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Pertencimento, inclusão e interseccionalidade: vivências de jovens mulheres


em projetos orientados por equidade de gênero na educação e divulgação
científica

Thesis · April 2022


DOI: 10.13140/RG.2.2.25043.04648

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1 author:

Gabriela Reznik
Fundação Oswaldo Cruz
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
INSTITUTO DE BIOQUÍMICA MÉDICA LEOPOLDO DE MEIS
PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, GESTÃO E DIFUSÃO EM BIOCIÊNCIAS

GABRIELA REZNIK

Pertencimento, inclusão e interseccionalidade: vivências


de jovens mulheres em projetos orientados por equidade
de gênero na educação e divulgação científica

Rio de Janeiro
2022
GABRIELA REZNIK

Pertencimento, inclusão e interseccionalidade: vivências de


jovens mulheres em projetos orientados por equidade de gênero
na educação e divulgação científica

Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação


em Química Biológica do Instituto de Bioquímica
Médica Leopoldo de Meis da Universidade
Federal do Rio de Janeiro como requisito para
obtenção do título de Doutor em Ciências
(Educação, Gestão e Difusão em Biociências).

Orientadora: Luisa Massarani

Rio de Janeiro
2022
2
3
559ª ATA DA COMISSÃO EXAMINADORA DA TESE DE DOUTORADO EM QUÍMICA
BIOLÓGICA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM QUÍMICA BIOLÓGICA
APRESENTADA E DEFENDIDA POR GABRIELA REZNIK.

No sétimo dia do mês de abril de dois mil e vinte e dois, às 14h00min, realizou-se
de forma totalmente remota e em concordância com o disposto na Resolução CEPG nº
01, de 16 de março de 2020, tendo sido gravada através do aplicativo Zoom®, a defesa da
Tese de Doutorado em Química Biológica (Educação, Difusão e Gestão em Biociências)
apresentada e defendida por Gabriela Reznik, intitulada: "Pertencimento, inclusão e
interseccionalidade: vivências de jovens mulheres em projetos orientados por
equidade de gênero na educação e divulgação científica". A Comissão foi organizada
obedecendo ao disposto nas Resoluções do Conselho de Ensino para Graduados da
UFRJ e no Regulamento do Programa de Pós-graduação em Química Biológica, área de
concentração em Educação, Difusão e Gestão em Biociências, estando constituída pelos
Professores:
(x) Marcia Cristina Bernardes Barbosa (Professor Titular da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul), (x) Sandra Gouretti Unbehaum (Pesquisador da Fundação Carlos
Chagas), (x) Jacqueline Leta (Professor Associado IV do Instituto de Bioquímica Médica
Leopoldo de Meis, UFRJ), (x) Débora Foguel (Professor Titular do Instituto de Bioquímica
Médica Leopoldo de Meis, UFRJ), (x) Isaltina Maria de Azevedo Mello Gomes
(Professor Titular da Universidade Federal de Pernambuco), além de seu(ua)
orientador(a), (x) Luisa Medeiros Massarani (Pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz),
sendo designado(a) Presidente da Banca e sem direito a voto. Após haver o(a)
candidato(a) apresentado os resultados de sua tese, obedecendo ao prazo regimental, foi
dada a palavra aos examinadores para arguição, na seguinte ordem: Marcia Cristina
Bernardes Barbosa, Sandra Gouretti Unbehaum e Jacqueline Leta, tendo o(a)
candidato(a) respondido às perguntas formuladas. Assim sendo, a Comissão
Examinadora decidiu recomendar a outorga ao(à) candidato(a) do Grau de Doutor em
Ciências (Educação, Difusão e Gestão em Biociências). Nada mais havendo a tratar, eu,
Luisa Medeiros Massarani, lavrei a presente Ata, que assino em meu nome e dos demais
membros da Banca Examinadora.

Rio de Janeiro, 7 de abril de 2022.

________________________________________________
Luisa Medeiros Massarani
(Presidente da Banca)
Desenhos e colagens, feitos entre maio e agosto de 2020, sobre escrever a tese em meio
a pandemia de Covid-19 enquanto cuido de duas crianças pequenas, buscando, em
referências literárias e acadêmicas, o espaço de minha própria autoria.

5
Agradecimentos

Durante os anos de construção desta tese, foram muitos os movimentos que se


estabeleceram na vida: uma filha nasceu, outra se alfabetizou, uma pandemia ainda em
curso, uma mudança temporária de país, participação em grupos e projetos na
universidade e fora dela. Sou grata às muitas pessoas que estiveram presentes ao longo
desse processo, construindo significado conjuntamente. Vivenciei a escrita “como um
ato de tornar-se autora e autoridade na minha própria história”1, e o percurso da tese foi
também um percurso de me apropriar e de me reconhecer no meu próprio caminho.
Às jovens participantes dos projetos, por compartilharem suas experiências e por
“fazer do aprendizado uma experiência de inclusão”2. Sem vocês, essa pesquisa não
faria sentido. Às coordenadoras dos projetos orientados por equidade de gênero na
educação em STEM, pelo engajamento e dedicação na temática, e pelas entrevistas
concedidas.
À Luisa Massarani, pelos últimos dez anos de orientação no campo de pesquisa
em divulgação científica. Termos um campo de pesquisa para chamar de nosso se deve
em muito pelos seus esforços ao longo das últimas décadas.
Às pesquisadoras da rede MSTEM-RJ, Claudia Mattos, Elis Sinnecker, Emmy
Uehara, Letícia Rangel, Milena Stanislau, Monica de Mesquita Lacerda, Monica Santos
Dahmouche, Patricia Spinelli, Tatiana Saint Pierre, Thereza Paiva, Valéria Belmonte,
Valéria Motta e Viviane Japiassu, pelos encontros presenciais e virtuais, importantes
reflexões ao longo de 2020 e 2021. À Monica Dahmouche, que, de um encontro fortuito
na feira da General Glicério, tornou-se uma grande parceira nesta pesquisa. Obrigada
por abrir as portas do projeto “Meninas nas Ciências Exatas da Baixa Fluminense”, pelo
afeto, pelas trocas e pelas contribuições, e pela persistência na organização do livro
Exatas é com elas: tecendo redes no estado do Rio de Janeiro. À Thelma Lopes, pelas
conversas iniciais e pelas trocas durante o Esocite BR, em 2019. À Leticia Rangel, pelo
acolhimento no projeto “Meninas Olímpicas do IMPA”, pelo olhar sincero e generoso,
leitura atenta, contribuições e parceria. À Tatiana Rappoport, Elis Sinnecker e Thereza
Paiva, pelo trabalho inspirador do projeto “Tem Menina no Circuito”, por terem aberto
as portas do projeto para minha pesquisa, pelas trocas e contribuições constantes. À

1
Kilomba, 2020, p. 26.
2
hooks, 2017, p. 51.

6
Patricia Spinelli, por ser referência de engajamento na temática, pela organização de
importantes eventos na área, como o Promoting gender equity in STEM, no qual percebi
a possibilidade de seguir em frente com meus interesses de pesquisa. À Tatiana Saint
Pierre, pela colaboração no projeto “Estudo da composição mineral de cabelo
relacionada com o uso de tratamentos químicos estéticos”. À Karina Mochetti, Daisy
Maria Luz, Angela Biazutti, Camila Signori e Luciana Witovski, pelas conversas
iniciais na exploração do campo de pesquisa.
Ao CNPq, em especial à Maria Lucia de Santana Braga, por ceder documentos
da chamada 18/2013 para análise durante a pesquisa. Agradeço ao CNPq pela bolsa de
pesquisa durante o doutorado e à Fulbright pela bolsa de doutorado sanduíche.
À Jacqueline Leta, pelas contribuições ao longo do percurso e por ter aceitado o
convite de compor a banca. Obrigada por ter topado a ideia da disciplina “Mulher,
ciência e feminismos”, durante a qual aprendi muito ao seu lado, do Lucas Tramontano,
da Gilda Olinto e da turma que embarcou conosco na proposta. Obrigada, Lucas e
Gilda, pelas importantes trocas ao longo da construção da disciplina.
À Márcia Cristina Bernardes Barbosa, Sandra Unbehaum, Débora Foguel e
Isaltina Gomes, por aceitarem o convite de compor a banca.
Aos amigos do PEGED/IBqM, pelo suporte acadêmico, em especial, à Marcelle,
Washigton, Gustavo, Josemar, Roseday, Fábio, Marcelo, Juliana, Ana Paula, Tatiana,
Andreia e Larissa.
Ao Grupo de Trabalho de Parentalidade e Equidade de Gênero da UFRJ e ao
projeto de extensão “Mães na Universidade: acesso, permanência e progressão”, por
serem espaços em que estamos construindo novas possibilidades de ser mulher e mãe
dentro da universidade, buscando um espaço acadêmico mais equâmine e inclusivo. Em
especial, à Gizele Martins, Mithaly Corrêa, Karin Menéndez Delmestre, Sabrina
Ferreira, Luana Fontel, Marcela Sandim e Lizzie Calmon, pelas trocas e construções ao
longo de 2020 e 2021. Ao movimento Parent in Science, pela inspiração e conquistas,
por terem aberto o programa de embaixadoras e a possibilidade de contribuir para o
grupo, em especial à Fernanda Staniskuasqui, Leticia Oliveira, Rossana Soletti, Camila
Infanger, Milena Freire e Alessandra Brandão.
À Marina Nucci, por ser referência no campo de gênero e ciência, pela amizade
e ensinamentos na disciplina “Gênero, ciência e saúde”, no Instituto de Medicina Social,
da UERJ. À Jane Russo, pelas importantes discussões durante as aulas no IMS-UERJ e
pelas contribuições no projeto da tese.

7
À Angela Maria Carneiro de Araújo, pelo aprofundamento nas discussões sobre
divisão sexual do trabalho na disciplina “Gênero, trabalho e política”, da Unicamp.
Ao Yurij Castelfranchi, que me inspirou a pesquisar no campo da percepção
pública da ciência e nos estudos feministas da ciência.
À Jocelyn Steinke, minha referência nos estudos de gênero e comunicação da
ciência, pelo acolhimento e apoio ao longo dos últimos dois anos da tese.
À Angela Calabrese Barton, por ter aberto as portas de seu grupo durante o
estágio na Universidade de Michigan. Ao grupo de pesquisa, em especial Wissam
Sedawi, Hyeri Mel Yang, Day Greenberg, Mez Perez, Francisco Parra Camacho, Mimi
Owusu, Jazz e Devon.
Aos amigos e amigas bolsistas Fulbright Brasil do ano 2020-2021, que ninguém
soltou a mão de ninguém, em meio às incertezas durante os dois anos de pandemia e
adiamentos, e por se tornarem uma importante comunidade de apoio. Aos colegas da
Fulbright da Universidade de Michigan, por estarem sempre dispostos a se reunir e
compartilhar momentos juntos. À Raquel Parrine, Marina Miranda Fiuza, Lais Petri,
Stefania Kerekes, Ana Luisa Guimarães, Tierney, Monique Weenstra e Annie Zirkel,
fundamentais na instalação, adaptação e vivência em Ann Arbor.
Ao amado NEDC puxadinho, Marina Ramalho, Carla Almeida, Renata
Fontanetto, Vanessa Brasil, Leticia Rumjanek, Luis Amorim, Catarina Chagas e
Rosicler Neves. Obrigada, Carla e Mari, por serem mentoras no meu caminho pela
divulgação científica. Obrigada, Rê, por dividir muitas reflexões e estar junto na
caminhada pelos estudos de gênero na divulgação científica. Obrigada, Cata, por me
ajudar a enxergar o desejo em trabalhar com mulheres e suas histórias, ao me convidar
para integrar sua equipe na produção de conteúdo para o Prêmio L´Oreal Para Mulheres
na Ciência. Agradeço ainda à Simone Evangelista, grande parceira neste trabalho.
Às amigas Camila Mudy, Mari, Alanna, Jade, Dani, e muitas outras que
compartilharam momentos e conversas ao longo desses anos, obrigada por se fazerem
presentes na vida e por reunirem mulheres incríveis ao seu redor.
À minha querida família, Lipe, Ju, Tom, mãe, Pedro, pai, Márcia e Carol, é um
privilégio ter vocês ao lado nessa caminhada e por serem essa amorosa rede de apoio
comigo e com nossas meninas. Obrigada, pai, por acolher minhas angústias acadêmicas.
Ao Henrique, meu maior companheiro.
Às minhas filhas Clarice e Bebel, por serem quem são e por eu ser quem sou por
ter vocês na vida.

8
Resumo
REZNIK, Gabriela. Pertencimento, inclusão e interseccionalidade: vivências de
jovens mulheres em projetos orientados por equidade de gênero na educação e
divulgação científica. Tese de Doutorado em Educação, Gestão e Difusão em
Biociências – Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2022.

Nesta pesquisa, buscamos compreender as percepções, motivações e vivências sobre a


construção de um senso de pertencimento e de identidade científica de jovens mulheres
em projetos orientados por equidade de gênero na educação em ciências, tecnologias,
engenharias e matemática (STEM), desenvolvidos em escolas públicas do estado do Rio
de Janeiro, a partir do aporte teórico dos estudos feministas da ciência e
interseccionalidade, da literatura sobre equidade e inclusão na divulgação científica, e
da educação em STEM. Para tal, mapeamos os projetos contemplados nas chamadas
públicas “MCTI/CNPq/SPM-PR/Petrobras nº 18/2013 Meninas e Jovens Fazendo
Ciências Exatas, Engenharias e Computação” e “CNPq/MCTIC nº 31/2018 Meninas nas
Ciências Exatas, Engenharias e Computação” e selecionamos quatro projetos no estado
do Rio de Janeiro: “Tem Menina no Circuito”, “Meninas Olímpicas do IMPA”, “Estudo
da composição mineral de cabelo relacionada com o uso de tratamentos químicos
estéticos” e “Meninas nas ciências exatas da Baixada Fluminense”. Por meio de
abordagem qualitativa e análise de conteúdo, realizamos entrevistas com cinco
coordenadoras, aplicamos 73 questionários, realizamos 20 entrevistas com as jovens e
quatro grupos focais com 25 jovens envolvidas. Categorizamos a vivência das jovens
em sua dimensão individual –no que se refere às motivações, aos interesses, à
identidade científica e à perspectiva de carreira futura; dimensão familiar – incentivo,
reconhecimento, crenças e expectativas de familiares; dimensão escolar –
reconhecimento da comunidade escolar, melhora no desempenho e intervenção nos
espaços escolares; dimensão do projeto – representatividade de gênero, raça, classe e
território, desenvolvimento de autoestima e autoconfiança, formação de senso de
pertencimento, e metodologias de ensino aprendizagem ativas; e dimensão social –
trabalho doméstico no cotidiano das jovens, e vivências de discriminação de gênero,
raça, classe e território. Identificamos a capilaridade dos projetos no país e o aumento da
liderança feminina a partir de 2018. Apontamos para a dimensão social, formativa e
pessoal na narrativa das coordenadoras sobre a importância dos projetos, na atuação em
áreas de vulnerabilidade social, na formação de futuras docentes, e na relação
universidade-escola, e para a incorporação de uma perspectiva feminista interseccional
nas políticas de equidade de gênero na educação e divulgação científica. Sobre o
estereótipo de cientistas, houve uma compreensão em parte estereotipada do/a cientista
– como inteligente, criativo/a e racional –, porém surgiram elementos pouco
mobilizados no imaginário social, como colaboração, sociabilidade e paixão.
Argumentamos que os projetos se tornam “contra-espaços” nos quais mulheres que
estão à margem encontram espaços de resistência e de possibilidades, a partir da posição
única que ocupam e, ao se sentirem incluídas e pertencentes, possam reivindicar sua
presença legítima a partir de uma posição interseccional.

Palavras-chave: Gênero; Equidade; Educação STEM; Divulgação científica;


Estereótipos de cientista; Identidade científica; Pertencimento; Jovens

9
Abstract
REZNIK, Gabriela. Belonging, inclusion and intersectionality: experiences of young
women in projects guided by gender equity in informal science education. Tese de
Doutorado em Educação, Gestão e Difusão em Biociências – Instituto de Bioquímica
Médica Leopoldo de Meis, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2022.

In this research, we seek to analyze the perceptions, motivations and experiences of


young women in science, technology, engineering and mathematics (STEM) education
projects developed in public schools in the state of Rio de Janeiro, based on the
theoretical framework of feminist studies on science and intersectionality, as well as
academic literature on equity and inclusion in science communication. We mapped the
projects included in the public calls “MCTI/CNPq/SPM-PR/Petrobras nº 18/2013
Meninas e Jovens Fazendo Ciências Exatas, Engenharias e Computação” and
“CNPq/MCTIC nº 31/2018 Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação”,
and we selected four projects in the State of Rio de Janeiro: “Tem Menina no Circuito”
(Girls on the Circuit), “Meninas Olímpicas do IMPA” (Olympic Girls from IMPA),
“Estudo da composição mineral de cabelo relacionada com o uso de tratamentos
químicos estéticos” (Study of the mineral composition of hair related to the use of
aesthetic chemical treatments) and “Meninas nas Ciências Exatas da Baixada
Fluminense” (Girls in Sciences of the Baixada Fluminense). Working from a
qualitative, content analysis approach, we conducted interviews with five project
coordinators, applied 73 questionnaires, conducted 20 interviews, and four focus groups
with 25 young women. We categorized the experience of these young women in their
individual dimension – regarding motivations, interests, science identity and future
career prospects; family dimension – encouragement and recognition from family
members and parents' beliefs and expectations; educational dimension – recognition by
the school community, improvement in school performance, and intervention in school
spaces; project dimension – representativeness of gender, race, class, and location,
development of self-esteem and self-confidence, building of a sense of belonging, and
active learning methodologies; and social dimension – domestic work in their daily
lives and experiences of discrimination based on gender, race, class and location. We
identified the capillarity of projects in Brazil and the increase in female leadership from
2018 onwards. We point to the social, educational and personal dimension in the
coordinators' narrative about the importance of projects, in acting in areas of social
vulnerability, in the training of future teachers, and in the university-school relationship,
and for the incorporation of an intersectional feminist perspective in gender equity
policies in science education. Regarding the stereotype of scientists, there is a partially
stereotyped understanding of the scientist – such as intelligent, creative, and rational –,
but other elements appeared, such as collaboration, sociability and passion. We argue
that such projects become “counter-spaces” in which marginalized young women find
spaces of resistance and possibility, based on the unique position they occupy and,
through feeling included and belonging, can claim their rightful presence from an
intersectional perspective.

Keywords: Gender; Equity; STEM education; Science communication; Scientist


stereotypes; Science identity; Belonging; Youth

10
Lista de Figuras
FIGURA 1: PROPORÇÃO DAS MULHERES PESQUISADORAS NA AMÉRICA LATINA (FONTE: UNESCO, 2019). ...........................86
FIGURA 2: PARCELA DE ESTUDANTES DE AMBOS OS SEXOS MATRICULADOS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR, POR CAMPO DE ESTUDO,
MÉDIA MUNDIAL (FONTE: DECIFRANDO O CÓDIGO, UNESCO, 2018B, UIS 2014-2016). .......................................87
FIGURA 3: DIVULGAÇÃO DA CHAMADA Nº 31/2018 (FONTE: TWITTER DO CNPQ) .........................................................94
FIGURA 4: MARCO CONTEXTUAL DOS FATORES QUE INFLUENCIAM A PARTICIPAÇÃO, O DESEMPENHO E O AVANÇO DE MENINAS E
MULHERES NOS ESTUDOS DE STEM (FONTE: UNESCO, 2018). ..........................................................................100
FIGURA 5: MODELO TEÓRICO DE CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE CIENTÍFICA (KANG ET AL., 2019) .....................................105
FIGURA 6: PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA [FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA]....................................................111
FIGURA 7: MAPA COM A DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DAS ESCOLAS ENVOLVIDAS NO ESTUDO (TMC EM ROXO; MCE EM
VERMELHO; QUI EM VERDE; E MOI EM AZUL) (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). ..................................................138
FIGURA 8: DIMENSÕES ANALÍTICAS E PRINCIPAIS RESULTADOS [FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA]. ......................................160

Lista de Gráficos
GRÁFICO 1: DISTRIBUIÇÃO DE PARTICIPANTES POR PROJETO E POR ANO/SEGMENTO ESCOLAR (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA).
.................................................................................................................................................................139
GRÁFICO 2: DISTRIBUIÇÃO DE PARTICIPANTES POR AUTODECLARAÇÃO DE COR/RAÇA (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). .......139
GRÁFICO 3: GRAU DE INSTRUÇÃO DOS PAIS DAS RESPONDENTES (N=71), DISCRIMINADOS PELO GRAU DE INSTRUÇÃO DA MÃE
(EM LARANJA) E DO PAI (EM AZUL) (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). ..................................................................140
GRÁFICO 4: DISTRIBUIÇÃO DAS PREFERÊNCIAS DAS JOVENS POR ESCOLHA DE CARREIRA FUTURA (FONTE: ELABORAÇÃO
PRÓPRIA). ...................................................................................................................................................141
GRÁFICO 5: DISTRIBUIÇÃO POR ESTADOS DOS PROJETOS CONTEMPLADOS NAS CHAMADAS DO CNPQ MENINAS NAS CIÊNCIAS
EXATAS, ENGENHARIAS E COMPUTAÇÃO DE 2013 E 2018 (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). .................................143
GRÁFICO 6:DISTRIBUIÇÃO POR REGIÕES DO PAÍS DOS PROJETOS CONTEMPLADOS NAS CHAMADAS DO CNPQ MENINAS NAS
CIÊNCIAS EXATAS, ENGENHARIAS E COMPUTAÇÃO DE 2013 E 2018 (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). ...................144
GRÁFICO 7: DISTRIBUIÇÃO POR GÊNERO DA/O PROPONENTE NAS CHAMADAS DO CNPQ MENINAS NAS CIÊNCIAS EXATAS,
ENGENHARIAS E COMPUTAÇÃO DE 2013 E 2018 (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). .............................................145
GRÁFICO 8: CARACTERÍSTICAS ASSOCIADAS À FIGURA DE CIENTISTA A PARTIR DAS RESPOSTAS “PROVÁVEL” E “MUITO PROVÁVEL”
ÀS AFIRMAÇÕES CONTIDAS NO QUESTIONÁRIO (N=73) (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). .......................................205
GRÁFICO 9: CARACTERÍSTICAS ASSOCIADAS PELAS PARTICIPANTES A CIENTISTAS DE DIFERENTES ÁREAS DE CONHECIMENTO A
PARTIR DAS AFIRMAÇÕES DO QUESTIONÁRIO (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). .....................................................215
GRÁFICO 10: EXPECTATIVAS DAS PARTICIPANTES SOBRE GRAU DE DIFICULDADE OU FACILIDADE EM SEGUIR A CARREIRA DE
CIENTISTA (N=73) (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA)..........................................................................................216
GRÁFICO 11: EXPECTATIVA DAS PARTICIPANTES SOBRE GRAU DE DESEJO EM TRABALHAR COMO CIENTISTA (N=73) (FONTE:
ELABORAÇÃO PRÓPRIA). ...............................................................................................................................216
GRÁFICO 12: VISITAÇÃO A ESPAÇOS CIENTÍFICO CULTURAIS NOS DOZE MESES ANTERIORES À PESQUISA COM A FAMÍLIA (FONTE:
ELABORAÇÃO PRÓPRIA). ...............................................................................................................................217
GRÁFICO 13: PRINCIPAL MOTIVO DE NÃO VISITAÇÃO A MUSEUS E CENTROS DE CIÊNCIA (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). ....218
GRÁFICO 14: HÁBITOS DE CONSUMO INFORMATIVO SOBRE CIÊNCIA E TECNOLOGIA (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). .........218
GRÁFICO 15: MEIOS USADOS PARA ACESSAR INFORMAÇÕES SOBRE C&T (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). .......................219

11
Lista de Tabelas
TABELA 1: DESCRIÇÃO DOS PROJETOS INCLUÍDOS NO CORPUS DA PESQUISA NO QUE DIZ RESPEITO AO NOME DO PROJETO,
INSTITUIÇÃO COORDENADORA, ÁREA DE ATUAÇÃO DAS COORDENADORAS, OBJETIVO GERAL DO PROJETO, CONTEÚDO
ABORDADO NAS ATIVIDADES ENVOLVIDAS, PRINCIPAIS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS, FINANCIAMENTO E ANO DE INÍCIO DO
PROJETO (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). ......................................................................................................114
TABELA 2: DESCRIÇÃO DAS ENTREVISTADAS, COM RELAÇÃO À IDADE, RAÇA/ETNIA, RELIGIÃO, ANO E SEGMENTO ESCOLAR,
PROJETO E LOCAL DE MORADIA (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA).........................................................................128
TABELA 3: DESCRIÇÃO DOS GRUPOS FOCAIS RELATIVA AO PERFIL DE PARTICIPANTES E DURAÇÃO (FONTE: ELABORAÇÃO
PRÓPRIA). ...................................................................................................................................................130
TABELA 4: DISTRIBUIÇÃO DAS PARTICIPANTES QUE RESPONDERAM AOS QUESTIONÁRIOS POR PROJETO E POR ESCOLAS
ENVOLVIDAS (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). .................................................................................................137
TABELA 5: DESCRIÇÃO DOS PROJETOS CONTEMPLADOS NAS CHAMADAS DO CNPQ MENINAS NAS CIÊNCIAS EXATAS,
ENGENHARIAS E COMPUTAÇÃO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). ..........................148

Lista de Quadros
QUADRO 1: ATIVIDADES RECOMENDADAS NO ITEM 1.5.4 NA CHAMADA 31/2018 (FONTE: CHAMADA 31/2018). ............94
QUADRO 2: LISTAGEM DOS CÓDIGOS USADOS PARA ANÁLISE DAS ENTREVISTAS DAS ESTUDANTES DAS ESCOLAS DE ENSINO
FUNDAMENTAL E MÉDIO (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). ...............................................................................133
QUADRO 3: LISTAGEM DOS CÓDIGOS USADOS PARA ANÁLISE DOS GRUPOS FOCAIS COM AS ESTUDANTES DAS ESCOLAS DE
ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA).....................................................................135
QUADRO 4: PRINCIPAIS ESTRATÉGIAS ELABORADAS PELOS PROJETOS NA CONSTRUÇÃO DE PERTENCIMENTO E IDENTIDADE
CIENTÍFICA DAS JOVENS E ESTRATÉGIAS QUE PODEM SER INCORPORADAS (FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA). ...............180

Lista de Siglas
ACCHOs - Organizações de Saúde Controladas pela Comunidade Aborígene
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
EF - Ensino Fundamental
EM - Ensino Médio
IMPA - Instituto de Matemática Pura e Aplicada
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IFRJ - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro
MCTI - Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações
MCTIC - Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações
MCE - Meninas nas ciências exatas da Baixada Fluminense
MOI - Meninas Olímpicas do IMPA
NSF - National Science Foundation
OBMEP - Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas
II PNPM - II Plano de Políticas para as Mulheres
PMC - Programa Mulher e Ciência
PUC-Rio - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
QUI - Estudo estatístico da composição química do cabelo
SPM - Secretaria de Políticas para as Mulheres
STEM - Science, Technology, Engineering and Mathematics
TMC - Tem Menina no Circuito
UE - União Europeia
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Unirio - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
YESTEM - Youth Equity + STEM

12
Sumário
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................................... 16
DOS MEUS CAMINHOS ......................................................................................................................... 20
APRESENTAÇÃO DOS CAPÍTULOS ......................................................................................................... 24

1. GÊNERO, FEMINISMOS E CIÊNCIA ................................................................................................... 28


1.1. CRÍTICA FEMINISTA À CIÊNCIA ................................................................................................ 33
1.2. O CONCEITO DE GÊNERO: BREVE HISTÓRICO E CONSIDERAÇÕES ............................................... 38
1.3. DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO ............................................................................................. 42
1.4. FEMINISMOS E A ARTICULAÇÃO DA DIFERENÇA ....................................................................... 46
1.4.1. Interseccionalidade ....................................................................................................... 47
1.4.2. Feminismo decolonial ................................................................................................... 51

2. EQUIDADE E INCLUSÃO NA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA ..................................................................... 54


2.1. EQUIDADE E INCLUSÃO: DESAFIOS E PERSPECTIVAS................................................................. 57
2.2. GÊNERO E DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA: REPRESENTAÇÕES E PERCEPÇÕES NA ESFERA PÚBLICA .... 66
2.2.1. Surveys de percepção pública da ciência....................................................................... 68
2.2.2. Quem é visto e quem é autorizado a falar sobre ciência? .............................................. 72

3. MENINAS NAS STEM: POLÍTICAS NACIONAIS, REPRESENTATIVIDADE, PERTENCIMENTO E


IDENTIDADE ............................................................................................................................................ 79
3.1. O TERMO STEM NA EDUCAÇÃO.............................................................................................. 80
3.2. PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NAS CIÊNCIAS ......................................................................... 84
3.3. INSERÇÃO DO INDICADOR DE GÊNERO NAS POLÍTICAS NACIONAIS ............................................ 89
3.4. POLÍTICAS ORIENTADAS POR EQUIDADE DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS .................... 92
3.5. FATORES QUE AFETAM O INGRESSO NAS CARREIRAS CIENTÍFICAS ............................................ 99
3.5.1. Motivação e interesse .................................................................................................. 101
3.5.1. Identidade científica, representatividade, pertencimento e “contra-espaços” .............. 102

4. ABORDAGEM METODOLÓGICA ..................................................................................................... 110


4.1. OBJETIVOS ........................................................................................................................... 110
4.2. MAPEAMENTO DOS PROJETOS ............................................................................................... 111
4.3. PROJETOS ANALISADOS ........................................................................................................ 112
4.3.1. Tem Menina no Circuito (TMC) .................................................................................. 113
4.3.2. Meninas Olímpicas do IMPA (MOI) ............................................................................ 117
4.3.3. Estudo da composição mineral de cabelo relacionada com o uso de tratamentos
químicos estéticos (QUI) .............................................................................................................. 118
4.3.4. Meninas nas Ciências Exatas da Baixada Fluminense: dos laboratórios da UFRJ ao
Museu Ciência e Vida (MCE) ....................................................................................................... 119
4.4. SUJEITAS DA PESQUISA ......................................................................................................... 121
4.5. PERCEPÇÕES DAS PARTICIPANTES ......................................................................................... 121
4.5.1. Questionários .............................................................................................................. 121

13
4.5.2. Entrevistas .................................................................................................................. 124
Entrevistas com as coordenadoras ................................................................................................................... 125
Entrevistas com as jovens participantes ........................................................................................................... 126
4.5.3. Grupos focais .............................................................................................................. 129
4.5.4. Análise dos dados ....................................................................................................... 132
4.6. CARACTERIZAÇÃO DAS JOVENS PARTICIPANTES .................................................................... 136
4.6.1. Idade, raça/etnia e segmento escolar........................................................................... 137
4.6.2. Interessadas nas exatas ............................................................................................... 139
4.6.3. Profissão e grau de instrução dos pais ........................................................................ 140
4.6.4. Universidade como desejo ........................................................................................... 140

5. MAPEAMENTO E IMPORTÂNCIA DAS POLÍTICAS ORIENTADAS POR EQUIDADE DE GÊNERO NA


EDUCAÇÃO EM STEM............................................................................................................................ 142
5.1. CAPILARIDADE DOS PROJETOS NO TERRITÓRIO NACIONAL ..................................................... 143
5.2. LIDERANÇA FEMININA .......................................................................................................... 145
5.3. PROJETOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ............................................................................ 146
5.4. A IMPORTÂNCIA DOS PROJETOS NA PERCEPÇÃO DAS COORDENADORAS ................................. 151
5.4.1. Dimensão social .......................................................................................................... 152
5.4.2. Dimensão formativa para graduandas ........................................................................ 154
5.4.3. Dimensão formativa para coordenadoras ................................................................... 155
5.4.4. Dimensão pessoal ....................................................................................................... 156

6. MOTIVAÇÃO, INTERESSES E VIVÊNCIAS NOS PROJETOS: PERTENCIMENTO E INTERSECCIONALIDADE


159
6.1. MOTIVAÇÕES E INTERESSES .................................................................................................. 159
6.1.1. Dimensão individual ................................................................................................... 159
6.1.1.1. Identidade em STEM.................................................................................................................... 161
6.1.1.2. Dificuldade e superação ............................................................................................................... 163
6.1.1.3. Pessoas motivadoras ..................................................................................................................... 164
6.1.1.4. Ambientes inclusivos para mulheres ........................................................................................... 167
6.1.1.5. Expectativas sobre o projeto ........................................................................................................ 168
6.2. VIVÊNCIAS NOS PROJETOS .................................................................................................... 169
6.2.1. Dimensão familiar....................................................................................................... 171
6.2.1.1. Reconhecimento dos familiares ................................................................................................... 171
6.2.1.2. Crenças e expectativas dos pais ................................................................................................... 173
6.2.2. Dimensão escolar ........................................................................................................ 176
6.2.2.1. Melhora no desempenho escolar .................................................................................................. 176
6.2.2.2. Reconhecimento pela comunidade escolar .................................................................................. 177
6.2.2.3. Intervenção nos espaços escolares ............................................................................................... 179
6.2.3. Dimensão do projeto ................................................................................................... 180
6.2.3.1. Representatividade de gênero, raça, classe e território ............................................................... 181
6.2.3.2. Senso de pertencimento e desenvolvimento de autoestima e autoconfiança.............................. 187
6.2.3.3. Ambiente de aprendizagem seguro e inclusivo para mulheres ................................................... 190
6.2.3.4. Auxílio na escolha e na afirmação da profissão futura ............................................................... 191

14
6.2.3.5. Metodologias de ensino aprendizagem ativas e de experimentação ........................................... 192
6.2.4. Dimensão social .......................................................................................................... 196
6.2.4.1. Tempo, rotina e trabalho doméstico no cotidiano das jovens ..................................................... 196
6.2.4.2. Vivências cotidianas de discriminação de gênero, raça, classe e território ................................ 198

7. ESTEREÓTIPOS DE CIENTISTAS E HÁBITOS DE CONSUMO DE INFORMAÇÃO SOBRE CIÊNCIA E


TECNOLOGIA ........................................................................................................................................ 204
7.1. ESTEREÓTIPO DE CIENTISTAS: QUESTIONÁRIOS E ENTREVISTAS ............................................. 205
7.1.1. Altruístas..................................................................................................................... 206
7.1.2. Inteligente, isolado socialmente, criativo e masculino ................................................. 206
7.1.3. Sociabilidade e colaboração ....................................................................................... 207
7.1.4. Invisibilidade de pessoas negras ................................................................................. 208
7.2. PERCEPÇÕES SOBRE A PRÁTICA CIENTÍFICA ........................................................................... 209
7.3. PAIXÃO, INTERESSE, CURIOSIDADE E PERSISTÊNCIA: ANÁLISE DOS GRUPOS FOCAIS ................ 212
7.4. DIFERENTES ÁREAS, DISTINTAS VISÕES ................................................................................. 214
7.5. ENTRE SE TORNAR E QUERER SER .......................................................................................... 215
7.6. PARTICIPAÇÃO E ACESSO ...................................................................................................... 216
7.7. HÁBITOS DE CONSUMO INFORMATIVO SOBRE CIÊNCIA E TECNOLOGIA .................................... 218
7.8. PERCEPÇÕES SOBRE MULHERES NAS CIÊNCIAS E SOBRE FEMINISMOS ..................................... 220

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................................ 226


COMO OS PROJETOS SE TRANSFORMAM EM “CONTRA-ESPAÇOS”? ....................................................... 228
MAPEAMENTO E IMPORTÂNCIA DOS PROJETOS ................................................................................... 229
DIVERSIDADE E REPRESENTATIVIDADE .............................................................................................. 230
PERTENCIMENTO E IDENTIDADE ........................................................................................................ 232
CENTRAR NA JUVENTUDE, RECONHECER SABERES, REFLETIR SOBRE PRIVILÉGIOS ............................... 234
RECONFIGURANDO O ESTEREÓTIPO DE CIENTISTA .............................................................................. 235
AMPLIAÇÃO DO DIÁLOGO COM FAMÍLIAS E COMUNIDADE ESCOLAR ................................................... 236
LIMITAÇÕES E DESDOBRAMENTOS DA PESQUISA ................................................................................ 237

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................................. 242


ANEXO I – ROTEIROS DE ENTREVISTA E GRUPO FOCAL .......................................................................... 264
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM AS PARTICIPANTES DOS PROJETOS ....................................................... 264
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM AS COORDENADORAS ......................................................................... 265
ROTEIRO DO GRUPO FOCAL................................................................................................................ 266

ANEXO II – QUESTIONÁRIO ................................................................................................................... 268


ANEXO III – TERMOS DE ASSENTIMENTO E DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TALE E TCLE) .. 275

15
Introdução

todas nós seguimos em frente


quando percebemos como são fortes
e admiráveis as mulheres
à nossa volta
rupi kaur

Nascida na baixada fluminense, no estado do Rio de Janeiro, B. é negra, tem 17


anos e gosta das aulas de química no colégio. Sonha em se tornar engenheira química e
em estudar em uma universidade pública. A escola em que estuda é uma das
participantes do projeto que incentiva meninas na área de química analítica e, por ter
sido selecionada entre tantas, sente orgulho por vivenciar o que chama de “oportunidade
única”. Para participar do projeto, B. precisou reorganizar sua rotina diária de cuidados
com a casa e com os três irmãos pequenos, pelos quais é responsável durante as noites,
enquanto sua mãe frequenta o curso normal de nível médio. Ela acredita que, para ser
cientista, não há um padrão: pode ter cabelo colorido, ser nerd ou qualquer outra
característica. Percebe que as mulheres – particularmente do “lugar de onde vem” – têm
menos oportunidades que os homens. Já ouviu muitas vezes frases do tipo “não faz isso
porque é menina” e, para ela, estar num projeto apenas para mulheres faz diferença.
D. narra, com entusiasmo, seu desejo em se tornar professora de História: “eu
quero ser a pessoa que vai formar todas as outras, a professora”, declara. A dinâmica
ativa e de experimentação proporcionada pelo projeto de física que frequenta é o que
deseja levar como aprendizado para sua futura profissão: “Eu olho para a profissão que
eu quero e eu penso: se eu vier toda vez com aquela mesma coisa, aquela mesma rotina
de só falar, escrever no quadro e olhar para a cara dos outros, eu não vou mudar
ninguém. Eu penso em cada aula trazer uma dinâmica, como aqui. A gente faz os nossos
projetos aqui e isso muda totalmente a física”, relata.
Em um dia de atividades regulares do projeto, S. está ajudando um menino com
pouco menos de sua idade a resolver um problema de probabilidade matemática. S. é
alta, branca, moradora da zona norte do Rio de Janeiro e já recebeu as medalhas de prata
e ouro na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP). No
entanto, esse reconhecimento não a impede de vivenciar situações de discriminação pelo
fato de ser mulher. Ela narra uma ocasião em que tentou tirar dúvidas em um curso

16
preparatório e não foi ouvida. Em seu lugar, o professor privilegiava a fala dos meninos.
A jovem descreve a situação das mulheres na ciência não como uma questão de falta de
interesse, mas de falta de incentivo: “não é uma questão de interesse pelas áreas de
exatas, é uma questão de não serem incentivadas. Com esse projeto, a gente está sendo
incentivada sim”, afirma.
As três histórias não são casos isolados: é notável a forma como jovens
mulheres, maioria negra, estudantes de escola pública e moradoras de regiões de
vulnerabilidade social, descreveram a construção de um senso de pertencimento aos
espaços acadêmicos, ao vivenciarem projetos centrados em equidade de gênero na
educação em ciências exatas. As jovens integram o corpus de análise desta pesquisa por
participarem, cada qual, de um dos quatro projetos analisados e localizados no estado do
Rio de Janeiro, contemplados nas chamadas pública do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) “Meninas nas Ciências Exatas,
Engenharias e Computação”, lançadas em 2013 e em 2018.
Ainda que, nas últimas décadas, haja um cenário de maior participação feminina
nas carreiras científicas, as mulheres continuam sub-representadas nas áreas de ciências
exatas, tecnologias e engenharias. São muitos fatores que afetam a participação das
mulheres nas ciências – desde a construção de estereótipos de gênero na infância (Bian
et al., 2017) até o impacto da maternidade (Machado et al., 2019), práticas
discriminatórias (Mitchell & Martin, 2018) e de viés implícito (Moss-Racusin et al.,
2012; Calaza et al., 2021) que dificultam a entrada, permanência e ascensão das
mulheres na carreira científica. Os fatores que influenciam a construção de identidades
nas ciências, tecnologias, engenharias e matemáticas3 perpassam o âmbito individual,
como interesse, motivação, autopercepção e autoeficácia; os âmbitos familiar e de
pares, como a influência das crenças e expectativas dos pais, o grau de instrução dos
pais, e a motivação das pares; âmbito escolar, como a relação com docentes, a
diversidade e representatividade de gênero e raça, o ambiente e as metodologias de
ensino aprendizagem, os recursos para experimentação, contato com espaços científico
culturais, e o âmbito social, que diz respeito às normas culturais e sociais de gênero e as
representações de ciência e da figura de cientista nas mídias e nas artes (ver Unesco,
2018).

3 Usualmente juntas no termo em inglês STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics).

17
A inclusão e a diversidade são importantes por permitir que diversos grupos
sejam representados, assim como a variedade de pontos de vista e de repertórios
permitem alcançar resoluções e inovações que beneficiem um número maior e mais
diverso de pessoas. Engajar-se neste tema de pesquisa diz respeito tanto a uma questão
de justiça social quanto de visibilizar a importância da diversidade nos espaços
acadêmicos.
Na última década, no Brasil, cresceu o número de iniciativas e políticas
orientadas por equidade de gênero na educação em ciências, tecnologias, engenharias e
matemática (STEM, na sigla em inglês) (Lima, 2017; Oliveira; Unbehaum; Gava,
2019), apesar de que, desde 2016, estejamos enfrentando um cenário político
conservador de descontinuidade de políticas de gênero (Sígolo; Gava; Unbehaum, 2021)
e de políticas na área de divulgação científica. Com maior enfoque no Ensino
Fundamental e Médio, uma iniciativa importante foi a chamada pública do CNPq que
busca incentivar jovens a se interessarem e ingressarem nas áreas de exatas, engenharias
e computação, lançada em 2013, contemplando 325 projetos a nível nacional, e
reeditada em 2018, com 78 projetos aprovados. Em 2018, o estado do Rio de Janeiro foi
o segundo maior estado contemplado, com dez projetos em curso ao longo de 2019 e
2020.
Esta tese se insere no campo dos Estudos de Gênero, Ciências e Tecnologias,
também designado como Estudos Feministas da Ciência ou Estudos de Gênero e
Ciência. Iremos dialogar com três vertentes do campo, descritas por Lopes e
colaboradores (2014), que discutem carreiras e políticas científicas, educação em
ciências e divulgação científica e mídia (no que tange as percepções sobre ciência e
cientistas). Entendemos, nesta pesquisa, que gênero e sexo são categorias socialmente
construídas, e que não é possível se referir à mulher como uma categoria única, mas sim
às mulheres e aos feminismos, em suas mais diversas vertentes, localizadas em
contextos e espaços particulares. Irei, portanto, me referir aos feminismos, em sua
pluralidade e diversidade, como movimentos relativos às reflexões e ações orientadas a
acabar com a subordinação, desigualdade e opressão sexista. A produção teórica que se
desenvolve dentro de um contexto feminista tem como característica ser comprometida
com uma ação política, não apenas como um conhecimento abstrato, mas que tem como
norte a prática política feminista (Facio & Fries, 1999). Iremos discutir as vivências das
jovens a partir de marcadores interseccionais, compreendendo gênero não como uma

18
categoria isolada, mas inserida em condições estruturantes da sociedade, que envolvem
hierarquias de poder, de raça, classe, território, sexualidade e demais interseções.
A necessidade de uma abordagem feminista na divulgação científica surge à
medida que a área se desenvolve enquanto campo de prática e de pesquisa a fim de
visibilizar as questões de equidade, diversidade e inclusão, incluindo os marcadores de
raça, poder, classe e gênero (Lewenstein, 2019). A contribuição de uma perspectiva
feminista interseccional estimula a importância da posicionalidade enquanto
pesquisadoras/es, comunicadoras/es e educadoras/es. Quando explicitamos nossas
perspectivas, demarcando o lugar pelo qual falamos, permitimos que se visibilize as
perspectivas dominantes (e não dominantes) que moldam os discursos em torno da
ciência (Haraway, 1995; Halpern, 2019). Ao pensar no papel da divulgação científica,
seja no âmbito da prática ou da pesquisa, a reflexão sobre inclusão e equidade de gênero
se coloca desde a formação de uma equipe mais diversa até ter como norte a
importância de espaços que levem em conta as diferenças. Assim, além da importância
de criação de espaços seguros e acolhedores, as experiências, vivências e
conhecimentos de diferentes públicos devem ser validados e reconhecidos. Como as
práticas de educação e divulgação científica podem influenciar no senso de
pertencimento de meninas e demais grupos minoritários ao espaço científico, de forma a
não reproduzir normas sociais e culturais de gênero, raça, sexualidade e assimetrias de
poder que constringem suas possibilidades de futuro? Compreender os múltiplos fatores
que afetam a participação das mulheres nas ciências pode ajudar a construir caminhos
para uma educação e divulgação científica que busque levar em conta essas inequidades
históricas.
Neste âmbito, esta pesquisa busca compreender as percepções, motivações e
vivências de jovens mulheres em projetos orientados por equidade de gênero na
educação em STEM, desenvolvidos em escolas públicas do estado do Rio de Janeiro.
As perguntas que nortearam este trabalho foram: (i) Quais as motivações e interesses de
jovens para participarem de projetos nas áreas de ciências exatas?; (ii) Quais as
percepções das jovens sobre a figura de cientista e da prática científica?; (iii) Quais as
motivações e percepções das coordenadoras sobre a importância dos projetos?; (iv)
Qual a rotina dessas jovens e sua vivência cotidiana na discussão sobre feminismos e
em episódios de discriminação de gênero e raça?; e (v) De que forma a vivência nos
projetos influenciou na autopercepção das jovens sobre pertencimento nas áreas
científicas?.

19
Como percurso metodológico, sumariamente: (i) mapeamos os projetos
contemplados nas chamadas públicas “MCTI/CNPq/SPM-PR/Petrobras nº 18/2013
Meninas e Jovens Fazendo Ciências Exatas, Engenharias e Computação” e
“CNPq/MCTIC nº 31/2018 Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação”,
no contexto do estado do Rio de Janeiro; (ii) selecionamos quatro projetos para análise;
(iii) realizamos entrevistas com coordenadoras dos projetos; (iv) aplicamos
questionários e realizamos entrevistas com as participantes em momentos iniciais dos
projetos; e (v) realizamos grupos focais em momento final dos projetos.

Dos meus caminhos

A partir do referencial de Donna Haraway (1995), que explicita a necessidade de


responsabilização pelo conhecimento produzido enquanto local e situado, situo minha
posição neste trabalho como mulher, branca, de classe média, mãe, feminista e
pesquisadora em divulgação científica. Este tema de tese me atravessa de muitas formas
e é desafiadora a tarefa de puxar apenas um fio para descrever a trajetória que me coloca
neste lugar de análise. Vejo, nesta escolha de tema, duas buscas pessoais e de pesquisa:
uma que se encontra no olhar crítico sobre a pretensa objetividade e universalidade do
fazer científico e dos estereótipos acerca de quem produz ciência, e a segunda, na
reflexão sobre ser mulher numa sociedade patriarcal e sexista.
Ao começar a atuar profissionalmente na área de divulgação científica, em 2012,
um dos primeiros projetos de pesquisa do qual participei, no Núcleo de Estudos da
Divulgação Científica, no Museu da Vida/Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, era intitulado
“Representações da mulher cientista na TV brasileira e no imaginário de adolescentes”,
coordenado pela Luisa Massarani, contemplado em uma das chamadas bienais de apoio
a projetos de pesquisa na área de mulheres, relações de gênero e feminismos pelo
CNPq. Nesta pesquisa, junto com Marina Ramalho e Luis Amorim, realizamos grupos
focais com estudantes do 2º ano do Ensino Médio de escolas públicas e privadas no Rio
de Janeiro, em busca de compreender as percepções de meninas sobre ciência e sobre a
presença de modelos de mulheres cientistas na mídia, usando, como estímulo da
discussão, matérias dos programas Jornal Nacional e Fantástico, da Rede Globo.
A pesquisa rendeu como fruto meu Trabalho de Conclusão de Curso da
Especialização em Divulgação da Ciência, da Tecnologia e da Saúde do Museu da

20
Vida/Fiocruz (atualmente intitulado Divulgação e Popularização da Ciência), sob a
orientação de Luisa Massarani e coorientação de Marina Ramalho, realizado no ano
seguinte. Este estudo mostrou uma expectativa positiva das participantes sobre o
ingresso na carreira científica, ainda que as motivações das participantes na ciência
estivessem, principalmente, nas ciências da saúde e ciências biológicas – áreas em que
já há predominância de cientistas mulheres (Reznik et al., 2017). Coincidentemente,
para esta tese, ao estudar os objetivos do Programa Mulher e Ciência (PMC) do CNPq,
um deles versa sobre a importância de promover a transversalização de gênero para
áreas onde não havia acúmulo dessa discussão, de forma a promover uma ampliação da
discussão feminista e das relações de gênero, bem como a incorporação de mais
pesquisadoras/es à temática (Lima, 2017). Esta pesquisa de doutorado é, de certa forma,
fruto do trabalho de transversalização da temática promovido pelo PMC.
Minha identificação com o feminismo surgiu a partir da maternidade, em 2014.
Atribuo isso ao encontro com outras mulheres em um processo de se rever, de se apoiar
e de me envolver em movimentos feministas. Reconhecendo meu privilégio como
mulher branca e de classe média, foi apenas ao me tornar mãe, que comecei a olhar de
outra forma para as relações de gênero e para suas desigualdades e assimetrias de poder.
É a partir deste primeiro contato com as reflexões sobre gênero e ciência – e das
novas relações que emergiram com a maternidade – que mantive um olhar sensível para
as questões de gênero durante a pesquisa de mestrado no programa de pós-graduação
em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia (HCTE) da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, orientada por Ildeu de Castro Moreira e co-orientada por
Massarani. Ao analisar a imagem da ciência e de cientistas em filmes de animação no
acervo do Festival Anima Mundi, me detive também sobre as imagens das mulheres
cientistas nos filmes de animação. Observamos que havia uma invisibilidade da mulher
cientista, presente em apenas 10% dos filmes analisados, porém identificamos uma
reconfiguração do estereótipo em filmes nos quais a mulher se posicionava em lugar de
conquista de espaço e visibilidade (Reznik et al., 2019; Reznik & Massarani, 2019).
A partir de 2017, atuei, de forma pontual, na equipe coordenada por Catarina
Chagas de produção do material de comunicação e de divulgação do Prêmio L´Óreal
Para Mulheres na Ciência, promovido pela L´Óreal Brasil, em parceria com a Unesco e
a Academia Brasileira de Ciências. O contato com as ganhadoras do prêmio e suas
trajetórias, assim como observar a forma como muitas passaram a se envolver nas

21
discussões sobre mulheres nas ciências após receberem o prêmio foram importantes
para amadurecer o interesse nesta temática.
Passei ainda a integrar o movimento “Parent in Science”, o “Grupo de Trabalho
de Parentalidade e Equidade de Gênero da UFRJ” e o projeto de extensão “Mães na
Universidade: acesso, permanência e progressão”. Foram encontros potentes, em que
me vi não apenas inserida em uma rede de troca e de apoio entre mulheres mães no
espaço acadêmico, mas de construção de políticas públicas e ações que ressoam na vida
de dezenas de mulheres no âmbito acadêmico, apontando para uma universidade mais
inclusiva, equânime e diversa.
No doutorado, comecei a minha investigação partindo da perspectiva das
epistemologias feministas norte-americanas – a partir de autoras como Evelyn Fox
Keller (1978), Londa Schiebinger (2001) e Donna Haraway (1995) –, críticas à noção
de ciência neutra, universal, objetiva e masculina, que ganharam força e densidade
teórica a partir da década de 1970, em consonância com a segunda onda do movimento
feminista e dos estudos sociais da ciência.
Em paralelo, me interessava entender a construção do imaginário científico e os
estereótipos que cercam a figura da/o cientista. A imagem do cientista como homem,
branco, de meia idade, com inteligência acima da média e isolado socialmente está
fortemente presente na percepção pública e é um dos múltiplos fatores que afasta as
mulheres de desejarem se tornar pesquisadoras e ingressarem nas carreiras científicas.
Com a emergência de projetos que visam estimular meninas a ingressarem nas carreiras
científicas, particularmente nos campos de ciências exatas, historicamente masculinos e
excludentes, me questionei se estes projetos olhavam para as questões da produção de
conhecimento na perspectiva dos estudos feministas.
Seria possível se engajar em prol de uma maior inserção das mulheres na ciência
a partir de uma perspectiva de romper com estruturas dominantes e de poder dentro da
cultura científica? Como essa inserção se constrói a partir de “lugares de resistência e
possibilidade” (Kilomba, 2020, p.68)? Será que as/os coordenadoras/es dos projetos
estariam munidas/os destas discussões quando aplicaram para os editais? Que
percepções de ciência e de cientista tem as jovens que se interessaram a participar dos
projetos? Elas se sentem pertencentes a este espaço? Participar dos projetos
influenciaria estas jovens a se sentirem pertencentes a este espaço?
No processo de aprofundamento do tema, conversei com coordenadoras de
projetos sobre meninas nas ciências que estavam em curso – como, por exemplo,

22
“Meninas no Mast”, do Museu de Astronomia e Ciências Afins; “Meninas com
Ciência”, do Museu Nacional/UFRJ; “Mergulho na ciência”, da Universidade de São
Paulo; “Ciclo Meninas na Ciência”, da Casa da Descoberta/UFF; “Include Meninas”, do
Departamento de Computação/UFF; “Tem Menina no Circuito”, do Departamento de
Física da UFRJ e “Meninas nas Exatas”, do Museu Ciência e Vida em parceria com
UFRJ campus Xerém – e estabeleci a colaboração de pesquisa com quatro projetos.
Após desenvolver o desenho da pesquisa e as metodologias de análise, passei a
frequentar pontualmente os encontros dos grupos, entrevistar as participantes e
coordenadoras. Meu percurso de pesquisa me levou a pensar os fatores que
influenciavam aquelas jovens a construírem identidades positivas com as áreas de
ciências exatas, levando em conta as especificidades das atividades de cada um dos
projetos. Foi notável que, ao longo do ano, as jovens vindas de diferentes escolas e
segmentos escolares, formaram grupos coesos dentro dos projetos. Além disso, me
chamou a atenção as normas sociais de gênero que emergiam das histórias de vida das
jovens, quando entrevistadas individualmente e relatos de discriminação a partir de
marcadores interseccionais de gênero, raça, classe e território.
Ao longo das entrevistas com as coordenadoras e ao ver a potência das falas das
jovens envolvidas sobre a importância destas iniciativas em construir um senso de
pertencimento ao espaço acadêmico, fomos construindo – eu e as coordenadoras dos
projetos – um espaço de troca e de diálogo. Quando, em março de 2020, algumas de nós
nos reunimos no I Simpósio Mulheres em STEM, realizado no Instituto Tecnológico da
Aeronáutica, em São José dos Campos, começamos a desenvolver o embrião de uma
rede de projetos para meninas em STEM no Rio de Janeiro. Realizamos encontros
semanais/quinzenais de apresentação de projetos e discussão de desafios, de forma
remota, por meio da plataforma do Skype, de março a julho de 2020.
Apontamos para a importância de criação de redes a fim de realizar encontros a
nível estadual que reúnam pesquisadoras e demais pessoas envolvidas em projetos para
meninas em STEM para troca de experiências a partir de um contexto de diversidade de
abordagens, consolidação de repositório de materiais produzidos que possam ser
compartilhados e replicados, mapeamento dos principais desafios encontrados,
fortalecimento de iniciativas na temática e possibilidades de ampliação das políticas de
financiamento e continuidade de projetos.
A importância da formação de redes e parcerias vem sendo apontadas na
avaliação de políticas de gênero, fortalecendo a necessidade de um fluxo contínuo de

23
editais para financiamento dos projetos (Unbehaum & Gava; 2017; Queiroz, 2018). Esta
troca resultou no livro Exatas é com elas: tecendo redes no estado do Rio de Janeiro,
organizado por Dahmouche (2022), em elaboração, no qual assino um dos capítulos, e
que é formado pela experiência e reflexões das coordenadoras dos projetos do Rio de
Janeiro.
De agosto de 2021 a fevereiro de 2022, em momento de finalização da tese, tive
a oportunidade de realizar um doutorado sanduiche na Universidade de Michigan, em
Ann Arbor, nos Estados Unidos, por meio de bolsa concedida pela Fulbright Brasil, no
grupo da pesquisadora Angela Calabrese Barton. Nesta experiência, integrei a equipe do
projeto Youth Equity+STEM (YESTEM), uma parceria entre pesquisadoras dos
Estados Unidos e da Inglaterra, coliderada por Calabrese Barton e por Louise Archer.
A imersão em comunidades de pesquisa e prática orientadas por conceitos de
equidade, inclusão e justiça social foram importantes para discutir as percepções das
jovens e das coordenadoras dos projetos, entendendo que estas iniciativas estão
formando o que chamamos de “contra-espaços” (Solorzano; Ceja; Yosso, 2000; Ong;
Smith; Ko, 2018), e que dialogam com o campo emergente da comunicação da ciência
inclusiva (Canfield et al., 2020). Alinhavando a noção de “contra-espaço” com
conceitos da teoria do ponto de vista, da teoria feminista interseccional e decolonial,
nesses contra-espaços, as mulheres que estão à margem encontram espaços de
resistência e de possibilidades, a partir da posição única que ocupam (Lugones, 2019;
Kilomba, 2020). É na criação de contra-espaços em que jovens mulheres de grupos não-
dominantes, ao se sentirem pertencentes e incluídas, podem reivindicar sua presença
legítima a partir de uma posição interseccional (Avraamidou, 2000; Calabrese Barton et
al., 2020).

Apresentação dos capítulos

Esta tese está organizada em sete capítulos, além desta Introdução e das
Considerações finais. A seguir, descreveremos brevemente a organização dos capítulos.
No capítulo “Gênero, feminismos e ciência”, partimos dos conceitos de gênero,
divisão sexual do trabalho, feminismos e a articulação da diferença, discutindo a
importância de um olhar interseccional como ferramenta analítica para aprofundar a
interpretação das percepções articuladas nas entrevistas e grupos focais que compõem o

24
corpus desta pesquisa. Após as conceituações iniciais, contextualizamos a formação do
campo de Estudos de Gênero e Ciência – também chamado de Estudos de Gênero,
Ciências e Tecnologias ou de Estudos Feministas da Ciência – e a crítica feminista à
ciência.
No capítulo “Equidade e inclusão na divulgação científica”, discutiremos
sobre as contribuições do campo de pesquisas em divulgação científica em prol da
construção de sentido em torno de uma ciência mais inclusiva, diversa e equitativa.
Dialogaremos sobre equidade no contexto da educação não formal, sobre divulgação
científica inclusiva e as produções que versam sobre gênero e divulgação científica, as
quais discutem aspectos sobre representações estereotipadas da figura de cientista nas
mídias e nas artes, os surveys de percepção pública da ciência, as percepções de gênero
e ciência na esfera pública e aspectos sobre quem está (ou não está) autorizado a falar
sobre ciência.
No capítulo “Meninas nas STEM: políticas nacionais, representatividade,
pertencimento e identidade”, discutiremos o panorama brasileiro e mundial da
inserção das mulheres nas ciências, particularmente nas áreas de ciências exatas, e as
políticas e iniciativas brasileiras nas últimas duas décadas que buscaram incentivar
jovens a se interessarem por essas áreas. Na segunda parte do capítulo, discutiremos
sobre fatores que afetam a participação de meninas e mulheres nas ciências, a partir do
referencial teórico da educação em STEM, destacando as pesquisas que tangem sobre
representatividade, pertencimento e identidade científica.
No capítulo “Abordagem metodológica”, apresentaremos o percurso
metodológico usado para mapear os projetos, para compor o corpus de análise da
pesquisa, para compreender as motivações e percepções das jovens participantes e das
coordenadoras. Para tal, descreveremos os objetivos centrais da tese, a metodologia de
mapeamento dos projetos, os critérios de seleção dos projetos, a metodologia de
aplicação dos questionários, de realização das entrevistas e dos grupos focais.
Descreveremos os objetivos relativos à escolha deste percurso metodológico e as
metodologias de análise dos dados coletados. Iremos ainda introduzir brevemente os
projetos, seus objetivos e as atividades realizadas, e apresentar o perfil das jovens
entrevistadas.
No capítulo “Mapeamento e importância das políticas orientadas por
equidade de gênero na educação em STEM”, analisaremos a capilaridade dos
projetos contemplados no território nacional, por meio da distribuição dos projetos por

25
região e por estados brasileiros; a proporção de homens e mulheres na liderança dos
projetos em nível nacional, por meio da análise comparativa de gênero das/os
proponentes nas chamadas de 2013 e de 2018. Em seguida, focaremos nos dados do
estado do Rio de Janeiro, em que identificaremos os projetos contemplados, no que diz
respeito ao nome do projeto, instituição coordenadora e financiamento; analisaremos a
abrangência temática dos projetos contemplados, por meio da análise das principais
áreas de conhecimento abordadas; identificaremos o período de criação e duração dos
projetos e identificaremos os artigos científicos publicados em periódicos revisados por
pares resultantes dos projetos. Na segunda parte, analisaremos as percepções sobre a
importância dos projetos, a partir das narrativas das cinco coordenadoras entrevistadas,
as quais foram categorizadas em quatro dimensões: dimensão social referente às jovens
participantes, dimensão formativa referente às graduandas, dimensão formativa
referente às coordenadoras propriamente ditas, e dimensão pessoal.
No capítulo “Motivação, interesses e vivências nos projetos: pertencimento e
interseccionalidade”, discutiremos as motivações e vivências das jovens nos projetos a
partir das dimensões individual, familiar, escolar, do projeto propriamente dito e social.
Categorizamos a vivência das jovens em sua dimensão individual no que se refere às
motivações, aos interesses, à identidade científica e à perspectiva de carreira futura;
dimensão familiar, referente ao incentivo e reconhecimento de familiares, e crenças e
expectativas dos pais baseadas em normas sociais e culturais dominantes; dimensão
escolar, referente ao reconhecimento da comunidade escolar, melhora no desempenho
escolar, e intervenção nos espaços escolares; dimensão do projeto, sobre
representatividade de gênero, raça e território, desenvolvimento de autoestima e
autoconfiança, formação de senso de pertencimento ao grupo e ao espaço universitário,
e metodologias de ensino aprendizagem experimentais; e dimensão social, com
narrativas sobre trabalho doméstico no cotidiano das jovens, e vivências de
discriminação de gênero, raça, classe e território.
No capítulo “Estereótipos de cientistas e hábitos de consumo de informação
sobre ciência e tecnologia”, analisaremos como as jovens construíram sentido sobre a
figura de cientista. Para analisar as percepções das participantes sobre os estereótipos de
cientistas, analisamos as respostas aos questionários e as narrativas trazidas durante as
entrevistas e grupos focais. Sugerimos que as jovens trouxeram uma percepção
estereotipada da figura de cientista – ainda que tivessem elementos como colaboração e
sociabilidade –, que, nos grupos focais, foi ressignificada, atribuindo características

26
como paixão e interesse. Discutimos as percepções iniciais das jovens sobre cientistas
de áreas distintas, as expectativas sobre o grau de dificuldade ou de facilidade para
seguir a carreira e o desejo de se tornarem (ou não) cientistas. Na segunda parte do
capítulo, discutimos a frequência de visitação à espaços científicos culturais e hábitos de
consumo informativo sobre ciência e tecnologia. Ao final, analisamos as falas das
participantes sobre as percepções acerca de mulheres nas ciências, e suas visões sobre
movimentos feministas dentro deste contexto.
Nas “Considerações finais”, descreveremos o que aprendemos ao longo dessa
pesquisa, suas limitações e desdobramentos futuros. Sugerimos que os projetos se
transformam em “contra-espaços”, analisamos as noções de diversidade e
representatividade, e discutimos o senso de pertencimento e identidade a partir de um
olhar interseccional. Além disso, buscamos propor aproximações e afastamentos das
estratégias usadas nos projetos, a partir das narrativas das jovens, no que se referem aos
modelos de equidade, inclusão e justiça social na educação não formal e ao modelo de
divulgação científica inclusiva.
Boa leitura!

27
1. Gênero, feminismos e ciência

Não existem discursos neutros. Quando as/os acadêmicos/as brancos/as afirmam ter um
discurso neutro e objetivo, eles/as não estão reconhecendo que também escrevem a partir de um
lugar específico, que, naturalmente, não é neutro nem objetivo, tampouco universal, mas
dominante. Eles/as escrevem a partir de um lugar de poder.
Grada Kilomba, 2016, p.17

Qual conhecimento vem sendo reconhecido e validado? Em que áreas científicas


estão as mulheres? Por que há desigualdades de gênero nas ciências? Como construir
uma política científica de modo a modificar as relações de poder que envolvem as
hierarquias de gênero nas ciências? De que forma o conceito de divisão sexual do
trabalho pode auxiliar no entendimento das desigualdades de gênero no contexto
científico? Quais as contribuições do debate interseccional e decolonial à crítica
feminista da ciência? Essas inquietações foram norteadoras de um percurso não linear,
que atravessamos partindo das teóricas feministas dos estudos de gênero e ciência, que
fazem uma crítica à pretensa objetividade, neutralidade e universalidade do método
científico à crítica do feminismo negro, interseccional e decolonial ao universalismo da
categoria mulher e à invisibilidade de corpos e conhecimentos subalternizados.
Na segunda metade do século 20, algumas teóricas feministas, como Donna
Haraway e Sandra Harding, argumentaram que, nas sociedades estruturadas por
desigualdades, o conhecimento e as crenças predominantes tenderiam a representar o
interesse de grupos hegemônicos, sendo necessário, portanto, repensar as categorias
analíticas que fundaram os pilares da ciência moderna e que permitiram que
preconceitos sexistas e androcêntricos estivessem presentes em todas as etapas da
pesquisa científica.

Tais preconceitos delimitaram a seleção do que poderia ser considerado como


problemas científicos e técnicos interessantes ou importantes e aquilo que contava como
conceitos e hipóteses relevantes, que deveriam ser focados. Eles delinearam os
processos de pesquisa, determinando o que conta como evidência relevante e como
interpretar os dados. Eles determinaram as conclusões extraídas dos dados e para quem
os resultados das pesquisas seriam disseminados (Harding, 2019, p. 162).

Essas autoras apontaram, como caminhos alternativos, a teoria do “ponto de


vista” e uma outra noção de objetividade, desenvolvida a partir da perspectiva de grupos
marginalizados e localmente situada. Os princípios básicos da teoria são que (i) todo
conhecimento é situado, interpretado e, portanto, local; (ii) aquelas e aqueles que

28
pertencem a grupos marginalizados estão situados de forma a permitir que vejam mais
do que aqueles que não o são; e (iii) que as perspectivas parciais exigem que sejamos
mais, em vez de menos, responsáveis por nosso conhecimento, rejeitando as divisões
binárias entre mente/corpo, sujeito/objeto e natureza/cultura.
Para exemplificar a demarcada relação existente entre sexismo e ciência, uma
história não tão conhecida do cientista inglês Charles Darwin (1809-1882) são as cartas
que trocou com a educadora e reformista social norte-americana Caroline Augusta
Kennard. Ela teve conhecimento de que um dos embasamentos científicos para a
alegação da suposta inferioridade da mulher com relação ao homem vinha dos escritos
do naturalista britânico. Indignada e descrente, escreveu a ele pedindo que reparasse tal
equívoco. Em resposta, Darwin a surpreendeu quando reforçou sua opinião:
“Certamente acredito que as mulheres, conquanto, em geral, superiores aos homens
[em] qualidades morais, são inferiores em termos intelectuais” (Saini, 2018, p. 39),
reiterando os argumentos publicados em 1871, em “A Descendência do Homem e
Seleção em Relação ao Sexo”.
Ainda que suas formulações sobre hereditariedade e ancestralidade tenham sido
disruptivas com a visão vigente de origem da vida e constituam importante contribuição
para o entendimento da evolução na Terra, o pensamento sexista de Darwin estruturou
sua produção científica, exemplificando como a construção de conhecimentos
científicos se estabelecem a partir dos valores e interesses dos sujeitos que a produzem e
não apesar deles. São justamente as relações desiguais e hierárquicas de poder que se
apresentam dentro do campo científico, e a pretensa universalidade e neutralidade dos
saberes – ao representarem uma visão androcêntrica e do Norte global – que serão tema
de investigação dessas pesquisadoras e irão constituir referencial teórico para a análise
que me proponho nesse trabalho.
Caso ainda mais emblemático foi o contexto da introdução do termo
“Mammalia”, em 1758, na taxonomia zoológica por Carlos Lineu (1707-1778) para
distinguir o grupo de animais que abrangia humanos, chimpanzés, morcegos e demais
organismos que possuem pelos, três ossos no ouvido e um coração de quatro câmaras.
Os motivos da escolha das mamas ao invés das características citadas acima carregavam
um caráter político, como detalhou a bióloga e historiadora da ciência Londa
Schiebinger (1998), ao narrar as origens e consequências sociais da escolha de Lineu. O
taxonomista era ativista na campanha contra a instituição das amas-de-leite, em um
momento que se desejava reforçar o papel doméstico e manter as mulheres no espaço

29
privado da casa e do trabalho reprodutivo. Além disso, embasava o debate na intenção
de diminuir as taxas de mortalidade infantil, atribuídas, muitas vezes de forma
preconceituosa, ao ambiente propiciado pelo envio das crianças para amas-de-leite, que,
na concepção de Lineu e do grupo ao qual pertencia, “por virem de classes mais pobres,
ingeriam comida gordurosa, bebiam álcool, tinham doenças de pele e doenças venéreas
– o que produzia um leite insalubre, quando não letal” (Schiebinger, 1998, p. 236).
Havia ainda um esforço de legitimar o quão “natural” era para o sexo feminino,
seja humano ou animal, amamentar e cuidar de suas próprias crias, reforçando o papel
da mulher como responsável pelo trabalho reprodutivo. A autora afirma que “o termo
‘Mammalia’ foi a única das grandes divisões zoológicas a centrar-se em órgãos
reprodutivos, e o único termo que destacou uma característica associada principalmente
à fêmea” (Schiebinger, 1998, p. 221). Enquanto as mamas lactantes ligariam os
humanos aos demais animais de seu grupo, a característica que os distinguiria entre si
seria elencada a partir de um atributo tradicionalmente masculino: a razão – ao criar a
nomenclatura homo sapiens. A história do termo ilustra que as escolhas dentro do
campo científico não são neutras e aponta como, no interior da ciência e de seus
critérios de objetividade, existem interesses sociais e visões sexistas, como discutido por
Sandra Harding (2007): “opiniões sexistas e racistas não são invenções de indivíduos ou
grupos de pesquisa; são suposições amplamente sustentadas por instituições e pela
sociedade como um todo” (Harding, 2007, p.165).
Como visto nos exemplos narrados, a estreita relação entre sexismo e ciência foi
sistematizada pelas teóricas feministas a partir da década de 1970, que se debruçaram
sobre diversas questões a respeito das relações sociais de gênero e a produção de
conhecimento científico (ver Keller, 1985; Harding, 1993; Haraway, 1995; Schiebinger,
2001; Harding, 2007). Suas contribuições vão além de visibilizar o lugar das mulheres –
e suas interseções interpeladas por diversos marcadores sociais da diferença –, mas na
crítica à própria forma de construção do conhecimento científico. A física e historiadora
da ciência Evelyn Fox Keller (1985) inaugurou a discussão argumentando que não é
possível entender o desenvolvimento da ciência moderna sem atentar para o papel que
as metáforas de gênero desempenharam na formação dos valores e objetivos
incorporados na empreitada científica, como a metáfora central de Francis Bacon (1561-
1626) da “ciência como poder, uma força viril o suficiente para penetrar e subjugar a
natureza” (Keller, 1985, p. 48). Schiebinger, no livro O feminismo mudou a ciência?
(2001) exemplificou ainda como determinadas características marcadoras da

30
masculinidade, como a barba, serviram para delinear não apenas homens e mulheres no
século 18 como possíveis sujeitos do conhecimento, mas também os distinguir
racialmente.

Mulheres, homens negros (numa certa medida), e especialmente os homens das


Américas careciam desse "distintivo de honra" masculino - a barba de filósofo. Com a
Europa transformando-se de uma sociedade de propriedades em uma suposta ordem
democrática, as características sexuais assumiram um novo significado na determinação
de quem iria e de quem não iria fazer ciência (Schiebinger, 2001, p. 53).

