. Eu tenho que seguir uma carreira que eu vou me sentir feliz,
não o que a senhora quer”. Aí ela ficou um pouquinho intrigada, mas ela aceita. Hoje
ela aceita, antes não (projeto MCE).
Ressaltamos três categorias que emergem das falas das jovens nos grupos focais
em estreita relação com o contexto escolar. São elas: a melhora no desempenho escolar
a partir da vivência nos projetos; o reconhecimento da comunidade escolar, com maior
visibilidade e interesse por parte da comunidade escolar; e o significado da intervenção
no espaço físico da escola a partir da construção de um produto retornável à escola.
176
Eu não tinha tanta atração por essa parte de exatas, de química, de física. A gente ficou
muito mais interessada nas aulas do que antes do projeto. Pelo menos para mim isso
mudou, na escola e em tudo (mulher, projeto MCE).
Como eu já disse, eu sou horrível, um cocô em física. Não dá para mim. Eu não consigo
aprender porque eu não gosto de matemática, eu tive um ensino fundamental muito,
muito, muito pobre. Que eu achava assim: "eu vou decorar porque eu vou passar esse
ano e ano que vem não vai ter mais isso de novo, e eu não vou usar isso pra minha
vida". Me ferrei porque eu uso isso para sempre, né. Matemática é uma coisa que a
gente vai usar para o resto das nossas vidas. Então, quando eu cheguei a ter física,
quando eu comecei a ter física que envolveu um pouco de ciências com um pouco de
matemática, eu me ferrei legal. Mas esse ano por conta de a gente já ter falado disso
várias vezes, toda vez que o professor falava, eu lembrava do circuito e da gente
fazendo, das nossas reuniões. Então foi uma coisa que eu vou levar para minha vida
porque não foi em vão, a matéria foi bem mais fácil de ser digerida e foi uma coisa que
me ajudou a melhorar a minha nota. Primeiro bimestre eu fiquei com 5,0 que é a média
da escola e o segundo bimestre eu fiquei com 7,0. E já foi bem o up da minha física que
não é muito boa, mas melhorou muito (mulher, projeto TMC).
177
afetada pelo projeto. A partir da vivência no projeto, ela relatou que começou a ter
“relação diferente com a física no colégio”. O projeto se tornou alvo de interesse da
comunidade escolar quando seus colegas perguntavam para onde ela ia nas quartas-
feiras – dia da oficina semanal do projeto MCE – e demonstravam admiração quando
mencionava que trabalhava com um tema pouco usual, como a nanotecnologia.
O projeto acabou sendo convidado tanto para algumas feiras na nossa escola quanto eu
acho que também mudou um pouco o meu olhar sobre a física na escola. Acho que eu
comecei a ter uma relação diferente com a física no colégio. Acho que mudou a
experiência um pouco das pessoas pelo menos na nossa escola. Por exemplo, quando a
gente sai na quarta-feira e aí a gente vem para cá. Então, as pessoas ficam perguntando
“Aonde você vai agora?”. “Eu vou pra UFRJ”. “Você está fazendo o quê?”. Aí, você
fala: “a gente está fazendo um estágio em nanotecnologia”. Aí eles ficam
“Nanotecnologia? Que legal! Como é que funciona? Nossa!” (mulher, projeto MCE).
Quando o projeto foi na nossa feira de ciências, a gente foi expor. Tudo que a gente
aprende aqui, a gente foi expor lá, eles gostaram bastante do projeto. Tanto que os
professores, os adultos quanto os adolescentes se interessaram muito. Os pais dos
alunos, os avós. Eu acho que teve muita gente me perguntando sobre o projeto, tinha
gente perguntando sobre a área (mulher, projeto MCE).
Eu acho que, do projeto, que marcou muito foram as apresentações, porque a gente vai
falando e as pessoas, por exemplo, foram no [colégio] Brasil Turquia nos ver apresentar.
Aí, tinham os alunos que foram ver e falavam "Caramba! Que legal! Que maneiro!", e
todo mundo ficou encantado, né! (mulher, projeto MCE).
178
Eu passei por uma experiência muito legal no Espaço Ciência Viva. (...) Lá, a gente
estava explicando para criança de três, quatro aninhos e para adultos já de idade, e tudo
mais. Foi uma experiência bem legal porque a forma de ensinar era diferente. Então
ficou muito marcante (mulher, projeto MCE).
Foi muito legal porque a gente vai deixar isso na escola, uma coisa para escola, porque
estava uma horta abandonada. Não estava em uso, estava sem vida, sem nada. E a gente
conseguiu fazer um projeto que foi assim, não vou dizer um sucesso, mas deu certo no
final (mulher, projeto MOI).
Em sua fala, vemos a importância de atuação dentro de um espaço que faz parte
do seu cotidiano e o orgulho em deixar “uma coisa para a escola”, dentro do território
no qual as jovens estão inseridas. Além da dimensão familiar e escolar, as narrativas das
jovens trouxeram elementos sobre o âmbito do projeto propriamente dito, que
discutiremos na própria seção.
179
6.2.3. Dimensão do projeto
180
coordenadoras;
• Discussão sobre estereótipos, viés implícito e desigualdades de gênero, raça,
classe e demais marcadores interseccionais ao longo do projeto;
• Incorporar a pesquisa e avaliação como parte das atividades dos projetos;
• Incorporar uma equipe interdisciplinar que reúna pesquisadoras na área de
educação, divulgação científica, estudos de gênero e feminismos a
pesquisadoras nas áreas de STEM.
181
A noção de representatividade feminina aparece desde a proposta das chamadas
públicas do CNPq, na medida em que foi dada maior pontuação no processo de seleção
dos projetos para proponentes do gênero feminino, assim como foi exigido que, na
modalidade de estudantes de graduação, fossem estudantes mulheres. As jovens da
educação básica, portanto, tiveram, ao longo dos projetos, referências de mulheres em
diferentes estágios de carreira, desde as graduandas que atuaram como facilitadoras das
oficinas e atividades, e das pesquisadoras que atuaram como coordenadoras dos
projetos. Nesse ponto, é importante destacar que as chamadas não tinham
explicitamente um enfoque interseccional, e não mencionavam diretamente a
importância dos projetos de trazerem pessoas, conhecimentos e expertises a partir de
demais marcadores da diferença, como raça, classe, território, sexualidade e pessoas
com deficiências.
Dos projetos analisados, alguns optaram por dar maior enfoque a questão da
representatividade. No projeto MOI, por exemplo, durante as visitas a instituições de
pesquisa, foi solicitado, pelas coordenadoras, que o grupo fosse conduzido por
pesquisadoras mulheres das instituições visitadas. O projeto MCE, por sua vez, investiu
em atividades que fortalecessem as narrativas de trajetórias de pesquisadoras e a
representatividade de gênero e raça nas STEM, com a organização de mesas redondas
mensais nas escolas com a presença pesquisadoras voltadas para toda a comunidade
escolar; na organização de dois eventos no Museu Ciência e Vida, com a presença de
diversas pesquisadoras das áreas de exatas e das humanidades, dialogando sobre as
questões de gênero nas ciências; e a partir da itinerância de exposições advindas do
Museu, montadas nas escolas envolvidas, que abordavam biografias de pesquisadoras.
Esse enfoque aparece na fala das jovens durante os grupos focais: as estudantes
declararam que, dos momentos mais marcantes, estavam as mesas redondas realizadas
mensalmente nas escolas envolvidas e os eventos ocorridos no Museu Ciência e Vida,
como exemplificado a seguir, com destaque para a percepção da importância do espaço
de troca com outras mulheres em diferentes estágios de formação – “desde meninas que
estão terminando o ensino médio” a “mulheres com mestrado, doutorado” –
proporcionado pelas atividades do projeto MCE.
A parte de divulgação científica também no Museu Ciência e Vida foi muito maneiro
porque a gente trocou experiências com mulheres, assim, desde meninas que estão
terminando o ensino médio, que conseguiram ser premiadas por projetos, por provas
assim que participaram de exatas, mulheres com mestrado, doutorado... que já foram
182
pra Apple, que foi o caso da Nina [da Hora]. E isso trocando experiência com a gente
também foi muito bom (mulher, projeto MCE).
Uma das jovens destacou que os debates com pesquisadoras ocorridos nas
escolas mobilizaram o interesse de demais jovens mulheres e homens para a temática:
As mesas-redondas nas nossas escolas também foram muito importantes porque, além
da gente, muitas garotas se interessaram, muitos garotos também. Então, contando a
experiência uma da outra foi muito assim especial, gratificante (mulher, projeto MCE).
Mas é bom para gente ver que, tipo, não é fácil [seguir a carreira acadêmica], não é.
Todas elas falaram... nenhuma delas falou: “Não, foi super fácil”. Mas eu acho que isso
é bom porque faz a gente acreditar que se elas conseguiram a gente também pode
(mulher, projeto MCE).
Não sei se vocês já viram um filme que se chama “Estrelas além do tempo”. São três
mulheres e elas sofrem muito preconceito. Tipo, elas eram bem avançadas para época
delas que se passa, acho que, na década de sessenta quando os Estados Unidos ainda
estavam em segregação e elas sofriam por serem mulheres e por serem negras. Então
vai mostrando no decorrer do filme a história delas, de como elas superaram isso no
campo... na área onde elas atuavam. Tipo, elas eram muito inteligentes! Muito
inteligentes! Elas foram uma das primeiras pessoas a entrar na NASA assim (mulher,
projeto MCE).
183
Eu acho que tem tantas mulheres que fizeram coisas incríveis, por exemplo, a minha
ícone é a Margaret Hamilton. Ela tinha duas filhas enquanto ela trabalhava pra NASA,
enquanto ela trabalhava no projeto Apolo Onze. E eu vejo como foi a jornada dela
mesmo com as filhas e o legal é que ela incentivava as filhas à ciência o tempo todo.
Então eu sou louca para ter uma filha e comprar uma blusa da Marie Curie para ela
(mulher, projeto MCE).
Eu conversei um tempo, acho que foi até com a Thereza [coordenadora], foi no dia que
a gente foi lá e ela é professora da UF [UFRJ] e eu achei muito incrível ela falando com
a gente, incentivando a gente a ir para essa área. Tipo, eu falei com ela que o meu sonho
é ser historiadora, fazer história e ela falando comigo: “não, mas se você quiser é uma
184
boa área pra você seguir, porque aqui você não vai ter só a aula em si, as contas pra
fazer, você vai ver muito mais do que você vê no projeto”. Então ela super estimulou
em mim a curiosidade de saber muito mais além do projeto. Além disso, tipo, nesse
tempo que a gente conversou, ela ficou falando sobre a quantidade de mulheres que
tinham lá, de como os professores são tratados, de como é essa responsabilidade de
cuidar da gente aqui no projeto. Então ela foi falando essas coisas e foi abrindo o meu
pensamento sobre a área de exatas (mulher, projeto TMC).
A falta de representatividade, como não ter tido professoras mulheres nas áreas
de exatas, pode contribuir para o sentimento de não pertencimento a esse espaço, uma
percepção de “não é para mim”, como exemplificado na fala a seguir. As jovens
passaram a identificar figuras femininas nesta área a partir das referências que
encontraram nos projetos.
Para mim foi importante porque antes de eu começar o projeto por vezes eu tinha uma
visão meio preconceituosa, porque eu só via homens, todos os meus professores de
exatas sempre foram homens. Esse ano que eu fui ter a primeira professora de
matemática mulher. O resto sempre foi homem e tudo mais. Então eu achava que isso
não era para mim. Apesar de eu gostar, eu achava que não era para mim. Aí depois que
eu entrei para o projeto as coisas mudaram (mulher, projeto MCE).
Acaba que nós mesmos não sabíamos de tanto envolvimento que a mulher tinha nessa
área. E aí com o projeto a gente conseguiu descobrir essas coisas (mulher, projeto
MCE).
Acho que até hoje, de cientista negra, a gente só conheceu uma pessoalmente, que é a
cientista da computação, que é Nina da Hora. Ela estuda na PUC e serve muito de
inspiração para mim... E o mais louco é que a Nina passou por um concurso da Apple,
ela passou uma temporada nos Estados Unidos pela Apple e quando ela tirou uma foto
com o grupão, ela disse que ela não tinha percebido, mas quando ela mostrou a foto para
mãe dela... A mãe dela foi a única que percebeu que ela era a única mulher negra da
foto. Era a única, sendo que não sei quantas pessoas participaram e ela era a única
mulher negra. Vamos supor de vinte, ela era a única pessoa negra ali. Acho que ela é
185
realmente uma inspiração. Mulher negra, Caxiense. Eu acho incrível porque para ela foi
mais difícil do que vai ser para gente e ela conseguiu (mulher, projeto MCE).
Acho que por não ter tantos modelos, a gente não é tão estimulada, porque a gente tem
os modelos brancos de mulher, mas não se fala dos modelos das mulheres negras nas
ciências (mulher, projeto TMC).
