Você está na página 1de 122

ADVOCACIA DE INTERESSE

PÚBLICO NO BRASIL: A ATUAÇÃO


DAS ENTIDADES DE DEFESA DE
DIREITOS DA SOCIEDADE CIVIL E
SUA INTERAÇÃO COM OS ÓRGÃOS
DE LITÍGIO DO ESTADO

Cebrap - Advocacia Popular.indd 1 9/2/2013 7:40:40 PM


Cebrap - Advocacia Popular.indd 2 9/2/2013 7:40:40 PM
EXPEDIENTE:

PRESIDENTA DA REPÚBLICA
Dilma Rousseff

MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA


José Eduardo Cardozo

SECRETÁRIA EXECUTIVA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA


Márcia Pelegrini

SECRETÁRIO DE REFORMA DO JUDICIÁRIO


Flávio Crocce Caetano

DIRETORA DE POLÍTICA JUDICIÁRIA


Kelly Oliveira de Araújo

FICHA CATALOGRÁFICA:

Brasil. Secretaria de Reforma do Judiciário (SRJ).


Advocacia de interesse público no Brasil: a atuação das
entidades de defesa de direitos da sociedade civil e sua interação com os
órgãos de litígio do Estado / Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
(CEBRAP) : Ministério da Justiça, 2013.
122p., il. (Coleção Diálogos sobre Justiça)

Instituição executora: Centro Brasileiro de Análise e


Planejamento (CEBRAP).

palavras-chave: advocacia de interesse público;


ministério público; defensoria pública; sociedade civil;
mobilização jurídica
CDD

Cebrap - Advocacia Popular.indd 3 9/2/2013 7:40:41 PM


Cebrap - Advocacia Popular.indd 4 9/2/2013 7:40:41 PM
IDENTIFICAÇÃO:
PROJETO: PESQUISA SOBRE A ATUAÇÃO DA ADVOCACIA POPULAR -
PROJETO BRA/05/036
CARTA ACORDO N. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA - PNUD

Instituição proponente e executora:


Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - CEBRAP
Rua Morgado de Mateus, 615 – São Paulo – SP
CEP 04015-051 – Telefone (11) 5574-0399 – Fax: (11) 5574-5928
CNPJ 62.589.164/0001-72

Representante legal:
Paula Montero
Presidente do CEBRAP

Cebrap - Advocacia Popular.indd 5 9/2/2013 7:40:41 PM


Equipe de pesquisa:
José Rodrigo Rodriguez (coordenador)
Evorah Cardoso (coordenadora executiva)
Fabiola Fanti (pesquisadora de pós-graduação)
Iagê Zendron Miola (pesquisador de pós-graduação)

Colaboradoras:
Denise Dora
Flávia Xavier Annenberg

Agradecimentos:
Aos comentadores dos resultados parciais da pesquisa, Marcelo Pedroso Goulart,
promotor de justiça e coordenador estadual do Núcleo de Políticas Públicas da
Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, pelas contribuições no
workshop realizado em 7 de dezembro de 2012, na Fundação Getulio Vargas de
São Paulo (FGV-SP), e Celso Campilongo, professor titular da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo, no workshop realizado em 13 de maio de 2013, no
CEBRAP, assim como a todos os participantes dos workshops.
A Roberto Dias, pelo apoio e acompanhamento da pesquisa como consultor
do Ministério da Justiça no projeto “Fortalecimento da Justiça Brasileira”.
Às demais equipes de pesquisa do projeto “Fortalecimento da Justiça Brasileira”.
Às entidades de defesa de direitos e seus integrantes que gentilmente cederam
seu tempo e experiência para participar desta pesquisa.
A Rogério Barbosa, pesquisador do CEM/CEBRAP, pelo auxílio no uso
do software empregado na análise das entrevistas da pesquisa.
A Adrian Gurza Lavalle, Cecília MacDowell Santos, José Roberto Xavier e
Richard Abel, pelos comentários feitos ao projeto de pesquisa e durante a sua
execução, assim como a todos os integrantes do Núcleo Direito e Democracia,
do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, com os quais esta pesquisa foi
discutida em seminários internos.
A Gabriel Alarcon Madureira, pelo competente trabalho como transcritor da maior
parte das entrevistas realizadas nesta pesquisa, e aos demais transcritores contratados.

Cebrap - Advocacia Popular.indd 6 9/2/2013 7:40:41 PM


GOVERNO FEDERAL
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
SECRETARIA DE REFORMA DO JUDICIÁRIO
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD

PROJETO BRA/05/036
FORTALECIMENTO DA JUSTIÇA BRASILEIRA

“PESQUISA SOBRE A ATUAÇÃO DA ADVOCACIA POPULAR”

PROJETO DE PESQUISA:
“ADVOCACIA DE INTERESSE PÚBLICO NO BRASIL: A ATUAÇÃO DAS
ENTIDADES DE DEFESA DE DIREITOS DA SOCIEDADE CIVIL E SUA INTERAÇÃO
COM OS ÓRGÃOS DE LITÍGIO DO ESTADO”

INSTITUIÇÃO PROPONENTE:
CENTRO BRASILEIRO DE ANÁLISE E PLANEJAMENTO - CEBRAP

BRASÍLIA
2013

Cebrap - Advocacia Popular.indd 7 9/2/2013 7:40:41 PM


Cebrap - Advocacia Popular.indd 8 9/2/2013 7:40:41 PM
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 11
1.1 MOBILIZAÇÃO JURÍDICA E SOCIEDADE CIVIL: PLURALIDADE DE EXPERIÊNCIAS E
CONCEITOS 12
1.2 ADVOCACIA DE INTERESSE PÚBLICO NO ESTADO: MINISTÉRIO PÚBLICO E
DEFENSORIA PÚBLICA 14
1.3 DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA 15
1.4 METODOLOGIA 17
1.4.1 AMOSTRA DA PESQUISA 17
1.4.2 COLETA DE DADOS: O INSTRUMENTO DA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA 20
1.4.3 ANÁLISE DOS DADOS: CODIFICAÇÃO E SISTEMATIZAÇÃO 22
2 PERFIL DOS ENTREVISTADOS 25
2.1 EXPERIÊNCIAS UNIVERSITÁRIAS 26
2.1.1 PESQUISA E ENSINO 26
2.1.2 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA 26
2.1.3 MOVIMENTO ESTUDANTIL 27
2.2 EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS 28
2.3 EXPERIÊNCIAS PESSOAIS, SOCIAIS E POLÍTICAS 28
2.3.1 FAMÍLIA 29
2.3.2 GRUPO REPRESENTADO 29
2.3.3 RELIGIÃO 30
2.3.4 CONTEXTO POLÍTICO, MOVIMENTOS SOCIAIS E COMUNITÁRIOS 31
3 PERFIL DAS ENTIDADES 33
3.1 TEMAS DE ATUAÇÃO 33
3.2 ATIVIDADES 34
3.2.1 ATIVIDADE JURÍDICA 34
3.2.2 ATIVIDADE DE PESQUISA E PUBLICAÇÃO 35
3.2.3 ATIVIDADE COMUNITÁRIA 37
3.2.4 ATIVIDADE DE COMUNICAÇÃO 38
3.2.5 ATENDIMENTO PSICOSSOCIAL 39
3.3 ÂMBITOS DE ATUAÇÃO 40
3.4 HISTÓRICO 41
3.5 ESTRUTURA INTERNA 42
3.6 FINANCIAMENTO 45
3.6.1 A SAÍDA DO FINANCIAMENTO INTERNACIONAL DO BRASIL 47
3.6.2 CONJUNTURA ECONÔMICA INTERNACIONAL 48
3.6.3 ENTRAVES BUROCRÁTICOS DO FINANCIAMENTO NACIONAL PÚBLICO 48
3.6.4 FALTA DE CULTURA DE FINANCIAMENTO NACIONAL PRIVADO 50
3.6.5 BLOQUEIOS TEMÁTICOS 50
3.6.6 PARTICULARIDADE DA ATIVIDADE JURÍDICA 51
3.6.7 COMPETIÇÃO POR FINANCIAMENTO 53
4 ATUAÇÃO JUDICIAL 55
4.1 ATIVIDADES JURÍDICO-JUDICIAIS 55

Cebrap - Advocacia Popular.indd 9 9/2/2013 7:40:41 PM


4.1.1 ORIENTAÇÃO JURÍDICA 55
4.1.2 MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO 57
4.1.3 ACOMPANHAMENTO PROCESSUAL 57
4.1.4 AÇÃO JUDICIAL INDIVIDUAL 59
4.1.5 AÇÃO JUDICIAL COLETIVA 61
4.2 SELEÇÃO DE CASOS 63
4.2.1 CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DE CASOS 64
4.2.2 DEMANDA 64
4.2.3 TEMÁTICA 64
4.2.4 CASOS EXEMPLARES 65
4.2.5 MOBILIZAÇÃO SOCIAL 66
4.3 MÉTODO DE ATUAÇÃO JUDICIAL 67
4.3.1 COMBINAÇÃO DA ESTRATÉGIA JUDICIAL COM OUTRAS ESTRATÉGIAS 67
4.3.2 ARTICULAÇÃO SOCIAL 68
4.3.3 FORMAÇÃO 69
4.3.4 PESQUISA 69
4.3.5 ADVOCACY 70
4.3.6 MÍDIA 71
4.3.7 LOBBY JUDICIAL 71
5 INTERAÇÃO COM O MINISTÉRIO PÚBLICO 73
5.1 FORMAS DE INTERAÇÃO 73
5.2 PERCEPÇÕES SOBRE O MINISTÉRIO PÚBLICO 84
5.3 DESENHO INSTITUCIONAL 84
6 INTERAÇÃO COM A DEFENSORIA PÚBLICA 87
6.1 FORMAS DE INTERAÇÃO 87
6.2 PERCEPÇÕES SOBRE A DEFENSORIA PÚBLICA 92
6.3 DESENHO INSTITUCIONAL 93
7 CONCLUSÕES 95
7.1 A FORMAÇÃO DE DEFENSORES DE DIREITOS 95
7.2 TIPOS DE ADVOCACIA DE INTERESSE PÚBLICO 96
7.3 MP E DP: O FATOR DESENHO INSTITUCIONAL 97
8 DESDOBRAMENTOS 101
8.1 EIXO INDIVIDUAL: INCENTIVOS À FORMAÇÃO E MULTIPLICAÇÃO DE
DEFENSORES DE DIREITOS 101
8.2 EIXO SOCIEDADE CIVIL: FORTALECIMENTO E AMPLIAÇÃO DA DEFESA DE
DIREITOS 102
8.3 EIXO ESTADO: DESENHO INSTITUCIONAL PARA PROMOVER INTERAÇÃO 102
ANEXO I. Lista de entidades entrevistadas 105
ANEXO II. Roteiro de entrevista 109
ANEXO III. Termo de consentimento para entrevista 113
ANEXO IV. Livro de códigos 115
Referências bibliográficas 119

10

Cebrap - Advocacia Popular.indd 10 9/2/2013 7:40:41 PM


1.INTRODUÇÃO

A presente pesquisa insere-se em um veram historicamente travados no âmbito


campo de estudos que busca analisar a Legislativo.
relação entre a sociedade civil, o direito e Esta pesquisa pretende contribuir
as instituições jurídicas. Tal literatura vem com o debate sobre a relação entre socie-
apontando para a crescente centralidade dade civil e o direito a partir do estudo das
do Poder Judiciário enquanto espaço de dinâmicas de interação entre os atores que
debate político para os atores da sociedade realizam mobilização jurídica no Brasil e
civil e, para como os movimentos sociais, os agentes do Estado que desempenham
vêm atribuindo importância estratégica à seus papéis institucionais em um mesmo
disputa em torno da criação e do sentido campo de prática: a advocacia de interes-
dos direitos1. se público. As instituições estatais que, de
maneira mais evidente, compartilham este
A relação da sociedade civil com o di-
espaço de mobilização jurídica ocupado
reito e o Poder Judiciário é frequentemen-
por certos atores da sociedade civil são o
te descrita como multifacetada. O direito
Ministério Público (MP) e a Defensoria Pú-
pode ser tanto um elemento de manuten-
blica (DP), nos distintos níveis federativos.
ção da ordem vigente, criminalizando mo-
Tomando as entidades de defesa de direi-
vimentos sociais ou bloqueando as suas
tos, o MP e a DP como agentes atuantes
demandas, como um importante instru- em um mesmo nicho de prática, a pesquisa
mento no processo de mudanças sociais busca identificar as dinâmicas de interação
buscadas pelos atores da sociedade civil. instituídas entre a sociedade civil e os ór-
Dessa forma, as instituições jurídicas têm gãos do Estado.
uma relação ambivalente com os diversos
Levando-se em consideração a inte-
setores da sociedade civil, ora obstruin-
ração entre entidades da sociedade civil e
do a sua atuação, ora facilitando-a. Isso
estas instituições jurídicas como enfoque
pode ser observado, por exemplo, quando
de investigação, esta pesquisa se desdobra
o Poder Judiciário decreta a reintegração
em dois objetivos principais. De um lado,
de posse de um terreno, prédio ou terra, pretende aferir como a mobilização jurídi-
despejando o Movimento de Moradia ou o ca desempenhada por entidades da socie-
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra dade civil impacta a advocacia pública pro-
(MST) que antes os ocupava. Ao contrá- movida pelo MP e pela DP. De outro, busca
rio, quando o Supremo Tribunal Federal identificar como a prática dos órgãos de
autoriza a união estável entre pessoas do litígio do Estado influencia a atuação das
mesmo sexo, ele contribui para a realiza- entidades de defesa de direitos, com es-
ção de uma demanda dos movimentos pecial atenção aos elementos de desenho
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Tran- institucional que afetam a interação com a
sexuais e Transgêneros (LGBT), que esti- sociedade civil.

1
Pode-se citar como exemplos dessa literatura os trabalhos de MCCANN (1994, 2006 e 2010); EPP (1998); HILSON (2002);
ANDERSEN (2004); VANHALA (2006 e 2011); WILSON E CORDERO (2006); CASE E GIVENS (2010); MACIEL (2011).
11

Cebrap - Advocacia Popular.indd 11 9/2/2013 7:40:41 PM


Gráfico 1. Objeto da pesquisa: a interação entre sociedade civil
e Estado na advocacia de interesse público

como o desenho institucional dos órgãos de litígio do


Estado favorece ou não a mobilização social jurídica
SOCIEDADE CIVIL ESTADO
Entidades de defesa de direitos Órgãos de litígio:
Ministério Público e Defensoria Pública

como a mobilização jurídica da sociedade civil


repercute nos órgãos de litígio do Estado

Nas duas subseções seguintes, o mar- os procedimentos de sistematização e aná-


co teórico-conceitual que embasa a cons- lise das informações obtidas.
trução do objeto de pesquisa e informa o
recorte de investigação adotado é detalha- 1.1 MOBILIZAÇÃO JURÍDICA E
do. Apresenta-se, em primeiro lugar (1.1), SOCIEDADE CIVIL: PLURALIDADE DE
a perspectiva desenvolvida para o estudo EXPERIÊNCIAS E CONCEITOS
da defesa de direitos na sociedade civil. A A mobilização jurídica pela socieda-
partir dela, será possível visualizar a multi- de civil abarca experiências e formas de
plicidade de experiências e conceitos exis- organização bastante diversas. Os usos do
tentes neste âmbito e justificar a delimita- direito por parte de entidades não gover-
ção do objeto de pesquisa. Para tanto, o namentais e movimentos sociais englobam
conceito de advocacia de interesse público desde atividades de extensão universitária
é apresentado como instrumento analítico das faculdades de direito, advogados po-
adequado à conceptualização da varieda- pulares, promotoras legais, advocacia pro
de de formas de mobilização jurídica. Em bono, até organizações não governamen-
segundo lugar (1.2), descreve-se o papel de tais (ONGs) de litígio estratégico. A cada
instituições estatais na advocacia de inte- tipo de experiência correspondem diferen-
resse público, em especial do MP e da DP, tes matizes de influência teórica, estraté-
como particularidade do contexto brasilei- gias de prática e concepções políticas. Há
ro. Tomadas em conjunto, essas duas pre- distintas trajetórias e, consequentemente,
missas possibilitam a visualização de um formas de mobilização do direito por par-
nicho de atuação compartilhado por uma te da sociedade civil. Neste cenário, o con-
variedade de entidades de defesa de direi- ceito de “advocacia popular” inicialmente
tos, pelo MP e pela DP, cujas dinâmicas de proposto como tema do edital que deu en-
interação constituem (1.3) o objeto central sejo à pesquisa permitiria a visualização de
de estudo da pesquisa. apenas uma parcela – ainda que relevante
Mais adiante (1.4), são apresentadas – do fenômeno da mobilização jurídica pela
as estratégias metodológicas formuladas sociedade civil. Neste trabalho, portanto, o
para o desenvolvimento da pesquisa: a conceito de “advocacia popular” é tomado
construção da amostra que serviu de base como parte de uma gama mais ampla de
à investigação empírica, a definição do ins- experiências de mobilização jurídica, e não
trumento de coleta de dados e, finalmente, como definidor da totalidade de manifes-

12

Cebrap - Advocacia Popular.indd 12 9/2/2013 7:40:41 PM


tações da defesa de direitos pela socieda- variedade de formas de defesa de direitos
de civil. Uma advocacia tão variada requer, pela sociedade civil. A “advocacia de inte-
dessa forma, certo grau de sistematização resse público” está historicamente relacio-
funcional e conceitual para que se possa nada ao acesso à justiça por pessoas mar-
compreender melhor o objeto desta pes- ginalizadas política ou economicamente e,
quisa. com o tempo, passou a abranger outras
A dificuldade em conceituar a mobili- atividades4. O formato tradicional das enti-
zação jurídica, em seus diversos tipos, não dades de interesse público são escritórios
é observável exclusivamente no Brasil, e de advocacia que prestam assistência judi-
está relacionada ao fato de as formas as- ciária gratuita. Não há, nesses escritórios,
sumidas pela sociedade civil na defesa de seleção de casos paradigmáticos ou mes-
direitos serem “influenciadas diretamente mo uma seleção temática, mas sim aten-
pelo regime político, pelo sistema jurídi- dimento à demanda nos limites orçamen-
co, pela tradição jurídica, pela relação com tários da entidade. Aproximam-se, dessa
a ordem profissional e com o projeto de forma, do trabalho da advocacia tradicio-
transformação social” presentes em cada nal client-oriented 5 (forma de advocacia
país2. Apesar da variedade de experiências pautada pela solução do caso concreto e
e formas de organização da sociedade civil obtenção de justiça individual), ainda que
na mobilização do direito, há elementos em o objetivo não se restrinja à satisfação do
comum que permitem que sejam conside- interesse do indivíduo e busque a transfor-
radas como parte de um mesmo fenôme- mação social trazida pelo acesso ao direito
no. As experiências de “advocacia de inte- por parte de grupos marginalizados.
resse público”, com frequência, convergem Outra frente desse tipo de mobiliza-
com respeito ao público-alvo (população ção jurídica é a chamada advocacia issue
de baixa renda, grupos sociais minoritá- ou policy-oriented 6, uma advocacia temá-
rios ou discriminados, e interesses difusos, tica, voltada a mudanças sociais em deter-
por exemplo), à agenda temática (defesa minadas áreas: discriminação racial, meio
de determinados direitos), ao objetivo final ambiente, mulheres, entre outras. Com
(promover transformação social) e ao mé- esse fim, as entidades policy-oriented cos-
todo de trabalho (client ou issue-oriented, tumam ter um trabalho preliminar de es-
de litígio estratégico3 etc.). colha do caso paradigmático, conforme o
Frente a essas semelhanças, o con- seu potencial impacto social no tema ou na
ceito de “advocacia de interesse público” política tidos como prioritários na agenda
e a distinção entre as formas de advoca- temática. Diante da escassez de recursos,
cia client e issue-oriented revelam-se úteis. grupos organizados fazem um raciocínio
Estes dois conceitos permitem superar a de custo-benefício para a seleção dos ca-
particularidade das experiências de mobi- sos paradigmáticos, que gerem o máximo
lização jurídica e, dessa forma, abarcar a de impacto dentro dos objetivos traçados

2
SARAT e SCHEINGOLD (1998), JUNQUEIRA (2002, p. 194).
3
Algumas entidades de advocacia em direitos humanos apostam no litígio estratégico como uma via hábil para provocar
transformações sociais. “Litígio estratégico”, “litígio de impacto”, “litígio paradigmático” ou “litígio de caso-teste” são expres-
sões correlatas que surgiram de uma prática diferenciada de litígio não necessariamente relacionada ao histórico da advoca-
cia em direitos humanos. O litígio estratégico busca, por meio do uso do Judiciário e de casos paradigmáticos, alcançar mu-
danças sociais. Os casos são escolhidos como ferramentas para transformação da jurisprudência dos tribunais e formação de
precedentes, para provocar mudanças legislativas ou de políticas públicas. Trata-se de um método ou uma técnica que pode
ser utilizada para diferentes fins/temas (CARDOSO, 2012, p. 41; IHRLG, 2001, p. 82; ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 37-38).
4
REKOSH, BUCHKO, TERZIEVA, 2001, p. 1.
5
ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 40-41.
6
ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 41.
13

Cebrap - Advocacia Popular.indd 13 9/2/2013 7:40:41 PM


pela entidade e beneficiem uma coletivida- mencionados. As chamadas “promotoras
de ampla7. legais populares”, iniciativas em que líde-
res comunitárias são capacitadas para re-
Ambas as frentes de advocacia são
conhecer violações de direitos que podem
reconhecidas como parte do movimento
ser depois encaminhadas ao Poder Judiciá-
de “direito de interesse público”8, embora
rio por ONGs ou por órgãos de litígio do
tenha sido a partir da segunda que se de-
Estado. Extensões universitárias em direito
senvolveu a prática de litígio estratégico9.
que priorizam como trabalho de advocacia
Neste tipo de mobilização jurídica, geral-
a assessoria jurídica comunitária e tem por
mente, o litígio é apenas uma das ferra-
objetivo fomentar uma pedagogia de direi-
mentas utilizadas pelos centros de “direito
tos, sem necessariamente prestar assistên-
de interesse público”. Há múltiplas possibi-
cia judiciária ou desenvolver assessoria ju-
lidades de ação relacionadas à mobilização
rídica em questões coletivas, comunitárias
jurídica na sociedade civil, tais como: cam-
e a movimentos sociais. As experiências
panhas de mobilização e educacionais em
de advocacia popular propriamente dita,
torno de direitos humanos, lobby legislati-
em que advogados próximos a movimen-
vo, pesquisas e documentação em direitos
tos sociais se dedicam às causas judiciais
humanos, solução alternativa de disputas10,
desses grupos. ONGs de direitos humanos
agenda de reforma institucional, entre ou-
ou especializadas em certas temáticas que
tros.
promovem uma advocacia estratégica em
Em contraste, as entidades client- âmbito nacional e internacional, ou que
-oriented não costumam ter este trabalho, prestam atendimento direto a indivíduos,
pois atendem a um determinado público, grupos ou mesmo a outras ONGs.
conforme a demanda ou os limites orça-
A noção de advocacia de interesse
mentários da entidade. Entidades de advo-
público permite, ainda, a consideração si-
cacia client-oriented, no entanto, também
multânea de outro tipo de atores que, par-
podem exercer litígio estratégico, mas ge-
ticularmente no contexto brasileiro, é es-
ralmente de maneira ad hoc, quando são
sencial para o estudo da defesa de direitos
levadas pelo caso a planejar estratégias de
pela sociedade civil e de uma advocacia te-
impacto social11. Em ambas as formas, no
mática: o Ministério Público e a Defensoria
entanto, a mobilização do direito visa a um
Pública.
objetivo de transformação social e atende
a públicos marginalizados, discriminados 1.2 ADVOCACIA DE INTERESSE PÚBLICO
e/ou vulneráveis. NO ESTADO: MINISTÉRIO PÚBLICO E
A partir desse marco conceitual, é DEFENSORIA PÚBLICA
possível visualizar uma série de experiên- Diferentemente de outros países,
cias de mobilização jurídica pela sociedade onde a advocacia de interesse público é
civil no Brasil nas quais é possível identifi- exercida primordialmente por atores da
car, em maior ou menor grau, os elementos sociedade civil, no Brasil, órgãos de litígio
apontados como definidores da advocacia do Estado, como o Ministério Público (es-
de interesse público. Diversos exemplos taduais e federal) e as Defensorias Públicas
dessa variedade de experiências podem ser (estaduais e federal) ocupam, em parte, o

7
WEISSBRODT, 1984, p. 31.
8
JOHNSON, 1991, p. 171.
9
ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 35; IHRLG, 2001, p. 82.
10
IHRLG, 2001, p. 2.
11
ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 40-41.
14

Cebrap - Advocacia Popular.indd 14 9/2/2013 7:40:41 PM


espaço da mobilização jurídica e de uma A identificação de que o campo da
atuação judicial temática. Esses órgãos advocacia de interesse público é compar-
de litígio do Estado são dotados de uma tilhado entre atores da sociedade civil e
grande capacidade institucional de defe- do Estado revela, dessa forma, uma arena
sa de direitos, sem comparação em outros de interação. Situa-se, assim, o objeto da
países. Possuem profissionais qualificados, pesquisa: identificar quais as dinâmicas de
bem remunerados, com relativa indepen- interação instituídas entre Estado e socie-
dência de atuação, abrangente capacida- dade civil neste espaço. As questões en-
de de atuação (local, estadual e nacional). frentadas pela pesquisa podem, dessa for-
Adicionalmente, as áreas de competência ma, ser apresentadas: havendo posições,
dessas instituições jurídicas se sobrepõem, em boa medida, sobrepostas na advocacia
em grande medida, ao nicho de atuação de interesse público, como a mobilização
de entidades de defesa de direito da so- jurídica da sociedade civil interage com
ciedade civil. Isso porque a sua atuação se o trabalho de litígio dos órgãos estatais?
assemelha aos elementos anteriormente Os órgãos estatais conflitam ou coope-
mencionados como definidores da advoca- ram com as entidades da sociedade civil?
cia de interesse público, sobretudo o pú- Como repercute o trabalho desses órgãos
blico-alvo (grupos sociais marginalizados, das entidades da sociedade civil de advo-
minoritários ou discriminados e interesses cacia de interesse público e vice-versa?
difusos, por exemplo) e a agenda temática Que elementos institucionais dos órgãos
(defesa de determinados direitos). Também oficiais dificultam ou facilitam a relação
os métodos de atuação da sociedade civil com as entidades da sociedade civil? Em
podem ser encontrados no Ministério Pú- um plano propositivo, que transformações
blico e na Defensoria Pública. As Defenso- institucionais podem ser adotadas para
rias Públicas, por exemplo, por estarem em otimizar essa interação?
contato com um grande volume de deman-
1.3 DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE
das individuais, podem funcionar como um
PESQUISA
termômetro das necessidades de medidas
coletivas. Pela abrangência de sua atuação, Em razão da amplitude do campo da
podem pensar em estratégias de longo advocacia de interesse público e dos diver-
prazo de caráter de reforma institucional, sos enfoques possíveis, o estudo da intera-
seja a partir de seu trabalho de litígio indi- ção entre as entidades de defesa de direitos
vidual ou coletivo, seja por estratégias de e os órgãos de litígio do Estado (MP e DP)
negociação com órgãos públicos e priva- exige delimitação. Logo de início, o recor-
dos, prévias ao litígio. O Ministério Público te da pesquisa foi feito sobre a perspectiva
também possui uma série de instrumentos das entidades de defesa de direitos acerca
que possibilitam atacar problemas de re- dessa interação com MP e DP. Privilegia-
forma institucional, graças ao tratamento mos o estudo desses atores da sociedade
da dimensão coletiva dos conflitos, como civil não apenas por conta dos contornos
nas ações civis públicas, ou nas negocia- apresentados pelo edital desta pesquisa
ções prévias ao litígio com órgãos públicos ou em razão das limitações temporal e or-
e privados, os Termos de Ajustamento de çamentária da pesquisa, mas também por
Conduta (TACs). Além disso, pode também carecermos de informações sistematiza-
realizar propostas de lei. das acerca deste universo de entidades de

15

Cebrap - Advocacia Popular.indd 15 9/2/2013 7:40:41 PM


defesa de direitos no Brasil12 – quem são, jurídica comunitária, sem necessariamente
com que temas trabalham, quais ativida- prestar assistência judiciária a essas comu-
des realizam – e, em especial, sobre sua nidades. Isso não por se entender que este
relação com MP e DP – tanto mais levan- trabalho não seja de “interesse público” ou
do em consideração as alterações institu- não se caracterize como “advocacia popu-
cionais que estes órgãos estatais sofreram lar”, mas por tentar destacar nesta pesqui-
recentemente. Este recorte implica ganhos sa a interação dessas entidades de defesa
de profundidade, uma vez que possibilita a de direitos com o Poder Judiciário e os de-
coleta de um grande número de narrativas, mais órgãos de litígio do Estado. Ou seja,
representativa nacionalmente, de um dos a pesquisa procura destacar justamente as
polos – na estratégia adotada pela pesqui- entidades de “advocacia de interesse pú-
sa, a sociedade civil. Seria importante, em blico” que usam o direito no espaço institu-
outro estudo de âmbito nacional, observar cional do Judiciário, seja diretamente, seja
essa interação também sob a perspectiva por intermédio dos órgãos de litígio do Es-
de defensores, promotores e procuradores. tado. Igualmente, são excluídos os escritó-
As conclusões apresentadas aqui devem, rios das faculdades de direito e outras enti-
portanto, levar em conta a delimitação de dades que trabalham apenas com a lógica
objeto adotada pela pesquisa. do litígio de cada caso, realizando o atendi-
mento individual de público sem condições
Outros dois recortes foram adotados
de pagar um advogado, que não fazem
para a circunscrição do objeto de pesqui-
qualquer seleção ou agrupamento temáti-
sa. Primeiro, com respeito aos tipos de ex-
co de casos, nem possuem agenda de li-
periências de mobilização jurídica da so-
tígio de direitos de longo prazo. Por mais
ciedade civil que serão estudados. O foco
que essa prática atenda à finalidade social
da pesquisa é sobre as interações prota-
de acesso à justiça individual, não necessa-
gonizadas por distintos tipos de entidades
riamente forma um corpus de litígios indivi-
de defesa de direitos que atendam aos
duais orientado para a transformação para
seguintes critérios, alternativamente: que
além do caso concreto, como, por exemplo,
possuam advogado(s) em sua estrutura;
de uma determinada política pública ou de
e/ou que tenham atividade judicial; e/ou
uma determinada interpretação dogmática
que tenham relação com o MP; e/ou com a
do direito. Além disso, estes seriam atores
DP; e/ou que estejam voltadas a discutir e
que se relacionam de modo eventual com
alterar o funcionamento dessas instituições
o sistema de justiça14. Não necessariamente
estatais de litígio. Com este recorte, bus-
sua atuação reiterada em casos individuais
camos selecionar entidades da sociedade
geraria um acúmulo de experiência sobre
civil que são atores habituais do sistema de
como se dá a interação com os órgãos de
justiça13 e que, portanto, estariam expostos
litígio do Estado.
à interação com o Poder Judiciário e os ór-
gãos de litígio do Estado e teriam poten- Segundo, com respeito aos perfis
cialmente um maior acúmulo de experiên- das entidades da sociedade civil estuda-
cias sobre essas formas de interação. São das, excluímos entidades representativas
excluídas, por exemplo, algumas experiên- de classes profissionais como, por exem-
cias de extensão universitária que priorizam plo, sindicatos de trabalhadores ou Ordem
como trabalho de advocacia a assessoria dos Advogados do Brasil. Embora essas

12
Destacamos neste esforço o trabalho de Terra de Direitos e Dignitatis Assessoria Técnica Popular, 2013.
13
GALANTER, 1974.
14
GALANTER, 1974.
16

Cebrap - Advocacia Popular.indd 16 9/2/2013 7:40:41 PM


entidades por vezes possam representar mobilização jurídica, foi preciso construir
interesses difusos ou coletivos, de grupos uma amostra representativa da variedade
marginalizados ou discriminados, também de formas de advocacia de interesse públi-
possuem uma clara agenda temática que co na sociedade civil e descrever os distin-
envolve os interesses de suas categorias tos perfis das entidades que se inserem na
profissionais em suas atuações jurídico-ju- delimitação da pesquisa. De outro, a partir
diciais. dessa amostra, buscou-se identificar e des-
Afora os recortes mencionados, a crever as formas preponderantes de inte-
pesquisa não adotou delimitação geográ- ração dessas entidades com os órgãos de
fica, abarcando entidades de defesa de di- litígio do Estado. Em termos gerais, a pes-
reitos de todo o País. Pretendeu-se, dessa quisa adotou a seguinte estrutura metodo-
forma, elaborar um diagnóstico de âmbito lógica: foram realizadas entrevistas semies-
nacional sobre as formas de interação da truturadas com uma amostra nacional de
mobilização jurídica da sociedade civil com entidades de defesa de direitos para que, a
os órgãos de litígio do Estado no Brasil. A partir das narrativas fornecidas pelos ato-
abrangência nacional do estudo possibili- res que promovem a mobilização jurídica,
tou a identificação de variações nacionais fossem identificadas experiências de inte-
na relação entre sociedade civil e Estado ração com e percepções da sociedade civil
no nicho da advocacia de interesse público, sobre o Ministério Público e a Defensoria
o que, por sua vez, contribui para a elabo- Pública.
ração de respostas substantivas às pergun-
tas que guiam a pesquisa. Nesta seção, são apresentadas as es-
tratégias metodológicas adotadas para
Na próxima seção, são descritas as
realizar as tarefas que decorrem dos ob-
estratégias metodológicas adotadas para
jetivos da pesquisa. Na próxima subseção,
o estudo do objeto até aqui descrito. Serão
é descrito (1.4.1) o processo de construção
apresentados os critérios para a constru-
da amostra de entidades da sociedade ci-
ção da amostra da pesquisa, o instrumento
vil estudada pela pesquisa. Nas subseções
de coleta de dados desenvolvido e a forma
que se seguem, são detalhados (1.4.2) o
de análise das informações obtidas.
instrumento elaborado para a coleta de da-
1.4 METODOLOGIA dos e (1.4.3) os procedimentos de análise
das informações obtidas.
O objetivo geral de avaliar como as
entidades de defesa de direitos da socie- 1.4.1 AMOSTRA DA PESQUISA
dade civil interagem com o Ministério Pú-
blico e a Defensoria Pública se desdobra A construção da amostra analisada
em dois objetivos específicos. Primeiro, pela pesquisa enfrentou a dificuldade de-
identificar quem são as entidades da socie- corrente da multiplicidade de experiências
dade civil que mobilizam o direito, confor- de entidades que trabalham com a defesa
me a delimitação estabelecida, para, então, de direitos e da concomitante ausência de
avaliar como se relacionam com os órgãos referenciais ou bancos de dados que, ao
de litígio do Estado. Esses objetivos se tra- mesmo tempo, atentem para essa varieda-
duzem, por sua vez, em duas tarefas me- de e atendam aos critérios de delimitação
todológicas. De um lado, frente à já men- do objeto da pesquisa. Para contornar este
cionada multiplicidade de experiências de obstáculo, adotou-se como estratégia de