Numa perspectiva contemporânea, a artista e pesquisadora portuguesa Grada


Kilomba, ao analisar situações de racismo cotidiano, discutiu como os conceitos de
conhecimento, erudição e ciência estão entrelaçados ao poder e à autoridade racial. A
desqualificação e o apagamento de conhecimentos e vozes de pessoas não brancas na
academia demonstram como a ciência reproduz relações raciais de poder que ditam o
que deve ser considerado verdadeiro e crível. Desta forma, a autora vem se
posicionando por uma epistemologia que inclua o pessoal e subjetivo como parte do
discurso acadêmico, e discutindo como as escritoras e acadêmicas negras incorporariam,
na sua produção de conhecimento, não apenas palavras de luta, mas também da dor da
opressão. Outro conceito mobilizado pela autora é da (i)mobilidade dos corpos e de
pertencimento dentro do espaço acadêmico: enquanto as pessoas negras seriam vistas
como “fora do lugar” e à margem, as pessoas brancas transitariam livremente, pois
seriam lidas como corpos acadêmicos, pertencentes, “no lugar” e no centro (Kilomba,
2020).
Mais um exemplo de como historicamente a ciência vem sendo constituída a
partir padrões androcêntricos e coloniais de conhecimento é o das células HeLa,
linhagem de células desenvolvidas a partir da extração sem consentimento do tecido
cervical de Henrietta Lacks, uma mulher negra estadunidense e de classe social
desfavorecida (Skloot, 2011). A história de Henrietta aborda aspectos importantes da
ciência, da ética, de raça e de classe, como destacado na fala de uma das filhas, Deborah
Lacks: “A ciência chama minha mãe de HeLa, e ela está no mundo inteiro. Mas, sempre
achei estranho, se as células de minha mãe, fizeram tanto pela medicina, como é que a
família dela nem tem dinheiro para pagar um médico?” (Skloot, 2011, p. 27-28).
Em sua crítica ao método científico e aos pilares da ciência moderna, a
perspectiva do “ponto de vista” – desenvolvida pelas teóricas feministas brancas
europeias e ressignificada pelas intelectuais negras e do Sul global – propôs que as

31
experiências das mulheres, em suas diferenças, fossem tomadas como base para a
construção de conhecimento científico. A filósofa e educadora afro-caribenha Yuderkys
Espinosa Miñoso (2020) argumentou que as feministas brancas focaram sua crítica ao
androcentrismo e à pretensa objetividade da ciência, enquanto as feministas negras e de
cor apontaram como a teoria feminista clássica e o pretenso universalismo da categoria
mulher seriam também perspectivas de um ponto de vista formulado a partir de
mulheres em posição privilegiada de classe e raça.

A crítica do feminismo negro, de cor e, mais recentemente, decolonial, acabou fazendo,


dentro do próprio feminismo, a mesma denúncia que a epistemologia feminista fizera à
produção científica ocidental do conhecimento: de que ele é, na verdade, um ponto de
vista parcial, encoberto de objetividade e universalidade, já que surge de certa
experiência histórica e certos interesses concretos (Miñoso, 2020, p. 106).

Alinhavando a discussão com a divisão sexual do trabalho, o ponto de vista das


mulheres poderia fornecer um olhar mais amplo, “de baixo pra cima” e menos
distorcido da vida social, devido ao papel que ocupam na divisão sexual do trabalho. O
trabalho doméstico e de cuidado enquanto visto como tarefas de “ordem natural” e
exercido majoritariamente por mulheres passaria de forma invisível e despercebida pelo
olhar masculino, que não observaria nem se apropriaria dessa parte importante da vida
social: “as mulheres, responsáveis por essas atividades, conseguem vê-las e, a partir daí,
ver aquelas também realizadas pelos homens – atividades consideradas abstratas e que
gozam de valor social” (Miñoso, 2020, p. 107).
Reiterando e ampliando o debate proposto pelas teóricas feministas, neste
capítulo, partimos dos conceitos de gênero, divisão sexual do trabalho, feminismos e a
articulação da diferença, discutindo a importância de um olhar interseccional como
ferramenta analítica para aprofundar a interpretação das percepções articuladas nas
entrevistas e grupos focais que compõem o corpus desta pesquisa. Após as
conceituações iniciais, contextualizamos a formação do campo de Estudos de Gênero e
Ciência – também chamado de Estudos de Gênero, Ciências e Tecnologias ou de
Estudos Feministas da Ciência – e a crítica feminista à ciência.
Ao longo deste capítulo, ao apresentar e debater conceitos da teoria feminista e
dos estudos de gênero e ciência, não nos propusemos a expor a extensa produção
bibliográfica em torno dos temas nem a exaurir os debates que se estabeleceram em
torno de cada uma dessas temáticas. A proposta de conceituar e localizar determinados
conceitos neste capítulo parte da importância que eles assumem ao longo da tese,

32
muitos dos quais emergiram como referenciais importantes após as análises inicial das
entrevistas com as sujeitas da pesquisa.

1.1. Crítica feminista à ciência

Como apresentado na introdução deste capítulo, a reflexão teórica sobre a


relação entre gênero e ciência foi sistematizada na década de 1970, quando diversas
pesquisadoras começaram a enfatizar a importância do tema e acumularam evidências
empíricas sobre a marcada relação entre sexismo e ciência. Tais reflexões emergiram
em estreita relação com a segunda onda do movimento feminista e com os estudos
sociais da ciência.
A crítica feminista à ciência partiu de um campo multidisciplinar de
pesquisadoras de diversas áreas de conhecimento – como filosofia, história, biologia e
antropologia –para questionar, de forma contundente, a própria produção de
conhecimento científico e os ideais de objetividade, universalidade e neutralidade que
fundaram os pilares da ciência moderna (Keller, 1985; Harding, 1993; Haraway, 1995;
Schiebinger, 2001; Sardenberg, 2002; Harding, 2007; Citeli, 2015). Evelyn Fox Keller,
em artigo emblemático publicado em 1978 – no qual junta os termos “gênero e ciência”
para delimitar este campo de estudos –, já evidenciava e analisava como a ciência
moderna estaria associada à ideia de uma empreitada masculina, orientada à dominação
e controle de uma natureza vista como passiva e feminina e retratada por metáforas de
matrimônio e submissão (Keller, 1985).
As tentativas de nomeação do campo têm em comum a característica de
categorizar as pesquisas sobre gênero e ciência em duas grandes linhas: de um lado,
mulher e ciência, que reúnem trabalhos voltados para estudar a participação, a
contribuição e o status das mulheres nas profissões e carreiras científicas; de outro,
gênero e ciência, estudos voltados à análise das implicações de gênero para a produção
das ciências (Citeli, 2015). A antropóloga Marina Nucci (2018), ao estudar o
movimento internacional interdisciplinar de neurocientistas feministas, denominou o
grupo de pesquisadoras envolvidas na vertente de estudos de gênero e ciência – por
exemplo, Donna Haraway, Anne Fausto-Sterling, Ruth Bleier, Ruth Hubbard, Evelyn
Fox-Keller, Nelly Oudshoorn e Ilana Löwy – como “feministas biólogas” por terem

33
formação primeiramente no campo das ciências naturais e desenvolverem uma crítica a
partir de suas experiências pessoais como cientistas de bancada de laboratório.
Na linha “mulher e ciência”, diversos trabalhos apontaram para a invisibilidade e
deslegitimização das mulheres nas ciências, assim como um esforço de resgate por
recuperar a trajetória e os saberes de mulheres ignoradas pelas histórias convencionais
da ciência, que tiveram seus trabalhos creditados a outros ou categorizados como não-
ciência. Schiebinger (2001) realizou um apanhado das primeiras publicações e
conferências que se destinavam a resgatar as realizações de mulheres na história da
ciência. Destacar mulheres reconhecidas e recuperar biografias – como de Marie Curie,
Rosalind Franklin e Sophie Germaine – faz parte ainda da corrente chamada de história
compensatória, que busca mostrar como, apesar dos desafios, as mulheres conseguiram
avançar como produtoras de conhecimento.
A história das mulheres nas ciências, no entanto, não foi um percurso linear de
progressão, mas sim de avanços e recuos. A institucionalização da ciência nas
universidades impôs barreiras de entrada às mulheres, que só foram aceitas amplamente
– as mulheres brancas – a partir de 1837, no contexto das universidades americanas.
Schiebinger (2001) descreveu ironicamente que, na Royal Society, desde sua fundação
em 1660 até 1945, o único membro permanente do sexo feminino foi um esqueleto em
sua coleção anatômica. Schiebinger (2008), por sua vez, ao analisar o contexto
americano estabeleceu três níveis distintos de análise: a participação das mulheres na
ciência; o gênero nas culturas da ciência; e o gênero nos resultados da ciência. O
primeiro nível diz respeito à crescente participação das mulheres, com foco na história e
na sociologia do engajamento das mulheres nas instituições científicas. No segundo
nível, a autora ressaltou a dimensão de como as relações de gênero sustentaram
determinadas suposições e valores nas culturas das ciências. Na terceira dimensão,
debruçou-se sobre como os preconceitos de gênero impactaram o próprio conteúdo das
disciplinas científicas.
A geóloga e historiadora da ciência brasileira Maria Margaret Lopes (2006), ao
tratar dos estudos de gênero e ciência a partir da ótica da história das ciências, discorreu
sobre a crescente discussão e o aprofundamento teórico que aconteceram nas últimas
décadas em torno da sub-representação das mulheres, de sua exclusão das práticas e das
instituições científicas, focando também no papel que a representação do saber
científico desempenha na construção do conceito do que é natural/natureza e do que é
cultural/social. Após a expansão do espectro de pesquisas e da incorporação de diversas

34
vertentes, Lopes e colaboradores (2014) sistematizaram o campo como Estudos de
Gênero, Ciências e Tecnologias, categorizando as vertentes em: Trajetórias/História de
Mulheres em Ciência e Tecnologia; Carreiras de Mulheres em C&T e Política Científica
e Tecnológica; Epistemologia/Teorias de gênero e C&T; Construções
Científicas/Tecnológicas de Gênero em Saúde, Medicina e Biotecnologia; Educação e
GC&T; Divulgação Científica e Mídia: Imagens de Gênero e C&T; TICs e usos da
C&T; e Recursos Naturais, Desenvolvimento e Saberes Populares.
Uma das importantes contribuições das epistemólogas feministas da ciência foi a
proposição de uma metodologia que promovesse um outro tipo de objetividade, que
tivesse critérios melhores e mais fortes para reduzir a incorporação de preconceitos
sexistas e vieses androcêntricos nas pesquisas, a partir da teoria do ponto de vista. Nesta
proposta de objetividade, a produção científica não partiria de um ideal abstrato, mas se
iniciaria de um reconhecimento de contextos e práticas a partir do olhar dos grupos
oprimidos. Para Harding (2019), o principal problema da suposta neutralidade da
ciência nas práticas convencionais seria a homogeneidade das comunidades científicas,
compostas majoritariamente pela presença masculina, e treinadas a partir de técnicas
específicas de cada disciplina: “tais comunidades atraem e admitem apenas cidadãos de
um conjunto específico de valores e interesses sociais da elite e os treina para práticas
de pesquisa que levam adiante tais valores e interesses específicos” (Harding, 2019, p.
146).
Ao propor o conceito de ‘objetividade forte’, Harding (2019) argumenta que
historicamente não há consenso para o termo objetividade. Na ciência moderna, a
objetividade vem sendo vinculada à noção de neutralidade de valores, isto é, à
suposição de que uma ciência quantitativa, baseada em medições ‘exatas’, poderia
isentar o conhecimento produzido do olhar dos sujeitos que o produzem. Outra
concepção de objetividade, a partir da noção de “ciência normal” de Thomas Kuhn
(1962), é compreendida a partir dos princípios que se estabelecem no interior de
comunidades científicas, nas quais estudantes de níveis iniciais seriam encorajados/as a
sustentar posições e argumentos desenvolvidos por chefes de laboratório, produzindo
fatos ditos objetivos, que refletiriam interesses dominantes. Vale notar que os ideais de
objetividade se modificaram em resposta às transformações nos métodos e objetivos das
pesquisas, assim como a partir de processos e interesses sociais, como por exemplo na
introdução de novas tecnologias de observação e instrumentos científicos. Como
afirmou Harding (2019, p. 158), “a objetividade se torna mais uma das características

35
dos ideais de pesquisa a perder sua aura de validade universal e passa a ser localizada
em um contexto histórico particular”.
Uma das principais questões colocada pelas críticas feministas à ciência foi: de
que modo é possível fazer uma ciência que permita a confiabilidade dos resultados de
pesquisa e simultaneamente possa responder às questões de grupos oprimidos e
minoritários? Nesta perspectiva, uma pesquisa objetiva precisaria ser justa e
compromissada com os ideais políticos e intelectuais de diversidade. Harding
problematiza a noção de reprodutibilidade de pesquisa como forma de confirmar e
validar os métodos. A primeira crítica é que, se dentro das comunidades científicas, os
valores e pressupostos seriam potencialmente compartilhados por todos, a prática de
repetição de procedimentos e técnicas dificilmente traria à tona os valores e interesses
envolvidos. Outra crítica diz respeito aos altos custos para a realização das pesquisas, de
modo que as perspectivas que prevaleceriam seriam dos grupos que já se encontram em
posição de vantagem com subsídios e financiamento, reiterando, intencionalmente ou
não, pressupostos econômicos, políticos e culturais destes grupos.
Ao discutir as interseções dos estudos de gênero e ciência com os estudos sociais
da ciência, Harding (2019) apontou que a compreensão da coconstituição ou
coprodução das ciências e suas sociedades, desenvolvida por Steve Shapin e Simon
Schaffer, estaria alinhada com o ideal da metodologia do ponto de vista e o conceito de
objetividade forte. Esta compreensão – de coprodução das ciências – compreenderia que
as dimensões sociais e científicas estariam em contínua relação, entendendo que o
“social” não está fora ou antes de projetos científicos, mas que estão intrinsecamente
relacionados, de modo que “toda ciência sempre esteve completamente perpassada pela
sua sociedade e toda sociedade perpassada pela sua ciência” (Harding, 2019, p. 159).
Desta forma, ter, como ponto de partida da pesquisa, valores, pressupostos e
conhecimentos de fora dos quadros dominantes poderia ser um parâmetro para tornar
uma pesquisa mais objetiva. Para conquistar essa distância crítica, Harding argumentou
sobre a importância de promover a diversidade nos grupos de pesquisa. A promoção da
diversidade vem sendo valorada como um princípio para busca de equidade e justiça
social. No entanto, a autora apontou para a importância de ter não apenas pessoas
diversas nas equipes, mas o reconhecimento dos saberes destes atores.

o projeto da objetividade forte problematiza a recomendação não crítica da mera


diversidade dos corpos humanos – mero multiculturalismo – nas comunidades
científicas. Essa é uma posição liberal amplamente utilizada que falha em reconhecer

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exatamente o que é científica e politicamente valioso sobre o pensamento que advém da
vida dos grupos oprimidos. Mera diversidade não possui os recursos teóricos e
analíticos para capturar porque as “perspectivas faltantes” são tão valiosas (Harding,
2019, p. 150).

Baseada na teoria do ponto de vista, a autora defendeu que as/os


pesquisadoras/es que buscariam as perspectivas econômicas, políticas e sociais de
grupos vulneráveis e historicamente oprimidos – os quais foram excluídos da criação,
gerenciamento das instituições dominantes, de suas culturas e práticas –, angariariam
recursos importantes para novas questões e visões que aumentariam o escopo e a
confiabilidade dos resultados das pesquisas. Ao se debruçar sobre os estudos sociais da
ciência na perspectiva decolonial e latino-americana, a autora argumentou:

aqueles que não experimentaram uma forma particular de empobrecimento ou


discriminação tendem a não ter sensibilidade para suas formas mais complexas, mais
profundas e menos óbvias e para as nuances como essas são representadas (Harding,
2016, p. 1073).

A partir dessa perspectiva, é preciso considerar novas histórias e geografias da


distribuição do conhecimento: “não é mais razoável admitir que a ciência moderna
ocidental seja a única capaz de contar uma história verdadeira sobre a organização da
natureza” (Harding, 2007, p. 166).
A historiadora da ciência Ilana Lowy (2000) argumentou sobre a importância da
convergência e da intersecção entre as evidências trazidas por historiadoras/es e
sociólogas/os da ciência – que também desmitificaram a imagem de uma ciência
realizada por observadores neutros, e de um conhecimento produzido “sem sujeitos” – e
os estudos de gênero. É nesta relação que se situa a discussão sobre a possibilidade de
uma ciência enraizada em práticas e conhecimentos parciais e situados.

Uma ‘ciência situada’ pode abrir caminho para uma outra definição de objetividade e de
universalidade – definição que inclui a paixão, a crítica, a contestação, a solidariedade e
a responsabilidade (Lowy, 2000, p.24).

Localizar os saberes e produzir uma ciência responsável são perspectivas


apresentadas e aprofundadas na obra de Donna Haraway (1995). A autora argumentou
sobre a impossibilidade de se produzir uma ciência não localizada, não marcada, e que
essa ciência dita universal falaria a partir da perspectiva do homem, branco e norte-
americano. Como não é possível escapar da complexa matriz cultural na qual nos
inserimos, a objetividade e neutralidade da ciência seriam uma ficção ideológica:

37
as feministas não precisam de uma doutrina de objetividade que prometa
transcendência, uma estória que perca o rastro de suas mediações justamente quando
alguém deva ser responsabilizado por algo, e poder instrumental ilimitado (...)
Precisamos do poder das teorias críticas modernas sobre como significados e corpos são
construídos, não para negar significados e corpos, mas para viver em significados e
corpos que tenham a possibilidade de um futuro (Haraway, 1995, p. 16).

Desta forma, Haraway afirmou a necessidade de construir uma ciência com


perspectiva parcial e objetividade corporificada, a partir da responsabilização do sujeito
que a produz. Desenvolvida por diversas autoras desde a década de 1970 e 1980 (Smith,
1974; Haraway, 1995; Lowy, 2000; Hartsock, 2003), a teoria do ponto de vista, que
defende a perspectiva parcial, exige que sejamos mais, em vez de menos, responsáveis
por nosso conhecimento para promover uma visão objetiva:

A objetividade feminista trata da localização limitada e do conhecimento localizado,


não da transcendência e da divisão entre sujeito e objeto. Desse modo podemos nos
tornar responsáveis pelo que aprendemos a ver (Haraway, 1995, p. 21)

Ela argumentou que “nada em relação à corporalização é mera ficção. Mas a


corporalização é trópica e historicamente específica em todas as camadas de seus
tecidos” (Haraway, 1995, p.142). Como o social se torna corporificado foi também
discutido por Anne Fausto-Sterling (2001). A autora investigou dualismos, pares de
conceitos opostos, em especial sexo/gênero, natureza/criação e real/construído. Ao
argumentar que se tratam de falsas dicotomias, ela discutiu como é ilusória a noção de
que sexo e natureza estariam no nível do real e gênero e cultura como construídos.
Tanto Fausto-Sterling quanto Haraway contribuíram na conceituação e problematização
dos conceitos de sexo/gênero, que discutiremos a seguir.

1.2. O conceito de gênero: breve histórico e considerações

Ao remontar a trajetória do conceito de gênero, a antropóloga Adriana Piscitelli


(2009) localizou sua primeira menção pelo psicanalista estadunidense Robert Stoller no
Congresso Psicanalítico Internacional em Estocolmo, em 1963. A autora descreveu que
o conceito de gênero foi elaborado e reformulado diversas vezes ao longo da história e,
ao ser inicialmente desenvolvido no interior da teoria feminista, buscava descontruir a
noção de que as diferenças atribuídas a homens e mulheres seriam inatas, e de que as
desigualdades percebidas seriam resultados dessas supostas diferenças “naturais”. O
movimento feminista, na década de 1970, atuou na reformulação do conceito: “as

38
feministas utilizaram a ideia de gênero como diferença produzida na cultura, mas
uniram a essa noção a preocupação pelas situações de desigualdade vividas pelas
mulheres” (Piscitelli, 2009, pg. 123).
A historiadora Joana Maria Pedro (2011) contextualizou o uso dos termos
‘gênero’, ‘mulheres’ e ‘mulher’ como categorias analíticas nos estudos acadêmicos,
historicamente situadas. Na década de 1970, a categoria “mulher” ganhou
proeminência, identificada com a unidade, irmandade e vinculada ao feminismo radical.
A emergência da categoria “mulheres” nos anos 1980 encontrou ressonância nas críticas
à universalização da categoria “mulher”, a partir principalmente das discussões
levantadas pelas feministas negras. A socióloga Erica Melo (2008) argumentou ainda
que o feminismo não podia deixar de olhar para as especificidades que atravessaram a
categoria “mulher” com relação às categorias de representação e de identidade, como
raça/etnia, geração, orientação sexual e classe. Haraway (2009) também problematizou
o uso da categoria “mulher” como uma categoria única:

não existe nada no fato de ser “mulher” que naturalmente una as mulheres; não existe
nem mesmo uma tal situação – “ser” mulher. Trata-se de uma categoria altamente
complexa, construída por meio de discursos científicos sexuais e de outras práticas
sociais questionáveis (Haraway, 2009, p. 47).

O uso da categoria “relações de gênero” seria resultado da virada linguística e


relacionada ao pós-estruturalismo a partir da década de 1990. Neste contexto, falar de
gênero significava mudar o foco da mulher ou das mulheres, evidenciando que a
questão estava nas relações entre os gêneros (Pedro, 2011).
O artigo “Gênero, uma categoria útil de análise histórica”, escrito por Joan Scott
e publicado em 1986 na revista The American Historical Review e, no Brasil, em 1990,
na revista Educação e Realidade, tem sido largamente citado na discussão sobre o
conceito de gênero. Para a autora, “o gênero é um elemento constitutivo de relações
sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma
primeira de significar as relações de poder” (Scott, 1990, p. 21). A autora argumenta
que as feministas começaram a utilizar “gênero” como forma de se referir à organização
social da relação entre os sexos, uma vez que a palavra indicava uma rejeição ao
determinismo biológico implícito no uso de termos como “sexo” ou “diferença sexual”.
A noção de sexo e gênero como categorias dicotômicas foi popularizada em
1972 pelos sexólogos John Money e Anke Ehrhardt:

39
sexo, diziam, se refere aos atributos físicos e é anatômica e fisiologicamente
determinado. Viam gênero como uma transformação psicológica do eu – a convicção
interior de que se é homem ou mulher e as expressões comportamentais dessa
convicção” (Fausto-Sterling, 2001, p. 15).

Nesse momento histórico, a categoria “sexo” passou a representar a dimensão


física dos indivíduos e “gênero”, as forças sociais que moldam o comportamento. Não
havia um questionamento acerca da dimensão física do sexo, mas sim das relações
sociais e psicológicas que determinavam o gênero. A distinção analítica entre gênero
como relação socialmente construída e de sexo como uma imposição biológica é, no
entanto, precária e arbitrária, como aponta o historiador Thomas Laquer (2001) em seu
livro “Inventando o sexo”. O autor argumentou, com base em evidências históricas, que:

quase tudo que se queira dizer sobre sexo – de qualquer forma que sexo seja
compreendido – já contém em si uma reivindicação sobre gênero. O sexo, tanto no
mundo de sexo único como no de dois sexos, é situacional; é explicável apenas dentro
do contexto de luta de gênero e poder (Laquer, 2001, p. 23).

Laquer (2001) apontou que a ciência atuou na tentativa de legitimar e


racionalizar uma diferença entre os sexos, na construção hierárquica entre homem e
mulher. Dessa forma, a categoria mulher por si só seria uma categoria vazia que
precisaria ser constituída, isto é, “só a mulher parece ter ‘gênero’, pois a própria
categoria é definida como o aspecto de relações sociais baseado na diferença entre os
sexos, onde o padrão sempre foi o homem” (Lacquer, 2001, p. 32).
Anne Fausto-Sterling (2001) argumentou que a procura por uma base física para
a categoria “sexo” exporia, afinal, que não existe uma categoria física pura para tal. A
pesquisa com pessoas que não se enquadrariam como masculinas nem como femininas
– denominadas intersexuais, que corporificam os dois sexos – contribuiu para
enfraquecer as afirmações sobre as diferenças sexuais. Segundo a autora, nossas
experiências corporais estariam atreladas ao nosso desenvolvimento em culturas e
períodos históricos particulares:

à medida em que crescemos e nos desenvolvemos, nós, literalmente e não só


‘discursivamente’ (isto é, através da linguagem e das práticas culturais), construímos
nossos corpos incorporando a experiência em nossa carne mesma (Fausto-Sterling,
2001, p. 59).

Para a socióloga Heleieth Saffioti, inserida na corrente do feminismo marxista,


há um caráter pretensamente neutro do termo gênero, que não acusaria necessariamente

40
desigualdades de poder ou uma parte oprimida nesta relação. Safiotti (2004) defendeu o
uso conjunto do termo gênero com o termo patriarcado, uma vez que gênero seria
entendido como um termo mais vasto e abrangente, e patriarcado poderia ser
considerado um caso específico de relações de gênero. Enquanto patriarcado entende
relações hierarquizadas entre seres socialmente desiguais, o termo gênero
compreenderia também relações igualitárias. O uso conjunto se justificaria por “gênero”
ser pretensamente neutro e possuir um nível mais acessível de compreensão, enquanto
patriarcado, ainda que mais específico, explicitaria o vetor dominação-exploração.

Não se trata de abolir o uso do conceito de gênero, mas de eliminar sua utilização
exclusiva. Gênero é um conceito por demais palatável, porque é excessivamente geral,
a-histórico, apolítico e pretensamente neutro. Exatamente em função de sua
generalidade excessiva, apresenta grande grau de extensão, mas baixo nível de
compreensão. O patriarcado ou ordem patriarcal de gênero, ao contrário, como vem
explícito em seu nome, só se aplica a uma fase histórica, não tendo a pretensão da
generalidade nem da neutralidade, e deixando propositadamente explícito o vetor da
dominação-exploração. Perde-se em extensão, porém se ganha em compreensão
(Safiotti, 2004, p. 139).

Para a teoria feminista contemporânea, patriarcado consistiria em uma estrutura


social em que os homens detêm poder, usado ainda como sinônimo de “dominação
masculina” e “sistema de opressão das mulheres”, sendo, assim, um sistema a ser
combatido, como argumenta a socióloga francesa Christine Delphy (2009). O termo
patriarcado exprimiria a força da instituição, de modo que as mulheres, e não apenas os
homens, desempenhariam papéis que reforçam a lógica do patriarcado, colaborando
para alimentá-lo. Segundo a autora, patriarcado seria um “regime que se ancora em uma
maneira de os homens assegurarem, para si mesmos e para seus dependentes, os meios
necessários à produção diária e à reprodução da vida” (Delphy, 2009, p. 105). Há,
portanto, uma economia doméstica que sustenta a ordem patriarcal, na qual as mulheres
“são objetos de satisfação sexual dos homens, reprodutoras de herdeiros, de força de
trabalho e novas reprodutoras” (Delphy, 2009, p. 105).
A base econômica do patriarcado, segundo Safiotti (2004), consistiria na intensa
discriminação salarial das trabalhadoras, em sua segregação ocupacional e em sua
marginalização de importantes papéis econômicos e político-deliberativos, assim como
no controle de sua sexualidade e capacidade reprodutiva. Portanto, não seria apenas
necessário ampliar as possibilidades de acesso e ascensão das mulheres aos diferentes
campos de conhecimento e postos de trabalho, mas quebrar o vetor de dominação-
exploração, que continuaria atuando, apesar dos avanços das mulheres:
41
Não basta ampliar o campo de atuação das mulheres. Em outras palavras, não basta que
uma parte das mulheres ocupe posições econômicas, políticas, religiosas etc.,
tradicionalmente reservadas aos homens. Como já se afirmou, qualquer que seja a
profundidade da dominação-exploração da categoria mulheres pela dos homens, a
natureza do patriarcado continua a mesma (Safiotti, 2004, p. 107).

Delphy (2009) ao discutir o conceito de patriarcado, sugeriu um denominador


comum no uso dos termos “patriarcado”, “gênero”, “sistema de gênero”, “relações
sociais de sexo”, “relações sociais de gênero”: os termos denotariam a existência de
relações estruturais de poder, em oposição aos termos “sexismo” e “machismo”, que
designariam atitudes de nível interindividuais.

em comum [está] o fato de pretenderem descrever não atitudes individuais ou de setores


precisos da vida social, mas um sistema total que impregna e comanda o conjunto das
atividades humanas, coletivas e individuais (Delphy, 2009, p. 178).

A forma como as relações de gênero estruturou o campo do trabalho e as


possibilidades de ação de sujeitos na organização de suas vidas foi amplamente
discutida no campo da sociologia do trabalho e do cuidado, e será desdobrada a seguir a
partir da conceituação e do debate sobre divisão sexual do trabalho.

1.3. Divisão sexual do trabalho

Com impulso do movimento feminista na França, na década de 1970, emergiram


trabalhos que constituíram as bases teóricas do conceito de ‘divisão sexual do trabalho’,
a partir de pesquisas na área de etnologia, sociologia e história. A socióloga francesa
Daniele Kergoat e a filósofa brasileira Helena Hirata são referências no campo de
pesquisas da sociologia do trabalho e na sistematização das ideias em torno da divisão
sexual do trabalho (Hirata & Kergoat, 2007; Kergoat, 2009). O conceito emergiu da
crítica feminista à noção de trabalho produtivo no sistema capitalista, que considerava
trabalho produtivo apenas o que pode ser mercantilizado, e invisibilizava o trabalho
doméstico e de cuidado – ocultando sua dimensão econômica e sua relação de opressão
e exploração no sistema capitalista (Faria, 2010).
A partir da noção de ‘relações sociais de sexo’ – comumente mobilizadas pelas
teóricas francesas e compreendida como sinônimo de relações de gênero (Martins et al.,
2019) –, entende-se que a divisão sexual do trabalho é uma forma de divisão do trabalho
decorrente das relações de gênero, contextualizada histórica e socialmente, e que “tem

42
por características a destinação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres
à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a ocupação pelos homens das funções de forte
valor social agregado” (Kergoat, 2009, p. 67).
Essa divisão ocorreria a partir de dois princípios, o da hierarquização e o da
separação. O princípio da separação diz respeito à noção de que existiriam trabalhos
destinados especificamente aos homens e trabalhos destinados às mulheres, e o
princípio hierárquico se refere ao entendimento de que há uma valorização maior de um
trabalho em detrimento do outro, sendo o trabalho masculino de maior valor que o
trabalho feminino. Esses princípios estão ancorados numa ideologia essencialista e no
determinismo biológico, que atribuiu um papel inerente de cuidados para as mulheres, e
uma visão naturalizada da maternidade como uma dádiva feminina e de desvalorização
do trabalho do cuidado enquanto trabalho, como argumentou Kergoat (2009, p. 68):
“tornou-se coletivamente ‘evidente’ que uma enorme massa de trabalho era realizada
gratuitamente pelas mulheres, que este trabalho era invisível, que era feito não para si,
mas para os outros e sempre em nome da natureza, do amor e do dever maternal”.
Hirata e Kergoat (2007) discutiram a presença de duas linhas de pesquisa sobre o
conceito, uma mais descritiva, que buscaria estudar a distribuição de homens e mulheres
no mercado de trabalho e nas carreiras, e as variações no tempo e no espaço; e outra que
buscaria os processos pelos quais a sociedade utilizaria essa diferenciação para
hierarquizar as atividades e as explicações para esta distribuição, entendendo que as
desigualdades seriam sistemáticas.
As autoras discutiram ainda o enfraquecimento da discussão sobre divisão
sexual do trabalho e do trabalho doméstico não remunerado a partir dos anos 1990, que
passou a figurar “em termos como ‘dupla jornada’, ‘acúmulo’ e ‘conciliação de tarefas’,
como se fosse apenas um apêndice do trabalho assalariado” (Hirata & Kergoat, 2007, p.
599). No contexto das novas configurações da divisão sexual do trabalho, as autoras
propuseram modelos para explicar as relações entre as esferas doméstica e profissional.
No ‘modelo de conciliação’, caberia à mulher essa articulação de vida pessoal e
profissional enquanto no ‘paradigma da parceria´ se entenderia a divisão de tarefas
numa relação de parceria, e as relações mais em termos de igualdade do que de poder.
No entanto, esses modelos de conciliação e de parceria não se confirmariam nas práticas
sociais, exercidas mais em termos de ‘conflito’, ‘tensão’ e ‘contradição’.
As mulheres em situação privilegiada recorreriam à externalização do “seu”
trabalho doméstico e contratação de outras mulheres em situação de trabalho

43
precarizado, no que as autoras chamaram da emergência do ‘modelo de delegação’
como nova modalidade de divisão sexual do trabalho. Este modelo viria apaziguar as
tensões nas relações entre casais, incorporando, porém, ao debate o entrelaçamento
entre raça, classe e colonialidade, visto na citação a seguir.

a externalização do trabalho doméstico tem uma função de apaziguamento das tensões


nos casais burgueses dos países do Norte (e em inúmeros países urbanos do Sul, mas,
nesse caso, trata-se de movimentos migratórios internos no país em questão) e permite
igualmente maior flexibilidade das mulheres em relação à demanda de envolvimento
das empresas. (...) Mas essa pacificação das relações sociais nos casais e nas empresas
não ajuda a avançar nem um pouco na luta pela igualdade. Ao contrário, ela tem
sobretudo uma função regressiva a esse respeito, pois funciona no nível do
mascaramento e da negação (Hirata & Kergoat, 2007, p. 602).

Este mascaramento acentuou as desigualdades entre distintas mulheres, a medida


em que, simultaneamente, aumentaram os números de mulheres em profissões de nível
superior, cresceram também a quantidade de mulheres em situação precária,
relacionadas as questões de desemprego, flexibilidade e feminização das correntes
migratórias.
A cientista política Flavia Biroli (2016) traçou seu argumento a partir do
entendimento de que a divisão sexual do trabalho é uma base fundamental que
configuraria as hierarquias de gênero nas sociedades contemporâneas e que essas
hierarquias se configuraram de forma diferenciada de acordo com a classe e a raça
dessas mulheres. A implicação fundamental desta divisão diz respeito à escassez de
tempo livre e de renda para as mulheres, e tem como consequência grande impacto na
participação política e em espaços decisórios. Segundo Biroli, a divisão sexual do
trabalho tem caráter estruturante das relações de gênero:

ela [divisão sexual do trabalho] não é a expressão das escolhas de mulheres e homens,
mas constitui estruturas que são ativadas pela responsabilização desigual de umas e
outros pelo trabalho doméstico, definindo condições favoráveis à sua reprodução. Essas
estruturas constituem as possibilidades de ação, na medida em que constrangem as
alternativas, incitam julgamentos que são apresentados como baseados na natureza (em
aptidões e tendências que seriam naturais a mulheres e homens) e fundamentam formas
de organização da vida que, apresentando-se como naturais ou necessárias, alimentam
essas mesmas estruturas, garantindo assim sua reprodução (Biroli, 2016, p. 739).

Segundo a autora, esta responsabilização desigual de mulheres e homens pelo


trabalho doméstico e de cuidados seria a base do sistema patriarcal no capitalismo,
entendendo patriarcado como sistema político de exploração do trabalho das mulheres
pelos homens.

44
No centro da análise, portanto, está a divisão sexual do trabalho e o fato de que tenha
impacto muito distinto nos dois grupos (ou classes) que são, assim, produzidos: as
mulheres, que têm sua força de trabalho apropriada, e os homens, que se beneficiam
coletivamente desse sistema (Biroli, 2016, p. 726).

A incorporação da interseção de raça e classe nas dinâmicas da divisão sexual do


trabalho é fundamental para a compreensão mais ampla da problemática, como afirma a
antropóloga e pioneira nos estudos sobre racismo e sexismo no Brasil, Lélia Gonzalez,
ao discutir as especificidades do feminismo afro-latino-americano (Gonzalez, 1988). A
autora argumenta que não é possível abstrair o caráter plurirracial das sociedades dessa
região e que, ao tratar da divisão sexual trabalho, é preciso articulá-la com seu
correspondente a nível racial para não cair num lugar de abstração e universalização da
questão. Biroli e Miguel (2015b) tomam o exemplo da maternidade para expor as
diferenças nas vivências de mulheres dentro deste aspecto:

é como mulher negra numa sociedade racista ou mulher branca numa sociedade racista
que a maternidade se define, e não abstratamente. É como mulher que tem acesso a
recursos materiais e serviços para o cuidado de seus filhos quando procura acomodar
trabalho e maternidade ou como mulher que esbarra na falta de creches sem ter
substitutivos na forma de apoio público ou da renda de um familiar adulto para sustentar
a si e aos filhos que uma mulher vive a maternidade. Se o ideal burguês moderno do
amor e dedicação maternal (Badinter, 1985) atravessa as classes sociais, a possibilidade
de sua realização é restrita e os efeitos dos julgamentos nele ancorados são variáveis
(Biroli e Miguel, 2015b, p. 51-52).

A partir deste referencial, no que tange os espaços científicos, essa divisão


estrutura as possibilidades de ação, na medida em que constrangem as alternativas de
escolhas de mulheres para carreiras profissionais diversas e é um ponto central para o
entendimento da distribuição horizontal de gênero pelos cursos universitários, nos quais
as mulheres estão majoritariamente em cursos das áreas da saúde, do bem-estar e nas
humanidades, áreas de menor remuneração e relacionadas aos papéis tradicionais de
gênero e ao trabalho reprodutivo, e os homens em carreiras de maior prestígio e
remuneração, nas áreas de exatas, tecnológicas e engenharias.
Mais do que um interesse acadêmico, se debruçar sobre as questões de gênero
envolve o desejo de mudança e de emergência de uma nova ordem social e cultural, de
modo a questionar profundamente as estruturas de poder.

a produção teórica que se desenvolve dentro de um contexto feminista tem como


característica ser comprometida com uma ação política, não apenas como um
conhecimento abstrato, mas que tem como norte a prática política feminista (Facio;
Fries, 1999, p. 263).

45
Neste contexto, busco, no entendimento da pluralidade dos feminismos e na
atualidade do debate feminista sobre as diferenças, caminhos para nortear uma prática
política feminista.

1.4. Feminismos e a articulação da diferença

Assim como não podemos nos referir a mulher como substantivo singular,
igualmente os feminismos são formados por concepções plurais e diversas. Como ponto
de convergência, está o objetivo político de transformar a situação de opressão e
subordinação das mulheres, como na definição de bell hooks4 (2019, p. 13), “o
feminismo é um movimento para acabar com sexismo, exploração sexista e opressão”.
Ao compreender que as relações de gênero atravessam toda a sociedade e que são um
dos eixos centrais que organizam as nossas experiências, é importante destacar que seus
sentidos e efeitos não se restringem apenas às mulheres, isto é, as desigualdades de
gênero dizem respeito às posições relativas de mulheres e de homens na sociedade,
numa vinculação com raça, classe e sexualidade (Biroli & Miguel, 2015a).
Para a escritora e pesquisadora Heloisa Buarque de Hollanda, estaríamos
vivendo a chamada quarta onda do feminismo, a qual se caracterizaria pela existência de
uma nova geração política “baseadas em narrativas de si, de experiências pessoais que
ecoam coletivas” (Hollanda, 2018, p. 12), cujos espaços são múltiplos – nas ruas, nas
redes sociais, nas artes, nas escolas e nas universidades. Para a autora, duas tendências
aparecem como discussões centrais para o pensamento feminista atual, o feminismo
decolonial e a crítica a um feminismo individualista e neoliberal, a partir de
questionamentos como: com quais mulheres os feminismos dialogam e quais mulheres
seguem marginalizadas do debate feminista?

A marca mais forte deste momento é a potencialização política e estratégica das vozes
dos diversos segmentos feministas interseccionais e das múltiplas configurações
identitárias e da demanda por seus lugares de fala. Nesse quadro, o feminismo
eurocentrado e civilizacional começa a ser visto como um modo de opressão alinhado
ao que rejeita, uma branquitude patriarcal, e informado na autoridade e na colonialidade
de poderes e saberes (Hollanda, 2020, p. 12).

4
bell hooks é o pseudônimo da pesquisadora e escritora norte-americana Gloria Jean Watkins, e será
usado propositalmente em letras minúsculas por orientação de hooks ao longo de suas escritas, que
justifica a importância de enfatizar a substância de seu trabalho, não a sua pessoa.

46
Ao analisar o feminismo decolonial como um feminismo subalterno a partir do
contexto latino-americano, a cientista política Luciana Ballestrin (2020) afirma que, na
atualidade, “o feminismo é o movimento global mais importante em termos de inovação
teórica, intervenção social, atuação política e resistência democrática” (Ballestrin, 2020,
p. 1). O movimento vem sendo pensado na forma de “ondas”, que sistematizam em
períodos as conquistas sociais, políticas e de direitos civis das mulheres. Ballestrin
argumenta, no entanto, que essa terminologia tem como referencial a história de
mulheres do Norte global e que a periodização não reflete de forma síncrona o
desenvolvimento do movimento feminista em demais partes do mundo, como na
América Latina. Segundo a autora, uma das questões centrais para o movimento
feminista na atualidade seria tornar-se mais representativo e inclusivo em termos de
identidades, ainda que essa dimensão represente um paradoxo e que seja necessário
traçar um debate sobre os limites do pluralismo dentro dos feminismos.

1.4.1. Interseccionalidade

O debate sobre os múltiplos marcadores sociais da diferença – particularmente


gênero, raça e classe – adquiriram centralidade no debate feminista na década de 1990, a
partir da teoria da ‘interseccionalidade’ e/ou ‘categorias de articulação’, as quais foram
amplamente difundidas na década de 2000 e adquiriram diferentes conceituações
teóricas (Crenshaw, 2002; Brah e Phoenix, 2004; Brah, 2006; Piscitelli, 2008; Collins,
2015; Biroli & Miguel, 2015b). Piscitelli (2008) situou a emergência desses conceitos
dentro das correntes de pensamento feminista, e categorizou as teóricas em duas
principais abordagens, a abordagem sistêmica ou estrutural, na qual se situariam
Kimberlé Crenshaw e Patricia Hill Collins, e a abordagem construcionista, na qual se
localizariam Avtar Brah e Anne McKlintock.
Com origem no feminismo negro e na teoria crítica da raça, o termo
interseccionalidade foi cunhado pela jurista afro-estadunidense Kimberlé Crenshaw, em
1989, no texto “Demarginalizing the intersection of race and sex: A black feminist
critique of antidiscrimination doctrine, feminist theory and antiracist politics”. As
interseccionalidades seriam formas de compreender a interação entre diferentes formas
de opressão e dominação, como, por exemplo, o sexismo, o racismo, o patricarcado, o
capacitismo e a discriminação de classe. Crenshaw (1989) utiliza a metáfora de

47
avenidas para compreender como esses eixos de opressão se entrecruzam e, no
entrecruzamento desses eixos, as mulheres se deparam ao mesmo tempo com diferentes
fluxos que a oprimem. Como afirma Piscitelli (2008, p. 267), “a interseccionalidade
trataria da forma como ações e políticas específicas geram opressões que fluem ao
longo de tais eixos, confluindo e, nessas confluências, constituiriam aspectos ativos do
desempoderamento”.
Ainda que o termo tenha ganhado força nas últimas décadas, a articulação das
categorias de raça e gênero – questionando a categoria mulher como universal – já
estava presente no discurso “E eu não sou uma mulher?” em 1851, que se tornou
referência devido ao seu pioneirismo, proferido pela abolicionista e ex-escravizada
Sojourner Truth, na Convenção dos Direitos das Mulheres, em Ohio, nos Estados
Unidos. Em seu discurso, ela posicionou o debate tanto como negra quanto como
mulher, desarticulando, rompendo e decentrando questões supostamente universais do
feminismo branco. Um ponto central da interssecionalidade enquanto ferramenta
analítica seria decentrar o sujeito normativo dentro da teoria feminista. A partir de um
enfoque integrado, a interseccionalidade é um conceito que busca dar conta da
complexidade das identidades e das desigualdades sociais. Neste sentido, é mais do que
reconhecer a existência de múltiplos sistemas de opressão, é compreender como a
interação entre essas categorias produzem e reproduzem desigualdades sociais. Deste
modo, Avtar Brah e Ann Phoenix (2004), definem:

Consideramos o conceito de "interseccionalidade" como significando os efeitos


complexos, irredutíveis, variados e variáveis que resultam quando múltiplos eixos de
diferenciação - econômico, político, cultural, psíquico, subjetivo e experiencial - se
cruzam em contextos historicamente específicos. O conceito enfatiza que diferentes
dimensões da vida social não podem ser separadas em fios discretos e puros (Brah &
Fenix, 2004, p. 76).

O feminismo negro foi o movimento que concretamente introduziu a


interpelação de raça e classe no debate feminista, como destaca Hollanda (2020), a
partir das autoras brasileiras Luiza Barros, Beatriz Nascimento e Sueli Carneiro, que

já vinham insistindo nessa matriz [de dominação] alegando que o feminismo negro é
fruto da experiência de ser negro – vivida através do gênero – e de ser mulher – vivida
através da raça – dimensões que se imbricam e que rejeitam qualquer priorização
(Hollanda, p. 19, 2020).

A pesquisadora Carla Akotirene argumentou que o conceito instrumentalizou os


movimentos antirracistas, feministas e de defesa dos direitos humanos a lidar com as

48
pautas das mulheres negras, que não encontravam eco nem nas pautas do feminismo
branco nem no movimento negro, afirmando que “é da mulher negra o coração do
conceito de interseccionalidade” (Akotirene, 2019, p. 24). A autora situou que o
conceito pode ser apropriado de forma frequente e indevida como forma de pensar as
múltiplas identidades de um indivíduo, “no entanto, a interseccionalidade é antes de
tudo uma lente analítica da interação estrutural e seus efeitos políticos e legais”
(Akotirene, 2019, p. 63).
Ao discutir o contexto de formação do debate interseccional nos Estados Unidos
e no Reino Unido, Henning (2015) destacou as teóricas do feminismo negro, como
Angela Davis, bell hooks, Audrey Lorde e Patricia Hill Collins, em suas importantes
contribuições na problematização da categoria “mulher” e ao debate sobre as formas de
entrelaçamento de diferenças sociais de gênero, raça e classe nas experiências vividas
por mulheres negras. A diversidade de definições de interseccionalidade foi debatida
por Collins (2015) que se refere:

ao insight crítico de que raça, classe, gênero, sexualidade, etnia, nação, capacidade e
idade operam não como entidades unitárias e mutuamente exclusivas, mas como
fenômenos de construção recíproca que, por sua vez, moldam desigualdades sociais
complexas (Collins, 2015, p. 2)

A autora buscou não delimitar o conceito entorno de uma definição fechada e


ampliou a noção de interseccionalidade para um ‘projeto de conhecimento’ que
considerasse três diretrizes principais: como um campo de estudo, como uma estratégia
analítica e como prática em projetos de justiça social. O debate sobre a não existência de
uma hierarquia de opressão também foi tratada dentro do feminismo interseccional. As
autoras que defendem este ponto consideram que não há uma somatória de identidades e
opressões, e sim condições sociais estruturantes que atravessam corpos, como defendido
por Audre Lorde:

Entre as mulheres lésbicas, eu sou negra; e entre as pessoas negras, eu sou lésbica.
Qualquer ataque contra as pessoas negras é um problema para lésbicas e gays, porque
eu e outras milhares de mulheres negras somos parte da comunidade lésbica. Qualquer
ataque contra lésbicas e gays é um problema para pessoas negras, porque milhares de
lésbicas e homens gays são negros. Não existe hierarquia de opressão (Lorde, 2019, p.
236).

No que tange às distintas abordagens do debate interseccional, Piscitelli (2008)


argumentou que é crucial olhar para como as teóricas veem as margens de agência dos
sujeitos e as formas como o poder opera nas relações. A abordagem sistêmica, como a

49
desenvolvida por Crenshaw, defendeu a visão do impacto do sistema e das estruturas na
formação de identidades, à medida que os sujeitos aparecem como constituídos por
sistemas de dominação e marginalização. Uma das principais críticas a essa abordagem
foi a fusão de diferença com desigualdade, e que “o poder é tratado como uma
propriedade, que uns têm e outros não tem, e não como uma relação” (Piscitelli, 2008,
p. 267), de modo a desconsiderar que as relações de poder poderiam ser alternadas e que
houvesse espaço para resistência. Na abordagem construcionista, como no pensamento
de Brah (2006), destacam-se aspectos dinâmicos e relacionais das identidades sociais,
de modo que os marcadores de identidade não aparecem como categorias
necessariamente limitantes, mas que permitem espaços de resistência e ação. Ainda que
haja diferenças que tracem limites fixos, como é o caso do racismo, a autora
argumentou que, nesta abordagem, diferença não é estritamente sinônimo de
desigualdade, opressão e subordinação, mas pode remeter à equidade, diversidade e
formas de resistência política.
Na esteira desse debate sobre a dimensão da dominação e a dimensão da luta
política, a socióloga francesa Danièle Kergoat (2010) propôs o conceito de
“consubstancialidade” como alternativa ao de interseccionalidade. Para ela, as relações
sociais seriam consusbtanciais porque:

elas formam um nó que não pode ser desatado no nível das práticas sociais, mas apenas
na perspectiva da análise sociológica; e as relações sociais são coextensivas: ao se
desenvolverem, as relações sociais de classe, gênero e “raça” se reproduzem e se
co-produzem mutuamente (Kergoat, 2010, p. 94).

Além disso, na análise interseccional, haveria uma tendência a fixar relações que
são dinâmicas: “tais práticas [sociais] não se deixam apreender por noções geométricas
como imbricação, adição, intersecção e multi-posicionalidade — elas são móveis,
ambíguas e ambivalentes” (Kergoat, 2015, p. 93). A autora argumenta ainda sobre a
necessidade de colocar no centro da análise o sujeito político, e não o sujeito como
vítima de múltiplas dominações.
Sobre a distinção dos conceitos de interseccionalidade e de consubstancialidade,
Hirata (2014), argumentou que, do ponto de vista de Crenshaw e demais autoras que
defendem o primeiro conceito, “interseccionalidade” oferece maior enfoque na
interseção entre gênero e raça, e o segundo, proposto por Kergoat, enfocaria na
interseção entre gênero e classe. Como convergência dos conceitos, estaria o
entendimento de não hierarquização das formas de opressão. Akotirene (2019) criticou a

50
proposição de consubstancialidade, ao argumentar que a defesa da descolonização do
pensamento feminista não pode deslegitimar as epistemes negras, dando ênfase ao
pioneirismo do feminismo negro na articulação do conceito de interseccionalidade.
Biroli (2016) endossou o argumento de que o gênero não é produzido
isoladamente e as demais variáveis não podem ser vistas apenas como posicionamento e
identificação das pessoas. A autora deslocou a discussão sobre a problemática da
diferença para a problemática do privilégio, de modo que as diferenças se definem na
forma de privilégios “não estamos tratando de uma questão identitária, mas de posições
que ganham sentido em hierarquias” (Biroli, 2016, p. 732). Dessa forma, Biroli e
Miguel (2015b) argumentaram que essas diferenciações se definem racialmente e que as
mulheres brancas se encontram em um polo de poder e de violência. Akotirene também
destacou o olhar para a branquitude e a posição de privilégios: “vejamos o branco como
sistema político, em que raça, classe e gênero proporcionam uma experiência imbricada
de privilégios” (Akotirene, 2019, p. 47).

1.4.2. Feminismo decolonial

Em conjunto ao debate interseccional, uma perspectiva feminista que abrange os


feminismos contra hegemônicos e subalternos, considerando a lógica colonial como
determinante na opressão das mulheres foi sistematizada por diversas autoras afro-
latino-americanas (ver, por exemplo, Maria Lugones, Ochy Curiel, Grada Kilomba,
Yuderkys Miñoso, Susana de Castro e Luciana Ballestrin). A filósofa argentina Maria
Lugones inseriu a categoria gênero no pensamento decolonial, nos artigos “Colonidade
e Gênero”, publicado em 2008, e “Rumo ao feminismo decolonial”, publicado em 2010.
Para a autora, “a crítica das mulheres de cor e do Terceiro Mundo ao feminismo
universalista coloca como central o fato de que a interseção de raça, classe, sexualidade
e gênero extrapola as categorias da modernidade” (Lugones, 2019, p. 357), entendendo
que a modernidade colonial organizou o mundo segundo uma lógica hierárquica e
dicotômica, em categorias homogêneas e separáveis.
No processo de colonização, essa distinção hierárquica se tornou um marco da
humanidade e da civilização ao distinguir quem era considerado humano – homem,
europeu, burguês, colono, moderno, ocidental – e quem era considerado não humano –
povos indígenas e povos africanos escravizados. Esse processo distintivo constituiu uma

51
prática de desumanização a partir da colonialidade do ser. Lugones (2019) utiliza o
termo ‘colonialidade’ a partir da análise do sociólogo peruano Aníbal Quijano,
assumindo a intrincada relação entre os processos de racialização e a exploração
capitalista.

Uso o termo colonialidade para nomear não apenas uma forma de classificar pessoas
através de uma colonialidade de poder e dos gêneros, mas também para pensar sobre o
processo ativo de redução de pessoas, a desumanização que as qualificam para a
classificação, o processo de subjetivação, a tentativa de transformar o colonizado em
menos que humano (Lugones, p. 361, 2019)

Neste contexto, é preciso delinear os conceitos de colonialismo e de


colonialidade: enquanto o primeiro se refere a uma relação política e econômica de
dominação colonial de um povo sobre outro, a colonialidade se refere a um padrão de
poder que envolve as relações intersubjetivas que se articulam a partir de posições de
domínio e de subalternidade. A supressão do ‘s’ no termo decolonial em relação ao
termo descolonial segue lógica similar, uma vez que decolonialidade parte da lógica de
rompimento com a colonialidade, enquanto o segundo termo se refere a contraposição a
um processo histórico de colonização (Hollanda, 2020).
Para Lugones, a possibilidade de superar a colonialidade de gêneros – isto é, a
análise da opressão racializada, capitalista e de gênero numa lógica colonial – é o que
define o feminismo decolonial.

A tarefa da feminista decolonial começa por ver a diferença colonial, resistindo


enfaticamente ao seu próprio hábito de apagá-la. Ao vê-la, ela enxerga o mundo com
novos olhos, então deve abandonar seu encantamento com a “mulher”, com o universal,
e começar a aprender sobre outros e outras que também resistem à diferença colonial
(Lugones, p. 371, 2019)

O feminismo decolonial seria, portanto, uma proposta de resistência às


diferenças coloniais, como se posiciona Lugones (2019, p. 362): “Quando penso que
sou uma teórica da resistência, não é porque acredito que a resistência seja o fim ou o
objetivo da luta política, mas porque ela é o começo, é a sua possibilidade de
acontecer”. Para a filósofa brasileira Susana de Castro, o feminismo decolonial
incorpora duas questões importantes do feminismo negro, o princípio de não
fragmentação das opressões e a desuniversalização da categoria “mulher”. A autora
define a corrente feminista como:

52
“Feminismo decolonial” nomeia uma corrente dos feminismos subalternos, contra
hegemônicos, que incluem também os feminismos pós-coloniais, negro, comunitário e
indígena, cujas representantes, intelectuais não brancas, denunciam o racismo de gênero
e a forma como a geopolítica do conhecimento silencia as vozes das intelectuais e dos
intelectuais subalternos, isto é, todas as pessoas não brancas, indígenas, negras,
chicanas, latinas, indianas, asiáticas, afrodescendentes, mestiças, imigrantes, e as vozes
de sexualidade dissidente, pessoas transexuais, gays e lésbicas dos países periféricos do
capitalismo (antes chamados de países do terceiro mundo, em desenvolvimento)
(Castro, p.1, 2020)

Nesta vertente, evidencia-se que a estratificação social a partir dos ideais da


branquitude que ocorreu durante o período colonial não foi desfeita ao seu término,
como afirma Castro (2020, p. 3): “a relação de suposta superioridade cultural da
metrópole para com a colônia foi transposta para o nível da geopolítica do
conhecimento”. No contexto brasileiro, o feminismo decolonial diz respeito ainda ao
resgate das experiências comunitárias dos povos originários, indígenas e quilombolas, e
a contribuição desses conhecimentos na prática científica.

Precisamos também resgatar e valorizar a contribuição do feminismo negro brasileiro


para a crítica às categorias de pensamento ocidentais modernas, e nos alinhar ao projeto
de decolonizar nossa mentalidade periférica fazendo pesquisa não de modo neutro, mas
a partir da singularidade de nossas experiências (Castro, 2020, p. 3).

É possível identificar na articulação entre o feminismo decolonial e a crítica


feminista à ciência, a importância de espaços de resistência e de possibilidade. A partir
da perspectiva de decolonizar os saberes, Grada Kilomba compara como as pessoas
negras são vistas no espaço acadêmico como “fora do lugar” e à margem, enquanto as
pessoas brancas transitam livremente, pois são lidas como corpos “no lugar” e no centro
(Kilomba, 2020). A autora, juntamente com Lugones e hooks, defende a margem como
um espaço de resistência e de possibilidade, para além de um espaço de desigualdade e
inação, reconhecendo a margem como uma posição complexa que incorpora mais de um
lugar.

A margem não deve ser vista apenas como um espaço periférico, um espaço de perda e
privação, mas sim como um espaço de resistência e possibilidade. A margem se
configura como um “espaço de abertura radical” (hooks, 1989, p. 149) e criatividade,
onde novos discursos críticos se dão (Kilomba, 2020, p. 68).

A compreensão de mundo a partir do descentramento do sujeito universal e da


decolonialidade de saberes se somam às perspectivas feministas críticas à ciência
moderna, que servirão de lentes para analisar as narrativas das participantes dessa
pesquisa.

53
2. Equidade e inclusão na divulgação científica

Suas decisões de não visitar centros de ciência, não ir a palestras científicas, não assistir muita
ciência na TV e não se voluntariar para consultas científicas locais ou nacionais só podem ser
entendidas como inteiramente estratégicas. Essas práticas, na melhor das hipóteses, tornavam
seus egos, culturas, histórias, conhecimentos e práticas invisíveis e, na pior, reproduziam
ideologias racistas, classistas e sexistas que os representavam como deficientes.
Emily Dawson, 2019, p. 2, tradução nossa

Que a ciência seja acessível por todos e todas é um princípio que ecoa em muitas
iniciativas em divulgação cientifica. Embora cercada de diferentes concepções sobre
como e por que é necessário ampliar a cultura científica, a noção de que as pessoas
devem se apropriar de conhecimentos científicos é um valor amplamente difundido
nesse campo. Ao entender a ciência como parte da cultura, produzida por sujeitos
constituídos de identidades e diferentes marcadores sociais – como gênero, raça, classe,
sexualidade e território –, vemos, no entanto, que a exclusão está presente em diferentes
práticas que dialogam sobre ciência e sociedade. Assim, atividades de divulgação
científica, muitas vezes, levam à reprodução em vez de mitigar as desigualdades sociais.
Falar de equidade neste contexto diz respeito a compreender que há diferenças e
desigualdades que estruturam o campo da ciência e da divulgação cientifica que
precisam ser levadas em conta para garantir que todas e todos tenham a mesma
dignidade e exercício da cidadania em meio a uma cultura científica. Falar em equidade
de gênero é ir além do enfoque quantitativo da necessidade de ter mais mulheres na
ciência, mas criticar em vias de transformar as práticas dominantes excludentes dentro
dos campos em questão. Requer, portanto, desafiar as estruturas de poder que criam
desigualdades e inibem a participação e inclusão nessas práticas (Archer et al., 2021).
A diversidade e equidade de gênero nas ciências vêm sendo defendida a partir de
quatro principais argumentos: o da produtividade e inovação, ao considerar que um
ambiente de trabalho diverso amplia as chances de encontrar soluções inovadoras e
criativas para problemas complexos; o de justiça social, na qual se argumenta sobre a
reparação de inequidades históricas; o democrático, que diz respeito à
representatividade nos espaços de poder e de tomada de decisão; e o utilitário, uma vez
que as mulheres representariam um contingente importante como força de trabalho em
áreas científicas masculinizadas, com as exatas e as engenharias (Phillips et al., 2014;
Fogg-Rogers, 2017; Nielsen et al., 2017; Hunt et al., 2018).

54
Ao buscarmos mapear a produção acadêmica acerca de equidade e inclusão na
divulgação científica, nos deparamos com uma produção difusa, crescente e
relativamente recente. No contexto internacional, identificamos produções voltadas a
dialogar sobre equidade no contexto da educação não formal (equity in ISL - Informal
Science Learning), sobre divulgação científica inclusiva (inclusive science
communication) e na produção compilada em duas edições especiais do periódico
Journal of Science Communication, intitulados “A necessidade de uma abordagem
feminista na divulgação científica” (The need for feminist approaches to science
communication) e “Espaços negligenciados na divulgação científica” (Neglected spaces
in science communication).
Tanto no contexto internacional quanto nacional, consideramos as produções
que versam sobre gênero e divulgação científica, as quais discutem aspectos sobre
representações estereotipadas da figura de cientista nas mídias e nas artes, as percepções
de gênero e ciência na esfera pública e aspectos sobre quem está (ou não está)
autorizado a falar sobre ciência. No contexto nacional, buscamos mapear ainda as
produções acerca de inclusão social no contexto de centros e museus de ciências e nos
surveys de percepção pública da ciência. Além disso, a produção acadêmica sobre os
projetos orientados por equidade de gênero na educação em ciências, que
desenvolveremos mais detalhadamente no Capítulo 3, configuram um aporte teórico
importante para a compreensão de iniciativas em equidade e inclusão na divulgação
científica.
Nesta tese, divulgação científica será compreendida de forma ampla como um
termo que abrange práticas diversas de interlocução entre ciência e sociedade,
compartilhamento de saberes e aprendizagens em espaços coletivos, em atividades de
educação não formais e de engajamento público, como mídias, artes, práticas museais,
entre outras. Como campo acadêmico, a pesquisa em divulgação científica é composta
por pesquisadoras/es de áreas multidisciplinares e vem sendo ancorada, nas últimas três
décadas, numa ampla reflexão sobre como a divulgação da ciência deve ser modelada,
compreendendo uma gama de modelos e teorias, que alternam desde um modelo de
déficit, ancorado numa concepção linear e hierárquica de transmissão de conhecimento,
a modelos contextuais, de conhecimento leigo e de engajamento público, que

55
consideram relações mais dialógicas na construção da comunicação pública da ciência
(Brossard & Lewenstein, 2010)5.
Um dos desafios para se refletir e construir modelos que expliquem e guiem as
atividades em divulgação científica é o fato das práticas serem diversas e terem
complexidades inerentes aos seus meios – as quais abrangem desde textos de
divulgação em revistas, programas de televisão e canais em redes sociais a exposições,
peças teatrais, conferências de consenso, clubes de ciência, cafés e chopps científicos,
entre muitas outras. Davies e colaboradores (2019) propuseram um modelo ancorado na
concepção cultural da divulgação científica, que iria além da discussão sobre a oposição
entre déficit e diálogo, e incorporaria a visão da divulgação da ciência enquanto cultura,
que leve em consideração quatro principais aspectos: experiência, identidade, narrativa
e emoção. Desta forma, neste modelo, buscaria olhar para a comunicação da ciência
como cultura, enquanto contação de história e narrativa, como ritual e como uma
construção coletiva de significado, ao mobilizar ideias sobre as distintas experiências,
ao enfocar uma perspectiva identitária, e dar atenção aos aspectos afetivos e emocionais
que envolvem a divulgação científica.
Na tentativa de apontar caminhos para lidar com questões estruturais acerca do
acesso desigual para o engajamento nas ciências, Canfield e colaboradoras (2020)
sistematizaram e propuseram um modelo de divulgação científica inclusiva (Inclusive
Science Communication). A divulgação científica inclusiva é uma proposta de um
modelo interseccional, equitativo e uma maneira de construir agência pessoal e
comunitária, co-criando caminhos para se envolver nas ciências. Neste modelo propõe-
se que se considere intencionalmente a centralidade e a diversidade de vozes e
identidades, especialmente aquelas que foram e/ou permanecem marginalizadas na

5
Quatro modelos foram sistematizados por Brossard e Lewenstein (2010) como tentativas de enquadrar
as atividades em divulgação científica, brevemente definidos a seguir: modelo de déficit - que considera
que as pessoas teriam lacunas de conhecimento sobre os conceitos básicos da ciência e que a melhor
forma de superar esse déficit seria transmitindo conhecimento, de forma linear e hierárquica, do domínio
dos especialistas, ao “público leigo”; o modelo contextual - que também se baseia em estratégias de
transmissão hierárquica de conhecimento, mas leva em conta o fato de que as pessoas interpretam de
forma diferente as informações e mensagens que recebem, de acordo com suas experiências pessoais,
com as suas características psicológicas e com o meio social em que se encontram; o modelo do
conhecimento leigo - que busca uma aproximação mais horizontal no diálogo entre ciência e sociedade,
em estratégias que valorizem e respeitem conhecimentos não formais, não científicos e não técnicos do
público; e o modelo de engajamento público - que envolve a participação mais ativa da sociedade no
debate sobre questões relacionadas à ciência e à tecnologia, compreendendo a ciência como inserida na
sociedade e um envolvimento mais politicamente engajado com temas dessa natureza.

56
prática, pesquisa, treinamento e envolvimento nas ciências, incluindo, mas não se
limitando a raça, etnia, idade, habilidade, gênero, sexualidade e status de cidadania.
A inclusão social na divulgação científica, nesta perspectiva, deve ser entendida,
não apenas como uma questão de oportunidades de acesso ao conhecimento, mas de
pensar a diversidade e representatividade em todas as suas etapas de produção – nos
espaços de poder e de decisão, do design à implementação –, na perspectiva de
valorização e legitimação de identidades, conhecimentos e práticas dos diversos sujeitos
envolvidos e para o qual se destinam essa construção. Entendemos que, “se a
divulgação científica pode ser parte da solução na democratização do conhecimento
científico, ela também é parte do problema, ao reforçar valores hegemônicos, modelos,
linguagens e mecanismos de exclusão social” (Massarani & Merzagora, 2014, p. 2,
tradução nossa).
A necessidade de uma abordagem feminista na divulgação científica surge à
medida que a área se desenvolve enquanto campo de prática e de pesquisa a fim de
visibilizar as questões de equidade, diversidade e inclusão, incluindo os marcadores de
raça, poder, classe e gênero (Lewenstein, 2019). A contribuição de uma perspectiva
feminista interseccional estimula a importância da posicionalidade enquanto
pesquisadoras/es, comunicadoras/es e educadoras/es. Quando explicitamos nossas
perspectivas, demarcando o lugar pelo qual falamos, permitimos que se visibilize as
perspectivas dominantes (e não dominantes) que moldam os discursos em torno da
ciência (Haraway, 1995; Halpern, 2019).

2.1. Equidade e inclusão: desafios e perspectivas

Tratar de questões sobre inclusão social é ainda mais desafiador em países como
o Brasil, que é marcado por profundas desigualdades estruturais, econômicas e sociais.
Historicamente, os grupos dominantes pertencentes às elites tiveram maior presença
tanto na gestão quanto como audiência em espaços científicos culturais, como centros e
museus de ciências, os quais refletem uma longa trajetória de exclusão social, servindo
por e para as classes sociais dominantes até pelo menos o início do século 20 (Cazelli;
Marandino; Studart, 2003; Moreira, 2006; Massarani & Moreira, 2016).
A partir do final do século 20 e início do século 21, observou-se a criação e
expansão de centros e museus de ciências no país, por meio de incentivo governamental

57
e de associações e sociedades científicas, como a Associação Brasileira de Centros e
Museus de Ciência (ABCMC). Em levantamento realizado pela ABCMC em 2005, por
exemplo, constavam cerca de 110 espaços científico-culturais no país (Brito; Ferreira;
Massarani, 2005), passando para 190 em 2009 (Massarani et al., 2009) e, na última
edição do Guia de Museus e Centros de Ciência da América Latina e do Caribe,
constavam 268 instituições no Brasil (Almeida et al., 2015).
A expansão desses espaços aconteceu concomitante à implementação de
políticas públicas sistemáticas no país, com destaque para a criação do Departamento de
Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia em 2003, para a implementação da
Semana Nacional da Ciência e Tecnologia e a realização de editais de fomento
direcionados para o campo da divulgação científica (Massarani & Moreira, 2016). É
importante destacar que, a despeito desse crescimento, em 2016, com a ascensão de um
contexto político conservador e de desvalorização das instituições científicas,
observamos um retrocesso nas políticas para a área de divulgação científica, com a
extinção da Secretaria de Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social e do
Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia, e escassez de
editais e fomento para a área.
No contexto brasileiro, pesquisadoras e pesquisadores vêm se debruçando sobre
o tema da inclusão social na divulgação científica (Moreira, 2006; Cazelli et al., 2015;
Cazelli; Falcão; Valente, 2018; Norberto Rocha; Fernandes; Massarani, 2021). Em
artigo precursor da temática, em 2006, Moreira tratou da questão sobre inclusão social
na divulgação científica no Brasil, discutindo sobre as profundas desigualdades sociais
históricas do país, no que concerne à distribuição de riquezas, de acesso aos bens
materiais e culturais e da apropriação dos conhecimentos científicos e tecnológicos. O
autor argumentou a importância de um processo coletivo amplo que vise transformar
esse cenário:

A incorporação de grandes parcelas marginalizadas da população é uma tarefa


importante, cuja chance de êxito dependerá do estabelecimento de um processo coletivo
suficientemente amplo, que envolva órgãos governamentais, instituições de pesquisa,
universidades, entidades científicas e tecnológicas, cientistas, comunicadores,
pesquisadores, professores e estudantes (Moreira, 2006, p. 16).

No âmbito da inclusão social em centros e museus de ciências, Cazelli e


colaboradores (2015, 2018) situaram que, no cenário internacional, a divulgação
científica se encontra dentro da grande área de Inclusão Social, compromissada com

58
“questões como a participação cidadã, a formação de opinião e os processos ativos de
tomadas de decisão, objetivando o engajamento público com as ciências” (Cazelli et al.,
2015, p. 205). Alguns exemplos de promoção da inclusão social por meio das
instituições museológicas estariam relacionados ao acesso e logística, como na
disponibilização de transporte gratuito para realização de visitas e eventos ou ações de
divulgação da ciência que levem atividades do museu para fora da instituição, como as
iniciativas de ciência móvel que alcançam regiões desprovidas de equipamentos
científico culturais. No entanto, Cazelli e colaboradores (2015) argumentaram que a
inclusão social deve ser mais do que apenas ampliar o acesso e diversificar a audiência,
de modo a renegociar os propósitos e a função dos museus na sociedade:

mais do que incluir e integrar esse público com a instituição museu, trata-se, antes de
tudo, de mudar o olhar e a postura para ampliar o “fazer com”, mais que o “fazer para”
(...) a exclusão está relacionada em última instância à representação que se faz da
sociedade como um todo e de seus diferentes grupos e, mais ainda, conforme o modelo
de reconhecimento do que é compartilhado (Cazelli et al., 2015, p. 208-209).

Para renegociar a base do relacionamento com a audiência e ampliar as


ferramentas e estratégias que levem a uma participação mais efetiva, seria importante
que as instituições e seus/suas profissionais se engajem em “compartilhar poder,
recursos, habilidades e conhecimento” (Cazelli et al., 2015, p. 222) e “investir na
capacitação de profissionais para torná-los capazes de adotar uma postura menos
paternalista em relação a grupos de visitantes social e economicamente desfavorecidos”
(Cazelli et al., 2015, p. 222).
Uma iniciativa importante no contexto brasileiro com foco em acessibilidade e
inclusão social na divulgação científica foi a criação do grupo Museus e Centros de
Ciências Acessíveis (MCCAC), em 2016. Norberto Rocha e colaboradores (2017, 2020,
2021) tem se dedicado a pesquisar e construir indicadores para avaliar o panorama de
acessibilidade em espaços científicos culturais da América latina e do Caribe. As
pesquisadoras argumentam em prol dos direitos das pessoas com deficiência de ter uma
acessibilidade plena, que vá além de aspectos físicos e de infraestrutura, e incorporem
aspectos de caráter comunicacional, atitudinal, cognitivo e social. Ainda que
reconheçam que os museus de ciências estão cientes da necessidade de implementar
ações que favoreçam a inclusão de diferentes tipos de públicos e que têm buscado ser
mais centrados na equidade, Norberto Rocha, Fernandes e Massarani (2021) discutem
que há barreiras a serem superadas, como a falta de políticas institucionais e

59
financiamento. Além disso, as autoras discutem a importância de conduzir mais
pesquisas que compreendam as estratégias de acessibilidade oferecidas às visitas e
como os diferentes públicos percebem e se identificam com tais estratégias.
No contexto europeu e norte-americano, também houve esforços de pesquisas,
de metodologias inovadoras, focadas nos conceitos de equidade e de justiça social,
desenvolvidas em contextos de educação não formal, particularmente em projetos de
longo prazo extracurriculares realizados em escolas, clubes de ciência e cursos de verão.
Essas pesquisas sugerem que alguns espaços de educação não formal podem envolver e
apoiar jovens mulheres e demais grupos minoritários no desenvolvimento de uma
identificação com a ciência (por exemplo, Calabrese Barton & Tan, 2010; Archer et al.,
2015; Dawson, 2017; Calabrese Barton & Tan, 2020; Calabrese Barton et al., 2020;
Archer et al., 2021). Ao revisar a literatura sobre a participação equitativa e
colaborativa de jovens na educação não formal, a pesquisadora Louise Archer e
colaboradoras (2021) identificaram quatro princípios e abordagens comuns para a
prática: (i) dar centralidade para a juventude, ao enfocar suas identidades, valores e
experiências; (ii) desafiar práticas, epistemologias e representações dominantes nas
ciências; (iii) apoiar o protagonismo e autoridade de jovens; e (iv) respeitar e valorizar a
identidade dos jovens no âmbito das STEM.
Calabrese Barton e colaboradoras (2020) discutem o conceito de “presença
legítima” (rightful presence) de jovens em atividades de educação não formal e sua
implementação, mostrando exemplos de como as possibilidades de presença legítima
surgem quando educadores e jovens se envolvem de forma colaborativa em expor,
interromper e transformar narrativas e práticas injustas.
Para colocar em prática os princípios de presença legítima em atividades de
educação não formais, as autoras implementaram os princípios no desenvolvimento de
um curso de verão em STEM com jovens negros/as de 11 a 13 anos, o qual foi
construído de forma compartilhada entre os jovens, as educadoras e as pesquisadoras. A
coleta de dados envolveu ciclos de conversas reflexivas diárias, relatórios desenvolvidos
pelas educadoras no processo de desenho participativo e documentação etnográfica.
Ter uma presença legítima em atividades de educação não formal significa que a
comunidade de aprendizagem, por meio de seus discursos, práticas e relações, apoia a
luta política contínua pelo pertencimento do grupo pelas características de quem são e
não pelas atitudes e comportamentos esperados de determinado grupo, isto é, significa
“tornar ‘presentes’ aqueles que foram tornados ‘ausentes’ pelas formas de racialização e

60
colonização durante o processo de escolarização” (Calabrese Barton et al., 2020, p.
290).
Para alcançar equidade e justiça social, Calabrese Barton & Tan (2020) propõem
que as ações sejam orientadas por três princípios básicos: (i) a luta política de aliados
como parte integrante da aprendizagem: o direito aos direitos de re-autoria; (ii) a
legitimidade reivindicada por meio da presença: tornando a justiça/injustiça visível; e
(iii) a ruptura coletiva das relações educador/educando: ampliando o sócio-político. O
primeiro princípio diz respeito ao trabalho conjunto de educadores e jovens para
desafiar e transformar a participação em disciplinas de modo que os conhecimentos
trazidos pelos jovens sejam valorizados e reconhecidos.
Desta forma, as autoras intitulam estas transformações como “direitos de re-
autoria” porque essas rupturas e transformações mudam quais conhecimentos, práticas e
experiências são considerados importantes, destacando o papel das/os educadoras/es em
criar ambientes que permitam que esses conhecimentos sejam visibilizados:

É insuficiente - e injusto - simplesmente perguntar aos jovens quais direitos eles acham
que precisam ser reescritos, pois eles podem não saber imediatamente. Temos que estar
atentos ao que os jovens trazem para as atividades de educação não formais e temos que
projetar espaços e processos de aprendizagem de forma a permitir que isso apareça
(Calabrese Barton et al., 2020, p. 291, tradução nossa).