[Entrevistadora: vocês se identificaram com elas?] Eu acho que não, porque às vezes eu
acho que elas são muito inteligentes. Eu acho uma pessoa que está em outro nível
(mulher, projeto MCE).
[Entrevistadora: E vocês acham que a ciência está aberta para receber meninas como
vocês?] Acho que não completamente. Eu acho que não porque, por exemplo, teve uma
empresa que a gente foi lá na UFRJ para fazer uma visita que não tinha nenhuma
mulher (mulher, projeto MOI).
[Jovem 1] Eu estou com um pouco de medo de fazer engenharia porque eu sei que vai
dar cinquenta cabeças, três mulheres. Duas desistem antes e uma delas sou eu.
[Jovem 2] Não, se entrarem três está ótimo porque você não vai ser sozinha. O ruim é se
ficar só você e um bando de homens porque normalmente a gente não sabe como vai
ficar o futuro, mas principalmente a sociedade ainda vai continuar machista (projeto
MOI).
186
O meu pai uma vez chegou a comentar que dentro da sala de aula dele, ele faz
engenharia mecânica, tinha só umas cinco mulheres. Então de, vamos supor, cinquenta
alunos, cinco mulheres, eu acho isso muito pouco (mulher, projeto TMC).
187
Não adianta você: "ah, mulheres podem", mas aí não tem um projeto como esse para
falar: "Meninas, vocês podem! Meninas, está aqui. Olha só que legal o que vocês podem
fazer". E não é todas as escolas que têm essa oportunidade que a gente está tendo de
participar do projeto, de ver novas áreas (mulher, projeto TMC).
Vocês estão querendo mostrar uma forma de liderança, uma forma de você ter o poder
sobre você mesmo, que você tem a opção de escolhas (mulher, projeto TMC).
Vocês, através do projeto, não impuseram uma ideologia, mas mostraram que a gente
também é capaz nesse mundo, nessa sociedade em que o machismo é impregnado. Que
a gente sim é capaz, que a gente sim tem oportunidade (mulher, projeto TMC).
A gente sempre aprendeu que o lugar de ciência é dos homens e aqui a gente tem
aprendido que lugar de ciência é das meninas sim e que a gente pode realmente
prosseguir com isso, porque não são só os homens que têm direito de escolher todas as
possibilidades do que vai seguir, da sua profissão, do que vai ocorrer com essa pessoa.
Eu acho que a gente conseguiu ampliar o nosso pensamento e também ver as nossas
vidas nas áreas das exatas (mulher, projeto TMC).
Por conta do projeto, a gente se uniu muito. Por exemplo, ela é da 2002, eu sou da 3002,
Iasmin é da 3004, ela é 2003. Cada uma numa sala diferente e a gente se encontra toda
quarta-feira e tudo aquilo que acontece com a gente na escola a gente sai, a gente
conversa, a gente se ajuda. (...) Então, não é só um projeto que a gente vem aprender
ciências. É um projeto que a gente vem compartilhar nossas culturas, nossos
pensamentos, é bem legal assim. Por conta desses assédios que aconteceram e tal, é tão
legal ter um momento só com as meninas que não tem como uma menina assediar a
outra. E, além disso, uma menina incentiva a outra. A gente se apoia. (mulher, projeto
TMC).
188
momentos em que elas puderam trocar entre si sobre as percepções acerca das
atividades que realizaram em suas escolas, de forma que reconheceram nos desafios das
colegas similaridades com seus próprios percursos. Nas falas a seguir, as jovens do
projeto MOI relataram a identidade construída por serem as Meninas Olímpicas do
IMPA e por fazerem parte de um grupo com interesses em comum:
Fazer parte de um grupo com muitos interesses em comum (mulher, projeto MOI).
Acho que foi muito importante as visitas às universidades. Para mim foi o que mais
marcou. Nossa! Foi incrível! As visitas e conhecer o IMPA. Exatamente, eu quero
trabalhar lá! Ir na UFRJ. Principalmente conhecer Universidades, Centros e lugares de
pesquisa em que a gente, por exemplo, viu alguma mulher trabalhando e a gente pôde se
enxergar nisso, sabe? É um incentivo. A melhor parte... (mulher, projeto MOI).
Acho que é a oportunidade que vocês deram com essa parceria com a escola e outras
parcerias que a escola tem, proporcionaram a saída à universidade, a dizer que sim, a
gente pode entrar lá e sim, lá é o nosso lugar sim de direito. Porque muita gente fala que
a universidade não é para todo mundo, mas sim, é para todo mundo sim e
principalmente para gente que é aluna da escola pública e para uma faculdade pública e
todo mundo paga imposto, teoricamente a faculdade e a escola pública é para todo
mundo (mulher, projeto TMC).
189
6.2.3.3. Ambiente de aprendizagem seguro e inclusivo para mulheres
Eu acho também que ter um ambiente só com mulheres, ter uma atenção só para gente,
é diferente. Porque vocês trabalharem com uma turma onde tem meninos e meninas,
lógico que vai ter o menino que vai se achar o tal e ele é o melhor, ele faz os melhores
circuitos, ele é endeusado, mas a menina que é melhor do que ele, que fez antes dele, tá
nem aí, não ligam, né. É complicado. Então eu acho que terem priorizado foi a melhor
coisa (mulher, projeto TMC).
Eu acho que a gente se sente muito inferiorizadas perto deles. Acho que eles se colocam
numa posição maior que a gente. Teve uma vez que o menino queria me ensinar o que
eu estava tentando ensinar para outra pessoa. Eu estava ajudando uma pessoa antes da
prova aí ele veio e "não, mas não é assim, faz desse jeito aqui ó" (...) Você não tem que
me tirar do meu espaço para mostrar que você é superior. Você não é superior, você é
igual a mim. Só que você é melhor em uma coisa e eu em outra (mulher, projeto MOI).
Desta forma, a escolha por espaços de apenas mulheres pode ajudar a promover
um ambiente seguro de troca e promoção de confiança das jovens. Ter programas
apenas para mulheres parecem aumentar a compatibilidade de identidade percebida e de
suporte social percebido, promovendo maior envolvimento de mulheres em cursos de
STEM. Dois achados importantes no trabalho de Rosenthal e colaboradoras (2011)
sugerem que (i) a compatibilidade de identidade percebida e o suporte social percebido
estão associados a um maior sentimento de pertencimento na universidade e que (ii)
programas para pessoas do mesmo gênero - isto, é, apenas para mulheres - podem focar
com sucesso na compatibilidade de identidade percebida e suporte social percebido para
aumentar o envolvimento de mulheres em cursos de STEM.
190
Neste trabalho, as participantes eram 65 mulheres racialmente, etnicamente e
socioeconomicamente diversas matriculadas em um programa de STEM inclusivo para
mulheres em uma universidade mista no nordeste dos Estados Unidos. As participantes
responderam a pesquisas on-line antes do início do primeiro ano de faculdade e
novamente no início do segundo ano de faculdade. Por compatibilidade de identidade
percebida, entende-se que a percepção de suas diferentes identidades, como mulheres, e
como estudantes ou profissionais de campos em STEM não seriam identidades
conflitantes, e por suporte social percebido entende-se disponibilidade percebida de
recursos de apoio acadêmico, social e psicológico para ajudar as mulheres a superar os
obstáculos em seguir em carreiras em STEM (Rosenthal et al., 2011).
Ainda que a abordagem e o contexto não sejam os mesmos, uma vez que
Rosenthal et al. (2011) fez uso de uma pesquisa quantitativa a partir desses dois
parâmetros, podemos identificar similaridades nas narrativas das jovens participantes
dos projetos do Rio de Janeiro sobre a importância de ter projetos de mesmo gênero,
que incluam apenas mulheres, quando elas se referem, por exemplo "No projeto TMC, é
a primeira vez que a gente tem algo só nosso" e "é uma coisa só de meninas, sabe. A
gente pode se juntar e não vai ter as outras opiniões que não são muito agradáveis as
vezes, né?". Deste modo, entendemos a importância de ter espaços inclusivos para
mulheres, em que elas não se sintam julgadas, possam aumentar a autoconfiança e senso
de pertencimento ao reafirmarem suas múltiplas identidades.
Para mim foi especial ter contato com a faculdade, ver como é que funciona, você vê o
que significa a área da pesquisa. Eu acho que realmente mudou também nossos pontos
de vista, há um tempo eu nunca pensaria na carreira acadêmica como uma opção de
trabalho: "Ah, eu quero ser professor universitário, quero trabalhar com pesquisa".
Jamais pensaria nisso. Então eu acho que realmente mudou a minha visão sobre a área
que eu quero seguir. Bom, eu sempre quis física, mas mudou a minha visão sobre como
191
é a física na faculdade e só aumentou mais ainda o meu desejo de permanecer nas áreas
das exatas (mulher, projeto MCE).
Algumas jovens relataram que a vivência nos projetos despertou o interesse pela
ciência e por áreas específicas, como nos trechos abaixo. Uma das jovens, por exemplo,
já tinha interesse em cursar engenharia e a experiência com robótica e a aprendizagem
de arduíno fez com que optasse pelo curso de engenharia de controle e automação.
Eu descobri a minha paixão por ciência por causa da escola e por causa do projeto. Eu
olhei aquilo, brilhou meus olhos e eu: “É isso! Tem que ser isso! Tem que ser alguma
coisa disso porque se não for isso, eu não vou ser feliz. Se eu fizer outra coisa, eu vou
ficar triste. É isso! Eu tenho que ir em alguma coisa dessa área”. Eu acho que por conta
disso, dessas influências positivas, me incentivou a buscar mais (mulher, projeto TMC).
Uma das jovens relatou ainda ter interesse prévio em seguir na área de
matemática, porém tinha insegurança em afirmar socialmente esta escolha. A vivência
no projeto a estimulou a fazer esta afirmação e seguir seu desejo, destacado no trecho a
seguir.
192
a construção de protótipos baseados em arduíno e robótica, intervindo no espaço
escolar.
Segundo a narrativa das jovens, a dinâmica prática foi um ponto positivo na
atração e no envolvimento com as disciplinas propostas, uma vez que as permitiu
visualizar e imaginar melhor a teoria, produzir com as próprias mãos, ter um produto
para mostrar aos familiares, vincular o aprendizado com o cotidiano, ampliar as
experiências escolares para além do espaço e material fornecido pela escola e aprender
uma metodologia de ensino para a futura profissão, mesmo que não fosse na mesma
área e nem mesmo na área de exatas. Nos exemplos a seguir, as jovens narram a
vantagem da metodologia prática para visualizar e imaginar os conceitos da área de
física.
Para mim mudou na forma de imaginar. Porque eu tenho muita dificuldade de visualizar
as coisas e, como é prático aqui, fica mais fácil. Porque, na escola, a professora fala de
partícula e eu fico: “O que isso?”, entende? Aí é mais fácil para mim visualizar as coisas
(mulher, projeto TMC).
Eu ainda não tive esse tipo de matéria, mas saiu um pouco do quadro, da matéria, das
fórmulas. É muito melhor poder visualizar aquilo, tocar, fazer você mesma e depois
você mostrar para alguém, compartilhar o que você aprendeu (mulher, projeto TMC).
Eu acho assim que toda vez que eu aprendo alguma coisa aqui e que eu levo isso para
casa, isso chama atenção. Não só para o projeto, mas também para escola porque,
muitas vezes, a gente sairia daqui, iria para casa, iria dormir e acabou. Mas a gente
escolheu estar aqui para aprender mais daquilo que a gente não consegue entender por
que por mais que a gente aqui não esteja aprendendo fórmulas e cálculos, a gente está
aprendendo a física assim de uma maneira mais fácil. E quando a gente chega no
cálculo, a gente fala: "ah, isso aí é só você pegar e pensar naquilo, isso acontece por
causa daquilo". Portanto, quando hoje a gente falou de circuito, eu já lembrei do meu
professor dando aula aqui. Isso já abre o seu pensamento, já abre a sua visão. Você não
fica preso só naquilo, é fórmula e é cálculo. Você já pensa que por trás da fórmula e do
cálculo tem uma coisa muito legal, tem todo um trabalho muito bem feito para poder
aquilo acontecer, entendeu? Toda vez que eu penso no resistor da minha casa, a minha
casa sendo construída, eu penso nisso, eu penso: "Caraca! Que incrível!". É uma coisa
muito louca (mulher, projeto TMC).
193
As jovens destacam que, com a dinâmica prática e de experimentação, o
conhecimento em física e em matemática deixou de ser abstrato para ter mais
significado e contexto dentro de seus cotidianos.
Na escola a gente aprende, mas é muito na teoria, então quando, no primeiro semestre,
quando foi na prática a gente entendia melhor. Na escola é uma coisa bem básica, só
fórmulas, e aqui vai aplicando bastante coisa e a gente vê alguma coisa na vida, a gente
já leva, já entende como funciona, o porquê. Funciona meio que um raciocínio lógico.