17

Cebrap - Advocacia Popular.indd 17 9/2/2013 7:40:41 PM


identificação de entidades de defesa de Não Governamentais (ABONG),
direitos a consulta a distintos mapeamen- classificadas como atuantes na ca-
tos parciais realizados por outras pesqui- tegoria “Justiça e promoção de di-
sas. Em razão do seu foco em experiências reitos”;
específicas de advocacia de interesse pú-
• Pesquisa Mapa territorial, temático
blico, estes mapeamentos permitem, se to-
e instrumental da assessoria jurídica
mados em conjunto, a construção de uma
e advocacia popular no Brasil, reali-
listagem de entidades de perfis bastante
zada pela Terra de Direitos e Digni-
variados.
tatis, para o Observatório da Justiça
Importa destacar que a pesquisa não Brasileira15;
teve pretensões censitárias, ou seja, não se • Pesquisa O direito visto por dentro
pretende oferecer um mapeamento com- (e por fora): a disputa pela inter-
pleto de todas as experiências de advoca- pretação da Lei Maria da Penha e
cia de interesse público existentes no Brasil da Legislação Antirracista, realizada
ou mesmo uma amostra que permita gene- pelo Centro Brasileiro de Análise e
ralizações sobre a mobilização jurídica no Planejamento (CEBRAP) (Projeto
país. Buscou-se, com a amostra construída CNPQ. 2010-2012);
com base em fontes secundárias, garantir
representatividade mínima à variedade de • Pesquisa Judicialização da política
experiências de advocacia de interesse pú- e demandas por juridificação: o Ju-
blico em pelo menos três dimensões: a) re- diciário frente aos outros poderes
gional, com entidades de todas as regiões e frente à sociedade, realizada pela
do país e do maior número de estados Sociedade Brasileira de Direito Pú-
possível; b) temática, incluindo experiên- blico (SBDP), para o Observatório
cias em diversos campos de atuação; e c) da Justiça Brasileira16;
de perfil, inserindo na amostra entidades • Mapeamento de entidades de ad-
de diferentes tipos (advocacia popular, ex- vocacia popular realizado pelo site
tensões universitárias, advocacia pro bono, Assessoria Jurídica Popular17; e
ONGs etc.), com distintos graus de profis-
• Lista de entidades mencionadas
sionalização e organicidade, que adotam
pelos Núcleos Especializados da
formas variadas de estratégias jurídicas e
Defensoria Pública do Estado de
que desempenham diferentes atividades e
São Paulo em seu site institucional18.
em diversos âmbitos (local, regional, nacio-
nal e internacional). A partir dessas fontes e excluindo-se
eventuais repetições, foram identificadas
A amostra foi construída a partir dos
136 entidades de defesa de direitos em
bancos de dados de entidades disponibili-
todo o País. Dentre estas, 16 foram excluí-
zados nas seguintes pesquisas e fontes:
das por não se enquadrarem nos crité-
• Lista de entidades filiadas à Asso- rios de delimitação do objeto da pesquisa
ciação Brasileira de Organizações (conforme item 1.3). No caso de outras 17

15
Disponível em: <http://terradedireitos.org.br/biblioteca/noticias/pesquisa-apresenta-mapa-da-assessoria-juridica-e-ad-
vocacia-popular-no-brasil/>. Último acesso em: 10.09.2012.
16
Esta pesquisa oferece mapeamento de entidades de interesse difuso e coletivo que atuaram como amicus curiae junto
ao Supremo Tribunal Federal ou que participaram em audiências públicas organizadas pelo STF em ações de controle
concentrado de constitucionalidade de atos normativos de origem do Executivo e Legislativo federal.
17
Disponível em: <http://assessoriajuridicapopular.blogspot.com.br/2011/10/mapeamento.html>. Último acesso em:
10.09.2012.
18
Disponível em: <http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx?idPagina=3145>. Último acesso em: 10.09.2012.
18

Cebrap - Advocacia Popular.indd 18 9/2/2013 7:40:41 PM


entidades, não foi obtida resposta ao con- São Paulo 42
vite para participação da pesquisa. Dessa Sergipe 1
forma, a amostra do estudo foi composta Tocantins 1

de 103 entidades (listadas no Anexo I). A Total: 103

amostra analisada na pesquisa integra en-


Tabela 3. Amostra: entidades
tidades atuantes em diversas temáticas,
entrevistadas por cidade
conforme será detalhado na seção 3 – Per-
fil das entidades. Cidade Número de entidades
Açailândia – MA 1
As cinco regiões do país estão repre-
Altamira – PA 1
sentadas na amostra, conforme a Tabela 1: Aracaju – SE 1
Belém – PA 3
Tabela 1. Amostra: entidades Belo Horizonte – MG 4
entrevistadas por região Brasília – DF 5

Região Número de entidades Cabo de Santo Agostinho – PE 1

Centro-Oeste 7 Campinas – SP 1

Nordeste 23 Curitiba – PR 2

Norte 7 Fortaleza – CE 7

Sudeste 57 Goiânia – GO 2

Sul 9 Guarulhos – SP 1

Total: 103 João Pessoa – PB 2


Joinville – SC 1
Ainda quanto à distribuição geográfi- Manaus – AM 1
ca, as entidades têm origem em quase 30 Natal – RN 1

cidades localizadas em 23 estados da fede- Palmas – TO 1

ração, conforme as Tabelas 2 e 3: Petrópolis – RJ 1


Porto Alegre – RS 6

Tabela 2. Amostra: entidades Porto Velho – RO 1


Recife – PE 4
entrevistadas por estado
Rio de Janeiro – RJ 8
Estado Número de entidades Salvador – BA 3
Amazonas 1 São Luís – MA 1
Bahia 3 São Paulo – SP 40
Ceará 7 Teresina – PI 1
Distrito Federal 5 Uberlândia – MG 1
Espírito Santo 1 Vitória – ES 1
Goiás 2 Total: 103
Maranhão 2
Minas Gerais 5 Como é evidenciado pela distribui-
Pará 4 ção geográfica, a região Sudeste congrega
Paraíba 3 mais da metade das entidades. Aproxima-
Paraná 2
damente dois quintos da amostra são de
Pernambuco 5
organizações com sede no estado de São
Piauí 1
Rio de Janeiro 9
Paulo. Essa concentração está relacionada,
Rio Grande do Norte 1 em certa medida, aos perfis das entidades
Rio Grande do Sul 6 mapeadas por parte das fontes de dados
Rondônia 1 utilizadas para a construção da amostra.
Santa Catarina 1
Há mapeamentos que congregam entida-

19

Cebrap - Advocacia Popular.indd 19 9/2/2013 7:40:41 PM


des com atuação delimitada em termos problema para estudos que tenham como
institucionais (por exemplo, entidades que objetivo central construir um mapa da de-
atuaram no Supremo Tribunal Federal) e fesa de direitos no país, ela não comprome-
que fazem parte de articulações nacionais te os propósitos desta pesquisa. Conforme
de ONGs (como, por exemplo, as entida- já referido, não se pretende, com a amos-
des afiliadas à ABONG). Delimitações com tra construída, realizar um mapeamento
essas características tendem a selecionar censitário das experiências de advocacia
entidades bastante especializadas e com de interesse público no Brasil, ou elaborar
boa capacidade de articulação nacional, o generalizações estatísticas sobre o campo.
que exige certo grau de profissionalização Objetivou-se, ao contrário, compor uma
e financiamento. Assim, por razões socioe- amostra com relativa representatividade
conômicas, entidades localizadas na região regional para identificar tendências na in-
Sudeste tendem a atender a esses critérios. teração com o Ministério Público e a Defen-
soria Pública. Levando-se em conta que to-
Outra possível explicação à relativa
das as regiões do país foram contempladas
concentração regional da amostra é o ca-
pela amostra e que foi coberto um amplo
ráter nacional ou mesmo internacional de
espectro de estados e cidades, a amostra
muitas das entidades com sede, em espe-
se revela útil aos propósitos da pesquisa.
cial, no estado de São Paulo e no Distrito
Federal. A título de exemplo, sete entida- 1.4.2 COLETA DE DADOS: O
des localizadas em São Paulo e uma em INSTRUMENTO DA ENTREVISTA
Brasília atuam nacionalmente e/ou contam SEMIESTRUTURADA
com integrantes em diversos estados da
Frente aos dois objetivos específicos
federação19. Outras três entidades sediadas
que decorrem do propósito geral da pes-
em São Paulo são representações nacionais
quisa – identificar quem são as entidades
de organizações de caráter internacional20,
da sociedade civil que mobilizam o direito
e uma em Brasília opera como uma rede de
e como se relacionam com os órgãos de lití-
entidades distribuídas por todas as regiões
gio do Estado –, os dados buscados têm na-
do país21.
tureza qualitativa. Dessa forma, e em razão
A concentração regional da amostra de o recorte adotado pelo estudo (foco nas
pode ser um indício, ainda, de como estão entidades da sociedade civil) e o objeto de
distribuídas as entidades de defesa de di- investigação serem ainda pouco explora-
reitos no país. Esta hipótese, no entanto, só dos empiricamente, optou-se pela realiza-
pode ser confirmada por um estudo dedi- ção de entrevistas semiestruturadas22 com
cado especificamente à tarefa de mapear as entidades de advocacia de interesse
as experiências da advocacia de interes- público selecionadas na amostra. Por não
se público no país. Ainda que uma relati- serem questionários fechados, as entre-
va concentração da amostra constitua um vistas permitem a obtenção de narrativas,

19
São elas: Artigo 19, Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Conectas Direitos Humanos, Instituto Pro Bono,
Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares, Movimento de Atingidos por Barragens e o Conselho Indigenista
Missionário.
20
Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM/Brasil, Instituto Latinoamericano
de las Naciones Unidas para la Prevención del Delito y el Tratamiento del Delincuente – ILANUD e Ação dos Cristãos para
a Abolição da Tortura – ACAT – Brasil. A Artigo 19 também se enquadra neste perfil.
21
É o caso da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED.
22
“É uma característica dessas entrevistas [semiestruturadas] que questões mais ou menos abertas sejam levadas à situa-
ção de entrevista na forma de um guia da entrevista. Espera-se que essas questões sejam livremente respondidas pelo
entrevistado. O ponto de partida do método é a suposição de que os inputs que caracterizam entrevistas ou questionários
padronizados, e que restringem o momento, a sequência ou o modo de lidar com os tópicos, obscurecem, ao invés de
esclarecer, o ponto de vista do sujeito.” (FLICK, 2002, p. 106).
20

Cebrap - Advocacia Popular.indd 20 9/2/2013 7:40:41 PM


avaliações e exemplos sobre os tópicos de- defesa de direitos e como interagem com
mandados do entrevistado – precisamente o MP e a DP? No item (i), foram buscadas
o tipo de dado que interessa a uma pesqui- informações sobre a trajetória pessoal,
sa focada na compreensão de fenômenos acadêmica e profissional do respondente,
de relação entre atores. Ao mesmo tempo, suas motivações para atuar na defesa de
por oferecerem um balizamento mínimo, direitos e o papel que ele desempenha na
as entrevistas semiestruturadas permitem entidade. No item (ii), foram coletados da-
a sistematização e a comparação de infor- dos sobre os temas, formas e âmbitos de
mações fornecidas por diferentes fontes. atuação da entidade, sua estrutura e orga-
As entrevistas foram guiadas por um nização internas, meios de financiamento,
roteiro formulado previamente que incluía os tipos de casos em que a entidade atua
questões sobre (i) o perfil do respondente; judicialmente, como esses casos chegam à
(ii) o perfil da entidade; e (iii) a sua relação entidade, e as estratégias de atuação jurí-
com o MP e a DP (Anexo II). O roteiro tinha dica da entidade. No item (iii), buscou-se
por objetivo operacionalizar, em perguntas coletar informações e experiências do en-
empíricas, as questões gerais enfrentadas trevistado e da entidade sobre as formas e
pelo estudo: quem são as entidades de a qualidade da interação com o MP e a DP.

Tabela 4. Roteiro de entrevista


Item do roteiro Principais perguntas do roteiro
1. Quais aspectos da sua trajetória pessoal, profissional e acadêmica foram importantes
para você trabalhar com defesa de direitos nesta entidade?
(i) Perfil do Respondente 2. Qual trabalho desenvolve na entidade?
3. Por que optou por trabalhar com litígio nesta entidade e não na Defensoria Pública
ou no Ministério Público?
4. Quando a entidade foi formada e com quais objetivos?
5. Quais atividades a entidade realiza? (Checklist de atividades: Legislativo, Executivo,
Judiciário, Mídia e Comunidade)
6. Como está estruturada internamente a entidade?
7. Quais são as principais fontes de financiamento da entidade?
(ii) Perfil da Entidade 8. Para que serve a atividade judicial da entidade?
9. Como a estratégia de litígio se articula com as outras atividades da entidade?
10. Em quais temas a entidade litiga?
11. Em quais instâncias do poder judiciário a entidade litiga?
12. A entidade se relaciona com outras entidades ou órgãos estatais na sua atuação
judicial?
13. Em que situações a entidade se relaciona com [o MP / a DP]?
14. Checklist de formas de interação:
a) denúncias;
b) repasse de casos;
(iii) Interação com MP e c) litígio em conjunto;
DP d) participa de audiências públicas ou conferências;
e) influencia a agenda de temas/casos.
15. A relação se dá com quais órgãos [do MP / da DP]?
16. Como você avalia a relação [do MP / da DP] com a entidade?

21

Cebrap - Advocacia Popular.indd 21 9/2/2013 7:40:41 PM


Foram realizadas 110 entrevistas, en- zaram 8.603 minutos de material gravado
volvendo 130 integrantes das 103 entida- (aproximadamente 144 horas). Em média,
des que compõem a amostra (conforme cada entrevista teve cerca de 80 minutos
Anexo I). Em alguns casos, foi realizada de duração, e a mediana do material cole-
mais de uma entrevista por entidade e, em tado nas 110 entrevistas foi de 75 minutos.
determinadas entrevistas, houve mais de A análise dessa vasta quantidade de ma-
um respondente em uma mesma entrevis- terial demandou uma organização prelimi-
ta. As entrevistas foram realizadas pessoal- nar dos dados obtidos. Para tanto, foram
mente, por telefone e, em sua maioria, por
elaborados “códigos” para categorizar as
videoconferência23. As entrevistas foram
diferentes informações disponibilizadas
gravadas e, posteriormente, transcritas.
nas transcrições das entrevistas. O obje-
Os entrevistados foram contatados tivo da aplicação de códigos às transcri-
previamente por e-mail ou por telefone e ti- ções (“codificação”) era reunir, sob uma
veram acesso a um Termo de Consentimen- mesma categoria de análise, informações
to que explicitava os objetivos e os propó- identificadas no conjunto das entrevistas.
sitos da entrevista, as condições de uso das
Os códigos tomaram por base a estrutura
informações fornecidas e oferecia, ainda, a
do roteiro de entrevista e incluíram outros
possibilidade de confidencialidade e anoni-
elementos que emergiram do trabalho de
mato (conforme Anexo III). Buscou-se, sem-
campo. Construiu-se um “livro de códigos”
pre que viável, entrevistar os advogados
dividido em quatro grupos (ver Anexo IV):
atuantes nas organizações que integram a
(1) respondente; (2) entidade; (3) atuação
amostra. Quando não foi possível, ou em ca-
sos em que informações sobre a entidade judicial; e (4) Defensoria Pública ou Minis-
não foram fornecidas de maneira satisfató- tério Público. Cada grupo de códigos ser-
ria pelos advogados da entidade, integran- viu a um objetivo específico: em (1), reunir
tes com outras funções também foram en- elementos sobre o perfil dos responden-
trevistados (em geral, coordenadores). tes da entrevista; em (2) e (3), identificar
as características das entidades entrevis-
1.4.3 ANÁLISE DOS DADOS: tadas e o perfil da sua atuação judicial; e
CODIFICAÇÃO E SISTEMATIZAÇÃO em (4), mapear experiências, percepções
As entrevistas realizadas por meio do e formas de interação da entidade com o
instrumento anteriormente descrito totali- MP e a DP.
Tabela 5. Livro de códigos
Grupo de códigos Objetivo Exemplos de códigos
(1) Respondente Identificar informações sobre a Respondente: Movimento Estudantil
trajetória pessoal do entrevistado, sobre Respondente: Extensão Universitária
o que ele faz na entidade e o que o Respondente: Movimento Social
motiva a atuar na mobilização jurídica. Respondente: Estágio
(2) Entidade Compor o perfil da entidade Entidade: Histórico: Fundada antes de 1988
entrevistada: histórico, estrutura, Entidade: Estrutura: Número de profissionais
financiamento, atividades e temas de Entidade: Financiamento: Internacional
atuação etc. Entidade: Atividades: Educação popular
Entidade: Temas: Meio Ambiente
(3) Atuação judicial Compor o perfil da atuação judicial/ Atuação judicial: Instâncias: Tribunais
jurídica da entidade: tipo de estratégia Superiores
jurídica, forma de seleção de casos, Atuação judicial: Seleção de casos: Casos
instrumentos adotados e instâncias de emblemáticos
atuação etc. Atuação judicial: Instrumentos jurídicos:
Ação Civil Pública

23
Utilizou-se o software Skype na maioria das entrevistas realizadas remotamente.
22

Cebrap - Advocacia Popular.indd 22 9/2/2013 7:40:41 PM


(4) Defensoria Pública e Identificar exemplos de interação da DP: Formas de interação: Encaminhamento
Ministério Público entidade com o MP ou a DP e coletar de casos
informações sobre como o entrevistado MP: Formas de interação: Representação
avalia os papeis do MP/DP, a relação DP: Desenho institucional: Núcleo temático
desses órgãos com a entidade, e
questões de desenho institucional do
MP/DP.

A aplicação dos códigos às transcri- apresentam a informação organizada pe-


ções das entrevistas foi realizada por meio los grupos de códigos aplicados e desen-
do software de análise de dados Atlas.ti. volvem a análise deste material. Na seção
Três membros da equipe de pesquisa que 2, são descritos os perfis dos respondentes
haviam realizado as entrevistas ficaram das entrevistas realizadas. Neste âmbito,
encarregados da codificação das transcri- são analisados os elementos acadêmicos,
ções, que se desenvolveu em seis etapas. políticos e profissionais identificáveis nas
Na primeira, uma versão preliminar do livro trajetórias de indivíduos que decidem atuar
de códigos foi elaborada conjuntamente, a na mobilização do direito. Avaliam-se, ain-
partir das percepções dos pesquisadores da, as suas motivações para atuar na defesa
sobre os dados mais recorrentes em cada de direitos pela sociedade civil vis-à-vis as
um dos tópicos abordados pelo roteiro de carreiras de advocacia de interesse público
entrevista. Na segunda, cada pesquisador nas instituições estatais. Nas seções 3 e 4,
aplicou a primeira versão do livro de códi- as características, as formas de organiza-
gos a um bloco de 15 entrevistas distintas. ção e estratégias, áreas e os temas de atua-
Na terceira etapa, os pesquisadores volta- ção das entidades que compõem a amos-
ram a se reunir para verificar a consistência tra são detalhados e discutidos. Primeiro,
de aplicação do livro de códigos e promo- por meio da apresentação dos dados sobre
ver ajustes, em especial a inclusão de no- o histórico, estrutura, financiamento e ativi-
vos códigos. Na quarta etapa, um novo blo- dades das entidades, pretende-se discutir
co de 10 entrevistas foi distribuído a cada a multiplicidade de experiências de mobi-
um dos pesquisadores para que aplicassem lização jurídica detectada pela pesquisa.
a versão ajustada do livro de códigos. As 15 Na sequência, é traçado o perfil da atuação
entrevistas iniciais também foram reanali- propriamente jurídica das entidades estu-
sadas com base no novo livro de códigos. dadas. Juntas, as seções 2, 3 e 4 respon-
Na quinta etapa, com 75 transcrições co- dem à questão de “quem são as entidades
dificadas, a consistência de aplicação dos de defesa de direitos” e, assim, lançam as
códigos foi verificada em reunião realizada bases para a discussão das potenciais inte-
entre os pesquisadores. Procedeu-se, en- rações entre a sociedade civil, a Defensoria
tão, à sexta e última etapa, em que o bloco Pública e o Ministério Público. Finalmente,
de 35 entrevistas restantes foi distribuído na seção 4, são apresentadas, de forma sis-
entre os pesquisadores, que procederam à temática, as experiências de interação das
sua codificação. entidades entrevistadas com os órgãos de
Com base no procedimento de codi- litígio do Estado. Dessa forma, os elemen-
ficação das transcrições descrito acima, o tos de perfil das entidades serão cruzados
material coletado por meio das entrevistas com os tipos de interação detectados a fim
foi sistematizado em quatro grandes blo- de discutir o objeto central da pesquisa:
cos de informação. As seções que seguem como a mobilização jurídica da sociedade

23

Cebrap - Advocacia Popular.indd 23 9/2/2013 7:40:41 PM


civil repercute nos órgãos de litígio do Esta- to e percepções sobre entidades governa-
do e, paralelamente, como o desenho insti- mentais. Como o universo de entidades e
tucional dos órgãos de litígio do Estado fa- respondentes é identificado nas listagens
vorece ou não a mobilização social jurídica? anexas ao relatório, se apenas algumas
As citações aos trechos das entrevis- identidades fossem protegidas, por exclu-
tas realizadas não são identificadas ao lon- são, seria possível identificar o restante da
go do relatório, e quaisquer informações amostra. Igualmente, a lista de indivíduos
que possibilitem a identificação do entre- entrevistados não é disponibilizada nos
vistado ou da entidade foram eliminadas. anexos do relatório, tendo em vista que
Optou-se por esta forma de tratamento alguns respondentes solicitaram anonima-
dos dados em razão de pedidos de confi- to. Da mesma forma, optou-se por conferir
dencialidade direcionados a determinados anonimato a todos os respondentes, a fim
trechos de algumas entrevistas, em espe- de evitar qualquer possibilidade de identi-
cial questões sensíveis, como financiamen- ficação por exclusão.

24

Cebrap - Advocacia Popular.indd 24 9/2/2013 7:40:41 PM


2.PERFIL DOS
ENTREVISTADOS

Neste tópico, são apresentados os tuinte, bem como as transformações sofri-


perfis dos 130 indivíduos que participaram das no perfil de trabalho de suas entidades.
das entrevistas. A construção de um pano- Nas subseções que seguem, são deta-
rama sobre os respondentes tem o objeti- lhados os elementos de trajetória dos en-
vo de situar de onde partem as narrativas, trevistados mais frequentemente mencio-
percepções e experiências que serão des- nados para a sua escolha de atuação em
critas e analisadas nas seções seguintes. entidades de defesa de direitos: vínculos
Os perfis são construídos a partir de ele- com movimentos sociais, sindicais, comuni-
mentos de trajetória acadêmica, política, tários, políticos e estudantil; influência fami-
profissional e pessoal destacados pelos en- liar ou fatores de caráter pessoal; participa-
trevistados como determinantes para a sua ção em atividades relacionadas ao âmbito
atuação na defesa de direitos em entidades da igreja; e experiências de extensão uni-
da sociedade civil. versitária ou estágio, durante a graduação.

Foram entrevistados advogados das Vale ressaltar que, em muitos casos,


entidades de defesa de direitos e/ou seus diversos desses elementos estão presentes
diretores, coordenadores e, no caso de na trajetória de um mesmo entrevistado, o
atividades de extensão universitária, os que pode demonstrar a inter-relação entre
alunos e/ou os professores orientadores essas experiências de mobilização, em um
dessas atividades. Em alguns casos, foram campo social que se comunica. Exemplos
dessa mobilidade seriam, a partir do en-
entrevistadas mais de uma pessoa por en-
volvimento com o movimento estudantil
tidade, para que os relatos contemplassem
(secundarista ou universitário), buscar por
as diferentes partes do questionário (tanto
experiências de extensão universitária de
a parte histórica da entidade quanto a par-
assessoria jurídica popular, no qual os alu-
te técnico-jurídica). Nem todos os entrevis-
nos têm contato com movimentos sociais
tados possuíam formação jurídica. Dos 130,
e comunidades, o que desperta o interesse
96 eram advogados e 19 eram estudantes
de profissionalização nesta área de atua-
de direito. A formação dos outros 15 entre-
ção e faz com que se busquem práticas de
vistados é variada: entre eles estavam pe- estágio em espaços como organizações
dagogos, engenheiros, psicólogos, jornalis- não governamentais de defesa de direitos.
tas, assistentes sociais, militantes etc. Ou, ainda, a partir da vivência familiar, em
Pelo menos três gerações estão re- grupos ou comunidades de uma série de
presentadas nas entrevistas, desde os violações de direitos (terra, moradia, saú-
atuais estudantes de graduação em direito, de, educação, segurança), o fomento de
até aqueles que participaram da fundação formas de associativismo para reivindica-
das primeiras entidades, nas décadas de ção e defesa de direitos.
1970/1980, e que acompanharam o proces- O elemento mais frequentemente des-
so de democratização do País, a Consti- tacado pelos respondentes para explicar o

25

Cebrap - Advocacia Popular.indd 25 9/2/2013 7:40:41 PM


seu envolvimento com a defesa de direitos A seguir, são apresentadas as princi-
foi a participação em grupos de extensão pais influências identificadas na trajetória
universitária: 40 casos. Ainda que a alta in- pessoal, profissional e acadêmica dos en-
cidência dessa categoria esteja relacionada trevistados para atuarem com entidades
ao grande número de respondentes que, de defesa de direitos. Os elementos são
no momento da entrevista, eram membros reunidos em três grandes grupos: (2.1) ex-
de uma extensão universitária (18), outros periências universitárias; (2.2) experiências
22 casos de defensores de direito estão li- profissionais; e (2.3) experiências sociais e
gados a experiências desse tipo. Igualmen- pessoais.
te, outra vivência no âmbito estudantil foi
recorrentemente apontada: a participação 2.1 EXPERIÊNCIAS UNIVERSITÁRIAS
no movimento estudantil, em geral, univer-
sitário, mas também secundarista (32 ca- 2.1.1 PESQUISA E ENSINO
sos). Elementos de formação acadêmica, Experiências no âmbito universitá-
como pesquisa e ensino de graduação (34 rio abarcam os três elementos mais men-
casos), ou cursos de especialização e pós-
cionados pelos respondentes. Atividades
-graduação (13 casos) também são men-
mais tradicionais desse ambiente, o ensino
cionados como influências para a atuação
e a pesquisa são apontados como o pri-
na defesa de direitos.
meiro contato com a temática de defesa
Elementos familiares e pessoais (26 de direitos por uma relevante parcela dos
casos), assim como estágios (24), vínculos entrevistados. Em geral, disciplinas sobre
com instituições religiosas (18) e proximi- direitos humanos e os cursos ditos prope-
dade com movimentos sociais e comuni- dêuticos (em especial, nos cursos de direi-
tários (17) foram indicados por um grupo to, tais como sociologia jurídica, teoria do
relevante de entrevistados. Em menor me-
direito, introdução ao direito), e grupos de
dida, o pertencimento do entrevistado ao
pesquisas orientados por professores des-
grupo social que é representado pela en-
sa mesma linha são tidos como influências
tidade de defesa de direitos (9 casos), a
importantes para a escolha profissional dos
experiência prévia em trabalho voluntário
entrevistados em atuar na defesa de direi-
(9), e a sua participação em movimentos
tos pela sociedade civil. Igualmente, cursos
sindicais (7) foram identificados como ele-
de especialização e pós-graduação stricto
mentos de trajetória relevantes.
sensu nessas áreas aparecem com razoável
Tabela 6. Elementos de trajetória frequência como elementos de trajetória
dos entrevistados. A experiência de pes-
Elementos de trajetória Número de
respondentes quisa, especialmente durante a graduação
Extensão universitária 40 dos entrevistados, esteve conectada, com
Pesquisa / Ensino 34 frequência, a outro elemento: a extensão
Movimento estudantil 32
universitária.
Família 26
Estágio 24
2.1.2 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
Religião 18
Movimento social ou comunitário 17 A experiência com projetos ou gru-
Especialização / Pós-Graduação 13 pos de extensão universitária foi o elemen-
Grupo representado 9 to mais mencionado pelos entrevistados
Trabalho voluntário 9 como influência para a atuação em entida-
Movimento sindical 7 des de defesa de direitos. Para muitos dos

26

Cebrap - Advocacia Popular.indd 26 9/2/2013 7:40:41 PM


entrevistados, a extensão universitária pro- Eu fiz o curso de direito [...] e na univer-
move um contato com a realidade de viola- sidade participei da reconstrução do cen-
ção de direitos e sensibiliza para a necessi- tro acadêmico e da instalação [da primei-
dade de uma atuação profissional voltada ra extensão universitária] […] Ainda era a
à defesa de certos grupos e temáticas. Em ditadura, né? De um grupo que era pro-
especial para os respondentes originários gressista, que lutava contra a ditadura na
de faculdades de direito, a extensão é vista época. Ali eu comecei a minha experiên-
como um importante complemento à sua cia prática, de convívio com atendimento
formação e, sobretudo, como uma alterna- à população, organização de um debate
tiva a uma educação jurídica que invisibili- que envolvia a advocacia, mas ao mesmo
za certas demandas e determinadas formas tempo mais estratégico.
de atuação. Exemplos dessa percepção são
Assim como a pesquisa, em regra, es-
identificáveis em diversas entrevistas:
teve associada a atividades de extensão
Para mim, me aproximar de questões universitária, esta, com frequência, aparece
sociais assim e pra fazer uma opção de conectada à participação no movimento
que forma que eu ia exercer a advocacia, estudantil.
a extensão universitária foi fundamental.
Durante a faculdade que eu fiz no interior 2.1.3 MOVIMENTO ESTUDANTIL
[do Estado], nós tínhamos um grupo que
Ao lado da extensão universitária, o
trabalhava com o MST em alguns assen-
tamentos da Reforma Agrária e em acam-
movimento estudantil responde por gran-
pamentos na região [da Cidade], e tinha de parte da influência apontada pelos en-
um núcleo de estudos de direito alterna- trevistados. O seu papel é semelhante:
tivo. Então, para além dos códigos, para politizar o indivíduo e conectá-lo com or-
além das doutrinas jurídicas, assim como ganizações, movimentos sociais e deman-
a gente costuma ver sempre sendo apli- das sociais específicas. Exemplos dessa
cada na prática, a gente também tentava perspectiva podem ser identificados em
fazer um estudo crítico do Direito. Então, diversas entrevistas:
isso foi fundamental. Como a extensão ti-
nha a parte prática de ir para os acampa- O fato de eu ter, no início da faculdade,
mentos, para os assentamentos fortalecer conhecido o pessoal do Centro Acadêmi-
os movimentos sem-terra, isso se tornou co de Direito, [...] acho que foi o principal
muito natural na minha trajetória, na mi- motivo que me levou a participar do de-
nha forma de atuar. bate político sobre a necessidade da críti-
Enquanto estudante da universidade eu ca ao direito, de atuação crítica, de apro-
já de início comecei a me envolver com ximação de movimentos populares, com
grupos de pesquisa e extensão de asses- organizações populares. Eu acho que foi
soria jurídica universitária popular, da uni- a partir dessa militância no movimento
versidade federal, [nome do Núcleo], no estudantil. E também no período da fa-
qual a gente pesquisava e fazia projetos culdade eu comecei a participar de pes-
de extensão na área de educação popular quisas [...] pesquisa interdisciplinar que
em direitos humanos.
me possibilitou conhecer mais também o
Para muitos dos respondentes, a ex- movimento do MST principalmente, e de-
tensão universitária apresenta uma possi- pois tem a questão ambiental pela qual
bilidade de conciliação entre atividade pro- eu atuei na parte de pesquisa e de exten-
fissional e atuação política: são no período da faculdade.