No segundo princípio, a “legitimidade reivindicada por meio da presença”


significa que a vida de jovens se torna uma parte visível da aprendizagem, isto é, o
material sobre o qual a aprendizagem significativa é construída. Além disso, abrange a
dimensão da ação no tempo presente em vez de um futuro abstrato. O terceiro princípio
diz respeito a colocar em evidência a necessidade de romper com o conhecimento
normativo e com as relações de poder no processo educativo, baseadas na branquitude e
na dominação patriarcal. Interromper essas relações exige um esforço coletivo
compartilhado entre os que historicamente detém poder e os que não detém, de modo
que a reconstituição de direitos envolveria ações de quem busca o direito de reautorizar
e de quem está autorizado a ampliá-lo, deslocando a hierarquia social no processo
educativo (Calabrese Barton & Tan, 2020).
Ao propor uma pesquisa colaborativa, Calabrese Barton e colaboradoras (2020)
explicitaram alguns desafios da proposta, como, por exemplo, na dificuldade de rever as
relações de poder entre docente e estudante. As autoras relataram ainda os
tensionamentos nas relações entre pesquisadoras mais sênior e mais jovens, destacando

61
que "o trabalho colaborativo exigia que fossem mais honestas e vulneráveis para
reconhecer e relatar os dilemas e questões decorrentes do envolvimento neste projeto"
(Calabrese Barton et al., 2020, p. 312).
Humm e colaboradoras (2020) entrevistaram e realizaram grupos focais com
públicos excluídos de espaços de divulgação científica na Alemanha, e descreveram que
diversos fatores, especialmente emocionais, desempenhavam um papel na exclusão de
certos grupos do engajamento na divulgação científica. Dewitt e Archer (2017)
apontaram que mesmo quando há acesso para atividades de educação não formal em
ciências, as diferenças na participação, tanto em qualidade quanto em quantidade,
variam de forma que favorecem jovens brancos, do sexo masculino e economicamente
favorecidos. Deste modo, mesmo quando os jovens têm acesso à projetos
extracurriculares em STEM, eles muitas vezes experimentam padrões de prática
excludentes semelhantes aos encontrados em ambientes de educação formal, com
experiências de aprendizagem que não consideram suas vivências como recursos de
aprendizagem valiosos.
Griffiths e Keith (2021) relataram a experiência da co-criação de um festival de
ciências e artes, o SMASHfestUK, realizado em espaços públicos e comunitários, como
bibliotecas e praças, entre 2015 e 2019, em Deptford, no sudeste de Londres, na
Inglaterra, com o objetivo de envolver comunidades sub-representadas, moradoras de
áreas de vulnerabilidade social e majoritariamente pessoas negras, como organizadoras
e como público de atividades em STEM. Cada edição do festival foi realizada de forma
colaborativa, com temáticas que tinham significado para a comunidade local,
historicamente excluída e negligenciada em atividades de divulgação científica. Além
do impacto na comunidade local enquanto organizadora e produtora do festival, as
autoras descrevem que o festival promoveu representatividade e diversidade na equipe;
para alguns jovens, a experiência no festival fortaleceu a intenção de seguir uma carreira
em STEM; e o uso de histórias e imersão encorajaram o público em construir narrativas
pessoais, de modo a favorecer uma identidade com a temática (Griffiths e Keith, 2021).
Em busca de compreender como a exclusão ocorre na prática da divulgação
científica, a pesquisadora Emily Dawson vem refletindo sobre o tema há mais de uma
década a partir de pesquisas etnográficas com grupos marginalizados na Inglaterra em
atividades de educação não formal. Dawson (2018) investigou a participação de
indivíduos de baixa renda e minorias étnicas em atividades de museus de ciências no
Reino Unido, no qual evidenciou que as minorias marginalizadas experimentaram

62
exclusão devido ao imperialismo cultural e percepção de impotência diante das
atividades propostas por espaços científico culturais, por refletirem valores e práticas de
grupos dominantes. A exclusão está estruturada pelo racismo, sexismo, pela
discriminação de classe e outras interseções. Dawson (2019) chama a atenção para o
fato de que, comumente, a inclusão/exclusão na divulgação científica é vista pelo
prisma de um duplo déficit: um déficit atitudinal, quando as pessoas não se interessam
por temas de ciência enquanto deveriam se interessar; e um déficit comportamental,
quando as pessoas não visitam espaços científicos culturais e não consomem conteúdos
científicos, enquanto deveriam frequentá-los e consumi-los.
As estratégias desenvolvidas para suprir estas lacunas vão desde tentar persuadir
as pessoas sobre o quão incrível é a ciência a explicar sobre os benefícios de fazer parte
destes espaços e de se apropriar destes conhecimentos. As tentativas de inclusão por
meio destes prismas tendem a não ser bem-sucedidas, pois rotulam os públicos como
desinteressados e deficientes de algo, e não para os fatores pelos quais determinados
grupos são excluídos, de modo a operar mudanças estruturais. Parte do problema está
justamente em assumir os próprios privilégios e vulnerabilidades na formulação de
atividades enquanto grupo dominante, como argumenta Dawson (2019, p.6): "abordar a
exclusão/inclusão significa ser ativa, ser corajosa, tomar uma posição, construir
relacionamentos, ser paciente e ser humilde".
Dawson (2014) argumenta que “colocar a equidade no coração da divulgação
científica é crucial para o desenvolvimento de práticas mais inclusivas” (Dawson, 2014,
p. 1). A exclusão social na divulgação científica vem sendo descrita em termos de
"barreiras", como custo ou distância geográfica ou a falta de interesse. A autora critica a
“abordagem de barreiras” no debate sobre inclusão na divulgação científica, destacando
o desafio para pesquisadoras/es e formuladoras/es de políticas em compreender como
abordar as questões complexas e múltiplas que envolvem a exclusão social na
divulgação científica. Dawson (2014) exemplifica que a não participação em atividades
de divulgação científica vem sendo percebida, nesta abordagem, como uma escolha
passiva e não ativa. A remoção de barreiras – por exemplo, o custo envolvido no acesso
aos museus e a proximidade com os espaços científicos culturais – é, no entanto,
insuficiente para mudar o comportamento de não participação e não interesse, que
envolve a noção de pertencimento e identidade com estes espaços. O enfoque nas
barreiras deixaria as questões sobre relações hierárquicas de poder em segundo plano,

63
além de invisibilizar a complexidade envolvida na exclusão social da divulgação
científica, que necessitaria de uma abordagem interseccional.
Segundo a pesquisadora Katherine Canfield e colaboradoras (2020), a definição
de um modelo divulgação científica inclusiva abrangeria: (i) o reconhecimento das
discriminações, opressões e inequidades históricas, e a centralidade do conhecimento,
das vozes e das experiências de indivíduos e comunidades marginalizadas nas ciências;
(ii) o reconhecimento de identidades interseccionais e como elas demarcam as relações
sociais dentro do meio acadêmico; (iii) o reconhecimento de que o viés explícito e
implícito dos/as divulgadores/as cientificas influenciam no design e no
desenvolvimentos de seus trabalhos; (iv) a rejeição ao modelo de déficit na
comunicação pública de ciência, no qual se considera a audiência como destituída de
conhecimento e de experiências válidas; (v) a incorporação de métodos que respeitem e
valorizem ideias, experiências e críticas de um público diverso sobre ciências; (vi) a
noção de pertencimento e engajamento do público a partir de abordagens colaborativas;
(vii) a abordagem em vários níveis de atuação de modo a modificar culturas e estruturas
organizacionais e lidar com questões estruturais acerca do acesso desigual e de
engajamento nas ciências; e (viii) sua relevância tanto para ambientes formais quanto
não formais de aprendizagem.
Além dos pontos descritos acima, o modelo é baseado em três principais
princípios: intencionalidade, reciprocidade e reflexividade. Esta sistematização se deu a
partir de uma pesquisa exploratória realizada pelas pesquisadoras do Instituto Metcalfe,
da Universidade de Rhode Island, nos Estados Unidos, na qual foram entrevistadas/os
30 pesquisadoras/es de diversos campos da divulgação científica que vem atuando em
práticas e pesquisas orientadas/os pelos princípios de equidade e justiça social
(Canfield; Menezes; Liu, 2020).
O princípio de intencionalidade diz respeito à consideração intencional do
público com quem se está se comunicando, como a ciência é definida em seu trabalho e
como as identidades marginalizadas são, e têm sido, representadas e apoiadas em
atividades de engajamento e na divulgação científica como um todo. Baseia-se na
tomada de consciência das experiências vividas das/os participantes, em priorizar a
relevância cultural e em enfatizar um modelo de engajamento multidirecional e baseado
em diálogo.
O segundo princípio, da reciprocidade envolveria a necessidade de "estar com,
em vez de fazer para" por meio de relações equitativas que reconhecem e valorizam

64
formas variadas de expertise, aplicar abordagens baseadas em conhecimentos
comunitários e garantir benefícios co-criados entre diferentes públicos e
comunicadoras/es, pesquisadoras/es e praticantes. O princípio de reflexividade aponta
para a reflexão contínua, crítica e sistemática sobre as identidades pessoais, práticas e
resultados de comunicadores e públicos envolvidos, seguida de adaptação conforme
necessário para repensar práticas e interações injustas
Ao aplicar conceitos de justiça social para pensar as práticas de divulgação
científica, Dawson (2017) evidencia a importância da combinação de dois modelos para
tratar de questões de inclusão e exclusão. O primeiro modelo diz respeito à justiça social
redistributiva, isto é, a ideia de que justiça seria a igualdade de acesso e distribuição
entre grupos sociais: todos deveriam ser capazes de fazer e aproveitar das mesmas
oportunidades. O segundo modelo diz respeito à justiça social relacional, isto é, a ênfase
em valorizar as diferenças: o reconhecimento, respeito e valor de que as pessoas são
distintas e que isso deve ser levado em consideração.
É possível olharmos esses modelos em conjunto no sentido de uma escala de
inclusão, na qual um nível de inclusão menor se localizaria em ter oportunidades de
acesso e participação e um nível de inclusão maior incluiria as questões de
representação, poder e transformação cultural. Na prática científica, essa linha de
raciocínio implicaria em considerar a necessidade do recrutamento e participação de
cientistas mais diversos em termos de gênero, raça/etnia, classe etc. e simultaneamente
agir para uma mudança de cultura e na forma de produção de conhecimento científico,
como na indagação:

Quais "eus", conhecimentos, linguagens e maneiras de ser são reconhecidas,


representadas e bem-vindas nas práticas de aprendizagem em ambientes de educação
não formal? Esta forma mais forte de justiça social tem implicações para mudanças na
prática, instituições e políticas, em vez de apenas mudar os participantes (Dawson,
2017, p. 541).

No projeto YESTEM – Youth Equity + STEM6, coordenado pelas pesquisadoras


Louise Archer e Angela Calabrese Barton, que envolveram pesquisas em centros de
ciências e atividades de educação não formal em cidades dos Estados Unidos e do Reino
Unido durante quatro anos, foi elaborada uma bússola de equidade para ajudar a
identificar como e por que exemplos específicos de práticas podem ser mais ou menos

6
Ver mais em:< http://yestem.org/>.

65
equitativos. A bússola busca apoiar o planejamento de atividades mais equitativas em
divulgação científica, que centrem jovens de grupos não dominantes como guias na
formulação de atividades (YESTEM UK Project Team, 2020). A bússola busca nortear
a formulações de programas e atividades em educação não formal, a partir dos eixos: (i)
desafiar o status quo; (ii) trabalhar com e valorizar as comunidades não dominantes;
(iii) incorporar a equidade como mainstream; e (iv) estender as práticas de equidade em
termos de duração e do vetor individual para o coletivo.
Além da bússola da equidade, o projeto YESTEM desenvolveu oito práticas
equitativas como propostas de ferramentas para projetos orientados por equidade e
justiça social (Yestem Project Team, 2021), e que partem do princípio da necessidade
de adaptação à diferentes contextos político socioculturais. São elas: (i) reconhecer
explicita e publicamente os conhecimentos e práticas que grupos não dominantes trazem
para as experiências de educação não formal; (ii) reivindicar a presença legítima de
grupos não dominantes; (iii) compartilhar autoridade e ser responsável sobre como se
compartilha poder; (iv) mudar narrativas, intencionalmente desafiar e buscar novas
histórias sobre quem conta como cientista e quem pode fazer ciência; (v) estar
criticamente com as comunidades não dominantes, refletindo criticamente sobre sua
posicionalidade e abrindo espaço e diálogo para romper narrativas dominantes; (vi)
abraçar a humanidade, valorizando cada indivíduo por quem ele é e não por quem ele
deveria ser; (vii) planejar conjuntamente atividades, propostas e planos; (viii) e
remodelar o terreno de aprendizagem, isto é, as instituições, pessoas, recursos e
oportunidades que hospedam e estruturam o envolvimento de jovens, conforme
necessário para atender aos interesses da juventude e das comunidades.

2.2. Gênero e divulgação científica: representações e percepções na esfera


pública

Crianças pequenas, de cinco, seis e sete anos, ouviam uma história sobre alguém
realmente muito inteligente. Quatro imagens desconhecidas eram, então, apresentadas a
elas: duas mulheres e dois homens. Quem as crianças escolhiam como protagonista da
história que haviam escutado? Na primeira etapa da pesquisa de Bian e colaboradores,
publicada na revista Science em 2017, aos cinco anos, meninos e meninas apontavam
figuras de seu mesmo gênero como a personagem narrada na história. Já aos seis e sete,

66
no entanto, as meninas se identificavam menos com a personagem mulher e apontavam
para a figura masculina. A pesquisa consistiu em quatro etapas, realizada primeiramente
com 96 crianças e replicada com um número maior, sendo maioria norte-americanas, de
classe média e branca. Na segunda etapa, as crianças deveriam adivinhar qual era a
figura mais inteligente entre duplas de mesmo gênero e de gêneros distintos. Na terceira
tarefa completavam quebra-cabeças em que associavam objetos (como martelo) ou
atributos (como inteligência) a figuras masculinas ou femininas. Na última etapa,
investigaram como as crenças sobre atributos de inteligência e genialidade moldavam os
interesses das crianças. A partir dos seis anos, de forma similar aos estudos anteriores,
as meninas se interessavam menos por jogos para crianças muito inteligentes e mais por
jogos para crianças dedicadas.
Diversos estudos acerca da percepção pública da ciência apontam que a figura
de cientista é associada constantemente a uma pessoa genial e com inteligência acima
da média (ver, por exemplo, o estudo precursor de Mead & Métraux, 1957; Weingart et
al., 2003; Pansegrau, 2008; Steinke et al., 2011; Reznik et al., 2017). Como identificado
na pesquisa de Bian e colaboradores (2017), os estereótipos culturais sobre o interesse
nas ciências parecem surgir durante os primeiros anos escolares em vários campos de
STEM.
Por estereótipos culturais, entendemos estereótipos construídos socialmente e
reforçados em uma determinada sociedade que transcendem as crenças de um indivíduo
e são expressos por meio de padrões dentro de muitos aspectos dessa cultura, incluindo
objetos físicos, representações midiáticas, interações sociais e uso da linguagem.
Quando jovens têm uma identidade social que é o alvo de estereótipos negativos em
algum domínio de conhecimento, podem construir autorrepresentações negativas, como
menor identificação, crença reduzida em sua capacidade de ter sucesso e uma menor
sensação de pertencimento (Master & Meltzoff, 2020).
Há uma prevalência de estereótipos culturais que associam meninos e homens às
ciências, sendo uma associação particularmente forte nas áreas de exatas e tecnológicas
(Master et al., 2014; Master & Meltzoff, 2020). Os valores reforçados em muitos grupos
de meninas e mulheres podem entrar em conflito com suas próprias percepções sobre a
ciência e a figura de cientista, de modo a afastar meninas de se sentirem pertencentes a
este espaço e desejarem seguir carreiras científicas (Leaper, 2015). As disciplinas nas
áreas de exatas e tecnológicas são vistas como campos masculinos ou como não
femininos e a área de matemática é particularmente idealizada como um campo onde

67
apenas habilidade e talento nato podem levar ao sucesso, enquanto esforço e dedicação
não seriam suficientes (Kessels, 2015).
Por exemplo, nas percepções sobre matemática, um estudo norte-americano
evidenciou que é desde cedo que aparece o estereótipo implícito de que a 'matemática' é
igual 'meninos' (Cvencek et al., 2011). No Chile, quando confrontadas com duas
imagens, uma masculina e uma feminina, e questionadas sobre qual o personagem
gostou mais, teve um desempenho melhor e teve mais facilidade em matemática,
crianças de cinco anos indicaram que a personagem feminina acharia matemática mais
difícil, teria pior desempenho e menos interesse (del Río & Strasser, 2013). Na
percepção sobre a área de tecnologia, crianças norte-americanas de seis anos relataram
explicitamente que os meninos iriam gostar mais de uma programação ou atividade de
robótica do que as meninas (Master et al., 2017).
Em pesquisas que usam da metodologia de “Desenhe um/a cientista” (DAST, na
sigla em inglês), além do personagem masculino, crianças e adolescentes associam a
figura de cientista com demais símbolos recorrentes, relacionados ao universo da
ciência de bancada e ao laboratório, como o jaleco, os óculos, a barba e os tubos de
ensaio (Chambers, 1983). A partir de uma meta-análise de cinco décadas de pesquisas
usando DAST sobre estereótipos relacionados às relações de gênero nas ciências,
observou-se que, conforme as crianças crescem, maior a chance de desenharem um
cientista do sexo masculino do que uma cientista, sendo as meninas mais propensas a
desenharem cientistas homens a partir dos dez anos de idade (Miller et al., 2018).
Uma metodologia amplamente usada nas pesquisas em percepção pública da
ciência para investigar os interesses, atitudes e percepções de ciência na esfera pública
são os surveys, que descreveremos a seguir, buscando compreender como esse
instrumento pode servir para ampliar nossa compreensão acerca das percepções de
gênero e ciência por parte de diferentes públicos.

2.2.1. Surveys de percepção pública da ciência

Os estudos sobre a percepção pública da ciência referem-se a um campo de


investigação social que busca, por métodos empíricos, a compreensão do entendimento
do público acerca de temas de ciência e tecnologia e de como isso varia de acordo com
a época e o contexto (Bauer, 2008). A compreensão das atitudes e das opiniões de

68
diferentes públicos sobre ciência e tecnologia é fundamental em diversos aspectos,
como na formulação e a avaliação de políticas públicas, para favorecer uma maior
inclusão social, compreender os processos que levam a aceitação ou a rejeição de novas
tecnologias, para aperfeiçoar modelos de divulgação científica e de ensino de ciências e
ainda para entender os fatores que levam as/os jovens a escolher, ou não, seguir
carreiras científicas (Castelfranchi, 2013).
Numa perspectiva histórica, a importância da opinião pública sobre ciência e
tecnologia ganhou força após as duas guerras mundiais, tanto pelo papel crucial do
conhecimento científico para o desenvolvimento de tecnologias bélicas estratégicas na
disputa política quanto pelo impacto público causado pelas bombas de Hiroshima e
Nagasaki, que deflagaram o debate público sobre o papel e a imagem da ciência, e a
responsabilidade moral de cientistas. No contexto mundial, a primeira survey de
percepção pública da ciência foi organizada nos Estados Unidos, em 1957, pela
National Association of Science Writers, dentro do contexto da Guerra Fria. Em 1977,
iniciaram as pesquisas de percepção pública da ciência na União Europeia, por meio do
Eurobarômetro, que investigavam atitudes e interesses dos europeus sobre ciência e
tecnologia de forma geral e sobre temas específicos, como biotecnologia, engenharia
genética e transgênicos. Após a criação da National Science Foundation e coordenados
pelo pesquisador Jon Miller, os Estados Unidos passaram a realizar surveys periódicas,
a partir de 1979, que foram inicialmente bienais e quadrienais. A maioria dos países
latino-americanos começou a realizar pesquisas nacionais de percepção pública da
ciência a partir da década de 1990 e, com mais intensidade, depois dos anos 2000, como
Colômbia, México, Panamá, Argentina, Venezuela, Chile, Uruguai e Costa Rica.
Em 1987, o Brasil se destacou como o primeiro país latino-americano a realizar
uma pesquisa nacional sobre percepção da ciência, intitulada “O que o brasileiro pensa
da ciência e da tecnologia?” (CNPq/GALLUP, 1987). A pesquisa foi realizada pelo
Instituto Gallup e pelo Museu de Astronomia e Ciências Afins, por encomenda do
CNPq, com a intenção de dar subsídios para a Assembleia Nacional Constituinte de
1988. Após esta iniciativa pioneira, a segunda enquete nacional foi realizada quase uma
década depois, em 2006, coordenada por diversas entidades científicas, como a
Academia Brasileira de Ciências, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, o
Museu da Vida/Fiocruz e o LabJor/Unicamp, intitulada “Enquete Nacional de
Percepção Pública Ciência”. Foram realizadas, em nível nacional, surveys subsequentes
em 2010, 2015 e 2019. Regionalmente, foram realizadas três surveys de percepção

69
pública da ciência, duas no estado de São Paulo, em 2005 e em 2010, e uma no estado
de Minas Gerais, em 2016. Em 2019, foi realizada a primeira survey com um recorte
etário de público, intitulada “O que os jovens brasileiros pensam da ciência e da
tecnologia?”, coordenada pelo Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e
Tecnologia (INCT-CPCT). A pesquisa envolveu 2.206 jovens brasileiros entre 15 e 24
anos e abrangeu uma etapa de pesquisa qualitativa, com a realização de grupos focais
(Massarani et al., 2021a; Massarani et al., 2021b).
Os pesquisadores Carmelo Polino e Yurij Castelfranchi (2019), ao traçarem um
panorama da percepção pública da ciência na Iberoamérica, argumentaram que a ciência
tem sido atribuída de autoridade social e cultural, contrastando com o pessimismo e a
desconfiança que pesam sobre as instituições em geral e sobre os direcionamentos
econômicos, culturais, políticos e ambientais dos países ibero-americanos. A partir de
um olhar integrado para as surveys realizadas, os autores consolidaram e analisaram
dados sobre interesse, consumo de informação e participação cultural identificadas com
grupos sociais específicos e sugerem a existência de um mapa complexo de atitudes,
onde avaliações positivas - indicadores de autoridade cultural - coexistiriam com
críticas moderadas. Um dos apontamentos é que, como instituição social, a ciência
manteve uma posição de prestígio e de confiança na percepção pública. Universidades,
institutos de pesquisa, cientistas, médicas/os, engenheiras/os e outros especialistas vêm
sendo apontados como fontes de confiança de informação para os cidadãos e
importantes para orientar as políticas públicas, de modo que a credibilidade na ciência
parece ser uma característica estrutural, relativamente estável ao longo do tempo e que
poderia indicar a presença de uma autoridade social, epistêmica e cultural.
Nas pesquisas analisadas por Polino e Castelfranchi (2019), a participação e
acesso a bens culturais e naturais foi medida a partir do indicador de visita a diversos
espaços – como museus de arte, museus de ciência e tecnologia, bibliotecas, jardins
zoológicos, aquários, reservas e parques naturais ou ambientais, ou participação nas
atividades da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia e feiras de ciência – nos doze
meses anteriores a entrevista. De acordo com a estimativa de um índice elaborado com
dados de pesquisas na Argentina, Brasil, Chile, Espanha e Panamá, metade dos
entrevistados afirmou não ter visitado nenhum museu de arte, zoológico, aquários,
parques ambientais e naturais ou museus de ciência e tecnologia durante o ano da
entrevista. As probabilidades de participação foram consideravelmente reduzidas em

70
centros urbanos menores, entre os idosos e, principalmente, nos grupos sociais mais
vulneráveis em termos de capital escolar e nível socioeconômico.
Polino e Castelfranchi (2019) destacaram a questão sobre como contribuir para
uma maior apropriação dos bens simbólicos da ciência num cenário de desigualdade
social e entre a população excluída, e argumentaram que as políticas de cultura
científica não podem ser elaboradas sem se relacionarem às políticas de inclusão social.
Além disso, incentivaram a incorporação de um número maior de variáveis nos surveys,
relacionados a trajetórias de vida, capital social e cultural, posições políticas, valores
morais, práticas e crenças religiosas e envolvimento político.
No contexto brasileiro, Castelfranchi (2018) analisou dados baseados nas
pesquisas nacionais ocorridas em três décadas – as enquetes realizadas em 1987, 2006,
2010 e 2015 –, evidenciando tendências dos principais indicadores de autoridade
cultural da ciência e mudanças estruturais durante essas décadas de transformações
sociais aceleradas no Brasil. Os dados foram coletados em entrevistas presenciais, com
amostras representativas da população adulta brasileira (a partir de 18 anos em 1986 e
de 16 anos, de 2006 em diante), estratificadas por idade, sexo e nível educacional.
Sobre as tendências na autoridade cultural da ciência no Brasil, o interesse em
ciência e tecnologia aumentou nestas três décadas analisadas, ainda que não houve
aumento na familiaridade com instituições e cientistas, sugerindo uma percepção de
distanciamento social entre ciência e sociedade. Enquanto o interesse esteve
principalmente associado ao fator educacional, as atitudes com relação à ciência, como
a percepção das promessas e riscos e as posições “anti-ciência” não podem ser
relacionadas de forma simplista ao nível educacional, ao acesso à informação e
apropriação de conhecimento. Além disso, pessoas de maior nível educacional
demonstraram maior preocupação com formas de controle social e participação pública,
e concordaram menos com uma maior autonomia da ciência. A probabilidade de alguém
demonstrar nenhum interesse em C&T diminuiria com o nível educacional e aumentaria
se a respondente for do gênero feminino.
O enfoque nas questões de equidade de gênero nas ciências é pouco explorado
nos grandes surveys nacionais e internacionais. Em 2016, no survey realizado no estado
de Minas Gerais, um dos resultados apontados foi que as pessoas que declararam menor
interesse em ciência tendiam a ter opiniões contrárias à paridade entre gêneros, medido
por meio do grau de concordância com afirmações como “estudar ciência é mais
importante para o homem do que para a mulher” e “em geral, os homens são cientistas

71
melhores do que as mulheres” (Castelfranchi et al., 2016). Assim como na análise das
tendências por Castelfranchi (2018), no survey “O que os jovens brasileiros pensam da
ciência e da tecnologia?”, encontrou-se uma correlação entre interesse em C&T e
gênero da/o respondente, de modo que, entre as/os jovens brasileiras/os, as mulheres
tinham uma chance ligeiramente menor que os homens de declarar interesse na área.
Neste survey centrado nos/as jovens, as mulheres declararam maior interesse que os
homens por medicina e saúde e grande parte de respondentes acreditavam que homens e
mulheres têm a mesma capacidade para ser cientistas e que devem ter as mesmas
oportunidades (Massarani et al., 2021a; Massarani et al., 2021b).

2.2.2. Quem é visto e quem é autorizado a falar sobre ciência?

São muitas as representações estereotipadas dos papéis atribuídos às


feminilidades e masculinidades nos meios informativos (Steinke, 2012; Carvalho &
Massarani, 2017; Massarani et al., 2019; Costa & Carvalho, 2020) e artísticos (Flicker,
2003; Whitelegg et al., 2008; Long et al., 2010; Steinke & Tavarez, 2018; Reznik &
Massarani, 2019) que reforçam um imaginário social de não pertencimento de grupos
não dominantes às áreas científicas. No âmbito destas representações, as mulheres
cientistas estão invisibilizadas e sub-representadas e são retratadas de forma distinta do
estereótipo clássico do cientista homem. Enquanto a narrativa hegemônica do cientista
homem é a de louco, mau e perigoso (Haynes, 2003), retratado por uma aparência
desleixada e de idade avançada, as mulheres cientistas são destacadas como jovens, de
aparência física atraente e comumente envolvidas em romances no âmbito da ficção
(Steinke, 2005; Chimba & Kitzinger, 2010).
No universo ficcional, Flicker (2003) analisou sessenta filmes no período de
1929 a 1997. Além de identificar a predominância de cientistas homens, descreve a
representação da mulher cientista como professora e a ênfase nos atributos físicos –
bonita, jovem, corpo atlético e vestida com roupas provocativas, e, quando trabalha em
equipe, tem posição subordinada aos homens. Steinke e Tavares (2018) investigaram,
por meio de análise textual e de conteúdo, 42 filmes americanos produzidos entre 2002
e 2014, nos quais as pesquisadoras retratadas foram majoritariamente brancas, na área
de biologia e astronomia, em posições de co-liderança ou em papéis secundários, e sem
filhos. Em pesquisa sobre animação autoral, Reznik e Massarani (2019) analisaram dez

72
filmes de curta metragem de animação exibidos no Festival Anima Mundi entre 1993 e
2013, em que a figura da mulher cientista é retratada em narrativas diversas, entre elas,
a exclusão das mulheres das práticas e instituições científicas, narrativas com
fundamentos sexistas, e outras que reconfiguram a imagem da mulher como
protagonista da prática científica. A associação da figura masculina com o atributo de
genialidade e brilhantismo aparece de forma persistente ao longo de meio século na
história do cinema ocidental, em pesquisa realizada por Galvéz e colaboradores (2019),
por meio de análise computacional das associações de pronomes e palavras correlatas
nas legendas em mais de onze mil filmes entre os anos de 1967 e 2016.
Na mídia, Massarani e colaboradores (2019) analisaram as representações de
cientistas por meio de análise de conteúdo e análise visual dos programas Jornal
Nacional e Fantástico, da Rede Globo, sendo a imagem preponderante do cientista
homem, branco e de meia idade, e a imagem associada à mulher foi a de jovem. Os
dados reforçam uma estrutura hierarquizada da ciência brasileira, em que as mulheres
tiveram um papel crescente, porém com menor acesso a posições de poder e cargos de
liderança. Carvalho & Massarani (2017) analisaram as diferenças de representação de
cientistas homens e mulheres ao longo da programação diária das emissoras televisivas
Rede Globo e Rede Record, e constataram que a presença de pesquisadoras foi quatro
vezes menor que a de pesquisadores, sendo maior a presença de homens cientistas em
programas de entretenimento e de mulheres em publicidades. Mitchell e McKinnon
(2019) identificaram algum progresso na paridade de gênero nas representações da
figura de cientista ao analisar os perfis publicados no jornal The New York Times entre
2011 e 2018, ponderando, no entanto, a falta de diversidade e representatividade étnica
nos perfis. Na representação da mulher cientista, as autoras argumentam que a ênfase
dada a ‘supermulher’ e ‘super cientista’ reforça o estereótipo da ciência como uma
atividade de pessoas geniais e de inteligência acima da média.
Ainda que pouco frequentes, há exemplos de representações de meninas e
mulheres cientistas que reconfiguram o papel da mulher como protagonista e que
ganharam destaque na mídia e nas artes, como a personagem Luna em “O Show da
Luna” e a Princesa Jujuba em “Hora da Aventura” (Inocêncio & Oliveira, 2015; Anibal
& dos Santos, 2016; de Oliveira & Magalhães, 2017; Meneses, 2017). Outro exemplo é
a série educativa “O laboratório de Emily” (Calandrelli, 2020), apresentada pela
comunicadora da ciência Emily Calandrelli, e gravada quando a apresentadora estava
grávida de nove meses. Sobre o programa, Emily afirma em sua conta no Twitter:

73
Estou especialmente orgulhosa de ser uma mulher grávida fazendo ciência em uma
plataforma como a Netflix. Pessoalmente, acho que isso envia uma mensagem muito
legal sobre quem é bem-vinda na área de STEM. Essas carreiras geralmente não são
muito acolhedoras para as famílias, especialmente mulheres que desejam ter uma
família (tradução nossa)7.

A fala de Calandrelli sinaliza a importância da representação de cientista por


grupos diversos, que incluam representações não hegemônicas, como as mulheres mães,
e a possibilidade de mulheres se veem representadas a partir de sua presença como
mulher gestante durante as gravações do programa. Ser mulher – e ainda pertencer a
grupos não dominantes de raça/etnia, sexualidade, classe e território – na produção de
conteúdo e como divulgadoras científicas pode ser, em muitos casos, uma tarefa árdua
de resistência a um sistema patriarcal sexista, que desqualifica sua legitimidade e senso
de pertencimento a esses lugares.
Preconceitos e discriminações de gênero na divulgação científica aparecem
desde comentários hostis, de natureza sexual e/ou relacionados com a aparência,
referentes a cientistas, divulgadoras da ciência no Youtube (Amarasekara & Grant,
2019; Costa & Carvalho, 2020) até a percepção de que as situações de abuso e assédio
modificam comportamentos e práticas de divulgadoras, como a necessidade de enfatizar
sua legitimidade e na escolha de vestimenta (McDonald et al., 2020). No âmbito do
jornalismo científico, cerca de 45% de mulheres afirmaram não terem suas ideias
creditadas e a mesma porcentagem alegou passar por assédio sexual, em pesquisa
realizada com 422 jornalistas em três associações de jornalismo de ciência dos Estados
Unidos, apresentada no evento Women in Science Writing: Solutions Summit em 2014.
Em termos de pesquisa acerca das relações de gênero na divulgação cientifica no
contexto brasileiro, diversas autoras têm investigado como as mulheres são vistas em
termos de presença, produção de conteúdo e recepção nas mídias sociais, com foco na
plataforma Youtube (Costa, 2019; Costa & Carvalho, 2020; Mattos, 2020; Fontanetto,
2021).
A jornalista e divulgadora científica Renata Fontanetto (2021) analisou como
vídeos de divulgação científica no Youtube com selo nacional ScienceVlogs Brasil –
extraídos do canal A Matemaníaca e do Canal do Pirulla – poderiam estimular o debate
sobre mulheres nas ciências com jovens do Ensino Médio de escolas públicas do estado

7 Disponível em: <https://twitter.com/TheSpaceGal/status/1293218976428781568>.

74
do Rio de Janeiro. Por meio de três grupos focais pelo WhatsApp, Fontanetto (2021)
analisou as narrativas das jovens sobre mercado de trabalho para mulheres,
representatividade feminina, dificuldades e obstáculos na sociedade, sexismo, racismo,
opções de carreira e visões acerca de estereótipos de cientista. Nos grupos focais, ao
discutir sobre percepções acerca de atividade e trabalhos supostamente femininos e
masculinos, as jovens dialogaram sobre normas sociais e culturais que têm raízes
históricas e estruturais, e adotaram posturas críticas, de questionamento e de
enfrentamento. Desta forma, Fontanetto (2021, p. 123) argumentou que as jovens
“demonstram uma leitura diferente e processos de mudança que ocorrem em seus
círculos sociais ou em suas trajetórias pessoais”. Fontanetto (2021) argumentou ainda
sobre a importância de representatividade de gênero e de raça na divulgação cientifica
brasileira nas redes sociais:

Pautar uma divulgação científica a partir de diferentes socializações e vivências, com


ênfase nos marcadores de gênero e raça, pode ser um primeiro caminho para atingir
novos públicos on-line, assim como pode estimular narrativas que se aproximem da
história de vida de jovens de ensino médio de escolas públicas (Fontanetto, 2021, p.
167).

Em uma pesquisa sobre o sexismo na divulgação científica a partir da análise de


comentários em um vídeo do canal Nerdologia, Costa e Carvalho (2020, p. 51)
buscaram “identificar não apenas se a temática do sexismo se manteve em debate, mas
em que argumentos esse debate se pautou e como os comentários permitem observar
diferentes violências simbólicas direcionadas à presença de mulheres na ciência e na
divulgação científica”. Em cerca de 15 mil comentários coletados, Costa e Carvalho
(2020) analisaram os que tiveram maior número de curtidas e apontam para a posição de
vulnerabilidade em que se encontram as mulheres ao atuarem na divulgação científica,
ao levar em conta os preconceitos e estereótipos que as deslegitimam como produtoras
de conhecimento.
A pesquisa é parte da análise mais ampla na tese de Verônica Soares da Costa
(2019), na qual se debruçou sobre como a divulgação científica pode perpetuar
pressupostos androcêntricos de conhecimento ao analisar criticamente uma série de
vídeos de Nerdologia. A autora discutiu que o viés sexista no canal aparece de distintas
formas, associando as mulheres a posições de objetificação e subalternização, como na
visibilização da mulher como objeto sexual, na invisibilidade de mulheres como
referências científicas e em manifestações imagéticas caricatas. Além disso, a partir do

75
referencial teórico dos estudos feministas da ciência, Costa (2019) discorreu sobre um
viés biologizante, positivista e institucionalizante do conteúdo do canal, apontando para
a necessidade de localizar saberes e discutir criticamente a pretensa objetividade e
neutralidade do conhecimento científico. Desta forma, a autora argumentou que se o
campo da divulgação científica não centrar o debate nessas questões, se constituirá
“apenas mais uma camada reificadora de desigualdades” (Costa, 2019, p. 198). Desta
forma, a autora tece considerações sobre a importância de levar em conta os estudos
feministas da ciência na divulgação científica:

Diante da pergunta de por que se deveria discutir gênero na divulgação científica, a


superação de uma visão da ciência masculina parece também ser uma importante missão
política das ações de divulgação, assim como a abertura da divulgação para saberes
parciais, que não pretendem dar conta do mundo, mas que são capazes de operar
grandes transformações no espaço-tempo em que estão localizados (Costa, 2019, p.
203).

As pesquisadoras Katemari Rosa e Felicia Moore Mensah (2021) discutem ainda


a importância de decolonizar o pensamento científico ao repensar os lugares de
fracasso/sucesso em que são colocadas as mulheres negras e não brancas. As autoras
criticam o pressuposto de que as mulheres negras devem se adaptar a estes espaços, uma
vez que os espaços falham em incluí-las:

defender a necessidade de ser ensinado a negociar essas diferenças culturais é colocar o


fardo sobre as mulheres negras e as mulheres de cor. Os espaços têm que mudar.
Precisamos descolonizar STEM (Rosa & Mensah, 2021, p. 5).

Na perspectiva dos sujeitos que produzem conteúdo sobre ciência, há uma


necessidade urgente de desenvolver práticas mais equitativas e significativamente
inclusivas dentro da comunicação pública da ciência. Finlay e colaboradoras (2021)
trouxeram exemplos da divulgação científica realizada pelas
Organizações de Saúde Controladas pela Comunidade Aborígene (ACCHOs), na
Austrália, no âmbito da pandemia de Covid-19, e, durante a crise de ebola na região da
África ocidental. No estudo, descreveram como comunicadores da ciência fizeram
parceria com músicos populares e Griots, de modo a comunicar informações científicas
e de saúde pública por meio da música. Ao dialogarem com as comunidades em suas
próprias línguas locais, reforçaram o poder emancipador e a relevância de comunicar
ciência em seus próprios termos, junto ao legado cultural de conhecimentos indígenas.

76
De forma similar, a capacidade das ACCHOs de falar com seu público decorreu
de um profundo entendimento por ser uma associação de dentro da comunidade,
administrada por e para a população local. As autoras argumentaram que a comunicação
da ciência branca, ocidental, europeia e anglófona deveria aprender com práticas,
conhecimentos e valores exercidos por grupos minoritários e marginalizados:

Se os setores e comunidades com as quais desejam se comunicar não estão


representados em suas organizações - se nenhum senso genuíno de "nós" foi
estabelecido - eles [a comunicação da ciência dominante] devem saber quando recuar,
porque não é o seu espaço. Aprender com diversos setores da prática de comunicação é
fundamental, mas nossos exemplos mostram que não pode ser apropriado ou uma
repetição vazia de práticas sem o contexto pleno e os valores compartilhados que as
acompanham (Finlay et al., 2021, p. 7, tradução nossa).

Para os canais de divulgação científica dominantes, seria importante estimular


ativamente a discussão sobre diversidade, reconhecendo que o padrão dominante exclui
demais conhecimentos não hegemônicos (Finlay et al., 2021). A divulgação científica
poderia desempenhar um papel importante em mostrar como a ciência pode ser feita de
forma diversa – como, por exemplo, por mulheres, pessoas negras e pessoas do sul
global –, cujas experiências afetam e moldam a maneira como se situam no mundo:

Esses corpos e experiências que são marginais à ciência normal ou hegemônica também
estão ansiosos para incorporar outro ethos da ciência, especialmente por causa de suas
experiências marginais: um ethos que pode cuidar das comunidades que eles
incorporam, um ethos que pode estar atento a essas comunidades e às suas necessidades
(Pérez-Bustos, 2019, p.2, tradução nossa).

Pérez-Bustos (2019) argumenta que a presença de mulheres cientistas


transgênero na mídia e em espaços de poder – como a publicidade dada a bióloga
Brigitte Baptiste, ex-diretora do Instituto Nacional de Biodiversidade Alexander von
Humboldt e reitora da Universidade Ean, na Colômbia – contribui para desestabilizar
imaginários sociais acerca das mulheres trans e para questionar a própria ideia do que é
ciência e de quem a produz. No contexto brasileiro, um exemplo é a divulgação
científica feita pela Rita von Hunty, criadora da página do Youtube “Tempero Drag”,
que aborda diferentes aspectos das normas sociais e culturais de gênero na sociedade, e
tem o quadro “Mulheres foda”, no qual traz biografias de importantes personagens da
história a partir de um olhar feminista interseccional.
Roberson e Orthia (2021) discutem sobre o espaço negligenciado para a
comunidade queer dentro da comunicação da ciência. Há uma lacuna de pesquisa sobre

77
a experiência queer, que definem como “um ato instrucional, comunicativo e
performativo que desafia a heteronormatividade” (Roberson & Orthia, 2021, p. 2,
tradução nossa). Em um sentido amplo, queer significaria não normatividade ou aquilo
que não é heteronormativo, abrangendo uma ampla gama de sexualidades e gêneros,
identificados como lgbtqia+. A heteronormatividade seria, portanto, uma construção
social hegemônica dentro das estruturas ocidentais de produção de conhecimento e no
interior das instituições que tornam a heterossexualidade não apenas a norma, mas
também um lugar de privilégio (Roberson & Orthia, 2021).
As autoras advogam a necessidade das pessoas queer passarem a serem vistas
não apenas como objetos de estudo, mas enquanto pesquisadoras e comunicadoras, de
modo a exercer controle sobre agendas, teorias e paradigmas de pesquisa. Desta forma,
argumentam que a pesquisa e a prática em comunicação da ciência devem ser mais
críticas sobre as vozes que são ouvidas, sobre por que e quais públicos estão envolvidos,
tendo em mente em como a normatividade e a heteronormatividade contribuem para as
desigualdades de gênero e para as relações de poder na divulgação científica (Roberson
e Orthia, 2021).
Ao pensar no papel da divulgação científica, seja no âmbito da prática ou da
pesquisa, a reflexão sobre inclusão e equidade de gênero se coloca desde a formação de
uma equipe mais diversa até ter como norte a importância de espaços que levem em
conta as diferenças. Assim, além da importância de criação de espaços seguros e
acolhedores, as experiências, vivências e conhecimentos de diferentes públicos devem
ser validados e reconhecidos.
Como as práticas de educação e divulgação científica podem influenciar no
senso de pertencimento de jovens mulheres ao espaço científico, de forma a não
reproduzir normas sociais e culturais de gênero, raça, sexualidade e assimetrias de poder
que constringem suas possibilidades de futuro? Compreender os múltiplos fatores que
afetam a participação das mulheres nas ciências pode ajudar a construir caminhos para
uma educação e divulgação científica que busque levar em conta essas diferenças e
inequidades históricas.

78
3. Meninas nas STEM: políticas nacionais, representatividade,
pertencimento e identidade

Porque Eurídice, vejam vocês, era uma mulher brilhante. Se lhe dessem cálculos ela
projetaria pontes. Se lhe dessem um laboratório ela inventaria vacinas. Se lhe dessem
páginas brancas ela escreveria clássicos. Mas o que lhe deram foram cuecas sujas, que
Eurídice lavou muito rápido e muito bem, sentando-se em seguida no sofá, olhando as
unhas e pensando no que deveria pensar.
Marta Batalha, 2016

A personagem Eurídice, no livro A vida invisível de Eurídice Gusmão, escrito


por Marta Batalha (2016), representa uma mulher que segue um destino socialmente
premeditado para mulheres brancas nascidas no Rio de Janeiro no início do século 20,
criadas para serem boas esposas e mães. Uma mulher que se adequa às expectativas
sociais abafando suas partes que sonham e constroem possibilidades para si. Esta
narrativa dialoga com a inserção das mulheres nas ciências, particularmente nas ciências
exatas, por constituírem áreas historicamente excludentes e masculinas, nas quais as
mulheres sequer podiam sonhar em fazer parte até um passado recente.
Ao discutirem historicamente os marcos legais e políticas públicas de gênero, a
economista Hildete Pereira de Melo e a cientista política Débora Thomé afirmam:

toda a legislação do Estado Imperial foi consolidada em torno da figura masculina: as


mulheres praticamente foram ignoradas, cabendo a elas o papel doméstico e de
submissão. As brancas eram confinadas ao lar, as negras, à mão de obra escrava,
vivendo nas franjas da sociedade (Melo & Tomé, 2018, p. 149).

Aprovado em 1916, o Código Civil tutelava as mulheres casadas aos maridos


numa afirmação do poder patriarcal, as quais não dispunham do patrimônio herdado
nem podiam trabalhar fora de casa sem a autorização do cônjuge – sendo o divórcio
regulamentado apenas em 1977. O direito de votar e de serem votadas foi conquistado
em 1934. Melo e Tomé (2018) destacaram que estas conquistas que possibilitaram
mudanças nos marcos legais que regiam a participação feminina na sociedade foram
obtidas por meio de muitas disputas e de uma forte atuação política feminina.
Em 1936, ao assumir o mandato de deputada federal, a bióloga e ativista
feminista Bertha Lutz fez a primeira proposta de uma política pública de gênero no
Brasil: o Departamento Nacional da Mulher. Desenvolvido enquanto presidenta da
Federação Brasileira pelo Progresso Científico, o projeto previa a transversalidade da

79
política pública por meio de ações que conjugavam educação, trabalho e justiça. No
entanto, o projeto foi interrompido em 1937, com a decretação do Estado Novo. A
participação oficial do Brasil na I Conferência Internacional da Mulher, em 1975, no
México, promovida pela Organização das Nações Unidas e que contou com Bertha Lutz
como integrante da delegação brasileira, foi um marco no fortalecimento do movimento
feminista brasileiro.
Segundo Melo e Tomé (2018), a criação em 1985 do Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher, vinculado ao Ministério da Justiça, teve papel importante no
reconhecimento da necessidade de políticas específicas para as mulheres e influenciou a
inclusão de orientações para políticas públicas mais igualitárias na Constituição Federal
de 1988. As autoras argumentaram que o período de 2003 a 2010 foi um dos melhores
momentos para as políticas afirmativas de gênero e de raça, por meio da criação de duas
secretarias dotadas de status ministerial e de orçamento, a Secretaria de Políticas para as
Mulheres (SPM) e a Secretaria de Políticas de Promoção e de Igualdade Racial. Foi por
meio da SPM e da criação do Programa Mulher e Ciência pelo CNPq que, em 2008, o
debate sobre a participação das mulheres nas ciências foi inserido nas orientações de
políticas nacionais pela primeira vez.
A partir das disputas e tensionamentos sobre a necessidade de políticas de
equidade de gênero na educação em ciências, emergiram iniciativas brasileiras na última
década, que buscam incentivar o interesse de jovens pelas áreas de ciências, tecnologias,
engenharias e matemática (STEM, na sigla em inglês). Neste capítulo, discutiremos o
panorama brasileiro e mundial da inserção das mulheres nas ciências, particularmente
nas áreas de ciências exatas, e as políticas e iniciativas brasileiras nas últimas duas
décadas que buscaram incentivar jovens a se interessarem por essas áreas. Na segunda
parte do capítulo, discutiremos sobre fatores que afetam a participação de meninas e
mulheres nas ciências, a partir do referencial teórico da educação em STEM, destacando
as pesquisas que tangem sobre representatividade, pertencimento e identidade científica.

3.1. O termo STEM na educação

Ciências, tecnologias, engenharias e matemática apareceram juntas, pela


primeira vez, na sigla SMET na década de 1990, nos Estados Unidos, a partir de
documentos da National Science Foundation (NSF, 1996). No início dos anos 2000, por

80
sua melhor aceitação, foram substituídas pela sigla STEM, que significa science,
technology, engineering and mathematics, em inglês (Sanders, 2009). Ao ganharem
prioridade de financiamento pelo governo americano em 2009 por meio do programa
Educate to Innovate, proposto pelo então presidente Barack Obama, as políticas de
educação em STEM se ampliaram com o investimento de bilhões de dólares em
projetos nas escolas norte-americanas. A campanha foi criada em resposta à constatação
do baixo desempenho das/os estudantes americanos nessas áreas e à perda de
competitividade internacional. Obama, em seu discurso na Third Annual White House
Science Fair, em 2013, pronunciou a importância dedicada ao campo:

Uma das coisas em que me concentrei como presidente é em como criarmos uma
abordagem prática para ciências, tecnologias, engenharias e matemática. Precisamos
fazer disso uma prioridade para treinar um exército de novos professores nessas áreas, e
garantir que todos nós, como país, levantemos essas disciplinas pelo respeito que
merecem (White House, 2013, tradução nossa).

Essa iniciativa educacional pretendia fornecer a todas/os estudantes habilidades


de pensamento crítico que estimulasse a criatividade na solução de problemas e maior
valorização no mercado de trabalho. Educação em STEM poderia ser entendida como
um canal para a mobilidade social individual, particularmente de minorias e pessoas de
baixa renda (White, 2014). No contexto do ensino estadunidense, em que estudantes
podem optar ou não por uma educação com ênfase em STEM no ensino secundário,
Xie, Fang e Shauman (2015) argumentam que é muito difícil para alguém que não tenha
tido uma educação com foco em STEM no secundário seguir uma carreira em STEM no
ensino superior.
Li e colaboradores (2020) analisaram as tendências da pesquisa em educação em
STEM a partir de uma revisão sistemática das publicações em 36 periódicos no período
de 2000 – quando o termo surgiu – a 2018. A partir das palavras-chaves “STEM”,
“STEAM” e “science, technology, engineering and mathematics”, os autores
encontraram 798 artigos neste período. Há uma ascensão do termo a partir de 2010, com
crescimento em 2016 e em 2018. O país que concentra a maior parte das publicações é o
Estados Unidos (75%), seguido de Austrália e Canadá, e, em relação à divisão temática,
os estudos na categoria de metas, políticas, currículo e avaliação em STEM têm sido os
mais presentes na literatura.
Não há, no entanto, consenso sobre a definição do termo “educação em STEM”.
Há duas principais definições correntes. A primeira é usada para se referir à educação

81
em qualquer uma das disciplinas da sigla STEM separadamente. Essa abordagem
agrupa muitas disciplinas distintas no pressuposto de que sua importância
compartilhada promoveria inovação tecnológica, competitividade, prosperidade e
segurança nacional (Xie; Fang; Shauman, 2015). No entanto, adotar essa definição leva
a outro dissenso, que diz respeito a quais disciplinas pertencem ao campo STEM.
Algumas agências federais, como a NSF, usam uma definição mais ampla de STEM 8,
que incluiria psicologia e ciências sociais, além das ciências exatas e engenharias.
Demais agências americanas, como o Serviço de Imigração e Controle de Aduanas dos
Estados Unidos, usam uma definição mais restrita que exclui as ciências sociais e
abrange apenas as áreas de matemática, química, física, computação, ciências da
informação e engenharias (Gonzalez & Kuenzi, 2012).
A segunda definição mais usual enfatiza as conexões lógicas e conceituais que
permeiam os campos STEM como um todo, definindo como um conjunto de práticas e
processos que transcendem as linhas disciplinares e das quais emerge outro tipo de
conhecimento e aprendizagem. Sanders (2009) discute a noção de uma educação
integrativa em STEM, a qual incluiria abordagens que exploram o ensino e
aprendizagem entre, pelo menos, duas disciplinas em STEM, ou entre uma disciplina da
sigla e outra disciplina escolar. A noção de educação integrativa em STEM acarreta
ainda a necessidade de uma formação de professores para dar conta desta abordagem
transdisciplinar na educação em STEM.
Ao propor essa abordagem, Sanders (2009) defende a necessidade da
interdisciplinaridade, argumentando que a integração entre disciplinas ajudaria a
fornecer um contexto e uma estrutura para organizar entendimentos abstratos no campo
das ciências e incentivaria estudantes a construir ativamente conhecimentos científicos
contextualizados. A educação integrativa em STEM estaria baseada nos pilares do
construtivismo, considerando: (i) o aprendizado como um processo construtivo; (ii)
motivação e crenças como essenciais para a cognição; (iii) a interação social como
fundamental para o desenvolvimento cognitivo; e (iv) o conhecimento e as experiências
dependentes de contexto.
Em 2013, ao lançar o Plano Estratégico para a Educação em STEM, o governo
norte-americano enfatizou a prioridade da ampliação do número de estudantes de

8 Lista de disciplinas consideradas pela NSF como STEM, publicada em 2014:


https://www.btaa.org/docs/default-source/diversity/nsf-approved-fields-of-study.pdf

82
grupos minoritários nos cursos de graduação em STEM – incluindo, neste incentivo, o
estímulo a participação das mulheres nessas áreas. A noção de que os homens seriam
naturalmente mais talentosos e interessados em ciências é um estereótipo culturalmente
difundido, visto em diversos estudos sobre viés implícito que associam tanto a
matemática quanto a genialidade ao masculino (ver Capítulo 2). Refletindo essa crença
normativa, as meninas relatam consistentemente autoavaliações mais baixas de
habilidades quantitativas, menor autoconfiança nas habilidades matemáticas, menor
interesse e motivação para aprender matemática e ciências, assim como menor interesse
em seguir carreiras nos campos de STEM. A inclusão de mulheres no plano estratégico
norte-americano para a educação em STEM teve o intuito de tratar as questões sobre
desigualdades de gênero discutidas na literatura na área (Xie; Fang; Shauman, 2015).
Como discutido anteriormente, o movimento da educação em STEM se iniciou
nos Estados Unidos e se disseminou para demais regiões do mundo, trazendo consigo
moldes do sistema educacional estadunidense (Pugliese, 2020). O pesquisador brasileiro
em educação em STEM Gustavo Pugliese (2020) destacou três fatores relacionados com
a expansão mundial da educação em STEM: a exaltação da inovação, uma vez que a
educação em STEM apareceria como resposta a um currículo desatualizado das
exigências da indústria e do mercado de trabalho; a escassez de profissionais
capacitados nessas áreas e a perda de competitividade econômica; e o baixo
desempenho e motivação de estudantes nas ciências. Pugliese (2017) argumenta que as
motivações que alavancaram o movimento de educação em STEM estariam mais
centradas na esfera econômica do que em interesses educacionais:

A noção de perda de competitividade como catalisador do movimento é chave para


compreender a motivação em favor de STEM que vem principalmente do setor
econômico. Para Wong et al. (2016), a confusão sobre a natureza da STEM education
não surpreende, uma vez que o movimento se desenvolve mais a partir de uma
racionalidade econômica do que educacional (Pugliese, 2017, p. 42).

Nesse contexto de crítica às motivações prioritariamente econômicas, alguns


estudos sobre políticas em educação em STEM discutem que o lema da ‘diversidade’ e
da ‘equidade’ aparece em documentos oficiais, mas não tem sido propriamente
operacionalizado, por exemplo, programas que tinham a mensagem de equidade como
lema, não contemplavam grupos minoritários, alcançando apenas grupos já em posição
de privilégio (Rincon et al., 2014; Wong et al., 2016; Pugliese, 2020).

83
Outra questão destacada por Pugliese (2020) é o esvaziamento das humanidades
e do entendimento social da natureza da ciência na proposta curricular dentro da
educação em STEM, promovendo uma educação científica tecnicista que
desconsideraria as questões sociais e éticas na construção do conhecimento científico. O
autor argumenta que, como modelo pedagógico de ensino de ciências, baseado em
projetos e resolução de situações-problemas, a educação em STEM se aproximaria do
que é entendido como o modelo de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). No entanto,
a influência do setor econômico aproximaria a ‘educação em STEM’ a um modelo
tecnicista. Desta forma, o autor destaca a importância de uma educação em STEM
voltada para os interesses sociais e de grupos minoritários:

não nos beneficiará o modelo de STEM education voltado para justiça social em que se
defenda a inclusão de minorias em STEM apenas porque beneficia a economia do país,
mas sim um modelo que se paute em benefícios para as próprias minorias, em como
essas minorias podem usufruir do acesso às áreas STEM (Pugliese, 2020, p. 226).

Neste sentido, por meio do incentivo da educação em STEM, a participação das


mulheres e de demais grupos minoritários nas ciências precisaria ser pensada não
apenas como a necessidade de maior recrutamento e inserção, mas da construção de um
modelo que se paute por e para os grupos não dominantes.

3.2. Participação das mulheres nas ciências

Desde 2010, as mulheres representam cerca de metade do total de pesquisadores


no Brasil e, em 2018, representavam cerca de 45,1% dos pesquisadores na América
Latina e Caribe (Unesco, 2019). Apesar de animadores à primeira vista, ao desagregar
os dados, os números indicam cenários desiguais seja na entrada, na permanência ou na
ascensão das mulheres na carreira científica. Em nível nacional e internacional, há
desigualdade no ingresso das carreiras científicas, de modo que as mulheres estão mais
representadas nas carreiras relacionadas aos cuidados, à saúde e à educação enquanto os
homens prevalecem nos cursos ligados às áreas de exatas e engenharias.
No Brasil, os estudos de gênero nas exatas, tecnológicas e engenharias vêm se
consolidando desde os anos 2000 (Garcia & Sedeño, 2006; Carvalho & Casagrande,
2011; Freitas & Luz, 2017), com debates que envolvem o campo de gênero e engenharia
(Lombardi 2013; Lombardi, 2016), as relações de gênero nas aulas de matemática

84
(Casagrande & Carvalho, 2014), inclusão e pertencimento nos cursos de engenharia
(Faulkner, 2007) e o campo da educação STEM e gênero (Oliveira; Unbehaum; Gava,
2019; Sígolo; Gava; Unbehaum, 2021). Conceitos chaves para o entendimento destas
questões são o de segregação horizontal – a partir do qual se discute a existência de
fatores que fazem com que as mulheres ocupem áreas de menor prestígio e remuneração
– e o de segregação vertical, que diz respeito aos fatores que dificultam as mulheres a
ascenderem e alcançarem posições de liderança, que se desdobram nos conceitos de
“teto de vidro”, “labirinto de cristal” e “leaky pipeline” (Schiebinger, 2001; Olinto,
2011; Lima, 2013; Guedes; Azevedo; Ferreira, 2015). Este debate vem sendo discutido
ainda a partir da teoria de divisão sexual do trabalho, que “tem por características a
destinação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva
e, simultaneamente, a ocupação pelos homens das funções de forte valor social
agregado” (Kergoat, 2009, p. 67; ver Capítulo 1).
O ingresso e distribuição de homens e mulheres entre áreas de conhecimento
vêm sendo foco de relatórios internacionais e nacionais, que buscam avaliar a situação e
a participação das mulheres e demais grupos minoritários na ciência e tecnologia
(National Science Foundation, 2019; European Commission, 2018; Elsevier, 2017;
Unesco, 2018; Unesco, 2019; OCDE, 2019; IBGE, 2018).
Segundo relatório Women in Science - Unesco Institute for Statistics, em 2019,
do total de pessoas empregadas na área de Pesquisa & Desenvolvimento, em horário
parcial e integral, no mundo, apenas 29,3% eram mulheres. Como mencionado
anteriormente, o cenário é mais positivo com relação à inserção feminina na América
latina e Caribe, em que o percentual médio de mulheres empregadas nessas áreas
chegou a 45,1% (Unesco, 2019). Na Figura 1, está detalhada a proporção de mulheres
pesquisadoras entre os diferentes países da América Latina, em que, por exemplo, na
Bolívia, representavam 61,4% dos pesquisadores enquanto, no Peru, representavam
29,9%.

85
Figura 1: Proporção das mulheres pesquisadoras na América Latina (Fonte: Unesco, 2019).

No cenário mundial, em análise de 115 países e territórios independentes, as


diferenças na distribuição entre áreas de conhecimento permanecem: as mulheres
representam 71% dos estudantes matriculados em cursos na área de educação e 68% na
área de saúde e bem-estar, enquanto, nas áreas de tecnologias da informação e
comunicação representam 28% e, em engenharia, produção industrial e construção,
apenas 27% (Figura 2; UIS 2014-2016). Com relação à aspiração relacionada à carreira
dentro dos campos científicos, por exemplo, no Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes de 2015, meninas declararam uma probabilidade três vezes maior do que os
meninos de verem a si mesmas exercendo profissões na área da saúde, enquanto os
meninos declararam probabilidade duas vezes maior do que as meninas de verem a si
mesmos trabalhando na área de engenharia (Unesco, 2018b).

86
Figura 2: Parcela de estudantes de ambos os sexos matriculados na educação superior, por
campo de estudo, média mundial (Fonte: Decifrando o código, Unesco, 2018b, UIS 2014-2016).

O relatório Women, minorities, and persons with disabilities in science and


engineering, da National Science Foundation, publicado em 2019, fornece informações
estatísticas sobre a participação na educação e no mercado de trabalho das mulheres,
grupos minoritários – pessoas negras e afro-americanas, hispânicas ou latinas e
indígenas americanas ou nativas do Alasca – e pessoas com deficiências. Nos Estados
Unidos, em 2016, as mulheres representavam cerca de metade do contingente de
pessoas com graduação nas áreas de ciências e engenharias, cerca de 44% das que
obtiveram mestrado e 41% das que obtiveram doutorado nessas áreas (NSF, 2019).
Esses percentuais são elevados por conta da maior presença de mulheres nas áreas de
psicologia (cerca de 75% de mulheres em todos os níveis de formação), ciências
biológicas e ciências sociais (exceto economia), enquanto representavam um percentual
menor nas áreas de ciências da computação, engenharias, matemática e estatística. Em
ciências da computação, houve um declínio no percentual de mulheres no nível de
graduação em 2016 (19%) em relação a 1997 (27%), também observado na área de
matemática e estatística. As áreas com menor presença de mulheres foram engenharias e
física, em que o percentual de mulheres estava em torno de 20%.
Ao analisar sob a perspectiva interseccional, identificou-se, no relatório, que
mulheres de grupos minoritários sub-representados, como hispânicas e afro-americanas,
obtiveram mais da metade dos diplomas de ciências e engenharias concedido a seus
respectivos grupos raciais e étnicos nos níveis de graduação e de pós-graduação. As
minorias sub-representadas tiveram uma participação crescente no nível de graduação
em psicologia, ciências sociais e ciências biológicas. Nos Estados Unidos, homens, no
entanto, apresentavam mais participação entre os diferentes grupos minoritários nas
engenharias.

87
O relatório She Figures fornece uma série de indicadores sobre igualdade de
gênero em pesquisa e inovação no âmbito europeu, de modo a compreender o impacto e
os efeitos das políticas implementadas nesta área (European Comission, 2018). Na
União Europeia (UE), a proporção de mulheres no nível de doutorado variou entre os
diferentes campos, apresentando, em 2016, maior representação na educação (68%) e
sub-representação no campo da informação e tecnologias de comunicação (21%), e nos
campos de engenharias e construção (29%). Constituindo apenas um terço dos
pesquisadores europeus, as mulheres tinham maior presença no setor governamental
(42,5%) e no ensino superior (42,1%), enquanto, no setor empresarial, representavam
apenas 20,2% do número total de pesquisadores.
Com relação às condições de trabalho, a proporção de mulheres que trabalhavam
em período parcial foi maior que a dos homens: 13% das pesquisadoras e 8% dos
pesquisadores estavam trabalhando meio período em 2016. Em termos de remuneração,
o relatório evidencia uma disparidade salarial considerável entre os gêneros nas
ocupações científicas em P&D: as pesquisadoras na UE receberam, em média, 17%
menos do que seus colegas homens em 2014, e a disparidade salarial aumentou com a
idade. Além disso, na progressão da carreira acadêmica, -- comumente observado em
diversos estudos e conhecido como efeito tesoura –, no início da carreira, as mulheres
eram maioria na condição de estudantes e se tornaram minoria ao subir em posições
acadêmicas, nos diferentes níveis na escala de status como docentes. No contexto
nacional, a pesquisadora Roberta Arêas e colaboradoras (2021) analisaram as posições
ocupadas por gênero nos cargos técnicos e políticos no sistema de ciência e tecnologia
brasileiro e descreveram igualmente o efeito tesoura na ciência nacional, em que as
mulheres são maioria até a pós-graduação e seguem em queda da posição docente nas
universidades até sua ausência na chefia de agências de fomento e ministérios.
No contexto brasileiro, segundo o relatório Estatísticas de Gênero: indicadores
sociais das mulheres no Brasil 2018, as mulheres alcançam, em média, um nível de
instrução maior que o dos homens, sendo a maior diferença no Ensino Superior (IBGE,
2018). Na faixa etária de 25 a 44 anos, o percentual de homens que completou a
graduação foi de 15,6%, enquanto o de mulheres atingiu 21,5%. Vale destacar a
disparidade por cor/raça entre as mulheres: o percentual de mulheres brancas com
ensino superior completo é mais do que o dobro do calculado para as mulheres pretas ou
pardas. Ainda assim, em relação aos rendimentos médios do trabalho, no Brasil, as
mulheres com Ensino Superior completo receberam 63,4% em relação à remuneração

88
média dos homens com mesmo grau de formação em 2016 (IBGE, 2018). Para dar
visibilidade ao trabalho não remunerado realizado pelas mulheres, outro indicador
importante é o número de horas dedicadas aos cuidados de pessoas e/ou afazeres
domésticos: em 2016, dedicaram cerca de 73% a mais de horas do que os homens – isto
é, dedicavam cerca de oito horas semanais a mais que os homens (IBGE, 2018).
No Censo da Educação Superior de 2018, realizado pelo Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), as mulheres foram maioria no
ingresso (55,2%), mas matrículas (57%) e como concluintes (61%) no Ensino Superior
(INEP, 2018). O relatório Education at a Glance de 2019, da OCDE, aponta que as
mulheres brasileiras (25 a 64 anos) têm 34% mais chances de se formar no ensino
superior do que os homens.
A socióloga Moema Guedes (2010) mostra uma relação direta entre
escolarização e participação feminina no mercado de trabalho. A autora observa ainda
que, dependendo da área cursada na graduação, há diferenças salariais. Em carreiras
consideradas tipicamente masculinas, as diferenças salariais entre homens e mulheres
eram maiores do que naquelas nas quais as mulheres eram maioria. Em carreiras como
agronomia e todos os tipos de engenharia, o contingente de mulheres, na graduação, não
chegava a 30% em 2000. Já em comunicação social e biologia, as mulheres se
destacaram por serem maioria – 64% e 76%, respectivamente –, nos dados do censo de
2000 do IBGE (Guedes, 2008). Em 2014, os percentuais no ensino superior brasileiro se
mantinham díspares: maior número de mulheres nas áreas de saúde e bem-estar (76,6%)
e de educação (72,7%), e maior percentual de homens nas ciências exatas, matemática e
computação (69%) e engenharia, produção e construção (68,5%) (Barros & Mourão,
2018).

3.3. Inserção do indicador de gênero nas políticas nacionais

No cenário nacional, a questão sobre a maior inserção e participação das


mulheres nas ciências e tecnologias surge nas políticas nacionais a partir de 2008, por
meio do II Plano de Políticas para as Mulheres. No entanto, o debate esteve ausente nas
políticas nacionais de ciência e tecnologia, com menção apenas a partir de 2016 (Lima,
2017), quando a inserção do tema apareceu, pela primeira vez e de forma pontual, no
capítulo Principais Tendências das Políticas de CT&I, da Estratégia Nacional de

89
Ciência, Tecnologia e Inovação 2016-2019. Nele, é mencionado que as políticas de
combate às desigualdades de gênero na ciência e tecnologia têm sido adotadas por
outros países e é destacada como uma tendência (Lima, 2017), como observado a
seguir.

Garantir e incentivar a participação plena e efetiva das mulheres nas ciências e


assegurar a igualdade de oportunidades na área de CT&I apresentam-se como uma forte
tendência mundial com benefícios diretos para a sociedade como um todo. França,
Inglaterra e Estados Unidos estão entre os países que implantaram programas de
combate à desigualdade de gênero com foco na redução das disparidades no
desenvolvimento da carreira de CT&I e no fomento de pesquisas que incluam a
transversalidade da abordagem de gênero. Pesquisas sobre relações de gênero, divisão
sexual do trabalho e relações de poder têm sido incentivadas. Um dos resultados
históricos dessa transversalidade se reflete na inclusão das mulheres nos testes dos
medicamentos em fase de pesquisa. (ENCTI, 2016-2019, p. 58).

Como mencionado, nos documentos que orientam as políticas nacionais de


gênero, o tema da ciência e tecnologia foi abordado diretamente desde 2008, no II
PNPM, dentro do VI objetivo do eixo Educação Inclusiva, Não Sexista, Não Racista,
Não Homofóbica e Não Lesbofóbica, e como prioridades e ações estabelecidas:

VI. Estimular a participação das mulheres nas áreas científicas e tecnológicas e a


produção de conhecimento na área de gênero, identidade de gênero e orientação sexual,
levando em consideração os aspectos étnico-raciais, geracional, das pessoas com
deficiência, entre outros (II PNPM, 2008).

Com implementação em 2005, o Programa Mulher e Ciência (PMC) é


considerado um marco para o estímulo à inserção das questões de gênero na política
brasileira (Lima & Costa, 2016). O PMC tem, como objetivos, estimular a produção
científica e a reflexão acerca das relações de gênero, mulheres e feminismos no país, e
promover a participação das mulheres no campo das ciências e carreiras acadêmicas.
Desde sua criação, o programa implementou três principais ações: chamadas públicas
para apoio à pesquisa científica na temática “mulheres, relações de gênero e
feminismos” por meio de recursos financeiros e bolsas; o prêmio anual “Construindo a
Igualdade de Gênero”, destinado aos estudantes do ensino médio, ensino superior, pós-
graduação e escolas do ensino médio; e o encontro trienal “Gênero e Ciências”, com
núcleos de pesquisa, com o intuito de discutir a produção científica na área e as
relações de gênero na ciência (Lima, 2017).
Na esteira da discussão internacional sobre as medidas a favor da equidade de
gênero nas C&T, Lima (2017) sistematiza as políticas implementadas pelo PMC em
90
torno de três eixos: (i) políticas que visam fomentar a participação feminina com
medidas inclusivas nas carreiras em C&T, que vem sendo o eixo de ações mais
implementado nas políticas. São exemplos: as chamadas do CNPq Meninas nas
Ciências Exatas, Engenharias e Computação, projetos de divulgação científica como
“Pioneiras da Ciência” e “Participação Negra na Ciência e Tecnologia”, e as ações para
a mobilização, como os encontros “Pensando Gênero e Ciência”; (ii) políticas que
visam contribuir para a construção de uma cultura científica e institucional com menor
desigualdade de gênero, nas quais se incluem a prorrogação das bolsas de pesquisa em
caso de parto ou adoção; e (iii) políticas que visam incentivar que as pesquisas
científicas incorporem a perspectiva de gênero, como exemplo, os editais de fomento às
pesquisas sobre mulheres, relações de gênero e feminismos e o “Prêmio Construindo a
Igualdade de Gênero”.
Pontos importantes a serem considerados para a consolidação de uma política
científica feminista foram apontados pelas sociólogas Bárbara Castro e Mariana Chaguri
no webinário “O que é construir uma política científica feminista?”, realizado
virtualmente em setembro de 2020 pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da
Universidade de Campinas, cujas reflexões foram apresentadas parcialmente em Castro
& Chaguri (2020b). Uma política científica feminista buscaria:

(i) apontar que princípios de avaliação baseados no mérito, atribuído pelo


reconhecimento de pares, apenas pode ser justo baseado na igualdade de gênero; (ii)
apontar que a promoção da igualdade de gênero não depende de acordos ou de
voluntarismos pessoais de homens e de mulheres no interior das comunidades
acadêmicas; (iii) rearticular noções de mérito e de legitimidades, re-espacializando os
cargos e as funções visíveis e invisíveis de poder e de legitimidade no interior das
comunidades acadêmicas; (iv) desestabilizar a hierarquia de gênero nas comunidades
acadêmicas e científicas por meio da redistribuição de legitimidade, de poder e de
prestígio; e (v) garantir que as mulheres existam intelectualmente em seus tempos
pessoais e sociais, participando ativamente dos espaços nos quais as controvérsias
públicas são travadas e os imperativos das inovações científicas são demandados
(Castro & Chaguri, 2020a).