Você entender uma coisa uma vez, aí fica mais fácil de entender depois (mulher, projeto
TMC).
Mudou também a forma como a gente vê exatas porque a gente acha que na escola é só
conta, só gravar fórmulas e isso basta. A gente chega aqui e vê que a física ela pode
estar no nosso dia a dia, que pode estar evoluindo com novos estudos e a gente vê o
quanto é legal você ver a física na prática, a química... Toda essa parte de exatas que é
passado como se fosse uma coisa chata na escola, porque a maioria dos alunos não
gostam, mas a gente chega aqui e vê na prática e a gente se apaixona por isso (mulher,
projeto TMC).
A gente viu mais aplicação do que matemática no dia a dia. Como a gente aprende na
escola, eu acho muito chato. Você tem que decorar e isso aí você acaba copiando e
colando e você não está aplicando nada na sua vida. Você aprende matemática na
escola, mas você não sabe como aplicar. Então você não aprende. Você decora (mulher,
projeto MOI).
Depois entrei aqui e vi que aqui não era só você fazer um monte de conta ou trabalhar
com fórmulas e sim ver como funciona na prática. E também ver que nanotecnologia
também pode ter uma ligação com biológicas, que pode mudar muitas coisas na
medicina e aí começou a abrir os meus olhos. Eu me apaixonei. Gostei mais disso
(mulher, projeto MCE).
A gente nunca teve uma oportunidade assim. Eu acho que essa foi uma oportunidade
incrível porque a gente botou em prática aquilo que às vezes a gente aprende dentro de
sala de aula. Que muitas das vezes o professor não tem como fazer a aula prática assim
e aqui a gente não está aprendendo só a prática, a gente também está aprendendo coisas
que a gente nem sabia. Conhecendo coisas novas (mulher, projeto TMC).
Eu olho para a profissão que eu quero e eu penso: se eu vier toda vez com aquela
mesma coisa, aquela mesma rotina de só falar, escrever no quadro e olhar para cara dos
194
outros, eu não vou mudar ninguém. Todo mundo vai continuar a mesma coisa. Então eu
não penso só nisso. Eu penso em cada aula trazer uma dinâmica. Por exemplo, o Tem
Menina no Circuito. A gente faz os nossos projetos aqui e isso muda totalmente a física,
mas na história a gente não tem nada. Então, por que não eu fazer a minha sala de aula
virar um mapa geográfico, botar metade de um lado, metade do outro e falar que eles
são portugueses e os índios do Brasil? Por que eu não posso fazer uma coisa assim que
vai chamar atenção das pessoas? Então eu penso nisso. Eu penso em mudar, em
transformar e fazer as pessoas olharem de uma forma diferente, fazer as pessoas
aprenderem realmente o que é aquele conteúdo, não ser uma professora monótona que
chega na sala e faz a mesma coisa sempre, senta, faz a chamada e vai embora (mulher,
projeto TMC).
195
6.2.4. Dimensão social
Eu chego em casa oito horas da noite. Eu chego em casa, eu faço o meu dever se tiver.
Ou, se eu tiver muito cansada, eu durmo, aí mais ou menos eu acordo umas duas horas
da manhã para fazer o dever até chegar o horário de acordar oficial (mulher, parda, 14
anos, projeto MOI).
É muito puxado... A gente sai todo dia às 5 horas, mas tem projetos, como matemática
avançada na quinta, tem astronomia na segunda, e a gente sai daqui 7:30 e para chegar
[em casa] demora muito (mulher, parda, 15 anos, projeto MOI).
O tempo que a gente tem vago seria nos finais de semana e é nesse tempo que a gente
descansa, estuda para escola (mulher, parda, 15 anos, projeto MOI).
196
unânime a resposta afirmativa sobre haver uma rotina de afazeres domésticos, como
exemplificada nas falas a seguir.
Eu acordo de manhã cedo, umas seis horas e aí vou pra escola. Aí chego, arrumo a casa
porque eu moro com a minha vó e ela tem já 69 anos, aí eu tenho que ajudar. Aí depois
eu faço o trabalho de casa (mulher, projeto MOI).
[Entrevistadora: Você tem que fazer alguma tarefa em casa de cuidados com a casa?] Só
lavar a louça. Toda noite. (mulher, projeto QUI).
Assim, normalmente minha mãe não obriga a gente a fazer nada, mas como ela tem
curso no sábado então eu não me importo. Se eu estou em casa e eu não estou fazendo
nada, eu posso ajudar ela. Então eu lavo a louça, arrumo a casa, faço essas coisas
(mulher, projeto TMC)
Minha mãe trabalha o dia todo. Então a gente [ela e a irmã] procura dividir. Tem a parte
de baixo e a parte de cima e uma limpa a parte de baixo, a outra limpa a parte de cima.
A gente divide, às vezes briga bastante. Mas aí depois da escola a gente chega e faz o
que tem que fazer (mulher, projeto MOI)
Em situação similar, uma das jovens narrou o embate com os pais por conta da
rotina de estudos e da menor presença em casa na função de cuidados com o irmão e
com os afazeres domésticos.
Meu irmão, eu que cuido dele, então é meio difícil conciliar casa, estudo, mas a gente
vai aprendendo. Lá em casa é até motivo de discussão com meus pais, não
necessariamente voltado para o projeto, mas essa questão da escola. Fui eu que escolhi a
escola. Meus pais queriam que eu estudasse por Xerém, mas eu quis estudar no Brasil -
Turquia e eles não se deram muito bem esse primeiro ano com esse fato porque era o
dia todo estudando. Então quando eu chegava em casa, chegava cansada, até porque eu
moro longe da escola, então é uma hora e meia de condução. Então eu saio da escola
197
cinco, chego seis e meia, sete horas. Acaba que eu chego em casa e ainda tenho que
fazer umas coisinhas. E às vezes eles ainda acabam reclamando dessas coisas (...) Eu
entendo que eu poderia ter me esforçado mais, mas eu acho que, de certa forma,
também eles não pensaram tanto na minha visão, porque eu tento dar o meu melhor pros
estudos, porque eu quero e acaba sendo um problema (mulher, projeto MCE).
198
sexual; (iv) preconceitos sobre as habilidades de mulheres nas ciências; e (v)
discriminação de raça, de território e de classe.
Descrédito, apropriação e silenciamento das vozes e conhecimentos das jovens
foram relatados pelas participantes em suas vivências escolares, como nas situações
narradas a seguir, que, em um trabalho em grupo, a jovem teve sua ideia apropriada por
outro estudante, com anuência dos demais colegas do grupo.
Teve um trabalho em grupo que eu fiz só com meninos porque só os meninos que
eram... que estavam meio inteligentes e eu fui fazer com os meninos. Quando eu dava as
minhas ideias geralmente eles não escutavam e o menino repetia igual a ideia minha e
eles escutavam porque ele era menino. E não escutavam a minha ideia porque eu era
menina (mulher, 14 anos, branca, projeto MOI).
Eu participei de um evento de matemática todo mundo ali da mesma vibe e tal, todo
mundo se interessava por matemática, mas aí era um professor falando e aí falou:
"alguma dúvida?", aí todo mundo levantava a mão e um garoto levantou a mão e ele
falou uma coisa, o professor: "não, tudo beleza", não sei o quê. Eu levantei a mão, falei
alguma coisa e o professor não deu muita atenção. Aí outro garoto levantou a mão e ele
falou essa mesma coisa que eu falei, da mesma forma praticamente, o professor deu
uma atenção, ficou com aquele garoto, chamou ele depois para conversar para alimentar
mais aquele assunto, que foi a mesma coisa que eu falei, entende? Só que ele
simplesmente não me deu atenção (mulher, 14 anos, branca, projeto MOI).
Existe um curso que é uma preparação para as Olímpiadas de Matemática e esse curso é
pago. Só que o dono desse curso resolveu dar bolsas para pessoas aleatórias, ele
escolhia essas pessoas. Eles pegaram várias pessoas aqui do colégio, mas nenhuma das
pessoas que eles escolhiam eram meninas. Todos eram garotos. Ele não se baseou em
números de medalhas, não se baseou em nada tangível, escolheu a dedo realmente e ele
escolheu garotos. Ele não escolheu nenhuma garota e não é uma questão de "nenhuma
das garotas tinham interesse, nenhuma das garotas podiam ter sucesso nessa área das
olímpiadas". É uma questão realmente dele (mulher, 14 anos, branca, projeto MOI).
199
movimento na educação formal vem sendo analisadas em diversos estudos. A
pesquisadora Helena Altmann e colaboradoras (2011, 2018) investigaram as percepções
de docentes e de jovens em aulas de educação física em escolas públicas no estado de
São Paulo. Por meio de questionários realizados com estudantes do 8o e 9o anos do
Ensino Fundamental, identificaram que a prática de atividades físicas e esportivas foi
mais frequente e regular entre meninos do que entre meninas, e que as estudantes
mulheres tinham uma autopercepção de menor competência e interesse pela aula de
educação física. Além disso, a percepção de apoio recebido por parte de amigos e
familiares foi maior entre os estudantes do gênero masculino (Altmann et al., 2018).
Com relação à prática docente, as autoras destacaram a importância de problematizar
concepções estereotipadas do feminilidades e masculinidades na educação física,
"mostrando que nem todos os meninos se identificam com esportes e jogos coletivos e
que meninas também sabem e gostam de jogar" (Altmann et al., 2011, p. 499). Nos
relatos a seguir, identificamos que as jovens participantes nos projetos se sentiram
preteridas da prática esportiva em espaços dentro e fora da escola, com atitudes
discriminatórias por parte dos colegas.
Tem aquelas coisas que acontecem em várias escolas: a maioria das meninas ficam na
sala e, quando o professor entra, os meninos saem para jogar futebol. Aí, na hora da aula
de educação física, a gente não pode jogar porque eles não querem que a gente jogue,
eles querem só que eles joguem porque eles dizem que a gente joga mal (mulher, 15
anos, amarela/oriental, projeto MOI)
O que mais me marcou mesmo foi quando eu era criança porque eu queria fazer muitas
coisas e eu era impedida de fazer porque era coisa de menino, sabe? Como jogar
futebol. Eu queria jogar junto e para eu jogar tinha que ser “café com leite”. Eu não
podia fazer parte do jogo, entendeu? (mulher, 16 anos, branca, projeto TMC).
Pegar ônibus lotado é constrangedor porque às vezes você não sabe se a pessoa está
encostando em você por encostar ou se está assediando. Ontem mesmo eu estava
passando na rua e um monte de senhores de idade sabendo que eu era adolescente
ficaram falando besteira pra mim, falando frases que eu não quero reproduzir (mulher,
15 anos, branca, projeto MCE)
Uma das jovens relatou ter vivenciado uma situação de assédio sexual na escola,
destacando o sentimento de impotência sobre esta e outras situações correlatas.
200
Eu já fui assediada aqui na minha escola e foi um episódio muito chato que aconteceu e
realmente há essa discriminação de mulher, você querendo dar sua voz e você não ser
escutada. Agora já resolveu o problema e tal, mas realmente tem essa discriminação
porque nós somos mulheres. Nós temos que levar outras vozes além das nossas, porque
não vale só a nossa. Eu acho que são muitos e muitos episódios, muitos e muitos casos.
Tem uma menina que estuda comigo, ela foi estuprada pelo próprio pai e o pai dela até
hoje não foi preso porque não tiveram como provar que isso aconteceu de verdade.
Então eu acho que é muito chato porque realmente há essa discriminação da mulher, há
esse preconceito, tanto que quando outras pessoas de outros países vêm para cá ou
quando as brasileiras vão para outros países, elas são considerada (mulher, projeto
TMC)
Eu já ouvi muitas vezes: "não faz isso porque você é menina", "não pode fazer isso" ou
"não se veste assim. Os homens vão mexer com você na rua", "não fala desse jeito",
"menina não se comporta assim". Eu acho isso horrível. Eu já debati muito com a minha
mãe por causa disso, tipo: "não se veste desse jeito, os homens vão mexer" e eu falo:
"eu não estou me vestindo para eles, eu estou me vestindo para mim" e eu me sinto bem
assim, eu não vou tirar a roupa que eu estou usando pensando "ah lá, será que algum
homem vai mexer comigo?" ou "nossa, eles vão achar que eu estou provocando", não.
Eu me visto do jeito que eu me sentir bem! Estou me vestindo para mim, não estou me
vestindo para eles. Se mexer comigo eu fico bolada, eu me irrito, eu fecho a cara, mas
não... eu me sinto muito discriminada às vezes por causa disso (mulher, 17 anos, projeto
QUI)
Outra coisa também que marcou muito foi que, no colégio, eu não conseguia fazer
cálculos, era muito ruim em cálculos, mas era por motivo pessoal, sabe? Só que os meus
amigos diziam que eu não sabia fazer o cálculo porque eu era mulher, porque eu era
menina: "Ah, é assim mesmo. Você não consegue porque você é menina" (mulher, 16
anos, branca, projeto TMC).