27

Cebrap - Advocacia Popular.indd 27 9/2/2013 7:40:41 PM


O aspecto mais relevante foi o movimen- outro curso que eu gostava. Nessa busca,
to estudantil, a formação proporcionada por me envolver em outros projeto pra
no ambiente de contato com os movi- permanecer no direito eu acabei conhe-
mentos sociais, contato com organização cendo o centro acadêmico, um grupo que
de direitos humanos, isso mais ou menos fazia parte do centro acadêmico da facul-
moldou valores que eu trago pra hoje, pra dade e foi nesse grupo que eu me identi-
minha carreira profissional. Como eu tam- fiquei. E paralelo a esse grupo, na mesma
bém não tenho uma trajetória profissio- época, a faculdade estava dando seus pri-
nal... eu me formei faz 2 anos, eu tenho 26 meiros passos na extensão universitária e
anos, então o que me levou na verdade aí eu participei de um projeto.
foi o movimento estudantil, em termos
de formação de valores e de formação de 2.2 EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS
princípios. Certas experiências de atuação profis-
Eu comecei no movimento estudantil, na sional também são apontadas como deter-
faculdade mesmo, na Universidade Fede- minantes para a escolha dos entrevistados
ral [do Estado], eu participei da direção em atuarem na defesa de direitos. Em 24
do diretório central dos estudantes, pri- casos, o estágio teria sido especialmente
meiro centro acadêmico, depois diretório
influente. Destes, 19 apontam ter realiza-
central dos estudantes, então foi lá que
do estágios em ONGs durante a sua gra-
“eu politizei”, vamos dizer assim. E aí a
gente fazia pesquisa, visitas a assenta-
duação. Em muitos desses casos, trata-se
mentos, a gente participava do Grito dos das próprias organizações onde, hoje, os
Excluídos, então o meu foco jurídico foi entrevistados atuam profissional ou mes-
sendo direcionado para a área social por mo voluntariamente. Em outros quatro ca-
conta disso, por conta dessa atuação e sos, estágios no Ministério Público, seja ele
desse enfrentamento com população de estadual ou federal, são indicados como
baixa renda, com Movimento dos Sem elementos de trajetória influentes. Neste
Terra. sentido, órgãos especializados do Ministé-
Assim como atividades de pesquisa e rio Público cumprem um papel especial em
a extensão universitária, o movimento es- influenciar os respondentes, como ilustra o
tudantil é, frequentemente, a linha de atua- trecho destacado:
ção universitária a que muitos responden- Eu fiz seleção para ser estagiária do Mi-
tes atribuem o seu maior interesse no curso nistério Público Federal, e lá eu fiquei à
de graduação, em especial nos cursos de disposição da Procuradoria Regional dos
direito: Direitos do Cidadão, PRDC, e aí eu, des-
de então, comecei a ter bastante contato
Comecei o curso e logo de cara tive uma
com a questão dos direitos humanos. […]
desmotivação muito grande porque não
E anteriormente, antes de ser estagiária
era nada do que eu imaginava, bem tradi-
no Ministério Público Federal, no meu 1º.
cional. Tradicional, conservador, de todas
ano na faculdade, eu fiz também uma se-
as formas conservador, tanto no ensino
leção e fui aprovada para ser estagiária
quanto na pesquisa. Nós já tínhamos ex-
em uma ONG.
periência de extensão na época que eu
entrei na faculdade e foi essa inquietação
2.3 EXPERIÊNCIAS PESSOAIS, SOCIAIS E
em relação ao curso que me levou a pro-
POLÍTICAS
curar alguma forma de me manter nele.
Minha primeira ideia era desistir do cur- Além de experiências universitárias e
so, era ir fazer ciências sociais porque era profissionais, influências de elementos pes-

28

Cebrap - Advocacia Popular.indd 28 9/2/2013 7:40:41 PM


soais (tais como a família), sociais (religião) Em outros casos, a influência familiar
e políticos (movimentos comunitários e so- decorre da identificação da família com o
ciais) também são identificáveis nas entre- próprio grupo defendido pela entidade.
vistas. Por exemplo:
[me motivei a atuar na entidade] por al-
2.3.1 FAMÍLIA
gumas razões pessoais, de ter algumas
A influência familiar como motivação pessoas da família que viviam com Aids.
para atuação na defesa de direitos foi men-
Eu sou familiar de 3 desaparecidos polí-
cionada por 26 entrevistados. Esta influên-
ticos [...]
cia aparece sob diversas formas: em razão
Sempre me identifiquei, acho que por eu
da politização da própria família, como pa-
ser de uma família humilde também.
rentes que eram membros de movimentos
sociais, partidos políticos ou organizações Eu venho de uma família que também tem
sindicais: muitos, até hoje, parentes e tios que são
trabalhadores rurais, então eu sei muito
Eu sou filho de agricultores provenientes
bem como é essa situação também no
de assentamentos ligados ao MST, então
aspecto familiar
a minha família toda é de agricultores [...].
E meus pais são líderes do MST desde os 2.3.2 GRUPO REPRESENTADO
anos 80 e eu me formei no ano 2000, an-
O vínculo do respondente com o pró-
tes fui seminarista ligado à igreja católi-
prio grupo representado pela entidade em
ca, fiz direito, me formei no ano 2000 e, a
que atua decorre, também, da sua própria
partir daí segmento às atividades de de-
percepção como membro de uma determi-
fesa e assistência aos trabalhadores rurais
ligados aos sindicatos de trabalhadores
nada coletividade. Por exemplo:
rurais, a movimentos sociais diversos, en- O primeiro grande aspecto da minha car-
tre eles o MST, e trabalhei junto da igreja reira e da minha vida pessoal é o fato de
católica [em outra organização], até che- ser negro; o fato de ser negro e a forma
gar [à entidade]. com que essa identidade foi aparecendo
na minha vida. E essa identidade, do ser
Venho de uma família de militantes na
negro, foi aparecendo na minha vida mui-
área de direitos humanos. Meu pai sur-
to também conjunto com a minha vida
giu de uma militância mais partidária, a
acadêmica. À medida que eu ia avançan-
partir do PCdoB, na década de 70. Minha
do nos estudos, à medida que a minha
irmã mais velha milita com o Movimento
vida acadêmica ia se fundindo também
dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
com a minha vida pessoal, com a minha
Sem Terra, desde o Movimento Estudantil
vida familiar, essa questão foi se afloran-
até hoje, formada em Jornalismo, e fazen-
do, foi se tornando muito evidente pra
do a assessoria de comunicação do Mo-
mim, né? E, assim, a ideia, primeiro: como
vimento.
era necessário compreender isso melhor,
Minha mãe é sindicalista, então já ia dire- entender as consequências não só da vida
cionada para uma coisa menos legalista pessoal, mas as consequências políticas
já, desde sempre, então acabei na facul- do ser um homem negro numa socieda-
dade me envolvendo com movimento es- de como a nossa, formada como a nossa
tudantil e movimentos sociais, já ajudava é formada, e acessando e frequentando
com movimentos sociais. certos espaços em que eu via que a pre-

29

Cebrap - Advocacia Popular.indd 29 9/2/2013 7:40:41 PM


sença dos negros era cada vez mais rara base, denominadas CEB’s. Eu sou desse
ou praticamente não existe. grupo, de uma teologia da libertação, a
questão do cristianismo ligada à questão
Estava no meio do boom da história da
da militância, da luta, da defesa dos mais
Aids, do surgimento da epidemia de Aids,
pobres, dos excluídos e marginalizados.
tal. E é uma epidemia que afetou princi-
E aí com essa ideia cristã-revolucionária,
palmente a nossa comunidade gay. Estig-
vamos dizer assim, eu optei fazer direito
matizou, primeiro porque chamavam de
que acharia que teria uma boa contribui-
câncer gay. E daí por diante eu comecei
ção para a sociedade fazendo direito e le-
a trabalhar com criança com HIV, acabei
var aquilo que tinha de garra, de vontade,
indo trabalhar para adultos, com a par-
da adolescência, essa vontade de querer
te de Direito mesmo [...] No transcorrer
mudar o mundo, de transformar, e aí eu
disso tudo, começou-se a discussão dos
fui fazer direito. Eu tinha um amigo que
direitos, porque muitos gays na época,
também fez direito e que a gente tinha
que viviam juntos e construíram uma
os mesmos ideais, as mesmas vontades,
vida juntos, morreram e o parceiro ficou
e dentro da Pastoral da Juventude a gen-
à deriva, e aí não tinha nenhum direito
te ia cada vez mais aprendendo, aperfei-
que amparasse. Não tinha nenhuma dis-
çoando, querendo, então era sempre li-
cussão e nenhum direito já conquistado
gando essa questão da obra e da fé.
que amparasse as relações. Eram relações
que existiam, que todo mundo sabia que Na juventude, militando com a Comuni-
existia, mas que ninguém reconhecia juri- dade, também a partir de uma Instituição
dicamente. Religiosa, eu comecei a realizar atividades
com Comunidades, […] e aí por conta dis-
2.3.3 RELIGIÃO so eu acho que passei a aludir o interesse
por essas questões que a gente costuma
Além de influências familiares e da
reunir dentro da temática dos Direitos
identificação pessoal com determinado
Humanos. E aí fui fazer graduação em Di-
grupo, outras relações sociais também
reito muito movido por isso também.
emergem das entrevistas como determi-
nantes para o envolvimento dos responden- Na verdade, nós estamos situados numa
região, que é o nordeste brasileiro, que se
tes com a defesa de direitos. As instituições
configura como uma região que histori-
religiosas são um primeiro exemplo desse
camente tem violado os direitos das pes-
tipo de vínculo social. Em diversos casos,
soas, dos mais pobres, dos trabalhadores
o pertencimento ou a proximidade do en-
rurais, das populações tradicionais indíge-
trevistado a organizações da igreja, nota- nas, quilombolas, pescadores artesanais
damente, católica, são mencionados como e pescadoras, então logo muito cedo na
cruciais para a sua dedicação à área. Essas minha juventude, ainda com 14 anos, eu
organizações da igreja são, em sua maioria, estava já num processo de inserção dos
bastante capilarizadas, de atenção direta movimentos de resistência, de reflexão,
a comunidades e indivíduos vulnerabiliza- de todo esse processo. E daí, a partir des-
dos, tais como as comunidades eclesiais de se momento eu comecei a perceber como
base e as pastorais da juventude. era grave essa situação e aí eu fui, cada
vez mais, me envolvendo com a atuação
Exemplos dessa influência das orga-
das comunidades eclesiais de base e as
nizações religiosas podem ser destacados: pastorais sociais da CNBB na época, e
Eu sempre fui militante na Pastoral da Ju- conhecer um pouco mais da realidade do
ventude, nas comunidades eclesiais de nosso estado e o debate político sobre

30

Cebrap - Advocacia Popular.indd 30 9/2/2013 7:40:41 PM


as questões históricas, do nordeste, e a progressista [...], a falta de liberdade de
minha formação então veio, dialogando expressão. A gente tinha medo até de se
com esse grau de envolvimento que eu encontrar, de marcar qualquer reunião a
já tinha muito cedo com essa realidade, gente tinha receio. A gente estava viven-
então eu fui estudar Teologia, Ciências da do esse... Naturalmente os direitos civis,
Religião. políticos, todos cerceados, a gente não
O vínculo religioso também é mencio- tinha nem direito a votar naquela época.
nado como motivação de um compromis- Eu sabia de frequentes sequestros-relâm-
so ético com a defesa de direitos, tal como pagos, digamos assim. Eu nem sei se re-

ilustrado pelo seguinte trecho: lâmpagos, sequestros mesmos, prisões,


denúncias de torturas, desaparecimento
A minha vinda para [a Entidade] foi muito
de pessoas muito queridas, muito sérias.
a questão da fé, de acreditar num traba-
E daqui, no bairro [...], perdemos muitas
lho de transformação, então eu tinha pra-
pessoas, muitas pessoas foram presas e
ticamente duas atividades, uma atividade
teve gente que sumiu, foi torturada e tudo
profissional e uma atividade de militância
mais.
religiosa que depois se tornou política.
Aí ficou fé e política. Assim, pela idade, E aí participamos do grupo de mães, par-
eu estou com 56 anos, de trabalho as- ticipamos dos primeiros movimentos so-
sim, nasce nas comunidades eclesiais de ciais aqui, antigamente o movimento de
base, nasce toda a questão da teologia moradia aqui era muito forte, porque, se
da libertação dentro da Igreja, onde você você for conhecer o nosso bairro, o nos-
é chamado a atuar, trabalhei com a alfa- so bairro tem muita ocupação de terra é
betização de adultos, com um bispo bem muito desregular, pode ver que aqui no
progressista [...] dentro dessa proposta [bairro] se for comparado ao centro da
de você ir aonde... de encontro do pobre, cidade, aqui nós temos dois graus a mais
de uma opção preferencial pelo pobre de calor do que no centro, porque aqui foi
acabei chegando [na Entidade] [...] para totalmente ocupado de moradia, então a
trabalhar nesse questão de... mais com
vida começou a apertar, as pessoas eram
moradores de rua. [...] Então eu desde jo-
empurradas, dos bairros melhores para
vem assim, tive uma família muito sensível
as periferias, é então... é um bairro dormi-
a essas causas sociais.
tório, que comparado aos 43 anos atrás

2.3.4 CONTEXTO POLÍTICO, que cheguei e até hoje, é outro bairro. E

MOVIMENTOS SOCIAIS E a gente tem orgulho muito grande disso,


porque a participação do movimento de
COMUNITÁRIOS
saúde, do movimento de mulheres, o mo-
Outro elemento social apontado vimento de moradia, movimento de cre-
como relevante à atuação na defesa de di- che, ferve... deu um “fervecimento” aqui
reitos é o contexto político vivido pelo en- na região, pra melhorar a qualidade de
trevistado e seus vínculos com movimen- vida das pessoas. Então eu sou oriunda
tos sociais, sindicais e comunitários: dos movimentos populares, do movimen-
Era época da ditadura militar, certo? Nós to da teologia da libertação e em 89 em
estávamos aqui, o bairro, nossa área aqui, 79, eu estava montando um grupo de
foi muito atingida de todas as formas. adolescentes, [...] era a época das greves
Essa foi uma das coisas. Perseguições lá do ABC aquela coisa toda, e eu tava
das lideranças, os movimentos libertários, aqui ajudando a organizar alguns grupos
a própria igreja na época aqui também, de jovens.

31

Cebrap - Advocacia Popular.indd 31 9/2/2013 7:40:41 PM


eu fui da CIPA ali na fábrica, a gente ti- o movimento estudantil, experiências aca-
nha um jeito de trabalhar, e essa forma dêmicas em pesquisa e ensino, influências
de ver a sociedade sempre deixa a gente familiares e conexões com organizações
indignado com alguma coisa, e eu acabei religiosas. Essas experiências são aponta-
sendo da CIPA, votado ali, bem votado, das como vetores da politização e apren-
trabalhei bem lá pelo trabalhadores né,
dizado necessários à atuação na defesa de
eu estava mais ou menos com 10 anos de
direitos. Como se verá na seção a seguir,
serviço lá.
as trajetórias dos entrevistados e as suas
O perfil dos respondentes traçado percepções sobre a defesa de direitos ilus-
com base nas experiências universitárias, tradas em suas narrativas estão bastante
profissionais, pessoais e sociais identifica- alinhadas com os temas de trabalho, ati-
das denotam uma importante variedade vidades desenvolvidas e estratégias ado-
de trajetórias. Há, no entanto, elementos tadas pelas entidades em que estes indi-
recorrentes nas trajetórias de um relevan- víduos atuam. O seu perfil de formação,
te número de respondentes, em especial o dessa forma, está ligado ao do das entida-
seu vínculo com a extensão universitária e des onde atuam.

32

Cebrap - Advocacia Popular.indd 32 9/2/2013 7:40:41 PM


3.PERFIL DAS
ENTIDADES

Em complementação à análise dos na variedade de temas trabalhados pelas


respondentes das entrevistas, esta seção entidades. Foram identificadas 22 áreas te-
apresenta os primeiros dados para respon- máticas de atuação das organizações en-
der à pergunta sobre quem são as entida- trevistadas. As áreas temáticas aglutinaram
des da sociedade civil que mobilizam o diversas linhas específicas de atuação24. A
direito. O objetivo é traçar o perfil das enti- maior parte das entidades atua em mais
dades que compõem a amostra a partir de de uma área temática: enquanto apenas
seis variáveis: (3.1) temas de atuação; (3.2) 34 indicam ser especializadas em um úni-
tipos de atividades desenvolvidas; (3.3) co tema, 69 entidades informam atividades
âmbitos de atuação; (3.4) histórico da enti-
em mais de uma área. As áreas de atuação
dade; (3.5) estrutura interna; e (3.6) formas
indicam, também, o potencial de atuação
de financiamento.
coletiva das entidades, por se tratarem, na
Por meio da apresentação desses da- maioria, de temas determinados por sua
dos, a multiplicidade de experiências de dimensão grupal, coletiva ou até mesmo
mobilização jurídica detectada pela pes- difusa. Nota-se, ainda, a concentração em
quisa é evidenciada. A análise do perfil das temas conectados com violações perpetra-
entidades servirá como referência também das pelo Estado (como no caso da violên-
para a análise das interações da sociedade cia institucional e em muitos sob a alcunha
civil com o Ministério Público e a Defenso-
crianças e adolescentes), e com direitos so-
ria Pública, objeto de análise nas seções 5
ciais historicamente demandados no Brasil,
e 6. Em complemento aos dados apresen-
tais como aqueles refletidos nas áreas te-
tados a seguir, a seção seguinte abordará,
máticas relacionadas a conflitos fundiários
detalhadamente, outro elemento que com-
(terra, cidade, comunidades tradicionais e
põe o perfil das entidades: as suas estraté-
indígenas).
gias de atuação jurídica.
Na tabela a seguir, apresenta-se a
3.1 TEMAS DE ATUAÇÃO distribuição das entidades conforme a sua
A multiplicidade de experiências co- área temática de atuação, em ordem de-
letadas na amostra da pesquisa se reflete crescente de concentração:

24
As áreas de atuação incluem os seguintes temas, na ordem de concentração das entidades: Violência institucional: vio-
lência do Estado, violência policial, sistema prisional, memória, reparação, responsabilização, tortura; Cidade: moradia; re-
gularização fundiária; reforma urbana, direito à cidade, conflitos fundiários urbanos, sem-teto; Crianças e Adolescentes: Es-
tatuto da Criança e do Adolescente, crianças e adolescentes; juventude, menores em conflito com a lei, exploração sexual
de menores; Terra: terra, reforma agrária, movimentos sem-terra, conflitos fundiários rurais, agricultores; Gênero: mulheres;
feminismo, violência doméstica; direitos reprodutivos; Comunidades Tradicionais: quilombolas, ribeirinhos e moradores da
zona costeira; Meio ambiente: meio ambiente, proteção ambiental, poluição; Saúde: acesso a medicamentos; HIV/Aids e
discriminação; Indígenas: indíos, territórios indígenas, discriminação indígena; Trabalho: trabalhadores, sindicatos, trabalho
escravo, cooperativas, catadores de material; LGBT: gays, lésbicas, travestis, transexuais; Família: planejamento familiar, di-
vórcio, organização familiar; Criminal: defesa criminal de militantes sociais, atuação na justiça criminal; Consumidor: direito
do consumidor, consumidores, proteção e defesa do consumidor; Organização comunitária: regularização e formação de
associações de moradores, articulação comunitária; Educação: direito à educação, escolas e universidades; Raça: negros,
discriminação racial e étnica; Idosos e portadores de deficiência: idosos, portadores de deficiência e cegos; Imigrantes: imi-
grantes e ciganos; Comunicação: direito à comunicação, democratização das comunicações; Tráfico de pessoas; Religião:
intolerância religiosa, discriminação pela religião, religiões africanas.
33

Cebrap - Advocacia Popular.indd 33 9/2/2013 7:40:41 PM


Tabela 7. Temas de atuação das entidades Com respeito às atividades, as entida-
Áreas temáticas Número de
des entrevistadas foram classificadas em
entidades cinco eixos de atuação: (a) atividade jurídi-
Violência Institucional 30 ca; (b) atividade de pesquisa e publicação;
Cidade 26 (c) atividade comunitária; (d) atividade de
Crianças e adolescentes 25 comunicação; e (e) atendimento psicosso-
Terra 20
cial. Grande parte das entidades que inte-
Gênero 19
gram a amostra desenvolve atividades jurí-
Comunidades tradicionais 17
dica e comunitária e, em menor medida, os
Meio ambiente 16
outros tipos estudados, conforme a tabela
Saúde 15
abaixo:
Indígenas
12
Trabalho
Tabela 8. Atividades realizadas
LGBT 9
pelas entidades
Família 7
Criminal Atividade Número de entidades
6
Consumidor
Jurídica 90
Organização comunitária
Pesquisa e publicação 28
Educação 5
Raça Comunitária 83
Idosos e portadores de deficiência 4 Comunicação 35
Imigrantes Psicossocial 11
3
Comunicação
Tráfico de pessoas
Religião
2 3.2.1 ATIVIDADE JURÍDICA
Das 103 entidades, 90 delas têm al-
3.2 ATIVIDADES gum tipo de atividade jurídica: atendimen-
As entidades que compõem a amos- to individual, orientação jurídica, atuação
tra também apresentam grande variedade judicial coletiva, encaminhamentos a ou-
com relação aos públicos atingidos pelas tros órgãos etc. (este elemento será apro-
suas atividades, às formas e estratégias de fundado na seção seguinte, sobre atuação
atuação e aos âmbitos em que realizam judicial). Importa destacar, neste pon-
to, que as atividades jurídicas da maioria
suas atividades. Quanto ao público, 74 en-
das entidades são, com frequência, com-
tidades atuam com algum tipo de atendi-
preendidas como parte de uma estratégia
mento individual (mas apenas seis atuam
de atuação mais ampla. Não raramente, a
somente com esta modalidade). Com pú-
atividade jurídica não é vista como central
blicos coletivos, 25 entidades atuam junto
pela entidade de defesa de direitos. Exem-
a movimentos sociais e 92 prestam aten-
plos dessa compreensão multifacetada
dimento a algum outro tipo de grupo (co-
das atividades das entidades podem ser
munidades, escolas, grupos étnicos etc.).
citados:
Dentre as 103 entidades estudadas, no tra-
Então essa sua atuação no judiciário é
balho de 12 delas foi possível identificar ati-
apenas uma das atividades da entidade,
vidades com um público difuso, isto é, não
não sei se chega a ser a principal, acho
determinável individual ou coletivamente. que nem chega, acho que nem de longe
Exemplos de entidades com esse tipo de chega a ser a principal atividade da [enti-
público são aquelas que atuam com temá- dade]. Tem toda a sua importância, claro,
ticas como consumidor e o meio ambiente. tem toda a sua relevância, mas é apenas

34

Cebrap - Advocacia Popular.indd 34 9/2/2013 7:40:41 PM


uma das áreas de atuação da entidade e mização das suas próprias estratégias (jurí-
não é propriamente a única. dicas ou não), mas também direcionados a
[A entidade] tem um viés diferenciado influenciar a agenda de órgãos estatais e a
porque ela faz um atendimento não só à pautar políticas públicas. Conforme sugeri-
vítima, mas à família da vítima, então faz do nas entrevistas, a atividade de pesquisa
atendimento psicológico, social e jurídico. está, em geral, integrada às outras formas
Então ela faz grupos para que a vítima de atuação das entidades:
consiga superar o trauma com ela, então
De monitoramento e pesquisa a gente
o psicólogo vai e faz esse atendimento, a
tem, falando de forma geral, um recorte
assistente social faz alguns devidos en-
de acesso à terra, direito à terra e de mo-
caminhamentos para programas [...] para
nitoramento de como está sendo efetiva-
poder incluir essa família dentro de uma
do esse direito à terra de povos indígenas
rede caso ela não esteja na rede de pro-
e comunidades quilombolas […] a gente
gramas. E a psicóloga tenta então dar
monitora todos os dias como está sendo
esse parecer, dar esse retorno, ouvir, con-
a efetivação do direito à terra, no senti-
versar, mas é óbvio que todos que ainda
do de... a gente monitora os processos
procuram a [entidade] têm um viés maior,
da Funai, os processos do Incra, assim,
que é o viés jurídico, a proteção jurídica.
essa é regular. Mas também tem algumas
Então procura, a gente então tem essa
pesquisas periódicas que a gente faz isso
primeira conversa com todos os técnicos,
também, trabalho de campo, a gente fez
tem um estudo de caso, faz o encaminha-
uma agora de índios na cidade e a gente
mento quando é possível, senão se é uma
levantou algumas políticas, a gente con-
coisa mais urgente a gente já faz um en-
tratou um antropólogo que foi entrevis-
caminhamento e a gente então protocola
tar os índios sobre como que foram efe-
as denúncias.
tivadas essas políticas, teve um trabalho
[A entidade] capacita, ela trabalha com que era de escritório que era de descobrir
prevenção, ela constrói metodologia, ela quais eram essas políticas.
faz diagnóstico de vulnerabilidades, ela
Eu acho que a parte de pesquisa e produ-
atende diretamente a vítima, ela encami-
ção de relatórios, documentação... é uma
nha, ela atua na pacificação da família [...],
parte que ganha uma centralidade muito
ela defende, denuncia tortura, maus-tra-
grande, e isso aliado a uma articulação
tos, atua no contexto das mulheres encar- sempre com os movimentos sociais e
ceradas defendendo os direitos das mu- com os atores locais, né, então acho que a
lheres, do atendimento às especificidades gente talvez possa dizer que a nossa prin-
das mulheres presas, faz advocacy, lobby, cipal forma de trabalho é em articulação
faz tudo que for do interesse da pessoa, com os atores locais, porque a gente não
do segmento que nós defendemos atua só [na cidade], a gente tem casos
de outros estados da federação, então a
3.2.2 ATIVIDADE DE PESQUISA E
gente trabalha sempre junto das outras
PUBLICAÇÃO
entidades ou movimentos de locais espe-
Aproximadamente 1/4 das 103 enti- cíficos.
dades desenvolve atividades de pesqui- A gente fez dois tipos de coleta de dados,
sa entre as suas formas de atuação. Essas uma coleta de perfil socioeconômico, ali
atividades compreendem a realização de no atendimento no presídio, então tinha
estudos sobre as temáticas de atuação da todo um questionário de perfil socioeco-
entidade, muitas vezes voltados para a oti- nômico da população que estava sendo

35

Cebrap - Advocacia Popular.indd 35 9/2/2013 7:40:41 PM


presa, este questionário já foi para esta- tratos, anular cláusulas contratuais que
tística e já tem uma primeira tabulação são abusivas, por exemplo. Tem a atua-
que vai servir para a nossa sistematização ção em testes e pesquisas, a gente testa
de dados, identificar quem é a pessoa o produto, leva esse resultado, e é teste
presa, né? Quem está fazendo essa amea- sério, é teste que é com laboratório cre-
ça de população prisional que hoje em dia denciado, inclusive pelo Inmetro. Então a
é insustentável, de meio milhão de pes- gente testa o produto e, com isso, com os
soas. E um segundo momento é a coleta resultados disso – a gente publica, claro,
de dados mais jurídica, que é a que está esses resultados – e também pleiteia poli-
sendo feita nesse momento, então os ca- ticamente ou judicialmente uma questão.
sos como [ela] explicou eram distribuídos Então tem essa atuação política, de plei-
pelos advogados associados, então tinha tear regulamentação de direitos, a fiscali-
um grupo para o atendimento, mas não zação, a melhora de produtos e serviços,
só esse grupo recebia o caso depois, era na qualidade e na oferta. E ainda tem,
um grupo muito maior que recebia e pas- claro, a orientação ao consumidor, seja
sava a cuidar da questão prisional daque- pelo site, seja pela revista, seja pelo aten-
la pessoa e aí agora então a gente tem dimento pessoal. A gente tem um aten-
estagiários [da entidade] fazendo uma dimento pessoal, então são essas quatro
coleta do que aconteceu juridicamente atuações que a gente tem, e que elas aca-
com esses casos, se foi ou não foi apli- bam se mesclando, acabam virando três,
cada a medida cautelar, se a pessoa res- e mais ou menos isso.
pondeu ou não respondeu presa, quanto
Muitas das pesquisas elaboradas pe-
tempo fico presa para comparar com a
las entidades são transformadas em publi-
pena aplicada ao final, o que, no crime de
cações. No caso de 18 entidades entrevis-
furto, raramente é uma pena de prisão,
tadas, a produção de materiais impressos e
então a pessoa responde presa e no final
é solta, e aí diagnostica qual está sendo o
até mesmo em vídeo integra as suas estra-
atendimento do Judiciário, a aplicação do tégias de atuação.
Judiciário da lei das medidas cautelares. Além de publicações institucionais,
Tem a equipe que está o tempo todo rea- há entidades que divulgam materiais te-
lizando essa pesquisa para as ações de máticos, com o fim de sensibilizar outros
áreas e a gente também tem um grupo órgãos e a sociedade em geral, misturan-
de pesquisa que é interno da equipe, que do-se à atividade comunitária:
se reúne quinzenalmente pra discutir al-
[A entidade] também tem vários mate-
gumas temáticas em direitos humanos
riais produzidos, materiais que dialogam
como forma de capacitação de equipe,
com professores, materiais que dialogam
de aprofundamento das discussões e
com a sociedade, materiais com dialo-
também a gente em alguns momentos
gam com os próprios, os próprios LGBT,
elabora materiais de direitos humanos
a gente subsidia eles com esse material,
quando somos solicitados.
faz um histórico um pouco de como é que
A gente vai para a Justiça pleitear direi- é a nossa atuação, e às vezes a gente vai
tos decorrentes de danos, ou mesmo para a própria sala de aula, nesse caso aí
pleitear a melhor qualidade de produtos ainda vamos ver os dias, para a gente dia-
e serviços, ou ainda o cumprimento de le- logar com toda a turma, compartilhar das
gislações que já existem e que não estão nossas experiências, dizendo por que a
sendo cumpridas, e que a fiscalização não nossa luta ela é importante, por que ela
dá conta de fazer cumprir. Modificar con- deve ser respeitada.

36

Cebrap - Advocacia Popular.indd 36 9/2/2013 7:40:42 PM


Há entidades, ainda, que utilizam a Nossas reuniões, nossas atividades, estão
atividade de publicação como meio de po- muito centradas com a questão da edu-
tencializar a sua atuação jurídica, até mes- cação, de melhorar e formar outros novos
mo multiplicando-a: agentes, né? No incentivo à formação de
grupos da sociedade civil, associação, é
Tem essa coisa das ações emblemáticas,
uma das formas que a gente orienta para
e a gente tem hoje um site também [...] E a questão de reivindicações, tentando
nesse site a gente disponibiliza um acer- criar um pouco de autonomia para os tra-
vo de decisões sobre a questão racial e balhadores.
religiosa no Brasil. Que esse é outro tema
O nosso trabalho está muito mais volta-
que a gente trata também no programa
do para a formação política das mulheres.
jurídico, que é a intolerância religiosa com
Capacitação e formação das mulheres,
um enfoque maior nas religiões de matriz
[...] esse trabalho de incidência política,
africana.
do controle social, a gente hoje está mui-
3.2.3 ATIVIDADE COMUNITÁRIA to mais focada nessa ação, do empode-
ramento político, [...] econômico, social,
A atividade comunitária – que envolve
das, essa questão muito mais do que da
o trabalho de base, de proximidade aos pú- formação, a gente faz cursos, a gente tra-
blicos atingidos pela atuação da entidade – balha, ainda continuamos com o trabalho
foi observada em 83 das 103 organizações de fortalecimento das mulheres no cam-
entrevistadas. Esta categoria de atividades po mais da subjetividade.
inclui a realização de cursos, capacitações, A gente tem um curso que tem a duração
trabalhos educativos, campanhas e forma- de 9 meses, ele é anual, e totalmente gra-
ções com indivíduos, coletivos e movimen- tuito, voltado para capacitar lideranças
tos sociais vinculados à temática trabalhada comunitárias na defesa dos direitos hu-
pela entidade. Além de, em uma dimensão manos. Então eles recebem noções de to-
quantitativa, a atividade comunitária se das as áreas de direito – civil, constitucio-
revelar importante na amostra estudada, nal, trabalhista – além de noções também
qualitativamente ela também é central às sobre diretos humanos, políticas públicas
entidades de defesa de direitos. Para mui- e essas pessoas vão funcionar como mul-

tos respondentes, esta forma de atividade tiplicadores do conhecimento do direito


nas suas comunidades.
é o que, em larga medida, determina os ru-
mos da atuação em outros meios, dentre Junto às comunidades, nós temos hoje o
eles a atividade jurídica. A atuação das en- direito à cidade, que faz formação junto a
tidades de defesa de direitos da sociedade lideranças comunitárias e aí é de uma re-

civil tem, assim, um elevado potencial de gião, algumas localidades da região me-
tropolitana [da cidade] e a finalidade des-
capilaridade e conexão direta com os pú-
sa formação é o fortalecimento no campo
blicos que visa defender.
político. Uma formação que é recente
Exemplos da centralidade dessa ativi- agora é com grupos de mulheres também
dade podem ser destacados das entrevis- com a temática do direito à cidade, o di-
tas. Diversos respondentes referiram o pa- reito à moradia, trabalhando as mulheres
pel das entidades de defesa de direitos em da comunidade pra tentar abordar ques-
formar novos defensores de direitos e em tões de gênero.
multiplicar o conhecimento sobre a temá- A gente tem essa questão através das as-
tica trabalhada: sembleias, de cursos e de seminários, que

37

Cebrap - Advocacia Popular.indd 37 9/2/2013 7:40:42 PM


é a formação da nossa comunidade para são shows, são mostras de filmes, são vá-
exercer e fazer isso, o advocacy junto aos rias atividades com o tema da diversidade
poderes constituídos e também sensibili- sexual. E a gente também, nessa semana
zar a sociedade, fazer as devidas denún- que já inclusive integra o calendário de
cias porque a gente continua [...]. eventos do município de [nome da cida-
de], ela é realizada na última semana de
Desenvolvemos ações nesse mesmo pro-
agosto de cada ano, esse ano nós vamos
cesso de acompanhamento sociojurídico
para a nona edição [...]. Então dentro des-
a essas comunidades, de acompanha-
ses objetivos de formar militantes do mo-
mento em audiências, em reuniões com
vimento social e também dar assistência
órgãos fundiários, mas também [...] com
jurídica para LGBT.
foco bastante intenso no processo de
formação política dessas lideranças, esse 3.2.4 ATIVIDADE DE COMUNICAÇÃO
processo de formação aqui na [entidade],
e isso desde 2001, processo de formação Junto às atividades jurídica, de pes-
de lideranças. quisa e comunitária, diversas entidades
mencionam empreender esforços relacio-
Frente ao perfil variado de entida-
nados à comunicação e às mídias em geral.
des, há, também, uma diversidade de com-
Dentre as 103 entrevistadas, 35 indicaram
preensões sobre a atividade comunitária.
ter alguma iniciativa mais sistemática de
Além de experiências de formação de lide-
tematizar os meios de comunicação. Há
ranças, como as referidas, alguns entrevis-
grande variedade nas estratégias de atua-
tados mencionam a realização de ativida-
ção em relação à mídia. Algumas entidades,
des culturais e a organização de grandes
dotadas de maior estrutura e, especialmen-
eventos de mobilização como parte de sua
te, de assessoria de comunicação, buscam
atividade de proximidade aos públicos re-
divulgar as suas atividades e tematizar as
presentados:
abordagens dos meios de comunicação so-
a área de resgate da autoestima e de va- bre as temáticas em que atuam:
lorização da cultura dos imigrantes em
E essa assessora de comunicação, ela faz
São Paulo, especialmente sul-americanos
esse link com a mídia impressa, com a mí-
e africanos […] neste segundo semestre
dia eletrônica e com a mídia televisiva, e
de 2012 foi inaugurado um curso de por-
assim há sim uma articulação com a mídia
tuguês e formação política. Então o en-
na medida da possibilidade.
sino do idioma português com formação
política. Que é um trabalho que faz parte Articulação junto a grande mídia lutando
da lógica de buscar o protagonismo do justamente, quer dizer, pedindo, lutan-
imigrante, de ajudar no conhecimento do, implorando para que não generalize,
dos seus direitos, mas que é novo. e isso praticamente uma vez por semana
eu tiro um dia para fazer essas comuni-
[A entidade] realiza todos os anos a Pa-
cações e eu mando para o Estadão, para
rada da Diversidade, nós estivemos em
todas as mídias.
todas elas à frente da organização. […]
Nós realizamos um evento [...], que é um Temos assim, nós temos uma pessoa que
evento que mobiliza a cidade toda, nós cuida dessa parte de comunicação do
realizamos atividades em Universidades, centro, fazer com que essa, esse traba-
em espaços populares, em praças, enfim, lho do centro se torne visível, gere uma
em vários, em órgãos públicos, e esses discussão política, uma opinião [inaudível
eventos são os mais diversos possíveis, de 0:20:31 até 0:20:40] boletim de circu-
são oficinas, são palestras, são debates, lação mensal, de 1.000 exemplares que

38

Cebrap - Advocacia Popular.indd 38 9/2/2013 7:40:42 PM


circula aqui na cidade uma vez por mês, psicossocial ao atendimento jurídico dos
aonde a gente divulga nossas ações, co- públicos a que atendem. Os dois tipos de
loca um editorial com nossas opiniões so- atividade se complementam, dessa forma,
bre assuntos específicos, e também nós em uma mesma entidade:
participamos, criamos também uma, uma
A atuação profissional é uma atuação in-
rádio comunitária aonde também a gente
terdisciplinar, têm advogados, assistentes
faz todo um trabalho voltado... com um
sociais, psicólogos, jornalistas, educado-
grupo de 35 jovens e adolescentes nessa
res, então especialmente as intervenções
área de direitos humanos e cidadania, co-
judiciais, elas são todas acompanhadas
municação voltada na defesa dos direitos
por uma equipe interdisciplinar de psicó-
humanos.
logos e assistentes sociais que desenvol-
Além disso, em razão da expertise vem ações para família, que desenvolvem
acumulada pelas entidades de defesa de relatórios, que incidem diretamente na
direitos, muitas delas se tornam referência própria defesa desses beneficiários.
para os próprios meios de comunicação, Esse acompanhamento psicossocial, as
que as buscam como fontes jornalísticas: famílias chegam até nós, porque [a enti-
A gente já tem uma atuação ação pontual dade] trabalha numa perspectiva de ca-
com jornalistas já há algum tempo. Faz sos emblemáticos, porque não há condi-
pelo menos uns cinco anos que a gente ções de pegar tudo, né? E o projeto, 20
já... já é fonte confiável para os jornalistas, casos emblemáticos, que através deles
então a gente tem um trabalho, é, é... um seria possível trabalhar num sentido de
diálogo permanente com vários jornalis- aprimorar e estruturar e melhorar o ser-
tas, nos mais diferentes órgãos, nas TVs, viço de atendimento da rede de proteção
nos jornais, nos portais, é, a gente tem e garantia de direitos, com base nesses
inclusive uma assessoria de imprensa [...] casos emblemáticos que nos chegam.
quando são suscitadas essas questões As famílias chegam e é feito um atendi-
ligadas aos direitos da população LGBT mento, um acompanhamento psicológico
eles sempre estão recorrendo à gente das crianças, das pessoas que foram víti-
para pedir subsídio para a matéria, ou en- mas de violência ou abuso sexual, é feito
tão para saber a nossa opinião. Esse é um um acompanhamento pelas assistentes
trabalho que a gente faz de alimentação sociais também, e na eventualidade que
de pauta, sugerindo, muitas vezes quan- geralmente é muito incomum que aconte-
do está próximo a determinadas datas a ça de precisar judicializar, de precisar de
gente sugere aos funcionários da impren- alguma orientação jurídica judicial ou ex-
sa que pautem determinados temas trajudicial nós, da Assessoria Jurídica, en-
tramos, seja para ajuizar ações cíveis, para
3.2.5 ATENDIMENTO PSICOSSOCIAL cessar de alguma forma o contato do abu-
sador com a criança, para cessar de ime-
Ainda que, proporcionalmente, em
diato o risco, seja no acompanhamento
menor medida, outra linha de atividade re-
de inquérito com alguma medida caute-
levante para algumas atividades é o aten-
lar de afastamento, entrando com alguma
dimento psicossocial. Em 11 das 103 entida- medida protetiva de urgência junto aos
des entrevistadas, a prestação de serviços Conselhos Tutelares, provocar os Conse-
por psicólogos e assistentes sociais foi lhos Tutelares nesse sentido [...] então é
mencionada. Nesses 11 casos, as entida- basicamente isso, o trabalho intersetorial
des também realizam atividades jurídicas se resume à questão do Serviço Social, da
e, dessa forma, conciliam o atendimento Psicologia e da Assessoria Jurídica.