Esses princípios que criticam as noções de mérito, de legitimidades, de avaliação e


de hierarquias de gênero vigentes dentro das comunidades acadêmicas e científicas são
fundamentais para articularmos uma mudança da cultura científica dominante. A seguir,
discutiremos a proposição de políticas e editais orientados por equidade de gênero na
educação em ciências.

91
3.4. Políticas orientadas por equidade de gênero na educação em ciências

No âmbito do Programa Mulher e Ciência, foram realizadas duas chamadas


públicas intituladas Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação, lançadas
em outubro de 2013 e em agosto de 2018. Os editais visavam fomentar a participação
feminina nas áreas das ciências exatas e tecnológicas, em que as mulheres estão sub-
representadas desde o início da carreira, e combater a segregação horizontal que ocorre
no ingresso ao campo de ciência e tecnologia.
A primeira chamada – intitulada MCTI/CNPq/SPM-PR/Petrobras nº 18/2013
Meninas e Jovens Fazendo Ciências Exatas, Engenharias e Computação – teve o aporte
de 11 milhões de reais e foi realizada por meio das parcerias entre o CNPq, a SPM, a
Petrobrás e o MCTI. O objetivo da chamada era:

selecionar propostas para apoio financeiro a projetos que visem contribuir


significativamente para o desenvolvimento científico e tecnológico e inovação do País
com a finalidade de ampliar o número de estudantes do sexo feminino nas carreiras de
ciências exatas, engenharias e computação 9.

A chamada estimulava a formação de uma equipe ampla, ao integrar


pesquisadoras/es de universidades e institutos de pesquisa, graduandas, professoras/es e
estudantes da educação básica, com três modalidades de bolsa que contemplavam esses
segmentos – com exceção da coordenação do projeto. Os projetos deveriam, portanto,
ser coordenados por pesquisadoras/es vinculadas a instituições de pesquisa das áreas de
Exatas, Engenharias e Computação; uma graduanda dessas áreas; de duas a quatro
estudantes do ensino médio; e uma professora ou professor da escola de ensino médio.
Nesta primeira chamada, era obrigatório que a escola fosse participante do Programa
Ensino Médio Inovador do Ministério da Educação. O prazo de execução do projeto foi
de 15 meses - levando em conta o tempo de seleção de candidatos às bolsas e as bolsas
tiveram duração de 12 meses.
Destaca-se que, conforme descrito no edital, havia uma parcela mínima de 30%
dos recursos destinada, necessariamente, a projetos coordenados por pesquisadores/as
vinculados a instituições sediadas nas regiões Norte, Nordeste ou Centro-Oeste do país.
Além disso, o/a coordenador/a do projeto, quando pertencente à instituição sediada

9
Trecho da Chamada 18/2013

92
nestas regiões, poderia ter apenas o título de mestre, enquanto aos demais era exigido o
título de doutor. Há ainda indicação, na chamada, que os/as coordenadores/as deveriam
selecionar estudantes do ensino médio preferencialmente com melhor desempenho em
matemática, física e química.
Na chamada 18/2013, foram aprovados 325 projetos (de 528 recebidos)
vinculados à 107 instituições, contemplando, nas três modalidades de bolsas previstas,
aproximadamente 1.500 bolsistas em todo o país. As áreas com o maior número de
propostas foram Engenharia Química, Química, Ciência da Computação, Engenharia da
Computação, Engenharia Mecânica, Engenharia Elétrica e Física (Lima, 2017).
Na chamada CNPq/MCTIC nº 31/2018 Meninas nas Ciências Exatas,
Engenharias e Computação (Figura 3), lançada em 2018, foram contemplados 78
projetos dos 702 submetidos para aprovação, com cerca de 360 escolas envolvidas.
Com seis milhões de reais – cujo orçamento inicial era de três milhões de reais e
acrescido de mais três milhões pelo Ministério da Educação –, o objetivo era tanto:

despertar o interesse vocacional de estudantes do sexo feminino da Educação Básica


quanto combater a evasão, que ocorre principalmente nos primeiros anos, de estudantes
do sexo feminino dos cursos de graduação nestas áreas, bem como aproximar as escolas
públicas da Educação Básica das Instituições de Ensino Superior10.

O projeto poderia envolver uma, três ou cinco escolas públicas da educação


básica, com bolsas que contemplavam – conforme a quantidade de escolas envolvidas –
de três a quinze estudantes da educação básica, de uma a três graduandas ou de um a
cinco professoras/es da educação básica. Nesta chamada, a/o proponente poderia ter
título de mestre independente da região e um dos critérios de análise era o gênero da/o
proponente, contabilizando dez pontos para proponentes mulheres e zero pontos para
proponentes homens, de modo a estimular a liderança feminina na coordenação dos
projetos. Destaca-se a ausência de um olhar interseccional nos textos das chamadas,
ainda que diversos projetos tenham incorporado a dimensão em seus propósitos.
Há ainda uma recomendação de atividades a serem realizadas no edital, em que
os/as proponentes devem selecionar ao menos três para compor suas propostas (Quadro
1).

10
Trecho da Chamada 31/2018

93
Quadro 1: Atividades recomendadas no item 1.5.4 na chamada 31/2018 (Fonte: Chamada
31/2018).
1. Atividades nas instalações da instituição do/a coordenador/a do projeto (visitas a
laboratórios e instalações, entre outras);
2. Atividades de iniciação à pesquisa que incluam teoria e prática científica
adequada aos objetivos do projeto proposto;
3. Atividades nas escolas participantes (oficinas, palestras, cursos, competições,
exposições, núcleos de experimentação científica, entre outras);
4. Atividades de divulgação do projeto fora da escola (por meio de eventos, blogs,
vídeos, páginas em redes sociais, entre outras), com o uso de técnicas modernas
de comunicação pública da ciência para a produção/elaboração ou emprego de
materiais audiovisuais inovadores e criativos que convidem as jovens a conhecer
o tema;
5. Cursos de capacitação para professores das escolas participantes nas áreas de
ciências exatas, computação e tecnologias;
6. Atividades de preparação das alunas para participação em olimpíadas, mostras,
feiras de ciências e outras modalidades de concursos científicos, bem como em
atividades da SNCT, seminários de iniciação científica e outras atividades
semelhantes;
7. Programa de aulas complementares para as alunas, com foco em ciências exatas,
computação e tecnologias;
8. Criação de um núcleo de apoio nas escolas para manutenção das atividades após o
encerramento da vigência dos projetos;
9. Desenvolvimento de produtos voltados à melhoria do ensino nas áreas de ciências
exatas e à incorporação de tecnologias digitais de informação e comunicação ao
ensino;
10. Elaboração de programa de treinamento e/ou capacitação para as meninas e
jovens nas ciências exatas, engenharias, computação, robótica, com
desenvolvimento de jogos, games, aplicativos educativos e congêneres;
11. Previsão de mostra de vídeos, palestras e oficinas com uso de recursos
audiovisuais e/ou outras formas que demonstrem para a comunidade escolar a
existência de mulheres como cientistas e pesquisadoras com contribuições
significativas para a ciência e a tecnologia no Brasil e no mundo.

Figura 3: Divulgação da Chamada nº 31/2018 (Fonte: Twitter do CNPq)

94
A iniciativa Elas nas Exatas lançou em 2015 e em 2017, os editais Gestão
Escolar Para Equidade: Elas Nas Exatas11. Organizados em parceria entre o Instituto
Unibanco, o ELAS Fundo de Investimento Social e a Fundação Carlos Chagas. Os
editais tinham como intuito “contribuir para romper uma cadeia de valores pré-
estabelecidos, que discriminam as meninas na área das ciências exatas, e promover
oportunidades no campo das ciências e das tecnologias” (Unbehaum & Gava, 2017, p.
4). A iniciativa buscou apoiar ações realizadas em escolas, com foco no enfrentamento
dos estereótipos de gênero e na sensibilização da gestão escolar, com o envolvimento de
estudantes do Ensino Médio de escolas públicas. No primeiro edital, de 175 projetos
submetidos à chamada, foram selecionados dez projetos, de oito estados brasileiros, que
desenvolveram suas ações ao longo de 2016. No segundo edital, de 113 propostas
recebidas, foram selecionadas dez, que envolveram cinco regiões do país e foram
desenvolvidas ao longo de 2018.
Recentemente, demais iniciativas nacionais estão sendo construídas no âmbito
de estimular e promover o interesse de meninas nas ciências, como, por exemplo, o
prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher” 12, promovido pela Sociedade Brasileira para
o Progresso da Ciência (SBPC); o prêmio “Menina Hoje, Cientista Amanhã”13,
promovido pela Fundação Oswaldo Cruz; e o programa “Mulheres na ciência” 14 e
“Garotas STEM”, promovido pelo British Council Brasil, dentre outras iniciativas.
No que tange a pesquisa e avaliação dos projetos e das chamadas, há pesquisas
que avaliam o edital Elas nas Exatas (Unbehaum & Gava, 2017), apresentam um
panorama geral da chamada 18/2013 enquanto política pública (Lima & Costa, 2016;
Lima, 2017), trazem uma avaliação de projetos realizados no âmbito da chamada
18/2013 no estado da Paraíba (Queiroz, 2018) e análise do material produzido pelos
projetos contemplados pela chamada 18/2013 (Caseira & Magalhães, 2019). Há anda
publicações realizadas pela equipe dos projetos desenvolvidos (ver, por exemplo, Brito
et al., 2015; Maciel & Bim, 2016; Witovisk et al., 2018; Herrera & Spinelli, 2019;
Galdino et al., 2020).
As pesquisadoras Sandra Unbehaum e Thais Gava (2017), ao avaliar o I Elas nas
Exatas, realizaram um mapeamento das características dos grupos proponentes e das

11
Ver mais informações em: <http://www.fundosocialelas.org/elasnasexatas/edital/>.
12 Ver mais informações em: <http://portal.sbpcnet.org.br/premio-carolina-bori-cienciamulher/>.
13 Ver mais informações em: <https://olimpiada.fiocruz.br/premio-menina-hoje-cientista-amanha/>.
14 Ver mais informações em: < https://www.britishcouncil.org.br/mulheres-na-ciencia>.

95
atividades realizadas, e propuseram ações necessárias para a implementação de projetos
de equidade de gênero nas escolas. As autoras classificaram os projetos em três
categorias: propostos por organizações da sociedade civil (ONGs) e coletivos;
apresentados por associações de pais ou pela gestão escolar; e submetidos por
pesquisadoras vinculadas às universidades. No que diz respeito aos grupos vinculados
às universidades, as autoras identificaram que as proponentes haviam sido contempladas
anteriormente na chamada 18/2013, sendo a proposta aprovada uma continuidade do
trabalho anterior. Identificaram que o interesse em participar do edital surgiu a partir do
reconhecimento da baixa representatividade das mulheres em suas áreas e destacaram as
características de possuírem bastante conhecimento sobre as áreas das exatas e
tecnológicas, uma vez que eram pesquisadoras dessas áreas, porém pouco conhecimento
sobre as questões de gênero, e pouca experiência e familiaridade com a dinâmica
escolar.
A partir da avaliação do Edital Elas nas Exatas, Unbehaum & Gava (2017)
propuseram a formulação de cinco parâmetros para o desenvolvimento de projetos de
equidade de gênero nas escolas, são eles: (i) envolvimento da escola na execução das
ações, desde a elaboração do projeto ao planejamento das ações; (ii) apoio técnico e
teórico em gênero à equipe gestora (iii) formação continuada dos professores; (iv) foco
no aprendizado das meninas nas disciplinas das ciências, fortalecendo-as nos conteúdos
dessas áreas; e (v) trabalho estruturado a partir de parcerias, promovendo maior
capilaridade do trabalho, continuidade e consolidação.
Com relação à avaliação da chamada 18/2013, Lima (2017) destaca o
envolvimento na temática de gênero de áreas que até então não haviam sido alcançadas
pelo PMC nos editais para desenvolver pesquisas sobre gênero, mulheres e feminismos,
além do efeito multiplicador da iniciativa, que serviu de influência para a elaboração
dos editais Elas nas Exatas e projetos de extensão nas universidades, como o Meninas
na Ciência, da UFRGS. A partir de relatos dados na II Conferência de Mulheres na
Física, Lima (2017) descreve que um dos resultados percebidos foi o desejo das jovens
participantes de ingressarem na universidade e as escolhas de curso terem sido
orientadas pela vivência no projeto. No que diz respeito às graduandas, destacou-se a
motivação de permanecerem no curso escolhido. Um resultado positivo foi ainda o
aumento de visibilidade recebida pelas bolsistas na escola. No caso dos professores da
educação básica, observou-se interesse de dar continuidade à formação e ingressar na
pós-graduação. Araújo & Tonini (2019) apontam que, na avaliação da chamada

96
18/2013, há dados positivos acerca do interesse das estudantes de ensino médio – cerca
de 80% afirmaram ter aumentado o interesse nas áreas relacionadas após a participação
no projeto – e das graduandas – mais de 70% declararam que pretendiam concluir a
graduação nas áreas relacionadas ao projeto e cerca de metade pretendia ingressar na
pós-graduação.
As pesquisadoras Fabiani Figueiredo Caseira e Joanalira Corpes Magalhães
(2019) analisaram os projetos contemplados na chamada 18/2013 que criaram páginas e
redes sociais de divulgação na Internet. As autoras identificaram que, dos 104 projetos
cujos grupos proponentes eram vinculados às universidades, apenas 14 desenvolveram
páginas na web – 11 páginas de Facebook e quatro canais de Youtube. Por meio da
análise de discurso, investigaram as enunciações e imagens presentes nos materiais de
divulgação na forma de almanaques e histórias em quadrinhos e destacaram a ausência
da representação de cientistas negras nos materiais.
Em sua tese, Cecília Queiroz (2018) investigou como os 20 projetos
desenvolvidos na Paraíba, no âmbito da chamada 18/2013, efetivaram-se em dois
contextos, nas universidades e nas escolas de Ensino Médio Inovador. Queiroz avaliou a
implementação e os resultados dos projetos a partir da Abordagem do Ciclo de
Políticas, entrevistou gestores/as nacionais do CNPq e da SPM; coordenadoras/es,
docentes e estudantes das universidades e gestoras/es, docentes e estudantes das escolas
de ensino médio. A autora focou nos/nas participantes de 11 projetos, dos 20
desenvolvidos na Paraíba, nas três universidades e cinco escolas envolvidas, realizando
42 entrevistas e um grupo focal.
Ao analisar os documentos produzidos pelas/os coordenadores, Queiroz
destacou dois indicadores: a pertinência e a coerência entre os objetivos propostos no
projeto e os objetivos da chamada 18/2013; e a discussão sobre gênero ou gendramento
na área. As discussões de gênero nos projetos foram praticamente ausentes: apareceu
em apenas um dos onze projetos. A autora argumenta que:

isso pode indicar uma fragilidade da CP [chamada pública] em relação ao alcance dos
seus objetivos, o que resultou na secundarização da sub-representação em STEM,
mesmo em projetos com investimento específico para abordar o tema, e apontou que os
efeitos dos projetos foram pouco abrangentes (Queiroz, 2018, p. 284).

Ao analisar a produção científica dos/as coordenadores/as dos projetos da


Paraíba, Queiroz (2018) identificou que, das/os 11 coordenadoras/es, apenas seis citam
informações sobre a participação na chamada 18/2013 no Currículo Lattes, e apenas três

97
tiveram artigos publicados que abordam explicitamente as questões de gênero. Este fato
reforça, segundo a autora, o argumento de que diversos proponentes submeteram
projetos sem que tivessem afinidade com o debate sobre relações de gênero nas
ciências.
Dentre as sugestões apontadas a partir da avaliação dos projetos na Paraíba,
estão envolver gestores de escolas em projetos em equidade de gênero; desconstruir a
ideia de vocação sobre as escolhas de cursos e carreiras profissionais das estudantes,
evidenciando o gendramento presente nos espaços educacionais; garantir, nas chamadas
públicas, recursos para que as escolas melhorem sua infraestrutura e possam viabilizar
transporte para participação em ações externas; e ampliar o prazo de execução dos
projetos em fluxo contínuo, entre outros (Queiroz, 2018). O processo de avaliação dos
projetos realizado por Queiroz (2018) foi partilhado com a equipe do CNPq e resultou
em mudanças no edital seguinte, realizado em 2018, como, por exemplo, no requisito de
doação dos equipamentos obtidos pelo projeto para a escola e o período de execução
mais longo.
Ao avaliar as percepções das jovens participantes sobre o projeto Meninas no
Museu de Astronomia e Ciências Afins, realizado pelo Mast, as pesquisadoras e
coordenadoras do projeto Sandra Benitez Herrera, Patrícia Figueiró Spinelli e Ana Paula
Germano (2017, 2019) usaram uma triangulação de métodos com observação
participante, entrevistas e grupo focal. O projeto foi um desdobramento do Dia das
Meninas no Mast. Com início em 2016, a primeira edição do projeto teve a duração de
um ano e meio. Nesta edição, o projeto contou com recursos institucionais e,
posteriormente, foi contemplado no edital 31/2018. Na análise das percepções das sete
jovens participantes – de idade entre 15 e 17 anos e estudantes de escolas públicas – que
participaram da primeira edição, as autoras descreveram que a expectativa inicial era de
obter maior conhecimento por áreas que ainda desconheciam e pela vivência na
instituição que poderia abrir portas futuramente. Destacaram que houve uma mudança
de percepção sobre a ciência e suas atitudes, relacionada a visão de suas próprias
capacidades nas áreas e ao aumento de autoconfiança.
Em pesquisa sobre os dados e resultados do projeto Tem Menina no Circuito
após cinco anos de funcionamento, Gabriella Galdino da Silva, Elis Sinnecker, Tatiana
Rappoport e Thereza Paiva (2020) analisaram as percepções de 44 estudantes da
educação básica que participaram das atividades entre 2014 e 2019, por meio de
questionário on-line e análise das respostas seguindo a metodologia do Discurso do

98
Sujeito Coletivo, com foco nas temáticas sobre perfil das estudantes, passeios, planos,
influência e importância do projeto. Sobre a influência do projeto, as autoras
identificaram percepções relativas ao interesse na aprendizagem de física e de novos
conhecimentos, assim como uma melhor relação com a disciplina.
No que se refere à importância do projeto, as percepções das jovens foram
relacionadas tanto à obtenção de novos conhecimentos quanto à formação pessoal e
questões de gênero. Como uma das considerações das autoras sobre escolhas de atuação
profissional, destaca-se que, ainda que poucas estudantes tenham ingressado na área de
exatas após a vivência no projeto, houve uma ampliação do horizonte de possibilidades,
antes desconhecidas por elas, além de um aumento na percepção de autoconfiança e
autoestima. As autoras propõem, como implicações futuras, a importância de elaborar
estratégias para estimular a permanência e evitar a evasão de estudantes do projeto, ter
instrumentos de coleta de dados e avaliação contínua, e elaborar um planejamento anual
das atividades para controle do desenvolvimento das habilidades e competências das
participantes (Galdino da Silva et al., 2020).

3.5. Fatores que afetam o ingresso nas carreiras científicas

Como discutido anteriormente, a participação das mulheres nas ciências é


influenciada (e dificultada) por uma teia de fatores que podem ser identificados em
diferentes momentos da trajetória acadêmica, do ingresso à permanência e ascensão das
mulheres como pesquisadoras. Para o ingresso nas carreiras científicas, é possível
elencar questões como a presença de uma educação científica diferenciada e sexismo
nos materiais didáticos (Martin, 1996; Rosa & Da Silva, 2015); estereótipos de gênero
compartilhados desde a socialização na infância (Rossi, 1965); associação de atributos
essenciais aos cientistas que se afastam do estereótipo feminino, como a associação com
inteligência acima da média e genialidade (Bian et al., 2017); e a falta de imagens
modelos nas mídias e nas artes (vide, por exemplo, Steinke et al., 2011; Long et al.,
2010; ver Capítulo 2).
A inserção de jovens mulheres nas áreas científicas pode ser influenciada por
fatores que perpassam o âmbito individual, como interesse, motivação, autopercepção e
autoeficácia; o âmbitos familiar e de pares, como a influência das crenças e expectativas
dos pais, o grau de instrução dos pais, a motivação das pares; âmbito escolar, como a

99
relação com docentes, a diversidade e representatividade de gênero e raça, o ambiente e
as metodologias de ensino aprendizagem, os recursos para experimentação, contato com
espaços científico culturais, e o âmbito social, que diz respeito às normas culturais e
sociais de gênero e as representações de ciência e da figura de cientista nas mídias e nas
artes (ver Unesco, 2018), como elencados na Figura 4.
Figura 4: Marco contextual dos fatores que influenciam a participação, o desempenho e o
avanço de meninas e mulheres nos estudos de STEM (Fonte: Unesco, 2018).

Uma iniciativa importante para desenvolver esta temática, fundada em 2010, foi
a rede Network Gender & STEM: Educational and occupational pathways and
participation A rede envolve diversos países, com maior número de pesquisadores da
Europa e dos Estados Unidos, e busca compreender vários aspectos relacionados às
escolhas de carreira e trajetórias profissionais de meninas e mulheres na direção das
STEM, além de buscar detectar novas abordagens para tratar do tema da sub-
representação de mulheres nestas áreas. Foram organizados congressos bienais pela rede
desde 2012. No primeiro evento, na Holanda, o tema foi "Caminhos engendrados em
direção a (e fora de) campos STEM". Em 2014, o congresso foi realizado na Alemanha
e versou sobre "Gênero e STEM: o que escolas, famílias e locais de trabalho podem
fazer?". Em 2016, no Reino Unido, a temática foi "Participação de meninas e mulheres
em STEM: lições passadas e possíveis futuros" e, em 2018, nos Estados Unidos, o
evento abordou "Re-imaginando quem faz STEM". Trabalhos apresentados durante os
congressos foram publicados em seis dossiês especiais da revista International Journal
of Gender, Science and Technology (Wayttt et al., 2013; Lazarides & Ittel, 2015;
Lazarides & Ittel, 2016; Watson et al., 2018; Perez-Felkner, 2019; Beyer, 2020).

100
Nesta seção, buscaremos discutir alguns dos fatores que influenciam na inserção
de jovens nas ciências, como motivação e interesse, a construção de identidade
científica e de senso de pertencimento, a presença de figuras de incentivo e mentoras e a
importância da representatividade.

3.5.1. Motivação e interesse

Numa perspectiva sociocognitiva, a motivação consistiria em um padrão de


respostas que norteiam jovens a atividades particulares, o qual envolveria cognições
(crenças, objetivos, atribuições e valores), comportamentos (persistência da tarefa e
esforço) e respostas afetivas (interesse). O interesse pode ser conceituado tanto de uma
perspectiva situacional - definido como o estado relacionado a um contexto específico
da experiência emocional, da curiosidade e de motivação momentânea - quanto de uma
perspectiva disposicional, que refletiria as preferências de uma pessoa por
comportamentos, situações, contextos em que as atividades ocorrem ou resultados
associados às atividades de preferência (Su et al., 2009). Nesta perspectiva, os interesses
são essenciais para a construção de uma identidade científica.
Desde a década de 1980, a pesquisadora norte-americana Jacquelynne Sue
Eccles se debruça sobre a temática das motivações e realizações acadêmicas, influências
escolares e familiares no desenvolvimento de adolescentes, e gênero e etnia em campos
STEM, incluindo a socialização do papel de gênero, as expectativas dos professores, as
influências da sala de aula na motivação de estudantes e o desenvolvimento social no
contexto familiar e escolar. Eccles (1983) propôs os conceitos de valor de realização e
valor intrínseco, que estão intimamente relacionados ao conceito de interesse, como
importantes determinantes da motivação de realização e das escolhas de carreira dos
indivíduos. A autora sugeriu que estes valores subjetivos que os indivíduos atribuem a
diferentes tarefas de realização se tornam uma parte importante na construção de
identidade e são influenciados pelo processo de socialização. Proposta nos anos 2000,
por Eccles e Wigfield, a teoria do valor da expectativa situada (Situated Expectancy-
Value Theory) têm servido como um dos principais modelos para compreender o
desempenho de estudantes durante os anos escolares.
Foote & Garg (2015) investigaram possíveis fatores influenciadores,
encorajadores e desencorajadores de mulheres graduandas na área de física a

101
escolherem esta carreira, em um estudo intercultural com 86 estudantes da Índia,
Estados Unidos e Brasil. A partir de cinco perguntas sobre o motivo da escolha de
carreira, o papel de professores, os planos de continuidade na carreira e o momento de
vida da escolha da área, as autoras codificaram as respostas a partir de três dimensões:
identidade científica, experiências passadas e expectativas futuras. O interesse prévio
por ciências, categorizado como identidade científica, apareceu como a principal
motivação entre as respondentes dos três países. Com relação às expectativas futuras,
estudantes brasileiras expressaram objetivos de carreira mais genéricos e abstratos, com
menor familiaridade com as opções de carreira disponíveis, e exaltaram a figura de
orientação e mentoria como influências positivas. No entanto, as estudantes
descreveram que as desigualdades de gênero no tratamento recebido por professores foi
um fator desencorajador na perspectiva de escolha da carreira. A motivação e interesse
são fatores que contribuem na formação de um identidade científica e de um senso de
pertencimento, como discutiremos a seguir.

3.5.1. Identidade científica, representatividade, pertencimento e


“contra-espaços”

Como as pessoas se identificam com a ciência, como se veem pertencentes a


comunidades acadêmicas e científicas, e como são vistas pelos demais como pessoas
que fazem/são boas em ciência são fatores importantes para entender a equidade e
inclusão na prática científica. A formação de uma identidade científica e de um senso de
pertencimento ao espaço acadêmico são desenvolvidos a partir de múltiplos fatores,
como normas sociais e culturais de gênero, histórico familiar, autoestima, experiências
de vida dentro e fora da escola, entre outros. Desta forma, conforme as pessoas se
envolvem com questões científicas ao longo da vida e em diferentes espaços, elas
continuamente passam a reconhecer, ser reconhecidas, identificarem, serem
identificadas, e se posicionarem como pertencentes (ou não) ao espaço científico. É
possível pensar nesse trabalho de construção de identidade científica como um processo
contínuo, cumulativo e dependente de contexto, uma vez que se desenvolve a partir de
diferentes dinâmicas de poder inseridas em narrativas culturais e históricas acerca de "o
que significa ser uma pessoa da ciência" e de "quem pode fazer ciência” (Calabrese
Barton et al., 2013).

102
Uma conceituação precursora de identidade científica, proposta por Heidi
Carlone e Angela Johnson (2007), refere-se a como as pessoas se veem como pessoas
“da ciência” e como são reconhecidas pelos outros como pessoas “da ciência”,
considerando três dimensões da identidade científica: competência, desempenho e
reconhecimento. Desta forma, uma identidade científica seria desenvolvida quando,
como resultado da competência e desempenho de uma pessoa, ela é reconhecida por
outras pessoas significativas (cuja aceitação importam para ela).
Esta conceituação foi desenvolvida a partir de um estudo etnográfico com 15
mulheres negras consideradas bem-sucedidas, no qual Carlone e Johnson (2007)
examinaram a natureza de suas experiências científicas ao longo de seus estudos de
graduação e pós-graduação, e suas carreiras científicas, através das lentes da identidade
científica. Entre as participantes, quatro eram latinas, três indígenas, e quatro ásio-
americanas. As pesquisadoras coletaram dados por meio de entrevistas etnográficas e
entrevistas de acompanhamento realizadas seis anos depois, que foram analisadas
observando-se principalmente os domínios associados à competência, desempenho e
reconhecimento. A partir das análises, as autoras classificaram as experiências das
participantes em três principais categorias: aquelas que formaram uma identidade de
cientista pesquisadora; aquelas que formaram identidades científicas alternativas, mas
que nas quais se consideravam satisfeitas; e aquelas cuja formação da identidade
científica foi interrompida e disruptiva.
A pesquisadora Lucy Avraamidou (2020) argumenta que um dos objetivos da
pesquisa sobre identidade científica é contribuir para entender como esta identidade
pode servir para permitir uma aprendizagem significativa e com propósito. A autora
endossa a concepção de identidade como um processo constante de se tornar, um
processo que estaria sempre vinculado a um lugar ou contexto sociopolítico, em vez de
um produto ou de uma concepção prévia do que seria uma identidade científica. Esse
posicionamento ofereceria espaço para a multiplicidade, diversidade, subjetividade e
hibridez existirem e reconhecer as infinitas maneiras de se tornar uma pessoa com
identidade científica. Avraamidou (2020) discute a necessidade de interseccionalidade
como uma estrutura conceitual para estudar a identidade científica, que abordem as
desigualdades na educação formal e não formal, bem como a influência múltipla e
interligada de sistemas de privilégio e opressão na ciência, como racismo e sexismo.
A partir da pergunta sobre como meninas negras e não brancas desenvolvem
uma identidade em STEM durante o segundo segmento do Ensino Fundamental, nos

103
Estados Unidos, Kang e colaboradoras realizaram um estudo longitudinal durante dois
anos, a partir da medição de identidade científica de 1821 estudantes por meio do
survey Is Science and Me?, descrito por Aschbacher et al. (2014). No modelo descrito
por Kang e colaboradoras (2019), são elencados um conjunto de fatores como
negociadores de identidade que moldam dinamicamente a construção de identidade, em
vez de fatores estáticos para determinar a identidade de uma pessoa.
Neste conjunto, são consideradas informações sobre o histórico pessoal e
familiar, oportunidades e experiências nas ciências em diferentes ambientes e
percepções sobre si mesma, sobre a ciência e sobre o trabalho de cientistas (Figura 5). O
primeiro construto para a formação de identidade envolve entender como o histórico
pessoal e familiar pode trazer possibilidades de encontros sociais e de respostas a esses
encontros, como, por exemplo, as identidades de gênero, cor/raça, interesse dos pais em
apoiar uma carreira científica e a profissão dos pais e familiares. O segundo construto
envolve as oportunidades e experiências nas ciências em diferentes ambientes, como nas
experiências em casa, na escola e fora da escola. O terceiro construto diz respeito às
percepções sobre si mesma, sobre a ciência e sobre o trabalho de cientistas, isto é, como
a pessoa se sente como estudante numa carreira científica e como percebe a ciência e a
figura de cientista.

104
Figura 5: Modelo teórico de construção de identidade científica (Kang et al., 2019)

O pesquisador norte-americano Campbell Leaper (2015) analisou as identidades


sociais associadas ao pertencimento ao grupo e descreveu como os valores reforçados
em muitos grupos de meninas e mulheres podem entrar em conflito com suas próprias
percepções sobre STEM. Ainda que experimentem rejeição e hostilidade de colegas do
sexo masculino, particularmente relacionadas à conquista em STEM, os dados mostram
que, quando importantes grupos de pares as valorizam e apoiam, eles ajudam a legitimar
o senso de pertencimento das mulheres nos campos de STEM. O autor apresenta
estratégias para reduzir o sexismo de colegas e promover o pertencimento às STEM.
Uma das recomendações diz respeito à representatividade e contato com figuras
exemplares. O contato positivo com pesquisadoras mulheres pode ajudar a fortalecer a
autopercepção de STEM das jovens, ao argumentarem que as meninas e mulheres que
tiveram contato com especialistas em STEM do sexo feminino, quando comparado ao
contato com especialistas homens, tiveram maior probabilidade de se identificar com
elas e de demonstrar autopercepção mais positiva e um forte compromisso em seguir
carreiras em STEM.
Archer e colaboradoras (2019) investigaram, conceitos de inteligibilidade e de
identidade como performance por meio de observações de professores e alunas/os entre

105
11 e 15 anos em aulas de ciências e grupos de discussão com estudantes em seis escolas
na Inglaterra. Compreendendo as salas de aula como constituídas por disputas de poder
por voz, legitimidade e reconhecimento, as pesquisadoras identificaram que
determinados grupos de meninos performavam comportamentos a partir de três
elementos principais: competição; dominação e controle do discurso nas aulas de
ciências; e policiamento da conversa dos demais estudantes. As dinâmicas dos
estudantes nas salas de aula provocaram silenciamento das contribuições de alunas e
demais grupos minoritários, e a percepção destes grupos de não reconhecimento como
inteligentes nas aulas de ciências.
Como descrito nos modelos de Carlone e Johnson (2007), de Kang et al. (2019)
e nos estudos de Leaper (2015), a presença de figuras de incentivo, como professoras/es,
familiares e colegas pode auxiliar na formação de uma identidade científica e de um
senso de pertencimento. As pesquisadoras Rebecca Lazarides e Angela Ittel (2013), do
Instituto de Tecnologia de Berlim, analisaram o papel do apoio familiar e de professores
em estudo longitudinal na Alemanha. Seus resultados sugerem que a percepção do
suporte familiar é importante particularmente para a motivação e o desenvolvimento de
interesse de meninas nas STEM. As autoras indicam que os programas que visam
facilitar o interesse e o desenvolvimento de meninas e meninos nessas áreas devem
levar em conta o envolvimento dos pais como agentes sociais relevantes.
Eccles (2015) descreveu o papel das famílias nas diferenças de gênero nas
disciplinas STEM e apresentou um modelo de análise que alia abordagens psicológicas
e socioculturais. A autora apresenta resultados empíricos de dois estudos longitudinais –
os quais acompanharam jovens de cerca de 12 anos até 45 anos – que abordam a
questão de como as percepções dos pais sobre as habilidades acadêmicas de seus filhos
predizem a confiança dos próprios filhos em suas habilidades acadêmicas; como as
crenças dos pais diferem de acordo com o sexo de seus filhos; e como essas crenças
realmente preveem as próprias crenças e comportamentos das crianças.
A pesquisadora Rachael Robnett (2013) estudou o papel dos pares na retenção
de meninas e mulheres nas carreiras de STEM enquanto estudantes. A autora identificou
que a influência das colegas na motivação era importante no nível de Ensino Médio e
graduação, e a influência das colegas em fortalecer a confiança era o fato mais
importante no nível de pós-graduação. Muitas mulheres em programas de pós-
graduação em STEM já estão altamente motivadas, mas enfrentam desafios como
isolamento social, que culmina em minar sua confiança. Neste caso, a influência

106
positiva de colegas, gerando um senso de pertencimento, auxiliava a se sentirem mais
confiante em suas habilidades.
A ideia de que a exposição a modelos de papéis estereotipados de gênero pode
influenciar as aspirações e as escolhas de carreira entre crianças, adolescentes e jovens
tem levado diversas iniciativas, como as chamadas e os projetos que estamos
analisando, a buscar maior diversidade e representatividade de gênero – e de demais
grupos não dominantes - em suas atividades. Um dos objetivos das intervenções que
trazem figuras modelos em papéis contrários aos estereótipos é ajudar a mudar as
percepções de jovens mulheres sobre o que elas podem ou devem fazer, mudando as
percepções do que as mulheres e demais grupos não dominantes podem fazer.
A exposição a modelos de comportamento contrários aos estereótipos
tradicionais parece mudar as percepções de papéis de gênero de crianças e jovens,
mesmo em exposições de curto prazo (Olsson & Martiny, 2018). Por exemplo, jovens
mulheres falam mais sobre política e relatam mais intenções futuras de se engajar
politicamente em países onde há um maior número de mulheres na política (Wolbrecht
e Campbell, 2007). Outro exemplo investigado pelos pesquisadores Fredrik Jensen e
Maria Vetleseter Bøe (2013), do Centro Norueguês para Educação em Ciências,
analisou a motivação de estudantes de Ensino Médio na Noruega após a experiência de
vivenciar o Dia das Meninas (The Girl´s Day), evento de recrutamento com duração de
dois dias na universidade. Dois terços das entrevistadas se tornaram mais certas do que
pretendiam escolher como curso universitário como resultado direto da participação no
evento, sendo a interação com estudantes universitárias na figura de exemplos o
principal fator que contribuiu para essa motivação.
Pertencimento social pode ser definido como a capacidade de conexão social
dentro de um grupo, de se sentir aceita/o, incluída/o, valorizada/o e se encaixar
socialmente em determinado grupo de pessoas, seja no âmbito educacional (Goodenow
1993) ou como uma necessidade humana básica (Baumeister & Leary, 1995). Um
exemplo sobre a importância da construção de um senso de pertencimento está na
pesquisa de Rainey e colaboradoras (2018), que entrevistaram 201 estudantes do último
ano da faculdade na Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos,
principalmente mulheres e pessoas negras, que se formaram em STEM ou começaram,
mas abandonaram cursos nas áreas de STEM. A partir da autodeclaração de senso de
pertencimento, as/os estudantes analisados associaram a formação de um senso de
pertencimento quando conseguiam estabelecer relações com colegas, quando confiavam

107
em suas habilidades pessoais para finalizar a graduação, quando tinham interesse em
seu curso de graduação e quando declaravam ter uma identidade científica. Neste
estudo, Rayney e colaboradoras relataram que o senso de pertencimento era mais
frequente entre homens, estudantes brancos e formandos na área de STEM. Além disso,
o senso de pertencimento de estudantes aos campos de STEM estava correlacionado
com o número de membros do mesmo gênero na área de especialização. A importância
de ter representatividade de gênero e raça com a presença visível de estudantes com o
mesmo perfil tornaria a presença de estudantes neste ambiente de STEM mais
frequente, transmitindo o sentimento de que pertencem a esses espaços.
Tellhed, Bäckström e Björklund (2016) testaram a autoeficácia (percepções
sobre a própria competência) e as expectativas sobre pertencimento social como
indicadores das diferenças de gênero no interesse em cursos nas áreas de STEM e nas
áreas de Saúde, Educação e relativas ao trabalho de cuidado em uma amostra
representativa de 1.327 alunos suecos do Ensino Médio. As autoras relataram que o
pertencimento social apareceu como um mediador melhor das diferenças de gênero no
interesse nas áreas de Saúde, Educação e Cuidado do que a autoeficácia. Além disso,
tanto os homens quanto as mulheres respondentes acreditavam que se encaixariam
melhor em cursos com maior presença de colegas do mesmo gênero, em comparação
com cursos com maior presença de outro gênero. Essas constatações nos permitem
refletir sobre as limitações que a falta de representatividade de gênero e raça e, por
consequência, a falta de um senso de pertencimento às carreiras em STEM são fatores
que constringem as escolhas em cursos nas carreiras em que há predominância de um
determinado gênero.
Os “contra-espaços” na educação em STEM são considerados "espaços seguros"
que, por definição, se situariam nas margens, fora dos espaços formais, e ocupados por
membros de grupos não-dominantes (Solorzano; Ceja; Yosso, 2000). Esses grupos, que
inclui mulheres e estudantes racial/etnicamente sub-representadoss, tradicionalmente
foram historicamente excluídos da educação em STEM ou de carreiras nessas áreas.
Solorzano, Ceja, e Yosso (2000) e Ong, Smith e Ko (2018) definiram “contra-espaços”
como espaços acadêmicos e sociais seguros que permitem que estudantes de grupos
não-dominantes: promovam sua própria aprendizagem em que suas experiências são
validadas e vistas como conhecimento crítico; possam desabafar frustrações,
compartilhando histórias de isolamento, microagressões e discriminação; e possam

108
desafiar os estereótipos sobre as habilidades das pessoas de grupos não-dominantes de
modo a estabelecer um ambiente positivo de troca e promoção de autoconfiança.
Por meio de 39 entrevistas com mulheres não-brancas de diferentes grupos
étnicos, estágios de carreira e disciplinas de STEM, Ong, Smith e Ko (2018)
categorizaram cinco tipos de contra-espaços: (i) nas relações entre pares; (ii) nas
relações com mentoras; (iii) em conferências nacionais sobre diversidade em STEM;
(iv) nos movimentos de estudantes dentro da universidade; e (v) nos departamentos de
disciplinas de STEM. A partir dessa concepção, contra-espaços podem ser espaços
físicos, como no caso das conferências, mas também no plano conceitual e nas relações,
como nas mentorias e nas dinâmicas entre pares.
Usando dados coletados em grupos focais com estudantes afro-americanos de
três universidades dos Estados Unidos, Solorzano Ceja e Yosso (2000) discutiram a
presença de contra-espaços criados dentro de organizações estudantis afro-americanas,
organizações ou escritórios que fornecem serviços para afro-americanos e outros
estudantes, fraternidades e irmandades negras, grupos de pares e salas de estudo
acadêmicas organizadas por estudantes negros e negras. Esses “contra-espaços”
acadêmicos permitiram que estudantes afro-americanos/as, no contexto estadunidense,
promovessem sua própria aprendizagem e nutrissem um ambiente de apoio em que suas
experiências foram validadas e vistas como conhecimento relevante.

109
4. Abordagem metodológica

Neste capítulo, descreveremos o percurso metodológico usado para mapear os


projetos, para compor o corpus de questionários, entrevistas e grupos focais da pesquisa
e para compreender as motivações e percepções das jovens participantes e das
coordenadoras. Para tal, apresentaremos os objetivos centrais da tese, a metodologia de
mapeamento dos projetos, os critérios de seleção dos projetos e a metodologia de
aplicação dos questionários, de realização das entrevistas e dos grupos focais. Iremos
descrever brevemente os projetos, seus objetivos e as atividades realizadas.
Descreveremos as motivações que levaram à escolha desse percurso metodológico e as
metodologias de análise dos dados coletados. Ao final, apresentaremos o perfil das
jovens entrevistadas.

4.1. Objetivos

Nesta pesquisa, buscamos compreender as motivações, vivências e percepções


de jovens mulheres envolvidas em projetos nas áreas de ciências exatas em escolas
públicas do estado do Rio de Janeiro, a partir das seguintes perguntas norteadoras: (i)
Quais as motivações e os interesses das jovens para participarem de projetos nas áreas
de ciências exatas?; (ii) Quais as percepções das jovens sobre a figura de cientista e da
prática científica?; (iii) Quais as motivações e percepções das coordenadoras sobre a
importância dos projetos?; (iv) Qual a vivência no cotidiano das jovens na discussão
sobre feminismos e em episódios de discriminação de gênero e raça?; e (v) De que
forma a vivência nos projetos influenciou na autopercepção das jovens sobre
pertencimento nas áreas científicas?.
Como percurso metodológico (Figura 6), sumariamente: (i) mapeamos os
projetos contemplados nas chamadas públicas “MCTI/CNPq/SPM-PR/Petrobras nº
18/2013 Meninas e Jovens Fazendo Ciências Exatas, Engenharias e Computação” e
“CNPq/MCTIC nº 31/2018 Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação”,
no contexto do estado do Rio de Janeiro; (ii) selecionamos quatro projetos para análise;
(iii) realizamos entrevistas com coordenadoras dos projetos; (iv) aplicamos
questionários e realizamos entrevistas com as participantes em momentos iniciais dos
projetos; e (v) realizamos grupos focais em momento final dos projetos.
110
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho – UFRJ em 30 de dezembro de 2018 (n. do parecer 3.104.663).
Estas etapas serão detalhadas nos tópicos a seguir.

Figura 6: Percurso metodológico da pesquisa [Fonte: Elaboração própria].

4.2. Mapeamento dos projetos

Nesta pesquisa, analisamos os projetos contemplados nas chamadas públicas


MCTI/CNPq/SPM-PR/Petrobras nº 18/2013 e CNPq/MCTIC nº 31/2018 Meninas nas
Ciências Exatas, Engenharias e Computação. Optamos por analisar essas chamadas por
considerar que foram marcos importantes de políticas afirmativas para promoção da
equidade de gênero no país e para fomentar a criação e continuidade de projetos
voltados para inclusão de meninas nas ciências. Para entender o contexto de realização
dos projetos, realizamos um mapeamento dos projetos aprovados em nível nacional e,
em particular, do estado do Rio de Janeiro. Optamos pelo estado do Rio de Janeiro por
ser o segundo estado com mais projetos aprovados em 2018 e pela disponibilidade
logística da pesquisadora.
Inicialmente, analisamos (i) a capilaridade dos projetos contemplados no
território nacional, por meio da distribuição dos projetos por região e por estados
brasileiros; (ii) a proporção de homens e mulheres na liderança dos projetos em nível
nacional, por meio da análise comparativa de gênero das/os proponentes nas chamadas
de 2013 e de 2018. Em seguida, focamos nos dados do estado do Rio de Janeiro, em que
(iii) identificamos os projetos contemplados, no que diz respeito ao nome do projeto,

111
instituição coordenadora e financiamento; (iv) analisamos a abrangência temática dos
projetos contemplados, por meio da análise das principais áreas de conhecimento
abordadas; (v) identificamos o período de criação e duração dos projetos (vi) analisamos
as produções científicas – artigos científicos publicados em periódicos revisados por
pares, capítulo de livros e trabalhos completos publicados em anais de congresso –
resultantes do envolvimento nos projetos até novembro de 2021.
Obtivemos, por meio do acesso aos resultados das chamadas na página do
CNPq, os nomes da/os proponentes e instituições vinculadas. Os dados sobre nome dos
projetos, área de conhecimento vinculada à área de atuação das/os proponentes, ano de
início dos projetos e trabalhos publicados foram obtidos por meio do acesso ao currículo
das/os proponentes na Plataforma Lattes e pelos documentos dos projetos aprovados em
2013, cedidos pelo CNPq. A tabulação e os gráficos para visualização dos dados foram
realizados por meio do Excel.

4.3. Projetos analisados

Durante o mapeamento dos projetos no estado do Rio de Janeiro, selecionamos


quatro projetos para realização da pesquisa (Tabela 1). O critério de seleção foi abranger
maior diversidade temática e de atividades – dentre os temas presentes, destacam-se a
área de física, com atividades nas subáreas de circuitos elétricos e de nanotecnologia; a
área de matemática, com atividades em arduíno e robótica; e a área de química, com
atividades em química analítica– e diferentes instituições coordenadoras, a saber, UFRJ
campus Cidade Universitária, IMPA, UFRJ campus Santa Cruz da Serra, Museu
Ciência e Vida/Cecierj e PUC-Rio. A pesquisa foi realizada em 2019, acompanhando o
desenvolvimento dos projetos ao longo do período letivo.
Os projetos selecionados foram “Tem Menina no Circuito” (TMC), do Instituto
de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); “Meninas Olímpicas do
IMPA” (MOI), do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA); “Estudo da
composição mineral de cabelo relacionada com o uso de tratamentos químicos
estéticos” (QUI), do Departamento de Química, da Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC-Rio); e “Meninas nas Ciências Exatas da Baixada Fluminense: dos
laboratórios da UFRJ ao Museu Ciência e Vida” (MCE), parceria da UFRJ campus
Santa Cruz da Serra e do Museu Ciência e Vida/Cecierj.

112
Para a breve descrição dos projetos TMC, MCE, QUI e MOI, foram consultados
os documentos dos projetos enviados ao CNPq na ocasião da chamada 31/2018. Para a
descrição do projeto TMC, foram consultados ainda os relatórios finais de atividades do
projeto no âmbito do financiamento da chamada CNPq 18/2013 e Elas nas Exatas I,
fornecidos pelas coordenadoras do projeto para análise durante esta pesquisa.

4.3.1. Tem Menina no Circuito (TMC)

O projeto “Tem Menina no Circuito”, do Instituto de Física da UFRJ,


coordenado pelas pesquisadoras Elis Sinnecker, Tatiana Rapopport e Thereza Paiva,
teve início em 2014 após ser contemplado no edital 18/2013 MCTI/CNPq/SPM-
PR/Petrobras - Meninas e Jovens Fazendo Ciências Exatas, Engenharias e Computação.
Nesse período, o projeto foi realizado no Colégio Estadual Alfredo Neves, no bairro de
Posse, em Nova Iguaçu, enquadrado no programa Ensino Médio Inovador15, conforme
exigência do edital.
Em 2015, o projeto foi contemplado no edital Elas nas Exatas I, do Fundo Social
Elas, da Fundação Carlos Chagas, e manteve suas atividades ao longo do ano de 2016
na mesma escola. No ano seguinte, o TMC foi incluído como atividade de extensão da
UFRJ, possibilitando manter auxílio para estudantes de graduação atuarem como
bolsistas e mediadoras do projeto na escola. Em 2018, o projeto ampliou suas atividades
para o CIEP 218 Ministro Hermes Lima - Intercultural Brasil Turquia, no bairro de
Jardim Gramacho, em Duque de Caxias.
Com atuação em duas escolas da região da baixada fluminense do estado do Rio
de Janeiro, o projeto tem como objetivo incentivar meninas do Ensino Médio a se
interessarem pelas ciências exatas, com a realização de oficinas semanais nas escolas,
nas quais são confeccionados circuitos elétricos em meios alternativos, como papel, fita
condutora, massa de modelar e E-têxteis. As oficinas são conduzidas de forma que as
participantes criem circuitos usando materiais condutores flexíveis, como linhas e
tecidos condutores em conjunto com outros componentes eletrônicos, como LEDs,
baterias, sensores, motores e interruptores.

15
Ver Resolução/CD/FNDE nº 63, de 15 de dezembro de 2009:
https://www.fnde.gov.br/index.php/acesso-a-informacao/institucional/legislacao/item/3372-
resolu%C3%A7%C3%A3o-cd-fnde-n%C2%BA-63-de-15-de-dezembro-de-2009

113
Tabela 1: Descrição dos projetos incluídos no corpus da pesquisa no que diz respeito ao nome do projeto, instituição coordenadora, área de atuação das
coordenadoras, objetivo geral do projeto, conteúdo abordado nas atividades envolvidas, principais atividades desenvolvidas, financiamento e ano de início do
projeto (Fonte: Elaboração própria).
Nome do projeto Instituição Área de Objetivo geral16 Conteúdo Principais atividades desenvolvidas Financiamento Início
coordenadora atuação das abordado nas
coordenadoras atividades
desenvolvidas
Tem Menina no Universidade Física Engajar meninas do ensino Circuitos Oficinas semanais nas escolas de CNPq 18/2013; 2014
Circuito (TMC) Federal do Rio fundamental e médio no estudo de elétricos circuitos em massinha, papel e Elas nas Exatas I
de Janeiro ciências exatas e outras áreas confecção de painel eletrônico
tecnológicas. Desta forma, incentivá-
las a ingressar no ensino superior em Visita ao laboratório de física da UFRJ
carreiras dentro da área de ciências
exatas como física, matemática, Apresentação em feiras de ciência
engenharias ou computação.

Meninas Instituto Matemática Promover a efetiva presença de Robótica Atividades semanais nas escolas com CNPq 31/2018 2018
Olímpicas do Nacional de meninas em atividades de jogos, desafios matemáticos, painéis
IMPA (MOI) Matemática Matemática, inclusive nas Olimpíadas sobre a questão de gênero e projetos
Pura e Aplicada escolares, visando a que se de robótica em arduíno.
interessem e desenvolvam carreiras
no âmbito científico e tecnológico. Visitas a espaços científicos culturais

Formação em robótica para


professores e licenciandas

Apresentação em feiras de ciências


(estudantes da educação básica) e em
congressos (graduandas e
coordenadora)
Meninas nas Universidade Física Promover a educação científica de Nanotecnologia Atividades experimentais semanais CNPq 31/2018 2018
ciências exatas da Federal do Rio meninas de cinco escolas de Duque com nanotecnologia nos laboratórios
Baixada de Janeiro de Caxias, através da inserção didáticos da UFRJ
Fluminense: dos dessas meninas nos laboratórios de
laboratórios da pesquisa em nanotecnologia da Apresentação em eventos e feiras de
UFRJ ao Museu UFRJ, Campus Duque de Caxias em ciências
Ciência e Vida Santa Cruz da Serra, com vistas ao
(MCE) despertar de talentos para ciências Atividades motivacionais com mesas
exatas, engenharia e computação. redondas mensais nas escolas com a
Pretende-se ainda contribuir para presença de pesquisadoras
promoção da cultura científica das
meninas e de suas comunidades Exposições itinerantes nas escolas:
escolares através de ações de “Pioneiras da Ciência no Brasil” e “Elas:

16
Texto elaborado a partir dos objetivos descritos nos projetos enviados ao CNPq no âmbito das chamadas públicas.

114
Divulgação Científica nas escolas e expressões da Matemática brasileira”
no Museu Ciência e Vida.
Realização de eventos no Museu
Ciência e Vida: Ciência é com elas! E
Festival Meninas nas Exatas

Estudo estatístico Pontifícia Química Estimular meninas e jovens a se Química CNPq 18/2013; 2013
da composição Universidade interessarem pelas ciências exatas, analítica Palestras de apresentação do projeto CNPq 31/2018
química do cabelo Católica do Rio promovendo a integração escola – nas escolas (coordenadora)
(QUI) de Janeiro Universidade, a fim de incentivá-las a
ingressarem em cursos superiores, Coleta das amostras de cabelo nas
de modo a diminuir as desigualdades escolas
de gêneros no mercado de trabalho
no campo das ciências exatas. Preparação e análise química das
Propõe um projeto para criação de amostras de cabelo em laboratórios de
um banco de dados de resultados da química
composição química de cabelo, que
conta com a doação de amostras por Consolidação dos dados obtidos e
voluntários das escolas e das redação de artigo científico
comunidades onde as mesmas estão (professoras e coordenadora)
inseridas, a fim de atualizar os
valores de referência do
mineralograma capilar e identificar,
através de ferramentas estatísticas,
variáveis que afetam esses
resultados.

115
Ao integrar eletrônica com materiais normalmente utilizados em artesanato, o
projeto pretendia despertar maior interesse e engajamento das alunas. A ação do projeto
se estendeu para além dos encontros semanais com as meninas, na realização de
palestras de pesquisadoras na escola para um público mais amplo; realização de saídas
com as estudantes para institutos de pesquisa, visita a laboratórios da universidade e
espaços científico culturais.
Ambas as escolas envolvidas no projeto se situam em regiões carentes de
atividades e espaços científico culturais. O CIEP 218 Ministro Hermes Lima -
Intercultural Brasil Turquia teve cerca de 300 estudantes matriculados em 2018 e
alcançou o valor de Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 3,1 para
os anos finais do Ensino Fundamental no ano de 2015, valor inferior ao observado no
índice nacional no mesmo período e segmento (4,2), fornecido pelo Inep. Apesar disso,
o CIEP apresenta ampla infraestrutura, dotado de laboratório de ciências, laboratório de
informática, quadra de esportes, biblioteca, auditório e demais espaços. Além disso, a
escola tem ênfase no ensino de física, fornecendo aos estudantes um tempo maior desta
disciplina do que em demais escolas da rede pública. Já o Colégio Estadual Alfredo
Neves teve cerca de 300 estudantes matriculados em 2018 e apresentou o valor de 4,5
no Ideb de 2017 relativo ao Ensino Médio, que é maior do que a média nacional de 3,5
para o mesmo segmento.
Em 2019, as participantes do projeto acompanharam as atividades semanais de
forma voluntária e sem auxílio financeiro – o projeto não foi contemplado na chamada
do CNPq 31/2018 – e contou apenas com recursos institucionais como projeto de
extensão da UFRJ. Segundo as coordenadoras, a participação no projeto foi irregular ao
longo do tempo de duração do projeto, com maior presença nos meses iniciais e menor
participação no segundo semestre letivo. Destaca-se ainda que eventos pontuais, como
as saídas da escola para espaços científicos culturais e para institutos de pesquisa,
incentivaram a permanência e maior participação das jovens no projeto.
A partir das entrevistas com as coordenadoras, entendemos que um dos objetivos
do projeto era fazer com que as jovens conhecessem a universidade e se reconhecessem
nesse espaço, como na fala: “a ideia era assim ‘não importa se eu vou fazer física ou
não’, a ideia é que conheçam a universidade, vejam que as pessoas que estão lá dentro

116
são pessoas como elas. Olhem os estudantes andando ali, se reconheçam naquelas
pessoas que estão ali e aí queiram fazer”17.

4.3.2. Meninas Olímpicas do IMPA (MOI)

O projeto Meninas Olímpicas do IMPA (MOI), do Instituto de Matemática Pura


e Aplicada, coordenado pela pesquisadora Letícia Rangel, tinha como objetivo envolver
meninas em atividades na área da matemática e na preparação para a Olimpíada
Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), contemplar atividades de
motivação e formação para as alunas incentivando o interesse pela matemática, bem
como a participação em eventos fora do ambiente escolar e a interação com
profissionais mulheres que tenham optado por carreiras na área de matemática e afins.
De acordo com o projeto submetido à chamada do CNPq 31/2018, a
metodologia previa o incentivo, a preparação e o acompanhamento das alunas
envolvidas para a participação em olimpíadas escolares, com destaque para a OBMEP e
em eventos de popularização científica, tais como o Festival da Matemática e a Semana
Nacional de Ciência e Tecnologia. Ainda que esse fosse o objetivo presente nos
documentos submetidos para a chamada, na entrevista com a coordenadora, ela narrou
sua autonomia em expandir os objetivos do projeto para além das olimpíadas escolares:
“[minha visão] como professora é de que a olímpiada nesse projeto não deveria ser um
fim. Eu não estou preparando meninas expoentes, isso a olímpiada já faz. A olímpiada
seria um meio, seria uma maneira delas estabelecerem uma relação harmoniosa com a
matemática, de afinidade com a matemática”18.
Com início em dezembro de 2018 e conclusão em dezembro de 2019, o projeto
integrou, como bolsistas, cinco professores da educação básica, quinze estudantes do
Ensino Fundamental e Médio e cinco estudantes de licenciatura em Matemática, dos
cursos da UFF, UFRJ e Unirio. Além das estudantes bolsistas da educação básica,
demais estudantes participaram das atividades semanais do projeto como voluntárias.
As cinco escolas envolvidas foram: Colégio Pedro II campus Humaitá, Escola
Municipal Alberto José Sampaio, Colégio Militar do Rio de Janeiro, C.E. Matemático

17
Trecho retirado da entrevista com as coordenadoras.
18
Trecho retirado da entrevista com as coordenadoras.

117
Joaquim Gomes de Sousa - Intercultural Brasil China e Escola Municipal Meninos de
Deus.
Durante o ano, foram realizadas reuniões de planejamento mensais em que se
reuniam a coordenadora, os professores de educação básica e as graduandas. Nestas
reuniões, a equipe planejava as atividades, resolvia questões logísticas e estudava
tópicos em conjunto. Entre as ações do MOI, destacaram-se as atividades regulares
complementares à grade curricular nas escolas participantes e a visitação a ambientes
acadêmicos e profissionais das carreiras das áreas de STEM.
Em um primeiro momento, as atividades semanais nas escolas envolveram
desafios matemáticos, jogos, discussões e construção de painéis sobre a questão de
gênero. No segundo semestre, o grupo optou por realizar projetos de robótica em
arduíno, com a construção de aparatos que surgiram do desejo das estudantes em
intervir na realidade social das escolas. Para tal, os professores e as licenciandas
fizeram, anteriormente, um curso de formação em arduíno, ministrado por um
profissional do IMPA. Em seguida, cada escola desenvolveu um projeto. Dentre os
produtos desenvolvidos, destaca-se a construção de um alarme para prevenção de
enchentes e um sistema de irrigação regular da horta escolar.
Das visitas aos espaços científicos culturais, destacaram-se: visita à Casa Firjan,
espaço cultural localizado no Rio de Janeiro, e à Arena SESI Matemática; a participação
do programa Físico por uma Tarde, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas;
participação no evento IMPA de portas abertas; visita ao Parque Tecnológico, da UFRJ;
e evento de finalização do projeto no Auditório Tercio Pacciti, na Unirio, com a
presença do diretor do IMPA, e passeio no Bondinho do Pão de Açúcar.

4.3.3. Estudo da composição mineral de cabelo relacionada com o


uso de tratamentos químicos estéticos (QUI)

O projeto “Estudo da composição mineral de cabelo relacionada com o uso de


tratamentos químicos estéticos”, coordenado pela química Tatiana Dillenburg
Saint'Pierre, do Departamento de Química, da PUC-Rio, propôs a criação de um banco
de dados de resultados da composição química de cabelo, a partir da doação de amostras
por voluntários das escolas e das comunidades onde as mesmas estão inseridas, a fim de
atualizar os valores de referência do mineralograma capilar e identificar, por meio de

118
ferramentas estatísticas, variáveis que afetam esses resultados. A coordenadora do
projeto havia sido contemplada na chamada 18/2013 com projeto similar e foi
contemplada novamente na chamada 31/2018.
O eixo principal deste projeto era dar oportunidades para que as estudantes da
educação básica pudessem acompanhar pesquisas e conhecer laboratórios de pesquisa.
O projeto envolveu cinco escolas públicas, sendo quatro estaduais e uma federal,
situadas na região metropolitana do Rio de Janeiro. As escolas se situavam na cidade do
Rio de Janeiro (nos bairros de Curicica, Praça Seca, Ramos e Maracanã) e Nilópolis.
O projeto envolveu cinco professoras da educação básica, 15 alunas de ensino
médio e três graduandas em química ou engenharia química da PUC-Rio. Desenvolvido
no ano de 2019 e 2020, o projeto aconteceu em cinco etapas: (1) criação e
familiarização da equipe de trabalho; (2) coleta das amostras de cabelo nas escolas e
questionários com informações das doadoras voluntárias; (3) preparação e análise
química das amostras de cabelo, na qual as estudantes de nível médio aprenderam sobre
procedimentos básicos em laboratórios de química, como, por exemplo, segurança no
laboratório, uso de balança analítica, instrumentos de medidas de volume, preparo de
soluções e separação de rejeitos de laboratório; (4) consolidação dos dados obtidos a
partir das amostras de cabelo e do mineralograma capilar e análises estatísticas; e (5)
divulgação dos resultados em eventos científicos e redação de artigo cientifico.

4.3.4. Meninas nas Ciências Exatas da Baixada Fluminense: dos


laboratórios da UFRJ ao Museu Ciência e Vida (MCE)

O projeto “Meninas nas Ciências Exatas da Baixada Fluminense: dos


laboratórios da UFRJ ao Museu Ciência e Vida”, coordenado pelas físicas Monica de
Mesquita Lacerda e Monica Dahmouche, foi uma parceria entre a UFRJ campus Santa
Cruz da Serra e o Museu Ciência e Vida, da Fundação Cecierj. As atividades dos
projetos envolveram tanto a inserção de jovens em laboratórios de pesquisa em
nanotecnologia da UFRJ quanto ações de divulgação científica com enfoque na temática
sobre mulheres nas ciências no âmbito das escolas e do Museu Ciência e Vida.
Como equipe, o projeto envolveu pesquisadoras do Museu Ciência e Vida e da
UFRJ, cinco professores de escolas da educação básica, quinze jovens do ensino médio
e fundamental e três graduandas do curso de biotecnologia. Estavam envolvidas uma

119
escola municipal, duas estaduais e duas federais, situadas em Duque de Caxias, são elas:
Escola Municipal Dr. Ely Combat, Colégio Estadual Círculo Operário, Colégio Estadual
Monteiro Lobato, Colégio Pedro II campus Duque de Caxias e Instituto Federal de
Educação Ciência e Tecnologia do RJ campus Duque de Caxias.
As jovens participantes se reuniram semanalmente nos laboratórios didáticos da
UFRJ campus Santa Cruz da Serra para desenvolver experimentos em física e em
nanotecnologia. O trabalho foi desenvolvido em torno do estudo do grafeno, da
condução de elétrons e da condução de spins na matéria. As participantes apresentaram
o trabalho desenvolvido em diversos eventos, como na XIII FECTI – Feira de Ciência,
Tecnologia e Inovação do Estado do Rio de Janeiro, no Sábado da Ciência “As incríveis
mulheres cientistas”, promovido pelo Espaço Ciência Viva; e em feiras de ciências
realizadas pelas escolas.
Concomitante às atividades experimentais, o projeto organizou atividades
motivacionais com mesas redondas mensais nas escolas envolvidas, abertas para a
comunidade escolar, com a presença de duas pesquisadoras em cada evento, que
narravam suas trajetórias e motivações para escolha da carreira científica. Além disso,
por meio do projeto, foram montadas, nas escolas, duas exposições itinerantes que
fazem parte do acervo do Museu Ciência e Vida dentro do tema de mulheres nas
ciências, são elas, “Pioneiras da Ciência no Brasil”, com curadoria de integrantes da
equipe do museu, e “Elas: expressões da Matemática brasileira”, reprodução da
exposição curada por Thais Jordão do Instituto de Matemática da USP-São Carlos. Para
as/os professoras/es bolsistas, foram ofertadas ainda oficinas de capacitação, na
modalidade a distância, como curso de escrita científica, orientação para pesquisa na
Educação Básica e Robótica para Educação Básica.
Foram realizados ainda dois eventos no Museu Ciência e Vida: “Ciência é com
elas!”, organizado a partir de mesas redondas com jovens pesquisadoras de ensino
médio e de graduação, que contaram suas conquistas e trajetórias; e o “Festival Meninas
nas Exatas”, que envolveu pesquisadoras do campo de políticas públicas e
pesquisadoras sênior das áreas de exatas, abordando temas sobre gênero e ciência, e
suas trajetórias pessoais e profissionais.

120
4.4. Sujeitas da pesquisa

Foram incluídas, na pesquisa, as jovens que integraram os projetos selecionados,


conforme os critérios de seleção estabelecidos pelos projetos. Foram contempladas
estudantes do segundo segmento do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. As
participantes foram recrutadas para participarem do estudo de forma voluntária, por
intermédio das coordenadoras dos projetos. Como será detalhado adiante, neste
capítulo, na seção “Caracterização das jovens participantes”, as jovens tinham idade
entre 13 e 22 anos, sendo a maioria com 15 anos, cursando desde o 8º ano do Ensino
Fundamental até o 3º ano do Ensino Médio. Cerca de 60% das respondentes se
autodeclararam negras e 93% afirmaram ter interesse por matérias de ciência e
tecnologia na escola.
Além das jovens participantes, entrevistamos as coordenadoras dos projetos
analisados. As cinco coordenadoras entrevistadas eram mulheres brancas, com
formação nas áreas de física, química e matemática, tinham idade entre 45 e 55 anos,
nascidas em locais diversos – do Rio Grande do Sul, São Paulo, Buenos Aires e Rio de
Janeiro –, mães de um a três filhos (nas idades entre 7 e 27 anos), ingressaram como
servidoras públicas nas universidades e instituições de ensino majoritariamente nos anos
2000 e possuíam grau de formação de doutorado e pós doutorado, sendo duas bolsistas
de produtividade do CNPq nível 2.

4.5. Percepções das participantes

Para compreender diferentes aspectos das motivações e vivências das jovens


mulheres nos projetos, a identificação com as áreas de ciências exatas, percepções sobre
características atribuídas aos cientistas e percepções sobre a inserção das mulheres na
ciência, realizamos uma triangulação de métodos a partir de diferentes estratégias de
coleta de dados: questionários, entrevistas individuais e grupos focais.

4.5.1. Questionários

Estudos quantitativos de percepção pública da ciência têm sido usados, no


contexto nacional e internacional, como uma das formas de compreender atitudes e

121
interesses com relação à ciência e tecnologia. Essa abordagem tem permitido construir
conhecimento para embasar políticas públicas em diversos campos das ciências sociais,
como no comportamento eleitoral, relações raciais e em medidas relativas às políticas
ambientais (Simões & Pereira, 2007). Muitos desses estudos utilizam surveys de cunho
nacional ou internacional, que permitem que seus resultados sejam extrapolados para a
totalidade da população de um país ou, conforme o caso, ao contexto em que se
inserem.
Neste estudo, focalizamos em quatro iniciativas e em jovens voluntárias.
Portanto, nossos resultados não podem ser extrapolados para a totalidade de
participantes das iniciativas e menos ainda para jovens brasileiras. Por outro lado, um
dos interesses centrais na aplicação de um questionário sobre percepção pública da
ciência para as participantes dos projetos foi replicar no grupo analisado algumas das
questões formuladas por surveys estaduais e nacionais (Castelfranchi et al., 2016;
CGEE, 2019; Massarani et al., 2021a; Massarani et al., 2021b), permitindo a
comparação de percepções das jovens participantes com demais jovens brasileiras/os e
com a população do país. Além disso, utilizarmos questões que foram rigorosamente
testadas e utilizadas em surveys de maior escala conferiu maior confiabilidade e
validade do instrumento de análise.
De forma similar ao descrito por Castelfranchi e colaboradores (2016),
Massarani et al. (2021a) e Massarani et al. (2021b), realizamos uma etapa de pré-teste
do questionário, no início de março de 2019, com a participação de 11 estudantes no
CIEP 218. Esta etapa pretendia garantir uma maior validade dos dados, na busca de
compreender se os significados inferidos pelas entrevistadas coincidiam com os
significados pretendidos pelas pesquisadoras. Nesta etapa, identificamos, por exemplo,
que as instruções iniciais de como responder às perguntas não estava sendo bem
compreendida. Optamos ainda por trocar a palavra “extracurricular” por “fora da
escola” em uma das perguntas (pergunta 10) e trocar a formulação de uma questão
(pergunta 12) para “qual a profissão de seus pais ou responsáveis?”, em vez de
perguntar diretamente se trabalhavam na área de ciência e tecnologia, uma vez que essa
pergunta gerou confusão com relação à que profissões seriam consideradas da área de
ciência e tecnologia.
Uma das questões que surgiram durante o pré-teste foi o fato de alguns
estudantes virem de famílias monoparentais e não conviverem, principalmente, com o
pai, o que nos alertou sobre a necessidade de inserir uma opção que contemplasse essa

122
opção. Essa etapa nos fez refletir sobre as assumpções que trouxemos para a pesquisa
baseadas em nossas vivências e que necessitávamos de uma reflexão anterior sobre o
tema durante o desenho do instrumento de pesquisa para a construção de perguntas a
partir de um olhar ampliado sobre família.
Após a etapa de validação do questionário, em momento inicial dos projetos –
que compreendeu os meses de março a junho de 2019, aplicamos o questionário de
percepção pública da ciência com as jovens participantes dos projetos (ANEXO I). O
questionário foi aplicado por um dia em cada projeto, respondido por 73 participantes
dos quatro projetos selecionados – sendo 28 jovens do projeto TMC, 21 do projeto
MOI, 14 do projeto MCE e 10 do projeto QUI. A quantidade de jovens respondentes se
refere às jovens que compareceram presencialmente às atividades dos projetos no dia de
sua aplicação. Para aplicação dos questionários, inicialmente, a pesquisadora se
apresentava e descrevia os objetivos da pesquisa para as participantes, entregava o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – entregue e assinado pelos responsáveis
legais – e o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido para as jovens. Após a
concordância com o termo, as participantes preenchiam o questionário.
Com relação ao número de respondentes e a totalidade de participantes de cada
projeto, no projeto MOI, todas as participantes responderam ao questionário (100%); no
projeto MCE, 14 das 15 jovens participantes responderam à pesquisa (93,3%); e, no
projeto QUI, obtivemos respostas de 10 das 15 participantes (66,7%). No projeto TMC,
a participação das jovens flutuou ao longo do ano da pesquisa e não obtivemos um dado
exato do número de participantes totais.
O questionário foi composto de 39 perguntas, sendo 11 questões discursivas. Ele
foi dividido em quatro dimensões, a saber: (i) Perfil sociodemográfico, motivação e
interesse em C&T; (ii) Consumo e hábitos informativos de C&T; (iii) Significados e
imagens atribuídas à ciência e aos cientistas; e (iv) Percepções sobre paridade de gênero
nas ciências, feminismo e discriminação de gênero.
A primeira dimensão abrangeu informações gerais das participantes, tais como
idade, gênero, bairro, cidade, escola, segmento escolar, matérias favoritas, interesse em
matérias de C&T, profissão dos pais, escolaridade dos pais, religião, carreira futura e
cor/raça. Nesta dimensão, questionamos ainda as motivações e expectativas das
participantes com relação ao projeto envolvido, em questões discursivas.
A segunda dimensão diz respeito aos hábitos de consumo de informação sobre
ciência na mídia e em espaços científico-culturais. A terceira dimensão compreendeu as

123
percepções sobre ciência e cientista propriamente ditas. Nessa parte, pedimos às
participantes que escrevessem palavras relacionadas aos termos ciência e tecnologia,
separadamente. Buscamos identificar as percepções com relação aos estereótipos de
cientistas de diferentes áreas de conhecimento, exemplificados por “cientistas que
estudam o universo”, “cientistas que estudam o fenômeno social da pobreza”,
“cientistas que estudam a cura do câncer” e “cientistas que desenvolvem robôs”.
Questionamos ainda sobre o interesse em trabalhar como cientista e o grau de
dificuldade ou facilidade que envolveria exercer essa profissão. Na quarta dimensão,
perguntamos o grau de concordância ou discordância das jovens sobre afirmações
sexistas, pedimos que descrevessem situações pessoais de discriminação de gênero, seus
interesses em discussões sobre igualdade de gênero e feminismo, e sobre participação
em movimentos de mulheres.
As dimensões (ii) e (iii) do questionário foram desenvolvidas a partir da
adaptação de questões do survey “O que os jovens pensam sobre ciência, tecnologia e
inovação?”, realizado em 2019 pelo Instituto Nacional de Comunicação Pública da
Ciência e Tecnologia (Massarani et al., 2021a; Massarani et al., 2021b) e a dimensão
(iv) contém questões adaptadas da pesquisa “Os mineiros e a ciência” (Castelfranchi et
al., 2016). Dessa forma, os resultados dessa pesquisa permitem um estudo comparativo
com duas enquetes em nível nacional e estadual.

4.5.2. Entrevistas

A escolha da entrevista como parte da metodologia de pesquisa justifica-se


quando se almeja mapear crenças, valores e práticas de universos sociais particulares,
possibilitando pesquisadores e pesquisadoras a observar indícios de como os sujeitos
analisados percebem e significam suas realidades, de modo a compreender a lógica das
relações estabelecidas em determinado grupo (Duarte, 2004). Para conhecer as
trajetórias individuais e experiências pessoais das sujeitas da pesquisa, as entrevistas se
configuram um importante instrumento, como destacado por Bauer & Gaskell (2011):

Com um entrevistado apenas, podemos conseguir detalhes muito mais ricos a respeito
de experiências pessoais, de cisões e sequencias das ações, com perguntas indagadoras,
dirigidas a motivações, em um contexto de informação detalhada sobre circunstâncias
particulares da pessoa (Bauer & Gaskell, 2011, p.78).