No próprio colégio eu já ouvi frases dos garotos falando tipo: "Ah, não entendo porque
a mulher ter que estudar ciência" (R, 15 anos, branca).
201
classe social desfavorecida; e por serem mulheres negras. No diálogo abaixo, as jovens
do projeto TMC discutiram sobre como se sentiram excluídas em um passeio escolar
para espaços culturais no estado do Rio de Janeiro, em que foram constantemente
relembradas de que não pertenciam a estes espaços.
S: A gente foi discriminada num passeio. A gente foi visitar o Teatro Municipal.
Quando a gente estava lá no teatro, a mulher que era a guia virou para gente e falou:
“Vocês têm que tomar muito cuidado pra vocês não quebrarem as coisas”. Sem contar
os olhares para gente, como se não fosse o nosso lugar. A gente foi bem discriminada
daquela vez.
D: Nesse mesmo dia, a gente foi na Biblioteca Nacional e alguém perguntou: “Aonde é
o banheiro?”. Aí a mulher falou assim: “Eu não vou ter que falar com vocês que nem as
crianças, né? Não é para sujar e nem molhar”. Todo mundo olhou para cara um do
outro, porque todo mundo lá era adolescente do ensino médio e ela foi totalmente
discriminativa com a gente.
S: Teve um passeio para Bienal e lá tinha banheiro bonito para as escolas particulares e
tinha o banheiro que era desses banheiros químicos e ficavam no meio. Estava na chuva
e o pessoal de escola pública tinha que ir naquele, mas o pessoal de escola particular
podia ir ao banheiro que era melhor. Eu acho que a discriminação é por você ser de
escola pública, da Baixada e você ainda ser uma pessoa negra, isso tem mesmo muita
diferença para as pessoas. Na verdade, por ser da Baixada, ser de escola pública e ainda
por cima por estar num passeio pago pelo Governo.
202
diferença de gênero não existia e se reduzia a ameaça do estereótipo, as mulheres
tinham melhor desempenho.
Microagressões podem ser definidas como "interações breves e cotidianas que
tem significado depreciativo para pessoas de cor porque pertencem a um determinado
grupo racial" (Sue et al., 2007, p. 272, tradução nossa) e “enviam mensagens negativas
sutis e frequentemente ambíguas” (Grossman & Porche, 2014, p. 709, tradução nossa).
Grossman e Porche (2014) estudaram o papel das microagressões nas experiências de
jovens com os campos de STEM. Ao analisarem as percepções de barreiras de gênero e
raça nas STEM de 1024 estudantes norteamericanos, discutiram que embora grupos de
mulheres e de pessoas de cor tenham ambos relatados experiências de microagressões, o
apoio social percebido entre meninas e mulheres as levavam a ter aspirações científicas,
e essa associação não foi encontrada para os grupos étnicos/raciais analisados. As
percepções de falta generalizada de apoio ao desempenho acadêmico em geral para
jovens de grupos não dominantes -- como jovens mulheres negras -- podem gerar
entraves para a construção de um senso de pertencimento em STEM (Burchinal et al.,
2008).
As vivências cotidianas das jovens entrevistadas apontaram para diversas
experiências de discriminação, ameaça por estereótipo e microagressões ao longo de
suas vivências dentro e fora do contexto escolar. Longe de dar conta das inequidades e
opressões históricas que mulheres negras experienciam ao longo de suas vidas, o espaço
dos projetos orientados por equidade de gênero na educação em STEM podem ser
catalisadores de suporte acadêmico, de apoio e partilha de vivências, e um espaço
seguro onde jovens possam dividir essas vivências de isolamento, microagressão e
discriminação. Apontamos para a importância de debater amplamente nas comunidades
escolares e nos espaços acadêmicos os conceitos de viés implícito, ameaça pelo
estereótipo e microagressões, visando transformar a cultura dominante das instituições.
203
7. Estereótipos de cientistas e hábitos de consumo de informação
sobre ciência e tecnologia
O que a gente está fazendo agora é ciência. No seu doutorado, você vai falar a nossa
visão do projeto, então vai fazer parte da história (mulher, projeto TMC).
204
7.1. Estereótipo de cientistas: questionários e entrevistas
205
7.1.1. Altruístas
Quando eu penso em ser cientista, eu penso que fazer ciência seria estudar para a
humanidade evoluir na ciência e ajudar as pessoas (mulher, 14 anos, parda, projeto
MOI).
Para pensar em uma coisa que ninguém pensou tem que ser muito inteligente (mulher,
14 anos, parda, projeto MOI).
Alguém muito incrível, muito super-herói, eu acho que eu não teria a capacidade de
ficar estudando só aquilo (mulher, 16 anos, parda, projeto TMC).
206
muita vaidade e seja muito focada no trabalho (mulher, 14, branca, projeto MOI)”, e
como pessoas do gênero masculino, como na fala a seguir.
No começo eu definiria que era um negócio mais para os meninos, sabe? Porque sempre
tem uma influência masculina na robótica e não tem quase nenhuma influência
feminina, não tem nada. Não tem nenhuma mulher cientista famosa, entendeu? (mulher,
14, branca, projeto MOI).
Pessoa muito imaginativa, porque para você fazer novas descobertas você tem que ir
além daquilo que é concreto. Você tem que ir além, sabe? Imaginar algo que nunca
viram antes. Então eu acho que a pessoa, além de ser inteligente, tem que ser muito
imaginativa, muito criativa (Y, mulher, 16 anos, branca, projeto TMC)
Eu acho que é uma questão de estudo, essa pessoa tem que ser muito estudiosa. Eu acho
que uma pessoa que trabalha com ciência, ela não pode ficar parada, ela não pode parar
de estudar. Penso numa pessoa muito estudiosa em si (mulher, 14, branca, projeto
MOI).
207
percepções nesses campos levariam a uma diminuição do interesse de jovens mulheres
pelas carreiras científicas (Diekman et al., 2010; Wegemer & Eccles, 2019). A despeito
da visão estereotipada de cientistas como pessoas competitivas, a associação feita pelas
jovens neste estudo de que cientistas seriam pessoas colaborativas pode sugerir uma
identificação delas com a figura de cientista.
A partir das entrevistas, algumas jovens relataram percepções sobre a figura de
cientistas que também fizeram um contraponto ao estereótipo preponderante no
imaginário social, com a identificação de cientistas como pessoas sociáveis e “pessoas
como a gente”, como nos trechos a seguir.
Tem que trabalhar porque tem que estudar muito, só que isso não impede o fato de ter
amigos, até porque discutir com outras pessoas o que você pensa, é legal (mulher, 14
anos, parda, projeto MOI).
Sempre há uma pessoa branca, de estatura mediana, cabelo liso, que usa óculos. Sempre
é assim. Eu nunca cheguei a ver uma cientista negra, do cabelo crespo, maior
208
empenhada. Nunca vi. Pelo menos na minha visão, é assim, infelizmente (mulher, 16
anos, branca, projeto QUI)”.
209
A percepção de ciência como conhecimento baseado em fatos é destacada na
fala a seguir, quando a jovem relaciona conhecimento científico às diversas áreas de
conhecimento e ao embasamento em evidências.
Ciência abrange tudo o que você baseia o seu conhecimento em alguma coisa, não tipo
em comportamentos em si, mas em fatos, eu acho que é ciência. Eu acho que física é
ciência, matemática é ciência, mas eu também acho que história é ciência, por exemplo,
porque foi baseada em fatos que já aconteceram. Eu acho que tudo que se baseia em
alguma coisa tangível, eu acho que é ciência (mulher, 14 anos, branca, projeto MOI).
Pesquisa eu acho que é você achar uma solução para algum problema do nosso
cotidiano que a gente tem como resolver só que você tem que fazer uma pesquisa para
que aquilo ser resolvido. Acho que é isso, entendeu? É um problema que é do nosso
cotidiano e que muitas vezes a gente nem percebe que é uma coisa tão fácil de se
resolver e com a pesquisa a gente consegue resolver isso (mulher, branca, 17 anos,
projeto MCE).
Eu gosto sempre de dizer que, para mim, as humanas são as ciências que já estudaram o
que o ser humano já fez e as exatas estudam, te dão capacidade de descobrir coisas
ainda. Então você pode ter como prosseguir. Quando eu vejo a pesquisa científica eu
vejo como ela é capaz de mudar, como você pode criar novas tecnologias e facilitar e
melhorar o convívio humano e melhorar até o local que a gente vive em questão de
natureza, de meio ambiente (mulher, branca, 15 anos, projeto MCE).
210
Aprender coisas novas, descobrir tratamentos para doenças, descobrir uma maneira de
ajudar o mundo, uma maneira de ajudar as pessoas, uma maneira de realmente fazer
mágica, que é o que eles fazem. Eles pegam coisas do nada e transformam em tudo. Às
vezes é o salvamento de alguém (mulher, 17 anos, projeto QUI).
Nas falas a seguir, a percepção de ciência como uma atividade altruísta, que
envolve amor, paixão e melhorar a vida das pessoas apareceu juntamente com a visão
de uma profissão desvalorizada e de baixa remuneração, assim como a rejeição a uma
visão vaidosa de cientista, expressa no trecho “não é só fazer descobertas, ganhar
prêmios e ser elogiado, pra mim tem a ver em melhorar a convivência entre as pessoas”.
Quando você estuda a ciência você tem capacidade de prosseguir descobrindo mais,
inventando mais e melhorando cada vez mais a vida das pessoas. Eu sou muito curiosa,
eu adoro descobrir o motivo de tudo: "Por que é assim? Por que é de tal jeito?". Então
eu amo a ciência, eu amo pesquisar e aprender mais. Eu quero poder compartilhar o
meu conhecimento e usar o que eu já tenho para criar melhorias para as pessoas, sabe?
Quando eu penso na ciência, eu penso muito nos outros porque não é só fazer
descobertas, ganhar prêmios e ser elogiado, para mim tem a ver em melhorar a
convivência entre as pessoas, sabe? Melhorar nosso dia a dia e facilitar as coisas
(mulher, branca, 15 anos, projeto MCE).
Eu acho que para trabalhar com ciência você não pode pensar em dinheiro porque não é
uma área muito valorizada. Então eu acho que uma pessoa que trabalha com ciência ela
trabalha por amor. Eu acho que é muito uma questão de gostar da área, não é muito "ah,
não. Vou trabalhar com ciência porque eu quero ganhar muito dinheiro" porque essa
não é uma área muito reconhecida realmente (mulher, branca, 14 anos, projeto MOI).
Nossa! A matemática está em tudo! É muito bom! (mulher, 15 anos, parda, projeto
MOI)
Não tem como definir ciência. Ciência é tudo! Tudo foi construído a base de ciência.
Tipo assim, não tem como, não consigo nem explicar. Eu gosto muito. Não consigo
explicar porque, para mim, tudo é ciência, a roupa que a gente está vestindo foi uma
forma e tal. Tudo. Não tem como explicar (mulher, 16 anos, branca, projeto QUI).
211
7.3. Paixão, interesse, curiosidade e persistência: análise dos grupos
focais
O que a gente está fazendo agora é ciência. No seu doutorado, você vai falar a nossa
visão do projeto, então vai fazer parte da história. A gente faz ciência todos os dias,
quando a gente descobre alguma coisa nova na escola ou com os amigos (mulher,
projeto TMC).
212
No grupo focal no projeto TMC, esta característica apareceu em vários diálogos
entre as jovens, nos quais associaram a prática científica com a escolha de um caminho
de interesse quando questionadas sobre qual característica é preciso ter para se tornar
um cientista ou uma cientista, como ilustrada nos diálogos a seguir.
J1: Quando a gente procura, está interessado no assunto que a gente não conhece.
Precisa querer também.
J2: Interesse.
J3: Ter interesse.
J2: Querer. Primeiro a pessoa tem que gostar, né, para fazer.
J3: Gostar muito.
J1: Acho que o interesse na área (projeto TMC)
Neste mesmo grupo, uma das estudantes associou o caminho que deseja seguir
como professora de História com as características atribuídas à profissão de cientista de
forma geral, como curiosidade e desejo. É interessante notar como a estudante se
enxerga como pesquisadora a partir das associações presentes em sua fala.
Por isso que eu falei de história. Foi aquilo que brilhou meus olhos. Por mais que eu vou
chegar na sala de aula e muitas das vezes as pessoas vão estar dormindo, eu sei que é
uma coisa que vai satisfazer a minha alma e a minha vontade de tá aqui perto, de estar
ajudando, de estar transformando. Eu sei que vai me deixar feliz, me satisfazer de
alguma forma e é uma coisa que vai muito da minha curiosidade como pessoa,
entendeu? Acho que a curiosidade leva a gente a pesquisar coisas novas (mulher,
projeto TMC).