39

Cebrap - Advocacia Popular.indd 39 9/2/2013 7:40:42 PM


3.3 ÂMBITOS DE ATUAÇÃO agora está em estudo um projeto de lei
que estamos elaborando para o Estado
O estudo do âmbito de atuação das
[...] Então estamos elaborando um proje-
entidades que compõem a amostra revela to de lei aqui para o Estado que eu acho
outro elemento da sua variedade. As orga- que seguramente até o fim do ano vai ser
nizações apostam em estratégias comple- discutido na assembleia, para conseguir o
xas na defesa de direitos, aliando ativida- uso dessas áreas que o Estado mantém o
des jurídicas e comunitárias a atuações domínio público e estão sendo ocupadas
políticas junto ao Legislativo, ao Executivo por população de baixa renda, nas fave-
e a Conselhos de políticas públicas, em to- las, nos assentamentos, acampamentos
dos os níveis federativos. rurais, por aí.

Entre as entidades entrevistadas, 84 Há entidades para as quais essa ativi-


afirmam desenvolver algum trabalho junto dade é ainda mais central. Um exemplo é o
ao Legislativo, seja ele municipal, estadual acompanhamento, na íntegra, da atividade
ou federal. Essas atividades vão desde a legislativa em determinada matéria, dedi-
disputa da agenda legislativa do parlamen- cando recursos e estrutura da entidade a
to, lobby via determinados representantes, essa atividade:
o chamado advocacy, a atuação em comis- Tem alguns projetos, eu acho que o mais
sões, pressões políticas por determinados impactante de todos é esse, o projeto em
projetos até o encaminhamento de proje- Brasília, onde a gente acompanha mais
tos de lei: de 1.000 projetos de lei na Câmara e no
Senado, que tenham repercussão, que te-
Essa é uma área em que a gente atua, e nham e que resvalem de qualquer forma
sugere modificações em lei, a parte do em questões de direito penal, direito pro-
advocacy legislativo nosso. Por exemplo, cessual penal, política penitenciária, polí-
o Plano Nacional de Educação, a gen- tica criminal, segurança pública, violência
te fez uma formulação que inclusive foi urbana... então a gente tem um software
apoiada por várias instituições, inclusi- de acompanhamento, tem pessoas con-
ve a SEPPIR, que é o órgão do Governo tratadas para acompanhar dentro des-
Federal que cuida da igualdade racial, a ses tantos, 1.040 projetos atualmente, a
secretaria de igualdade racial, de polí- gente seleciona enquanto rede projetos
ticas de promoção da igualdade racial,
prioritários, seja pela temática, seja pelo
e que tem status de Ministério. A gente
momento de processo legislativo que ele
atua hoje [em] uma comissão que avalia
esteja, seja mais premente a atuação, e aí
o projeto do novo Código Penal, e naquilo
nesses projetos a gente tem funcionários
que ele tem a ver com a criminalização do
contratados pela rede, que fazem parece-
racismo e outras formas de intolerância.
res, notas técnicas, tem uma funcionária
Então é um outro exemplo que a gente
contratada que fica em [cidade] fazendo
está atuando, formulando. E fizemos um
articulação política, e aí representantes
grupo de advogados do país todo, e que
dessas instituições vão uma vez por mês
se reúne na SEPPIR também, mas não é
à [cidade], se reúnem com deputados, se-
da SEPPIR, é da sociedade civil, mas que
nadores e assessores parlamentares para
a SEPPIR está acompanhando, e inclusive
discutir ou emendas no projeto de lei,
incorporando no seu discurso e nas suas
ou tentar barrar a aprovação do projeto,
medidas o que essa comissão propõe.
tentar encampar um projeto que a gente
Nós já tivemos um projeto de lei enca- pensa e que a gente redige, e aí tenta pro-
minhado à Câmara dos Vereadores [da curar algum parceiro para propor aquele
cidade] que, por sinal, saiu frustrado, e projeto.

40

Cebrap - Advocacia Popular.indd 40 9/2/2013 7:40:42 PM


Junto ao Executivo, 64 das 103 enti- 3.4 HISTÓRICO
dades afirmam ter algum tipo de atuação,
As entidades de defesa de direitos
igualmente nos três níveis. Tal atuação vai
que compõem a amostra têm históricos
desde a participação em conferências de
bastante variados. Nota-se um número
políticas públicas até a implementação de
crescente de entidades em cada uma das
determinadas políticas públicas e a capaci-
décadas identificadas na amostra: apenas
tação de agentes do Estado:
duas entidades entrevistadas foram funda-
A gente tem o programa junto à prefeitu- das entre os anos 1950 e 1960; 12 entidades
ra, polícia militar e à universidade federal foram criadas nos anos 1970; outras 20 du-
que esse programa tende a procedimento rante os anos 1980; 35 nos anos 1990; e 34
multidisciplinar para a abordagem domi- a partir do ano 2000. As entidades mais re-
ciliar em casos de violência que aconte-
centes que compõem a amostra foram três
ce dentro da família, então a viatura vai,
organizações criadas no ano de 2010.
sempre com um policial, assistentes so-
ciais, uma psicóloga, geralmente três pro- Tabela 10. Ano de fundação
fissionais sendo um deles policial e temos
das entidades
agentes da prefeitura envolvidos também
Década de fundação Número de entidades
nesse programa, então é um programa
1950 1
que envolve todos esses parceiros.
1960 1
Participamos das conferências munici- 1970 12
pais, estaduais e daí, das nacionais, e, nas 1980 20
nacionais é onde vão se elaborando as 1990 35
políticas públicas e a gente sempre está 2000 34
colocando essa questão de orientação
O ano de fundação é elemento inte-
sexual, identidade de gênero, LGBT, le-
ressante à compreensão das atividades
vando as nossas necessidades para se-
desenvolvidas pela entidade e dos seus te-
rem discutidas e se articulando com ou-
tros movimentos de mulheres, de negros, mas de atuação. Na amostra construída, 21
de índios. entidades foram criadas durante o período
da ditadura civil-militar no Brasil (de 1964
Com os Conselhos de políticas públi-
a 1985). Em sua maioria, essas entidades
cas, foi identificada a participação de 49
seguem atuantes em temas de defesa de
entidades. A presença em conselhos ocor-
direitos sociais tradicionais, como conflitos
re nos três níveis: municipal, estadual e lo-
fundiários urbanos e rurais (11 delas), e em
cal. O foco de atuação nos conselhos é a
questões de violência institucional conec-
área temática da entidade ou em espaços
tadas com o seu período de fundação, tais
amplos, como os Conselhos Estaduais de
como tortura perpetrada por agentes es-
Defesa dos Direitos Humanos (ou da Pes-
tatais e violência policial (9 entidades). A
soa Humana – CONDEPE).
presença ativa de muitas dessas entidades
Tabela 9. Âmbito de atuação pôde ser identificada, também, no proces-
das entidades so de redemocratização do País, seja nos
movimentos contra a ditadura, seja na As-
Âmbito Número de entidades
Legislativo 84
sembleia Constituinte de 1987-1988.
Executivo 64 Entre as 78 entidades criadas a partir
Conselhos 49 do final da década de 1980, percebe-se o

41

Cebrap - Advocacia Popular.indd 41 9/2/2013 7:40:42 PM


surgimento de novas demandas por direi- a maioria é multidisciplinar. Dentre as 103
tos. Questões até este momento histórico entrevistadas, apenas 26 são compostas
ausentes das atividades das entidades, ou exclusivamente de advogados e/ou estu-
presentes em menor proporção, adquirem dantes de direito. No caso das outras 77 en-
maior importância. Por exemplo, entre as tidades, percebe-se a presença frequente
entidades criadas a partir de 1988, os te- de outros profissionais nas atividades-fim
mas mais recorrentes ao lado daqueles da organização. Destaca-se a presença de
também desenvolvidos por entidades mais psicólogos (em 19 entidades), assistentes
antigas são a defesa de crianças e adoles- sociais (em 14), educadores (em 11) e cien-
centes (20 entidades), gênero (14 entida- tistas sociais (em 8 entidades), além da
des), saúde (12 entidades), meio ambiente atuação de profissionais de outras áreas,
(10 entidades), indígenas (8 entidades), en-
tais como agronomia, biologia, comunica-
tre outros.
ção, arquitetura, turismo, relações interna-
3.5 ESTRUTURA INTERNA cionais e administração. Assim como foi
identificado na trajetória dos responden-
A amostra construída pela pesquisa
tes, as instituições religiosas também têm
também apresenta importante variação
papel relevante em fornecer pessoal para
quanto à estrutura interna das entidades:
as entidades de defesa de direitos.
a sua forma de organização e composição.
Poucas entidades que compõem a amostra A presença de advogados na estrutu-
não estão formalizadas enquanto pessoa ra de pessoal foi identificada em 80 das 103
jurídica. Entre estas se incluem, especial- entidades entrevistadas. Em 28 casos, as
mente, movimentos sociais e redes de enti- entidades possuem assessoria de imprensa
dades ou advogados populares. ou de comunicação especializada. Profis-
sionais encarregados de funções adminis-
Em relação ao número de integrantes
envolvidos nas organizações, a amostra é trativas, tais como contabilidade, serviços
composta de entidades muito pequenas gerais e secretariado foram identificados
(com até 10 integrantes, como foi identi- em 61 entidades.
ficado no caso de, pelo menos, 15 entida-
Tabela 11. Perfil da composição
des), passando por organizações de porte
da entidade
intermediário, e até organizações com mais
de uma centena de profissionais. Há, ainda, Perfil de composição Número de
entidades
entidades que contam com mais de duas Estrutura composta exclusivamente de 26
centenas de integrantes (como no caso de advogados e/ou estudantes de direito
Estrutura multidisciplinar 77
uma extensão universitária em direito), ou
Entidades com pelo menos um 80
que adotam uma estrutura executiva en- advogado
xuta (com menos de 10 membros), mas in- Entidades sem advogados 23
cluem uma ampla base de “associados” que Entidades com assessoria de imprensa 28
são os próprios “beneficiários” da entidade, Entidades com funções administrativas 61

ou uma vasta rede de voluntários, como no Outro indicador da variedade de con-


caso de uma entidade com mais de 300 ad- dições das estruturas das entidades que
vogados voluntários a ela vinculados. compõem a amostra é o vínculo dos inte-
Com relação ao perfil de composi- grantes com a organização. Em 63 delas,
ção do pessoal das entidades, nota-se que foi identificada a existência de profissionais

42

Cebrap - Advocacia Popular.indd 42 9/2/2013 7:40:42 PM


com dedicação exclusiva à entidade, em es- superintendências adjuntas, uma superin-
pecial com vínculo empregatício. No caso tendência adjunta que faz toda a parte de
de 60 entidades, foi identificado o recurso administração, de controle de contratos,
a trabalho voluntário, em complementação de apoio ao meu trabalho, e uma superin-
tendência que faz o relacionamento com
aos profissionais contratados ou mesmo
as empresas, porque na verdade a gente
como única fonte de recursos humanos.
vive dos serviços que a gente presta para
Estes dados revelam uma amostra as empresas, [...] nós temos a nossa ge-
que inclui entidades com distintos graus rente que está de licença, eu tenho quatro
de profissionalização quanto à sua estru- advogados e um estagiário.
tura de pessoal. Pelo menos 31 entidades Tem a área jurídica, [...] tem a área de tes-
podem ser identificadas como tendo alto tes e pesquisas [...]. Uma área de comuni-
grau de profissionalização, uma vez que cação. [...] também a mobilização, que é
possuem, cumulativamente, advogados na a área de campanhas [da entidade] [...].
organização, assessoria de imprensa, es- É uma subárea, de campanhas, que está
trutura administrativa e profissionais em dentro da comunicação. Tem uma área de
dedicação exclusiva. Exemplos desse tipo marketing, que está ligada aos eventos [da
de estrutura podem ser identificados nas entidade]. E são eles que fazem os even-
tos [da entidade], que também criam as
seguintes descrições oferecidas por quatro
parcerias, é mais um marketing institucio-
entrevistados distintos:
nal, marketing relacional. A própria coor-
Nós trabalhamos hoje, atualmente, com denação executiva. Então é isso. O orga-
cinco advogados na organização, temos nograma é Coordenação Executiva, Área
assistentes sociais, jornalistas, temos pe- Jurídica, Área de Relacionamento, Área
dagogos [...]. No campo administrativo, de Testes e Pesquisas, o Marketing é uma
nós temos motoristas, nós temos secreta- assessoria. Tudo isso que eu estou falan-
ria executiva composta de agentes admi- do é gerência. Gerência Jurídica, Gerência
nistrativos, secretária e contador. de Relacionamento, Gerência de Testes e
Pesquisas, Gerência de Comunicação, e
Nós somos compostos de três coorde-
Gerência de Desenvolvimento Organiza-
nadores [...]. Nós temos três gerentes de
cional, que é o financeiro, administrativo,
área, que são administradores das áreas:
do IDEC, e o RH. E a Gerência Jurídica,
um do coletivo, um do individual e outro
como eu já falei, cuida das ações judiciais,
da mediação, que eles vão ajudar a coor-
da produção de conteúdo relacionado à
denar o dia a dia dos advogados e dos
orientação [da entidade], a orientação de
estagiários. Fora isso, nós temos o nosso
todos os temas [da entidade], assessora a
corpo administrativo, nossas secretárias
própria coordenação executiva em ques-
que nos auxiliam [...]. A gente tem esses
tões tributárias, questões administrativas,
convênios e a gente [...] precisa ter al-
estatutárias [...].
guém preparado para lidar com convê-
nios com órgãos públicos, e nós temos A amostra integra, ainda, 41 entidades
secretárias também que nos auxiliam no a que se pode atribuir um grau intermediá-
dia a dia. Advogados, alguns contratados rio de profissionalização, tendo em vista
pela instituição [...] e outros contratados que congregam alguns elementos estrutu-
como autônomos vinculados ao convênio rais importantes, mas não em sua totalida-
com a Defensoria Pública. de. Ilustrações desse perfil de entidade po-
Tem uma área administrativa, ela tem uma dem ser vistas, por exemplo, nos casos em
superintendência que sou eu, geral, e duas que a limitação de orçamento compromete

43

Cebrap - Advocacia Popular.indd 43 9/2/2013 7:40:42 PM


a profissionalização de um determinado gios remunerados em outra entidade, que
aspecto da estrutura. Em uma entidade, passaram a ser voluntários, e da função de
por exemplo, o vínculo de determinados secretariado:
profissionais não é de dedicação exclusiva: Não tem mais secretária e não têm mais
pela questão de verba, [a entidade] só estagiários. Os estagiários que têm são
funciona meio expediente, de meio dia às voluntários. E hoje a gente tem uma equi-
18 horas... todas as pessoas trabalhando pe mesmo, fixa, de funcionários [...] e tem
neste horário aqui […] Quem tem a maior 3 pessoas, fora os estagiários voluntários.
carga horária é de 30 horas e alguns ain-
No mesmo sentido, outra entidade
da têm uma carga horária menor por
aponta que a atividade jurídica da entidade
questões financeiras da entidade. Então,
depende de advogados voluntários, ainda
assim, trabalham menos tempo aqui tam-
que já tenha contado com advogados con-
bém, que é a jornalista e a psicóloga, que
faz o monitoramento e um acompanha- tratados em outro momento:
mento dos alunos. Atualmente a gente ta trabalhando com
advogados voluntários. Nós temos hoje
Em outra entidade, também por ra-
seis advogados ligados [à entidade], es-
zão financeira, os advogados contratados
ses que tão contribuindo nessa área ju-
exercem funções que, em outro momento
rídica e duas pessoas contratadas: que é
histórico da organização, eram desempe-
um articulador e um administrativo, que
nhadas por outros integrantes:
é quem executa as ações ali do dia a dia,
possui também uma equipe contratada mas nós já tivemos uma equipe maior.
de advogados, educador popular, secre- Nós já tivemos lá advogados, articulador,
tário, estagiários. Em alguns momentos já administrativo. [...] Aliás, tinham dois ar-
teve pessoas de outras áreas, por exem- ticuladores, um administrativo e um ad-
plo, relações internacionais, jornalismo, vogado.
mas atualmente, a essência é a mesma,
Por fim, entidades com baixo grau de
mas já teve uma outra função diferencia-
profissionalização foram identificadas em
da. Então sobra para nós que estamos
outros 31 casos. Nestas, os elementos es-
aqui fazer todas as outras funções e que
nos ajuda a ter uma visão maior do traba- truturais mencionados – advogado na enti-
lho. Não posso me dar ao luxo, por exem- dade, assessoria de imprensa, funções ad-
plo, como advogado de não participar de ministrativas, vínculos empregatícios e até
um trabalho de formação com jovens ou estrutura física (sede) – estão completa-
como alguém da área do direito, falar que mente ausentes ou, no máximo, presentes
não vou interagir com meio de comuni- de forma isolada. Quatro entrevistas são
cação, que é site, redes sociais, Facebook ilustrativas desse perfil de entidade:
etc... Então a gente tem uma postura de
A gente não é remunerado pela [entida-
saber o papel de cada um, mas também
de], todo mundo tem uma vida profis-
ter uma visão multidisciplinar e fazer a
sional fora (eu tenho escritório, o [outro
formação do próprio grupo em áreas que
integrante] trabalha como Técnico de Se-
a gente não consegue ainda ter departa-
gurança do Trabalho). Cada um tem uma
mentos e complementar com apoios de
atividade fora desse universo da [entida-
colaboradores, voluntários esporádicos.
de] e ainda trabalha aqui dentro. O tempo
Outro exemplo identificado nas en- que teria, supostamente livre, é ocupado
trevistas foi o desaparecimento de está- aqui dentro.

44

Cebrap - Advocacia Popular.indd 44 9/2/2013 7:40:42 PM


É uma entidade que não é filantrópica, é produtos e serviços. A terceira forma mais
uma entidade que vive de vontades. En- recorrente de financiamento identifica-
tão ela não tem um perfil profissionaliza- da foram as doações e as contribuições,
do de seus membros. Cada um trabalha em 41 casos. Para 21 entidades, o recurso
quando tem tempo livre.
à comercialização de produtos e serviços
Atualmente, nós somos um grupo de refe- também é fonte de renda. O financiamento
rência aqui na entidade, somente dois são oferecido por agentes privados nacionais
liberados pela entidade, mas tem um gru- foi a origem menos observada na pesquisa,
po de oito, pontualmente, quando precisa
em apenas 19 das entidades entrevistadas.
a gente tem o apoio deles, além dos es-
tagiários, então a gente faz toda a coor- Tabela 12. Origem do financiamento
denação dessa parte mais jurídica. [...] Aí, das entidades
além dessas sete pessoas, seis pessoas, aí
Origem do financiamento Número de
têm aqueles que prestam serviços pon- entidades
tualmente, instrutores de... de geração de Internacional (público ou privado) 68
trabalho e renda, de capoeira, de teatro, Nacional público 68
assistente social, aí tem a equipe jurídica, Doações e contribuições 41
ao todo, atualmente a equipe interna do Produtos e serviços 21
centro são 28 pessoas... 28 pessoas distri- Nacional privado 19
buídas nessas equipes.
Em cada categoria de origem, há de-
3.6 FINANCIAMENTO terminados financiadores que se destacam.
No plano internacional, quase 1/3 das enti-
O quarto elemento fundamental à
dades que recebe verba de fora do Brasil
compreensão de quem são as entidades de
(21 entidades) teve ou tem financiamento
defesa de direitos que compõem a amostra
da Misereor, organização vinculada à igre-
e, igualmente, de evidência da sua varieda-
ja católica alemã, e/ou da Fundação Ford,
de, é a origem do financiamento obtido por
entidade filantrópica de origem estaduni-
essas organizações. Nas entrevistas, as en-
dense. Órgãos vinculados à Organização
tidades foram perguntadas sobre como são
das Nações Unidas, tais como a ONU Mu-
financiadas. As respostas foram agrupadas
lher, o Fundo Voluntário das Nações Unidas
em cinco grandes categorias: (i) financia-
para as Vítimas de Tortura e o Fundo de
mento internacional (público ou privado),
Democracia, aparecem como financiado-
(ii) financiamento público nacional, (iii) fi-
res de sete entidades. A Brazil Foundation,
nanciamento privado nacional, (iv) doa-
entidade não governamental baseada nos
ções (de pessoas físicas e contribuições
Estados Unidos, financiou outras cinco en-
dos membros da entidade), e (v) produtos
tidades da amostra.
e serviços (comercializados pela entidade).
A maioria absoluta das entidades apontou No plano nacional, os principais finan-
obter recursos junto a financiadores inter- ciadores públicos são o Governo Federal,
nacionais (68 entidades) e/ou recorrer ao que aparece em 33 entidades, e os gover-
financiamento público nacional (68 enti- nos estaduais, em 17 casos. Dentre os finan-
dades). Apenas 16 entidades do universo ciadores de âmbito federal, a origem mais
de 103 estudadas não acessam qualquer recorrente mencionada nas entrevistas foi
dessas modalidades de financiamento, re- a Secretaria de Direitos Humanos da Presi-
correndo exclusivamente a doações ou, dência da República, em 13 casos. Ainda na
em apenas um caso, também à venda de categoria de financiamento nacional, mas

45

Cebrap - Advocacia Popular.indd 45 9/2/2013 7:40:42 PM


no plano privado, aproximadamente 1/3 desenvolve. O financiamento internacio-
das entidades recebe apoio de fundações nal tem fundamental importância em dois
de famílias ou empresas brasileiras. grupos de temas: conflitos fundiários (ur-
banos, rurais e envolvendo indígenas e co-
O financiamento por meio de produ-
munidades tradicionais) e violência institu-
tos e serviços também é variado. Para 11
cional. Entre as 42 entidades que afirmam
entidades, a realização de consultorias e
atuar em temas de conflitos fundiários, 30
cursos de capacitação para contratantes
recebem financiamento internacional e 33
públicos e privados é um meio de financiar
recebem financiamento nacional público.
a entidade. A venda de produtos, como pu-
De maneira semelhante, entre as 30 enti-
blicações e camisetas, além da realização
dades que atuam com temas de violência
de bazares e brechós, aparece como meio
institucional, 20 delas recebem verba inter-
de financiamento de 11 entidades.
nacional para se manter e/ou recursos na-
As formas de financiamento são um cionais públicos. Com relação às atividades
importante indicador da multiplicidade de desenvolvidas, em pelo menos cinco entre-
tipos de entidades de defesa de direitos, vistas foi mencionado explicitamente que
tendo em vista que se relacionam com a a atividade jurídica da entidade é mantida
estrutura da entidade e até mesmo com as unicamente com recursos internacionais.
suas áreas e formas de atuação. A amostra Isso porque os recursos nacionais, frequen-
estudada pela pesquisa oferece uma im- temente na forma de editais e projetos com
portante ilustração neste sentido. Entre as tempo exíguo, seriam incompatíveis com
68 entidades que recebem ou receberam a atividade judicial. Essa percepção iden-
financiamento internacional, somente oito tificada nas entrevistas reverbera nos da-
se enquadrariam em um perfil de estrutu- dos sobre os perfis das entidades: entre as
ra com baixo grau de profissionalização. 68 entidades que recebem financiamento
Paralelamente, 33 dessas entidades apre- internacional, quase a totalidade (64) de-
sentavam alguns elementos de estrutura, o clara ter atividade jurídica; contrariamente,
que as colocaria em um nível intermediá- entre as 35 que não acessam recursos de
rio, e outras 27 indicaram possuir todos os fora do Brasil, aproximadamente 2/3 (26)
fatores estruturais abordados na pesquisa, têm atividade jurídica. Dessa forma, o fi-
sendo, assim, de alto grau de profissionali- nanciamento internacional parece estar as-
zação. Ao contrário, analisando-se o perfil sociado não apenas a um perfil de entidade
das 35 entidades que não têm acesso ao e a determinados temas, mas, também, à
financiamento internacional, vê-se que a possibilidade de atuação jurídica.
relação é inversa: destas, 18 poderiam ser
A correlação entre a origem do finan-
enquadradas como tendo baixo grau de
ciamento, o perfil da entidade, a sua temá-
profissionalização, 10 como tendo médio
tica de atuação e atividades que desenvol-
grau e apenas 4 como possuindo todos os
ve adquire ainda mais importância a partir
elementos de estrutura avaliados. O finan-
do que os entrevistados identificaram se-
ciamento internacional, assim, está relacio-
rem as maiores dificuldades relacionadas à
nado com os tipos de estrutura das entida-
manutenção econômica das entidades. As
des estudadas.
dificuldades identificadas nas entrevistas
Outros dois elementos relacionados podem ser agrupadas em pelo menos seis
à origem do financiamento são o tema de eixos: (a) a saída do financiamento interna-
atuação da entidade e as atividades que cional do Brasil; (b) conjuntura econômica

46

Cebrap - Advocacia Popular.indd 46 9/2/2013 7:40:42 PM


internacional; (c) os entraves burocráticos a captação de recursos vai ser um tema
do financiamento nacional público; (d) a que a gente vai ter que desenvolver muito
falta de uma cultura de financiamento na- forte porque a gente percebe que é cada
cional privado; (e) alguns bloqueios temá- vez mais difícil o apoio internacional pela
questão de o Brasil ter essa visão inter-
ticos; e (f) as particularidade da atividade
nacional de pujança, de protagonismo
jurídica.
dentro da América Latina, e é muito pela
3.6.1 A SAÍDA DO FINANCIAMENTO propaganda também do governo Lula, do
Brasil ser um doador, mesmo na questão
INTERNACIONAL DO BRASIL
da Europa hoje, Espanha vivendo, França
Em pelo menos 37 das entrevistas rea- vivendo uma situação econômica difícil,
lizadas, uma das principais dificuldades de a gente sabe que a captação de recurso
financiamento da defesa de direitos no Bra- começa a ficar difícil.
sil apontada foi o fenômeno, relativamente É um tanto quanto complicado para a
recente, da saída do financiamento interna- maioria das agências internacionais com-
cional do País. Os recursos da cooperação preenderem que diante das crises inter-
internacional estariam, pelo menos desde nacionais que seus próprios países têm
meados da década de 2000, sendo redire- enfrentado, com a redução dos seus pró-
cionados para a Ásia e a África. Algumas prios orçamentos de cooperação, e com o
das razões sugeridas para explicar esta mi- Brasil, chegando à posição de global pla-
gração de recursos seriam a melhora dos yer bastante diferenciada, como o próprio
índices socioeconômicos do Brasil, o cres- Estado não consegue favorecer este tipo
cimento da economia e a inserção do País de efetividade aos direitos humanos. En-
tão durante, mesmo durante o processo
como um ator de peso na economia global,
de redemocratização do país, década de
inclusive sendo fonte e não apenas desti-
1980, há mais de 20 anos, quase 30 anos,
no de verbas de cooperação internacional.
a cooperação internacional tem dedicado
Ilustrações dessa preocupação podem ser
esforços ao Brasil e é como se dissessem
retiradas de diversas entrevistas: assim “Agora está na hora de vocês ca-
Cada vez mais essas agências financia- minharem com as próprias pernas”, só
doras internacionais estão retirando seu que eles esquecem que isso é um pouco
foco do Brasil. A partir dos Governos do complicado para nós das organizações.
Presidente Lula, a gente viu que o Brasil De uma forma crítica, olhando também
passou a ter uma imagem assim, exterior, para a sociedade civil, percebe-se que a
de um país emergente, e isso tem soado sociedade civil um tanto quanto se acos-
lá fora, como se diversos problemas que tumou a ser financiada pelas agências de
nós ainda enfrentamos aqui estivessem cooperação internacional e não buscou
sendo superados ou a caminho de uma de alguma maneira um processo mais di-
superação. Então essas agências finan- nâmico ou criativo de encontrar recursos
ciadoras têm colocado seu foco mais no para a sua sustentabilidade ou mesmo
continente asiático, no continente africa- para favorecer a sua atuação nas mais va-
no [...] E como a gente está tendo esse riadas áreas, então este movimento che-
problema com a questão do financiamen- ga agora de uma forma um tanto quanto
to internacional, que também se agrava brusca para a maioria das organizações,
com a questão da valorização da moeda ao ponto de nós observarmos que, infeliz-
brasileira, um projeto de certo valor em mente, muitas organizações, até mesmo
euros que a gente tinha 10 anos atrás, o já consolidadas da sociedade civil, tendo
valor hoje é bem menor. que fechar as portas porque não conse-

47

Cebrap - Advocacia Popular.indd 47 9/2/2013 7:40:42 PM


guiram favorecer essa dinamicidade, essa de financiamento obtidos junto a órgãos
criatividade da busca de uma sustenta- públicos em âmbito nacional foram men-
bilidade já que ficaram por completo de- cionadas em, ao menos, 22 entrevistas. Se-
pendentes da estrutura das agências de gundo alguns entrevistados, há barreiras
cooperação internacional. E muitas já na
importantes ao acesso a recursos, em es-
atualidade têm saído mesmo, as sedes re-
pecial a necessidade de tempo e expertise
presentantes do Estado brasileiro, e têm
se encaminhado para outras regiões, em
para construir projetos, notadamente em
especial, ou outros países considerados entidades menos profissionalizadas, que
mais específicos na América Latina, na não têm pessoal dedicado exclusivamente
região da África, e até mesmo no conti- a essa tarefa:
nente asiático. A nossa maior dificuldade não é financei-
ra [...], mas é porque a gente às vezes até
3.6.2 CONJUNTURA ECONÔMICA
perde editais de financiamentos por falta
INTERNACIONAL
de gente para sentar [...] e fazer projetos
Outro elemento de dificuldade para as ter qualificação, competência técnica pra
entidades de defesa de direitos entrevista- fazer, tem muita gente boa, mas que às
das, também relacionado ao financiamen- vezes não sabe fazer um projeto. Eu não
to internacional, é a conjuntura econômica posso parar de dar aula, ganhar meu sus-
internacional. Alguns entrevistados apon- tento para fazer isso, tenho feito muito,
então a nossa maior carência é recurso
taram para dois fenômenos da conjuntura
dinâmico [...] o dinheiro também resolve-
que estariam relacionados à redução dos
ria isso porque contrataria alguém.
recursos internacionais no Brasil. Primeiro,
os graves impactos da crise financeira no A gente não tem nem tempo de fazer
Norte global teriam retirado recursos dos projeto, só para você ter uma ideia. Não
financiadores, tradicionalmente originários temos estrutura. Tem entidade que tem
estrutura só para fazer projeto, nós não
da Europa e dos Estados Unidos. Segundo,
temos ninguém que tenha essa expertise.
a valorização da moeda brasileira frente ao
Porque aqui se trabalha muito, muito, não
dólar e ao euro desvalorizaria, em alguma
tem nem tempo para correr atrás de di-
medida, o financiamento obtido no exte-
nheiro.
rior. Assim, os recursos captados em dó-
lar e em euro que, há alguns anos, teriam Não apenas a “porta de entrada” do
grandes potenciais, hoje não possibilitam financiamento público no Brasil é vista
as mesmas atividades, em razão do fortale- como dificultosa, mas também a de “saí-
cimento da economia brasileira: da”, isto é, os controles sobre prestação de
contas. Diversas entrevistas apontam para
hoje só temos o Fundo de Combate à Ví-
uma regulação excessivamente burocrática
tima de Tortura, que é da ONU, e que in-
felizmente o valor tem reduzido, porque a
e rígida sobre a prestação de contas das
gente recebe em dólar, e o valor tem sido entidades, como, por exemplo o Sistema
cada vez mais reduzido. […] de Gestão das Transferências Voluntárias
da União (SICONV). As exigências seriam
3.6.3 ENTRAVES BUROCRÁTICOS idênticas àquelas impostas a empresas, e
DO FINANCIAMENTO NACIONAL comprometeriam, elas mesmas, o financia-
PÚBLICO mento a que visam fiscalizar:
Dificuldades relacionadas à formula- O próprio Estado estabelece regras tão
ção de projetos e à prestação de contas específicas que a gente hoje acaba... você