124
. A entrevista não é um processo que se dá apenas no ato de entrevistar, nem se
constitui apenas pela narrativa do entrevistado. Por constituir um processo de troca e
interlocução entre sujeitos, há marcas do/a pesquisador/a no desenvolver das etapas da
pesquisa, quando elabora o roteiro, transcreve e interpreta as falas das/os
entrevistada/os. Além disso, há uma dimensão coletiva na fala das/os entrevistadas/os,
ainda que seja realizada de forma individual, de modo que “nos permite compreender a
lógica das relações que se estabelecem no interior dos grupos sociais dos quais o
entrevistado participa em um determinado tempo e lugar” (Duarte, 2017, p. 219).
Cardano (2017) ressalta ainda as questões que emergem a partir das narrativas das/os
entrevistadas/os, que dão relevância a aspectos antes não imaginados pelo/a
pesquisador/a.

O que conta não são as perguntas, mas as respostas (...) algumas respostas abordarão
questões que, desde o planejamento do estudo, atribuímos relevância, outras recairão
sobre aspectos cuja relevância surgiu no momento, durante a interlocução (Cardano,
2017, p. 187).

A partir dessas reflexões teóricas, desenhamos o roteiro e a estratégia de coleta


de dados, desenvolvida a seguir.

Entrevistas com as coordenadoras

De março a maio de 2019, realizamos entrevistas semiestruturadas (Anexo I)


com duração média de uma hora com cinco coordenadoras dos projetos analisados. O
objetivo desta etapa foi compreender as trajetórias de vida das coordenadoras, de modo
a identificar semelhanças e diferenças no percurso que as levaram a aplicar para as
chamadas públicas; a inserção das questões de gênero em seu percurso pessoal e
profissional; as motivações para se engajarem na temática como coordenadoras; e a
importância dos projetos em suas percepções. As coordenadoras serão referidas no texto
pelos pseudônimos Isabela, Conceição, Bell, Angélica e Rupi, escolhidos a partir do
nome de autoras que inspiraram a pesquisadora no percurso do doutorado 19. A opção
pelo anonimato das identidades das coordenadoras envolve um compromisso ético
assumido pela entrevistadora no TCLE, de modo a viabilizar que as entrevistadas

19
Nomes inspirados nas escritoras Isabela Figueiredo e Conceição Evaristo, na escritora e teórica
feminista bell hooks e nas poetas Angélica Freitas e Rupi Kaur.

125
dialogassem francamente sobre desafios e questões enfrentadas ao longo da trajetória
pessoal e profissional.

Entrevistas com as jovens participantes

No que diz respeito às entrevistas com as estudantes de Ensino Fundamental e


Médio, em momento inicial, entrevistamos de três a seis meninas de cada projeto
selecionado, totalizando 20 entrevistas (Tabela 2), desenvolvidas a partir de um roteiro
de perguntas semiestruturado (ANEXO II). Optamos pela realização de entrevistas para
obter percepções individualizadas das participantes sobre a trajetória que as levou a
ingressar no projeto, sua relação com a escola, com a família e com o projeto e suas
percepções da figura de cientista. As entrevistas foram realizadas a partir de três eixos
temáticos: (i) interesses pessoais – que incluiu a relação com os pais, com a escola, a
motivação para o projeto e a afinidade com disciplinas de ciências exatas; (ii)
percepções sobre ciência, cientistas e mulheres na ciência; e (iii) envolvimento em
temáticas feministas. As entrevistas, de forma geral, foram curtas, com duração média
de doze minutos.
As entrevistas com as jovens do projeto MCE foram realizadas no dia 20 de
março de 2019, no campus Santa Cruz da Serra, da UFRJ. O projeto recebia as
estudantes no turno da manhã e da tarde. No grupo da tarde, uma participante de cada
escola se voluntariou para a etapa de entrevista após preencher o questionário, o qual
realizaram como primeira atividade da tarde. O grupo de meninas no turno da manhã
respondeu ao questionário, mas não se dispôs a participar das entrevistas.
As entrevistas no projeto MOI aconteceram em dois momentos. Em 12 de abril
de 2019, participamos de uma das reuniões gerais do projeto, que aconteceu no C.E.
Matemático Joaquim Gomes de Sousa Intercultural Brasil-China, envolvendo a
coordenadora do projeto, as graduandas e os professores responsáveis das respectivas
escolas envolvidas. Após a reunião, realizamos entrevista com três participantes do
projeto desta escola, que se voluntariam para participar dessa etapa. Em 5 de junho de
2019, estivemos na atividade semanal do projeto no Colégio Militar e entrevistamos três
participantes do projeto desta escola.
As entrevistas com as jovens do projeto TMC ocorreram durante as atividades
semanais do projeto em ambas as escolas no qual acontecem. Entrevistamos três
meninas no Colégio Estadual Alfredo Neves em 5 de abril de 2019, e duas meninas no
126
CIEP 218 Ministro Hermes Lima - Brasil Turquia em 24 de abril de 2019, que se
voluntariaram a participar dessa etapa. No CE Alfredo Neves, as entrevistas
aconteceram logo após a primeira atividade do projeto na escola naquele ano, que foi
uma oficina de circuito elétrico em massinha. No CIEP 218, as entrevistas aconteceram
durante a realização de uma atividade de confecção de circuitos elétricos em papel, da
qual as jovens se ausentaram durante o tempo da entrevista.
No projeto QUI, realizamos uma entrevista em 30 de março de 2019, durante a
primeira reunião geral do projeto, após exposição da coordenadora sobre a dinâmica do
projeto. Em seguida, realizamos mais duas entrevistas durante a atividade semanal no
laboratório de química analítica da PUC-Rio, no dia 11 de junho de 2019.

127
Tabela 2: Descrição das entrevistadas, com relação à idade, raça/etnia, religião, ano e segmento escolar, projeto e local de moradia (Fonte: Elaboração
própria).
Entrevistada Idade Cor/raça Religião Ano escolar Escola Projeto Local de moradia (Bairro, Cidade)
Não tem
L 17 Branca religião 3o ano do EM Colégio Pedro II - Centro de Duque de Caxias MCE Vila Kosmos, Rio de Janeiro
R 15 Branca Católica 1o ano do EM CIEP 218 Ministro Hermes Lima - Brasil Turquia MCE Xerém, Duque de Caxias
P 15 Parda Evangélica 2o ano do EM C.E. do Círculo Operário MCE Chácara Arcampo, Duque de Caxias
V 13 Parda Evangélica 8o ano do EF E.M. Dr. Ely Combat MCE Xerém, Duque de Caxias
ME 16 Preta/Negra Evangélica 2o ano do EM C.E. Monteiro Lobato MCE Xerém, Duque de Caxias
B 16 Branca Católica 2o ano do EM C.E. Profa Ma Terezinha Carvalho Machado QUI Praça Seca, Rio de Janeiro
Não tem
BM 17 Não declarou religião 2o ano do EM C.E. Profa Ma Terezinha Carvalho Machado QUI Praça Seca, Rio de Janeiro
La 15 Parda Católica 2o ano do EM C.E. Professor Mario Campos QUI Nilópolis, Rio de Janeiro
J 14 Branca Evangélica 1o ano do EM C.E. Alfredo Neves TMC Cerâmica, Nova Iguaçu
Em 16 Preta/Negra Budista 1o ano do EM C.E. Alfredo Neves TMC Ambaí, Nova Iguaçu
N 14 Preta/Negra Evangélica 1o ano do EM C.E. Alfredo Neves TMC Nova América, Nova Iguaçu
Não tem
Es 15 Branca religião 1o ano do EM C.E. Alfredo Neves TMC Posse, Nova Iguaçu
D 16 Parda Evangélica 3o ano do EM CIEP 218 Ministro Hermes Lima - Brasil Turquia TMC Parque Lafaiete, Duque de Caxias
Y 16 Branca Muçulmana 3o ano do EM CIEP 218 Ministro Hermes Lima - Brasil Turquia TMC N. Sra do Carmo, Duque de Caxias
F 15 Parda Católica 2o ano do EM C.E. Matemático Intercultural Brasil-China MOI Mutondo, São Gonçalo
Não tem
M 15 Amarela/Oriental religião 2o ano do EM C.E. Matemático Intercultural Brasil-China MOI Inoã, Maricá
Ed 15 Parda Católica 2o ano do EM C.E. Matemático Intercultural Brasil-China MOI Mutondo, São Gonçalo
El 14 Parda Católica 8o ano do EF Colégio Militar MOI Engenho de Dentro, Rio de Janeiro
I 14 Branca Evangélica 8o ano do EF Colégio Militar MOI Sulacap, Rio de Janeiro
S 14 Branca Católica 8o ano do EF Colégio Militar MOI Ramos, Rio de Janeiro

128
4.5.3. Grupos focais

Grupo focal é uma técnica que prioriza a comunicação entre participantes a fim
de coletar dados sobre um tema de interesse, simulando a dinâmica de uma conversa em
grupo no seu cotidiano. Nos grupos focais, a unidade de análise é o grupo e não os
indivíduos que o compõem. O moderador ou a moderadora atua como facilitador/a no
processo de potencializar as interações entre os participantes, com enfoque nos
processos que emergem a partir das falas. Durante a conversa em grupo, as/os
participantes influenciam uns aos outros, na defesa de pontos de vista, evidenciando
suas contradições e suas mudanças de opinião.
Kitzinger & Barbour (1999) definiram grupos focais como discussões em grupo
que exploram um conjunto específico de questões. A metodologia desses grupos pode
envolver algum tipo de atividade coletiva, como a exibição de um vídeo, ou ser apenas
o debate de determinadas questões. Segundo as autoras, “qualquer discussão em grupo
pode ser chamada de grupo focal na medida em que o pesquisador ou a pesquisadora
encoraje ativamente, e esteja atenta, às interações do grupo” (Barbour & Kitzinger,
1998, p. 20, tradução nossa). Kitzinger (1994) argumenta que essa forma de discussão
em grupo explora como as narrativas são articuladas, contrariadas e modificadas por
meio das interações sociais e como isso se relaciona com a comunicação entre pares e
com as normas de grupo estabelecidas.
Cardano (2017) argumenta que, enquanto técnica, o grupo focal se situa no meio
termo entre a observação participante e as entrevistas em profundidade, sendo um
recurso para compreender o processo de construção das percepções, atitudes e
representações sociais. O uso conjunto das técnicas de entrevistas individuais e grupos
focais pode enriquecer a análise:

a utilização de grupos focais em sequência às entrevistas individuais, por exemplo,


facilita a avaliação do confronto de opiniões, já que se tem maior clareza do que as
pessoas isoladamente pensam sobre um tema específico (Gondim, 2002, p. 153).

Optamos por realizar grupos focais com as jovens ao final dos projetos devido às
observações realizadas ao longo do ano. Durante o ano de 2019, estivemos em algumas
das atividades propostas pelos projetos, como a mesa redonda “Ciência é com Elas” e o
“Festival Meninas nas Exatas”, organizados pelo projeto MCE, e em reuniões de
planejamento do projeto MOI. Além disso, participamos da organização do “Sábado da

129
Ciência: as incríveis cientistas mulheres”, promovido pelo Espaço Ciência Viva, no qual
convidamos os projetos MCE e TMC a se apresentarem para um público mais amplo.
Foi a partir da vivência nas atividades dos projetos, do diálogo com as
coordenadoras e do diálogo estabelecido a partir de apresentações em congressos –
assim como pelas observações da primeira etapa de análise e codificação das entrevistas
–, que seguimos o percurso metodológico para realização de grupos focais. Percebemos,
em diálogo com as coordenadoras e com os dados iniciais de análise, que as jovens
formaram um grupo coeso e que analisar a vivência nos projetos a partir das trocas entre
elas seria mais rico e refletiria melhor a dinâmica das relações durante a vivência nos
projetos do que a realização de entrevistas na etapa final dos projetos.
No período de conclusão das atividades dos projetos TMC, MCE e MOI,
realizamos ao menos um grupo focal em cada projeto, com a presença de quatro a oito
jovens, totalizando 25 participantes (Tabela 3). Devido à pandemia de COVID-19 no
ano de 2020, não foi possível realizar esta etapa no projeto QUI – que teve início mais
tardio que os demais e ainda se encontrava em desenvolvimento de suas atividades. O
objetivo dos grupos focais foi compreender as relações construídas entre as
participantes, com a escola, com a comunidade escolar e com as coordenadoras durante
a vivência nos projetos, no que diz respeito à formação de identidades em STEM,
autoconfiança, representatividade, concepções de ciência, percepções sobre a inserção
da mulher na atividade científica, perspectivas de carreira futura, perspectivas de vida
sobre casamento e maternidade a partir do aporte teórico sobre divisão sexual do
trabalho (ver Kergoat, 2009), rotina familiar e crenças e expectativas de seus familiares.
A conversa foi estimulada por um roteiro de perguntas semiestruturado (Anexo II).

Tabela 3: Descrição dos grupos focais relativa ao perfil de participantes e duração (Fonte:
Elaboração própria).
Grupo Perfil das participantes Duração
No Projeto Idade Ano escolar
1 4 TMC 15 e 16 anos 2º e 3º ano do EM 01:08:00
2 6 MCE 15 e 16 anos 1º e 2º ano do EM 00:32:00
3 8 MCE 13 a 16 anos 8º ano do EF ao 2º ano do EM 00:34:00
4 7 MOI 14 a 17 anos 9º ano do EF ao 3º ano do EM 00:27:00
Total: 25

Em 6 de novembro de 2019, realizamos o primeiro grupo focal com quatro


jovens do projeto TMC. A conversa foi realizada na sala de aula onde se desenvolvia

130
semanalmente o projeto, no CIEP 218. Chegamos ao local com antecedência para
organizar o espaço para a dinâmica, dispondo as cadeiras em semicírculo. No dia
marcado, havia uma atividade extracurricular de ensaio do coral da escola, o que
interferiu na quantidade de jovens que frequentaram o espaço do projeto naquela tarde.
A graduanda, monitora do projeto, iniciou com a atividade semanal previamente
combinada de montagem de circuito elétricos em linha e em paralelo de modo a esperar
que mais jovens se juntassem ao grupo. Começamos, em seguida, a conversa disparada
a partir do roteiro de perguntas. O grupo focal teve duração de 1h e 8 minutos e foi
mediado pela autora desta pesquisa, com gravação de áudio e anotações realizadas pela
mediadora.
O segundo e o terceiro grupo focal foram realizados em 27 de novembro de
2019, no campus Tamoios da UFRJ, em Xerém. As jovens do projeto MCE estavam no
laboratório didático de biologia realizando um experimento de geração de nanopartícula
de prata a partir de um comprimido de vitamina C em solução de nitrato de prata.
Acompanhamos a atividade e realizamos o grupo focal ao término do experimento. O
grupo aconteceu no ambiente de laboratório e as meninas estavam vestidas de jaleco
com cabelos presos, e algumas com luva. Dispusemos as cadeiras ao redor da bancada
em semicírculo. Sete jovens participaram da conversa, que durou 32 minutos. Por conta
do horário de saída das jovens, o grupo precisou acabar de forma premeditada com
alguns tópicos encurtados. No turno da tarde, realizamos um grupo com oito jovens do
projeto MCE, no mesmo ambiente de laboratório, com duração de 34 minutos. O grupo
foi interrompido por uma das coordenadoras que solicitou que terminássemos a
dinâmica para dar início à atividade experimental, e teve alguns tópicos da conversa
encurtados.
Em 19 de dezembro de 2019, realizamos o quarto grupo focal com sete jovens
do projeto MOI, durante o encontro de encerramento do projeto, que aconteceu no
Auditório Tércio Pacciti, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio),
no bairro da Urca, no Rio de Janeiro. O encontro teve início com uma homenagem à
coordenadora organizada pelas graduandas e com a fala do diretor do IMPA. Em
seguida, as participantes assistiram à um filme de animação sobre matemática. Após a
atividade, fomos para uma sala reservada, previamente organizada com as cadeiras em
semicírculos, e realizamos o grupo focal. O horário propiciado pela coordenadora para a
realização da conversa foi o horário de lanche das jovens e teve duração de 27 minutos.

131
4.5.4. Análise dos dados

As questões discursivas do questionário, as entrevistas e os grupos focais foram


analisadas por meio de abordagem qualitativa, com uso de análise de conteúdo
(Krippendorff, 2004). As entrevistas com as jovens e com as coordenadoras e os grupos
focais foram gravados e transcritos. A etapa de codificação foi realizada com auxílio do
software QDA miner 4.0. Ao mencionarmos as falas das jovens ao longo da discussão
nos capítulos a seguir, utilizamos, para falas retiradas das entrevistas, as informações de
gênero, idade, raça/cor e nome do projeto; e, para as falas retiradas dos grupos focais,
apenas as informações de gênero e nome do projeto20.
A análise de conteúdo se configura como um conjunto de técnicas para
sistematização e categorização do conteúdo de mensagens, e diz respeito ao conteúdo
que emerge durante o processo em que uma pesquisadora ou pesquisador analisa um
texto em um determinado contexto. Na análise de conteúdo, pesquisadores, ao se
familiarizarem com determinados conteúdos, elaboram uma análise, descrevendo e
codificando elementos textuais, e interpretando os dados a partir de referenciais teóricos
elaborados ao longo da pesquisa. Alguns dos pressupostos epistemológicos da análise:
(i) textos não têm qualidades objetivas, isto é, são dependentes de contextos e da
interpretação de sujeitos envolvidos na análise; (ii) textos não tem significados únicos,
que podem ser "encontrados", "identificados" ou "descritos" como eles são; (iii)
significados construídos a partir da análise são relativos a contextos, discursos e
propósitos específicos (Krippendorff, 2004).
Os dados obtidos por meio dos questionários foram tabulados em planilhas do
Excel e, para visualização dos dados, foram gerados gráficos com o auxílio do mesmo
software. A questão discursiva “O que te motivou a participar do projeto?” foi
codificada com o auxílio do software QDA Miner 4.0. As respostas das participantes
foram categorizadas em 18 códigos, construídos a posteriori, a partir da leitura das
respostas e da identificação de conteúdo recorrentes no discurso das entrevistadas. São
eles: "Identidade pelas exatas", "Busca por mais conhecimento", "Dinâmica prática das

20
Como mencionaremos nas Considerações Finais como limitações da pesquisa, para manter um
ambiente acolhedor durante os grupos focais, optamos por não filmar a discussão, gravando as falas
apenas por áudio. No entanto, essa estratégia inviabilizou o reconhecimento das jovens a partir apenas das
vozes na etapa de transcrição e, portanto, faltaram informações acerca de raça, idade e território nas
narrativas das jovens extraídas dos grupos focais.

132
atividades", "Interesse na discussão sobre mulheres nas ciências", "Aumentar
afinidade/Ter dificuldade nas exatas", "Ser exclusivo para meninas", "Curiosidade",
"Futuro", "Novidade", "Oportunidade", "Pessoas motivadoras", "Experiência anterior no
projeto", "Conhecimentos e equipamentos não presentes na escola", "Local do projeto",
"Auxílio financeiro (bolsa)", "Ser diferente", "Revolucionar" e "Divertir".
Nas entrevistas com as jovens, a análise envolveu a criação de categorias e
códigos a priori a partir do referencial teórico dos estudos feministas da ciência e de
percepção pública da ciência e a posteriori, conforme o surgimento de temas e discursos
enunciados pelas participantes. O processo de codificação ocorreu em ciclos de
codificação e recodificação, a partir de diversas leituras do material. Na análise das
entrevistas, classificamos os enunciados das participantes em sete categorias,
subdivididas em 52 códigos. São elas: Interesses, Motivação, Rotina, Percepção sobre
ciência e cientista, Percepção sobre mulheres na ciência, Discriminação e Feminismo
(Quadro 2).

Quadro 2: Listagem dos códigos usados para análise das entrevistas das estudantes das escolas
de Ensino Fundamental e Médio (Fonte: Elaboração própria).
1. Motivação
1.1. Exclusivo para meninas
1.2. Ser professora
1.3. Aprender mais sobre [disciplina do projeto]
1.4. Importância das mulheres nas ciências
1.5. Dificuldade com a disciplina do projeto
1.6. Pessoas motivadoras
1.7. Oportunidade única
1.8. Fazer a diferença
1.9. Interesse prévio
1.10. Estar na universidade
2. Interesses
2.1. Interesse prévio pelas ciências exatas
2.2. Relação positiva com a escola
2.3. Relação negativa com a escola
3. Rotina
3.1. Cansativa
3.2. Dinâmica intensa da escola
3.3. Compromisso com irmãos
3.4. Afazeres domésticos
4. Discriminação
4.1. Falta de voz
4.2. Discriminação na prática esportiva
4.3. Discriminação nas ciências e matemática
4.4. Discriminação por conta da vestimenta
4.5. Assédio no transporte
5. Feminismo
5.1. Feminismo como união e coletividade
5.2. Feminismo como transformação da realidade

133
5.3. Feminismo como conquista histórica
5.4. Feminismo como ativismo
5.5. Feminismo como igualdade de gênero
5.6. Feminismo como escolhas individuais
5.7. Feminismo como construção de liberdade
5.8. Pautas feministas e direito de escolher ser mãe
5.9. Movimento de mulheres
6. Percepção sobre ciência e cientistas
6.1. Cientistas como altruístas
6.2. Cientistas como pessoas distantes da sociedade
6.3. Cientistas como pessoas muito inteligentes
6.4. Cientistas como pessoas brancas
6.5. Cientistas como homens
6.6. Cientistas como pessoas questionadoras
6.7. Cientistas como pessoas criativas
6.8. Cientistas como pessoas sociáveis
6.9. Cientistas como pessoas estudiosas
6.10. Cientistas como pessoas comuns
6.11. Ciência como conhecimento baseado em fatos
6.12. Ciência no cotidiano
6.13. Ciência como busca de solução
6.14. Ciências exatas como difíceis
6.15. Ciência como questionamento
7. Percepção sobre mulheres na ciência
7.1. Falta de oportunidade, capacidades iguais
7.2. Desempenho em exatas
7.3. Avanço das mulheres
7.4. Tratamento igual
7.5. “Princesa que nada, quero ser cientista”
7.6. Socialização de meninas e meninos

Nas entrevistas com as coordenadoras, a análise envolveu a criação de categorias


e códigos a priori a partir do referencial teórico dos estudos feministas da ciência e de
divisão sexual do trabalho e a posteriori, conforme o surgimento de temas e discursos
enunciados pelas participantes. Na análise das entrevistas, classificamos os enunciados
das coordenadoras em duas dimensões – “trajetória de vida” e “âmbito do projeto” –,
que se desdobraram em 9 categorias. A dimensão “trajetória de vida”, subdividimos em:
escolha da profissão, ambiente acadêmico, paridade de gênero no percurso acadêmico,
discriminação, envolvimento com o debate de gênero e feminismos, divisão sexual do
trabalho, casamento e maternidade. A dimensão “âmbito do projeto” envolveu a
categoria “implementação e desenvolvimento dos projetos”. Para fins dessa pesquisa,
analisamos apenas a dimensão “âmbito do projeto” e os dados obtidos na dimensão
“trajetória de vida” serão utilizados em desdobramentos futuros.
Nos grupos focais, a análise envolveu a criação de categorias e códigos a priori
a partir do referencial teórico dos estudos feministas da ciência e de percepção pública

134
da ciência e a posteriori, conforme o surgimento de temas e discursos enunciados pelas
participantes. Na análise dos grupos focais, classificamos os trechos das falas em sete
categorias, que abrigavam 52 códigos. São elas: dimensão individual, dimensão
familiar, dimensão escolar, dimensão do projeto, dimensão social, características dos/as
cientistas e percepções sobre ciência (Quadro 3).

Quadro 3: Listagem dos códigos usados para análise dos grupos focais com as estudantes das
escolas de Ensino Fundamental e Médio (Fonte: Elaboração própria).
1. Dimensão individual
1.1. Interesse em exatas
1.2. Perspectiva de carreira futura
1.3. Falta de autoconfiança
1.4. Trabalho produtivo vs. trabalho reprodutivo
2. Dimensão familiar
2.1. Incentivo dos pais
2.2. Reconhecimento dos familiares
2.3. Crenças e expectativas dos familiares
3. Dimensão do projeto
3.1. Ambiente de aprendizagem inclusivo
3.2. Práticas de ensino
3.3. Aprendizagem além das paredes da escola
3.4. Dificuldades e problemas
3.5. Relato de atividades do projeto
3.6. Desejos sobre o futuro do projeto
3.7. Momentos marcantes
3.8. Auxílio na escolha e afirmação da profissão
3.9. Tempo no projeto / Rotina
3.10. O que significou o projeto?
3.11. Apresentação de projetos
3.12. Representatividade / Figuras exemplares
3.13. Autoconfiança e autoestima
3.14. Pertencimento
3.15. Desenvolvimento das identidades positivas de STEM
3.16. Falta de representatividade / Não pertencimento
4. Dimensão escolar
4.1. Reconhecimento da comunidade escolar
4.2. Produto retornável para escola
4.3. Melhora no desempenho escolar
5. Dimensão social
5.1. Responsabilidade nas tarefas domésticas
5.2. Rotina e cansaço
5.3. Normas sociais e culturais de gênero
5.4. Machismo no meio acadêmico
5.5. Discriminação de cor/raça
5.6. Discriminação de gênero
5.7. Discriminação por local de moradia e escola
5.8. Feminismo
6. Características de cientistas
6.1. Paixão e curiosidade
6.2. Vontade de aprender
6.3. Persistência
6.4. Ter interesse

135
6.5. Excelência
6.6. Dedicação
6.7. Esforçado/a
6.8. A casa é o laboratório / a vida é o trabalho
6.9. Determinação
6.10. Disciplina
6.11. Concentração
6.12. Reconhecimento do estereótipo
6.13. Enxergar-se como pesquisadora
7. Percepções sobre ciência
7.1. Construir conhecimento, questionar, pensar
7.2. Ciência como ciências naturais, experimentos
7.3. Ciência humanas
7.4. “Ciência é o seu doutorado”
7.5. “Ciência é o que fazemos no projeto”

4.6. Caracterização das jovens participantes

As jovens integrantes da pesquisa eram participantes dos projetos MCE, TMC,


QUI e MOI. A caracterização das jovens foi feita com base nas informações
sociodemográficas contidas no questionário. Em síntese, as participantes dos projetos
eram jovens mulheres entre 13 e 22 anos, sendo a maioria com 15 anos, cursando desde
o 8º ano do Ensino Fundamental até o 3º ano do Ensino Médio. Cerca de 60% das 73
respondentes se autodeclararam negras e 93% afirmaram ter interesse por matérias de
ciência e tecnologia na escola. As matérias favoritas declaradas pelas respondentes
foram matemática, química, história, física e biologia.
Com relação ao grau de instrução dos pais, 32% dos pais e mães completaram o
Ensino Médio e/ou possuem Ensino Superior incompleto e 24% completaram o Ensino
Superior. Das 59 jovens que responderam à questão discursiva “O que você pretende
fazer depois de terminar o Ensino Médio? Se pretende ir para a universidade, qual curso
gostaria de fazer?”, doze expressaram que desejavam ir para uma universidade, porém
ainda não tinham uma escolha de curso. As engenharias foram as escolhas mais
frequentes entre as participantes, seguidas da carreira em Escola Militar e Naval,
medicina, psicologia e biologia. A seguir, caracterizaremos com mais detalhes o perfil
das jovens.

136
4.6.1. Idade, raça/etnia e segmento escolar

Foram 73 participantes respondentes dos questionários, sendo 28 meninas do


TMC, 21 do MOI, 14 do MCE e 10 do QUI, que estudavam em 15 diferentes escolas do
estado do Rio de Janeiro, cuja distribuição pode ser vista na Tabela 4 e na Figura 7.
Vale destacar a heterogeneidade das escolas selecionadas por cada projeto, em termos
de políticas de ingresso, seleção, localização, prestígio e vulnerabilidade social.

Tabela 4: Distribuição das participantes que responderam aos questionários por projeto
e por escolas envolvidas (Fonte: Elaboração própria).

Escolas participantes MOI QUI TMC MCE Total


C.E. Matemático Joaquim Gomes de Sousa 3 3
Intercultural Brasil-China
Colégio Militar 3 3
Colégio Pedro II – Humaitá 3 3
Escola Municipal Francis Hime 4 4
Escola Municipal Alberto José Sampaio 8 8
Colégio Estadual Olga Benário Prestes 1 1
Colégio Estadual Profa Ma Terezinha 3 3
Carvalho Machado
Colégio Estadual Professor Mario Campos 3 3
IFRJ Maracanã 3 3
Colégio Estadual Monteiro Lobato 2 2
Colégio Estadual do Círculo Operário 3 3
Colégio Pedro II - Centro de Duque de Caxias 3 3
Escola Municipal Dr. Ely Combat 3 3
Colégio Estadual Alfredo Neves 10 10
CIEP 218 Ministro Hermes Lima - Brasil 18 3 21
Turquia
Total Geral 21 10 28 14 73

137
Figura 7: Mapa com a distribuição geográfica das escolas envolvidas no estudo (TMC em roxo;
MCE em vermelho; QUI em verde; e MOI em azul) (Fonte: Elaboração própria).

As meninas tinham idade entre 13 e 22 anos, sendo a maioria com idade de 14


(17 jovens), 15 (24) e 16 (17) anos. Com relação ao segmento escolar, havia
participantes cursando desde o 8º ano do Ensino Fundamental (EF) até o 3º ano do
Ensino Médio (EM). No TMC, de 28 participantes, vinte estavam no 1º ano do EM.
Todos os projetos abrangeram os três anos do EM, enquanto apenas nos projetos MOI e
MCE havia meninas no último segmento do EF (Gráfico 1). Com relação à cor/raça,
cerca de 60% se autodeclararam pretas/negras e pardas (25 pardas, 18 pretas/negras), 26
respondentes se autodeclararam brancas, duas orientais e duas não responderam
(Gráfico 2). No que diz respeito à religião, 39 se declararam evangélicas – 53% das
respondentes –, 16 católicas, 15 declararam não possuir religião, uma Wicca, uma
muçulmana, e uma espírita.

138
Gráfico 1: Distribuição de participantes por projeto e por ano/segmento escolar (Fonte:
Elaboração própria).
Ano e segmento escolar
30

25
3
20

15 7
20
10 2 3 1
1 4
5 4
7 8 4
1 4
0 1 1
8o ano do Ensino 9o ano do Ensino 1o ano do Ensino 2o ano do Ensino 3o ano do Ensino
Fundamental Fundamental Médio Médio Médio

MOI QUI TMC MCE

Gráfico 2: Distribuição de participantes por autodeclaração de cor/raça (Fonte: Elaboração


própria).
Não
Cor/raça respondeu;
Amarela/Ori
ental; 2 2

Preta/Negra Branca; 26
; 18

Parda; 25

4.6.2. Interessadas nas exatas

Cerca de 93% das respondentes afirmaram ter interesse por matérias de ciência e
tecnologia na escola. As matérias favoritas declaradas pelas respondentes foram
matemática (31), química (30), história (24), física (21) e biologia (17). Em menor
frequência, as jovens também declararam ter interesse em português (14), geografia
(11), artes (10), inglês (10), filosofia (8), ciências (7), educação física (6), sociologia
(5), mandarim (3), espanhol (2), turco (2), ensino religioso (1) e linguagem de
programação (1). Esses dados auxiliam a compreender o interesse prévio das
participantes dos projetos pelas disciplinas abordadas. Cerca de 42% das respondentes
realizavam atividades extracurriculares, entre elas cursos de idiomas, esportes, aulas de
139
música e cursos preparatórios – sendo que algumas consideraram, no questionário, o
próprio projeto como atividade extracurricular.

4.6.3. Profissão e grau de instrução dos pais

Os pais das respondentes exerciam uma gama variada de profissões,


concentrando-se, em sua maioria, nas profissões de “trabalho informal na construção
civil” (18), tais como pedreiro, mecânico, eletricista, soldador, pintor, marceneiro e
operador de máquinas; professor/a (16), dona de casa/do lar (13), diarista/empregada
doméstica/babá (10), vendedor/a (8), militar (7) e segurança (5). Entre as demais
profissões, destacam-se, em menor número, engenheiros, corretores/as, enfermeiras,
costureiras, administradores/as e porteiros.
Com relação ao grau de instrução dos pais (Gráfico 3), 32% dos pais e mães
completaram o Ensino Médio e/ou Ensino Superior incompleto (26 mães e 20 pais), e
24% completaram o Ensino Superior (20 mães e 15 pais). Observa-se um nível de
escolaridade maior das mães com relação aos pais em ambas as categorias descritas
acima. Das 71 jovens que responderam a essa questão, seis assinalaram que não
conviviam com o pai.

Gráfico 3: Grau de instrução dos pais das respondentes (n=71), discriminados pelo grau de
instrução da mãe (em laranja) e do pai (em azul) (Fonte: Elaboração própria).
Grau de instrução dos pais

Superior completo 15 20
Ensino Médio completo/Ensino Superior… 20 26
Fundamental 2 completo/Ensino Médio… 4 9
Fundamental 1 completo/Fundamental 2… 8 9
Fundamental 1 incompleto (até o 5º ano… 4 3
Não sei dizer 14 5
Não convivo 6
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50

Grau de instrução do pai Grau de instrução da mãe

4.6.4. Universidade como desejo

Das 59 jovens que responderam à questão discursiva “O que você pretende fazer
depois de terminar o Ensino Médio? Se pretende ir para a universidade, qual curso
gostaria de fazer?”, doze expressaram que desejavam ir para uma universidade, porém

140
ainda não tinham uma escolha de curso (Gráfico 4). As engenharias foram as escolhas
mais frequentes entre as participantes (9 jovens), seguidas da carreira em Escola Militar
e Naval (7); medicina (6); psicologia (4) e biologia (4). Uma jovem declarou não ter
interesse ou possibilidade de seguir para a universidade (“pretendo já começar a
trabalhar”), e uma jovem declarou ainda não saber se iria ou não tentar um curso
universitário.

Gráfico 4: Distribuição das preferências das jovens por escolha de carreira futura (Fonte:
Elaboração própria).
Carreira futura (n=59)
Universidade (não escolhi o curso) 12
Engenharias (Engenharia eletrônica,… 9
Escola militar/Escola Naval 7
Medicina 6
Psicologia 4
Biologia 4
Dança ou artes cênicas 3
Administração 3
Direito 2
Arquitetura 2
Turismo 2
Matemática 1
Pedagogia 1
Começar a trabalhar 1
Geologia 1
História 1
Relações Internacionais 1
Fisioterapia 1
Química forense 1
Relações Humanas 1
Bioquímica 1
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

141
5. Mapeamento e importância das políticas orientadas por
equidade de gênero na educação em STEM

Neste capítulo, para entender o contexto de realização dos projetos, buscamos


compreender o alcance e os desdobramentos das políticas orientadas por equidade de
gênero na educação em ciências das chamadas do CNPq, por meio de um mapeamento
dos projetos a nível nacional e do estado do Rio de Janeiro. A importância dos projetos
é analisada ainda a partir das narrativas de cinco coordenadoras. Identificamos a
capilaridade das iniciativas no país e aumento da liderança feminina na coordenação dos
projetos de 2013 para 2018. Apontamos para dimensão social, formativa e pessoal dos
projetos, como na atuação em áreas de vulnerabilidade social; enquanto formação de
professoras/es que incorporem questões de gênero em suas práticas; e pelo
estreitamento da relação universidade-escola.
Neste capítulo, analisaremos a capilaridade dos projetos contemplados no
território nacional, por meio da distribuição dos projetos por região e por estados
brasileiros; a proporção de homens e mulheres na liderança dos projetos em nível
nacional, por meio da análise comparativa de gênero das/os proponentes nas chamadas
de 2013 e de 2018. Em seguida, focaremos nos dados do estado do Rio de Janeiro, em
que identificaremos os projetos contemplados, no que diz respeito ao nome, instituição
coordenadora e financiamento; analisaremos a abrangência temática das iniciativas
contemplados, por meio da análise das principais áreas de conhecimento abordadas;
identificaremos o período de criação e duração dos projetos e identificaremos as
produções científicas – artigos científicos publicados em periódicos revisados por pares,
capítulo de livros e trabalhos completos publicados em anais de congresso – resultantes
do envolvimento nos projetos até novembro de 2021.
Na segunda parte, analisaremos as percepções sobre a importância dos projetos,
a partir das narrativas das cinco coordenadoras entrevistadas, as quais foram
categorizadas em quatro dimensões: dimensão social referente às jovens participantes,
dimensão formativa referente às graduandas, dimensão formativa referente às
coordenadoras propriamente ditas, e dimensão pessoal.

142
5.1. Capilaridade dos projetos no território nacional

Em 2013, foram contemplados 325 projetos, caindo para um quarto do número


em 2018 (78) – o que não necessariamente refletiu na diminuição das pessoas
envolvidas, uma vez que, em 2018, os projetos poderiam envolver de uma a cinco
escolas, enquanto, em 2013, cada projeto atingia apenas uma escola. Porém, o valor
destinado ao financiamento total da chamada diminuiu em aproximadamente metade do
montante em 2018 (6 milhões) com relação a chamada anterior (11 milhões). Um maior
aporte financeiro, similar ou superior ao destinado em 2013, poderia ter ampliado
potencialmente o alcance das chamadas, considerando que mais de 700 proponentes
aplicaram para o edital.
No que tange a distribuição dos projetos por estados brasileiros, todos os 26
estados e o Distrito Federal tiveram projetos aprovados em ambas as chamadas púbicas
(Gráfico 5), com maior número na região sul, sudeste e nordeste (Gráfico 6). Somando a
aprovação em ambas as chamadas, o estado com maior número de projetos aprovados
foi Rio Grande do Sul (53), seguido de São Paulo (45), Minas Gerais (30), Santa
Catarina (27) e Paraíba (25). No Rio de Janeiro, foram 18 projetos contemplados, sendo
oito em 2013 e dez em 2018 – segundo estado com mais projetos aprovados na chamada
31/2018.

Gráfico 5: Distribuição por estados dos projetos contemplados nas chamadas do CNPq Meninas
nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação de 2013 e 2018 (Fonte: Elaboração própria).

143
Na chamada 18/2013, a região Nordeste foi a mais contemplada (94 projetos),
enquanto na chamada 31/2018, a região Sudeste teve mais projetos aprovados (23). As
regiões Norte e Centro-Oeste tiveram menos projetos desenvolvidos em ambas as
chamadas, sendo o Distrito Federal e Goiás responsáveis pelo maior número de projetos
aprovados no Centro-Oeste em 2013.

Gráfico 6:Distribuição por Regiões do país dos projetos contemplados nas chamadas do CNPq
Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação de 2013 e 2018 (Fonte: Elaboração
própria).
120

100 17
21 23
80

60
8 94
40 82 83
9
20 43
23
0
Norte Centro-Oeste Sul Sudeste Nordeste

Chamada CNPq/MCTIC 31/2018


Chamada MCTI/CNPq/SPM-PR/Petrobras 18/2013

As chamadas do CNPq Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e


Computação foram marcos importantes de políticas afirmativas para promoção da
equidade de gênero no Brasil e para fomentar a criação e continuidade de projetos
voltados para estimular o interesse de meninas nas ciências. Estas chamadas tiveram
efeito multiplicador de iniciativas na temática de gênero na educação em STEM (Brito
et al., 2015; Lima & Costa, 2016; Lima, 2017; Oliveira; Unbehaum; Gava, 2019).
Com pouco mais de metade do orçamento, o número de projetos contemplados
na chamada lançada em 2018 foi cerca de um quarto do número de projetos
contemplados em 2013, porém o envolvimento de até cinco escolas na segunda
chamada permitiu que os projetos envolvessem um público amplo. No contexto
brasileiro, as chamadas contemplaram todas as regiões do país, com destaque para a
região nordeste, sul e sudeste. Somando a aprovação em ambas as chamadas, os estados
com maior número de projetos aprovados foram Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas
Gerais, Santa Catarina e Paraíba.

144
5.2. Liderança feminina

Com relação ao gênero da/o proponente, nota-se uma mudança no percentual de


mulheres coordenadoras nas chamadas de 2013 e 2018 (Gráfico 7). Enquanto, em 2013,
as coordenadoras respondiam por 51% dos projetos, em 2018, elas representavam cerca
de 94%. Essa mudança pode ser explicada pelos critérios de aprovação dos projetos,
que, no edital de 2018, explicitavam preferência ao gênero feminino como proponente e
à avaliação do edital anterior de que muitos projetos não tinham como foco as questões
de equidade de gênero no desenvolvimento das atividades (ver Queiroz, 2018).

Gráfico 7: Distribuição por Gênero da/o proponente nas chamadas do CNPq Meninas nas
Ciências Exatas, Engenharias e Computação de 2013 e 2018 (Fonte: Elaboração própria).

A mudança no critério de seleção das/os proponentes, que privilegiou a liderança


feminina na coordenação dos projetos desencadeou maior número de projetos com
coordenadoras, de modo que projetos coordenados por mulheres passaram de 51%, em
2013, para 94% em 2018. A presença feminina na coordenação não necessariamente
implica na pauta de uma política feminista na educação em ciências, como argumenta
hooks (2018, p. 25): “uma pessoa não se torna defensora de políticas feministas
simplesmente por ter o privilégio de ter nascido do sexo feminino. Assim como todas as
posições políticas, uma pessoa adere às políticas feministas por escolha e ação”. Para
avaliar a inserção das discussões de gênero, feminismos e interseccionalidade nos
projetos a partir da mudança de perfil das/os proponentes, caberiam estudos
direcionados a este tema.

145
5.3. Projetos do estado do Rio de Janeiro

Dos 18 projetos desenvolvidos no estado do Rio de Janeiro, dois foram


contemplados em ambos os editais. Na Tabela 5, encontra-se a relação dos projetos
contemplados nas chamadas no que diz respeito ao nome do projeto, instituição
coordenadora, área de atuação e gênero das/os coordenadoras/es, origem de
financiamento, ano de início do projeto e produção científica. No que diz respeito às
instituições vinculadas aos proponentes, estão universidades públicas e privadas,
institutos federais, institutos de pesquisa e espaços científico culturais. A instituição
com maior número de projetos foi a Universidade Federal do Rio do Janeiro (UFRJ),
com seis projetos, sendo três em cada chamada; seguida do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) e da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), ambas com dois projetos.
Com relação ao gênero das/os proponentes, em 2013, seis projetos foram
coordenados por mulheres e dois por homens e, em 2018, os dez projetos foram
coordenados por mulheres. Ao analisar os títulos e objetivos dos projetos, identificamos
que, nos aprovados em 2018, há maior enfoque às questões de gênero. Muitos dos
projetos contemplados em 2013 sequer citavam o fato do projeto ser ou não destinado
para meninas em seu título e objetivos. As áreas de conhecimentos mais contempladas
no Rio de Janeiro foram física (4), química (4), computação (3), agronomia (2) e
matemática (2), seguidas de astrofísica (1), engenharia de produção (1) e engenharia
ambiental (1). Em 2018, as áreas contempladas foram mais diversas, sendo química (2),
computação (2) e matemática (2) as áreas com maior número de propostas.
Quanto ao período de duração, identificamos que cinco dos oito projetos
contemplados em 2013 tiveram continuidade de suas atividades após o término do
financiamento pelo CNPq, ainda que não seja possível afirmar sobre o grau de
manutenção e desenvolvimento das atividades a partir dos dados obtidos na Plataforma
Lattes. Dos projetos contemplados em 2018, dois já haviam sido contemplados em 2013
e dois tiveram suas atividades iniciadas em 2016 por meio de recursos institucionais.
Dos projetos contemplados em 2018, não é possível ainda afirmar se terão continuidade
após o período de financiamento do CNPq, uma vez que essa análise foi feita enquanto
os projetos estavam em andamento.
A partir dos trabalhos publicados no perfil da Plataforma Lattes das/os
proponentes – “artigos completos”, “capítulos de livro publicados” e “trabalhos
146
completos publicados em anais de congresso”, buscamos identificar a produção
científica oriunda do desenvolvimento dos projetos, que tivesse menção ao debate sobre
a problemática de gênero nas ciências (Tabela 4). Identificamos publicações científicas
relacionadas aos projetos em quase metade deles (sete dos 16 projetos). Vale destacar
que a maioria dos projetos contemplados em 2018 teve início a partir da chamada, o que
justificaria a ausência de publicações até o período analisado, em consequência dos
tempos para tramitação de artigos por parte das revistas.
Nos últimos cinco anos, além dos projetos contemplados nas chamadas,
emergiram inúmeras iniciativas no Rio de Janeiro, assim como no restante do país, com
foco em promover o interesse de meninas nas ciências. As chamadas do CNPq parecem
ter atuado como catalisadoras na disseminação de iniciativas nesta temática, como, por
exemplo, o edital “Faperj Nº 09/2021 – Programa Meninas E Mulheres Nas Ciências
Exatas E Da Terra, Engenharias E Computação – 2021”, destinado para fomento de
projetos no Rio de Janeiro.
Além dos projetos contemplados pelas chamadas do CNPq, outros projetos vêm
sendo realizados no âmbito de motivarem jovens a se interessarem pelas áreas de exatas
e tecnológicas no estado do Rio de Janeiro. Alguns exemplos são: “Meninas com
Ciência”, do Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional/UFRJ;
“#include<meninas.uff>”, do Instituto de Computação da Universidade Federal
Fluminense; “Meninas negras na ciência”, realizado pelo Museu da Vida/Fiocruz;
“SuPyGirls”, do Laboratório de Automação e Sistemas Educacionais; “STEM IME –
Girls to girls”, do Instituto Militar de Engenharia; “ST3M2-C/UFRRJ - Estudos
transdisciplinares sobre empoderamento de meninas e mulheres nas ciências”, do
Departamento de Psicologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro;
“Mulheres Negras na Ciência: do apagamento ao empoderamento”, do Núcleo de
Estudos Afro-brasileiros e Indígenas, do Instituto Federal do Rio de Janeiro; “Meninas
do Radium: a periferia também faz ciência”, do Departamento de Física, da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; e “Mulheres Negras na Ciência”,
parceria entre o Instituto do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde e o Centro
Federal de Educação Tecnológica. Iniciativas com objetivos similares aos das chamadas
do CNPq vêm se multiplicando e ganhando maior espaço nos últimos anos e essa
listagem não pretende abranger todo o universo de projetos em desenvolvimento no
âmbito do Rio de Janeiro.

147
Tabela 5: Descrição dos projetos contemplados nas chamadas do CNPq Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação no estado do Rio de Janeiro (Fonte:
Elaboração própria).
Nome do projeto Instituição coordenadora Área de atuação Gênero das/os Financiamento Início do Produção
das/os coordenadoras/es (editais) projeto científica21
coordenadoras/es
Tem Menina no Circuito Universidade Federal do Rio de Janeiro Física Feminino CNPq 18/2013; 2014 Galdino et
Elas nas Exatas I al., 2020
Estudo de viabilidade infra estrutural de rede Centro Universitário Serra dos Órgãos Agronomia Feminino CNPq 18/2013 2014
de drenagem urbana no município de Carmo
na região serrana do Estado do Rio de
Janeiro
Produção orgânica no município de Universidade Federal Rural do Rio de Agronomia Masculino CNPq 18/2013 2013
Seropédica: avaliação de sua Janeiro
sustentabilidade e o seu impacto nos
atributos físicos, químicos e biológicos do
solo
Incentivando a formação na área de ciências Universidade Federal do Rio de Janeiro Física Feminino CNPq 18/2013 2014
exatas e engenharia de jovens alunas do
município de Macaé
Invadindo o universo feminino com ciência - Universidade Federal do Rio de Janeiro Química Feminino CNPq 18/2013 2013 Teixeira et
Cosméticos como tema motivador para a al., 2021;
inserção de meninas na Química Sequeira et
al., 2021
Meninas Digitais na Baixada Fluminense Universidade Federal Rural do Rio de Computação Feminino CNPq 18/2013; 2013
Janeiro CNPq 31/2018
Utilizando o Arduino como Ferramenta para Instituto Federal de Educação, Ciência e Física Masculino CNPq 18/2013 2014
Estimular conhecimentos de Eletrônica e Tecnologia do Rio de Janeiro
Programação
Transformando meninas em futuras Instituto Federal de Educação, Ciência e Química Feminino CNPq 31/2018 2018
cientistas brasileiras através da integração Tecnologia do Rio de Janeiro
entre o IFRJ e as escolas públicas do
Município de Duque de Caxias
Meninas e mulheres na RRD: ciência, Centro Universitário Augusto Motta Engenharia ambiental Feminino CNPq 31/2018 2018 Viana, 2021
tecnologia e educação para a redução de
riscos de desastres socioambientais
Meninas olímpicas do IMPA Instituto Nacional de Matemática Pura e Matemática Feminino CNPq 31/2018 2018
Aplicada

21
A partir dos trabalhos publicados no perfil da Plataforma Lattes das/os proponentes nas categorias “artigos completos”, “capítulos de livro publicados” e “trabalhos completos publicados em
anais de congresso” até novembro de 2021.

148
Apaixonadas por STEM Universidade Federal do Rio de Janeiro Matemática Feminino CNPq 31/2018 2018
Meninas nas ciências exatas da Baixada Universidade Federal do Rio de Janeiro Física Feminino CNPq 31/2018 2018
Fluminense: dos laboratórios da UFRJ ao
Museu Ciência e Vida
Meninas no Museu de Astronomia e Museu de Astronomia e Ciências Afins Astrofísica Feminino CNPq 31/2018 2016 Herrera;
Ciências Afins Spinelli;
Germano,
2018;
Herrera;
Spinelli,
2019;
Spinelli;
Herrera;
Germano,
2019
Meninas na Robótica Centro Federal de Educação Tecnológica Computação Feminino CNPq 31/2018 2018 Quirino et
Celso Suckow da Fonseca al., 2018
Estudo estatístico da composição química do Pontifícia Universidade Católica do Rio de Química Feminino CNPq 18/2013; 2013 Peregrino et
cabelo Janeiro CNPq 31/2018 al., 2021
Ampliando os olhares na região Norte Universidade Federal do Rio de Janeiro Engenharia de Feminino CNPq 31/2018 2018 Marroti, J. et
Fluminense para o relevante papel das produção al., 2021
mulheres em ciências exatas, da computação
e engenharia

149
Destaca-se que, em 2018, todas as proponentes foram mulheres e todos os projetos
tinham, em seus títulos e objetivos, o propósito de incentivar meninas a se interessarem pelas
áreas de exatas. Um dos objetivos do Programa Mulher e Ciência (CNPq) foi a
transversalização dos estudos de gênero e feminismos para demais campos de conhecimento,
que carecem de mais discussão e apropriação destes temas, como aponta Lima & Costa
(2016:34): “temos o duplo desafio de fomentar os estudos sobre ciência e tecnologia nos
estudos de gênero e de ampliar a incorporação da perspectiva de gênero em áreas onde não há
acúmulo desta discussão”. Transversalizar a discussão de gênero na produção do
conhecimento permitiria tanto levantar novas questões de pesquisa antes não incorporadas
quanto produzir e circular conhecimentos não sexistas que incentivariam, por sua vez, uma
maior participação de mulheres nas ciências (Schiebinger, 2008).
Ao contemplar pesquisadoras/es de campos das ciências exatas, engenharias e
computação, as chamadas do CNPq proporcionaram uma ampliação da discussão para
campos com pouco acúmulo nestas temáticas, porém seria importante ampliar a discussão dos
estudos de gênero nos projetos, assim como um olhar interseccional, que leve em conta os
efeitos múltiplos e variáveis de diversos marcadores sociais – como raça, classe, território e
sexualidade – que moldam desigualdades sociais complexas (Brah & Fenix, 2004; Piscitelli,
2008). A partir de um enfoque integrado, a interseccionalidade, que surge a partir das
reivindicações do movimento feminista negro, busca dar conta da complexidade das
identidades e das desigualdades sociais (Akotirene, 2019).
Uma política científica feminista, segundo Castro e Chaguri (2020), parte do
pressuposto que não é possível ampliar a representatividade de mulheres sem rever as relações
de poder que envolvem hierarquias de gênero nas ciências. Desta forma, uma política
científica feminista que foque exclusivamente na representatividade de mulheres não será
capaz de modificar a questão da desigualdade de gênero no interior das comunidades
científicas, como destacam:

A preocupação com igualdade de gênero deve implicar não apenas na ampliação da


contratação e da participação das mulheres, mas também na transformação da cultura sexista
que se reproduz também nesse espaço de trabalho (Castro & Chaguri, 2020, p. 30).

Um dos caminhos possíveis para a efetividade na integração dessa discussão pode


estar na incorporação de uma equipe interdisciplinar na gestão dos projetos, que contemple
tanto pesquisadoras das áreas de humanidades e de estudos de gênero e interseccionalidade

150
quanto pesquisadoras das áreas de exatas e tecnológicas, além da necessidade de tensionar as
culturas acadêmicas e institucionais, pautadas em pilares androcêntricos de produção de
conhecimento.
Apontamos para a importância de criação de redes a fim de realizar encontros a nível
estadual que reúnam pesquisadoras e demais pessoas envolvidas em projetos orientados por
equidade de gênero na educação em STEM para troca de experiências a partir de um contexto
de diversidade de abordagens, criação de repositório de materiais produzidos que possam ser
compartilhados e replicados, mapeamento dos principais desafios encontrados, fortalecimento
de iniciativas na temática e possibilidades de ampliação das políticas de financiamento e
continuidade de projetos. A importância da formação de redes e parcerias vem sendo
apontadas na avaliação de políticas de gênero, fortalecendo a necessidade de um fluxo
contínuo de editais para financiamento de projetos (Unbehaum & Gava; 2017; Queiroz,
2018). Apesar dos avanços na temática e da emergência de projetos para equidade de gênero
na educação em ciências, o contexto político brasileiro nos últimos anos é de retrocesso nas
políticas de gênero e menor aporte de recursos para as ciências, principalmente na área de
humanidades, que tem um impacto na continuidade e alcance dos projetos (Sígolo; Gava;
Unbehaum, 2021).

5.4. A importância dos projetos na percepção das coordenadoras

No que diz respeito às percepções sobre a importância e o objetivo dos projetos,


categorizamos as narrativas das cinco coordenadoras entrevistadas em quatro dimensões: (i)
dimensão social referente às jovens participantes, na qual as coordenadoras dialogam sobre a
importância do projeto em termos de inclusão social, de estimular o interesse das jovens pelo
ingresso na universidade, com a possibilidade de fazer escolhas e ampliar os horizontes de
futuro, assim como a interlocução com o território e com as famílias das participantes; (ii)
dimensão formativa referente às graduandas, ao narrarem que a vivência das graduandas
enquanto futuras profissionais e professoras teria um efeito multiplicador e maior alcance da
experiência vivenciada tanto no âmbito da divulgação científica quanto em um projeto em
prol de equidade de gênero, assim como o aspecto de estudo e formação nas temáticas de
gênero nas ciências durante o projeto; (iii) dimensão formativa referente às coordenadoras
propriamente ditas, na medida em que há uma aproximação da universidade com a escola

151
pública e com a comunidade escolar, algumas passam a se envolver e a se apropriar da
literatura de estudos de gênero e ciência, e a ampliação da rede de contatos de pesquisadoras
envolvidas na temática; e (iv) dimensão pessoal, no que diz respeito a satisfação pessoal pelo
lugar de fala que assumem no projeto, por dar um retorno para a sociedade, e a
responsabilidade que assumem frente às expectativas das jovens.

5.4.1. Dimensão social

Por envolver jovens em áreas de vulnerabilidade social e majoritariamente mulheres


negras, os projetos têm um papel que não se resume a estimular o interesse nas ciências, mas
também estimular o interesse e a confiança das jovens para o ingresso em um curso
universitário. No que diz respeito ao senso de pertencimento e identidade, valores reforçados
em muitos grupos de meninas e mulheres podem entrar em conflito com suas próprias
percepções sobre STEM (Leaper, 2015). Desta forma, os projetos podem representar “contra-
espaços” (Ong; Smith; Ko, 2018), em que essas jovens se sentem pertencentes e mais
confiantes, como exemplificado nas falas a seguir.

É um projeto que tem muito potencial nesse sentido, esse cunho social muito forte, bem
marcado. Não necessariamente as meninas envolvidas vão escolher as carreiras de ciência e o
objetivo também não é esse. É claro que a gente quer mostrar, a gente quer atrair, mas eu, pelo
menos, não tinha a pretensão de conseguir atrair 100% das meninas. Mas elas perceberem que
são capazes, se interessarem a fazer um curso superior, continuar a estudar e não parar, se
encontrar, porque, querendo ou não, é uma oportunidade de autoconhecimento também,
entendeu? Eu acho que tem esse cunho. Elas acabam tendo um certo protagonismo na escola.
Então eu acho que isso valoriza também a aluna na escola e acho que abre oportunidades, abre
a cabecinha delas para o futuro (Conceição).

A fala de Conceição sobre o protagonismo das jovens na escola – “elas acabam tendo
um certo protagonismo na escola. Então eu acho que isso valoriza também a aluna na escola”
– está alinhada ao que desenvolveremos no Capítulo 7, concernente à dimensão escolar, em
que as jovens relatam que se sentiram valorizadas e reconhecidas pela comunidade escolar por
integrarem os projetos. Assim como Conceição, a fala de Isabela endossa a importância dos
projetos em termos de inclusão social e incentivo ao ingresso no Ensino Superior.

Mesmo que não fosse para estudar na [nome da universidade], mas que pudesse incentivar elas
a irem estudar, a continuar estudando. Então a minha ideia realmente era essa. Era mostrar

152
para a escola pública que dá para fazer ciência, não é uma coisa tão distante assim da realidade
deles (Isabela).

Juntamente com a visão sobre a importância de estímulo à entrada na universidade, as


falas das coordenadoras mencionam a importância dos projetos enquanto espaços que
mobilizam subjetivamente a percepção das jovens em suas possibilidades de fazerem escolhas
e, assim, ampliar horizontes de futuro, como nos exemplos a seguir.

Eu acho que essa coisa de mostrar para as meninas uma opção é importante. Eu tive essa
liberdade de escolher que eu acho que foi a melhor coisa que os meus pais me deram, me
proporcionaram essa coisa de estudar, de conseguir estudar sem ter que parar de estudar e
fazer uma outra coisa, e a liberdade de escolher. Eu acho que as pessoas têm que ter liberdade
de escolher (Rupi).

Na fala de Bell a seguir, ela argumentou sobre a importância de as jovens construírem


uma identificação e de verem a profissão na carreira científica como um caminho acessível,
trabalhando contra o estereótipo de que estar nesses espaços é algo difícil de atingir.

É aumentar a possibilidade de percepção do mundo dessas meninas. Então eu não quero focar
só no ponto fora da curva. Eu quero mostrar que tem os pontos fora da curva, mas eu acho que
quando a gente mostra uma coisa muito difícil de atingir, não vira uma possibilidade, um
sonho, uma identificação. Eu quero que as meninas tenham isso. Que elas naturalizem, eu
quero que elas tenham consciência para tomar as decisões (Bell)

A dimensão social é mobilizada ainda para falar sobre identidade e território, no


exemplo de um dos projetos que atua diretamente no entorno das instituições coordenadoras,
em uma área de vulnerabilidade social, e dialogou com as jovens a partir do território em que
estão inseridas.

Eu considero uma das riquezas desse projeto é que é uma coisa local e fala do nosso território,
é bem territorial mesmo, tanto o território do museu quanto o território da universidade, e eu
entendo isso como uma riqueza, especialmente para as estudantes, que é falando delas para
elas mesmo (Conceição).

Destaca-se, dentro da dimensão social, a importância do envolvimento e


estabelecimento de vínculo com as famílias, destacada por apenas uma das coordenadoras, no
exemplo a seguir. O envolvimento dos familiares como agentes sociais relevantes são
fundamentais para o desenvolvimento de interesse e motivação das jovens na carreira
científica (Lazarides & Ittel, 2013; Eccles, 2015).

153
Uma coisa que a gente fez, e que foi importante, foi uma aproximação com as famílias. De
repente a gente começa ali: "Pô, a menina não está vindo". Eu falei: "Pensa bem. Você é mãe
da menina, você não sabe quem são essas mulheres da universidade que estão vindo aqui falar
coisas com as suas filhas". Aí a gente promoveu um piquenique com as famílias, foi um ponto
alto do projeto (Rupi).

A partir das narrativas das coordenadoras, a dimensão de inclusão social dos projetos
ganha relevância por atuarem em regiões de vulnerabilidade social e permitir que as jovens da
educação básica possam ampliar suas perspectivas de vida, por meio da criação de um senso
de pertencimento ao espaço acadêmico e universitário. Enfrentar as questões de
vulnerabilidade social das estudantes, ainda que não estejam nos objetivos das chamadas,
surgem como efeitos importantes da atuação dos projetos.

5.4.2. Dimensão formativa para graduandas

A importância dos projetos enquanto espaço de estudo sobre a produção acadêmica


acerca das desigualdades de gênero nas ciências é destacada como uma das potências das
iniciativas. Uma das coordenadoras relatou que a atividade inicial realizada com as
graduandas – que atuaram como monitoras nas escolas durante o desenvolvimento do projeto
– foi buscar referências bibliográficas sobre a temática de gênero na ciência e relatos de
experiência de iniciativas correlatas, de modo que passaram a conhecer conceitos como
“efeito Matilda” (Rossiter, 1993) – quando trabalhos realizados por mulheres são atribuídos a
homens ou quando a participação das mulheres é diminuída – e “segregação horizontal e
vertical”, além de olharem criticamente para a própria forma de atuação, exemplificado na
fala a seguir.

Eu disse para as meninas que a primeira tarefa delas era buscar esses dois artigos. Cada uma
trouxe dois relatos. Um de um artigo científico que olhasse para questão do gênero e um de
uma experiência semelhante ao nosso projeto. E a gente aprendeu um monte de coisas juntas,
sabe? Foi na primeira reunião oficial que elas tiveram que fazer isso. A gente discutiu o efeito
Matilda e, lendo os artigos, as meninas se deram conta de que elas se referiam aos autores
como se fossem homens. E elas se corrigiram. Elas explicaram umas para as outras o que era a
segregação vertical, a segregação horizontal, o efeito... então olha o vocabulário que elas
foram construindo. E eu fico arrepiada porque isso muda, elas estão no início da licenciatura,
entende? Da vida. Isso muda a perspectiva... elas são outras professoras (Bell).

A importância do projeto na formação de professoras/es que atuem em prol de


equidade de gênero e em uma perspectiva de educação não sexista aparece na fala de Bell,

154
que destaca o efeito multiplicador da iniciativa, uma vez que as graduandas, por vivenciarem
um projeto de divulgação científica e na temática de gênero, podem levar esta experiência em
sua atuação futura enquanto professoras, destacado na fala a seguir.

Para mim, o pilar mais importante do projeto são as licenciandas. Porque o projeto atinge
diretamente quinze meninas que, sei lá, cinco, dez vão se voltar de fato e o projeto vai ser
efetivo e vão se alinhar a matemática ou a áreas afins. Mas com cinco licenciandas vão ter
muito mais do que quinze alunas no futuro. Eu estou interferindo na formação dessas
licenciandas, entendeu? Elas estão olhando para sua prática, para sua futura ação profissional
de uma perspectiva que a formação tradicional não dá (Bell).

O envolvimento das graduandas em projetos com foco em equidade de gênero e


divulgação científica pode implicar ainda na formação de futuras profissionais que
incorporem as temáticas em suas práticas de pesquisa, ensino e extensão.

5.4.3. Dimensão formativa para coordenadoras

Conhecer melhor o universo das escolas públicas e aproximar-se das famílias e da


comunidade escolar, apropriar-se da literatura de estudos feministas da ciência e ampliar a
relação entre pesquisadoras a partir da troca de experiência e formação de redes foram
questões destacadas a partir da narrativa das coordenadoras entrevistadas. Conceição relatou
que passou a ficar mais atenta à temática e a importância das trocas com demais
pesquisadoras, como na fala a seguir.

Foi legal a gente conhecer outras profissionais que fazem esse tipo de coisa, essas ações. Por
exemplo, conheci uma moça no [cidade brasileira] que também fez uma exposição sobre
mulheres, conheci uma outra de [cidade brasileira] que fez uma exposição sobre mulheres
matemáticas, então, assim, a gente conhecer essas outras iniciativas, eu acho que foi
superimportante e mudou meu olhar no sentido de ficar mais atenta. Mais atenta, buscar mais
bibliografia, conhecer mais a literatura, começar a escrever um pouco sobre isso também,
então eu acho que depurou o meu gosto pela temática (Conceição).

A aproximação da universidade com o universo escolar foi destacada por Angélica


como um aspecto importante do projeto, que relata a diferença na dinâmica de tempo em lidar
com jovens estudantes de Ensino Médio em comparação com jovens no Ensino Superior, e no
reconhecimento da qualidade da educação pública e dos desafios dos estudantes que vivem
em regiões de vulnerabilidade social quando ingressam no Ensino Superior, como na fala a
seguir.

155
No ensino médio, você fica muito mais tempo com cada pessoa, você tem uma relação mais
pessoal. Na universidade, você fica seis meses só dando aula para aquela pessoa, aqui também
já é uma relação, como eu disse, mais fria e distante dos professores com os alunos. Então eu
acho que essa coisa de conviver com as alunas de ensino médio por muito tempo e acabar
conhecendo a família, a gente sabe um pouco mais da realidade, entende às vezes um pouco
mais da realidade. A realidade de quem mora na [nome da região], a distância para vir para cá,
ver mais concreto: eu pego um transporte, vou até lá vejo. Então quando eu tenho meus alunos
que moram em [nome da região], eu tenho uma percepção totalmente diferente da que eu tinha
antes. Se a pessoa se atrasar, a dificuldade que é ir e voltar, quais são as dificuldades também
na escola mesmo. Eu tenho uma visão muito melhor da escola pública no Brasil do que o que
eu tinha também, é outra coisa. Isso mudou muito na minha cabeça, eu não tinha noção muito
grande de como é que era a escola pública aqui (Angélica).

Como mencionado na fala de Angélica, um ponto relevante dos projetos é a


aproximação da universidade com a realidade das escolas públicas e da comunidade escolar,
identificando a importância de integrar as gestões escolares e as famílias das estudantes à
discussão.

5.4.4. Dimensão pessoal

Como dimensão pessoal, destaca-se o fato do projeto ser uma oportunidade de dar um
retorno para a sociedade. Esta motivação aparece constantemente na literatura acerca das
percepções de pesquisadores/as sobre a importância da atividade de extensão e de divulgação
científica, como uma pretensa obrigação moral da/o cientista. Em uma perspectiva crítica à
noção de dever moral de pesquisadoras/es em atuar para fora da universidade, Castelfranchi
(2010) argumenta que a comunicação pública da ciência assumiu uma parte inerente da
tecnociência e que, não apenas representa uma obrigação no ponto de vista das/os cientistas,
mas um direito e necessidade política, econômica e estratégica. Na fala de Rupi, ela
argumentou sobre a necessidade de dar um retorno para a sociedade.

A gente fica aqui na universidade, faz esse trabalho e sempre ouve todo mundo falar: "Ah, as
cientistas ficam lá, não fazem nada para a sociedade" e eu acho que é uma coisa legal assim
você dar um retorno e essa é a nossa forma de dar um retorno para a sociedade. A gente faz
uma pesquisa que não tem uma aplicação imediata, a nossa pesquisa é uma pesquisa básica
que é importante, mas que não tem um retorno assim (Rupi).

Rupi relatou ainda sobre um senso de responsabilidade com as jovens participantes


dos projetos, ao identificar que a expectativa das jovens era mais ampla do que apenas
conhecer mais sobre o determinado campo de conhecimento, mas permitir conquistar
melhores condições de vida, exemplificado a seguir.

156
A gente perguntava: "O que você espera do projeto e tal?", aí tinha aquelas respostas: “Ah, eu
espero ter uma vida melhor". O que você faz com aquilo? Dá um impacto, aquela coisa " E
aí?", você sente uma responsabilidade naquilo que você está fazendo (Rupi).

Na dimensão pessoal sobre a importância do projeto, a posicionalidade das


coordenadoras enquanto mulheres e pesquisadoras justificou o engajamento delas na temática.
Na fala de Conceição, ela discutiu a importância do projeto a partir da possibilidade de
realizar um projeto na qual tenha identidade e lugar de fala, o que gerou grande satisfação
pessoal, como no trecho abaixo.

É o meu lugar de fala, fazer ciência como mulher é o meu lugar de fala. O que eu acho que é
mais importante mesmo é mostrar para essas meninas como pode ser maravilhoso fazer
ciência, como a gente pode se encontrar e ser feliz e desenvolver uma carreira que te dá prazer,
que te dá satisfação, como a ciência. Para mim, este projeto, em termos de pesquisa, é um dos
projetos que me deixa mais feliz, eu realmente fico muito contente mesmo (Conceição).

A partir das narrativas das coordenadoras, entendemos que políticas que centrem o
debate sobre equidade de gênero e demais marcadores sociais da diferença na educação em
ciências apontam para o desejo de mudança e de emergência de uma outra ordem social e
cultural, de modo a questionar as estruturas de poder dominantes. Como argumenta Biroli
(2016), a divisão sexual do trabalho é uma base fundamental que configura as hierarquias de
gênero nas sociedades contemporâneas. A implicação fundamental desta divisão diz respeito à
escassez de tempo livre e de renda para as mulheres, e tem como consequência grande
impacto na participação política e em espaços decisórios. Segundo Biroli, a divisão sexual do
trabalho tem caráter estruturante das relações de gênero, de modo que a responsabilização
desigual de mulheres e homens pelo trabalho doméstico e de cuidado “constituem as
possibilidades de ação, na medida em que constrangem as alternativas, incitam julgamentos
que são apresentados como baseados na natureza” (Biroli, 2016, p. 739).
A incorporação da interseção de raça e classe nas dinâmicas da divisão sexual do
trabalho é fundamental para a compreensão mais ampla da problemática. Ao tratar da divisão
sexual trabalho (Gonzalez, 1988). No que tange os espaços científicos, essa divisão estrutura
as possibilidades de ação, na medida em que constrange as alternativas de escolhas de
mulheres para carreiras profissionais diversas, e é um ponto central para o entendimento da
segregação horizontal de gênero nos cursos universitários, nos quais as mulheres estão
majoritariamente em cursos das áreas da saúde, bem-estar e humanidades, áreas de menor
remuneração e relacionadas aos papéis tradicionais de gênero e ao trabalho reprodutivo, e os

157
homens em carreiras de maior prestígio e remuneração, nas áreas de exatas, tecnológicas e
engenharias.

158
6. Motivação, interesses e vivências nos projetos: pertencimento e
interseccionalidade

Neste capítulo, discutiremos as motivações e vivências das jovens nos projetos a


partir das dimensões individual, familiar, escolar, do projeto propriamente dito e social
(Figura 8). Categorizamos a vivência das jovens em sua dimensão individual, no que se
refere às motivações, aos interesses, à identidade científica e à perspectiva de carreira
futura; dimensão familiar, referente ao incentivo e reconhecimento de familiares, e
crenças e expectativas dos pais baseadas em normas sociais e culturais dominantes;
dimensão escolar, referente ao reconhecimento da comunidade escolar, melhora no
desempenho escolar, e intervenção nos espaços escolares; dimensão do projeto, sobre
representatividade de gênero, raça, classe e território, desenvolvimento de autoestima e
autoconfiança, formação de senso de pertencimento ao grupo e ao espaço universitário,
e metodologias de ensino aprendizagem experimentais; e dimensão social, com
narrativas sobre trabalho doméstico no cotidiano das jovens, e vivências de
discriminação de gênero, raça, classe e território.

6.1. Motivações e interesses

Na dimensão individual, discutiremos sobre as motivações e interesses das


jovens, que envolveram a construção de uma identidade científica, a importância do
incentivo de mães e professoras, a motivação de superarem dificuldades anteriores nas
disciplinas envolvidas, a percepção da participação nos projetos como uma
oportunidade única, e a motivação pela dinâmica prática e de experimentação oferecida
pelos projetos. Ao final, discutiremos algumas das expectativas que as jovens narraram
ao ingressaram nos projetos.

6.1.1. Dimensão individual

Entender a motivação das participantes para se integrarem aos projetos foi uma
questão explorada tanto no questionário quanto nas entrevistas iniciais. Há crescente
evidência de que a participação em atividades de educação não formal nas áreas de

159
STEM, como clubes de ciência, workshops e curso de férias, contribuem para o
interesse de estudantes nessas áreas e a percepção de suas habilidades relacionadas às
ciências (Caspi et al., 2019; Newell et al., 2015; Young et al., 2017).

Figura 8: Dimensões analíticas e principais resultados [Fonte: Elaboração própria].

Ao investigarmos as motivações que levaram jovens mulheres, em sua maioria


negras, estudantes de escolas públicas e moradoras de áreas em vulnerabilidade social, a
participarem de quatro projetos extracurriculares em ciências exatas no estado do Rio de
Janeiro, identificamos, principalmente, que: (i) havia uma identificação prévia das
jovens com as áreas; (ii) foram incentivadas por familiares – especialmente pelas mães
– e por professoras/es; (iii) se sentiram acolhidas pelos projetos serem destinados
apenas para pessoas do gênero feminino; (vi) se motivaram a superarem dificuldades
anteriores nas disciplinas envolvidas; (v) viram como uma oportunidade única, por
passarem por um crivo de seleção para serem bolsistas dos projetos; e (vi) se motivaram
pela dinâmica prática e de experimentação oferecida pelos projetos.
A partir da questão discursiva do questionário, na qual perguntamos “O que te
motivou a participar do projeto?”, categorizamos as respostas similares em 18

160
categorias a partir da leitura das respostas e da identificação de conteúdo recorrentes no
discurso das entrevistadas. São elas, por ordem de mais frequente: "Identidade pelas
exatas", "Busca por mais conhecimento", "Dinâmica prática das atividades", "Interesse
na discussão sobre mulheres nas ciências", "Aumentar afinidade/Ter dificuldade nas
exatas", "Ser exclusivo para meninas", "Curiosidade", "Futuro", "Novidade",
"Oportunidade", "Pessoas motivadoras", "Experiência anterior no projeto",
"Conhecimentos e equipamentos não presentes na escola", "Local do projeto", "Auxílio
financeiro (bolsa)", "Ser diferente", "Revolucionar" e "Divertir". Vale destacar que, em
muitos casos, as jovens redigiram mais de uma motivação em resposta à questão.