Ah, eu acho que curiosidade e paixão também são muito importantes porque a ciência,
ela é a pesquisa e a pesquisa é você aprender mais, descobrir mais. Então eu acho que é
você ser apaixonado por aprender mais, acho que vai te fazer um cientista excelente.
Tipo, às vezes a gente aprende coisas por aprender, mas às vezes a gente aprende coisas
213
porque a gente quer. Então acho que tem muito disso, de você querer descobrir mais,
fazer pesquisas boas. Então acho que tem muito disso também (mulher, projeto TMC).
Tem que ter muita concentração, porque eu, por exemplo, sou uma pessoa muito
desastrada (mulher, projeto MCE).
70
60
50
40
30
20
10
0
São muito Passam muito Têm um Acreditam em Usam palavras Pensam em São mulheres
inteligentes tempo trabalho Deus que ninguém ganhar muito
sozinhos interessante entende dinheiro
215
Gráfico 10: Expectativas das participantes sobre grau de dificuldade ou facilidade em seguir a
carreira de cientista (n=73) (Fonte: Elaboração própria).
Difícil
53%
Gráfico 11: Expectativa das participantes sobre grau de desejo em trabalhar como cientista
(n=73) (Fonte: Elaboração própria).
Você gostaria de trabalhar como cientista?
Não gostaria
6% Gostaria
Não sei pouco
dizer 16%
15%
Gostaria
muito
27% Gostaria
36%
216
Das 73 respondentes aos questionários sobre percepção pública da ciência, 23
jovens (cerca de 17%) responderam que não visitaram espaços científicos culturais com
a família nos doze meses anteriores à pesquisa (Gráfico 12). Das que responderam
afirmativamente, os espaços mais frequentados foram jardim botânico (26), museus de
arte (22) e biblioteca (20). Visitaram ainda museus de ciência (12), jardim zoológico
(12) e feiras de ciências e olimpíadas (11). Quando questionadas pelos motivos pelos
quais não visitaram centros e museus de ciência (Gráfico 13), os principais motivos
declarados foram que não tiveram tempo (13), não sabiam onde existem esses centros
ou museus (12), que não tinham dinheiro para ir (8), que não estavam interessadas (7)
ou que ficavam muito longe (7). As afirmativas sobre os motivos para não visitação
estavam pré-definidas no questionário, porém as jovens poderiam relatar outra
motivação não descrita na categoria “Outros”. Nesta alternativa, jovens descreveram
que não visitaram por estudar em escola em período integral, pelos pais não terem
tempo livre e pela família não demonstrar desejo em levá-las.
Gráfico 12: Visitação a espaços científico culturais nos doze meses anteriores à pesquisa com a
família (Fonte: Elaboração própria).
Jardim botânico 26
Nenhum 23
Museu de arte 22
Biblioteca 20
Museu de ciência 12
Jardim zoológico 12
Feira de ciências/olimpíadas 11
SNCT 0
0 5 10 15 20 25 30
217
Gráfico 13: Principal motivo de não visitação a museus e centros de ciência (Fonte: Elaboração
própria).
Gráfico 14: Hábitos de consumo informativo sobre ciência e tecnologia (Fonte: Elaboração
própria).
80
60 24 17
28
40 60 31
33 41
20
10 24
12 8
0 3
Assistiu sobre C&T Leu sobre C&T Escutou sobre C&T Conversou sobre C&T
Gráfico 15: Meios usados para acessar informações sobre C&T (Fonte: Elaboração própria).
Youtube 55
Instagram 25
Outro: Google 17
Twitter 15
Facebook 15
Whatsapp 14
Não acessa 6
0 10 20 30 40 50 60
219
7.8. Percepções sobre mulheres nas ciências e sobre feminismos
normalmente quem é mais ligado na área de exatas são os homens, querendo ou não
quem é o mais inteligente em física, em matemática, quem se destaca são os meninos.
Na minha sala, por exemplo, quem se destaca nessas matérias são três garotos: um em
matemática e dois em física. Então, as meninas acabam não tendo muito interesse, sabe?
Tem duas que salvam, mesmo assim o resto da turma é voltada para humanas (mulher,
16 anos, parda, projeto TMC).
220
Eu já vi pesquisas na internet [risos] dizendo que até os doze anos as mulheres
geralmente têm um melhor desempenho em matemática. Então por isso eu acredito que
as mulheres sejam melhores (mulher, 14, parda, projeto MOI).
Eu acho que eles têm capacidades iguais. É a falta de oportunidade para as mulheres.
Por isso que tem tantos homens na área das exatas e poucas mulheres, porque elas não
têm muita inspiração, entendeu? Sempre botaram elas para baixo, que não iam
conseguir, que lugar de mulher é na cozinha (mulher, 14 anos, branca, projeto MOI).
A menina conforme vai crescendo - eu observei muito isso nas minhas amigas - ela vai
colocando na cabeça, no geral, na minha experiência, que ela tem que se casar, que ela
tem que arrumar um namorado e tal. E não só isso, tem muito aquele pensamento de
dona de casa, diferente dos garotos que tem muito mais facilidade. Às vezes elas
pensam que a área não é para elas, elas começam a se interessar por outros assuntos que
não é ciências, não são incentivadas a gostar de ciências. Eu, por exemplo, lembro de
amigas minha que desde pequenas já lavavam louça e os meninos não, os meninos já
eram incentivados a outras questões. Então você tem essa diferença na criação, no
machismo, então vai desmotivando as meninas a estudar a área das exatas. Eu, por
exemplo, amo e observo que eu sou melhor em exatas do que muitos garotos, porém eu
percebo que eles têm mais facilidade que eu, alguns, não todos, mas também por esse
incentivo (mulher, 15 anos, branca, projeto MCE).
Se fosse há uns cinco anos, eu acho que a diferença era bem visível. Hoje em dia eu
acho que ainda não está igual, mas eles fazem as mesmas coisas, o salário às vezes não
é o mesmo, mas as mulheres estão cada dia lutando por isso, cada vez mais presentes
nisso, nos seus direitos e eu acho isso bem legal. Acho que, se a gente for ver agora, as
mulheres estão mais no comando da ciência do que os próprios homens (mulher, 17
anos, projeto QUI).
221
como escolhas individuais e como transformação social. Nos trechos a seguir, as jovens
destacam o caráter de coletividade e união feminina na luta por igualdade de gênero.
Feminismo, para mim, eu lembro de união assim. Nossa! E é muito importante isso
porque a gente vê as mulheres brigando normalmente. Só que assim, essa causa ela é
junta porque muitas vezes as meninas brigam por motivos bem aleatórios. E quando fala
de feminismo está todo mundo junto, independente (mulher, 15 anos, parda, projeto
MOI).
Feminismo, para mim, é uma forma das mulheres se unirem e lutarem pela igualdade
(mulher, 13 anos, parda, projeto MCE).
O debate acerca da luta feminista foi levantado ainda a partir do diálogo que as
estudantes tinham com seus familiares. Na fala a seguir, uma das jovens argumenta que
é importante ter uma boa comunicação e entendimento com os pais para assuntos
relativos à assédio, discriminação e desigualdades, de modo a questionar as normas
sociais e culturais de gênero.
Acho que pode ser ótimo da gente ver como podemos nos superar, podemos atingir
níveis altíssimos e como o poder feminino pode ser bom para gente se ajudar. Eu
observo que muitas meninas têm dificuldade de falar sobre feminismo, sendo que não
deveriam ter, sabe? Poxa, infelizmente é a nossa realidade e a gente tem que lutar contra
isso [Entrevistadora: Por que você acha que elas têm dificuldade de falar sobre isso?] Eu
sou privilegiada no sentido cultural. Meus pais não são ricos, mas eu tive muita
formação. E meus pais sempre entenderam a questão do feminismo, sempre me
incentivaram. Minha mãe sempre me incentivou. E não é toda jovem que recebe esse
incentivo, pelo contrário, desde pequenas muitas delas são discriminadas. Eu no colégio
público conheci amigas que já foram abusadas. Então desde pequenas se cria aquele
entendimento de que o homem é superior, mas sem perceber totalmente. E também não
se questionam sobre isso: "por que a realidade é assim?". Então muitas vezes as
mulheres não percebem, não querem assumir ou acham que vai ser mimimi: "ah, não!",
então acaba ficando assim (mulher, 15 anos, branca, projeto MCE).
222
Ainda relativo às conversas com familiares, uma das participantes relata o
diálogo que ela estabeleceu com a mãe, que trazia uma visão conservadora, na qual a
jovem destacou conquistas históricas dos movimentos feministas, no trecho abaixo.
Discuto muito com a minha mãe sobre isso que a minha mãe não gosta do feminismo.
[Entrevistadora: Por quê?] Porque ela é tradicional. Ela é muito tradicional, muito
voltada para antigamente. Eu falo para ela que o feminismo não é de hoje, ele é de
antigamente. As mulheres de antigamente começaram a lutar por direitos iguais e eu
acho isso uma conquista muito importante: o direito da mulher na política, o direito da
mulher se vestir como ela quer e o direito da mulher trabalhar. Eu acho muito incrível.
Eu fico vendo sobre as coisas antigas que as mulheres conquistaram para gente hoje em
dia e eu acho isso muito incrível e eu acho que a luta ainda não acabou (mulher, 16
anos, parda, projeto TMC).
Na escola, teve dias que tinha que usar só vermelho por conta do feminicídio, eu sempre
ia, ou toda quarta feira usar rosa, esse tipo de coisa. Eu sempre vou toda caracterizada,
pinto unha, uso maquiagem, sou bem destemida na escola (mulher, 16 anos, branca,
projeto QUI).
O feminismo para mim é a luta pela igualdade dos gêneros. Foi isso que eu aprendi na
escola. [Entrevistadora: Vocês aprendem sobre feminismo na escola?] Sim, na aula de
sociologia (mulher, 17 anos, branca, projeto MCE).
Ao ser questionada sobre afinidade com pautas dos movimentos feministas, uma
das jovens destacou a questão do aborto e do direito de escolher ser (ou não) mãe. Neste
contexto, a estudante descreveu sua vivência como cuidadora dos irmãos e dos desafios
e sobrecarga do trabalho reprodutivo na vida das mulheres, na fala a seguir.
223
que tem que ser pensada se ela quer ou não. Gravidez acontece às vezes, nem todos os
métodos são 100% eficazes, mas a mulher tem o direito de escolher o que ela vai fazer
da vida dela (mulher, 17 anos, projeto QUI).
Eu tenho muitas e muitas páginas que eu sigo que são praticamente todas falando sobre
o empoderamento, inteligência da mulher porque as vezes a gente elogia mais uma
mulher pelo corpo e não pelo que ela tem por dentro. Eu gosto muito desses assuntos.
Eu acho que o índice de violência contra a mulher está aumentando por isso, não porque
as mulheres agora têm mais liberdade. Porque agora elas estão no processo de construir
essa liberdade e as pessoas que estão com medo, eles não têm nada agora para impedir.
O que eles têm agora eles vão usar com as palavras, com o físico. É por isso que as
mulheres estão sofrendo tanto agora. Mas eu acho que é importante sim, sabe, o
feminismo. Mesmo aquelas mulheres que dizem assim: "não sou feminista nada", no
fundo no fundo ela é sim. Porque no fundo, no fundo ela não quer ser tratada como uma
ninguém, ela não quer ser subestimada. Todas nós somos feministas, só que a gente
demora a se descobrir (mulher, 16 anos, branca, projeto TMC).
Eu sou a favor do feminismo, mas não o feminismo extremo. Eu acho que cada mulher
é cada mulher, cada caso é um caso. Eu não posso querer que a outra pare de fazer
coisas que ela se sente bem, tem a questão dos pelos, depilação e tudo; tem mulheres
que se sentem bem assim, tem mulheres que não, tem mulheres que gostam. A questão
não é agradar a homem, a questão é agradar a si mesma. Então eu acho que o feminismo
extremo eu não me encaixo ali. Eu gosto dos direitos, eu gosto de lutar pelos direitos
das mulheres. Agora, extremidades já não gosto (mulher, 17 anos, projeto QUI).
224
[Entrevistadora: Você já se envolveu com algum grupo de mulheres ou de movimento
de mulheres?] Olha, teve na minha igreja, mas era algo religioso, não era de ciências.
Era um grupo de meninas para fazer missões. A gente fazia missões, a gente entregava
comida ou roupas para pessoas necessitadas que moravam longe, e a gente também
divulgava a palavra de Deus (mulher, 16 anos, negra, projeto MCE).
225
Considerações finais
226
(Sígolo; Gava; Unbehaum, 2021). Consideramos de suma importância a reversão desse
quadro de desmonte das instituições científicas e de corte de verbas para a ciência
brasileira, e a necessidade de ampliação de políticas que tenham como norte princípios
de equidade e inclusão na educação e na divulgação científica.