48

Cebrap - Advocacia Popular.indd 48 9/2/2013 7:40:42 PM


pega determinados recursos, no mínimo to pra fazer e pouco fôlego pra financiar.
30%, 40% dos recursos vão ser emprega- Isso não é culpa nossa, isso é culpa de
dos só na contabilidade, nas prestações uma legislação que não contempla.
de contas.
Outro exemplo, ainda neste sentido,
Nós precisamos de marco jurídico próprio seria a ausência de flexibilidade para finan-
pras Entidades, porque através do marco ciar determinadas necessidades da entida-
jurídico que nós temos hoje as ONGs, Go-
de:
vernos e Prefeituras ficam no mesmo pa-
tamar e a gente sabe que as ONGs não É muito difícil que eles [financiadores pú-
têm a mesma estrutura que uma prefeitu- blicos nacionais] aceitem custear as des-
ra então ela tem mais dificuldade na hora pesas de custeio normais... Uma secretá-
de realizar convênios, dada as exigências ria, nós não temos uma secretaria e fica
que são feitas. muito difícil acompanhar. A jornalista, ela
acaba fazendo muita coisa que a secre-
A questão é que a maioria desses recur-
tária trabalha, o que atrapalha o trabalho
sos é carimbada para projetos especí-
dela. Porque eles geralmente não aceitam
ficos. Primeiro. E segundo que esses re-
essas, que são despesas de atividades,
cursos que são provenientes de convênio
mas que sem elas a atividade não é to-
com o Estado, respondem à lei de licita-
cada.
ções. Então isso descaracteriza comple-
tamente o trabalho político das organiza- Adicionalmente, em alguns casos, di-
ções, e as coloca em uma armadilha de ficuldades relacionadas ao financiamento
prestação de contas, como se elas fossem nacional público seriam decorrentes do
uma empresa, e tal, o que dificulta muito. distanciamento da realidade da atividade
Muitas organizações, a maioria delas, não financiada. Em um exemplo oferecido por
têm capacidade técnica para isso. um entrevistado, o financiamento de uma
Além disso, segundo alguns entre- atividade com um determinado público foi
vistados, determinadas exigências buro- encarecido porque, caso contrário, não ha-
cráticas seriam incompatíveis com as ati- veria forma de justificar as despesas:
vidades-fim da entidade financiada. Um Outra dificuldade é que como a gente
exemplo identificado em uma entrevista trabalha com comunidades quilombolas,
chama a atenção para o fato de que, se um se eu for fazer uma oficina nas comuni-
membro da entidade ocupa uma posição dades quilombolas no território do sapê
em um conselho de políticas públicas – o do norte no norte do Estado do Espírito
que seria uma atividade central para a en- Santo, o pessoal não come pão lá, então
eu não vou ter nota fiscal. Se eu for fazer
tidade –, a organização a que ele está vin-
lá na comunidade, como seria melhor pra
culado não pode obter financiamento junto
gente, porque fazendo na comunidade a
àquele ente federativo:
gente podia de repente fazer um traba-
Tem uma coisa interessante, a gente aca- lho, um curso com 100 pessoas, mas eu
ba sendo penalizado porque existe um não posso fazer isso porque pra fazer lá
acórdão no TCU de que quando você eu vou ter que comprar pra eles comerem
está no conselho, por exemplo, como no mandioca, aipim. Mas aí eu não vou ter
CONAD, que é o Conselho da Secretaria nota fiscal pra fazer prestação de contas,
de Direitos Humanos, da SNDH, você não então dançou. O que eu tenho que fazer?
pode conveniar com a SNDH, então você Tenho que ir pra um hotel em [outra ci-
acaba sendo penalizado por fazer defesa dade], colocar 20 pessoas por um custo
de direitos. [...] A gente tem, assim, mui- que é o dobro do que seu eu fizesse lá na

49

Cebrap - Advocacia Popular.indd 49 9/2/2013 7:40:42 PM


comunidade. A gente pensa, na verdade É complicado você conseguir dinheiro
com isso daí eu estou fazendo só pra fa- brasileiro quando você fala em direitos
vorecer o suporte, o mecanismo turístico humanos. É uma coisa que ainda não está
d[a outra cidade] porque quem vai ga- na cultura das Fundações brasileiras, dos
nhar é o cara do hotel, não os quilombo- empresários, dos doadores.
las. Então a gente começou a dizer “não Mas ainda não tem uma democracia con-
vamos mais querer isso não”. Hoje, que eu solidada, [...] uma sociedade que faça
saiba, nós não temos nenhum (financia- com que os indivíduos doam para os fun-
mento com recursos públicos) por conta dos, que os fundos sejam acessíveis, que
dessas coisas. eles possam descontar do seu imposto de
A morosidade na renovação de con- renda. Que é como acontece nos outros
vênios com o Poder Público seria outro ele- países, em que deram esse passo. Eu acho
que isso precisa ser feito no Brasil [...].
mento de dificuldade, na visão das entida-
des de defesa de direitos: Internamente nós não temos ainda uma
cultura de doação, ou seja, a sociedade
A gente faz um planejamento financeiro
civil brasileira, fora aqueles como eu e
e isso daí vai de acordo com a queda ou
outros que se envolvem diretamente no
não da moeda e temos convênio com o
trabalho, criam ONG’s, trabalham volun-
Governo Federal, Governo do Estado e al-
tariamente para alguma coisa, nós temos
guma coisa com o Governo Municipal. A
pouca cultura para doação de alguma
questão principal é realmente essa ques-
coisa, de apoio da sociedade a organiza-
tão da renovação, muita dificuldade, a
ções autônomas da sociedade. Isso não
questão da prestação de contas também
está na cultura do brasileiro, sobretudo
é sempre muito séria, porque cada vez
em trabalhos de política, que é o que a
que a gente faz uma prestação de contas gente faz, né?
é de um jeito. Isso eu falo dos Governos.
Cada vez que a gente faz de um jeito, eles 3.6.5 BLOQUEIOS TEMÁTICOS
querem de outro jeito e as renovações
Adicionalmente, alguns entrevistados
dos Convênios são sempre muito traumá-
ticas, muito difícil. Eu acho que essa é a
apontaram para a existência de bloqueios a
principal dificuldade [...] São as financia- determinados temas de atuação. Em certas
doras que, às vezes, ficam emperrando o áreas, a obtenção de financiamento enfren-
dinheiro por um monte de formalismo, re- taria a dificuldade de não ser bem aceita
novação de convênio, principalmente os perante os financiadores, sejam eles públi-
Órgãos Públicos: Secretarias, Município, o cos ou privados, nacionais ou internacio-
Estado em União mesmo nais, em diversas temáticas.
Em questões LGBT, por exemplo:
3.6.4 FALTA DE CULTURA DE
FINANCIAMENTO NACIONAL A gente percebe que determinadas temá-
PRIVADO ticas não são bem vistas, né, se você quer
trabalhar no âmbito dos direitos da crian-
Para alguns entrevistados, outro tipo
ça com, sei lá com educação infantil, com
de dificuldade relacionada ao financiamen- mortalidade infantil, com crianças em si-
to seria a ausência de um setor privado, no tuação de recolhimento institucional, es-
Brasil, mais atuante no suporte às entida- ses recursos costumam ser mais fáceis,
des de defesa de direitos, tanto do ponto mas trabalhar com menino que comete
de vista de pessoas físicas quanto de em- infração, com adolescente LGBT, [...] isso
presas: normalmente é muito difícil de conseguir

50

Cebrap - Advocacia Popular.indd 50 9/2/2013 7:40:42 PM


recurso, né, assim, o mundo da infância últimos anos um corte total de apoio à
inclusive é um mundo que tem muitas or- construção de entidades que estivessem
ganizações financiadoras que são religio- voltadas pra isso.
sas, então é, há uma dificuldade temática
[...] Outra dificuldade que nós temos es-
né, de haver financiadores pra essas te-
pecífica da [entidade]: não tem empresa,
máticas
não tem ONG, não tem instituições inter-
O preconceito. Não querer ligar a marca à nacionais ou nacionais, que se preocupem
questão LGBT. Questões que a gente aca- mais com tortura, o que dá impressão é
ba esbarrando no dia a dia, como qual- de que não existe mais tortura no Brasil.
quer outra questão; como HIV acontece, Então a moda agora é o desenvolvimento
e como outras questões. É bonitinho você sustentável, então a moda agora é o meio
fazer um trabalho com criança, com meio ambiente, então todas as empresas que-
ambiente, com idoso – não é? Isso é fácil rem fazer a sua função social e trabalhar
você conseguir [financiamento]. Agora, com a questão do meio ambiente, ainda
questões mais polêmicas e mais... não é? tem a coisa do bonito, para o inglês ver,
Essas minorias sempre ficam para trás. que é aquele trabalho com criança e ado-
lescente, então também a demanda para
Como a gente trabalha com uma matéria
criança e adolescente é maior. Então eu
que é de fronteira, nós temos instituições
vejo essas duas áreas que sempre estão
que não querem se vincular com a maté-
crescendo, hoje crescendo cada vez mais,
ria e com a discussão e com essa bandei-
a questão do meio ambiente e a ques-
ra. O arco-íris, apesar de ter um conjunto
tão da criança e do adolescente. E bom,
de cores muito bonito, não é bem aceito
quem trabalha com direitos humanos, es-
quando quer colocar a tua cara estampa-
pecificamente no caso de tortura, cada
da ali.
vez mais não tem editais que a gente se
Em temas cujo impacto é visto como enquadre, então tem muitos editais que a
menos “concreto”: gente poderia estar junto, mas não tem.
Então é até mais fácil “Eu doo para os ve-
3.6.6 PARTICULARIDADE DA
lhinhos, para uma associação filantrópica,
ATIVIDADE JURÍDICA
eu sei que o dinheiro vai ser usado para
dar comida para uma criança, uma coisa Um elemento que aponta como causa
bem concreta, mas realmente as pessoas das dificuldades de obter financiamento é
não dão dinheiro para quem trabalha na transversal a todos os temas, e relaciona-se
defesa dos direitos dos idosos, entendeu? com as particularidades da atividade jurí-
Ou quem trabalha na defesa do direito dica. Para muitos entrevistados, os tempos
das crianças, é mais difícil, porque é mais
do financiamento e dos processos jurídi-
imaterial.
cos são muito distintos e, com frequência,
Em temas que tencionam mais clara- incompatíveis. Enquanto os financiadores
mente as instituições públicas, como o mo- tendem a exigir, na visão de alguns entre-
delo econômico e a violência institucional, vistados, resultados concretos a prazos
respectivamente: determinados, a atividade jurídica dificil-
Então tu vai botar o dedo na ferida e mui- mente traz resultados imediatos ou clara-
tas vezes atacar o interesse do próprio mente identificáveis, é imprevisível e, não
Estado. Então, principalmente nessa po- raramente, demanda muitos anos para se
lítica desenvolvimentista que vem sen- desenvolver. Exemplos dessa preocupação
do posta em prática no Brasil, houve nos podem ser mencionados:

51

Cebrap - Advocacia Popular.indd 51 9/2/2013 7:40:42 PM


Cada vez mais, sobretudo os financiado- dimento às vitimas de intolerância religio-
res internacionais que hoje correspondem sa, ela está descoberta porque o nosso fi-
a 100% da nossa fonte de financiamento, nanciamento terminou, então a gente não
querem... querem mais resultados concre- conseguiu engatar outro financiamento
tos do que trabalho em defesa de direitos, para esse tema na defesa dos direitos hu-
né? Então como o trabalho de incidência manos, então há naturalmente uma divi-
é um trabalho que você não tem como são de esforço pra poder continuar com
garantir um resultado x, y, z no período as ações de defesa nessa área. [...] é uma
de um, dois anos, porque são processos questão continuada, é uma questão que
contínuos e mesmo você não conseguin- geralmente não termina. Esse é um pro-
do o que queria, o seu trabalho era justa- blema da defesa de direitos na desconti-
mente evitar, diminuir, alterar uma defini- nuidade dos convênios, que, por exemplo,
ção negativa, como aconteceu no Código eu tenho vários casos sobre intolerância
Florestal agora, por exemplo, você não religiosa e não consegui operar um con-
consegue mostrar um resultado concreto, vênio que cobrisse essas ações. O recur-
sinceramente. Às vezes tem um projeto so termina, mas os processos continuam
de dois, três anos e o resultado vai vir da- e eu não posso chegar pra vítima e dizer
qui cinco anos quando você não tem mais “Olha, então, sinto muito, a gente não tem
aquele financiador te apoiando, ou nunca mais como atender porque acabou”, en-
vai ter o resultado apesar de ter trabalha- tão a gente segue no atendimento desses
do bem, ou você trabalha mal, mas vem casos.
um resultado independente do seu traba-
A gente tem muita dificuldade. Sobretu-
lho, ou seja, você não tem como provar
do nessa linha da defesa, né? Hoje é a li-
para o financiador, não tem como mostrar
nha... a nossa ação digamos, o nosso eixo
lá pra eles que você fez um trabalho e
com maior dificuldade pra conseguir as-
apoiou x, y e z áreas que foram implan-
segurar recursos, né? É exatamente o eixo
tadas. Então essa é uma dificuldade, cada
da defesa... Então, sem dúvida nenhuma...
vez mais os financiadores são mais utili-
Assim, as agências de cooperação com
tários, só querem financiar aquilo que eu
quem nós tínhamos essa parceria, esse
tenho um resultado concreto no período
apoio financeiro; hoje a gente está extre-
do meu projeto e, para eu ter um resulta-
mamente restrito e sofrendo mudanças
do concreto em um ano ou dois anos, não
radicais que nos dificultam a assegurar
há nada que seja imaterial, são só coisas
essa contratação de advogados. E aqui
imateriais? Cada vez mais tem tido mais
no Brasil então, ainda é muito difícil tam-
financiamento para plantar árvore, para
bém. A gente conseguir assegurar recur-
construir não sei o quê, para dar um cur-
so pra essa linha da defesa. [...] ainda são
so não sei do quê, que é o que você con-
projetos pontuais, por [...] curto espaço
segue comprovar o que fez e menos em
de tempo e que nos assegura, digamos,
processos de longo prazo.
apenas 4 horas de um advogado por
Os projetos, eles estão dentro dos progra- exemplo, por seis meses. Então realmen-
mas e eles são muito dinâmicos, porque te nos dificulta fazer esse trabalho siste-
são com prazo determinados, então o es- mático, principalmente porque a ação do
forço é fazer uma gestão nos programas advogado, quando você entra com uma
pra que os outros projetos vão surgindo ação de defesa, a gente não consegue ter
dentro dele pra desenvolver as ações. a garantia do direito em seis meses... A
Isso é claro, gera um desequilíbrio, uma realidade do sistema de justiça e dos pro-
possível descontinuidade em algumas cessos e de todas das questões relativas
ações, como exemplo hoje, o nosso aten- à defesa de direitos, o processo chega

52

Cebrap - Advocacia Popular.indd 52 9/2/2013 7:40:42 PM


a passar aqui um tempo mínimo, médio, próprios parceiros, né, a gente não conta
de 5 anos, né? Podendo chegar até a 10 no gibi quantas vezes a gente teve que
anos de processo, quando a gente con- cortar recursos com outros parceiros
segue assegurar no projeto, se você con- que nacionalmente são os mesmos que a
segue o máximo de tempo, que é o que gente lida anualmente, que a gente senta
a gente tem de alguns projetos, são de anualmente para dialogar sobre qual é a
3 anos. Mas infelizmente, nessa área de pauta ou qual é a política de Direitos Hu-
defesa de direitos, os recursos são cada manos, qual é a necessidade inclusive de
vez mais pontuais, mais restritos, que vão a gente se rearticular para fazer frente às
exatamente de encontro a essa realidade violações perpetradas inclusive pelo pró-
temporal da defesa do direito. prio Estado, eu acho que esse é o grande
problema.
3.6.7 COMPETIÇÃO POR
FINANCIAMENTO A partir dos dados até aqui apresen-
tados, é possível visualizar a multiplicidade
O último elemento identificado como
de experiências de defesa de direitos cap-
uma dificuldade na obtenção de financia-
tada na amostra. Há importante variedade
mento por parte das entidades entrevista-
nos temas de atuação e nas atividades de-
das está relacionado à lógica competitiva
senvolvidas pelos atores estudados. Igual-
da busca por recursos. Em diversas entre-
mente, elementos de estrutura e financia-
vistas, o sistema de disputa por meio de
mento das entidades mostram-se bastante
editais e concorrência pública, tanto no
variados e estão relacionados ao perfil te-
plano internacional quanto nacional, leva
mático e de atividades das entidades. Na
a situações esdrúxulas, como colocar en-
seção seguinte, a resposta à pergunta so-
tidades que, com frequência, atuam em
bre quem são as entidades de defesa de
parceria, para competir por determinados
recursos: direitos que compõem a amostra será com-
pletada por meio da descrição do perfil da
Há, de uma maneira geral uma dificuldade
atuação jurídica dessas entidades. Com
de acessar os poucos recursos que têm
base na construção deste perfil das entida-
para um número enorme de organizações
des, será possível avaliar como interagem,
que concorrem nesse espaço [temático]
[...]. nessas diversas áreas temáticas, formas de
atividades e âmbitos de atuação, com os
O cenário da minha entrada confundiu-
órgãos do Estado que desenvolvem uma
-se com o cenário dessa diminuição das
advocacia de interesse público. Tendo o
pautas da advocacia no caso do gover-
no federal, acaba que tem uma tensão
retrato do que fazem essas entidades, via-
dialética aí, porque por um lado existem biliza-se uma comparação com a atividade
editais que contemplam um pouco essas de instituições estatais e uma investigação
pautas, mas aí gera também um senti- informada dos seus conflitos, complemen-
do de competitividade às vezes com os taridades e potenciais de otimização.

53

Cebrap - Advocacia Popular.indd 53 9/2/2013 7:40:42 PM


Cebrap - Advocacia Popular.indd 54 9/2/2013 7:40:42 PM
4.ATUAÇÃO JUDICIAL

Como apresentado no tópico ante- jurídica, mediação ou conciliação, acom-


rior, das 103 entidades estudadas nesta panhamento de processos e, por fim, pro-
pesquisa, 90 desenvolvem algum tipo de positura de ações judiciais individuais ou
atividade jurídica, tais como: orientação coletivas.

Tabela 13. Atividades jurídicas


Atividade jurídica Número de entidades Número de entidades que mudaram a
atividade ao longo do tempo
Orientação jurídica 33 4
Mediação e conciliação 6 1
Acompanhamento processual 20 2
Ação judicial individual 50 21
Ação judicial coletiva 34 4

Muitas dessas atividades jurídicas de- mais relacionada a uma forma de advoca-
sempenhadas pelas entidades mudaram cia tradicional, de orientação dos “clientes”
ao longo do tempo, por diferentes fatores, com relação aos seus direitos, quais órgãos
que serão explorados em cada um dos sub- acessar, seguida ou não de oferta de ação
tópicos a seguir. judicial por parte da entidade, quanto a uma
forma de assessoria jurídica popular, ligada
Além disso, foram mapeados diferen-
a atividades de formação da população em
tes métodos utilizados pelas entidades de
direitos, de empoderamento de comuni-
defesa em sua atuação judicial. Desde seus
dades, grupos e movimentos sociais. Essa
critérios de seleção de casos, como com-
forma de assessoria jurídica popular está
binam a estratégia de atuação judicial com
ligada à ideia de que os protagonistas dos
outras estratégias, ou mesmo a sua atua-
direitos são as próprias pessoas e não os
ção especializada em determinados fóruns,
advogados. Os advogados ou o direito não
como o Supremo Tribunal Federal e o Sis-
poderiam pautar a ação dos movimentos.
tema Interamericano de Direitos Humanos.
De modo geral, esses métodos caracteri- Uma mudança nesta atividade, rela-
zam um processo de especialização do tra- cionada também a uma mudança que diz
balho das entidades de defesa de direitos. respeito à atuação judicial individual (ana-
lisada em tópico a seguir), é a que algu-
4.1 ATIVIDADES JURÍDICO-JUDICIAIS mas entidades estão fechando suas portas
para o atendimento direto. Falta de recur-
4.1.1 ORIENTAÇÃO JURÍDICA
sos e de pessoal afastam as entidades de
A atividade de orientação jurídica é uma atividade de advocacia no estilo de
comum a boa parte das entidades de de- “balcão de atendimento”, de portas aber-
fesa estudadas e pode se manifestar de tas a todas as demandas que entrarem. Por
diferentes formas. Ela pode estar tanto isso, restringem-se à orientação jurídica,

55

Cebrap - Advocacia Popular.indd 55 9/2/2013 7:40:42 PM


encaminhando os casos para atendimento cepção das pessoas, uma abordagem mais
por parte dos órgãos de litígio do Estado, global do problema apresentado e, por ve-
quando for necessária a propositura de zes, até a sua solução, sem a necessidade
ações judiciais. de uma ação judicial. Para as entidades
Depois de anos trabalhando com o con- com o perfil de assessoria jurídica popular,
sumidor, hoje a gente tem um banco de o objetivo é o de empoderar as pessoas
dados que é acessado exclusivamente atendidas. A preocupação do atendimento
para o associado, mas também várias multidisciplinar é a acolhida, em não tornar
orientações ali viram dicas para o con- este momento mais um momento de vul-
sumidor, que fica no site, disponível para nerabilidade para a pessoa.
todo mundo, claro. O que a gente tem é o
Orientação jurídico-social, a pessoa che-
atendimento pessoal, a gente tem o aten-
ga, às vezes meninos ameaçados correm
dimento pessoal, mas não para virar ação
para [a Entidade], hoje em dia bem me-
judicial.
nos, acho que há mais de dois anos não
Uma atividade que a gente continua é o tem isso, mas acontecia, o menino amea-
apoio jurídico aos parentes e familiares da çado ia para [a Entidade] e falava “Olha,
[nome da Rede], […] que trabalha orga- estou com a roupa do corpo, não tenho
nizando familiares de presos e lá a gente pra onde voltar”, “Vamos dar um jeito”.
tem dado algum suporte na questão tanto Desde isso, até, que era muito costumeiro,
de educação em direitos como na ques- mães de meninos que já eram e já tinham
tão de casos específicos, principalmente passado por medidas lá, que conheciam
para eles conseguirem entender os casos. [a Entidade], tinham como referência na
Então a gente nem atua nos casos, a gen- região para orientação jurídica, social, às
te faz para a Defensoria, mas tenta fazer vezes para compartilhar uma angústia,
essa intermediação às vezes e essa ponte. uma aflição em relação à vivência e aí a
[…] Tem questão de orientação jurídica gente também fazia certa contenção ali
para os movimentos, por exemplo, antes com ela, de acolhimento e aí sim, vamos
de eles fazerem alguma mobilização, a atender demandas objetivas. “Não tem?
gente explica os riscos jurídicos envolvi- Tem. Mas não são demandas que [a En-
dos na mobilização, que você ocupar o tidade] vai dar conta”, “Então vamos en-
terreno, o que significa isso juridicamen- caminhar”. Então [a Entidade], apesar
te, o que pode gerar de consequência... E de fazer atendimento porta aberta, de
tem atuação in loco, no momento do con- orientação jurídica, questões trabalhis-
flito com a autoridade policial ou no mo- tas, penitenciárias, socioeducativas, cí-
mento em que a pessoa é encarcerada. veis, adoção, guarda, tudo isso, também
sempre... Atendimento não só feito por
Um diferencial que costuma ser apon-
advogado, mas advogados, assistente
tado pelas entidades de defesa em rela-
social, pedagogo, quaisquer profissio-
ção ao serviço de orientação jurídica que
nais que estavam [na Entidade], a gente
oferecem, em comparação aos serviços do
achava que tinham que ter capacidade
Estado, é o atendimento multidisciplinar, a
de fazer o atendimento, especialmente a
combinação de atendimento psicológico, acolhida. Depois, a gente achava que era
social e jurídico, quando necessário. En- importante, se a demanda persistisse, que
quanto os órgãos do Estado estariam mais a pessoa acessasse os serviços públicos
voltados à tradução jurídico-judicial dos estatais, que não ficasse ali, por exemplo,
problemas apresentados, o atendimento recebendo atendimento psicológico por
multidisciplinar provocaria uma melhor re- três, cinco meses. Que ela fosse acessar a

56

Cebrap - Advocacia Popular.indd 56 9/2/2013 7:40:42 PM


UBS e a gente ia com ela ou encaminhava, volume de demandas, com um perfil de ad-
“Pode atender? Ela vai chegar aí...”, às ve- vocacia de “balcão de atendimento”. Essas
zes estava frágil e fragilizada, e aí acessa- formas de mediação e conciliação surgem,
va o serviço público. A gente privilegiou em parte, como uma necessidade de redu-
os serviços públicos estatais.
zir o volume de trabalho dessas entidades,
Nós trabalhávamos o lado da autoestima de evitar o custo operacional e de recursos
dessas mulheres. [...] Não eram só aten- humanos de manter tantas ações judiciais
didas mulheres, eram atendidos o ho- em andamento.
mem e a mulher, porque tiveram muitos
[A Entidade] tem como concepção a ideia
casamentos também que foram salvos
de que nem sempre judicializar é o melhor
por conta desse atendimento. Porque, às
vezes, a mulher vem como vítima e con- caminho. Então a gente tem também um
versando com o marido dá um enten- grupo de mediação, uma área que cuida
dimento nos dois. Também a gente não de mediação e, às vezes, a gente vai bus-
pode só ter aquele olhar, que a mulher só car a solução pro problema na esfera ad-
ela que é vítima. Às vezes a mulher não ministrativa com pedidos administrativos,
sabe lidar com um problema, e aí é uma representações, às vezes inquéritos civis
orientação que ela precisa ter. E às vezes que a gente provoca o Ministério Público
não é a violência do marido, que o marido a abrir uma investigação, e aí almejando
também está sendo uma vítima. A partir talvez um TAC, sem a necessidade de ju-
do momento que você conversar, encami- dicializar o caso.
nha para um psicólogo, para algum [...] às
vezes é problema na saúde. Nós falamos
4.1.3 ACOMPANHAMENTO
que na época a gente era advogada, assis- PROCESSUAL
tente social e psicóloga ao mesmo tempo. O acompanhamento processual apa-
[Entrevistador] Fazendo todo o atendi- rece nas entidades de defesa de direitos
mento completo... mas vocês tinham de
como diferentes formas de controle. Ele
fato psicólogos trabalhando naquela épo-
pode ser um desdobramento do atendi-
ca? [Entrevistado] Não, psicólogas eram
mento individual, da orientação jurídica,
as mulheres (risos).
que foi feito na entidade, e que resultou no
É interdisciplinar o atendimento, sempre, repasse do caso para órgãos de litígio do
em todos os projetos. […] A gente tam-
Estado, na sua etapa de ação judicial.
bém faz roda de conversa com as víti-
mas de violência, trabalha a questão de Manda para a Defensoria Pública, mas aí
gênero, a autoestima, o empoderamento não tem uma interlocução direta com o
da mulher, não é só atender, tem muitas Defensor, porque a pessoa vai, pega fila,
outras questões que são do contexto do triagem, até virar processo demora um
nosso atendimento, diz respeito à pessoa mês e tal. E aí a pessoa está lá e a gente
ter a condição necessária para romper o monitora de longe. Às vezes liga pra pes-
ciclo da violência, que não é só uma de- soa “Deu tudo certo?”, mas a pessoa tem
manda jurídica, é muito mais do que isso. que ter autonomia. A gente orienta, mas
não fica em cima do Defensor tutelando.
4.1.2 MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO A gente acolhe e depois monitora, às ve-
zes tem devolutivo da família, às vezes
Poucas entidades mencionaram tra-
não.
balhar com a atividade de mediação e con-
ciliação. As que praticam, normalmente são Aqui, o controle pode se dar sobre o
entidades que trabalham com um grande trabalho desses órgãos do Estado, sobre

57

Cebrap - Advocacia Popular.indd 57 9/2/2013 7:40:42 PM


os prazos, manifestações. Um trabalho de lar, de você estar preparando lideranças
orientação prolongado, que pode se limitar da comunidade. […] A importância de
ao atendido ou envolver também contatos muitas vezes não pegar o caso, mas de
diretos da entidade com defensores, pro- você estar assessorando quem está lá, e
motores e procuradores. de, enquanto centro de defesa, a gente
produzir documentos que muitas vezes
O jurídico do Incra e a própria Defensoria
não é dos fatos, mas que consegue dar
Pública da União acabam não fazendo o
elementos para entender como que é
trabalho que deveria ser feito, de acom-
essa questão da comunidade, como que
panhamento jurídico dos casos dessas
é organizada a comunidade.
pessoas, desses grupos, então a gente
acaba assumindo esse trabalho. O acompanhamento processual pode
significar também o monitoramento de
Como está dentro da estratégia da or-
ganização essa questão que é acompa- processos judiciais, da jurisprudência for-
nhamento do conselho, das formas de mada sobre determinados direitos. Isso
participação popular, a nossa forma de gera uma melhor compreensão sobre o po-
monitoramento é muito constante, então sicionamento do Poder Judiciário no tema
a gente tem que dar uma olhada no pro- com o qual a entidade trabalha e sobre
cesso, ver o que está acontecendo, ver se como e onde a intervenção da entidade se
foi julgado o agravo. O Ministério Público faz mais necessária. Esse acompanhamen-
não tem isso, porque entra no bolo, entra
to, normalmente, está relacionado à ativi-
na estrutura. Então às vezes a gente per-
dade de pesquisa da entidade e a formas
cebe que teve uma movimentação, a gen-
de incidência pontuais, como a apresenta-
te aciona pra falar “Olha, tem que tentar
ção de amici curiae ou lobby judicial.
alguma coisa aqui, tentar fazer uma arti-
culação com o legislativo, tal”. Conforme foram aparecendo as ações,
a gente começou a acompanhar. Então,
Por vezes, o acompanhamento pro-
quer dizer, já havia um acompanhamento,
cessual pode ser também uma forma de
mas também o que aconteceu foi muito
trabalho de a entidade se colocar como
no sentido de descobrir o que existia. En-
ponto de mediação entre as comunidades,
tão, acho que a área jurídica começou um
grupos, movimentos sociais e o trabalho pouco assim, entendendo o que estava
dos órgãos de litígio do Estado, justamente acontecendo. [...] A gente acompanha al-
por conhecer esses grupos, suas deman- guns casos mais polêmicos no Supremo.
das, e já ter uma compreensão maior sobre […] A gente não tem nenhuma ação […],
os seus problemas. mas a gente monitora as ações, e naque-
Não dá pra um advogado de um centro las em que a gente acha importante, que
de defesa bancar com toda a demanda a gente tem condição, a gente apresen-
que se tem aqui, mas tem casos que a ta manifestação, seja com amicus curiae
partir deles se possa pensar em interven- nas ADINs. Nas ADINs, em todas a gen-
ções dentro do território. Então eram es- te participa, ou vai participar […]. Ou a
ses casos que [a Entidade] não assumia, gente pede a nossa admissão como litis-
o advogado não assumia muitas vezes consorte, então, por exemplo, nas ações
de acompanhar o caso, mas de ser o elo, do Ministério Público aqui em [cidade], a
junto à Promotoria, junto à Defensoria. gente pediu nossa admissão como litis-
A proposta não era de assumir os casos, consorte. Agora, não são todas as ações
mas de ter um profissional que tivesse que a gente consegue entrar, mas a gente
esse entendimento da Defensoria popu- monitora.

58

Cebrap - Advocacia Popular.indd 58 9/2/2013 7:40:42 PM


Por fim, o acompanhamento proces- por parte dessas entidades de que é res-
sual também aparece nas entidades que ponsabilidade do Estado oferecer esse tipo
não trabalham mais com ações judiciais in- de serviço e de que o papel das entidades
dividuais, mas que possuem um passivo de poderia ser o de fortalecer essas institui-
casos, correspondente a outro período de ções, influenciá-las para que absorvam as
atuação, que requerem acompanhamento. suas agendas, controlar a qualidade do seu
Hoje em dia, nós não fazemos muito mais trabalho.
isso [ações judiciais], porque a gente não Fizemos uma parceria com a Procurado-
tem mais pernas pra fazer, mas ainda tem ria de Assistência Judiciária [do Estado],
mais de 40 processos que a gente acom- onde a defensoria pública passava pra
panha no decorrer dos anos por conta de gente um recurso onde a gente pagava
que naquele momento, no final da déca- três advogados e três estagiários. Com
da de 1990, a gente entendia que a gente isso, a gente montou nosso centro jurí-
precisava atuar juridicamente nos proces- dico. Dentro desse trabalho nós conse-
sos, ou como assistente de acusação ou guimos atender mais de 15 mil mulheres,
como advogado de defesa em alguma si- vitimas da violência doméstica a partir
tuação que alguma pessoa fosse acusada de 1996. […] Quando surgiu a Defensoria
injustamente, mas hoje a gente entende Pública, nós perdemos o convênio da Pro-
que a gente precisa fortalecer cada vez curadoria do Estado e aí a gente focou o
mais as instituições e não [a Entidade] nosso trabalho na questão da geração e
atuar diretamente, até porque a gente renda pras mulheres.
não tem como fazer isso.
Lá em meados da década de 1990, prin-
4.1.4 AÇÃO JUDICIAL INDIVIDUAL cipalmente [na Entidade], essa era uma
atuação mais direta, primeiro não se con-
Esta é a atividade jurídica realizada tava com a Defensoria Pública porque ela
pelas entidades que mais sofreu alterações simplesmente não existia, e o Ministério
ao longo do tempo. A tendência geral das Público, como eram muitas questões cri-
entidades é a de deixar de trabalhar com minais envolvendo os trabalhadores, era
ações judiciais individuais ou a de alterar o autor muitas das vezes contra os tra-
o modo como este recurso é utilizado pela balhadores, então [a Entidade] acabava
entidade. A criação da Defensoria Pública exercendo esse papel sozinha, na defesa
em vários Estados, a diminuição de recur- dos trabalhadores. Principalmente dos
sos destinados a esse tipo de trabalho nas trabalhadores que eram criminalizados
entidades da sociedade civil ou, ainda, o pela luta pela reforma agrária. Agora, ao
longo dos últimos dez anos é que as en-
diagnóstico da ineficiência da via judicial
tidades têm esses outros atores. O Minis-
para a solução de problemas estruturais,
tério Público e a Defensoria Pública têm
são alguns fatores frequentemente aponta-
sido listados para participar desse pro-
dos pelas entidades para essa transforma-
cesso do sistema judiciário, seja as enti-
ção.
dades fazendo representações para esses
As Defensorias Públicas absorveram órgãos, seja articulando a participação
boa parte das demandas individuais com desses órgãos também em audiências em
as quais as entidades de defesa de direitos outros momentos.
trabalhavam. Convênios pelos quais as en- No final da década de 1990, a gente en-
tidades financiavam este tipo de trabalho tendia que precisava atuar juridicamen-
foram descontinuados. Há uma percepção te nos processos, ou como assistente de

59

Cebrap - Advocacia Popular.indd 59 9/2/2013 7:40:42 PM


acusação ou como advogado de defesa mo para fora da dimensão judicial, investin-
em alguma situação que alguma pessoa do em iniciativas de incidência política, ad-
fosse acusada injustamente, mas hoje vocacy, lobby ou reforma das instituições
a gente entende que precisa fortalecer de justiça.
cada vez mais as instituições e não a [en-
[A entidade] começou com casos indi-
tidade] atuar diretamente, até porque a
viduais, [...] tinha algumas assistências
gente não tem como fazer isso.
de acusação, ou dos casos de violência
A gente participou do movimento de sexual, ou de casos de assassinatos de
criação [da Defensoria Pública]. Uma vez adolescentes, que é uma estratégia que a
criada, a gente sempre compartilhou ca- gente não faz mais hoje, que é assistência
sos com a Defensoria, mas casos que já de acusação, mas no início tinha, então
estavam lá ou casos que a gente achava começou com um caráter mais individual.
que teriam de ser judicializados e que a [...] Quando a gente faz a defesa técnica
pessoa não tem como pagar advogado, a de um caso emblemático de adolescente,
gente orienta a Defensoria. Por quê? Por- a quem se atribui a autoria de ato infra-
que a gente não quer pegar processo. Por cional, mas o que a gente procura com
quê? Porque a gente acredita que acesso esses casos individuais é dar uma reper-
à justiça é um direito que tem que ser ga- cussão coletiva, que outras pessoas... é aí
rantido também por mais um serviço es- o trabalho da assessoria de comunicação
tatal. Não à toa a gente lutou pela criação. é importante também para fazer a difu-
Hoje a gente concentra no atendimento são de uma vitória no Judiciário, de uma
de famílias com crianças e adolescentes possibilidade de discutir um determinado
vítimas de crimes, mas nessa trajetória [da direito por essa via.
Entidade], [a Entidade] também já aten- Em um dado momento, a gente começou
deu adolescentes em conflito com a lei. a viver uma situação que [a entidade] ti-
Era um número muito grande de adoles- nha fila na porta e aí a gente começou a
centes que cometiam ato infracional, que falar “Não, espera aí, a gente quer, [a enti-
precisavam de defesa técnica, e que, por dade] quer pensar num lado de realmen-
falta de Defensoria Pública, não tinham te mudar um pouco e melhorar a defesa,
atendimento qualificado e [a Entidade] mas não só isso, pensar em estratégias
realizava essa atividade. Isso mudou nos políticas, em fortalecimento do instituto
últimos anos após um movimento da De- de direito de defesa”, né? A gente co-
fensoria Pública de receber esses casos. meçou a perceber que a gente estava...
Então alguns casos que tinham esse foco começamos a ter uma sensação de que
aqui [na Entidade] foram repassados pro a gente estava enxugando gelo, que pre-
atendimento pela Defensoria Pública e cisávamos pensar um pouco em um lado
hoje nós não fazemos mais esse tipo de mais macro, de pensar em políticas públi-
defesa técnica, por entendermos ser pa- cas e que não dava pra ficar atendendo
pel da Defensoria Pública. Então nosso sem ter uma reverberação de alguma for-
movimento hoje é fortalecer e ter uma ma, sei lá, em construção de indicadores,
Defensoria Pública forte no estado pra senão a gente ia ficar atendendo ali e re-
realizar essas atividades. solvendo aquelas situações pontuais, mas
sem modificar uma coisa maior.
Algumas entidades voltaram o seu
foco para ações judiciais de dimensão cole- Outras entidades mantêm a sua atua-
tiva ou para ações individuais exemplares, ção judicial individual, por conta de terem
com capacidade de repercussão, ou mes- um compromisso historicamente construí-