6.1.1.1. Identidade em STEM

O interesse pode desempenhar um papel importante no envolvimento de jovens


nas ciências e na escolha de carreira futura, e está vinculado com percepções de
autoeficácia e de desempenho. Grande parte das jovens relatou alto grau de interesse e
envolvimento com as ciências exatas antes de ingressarem nos projetos, evidenciando
uma identificação prévia com as áreas. Destaca-se que os critérios de escolha das jovens
como bolsistas dos projetos estiveram relacionados com a percepção de bom
desempenho pelas professoras e professores que as selecionaram. Diversas jovens
narraram o interesse por matemática desde a infância, com temas específicos de
interesse, como nas falas a seguir.

Eles [os pais] sabem que a gente gosta muito de matemática desde criança (mulher,
parda, 15 anos, projeto MOI).

Desde pequena eu gosto mais de matemática. Não sei dizer o porquê. É porque eu gosto
dela. As outras matérias eu gosto, mas o que mais me interessa é matemática (...)
[Entrevistadora: O que você gosta mais em matemática?] Eu gosto muito de geometria.
Eu gosto de coisas mais difíceis em matemática, me chamam mais atenção do que as
coisas mais fáceis. Prefiro as coisas mais difíceis. Então cada ano que vou passando vou
descobrindo coisas mais difíceis, aí falo: "nossa, isso é legal. É difícil de resolver".
Então isso é legal. (mulher, parda, 15 anos, projeto MCE).

Nas falas a seguir, ambas as jovens eram estudantes do Colégio Militar do Rio
de Janeiro e realizaram cursos preparatórios para a prova de seleção do colégio. Por
conta dessa vivência, tiveram acesso a conhecimentos na área de matemática anteriores
aos designados no currículo escolar. No segundo trecho, a jovem narra que seu interesse
por matemática surgiu vinculado ao colégio.
161
Na escola, ainda não tem a matemática que eu mais gosto, tipo, a parte de matemática
que eu mais gosto (...) aquelas equações que: "Ah! Caramba! Nunca pensei nisso". Aí,
quando chega nessa parte é mais legal. Fora isso, eu gosto de ciências, não sei se o que
está dando agora, mas gosto, eu gosto de quase tudo de ciências (mulher, parda, 14
anos, projeto MOI).

Eu fiz o curso de administração no ano de 2015 e eu não passei por causa de


matemática. Aí com a frustração que eu tive eu busquei mais aprender matemática e tal.
E aí que surgiu o meu interesse pela matemática. Eu acho que o Colégio Militar que
abriu a porta do meu interesse pela matemática (mulher, branca, 14 anos, projeto MOI).

Além das falas que demonstraram uma construção de identidade em STEM nas
entrevistas, essa foi também a principal motivação declarada pelas respondentes nos
questionários para participarem nos projetos. A segunda motivação mais recorrente foi o
desejo de aprender mais e a ‘busca por mais conhecimento’, que apareceu em respostas
como “o desejo de sempre aprender mais” e “aprender mais sobre a área”.
Em todos os projetos envolvidos, houve atividades regulares de experimentação
nas áreas relacionadas, como a realização de circuitos elétricos em papel e massinha no
projeto TMC, a experimentação em robótica e arduíno no projeto MOI, a realização de
experimentos em nanotecnologia no projeto MCE e a aprendizagem de técnicas de
laboratório de química no projeto QUI. O formato das atividades dos projetos também
chamou a atenção como fator motivador das respondentes no questionário, que
exaltaram a ‘dinâmica prática das atividades’ como um diferencial comparado ao
formato teórico e expositivo do ensino formal, exemplificada nas respostas: “as
oportunidades de estudar ciências exatas na prática, ao invés de fazer apenas cálculos”,
“totalmente diferente da física chata na sala de aula, deve ser por isso que o projeto me
ganhou”, “aprender uma física na prática, sem todo o cálculo, uma tentativa de mudar
minha visão sobre física” e “a curiosidade de praticar física sem ser na parte teórica,
conhecer o outro ‘lado" da física’”.
Devido ao formato da chamada pública, os projetos deveriam selecionar três
jovens estudantes da educação básica de cada escola envolvida como bolsistas. Por
terem passado por um crivo de seleção, identificamos, na narrativa sobre a motivação, a
percepção de ser uma ‘oportunidade única’. Esta narrativa apareceu com destaque
apenas nas entrevistas com as jovens do projeto QUI, como na fala a seguir.

Eu acho que é uma experiência única. E se eu não conseguisse de novo? É porque eu já


perguntei para ela [professora] se tem a oportunidade de a gente fazer esse projeto de
novo ano que vem e ela falou que não, tem que ser outras meninas e tal. É uma

162
oportunidade única e foi algo bem selecionado, tipo, não foi algo aberto aos alunos, foi
seleção mesmo. Eles escolheram quem ia estar ali dentro, quem não ia estar e eu acho
que vai ser bem legal. É uma experiência que eu estou levando para a minha vida e isso
me ajudou a definir melhor a faculdade que eu quero fazer (mulher, negra, 17 anos,
projeto QUI).

Ainda que a maioria das jovens tenham relatado sobre um interesse prévio nas
áreas de ciências exatas, vimos outros relatos em que havia uma dificuldade no
aprendizado dessas disciplinas e a motivação para ingressar ao projeto foi uma forma de
superá-la, que discutiremos em seguida.

6.1.1.2. Dificuldade e superação

O projeto TMC foi o único dos projetos analisados em que, por não ter sido
contemplado pela chamada pública do CNPq em 2018, todas as jovens participantes
eram voluntárias. Uma característica comum no relato das participantes deste projeto foi
de muitas não terem afinidade prévia com a disciplina trabalhada e se envolverem no
projeto como meio de superar esta dificuldade. Na fala a seguir, uma jovem do projeto
TMC, que já era integrante do projeto no ano anterior da coleta de dados, narrou seu
percurso de estudos na disciplina de física, desde o incentivo do professor no ambiente
escolar até o envolvimento com o projeto, interesse pela disciplina e melhora no
desempenho escolar.

Eu não sou muito ligada a física e aí meu professor de física do primeiro ano ficava me
incentivando em todos os passeios que tinham aqui do colégio que era para laboratório
de física, ele me fazia ir. (...) Quando [meu professor de física] começou a passar
matéria e explicar, eu comecei a olhar assim: "Caraca! Isso aí é o que eu estou
aprendendo no Tem Menina no Circuito". Aí eu comecei a prestar mais atenção e isso
melhorou minha nota. Ano passado, no primeiro bimestre, eu tirei 5,0 e, no segundo
bimestre, eu tirei 8,0. (...) Eu melhorei muito, muito, muito na matéria de física. Eu
comecei a entender o que eu estava fazendo e o que eu estava estudando e eu comecei a
ligar os dois. E quando eu liguei os dois foi incrível. Eu adorei! Eu vi que não era tão
difícil quanto eu imaginava que era, eu comecei a estudar mais, me interessar mais
(mulher, parda, 16 anos, projeto TMC).

De forma similar, outra participante, também integrante anterior do projeto


TMC, narrou sua dificuldade em física e a motivação de integrar o projeto para superá-
la. A jovem destaca que a metodologia prática do projeto foi um dos motivos pelo qual
conseguiu se envolver com a disciplina e melhorar seu desempenho.

163
Bom, foi a minha dificuldade [que me motivou] porque eu queria muito conhecer e eu
estava muito ruim em física, principalmente. Eu era horrível em física, eu não sabia
mais o que estava me impedindo de conhecer, de ir além, porque eu não estava
conseguindo... Eu prestava atenção na professora, eu era a pessoa dedicada, me
esforçava muito, mas quando chegava na prova, zero. Não entendia o porquê. Aí
apareceu esse projeto e eu falei: "bom, quem sabe assim eu não consiga aprender de
outra forma". Então eu entrei mais por isso mesmo. Eu não dei nada, achei que ia ser
chato, achei que não ia conseguir entender porque eu sou muito burra, que eu não ia ser
inteligente o suficiente para entender. Mas eu entrei aqui e foi tudo muito tranquilo,
entendeu? É uma coisa completamente diferente, não era uma aula teórica era algo
prático mesmo. E isso eu acho que melhorou o meu desenvolvimento, abriu mais a
minha mente porque aí eu não olhei só a fórmula, olhei como era na prática, já comecei
a imaginar as coisas (mulher, 16 anos, branca, projeto TMC).

Se a identidade científica é algo construído, dinâmico e dependente de contexto


(Calabrese Barton, 2013), quando as jovens do projeto TMC relataram que tinham
dificuldades em física e que participar do projeto foi importante para superação
individual, demonstram o potencial desses espaços em reconhecer as capacidades delas
enquanto pessoas e assim estimular a motivação e interesse por disciplinas em que
historicamente e culturalmente estão envolvidas em estereótipos e preconceitos de
gênero e de raça.
Essa apropriação do espaço e de ressignificação do estereótipo aparecem quando
a jovem descreveu sua dificuldade em física, como "eu era horrível", "eu não estava
conseguindo" e "achei que não ia conseguir entender porque eu sou muito burra, que eu
não ia ser inteligente o suficiente para entender". E, em seguida, ela complementa: "Mas
eu entrei aqui e foi tudo muito tranquilo, entendeu? É uma coisa completamente
diferente, não era uma aula teórica era algo prático mesmo". Na entrevista com outra
jovem, ela também narrou esse sentimento de superação: “Eu melhorei muito, muito,
muito na matéria de física. Eu comecei a entender o que eu estava fazendo e o que eu
estava estudando e eu comecei a ligar os dois. E quando eu liguei os dois foi incrível.
Eu adorei! Eu vi que não era tão difícil quanto eu imaginava que era, eu comecei a
estudar mais, me interessar mais”. Ao reafirmarem suas capacidades e sua presença
legítima (Calabrese Barton et al., 2020), as jovens se encontram num processo de
construção e fortalecimento de uma identidade científica.

6.1.1.3. Pessoas motivadoras

O incentivo de familiares e professoras/es – particularmente das mães e


professoras – foi um dos fatores que estimulou a motivação das jovens a participarem

164
dos projetos. A presença de pessoas motivadoras ainda que não tenha aparecido com
muita frequência na resposta ao questionário, aparece de forma contundente nas
entrevistas iniciais. Vale ressaltar que o recrutamento das jovens para os projetos se deu
por meio das/os professoras/es – os quais, em muitos casos, também estavam
envolvidas/os como bolsistas dos projetos – e, portanto, era esperado que elas/es
aparecessem como figuras de destaque nas falas. No trecho a seguir, observa-se a
influência da professora de química em incentivar a inscrição da jovem no projeto,
assim como também a menção sobre sua afinidade e autopercepção positiva de
desempenho nas disciplinas relacionadas.

Olha, primeiro foi a minha professora de química. Ela foi minha professora de química
no primeiro ano, ela que me ofereceu o projeto, ela que me falou que tinha uma coisa
muito boa para me inscrever e eu falei que tudo bem. Depois eu fui saber que era de
nanotecnologia e eu gostei mesmo assim. Eu também gosto muito de física apesar de eu
ter mais facilidade em química, eu gosto muito de física. Eu pesquisei um pouquinho e
achei uma área muito legal e eu achei que ia ser muito bom (mulher, branca, 17 anos,
projeto MCE).

O incentivo de professoras a partir da noção de bom desempenho da estudante


na área relacionada ao projeto aparece novamente na fala a seguir:

A minha mãe me falou que estavam fazendo esse projeto, e no outro dia a professora
perguntou se eu queria participar porque eu era muito boa em química e física, essas
áreas. Aí eu quis participar porque achei interessante (mulher, negra, 16 anos, projeto
MCE).

Ainda sobre o incentivo de professoras, observa-se, no trecho a seguir, a


persistência da docente em estimular a jovem a participar do projeto que, em um
primeiro momento, não o vê como possibilidade.

Eu estava em casa e minha professora de português, a [nome da professora], me


mandou uma mensagem perguntando se eu queria fazer parte de um projeto. De início,
eu neguei, eu falei que eu não queria porque eu estava com a agenda bem apertada, aí eu
recusei. Aí ela [professora] insistiu, perguntou se realmente eu não queria fazer parte,
me explicou tudo. Aí eu falei assim: "Ah! Então acho que vai ser legal, uma nova
experiência. Eu quero!". Daí ela me passou o contato da [nome da professora], que é a
professora encarregada (mulher, 17 anos, não declarou, projeto QUI).

Diferente de jovens que apresentaram afinidade e bom desempenho nas


disciplinas, em alguns casos, as jovens ingressaram nos projetos como forma de superar

165
sua dificuldade nestas áreas. Como vemos na fala a seguir, a figura da mãe como
motivadora teve grande importância neste contexto.

Ela [mãe] deu muita força para mim porque ela sabe que eu tenho muita dificuldade...
Eu gosto muito, mas eu tenho muita dificuldade. Ela vê que eu me esforço, entendeu?
Não é porque eu não quero e sim porque algo me impede, eu não sei o quê. Então ela
[mãe] me apoiou muito, ela falou: "Segue esse caminho para ver, para melhorar"
(mulher, 16 anos, branca, projeto TMC).

Juntamente com as professoras, as mães das jovens aparecem como principais


incentivadoras, oferecendo apoio e motivação para participarem dos projetos, como
destacado no trecho anterior e nos trechos abaixo.

Ela [mãe] falou que seria bom eu participar desse projeto (mulher, negra, 16 anos,
projeto MCE).

Minha professora [nome da professora], do [nome da escola], me fez essa proposta. Aí


eu fui e conversei com a minha mãe e achei bem legal, minha mãe disse: "Participa! É
coisa nova. Você vai ter experiência" (mulher, parda, 15 anos, projeto MCE).

O interesse prévio por ciência, como um dos fatores de motivação das jovens
analisadas para ingressaram nos projetos, vem sendo apontado, na literatura, como uma
das principais motivações de mulheres a ingressarem na área de física, assim como a
figura de orientação e mentoria de professoras (Foote & Garg, 2015). O papel de
professoras tem sido associado a uma influência positiva nas percepções, interesse e na
confiança de meninas em disciplinas em STEM, como na desmistificação de estereótipo
de gênero e concepções prévias sobre as habilidades inatas dos meninos, assim como ao
servirem de modelo e exemplo para as jovens (Baker, 2013).
Destacamos, portanto, ser crucial dar atenção às dinâmicas em sala de aula e no
ambiente escolar, que antecederam, por exemplo, a vivência nos projetos, sobre as
relações entre professoras e jovens. A percepção do suporte familiar também é
particularmente importante para a motivação e o desenvolvimento de interesse das
meninas nas STEM, uma vez que as percepções dos pais sobre as habilidades
acadêmicas de seus filhos predizem a confiança dos próprios filhos em suas habilidades
acadêmicas (Eccles, 2015). Programas que visam facilitar o interesse e o
desenvolvimento de meninas e meninos nessas áreas devem levar em conta o
envolvimento dos pais como agentes sociais relevantes (Lazarides & Ittel, 2013).

166
6.1.1.4. Ambientes inclusivos para mulheres

Destacam-se dois fatores motivadores que têm relação direta com as questões de
gênero e feminismos: o ‘interesse na discussão sobre mulheres nas ciências’ e ‘ser
exclusivo para meninas’. Ao demonstrarem interesse nessa discussão, nos questionários,
as respondentes afirmaram, por exemplo, querer “saber mais sobre a posição da mulher
no mundo da química”, se interessar pelo projeto pois “ele une a área de exatas e
direitos femininos”, “ver que existe espaço para as meninas como eu entrarem na área
de exatas além de envolver os direitos das mulheres” e por querer “participar do debate
sobre a presença, a importância e o papel das mulheres nas áreas científicas”. Com
relação à participação exclusiva de mulheres ser um fator para motivar a participação
nos projetos, as jovens afirmaram em resposta aos questionários: “fiquei entusiasmada
por, primeiro, ser algo só de menina”, “por ser um projeto só de meninas” e “achei
interessante pelo fato de incluir meninas”.
Este fator apareceu novamente nas entrevistas. Uma das jovens do projeto TMC
descreveu que essa foi a principal razão de participar do projeto por encontrar um
espaço em que poderia se posicionar com a segurança de não ter comentários sexistas,
destacado na fala a seguir.

Então é muito legal ter alguma coisa só de menina. Eu achei muito empolgante, e isso
foi a maior razão de todas. Ah, é uma coisa só de meninas, sabe. A gente pode se juntar
e não vai ter as outras opiniões que não são muito agradáveis as vezes, né? (mulher,
negra, 14 anos, projeto TMC).

Similar a este relato, outra jovem destaca que, pelos espaços sociais serem
majoritariamente excludentes para as mulheres, a possibilidade de ter um projeto
inclusivo ganha uma dimensão maior, como destacado abaixo.

É a primeira vez que a gente tem algo só nosso, sabe? E os meninos ficam
incomodados. Isso é legal. Isso é legal porque lá fora a gente é excluída de muita coisa
porque muita coisa é só de meninos. E a gente se incomoda e não podemos reclamar
(mulher, 16 anos, branca, projeto TMC).

Participar do projeto apareceu ainda com uma forma de ocupar espaços pouco
acessíveis para mulheres, evidenciado a seguir na fala sobre a falta de acesso e
oportunidade.

167
Para mim faz [diferença ser inclusivo para meninas]. Porque eu acho que a gente não
tem tanta oportunidade, ainda mais de onde eu venho. A gente não tem tanto acesso a
esse tipo de informação e as outras meninas do projeto também não (mulher, negra, 17
anos, projeto QUI).

A perspectiva de ser um espaço de apoio e colaboração por incluir apenas jovens


mulheres aparece também na fala a seguir, em que a participante declara ter se
interessado ao ouvir o nome do projeto, que já anunciava que seria apenas para meninas.

Quem me contou foi um professor de matemática. Ele me falou desse projeto e ele me
disse que o nome era Meninas Olímpicas. Eu falei: "ah, ‘meninas’! Deve ser legal
porque tem meninas, deve ser para incentivar". Eu já pensava que ia ser isso, até porque
ele disse, só que eu pensei um pouco mais à frente. Eu achava que todo mundo ia se
apoiar e tal. E foi isso que aconteceu mesmo (mulher, parda, 14 anos, projeto MOI).

No que tange à representatividade, Ong, Smith e Ko (2018) discutiram os


desafios das mulheres negras na persistência na educação em STEM e como essas lutas
as levam a procurar ou criar espaços acadêmicos que permitam promover sua própria
aprendizagem, em que suas experiências são validadas e reconhecidas, assim como
compartilhar vivências de isolamento, microagressões e discriminação. Desta forma, os
projetos analisados podem representar espaços seguros de partilha e apoio, em que essas
jovens se sentem pertencentes e mais confiantes, como, por exemplo, quando alegam
que um dos motivos para participarem dos projetos é o fato de ser um espaço inclusivo
para mulheres.

6.1.1.5. Expectativas sobre o projeto

As expectativas relatadas pelas jovens em momento inicial dos projetos


envolviam (i) expectativas relacionadas à aprendizagem, que envolviam desejos acerca
de conteúdos e dinâmicas a serem trabalhados, por exemplo, experimentos na área de
robótica; e (ii) expectativa no auxílio de escolha de profissão, relacionada tanto a
conhecer melhor as áreas quanto ao interesse pelo trabalho da/o profissional desses
campos.
Algumas jovens destacaram a expectativa de atividades práticas e que
envolvessem experimentação, como neste trecho: “espero poder fazer experiências
incríveis, trabalhar com a física e a química na questão prática”. Em uma das falas, o
desejo por realizar um experimento vem juntamente com a expectativa de ter

168
reconhecimento do restante da comunidade escolar e de engajamento de mais meninas
na temática.

Ah, eu queria fazer um experimento. [Entrevistadora: Fazer um experimento?] Eu já


tinha até falado com as meninas que seria bem legal a gente juntar e fazer um
experimento grande para apresentar, para mostrar para as outras meninas que talvez não
se interessem tanto. Porque talvez elas gostem e se perguntem: "Nossa, que legal!
Também quero fazer isso" (mulher, 16 anos, branca, projeto TMC).

Sobre o auxílio na escolha da profissão, havia uma expectativa de que a vivência


nos projetos as auxiliasse tanto na escolha de suas profissões quanto em um maior
entendimento do cotidiano da profissão que já pensavam em seguir. Além disso, o fato
de alguns dos projetos serem realizados no ambiente da universidade ou terem proposto
levar as jovens para conhecerem as universidades também apareceram como fatores de
interesse e expectativa. Uma das participantes argumentou que a perspectiva de realizar
visitas a universidades por meio do projeto permitiria que conhecesse suas opções de
curso.

Elas estavam planejando muitas visitas. Já que eu, particularmente, não decidi ainda o
que que eu vou ser, qual curso que eu vou seguir, eu acho que isso vai me ajudar
bastante. Que eu já sei que vai ser na área de exatas, mas eu quero conhecer as minhas
opções, sabe? (mulher, 16 anos, negra, projeto MCE)

Conhecer a rotina de um laboratório e entender o quanto será exigida nesta


profissão faz parte das expectativas de uma das jovens sobre o projeto, exemplificada na
fala a seguir.

Eu quero saber como vai ser, eu quero ver a rotina das pessoas no laboratório, como que
é, tipo, se é entediante ou não, se eu ia aguentar essa rotina do todo dia de uma
faculdade. É isso que eu quero ver. Eu quero conhecer as áreas em volta daquilo que eu
quero fazer (mulher, 15 anos, parda, projeto QUI)

Como veremos a seguir, algumas dessas expectativas se concretizaram e demais


vivências se somaram a essas motivações e expectativas iniciais.

6.2. Vivências nos projetos

Como descritas na Tabela 1 (Capítulo 4), as atividades realizadas pelas


participantes dos quatro projetos analisados, no período de um ano, foram diversas: de
experimentos em nanotecnologia a circuitos elétricos, incursões a laboratórios de física
169
e química analítica, participação em eventos acadêmicos e de divulgação científica,
debate em mesas redondas sobre trajetórias de pesquisadoras, projetos em robótica para
resolução de problemas de suas escolas, entre outras.
Essas diferentes estratégias de ensino e de divulgação científica elegidas pelas
coordenadoras para desenvolver a proposta em seu campo de conhecimento
repercutiram nas falas das jovens, como veremos a seguir. A partir das narrativas dos
grupos focais, realizados em momento final dos projetos, categorizamos as vivências
em quatro dimensões – âmbito familiar, âmbito escolar, âmbito do projeto e âmbito
social –, compreendendo que estas dimensões se articulam entre si. A dimensão
individual, desenvolvida no capítulo anterior, também se articula com essas quatro
dimensões apresentadas a seguir.
Ao analisar as percepções das meninas envolvidas nos projetos, identificamos
que, no âmbito familiar, as questões versam sobre crenças e expectativas dos pais a
respeito de suas escolhas de carreira e reconhecimento dos familiares sobre desempenho
das jovens nas atividades dos projetos. No âmbito escolar, os fatores que discutimos
estão relacionados ao reconhecimento da comunidade escolar, à melhora no
desempenho escolar e à intervenção nos espaços a partir da criação de produtos
retornáveis à escola.
No âmbito do projeto propriamente dito, discutimos, a partir das narrativas das
jovens, o papel de figuras exemplares femininas e representatividade de gênero, raça
classe e território, o desenvolvimento de autoestima e autoconfiança, o senso de
pertencimento ao grupo formado com as demais participantes e formação de um senso
pertencimento ao espaço universitário, o reforço de identidades positivas em STEM, e o
auxílio na escolha e na afirmação da escolha de carreira.
No âmbito social, no que concerne às vivências cotidianas das jovens, houve
relatos de vivências de discriminação de gênero, raça, classe e território. Ainda no
âmbito social, relatos nas entrevistas individuais com as jovens trouxeram aspectos
sobre a rotina cansativa de estudos e de trabalho de cuidado com a casa e com
familiares.

170
6.2.1. Dimensão familiar

No contexto familiar, agrupamos as falas das jovens em duas categorias: (i) o


reconhecimento de familiares no que diz respeito ao aumento de interesse, afeto e
respeito pelas jovens a partir do envolvimento delas nos projetos; e (ii) as crenças e
expectativas dos pais, baseadas em normas culturais e sociais de gênero, evidenciando
conflitos entre o desejo das jovens e os desejos dos familiares sobre a escolha da
profissão futura.

6.2.1.1. Reconhecimento dos familiares

No que diz respeito ao reconhecimento dos conhecimentos e experiências


vividas pelas jovens por familiares, destacaram-se as demonstrações de interesse e
admiração de familiares, mudança nas relações afetivas e tratamento diferenciado após
o envolvimento das jovens nos projetos. No projeto TMC, as jovens realizavam, a cada
encontro, um material a partir da proposta da atividade em circuitos elétricos. O
desenvolvimento de um produto a cada encontro concretizava, de certa forma, a
participação das jovens nos projetos na percepção de seus familiares, como algumas
narraram no grupo focal. Elas se sentiram valorizadas e passaram a receber atenção e
interesse de familiares a partir da apresentação do material desenvolvido.

Eu adorei esse circuito! Porque eu coloquei dentro de um potinho e ele estava em cima
da mesa e foi a primeira vez que o meu pai se interessou por alguma coisa que eu tinha
feito. Aí ele pegou como se fosse uma caixa de presente e começar a abrir e olhar: "O
que é isso?". "Eu que fiz. Você quer saber como faz? Eu te ensino". Aí eu mostrei para
ele: "Que legal!". Ele ficou superfeliz e orgulhoso mesmo (projeto TMC).

Ao mencionar a que “foi a primeira vez que meu pai se interessou por alguma
coisa que tinha feito”, percebemos a importância para ela desse reconhecimento de sua
capacidade pela figura paterna. Além disso, podemos identificar que, a partir da
vivência dessa jovem no projeto TMC, o interesse de seu pai em algo que ela havia
produzido ajudava a validar sua capacidade em realizar o mesmo experimento
novamente, quando ela menciona o diálogo: "Eu que fiz. Você quer saber como faz? Eu
te ensino". E, em seguida, ela demonstra o que exercitou durante o projeto no âmbito
familiar. Novamente, no trecho a seguir, outra jovem destacou que ela é vista, que
“chama a atenção” ao trazer os materiais desenvolvidos nas atividades semanais.

171
Eu acho assim que toda vez que eu aprendo alguma coisa aqui e que eu levo isso para
casa, isso chama atenção (projeto TMC).

Ambas as narrativas trazem a dimensão das jovens que estavam num lugar de
invisibilidade dentro dos seus contextos familiares e passam a ser vistas e reconhecidas,
mesmo que pontualmente, a partir da vivência que elas trazem do contexto do projeto
para a dimensão familiar. Essas narrativas remetem não apenas à invisibilidade histórica
das mulheres na produção de conhecimento, como discutido por Schiebinger (2001),
mas à questão de como as percepções dos pais sobre as habilidades acadêmicas de seus
filhos e filhas predizem a confiança de jovens em suas habilidades acadêmicas (Eccles,
2015). Além disso, a partir deste reconhecimento, destaca-se a importância de
reconhecer as jovens por quem elas são e não por quem elas deveriam ser, reivindicando
sua presença legítima (Calabrese Barton et al., 2020). Na fala a seguir, uma das jovens
relatou a satisfação em ter o reconhecimento de sua mãe e seu pai sobre o que vinha
desenvolvendo ao longo do projeto TMC.

Eu acho que mostrar, não só o que a gente aprende, mas falar com nossos pais sobre
uma matéria que a maioria não gosta e mostrar coisas diferentes, influencia. Eu não
tinha muito assunto com a minha mãe, mas chegava o dia de quarta-feira e eu tinha uma
coisa nova para mostrar para ela: "Mãe, olha isso aqui que legal que eu fiz". Outra hora,
quando ela não estava em casa, eu mandava as fotos e os vídeos: "Mãe, olha só que
legal. Está acendendo", e eu mostrava para ela. E finalmente o interesse do meu pai
pelas coisas que eu faço porque é muito difícil, e ele não achou que eu tinha feito
aquilo. É complicado (projeto TMC).

A visão dos familiares sobre a dinâmica escolar e a responsabilidade das jovens


em relação aos estudos parece ter sido afetada positivamente a partir da participação nos
projetos, como destacada nas falas a seguir de jovens do projeto TMC e MCE. A
primeira jovem relatou que costumava receber repreensivas da mãe quando retornava
mais tarde do que o usual para a casa. Com o envolvimento no projeto, sua chegada
tardia não é apenas justificada frente aos familiares, mas valorizada por estar investindo
em sua educação – investimento visto como uma dedicação a uma melhor qualidade de
vida futura.

Toda quarta-feira, eu chego dentro de casa mais tarde. Antigamente quando eu chegava
tarde em casa, minha mãe brigava e falava: "você estava na rua, não sei o que", só que
às vezes eu estava num engarrafamento ou coisas assim e ela ficava muito chateada,
mas agora quando eu chego tarde em casa ela fala: "eu sei que você estava na escola,
que você estava aprendendo, que você estava absorvendo uma coisa que era para o seu
futuro". Porque realmente foi para o meu futuro. A gente começou ano passado e esse
ano eu aprendi tudo aquilo que a gente aprendeu ano passado na prática, na teoria
também aqui nessa mesma sala (projeto TMC).

172
De forma similar ao relato anterior, ao receber o reconhecimento da avó, de tios
e da mãe por integrar o projeto, a jovem narra com satisfação: “eu me destaquei”, ao se
comparar com outros familiares que não seguirem o mesmo caminho. Ela complementa
ainda “antes eles me consideravam muito infantil, agora eles acham que eu sou um
pouco mais responsável”. As relações afetadas positivamente a partir do olhar de
admiração e reconhecimento dos familiares validam sua experiência e permitem que ela
se sinta mais confiante e pertencente a esse novo espaço que conquistou.

Minha avó está super orgulhosa de mim. Ela mora em Minas e agora todos os meus
planos, eu conto para ela. Está super orgulhosa e não tem coisa melhor de saber isso.
Meus tios, minha mãe. Então eu acho que isso mudou de uma certa forma. As minhas
primas são vida louca. Então eu me destaquei. Eu acho que agora eles me veem como
uma pessoa mais responsável e permitem que eu faça mais coisas. Antes eles me
consideravam muito infantil, só que agora eles acham que eu sou um pouquinho mais
responsável por causa disso (projeto MCE).

6.2.1.2. Crenças e expectativas dos pais

Como visto anteriormente, a importância do apoio parental na escolha


profissional é destacada na literatura como um aspecto crucial na tomada de decisão das
jovens sobre seus futuros (Lazarides & Ittel, 2013; Eccles, 2015). Neste contexto,
destacam-se trechos em que as jovens relataram embates com os familiares,
particularmente com o pai, por terem expectativas e desejos distintos sobre seu futuro
profissional. As falas expressam preconceitos e estereótipos de gênero por parte dos
familiares, baseadas em normas sociais e culturais de gênero. No entanto, as falas
sugerem também um componente de resistência e afirmação de seus desejos, a despeito
das expectativas de familiares.
No exemplo a seguir, a jovem do projeto TMC tem interesse em seguir a carreira
de engenheira enquanto seu pai tem a expectativa de que siga a carreira de médica. Em
sua fala, ela se posiciona com determinação em contraponto ao diálogo com o pai.

Porque engenharia naval eu olhei assim e falei: “Nossa! Eu quero fazer isso!”. Não foi
por opiniões de outras pessoas e os meus pais. Meu pai, o sonho dele é que eu seja
médica, mas eu fico: “Não. Eu não gosto de hospital porque agulha não é para mim”
(projeto TMC).

Eu acho que ainda tem um pouco de preconceito de alguma parte dos homens. Por
exemplo, meu pai não me vê sendo uma engenheira, meu pai me vê sendo médica. Mas
eu não me vejo sendo médica, eu me vejo sendo uma engenheira. Porque às vezes a
gente fala: “Ah, eu quero ser física, por exemplo”. A pessoa fala: “você está maluca?

173
Você é uma mulher”. Eu acho que às vezes a gente tem sim esse preconceito. Às vezes
as próprias mulheres têm esse preconceito (projeto TMC).

Novamente, a jovem narra que tinha interesse em acompanhar o pai durante seu
trabalho cotidiano como mecânico industrial e ouviu de seu pai que não deveria
acompanhá-lo porque não seria um trabalho designado para alguém como ela. Na
articulação da narrativa da jovem, ela atribui o discurso do pai a um pensamento
retrógrado e conservador, quando menciona: “Eu acho que é mais pela realidade do
passado, eles ainda estão com aquelas vendas que não deixa ver que há agora um
ambiente muito mais amplo do que ele conhecia antigamente”, no exemplo a seguir.

Por exemplo, eu sempre falei: “Poxa pai, eu quero ir trabalhar junto com você. Eu quero
conhecer o que você faz”. O meu pai é mecânico industrial. Ele faz máquinas para
fábricas de cigarro e outras máquinas, tipo máquinas de moer, mas o forte dele é essas
máquinas de cigarro. Eu sempre tive interesse em conhecer as coisas que o meu pai
fazia, porque eu sempre gostei. Aí o meu pai sempre ficava: “Mas por que você quer
fazer isso? Você tem cara de médica. Por que você tem que fazer isso, né?” Eu acho que
é mais pela realidade do passado, eles ainda estão com aquelas vendas que não deixa ver
que há agora um ambiente muito mais amplo do que ele conhecia antigamente. Não é
nem pela questão de ser preconceituoso às vezes, mas é pela questão da falta de
conhecimento (projeto TMC).

Às vezes eles [pais] não aceitam tão bem, aí eu fico pensando: nossos pais foram
criados em outro tempo, em outra realidade. O que a gente está vivendo agora é
totalmente diferente do que eles foram criados. Meu pai nunca que ia imaginar que eu
criei um circuito, ia mostrar para ele como funcionava, que a gente ia saber soldar
(projeto TMC).

Vemos como as estruturas sociais e culturais dominantes, por meio da dimensão


familiar, tendem a constringir as possibilidades de escolha das jovens sobre seu futuro
profissional, valorizando papéis tradicionais de gênero. Localmente, tanto a comunidade
escolar quando os projetos orientados por equidade de gênero podem exercer um papel
de fortalecer a autoconfiança das jovens em suas escolhas quanto de construírem novos
paradigmas junto com as famílias de modo a romper ou modificar as normas culturais e
sociais de gênero, de raça e de demais interseções. Novamente, no trecho a seguir, uma
jovem do projeto MCE narrou seu desejo em seguir numa carreira tradicionalmente
masculina – fisioterapeuta esportiva – e a necessidade de reafirmar seu desejo a partir da
consciência de que se envolverá em um ambiente historicamente excludente para as
mulheres:

A questão de eu querer ser fisioterapeuta esportiva é uma coisa que, se você olhar não
tem ou está atrás dos bastidores, é muito raro. Então eu pensei, falei com a minha mãe:

174
“É pra ser feliz e para quebrar tabus”. Eu falei que eu cheguei aqui para quebrar tabus,
quebrar regras. Então é isso que eu quero fazer porque eu gosto. Eu não estou nem aí
para ganhar dinheiro. Só quero fazer uma coisa que eu gosto (projeto MCE).

De forma similar aos relatos anteriores, outras jovens relataram a dificuldade de


aceitação dos pais ao desejo de seguirem na carreira científica, por imaginarem carreiras
distintas para suas filhas, como no ingresso na carreira militar. No trecho a seguir, a
jovem narra que seu pai “não conseguiu realizar o sonho dele” em ir para a carreira
militar na Marinha e projeta essa perspectiva de futuro para a filha, que tem interesse
em seguir a carreira científica:

Outro dia eu falei assim: “Pai, eu quero ser cientista”. Aí ele: “Por quê?”. “Pai, eu quero
ser cientista”. Aí ele: “Está bom, mas você primeiro vai passar na Marinha”. Depois
disso eu não falei mais nada porque eu não vou fazer. Eu não quero ser da Marinha. Só
que ele não sabe disso. Ele no fundo, no fundo, acha que eu vou para a Marinha, mas
mentira! Eu não vou!(...) E no meu caso, do meu pai, dele ter assim meio que essa
cabeça fechada é porque ele não conseguiu realizar o sonho dele, mas ele quer que eu
realize o sonho dele, entendeu? Por isso que eu falei da Marinha. Porque ele teve uma
oportunidade de ir pra Marinha, mas ele não foi porque ele não quis. Aí ele falou assim:
"Você vai". Eu não vou. Não vou. Vou ser cientista e isso (projeto TMC).

Esse exemplo mostra a interseção das escolhas profissionais não apenas com o
marcador de gênero, mas também com o marcador de classe social. A escolha da
carreira militar é apontada como uma procura por busca de estabilidade profissional e
financeira, com a entrada imediata no mercado de trabalho. Costa e Silva (2021), ao
estudarem as expectativas profissionais de estudantes de camadas populares,
argumentam que jovens demonstram desejo e escolha pela carreira militar por se
constituir trajetórias possíveis em seus contextos socioculturais, por sua aparente
estabilidade remuneratória e garantia de manutenção do vínculo. Nesse caso, são os
familiares da jovem que projetam essa perceptiva de carreira, porém muitas afirmaram
no questionário inicial da pesquisa o desejo em seguirem em carreiras militares.
No trecho a seguir, vemos como ambos os marcadores de gênero e classe estão
presentes na fala da mãe de modo a constringir a escolha de carreira da jovem.
Enquanto a mãe tem o desejo que a filha siga a carreira militar na Marinha, e a filha
advoga que gostaria de cursar física, a mãe se posiciona: “Isso não vai te dar dinheiro
nenhum. Isso é coisa mais para homem”, apontando tanto a dimensão da estabilidade
financeira quanto para as normas sociais e culturais de gênero e de divisão sexual do
trabalho.

175
Um primo meu me perguntou “O que você pretende fazer?” porque o sonho dela [mãe]
é que eu seja da Marinha. Eu falei: “Ah, mãe, eu quero fazer física”. Ela falou assim “O
quê? Educação física?”. Eu falei “Não, mãe. Física”. Ela falou: “Isso não vai te dar
dinheiro nenhum. Isso é coisa mais para homem”. Eu falei: “Não, eu vou fazer porque
eu gosto. Porque eu quero. Eu tenho que seguir uma carreira que eu vou me sentir feliz,
não o que a senhora quer”. Aí ela ficou um pouquinho intrigada, mas ela aceita. Hoje
ela aceita, antes não (projeto MCE).

No estudo de Fontanetto (2021), a influência familiar e as percepções acerca dos


estereótipos de gênero na sociedade foram presentes nas narrativas das jovens
entrevistadas. De forma similar ao observado em nossa pesquisa, a autora argumentou
que as jovens manifestaram “desconforto, descontentamento e até mesmo
enfrentamento” (Fontanetto, 2021, p. 142) em relação a essas posturas assumidas por
familiares. As jovens no estudo de Fontanetto (2021) argumentaram também em defesa
da liberdade de escolha profissional feminina, no que a autora ponderou, considerando
as heranças patriarcais e escravocratas no Brasil, que limitam as possibilidades de
escolha, particularmente de mulheres negras: “fazer o que se quer, em determinados
contextos sociais, às vezes pode se transformar em fazer o que foi possível” (Fontanetto,
2021, p. 129).
Além da dimensão familiar, ao se inserirem nas escolas públicas, a vivência nos
projetos esteve integrada à dinâmica escola, que descreveremos a seguir.

6.2.2. Dimensão escolar

Ressaltamos três categorias que emergem das falas das jovens nos grupos focais
em estreita relação com o contexto escolar. São elas: a melhora no desempenho escolar
a partir da vivência nos projetos; o reconhecimento da comunidade escolar, com maior
visibilidade e interesse por parte da comunidade escolar; e o significado da intervenção
no espaço físico da escola a partir da construção de um produto retornável à escola.

6.2.2.1. Melhora no desempenho escolar

Com relação ao desempenho escolar nas disciplinas relacionadas aos projetos,


algumas jovens narraram ter aumentado o interesse e a performance ao longo do ano.
Nesse trecho, a jovem do projeto MCE relatou que não tinha “atração” pelas matérias
nas ciências exatas, como química e física. A participação do projeto, portanto,
aumentou seu interesse nas aulas dessas disciplinas.

176
Eu não tinha tanta atração por essa parte de exatas, de química, de física. A gente ficou
muito mais interessada nas aulas do que antes do projeto. Pelo menos para mim isso
mudou, na escola e em tudo (mulher, projeto MCE).

No relato da jovem do projeto TMC, não é apenas a falta de interesse que


aparece em sua fala, mas a autopercepção de inabilidade nas disciplinas, quando ela se
autodescreve como “eu sou horrível, um cocô em física”, “não dá pra mim”, “eu não
consigo aprender”. Nesse sentido, a vivência no projeto parece ter sido um dos fatores
que fizeram com que ela mudasse sua experiência com a disciplina de física no colégio,
melhorando seu desempenho e se sentindo capaz de entender as aulas, quando ela
descreve “por conta de a gente já ter falado disso várias vezes, toda vez que o professor
falava, eu lembrava do circuito e da gente fazendo, das nossas reuniões” e “a matéria foi
bem mais fácil de ser digerida e foi uma coisa que me ajudou a melhorar a minha nota”:

Como eu já disse, eu sou horrível, um cocô em física. Não dá para mim. Eu não consigo
aprender porque eu não gosto de matemática, eu tive um ensino fundamental muito,
muito, muito pobre. Que eu achava assim: "eu vou decorar porque eu vou passar esse
ano e ano que vem não vai ter mais isso de novo, e eu não vou usar isso pra minha
vida". Me ferrei porque eu uso isso para sempre, né. Matemática é uma coisa que a
gente vai usar para o resto das nossas vidas. Então, quando eu cheguei a ter física,
quando eu comecei a ter física que envolveu um pouco de ciências com um pouco de
matemática, eu me ferrei legal. Mas esse ano por conta de a gente já ter falado disso
várias vezes, toda vez que o professor falava, eu lembrava do circuito e da gente
fazendo, das nossas reuniões. Então foi uma coisa que eu vou levar para minha vida
porque não foi em vão, a matéria foi bem mais fácil de ser digerida e foi uma coisa que
me ajudou a melhorar a minha nota. Primeiro bimestre eu fiquei com 5,0 que é a média
da escola e o segundo bimestre eu fiquei com 7,0. E já foi bem o up da minha física que
não é muito boa, mas melhorou muito (mulher, projeto TMC).

O desenvolvimento de autoconfiança e de autoestima parecem ainda estar


presente na vivência dessa jovem. Outro fator importante proporcionado pela vivência
nos projetos, na dimensão escolar, foi o reconhecimento da comunidade escolar sobre a
capacidade das jovens, que será descrito na seção a seguir.

6.2.2.2. Reconhecimento pela comunidade escolar

O reconhecimento pela comunidade escolar foi mencionado no contexto das


apresentações em feiras de ciências e eventos científico culturais, e no interesse de
demais colegas pelas atividades desenvolvidas pelas jovens. No trecho a seguir, a jovem
do projeto MCE mencionou diferentes aspectos de como a comunidade escolar foi

177
afetada pelo projeto. A partir da vivência no projeto, ela relatou que começou a ter
“relação diferente com a física no colégio”. O projeto se tornou alvo de interesse da
comunidade escolar quando seus colegas perguntavam para onde ela ia nas quartas-
feiras – dia da oficina semanal do projeto MCE – e demonstravam admiração quando
mencionava que trabalhava com um tema pouco usual, como a nanotecnologia.

O projeto acabou sendo convidado tanto para algumas feiras na nossa escola quanto eu
acho que também mudou um pouco o meu olhar sobre a física na escola. Acho que eu
comecei a ter uma relação diferente com a física no colégio. Acho que mudou a
experiência um pouco das pessoas pelo menos na nossa escola. Por exemplo, quando a
gente sai na quarta-feira e aí a gente vem para cá. Então, as pessoas ficam perguntando
“Aonde você vai agora?”. “Eu vou pra UFRJ”. “Você está fazendo o quê?”. Aí, você
fala: “a gente está fazendo um estágio em nanotecnologia”. Aí eles ficam
“Nanotecnologia? Que legal! Como é que funciona? Nossa!” (mulher, projeto MCE).

No trecho a seguir, a jovem do projeto MCE exaltou o interesse demonstrado


por professores e familiares da comunidade escolar na apresentação do projeto realizada
na feira de ciências da escola.

Quando o projeto foi na nossa feira de ciências, a gente foi expor. Tudo que a gente
aprende aqui, a gente foi expor lá, eles gostaram bastante do projeto. Tanto que os
professores, os adultos quanto os adolescentes se interessaram muito. Os pais dos
alunos, os avós. Eu acho que teve muita gente me perguntando sobre o projeto, tinha
gente perguntando sobre a área (mulher, projeto MCE).

As apresentações em feiras de ciências e eventos foram descritas pelas jovens do


projeto MCE como um dos momentos mais marcantes que vivenciaram ao longo da
participação no projeto. Nesses espaços, elas mostraram para a comunidade escolar e
para um público mais amplo o trabalho que desenvolveram, e se sentiram valorizadas e
reconhecidas por pessoas em diferentes estágios de formação, quando mencionam, por
exemplo, “a gente apresenta tanto pra crianças, para o ensino fundamental, aí, de
repente, vem um doutor, vem ouvir vocês falando!” e “a gente estava explicando para
criança de três, quatro aninhos e para adulto já de idade”, nos trechos a seguir.

Eu acho que, do projeto, que marcou muito foram as apresentações, porque a gente vai
falando e as pessoas, por exemplo, foram no [colégio] Brasil Turquia nos ver apresentar.
Aí, tinham os alunos que foram ver e falavam "Caramba! Que legal! Que maneiro!", e
todo mundo ficou encantado, né! (mulher, projeto MCE).

[Entrevistadora: Quais foram os momentos mais marcantes?] As apresentações em


lugares diferentes, as feiras de ciências que a gente participou, foi marcante mesmo. A
gente apresenta tanto pra crianças, para o ensino fundamental, aí, de repente, vem um
doutor, vem ouvir vocês falando! (mulher, projeto MCE)

178
Eu passei por uma experiência muito legal no Espaço Ciência Viva. (...) Lá, a gente
estava explicando para criança de três, quatro aninhos e para adultos já de idade, e tudo
mais. Foi uma experiência bem legal porque a forma de ensinar era diferente. Então
ficou muito marcante (mulher, projeto MCE).

Além do reconhecimento da comunidade escolar, outra categoria que surgiu na


narrativa das jovens diz respeito à possibilidade de construir algo que interfira em seus
próprios cotidianos dentro da escola, que será detalhado a seguir.

6.2.2.3. Intervenção nos espaços escolares

No projeto MOI, as jovens se engajaram em construir projetos em robótica que


intervissem no espaço físico das escolas envolvidas. Ao longo do primeiro semestre de
2019, elas aprenderam conhecimentos básicos em robótica e arduíno, e na segunda
etapa do projeto, elas aplicaram esses conhecimentos a partir de um projeto comum de
interesse do grupo, que intervisse no seu território. Alguns exemplos de projetos
realizados, foram: uma rega automática para os canteiros da escola e um alarme para
aviso de enchentes. Na fala a seguir, a jovem do projeto MOI descreveu a satisfação em
desenvolver um artefato que contribuiu para a melhoria do seu entorno e do espaço
físico da escola.

Foi muito legal porque a gente vai deixar isso na escola, uma coisa para escola, porque
estava uma horta abandonada. Não estava em uso, estava sem vida, sem nada. E a gente
conseguiu fazer um projeto que foi assim, não vou dizer um sucesso, mas deu certo no
final (mulher, projeto MOI).

Em sua fala, vemos a importância de atuação dentro de um espaço que faz parte
do seu cotidiano e o orgulho em deixar “uma coisa para a escola”, dentro do território
no qual as jovens estão inseridas. Além da dimensão familiar e escolar, as narrativas das
jovens trouxeram elementos sobre o âmbito do projeto propriamente dito, que
discutiremos na própria seção.

179
6.2.3. Dimensão do projeto

Categorizamos as vivências das jovens nos projetos propriamente ditos em cinco


principais eixos de análise: (i) representatividade de gênero, raça, classe e território; (ii)
desenvolvimento de autoestima e autoconfiança; (iii) senso de pertencimento ao grupo e
ao espaço universitário; (iv) reforço de identidades positivas em STEM; (v) auxílio na
escolha e na afirmação da escolha de carreira (vi) espaço inclusivo e seguro para
mulheres; e (vi) metodologias de ensino aprendizagem ativas. No Quadro 4,
descrevemos as principais estratégias elaboradas pelos projetos que parecem ter
impactado positivamente na construção de pertencimento e identidade científica das
jovens, a partir da análise dos grupos focais, e estratégias que podem ser incorporadas a
partir do campo de pesquisas em equidade e inclusão na educação não formal.
Quadro 4: Principais estratégias elaboradas pelos projetos na construção de pertencimento e
identidade científica das jovens e estratégias que podem ser incorporadas (Fonte: Elaboração
própria).
Estratégias dos projetos:

• Visita a universidades, institutos de pesquisa e espaços científico culturais


(MOI, TMC, MCE e QUI)
• Mesas-redondas e palestras com mulheres pesquisadoras (que contemplem
diversidade em termos de estágios de carreira, raça/etnia, sexualidade,
território, entre outros) (MCE)
• Apresentação de trabalhos/oficinas nas escolas, em eventos científico culturais
e feiras de ciências (MOI, MCE, TMC)
• Projetos de intervenção nas escolas ou em seus territórios a partir dos
conhecimentos desenvolvidos nos projetos (MOI)
• Metodologia de experimentação com protagonismo das jovens (MOI, MCE,
TMC e QUI)
• Ambiente inclusivos para mulheres (MOI, MCE, TMC e QUI)
• Inclusão de jovens com dificuldades nas disciplinas, de modo a melhorar o
desempenho e interesse (TMC)
• Desenvolvimento de material nas oficinas/atividades que pode ser levado para
seus contextos familiares (TMC)

Demais estratégias que podem ser incorporadas:

• Criação e desenho conjunto das atividades dos projetos com as jovens


participantes, levando em conta seus interesses, experiências e expertises;
• Repensar as hierarquias de poder e tomada de decisão entre equipe
coordenadoras, graduandas, educadoras e jovens envolvidas;
• Maior interlocução com comunidades escolares e famílias;
• Incluir jovens que tenham dificuldades nas disciplinas;
• Maior diversidade e representatividade de grupos não dominantes nas equipes

180
coordenadoras;
• Discussão sobre estereótipos, viés implícito e desigualdades de gênero, raça,
classe e demais marcadores interseccionais ao longo do projeto;
• Incorporar a pesquisa e avaliação como parte das atividades dos projetos;
• Incorporar uma equipe interdisciplinar que reúna pesquisadoras na área de
educação, divulgação científica, estudos de gênero e feminismos a
pesquisadoras nas áreas de STEM.

6.2.3.1. Representatividade de gênero, raça, classe e território

Ter exemplos de figuras femininas durante a trajetória acadêmica e


representatividade de gênero e de raça – e demais marcadores sociais da diferença,
como território, classe, sexualidade, parentalidade e pessoas com deficiências – são
importantes a fim de gerar identificação e ampliar a percepção acerca do estereótipo de
cientista. Já na década de 1970, por exemplo, Schiebinger (2001) apontava que uma das
tarefas centrais dos estudos de gênero e ciência estava no resgate das realizações de
mulheres cientistas, de modo a visibilizar trajetórias e criar exemplos para meninas
identificarem a profissão de cientista como possibilidade de carreira.
Modificar as representações dominantes sobre quem pode fazer ciência e quem é
visto como alguém que faz ciência é importante para formação de um senso de
pertencimento ao espaço acadêmico. Trazer figuras modelos em papéis contrários aos
estereótipos tradicionais heteronormativos pode ajudar a mudar as percepções de jovens
mulheres sobre o que elas podem ou devem fazer, e as percepções do que as mulheres e
demais grupos não dominantes podem ser dentro do espaço acadêmico (Olsson &
Martiny, 2018).
A importância da representatividade e a presença de figuras femininas como
modelos foram destacadas nas falas das jovens a partir de diferentes aspectos, como: (i)
na importância de espaços de troca com outras mulheres; (ii) na exemplificação de
cientistas que se destacaram historicamente nas ciências, representadas em filmes e na
mídia; (iii) na identificação com as coordenadoras como pesquisadoras inspiradoras;
(iv) na identificação com cientistas negras, que estiveram presentes em atividades dos
projetos; (v) no reconhecimento da (falta de) representatividade nos cursos de exatas; e
(vi) do questionamento sobre a representatividade não passar apenas pelo marcador de
gênero.

181
A noção de representatividade feminina aparece desde a proposta das chamadas
públicas do CNPq, na medida em que foi dada maior pontuação no processo de seleção
dos projetos para proponentes do gênero feminino, assim como foi exigido que, na
modalidade de estudantes de graduação, fossem estudantes mulheres. As jovens da
educação básica, portanto, tiveram, ao longo dos projetos, referências de mulheres em
diferentes estágios de carreira, desde as graduandas que atuaram como facilitadoras das
oficinas e atividades, e das pesquisadoras que atuaram como coordenadoras dos
projetos. Nesse ponto, é importante destacar que as chamadas não tinham
explicitamente um enfoque interseccional, e não mencionavam diretamente a
importância dos projetos de trazerem pessoas, conhecimentos e expertises a partir de
demais marcadores da diferença, como raça, classe, território, sexualidade e pessoas
com deficiências.
Dos projetos analisados, alguns optaram por dar maior enfoque a questão da
representatividade. No projeto MOI, por exemplo, durante as visitas a instituições de
pesquisa, foi solicitado, pelas coordenadoras, que o grupo fosse conduzido por
pesquisadoras mulheres das instituições visitadas. O projeto MCE, por sua vez, investiu
em atividades que fortalecessem as narrativas de trajetórias de pesquisadoras e a
representatividade de gênero e raça nas STEM, com a organização de mesas redondas
mensais nas escolas com a presença pesquisadoras voltadas para toda a comunidade
escolar; na organização de dois eventos no Museu Ciência e Vida, com a presença de
diversas pesquisadoras das áreas de exatas e das humanidades, dialogando sobre as
questões de gênero nas ciências; e a partir da itinerância de exposições advindas do
Museu, montadas nas escolas envolvidas, que abordavam biografias de pesquisadoras.
Esse enfoque aparece na fala das jovens durante os grupos focais: as estudantes
declararam que, dos momentos mais marcantes, estavam as mesas redondas realizadas
mensalmente nas escolas envolvidas e os eventos ocorridos no Museu Ciência e Vida,
como exemplificado a seguir, com destaque para a percepção da importância do espaço
de troca com outras mulheres em diferentes estágios de formação – “desde meninas que
estão terminando o ensino médio” a “mulheres com mestrado, doutorado” –
proporcionado pelas atividades do projeto MCE.

A parte de divulgação científica também no Museu Ciência e Vida foi muito maneiro
porque a gente trocou experiências com mulheres, assim, desde meninas que estão
terminando o ensino médio, que conseguiram ser premiadas por projetos, por provas
assim que participaram de exatas, mulheres com mestrado, doutorado... que já foram

182
pra Apple, que foi o caso da Nina [da Hora]. E isso trocando experiência com a gente
também foi muito bom (mulher, projeto MCE).

Uma das jovens destacou que os debates com pesquisadoras ocorridos nas
escolas mobilizaram o interesse de demais jovens mulheres e homens para a temática:

As mesas-redondas nas nossas escolas também foram muito importantes porque, além
da gente, muitas garotas se interessaram, muitos garotos também. Então, contando a
experiência uma da outra foi muito assim especial, gratificante (mulher, projeto MCE).

A identificação com as trajetórias das pesquisadoras, a partir da exposição de


desafios que encontraram ao longo do percurso, auxiliou as jovens na afirmação de seus
desejos e de autoconfiança para traçarem seus percursos, como na fala “é bom porque
faz a gente acreditar que se elas conseguiram a gente também pode”, no trecho a seguir.

Mas é bom para gente ver que, tipo, não é fácil [seguir a carreira acadêmica], não é.
Todas elas falaram... nenhuma delas falou: “Não, foi super fácil”. Mas eu acho que isso
é bom porque faz a gente acreditar que se elas conseguiram a gente também pode
(mulher, projeto MCE).

No que tange à exemplificação de cientistas mulheres que se destacaram


historicamente nas ciências, representadas em filmes, na mídia e no contexto escolar,
uma das jovens comentou espontaneamente sobre o filme “Estrelas além do tempo”
(Estados Unidos, 2016), que narra a atuação das cientistas negras Katherine Johnson,
Dorothy Vaughan e Mary Jackson na agência espacial norte-americana Nasa.

Não sei se vocês já viram um filme que se chama “Estrelas além do tempo”. São três
mulheres e elas sofrem muito preconceito. Tipo, elas eram bem avançadas para época
delas que se passa, acho que, na década de sessenta quando os Estados Unidos ainda
estavam em segregação e elas sofriam por serem mulheres e por serem negras. Então
vai mostrando no decorrer do filme a história delas, de como elas superaram isso no
campo... na área onde elas atuavam. Tipo, elas eram muito inteligentes! Muito
inteligentes! Elas foram uma das primeiras pessoas a entrar na NASA assim (mulher,
projeto MCE).

A menção ao filme “Estrelas Além do Tempo” também apareceu na pesquisa de


Fontanetto (2021), ao discutirem sobre os desafios que mulheres negras enfrentam na
sociedade. Em nossa pesquisa, uma das jovens se refere à cientista da computação
Margaret Hamilton como sua “ícone”, destacando positivamente, em sua fala, a
conciliação da maternidade e do trabalho de pesquisa, e da possibilidade de construir
uma trajetória pessoal similar.

183
Eu acho que tem tantas mulheres que fizeram coisas incríveis, por exemplo, a minha
ícone é a Margaret Hamilton. Ela tinha duas filhas enquanto ela trabalhava pra NASA,
enquanto ela trabalhava no projeto Apolo Onze. E eu vejo como foi a jornada dela
mesmo com as filhas e o legal é que ela incentivava as filhas à ciência o tempo todo.
Então eu sou louca para ter uma filha e comprar uma blusa da Marie Curie para ela
(mulher, projeto MCE).

Nesse trecho, vemos que a interseção entre os marcadores de gênero e


parentalidade. A concepção da maternidade, construída historicamente a partir de
discursos no campo religioso, filosófico e científico, atribuiu à mulher uma posição
naturalizada como cuidadora, com papéis sociais que a destinariam à maternidade, ao
matrimônio e, por consequência, ao espaço privado (Badinter, 1985). Esses discursos
ancorados no determinismo biológico, que atribuem um papel inerente de cuidados para
as mulheres, também foram utilizados para justificar sua exclusão do Ensino Superior
(Schiebinger, 2001). É notável quando a jovem do projeto MCE identifica uma
pesquisadora mãe como sua “ícone” e ressignifica para si própria a possibilidade de ser
mãe e ser cientista simultaneamente.
Uma das jovens menciona ainda trabalhos desenvolvidos na escola sobre a
temática de mulheres na ciência e faz menção à física Marie Curie.

A mulher na ciência tem pouco reconhecimento quanto os homens. Por exemplo,


quando teve exposição das cientistas lá na escola que a gente montou aquelas coisas, eu
não sabia que existia tanta mulher assim que tinha feito tanta coisa assim para ciência,
tinha colaborado tanto. Até então eu sempre tinha ouvido falar de Marie Curie e umas
outras que não me vem o nome agora. Mas a gente é muito acostumada com Albert
Einstein, Isaac Newton... (mulher, projeto MCE)

A identificação das coordenadoras como figuras inspiradoras apareceu na fala


das jovens quando destacaram a disponibilidade e o estímulo das coordenadoras de
engajarem as jovens para se sentirem pertencentes ao espaço universitário. Além disso,
o fato de as jovens reconhecerem as coordenadoras como cientistas e se reconhecerem
nelas é um exemplo do papel motivador que a identificação com figuras femininas
proporcionou na vivência nos projetos.

[Entrevistadora: Vocês conheceram alguma mulher cientista no projeto?] Sim. Tem a


Thereza [coordenadora]. Tem a Elis [coordenadora] (mulher, projeto TMC).

Eu conversei um tempo, acho que foi até com a Thereza [coordenadora], foi no dia que
a gente foi lá e ela é professora da UF [UFRJ] e eu achei muito incrível ela falando com
a gente, incentivando a gente a ir para essa área. Tipo, eu falei com ela que o meu sonho
é ser historiadora, fazer história e ela falando comigo: “não, mas se você quiser é uma

184
boa área pra você seguir, porque aqui você não vai ter só a aula em si, as contas pra
fazer, você vai ver muito mais do que você vê no projeto”. Então ela super estimulou
em mim a curiosidade de saber muito mais além do projeto. Além disso, tipo, nesse
tempo que a gente conversou, ela ficou falando sobre a quantidade de mulheres que
tinham lá, de como os professores são tratados, de como é essa responsabilidade de
cuidar da gente aqui no projeto. Então ela foi falando essas coisas e foi abrindo o meu
pensamento sobre a área de exatas (mulher, projeto TMC).

A falta de representatividade, como não ter tido professoras mulheres nas áreas
de exatas, pode contribuir para o sentimento de não pertencimento a esse espaço, uma
percepção de “não é para mim”, como exemplificado na fala a seguir. As jovens
passaram a identificar figuras femininas nesta área a partir das referências que
encontraram nos projetos.

Para mim foi importante porque antes de eu começar o projeto por vezes eu tinha uma
visão meio preconceituosa, porque eu só via homens, todos os meus professores de
exatas sempre foram homens. Esse ano que eu fui ter a primeira professora de
matemática mulher. O resto sempre foi homem e tudo mais. Então eu achava que isso
não era para mim. Apesar de eu gostar, eu achava que não era para mim. Aí depois que
eu entrei para o projeto as coisas mudaram (mulher, projeto MCE).

Acaba que nós mesmos não sabíamos de tanto envolvimento que a mulher tinha nessa
área. E aí com o projeto a gente conseguiu descobrir essas coisas (mulher, projeto
MCE).

A interseção de gênero com demais marcadores como raça e território foram


aspectos relevantes na identificação das jovens com as cientistas mulheres. No evento
“Ciência é com elas!”, que aconteceu no Museu Ciência e Vida e foi promovido pelo
projeto MCE, uma das palestrantes convidadas foi a cientista da computação Ana
Carolina da Hora, podcaster e apresentadora do canal de Youtube “Computação sem
caô”. A fala da cientista reverberou nas conversas entre as jovens durante os grupos
focais, particularmente a partir da questão da presença e representatividade de mulheres
negras nas ciências, que pode ser visto nos trechos abaixo. Além de ser cientista, mulher
e negra, a pesquisadora é nascida em Duque de Caxias, local de moradia de grande parte
das jovens do projeto MCE.

Acho que até hoje, de cientista negra, a gente só conheceu uma pessoalmente, que é a
cientista da computação, que é Nina da Hora. Ela estuda na PUC e serve muito de
inspiração para mim... E o mais louco é que a Nina passou por um concurso da Apple,
ela passou uma temporada nos Estados Unidos pela Apple e quando ela tirou uma foto
com o grupão, ela disse que ela não tinha percebido, mas quando ela mostrou a foto para
mãe dela... A mãe dela foi a única que percebeu que ela era a única mulher negra da
foto. Era a única, sendo que não sei quantas pessoas participaram e ela era a única
mulher negra. Vamos supor de vinte, ela era a única pessoa negra ali. Acho que ela é

185
realmente uma inspiração. Mulher negra, Caxiense. Eu acho incrível porque para ela foi
mais difícil do que vai ser para gente e ela conseguiu (mulher, projeto MCE).

Acho que por não ter tantos modelos, a gente não é tão estimulada, porque a gente tem
os modelos brancos de mulher, mas não se fala dos modelos das mulheres negras nas
ciências (mulher, projeto TMC).

Ainda que reconhecessem a presença de cientistas mulheres ao longo da


vivência nos projetos, algumas jovens destacaram que a identificação não ocorreu em
determinados casos. Em uma das falas a seguir, a jovem do projeto MCE ressaltou a
característica de ser “muito inteligente” como fator de não identificação, e, em outro
caso, foi destacado a não identificação com a área de trabalho e o cargo exercido pela
pesquisadora. A associação de cientistas a pessoas muito inteligentes pode afastar
jovens do interesse pela carreira científica por trazer a noção de que precisariam ter um
dom inato e inalcançável para exercer a profissão (Steinke et al., 2011).

[Entrevistadora: vocês se identificaram com elas?] Eu acho que não, porque às vezes eu
acho que elas são muito inteligentes. Eu acho uma pessoa que está em outro nível
(mulher, projeto MCE).

Tinha duas cientistas que apresentaram o trabalho. [Entrevistadora: E vocês se


identificaram com elas quando conheceram?] Não. Com essas duas principalmente,
nada, porque não tem nada a ver com o que eu quero fazer, é um negócio de tecnologia
e de empresa (mulher, projeto MOI).

Um dos aspectos debatidos pelas jovens diz respeito à falta de representatividade


nos cursos de graduação em exatas, tecnologias e engenharias e no mercado de trabalho.
Uma das jovens destacou não ter visto pesquisadoras na visita ao Parque Tecnológico
da UFRJ como justificativa para a percepção de a ciência não ser um espaço inclusivo
para as mulheres. Demais relatos narraram o medo de ingressarem em cursos
majoritariamente masculinos em uma sociedade sexista patriarcal, como destacados a
seguir.

[Entrevistadora: E vocês acham que a ciência está aberta para receber meninas como
vocês?] Acho que não completamente. Eu acho que não porque, por exemplo, teve uma
empresa que a gente foi lá na UFRJ para fazer uma visita que não tinha nenhuma
mulher (mulher, projeto MOI).

[Jovem 1] Eu estou com um pouco de medo de fazer engenharia porque eu sei que vai
dar cinquenta cabeças, três mulheres. Duas desistem antes e uma delas sou eu.
[Jovem 2] Não, se entrarem três está ótimo porque você não vai ser sozinha. O ruim é se
ficar só você e um bando de homens porque normalmente a gente não sabe como vai
ficar o futuro, mas principalmente a sociedade ainda vai continuar machista (projeto
MOI).

186
O meu pai uma vez chegou a comentar que dentro da sala de aula dele, ele faz
engenharia mecânica, tinha só umas cinco mulheres. Então de, vamos supor, cinquenta
alunos, cinco mulheres, eu acho isso muito pouco (mulher, projeto TMC).

Ainda que as condições estruturais da sociedade apontem para um cenário pouco


otimista para grupos não dominantes nas áreas de STEM, um dos eixos principais de
análise foi na formação de um senso de pertencimento a partir da vivência em projetos
orientados por equidade de gênero na educação em STEM, que discutiremos a seguir.

6.2.3.2. Senso de pertencimento e desenvolvimento de autoestima e


autoconfiança

O senso de pertencimento e de identificação com um campo de estudos leva a


uma maior autoestima e autoconfiança. O senso de pertencimento às áreas de STEM é
mais comum entre homens brancos e parece estar correlacionado com a quantidade de
pessoas do mesmo gênero na área de especialização (Rainey et al., 2018). Além disso, o
senso de pertencimento social parece ser um dos fatores que explicam as diferenças de
gênero no interesse pelas áreas de Saúde, Educação e Cuidado e pelas áreas de STEM
(Tellhed; Bäckström; Björklund, 2016).
As narrativas das jovens, nos grupos focais, sugerem a formação de um senso de
pertencimento em três diferentes níveis, a partir da vivência nos projetos: (i) um senso
de pertencimento às áreas de exatas, identificando os projetos como espaços que
promovem autoconfiança, visibilidade da capacidade das jovens e da possibilidade de
fazer escolhas; (ii) um senso de pertencimento ao grupo, de modo que as jovens
descrevem o projeto não apenas como um espaço de aprendizado em ciências, mas
como um lugar seguro de partilha, apoio e incentivo entre pares; e (iii) a formação de
um senso de pertencimento ao espaço acadêmico, a partir das visitas que fizeram às
universidades e aos instituto de pesquisa.
Na primeira dimensão, as jovens descrevem a participação no projeto como uma
oportunidade de desenvolver suas capacidades e de promoção de autoconfiança. Em
suas falas, as jovens do projeto TMC, argumentam sobre “ter o poder sobre você
mesmo”, “que você tem a opção de escolhas”, “que a gente também é capaz nesse
mundo, nessa sociedade em que o machismo é impregnado”, “não são só os homens que
têm direito de escolher todas as possibilidades do que vai seguir, da sua profissão” e
“ver as nossas vidas nas áreas das exatas”, nos exemplos a seguir.

187
Não adianta você: "ah, mulheres podem", mas aí não tem um projeto como esse para
falar: "Meninas, vocês podem! Meninas, está aqui. Olha só que legal o que vocês podem
fazer". E não é todas as escolas que têm essa oportunidade que a gente está tendo de
participar do projeto, de ver novas áreas (mulher, projeto TMC).

Vocês estão querendo mostrar uma forma de liderança, uma forma de você ter o poder
sobre você mesmo, que você tem a opção de escolhas (mulher, projeto TMC).

Vocês, através do projeto, não impuseram uma ideologia, mas mostraram que a gente
também é capaz nesse mundo, nessa sociedade em que o machismo é impregnado. Que
a gente sim é capaz, que a gente sim tem oportunidade (mulher, projeto TMC).

A gente sempre aprendeu que o lugar de ciência é dos homens e aqui a gente tem
aprendido que lugar de ciência é das meninas sim e que a gente pode realmente
prosseguir com isso, porque não são só os homens que têm direito de escolher todas as
possibilidades do que vai seguir, da sua profissão, do que vai ocorrer com essa pessoa.
Eu acho que a gente conseguiu ampliar o nosso pensamento e também ver as nossas
vidas nas áreas das exatas (mulher, projeto TMC).

Além do senso de pertencimento às áreas de exatas e o desenvolvimento de


autoestima e autoconfiança das jovens, observamos a formação de um senso de
pertencimento ao grupo, uma vez que as participantes se apropriaram do espaço do
projeto como um lugar de partilha, incentivo e apoio. Elas destacaram que passaram a
dialogar com estudantes de outros segmentos escolares e encontraram, neste espaço, um
lugar seguro e acolhedor. Na fala a seguir, a jovem descreve o projeto não apenas como
um lugar de aprendizagem em determinada disciplina, mas como um espaço seguro de
compartilhamento de culturas.

Por conta do projeto, a gente se uniu muito. Por exemplo, ela é da 2002, eu sou da 3002,
Iasmin é da 3004, ela é 2003. Cada uma numa sala diferente e a gente se encontra toda
quarta-feira e tudo aquilo que acontece com a gente na escola a gente sai, a gente
conversa, a gente se ajuda. (...) Então, não é só um projeto que a gente vem aprender
ciências. É um projeto que a gente vem compartilhar nossas culturas, nossos
pensamentos, é bem legal assim. Por conta desses assédios que aconteceram e tal, é tão
legal ter um momento só com as meninas que não tem como uma menina assediar a
outra. E, além disso, uma menina incentiva a outra. A gente se apoia. (mulher, projeto
TMC).

No trecho acima, a jovem do projeto TMC chama a atenção para violência de


gênero e assédio no ambiente escolar, justificando a importância de um espaço seguro
de troca entre mulheres: “não tem como uma menina assediar a outra. E, além disso,
uma menina incentiva a outra. A gente se apoia”.
No projeto MOI, cada uma das cinco escolas envolvidas desenvolveu
separadamente um projeto em robótica, a partir dos interesses de cada grupo. O grupo
focal realizado com as jovens reuniu participantes das cinco escolas e foi um dos

188
momentos em que elas puderam trocar entre si sobre as percepções acerca das
atividades que realizaram em suas escolas, de forma que reconheceram nos desafios das
colegas similaridades com seus próprios percursos. Nas falas a seguir, as jovens do
projeto MOI relataram a identidade construída por serem as Meninas Olímpicas do
IMPA e por fazerem parte de um grupo com interesses em comum:

Fazer parte de um grupo com muitos interesses em comum (mulher, projeto MOI).

Querendo ou não, é um grupo, somos as Meninas Olímpicas da Matemática. (...) É


muito bom quando a gente vê, por exemplo, vocês falando que o projeto de vocês
também deu certo, é um incentivo para gente. E também vocês passaram pelos mesmos
problemas. (mulher, projeto MOI).

As oportunidades das jovens de conhecerem e frequentarem os espaços das


universidades e de institutos de pesquisa parece ter gerado ainda um senso de
pertencimento ao espaço acadêmico. Nas entrevistas com as coordenadoras, algumas
narraram que identificaram que a aproximação das jovens com o espaço da universidade
reverberava positivamente na intenção delas em cursar o Ensino Superior, mesmo que a
escolha dos cursos não fosse das áreas relacionadas aos projetos. Na fala a seguir, a
jovem do projeto MOI narrou que se enxergou nesses espaços após as visitas:

Acho que foi muito importante as visitas às universidades. Para mim foi o que mais
marcou. Nossa! Foi incrível! As visitas e conhecer o IMPA. Exatamente, eu quero
trabalhar lá! Ir na UFRJ. Principalmente conhecer Universidades, Centros e lugares de
pesquisa em que a gente, por exemplo, viu alguma mulher trabalhando e a gente pôde se
enxergar nisso, sabe? É um incentivo. A melhor parte... (mulher, projeto MOI).