Pretendemos realçar a importância que políticas como as chamadas do CNPq
Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação proporcionaram tanto para
mulheres, em sua maioria negras, estudantes de escolas públicas e moradoras de regiões
de vulnerabilidade social, quanto para pesquisadoras nas áreas de STEM, professoras/es
da educação básica e graduandas de cursos das áreas de STEM. Além disso, buscamos
contribuir para o fortalecimento e consolidação do campo de pesquisa em divulgação
científica, particularmente para uma divulgação científica inclusiva, feminista e diversa.
Se divulgação científica não colocar no cerne do debate a equidade e inclusão em suas
práticas, continuará a operar a partir de condições estruturantes desiguais e excludentes.
Para o campo da divulgação científica, como apontam Polino e Castelfranchi (2019), as
políticas de cultura científica não podem ser elaboradas sem se relacionarem às políticas
de inclusão social. Para operar mudanças estruturais, como argumenta Dawson (2019), é
necessário que os grupos e instituições que detêm poder assumam seus privilégios e
vulnerabilidades, tomando posição e abordando as questões de inclusão e exclusão na
divulgação científica de forma central. Tomando como referência os estudos feministas
da ciência, corroboramos com as considerações de Costa (2019, p. 203) sobre a
importância da "abertura da divulgação [científica] para saberes parciais". Tomar
posição e discutir criticamente a pretensa objetividade e neutralidade do conhecimento
científico é fundamental para o campo da prática e da pesquisa em divulgação científica.
Dentre as intervenções sugeridas no relatório da Unesco (2018) para ajudar a
aumentar o interesse e o envolvimento de meninas na educação em STEM,
identificamos que alguns dos projetos contemplam, em diferentes níveis, as
intervenções listadas a seguir. No âmbito individual: (i) auxiliam no desenvolvimento
de identidades positivas de STEM; (ii) estabelecem vínculos e representatividade com
figuras exemplares femininas; (iii) reforçam a autoconfiança e a autoeficácia das jovens;
e (iv) aumentam a motivação das meninas. No âmbito do projeto: (i) reforçam as
capacidades das/os docentes e das graduandas que atuam como monitoras; (ii)
fortalecem práticas de ensino experimentais e práticas; (iii) promovem um ambiente de
aprendizagem seguro e inclusivo; (iv) cultivam a aprendizagem além das paredes da
escola; e (v) vinculam as meninas a oportunidades de tutoria.
227
Como os projetos se transformam em “contra-espaços”?
229
estruturais que envolvem as relações raciais, geográficas e demais interseções,
configurando relações assimétricas de poder. Apontamos ainda para a importância de
formações de redes de práticas e de pesquisa em que essas iniciativas possam enriquecer
seus processos a partir da troca de experiências e desafios, assim como a importância de
um fluxo contínuo de financiamento, que permita que se estabeleçam relações de longo
prazo entre jovens, educadoras/es e pesquisadoras/es. Tratar de temas como equidade e
inclusão demandam de tempo para formação de relações de confiança entre equipe e
jovens envolvidos e, para isso, a importância de os projetos terem continuidade e fonte
de financiamento para tal.
Diversidade e representatividade
230
entanto, não tinham explicitamente um enfoque interseccional, ao não mencionarem
diretamente a importância dos projetos de trazerem pessoas, conhecimentos e expertises
a partir de demais marcadores da diferença, como raça, classe, território, sexualidade e
pessoas com deficiências.
A identificação com as trajetórias das pesquisadoras, a partir da exposição de
desafios que encontraram ao longo do percurso, auxiliou as jovens na afirmação de seus
desejos e de autoconfiança para traçarem seus percursos, como na fala “é bom porque
faz a gente acreditar que se elas conseguiram a gente também pode”. A identificação
das coordenadoras como figuras inspiradoras também esteve presente, ao destacarem a
disponibilidade e o estímulo das coordenadoras de engajarem as jovens para se sentirem
pertencentes ao espaço universitário.
No entanto, a falta de representatividade, como não ter tido professoras mulheres
nas áreas de exatas, pode contribuir para o sentimento de não pertencimento a esse
espaço e uma percepção de “não é para mim”. Outro fator de não identificação foi
observado quando uma jovem do projeto MCE ressaltou a característica de ser “muito
inteligente” como um lugar de afastamento. A noção de que precisariam ter um dom
inato e inalcançável para exercer a profissão vem sendo discutido como um lugar de
afastamento de jovens do interesse pela carreira científica (Steinke et al., 2011).
Vemos que a discussão sobre representatividade passou pela interseção entre os
marcadores de gênero, raça, território e parentalidade. Por exemplo, é notável quando a
jovem do projeto MCE identifica uma pesquisadora mãe como sua referência e
ressignifica para si a possibilidade de ser mãe e ser cientista simultaneamente, uma vez
que a concepção da maternidade, construída histórica e socialmente, atribuiu à mulher
um papel inerente no trabalho de cuidado e do espaço privado, incorporando o discurso
de não conciliação entre trabalho de cuidado e carreira profissional (Badinter, 1985). A
interseção com os marcadores de gênero, raça e território também fortaleceram o lugar
de identificação das jovens com a profissão de cientista, ao se reconhecerem em uma
cientista que, além mulher e negra, era nascida em Duque de Caxias, local de moradia
de grande parte das jovens do projeto MCE.
A percepção acerca da ausência de corpos negros nas ciências esteve presente
nas narrativas das jovens quando descreveram suas percepções sobre a figura de
cientista como pessoas brancas e quando, apesar de se reconhecerem na figura de
mulheres negras na ciência, argumentam sobre sua ausência e pouca representatividade.
Alves-Brito (2020) denuncia o racismo científico, institucional e estrutural que atua no
231
silenciamento e apagamento de corpos negros nas áreas de física e astronomia,
nomeando a posição de “não lugar” e de invisibilidade de seus corpos. Além disso, o
autor discute a importância de debater a branquitude nos espaços científicos, de modo a
que as pessoas brancas reconheçam sua posição de poder e privilégio, e atuem em
práticas e discursos que fortaleçam grupos não dominantes e questionem o mito da
meritocracia:
Não podemos normalizar a ausência dos corpos negros, das mulheres, LGBTs e povos
originários no escopo da produção científica em Física e Astronomia e, muito menos,
em carreiras estratégicas para o País como as carreiras de Engenharia e Tecnologia.
Muito mais do que inserir conteúdos nos currículos das ciências exatas, é preciso
moldar uma conscientização histórica, social e cultural (Alves-Brito, 2020, p. 836).
Pertencimento e identidade
232
dominante no espaço acadêmico e promover um senso de pertencimento em jovens
mulheres negras de regiões de vulnerabilidade social.
Se a identidade científica é um processo de construção, dinâmica e dependente
de contexto (Calabrese Barton, 2013), “ter” uma identidade científica no contexto de
projetos orientados por equidade e inclusão significaria ter suas experiências e
conhecimentos reconhecidos e valorizados dentro de um determinado contexto de
ensino-aprendizagem, e reafirmar a presença legítima (Calabrese Barton & Tan, 2020)
daqueles e daquelas que foram historicamente excluídos das estruturas de poder.
Em três dos quatro projetos analisados, as participantes expressaram interesse
por disciplinas em ciências exatas anteriormente a participação nos projetos, justificada
pelo viés de seleção das professoras e professores por jovens que tinham boa
performance em ciências exatas. Na busca de compreender qual o papel de projetos na
construção de um senso de pertencimento às ciências, a vantagem em ter estudantes
motivadas e com interesse prévio pelas áreas está na possibilidade de reafirmarem seu
interesse, serem reconhecidas e estimuladas a persistir nesse caminho profissional.
Por outro lado, o viés de seleção das participantes pode excluir demais
estudantes a desenvolverem esse interesse estimuladas a partir da participação em
projetos extracurriculares. Ao incluí-las, compreendemos que a ação de projetos
orientados por equidade, inclusão e justiça social está para além da aprendizagem de um
conteúdo científico, mas como espaços de construção de relações horizontais e de
ruptura com estruturas históricas de dominação e poder.
No projeto TMC, o único que no ano analisado não havia sido contemplado pela
chamada do CNPq 13/2018 e no qual todas as jovens participaram de forma voluntária,
observamos uma narrativa distinta com relação à motivação para participação. Quando
as jovens do projeto TMC relataram que tinham dificuldades em física e que participar
do projeto foi importante para superação individual demonstraram o potencial desses
espaços em reconhecer as suas capacidades enquanto pessoas e assim estimular a
motivação e interesse por disciplinas em que historicamente e culturalmente estão
envolvidas em estereótipos e preconceitos de gênero e raça.
Essa apropriação do espaço e de ressignificação do estereótipo pode ser
encontrada na narrativa de uma das jovens do projeto TMC quando ela descreve, em um
primeiro momento, sua dificuldade em física como "eu era horrível", "eu não estava
conseguindo" e "achei que não ia conseguir entender porque eu sou muito burra, que eu
não ia ser inteligente o suficiente para entender". E, em seguida, ela complementa: "Mas
233
eu entrei aqui e foi tudo muito tranquilo, entendeu? É uma coisa completamente
diferente, não era uma aula teórica era algo prático mesmo", destacando o potencial de
projetos como esse de estimular jovens a se interessarem por essas áreas.
A metodologia de aprendizagem ativa na qual as jovens constroem os circuitos
elétricos em materiais não usuais e se apropriam da teoria a partir de materiais que elas
mesmas construíram parece ser uma ferramenta potente para essa apropriação. Mas esse
aspecto não pode ser visto de forma isolada. Sugerimos que estar em um grupo que
fortaleça suas identidades enquanto mulheres e que se sintam seguras para
experimentarem e aprenderem sem serem julgadas pode ser um dos fatores que
potencialize a aprendizagem e o senso de pertencimento ao grupo. Um ambiente de
ensino aprendizagem que foque, por exemplo, no protagonismo de estudantes, com foco
em criação e experimentação, e na construção de um espaço seguro e de acolhimento
pode fazer com que as jovens se sintam mais motivadas e pertencentes ao espaço
científico, como discutido, por exemplo, por Spearman e Watt (2013).
234
do desenho e desenvolvimento do projeto com as jovens envolvidas, elaborando
conjuntamente “com” elas, e não apenas “para” elas, por meio de relações equitativas
que reconheçam e valorizem formas variadas de expertise. Para isso, ter como norte o
princípio de reflexividade poderia auxiliar à equipe coordenadora manter uma reflexão
contínua, crítica e sistemática sobre suas posições, privilégios, identidades, práticas e
resultados de modo a romper com relações hierárquicas de poder e repensar práticas e
interações injustas.
A partir das práticas equitativas na educação não formal (Yestem Project Team,
2021), sugerimos que os projetos desenvolveram mais diretamente práticas como mudar
narrativas, que diz respeito a intencionalmente desafiar e buscar novas histórias sobre
quem conta como cientista e quem pode fazer ciência; de reivindicar a presença
legítima de grupos não dominantes, que esteve presente em diversos momentos nas
falas das jovens quando reivindicam seu direito por estar nos espaços científicos; e de
abraçar a humanidade das jovens, valorizando cada pessoa por quem ela é e não por
quem ela deveria ser. No entanto, assim como na comparação com o modelo anterior,
propomos que ainda é possível avançar para práticas mais equitativas no que diz
respeito a compartilhar autoridade; estar criticamente com as comunidades não
dominantes, refletindo criticamente sobre sua posicionalidade; reconhecer explicita e
publicamente os conhecimentos e práticas que grupos não dominantes trazem para as
experiências de educação não formal; e planejar conjuntamente atividades.
235
Além do aspecto da colaboração, algumas jovens relataram percepções sobre a
figura de cientistas que também fizeram um contraponto ao estereótipo preponderante
no imaginário social, com a identificação de cientistas como pessoas sociáveis e como
pessoas comuns. Após a vivência nos projetos, as características que mais se
sobressaíram na fala das jovens se referem à paixão e ao interesse. A paixão e interesse
na prática científica são importantes no entendimento de que a ciência não é neutra,
objetiva nem universal, formada por pessoas dentro de contextos determinados, que tem
interesses e motivações, como sistematizados na teoria do ponto de vista (Haraway,
1995; Harding, 2007). Ao trazerem essas percepções, as jovens apontam para uma visão
desmitificada de cientistas. Como afirma Löwi, "uma ‘ciência situada’ pode abrir
caminho para uma outra definição de objetividade e de universalidade – definição que
inclui a paixão, a crítica, a contestação, a solidariedade e a responsabilidade” (Löwi,
2000, p. 24).