60

Cebrap - Advocacia Popular.indd 60 9/2/2013 7:40:42 PM


do no atendimento de casos individuais Até 90, 94, 95, foram essas ações [indi-
em um determinado tema ou, embora não viduais]. Aí acabou, agora é só ação civil
estejam atendendo mais novos casos indi- pública. […] Eram os dois juntos, ação civil
viduais, possuem um passivo de casos, re- pública e tentar formar jurisprudência de
ferentes a um período anterior de atuação. um direito, que eu estou defendendo na
ação civil pública, [em ações individuais].
Fora os adolescentes em cumprimento de
medidas, a nossa prioridade é a atuação 4.1.5 AÇÃO JUDICIAL COLETIVA
em causas coletivas e não em causas indi-
viduais. Porque a gente entende que nós Como foi visto no tópico anterior, há
não somos um balcão de atendimento. um movimento de aposta na coletiviza-
Quem deve cumprir esse papel é a defen- ção da atuação judicial, seja por meio de
soria pública. […] Pela questão da própria ações judiciais individuais, seja por meio de
origem da entidade, do grupo, que vem ações de dimensão coletiva. Das 34 entida-
lá do movimento de meninos de rua, essa des que mencionaram trabalhar com ações
coisa toda, a gente assumiu. de caráter coletivo, 19 relatam experiência
Teve certo momento em que a gente ia com o instrumento das ações civis públi-
até o caso, as visitas que fazíamos no sis- cas, tanto de iniciativa própria quanto em
tema penitenciário eram exatamente pra parceria com Ministério Público, Defenso-
isso e hoje as visitas são reduzidas. Hoje, ria Pública e outras entidades de defesa ou
pelo número de profissionais, […] não es- movimentos sociais. Foram também men-
tamos atendendo nenhum caso novo, só
cionadas as ações coletivas e o usucapião
os antigos porque a gente não dá conta,
coletivo.
não tem recursos para manter.
A gente tem várias ações civis públicas
E, por fim, há entidades que apostam
no tema do direito à educação, por exem-
na via do litígio individual como instrumen-
plo, conseguir vaga em creche, conseguir
to político ou de construção jurispruden-
a reforma de uma escola que o muro está
cial, via litígio em massa. desabando, discutir que não foi na ação
A gente faz uma advocacia estratégica na judicial destinados os 25% pra educação,
justiça estadual, por exemplo, o mutirão então são casos sobretudo coletivos.
das cautelares. Um dos objetivos desse
Nós sempre tínhamos um trabalho mui-
mutirão era construir uma jurisprudência
to incipiente e voluntário dentro das co-
de qualidade porque era uma lei nova. O
munidades, da gente ir até as comunida-
que acontece? A jurisprudência precisa-
des, principalmente na parte de moradia
va se construir naquele momento, ainda,
e tentar urbanização, tentar o usucapião
ela fez um ano de lei agora na metade do
individual e coletivo, e de, imagino que,
ano, então a forma como os pedidos che-
de quatro anos pra cá, cinco anos pra cá,
gam ao Judiciário de primeira instância e,
quando entrou [o convênio com a De-
principalmente, nos tribunais de justiça,
fensoria Pública] nós transformamos e
impactam a forma como começa a ser
institucionalizamos isso. Então hoje te-
decidido e como começa a se consolidar
mos uma área dentro [da Entidade] para
jurisprudência, então um dos objetivos
direito coletivo e, em especial, direito de
do mutirão foi “então vamos começar a
moradia.
inundar o Judiciário com pedidos de qua-
lidade, feitos por advogados altamente Outro tema que também está em an-
qualificados pra criar uma jurisprudência damento e a gente está trabalhado é a
minimamente positiva”. questão da educação nos presídios, que a

61

Cebrap - Advocacia Popular.indd 61 9/2/2013 7:40:42 PM


gente entrou com uma ação civil pública ela tem que estar muito ligada à mobiliza-
junto com [outras Entidades e Núcleo da ção, à divulgação na mídia, um fato midiá-
Defensoria Pública]. […] Os argumentos a tico que chame a atenção para o proble-
gente meio que traçou coletivamente, os ma, a um fortalecimento da comunidade,
pontos que a gente iria abordar. [A outra então o que que a gente vê muito, ações
Entidade] trouxe a expertise de educa- que ficaram anos se arrastando, tem uma
ção, que a gente não sabia, por exemplo, decisão liminar, mas a decisão final nun-
questão de currículo, quem deve forne- ca se cumpre, um judiciário muito moro-
cer educação, todos os argumentos e foi so, e no judiciário da infância uma rejei-
uma experiência muito rica pra gente, de ção por esse tipo de demanda, só quer
aprender esse lado da educação que a atender demandas de adoção ou de ato
gente não tinha contato, as diretrizes do infracional, as outras é muito difícil, então
Conselho Estadual de Educação, Conse- acho que, assim, houve algumas mudan-
lho Nacional de Educação, essa experti- ças de estratégia, por exemplo em 2005
se eles trouxeram. Mas foi o Núcleo [da se discute o orçamento para a educação,
Defensoria Pública] que fez basicamente a destinação de recursos do Fundef pela
toda a base, a questão da situação carce- via judicial, é uma grande inovação na es-
rária foi a Defensoria Pública, eles trouxe- tratégia, isso nunca tinha sido discutido
ram o apoio jurídico. judicialmente. Assim, as ações quando
você lê, elas também vão ficando mais
No entanto, há várias dificuldades bem elaboradas, antes eram coisas muito
apresentadas pelas entidades ao trabalhar mais simples, e aí isso vai, você vai adqui-
com essas ações de dimensão coletiva, re- rindo essa maturidade também nessa es-
lacionadas a aspectos da própria entidade tratégia, mas ao lado disso houve também
(competência estatutária, dificuldade de uma, uma análise do judiciário a partir
financiamento), bem como a limites de efi- dessa atuação muito crítica em que mui-
cácia das próprias ações. tas vezes se avaliava, assim, pouco efetiva.

A ação civil pública a gente não tem ca- Algumas entidades, por conta desses
pacidade postulatória de ajuizar sozinhos, fatores estruturais, têm enxergado a Defen-
por isso que a ação civil pública precisa- soria Pública e o Ministério Público como
ria... a Defensoria tem sido nossa parceira. espaços mais propícios para a atuação em
Até por questão financeira, ela reflete na ações coletivas.
própria estrutura da organização, então Coletivas nós não fazemos ações, nós já
ela sempre tem mais demandas do que a pensamos em fazer, mas a gente prefere
nossa estrutura de recursos humanos, de que... é, é visto de outra maneira a ação
recursos estruturais, permite, sempre... E proposta pelo Ministério Público... Então
nesse sentido dificulta muito fazer a liti- a gente cria a documentação, instrumen-
gância proativa, principalmente a litigân- taliza e leva pro Ministério Público. […]
cia em ações coletivas, como, por exem- Nós levamos como uma denúncia para
plo, a ação civil pública, porque muitas que se instale um inquérito civil, e se esse
vezes ela demanda produção de provas e inquérito civil, é, eles conseguirem, pode
a produção de provas também demanda ser que se resolva através de um acordo,
muitas vezes uma prova pericial e o Ju- ou não, pode ser que tenha que se propor
diciário não tem uma cultura de admitir uma ação.
essa prova pericial.
Porque ações públicas nós já tivemos.
A gente percebeu muito que ela [a Ação Mas, como a Defensoria Pública, nessas
Civil Pública] sozinha não funciona, que ações públicas, é muito atuante no [Es-

62

Cebrap - Advocacia Popular.indd 62 9/2/2013 7:40:42 PM


tado], então essas ações através de uma vimentos não têm, sendo procuradas para
entidade particular, uma entidade civil, atuarem em ações judiciais de dimensão
ela não aparece de uma forma tão im- coletiva ou para apoiarem essas ações.
portante quanto a da Defensoria Pública
Porque da sociedade civil aqui, só [a En-
neste trabalho de defesa do consumidor
tidade] tem advogados, então por vezes
através de ações públicas.
a gente promove ação civil pública, em
Há, ainda, um papel importante de- nome coletivo das instituições da socie-
sempenhado pelas entidades de defesa de dade civil, […] mas pelo fato de a gente
ter advogados.
direitos nessas ações de dimensão coleti-
va, o de comunicação com os movimentos As ações em geral são ações de comu-
sociais, comunidades e grupos. As entida- nidade em defesa delas próprias e nós
des fomentam essa forma coletiva de ação apoiamos essas ações. [A Entidade] não
entra, por exemplo, com ação própria
desses grupos, assim como é demandada
para ele mesmo. […] A gente apoia, finan-
para ter uma atuação judicial de dimensão
cia quando é o caso, contrata advogado,
coletiva ao trabalhar com esses grupos. dá visibilidade, constrói estratégia junto,
A gente procurava mostrar que trabalhar mas a gente não tem ações próprias;
coletivamente tem mais força, trabalhar Era uma área que as pessoas já moravam
junto, fazer o menor acreditar no menor, há mais de 10, 15 anos... Era uma área ocu-
a pessoa que está explorada juntar com pada. E algumas pessoas já tinham feito
outros explorados, muito ligada na época até o curso de juristas. E aí procuraram
do Paulo Freire, a gente conheceu o Pau- [a Entidade] para que a gente ajudasse
lo Freire e tudo, então essa consciência nisso. A gente fez um projeto com du-
da educação popular, o método da edu- ração de um ano, e aí a gente contratou
cação popular onde todo mundo aprende na época um advogado para que ele fi-
e todo mundo ensina, a gente conseguiu zesse todo um estudo da área. E a partir
avanços na organização popular, que uma da associação de moradores foi feito um
organização passa pela organização po- estudo da área, foi contratado um topó-
pular, pela consciência de cidadania da grafo para fazer um estudo topográfico e
fazer todas as medições. E foi ajuizada a
população.
primeira ação de usucapião coletivo ur-
Tinha uma reivindicação dos movimentos bano [do Estado]. Essa ação ainda está
sociais por conta das unidades eclesiais em curso, o projeto era de um ano só, já
de base. Então, nunca a dimensão cole- terminou, mas aí, por um compromisso
tiva foi esquecida ou abandonada, mas é da entidade, a gente acompanha, mesmo
muito mais fácil você operar, fazer operar não mantendo verba específica para esse
um escritório com demandas individuais. projeto.
Mas inevitavelmente, com a proximida-
de com os movimentos, vai provocando 4.2 SELEÇÃO DE CASOS
o surgimento de demandas coletivas e aí É possível diferenciar as entidades
a área, hoje chamada de projetos sociais, de defesa de direitos também com relação
começa a atuar em casos ligados ao mo- aos métodos que utilizam ao atuar judicial-
vimento de moradia e, num determinado mente. O modo como selecionam os casos,
momento, também temos uma atuação
com qual objetivo recorrem ao Poder Judi-
muito forte com rádios comunitárias.
ciário, se se valem ou não de outras estra-
Além de, por vezes, disporem de es- tégias paralelamente à judicial, ou mesmo
trutura e recursos que estes grupos e mo- as instâncias de atuação nas quais se espe-

63

Cebrap - Advocacia Popular.indd 63 9/2/2013 7:40:42 PM


cializam, tudo isso auxilia a compreensão vem uma demanda de sem-teto, “vamos
do tipo de advocacia existente no universo atender”, vem quilombola, “vamos aten-
das entidades de defesa de direitos. Esta der”, vem índio, “vamos atender”. Índio e
parte guarda relação com os referenciais quilombola como eu falei pra ti, é pouca
apresentados na introdução dessa pesqui- coisa, mas sem-terra e sem-teto é muita
coisa, é muito maior do que a nossa capa-
sa: quando se aproximam de uma advoca-
cidade de trabalho aqui.
cia client-oriented e quando se aproximam
de uma advocacia issue-oriented. A Defensoria nos encaminha, o Conse-
lho Tutelar, Delegacias, Centros de Refe-
4.2.1 CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DE rência, a porta de entrada nossa é muito
CASOS grande, UBS, hospital...

Normalmente, a porta de entrada não é


Tabela 14. Critérios de seleção de casos
nossa, a porta de entrada é a Defensoria.
Critério de seleção dos casos Número de A gente não pode pegar nenhum caso
entidades
que não seja encaminhado pela Defenso-
Casos exemplares 26
ria. Os outros a gente assessora, a gente
Demanda 21
Temática 8
até pode... mas normalmente a Defensoria
Mobilização social 7 encaminha, essa pessoa que já deu a en-
trada lá no Núcleo, ou de habitação, ou no
4.2.2 DEMANDA espaço onde eles atendem o individual, a
pessoa é atendida, vem com uma ficha de
A forma mais tradicional de seleção
encaminhamento e aí, de acordo com a
de casos na advocacia é a da demanda;
situação, se faz uma ação compatível com
trabalhar com casos conforme a demanda.
aquela situação.
Muitas entidades que trabalhavam dessa
forma passaram, ao longo do tempo e da 4.2.3 TEMÁTICA
experiência de advocacia, a trabalhar se-
Outra possibilidade é a de a entidade
gundo outra estratégia, a de seleção de ca-
estabelecer um critério temático para a se-
sos exemplares, de impacto, paradigmáti-
leção de seus casos. Com isso, já se apro-
cos, para a atuação judicial. Essa mudança
ximam de uma advocacia issue-oriented.
guarda relação com a transformação apre-
Essa escolha está ligada tanto à necessida-
sentada no tópico anterior sobre ações ju-
de de a entidade manter uma identidade
diciais individuais.
mais clara de atuação quanto aos escassos
Pode-se trabalhar conforme uma de- recursos, para se trabalhar com qualquer
manda espontânea, de casos que chegam demanda que apareça.
até a entidade por meio do atendimento ju-
[A ação judicial] só existe quando auto-
rídico. Ou induzida, por meio, por exemplo,
rizada pela equipe. A gente tem reuniões
de convênio com a Defensoria Pública ou
quinzenais e eu não tenho essa autono-
com outros órgãos de atendimento. Traba-
mia de pegar a uma demanda que eu
lhar conforme a demanda significa que a
acho que tem pertinência para [a Entida-
entidade não tem controle sobre quais ca-
de] acompanhar. Não, surge a demanda,
sos irá atender.
eu levo para a reunião, e aí, em equipe, a
A gente aqui não se planeja “esse ano va- gente avalia se é pertinente, ou se é um
mos fazer tal coisa”, não, a gente sempre interesse individual de alguém ou se é
age de acordo com a demanda. Vem uma uma área que a gente não tem know-how
demanda de sem-terra, “vamos atender”, ou que a gente não atua há muito tempo.

64

Cebrap - Advocacia Popular.indd 64 9/2/2013 7:40:42 PM


Então, as ações, elas surgem de deman- os casos, porque a gente não... Obviamen-
das ou da rede de juristas ou de alunos te a ideia não é atender uma quantidade
do curso de juristas e tem de ser sobre grande de casos, mas analisar até onde
assuntos que, primeiro: que a gente tenha em alguns casos específicos a gente con-
atuação. segue impactos maiores, que sejam úteis
pra uma coletividade ou pra um grande
A gente procura focar porque não tem
número de casos.
como atuar em tudo, em todos os tipos
de causas, seria pra nós impraticável. […] Nós tivemos em 2011 6809 denúncias de
A assessoria é aberta a pessoas vivendo discriminação, e a gente não pode atuar
com HIV e Aids, também para populações nessas 6809, então a gente atuou em al-
vulneráveis ao HIV e a gente busca resol- gumas, nas mais chocantes... São algumas
ver de maneira administrativa, não sendo que chegam até a gente e a diretoria fala
possível, a gente vê caso a caso aqueles “Essa procede, essa é importante, essa
que talvez seja necessário entrar com nós vamos criar jurisprudência”.
ação judicial, no âmbito previdenciário ou
Um dos possíveis objetivos de se tra-
no âmbito civil.
balhar com casos exemplares é o de pro-
4.2.4 CASOS EXEMPLARES vocar a criação de jurisprudência, de prece-
dentes judiciais favoráveis.
Complementar à seleção temática
de casos é a seleção de casos exemplares, Mas o quê que a gente pode contribuir? É
que seriam aqueles com potencial de re- perceber que cada vez mais os preceden-

percussão sobre a sociedade ou paradig- tes são importantes no Direito Brasileiro,


por mais que a gente não seja de com-
máticos em termos de violação de direitos,
mon law, que tem essa coisa do prece-
de exposição das deficiências de políticas
dente como uma norma para todos, uma
públicas ou legislativas. Geralmente, para
norma importante, de maior importân-
potencializar os efeitos desses casos, a
cia... Súmula Vinculante, Súmula Impedi-
entidade emprega paralelamente à ação
tiva, aquela de repetição de recursos no
judicial outras estratégias (mídia, articula- STJ, a Vinculante no STF. As Súmulas, em
ção social, lobby etc.), que foram vistas na si, cada vez mais... A própria repercussão
seção anterior. Em outras palavras, o que geral, tudo isso traz uma dimensão que
define um caso exemplar não é apenas a aproxima o common law, aproxima essa
sua natureza, as suas características, mas o coisa de o precedente ser muito impor-
modo como é construído o litígio e as es- tante. E o nosso programa jurídico atua
tratégias paralelamente empregadas. bastante com precedente para criar juris-
prudência positiva para a superação do
A escolha de casos exemplares é,
racismo, para a igualdade racial. Então
atualmente, a mais empregada pelas en-
isso é bastante importante pra gente.
tidades de defesa de direitos. É fruto de
uma transformação no modo de advogar Fazer um diagnóstico e provocar também

dessas entidades. o judiciário com petições bem fundamen-


tadas, quer dizer, tentar levar isso para
São ações normalmente que levantam as-
os tribunais superiores e começar a criar
pectos não levantados normalmente pe-
uma jurisprudência bem-feita, bem cons-
las ações já propostas.
truída ali, na medida do possível, mas pro-
A gente atua em alguns casos, mas a ideia vocar, fazer uma discussão de alto nível.
não é fazer assessoria gratuita em todos Era esse um pouco o objetivo.

65

Cebrap - Advocacia Popular.indd 65 9/2/2013 7:40:42 PM


Outros objetivos podem ser promo- de casos exemplares de violação de direi-
ver debates na sociedade e impactar sobre tos humanos. Hoje, em que pese a gente
políticas públicas. ter essas instituições mais qualificadas,
tanto o Ministério Público quanto a De-
A nossa metodologia fundamental é o
fensoria Pública, e outros núcleos tam-
que a gente chama defesa jurídico-social,
bém do Poder Executivo que fazem... pelo
trabalhando inclusive com casos de gra-
menos se propõem a fazer atendimento a
ves violações de direitos humanos, pra
vitimas de violência, mas mesmo assim,
fazer não das pessoas desse caso, mas
ainda assim as pessoas ainda procuram a
do que aquele caso representa em tor-
gente, porque nem todos conseguem ter
no, como violação de direitos humanos,
um atendimento qualificado e a situações
como falência das políticas públicas, fa-
de violação de direitos humanos, tem ca-
zer a partir daquela situação específica
sos que são tão complexos que, de fato, a
uma discussão maior sobre o Estado e o
gente compreende as pessoas e os movi-
papel da sociedade, enfim, a garantia dos mentos, que se [a Entidade] não estives-
direitos. […] Ou seja, o caso é um estopim se atuando, talvez o resultado não fosse
para uma discussão sobre a política, essa o mesmo.
é digamos a metodologia que o centro de
defesa chama de proteção jurídico-social 4.2.5 MOBILIZAÇÃO SOCIAL
ou defesa jurídico-social. Essa sempre foi
Para garantir a sustentabilidade da
a atividade central [da Entidade], mas
como eu te disse, ela se amplia para essas
atuação judicial ao longo do tempo, algu-
outras questões que a gente entende que mas entidades utilizam como critério de
precisam ir se agregando à atuação jurídi- seleção a presença de mobilização social
co por, pra que minimamente se consiga minimamente estruturada em torno do
alterar o estado de coisas e não apenas caso. Este critério para a seleção de casos
tratar de um caso específico. está relacionado à estratégia de articula-
A questão da vulnerabilidade da vítima,
ção social, desenvolvida paralelamente ao
a gravidade da violação e, principalmen- caso, como será visto no tópico 4.3.2.
te, o potencial de repercussão, de decisão Primeiro critério escolha, tem que ter um
da parte da Comissão [Interamericana de movimento organizado lá. Não é qual-
Direitos Humanos] para outros casos do quer caso que a gente encaminha. Tem
Estado brasileiro. Então não adiantaria, que ser o caso de uma região onde exista
no nosso entender, encaminhar um caso um movimento, e o movimento esteja or-
que de tão específico só resolvesse aque- ganizado. Que o caso sirva pra fortalecer
le. Nós precisaríamos de algum caso que, o processo de organização e mobilização
através da decisão, pudesse dar uma res- social. Então esse é o primeiro critério. E
posta a um conjunto muito maior de viola- o segundo critério vai depender, na ver-
ções parecidas, equivalentes, que estives- dade, da existência de interlocutores no
sem acontecendo no Estado brasileiro. Ministério Público, as ONGs que se dis-
ponham a fazer esse tipo de litígio junto
Esse tipo de advocacia de casos exem-
ao movimento. E também não é qualquer
plares requer também uma especialização
ator, é o ator que tenha essa compreen-
temática, um grande aprofundamento. As
são da nossa estratégia de organização.
entidades de defesa acabam gerando um
Esses são os critérios. E que também se-
acúmulo de know-how na área.
jam casos emblemáticos, casos que sir-
E nesse tempo todo, [a Entidade] sempre vam como modelo pra todo o país. Que
foi referência com o que a gente chama tenha questões que sejam de interesse

66

Cebrap - Advocacia Popular.indd 66 9/2/2013 7:40:42 PM


coletivo e não só de uma região específi- vimentos e a gente chama pessoas de
ca, ou de um caso muito particular. universidades, a gente também em uma
articulação muito forte com a Universi-
Isso [a escolha do caso] é feito a partir de
dade Federal [do Estado], com as outras
discussão sobre a agenda de trabalho da
universidades, então vêm vários estudio-
instituição, no sentido mais geral, mas eu
poderia ter colocar dois critérios: o pri- sos pra cá, pra [Entidade] e nos ajudam

meiro critério é um critério de mobilização a pensar sobre as estratégias e tudo, e aí


social, de demanda, digamos, demanda a partir dessa análise coletiva a gente vai
popular por direitos, e o outro critério é o escolhendo os temas. Todas essas análi-
critério de fortalecimento de agendas de ses são a partir de dados que a gente vem
direitos educacionais que são contra he- coletando ao longo dos anos, ou que al-
gemônicas, no sentido de que não estão gum outro movimento ou alguém da aca-
na pauta das políticas educacionais mais demia tenha.
visíveis. Então essa é uma leitura geral,
4.3 MÉTODO DE ATUAÇÃO JUDICIAL
porque geralmente se a gente fosse de-
pender só das demandas que chegam,
4.3.1 COMBINAÇÃO DA ESTRATÉGIA
trabalharia só com as demandas popula-
JUDICIAL COM OUTRAS
res. […] Conjugava essa possibilidade de
ESTRATÉGIAS
se fazer um trabalho de apoio à mobiliza-
ção popular com monitoramento de polí- Dentro dessa orientação de algumas
ticas públicas e com a mudança no padrão entidades de extrair o máximo de reper-
de resposta do judiciário, com a tentativa cussão possível a partir do litígio, costu-
de mudança de padrão de resposta do mam combiná-lo com uma série de outras
judiciário, no sentido de torná-lo um ator estratégias, para potencializá-lo. Ou, ainda,
relevante na garantia desse direito.
diante do diagnóstico de ineficiência do
A mobilização social é importante recurso ao Poder Judiciário para a solução
não apenas para garantir a sustentabilida- de determinados problemas estruturais,
de judicial do caso, mas também para que outras estratégias revelam-se mais efica-
esses casos cheguem até as entidades de zes, sendo a atuação judicial apenas mais
defesa de direitos. uma. O que poderia indicar, por parte das
Como boa parte dessas comunidades entidades de defesa de direitos, uma mu-
está no interior do Estado e não estão dança de estratégia: em vez de judicializar,
sediadas na capital, [as Entidades] con- trabalhar politicamente os casos.
tam com a parceria de entidades locais, Tinha um papel muito judicial da defesa
essas entidades locais podem ser asso- de direitos. E isso com o passar do tempo,
ciações, podem ser sindicatos de tra- inclusive por conta de certa ampliação da
balhadores rurais, enfim, a igreja, ou as visão em relação às limitações institucio-
igrejas, uma gama de entidades locais nais do próprio sistema de justiça, me pa-
que são parcerias nesse sentido e que rece que se foi ampliando essa atuação
elas podem indicar, a partir do conheci- da organização, não só para o campo
mento da realidade local que elas têm, jurídico social, mas também para outras
com a comunidade A ou B, podem indi-
atuações de incidência política, controle
car qual comunidade pode ser atendida,
das políticas públicas, do orçamento, de
pode ser acompanhada.
articulação e mobilização em torno de
Várias análises de conjuntura que a gen- determinadas pautas, da produção de co-
te faz em parcerias com diversos mo- nhecimento, enfim, as estratégias foram

67

Cebrap - Advocacia Popular.indd 67 9/2/2013 7:40:42 PM


se ampliando com o passar do tempo e 4.3.2 ARTICULAÇÃO SOCIAL
parece que há, de fato, essa mudança de
Muitas entidades somam-se a outras
perfil que era muito própria ali da vira-
ao proporem uma ação judicial. A articu-
da do século, de certa judicialização das
demandas e que vai se ampliando agora lação social é importante para a atuação
nessa nova década do século XXI. judicial em diferentes sentidos: coletar in-
formações, combinar estratégias, poten-
Mudando os limites dessa atuação judicial
cializar a ação judicial, empoderar grupos
e partindo para uma linha mais do cons-
trangimento, de conhecer melhor as po-
sociais, somar expertises, aumentar o âm-
líticas públicas, e de denunciar determi- bito de atuação (geográfico, temático etc.).
nados contextos, de contribuir para que A nossa principal forma de trabalho é em
os conselhos deliberem sobre alterações articulação com os atores locais, porque
da política e aí com aquela deliberação a a gente não atua só [na Cidade], a gente
gente faz um grande evento para poder tem casos de outros estados da federa-
mostrar como que é contraditório o que ção, então a gente trabalha sempre junto
nós temos na prática com o que o go- das outras entidades ou movimentos de
verno deveria estar se comprometendo a locais específicos. Acho que essa é a for-
partir das normas, enfim, é ir gerando es- ma de atuação [da Entidade], que foi se
ses processos de luta, de disputa política, construindo ao longo desses anos, nesse
que a gente entende que hoje são mais começo, o que era, talvez, um trabalho um
eficazes, não abrindo mão da atuação ju- pouco mais técnico, voltado pra essa par-
dicial quando ela se faz necessária, mas te de litígio, conforme a coisa foi passan-
compreendendo seus limites, e tendo o do pra trabalhar também com pesquisa
entendimento de que é preciso ampliar o e documentação, você acaba trabalhan-
olhar sobre isso. do também com a parte de mobilização,
E aí, proteção jurídico-social, faltava defi- então você tem essa interlocução entre
nir isso, é o conjunto de diversas estraté- pesquisa documentação e mobilização
gias, mais ou menos, seis ou sete estraté- popular e política que acaba sendo um
gias para garantias de direitos humanos componente importante.
de crianças e adolescentes... um lobby ou Casos paradigmáticos são mais comple-
incidência política, advocacy, mobiliza- xos em direitos humanos, a gente realiza
ção popular, produção de conhecimento, pareceres jurídicos com relação aos di-
defesa técnica judicial ou extrajudicial, reitos humanos, para serem juntados nos
e monitoramento de políticas públicas. processos ou para serem encaminhados
Essas estratégias foram conceituadas no às demais políticas públicas. É claro que
bojo da proteção jurídico social para dar esse nosso acompanhamento não é sim-
sentido a essa expressão, é muito particu-
plesmente focal, então quando a gente
lar [da Entidade] essa conceituação.
faz um encaminhamento a gente vai fa-
zer todo o monitoramento daquele en-
Tabela 15. Combinação de estratégias
caminhamento, porque a gente também
Estratégia judicial combinada com: Número de trabalha com articulação da rede de di-
entidades
reitos humanos, a gente trabalha de uma
Articulação social 17
forma a estabelecer um diálogo conjunto
Formação 13
com esses parceiros e orientar esses no-
Advocacy 10
Pesquisa 10
vos usuários.
Mídia 7 A articulação social é também uma
Lobby judicial 7 decorrência natural do próprio público com

68

Cebrap - Advocacia Popular.indd 68 9/2/2013 7:40:42 PM


o qual a entidade costuma trabalhar. Pelo curso. Tem bastante material publicado
menos 42 entidades manifestaram que tra- das aulas, enfim, mas é uma perspecti-
balham um público coletivo: grupos, ONGs, va de fortalecer também e de difundir as
movimentos sociais, comunidades etc. estratégias de exibilidade num conjunto
mais amplo de pessoas e organizações.
São sobretudo casos em comunidades
que a gente tem proximidade, ou porque Foi feito um estudo na época, que a maior
acompanha, porque faz um trabalho dire- parte das pessoas que procuravam aqui
to, ou porque conhece, assim são casos era mais para pegar informações. Não era

que demandam dedicar-se mais àquela nem necessariamente para que entras-

história; não é só escrever a história e a sem com a ação, e sim, para uma informa-
ção de aonde procurar, aonde se reportar
ação e dar entrada, justamente porque é
para os mais diversos problemas, que é
congregado com outras estratégias, en-
uma grande carência da população. Eles
tão, tem relação com o trabalho que se
não sabem nem aonde ir para começar a
faz de acompanhamento daquelas comu-
procurar uma solução. Então, muitas ve-
nidades, ou de uma análise específica, por
zes, a solução não é encontrada com uma
exemplo, na história da lei orçamentária,
ação judicial e sim com formas extrajudi-
de uma análise específica, então tem a
ciais de solução dos conflitos. E aí foi feito
ver com uma atuação mais sistemática,
um primeiro projeto, para que se tentasse
mais a longo prazo naquele tema, naquela
dar um curso para essas pessoas, já que
região ali geográfica.
não se conseguiria acompanhar indivi-
4.3.3 FORMAÇÃO dualmente, e que essas pessoas fossem
multiplicadoras nas suas comunidades.
Várias entidades trabalham com o seu Porque se observou que essas pessoas
público o aspecto da formação em direitos. que vinham aqui já eram aquelas que já
O objetivo é formar pessoas que sejam ca- tinham um pouco mais de conhecimento,
pazes de identificar violações de direitos, já sabiam ler e escrever, tinham um pouco
de encaminhar suas denúncias aos órgãos mais de informações e, muitas vezes, elas
competentes, de replicar essas informa- vinham para repassar essas informações
ções em suas comunidades e grupos, que para os outros.
tenham consciência de seus direitos e exer-
4.3.4 PESQUISA
citem sua cidadania. Esses programas de
formação em direito, ao capacitar líderes A pesquisa acaba tornando-se uma
comunitários na linguagem dos direitos, estratégia para a atuação judicial mais
criam também uma rede de agentes de de- pontual e qualificada. Saber quais são os
fesa de direitos, com capilaridade geográ- gargalos de políticas públicas, legislativos,
fica e social. de jurisprudência dos tribunais, facilita a
propositura de ações já mais direcionadas
A partir de 2007, a gente começa a de-
a esses fatores estruturais de violação de
senvolver um programa mais permanente
de formação de Defensores Populares da
direitos. Traz uma perspectiva mais ampla
educação, inspirados lá nas Promotoras sobre os problemas enfrentados, escapa
Legais Populares e nos processos de for- da lógica da solução individual do caso.
mação de assessoria jurídica popular, que Além disso, a pesquisa não é instrumental
aí são cursos de formação de Defensores apenas para a ação judicial, mas sim para
Populares do direito à educação e agora a todos os outros âmbitos de atuação da en-
gente finalizou uma quarta edição desse tidade.

69

Cebrap - Advocacia Popular.indd 69 9/2/2013 7:40:42 PM


A gente impulsiona o levantamento de diciário brasileiro em relação a diferentes
informações e a construção de uma arti- temas.
culação para atuação numa perspectiva
mais ampliada, que não envolve só o sis- 4.3.5 ADVOCACY
tema de justiça, mas que envolve a atua- Advocacy é um conceito amplo, que
ção em outros campos, no Legislativo, no engloba várias das estratégias aqui separa-
Executivo, na sociedade civil, no Judiciá-
das (mídia, lobby judicial etc.), não se apli-
rio. […] O primeiro trienal foi mais volta-
ca apenas à atuação junto ao Executivo e
do para o trabalho de levantamento de
ao Legislativo. É uma noção ampla de ação
informações sobre como a educação era
política, que pode compreender também o
tratada no sistema de justiça; o estímulo
Poder Judiciário.
ao debate público sobre o direito à edu-
cação com a perspectiva de justiciabilida- Um braço é mais político, de advocacy,
de; e a informação sobre a utilização de que veio muito nessa ideia do que a gente
instrumentos jurídicos para a defesa dos estava falando, da percepção do conselho
direitos à educação. [da Entidade], nesse curso de 12 anos, de
que não adianta só trabalhar assistência
Então é toda uma análise maior que a
jurídica se a assistência jurídica não serve
gente faz e que, e aí como é que a gente
para instrumentalizar o instituto com mu-
atua nessa área. A gente tenta identificar
danças, para articular mudanças políticas,
os casos e mostrar que aquilo ali é um
e aí nasce esse braço de articulação polí-
problema. Olha quantos casos a gente viu
tica, que são intervenções [da Entidade],
aqui que estão todos aqui no relatório.
pontuais, como quando direito de defesa
Não é muito claro qual é a posição do Ju- ou acesso à justiça são vilipendiados de
diciário brasileiro sobre esses temas, en- alguma forma, então [a Entidade] se ma-
tão é... ou então existe uma posição do nifesta, pontua, oficia quem deve oficiar,
Supremo que não é a mesma do STJ, ou se manifesta na imprensa, enfim... atua-
de outros, dos TRFs... então a gente fez, ções de advocacia estratégica que a gen-
por exemplo, uma pesquisa de todos os te chama. Então, quando alguma questão
Tribunais regionais federais, de todos os mais macro é colocada em discussão no
TRFs sobre como cada um deles estava Judiciário, então [a Entidade] se manifes-
decidindo questões relacionadas à rádio ta, por exemplo, através de amicus curiae.
comunitária, agora a gente fez um tam- [...] No braço político entra essa advoca-
bém sobre o Supremo e o STJ sobre di- cia estratégica que a gente chama, que é
famação civil e criminal e a gente vai ten- o amicus curiae e outras formas de advo-
tar ir ampliando isso, porque é difícil, as cacia estratégica, mais articulação polí-
pesquisas de... é uma pesquisa de juris- tica, processo de advocacy junto ao Le-
prudência qualificada entendeu, entender gislativo e ao Executivo... e intervenções
dentro daquilo que são os temas princi- pontuais quando tem alguma ameaça ao
pais de liberdade de expressão, ter clare- direito de defesa.
za, se é que existe tal clareza, porque em Quando você faz o advocacy, você tem
alguns casos não existe posição, cada um estratégia, então você vai preparado. Não
decide como quer. Mas até pra mostrar é um discurso uno, você tem que ter es-
isso, que cada juiz decide absolutamen- tratégias diferentes, abordagens para
te como quer, que não se segue nenhum cada pessoa, cada juiz, não é uma... nós
padrão a gente entende que essa análise não fazemos o advocacy em série, cada
dos casos é importante, e que isso nem ministro, cada juiz, tem uma forma de
sempre fica claro, qual é a posição do ju- abordagem, assim como no Executivo.