Na fala da jovem do TMC, vemos a interseção entre os marcadores de classe e


gênero, quando ela menciona as barreiras presentes “para gente que é aluna da escola
pública”. Ela trouxe a percepção sobre a universidade ser um espaço para classes mais
favorecidas e reivindica sua presença legítima como mulher, advinda da escola pública
e de classes menos favorecidas:

Acho que é a oportunidade que vocês deram com essa parceria com a escola e outras
parcerias que a escola tem, proporcionaram a saída à universidade, a dizer que sim, a
gente pode entrar lá e sim, lá é o nosso lugar sim de direito. Porque muita gente fala que
a universidade não é para todo mundo, mas sim, é para todo mundo sim e
principalmente para gente que é aluna da escola pública e para uma faculdade pública e
todo mundo paga imposto, teoricamente a faculdade e a escola pública é para todo
mundo (mulher, projeto TMC).

189
6.2.3.3. Ambiente de aprendizagem seguro e inclusivo para mulheres

Em adição aos relatos das jovens sobre o senso de pertencimento ao grupo e a


formação de um ambiente de partilha e acolhimento, identificamos falas que expressam
a importância de um espaço inclusivo para mulheres e seguro para que as jovens se
sintam valorizadas em oposição ao sentimento de inferioridade narrado em demais
espaços por conta de comportamentos sexistas, como pode ser visto nos exemplos
abaixo.

Eu acho também que ter um ambiente só com mulheres, ter uma atenção só para gente,
é diferente. Porque vocês trabalharem com uma turma onde tem meninos e meninas,
lógico que vai ter o menino que vai se achar o tal e ele é o melhor, ele faz os melhores
circuitos, ele é endeusado, mas a menina que é melhor do que ele, que fez antes dele, tá
nem aí, não ligam, né. É complicado. Então eu acho que terem priorizado foi a melhor
coisa (mulher, projeto TMC).

Na fala da jovem do projeto MOI, ela ressaltou as relações assimétricas de poder


que se estabelecem na sala de aula envolvendo as relações de gênero, explicitando as
posições assumidas pelos homens frente as mulheres: “eles se colocam numa posição
maior que a gente”, como visto no exemplo a seguir.

Eu acho que a gente se sente muito inferiorizadas perto deles. Acho que eles se colocam
numa posição maior que a gente. Teve uma vez que o menino queria me ensinar o que
eu estava tentando ensinar para outra pessoa. Eu estava ajudando uma pessoa antes da
prova aí ele veio e "não, mas não é assim, faz desse jeito aqui ó" (...) Você não tem que
me tirar do meu espaço para mostrar que você é superior. Você não é superior, você é
igual a mim. Só que você é melhor em uma coisa e eu em outra (mulher, projeto MOI).

Desta forma, a escolha por espaços de apenas mulheres pode ajudar a promover
um ambiente seguro de troca e promoção de confiança das jovens. Ter programas
apenas para mulheres parecem aumentar a compatibilidade de identidade percebida e de
suporte social percebido, promovendo maior envolvimento de mulheres em cursos de
STEM. Dois achados importantes no trabalho de Rosenthal e colaboradoras (2011)
sugerem que (i) a compatibilidade de identidade percebida e o suporte social percebido
estão associados a um maior sentimento de pertencimento na universidade e que (ii)
programas para pessoas do mesmo gênero - isto, é, apenas para mulheres - podem focar
com sucesso na compatibilidade de identidade percebida e suporte social percebido para
aumentar o envolvimento de mulheres em cursos de STEM.

190
Neste trabalho, as participantes eram 65 mulheres racialmente, etnicamente e
socioeconomicamente diversas matriculadas em um programa de STEM inclusivo para
mulheres em uma universidade mista no nordeste dos Estados Unidos. As participantes
responderam a pesquisas on-line antes do início do primeiro ano de faculdade e
novamente no início do segundo ano de faculdade. Por compatibilidade de identidade
percebida, entende-se que a percepção de suas diferentes identidades, como mulheres, e
como estudantes ou profissionais de campos em STEM não seriam identidades
conflitantes, e por suporte social percebido entende-se disponibilidade percebida de
recursos de apoio acadêmico, social e psicológico para ajudar as mulheres a superar os
obstáculos em seguir em carreiras em STEM (Rosenthal et al., 2011).
Ainda que a abordagem e o contexto não sejam os mesmos, uma vez que
Rosenthal et al. (2011) fez uso de uma pesquisa quantitativa a partir desses dois
parâmetros, podemos identificar similaridades nas narrativas das jovens participantes
dos projetos do Rio de Janeiro sobre a importância de ter projetos de mesmo gênero,
que incluam apenas mulheres, quando elas se referem, por exemplo "No projeto TMC, é
a primeira vez que a gente tem algo só nosso" e "é uma coisa só de meninas, sabe. A
gente pode se juntar e não vai ter as outras opiniões que não são muito agradáveis as
vezes, né?". Deste modo, entendemos a importância de ter espaços inclusivos para
mulheres, em que elas não se sintam julgadas, possam aumentar a autoconfiança e senso
de pertencimento ao reafirmarem suas múltiplas identidades.

6.2.3.4. Auxílio na escolha e na afirmação da profissão futura

A influência da vivência nos projetos parece ter atuado na formação e na


afirmação de identidades positivas em STEM e permitiu auxiliar as jovens na escolha e
na afirmação do curso de graduação de interesse. Uma das jovens relatou que a
experiência de conhecer a universidade e o espaço de pesquisa acadêmica a ajudou a
entender o trabalho de pesquisa em física e aumentou seu desejo em permanecer na área
de exatas, destacado no trecho a seguir.

Para mim foi especial ter contato com a faculdade, ver como é que funciona, você vê o
que significa a área da pesquisa. Eu acho que realmente mudou também nossos pontos
de vista, há um tempo eu nunca pensaria na carreira acadêmica como uma opção de
trabalho: "Ah, eu quero ser professor universitário, quero trabalhar com pesquisa".
Jamais pensaria nisso. Então eu acho que realmente mudou a minha visão sobre a área
que eu quero seguir. Bom, eu sempre quis física, mas mudou a minha visão sobre como

191
é a física na faculdade e só aumentou mais ainda o meu desejo de permanecer nas áreas
das exatas (mulher, projeto MCE).

Algumas jovens relataram que a vivência nos projetos despertou o interesse pela
ciência e por áreas específicas, como nos trechos abaixo. Uma das jovens, por exemplo,
já tinha interesse em cursar engenharia e a experiência com robótica e a aprendizagem
de arduíno fez com que optasse pelo curso de engenharia de controle e automação.

Me ajudou a escolher minha profissão. Eu vou ser engenheira de controle e automação.


Porque eu já queria fazer engenharia. Só que eu achava que eu queria mecânica. Aí eu
descobri que eu não queria. Depois das aulas de arduíno e robótica, eu fiquei "Ah, é
isso!" (mulher, projeto MOI).

Eu descobri a minha paixão por ciência por causa da escola e por causa do projeto. Eu
olhei aquilo, brilhou meus olhos e eu: “É isso! Tem que ser isso! Tem que ser alguma
coisa disso porque se não for isso, eu não vou ser feliz. Se eu fizer outra coisa, eu vou
ficar triste. É isso! Eu tenho que ir em alguma coisa dessa área”. Eu acho que por conta
disso, dessas influências positivas, me incentivou a buscar mais (mulher, projeto TMC).

Uma das jovens relatou ainda ter interesse prévio em seguir na área de
matemática, porém tinha insegurança em afirmar socialmente esta escolha. A vivência
no projeto a estimulou a fazer esta afirmação e seguir seu desejo, destacado no trecho a
seguir.

Eu sempre gostei muito de matemática. Eu sempre me interessei muito e eu acho que eu


tinha muita insegurança de falar e as pessoas ficarem: "hum, você?". Acho que dentro
de mim eu sempre quis fazer matemática. Sempre foi uma vontade, sempre vi muita
beleza, muita fascinação. Sempre foi uma relação, eu sinto amor de verdade. Eu tinha
essa coisa de confirmar e falar "ah, é isso mesmo. Eu quero fazer matemática. E aí, qual
é o problema?”. Algumas pessoas perguntam: "Matemática? Você vai ser o quê?
Professora? Hoje em dia? Sério? Cara, isso não dá futuro não. Não desperdice o seu
talento fazendo matemática. Você pode ser fazer engenharia, economia..." e eu falei
"cara, mas eu não gosto, sabe. Gosto de matemática". Então, acho que serviu para
afirmar e falar "tudo bem eu quero fazer isso. É uma coisa que eu gosto". Foi um
incentivo (mulher, projeto MOI).

6.2.3.5. Metodologias de ensino aprendizagem ativas e de


experimentação

As coordenadoras dos projetos analisados optaram por uma metodologia de


ensino aprendizagem que privilegiava os aspectos práticos e experimentais das
disciplinas em questão, por exemplo, com a confecção de circuitos elétricos em papel e
em massinha, com a realização de experimentos de nanotecnologia e de química, e com

192
a construção de protótipos baseados em arduíno e robótica, intervindo no espaço
escolar.
Segundo a narrativa das jovens, a dinâmica prática foi um ponto positivo na
atração e no envolvimento com as disciplinas propostas, uma vez que as permitiu
visualizar e imaginar melhor a teoria, produzir com as próprias mãos, ter um produto
para mostrar aos familiares, vincular o aprendizado com o cotidiano, ampliar as
experiências escolares para além do espaço e material fornecido pela escola e aprender
uma metodologia de ensino para a futura profissão, mesmo que não fosse na mesma
área e nem mesmo na área de exatas. Nos exemplos a seguir, as jovens narram a
vantagem da metodologia prática para visualizar e imaginar os conceitos da área de
física.

Para mim mudou na forma de imaginar. Porque eu tenho muita dificuldade de visualizar
as coisas e, como é prático aqui, fica mais fácil. Porque, na escola, a professora fala de
partícula e eu fico: “O que isso?”, entende? Aí é mais fácil para mim visualizar as coisas
(mulher, projeto TMC).

Eu ainda não tive esse tipo de matéria, mas saiu um pouco do quadro, da matéria, das
fórmulas. É muito melhor poder visualizar aquilo, tocar, fazer você mesma e depois
você mostrar para alguém, compartilhar o que você aprendeu (mulher, projeto TMC).

Permitir associação com a matéria estudada na escola e com o contexto


cotidiano foram pontos levantados pelas jovens a partir da dinâmica dos projetos. As
jovens narram que a dinâmica prática mudou a forma como se relacionaram com as
disciplinas e no desempenho escolar, como destacado nos trechos a seguir. Uma das
jovens relata que passou a associar, por exemplo, o funcionamento do resistor de sua
casa ao conhecimento aprendido na disciplina de física.

Eu acho assim que toda vez que eu aprendo alguma coisa aqui e que eu levo isso para
casa, isso chama atenção. Não só para o projeto, mas também para escola porque,
muitas vezes, a gente sairia daqui, iria para casa, iria dormir e acabou. Mas a gente
escolheu estar aqui para aprender mais daquilo que a gente não consegue entender por
que por mais que a gente aqui não esteja aprendendo fórmulas e cálculos, a gente está
aprendendo a física assim de uma maneira mais fácil. E quando a gente chega no
cálculo, a gente fala: "ah, isso aí é só você pegar e pensar naquilo, isso acontece por
causa daquilo". Portanto, quando hoje a gente falou de circuito, eu já lembrei do meu
professor dando aula aqui. Isso já abre o seu pensamento, já abre a sua visão. Você não
fica preso só naquilo, é fórmula e é cálculo. Você já pensa que por trás da fórmula e do
cálculo tem uma coisa muito legal, tem todo um trabalho muito bem feito para poder
aquilo acontecer, entendeu? Toda vez que eu penso no resistor da minha casa, a minha
casa sendo construída, eu penso nisso, eu penso: "Caraca! Que incrível!". É uma coisa
muito louca (mulher, projeto TMC).

193
As jovens destacam que, com a dinâmica prática e de experimentação, o
conhecimento em física e em matemática deixou de ser abstrato para ter mais
significado e contexto dentro de seus cotidianos.

Na escola a gente aprende, mas é muito na teoria, então quando, no primeiro semestre,
quando foi na prática a gente entendia melhor. Na escola é uma coisa bem básica, só
fórmulas, e aqui vai aplicando bastante coisa e a gente vê alguma coisa na vida, a gente
já leva, já entende como funciona, o porquê. Funciona meio que um raciocínio lógico.
Você entender uma coisa uma vez, aí fica mais fácil de entender depois (mulher, projeto
TMC).

Mudou também a forma como a gente vê exatas porque a gente acha que na escola é só
conta, só gravar fórmulas e isso basta. A gente chega aqui e vê que a física ela pode
estar no nosso dia a dia, que pode estar evoluindo com novos estudos e a gente vê o
quanto é legal você ver a física na prática, a química... Toda essa parte de exatas que é
passado como se fosse uma coisa chata na escola, porque a maioria dos alunos não
gostam, mas a gente chega aqui e vê na prática e a gente se apaixona por isso (mulher,
projeto TMC).

A gente viu mais aplicação do que matemática no dia a dia. Como a gente aprende na
escola, eu acho muito chato. Você tem que decorar e isso aí você acaba copiando e
colando e você não está aplicando nada na sua vida. Você aprende matemática na
escola, mas você não sabe como aplicar. Então você não aprende. Você decora (mulher,
projeto MOI).

Depois entrei aqui e vi que aqui não era só você fazer um monte de conta ou trabalhar
com fórmulas e sim ver como funciona na prática. E também ver que nanotecnologia
também pode ter uma ligação com biológicas, que pode mudar muitas coisas na
medicina e aí começou a abrir os meus olhos. Eu me apaixonei. Gostei mais disso
(mulher, projeto MCE).

Uma das jovens do projeto TMC destacou ainda a importância do projeto em


oferecer uma vivência de aulas práticas em física, que não era oferecida pela escola.

A gente nunca teve uma oportunidade assim. Eu acho que essa foi uma oportunidade
incrível porque a gente botou em prática aquilo que às vezes a gente aprende dentro de
sala de aula. Que muitas das vezes o professor não tem como fazer a aula prática assim
e aqui a gente não está aprendendo só a prática, a gente também está aprendendo coisas
que a gente nem sabia. Conhecendo coisas novas (mulher, projeto TMC).

A intenção de levar o aprendizado experienciado no projeto para a futura


profissão, mesmo que não seja na área de exatas, é destacada na fala seguir, quando uma
das jovens relata o interesse pelo uso de metodologias de ensino aprendizagem ativa na
docência de História.

Eu olho para a profissão que eu quero e eu penso: se eu vier toda vez com aquela
mesma coisa, aquela mesma rotina de só falar, escrever no quadro e olhar para cara dos

194
outros, eu não vou mudar ninguém. Todo mundo vai continuar a mesma coisa. Então eu
não penso só nisso. Eu penso em cada aula trazer uma dinâmica. Por exemplo, o Tem
Menina no Circuito. A gente faz os nossos projetos aqui e isso muda totalmente a física,
mas na história a gente não tem nada. Então, por que não eu fazer a minha sala de aula
virar um mapa geográfico, botar metade de um lado, metade do outro e falar que eles
são portugueses e os índios do Brasil? Por que eu não posso fazer uma coisa assim que
vai chamar atenção das pessoas? Então eu penso nisso. Eu penso em mudar, em
transformar e fazer as pessoas olharem de uma forma diferente, fazer as pessoas
aprenderem realmente o que é aquele conteúdo, não ser uma professora monótona que
chega na sala e faz a mesma coisa sempre, senta, faz a chamada e vai embora (mulher,
projeto TMC).

A estratégia de ensino aprendizagem ativa é descrita na literatura como uma


gama de métodos que privilegiem o protagonismo de estudantes no processo de ensino
aprendizagem. A experimentação pode contribuir para o ensino ao propiciar situações
de confronto entre as hipóteses que jovens trazem e as evidências experimentais. Na
experimentação didática, ainda que distinta da experimentação no contexto de produção
de conhecimento científico, conserva elementos identificadores do mundo científico e
do contexto de produção, que passam a ser recontextualizados no ambiente escolar
(Marandino; Selles; Ferreira, 2009).
Um ambiente de ensino aprendizagem que foque, por exemplo, no protagonismo
de estudantes, com foco em criação e experimentação, e na construção de um espaço
seguro e de acolhimento pode fazer com que as jovens se sintam mais motivadas e
pertencentes ao espaço científico (Spearman & Watt, 2013). Com base na meta-análise
de 56 trabalhos, publicados entre 1988 e 2014, que investigaram os efeitos de distintas
abordagens de ensino nas atitudes dos alunos em ciências no ensino primário e
secundário, foram identificadas cinco estratégias que melhoram o desempenho, as
atitudes e o interesse de estudantes em disciplinas de STEM: estratégia com base no
contexto; estratégia com base na pesquisa; estratégia de enriquecimento em TIC;
aprendizagem colaborativa; e uso de atividades extracurriculares (Savelsbergh, et al.
2016). Algumas dessas estratégias estiveram presentes nos projetos analisados, e
parecem ter sido fatores motivadores de participação das jovens, ao afirmarem o
interesse pela dinâmica prática das atividades e por terem acesso a recursos de pesquisa
que não estavam presentes em suas escolas.

195
6.2.4. Dimensão social

Categorizamos por dimensão social aspectos que concernem dimensões sociais


estruturais das vivências cotidianas das jovens entrevistadas, os quais definimos como:
(i) tempo, rotina e trabalho doméstico; e (ii) discriminação de gênero, raça, classe e
território.

6.2.4.1. Tempo, rotina e trabalho doméstico no cotidiano das jovens

Embora a maioria tenha 15 e 16 anos, as meninas que participaram dos projetos


já possuíam uma rotina intensa entre estudo e afazeres domésticos. A partir da análise
das entrevistas iniciais e grupos focais, vemos as jovens narrarem um cotidiano
cansativo, em que permaneciam, algumas vezes, por dez horas na escola entre turno
escolar e atividades extracurriculares e gastavam até duas horas diárias no percurso até a
casa: “eu fico aqui [na escola] dez horas. Então ao todo eu perco doze horas do meu dia.
Eu chego em casa e quase não vejo os meus pais (mulher, parda, 16 anos, projeto
TMC)”. Ao chegar em casa, ainda precisavam fazer os deveres da escola, como no
exemplo a seguir.

Eu chego em casa oito horas da noite. Eu chego em casa, eu faço o meu dever se tiver.
Ou, se eu tiver muito cansada, eu durmo, aí mais ou menos eu acordo umas duas horas
da manhã para fazer o dever até chegar o horário de acordar oficial (mulher, parda, 14
anos, projeto MOI).

Ainda que demonstrem entusiasmo pelas atividades e projetos


extracurriculares, as jovens afirmaram que eles acentuavam o cansaço cotidiano e a
ausência de tempo de lazer, como nos trechos abaixo.

É muito puxado... A gente sai todo dia às 5 horas, mas tem projetos, como matemática
avançada na quinta, tem astronomia na segunda, e a gente sai daqui 7:30 e para chegar
[em casa] demora muito (mulher, parda, 15 anos, projeto MOI).

O tempo que a gente tem vago seria nos finais de semana e é nesse tempo que a gente
descansa, estuda para escola (mulher, parda, 15 anos, projeto MOI).

Assumir responsabilidade pelos afazeres domésticos e pelos cuidados de


familiares foi comum entre a jovens participantes. Durante os grupos focais, era

196
unânime a resposta afirmativa sobre haver uma rotina de afazeres domésticos, como
exemplificada nas falas a seguir.

Eu acordo de manhã cedo, umas seis horas e aí vou pra escola. Aí chego, arrumo a casa
porque eu moro com a minha vó e ela tem já 69 anos, aí eu tenho que ajudar. Aí depois
eu faço o trabalho de casa (mulher, projeto MOI).

[Entrevistadora: Você tem que fazer alguma tarefa em casa de cuidados com a casa?] Só
lavar a louça. Toda noite. (mulher, projeto QUI).

Assim, normalmente minha mãe não obriga a gente a fazer nada, mas como ela tem
curso no sábado então eu não me importo. Se eu estou em casa e eu não estou fazendo
nada, eu posso ajudar ela. Então eu lavo a louça, arrumo a casa, faço essas coisas
(mulher, projeto TMC)

Minha mãe trabalha o dia todo. Então a gente [ela e a irmã] procura dividir. Tem a parte
de baixo e a parte de cima e uma limpa a parte de baixo, a outra limpa a parte de cima.
A gente divide, às vezes briga bastante. Mas aí depois da escola a gente chega e faz o
que tem que fazer (mulher, projeto MOI)

Responsável pelos cuidados de duas irmãs e um irmão mais novo enquanto a


mãe estuda, uma das jovens precisou reorganizar sua rotina de afazeres domésticos e de
cuidados com os irmãos para conseguir participar do projeto, visto em trecho de sua fala
abaixo.

Eu me organizei lá em casa porque eu tinha rotinas. Eu tenho irmãs pequenas, então eu


tinha rotina porque minha mãe trabalha, então a gente teve que se adaptar direitinho (...)
Eu tenho que arrumar a casa de manhã porque toda terça-feira e quinta minha irmãzinha
tem aula de reforço porque ela tem epilepsia, então ela tem dificuldade de aprender. Aí
eu tinha que levar ela na aula, depois eu tinha que dar almoço para as minhas irmãs,
arrumar elas, me arrumar e levar elas na escola (...) Aí eu tive que mudar...
[Entrevistadora: Que idade tem seus irmãos?] Uma tem 10, a outra tem 8 e o menino
tem 5. [Entrevistadora: Entendi. E você está conseguindo se organizar?] Beatriz: Estou
conseguindo me organizar, ainda mais que eu saio daqui e vou para a escola, da escola
eu vou para casa e fico com as minhas irmãs porque minha mãe estuda de noite (EI,
mulher, negra, 17 anos, projeto QUI).

Em situação similar, uma das jovens narrou o embate com os pais por conta da
rotina de estudos e da menor presença em casa na função de cuidados com o irmão e
com os afazeres domésticos.

Meu irmão, eu que cuido dele, então é meio difícil conciliar casa, estudo, mas a gente
vai aprendendo. Lá em casa é até motivo de discussão com meus pais, não
necessariamente voltado para o projeto, mas essa questão da escola. Fui eu que escolhi a
escola. Meus pais queriam que eu estudasse por Xerém, mas eu quis estudar no Brasil -
Turquia e eles não se deram muito bem esse primeiro ano com esse fato porque era o
dia todo estudando. Então quando eu chegava em casa, chegava cansada, até porque eu
moro longe da escola, então é uma hora e meia de condução. Então eu saio da escola

197
cinco, chego seis e meia, sete horas. Acaba que eu chego em casa e ainda tenho que
fazer umas coisinhas. E às vezes eles ainda acabam reclamando dessas coisas (...) Eu
entendo que eu poderia ter me esforçado mais, mas eu acho que, de certa forma,
também eles não pensaram tanto na minha visão, porque eu tento dar o meu melhor pros
estudos, porque eu quero e acaba sendo um problema (mulher, projeto MCE).

Os relatos das jovens sobre a responsabilidade pelo trabalho doméstico


coincidem com a realidade brasileira de crianças e jovens mulheres que assumem essas
funções no cotidiano de suas casas, como observado na pesquisa “Por Ser Menina no
Brasil: Crescendo entre Direitos e Violências”, realizada em 2013, com 1.771 meninas
de 6 a 14 anos em capitais em cinco regiões do Brasil. Das meninas respondentes,
81,4% arrumam sua própria cama, 76,8% lavam louça, 65,6% limpam a casa e 34,6%
cuidam de seus irmãos. Enquanto isso, apenas 11,6% dos seus irmãos homens arrumam
a sua própria cama, 12,5% dos seus irmãos homens lavam a louça e 11,4% dos seus
irmãos homens limpam a casa (Plan Brasil, 2013).
As falas das jovens dialogam com a análise de Biroli (2016) ao discutir que uma
das implicações fundamentais da divisão sexual do trabalho é a escassez de tempo livre
e de renda para mulheres, que, em última estância, acarreta menor participação política
e em espaços decisórios. Quando a jovem do projeto QUI narrou sua dificuldade em
conciliar a rotina das atividades no projeto com a rotina de cuidado com seus irmãos
explicita a dimensão racial e de classe do trabalho reprodutivo que faz com que as
experiências de mulheres negras de classes desfavorecidas sejam distintas das
experiências de mulheres brancas de classe média, como discute Biroli e Miguel
(2015b, p. 51-52) ao se referir que é como mulher negra numa sociedade racista que
“que esbarra na falta de creches sem ter substitutivos na forma de apoio público ou da
renda de um familiar adulto para sustentar a si e aos filhos que uma mulher vive a
maternidade”.

6.2.4.2. Vivências cotidianas de discriminação de gênero, raça, classe e


território

Nas entrevistas e nos grupos focais, as jovens mulheres relataram diferentes


situações em que vivenciaram práticas discriminatórias, que envolveram: (i) descrédito,
apropriação e silenciamento das vozes e conhecimentos; (ii) tratamento desigual entre
gêneros no ambiente escolar e na prática esportiva; (iii) comentários sexistas e assédio

198
sexual; (iv) preconceitos sobre as habilidades de mulheres nas ciências; e (v)
discriminação de raça, de território e de classe.
Descrédito, apropriação e silenciamento das vozes e conhecimentos das jovens
foram relatados pelas participantes em suas vivências escolares, como nas situações
narradas a seguir, que, em um trabalho em grupo, a jovem teve sua ideia apropriada por
outro estudante, com anuência dos demais colegas do grupo.

Teve um trabalho em grupo que eu fiz só com meninos porque só os meninos que
eram... que estavam meio inteligentes e eu fui fazer com os meninos. Quando eu dava as
minhas ideias geralmente eles não escutavam e o menino repetia igual a ideia minha e
eles escutavam porque ele era menino. E não escutavam a minha ideia porque eu era
menina (mulher, 14 anos, branca, projeto MOI).

No relato seguinte, a jovem é invisibilizada pelo professor, que em seguida


ofereceu tratamento privilegiado para o estudante do gênero masculino.

Eu participei de um evento de matemática todo mundo ali da mesma vibe e tal, todo
mundo se interessava por matemática, mas aí era um professor falando e aí falou:
"alguma dúvida?", aí todo mundo levantava a mão e um garoto levantou a mão e ele
falou uma coisa, o professor: "não, tudo beleza", não sei o quê. Eu levantei a mão, falei
alguma coisa e o professor não deu muita atenção. Aí outro garoto levantou a mão e ele
falou essa mesma coisa que eu falei, da mesma forma praticamente, o professor deu
uma atenção, ficou com aquele garoto, chamou ele depois para conversar para alimentar
mais aquele assunto, que foi a mesma coisa que eu falei, entende? Só que ele
simplesmente não me deu atenção (mulher, 14 anos, branca, projeto MOI).

Em situação semelhante, a jovem chamou atenção do tratamento desigual


oferecido pelo coordenador de um curso preparatório para as Olimpíadas de
Matemática, em que deu prioridade aos estudantes homens na seleção de quem
receberia bolsa para o curso. Ainda que as estudantes mulheres tivessem interesse e
habilidade, não tiveram a oportunidade de realizarem o curso.

Existe um curso que é uma preparação para as Olímpiadas de Matemática e esse curso é
pago. Só que o dono desse curso resolveu dar bolsas para pessoas aleatórias, ele
escolhia essas pessoas. Eles pegaram várias pessoas aqui do colégio, mas nenhuma das
pessoas que eles escolhiam eram meninas. Todos eram garotos. Ele não se baseou em
números de medalhas, não se baseou em nada tangível, escolheu a dedo realmente e ele
escolheu garotos. Ele não escolheu nenhuma garota e não é uma questão de "nenhuma
das garotas tinham interesse, nenhuma das garotas podiam ter sucesso nessa área das
olímpiadas". É uma questão realmente dele (mulher, 14 anos, branca, projeto MOI).

Discriminação de gênero na prática esportiva foi relatada pelas jovens.


Desigualdades de gênero entre jovens no âmbito dos esportes e da cultura corporal de

199
movimento na educação formal vem sendo analisadas em diversos estudos. A
pesquisadora Helena Altmann e colaboradoras (2011, 2018) investigaram as percepções
de docentes e de jovens em aulas de educação física em escolas públicas no estado de
São Paulo. Por meio de questionários realizados com estudantes do 8o e 9o anos do
Ensino Fundamental, identificaram que a prática de atividades físicas e esportivas foi
mais frequente e regular entre meninos do que entre meninas, e que as estudantes
mulheres tinham uma autopercepção de menor competência e interesse pela aula de
educação física. Além disso, a percepção de apoio recebido por parte de amigos e
familiares foi maior entre os estudantes do gênero masculino (Altmann et al., 2018).
Com relação à prática docente, as autoras destacaram a importância de problematizar
concepções estereotipadas do feminilidades e masculinidades na educação física,
"mostrando que nem todos os meninos se identificam com esportes e jogos coletivos e
que meninas também sabem e gostam de jogar" (Altmann et al., 2011, p. 499). Nos
relatos a seguir, identificamos que as jovens participantes nos projetos se sentiram
preteridas da prática esportiva em espaços dentro e fora da escola, com atitudes
discriminatórias por parte dos colegas.

Tem aquelas coisas que acontecem em várias escolas: a maioria das meninas ficam na
sala e, quando o professor entra, os meninos saem para jogar futebol. Aí, na hora da aula
de educação física, a gente não pode jogar porque eles não querem que a gente jogue,
eles querem só que eles joguem porque eles dizem que a gente joga mal (mulher, 15
anos, amarela/oriental, projeto MOI)

O que mais me marcou mesmo foi quando eu era criança porque eu queria fazer muitas
coisas e eu era impedida de fazer porque era coisa de menino, sabe? Como jogar
futebol. Eu queria jogar junto e para eu jogar tinha que ser “café com leite”. Eu não
podia fazer parte do jogo, entendeu? (mulher, 16 anos, branca, projeto TMC).

Situações de assédio e de exposição a comentários sexistas também estiveram


presentes nas falas das jovens mulheres durante a pesquisa. Em um dos relatos, uma das
mulheres descreveu a ocorrência frequente de assédio sexual no transporte público.

Pegar ônibus lotado é constrangedor porque às vezes você não sabe se a pessoa está
encostando em você por encostar ou se está assediando. Ontem mesmo eu estava
passando na rua e um monte de senhores de idade sabendo que eu era adolescente
ficaram falando besteira pra mim, falando frases que eu não quero reproduzir (mulher,
15 anos, branca, projeto MCE)

Uma das jovens relatou ter vivenciado uma situação de assédio sexual na escola,
destacando o sentimento de impotência sobre esta e outras situações correlatas.

200
Eu já fui assediada aqui na minha escola e foi um episódio muito chato que aconteceu e
realmente há essa discriminação de mulher, você querendo dar sua voz e você não ser
escutada. Agora já resolveu o problema e tal, mas realmente tem essa discriminação
porque nós somos mulheres. Nós temos que levar outras vozes além das nossas, porque
não vale só a nossa. Eu acho que são muitos e muitos episódios, muitos e muitos casos.
Tem uma menina que estuda comigo, ela foi estuprada pelo próprio pai e o pai dela até
hoje não foi preso porque não tiveram como provar que isso aconteceu de verdade.
Então eu acho que é muito chato porque realmente há essa discriminação da mulher, há
esse preconceito, tanto que quando outras pessoas de outros países vêm para cá ou
quando as brasileiras vão para outros países, elas são considerada (mulher, projeto
TMC)

Restrições à escolha de vestimenta e comportamentos relacionados à


estereótipos femininos também estiveram entre as discriminações de gênero apontadas
pelas jovens, como na fala a seguir.

Eu já ouvi muitas vezes: "não faz isso porque você é menina", "não pode fazer isso" ou
"não se veste assim. Os homens vão mexer com você na rua", "não fala desse jeito",
"menina não se comporta assim". Eu acho isso horrível. Eu já debati muito com a minha
mãe por causa disso, tipo: "não se veste desse jeito, os homens vão mexer" e eu falo:
"eu não estou me vestindo para eles, eu estou me vestindo para mim" e eu me sinto bem
assim, eu não vou tirar a roupa que eu estou usando pensando "ah lá, será que algum
homem vai mexer comigo?" ou "nossa, eles vão achar que eu estou provocando", não.
Eu me visto do jeito que eu me sentir bem! Estou me vestindo para mim, não estou me
vestindo para eles. Se mexer comigo eu fico bolada, eu me irrito, eu fecho a cara, mas
não... eu me sinto muito discriminada às vezes por causa disso (mulher, 17 anos, projeto
QUI)

Preconceito e discriminação de gênero nas ciências, particularmente na área de


matemática, foram relatados pelas jovens e corroboram os dados da literatura que
indicam uma associação hegemônica da figura masculina às áreas científicas e às
ciências exatas, configurando um ideal de quem pode e não pode seguir na carreira
científica.

Outra coisa também que marcou muito foi que, no colégio, eu não conseguia fazer
cálculos, era muito ruim em cálculos, mas era por motivo pessoal, sabe? Só que os meus
amigos diziam que eu não sabia fazer o cálculo porque eu era mulher, porque eu era
menina: "Ah, é assim mesmo. Você não consegue porque você é menina" (mulher, 16
anos, branca, projeto TMC).

No próprio colégio eu já ouvi frases dos garotos falando tipo: "Ah, não entendo porque
a mulher ter que estudar ciência" (R, 15 anos, branca).

Nos grupos focais, os relatos de discriminação envolveram diferentes interseções


pelas quais as jovens se identificam como serem moradoras de territórios à margem, na
baixada fluminense; serem estudantes de escola pública, o que denotaria um lugar de

201
classe social desfavorecida; e por serem mulheres negras. No diálogo abaixo, as jovens
do projeto TMC discutiram sobre como se sentiram excluídas em um passeio escolar
para espaços culturais no estado do Rio de Janeiro, em que foram constantemente
relembradas de que não pertenciam a estes espaços.

S: A gente foi discriminada num passeio. A gente foi visitar o Teatro Municipal.
Quando a gente estava lá no teatro, a mulher que era a guia virou para gente e falou:
“Vocês têm que tomar muito cuidado pra vocês não quebrarem as coisas”. Sem contar
os olhares para gente, como se não fosse o nosso lugar. A gente foi bem discriminada
daquela vez.
D: Nesse mesmo dia, a gente foi na Biblioteca Nacional e alguém perguntou: “Aonde é
o banheiro?”. Aí a mulher falou assim: “Eu não vou ter que falar com vocês que nem as
crianças, né? Não é para sujar e nem molhar”. Todo mundo olhou para cara um do
outro, porque todo mundo lá era adolescente do ensino médio e ela foi totalmente
discriminativa com a gente.
S: Teve um passeio para Bienal e lá tinha banheiro bonito para as escolas particulares e
tinha o banheiro que era desses banheiros químicos e ficavam no meio. Estava na chuva
e o pessoal de escola pública tinha que ir naquele, mas o pessoal de escola particular
podia ir ao banheiro que era melhor. Eu acho que a discriminação é por você ser de
escola pública, da Baixada e você ainda ser uma pessoa negra, isso tem mesmo muita
diferença para as pessoas. Na verdade, por ser da Baixada, ser de escola pública e ainda
por cima por estar num passeio pago pelo Governo.

Para discutir as vivências de discriminação e as experiências de racismo e


sexismo percebidas pelas jovens, discutiremos os conceitos de ameaça pelo estereótipo
e de microagressões. O conceito de “ameaça por estereótipo” diz respeito a como as
expectativas negativas de um grupo estigmatizado produzem o temor de que esse
estigma seja confirmado e, consequentemente, afetam o desempenho de grupos
estigmatizados em determinado domínio de conhecimento. Constitui uma sensação de
ameaça por fazer parte de um grupo que comumente é excluído de um determinado
contexto, e produz o sentimento de não pertencimento (Steele & Aronson, 1995).
A ameaça por estereótipo impacta o desempenho acadêmico de jovens mulheres
e grupos não dominantes, que apresentam baixo desempenho relacionado a disciplinas
em STEM por conta de estereótipos de gênero e de raça (Spencer; Steele; Quinn, 1999).
Em uma pesquisa com 56 homens e mulheres norte-americanos, Spencer, Steele e
Quinn (1999) aplicaram um teste de matemática informando previamente para um dos
grupos que o resultado do teste tinha diferenças de desempenho entre homens e
mulheres, e para outro grupo que o teste não tinha diferenças relacionadas ao gênero do
participante. Quando o teste foi descrito como produzindo diferenças de gênero e a
ameaça do estereótipo era alta, as mulheres tiveram um desempenho substancialmente
pior do que os homens igualmente qualificados. No entanto, quando informadas que a

202
diferença de gênero não existia e se reduzia a ameaça do estereótipo, as mulheres
tinham melhor desempenho.
Microagressões podem ser definidas como "interações breves e cotidianas que
tem significado depreciativo para pessoas de cor porque pertencem a um determinado
grupo racial" (Sue et al., 2007, p. 272, tradução nossa) e “enviam mensagens negativas
sutis e frequentemente ambíguas” (Grossman & Porche, 2014, p. 709, tradução nossa).
Grossman e Porche (2014) estudaram o papel das microagressões nas experiências de
jovens com os campos de STEM. Ao analisarem as percepções de barreiras de gênero e
raça nas STEM de 1024 estudantes norteamericanos, discutiram que embora grupos de
mulheres e de pessoas de cor tenham ambos relatados experiências de microagressões, o
apoio social percebido entre meninas e mulheres as levavam a ter aspirações científicas,
e essa associação não foi encontrada para os grupos étnicos/raciais analisados. As
percepções de falta generalizada de apoio ao desempenho acadêmico em geral para
jovens de grupos não dominantes -- como jovens mulheres negras -- podem gerar
entraves para a construção de um senso de pertencimento em STEM (Burchinal et al.,
2008).
As vivências cotidianas das jovens entrevistadas apontaram para diversas
experiências de discriminação, ameaça por estereótipo e microagressões ao longo de
suas vivências dentro e fora do contexto escolar. Longe de dar conta das inequidades e
opressões históricas que mulheres negras experienciam ao longo de suas vidas, o espaço
dos projetos orientados por equidade de gênero na educação em STEM podem ser
catalisadores de suporte acadêmico, de apoio e partilha de vivências, e um espaço
seguro onde jovens possam dividir essas vivências de isolamento, microagressão e
discriminação. Apontamos para a importância de debater amplamente nas comunidades
escolares e nos espaços acadêmicos os conceitos de viés implícito, ameaça pelo
estereótipo e microagressões, visando transformar a cultura dominante das instituições.

203
7. Estereótipos de cientistas e hábitos de consumo de informação
sobre ciência e tecnologia

O que a gente está fazendo agora é ciência. No seu doutorado, você vai falar a nossa
visão do projeto, então vai fazer parte da história (mulher, projeto TMC).

Neste capítulo, analisaremos como as jovens construíram sentido sobre a figura


de cientista. Para analisar as percepções das participantes sobre os estereótipos de
cientistas, analisamos as respostas aos questionários e as narrativas trazidas durante as
entrevistas e nos grupos focais. Sugerimos que as jovens trouxeram uma percepção
estereotipada de figura de cientista – ainda que tivessem elementos como colaboração e
sociabilidade – que, nos grupos focais, foi ressignificada, atribuindo características
como paixão e interesse à profissão. Discutimos as percepções iniciais das jovens sobre
cientistas de áreas distintas, as expectativas sobre o grau de dificuldade ou de facilidade
para seguir a carreira e o desejo de se tornarem (ou não) cientistas.
Como as jovens construíam sentido sobre a figura de cientista foi uma das
perguntas norteadoras da pesquisa. Os estereótipos sobre a figura de cientista, sobre
quem pode ou não produzir conhecimento científico, parece ser uma das principais
(des)motivações para jovens mulheres e demais grupos minoritários optarem por seguir
a carreira acadêmica e se sentirem pertencentes a esse espaço. Para analisar as
percepções das participantes sobre os estereótipos de cientistas, analisamos as respostas
à dimensão (iii) do questionário (“Significados e imagens atribuídas à ciência e aos
cientistas”), as narrativas trazidas durante as entrevistas e nos grupos focais.
Na segunda parte do capítulo, discutimos as respostas às dimensões (ii)
“Consumo e hábitos informativos de C&T” do questionário, no que diz respeito à
frequência de visitação à espaços científicos culturais e hábitos de consumo informativo
sobre ciência e tecnologia. Ao final, analisamos as falas das participantes sobre as
percepções acerca das mulheres nas ciências, e suas visões sobre movimentos feministas
dentro deste contexto.

204
7.1. Estereótipo de cientistas: questionários e entrevistas

As principais características associadas aos cientistas nos questionários (Gráfico


8), foram aquelas relacionadas à dedicação ao trabalho – “gostarem muito de trabalhar”;
à intelectualidade – “serem muito inteligentes”, “serem lógicos e racionais” e
“aprenderem rapidamente coisas novas”; à criatividade – “serem criativos”; e à
sociabilidade – “gostarem de cooperar e colaborar”, “serem organizados” e “pensarem
muito em suas famílias”.
Nas entrevistas iniciais, quando questionadas sobre “quando você pensa em
alguém que faz ciência, como é essa pessoa?”, as participantes descreveram como
imaginavam as/os cientistas a partir de nove características principais: altruístas; muito
inteligentes; distantes da sociedade; homens; pessoas brancas; criativas; sociáveis;
estudiosas; e comuns, que discutiremos a seguir.

Gráfico 8: Características associadas à figura de cientista a partir das respostas “provável” e


“muito provável” às afirmações contidas no questionário (n=73) (Fonte: Elaboração própria).
Quando eu penso nos cientistas...

Gostam muito de trabalhar 100%


São muito inteligentes 99%
São criativos 99%
Aprendem rapidamente coisas novas 99%
São muito lógicos e racionais 97%
São honestos 96%
Gostam de cooperar e colaborar 95%
São organizados 93%
Gostam de competir 88%
Pensam muito em suas famílias 86%
Divertem-se com seus colegas de trabalho 85%
Passam quase o tempo todo sozinhos 64%
São vaidosos 56%
Não gostam de festas e de vida social 51%
São esquisitos 49%
Em geral não são muito atraentes 47%
Não têm muitos amigos 42%
Não costumam ter um casamento feliz 34%
Não sabem muito bem o que acontece no mundo 12%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90%100%

205
7.1.1. Altruístas

A percepção de cientistas como pessoas altruístas agrupou falas que faziam


menção a ser pessoas que fazem o bem para a humanidade, que não pensam em dinheiro
e que trabalham por amor, como na fala a seguir.

Quando eu penso em ser cientista, eu penso que fazer ciência seria estudar para a
humanidade evoluir na ciência e ajudar as pessoas (mulher, 14 anos, parda, projeto
MOI).

Esta percepção está presente no imaginário social brasileiro da figura de cientista


nas surveys realizadas em nível nacional em 2010, 2015 e 2019, nas quais a visão
preponderante é a de “pessoas inteligentes que fazem coisas úteis à humanidade”. Ainda
que esta visão estereotipada seja majoritária, foi observada uma queda nesta percepção
ao longo do tempo, respondida por, respectivamente, 55,5%, 52% e 41% das amostras
em cada pesquisa, e um aumento na porcentagem de respondentes para a afirmativa
sobre a imagem de cientista como “pessoas comuns com treinamento especial”, com
uma percepção menos estereotipada (CGEE, 2019).

7.1.2. Inteligente, isolado socialmente, criativo e masculino

Diversos estudos acerca da percepção pública da ciência apontam que a figura


de cientista é associada constantemente a uma pessoa genial e com inteligência acima
da média (ver, por exemplo, Mead & Métraux, 1957; Weingart et al., 2003; Pansegrau,
2008; Steinke et al., 2011; Reznik et al., 2017; Bian et al., 2017). Nas entrevistas com
as jovens, esta percepção esteve presente em diversas falas, como nos exemplos abaixo.

Para pensar em uma coisa que ninguém pensou tem que ser muito inteligente (mulher,
14 anos, parda, projeto MOI).

Alguém muito incrível, muito super-herói, eu acho que eu não teria a capacidade de
ficar estudando só aquilo (mulher, 16 anos, parda, projeto TMC).

Demais visões estereotipadas apareceram na percepção de cientistas como


pessoas distantes da sociedade, como “uma pessoa geralmente sozinha, que tem poucos
amigos, porque ela precisa de tempo para se concentrar, para estudar e que não tenha

206
muita vaidade e seja muito focada no trabalho (mulher, 14, branca, projeto MOI)”, e
como pessoas do gênero masculino, como na fala a seguir.

No começo eu definiria que era um negócio mais para os meninos, sabe? Porque sempre
tem uma influência masculina na robótica e não tem quase nenhuma influência
feminina, não tem nada. Não tem nenhuma mulher cientista famosa, entendeu? (mulher,
14, branca, projeto MOI).

No trecho acima, a jovem do projeto MOI menciona a falta de representatividade


na fala: “não tem nenhuma mulher cientista famosa”, referindo-se especificamente à
área de robótica, desenvolvida ao longo do projeto MOI, inserido na área de exatas,
tecnologias e engenharias, que tem historicamente maior presença masculina (Barros &
Mourão, 2018). Assim como observado na resposta ao questionário, nas entrevistas,
destacaram-se as características de criatividade, ao descrever o/a cientista como uma
pessoa com grande capacidade de imaginação:

Pessoa muito imaginativa, porque para você fazer novas descobertas você tem que ir
além daquilo que é concreto. Você tem que ir além, sabe? Imaginar algo que nunca
viram antes. Então eu acho que a pessoa, além de ser inteligente, tem que ser muito
imaginativa, muito criativa (Y, mulher, 16 anos, branca, projeto TMC)

A visão de uma pessoa estudiosa e dedicada surgiu tanto como unanimidade na


resposta provável/muito provável à afirmação “quando penso nos cientistas...gostam
muito de trabalhar”, como nas entrevistas, no trecho a seguir.

Eu acho que é uma questão de estudo, essa pessoa tem que ser muito estudiosa. Eu acho
que uma pessoa que trabalha com ciência, ela não pode ficar parada, ela não pode parar
de estudar. Penso numa pessoa muito estudiosa em si (mulher, 14, branca, projeto
MOI).

7.1.3. Sociabilidade e colaboração

Das características destacadas nos questionários, vemos a presença de atributos


relacionados à colaboração e sociabilidade, que comumente não estão associados ao
imaginário social da figura de cientista. A pesquisadora Amanda Diekman e colegas
(2011) apontam que as mulheres afirmam com mais frequência do que os homens ter
“objetivos comunitários”, definidos como colaboração ou ajuda aos outros. Há uma
visão estereotipada que retrata muitas carreiras nas áreas de STEM como competitivas e
não colaborativas, e a incompatibilidade resultante entre os objetivos comunitários e as

207
percepções nesses campos levariam a uma diminuição do interesse de jovens mulheres
pelas carreiras científicas (Diekman et al., 2010; Wegemer & Eccles, 2019). A despeito
da visão estereotipada de cientistas como pessoas competitivas, a associação feita pelas
jovens neste estudo de que cientistas seriam pessoas colaborativas pode sugerir uma
identificação delas com a figura de cientista.
A partir das entrevistas, algumas jovens relataram percepções sobre a figura de
cientistas que também fizeram um contraponto ao estereótipo preponderante no
imaginário social, com a identificação de cientistas como pessoas sociáveis e “pessoas
como a gente”, como nos trechos a seguir.

Tem que trabalhar porque tem que estudar muito, só que isso não impede o fato de ter
amigos, até porque discutir com outras pessoas o que você pensa, é legal (mulher, 14
anos, parda, projeto MOI).

Na visita ao Instituto de Matemática Pura e Aplicada, uma jovem do projeto


MOI relatou que “estranhou” quando viram pessoas comuns, similares a elas, e que
eram cientistas:

Antes de a gente ir no IMPA [Instituto de Matemática Pura e Aplicada], a gente achava


que eles eram nerd e ficavam só estudando, mas eles são pessoas como a gente. Aí a
gente estranhou muito quando chegou lá, que a gente achou que eles estavam de visita
também (mulher, 15, parda, projeto MOI).

Esse momento de surpresa relatado pela jovem e de repensar o estereótipo de


cientistas a partir da visita a institutos de pesquisa, onde as jovens podem se ver em
espaços de produção de conhecimento científico indicam a potencialidade dessas
estratégias para reconfiguração do imaginário acerca de quem pode ou não produzir
ciência.

7.1.4. Invisibilidade de pessoas negras

A jovem do projeto QUI narrou a ausência e invisibilidade de pessoas negras na


ciência, quando menciona que “sempre há uma pessoa branca” e que “nunca chegou a
ver uma cientista negra, do cabelo crespo”, como no trecho a seguir:

Sempre há uma pessoa branca, de estatura mediana, cabelo liso, que usa óculos. Sempre
é assim. Eu nunca cheguei a ver uma cientista negra, do cabelo crespo, maior

208
empenhada. Nunca vi. Pelo menos na minha visão, é assim, infelizmente (mulher, 16
anos, branca, projeto QUI)”.

A ausência de corpos negros nas ciências e, principalmente, nas áreas de STEM


no Brasil, é uma questão problematizada por diversas/os autoras/es, como, por exemplo,
Alves-Brito (2020) e Rosa, Alves-Brito e Pinheiro (2020). As autoras e o autor
questionam como a comunidade de pesquisadoras/es em educação e divulgação
científica tem se posicionado em relação ao que valorizam como corpo de conhecimento
legítimo. Em um país como o Brasil, em que a maioria da população é negra, é ainda
maia grave ter uma educação em ciências que desconsidere conhecimentos não
dominantes:

Ao omitir a diversidade de formas de construção de conhecimento, privilegiar uma


racionalidade eurocêntrica e não promover produções científicas realizadas por pessoas
negras, indígenas e de outros grupos étnico-raciais marginalizados, a educação em
ciências é instrumento de manutenção de visões eurocêntricas do conhecimento. Um
espaço escolar que supervaloriza os trabalhos feitos por um grupo racial e diminui ou
omite o que é feito por outros grupos, não se torna propício para o desenvolvimento de
identidades científicas (Rosa; Alves-Brito; Pinheiro, 2020, p. 1455).

Alves-Brito (2020) denuncia o racismo científico, institucional e estrutural que


atua no silenciamento e apagamento de corpos negros nas áreas de física e astronomia,
nomeando a posição de “não lugar” e de invisibilidade de seus corpos. Ao argumentar
sobre a necessidade de visibilizar a produção científica de pessoas negras para
construção do conhecimento, o autor reivindica um lugar de presença legítima: “essas
histórias precisam sair dos escombros da memória coletiva; elas precisam ganhar os
museus, os centros de ciências, as escolas, as universidades, as mídias, as ruas, todos os
territórios materiais e simbólicos” (Alves-Brito, 2020, p. 834).
Além dos estereótipos acerca de figura de cientista, as jovens relataram o que
pensavam sobre a prática científica.

7.2. Percepções sobre a prática científica

Nas entrevistas iniciais, quando questionadas sobre o que vinha à mente ao


pensar em ciência, diversas concepções sobre a prática científica apareceram nas
narrativas das jovens, como conhecimento baseado em fatos; ciência integrada ao
cotidiano; ciência como busca de solução; ciências exatas como difíceis; desvalorização
da ciência como profissão; e ciência como questionamento.

209
A percepção de ciência como conhecimento baseado em fatos é destacada na
fala a seguir, quando a jovem relaciona conhecimento científico às diversas áreas de
conhecimento e ao embasamento em evidências.

Ciência abrange tudo o que você baseia o seu conhecimento em alguma coisa, não tipo
em comportamentos em si, mas em fatos, eu acho que é ciência. Eu acho que física é
ciência, matemática é ciência, mas eu também acho que história é ciência, por exemplo,
porque foi baseada em fatos que já aconteceram. Eu acho que tudo que se baseia em
alguma coisa tangível, eu acho que é ciência (mulher, 14 anos, branca, projeto MOI).

Uma visão positiva e altruísta da ciência apareceu em várias falas das


entrevistadas, que associaram a prática científica à busca pela solução de problemas.

Pesquisa eu acho que é você achar uma solução para algum problema do nosso
cotidiano que a gente tem como resolver só que você tem que fazer uma pesquisa para
que aquilo ser resolvido. Acho que é isso, entendeu? É um problema que é do nosso
cotidiano e que muitas vezes a gente nem percebe que é uma coisa tão fácil de se
resolver e com a pesquisa a gente consegue resolver isso (mulher, branca, 17 anos,
projeto MCE).

Eu gosto sempre de dizer que, para mim, as humanas são as ciências que já estudaram o
que o ser humano já fez e as exatas estudam, te dão capacidade de descobrir coisas
ainda. Então você pode ter como prosseguir. Quando eu vejo a pesquisa científica eu
vejo como ela é capaz de mudar, como você pode criar novas tecnologias e facilitar e
melhorar o convívio humano e melhorar até o local que a gente vive em questão de
natureza, de meio ambiente (mulher, branca, 15 anos, projeto MCE).

No relato a seguir, ao associar a ciência como uma atividade com intuito de


salvar pessoas e ajudar o mundo, a participante descreve a prática científica como uma
“maneira de realmente fazer mágica”. Esta visão de ciência transmite uma imagem
descontextualizada, de modo que os processos e métodos do fazer científico não
aparecem. Quando a jovem argumenta que “eles pegam coisas do nada e transformam
em tudo”, há um reforço da visão de que não há um processo envolvido nesta atividade,
destituindo-o de história e de contexto. Esta visão de ciência como mágica, e como
transformação da natureza tem origens remotas, como argumenta Castelfranchi (2003),
ao remontar uma paleontologia do conhecimento científico e descrever três principais
dilemas associados ao imaginário social da ciência: o conhecimento como poder, o
controle do conhecimento e suas aplicações e a manipulação e transformação da
natureza.

210
Aprender coisas novas, descobrir tratamentos para doenças, descobrir uma maneira de
ajudar o mundo, uma maneira de ajudar as pessoas, uma maneira de realmente fazer
mágica, que é o que eles fazem. Eles pegam coisas do nada e transformam em tudo. Às
vezes é o salvamento de alguém (mulher, 17 anos, projeto QUI).

Nas falas a seguir, a percepção de ciência como uma atividade altruísta, que
envolve amor, paixão e melhorar a vida das pessoas apareceu juntamente com a visão
de uma profissão desvalorizada e de baixa remuneração, assim como a rejeição a uma
visão vaidosa de cientista, expressa no trecho “não é só fazer descobertas, ganhar
prêmios e ser elogiado, pra mim tem a ver em melhorar a convivência entre as pessoas”.

Quando você estuda a ciência você tem capacidade de prosseguir descobrindo mais,
inventando mais e melhorando cada vez mais a vida das pessoas. Eu sou muito curiosa,
eu adoro descobrir o motivo de tudo: "Por que é assim? Por que é de tal jeito?". Então
eu amo a ciência, eu amo pesquisar e aprender mais. Eu quero poder compartilhar o
meu conhecimento e usar o que eu já tenho para criar melhorias para as pessoas, sabe?
Quando eu penso na ciência, eu penso muito nos outros porque não é só fazer
descobertas, ganhar prêmios e ser elogiado, para mim tem a ver em melhorar a
convivência entre as pessoas, sabe? Melhorar nosso dia a dia e facilitar as coisas
(mulher, branca, 15 anos, projeto MCE).

Eu acho que para trabalhar com ciência você não pode pensar em dinheiro porque não é
uma área muito valorizada. Então eu acho que uma pessoa que trabalha com ciência ela
trabalha por amor. Eu acho que é muito uma questão de gostar da área, não é muito "ah,
não. Vou trabalhar com ciência porque eu quero ganhar muito dinheiro" porque essa
não é uma área muito reconhecida realmente (mulher, branca, 14 anos, projeto MOI).

A percepção de que a ciência está presente no cotidiano apareceu em diversas


falas das participantes, como nos exemplos a seguir.

Nossa! A matemática está em tudo! É muito bom! (mulher, 15 anos, parda, projeto
MOI)

Não tem como definir ciência. Ciência é tudo! Tudo foi construído a base de ciência.
Tipo assim, não tem como, não consigo nem explicar. Eu gosto muito. Não consigo
explicar porque, para mim, tudo é ciência, a roupa que a gente está vestindo foi uma
forma e tal. Tudo. Não tem como explicar (mulher, 16 anos, branca, projeto QUI).

Uma das jovens mencionou ainda o caráter questionador da prática científica:


“ciência é uma coisa que questiona, né. Nada está certo na ciência. Não tem certo ou
errado” (mulher, 14 anos, branca, projeto TMC).

211
7.3. Paixão, interesse, curiosidade e persistência: análise dos grupos
focais

Nos grupos focais, o diálogo estabelecido entre as jovens denotou uma


percepção menos estereotipada da profissão de cientista, em muitos momentos, com a
identificação delas com a atividade e com a figura de cientista. Com relação às
características atribuídas a cientistas que mais se sobressaíram nas falas foram paixão,
interesse, curiosidade e persistência. A fala que introduz o capítulo, na qual uma das
jovens identifica esta pesquisa de doutorado como ciência sugere que elas incorporaram
uma compressão mais ampla e desmistificada sobre a prática científica, como neste
trecho a seguir.

O que a gente está fazendo agora é ciência. No seu doutorado, você vai falar a nossa
visão do projeto, então vai fazer parte da história. A gente faz ciência todos os dias,
quando a gente descobre alguma coisa nova na escola ou com os amigos (mulher,
projeto TMC).

Quando trazem falas sobre o estereótipo clássico do cientista, o fazem com um


olhar crítico de que estas características são parte de um estereótipo, que não
necessariamente se relacionam com as características de pessoas comuns que fazem
ciência, como no trecho a seguir.

Ah, eu achava... quando eu era criança... O cientista é aquele de óculos, cabelo


arrepiado, uma faixa com um disco aqui. Estereótipo total (mulher, projeto MCE).

Ter paixão e curiosidade foram características que apareceram em muitas das


falas das jovens, envolvidas nos diferentes projetos, sobre a profissão de cientista. Uma
das participantes argumentou, por exemplo, que, para ser cientista, não era necessário
ter uma característica, mas ter paixão pela profissão: “eu acho que você não precisa ter
uma característica. Eu acho que você precisa ter paixão pelo que você faz (mulher,
projeto TMC)”. Nesta fala, identificamos uma percepção de que a ciência estaria
acessível para pessoas diversas, que se identificassem e gostassem da área de
conhecimento envolvida. De forma similar, uma participante do projeto MCE
argumentou que, para ser cientista, é preciso “ter amor ao que você faz” (mulher,
projeto MCE).

212
No grupo focal no projeto TMC, esta característica apareceu em vários diálogos
entre as jovens, nos quais associaram a prática científica com a escolha de um caminho
de interesse quando questionadas sobre qual característica é preciso ter para se tornar
um cientista ou uma cientista, como ilustrada nos diálogos a seguir.

J1: A paixão, né?


J2: Curiosidade
J3: Querer buscar. Você tem que ter a curiosidade de conhecer. Então eu acho que, se
você quer ser uma pesquisadora, se você quer ser um cientista, então você tem que
querer, você tem que se interessar, você tem que se apaixonar por aquilo que você faz.
Por que de que adianta você seguir um caminho e que não foi você que escolheu?
(projeto TMC)

J1: Quando a gente procura, está interessado no assunto que a gente não conhece.
Precisa querer também.
J2: Interesse.
J3: Ter interesse.
J2: Querer. Primeiro a pessoa tem que gostar, né, para fazer.
J3: Gostar muito.
J1: Acho que o interesse na área (projeto TMC)

Neste mesmo grupo, uma das estudantes associou o caminho que deseja seguir
como professora de História com as características atribuídas à profissão de cientista de
forma geral, como curiosidade e desejo. É interessante notar como a estudante se
enxerga como pesquisadora a partir das associações presentes em sua fala.

Por isso que eu falei de história. Foi aquilo que brilhou meus olhos. Por mais que eu vou
chegar na sala de aula e muitas das vezes as pessoas vão estar dormindo, eu sei que é
uma coisa que vai satisfazer a minha alma e a minha vontade de tá aqui perto, de estar
ajudando, de estar transformando. Eu sei que vai me deixar feliz, me satisfazer de
alguma forma e é uma coisa que vai muito da minha curiosidade como pessoa,
entendeu? Acho que a curiosidade leva a gente a pesquisar coisas novas (mulher,
projeto TMC).

Ainda sobre a paixão como atributo de uma pesquisadora ou pesquisador, uma


das jovens argumentou que “ser apaixonado por aprender mais é o que vai te fazer um
excelente cientista (projeto TMC)”, destacando a paixão, desejo e interesse como
características marcantes da atividade no trecho a seguir.

Ah, eu acho que curiosidade e paixão também são muito importantes porque a ciência,
ela é a pesquisa e a pesquisa é você aprender mais, descobrir mais. Então eu acho que é
você ser apaixonado por aprender mais, acho que vai te fazer um cientista excelente.
Tipo, às vezes a gente aprende coisas por aprender, mas às vezes a gente aprende coisas

213
porque a gente quer. Então acho que tem muito disso, de você querer descobrir mais,
fazer pesquisas boas. Então acho que tem muito disso também (mulher, projeto TMC).

Ter persistência e dedicação também foram atributos identificados com a figura


de cientista e a concentração apareceu, em uma das falas, como algo que afastaria as
jovens de se verem neste papel social, como nesta fala abaixo:

Tem que ter muita concentração, porque eu, por exemplo, sou uma pessoa muito
desastrada (mulher, projeto MCE).

7.4. Diferentes áreas, distintas visões

Buscamos comparar as características atribuídas a cientistas de diferentes áreas


de conhecimento, exemplificando um/a cientista da área de ciências da vida (“cientistas
que estudam a cura do câncer”), da área de ciências exatas (“cientistas que estudam o
universo”), da área de ciências humanas (“cientistas que estudam o fenômeno social da
pobreza”) e da área tecnológica (“cientistas que desenvolvem robôs”) (Gráfico 9). Esta
questão foi adaptada da survey “O que os jovens brasileiros pensam sobre ciência e
tecnologia?” (Massarani et al., 2021), realizada em 2019, que investigou de forma
inédita nas pesquisas sobre percepção pública da ciência as diferentes concepções por
áreas de conhecimento – com exceção da modalidade da área tecnológica, que foi
acrescida neste trabalho.
As jovens associaram todos os perfis a pessoas muito inteligentes, que tem um
trabalho interessante e que provavelmente não passam muito tempo sozinhos. No
contexto nacional, Massarani e colaboradores (2021), analogamente à pesquisa com as
jovens participantes dos projetos, identificaram que os jovens brasileiros atribuíram a
característica de inteligência a todos os tipos de cientistas apresentados. Os tipos de
cientistas da área de exatas e tecnológicas foram percebidos como os que têm menos
chance de acreditar em Deus e menos chance de serem mulheres, de forma similar aos
dados obtidos pela survey em contexto nacional (Massarani et al., 2021). Com relação a
“pensar em ganhar muito dinheiro”, há uma tendência a considerar que é provável que
os cientistas da área tecnológica pensem em ganhar dinheiro e pouco provável que
cientistas das humanidades sejam associados a esta característica. Cientistas que
estudam o fenômeno social da pobreza foram atribuídos aos que têm menos chance de
passar muito tempo sozinhos, de usar palavras que ninguém entende e de pensar muito
em ganhar dinheiro, e, ainda que baixa, maior probabilidade de serem mulheres.
214
Gráfico 9: Características associadas pelas participantes a cientistas de diferentes áreas de
conhecimento a partir das afirmações do questionário (Fonte: Elaboração própria).
80

70

60

50

40

30

20

10

0
São muito Passam muito Têm um Acreditam em Usam palavras Pensam em São mulheres
inteligentes tempo trabalho Deus que ninguém ganhar muito
sozinhos interessante entende dinheiro

Estudam o universo Estudam o fenômeno social da pobreza


Estudam a cura do câncer Desenvolvem robôs

7.5. Entre se tornar e querer ser

Com relação às expectativas das jovens sobre o grau de dificuldade ou de


facilidade para seguir a carreira de cientista, 76% das respondentes afirmaram que seria
difícil ou muito difícil se tornarem uma cientista, 10% consideraram que seria fácil e
14% não saberia dizer (Gráfico 10). Apesar da expectativa de uma trajetória
desafiadora, 63% das jovens afirmaram que gostariam ou que gostariam muito de
trabalhar como cientista enquanto 22% declararam que gostariam pouco ou não
gostariam de seguir essa carreira (Gráfico 11).

215
Gráfico 10: Expectativas das participantes sobre grau de dificuldade ou facilidade em seguir a
carreira de cientista (n=73) (Fonte: Elaboração própria).

Você acredita que para você se tornar cientista seria...


Não sei dizer
14%

Fácil Muito difícil


10% 23%

Difícil
53%

Gráfico 11: Expectativa das participantes sobre grau de desejo em trabalhar como cientista
(n=73) (Fonte: Elaboração própria).
Você gostaria de trabalhar como cientista?
Não gostaria
6% Gostaria
Não sei pouco
dizer 16%
15%

Gostaria
muito
27% Gostaria
36%

7.6. Participação e acesso

A participação e acesso a bens culturais e naturais pode ser medida a partir do


indicador de visita a diversos espaços – como museus de arte, museus de ciência e
tecnologia, bibliotecas, jardins zoológicos, aquários, reservas e parques naturais ou
ambientais, ou participação nas atividades da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia
e feiras de ciência. As probabilidades de participação são consideravelmente reduzidas
em centros urbanos menores, entre os idosos e, principalmente, nos grupos sociais mais
vulneráveis em termos de capital escolar e nível socioeconômico (Polino &
Castelfranchi, 2019).

216
Das 73 respondentes aos questionários sobre percepção pública da ciência, 23
jovens (cerca de 17%) responderam que não visitaram espaços científicos culturais com
a família nos doze meses anteriores à pesquisa (Gráfico 12). Das que responderam
afirmativamente, os espaços mais frequentados foram jardim botânico (26), museus de
arte (22) e biblioteca (20). Visitaram ainda museus de ciência (12), jardim zoológico
(12) e feiras de ciências e olimpíadas (11). Quando questionadas pelos motivos pelos
quais não visitaram centros e museus de ciência (Gráfico 13), os principais motivos
declarados foram que não tiveram tempo (13), não sabiam onde existem esses centros
ou museus (12), que não tinham dinheiro para ir (8), que não estavam interessadas (7)
ou que ficavam muito longe (7). As afirmativas sobre os motivos para não visitação
estavam pré-definidas no questionário, porém as jovens poderiam relatar outra
motivação não descrita na categoria “Outros”. Nesta alternativa, jovens descreveram
que não visitaram por estudar em escola em período integral, pelos pais não terem
tempo livre e pela família não demonstrar desejo em levá-las.

Gráfico 12: Visitação a espaços científico culturais nos doze meses anteriores à pesquisa com a
família (Fonte: Elaboração própria).

Jardim botânico 26
Nenhum 23
Museu de arte 22
Biblioteca 20
Museu de ciência 12
Jardim zoológico 12
Feira de ciências/olimpíadas 11
SNCT 0
0 5 10 15 20 25 30

217
Gráfico 13: Principal motivo de não visitação a museus e centros de ciência (Fonte: Elaboração
própria).

Não teve tempo 13


Não sabe onde existem esses centros ou museus 12
Não tem dinheiro para ir 8
Não está interessada 7
Ficam muito longe 7
Não me vem a memória ir 2
Não existem em sua região 2
Porque eu não dependo de como ir, e não tive… 1
Por eu estudar em uma escola em horário integral 1
Meus pais não tem muito tempo livre 1
Minha família não quer me levar 1
0 2 4 6 8 10 12 14

7.7. Hábitos de consumo informativo sobre ciência e tecnologia

Em relação ao consumo de informações sobre ciência e tecnologia, as jovens


declararam, de forma geral, consumir com pouca frequência este tipo de informação,
uma vez que foi grande o número de respondentes à afirmação de que nunca ou quase
nunca – 1 ou 2 vezes durante 30 dias – assistiram, leram, escutaram ou conversaram
sobre ciência (Gráfico 14). Como discutido por Polino e Castelfranchi (2019), ter
interesse não significa necessariamente ler, participar e consumir conteúdos de ciência,
de modo que declarar interesse sobre temas de ciência diz respeito à percepção de
relevância social e da autoridade cultural e epistêmica do conhecimento científico.

Gráfico 14: Hábitos de consumo informativo sobre ciência e tecnologia (Fonte: Elaboração
própria).
80

60 24 17
28

40 60 31
33 41
20
10 24
12 8
0 3
Assistiu sobre C&T Leu sobre C&T Escutou sobre C&T Conversou sobre C&T

Nunca ou quase nunca (1-2 vezes ao longo do mês)


De vez em quando (3-10 vezes ao longo do mês)
Frequentemente (várias vezes ou quase todo dia)

Quando questionadas sobre consumo de informações sobre ciência no mês que


antecedeu a pesquisa, conversar com amigos e familiares sobre ciência e tecnologia foi
218
o hábito mais frequente, de modo que 24 jovens afirmaram que conversaram várias
vezes ou quase todo dia com amigos e familiares sobre o tema. Quarenta e cinco jovens
afirmaram que assistiram, frequentemente ou de vez em quando, a programas/vídeos, na
TV e online, sobre ciência e tecnologia. O hábito de ler sobre ciência em livros, jornais,
revistas ou on-line foi declarado, de forma frequente, por oito jovens e, de forma
eventual, por 41 jovens. Em contraponto, 60 jovens declararam que nunca ou quase
nunca escutaram podcast ou programas de rádio sobre o tema no mês que anterior à
pesquisa. De forma similar, no survey “O que os jovens brasileiros pensam da ciência e
da tecnologia” (Massarani et al, 2021), as formas mais frequentemente utilizadas pelos
jovens para se informar sobre C&T foi assistir a programas ou vídeos na TV e online
(52% dos entrevistados), leituras em veículos impressos ou virtuais (51%) e conversas
com amigos e familiares (51%).
Em nosso questionário, as jovens declararam que, quando acessaram à
informações sobre ciência e tecnologia pela Internet, o meio mais usado foi o Youtube
(55), seguido do Instagram e do Google (que foi adicionado como opção pelas
respondentes na categoria “Outros”) (Gráfico 15).

Gráfico 15: Meios usados para acessar informações sobre C&T (Fonte: Elaboração própria).

Youtube 55

Instagram 25

Outro: Google 17

Twitter 15

Facebook 15

Whatsapp 14

Não acessa 6

0 10 20 30 40 50 60

219
7.8. Percepções sobre mulheres nas ciências e sobre feminismos

Com relação às percepções sobre mulheres nas ciências, categorizamos as falas


das jovens em (i) percepções sobre desempenho nas exatas; (ii) processo de
socialização de meninos e meninas; (iii) percepções sobre a falta de oportunidade e de
incentivo para mulheres; e (iv) sobre o avanço das mulheres nessas áreas.
A associação das áreas científicas, especialmente o campo da matemática, com a
figura masculina ocorre desde os primeiros anos escolares (ver, por exemplo, Bian et
al.., 2017). Este estereótipo não condiz com a performance e as habilidades de meninas
e meninos na educação em matemática e ciências. A diferenças de gênero nos resultados
de aprendizagem apresentam um cenário diverso, que varia conforme a disciplina
mensurada, o nível de ensino e faixa etária das/os estudantes, e a localização geográfica
(Unesco, 2018). Segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos
(Pisa), em 2015, na análise dos resultados de 70 países acerca do desempenho de jovens
de 15 anos, identificou-se um panorama equânime: cerca de um terço dos países
participantes, não apresentaram diferenças de gênero no desempenho em ciências, e, nos
demais países, a disparidade de gênero se dividia de forma similar, sendo 34% dos
países com melhor desempenho de meninos e 31% com desempenho favorável de
meninas (Unesco, 2018).
A percepção de que os meninos se destacariam na área de matemática apareceu
em uma das falas das jovens, assim como, em contraponto, a percepção de que as
meninas teriam melhor desempenho até determinada idade, em outra fala,
exemplificadas a seguir.

normalmente quem é mais ligado na área de exatas são os homens, querendo ou não
quem é o mais inteligente em física, em matemática, quem se destaca são os meninos.
Na minha sala, por exemplo, quem se destaca nessas matérias são três garotos: um em
matemática e dois em física. Então, as meninas acabam não tendo muito interesse, sabe?
Tem duas que salvam, mesmo assim o resto da turma é voltada para humanas (mulher,
16 anos, parda, projeto TMC).

Em contraponto, algumas das participantes destacaram o bom desempenho das


meninas, e na argumentação sobre, apesar de serem capazes, existir uma falta de
oportunidades e de incentivo para as mulheres, como exemplificado nos trechos abaixo.

220
Eu já vi pesquisas na internet [risos] dizendo que até os doze anos as mulheres
geralmente têm um melhor desempenho em matemática. Então por isso eu acredito que
as mulheres sejam melhores (mulher, 14, parda, projeto MOI).

Eu acho que eles têm capacidades iguais. É a falta de oportunidade para as mulheres.
Por isso que tem tantos homens na área das exatas e poucas mulheres, porque elas não
têm muita inspiração, entendeu? Sempre botaram elas para baixo, que não iam
conseguir, que lugar de mulher é na cozinha (mulher, 14 anos, branca, projeto MOI).

Como as normas sociais e culturais de gênero tem influência no processo de


socialização e na construção de estereótipos de feminilidades e masculinidades também
foi discutido pelas jovens envolvidas no projeto. Na fala a seguir, a jovem descreve as
trajetórias das amigas inseridas na lógica do sistema patriarcal e da divisão sexual do
trabalho, em que, desde cedo, as meninas teriam atribuições domésticas e com a família,
e não seriam incentivadas a investirem no caminho profissional e nas áreas científicas.