236
Vemos como as estruturas sociais e culturais dominantes, por meio da dimensão
familiar, tendem a constringir as possibilidades de escolha da jovem sobre seu futuro
profissional, valorizando papéis tradicionais de gênero. Localmente, tanto a comunidade
escolar quando os projetos orientados por equidade de gênero podem exercer um papel
de fortalecer a autoconfiança das jovens em suas escolhas quanto de construírem novos
paradigmas junto com as famílias de modo a romper ou modificar as normas culturais e
sociais de gênero.
Nas narrativas, percebemos que familiares das jovens projetam a carreira militar
como perspectiva futura para elas, e muitas afirmaram no questionário inicial da
pesquisa o desejo em seguirem em carreiras militares. Na literatura na área, a escolha da
carreira militar é apontada como uma procura por busca de estabilidade profissional e
financeira, por ser uma entrada imediata no mercado de trabalho. Costa e Silva (2021),
ao estudarem as expectativas profissionais de estudantes de camadas populares,
argumentam que jovens demonstram desejo e escolha pela carreira militar por se
constituir trajetórias possíveis em seus contextos socioculturais, por sua aparente
estabilidade remuneratória e garantia de manutenção do vínculo. Uma das
potencialidades dos projetos parece estar em ampliar o leque de possibilidades de
carreiras e de auxiliar na reafirmação de escolhas quando as preferências das jovens se
encontrem em embate com os desejos dentro de seus contextos familiares.
237
Uma das limitações dessa pesquisa foi não termos coletado dados nem nos
aprofundado nas percepções das graduandas e das professoras/es da educação básica
envolvidos no projeto. Ao limitarmos o recorte da pesquisa apenas para as jovens e as
coordenadoras, não pudemos entender com mais detalhes as dinâmicas que se
estabeleceram entre os demais atores sociais envolvidos no cotidiano das iniciativas.
Consideramos que pesquisas futuras que olhem de forma mais ampla para a formação
das graduandas a partir da vivência nos projetos, como pontuado nas entrevistas com as
coordenadoras, e para as/os professoras/es da educação básica, assim como para a
comunidade escolar como um todo (pessoas envolvidas na gestão escolar) podem
ampliar o debate e o conhecimento acerca da importância de investir em políticas de
equidade de gênero na educação e na divulgação científica.
No que diz respeito ao momento de coleta de dados, das entrevistas e grupos
focais, o tempo foi limitado ao período disponibilizado pelos projetos para que
realizássemos essas etapas. Durante os grupos focais, por exemplo, tivemos que
interromper ou acelerar a finalização da conversa conforme requisitado pela equipe dos
projetos. Como pesquisadoras externas ao desenvolvimento dos projetos, entendemos
que essa foi uma limitação a um maior aprofundamento de algumas das questões que
surgiram durante o processo de coleta de dados. Uma maior integração entre pesquisa e
prática no planejamento do projeto, que incorpore a pesquisa como um instrumento
importante poderia ajudar a ter mais dados com maior aprofundamento, e tempo
destinado previamente para a coleta de dados.
No que diz respeito à termos poucas informações sobre o perfil das jovens que
participaram dos grupos focais, para manter um ambiente acolhedor durante os grupos
focais, optamos por não filmar a discussão, gravando as falas apenas por áudio. No
entanto, essa estratégia inviabilizou o reconhecimento das jovens a partir apenas das
vozes na etapa de transcrição e, portanto, faltaram informações acerca de raça, idade e
território nas narrativas extraídas dos grupos focais.
Reconhecemos ainda que a posicionalidade da entrevistadora – como mulher
branca, de classe média e proveniente do ambiente acadêmico – influenciou na troca
estabelecida com as entrevistadas, maioria mulheres negras, da periferia, de classes
menos favorecidas. Foi a partir dessa primeira troca que entendemos a importância de
aprofundar o arcabouço teórico nos estudos de interseccionalidade e feminismo
decolonial, nos auxiliando a pensar justiça social e equidade a partir dessas lentes. Vale
notar que essa imersão teórica nessas temáticas se deu em momento posterior à
238
construção da primeira etapa de construção do questionário e das entrevistas iniciais, de
modo que avaliamos posteriormente que as perguntas estabelecidas neste momento
poderiam ter contemplado melhor esses conceitos.
Uma das limitações que reconhecemos na coleta análise de dados diz respeito a
não termos discutido a presença do marcador de religião. A maioria das jovens
envolvidas na pesquisa declararam serem praticantes da religião protestante/evangélica.
Apontamos que estudos futuros podem ser interessantes para compreender melhor a
relação das interseções entre religião e as vivências de jovens em projetos orientados
por equidade de gênero na educação em STEM.
O tempo de envolvimento com as participantes a partir da estratégia adotada de
coleta e construção de dados por meio de questionários, entrevistas e grupos focais
permitiu que entendêssemos algumas das percepções acerca da vivência das jovens nos
projetos e acerca dos estereótipos da figura de cientista. Demais estratégias vêm sendo
abordadas em pesquisas acerca da vivência de jovens em iniciativas de educação em
STEM em contextos fora da escola como, por exemplo, a etnografia participativa em
estudos de longo prazo (Greenberg et al., 2020; Calabrese Barton et al., 2021), que
permitem um aprofundamento na relação entre pesquisadoras, educadoras e jovens e na
qualidade dos dados analisados. Pesquisas na área de antropologia, a partir da
metodologia de observação participante, também permitem análises distintas do que as
abordadas neste trabalho e podem enriquecer a análise de dados em contextos similares.
Investigar as relações de poder na dinâmica entre coordenadoras, professores e
jovens ao longo da dinâmica adotada pelos projetos e como reconhecer e construir
relações menos assimétricas pode ser um caminho investigativo futuro. Uma possível
análise seria compreender como o design das atividades e como as relações
estabelecidas entre mentoras e jovens facilitaram ou dificultaram a validação e
reconhecimento das jovens dentro do espaço construído pelos projetos. A partir dessas
reflexões, questões que podem ser desenvolvidas em pesquisas futuras seriam, por
exemplo: qual é o espaço de fala e de ação oferecido dentro dos projetos para as jovens?
As atividades dos projetos foram construídas coletivamente com as jovens, levando em
conta o que as interessava? Como construir um ambiente em que tanto pesquisadoras,
educadoras e jovens se sintam estimuladas a contribuir com seus conhecimentos,
interesses e propostas de ação?
Durante a pesquisa, tentei entender qual era o meu espaço enquanto
pesquisadora dentro dos projetos e na minha relação com as coordenadoras. Uma
239
possível estratégia a ser adotada futuramente é o da “parceria pesquisa-prática”
(Research Practice Partnership - RPP, na sigla em inglês). Relações de parceria
pesquisa-prática são definidas a partir de quatro principais critérios: (i) são relações de
longa duração, desenvolvidas ao longo de anos com o compromisso de um trabalho
conjunto; (ii) têm foco em problemas da prática; (iii) são mútuas, uma vez que a
parceria busca atender às necessidades e objetivos de todos os envolvidos; (iv)
intencionalmente organizada para ser colaborativa, tomar decisões em conjunto e
conduzir a pesquisa conjuntamente; e buscam (v) produzir análises de dados originais
(Penuel, 2017).
As colaborações podem envolver diferentes tipos de parceria e enfocar uma
ampla variedade de problemas de prática, como, por exemplo, entre pesquisadores e
líderes em uma região, entre pesquisadores, universidades e escolas, ou compreender
redes de instituições distribuídas geograficamente (Coburn & Penuel, 2016). Envolver
tanto jovens quanto educadores nas relações de parceira pesquisa-prática pode ser uma
importante estratégia para centrar as vozes de jovens e suas perspectivas a partir de
grupos não dominantes (Calabrese Barton et al., 2021).
Em suma, compreendemos que a análise desses projetos a partir das lentes do
feminismo interseccional e da pesquisa em equidade, inclusão e justiça social buscam
contribuir para o emergente campo da divulgação científica inclusiva (Canfield; Liu;
Menezes, 2020; Canfield et al., 2020). Para concluir, apontamos os principais
aprendizados que levamos a partir dessa pesquisa, que dizem respeito acerca da
importância de: (i) ter mulheres em diferentes níveis da carreira trabalhando juntas em
projetos, buscando romper relações assimétricas de poder; (ii) ter uma abordagem
interseccional nos editais, na composição da equipe, das comunidades envolvidas, dos
eventos promovidos e dos espaços visitados, buscando diversidade racial, geográfica, de
classe, de gênero, de sexualidade, de pessoas com deficiências, entre outros marcadores
da diferença; (iii) promover o debate sobre estereótipos de cientista e de gênero na
educação e na divulgação científica; (iv) levar as jovens para conhecer espaços onde se
produz ciência, isto é, universidades, institutos de pesquisa, museus e centros de ciência,
facilitando a construção de um senso de pertencimento; (v) dar centralidade às jovens,
levando em conta suas experiências, conhecimentos e contribuições na concepção,
desenvolvimento e avaliação de projetos; (vi) focar na construção de relações, tendo as
atividades científicas como um meio e não um fim; (vii) proporcionar espaços seguros
de escuta e de acolhimento; (viii) debater temas relacionados às vivências cotidianas de
240
discriminação de jovens mulheres, como assédio, preconceitos, microagressões e
ameaça pelo estereótipo; (ix) incluir as famílias e comunidades escolares na concepção
e desenvolvimento dos projetos; (x) ter grupos apenas de mulheres podem proporcionar
uma sensação de segurança, autoconfiança e pertencimento; (xi) proporcionar espaços
em que as jovens protagonizem a discussão acadêmica, como apresentação em eventos
científicos, feiras de ciência e espaços de divulgação científica; (xii) desenvolver
metodologias ativas de ensino, em que é possível construir conhecimento por meio da
experimentação e protagonismo das jovens; (xiii) incentivar a formação de redes de
prática e de pesquisa, ampliando e conectando pesquisadoras/es nas temáticas de
gênero, feminismos, interseccionalidade e STEM; (xiv) posicionar-se ativamente em
prol de romper e transformar relações assimétricas de poder entre, por exemplo,
coordenadoras, professoras/es e jovens; e (xv) ter financiamento em fluxo contínuo para
desenvolver projetos de longo prazo em que seja possível construir relações de
confiança entre pesquisadoras, educadoras e jovens.
241
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263
Anexo I – Roteiros de entrevista e grupo focal
7. Você lembra de algum episódio que vivenciou de forma diferente por ser mulher
no ambiente acadêmico?
8. Tem filhos? Como foi conciliar a maternidade com o trabalho de pesquisadora?
9. Você integra algum grupo ou movimento de mulheres ou de mulheres na
ciência?
10. Você se identifica com o feminismo?
Sobre o projeto
265
Roteiro do grupo focal
[Tirar foto do grupo, registrar tópicos que causaram mais discussão, momentos
marcantes da discussão, algum gesto que chamou atenção, registrar os nomes e a
organização das participantes na roda]
Fala inicial:
Olá, para as que não me conhecem ainda ou não se lembram, meu nome é Gabriela e
sou pesquisadora da UFRJ. Essa é a____________ (observadora), que é pesquisadora
da______________, e ela vai acompanhar a atividade hoje. Vamos fazer uma conversa
a partir de algumas perguntas. É interessante que cada uma fale de uma vez e que todas
participem. Todas têm o direito de dizer o que pensam do assunto. Aqui não tem certo
ou errado, estou interessada na opinião de vocês. Podem ficar à vontade para falarem o
que vocês pensam sobre os temas que vamos abordar. Queria reforçar que eu não faço
parte da equipe que coordena o projeto e que essa dinâmica não tem intenção de avaliar
este projeto. Vamos gravar a discussão, mas as falas serão mantidas anônimas e servirão
apenas para o propósito da pesquisa. Vamos preservar a identidade pessoal de cada uma
na divulgação dos resultados. Queria agradecer por vocês toparem participar desta
pesquisa e estamos disponíveis para tirar qualquer dúvida. Para começar, vou pedir que
cada uma se apresente dizendo o seu nome. Vamos começar?
1. Queria que vocês me contassem o que fizeram no projeto ao longo desse ano?
2. Quais foram os momentos mais marcantes?
3. Participar do projeto mudou algo em vocês? O que significou, para vocês,
participar deste projeto?
4. Mudou algo da rotina da escola?
5. Mudou algo da rotina em casa?
6. Como é a rotina de vocês em casa? Vocês são responsáveis por tarefas da casa,
como lavar louça, varrer, cuidar dos irmãos?
7. Vocês pensam em casar?
8. Vocês pensam em ter filhos?
9. Como vocês pensam que essas escolhas podem afetar a vida profissional?
266
15. Antes de participar do projeto, vocês pensavam o mesmo?
16. Vocês acreditam que a ciência está aberta para receber meninas como
vocês? Por que sim? Por que não?
Discriminação e feminismo:
23. Em alguma ocasião, vocês sentiram que foram tratadas de forma diferente pelo
fato de ser mulher?