70

Cebrap - Advocacia Popular.indd 70 9/2/2013 7:40:42 PM


Cada ministro tem um jeito de se portar e balho da assessoria de comunicação é im-
de agir, cada um tem uma ideologia, uns portante também para fazer a difusão de
são mais tranquilos, outros são mais di- uma vitória no judiciário, de uma possibi-
fíceis, mas todos nos receberam porque lidade de discutir um determinado direito
usou de todas as fórmulas que o advoca- por essa via.
cy que nos permitem e, quando não acei-
A coisa mídia que você mencionou antes,
tavam o nosso ofício a gente pedia para
eu acho que a gente divulgar, entender
um senador ou uma senadora, quando
melhor, explicar melhor para as pessoas
pedia para um deputado ou para uma de-
os casos, para a opinião pública se en-
putada, sabe... porque quando você faz o
volver nesses casos eu acho que é essen-
advocacy você tem que conhecer o toma-
cial, isso a gente quer melhorar, é difícil,
dor de decisão. Quem colocou lá, como
mas eu acho que é essencial. A gente não
que foi, como que não é, você tem que
quer que seja uma coisa, falar juridiquês
conhecer a história da pessoa e a história
e entrar com caso que só um advogado
da instituição.
vai entender, a gente queria entrar com
Por outro lado, a gente vai lá no Legisla- coisas que as próprias peças sejam coi-
tivo e fala: “Olha, na regulação você tem sas que qualquer um consegue ler e não
que ter certeza que você diz que os in- só um advogado, e que aquilo possa ser
termediários não podem ser responsabi- refletido em... que a gente consiga criar
lizados, então isso é um ponto central do discussões, que as pessoas twittem so-
nosso trabalho de advocacy, com acom- bre o caso, que as pessoas acompanhem
panhando essas legislações, novas leis o julgamento no Supremo, se não for as-
que estão sendo debatidas”. sim não faz muito sentido. Então, eu acho
que isso a gente quer, na nossa estratégia,
4.3.6 MÍDIA
melhorar, e que eu acho que para as es-
Como foi visto anteriormente, a maior tratégias de litígio em geral darem certo
parte das entidades entrevistadas não pos- precisa disso, porque é como qualquer
sui uma estrutura voltada para a comuni- um dos outros trabalhos que a gente tá
cação. Sete entidades mencionaram nas fazendo, se as pessoas não se envolverem
entrevistas o papel da mídia relacionado à não adianta muito.
atividade judicial. A mídia é um fator im-
4.3.7 LOBBY JUDICIAL
portante para divulgação do caso, para a
tematização na sociedade, para ampliar o Além da intervenção direta como par-
público da ação judicial. Também é uma te da ação judicial ou contribuindo com
forma de “coletivização” das demandas. pareceres, memoriais ou amici curiae, as
entidades indicaram outras tentativas de
Toda ação nossa judicial é acompanhada
por um plano de mídia. Então se nós en-
influenciar a decisão judicial, principalmen-
tramos com uma ação civil pública, isso te as reuniões com juízes e a possibilidade
acompanha um plano de mídia, os jornais, de apresentar e debater com eles informa-
TV, rádio, fazendo a incidência com obje- ções mais qualificadas sobre os temas das
tivo de promover o debate na sociedade ações judiciais.
a respeito daquela situação de violação
A gente fez carta aberta, a gente foi falar
de direitos humanos.
com o presidente do tribunal, a gente le-
Mas o que a gente procura com esses vou material para os juízes que estavam
casos individuais é dar uma repercussão julgando. Então tivemos uma atuação que
coletiva, que outras pessoas... é aí o tra- não foi direta no processo, mas que foi

71

Cebrap - Advocacia Popular.indd 71 9/2/2013 7:40:42 PM


junto ao Judiciário. […] Quando a PGR re- aí o que aconteceu foi que a Procuradoria
cebeu, e quando a AGU também, recebe- deu um parecer maravilhoso, com base
ram o processo para se manifestar, a gen- em muito do que a gente mandou pra ela,
te entrou em contato, mandou material. dizendo que as leis são constitucionais. Já
Então isso é uma coisa que a gente faz a AGU, não.
também, levar material, levar informação, A ADIn e a ADPF que conseguimos a
não é só denúncia, mas levar informação, aprovação, nós articulamos todos os prin-
falar da Convenção-Quadro, levar evidên- cipais assessores e os próprios ministros,
cia científica, a gente faz esse trabalho temos uma coleção de fotos com todos
de informar os órgãos públicos do que a os ministros. Levamos a nossa argumen-
gente sabe, do que existe, porque é difícil, tação, levamos os nossos memoriais,
também, você saber de tudo. Você que sempre acompanhados de um advogado,
é procurador, ou promotor, como é que de forma muito organizada e que redun-
você vai saber, que tem uma convenção, dou na nossa vitória. […] Nos ajudou mui-
que tem estudos? Então, a gente faz esse to, [a Entidade] deu os dados consultivos
trabalho de levar informação, também. E das Nações Unidas.

72

Cebrap - Advocacia Popular.indd 72 9/2/2013 7:40:42 PM


5.INTERAÇÃO COM O
MINISTÉRIO PÚBLICO

Como mencionado na Introdução, um dos movimentos sociais e da luta social


dos objetivos centrais desta pesquisa é o nesta área promovido por uma parcela dos
de identificar como se dá a dinâmica de membros do Ministério Público. Tais atores
interação entre as entidades de defesa de afirmam que há uma “cultura institucional”
direito, o MP e a DP no campo da advo- de criminalização de tais movimentos que
cacia de interesse público. Dessa forma, a coloca “muito peso” na dimensão criminal
partir da análise das entrevistas realizadas de certas questões sociais em vez de atuar
no âmbito deste estudo, serão apresenta- na promoção e garantia de direitos. Alguns
dos a seguir os principais padrões de inte- entrevistados acreditam que esta postu-
ração entre as entidades da sociedade civil ra de uma parcela do MP vai contra a sua
entrevistadas e o Ministério Público (5.1), função institucional de defesa do Estado
as avaliações e percepções que essas enti- e da sociedade e que em alguma medida
dades têm da instituição (5.2) e os pontos atenta contra a própria democracia, já que
de seu desenho institucional que dificultam ela pressupõe a existência de movimentos
ou facilitam a relação com as entidades da sociais. Outro exemplo seria o de algumas
sociedade civil (5.3)25. Tais padrões de inte- entidades que trabalham com a temática
ração entre as entidades de defesa de di- da criança e do adolescente que afirmam
reitos entrevistadas e o Ministério Público que a postura do MP em relação aos jovens
foram encontrados a partir da organização em conflito com a lei vai, em muitos casos,
e da análise qualitativa de trechos codifica- no sentido repressivo em vez de focar no
dos das entrevistas. acesso a direitos fundamentais.

Outra variável importante para se


5.1 FORMAS DE INTERAÇÃO
pensar a relação das entidades estudadas
As formas de interação entre as enti- com o MP é se a relação se dá com o Mi-
dades da sociedade civil e o Ministério Pú- nistério Público Estadual ou Federal. De-
blico tendem a se alterar de acordo com pendendo do ente que tem a competência
algumas variáveis mais abrangentes. A pri- para tratar a matéria com a qual a entidade
meira delas é a temática com a qual a enti- trabalha, a relação dar-se-á com o MP Es-
dade trabalha. Assim, entidades que traba- tadual ou MP Federal. De maneira geral, os
lham com questões fundiárias e com temas entrevistados apontaram o Ministério Pú-
relativos a questões criminais tendem a ter blico Federal como mais aberto à interação
uma relação de antagonismo com o Minis- com a sociedade civil. Há variação também
tério Público e a estarem em lados opostos na relação das entidades com o Ministério
das ações judiciais. Muitas das entidades Público de Estado para Estado, no caso do
que trabalham com a questão agrária apon- MP estadual, e de região para região no
tam para um processo de “criminalização” caso do MP Federal.

25
Conforme exposto no item 1.3 deste estudo, o recorte metodológico da pesquisa foi feito a partir da perspectiva das enti-
dades de defesa direito no Brasil e a percepção dessas sobre a sua relação com o Ministério Público e a Defensoria Pública.
Assim, não estão presentes neste estudo a perspectiva dos defensores, promotores e procuradores acerca dessa relação.
73

Cebrap - Advocacia Popular.indd 73 9/2/2013 7:40:42 PM


Apresentadas essas variáveis mais hoje a gente ainda tem isso, a gente man-
amplas, pode-se dizer que a relação das en- da a representação e participa inclusive
tidades estudadas com o MP, com exceção de um grupo que foi formado pelo Minis-
tério Público, um grupo de comunicação,
dos casos de antagonismo apresentados
é direito à comunicação, e a ideia é discu-
acima, é positiva. Para muitas das entida-
tir temas que o Ministério Público pode-
des da sociedade civil, o Ministério Público
ria desenvolver através de uma estratégia
representa o principal parceiro no âmbito jurídica, através de litígio.
governamental. Esta interação “positiva”
Razão pela qual vejo que a gente, nos últi-
das entidades estudadas com o MP se dá
mos anos, tem trabalhado muito mais em
de diversas formas que vão desde fazer de-
parceria com o Ministério Público, porque
núncias, representações e encaminhamen- o Ministério Público sim tem uma estrutu-
to de casos para a instituição, passando ra já paga pela sociedade para fazer isso,
por ser assistente de acusação ou fazer o e tem a previsibilidade de que vai manter
acompanhamento processual de casos, até e tudo mais, pessoas capacitadas [...] en-
articulações mais amplas da sociedade civil tão eu acho [...], como outros entendem
com o MP, divisão de trabalho e definição que melhor é ajudar o Ministério Público
conjunta de estratégias jurídicas, entre ou- a trabalhar bem, e convencê-los de fazer
tras. a boa luta, do que atuar diretamente no
judiciário.
O encaminhamento de casos, a rea-
[...] até porque a gente não tem condições
lização de denúncias26 e representações27
de acompanhar todos os casos, caso que
são formas de interação com o Ministério
a gente acha que a gente não vai acom-
Público frequentemente citadas pelas en- panhar a gente entra e, e pede que o Mi-
tidades de defesa de direitos. Os entrevis- nistério Público tome providências, pode
tados atribuem algumas justificativas para ser, por exemplo, alguma coisa que a pro-
estas formas de interação com o MP. Uma va é muito difícil, é... e é muito mais fácil
primeira razão seria o fato de que a entida- se o Ministério Público pedir informações
de não tem estrutura (técnica, financeira, para o Ministério das Comunicações, por
física) para o atendimento de todos os ca- exemplo, então teve coisas que a gente
entregou em representação, hoje são in-
sos que chegam a ela ou mesmo porque ela
quéritos civis que são abertos e a gente
acredita que o peso institucional e político
acompanha através do Ministério Público.
do Ministério Público aumenta as chances
de sucesso da ação. Outro motivo é o de que muitas ve-
zes chegam casos à entidade cuja temática
[A entidade] fazia as representações
não é aquela com a qual ela trabalha, ou
[para o Ministério Público], mas com
mesmo porque a entidade fez uma opção
substância, eram peças judiciais mesmo,
por escolher apenas alguns casos paradig-
poderiam ter sido entregues direto no Ju-
diciário. Mas como a gente não tinha ad- máticos para propor ações judiciais.
vogados para acompanhar o andamento Sim, nós fazemos algumas representa-
dessas ações, a gente apresentava como ções, porque algumas coisas fogem da
representação no Ministério Público para nossa competência, nossa alçada, e algu-
eles tomarem uma iniciativa. Então até mas coisas são funções institucionais do

26
De maneira geral, quando os entrevistados mencionam que realizam “denúncias” para o Ministério Público, estão se refe-
rindo ao ato de levar ao conhecimento desta instituição alguma situação na qual haja violação de direito, ato ilícito, crime,
infração da lei etc. Com isso, não estão se referindo ao ato formal no processo penal no qual o representante do Ministério
Público dá início a uma ação penal pública por meio de uma petição escrita denominada “denúncia”.
27
A representação, de maneira muito ampla, é a manifestação de interesse do ofendido ou seu representante legal para o
Ministério Público inicie uma ação penal.
74

Cebrap - Advocacia Popular.indd 74 9/2/2013 7:40:42 PM


Ministério Público. Já aconteceu de nós as peças, os mecanismos que nos ligam
nos metermos na competência do Minis- ao Ministério Público historicamente, que
tério Público, mas acabou que foi convali- são de fato encaminhamentos de deman-
dado, mas é comum sim que nós façamos da ou produção de demanda junto a de-
representações junto ao Ministério Públi- terminadas pessoas, coletivos, para que
co nesse sentido de casos que nos che- o Ministério Público aja, e aí sim entre
gam aqui e não são da alçada. com uma ação civil pública contra o Es-
tado para criar vagas disso, ou para que
[...] em outros casos, demandas que a
as conferências sejam realizadas correta-
gente recebia aqui na instituição e que a
mente, né?
gente considerava que não eram estraté-
gicas no sentido das políticas públicas, a Na maioria dos casos, nós que levamos
gente encaminhava com uma representa- demanda para o Ministério Público. En-
ção para o MP, e aí é um trabalho muito tão, quando a gente recebe denúncias,
mais de repasse de demandas do que um que podem ser das mais variadas [...] fora
trabalho de articulação estratégica, mas os casos que a gente atende das vítimas,
a gente fez isso e faz também, até por- a gente recebe muitas outras denúncias
que a gente não tem condição de atender [...]. E tudo isso a gente comunica ao Mi-
todas as demandas que eventualmente nistério Público. Então, fora a demanda
cheguem. que a gente já tem, que a gente aciona
o Ministério Público, têm outras que che-
O encaminhamento de casos, denún-
gam [à entidade] que a gente oficializa
cias e representações também se configura
ao Ministério Público pra que ele tome
em um canal para as entidades informarem
conhecimento
o Ministério Público das questões que es-
tão ocorrendo no campo no qual elas tra- A gente às vezes marca reuniões com

balham. Neste sentido, por estarem mais eles, levando alguma irregularidade que
tenha acontecido, alguma violação de al-
próximas das demandas e atores que en-
guma sentença judicial que tenha vindo a
volvem tal campo, elas têm uma percepção
nosso favor, enfim, levando algumas irre-
mais apurada de quais são os problemas
gularidades, algumas violações de direito,
relevantes naquele momento e buscam
compilando esse material e levando pro
provocar o Ministério Público para que ele
uso da Defensoria, do Ministério Público e
atue naqueles temas. Assim: mostrando “olha, está acontecendo isso,
[...] representação, apresentação de do- isso, e isso, o descumprimento de tal sen-
cumentos, se existe um caso e a gente tença, de tal lei... isso eles fizeram errado”
tem possibilidade de contribuir com pro- e eles movem processos, tomam as atitu-
va a gente fornece prova, e aí vai, e sem- des cabíveis, mas a gente também quan-
pre tentando fazer um diálogo assim né, do encontra algo estratégico que a gente
porque por mais que muitas vezes o Mi- ache que talvez isso seja estratégico co-
nistério Público não tenha possibilidade locar, a gente também marca novamente
de estar em tudo, o papel da sociedade essas reuniões, a gente marca reuniões
civil é isso, é comunicar, é reportar, é in- também no sentido de saber o que é que
cidir, tentar puxar, mostrar a importância, esta acontecendo, se tem alguma novida-
pedir audiência pública, e é isso que a de, se eles estão pensando em algo...
gente vai fazendo.
[...] o Ministério Público Federal, vamos
[...] a gente representa no MP, então as dizer assim, ele próprio, por si só [...] ten-
representações ao Ministério Público são do em vista violação de um direito públi-

75

Cebrap - Advocacia Popular.indd 75 9/2/2013 7:40:42 PM


co, se manifesta né, e aí assim, a gente gue acompanhar dessa forma... a gente
atua no sentido de cobrar do Ministério consegue chegar no objetivo de repente,
Público uma atuação, no sentido de co- ou resguardar esse objetivo [de acompa-
brar “tá acontecendo isso” né e a gente nhar] a ação.
coloca o caso para o Ministério Público
Outra forma de interação entre o Mi-
e o Ministério Público propõe uma ação,
nistério Público e as entidades de defesa
propõe uma investigação, uma averigua-
ção sobre o caso...
de direitos identificada pela pesquisa é a
parceria ou articulação. Segundo os entre-
As representações são mais comuns no
vistados relataram, neste formato de inte-
Ministério Público. Várias. Muitas coisas
ração há uma relação mais próxima entre
do que a gente descobre em testes e
as entidades da sociedade civil e a insti-
pesquisas não vira necessariamente uma
ação judicial. Vai uma representação para tuição e essa parceria ou articulação se dá
o Ministério Público. tanto com o Ministério Público Estadual
como com o Ministério Público Federal. Al-
[...] ou quando não a gente faz o enca-
guns entrevistados apontaram que um ele-
minhamento da representação para o
mento central para que esta interação se
Ministério Público, focado nessa área de
buscar que o Ministério Público faça essa dê é a pessoa do promotor ou procurador
atuação [...] então aqui nós temos diver- que está ocupando o cargo na instituição
sos casos de violações de direitos huma- naquele momento. Assim:
nos, de comunidades inteiras, estamos [...] nós temos alguns promotores de jus-
pleiteando no Ministério Público... tiça que têm uma postura muito crítica,
Alguns entrevistados também relata- muito progressista, muito boa, com esses
ram que, em certos casos, quando o Minis- promotores nós temos atuações muito
tério Público está conduzindo alguma ação positivas. Então quando tem um promotor
que é de interesse da entidade, elas fazem de justiça com uma orientação crítico-pro-
gressista [...] a atuação se dá em parceria,
um acompanhamento, um monitoramento
quando não, essa parceria é desatada e as
de tal ação:
coisas andam mais cada um no seu rumo.
o Ministério Público ele encampou [a
ação], ele entrou com a ação, e aí a gen- Uma forma dessa parceria ou articula-
te fica no suporte, fica no monitoramen- ção se dá quando o Ministério Público con-
to [...] a nossa forma de monitoramento vida membros da sociedade civil para reu-
é muito constante, então a gente tem niões ou seminários nos quais se discutem
que dar uma olhada no processo, ver o questões com as quais as entidades traba-
que está acontecendo, ver se foi julgado lham (por exemplo, a eficácia de uma lei ou
o agravo. O Ministério Público não tem o funcionamento de uma política pública),
isso né, porque entra no bolo, entra na oportunidade em que elas podem apre-
estrutura, então às vezes a gente perce- sentar suas análises e posicionamentos a
be que teve uma movimentação a gen-
respeito do estado daquela questão. Em
te aciona pra falar “olha, tem que tentar
alguns casos, tais reuniões servem até para
alguma coisa aqui, né, tentar fazer uma
discutir estratégias de atuação judicial.
articulação com o legislativo, tal”, e é
isso um pouco do que a gente faz, que Era um diálogo constante na comissão, na
acaba assim, adiantando ambos os lados estratégia processual [...] principalmente
né, adianta o lado do Ministério Público quando houve o trânsito em julgado da
porque ele, a estrutura dele não conse- ação, então se começou a fase de execu-

76

Cebrap - Advocacia Popular.indd 76 9/2/2013 7:40:42 PM


ção e queriam saber como executar uma o Ministério Público a gente não encami-
ação como essa [...]. Então essa foi uma ex- nha simplesmente, fala “aconteceu isso e
periência em que houve diversas reuniões isso e isso...”, a gente encaminha com do-
[...] com os promotores, para dialogar e cumentações, a gente disponibiliza para
para ver qual era a melhora estratégia. Ali poder acompanhar o procedimento ad-
foi uma experiência dialógica realmente, ministrativo, para poder arrumar as pes-
nesse caso específico pelo menos. soas, para tudo... enfim, ajudando nessa
Mas eu há 15 dias tive uma reunião com o averiguação dos fatos.
Ministério Público sobre o andamento da Nós fizemos ações civis públicas. Regula-
nossa ação [...], então nós combinamos rização fundiária que o Ministério propõe,
toda uma estratégia de como vamos atuar como a gente tem um trabalho de base
daqui para os próximos meses. Então as- no bairro, a gente acaba se habilitando
sim, a procuradora responsável pelo pro- nos processos judiciais fazer esse canal
cesso, o procurador estadual responsável entre os moradores do bairro e o Ministé-
pelo processo, a procuradora federal, o rio Público e o próprio Judiciário.
estadual, e a [entidade], se sentaram para
discutir quais seriam as próximas estraté- As entrevistas revelaram ainda a pos-
gias a serem adotadas para que a gente sibilidade de as entidades de defesa de
conseguisse de alguma forma pressionar direitos terem algum tipo de atuação judi-
a justiça e o Poder Público para cumprir cial conjunta com o Ministério Público. Tal
a sentença, né? Então assim, foi uma re- atuação judicial, por sua vez, possui formas
união institucional de planejamento de diferentes. Uma delas se dá quando a en-
atuação.
tidade é assistente de acusação em ações
Outra forma bastante importante da nas quais o Ministério Público é o autor da
parceria ou articulação ocorre quando as ação penal. Em geral, as entidades que são
entidades da sociedade civil transferem in- assistentes de acusação do Ministério Pú-
formações para embasar as ações do Mi- blico trabalham com o tema da violência e
nistério Público. Em muitos casos, as en- representam a vítima ou a família da vítima.
tidades de defesa de direitos coletam os Porque, no caso do outro atendimento,
documentos e as informações necessários nós continuamos realizando porque so-
para que o Ministério Público proponha a mos assistentes do Ministério Público. En-
ação, instrumentalizando a atuação da ins- tão eu acho que fortalece o processo, en-
tituição. tendeu? A gente tem o Ministério Público
Em muitos casos também onde temos atuando, mas a gente representa a família
atuação direta com o Ministério Público, da vítima ao longo de todo o processo.
em que nós não entramos com ação, mas Assistência de acusação, assim, nós nun-
temos uma parceria com o Ministério Pú- ca tivemos nenhum requerimento de as-
blico e o Ministério Público é quem acaba sistência de acusação negado, e a gente
entrando com a ação com apoio de infor- atua muito, de forma muito tranquila e
mações que nós levamos, algumas vezes está até no tribunal do júri, que às vezes
até acertamos quando era uma ação mais algumas organizações têm dificuldades,
estreita, de acordo com teses jurídicas e nós nunca tivemos, eu não posso nem
tudo mais. falar, “oh, nós tivemos”, nós não tivemos,
E assim como é com o Ministério Públi- nunca tivemos dificuldade de o Ministério
co também, porque quando a gente faz, Público criar algum problema, de ter al-
quando a [entidade] encaminha algo para guma, alguma reserva, não, e sempre tra-

77

Cebrap - Advocacia Popular.indd 77 9/2/2013 7:40:42 PM


balhamos com muita independência, por [...] e aí a gente fez em conjunto um tra-
exemplo, no caso, em tribunais de júri de balho de levantamento da situação dos
a gente construir as nossas teses e levar e municípios do interior, o Ministério Públi-
o promotor nunca dizer “não, eu não con- co fez os pedidos de informação, depois a
cordo com isso”, não, sempre tem sido gente ajudou a organizar toda aquela in-
muito respeitoso, até hoje né. formação e fazer algumas ações judiciais
[...] e aí teve recomendação do Ministério
Em outros casos, a atuação judicial
Público Federal, e teve ação judicial em
conjunta se dá na medida em que as enti-
conjunto.
dades solicitam a admissão como litiscon-
sorte ou assistente de litígio na ação em Ali houve, desde o início do trabalho até
que o Ministério Público é autor: o final, uma atuação em conjunto do es-
critório com os Procuradores do Trabalho,
[...] a gente pede a nossa admissão como então ali, que eu me recordo, houve sim
litisconsorte, então, por exemplo, nas uma divisão do trabalho. Nós fizemos a
ações do Ministério Público aqui em São peça, submetemos a peça a uma análise
Paulo, a gente pediu nossa admissão dos Procuradores, em especial do presi-
como litisconsorte. Agora, não são todas dente da entidade na época, [...] mas os
as ações que a gente consegue entrar, Procuradores analisaram a peça, debate-
mas a gente monitora.
ram alterações, nós fomos fazer um tra-
Um caso bem difícil [...] nós tivemos uma balho em conjunto até que houve uma
parceria bem interessante com o MP que versão final e essa versão final foi ajuiza-
abriu inquérito civil público ainda em da e o acompanhamento vem sendo feito
2006 para investigar [o caso], propôs pelo escritório e pela Associação Nacio-
uma ação civil pública, nós ingressamos nal dos Procuradores do Trabalho, então
nessa ação civil pública como assistentes houve na elaboração da peça, sim, uma
de litígio consorciais, tivemos um traba- divisão de trabalhos: a elaboração ficou
lho em parceria, então essa é uma pers- por nossa conta, revisão e sugestões por
pectiva de atuação. conta deles e na fase de tramitação, que
é a fase atual, isso vem sendo feita de ma-
Quando o Ministério Público do Traba-
neira conjunta.
lho ingressa com uma ação civil pública
a entidade ela, em seguida, já entra como Foi proposto tudo conjuntamente. A gen-
litisconsórcio, o termo jurídico em que te, por exemplo, nesse caso [...] a gente
quer dizer justamente que a entidade vira terminou no Ministério Público Federal, e
parte junto com o Ministério Público do fez uma representação. E no decorrer das
Trabalho, então ela se habilita também na reuniões com eles a gente optou por fa-
ação, faz pedidos em paralelo ao Minis- zer uma ação conjunta. Então ambos con-
tério Público do Trabalho requer provas, tribuíram para o texto, e também, no de-
traz documentos, enfim passa a participar correr do processo judicial, a gente tem
do litígio ao lado do Ministério Público do tanta possibilidade quanto eles de res-
Trabalho. Isso é a praxe. ponder, de atuar. Agora, nos níveis supe-
riores, atuar quando precisava de recurso
Há a possibilidade também de a enti-
em Brasília, algumas vezes a gente foi,
dade e o Ministério Público construírem a
outras vezes contava com eles. Ou seja,
ação conjuntamente, tendo sido relatadas
acho que era muito paritária a relação.
diferentes formas de interação:
Agora, eles têm mais estrutura, então às
com o Ministério Federal a gente já entrou vezes quando você está meio amarrado,
com ação judicial em conjunto também, não consegue ir para uma viagem, e tal,

78

Cebrap - Advocacia Popular.indd 78 9/2/2013 7:40:42 PM


eles têm a Procuradoria lá em Brasília que fora essa relação formal de entrar numa
vai fazer o que é necessário, então para ação, a gente tem uma relação excelente
isso é importante também. com diversos procuradores, oficialmente
com o Ministério Público e mesmo oficial-
O Ministério Público já tem anos de exis-
mente com procuradores que atuam na
tência. Então aí, a gente já fez ações civis
área, porque alguns têm áreas específicas
públicas juntos. Várias. A gente comunica
de atuação e alguns procuradores têm a
sempre os resultados das nossas pesqui-
responsabilidade da área específica da
sas para o Poder Público, e para o Minis-
pessoa com deficiência. Então nós temos
tério Público, a gente manda. Algumas vi-
uma excelente relação com o Ministério
ram representação. Outras não. Outras se
Público.
encerram no inquérito civil. Ou a própria
representação se encerra. Outras viram Uma importante forma de interação
ações judiciais deles mesmos, que a gen- entre as entidades de defesa de direitos e
te não teve perna para fazer, mas comu- o Ministério Público é a divisão de traba-
nicou, eles entendem que precisa. Ou eles lho na atuação judicial. Assim, as entidades
nos procuram, “Vamos fazer então ação entrevistadas relataram que, em muitos
judicial junto?”. [...] Então, às vezes, até o casos, assumem a tarefa de coletar infor-
próprio Ministério Público toma a iniciati- mações e documentos com a comunidade
va de instaurar inquérito policial, do que a
ou grupo com que trabalham, levando tal
gente falou, do que a gente pesquisou, ou
material relevante para o Ministério Público
mesmo de uma ação judicial que a gente
para que a instituição ajuíze e dê andamen-
ingressou, aí pede para comunicar à dele-
to a ações judiciais.
gacia e instaurar procedimento, instaurar
inquérito policial para investigar a prática cada um assume um papel, a gente aca-
de infração [...]. É assim, é mais ou menos ba às vezes assumindo aquele papel mais
assim que funciona. Não é nada muito ins- de contato com a comunidade, de buscar
titucionalizada, é mais no feeling mesmo, os elementos de produção das provas,
de... E assim, sempre com uma posição os elementos que vão fundamentar, ou
cooperativa. [...] E é aquela história, tem que fundamentaram aquela ação, aquele
que trabalhar junto, senão ninguém dá contato diretamente com a comunidade
conta sozinho. no decorrer do processo. Seja colhendo
provas, abaixo-assinado, documentos,
Nos casos em que o Ministério Público
depoimentos, termos, e aí com toda essa
tem obrigação legal de atuar, há também documentação é que a gente produz o
a possibilidade da atuação judicial conjun- instrumento ou a peça jurídica necessária,
ta com as entidades de defesa de direitos, e aí se dá prosseguimento [a ação].
como, por exemplo:
Na verdade assim: a nossa atuação é uma
No caso do deficiente é interessante, por atuação que se dá muito no campo da or-
quê? Porque a legislação obriga o Minis- ganização, da mobilização do grupo. En-
tério Público a defender os direitos cole- tão, acontece uma divisão de tarefas entre
tivos do deficiente, então toda ação co- aspas. Também meio natural no sentido
letiva o Ministério Público é obrigado a de que a gente reúne o grupo, a gente
participar, então, por exemplo, toda ação reúne a documentação, a gente articula
coletiva que a gente entrou, imediatamen- as pessoas, esclarece os questionamen-
te o Ministério Público passou a fazer par- tos e faz o encaminhamento das deman-
te dessa ação defendendo os direitos do das, mas não só o encaminhamento das
deficiente junto com [a entidade]. Agora, demandas, mas alguma coisa já bem re-

79

Cebrap - Advocacia Popular.indd 79 9/2/2013 7:40:43 PM


solvida, no que diz respeito à organização outras organizações, já foram produzidos
da documentação, a instrução das pes- encaminhamentos. E é como eu digo para
soas a respeito do que está representan- você, a gente nunca teve nenhuma difi-
do aquele encaminhamento, então isso é culdade com isso, né, desde discutir, por
muito comum. A gente atua no campo da exemplo, antes da denúncia, de discutir
política e atua também na organização com promotor, e o promotor “o que que
das pessoas, na reunião dos documentos, você acha, a denúncia poderia ir nesse ca-
mas depois a intervenção passa a ser uma minho”, e o promotor concordar e aceitar,
intervenção desses órgãos que têm uma e assim, eu acho que isso é muito muito
atribuição institucional pra isso. importante... pelo Ministério Público ser
uma instituição independente, porque ele
Mas a gente também tem essa divisão e,
podia muito bem dizer “eu não quero sa-
geralmente, quando é com o Ministério
ber e pronto”.
Público o nosso papel é muito assim, fa-
zer essa ponte com a comunidade, com Então nós já tivemos desde atuação,
o grupo, de entender o que o grupo quer numa parceria completa, de fornecimen-
e traduzir isso em propostas e soluções to de informação, divisão de pesquisa de
jurídicas junto ao Ministério Público, de- informação, partilhamento da estratégia
bater. jurídica, inclusive compartilhamento das
próprias peças judiciais, entendeu? Até
É sempre o advogado popular quem tem
depois na atuação judicial um trabalho
uma relação mais próxima, o Defensor
conjunto de conversar com o juiz, tudo
não tem, o Ministério Público não tem,
isso, até casos em que a gente só pas-
porque não tem tempo, porque não quer
sa informação, porque é um Procurador
sair da sua sala... e essa ponte com a co-
meio desconfiado, não tem muita ligação,
munidade geralmente é o que tem de
não tem muita abertura, então você tem
mais forte nessa divisão, né? Quem vai
uma relação mais formal, né? Então acho
para a reunião à noite? Quem vai fazer
que isso varia muito, mas, em geral, há sim
arrumação e fazer a reunião? Quem vai
uma divisão de trabalho, ou seja, há caso
fortalecer a articulação? É a gente. [...]
em que você simplesmente leva informa-
Mas essa coisa, essa relação, quanto mais
ção e toca o resto, mas, muitas vezes, no
próxima com a comunidade... a gente é
mínimo, você permanece municiando o
muito mais acessível, mais próximo e tem
Ministério Público de informações para
mais identidade.
ele fazer o trabalho judicial dele, né? É
Além da forma de divisão de trabalho menos comum, digamos, partilhar estra-
citada acima, ainda há aquela na qual a en- tégia judicial, peças, teses jurídicas, isso
tidade leva ao Ministério Público pesquisas é menos comum, embora já tenha havido,
que realiza e documentos que coleta para mas divisão de tarefas assim, digamos,
pelo menos de esperar [da entidade] e
que estes sejam usados de subsídio nas
[a entidade] colaborar com informações,
ações judiciais, como, por exemplo:
isso é quase sempre.
A gente já participou desde fazer levan-
Em alguns casos em que era neces-
tamentos de jurisprudência, fazer levan-
tamentos de textos que possam auxiliar o sário um conhecimento específico a res-
Ministério Público [...] porque isso faz com peito de certas questões, a interação se dá
que a gente também se fortaleça teorica- na medida em que as entidades de defesa
mente, conheça determinadas coisas, até de direitos fornecem sua expertise no tema
identificando situações parecidas que já com o qual trabalham para o Ministério Pú-
foram discutidas em outros estados, por blico. Assim, o MP busca as entidades para