A menina conforme vai crescendo - eu observei muito isso nas minhas amigas - ela vai
colocando na cabeça, no geral, na minha experiência, que ela tem que se casar, que ela
tem que arrumar um namorado e tal. E não só isso, tem muito aquele pensamento de
dona de casa, diferente dos garotos que tem muito mais facilidade. Às vezes elas
pensam que a área não é para elas, elas começam a se interessar por outros assuntos que
não é ciências, não são incentivadas a gostar de ciências. Eu, por exemplo, lembro de
amigas minha que desde pequenas já lavavam louça e os meninos não, os meninos já
eram incentivados a outras questões. Então você tem essa diferença na criação, no
machismo, então vai desmotivando as meninas a estudar a área das exatas. Eu, por
exemplo, amo e observo que eu sou melhor em exatas do que muitos garotos, porém eu
percebo que eles têm mais facilidade que eu, alguns, não todos, mas também por esse
incentivo (mulher, 15 anos, branca, projeto MCE).

Uma das jovens relata a percepção de que há avanços e conquistas para as


mulheres nos últimos anos, com diminuição das disparidades de gênero e mulheres em
posições de maior prestígio na ciência, no trecho a seguir.

Se fosse há uns cinco anos, eu acho que a diferença era bem visível. Hoje em dia eu
acho que ainda não está igual, mas eles fazem as mesmas coisas, o salário às vezes não
é o mesmo, mas as mulheres estão cada dia lutando por isso, cada vez mais presentes
nisso, nos seus direitos e eu acho isso bem legal. Acho que, se a gente for ver agora, as
mulheres estão mais no comando da ciência do que os próprios homens (mulher, 17
anos, projeto QUI).

Em momento de emergência de pautas feministas no ambiente estudantil, muitas


estudantes das escolas trouxeram visões embasadas sobre feminismo e sobre as lutas
das mulheres por direitos. Dentre as definições e visões de feminismos elaboradas pelas
jovens, destacaram-se a percepção de feminismo como conquistas históricas das
mulheres, como construção de liberdade, como ativismo, como união e coletividade,

221
como escolhas individuais e como transformação social. Nos trechos a seguir, as jovens
destacam o caráter de coletividade e união feminina na luta por igualdade de gênero.

Feminismo, para mim, eu lembro de união assim. Nossa! E é muito importante isso
porque a gente vê as mulheres brigando normalmente. Só que assim, essa causa ela é
junta porque muitas vezes as meninas brigam por motivos bem aleatórios. E quando fala
de feminismo está todo mundo junto, independente (mulher, 15 anos, parda, projeto
MOI).

Feminismo, para mim, é uma forma das mulheres se unirem e lutarem pela igualdade
(mulher, 13 anos, parda, projeto MCE).

O debate acerca da luta feminista foi levantado ainda a partir do diálogo que as
estudantes tinham com seus familiares. Na fala a seguir, uma das jovens argumenta que
é importante ter uma boa comunicação e entendimento com os pais para assuntos
relativos à assédio, discriminação e desigualdades, de modo a questionar as normas
sociais e culturais de gênero.

Acho que pode ser ótimo da gente ver como podemos nos superar, podemos atingir
níveis altíssimos e como o poder feminino pode ser bom para gente se ajudar. Eu
observo que muitas meninas têm dificuldade de falar sobre feminismo, sendo que não
deveriam ter, sabe? Poxa, infelizmente é a nossa realidade e a gente tem que lutar contra
isso [Entrevistadora: Por que você acha que elas têm dificuldade de falar sobre isso?] Eu
sou privilegiada no sentido cultural. Meus pais não são ricos, mas eu tive muita
formação. E meus pais sempre entenderam a questão do feminismo, sempre me
incentivaram. Minha mãe sempre me incentivou. E não é toda jovem que recebe esse
incentivo, pelo contrário, desde pequenas muitas delas são discriminadas. Eu no colégio
público conheci amigas que já foram abusadas. Então desde pequenas se cria aquele
entendimento de que o homem é superior, mas sem perceber totalmente. E também não
se questionam sobre isso: "por que a realidade é assim?". Então muitas vezes as
mulheres não percebem, não querem assumir ou acham que vai ser mimimi: "ah, não!",
então acaba ficando assim (mulher, 15 anos, branca, projeto MCE).

As jovens estudantes de Ensino Médio tanto na pesquisa de Fontanetto (2021)


quanto em nosso estudo anterior (Reznik et al., 2017) discutiram sobre conquistas das
mulheres no mercado de trabalho, destacando os espaços e os direitos que as mulheres
conquistaram nas últimas décadas. Essas percepções têm fundamento nos avanços e
conquistas das mulheres no Ensino Superior, uma vez que representam maioria nos
cursos de graduação e que têm, em média, mais anos de estudos dos que os homens
(INEP, 2019). No entanto, os desafios ainda são grandes na ascensão nas carreiras
científicas, como descrito na segregação vertical e no efeito tesoura no sistema
científico brasileira (Areas et al., 2020) e na segregação horizontal, na distribuição
desigual entre diferentes áreas e carreiras.

222
Ainda relativo às conversas com familiares, uma das participantes relata o
diálogo que ela estabeleceu com a mãe, que trazia uma visão conservadora, na qual a
jovem destacou conquistas históricas dos movimentos feministas, no trecho abaixo.

Discuto muito com a minha mãe sobre isso que a minha mãe não gosta do feminismo.
[Entrevistadora: Por quê?] Porque ela é tradicional. Ela é muito tradicional, muito
voltada para antigamente. Eu falo para ela que o feminismo não é de hoje, ele é de
antigamente. As mulheres de antigamente começaram a lutar por direitos iguais e eu
acho isso uma conquista muito importante: o direito da mulher na política, o direito da
mulher se vestir como ela quer e o direito da mulher trabalhar. Eu acho muito incrível.
Eu fico vendo sobre as coisas antigas que as mulheres conquistaram para gente hoje em
dia e eu acho isso muito incrível e eu acho que a luta ainda não acabou (mulher, 16
anos, parda, projeto TMC).

A discussão sobre feminismos surgiu também a partir da vivência na escola.


Uma das jovens destacou ações realizadas dentro da escola em prol de visibilizar as
pautas feministas, como a luta contra o feminicídio. Em outra fala, uma das jovens
contou que o debate sobre feminismo e sua definição esteve presente nas aulas de
sociologia do colégio.

Na escola, teve dias que tinha que usar só vermelho por conta do feminicídio, eu sempre
ia, ou toda quarta feira usar rosa, esse tipo de coisa. Eu sempre vou toda caracterizada,
pinto unha, uso maquiagem, sou bem destemida na escola (mulher, 16 anos, branca,
projeto QUI).

O feminismo para mim é a luta pela igualdade dos gêneros. Foi isso que eu aprendi na
escola. [Entrevistadora: Vocês aprendem sobre feminismo na escola?] Sim, na aula de
sociologia (mulher, 17 anos, branca, projeto MCE).

Ao ser questionada sobre afinidade com pautas dos movimentos feministas, uma
das jovens destacou a questão do aborto e do direito de escolher ser (ou não) mãe. Neste
contexto, a estudante descreveu sua vivência como cuidadora dos irmãos e dos desafios
e sobrecarga do trabalho reprodutivo na vida das mulheres, na fala a seguir.

[Entrevistadora: Você tem afinidade pelas temáticas dos movimentos feministas?]


Depende do tema abordado, tipo, se for aborto eu apoio super. Tipo, eu acho que o
corpo é da mulher, o útero é dela, é a vida dela. Eu sei como uma criança modifica toda
a vida de uma mulher principalmente, porque os homens não... Tem uma pequena
minoria que realmente é pai de família, eles cuidam, estão sempre presentes, mas a
grande maioria não é assim, então fica tudo nas costas dela. Então, ter filhos, cuidar de
casa, trabalhar, ter uma vida, tudo isso... ter um ser que depende de você 24 horas, você
tem que ficar preocupada, isso influencia muito, acho que, na mulher. Então ela escolhe
o que ela quer fazer da vida dela. Se ela quiser ter filho daqui a dez anos, ela vai ter
filho daqui a dez anos; se ela engravidar antes, ela tem o total direito de tirar, não é o
momento.... Eu não quero ter filhos, não é algo planejado na minha vida nem de longe.
Eu acho que também é porque eu ajudei a criar os meus irmãos, eu vi como foi difícil,
eu vi como é uma criança para a vida de uma mulher. Então eu acho que é uma escolha

223
que tem que ser pensada se ela quer ou não. Gravidez acontece às vezes, nem todos os
métodos são 100% eficazes, mas a mulher tem o direito de escolher o que ela vai fazer
da vida dela (mulher, 17 anos, projeto QUI).

O entendimento do movimento feminista como empoderamento e construção de


liberdade foi trazido por uma das estudantes, que descreveu o momento atual de
aumento de violência contra mulher e a necessidade de sermos todas feministas, ao
argumentar que “no fundo ela [mulher] não quer ser tratada como uma ninguém, ela não
quer ser subestimada. Todas nós somos feministas, só que a gente demora a se
descobrir”, destacado da fala a seguir.

Eu tenho muitas e muitas páginas que eu sigo que são praticamente todas falando sobre
o empoderamento, inteligência da mulher porque as vezes a gente elogia mais uma
mulher pelo corpo e não pelo que ela tem por dentro. Eu gosto muito desses assuntos.
Eu acho que o índice de violência contra a mulher está aumentando por isso, não porque
as mulheres agora têm mais liberdade. Porque agora elas estão no processo de construir
essa liberdade e as pessoas que estão com medo, eles não têm nada agora para impedir.
O que eles têm agora eles vão usar com as palavras, com o físico. É por isso que as
mulheres estão sofrendo tanto agora. Mas eu acho que é importante sim, sabe, o
feminismo. Mesmo aquelas mulheres que dizem assim: "não sou feminista nada", no
fundo no fundo ela é sim. Porque no fundo, no fundo ela não quer ser tratada como uma
ninguém, ela não quer ser subestimada. Todas nós somos feministas, só que a gente
demora a se descobrir (mulher, 16 anos, branca, projeto TMC).

Uma visão estereotipada e deturpada do feminismo como uma posição


extremada e relativa a exigências de determinados comportamentos como, por exemplo,
a não depilação, apareceu também na fala de uma das jovens, exemplificada a seguir.

Eu sou a favor do feminismo, mas não o feminismo extremo. Eu acho que cada mulher
é cada mulher, cada caso é um caso. Eu não posso querer que a outra pare de fazer
coisas que ela se sente bem, tem a questão dos pelos, depilação e tudo; tem mulheres
que se sentem bem assim, tem mulheres que não, tem mulheres que gostam. A questão
não é agradar a homem, a questão é agradar a si mesma. Então eu acho que o feminismo
extremo eu não me encaixo ali. Eu gosto dos direitos, eu gosto de lutar pelos direitos
das mulheres. Agora, extremidades já não gosto (mulher, 17 anos, projeto QUI).

Quando questionadas sobre o envolvimento em movimento de mulheres


anteriores à participação nos projetos, as jovens declararam estarem envolvidas desde
movimentos vinculados à religião – relativos ou não a pautas feministas – quanto em
estarem interessadas em grupos feministas nas redes sociais. Interessante notar que, no
questionário, muitas identificaram os próprios projetos como movimentos de mulheres.
Nos trechos a seguir, as jovens relataram seu envolvimento com movimentos religiosos,
relacionados ao não ao debate feminista, e ao interesse por movimentos nas redes
sociais

224
[Entrevistadora: Você já se envolveu com algum grupo de mulheres ou de movimento
de mulheres?] Olha, teve na minha igreja, mas era algo religioso, não era de ciências.
Era um grupo de meninas para fazer missões. A gente fazia missões, a gente entregava
comida ou roupas para pessoas necessitadas que moravam longe, e a gente também
divulgava a palavra de Deus (mulher, 16 anos, negra, projeto MCE).

Eu sempre fui interessada em questões de feminismo, de militância feminina. Acho que


no máximo grupo de Facebook, mas nunca algum físico mesmo de chegar e visitar. E
por mais que eu seja cristã, na minha congregação as mulheres falam bastante sobre isso
porque tem muitas mulheres jovens, então se fala bastante desses assuntos. Então isso
me incentiva bastante (mulher, 15 anos, branca, projeto MCE).

Nunca participei, mas eu acho interessante. Tem um movimento chamado “Respeita as


Minas”, que eu fiz um trabalho semana passada sobre isso que era também alguma coisa
relacionada do carnaval. Eu queria participar dessa coisa, o movimento “Não é Não”,
“Chega de Fiu-Fiu” (mulher, 15 anos, parda, projeto QUI).

É interessante notar nas narrativas das jovens a estreita relação e apropriação da


discussão feminista em suas diversas abordagens. Como discute Hollanda (2018), na
chamada quarta onda do feminismo, estamos vivendo num momento de uma nova
geração política, que se baseia “em narrativas de si, de experiências pessoais que ecoam
coletivas” (Hollanda, 2018, p. 12), cujos espaços são múltiplos, sejam nas ruas, nas
redes sociais, nas artes, nas escolas e nas universidades. Na fala da jovem do projeto
QUI, ela mencionou o movimento “Respeita às Minas”, “Não é não” e “Chega de Fiu-
Fiu”, que são movimentos que ecoam essas narrativas nas redes sociais. A jovem do
projeto TMC também mencionou seu ativismo nas redes virtuais, ao seguir “muitas e
muitas páginas que eu sigo que são praticamente todas falando sobre o empoderamento”
em que as mulheres “estão no processo de construir essa liberdade”.

225
Considerações finais

Nesta pesquisa, buscamos compreender as motivações, percepções e vivências


de jovens mulheres em projetos orientados por equidade de gênero na educação e na
divulgação científica que contribuem para a construção de um senso de pertencimento e
identidade nas STEM a partir de um olhar interseccional. A seguir, destacaremos pontos
relevantes da pesquisa, sistematizaremos aprendizados, limitações e desdobramentos
futuros. Sugerimos que os projetos se transformam em “contra-espaços” a partir das
noções de diversidade, representatividade, senso de pertencimento e identidade
científica. Além disso, buscamos propor aproximações e afastamentos das estratégias
usadas nos projetos, a partir das narrativas das jovens, no que se referem aos modelos de
equidade, inclusão e justiça social na educação não formal e ao modelo de divulgação
científica inclusiva.
Uma das principais contribuições dessa pesquisa foi olhar para as vivências de
jovens de grupos não dominantes a partir de uma perspectiva multifatorial, que levou
em conta tanto as motivações, interesses numa dimensão individual quanto as
dimensões familiar, escolar e social, e de como projetos de educação e divulgação
científica podem colaborar na construção de uma ciência mais inclusiva, equânime e
diversa. O desafio de incorporar a equidade e inclusão na divulgação científica é de
cada vez mais olhar para as jovens “como quem elas são” e não “como elas deveriam
ser” baseadas em padrões dominantes acerca de quais sujeitos são autorizados a falar e a
produzir conhecimento no campo científico.
Por ser uma pesquisa de abordagem qualitativa, com foco num contexto regional
do estado do Rio de Janeiro, as análises não devem ser generalizadas para contextos
mais amplos. Nossa pesquisa não teve o intuito de realizar uma avaliação das políticas
nem dos projetos analisados, mas sim contribuir para a compreensão de como jovens
mulheres de grupos não dominantes vivenciam projetos orientados por equidade de
gênero na educação e divulgação científica, e aprofundar o conhecimento acerca da
construção de um senso de pertencimento e de identidade de jovens às áreas científicas.
Nesse trabalho, entendemos os projetos de educação não formal como inseridos
no campo mais amplo da divulgação científica. Com a ascensão de um cenário político
conservador nos últimos anos no país, observamos tanto uma descontinuidade de
políticas para divulgação científica quanto políticas orientadas por equidade de gênero

226
(Sígolo; Gava; Unbehaum, 2021). Consideramos de suma importância a reversão desse
quadro de desmonte das instituições científicas e de corte de verbas para a ciência
brasileira, e a necessidade de ampliação de políticas que tenham como norte princípios
de equidade e inclusão na educação e na divulgação científica.
Pretendemos realçar a importância que políticas como as chamadas do CNPq
Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação proporcionaram tanto para
mulheres, em sua maioria negras, estudantes de escolas públicas e moradoras de regiões
de vulnerabilidade social, quanto para pesquisadoras nas áreas de STEM, professoras/es
da educação básica e graduandas de cursos das áreas de STEM. Além disso, buscamos
contribuir para o fortalecimento e consolidação do campo de pesquisa em divulgação
científica, particularmente para uma divulgação científica inclusiva, feminista e diversa.
Se divulgação científica não colocar no cerne do debate a equidade e inclusão em suas
práticas, continuará a operar a partir de condições estruturantes desiguais e excludentes.
Para o campo da divulgação científica, como apontam Polino e Castelfranchi (2019), as
políticas de cultura científica não podem ser elaboradas sem se relacionarem às políticas
de inclusão social. Para operar mudanças estruturais, como argumenta Dawson (2019), é
necessário que os grupos e instituições que detêm poder assumam seus privilégios e
vulnerabilidades, tomando posição e abordando as questões de inclusão e exclusão na
divulgação científica de forma central. Tomando como referência os estudos feministas
da ciência, corroboramos com as considerações de Costa (2019, p. 203) sobre a
importância da "abertura da divulgação [científica] para saberes parciais". Tomar
posição e discutir criticamente a pretensa objetividade e neutralidade do conhecimento
científico é fundamental para o campo da prática e da pesquisa em divulgação científica.
Dentre as intervenções sugeridas no relatório da Unesco (2018) para ajudar a
aumentar o interesse e o envolvimento de meninas na educação em STEM,
identificamos que alguns dos projetos contemplam, em diferentes níveis, as
intervenções listadas a seguir. No âmbito individual: (i) auxiliam no desenvolvimento
de identidades positivas de STEM; (ii) estabelecem vínculos e representatividade com
figuras exemplares femininas; (iii) reforçam a autoconfiança e a autoeficácia das jovens;
e (iv) aumentam a motivação das meninas. No âmbito do projeto: (i) reforçam as
capacidades das/os docentes e das graduandas que atuam como monitoras; (ii)
fortalecem práticas de ensino experimentais e práticas; (iii) promovem um ambiente de
aprendizagem seguro e inclusivo; (iv) cultivam a aprendizagem além das paredes da
escola; e (v) vinculam as meninas a oportunidades de tutoria.

227
Como os projetos se transformam em “contra-espaços”?

Os “contra-espaços” na educação em STEM são considerados espaços seguros


que se situariam nas margens, fora dos espaços formais, e ocupados por membros de
grupos não dominantes (Solorzano; Ceja; Yosso, 2000). Adotamos as definições de
Solorzano, Ceja e Yosso (2000) e Ong, Smith e Ko (2018), que definiram “contra-
espaços” como espaços acadêmicos e sociais seguros que permitem que estudantes de
grupos não dominantes: (i) promovam uma aprendizagem em que suas experiências
sejam validadas e vistas como conhecimento crítico; (ii) possam desabafar frustrações,
compartilhando histórias de isolamento, microagressões e discriminação; e (iii) possam
desafiar os estereótipos sobre as habilidades das pessoas de grupos não dominantes de
modo a estabelecer um ambiente positivo de troca e promoção de autoconfiança. Para
Ong, Smith e Ko (2018), contra-espaços podem ser espaços físicos, como no caso das
conferências, mas também no plano conceitual e nas relações, como nas mentorias e nas
dinâmicas entre pares.
A partir desses referenciais, conceituamos os projetos orientados por equidade
de gênero na educação em STEM no contexto do estado do Rio de Janeiro como contra-
espaços no que diz respeito às relações entre o grupo de jovens, nas relações de
mentoria com as coordenadoras e com as graduandas, e nos eventos e instituições de
pesquisa que as jovens participaram e visitaram. Esse conceito surge como um conceito
guarda-chuva que incluiria as narrativas das jovens sobre representatividades a partir de
um olhar interseccional, sobre a formação de um senso de pertencimento, de um espaço
inclusivo e seguro de reafirmação de suas identidades e capacidades.
Alinhavando esse conceito com a teoria do ponto de vista, e a teoria feminista
interseccional e decolonial, podemos considerar que, nesses contra-espaços, as mulheres
que estão à margem encontram espaços de resistência e de possibilidades, a partir da
posição única que ocupam. Ao discutir os aspectos dinâmicos e relacionais das
identidades sociais, Brah (2006) argumenta que os marcadores de identidade não
aparecem como categorias necessariamente limitantes, e que as diferenças não são
estritamente sinônimo de desigualdade, opressão e subordinação, mas podem remeter à
equidade, diversidade e formas de resistência política. Lugones (2019) discute, a partir
da perspectiva do feminismo decolonial, que a resistência é o começo da luta política e a
sua possibilidade de acontecer. Em diálogo com Lugones (2019) e hooks (1989),
Kilomba (2020) argumenta que a posição da margem é uma posição que incorpora mais
228
de um lugar, onde novos discursos críticos se dão. A formação de uma identidade como
um processo constante de "se tornar" estaria sempre vinculada ao contexto sociopolítico
e a influência múltipla e interligada de sistemas de privilégio e de opressão na ciência,
como racismo e sexismo. Esse posicionamento ofereceria espaço para a multiplicidade,
diversidade, subjetividade e hibridez existirem e reconhecer as infinitas maneiras de se
tornar uma pessoa com identidade científica (Avraamidou, 2020). Ter uma presença
legítima significa que a comunidade de aprendizagem, por meio de seus discursos,
práticas e relações, apoia a luta política contínua pelo pertencimento do grupo pelas
características de quem são e não pelas atitudes e comportamentos esperados de
determinado grupo (Calabrese Barton et al., 2020). É, portanto, na criação de contra-
espaços em que jovens mulheres de grupos não dominantes, ao se sentirem incluídas e
pertencentes, podem reivindicar sua presença legítima a partir de uma posição
interseccional.

Mapeamento e importância dos projetos

As principais considerações que trouxemos a partir do mapeamento dos projetos


contemplados nas chamadas do CNPQ Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e
Computação diz respeito à capilaridade dos projetos a nível nacional – as chamadas
proporcionaram a emergência de iniciativas em todas as regiões brasileiras – e o
aumento da liderança feminina na segunda chamada realizada em 2018.
Além disso, a partir da percepção das coordenadoras dos projetos no estado do
Rio de Janeiro, destacamos a importância das iniciativas em termos de inclusão social
de jovens em regiões de vulnerabilidade social e que passaram a se pensar como
pertencentes ao espaço da universidade e ao Ensino Superior; em termos de formação
de futuras docentes, na figura das graduandas que atuaram junto com as professoras e
com as pesquisadoras ao longo dos projetos; em termos de aproximação universidade-
escola; e em termos de posicionalidade e representatividade, um vez que as
coordenadoras descreveram que participar do projeto falava sobre quem elas eram
enquanto mulheres e pesquisadoras.
Apontamos para a necessidade de incorporação de uma perspectiva feminista
interseccional nas chamadas futuras que levem em conta que as desigualdades de gênero
não se apresentam de forma isolada, mas em conjunto com demais inequidades

229
estruturais que envolvem as relações raciais, geográficas e demais interseções,
configurando relações assimétricas de poder. Apontamos ainda para a importância de
formações de redes de práticas e de pesquisa em que essas iniciativas possam enriquecer
seus processos a partir da troca de experiências e desafios, assim como a importância de
um fluxo contínuo de financiamento, que permita que se estabeleçam relações de longo
prazo entre jovens, educadoras/es e pesquisadoras/es. Tratar de temas como equidade e
inclusão demandam de tempo para formação de relações de confiança entre equipe e
jovens envolvidos e, para isso, a importância de os projetos terem continuidade e fonte
de financiamento para tal.

Diversidade e representatividade

Transformar as representações dominantes sobre quem pode fazer ciência e


quem é visto como alguém que faz ciência é importante para formação de um senso de
pertencimento ao espaço acadêmico. A presença de figuras modelos em papéis
contrários aos estereótipos tradicionais dominantes pode ajudar a mudar as percepções
de jovens mulheres sobre o que elas podem ou devem fazer, e as percepções do que as
mulheres e demais grupos não dominantes podem ser dentro do espaço acadêmico
(Olsson & Martiny, 2018).
A importância da representatividade de gênero, raça e território foi destacada a
partir de diferentes aspectos nas narrativas das jovens, como: (i) na importância de
espaços de troca com outras mulheres; (ii) na exemplificação de cientistas que se
destacaram historicamente nas ciências, representadas em filmes e na mídia; (iii) na
identificação com as coordenadoras como pesquisadoras inspiradoras; (iv) na
identificação com cientistas negras, que estiveram presentes em atividades dos projetos;
(v) no reconhecimento da (falta de) representatividade nos cursos de exatas; e (vi) do
questionamento sobre a representatividade não passar apenas pelo marcador de gênero.
A importância de representatividade feminina apareceu desde a proposta das
chamadas públicas do CNPq, na maior pontuação para seleção de projetos com
proponentes mulheres, assim como na modalidade de bolsistas de graduação. As jovens
tiveram, ao longo dos projetos, referências de mulheres em diferentes estágios de
carreira, desde as graduandas que atuaram como facilitadoras das oficinas e atividades,
e das pesquisadoras que atuaram como coordenadoras dos projetos. As chamadas, no

230
entanto, não tinham explicitamente um enfoque interseccional, ao não mencionarem
diretamente a importância dos projetos de trazerem pessoas, conhecimentos e expertises
a partir de demais marcadores da diferença, como raça, classe, território, sexualidade e
pessoas com deficiências.
A identificação com as trajetórias das pesquisadoras, a partir da exposição de
desafios que encontraram ao longo do percurso, auxiliou as jovens na afirmação de seus
desejos e de autoconfiança para traçarem seus percursos, como na fala “é bom porque
faz a gente acreditar que se elas conseguiram a gente também pode”. A identificação
das coordenadoras como figuras inspiradoras também esteve presente, ao destacarem a
disponibilidade e o estímulo das coordenadoras de engajarem as jovens para se sentirem
pertencentes ao espaço universitário.
No entanto, a falta de representatividade, como não ter tido professoras mulheres
nas áreas de exatas, pode contribuir para o sentimento de não pertencimento a esse
espaço e uma percepção de “não é para mim”. Outro fator de não identificação foi
observado quando uma jovem do projeto MCE ressaltou a característica de ser “muito
inteligente” como um lugar de afastamento. A noção de que precisariam ter um dom
inato e inalcançável para exercer a profissão vem sendo discutido como um lugar de
afastamento de jovens do interesse pela carreira científica (Steinke et al., 2011).
Vemos que a discussão sobre representatividade passou pela interseção entre os
marcadores de gênero, raça, território e parentalidade. Por exemplo, é notável quando a
jovem do projeto MCE identifica uma pesquisadora mãe como sua referência e
ressignifica para si a possibilidade de ser mãe e ser cientista simultaneamente, uma vez
que a concepção da maternidade, construída histórica e socialmente, atribuiu à mulher
um papel inerente no trabalho de cuidado e do espaço privado, incorporando o discurso
de não conciliação entre trabalho de cuidado e carreira profissional (Badinter, 1985). A
interseção com os marcadores de gênero, raça e território também fortaleceram o lugar
de identificação das jovens com a profissão de cientista, ao se reconhecerem em uma
cientista que, além mulher e negra, era nascida em Duque de Caxias, local de moradia
de grande parte das jovens do projeto MCE.
A percepção acerca da ausência de corpos negros nas ciências esteve presente
nas narrativas das jovens quando descreveram suas percepções sobre a figura de
cientista como pessoas brancas e quando, apesar de se reconhecerem na figura de
mulheres negras na ciência, argumentam sobre sua ausência e pouca representatividade.
Alves-Brito (2020) denuncia o racismo científico, institucional e estrutural que atua no

231
silenciamento e apagamento de corpos negros nas áreas de física e astronomia,
nomeando a posição de “não lugar” e de invisibilidade de seus corpos. Além disso, o
autor discute a importância de debater a branquitude nos espaços científicos, de modo a
que as pessoas brancas reconheçam sua posição de poder e privilégio, e atuem em
práticas e discursos que fortaleçam grupos não dominantes e questionem o mito da
meritocracia:

Não podemos normalizar a ausência dos corpos negros, das mulheres, LGBTs e povos
originários no escopo da produção científica em Física e Astronomia e, muito menos,
em carreiras estratégicas para o País como as carreiras de Engenharia e Tecnologia.
Muito mais do que inserir conteúdos nos currículos das ciências exatas, é preciso
moldar uma conscientização histórica, social e cultural (Alves-Brito, 2020, p. 836).

É, portanto, urgente a necessidade de valorizar e reconhecer os conhecimentos


de grupos não dominantes – pessoas negras, quilombolas, indígenas, da comunidade
lgbtqia+, pessoas com deficiências e mulheres mães – como corpos de conhecimento
legítimo.

Pertencimento e identidade

As narrativas das jovens, nos grupos focais, sugerem a formação de um senso de


pertencimento em três diferentes níveis: (i) um senso de pertencimento às áreas de
exatas, identificando os projetos como espaços que promovem autoconfiança,
visibilidade da capacidade das jovens e da possibilidade de fazer escolhas; (ii) um senso
de pertencimento ao grupo, de modo que as jovens descrevem o espaço do projeto não
apenas como um espaço de aprendizado em ciências, mas como um lugar seguro de
partilha, apoio e incentivo entre pares; e (iii) a formação de um senso de pertencimento
ao espaço acadêmico.
Como vimos, o senso de pertencimento às áreas de STEM é mais comum entre
homens brancos e está correlacionado com a quantidade de pessoas do mesmo gênero
na área de especialização (Rainey et al., 2018). Além disso, o senso de pertencimento
social parece ser um dos fatores para as diferenças de gênero no interesse nas áreas de
Saúde, Educação e Cuidado e nas áreas de STEM (Tellhed; Bäckström; Björklund,
2016). Nesse sentido, identificamos que iniciativas norteadas por princípios de
equidade, inclusão e justiça social oferecem elementos para transformar essa cultura

232
dominante no espaço acadêmico e promover um senso de pertencimento em jovens
mulheres negras de regiões de vulnerabilidade social.
Se a identidade científica é um processo de construção, dinâmica e dependente
de contexto (Calabrese Barton, 2013), “ter” uma identidade científica no contexto de
projetos orientados por equidade e inclusão significaria ter suas experiências e
conhecimentos reconhecidos e valorizados dentro de um determinado contexto de
ensino-aprendizagem, e reafirmar a presença legítima (Calabrese Barton & Tan, 2020)
daqueles e daquelas que foram historicamente excluídos das estruturas de poder.
Em três dos quatro projetos analisados, as participantes expressaram interesse
por disciplinas em ciências exatas anteriormente a participação nos projetos, justificada
pelo viés de seleção das professoras e professores por jovens que tinham boa
performance em ciências exatas. Na busca de compreender qual o papel de projetos na
construção de um senso de pertencimento às ciências, a vantagem em ter estudantes
motivadas e com interesse prévio pelas áreas está na possibilidade de reafirmarem seu
interesse, serem reconhecidas e estimuladas a persistir nesse caminho profissional.
Por outro lado, o viés de seleção das participantes pode excluir demais
estudantes a desenvolverem esse interesse estimuladas a partir da participação em
projetos extracurriculares. Ao incluí-las, compreendemos que a ação de projetos
orientados por equidade, inclusão e justiça social está para além da aprendizagem de um
conteúdo científico, mas como espaços de construção de relações horizontais e de
ruptura com estruturas históricas de dominação e poder.
No projeto TMC, o único que no ano analisado não havia sido contemplado pela
chamada do CNPq 13/2018 e no qual todas as jovens participaram de forma voluntária,
observamos uma narrativa distinta com relação à motivação para participação. Quando
as jovens do projeto TMC relataram que tinham dificuldades em física e que participar
do projeto foi importante para superação individual demonstraram o potencial desses
espaços em reconhecer as suas capacidades enquanto pessoas e assim estimular a
motivação e interesse por disciplinas em que historicamente e culturalmente estão
envolvidas em estereótipos e preconceitos de gênero e raça.
Essa apropriação do espaço e de ressignificação do estereótipo pode ser
encontrada na narrativa de uma das jovens do projeto TMC quando ela descreve, em um
primeiro momento, sua dificuldade em física como "eu era horrível", "eu não estava
conseguindo" e "achei que não ia conseguir entender porque eu sou muito burra, que eu
não ia ser inteligente o suficiente para entender". E, em seguida, ela complementa: "Mas

233
eu entrei aqui e foi tudo muito tranquilo, entendeu? É uma coisa completamente
diferente, não era uma aula teórica era algo prático mesmo", destacando o potencial de
projetos como esse de estimular jovens a se interessarem por essas áreas.
A metodologia de aprendizagem ativa na qual as jovens constroem os circuitos
elétricos em materiais não usuais e se apropriam da teoria a partir de materiais que elas
mesmas construíram parece ser uma ferramenta potente para essa apropriação. Mas esse
aspecto não pode ser visto de forma isolada. Sugerimos que estar em um grupo que
fortaleça suas identidades enquanto mulheres e que se sintam seguras para
experimentarem e aprenderem sem serem julgadas pode ser um dos fatores que
potencialize a aprendizagem e o senso de pertencimento ao grupo. Um ambiente de
ensino aprendizagem que foque, por exemplo, no protagonismo de estudantes, com foco
em criação e experimentação, e na construção de um espaço seguro e de acolhimento
pode fazer com que as jovens se sintam mais motivadas e pertencentes ao espaço
científico, como discutido, por exemplo, por Spearman e Watt (2013).

Centrar na juventude, reconhecer saberes, refletir sobre privilégios

Ao olhar para os projetos (na percepção das jovens) a partir da perspectiva do


modelo de divulgação científica inclusiva (Canfield; Menezes; Liu, 2020) e das práticas
equitativas na educação não formal (Yestem Project Team, 2021), propomos um
diálogo das ações dos projetos com princípios norteadores descritos nos modelos.
No modelo de divulgação científica inclusiva, sistematizado por Canfield,
Menezes e Liu (2020), é proposto que haja intencionalidade de centrar nas expertises e
experiências de grupos não dominantes, que haja reciprocidade na ação e que haja
reflexividade na prática a partir de uma perspectiva interseccional. A partir dos relatos
das jovens e das coordenadoras, sugerimos que os projetos contemplam o princípio de
intencionalidade, uma vez que são intencionalmente desenvolvidos para jovens
mulheres de grupos não dominantes – e contemplam estudantes, maioria negras, de
escolas públicas, e em regiões de vulnerabilidade social. A intencionalidade diz respeito
ainda a reconhecer as discriminações, opressões e inequidades históricas vivenciadas
pelos grupos não dominantes.
No entanto, sugerimos que poderia haver mais esforços em busca de princípios
de reciprocidade e de reflexividade. A reciprocidade envolveria a criação colaborativa

234
do desenho e desenvolvimento do projeto com as jovens envolvidas, elaborando
conjuntamente “com” elas, e não apenas “para” elas, por meio de relações equitativas
que reconheçam e valorizem formas variadas de expertise. Para isso, ter como norte o
princípio de reflexividade poderia auxiliar à equipe coordenadora manter uma reflexão
contínua, crítica e sistemática sobre suas posições, privilégios, identidades, práticas e
resultados de modo a romper com relações hierárquicas de poder e repensar práticas e
interações injustas.
A partir das práticas equitativas na educação não formal (Yestem Project Team,
2021), sugerimos que os projetos desenvolveram mais diretamente práticas como mudar
narrativas, que diz respeito a intencionalmente desafiar e buscar novas histórias sobre
quem conta como cientista e quem pode fazer ciência; de reivindicar a presença
legítima de grupos não dominantes, que esteve presente em diversos momentos nas
falas das jovens quando reivindicam seu direito por estar nos espaços científicos; e de
abraçar a humanidade das jovens, valorizando cada pessoa por quem ela é e não por
quem ela deveria ser. No entanto, assim como na comparação com o modelo anterior,
propomos que ainda é possível avançar para práticas mais equitativas no que diz
respeito a compartilhar autoridade; estar criticamente com as comunidades não
dominantes, refletindo criticamente sobre sua posicionalidade; reconhecer explicita e
publicamente os conhecimentos e práticas que grupos não dominantes trazem para as
experiências de educação não formal; e planejar conjuntamente atividades.

Reconfigurando o estereótipo de cientista

Na percepção sobre a figura de cientista, vemos nas narrativas das jovens a


presença de atributos relacionados à colaboração e sociabilidade, que comumente não
estão associados ao imaginário social da figura de cientista. A associação feita pelas
jovens de que cientistas seriam pessoas colaborativas pode sugerir uma identificação
delas com a figura de cientista, uma vez que a presença de “objetivos comunitários”,
como colaboração ou ajuda aos outros, costuma ser mais frequente entre grupos de
mulheres (Diekman et al., 2011). Além disso, as narrativas são distintas do que
comumente é observado, de que a incompatibilidade resultante entre os objetivos
comunitários e as percepções sobre os campos de STEM levariam a uma diminuição do
interesse pelas carreiras científicas (Diekman et al., 2010; Wegemer & Eccles, 2019).

235
Além do aspecto da colaboração, algumas jovens relataram percepções sobre a
figura de cientistas que também fizeram um contraponto ao estereótipo preponderante
no imaginário social, com a identificação de cientistas como pessoas sociáveis e como
pessoas comuns. Após a vivência nos projetos, as características que mais se
sobressaíram na fala das jovens se referem à paixão e ao interesse. A paixão e interesse
na prática científica são importantes no entendimento de que a ciência não é neutra,
objetiva nem universal, formada por pessoas dentro de contextos determinados, que tem
interesses e motivações, como sistematizados na teoria do ponto de vista (Haraway,
1995; Harding, 2007). Ao trazerem essas percepções, as jovens apontam para uma visão
desmitificada de cientistas. Como afirma Löwi, "uma ‘ciência situada’ pode abrir
caminho para uma outra definição de objetividade e de universalidade – definição que
inclui a paixão, a crítica, a contestação, a solidariedade e a responsabilidade” (Löwi,
2000, p. 24).

Ampliação do diálogo com famílias e comunidade escolar

A importância do apoio parental na escolha profissional é destacada na literatura


como um aspecto crucial na tomada de decisão das jovens sobre seus futuros (Lazarides
& Ittel, 2013; Eccles, 2015). O papel da família e da comunidade escolar esteve
presente na percepção das jovens desde a motivação em participar dos projetos, quando
as jovens citam o apoio de professoras e das mães para seguirem adiante quando no
reconhecimento de familiares e da comunidade escolar a partir do material que levaram
para casa ou apresentaram em eventos científicos dentro e fora da escola.
Tanto no âmbito familiar quanto escolar, destacou-se o reconhecimento de seus
feitos por meio de demonstrações de interesse e admiração de familiares, mudança nas
relações afetivas e tratamento diferenciado após o envolvimento das jovens nos
projetos. O reconhecimento da comunidade escolar foi mencionado no contexto das
apresentações em feiras de ciências e eventos de divulgação científica, como na fala “foi
a primeira vez que o meu pai se interessou por alguma coisa que eu tinha feito”. No
projeto MOI, as jovens se engajaram em construir projetos em robótica que intervissem
no espaço física das escolas envolvidas. Foram elaborados, pelos grupos de meninas de
cada escola, uma rega automática para os canteiros da escola, um alarme para aviso de
enchentes, entre outros projetos.

236
Vemos como as estruturas sociais e culturais dominantes, por meio da dimensão
familiar, tendem a constringir as possibilidades de escolha da jovem sobre seu futuro
profissional, valorizando papéis tradicionais de gênero. Localmente, tanto a comunidade
escolar quando os projetos orientados por equidade de gênero podem exercer um papel
de fortalecer a autoconfiança das jovens em suas escolhas quanto de construírem novos
paradigmas junto com as famílias de modo a romper ou modificar as normas culturais e
sociais de gênero.
Nas narrativas, percebemos que familiares das jovens projetam a carreira militar
como perspectiva futura para elas, e muitas afirmaram no questionário inicial da
pesquisa o desejo em seguirem em carreiras militares. Na literatura na área, a escolha da
carreira militar é apontada como uma procura por busca de estabilidade profissional e
financeira, por ser uma entrada imediata no mercado de trabalho. Costa e Silva (2021),
ao estudarem as expectativas profissionais de estudantes de camadas populares,
argumentam que jovens demonstram desejo e escolha pela carreira militar por se
constituir trajetórias possíveis em seus contextos socioculturais, por sua aparente
estabilidade remuneratória e garantia de manutenção do vínculo. Uma das
potencialidades dos projetos parece estar em ampliar o leque de possibilidades de
carreiras e de auxiliar na reafirmação de escolhas quando as preferências das jovens se
encontrem em embate com os desejos dentro de seus contextos familiares.

Limitações e desdobramentos da pesquisa

Reconhecemos algumas das limitações desse trabalho relacionadas tanto ao


desenho, à coleta e à análise de dados. No processo de elaboração do instrumento de
análise, as afirmativas relacionadas aos estereótipos de cientista foram escritas no
gênero masculino nos questionários. As respostas das jovens com relação a suas
percepções sobre a figura de cientista a partir dos questionários pode estar relacionado
ao fato de não se sentirem incluídas a partir do gênero usado na linguagem que
utilizamos no instrumento. Outra limitação do instrumento de análise diz respeito às
demais informações que poderiam ter sido inseridas para construção do perfil das
jovens, como, por exemplo, incluir dimensões acerca de sexualidade, parentalidade e
pessoas com deficiência.

237
Uma das limitações dessa pesquisa foi não termos coletado dados nem nos
aprofundado nas percepções das graduandas e das professoras/es da educação básica
envolvidos no projeto. Ao limitarmos o recorte da pesquisa apenas para as jovens e as
coordenadoras, não pudemos entender com mais detalhes as dinâmicas que se
estabeleceram entre os demais atores sociais envolvidos no cotidiano das iniciativas.
Consideramos que pesquisas futuras que olhem de forma mais ampla para a formação
das graduandas a partir da vivência nos projetos, como pontuado nas entrevistas com as
coordenadoras, e para as/os professoras/es da educação básica, assim como para a
comunidade escolar como um todo (pessoas envolvidas na gestão escolar) podem
ampliar o debate e o conhecimento acerca da importância de investir em políticas de
equidade de gênero na educação e na divulgação científica.
No que diz respeito ao momento de coleta de dados, das entrevistas e grupos
focais, o tempo foi limitado ao período disponibilizado pelos projetos para que
realizássemos essas etapas. Durante os grupos focais, por exemplo, tivemos que
interromper ou acelerar a finalização da conversa conforme requisitado pela equipe dos
projetos. Como pesquisadoras externas ao desenvolvimento dos projetos, entendemos
que essa foi uma limitação a um maior aprofundamento de algumas das questões que
surgiram durante o processo de coleta de dados. Uma maior integração entre pesquisa e
prática no planejamento do projeto, que incorpore a pesquisa como um instrumento
importante poderia ajudar a ter mais dados com maior aprofundamento, e tempo
destinado previamente para a coleta de dados.
No que diz respeito à termos poucas informações sobre o perfil das jovens que
participaram dos grupos focais, para manter um ambiente acolhedor durante os grupos
focais, optamos por não filmar a discussão, gravando as falas apenas por áudio. No
entanto, essa estratégia inviabilizou o reconhecimento das jovens a partir apenas das
vozes na etapa de transcrição e, portanto, faltaram informações acerca de raça, idade e
território nas narrativas extraídas dos grupos focais.
Reconhecemos ainda que a posicionalidade da entrevistadora – como mulher
branca, de classe média e proveniente do ambiente acadêmico – influenciou na troca
estabelecida com as entrevistadas, maioria mulheres negras, da periferia, de classes
menos favorecidas. Foi a partir dessa primeira troca que entendemos a importância de
aprofundar o arcabouço teórico nos estudos de interseccionalidade e feminismo
decolonial, nos auxiliando a pensar justiça social e equidade a partir dessas lentes. Vale
notar que essa imersão teórica nessas temáticas se deu em momento posterior à

238
construção da primeira etapa de construção do questionário e das entrevistas iniciais, de
modo que avaliamos posteriormente que as perguntas estabelecidas neste momento
poderiam ter contemplado melhor esses conceitos.
Uma das limitações que reconhecemos na coleta análise de dados diz respeito a
não termos discutido a presença do marcador de religião. A maioria das jovens
envolvidas na pesquisa declararam serem praticantes da religião protestante/evangélica.
Apontamos que estudos futuros podem ser interessantes para compreender melhor a
relação das interseções entre religião e as vivências de jovens em projetos orientados
por equidade de gênero na educação em STEM.
O tempo de envolvimento com as participantes a partir da estratégia adotada de
coleta e construção de dados por meio de questionários, entrevistas e grupos focais
permitiu que entendêssemos algumas das percepções acerca da vivência das jovens nos
projetos e acerca dos estereótipos da figura de cientista. Demais estratégias vêm sendo
abordadas em pesquisas acerca da vivência de jovens em iniciativas de educação em
STEM em contextos fora da escola como, por exemplo, a etnografia participativa em
estudos de longo prazo (Greenberg et al., 2020; Calabrese Barton et al., 2021), que
permitem um aprofundamento na relação entre pesquisadoras, educadoras e jovens e na
qualidade dos dados analisados. Pesquisas na área de antropologia, a partir da
metodologia de observação participante, também permitem análises distintas do que as
abordadas neste trabalho e podem enriquecer a análise de dados em contextos similares.
Investigar as relações de poder na dinâmica entre coordenadoras, professores e
jovens ao longo da dinâmica adotada pelos projetos e como reconhecer e construir
relações menos assimétricas pode ser um caminho investigativo futuro. Uma possível
análise seria compreender como o design das atividades e como as relações
estabelecidas entre mentoras e jovens facilitaram ou dificultaram a validação e
reconhecimento das jovens dentro do espaço construído pelos projetos. A partir dessas
reflexões, questões que podem ser desenvolvidas em pesquisas futuras seriam, por
exemplo: qual é o espaço de fala e de ação oferecido dentro dos projetos para as jovens?
As atividades dos projetos foram construídas coletivamente com as jovens, levando em
conta o que as interessava? Como construir um ambiente em que tanto pesquisadoras,
educadoras e jovens se sintam estimuladas a contribuir com seus conhecimentos,
interesses e propostas de ação?
Durante a pesquisa, tentei entender qual era o meu espaço enquanto
pesquisadora dentro dos projetos e na minha relação com as coordenadoras. Uma

239
possível estratégia a ser adotada futuramente é o da “parceria pesquisa-prática”
(Research Practice Partnership - RPP, na sigla em inglês). Relações de parceria
pesquisa-prática são definidas a partir de quatro principais critérios: (i) são relações de
longa duração, desenvolvidas ao longo de anos com o compromisso de um trabalho
conjunto; (ii) têm foco em problemas da prática; (iii) são mútuas, uma vez que a
parceria busca atender às necessidades e objetivos de todos os envolvidos; (iv)
intencionalmente organizada para ser colaborativa, tomar decisões em conjunto e
conduzir a pesquisa conjuntamente; e buscam (v) produzir análises de dados originais
(Penuel, 2017).
As colaborações podem envolver diferentes tipos de parceria e enfocar uma
ampla variedade de problemas de prática, como, por exemplo, entre pesquisadores e
líderes em uma região, entre pesquisadores, universidades e escolas, ou compreender
redes de instituições distribuídas geograficamente (Coburn & Penuel, 2016). Envolver
tanto jovens quanto educadores nas relações de parceira pesquisa-prática pode ser uma
importante estratégia para centrar as vozes de jovens e suas perspectivas a partir de
grupos não dominantes (Calabrese Barton et al., 2021).
Em suma, compreendemos que a análise desses projetos a partir das lentes do
feminismo interseccional e da pesquisa em equidade, inclusão e justiça social buscam
contribuir para o emergente campo da divulgação científica inclusiva (Canfield; Liu;
Menezes, 2020; Canfield et al., 2020). Para concluir, apontamos os principais
aprendizados que levamos a partir dessa pesquisa, que dizem respeito acerca da
importância de: (i) ter mulheres em diferentes níveis da carreira trabalhando juntas em
projetos, buscando romper relações assimétricas de poder; (ii) ter uma abordagem
interseccional nos editais, na composição da equipe, das comunidades envolvidas, dos
eventos promovidos e dos espaços visitados, buscando diversidade racial, geográfica, de
classe, de gênero, de sexualidade, de pessoas com deficiências, entre outros marcadores
da diferença; (iii) promover o debate sobre estereótipos de cientista e de gênero na
educação e na divulgação científica; (iv) levar as jovens para conhecer espaços onde se
produz ciência, isto é, universidades, institutos de pesquisa, museus e centros de ciência,
facilitando a construção de um senso de pertencimento; (v) dar centralidade às jovens,
levando em conta suas experiências, conhecimentos e contribuições na concepção,
desenvolvimento e avaliação de projetos; (vi) focar na construção de relações, tendo as
atividades científicas como um meio e não um fim; (vii) proporcionar espaços seguros
de escuta e de acolhimento; (viii) debater temas relacionados às vivências cotidianas de

240
discriminação de jovens mulheres, como assédio, preconceitos, microagressões e
ameaça pelo estereótipo; (ix) incluir as famílias e comunidades escolares na concepção
e desenvolvimento dos projetos; (x) ter grupos apenas de mulheres podem proporcionar
uma sensação de segurança, autoconfiança e pertencimento; (xi) proporcionar espaços
em que as jovens protagonizem a discussão acadêmica, como apresentação em eventos
científicos, feiras de ciência e espaços de divulgação científica; (xii) desenvolver
metodologias ativas de ensino, em que é possível construir conhecimento por meio da
experimentação e protagonismo das jovens; (xiii) incentivar a formação de redes de
prática e de pesquisa, ampliando e conectando pesquisadoras/es nas temáticas de
gênero, feminismos, interseccionalidade e STEM; (xiv) posicionar-se ativamente em
prol de romper e transformar relações assimétricas de poder entre, por exemplo,
coordenadoras, professoras/es e jovens; e (xv) ter financiamento em fluxo contínuo para
desenvolver projetos de longo prazo em que seja possível construir relações de
confiança entre pesquisadoras, educadoras e jovens.

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263
Anexo I – Roteiros de entrevista e grupo focal

Roteiro de entrevista com as participantes dos projetos

Sobre relação com a escola, família e escolha profissional


1. Quais suas matérias favoritas na escola?
2. Como você se descreveria na escola? Você se considera uma boa aluna?
3. Seus pais ou alguém da sua família trabalham na área de ciência e tecnologia?
4. Você tem interesse em fazer faculdade? Já sabe qual curso quer fazer?
Motivação e expectativas sobre o projeto
5. O que te motivou a participar do projeto?
6. Conte um pouco como você decidiu participar do projeto. Conversou com
alguém? O que foi importante para tomar essa decisão?
7. O que seus pais pensam sobre você participar do projeto?
8. Já participou de algum grupo ou projeto similar a este antes?
9. O que você espera do projeto ao longo deste ano?
Imagem da ciência e da figura de cientista
10. Quando falamos em ciência, o que lhe vem a cabeça?
11. Como você descreveria um cientista ou uma cientista?
Hábitos e informação C&T
12. Você costuma visitar museus com sua família?
13. Você já participou de alguma semana nacional de C&T?
14. Você já participou de alguma feira de ciências?
Sexismo nas ciências
1. Você acredita que os homens têm mais facilidade nas áreas de exatas que as
mulheres? Você tem facilidade nessas áreas?
2. Você acha que as mulheres têm chances diferentes que os homens? Por que?
3. Você diria que homens e mulheres fazem pesquisa de forma diferente? Por que?
4. Você tem interesse pelas discussões sobre feminismo?
5. Você já participou de algum movimento ou grupo de mulheres? Se sim, qual?
Roteiro de entrevista com as coordenadoras

Trajetória pessoal e profissional

1. Queria conversar sobre sua trajetória escolar e acadêmica.


2. Em que momento decidiu que iria fazer... (área científica)?
3. Quais os principais desafios que você identifica na escolha desse caminho?
4. Como era o ambiente na graduação e na pós-graduação em termos de equidade
de gênero?
5. Como era a relação com suas ou seus orientadores de mestrado e doutorado?
6. Como se deu o envolvimento com atividades de extensão e divulgação
científica?

Ser mulher na ciência

7. Você lembra de algum episódio que vivenciou de forma diferente por ser mulher
no ambiente acadêmico?
8. Tem filhos? Como foi conciliar a maternidade com o trabalho de pesquisadora?
9. Você integra algum grupo ou movimento de mulheres ou de mulheres na
ciência?
10. Você se identifica com o feminismo?

Sobre o projeto

11. Quando e como começou a ideia do projeto?


12. O que te motivou a participar?
13. Qual a importância deste projeto para você?
14. Você identifica que o seu envolvimento com este projeto te transformou de
alguma forma? Como?

265
Roteiro do grupo focal

[Tirar foto do grupo, registrar tópicos que causaram mais discussão, momentos
marcantes da discussão, algum gesto que chamou atenção, registrar os nomes e a
organização das participantes na roda]

Fala inicial:
Olá, para as que não me conhecem ainda ou não se lembram, meu nome é Gabriela e
sou pesquisadora da UFRJ. Essa é a____________ (observadora), que é pesquisadora
da______________, e ela vai acompanhar a atividade hoje. Vamos fazer uma conversa
a partir de algumas perguntas. É interessante que cada uma fale de uma vez e que todas
participem. Todas têm o direito de dizer o que pensam do assunto. Aqui não tem certo
ou errado, estou interessada na opinião de vocês. Podem ficar à vontade para falarem o
que vocês pensam sobre os temas que vamos abordar. Queria reforçar que eu não faço
parte da equipe que coordena o projeto e que essa dinâmica não tem intenção de avaliar
este projeto. Vamos gravar a discussão, mas as falas serão mantidas anônimas e servirão
apenas para o propósito da pesquisa. Vamos preservar a identidade pessoal de cada uma
na divulgação dos resultados. Queria agradecer por vocês toparem participar desta
pesquisa e estamos disponíveis para tirar qualquer dúvida. Para começar, vou pedir que
cada uma se apresente dizendo o seu nome. Vamos começar?

Quebra gelo e desencadeamento de questões de autoestima/pertencimento e percepção


de ciência:

1. Queria que vocês me contassem o que fizeram no projeto ao longo desse ano?
2. Quais foram os momentos mais marcantes?
3. Participar do projeto mudou algo em vocês? O que significou, para vocês,
participar deste projeto?
4. Mudou algo da rotina da escola?
5. Mudou algo da rotina em casa?

Trabalho doméstico e divisão sexual do trabalho reprodutivo/produtivo:

6. Como é a rotina de vocês em casa? Vocês são responsáveis por tarefas da casa,
como lavar louça, varrer, cuidar dos irmãos?
7. Vocês pensam em casar?
8. Vocês pensam em ter filhos?
9. Como vocês pensam que essas escolhas podem afetar a vida profissional?

Carreira futura, ciência e pertencimento:

10. Que profissão vocês pretendem seguir?


11. O que mais atrai vocês nessa profissão?
12. O que é fazer ciência para vocês?
13. Que características é preciso ter para se tornar um cientista ou uma
cientista?
14. Quando vocês pensam em um cientista, como ele é? E em uma cientista, como
ela é?

266
15. Antes de participar do projeto, vocês pensavam o mesmo?
16. Vocês acreditam que a ciência está aberta para receber meninas como
vocês? Por que sim? Por que não?

Questões gênero, raça, ciência:

17. Como vocês veem a situação das mulheres na ciência?


18. Vocês acham importante ter exemplos de mulheres cientistas?
19. Vocês conheceram alguma ao longo do projeto?
20. Se sim, vocês se identificam com as mulheres cientistas que conheceram?
21. Como vocês avaliam as oportunidades para mulheres negras na ciência?
22. Participar do projeto trouxe algo de diferente nessas visões?

Discriminação e feminismo:

23. Em alguma ocasião, vocês sentiram que foram tratadas de forma diferente pelo
fato de ser mulher?
24. Com que frequência isso ocorre?
25. Alguma dessas situações aconteceu na escola? Contem como foi.
26. Vocês identificam que esse projeto ajudou a enfrentar essas situações?
27. Vocês identificam alguma discussão sobre feminismo envolvida nesse
projeto? Qual?
28. Como vocês descreveriam o grupo que vocês formaram ao longo do projeto?

267
Anexo II – Questionário

Data:_______________
Olá! :)
Esta é uma pesquisa realizada no âmbito de um projeto de doutorado da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Este questionário é confidencial, não existe resposta certa ou errada, estamos interessados em saber sua opinião
sobre as questões abaixo.

Sua contribuição é muito importante.

Como preencher o questionário:


Por favor, para escolher suas respostas, marque um X no número correspondente ou preencha a lacuna com o
número quando solicitado.

X
Por exemplo, para responder “sim”: (1) – sim (2) – não
Por exemplo, para responder “1. Muito provável”, preencher [ 1 ]

DIMENSÃO 1: Conhecendo você

2. Sua escola é:
1. Nome da Escola:
(1) – Pública
(2) – Particular
4. Gênero:
3. Você está em que ano na escola? ___ ano do
(1) – Feminino
(1) - Ensino Médio
(2) – Masculino
(2) - Ensino Fundamental
(3) – Outro. Qual?

5. Qual a sua idade? 6. Qual a sua cidade?

8. Quais as suas matérias favoritas na escola?


7. Qual o seu bairro?

9. Na escola, você tem interesse em matérias de 10. Você pratica alguma atividade fora da
ciências e tecnologia (como física, química, escola?
matemática, biologia, história e geografia)?
(1) - Sim (1) – Sim. Qual?
(2) – Não (2) – Não

Por que?

268
11. Pense nos seus pais ou nos principais 12. Qual a profissão de seus pais ou principais
responsáveis por você. Algum deles concluiu responsáveis?
o curso superior/ formou-se na faculdade?

(1).Sim
(2).Não
(3).Não sei dizer

14. O que você pretende fazer depois de terminar


13. Você se considera de qual cor/raça?
o Ensino Médio? Se pretende ir para a
universidade, qual curso gostaria de fazer?
(1) Branca
(2) Parda
(3) Preta / Negra
(4) Amarela / Oriental
(5) Indígena

15. Qual a sua religião?


16. Qual é o grau de instrução da sua mãe?
(1) Fundamental 1 incompleto (até o 5º ano
(1) Católica
incompleto)
(2) Protestante/Evangélica
(2) Fundamental 1 completo/Fundamental 2
(3) Espírita
incompleto (do 5º ano ao 9º ano incompleto)
(4) Afrobrasileira
(3) Fundamental 2 completo/Ensino Médio
(5) Não tenho religião
incompleto
(6) Sou ateia (não acredito em Deus)
(4) Ensino Médio completo/Ensino superior
(7) Outra. Qual?
incompleto
(5) Superior completo
(6) Não sei dizer
(7) Não convivo com minha mãe

17. Qual é o grau de instrução de seu pai? 18. Qual é o grau de instrução de seu ou sua
principal responsável?
(1) Fundamental 1 incompleto (até o 5º ano
incompleto) (1) Já respondi nas perguntas anteriores (pai
(2) Fundamental 1 completo/Fundamental 2 e/ou mãe são meus principais
incompleto (do 5º ano ao 9º ano incompleto) responsáveis)
(3) Fundamental 2 completo/Ensino Médio (2) Fundamental 1 incompleto (até o 5º ano
incompleto incompleto)
(4) Ensino Médio completo/Ensino superior (3) Fundamental 1 completo/Fundamental 2

269
incompleto incompleto (do 5º ano ao 9º ano incompleto)
(5) Superior completo (4) Fundamental 2 completo/Ensino Médio
(6) Não sei dizer incompleto
(7) Não convivo com meu pai (5) Ensino Médio completo/Ensino superior
incompleto
(6) Superior completo
(7) Não sei dizer

O que te motivou a participar deste projeto? Quais as suas expectativas para este projeto?

DIMENSÂO 2: Como você frequenta espaços e acessa informações sobre CIÊNCIA E


TECNOLOGIA?

19. Marque quais desses espaços você visitou


com a família nos últimos 12 meses? 20. Se NÃO visitou algum Museu de Ciência ou
(marque todos que visitou) Centro de Ciência e Tecnologia nos últimos
(1) Biblioteca 12 meses, qual foi o principal motivo?
(2) Jardim Zoológico (1) Eu visitei
(3) Museu de Ciência e Tecnologia ou Centro (2) Não teve tempo
de Ciência e Tecnologia (3) Não existem em sua região
(4) Feira de Ciências/ Olimpíada de Ciências (4) Ficam muito longe
ou Matemática (5) Não tem dinheiro para ir
(5) Museu de Arte (6) Não sabe onde existem esses centros ou
(6) Atividade da Semana Nacional de Ciência e museus
Tecnologia (7) Não está interessado
(7) Jardim Botânico ou Parque ambiental (8) Outro motivo. Qual?
(8) Nenhum

270
21. Nos últimos 30 dias, isto é, no último mês, 22. Quais destes meios você usa para acessar
quantas vezes você... conteúdos de ciência e tecnologia? (marque
0.Nunca ou quase nunca (1-2 vezes ao longo do todos que usa)
mês)
1.De vez em quando (3-10 vezes ao longo do mês) (1) Não costumo acessar conteúdos de ciência e
2. Frequentemente (várias vezes ou quase todo dia) tecnologia
(2) Facebook
1. Assistiu a programas/vídeos, na TV e online, (3) Twitter.
sobre ciência e tecnologia [___] (4) Instagram.
2. Leu sobre ciência e tecnologia (livros, jornais, (5) Whatsapp.
revistas, online) [___] (6) Youtube.
3. Escutou podcasts/programas de rádio sobre (7) Algum outro meio que você usa para acessar
ciência e tecnologia [___] ciência e tecnologia? Qual?
4. Conversou com amigos/familiares sobre ciência
e tecnologia [___]

DIMENSÃO 3: O que você pensa sobre CIÊNCIA E TECNOLOGIA?

23. Que palavras lhe vem à cabeça quando você ouve falar em ciência e tecnologia?
(escreva 1 ou mais palavras para ciência e 1 ou mais palavras para tecnologia)

24. Quando você pensa em cientistas que 25. Pensando nestes cientistas que estudam o
estudam o universo, quais destas universo, você acha que é muito provável,
características você imagina que tenham? provável ou pouco provável que sejam
mulheres?
1.Muito provável
2.Provável (1) Muito provável
3.Pouco Provável (2) Provável
(3) Pouco provável
1. São muito inteligentes [___]
2. Passam muito tempo sozinhos [___]
3. Têm um trabalho interessante [___]
4. Acreditam em Deus [___]
5. Usam palavras que ninguém entende [___]
6. Pensam muito em ganhar dinheiro [___]

271
26. Quando você pensa em cientistas que 27. Para você é muito provável, provável ou
estudam o fenômeno social da pobreza, pouco provável que cientistas que estudam o
quais destas características você imagina fenômeno social da pobreza sejam
que tenham? mulheres?

1.Muito provável (1) Muito provável


2.Provável (2) Provável
3.Pouco provável (3) Pouco provável

1. São muito inteligentes [___]


2. Passam muito tempo sozinhos [___]
3. Têm um trabalho interessante [___]
4. Acreditam em Deus [___]
5. Usam palavras que ninguém entende [___]
6. Pensam muito em ganhar dinheiro [___]

28. Quando você pensa em cientistas que 29. E estes cientistas que estudam a cura do
estudam a cura do câncer, quais destas câncer, você acha que é muito provável,
características você imagina que tenham? provável ou pouco provável que sejam
mulheres?
1.Muito provável
2.Provável (1) Muito provável
3.Pouco provável (2) Provável
(3) Pouco provável
1. São muito inteligentes [___]
2. Passam muito tempo sozinhos [___]
3. Têm um trabalho interessante [___]
4. Acreditam em Deus [___]
5. Usam palavras que ninguém entende [___]
6. Pensam muito em ganhar dinheiro [___]

30. Quando você pensa em cientistas que 31. E estes cientistas que desenvolvem robôs,
desenvolvem robôs, quais destas você acha que é muito provável, provável ou
características você imagina que tenham? pouco provável que sejam mulheres?

1.Muito provável (1) Muito provável


2.Provável (2) Provável
3.Pouco provável (3) Pouco provável

1. São muito inteligentes [___]


2. Passam muito tempo sozinhos [___]
3. Têm um trabalho interessante [___]
4. Acreditam em Deus [___]
5. Usam palavras que ninguém entende [___]
6. Pensam muito em ganhar dinheiro [___]

272
32. Você gostaria de trabalhar como cientista? 33. Você acredita que para você se tornar
cientista seria....
(1) Não gostaria
(2) Gostaria pouco (1) Muito difícil
(3) Gostaria (2) Difícil
(4) Gostaria muito (3) Fácil
(5) Não sei dizer (4) Muito fácil
(5) Não sei dizer

34. Quando penso nos cientistas eu acho muito provável, provável ou pouco provável que eles...

1.Muito provável
2.Provável
3.Pouco Provável

1. Não têm muitos amigos [___]


2. Pensam muito em suas famílias [___]
3. Gostam de cooperar e colaborar [___]
4. São vaidosos [___]
5. Não costumam ter um casamento feliz [___]
6. São muito lógicos e racionais [___]
7. Gostam muito de trabalhar [___]
8. Não sabem muito bem o que acontece no mundo [___]
9. São honestos [___]
10. Aprendem rapidamente coisas novas [___]
11. Passam quase o tempo todo sozinhos [___]
12. São esquisitos [___]
13. São muito inteligentes [___]
14. Em geral não são muito atraentes [___]
15. Não gostam de festas e de vida social [___]
16. São criativos [___]
17. São organizados [___]
18. Gostam de competir [___]
19. Divertem-se com seus colegas de trabalho [___]

273
DIMENSÂO 4: O que você pensa sobre mulheres na ciência?

35. Das afirmações abaixo, diga em que medida você concorda ou discorda de cada uma delas:
1. Discordo totalmente
2. Discordo em parte
3. Concordo em parte
4. Concordo totalmente

1. Em geral, os homens são cientistas melhores do que as mulheres [__]


2. Homens são líderes políticos melhores do que as mulheres [__]
3. Quando as vagas de trabalho são escassas, os homens devem ter prioridade [__]
4. Ser dona de casa é tão gratificante quanto trabalhar fora por remuneração [__]
5. Estudar ciência é mais importante para o homem do que para a mulher [__]
6. Homens têm mais facilidade nas áreas de engenharia, matemática e física do que mulheres [__]
7. Homens são mais capazes de operar equipamentos pesados, como caminhões, tratores, trens e aviões [__]

36. Você já se sentiu discriminada por ser 37. Qual o seu grau de interesse pelas
mulher? discussões sobre direito das mulheres e
(1) Sim igualdade de gênero?
(2) Não
(3) Não sei (1) Nada interessada
(2) Pouco interessada
Caso se sinta à vontade, descreva como foi discriminada (3) Interessada
por ser mulher: (4) Muito interessada

38. Qual o seu grau de interesse pelas 39. Você já participou de algum movimento ou
discussões sobre feminismo? grupo de mulheres?

(1) Nada interessada (1) Sim. Qual?


(2) Pouco interessada (2) Não
(3) Interessada
(4) Muito interessada

274
Anexo III – Termos de Assentimento e de Consentimento Livre e
Esclarecido (TALE e TCLE)

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

Prezado(a) responsável,

Seu filho(a) ou criança do qual é responsável está sendo convidado(a) para participar
como voluntário(a) da pesquisa intitulada “Percepção pública da ciência e da profissão de
cientista em projetos para inclusão de meninas na ciência”. Nosso objetivo é compreender as
percepções de ciência e as motivações de estudantes envolvidas no contexto de programas
científico-tecnológicos.
A coleta de dados será realizada por meio de questionário e posterior realização de
entrevista e grupo focal com os participantes selecionados de forma voluntária. Após seis meses
da realização da entrevista, entraremos novamente em contato com os participantes para
realização de uma segunda etapa de coleta de dados, com entrevista. O preenchimento do
questionário tem duração média de quinze minutos e a entrevista terá duração média de uma
hora.
Acreditamos que esta pesquisa ajudará a fornecer dados sobre a eficácia e importância
da manutenção de programas que visam promover uma maior equidade de gênero, além de
contribuir para o campo de estudos sobre a percepção publica da ciência. Os dados obtidos, sem
exceção, são confidenciais, ou seja, garantimos o sigilo e a privacidade de todos os
participantes. Esclarecemos que você tem o direito de receber informações em qualquer etapa da
pesquisa, bem como, o direito de interromper a sua participação a qualquer momento e a
liberdade de retirar o consentimento sem qualquer penalização. Você terá garantido o seu direito
a buscar indenização por danos decorrentes da pesquisa
Colocamo-nos à sua disposição para maiores esclarecimentos, disponibilizando, abaixo,
nossas informações para contato. Espero contar com a sua importante participação.

Li e concordo em participar da pesquisa.

Data:
Assinatura do responsável legal:
Nome legível:

Assinatura do Pesquisador:

Gabriela Reznik
Doutoranda em Ciências na Área de Educação, Gestão e Difusão em Biociências pelo Instituto
de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Tel.: 99929-5216 / Email: gabriela.reznik@bioqmed.ufrj.br; gabirz@gmail.com

Comitê de Ética em Pesquisa Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - UFRJ


R. Prof. Rodolpho Paulo Rocco, n.° 255 - 7º andar - Ala E.
Cidade Universitária/Ilha do Fundão - Rio de Janeiro/RJ - CEP: 21.941-913
Telefones: 3938-2480 / Fax: 3938-2481

275
TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TALE)

Prezado(a) participante,

Você está sendo convidado(a) para participar como voluntário(a) da pesquisa intitulada
“Percepção pública da ciência e da profissão de cientista em projetos para inclusão de meninas
na ciência”. Queremos saber como estudantes veem a ciência, o que os inspiram e o que pensam
do futuro.
Você só precisa participar da pesquisa se quiser, é um direito seu e não terá nenhum
problema se desistir. Para participar, você preencherá um questionário com informações sobre
os seus gostos e atitudes com relação à ciência e tecnologia, e depois selecionaremos, de forma
aleatória e voluntária, alguns participantes para uma conversa mais aprofundada. Após seis
meses, entraremos novamente em contato com os participantes para realização de uma segunda
conversa. O preenchimento do questionário tem duração média de quinze minutos e a conversa
terá duração média de uma hora.
Acreditamos que esta pesquisa ajudará a fornecer dados sobre a eficácia e importância
da manutenção de programas que visam promover uma maior equidade de gênero, além de
contribuir para o campo de estudos sobre a percepção publica da ciência. Ninguém saberá que
você está participando da pesquisa; não falaremos a outras pessoas, nem daremos a estranhos as
informações que você nos der. Os resultados da pesquisa vão ser publicados sem identificar as
crianças que participaram.
Esclarecemos que você tem o direito de receber informações em qualquer etapa da
pesquisa, bem como, o direito de interromper a sua participação a qualquer momento.
Colocamo-nos à sua disposição para maiores esclarecimentos, disponibilizando, abaixo, nossas
informações para contato. Você terá garantido o seu direito a buscar indenização por danos
decorrentes da pesquisa

Espero contar com a sua importante participação.

Li e concordo em participar da pesquisa.

Data:
Assinatura do menor:
Nome legível:
Assinatura do Pesquisador:

Gabriela Reznik
Doutoranda em Ciências na Área de Educação, Gestão e Difusão em Biociências pelo Instituto
de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Pesquisadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e da Tecnologia
Tel.: 99929-5216 / Email: gabriela.reznik@bioqmed.ufrj.br; gabirz@gmail.com

Comitê de Ética em Pesquisa Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - UFRJ


R. Prof. Rodolpho Paulo Rocco, n.° 255 - 7º andar - Ala E.
Cidade Universitária/Ilha do Fundão - Rio de Janeiro/RJ - CEP: 21.941-913
Telefones: 3938-2480 / Fax: 3938-2481

276
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

Prezado(a) participante,

Você está sendo convidado(a) para participar como voluntário(a) da pesquisa intitulada
“Percepção pública da ciência e da profissão de cientista em projetos para inclusão de meninas
na ciência”. Nosso objetivo é compreender as percepções de ciência e as motivações de
estudantes e mulheres envolvidos no contexto de programas para inclusão de meninas na
ciência.
A coleta de dados será realizada por meio de questionário e posterior realização de
entrevista e grupo focal com os participantes selecionados de forma voluntária. Após alguns
meses da realização da entrevista, entraremos novamente em contato com os participantes para
realização de uma segunda etapa de coleta de dados, com entrevista. O preenchimento do
questionário tem duração média de quinze minutos e a entrevista terá duração média de uma
hora. Será realizada ainda entrevista, de duração média de uma hora e meia, com as
coordenadoras dos programas contemplados nos editais do CNPq Meninas e Jovens fazendo
Ciências Exatas, Engenharias e Computação.
Acreditamos que esta pesquisa ajudará a fornecer dados sobre a eficácia e importância
da manutenção de programas que visam promover uma maior equidade de gênero, além de
contribuir para o campo de estudos sobre a percepção publica da ciência. Os dados obtidos, sem
exceção, são confidenciais, ou seja, garantimos o sigilo e a privacidade de todos os
participantes. Esclarecemos que você tem o direito de receber informações em qualquer etapa da
pesquisa, bem como, o direito de interromper a sua participação a qualquer momento e a
liberdade de retirar o consentimento sem qualquer penalização. Você terá garantido o seu direito
a buscar indenização por danos decorrentes da pesquisa
Colocamo-nos à sua disposição para maiores esclarecimentos, disponibilizando, abaixo,
nossas informações para contato. Espero contar com a sua importante participação.

Li e concordo em participar da pesquisa.

Data:
Assinatura do sujeito de pesquisa:
Nome legível:

Assinatura do Pesquisador:

Gabriela Reznik
Doutoranda em Ciências na Área de Educação, Gestão e Difusão em Biociências pelo Instituto
de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Pesquisadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e da Tecnologia
Tel.: 99929-5216 / Email: gabriela.reznik@bioqmed.ufrj.br; gabirz@gmail.com

Comitê de Ética em Pesquisa Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - UFRJ


R. Prof. Rodolpho Paulo Rocco, n.° 255 - 7º andar - Ala E.
Cidade Universitária/Ilha do Fundão - Rio de Janeiro/RJ - CEP: 21.941-913
Telefones: 3938-2480 / Fax: 3938-2481

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