24. Com que frequência isso ocorre?
25. Alguma dessas situações aconteceu na escola? Contem como foi.
26. Vocês identificam que esse projeto ajudou a enfrentar essas situações?
27. Vocês identificam alguma discussão sobre feminismo envolvida nesse
projeto? Qual?
28. Como vocês descreveriam o grupo que vocês formaram ao longo do projeto?
267
Anexo II – Questionário
Data:_______________
Olá! :)
Esta é uma pesquisa realizada no âmbito de um projeto de doutorado da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Este questionário é confidencial, não existe resposta certa ou errada, estamos interessados em saber sua opinião
sobre as questões abaixo.
X
Por exemplo, para responder “sim”: (1) – sim (2) – não
Por exemplo, para responder “1. Muito provável”, preencher [ 1 ]
2. Sua escola é:
1. Nome da Escola:
(1) – Pública
(2) – Particular
4. Gênero:
3. Você está em que ano na escola? ___ ano do
(1) – Feminino
(1) - Ensino Médio
(2) – Masculino
(2) - Ensino Fundamental
(3) – Outro. Qual?
9. Na escola, você tem interesse em matérias de 10. Você pratica alguma atividade fora da
ciências e tecnologia (como física, química, escola?
matemática, biologia, história e geografia)?
(1) - Sim (1) – Sim. Qual?
(2) – Não (2) – Não
Por que?
268
11. Pense nos seus pais ou nos principais 12. Qual a profissão de seus pais ou principais
responsáveis por você. Algum deles concluiu responsáveis?
o curso superior/ formou-se na faculdade?
(1).Sim
(2).Não
(3).Não sei dizer
17. Qual é o grau de instrução de seu pai? 18. Qual é o grau de instrução de seu ou sua
principal responsável?
(1) Fundamental 1 incompleto (até o 5º ano
incompleto) (1) Já respondi nas perguntas anteriores (pai
(2) Fundamental 1 completo/Fundamental 2 e/ou mãe são meus principais
incompleto (do 5º ano ao 9º ano incompleto) responsáveis)
(3) Fundamental 2 completo/Ensino Médio (2) Fundamental 1 incompleto (até o 5º ano
incompleto incompleto)
(4) Ensino Médio completo/Ensino superior (3) Fundamental 1 completo/Fundamental 2
269
incompleto incompleto (do 5º ano ao 9º ano incompleto)
(5) Superior completo (4) Fundamental 2 completo/Ensino Médio
(6) Não sei dizer incompleto
(7) Não convivo com meu pai (5) Ensino Médio completo/Ensino superior
incompleto
(6) Superior completo
(7) Não sei dizer
O que te motivou a participar deste projeto? Quais as suas expectativas para este projeto?
270
21. Nos últimos 30 dias, isto é, no último mês, 22. Quais destes meios você usa para acessar
quantas vezes você... conteúdos de ciência e tecnologia? (marque
0.Nunca ou quase nunca (1-2 vezes ao longo do todos que usa)
mês)
1.De vez em quando (3-10 vezes ao longo do mês) (1) Não costumo acessar conteúdos de ciência e
2. Frequentemente (várias vezes ou quase todo dia) tecnologia
(2) Facebook
1. Assistiu a programas/vídeos, na TV e online, (3) Twitter.
sobre ciência e tecnologia [___] (4) Instagram.
2. Leu sobre ciência e tecnologia (livros, jornais, (5) Whatsapp.
revistas, online) [___] (6) Youtube.
3. Escutou podcasts/programas de rádio sobre (7) Algum outro meio que você usa para acessar
ciência e tecnologia [___] ciência e tecnologia? Qual?
4. Conversou com amigos/familiares sobre ciência
e tecnologia [___]
23. Que palavras lhe vem à cabeça quando você ouve falar em ciência e tecnologia?
(escreva 1 ou mais palavras para ciência e 1 ou mais palavras para tecnologia)
24. Quando você pensa em cientistas que 25. Pensando nestes cientistas que estudam o
estudam o universo, quais destas universo, você acha que é muito provável,
características você imagina que tenham? provável ou pouco provável que sejam
mulheres?
1.Muito provável
2.Provável (1) Muito provável
3.Pouco Provável (2) Provável
(3) Pouco provável
1. São muito inteligentes [___]
2. Passam muito tempo sozinhos [___]
3. Têm um trabalho interessante [___]
4. Acreditam em Deus [___]
5. Usam palavras que ninguém entende [___]
6. Pensam muito em ganhar dinheiro [___]
271
26. Quando você pensa em cientistas que 27. Para você é muito provável, provável ou
estudam o fenômeno social da pobreza, pouco provável que cientistas que estudam o
quais destas características você imagina fenômeno social da pobreza sejam
que tenham? mulheres?
28. Quando você pensa em cientistas que 29. E estes cientistas que estudam a cura do
estudam a cura do câncer, quais destas câncer, você acha que é muito provável,
características você imagina que tenham? provável ou pouco provável que sejam
mulheres?
1.Muito provável
2.Provável (1) Muito provável
3.Pouco provável (2) Provável
(3) Pouco provável
1. São muito inteligentes [___]
2. Passam muito tempo sozinhos [___]
3. Têm um trabalho interessante [___]
4. Acreditam em Deus [___]
5. Usam palavras que ninguém entende [___]
6. Pensam muito em ganhar dinheiro [___]
30. Quando você pensa em cientistas que 31. E estes cientistas que desenvolvem robôs,
desenvolvem robôs, quais destas você acha que é muito provável, provável ou
características você imagina que tenham? pouco provável que sejam mulheres?
272
32. Você gostaria de trabalhar como cientista? 33. Você acredita que para você se tornar
cientista seria....
(1) Não gostaria
(2) Gostaria pouco (1) Muito difícil
(3) Gostaria (2) Difícil
(4) Gostaria muito (3) Fácil
(5) Não sei dizer (4) Muito fácil
(5) Não sei dizer
34. Quando penso nos cientistas eu acho muito provável, provável ou pouco provável que eles...
1.Muito provável
2.Provável
3.Pouco Provável
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DIMENSÂO 4: O que você pensa sobre mulheres na ciência?
35. Das afirmações abaixo, diga em que medida você concorda ou discorda de cada uma delas:
1. Discordo totalmente
2. Discordo em parte
3. Concordo em parte
4. Concordo totalmente
36. Você já se sentiu discriminada por ser 37. Qual o seu grau de interesse pelas
mulher? discussões sobre direito das mulheres e
(1) Sim igualdade de gênero?
(2) Não
(3) Não sei (1) Nada interessada
(2) Pouco interessada
Caso se sinta à vontade, descreva como foi discriminada (3) Interessada
por ser mulher: (4) Muito interessada
38. Qual o seu grau de interesse pelas 39. Você já participou de algum movimento ou
discussões sobre feminismo? grupo de mulheres?
274
Anexo III – Termos de Assentimento e de Consentimento Livre e
Esclarecido (TALE e TCLE)
Prezado(a) responsável,
Seu filho(a) ou criança do qual é responsável está sendo convidado(a) para participar
como voluntário(a) da pesquisa intitulada “Percepção pública da ciência e da profissão de
cientista em projetos para inclusão de meninas na ciência”. Nosso objetivo é compreender as
percepções de ciência e as motivações de estudantes envolvidas no contexto de programas
científico-tecnológicos.
A coleta de dados será realizada por meio de questionário e posterior realização de
entrevista e grupo focal com os participantes selecionados de forma voluntária. Após seis meses
da realização da entrevista, entraremos novamente em contato com os participantes para
realização de uma segunda etapa de coleta de dados, com entrevista. O preenchimento do
questionário tem duração média de quinze minutos e a entrevista terá duração média de uma
hora.
Acreditamos que esta pesquisa ajudará a fornecer dados sobre a eficácia e importância
da manutenção de programas que visam promover uma maior equidade de gênero, além de
contribuir para o campo de estudos sobre a percepção publica da ciência. Os dados obtidos, sem
exceção, são confidenciais, ou seja, garantimos o sigilo e a privacidade de todos os
participantes. Esclarecemos que você tem o direito de receber informações em qualquer etapa da
pesquisa, bem como, o direito de interromper a sua participação a qualquer momento e a
liberdade de retirar o consentimento sem qualquer penalização. Você terá garantido o seu direito
a buscar indenização por danos decorrentes da pesquisa
Colocamo-nos à sua disposição para maiores esclarecimentos, disponibilizando, abaixo,
nossas informações para contato. Espero contar com a sua importante participação.
Data:
Assinatura do responsável legal:
Nome legível:
Assinatura do Pesquisador:
Gabriela Reznik
Doutoranda em Ciências na Área de Educação, Gestão e Difusão em Biociências pelo Instituto
de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Tel.: 99929-5216 / Email: gabriela.reznik@bioqmed.ufrj.br; gabirz@gmail.com
275
TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TALE)
Prezado(a) participante,
Você está sendo convidado(a) para participar como voluntário(a) da pesquisa intitulada
“Percepção pública da ciência e da profissão de cientista em projetos para inclusão de meninas
na ciência”. Queremos saber como estudantes veem a ciência, o que os inspiram e o que pensam
do futuro.
Você só precisa participar da pesquisa se quiser, é um direito seu e não terá nenhum
problema se desistir. Para participar, você preencherá um questionário com informações sobre
os seus gostos e atitudes com relação à ciência e tecnologia, e depois selecionaremos, de forma
aleatória e voluntária, alguns participantes para uma conversa mais aprofundada. Após seis
meses, entraremos novamente em contato com os participantes para realização de uma segunda
conversa. O preenchimento do questionário tem duração média de quinze minutos e a conversa
terá duração média de uma hora.
Acreditamos que esta pesquisa ajudará a fornecer dados sobre a eficácia e importância
da manutenção de programas que visam promover uma maior equidade de gênero, além de
contribuir para o campo de estudos sobre a percepção publica da ciência. Ninguém saberá que
você está participando da pesquisa; não falaremos a outras pessoas, nem daremos a estranhos as
informações que você nos der. Os resultados da pesquisa vão ser publicados sem identificar as
crianças que participaram.
Esclarecemos que você tem o direito de receber informações em qualquer etapa da
pesquisa, bem como, o direito de interromper a sua participação a qualquer momento.
Colocamo-nos à sua disposição para maiores esclarecimentos, disponibilizando, abaixo, nossas
informações para contato. Você terá garantido o seu direito a buscar indenização por danos
decorrentes da pesquisa
Data:
Assinatura do menor:
Nome legível:
Assinatura do Pesquisador:
Gabriela Reznik
Doutoranda em Ciências na Área de Educação, Gestão e Difusão em Biociências pelo Instituto
de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Pesquisadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e da Tecnologia
Tel.: 99929-5216 / Email: gabriela.reznik@bioqmed.ufrj.br; gabirz@gmail.com
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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)
Prezado(a) participante,
Você está sendo convidado(a) para participar como voluntário(a) da pesquisa intitulada
“Percepção pública da ciência e da profissão de cientista em projetos para inclusão de meninas
na ciência”. Nosso objetivo é compreender as percepções de ciência e as motivações de
estudantes e mulheres envolvidos no contexto de programas para inclusão de meninas na
ciência.
A coleta de dados será realizada por meio de questionário e posterior realização de
entrevista e grupo focal com os participantes selecionados de forma voluntária. Após alguns
meses da realização da entrevista, entraremos novamente em contato com os participantes para
realização de uma segunda etapa de coleta de dados, com entrevista. O preenchimento do
questionário tem duração média de quinze minutos e a entrevista terá duração média de uma
hora. Será realizada ainda entrevista, de duração média de uma hora e meia, com as
coordenadoras dos programas contemplados nos editais do CNPq Meninas e Jovens fazendo
Ciências Exatas, Engenharias e Computação.
Acreditamos que esta pesquisa ajudará a fornecer dados sobre a eficácia e importância
da manutenção de programas que visam promover uma maior equidade de gênero, além de
contribuir para o campo de estudos sobre a percepção publica da ciência. Os dados obtidos, sem
exceção, são confidenciais, ou seja, garantimos o sigilo e a privacidade de todos os
participantes. Esclarecemos que você tem o direito de receber informações em qualquer etapa da
pesquisa, bem como, o direito de interromper a sua participação a qualquer momento e a
liberdade de retirar o consentimento sem qualquer penalização. Você terá garantido o seu direito
a buscar indenização por danos decorrentes da pesquisa
Colocamo-nos à sua disposição para maiores esclarecimentos, disponibilizando, abaixo,
nossas informações para contato. Espero contar com a sua importante participação.
Data:
Assinatura do sujeito de pesquisa:
Nome legível:
Assinatura do Pesquisador:
Gabriela Reznik
Doutoranda em Ciências na Área de Educação, Gestão e Difusão em Biociências pelo Instituto
de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Pesquisadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e da Tecnologia
Tel.: 99929-5216 / Email: gabriela.reznik@bioqmed.ufrj.br; gabirz@gmail.com
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