80

Cebrap - Advocacia Popular.indd 80 9/2/2013 7:40:43 PM


que elas forneçam pareceres e conheci- promotor que é responsável por aquele,
mento técnico, tendo a ideia de que elas por aquela área ou tema, enfim, é, para
podem emitir opiniões qualificadas a res- encaminhar esses casos de denúncias.
peito daquele assunto. Em outros casos, Nós temos um convênio direto com o
membros dessas entidades são chamados Ministério Público aqui [na cidade], esse
para falar dos temas a respeito dos quais convênio [existe] eu acho que tem desde
elas são especialistas em seminários que 2008 ou pouco antes, esse convênio é de
o Ministério Público promove. O Ministério cooperação técnica entre as instituições.
Público também utiliza dados e informa- Então a gente já desenvolveu pesquisas
utilizando dados do Ministério Público,
ções produzidos pelas entidades em sua
como também já atuou em casos espe-
argumentação judicial, assim como solicita
cíficos para o Ministério Público como
que elas realizem pesquisas.
consultoria, como parecer [...]. Então a
As entidades de defesa de direitos gente tem uma atuação bastante parceira
com certa frequência afirmam participar com Ministério Público, não só [Estadual]
de audiências públicas promovidas pelo como também com o Ministério Público
Ministério Público para discutir temas mais Federal.

amplos com os quais ambos trabalham. Em Algumas das entidades entrevistadas


muitos casos, é o próprio Ministério Público também afirmaram participar de discus-
que faz o convite para que tais entidades sões a respeito da reforma institucional
da sociedade civil participem das audiên- do Ministério Público, nas quais é debati-
cias, com o intuito de ter uma melhor com- do, por exemplo, o modelo de ouvidoria da
preensão do que se passa na sociedade em instituição. Algumas entidades trabalham
torno de uma questão, para ouvir a opinião para a criação e/ou fortalecimento de cer-
da sociedade civil e mesmo para esclarecer tos núcleos ou varas temáticas.
fatos ocorridos. Em alguns casos, as entida-
Das formas de interação citadas aci-
des da sociedade civil colaboram, inclusive,
ma, pode-se depreender que, mesmo que
com a organização de tais audiências. Vá-
indiretamente, as entidades da sociedade
rias das entidades entrevistadas afirmaram
civil buscam influenciar a agenda temática
também participar de eventos, seminários,
do Ministério Público por meio, por exem-
encontros etc. promovidos pelo Ministério plo, de encaminhamento de casos, denún-
Público, assim como o Ministério Público cias e representações. Algumas das enti-
eventualmente participa de eventos orga- dades entrevistadas fazem de forma mais
nizados por elas. direta este trabalho de influenciar a agenda
Há algumas entidades que possuem de casos do Ministério Público. Esta tenta-
convênios com o Ministério Público para si- tiva de influência - de sensibilizar pessoal-
tuações diferentes, como, por exemplo, um mente promotores e procuradores para
convênio para o encaminhamento rápido certas questões - se dá de várias formas,
de casos para a instituição ou um convênio como, por exemplo, a participação em gru-
de cooperação técnica. pos temáticos, debates e articulações com
a sociedade civil e com outros órgãos do
Com o MP a gente tem um convênio de
via rápida, a gente receber algumas de-
Estado.
núncias e encaminha para a área de di- E participamos desses grupos de traba-
reitos humanos do Ministério Público [...] lho, então existe, é um grupo do, acho
para eles encaminharem direto para o que, isso se não me engano tem no Minis-

81

Cebrap - Advocacia Popular.indd 81 9/2/2013 7:40:43 PM


tério Público estadual também, eles têm por isso o fortalecimento de comunida-
alguns grupos temáticos. Então, a nossa des não tem, se fica só no âmbito do Ju-
ideia é trabalhar juntos esses grupo temá- diciário você não consegue.
ticos, participando de reuniões, [...], por-
Procura influenciar agenda de temas, sim.
que estão lá não só tentando influenciar
Aquele diálogo que eu te falei, de propor
novos casos, mas como a maneira como
um debate, por exemplo, uma solução
eles defendem alguns casos. Tenta usar, de um assunto que possa estar chaman-
fazer com que eles usem mais padrões in- do atenção, [...], então nós procuramos
ternacionais, por exemplo, é também uma influenciar sim, fazendo cartas, fazendo
das ideias, mas é uma coisa recente [...]. reuniões, com grupos, tanto do Ministé-
As organizações da sociedade civil foram rio Público, Defensoria, Governo Federal,
convocadas, foi feita uma consulta, esse para que não tivesse uma postura na épo-
processo também teve consulta com a ca, o governo postura restritiva, mas que
comunidade acadêmica, com alguns ór- não houvesse aquela postura e houvesse
gãos públicos, enfim, de tentar coletar al- sim uma acolhida ampla de defesa dos di-
gumas informações para conseguir criar reitos.
um plano de ação dentro do Ministério Então assim, pra isso tem um conjunto
Público, então isso está em construção de estratégias de articulação que pas-
ainda, mas é um avanço, se a gente pen- sam tanto pela promoção de ações jurídi-
sar que isso pode ser tirado do papel [...]. cas coletivas e ou exemplares, não muito
Existi ali uma intenção, existe ali uma car- grande, mas ações que permitem a gen-
ta de intenção, como é o Plano Nacional te incidir com essa perspectiva de levar
de Direitos Humanos, enfim, mas você essa discussão para o sistema de justiça, a
não, você não consegue realizar aquilo provocação aos órgãos da Defensoria, do
né, então, para além da carta de inten- Ministério Público, para que também eles
ções tem que ter ali mesmo uma forma incorporem essa agenda.
de executar isso.
E no Ministério Público a gente sempre
É então aí fica o desafio assim, por exem- esteve muito próximo a, ao promotor,
plo, isso é um desafio para [a entidade], agora é a promotora do centro de apoio
porque se você deixa isso no âmbito só às promotorias e provocando também no
do Ministério Público, só da Defensoria, sentido de uma atuação forte deles, da
ou das comunidades, daí se você não arti- promotoria sobretudo.
cula com outras organizações da socieda-
A gente participa desses seminários que
de civil que atuam para isso, que tem no
eu te disse né, levantando as problemá-
seu escopo, no seu objetivo isso, não vai
ticas que a gente acha mais importan-
para frente, porque aí vai virar outra carta
tes [...] Sempre saem recomendações de
de princípios, você tira lá na audiência pú-
atuação e a gente contribui na elabora-
blica uma série de recomendações, de en-
ção dessas recomendações, e é muito a
caminhamentos que não saem do papel, a
partir do que a gente está atuando, do
organização ela pode fazer isso, retomar,
que a gente está vendo como problemas
continuar provocando o Ministério Públi-
e aí a gente tenta pautar para que eles...
co, mandando, por exemplo, isso para a
pra que eles abracem.
Prefeitura, comunicando isso no proces-
so, isso é uma forma de você conseguir Finalmente, uma forma de interação
amarrar né, para além do Judiciário, por- bastante citada nas entrevistas, e que tam-
que só no Judiciário não resolve, eu acho bém se pode depreender do exposto aci-
que [a entidade] já tem isso muito claro, ma, é a mediação feita pelas entidades de

82

Cebrap - Advocacia Popular.indd 82 9/2/2013 7:40:43 PM


defesa de direitos entre as comunidades pessoas batem para reivindicar direitos.
e grupos com os quais elas trabalham e E eu acho que estar nessa primeira porta
o Ministério Público. Alguns entrevistados é fundamental para que as outras portas
apontaram que o Ministério Público, em que virão mais à frente possam ser aber-
tas, como Defensoria, Ministério Público,
muitos casos, não conhece as demandas
para que essas pessoas possam ter seus
vindas dos grupos com os quais as enti-
direitos garantidos. Dar esse primeiro...
dades trabalham. Nesses casos, as enti-
uma palavra que me vem à cabeça agora,
dades teriam o papel de fazer a conexão
mas talvez não seja interessante utilizar,
entre esses grupos e o Ministério Público. esse primeiro atendimento, entre aspas,
Os entrevistados também fizeram críticas essa primeira conversa, esse primeiro
a este distanciamento entre a instituição e diálogo, é muito importante para essas
os grupos e as comunidades que têm seus pessoas que são diariamente vítimas de
direitos violados. violações psicológicas, físicas, possam
Eu acho que seria assim, até uma qualifi- ser recepcionadas e terem, serem aten-
cação, das próprias pessoas, com relação didas, entre aspas novamente, de forma
àquilo que diz respeito aos direitos huma- que possam estar fortalecidas mais para
a frente para lutar pelas garantias dos
nos, para deixar os órgãos mais flexíveis
seus direitos e em outros órgãos ou ins-
em relação a isso. Os órgãos acabam sen-
tituições como a Defensoria, o Ministério
do muito institucionalizados e legalistas e
Público e o Poder Judiciário.
acabam não chegando na comunidade, a
comunidade não tem uma porta de aces- Exato. O pessoal vem pra cá e procura sa-
so, com a comunidade e entre esses ór- ber aqui porque às vezes, e é natural que
gãos. Então a comunidade acaba chegan- às vezes aconteça isso ainda e infelizmen-
do mais a nós por conta disso, porque nós te, há um distanciamento claro da popu-
temos essa aproximação que as institui- lação com relação aos órgãos públicos,
ções não têm, e eu acho que isso é o que mas quando a gente trabalha no contexto
faltaria, seria esse diálogo à comunidade, da sociedade civil e numa vinculação com
que absolutamente não existe aqui. as relações de base [a entidade] acaba se
tornando essa referência especial na área
E aí sempre fazendo essa articulação com
jurídica. Ainda que a gente não se coloque
o sistema de garantia de direito e com,
mais efetivamente como assessoria jurídi-
tanto com os promotores quanto com os
ca às organizações populares, mas o viés
defensores, e também aproximando e fa-
de gabinete de assessoria jurídica ainda é
zendo um elo com a comunidade, porque
muito presente e, sento muito presente as
muitos deles nunca tinham vindo até a co-
pessoas às vezes terminam muito vindo
munidade, então fazendo reuniões aqui,
aqui e, daqui, a gente favorece os devidos
indo com eles até a favela, caminhando
encaminhamentos, as devidas referências
até a favela, trazendo para poder ouvir o
à Defensoria Pública Estadual, da União,
que o povo estava dizendo.
do Ministério Público Estadual.
Na verdade, essas entidades eu acho que
Apontadas essas formas de interação
são a primeira porta de acesso à justiça
que muitas das populações que são ex-
entre as entidades de defesa de direitos e o
cluídas e marginalizadas do processo de Ministério Público captadas pelas entrevis-
desenvolvimento e do processo de inclu- tas, passamos agora para o próximo item
são em direitos e de efetividade em di- que se refere às avaliações e percepções
reitos e políticas públicas têm. [...] essas dos entrevistados sobre o Ministério Públi-
entidades são a primeira porta que as co.

83

Cebrap - Advocacia Popular.indd 83 9/2/2013 7:40:43 PM


5.2 PERCEPÇÕES SOBRE O MINISTÉRIO estar mais aberta e sensível para suas de-
PÚBLICO mandas. Outros entrevistados relatam uma
mudança mais recente do Ministério Públi-
Como afirmado no início deste capí-
co em alguns Estados, na medida em que
tulo, não só a relação, mas a percepção e
este está procurando se aproximar mais
a avaliação das entidades a respeito do Mi-
da sociedade, realizando audiências públi-
nistério Público são ambíguas.
cas para ouvir demandas ou mesmo para
Alguns dos entrevistados apontaram apresentar suas diretrizes de atuação. Isso
para o “caráter elitista” dos concursos para se deve, em partes, pela própria pressão da
ingresso tanto no Ministério Público quan- sociedade civil que atua de forma próxima
to na Defensoria Pública. Isso porque, para a esta instituição, por exemplo, por meio
ser aprovado em tais concursos, o candida- das denúncias e representações encami-
to, em geral, teria de passar por uma série nhadas para o Ministério Público. No en-
de cursos pagos (colégio, faculdade, curso tanto, há outro grupo de entrevistados que
preparatório), o que tornaria a aprovação vê no Ministério Público uma atuação bas-
no concurso algo para pessoas com uma tante próxima da sociedade civil, havendo
condição financeira mais elevada. O con- a possibilidade de se realizar um trabalho
teúdo das provas também seria elitista na articulado e com uma interação mais pro-
medida em que não cobraria dos candida- funda com as entidades.
tos conhecimento sobre direitos humanos
Como afirmado no item anterior, mui-
ou direitos coletivos.
tos dos entrevistados apontaram para uma
Muitos entrevistados têm uma per- postura bastante conservadora, criminali-
cepção de que a carreira de promotor e zadora e repressiva de alguns promotores
procurador, apesar de sua clara importân- e procuradores em sua atuação. Outros,
cia, possui uma série de engessamentos e porém, afirmam que há promotores bas-
protocolos em comparação com a profis- tante progressistas e combativos, que são
são de advogado. Para tais entrevistados, o verdadeiros parceiros das entidades de de-
Ministério Público teria, portanto, a caracte- fesa de direitos entrevistadas.
rística de ser uma instituição burocratizada
Apresentadas essas linhas gerais das
que dá menos autonomia e independência
percepções dos entrevistados a respeito
para seus membros do que a advocacia.
do Ministério Público, passaremos a apon-
Outra percepção do Ministério Públi- tar alguns elementos do desenho institu-
co é a de que a instituição, em alguns ca- cional da instituição que foram apontados
sos, atua de forma isolada da sociedade ci- nas entrevistas como facilitadores ou blo-
vil, não tem uma grande interlocução com queadores da interação.
ela, está “encastelada”. Assim, foi mencio-
nado em algumas das entrevistas que o Mi- 5.3 DESENHO INSTITUCIONAL
nistério Público tem uma cultura de atuar De acordo com as entidades entrevis-
“sozinho”. Algumas entidades apontaram tadas, os canais de interação mais frequen-
a necessidade de haver um diálogo mais tes com o Ministério Público são os núcleos
próximo do Ministério Público com os mo- e câmaras especializados e contatos indi-
vimentos sociais, comunidades e grupos viduais com procuradores e promotores
que compõem o “público” com o qual es- com afinidade com a sociedade civil. Isso
sas entidades trabalham, de a instituição significa dizer que a existência de núcleos e

84

Cebrap - Advocacia Popular.indd 84 9/2/2013 7:40:43 PM


câmaras especializados em certas temáti- civil, como canal para “ouvir” suas deman-
cas facilita a interação da instituição com a das ou mesmo ter melhores conhecimen-
sociedade civil. Contudo, muitos dos entre- tos de questões e problemas que estão
vistados também apontaram que a intera- ocorrendo na sociedade.
ção do Ministério Público com as entidades
A independência funcional dos mem-
da sociedade civil é bastante dependente
bros do Ministério Público, apesar de ser
da pessoa do próprio promotor ou procu-
considerada característica de desenho ins-
rador. Isso quer dizer que, em muitos casos,
titucional fundamental, é vista em muitos
a qualidade da relação entre a entidade e
casos como excessiva e prejudicial à defini-
o Ministério Público depende do perfil do
ção de uma estratégia de atuação comum
promotor ou procurador. Ou seja, o posicio-
à instituição. Esta característica pode gerar
namento político desses membros do MP
fragmentação e descontinuidade na atua-
em relação a certo tema determina o grau
ção de promotores e procuradores. Um
de parceria (ou mesmo a ausência dela)
entre as entidades e o Ministério Público. caso bastante citado se dá quando o pro-
Os entrevistados apontaram que, embo- curador ou promotor por algum motivo é
ra haja canais institucionais por meio dos promovido ou muda de cargo e o membro
quais a relação se dá, ainda assim a relação do MP que o substitui não dá continuidade
pessoal com o promotor ou procurador é à atuação do anterior, rompendo, muitas
bastante relevante para determinação de vezes, com anos de construção da relação
sua qualidade. da instituição com a sociedade civil naque-
le tema.
Outra questão bastante apontada pe-
los entrevistados é a necessidade de haver Finalmente, apesar de esse aponta-
órgãos externos de controle da instituição, mento ser muito mais frequente no que diz
tais como ouvidorias externas independen- respeito à Defensoria Pública, muitos dos
tes. Outro canal de interação importante entrevistados apontam para a necessidade
apontado nas entrevistas são as audiências de uma ampliação do número de promoto-
públicas realizadas pelo Ministério Público res e procuradores e da estrutura do pró-
como forma de diálogo com a sociedade prio Ministério Público.

85

Cebrap - Advocacia Popular.indd 85 9/2/2013 7:40:43 PM


Cebrap - Advocacia Popular.indd 86 9/2/2013 7:40:43 PM
6.INTERAÇÃO COM A
DEFENSORIA PÚBLICA

A relação das entidades de defesa altera de estado para estado, assim como
de direitos entrevistadas com a Defensoria é diferente quando se dá com a Defensoria
Pública guarda muitas semelhanças com a Pública Estadual e quando se dá com a De-
relação com o Ministério Público. A maior fensoria Pública da União.
parte das formas de interação das enti- A interação de parceria ou comple-
dades da sociedade civil com o MP tam- mentariedade, apontada com bastante fre-
bém vale para a Defensoria Pública, com quência pelos entrevistados, entre as enti-
algumas diferenças. Assim, tal relação dades de defesa de direitos e a Defensoria
será apresentada de forma similar à que Pública se dá de várias formas. Uma forma
foi apresentada a relação com o Ministério de interação bastante citada neste âmbito
Público: os principais padrões de interação é o encaminhamento de casos das entida-
entre as entidades da sociedade civil en- des de defesa de direitos para a Defensoria
trevistadas e a Defensoria Pública (6.1), as Pública. Assim como ocorre na relação com
avaliações e percepções que estas entida- o Ministério Público, em muitas das vezes
des têm da instituição (6.2) e os pontos de as entidades entrevistadas afirmaram que
seu desenho institucional que dificultam ou fazem o encaminhamento dos casos para
facilitam a relação com as entidades da so- a Defensoria Pública ou porque só fazem
ciedade civil (6.3). o trabalho de orientação jurídica, ou por-
que não têm estrutura (técnica, financei-
6.1 FORMAS DE INTERAÇÃO
ra, física), ou ainda porque o caso foge da
Uma primeira característica da rela- temática com a qual a entidade trabalha,
ção das entidades de defesa de direitos en- ou porque só levavam para o Poder Judi-
trevistadas com a Defensoria Pública é de ciário casos paradigmáticos e não realizam
que ela não apresenta situações de anta- atendimento individual. Há entidades que
gonismo mais explícito como ocorre com o afirmaram que é dever do Estado e da De-
Ministério Público. Assim, a avaliação mais fensoria Pública fazer o atendimento indivi-
geral dos entrevistados a respeito de tal dual de casos, promover o acesso à justiça,
interação é positiva, apontada como uma e, por esse motivo, acabam se dedicando
relação de parceria e complementariedade. a outros tipos de atividades, como, por
Os aspectos negativos da interação seriam exemplo, a realização de litígio apenas em
justamente uma “ausência” de relação, seja casos exemplares.
porque a Defensoria ainda não foi forma-
Defensoria Pública: a Defensoria Pública
da naquele estado da federação, seja por- aí sim, a gente participou do movimento
que a defensoria tem uma estrutura frágil de criação, uma vez criada a gente sem-
e deficitária. Da mesma maneira como foi pre compartilhou casos com a Defensoria,
apontado no caso da relação com o Minis- mas casos que já estavam lá ou casos que
tério Público, a interação entre as entida- a gente achava que teriam de ser judicia-
des entrevistadas e a Defensoria Pública se lizados e a pessoa não tem como pagar

87

Cebrap - Advocacia Popular.indd 87 9/2/2013 7:40:43 PM


advogado e a gente orienta a Defensoria, com ações, dependendo do caso, a gente
por quê? Por que a gente não quer pegar manda procurar a Defensoria Pública ou
processo? Porque a gente acredita que o Ministério Público, estadual ou federal.
acesso à justiça é um direito que tem que
À Defensoria Pública a gente encaminha
ser garantido também por mais um ser-
casos quando não é possível [...] atender
viço estatal. Não à toa a gente lutou pela
[...] a gente encaminha casos para a De-
criação.
fensoria Pública.
Nós tínhamos a princípio um trabalho de
[...] nós temos aqui como princípio que,
atendimento de população carente, ou
como a gente só vai atender as questões
de pessoas que tinham seus direitos [...]
coletivas, as pessoas que nos procuram,
discriminados. Só que nós entendemos
nós encaminhamos. [...] E atualmente
que isso daí cabe muito mais para o Es-
trabalhamos muito com a Defensoria Pú-
tado, cabe pra defensoria, por questões
blica, mas encaminhando as pessoas que
que acabam pautando com um trabalho
veem individualmente até nós, e como
de assistencialismo. Embora ele seja im-
nós não atendemos, nós encaminhamos à
portante, porque temos ali um grupo de
Defensoria Pública.
especialistas, pessoas voltadas; ele não é
a questão mais relevante. A gente conti- [A entidade] lida atualmente, por exem-
nua, mas não é a questão mais relevante. plo, nós só judicializamos questões que
A gente sempre encaminha, a gente faz digam respeito ao [temas específicos
atendimentos de orientações, um grande com os quais a entidade trabalha]. Algu-
número deles pela internet [...]. Encami- mas ações que são essenciais pras vidas
nhamos muita gente para a Defensoria. daquelas pessoas. Boa parte do nosso tra-
balho é de encaminhamento e orientação
[Encaminhamos para] a Defensoria quan- e esse encaminhamento é feito especial-
do nos chega um caso que não está no mente para a Defensoria Pública da União.
escopo da atuação de uma, vamos dizer,
uma violação de direitos humanos no Outra forma de interação entre a De-
campo da nossa intervenção. Ex.: Alguém fensoria Pública e as entidades de defesa
bate na nossa porta pedindo uma infor- de direitos são os convênios firmados entre
mação sobre um inventário que ele tem elas. Em geral, em tais convênios, a Defen-
direito e não está sendo atendido. Então soria Pública ou designa defensores para
a gente faz o atendimento porque a ins- trabalhar dentro da entidade ou repassa
tituição, ela é pública, ela tem que fazer a verba para que advogados e estagiários
o atendimento jurídico... dá consultoria, o sejam contratados. A Defensoria também
esclarecimento, e faz o encaminhamento pode encaminhar casos individuais ou co-
pra Defensoria Pública. Não tem a nossa
letivos para que tais defensores ou advo-
intervenção propriamente dita.
gados ajuízem ações.
Na parte de assessoria, a gente passa, a
Hoje a demanda é muito grande então
gente tenta encaminhar alguns casos que
a Defensoria estabelece convênios com
chegam pra gente, que não estão muito
algumas organizações. É um filtro mui-
na nossa esfera ou que a gente não tem
to bem-feito, eles procuram saber qual
condição de acompanhar naquele mo-
a contrapartida que a gente dá, a gente
mento, a gente busca dialogar com a De-
pode dar, a nossa contrapartida é um es-
fensoria.
paço físico, é a nossa história, nós temos
Não, a gente nunca entrou com ações, a computadores, temos toda uma logística
gente sempre orientou, na hora de entrar de atendimento, e, e uma parceira muito

88

Cebrap - Advocacia Popular.indd 88 9/2/2013 7:40:43 PM


grande com os defensores nas lutas do Algumas das entidades entrevistadas
cotidiano. participaram da luta pela criação das De-
[...] a Defensoria Pública como ela atua na fensorias Públicas nos seus estados. Isso,
forma da assistência judiciária, que é ga- em muitos casos, significa que tais enti-
rantir a defesa e a própria judicialização dades têm uma relação de parceria mais
de algumas questões... a Defensoria Pú- aprofundada com as Defensorias Públicas
blica ainda atua com uma estrutura mui- que ajudaram a criar, e atualmente traba-
to limitada frente a toda demanda que lham para que a instituição seja fortalecida
existe de população de baixa renda e que e mais bem estruturada, ampliando, assim,
precisa de alguma forma acessar o Judi- o acesso à justiça.
ciário. Então a Defensoria Pública realiza
Nós nos empenhamos aqui no movimen-
convênios com entidades sem fins lucra-
to pela criação da defensoria pública [...].
tivos, como organizações civis [...] então
Nossa avaliação é uma das melhores do
[essas entidades] atua[m] como se fosse
ponto de vista da atuação dos defen-
um anexo. [É] uma relação de parceria,
sores. É uma das instituições do Estado
existe uma confiança no desempenho,
que tem demonstrado um compromisso
porque existe uma trajetória de atuação
com as causas sociais e de maneira ge-
nessa proposta, com assessoria jurídica,
ral nós somos muito favoráveis à criação
mas também é como um anexo, uma es-
da defensoria e à ampliação do número
trutura, caso de uma Defensoria, do que
de defensores. Tanto do Estado e dentro
precisa numa Defensoria, a quantidade
das instituições do Estado, é uma das ins-
de advogados que atuam nisso, então o
tituições que mais tem participado junto
convênio daqui, por exemplo, é específi-
e defendido o interesse do povo como
co para uma questão [...]. [E]ntão o que um todo. Então somos muito favoráveis à
chega na Defensoria passa por uma tria- Defensoria Pública. O ideal seria se todos
gem, e se estiver dentro dos critérios que os Estados tivessem Defensorias Públicas
são estabelecidos por esse convênio, por autônomas e uma Defensoria da União
exemplo de área, matéria que está sendo também. [...] Mas a Defensoria é nossa
discutida, pode ser distribuída para cá e grande parceira nas grandes lutas.
aqui é tocada toda a parte de acompa-
A Defensoria Pública foi uma discussão
nhamento do processo normalmente, né,
dos movimentos sociais, o movimento
então essa é a forma como a Defensoria
social desenhou a Defensoria Pública,
atua.
lutamos juntos, corremos para que ela
De a gente passar casos pra eles [Defen- aconteça, ocorra. Hoje a luta é para que
soria Pública] ou, inclusive a gente fazer, aumente o número de Defensores, que o
com o suporte deles assistência para ado- número é pequeno e sobrecarrega a De-
lescentes em cumprimento de medida fensoria Pública.
socioeducativa nas comarcas em que não
Da criação, da luta pela criação da Defen-
haja defensor. E que não são poucas aqui
soria, foi uma das lutas institucionais que
[no estado].
de certa maneira passou a ser a nossa. A
Eles trabalham aqui. Os cinco trabalham nossa ideia é que é o Estado que tem que
aqui. Eles são conveniados com a De- prover essas coisas. Então, tipo, existe
fensoria, pelo convênio. São contratados uma Constituição que estabelece direitos
pela [entidade], mas a remuneração, não do cidadão e o Estado tem que fazer isso.
são funcionários [da entidade], são con- Em suma, a [entidade] trabalha justamen-
tratados pelo convênio. te nesse sentido, de entender que o Es-

89

Cebrap - Advocacia Popular.indd 89 9/2/2013 7:40:43 PM


tado tem que remover os obstáculos que bém faz parte das possibilidades e com-
impedem à igualdade e isso se faz através petências previstas à Defensoria Pública
da participação, da mobilização das pes- e, nesse sentido, nós temos cada vez mais
soas em torno disso. Então fundamental- afinado no nosso discurso de parceria e
mente é essa a nossa prática. estamos nas últimas fases de organização
do termo de parceria para realização des-
É que a gente teve uma proximidade, uma
identidade com a Defensoria Pública, en- sa formação.

tão, [a entidade] fez parte do movimen- Eu sei que a Defensoria também tem al-
to pela criação da Defensoria Pública, gumas, não são conferências, mas eles fa-
participou ativamente desse movimento zem uma espécie de consulta assim para
[...]. Então [a entidade] luta pelo forta- fazer um planejamento interno, então
lecimento da Defensoria Pública, essa é eventualmente a gente poderia ter tam-
uma das nossas maiores lutas, a gente bém esse tipo de relação.
está dentro disso, isso é uma missão pra
Isso foi muito bom, porque fortaleceu,
gente, extremamente importante e estra-
propiciou formar um fórum [do movi-
tégica porque a gente entende que, pra
mento social] porque nessa formação [a
você democratizar acesso à justiça e pra
entidade] acabou sendo uma referência
você ter uma defesa de qualidade, você
de articulação. O defensor público este-
precisa de uma Defensoria Pública forta-
ve conosco agora no final do ano, em de-
lecida, né? Esse é um trabalho importante
zembro, e se comprometeu mensalmente
pra gente.
a fazer uma reunião junto à Defensoria
As entidades entrevistadas também para dar encaminhamento para a luta. A
relataram participar ativamente de audiên- luta, quando a gente fala é de a organiza-
cias públicas e eventos promovidos pela ção coletiva buscar caminhos.
Defensoria, formações realizadas pelos de-
Em muitos casos, as entidades relata-
fensores públicos para os movimentos so-
ram em suas entrevistas que há uma com-
ciais, comunidades e grupos com os quais
plementariedade entre o trabalho que elas
a entidade atua, ou até mesmo formação
realizam e que a Defensoria Pública realiza.
promovida pelas entidades para os defen-
Essa complementariedade, além dos casos
sores em temas nos quais elas são especia-
já mencionados, pode se dar por meio da
lizadas.
atuação judicial conjunta ou da divisão de
De qualquer maneira, nós temos traba- trabalho de preparação para a proposição
lhado em parceria com a Defensoria Pú- de ações judiciais ou durante o processa-
blica em algumas demandas em especial mento dessas. A entidade pode ainda co-
também na formação de Defensores, em
laborar com o trabalho da Defensoria Pú-
especial na DPU, na Defensoria Pública
blica, assim como ocorre com o Ministério
da União, na área de direitos humanos. A
Público, fornecendo conhecimento técnico
Defensoria Pública da União nos procurou
ou especializado que ela possua.
informando [...] a dificuldade de muitos
Defensores de ainda compreenderem um Com a Defensoria ainda não. Defensoria
pouco mais a atuação nos direitos huma- Pública em São Paulo é muito nova. En-
nos e, principalmente, terem a possibili- tão, não deu tempo ainda, para desenvol-
dade, enquanto Defensoria, de encami- ver [...] A gente tem momentos de coo-
nhar à esfera internacional, em especial, peração, de conteúdo mesmo. Como a
ao Sistema Interamericano e à ONU de- Defensoria Pública é nova [...], tem coisas
terminadas violações, porque isso tam- que a gente já fez, de ação civil pública,

90

Cebrap - Advocacia Popular.indd 90 9/2/2013 7:40:43 PM


que eles não tiveram a oportunidade ain- que o Ministério Público [...], no caso da
da de fazer, porque eles não existiam. En- Defensoria [...] desde o início da criação
tão eles pedem, “Ah, passa pra mim a sua sempre houve por parte da Defensoria, de
ação...”, “Em que pé que está o seu pro- Defensores especificamente, uma procu-
cesso tal?”, claro, a gente passa. Então, é ra pela [entidade] para apoiá-los e fazer
esse tipo de colaboração, normalmente um trabalho conjunto nas agendas, nas
com a Defensoria Pública. pautas [do tema que entidade trabalha]
que eles recebiam.
Então a gente teve que deixar de ajuizar
essas ações pra realizar os pareceres, en- A ideia é de complementar o trabalho, tra-
tão nós trocamos pelos pareceres como zer uma lógica um pouco diferente, agre-
uma forma de a gente prestar essa asses- gar conhecimento de outras áreas. Então
soria e a gente encaminha para a Defen- a gente tem um trabalho interdisciplinar.
soria Pública para que eles ajuízem essa Alguns casos a gente trabalha mesmo em
ação. Mas hoje, principalmente o núcleo conjunto, em parceria com eles pra agre-
de direitos humanos aqui da Defensoria gar dados, agregar questões. [No caso
Pública do Estado, é uma grande parceira, concreto], por exemplo, eles atuam junto
eles têm nos solicitado esses pareceres com a gente. As ações judiciais é [a enti-
para instruir os processos deles, principal- dade] que cuida, mas várias vezes a gen-
mente as ações civis públicas. te deu: oficia você porque a resposta da
Defensoria vem mais rápido do que pra
Defensoria é a grande parceira. Porque
gente, eles têm poder de requisição ou
constitucionalmente é o órgão responsá-
uma inserção maior na mídia, ou conse-
vel pela assessoria jurídica integral e gra-
guem uma agenda mais fácil. E o inverso
tuita dos hipossuficientes. A atribuição
também.
constitucional é deles. A universidade faz
isso como um apoio, dentro da prática ju- Às vezes eles [Defensoria Pública] estão
rídica, mas faz todo sentido a gente ter com uma ação judicial e precisam de um
um convênio com eles. E aí a ideia, não trabalho social. A gente tem todo um gru-
é que a gente substitua o trabalho deles. po de assistentes sociais, psicólogos. Tem
casos que a gente trabalha juntos mesmo.
[...] e muitos casos com Defensoria Públi-
ca, que a Defensoria entra com ação e a Algumas das entidades falam ainda
gente acompanha extrajudicialmente, ou em uma articulação política e jurídica entre
ao contrário, a gente está com ação e a elas, a Defensoria Pública e, em alguns ca-
Defensoria entra judicialmente, enfim... sos os grupos, comunidades ou movimen-
diariamente qualquer encaminhamento tos sociais que elas representam. Os entre-
de denúncia, órgão de denúncia e reque- vistados relataram que em muitos casos a
rimentos, vamos dizer assim, com poder Defensoria Pública tem mais facilidade de
executivo, principalmente formação de comunicação com o Poder Executivo e ou-
esclarecimentos, de providências, e tam-
tros órgãos do Estado.
bém para os órgãos de defesa.
[Com a] Defensoria a gente tem uma re-
[...] são processos que a gente acompa-
lação muito boa nesse sentido, buscamos
nha e são processos da Defensoria, mas
sempre reunir, sempre levar alguns ca-
que a gente acompanha junto, discute
sos, porque tem algumas questões que
junto estratégia, enfim, faz acompanha-
a gente entende que são necessárias de
mento do caso de uma forma mais ampla.
ter uma atuação da Defensoria diferen-
A Defensoria desde o início tem sido um ciada. Então a questão [do grupo com
parceiro também bastante, até mais do o qual eles atuam], por exemplo, é uma

91

Cebrap - Advocacia Popular.indd 91 9/2/2013 7:40:43 PM


questão que a gente já fez algumas re- de informação para o Executivo. Porque
uniões com a Defensoria para pensar a esses órgãos, em algumas questões, eles
incidência mesmo dos Defensores nes- têm mais potencial de obter determina-
sas demandas, com uma preocupação de das informações. [...] Mas a gente meio
entender o contexto mesmo, que é con- que tenta fazer isso. Agir em algumas si-
texto do movimento coletivo, que do tipo tuações em conjunto.
de repressão que é feito, então a gente
Como se pode depreender dos pa-
tem encaminhado algumas questões para
drões de interação anteriormente expos-
a Defensoria.
tos, assim como os exemplos ilustrativos
Olha, geralmente, quando é um caso em-
das entrevistas que foram dados, da mes-
blemático assim né, que são os casos em
ma forma como ocorre na relação com o
que atua em conjunto, nos casos coleti-
Ministério Público, as entidades de defesa
vos, [...] na hora de propor, ou de fazer
de direitos têm o importante papel de fazer
a articulação é que é feita uma reunião
Defensoria Pública e [a entidade] e às
a mediação entre os grupos, comunidades
vezes os movimentos também partici- e movimentos sociais com os quais traba-
pam dessas, dessas reuniões, que é para lham e a Defensoria Pública. Assim, a capi-
pensar como é que vai ser a ação, aí tem laridade de atuação das entidades entrevis-
um momento onde é discutido, dali tira tadas permite a identificação de violações
a decisão de como é que vai ser feito, o de direitos no contexto social no qual elas
que vai fazer, o que cada um vai fazer, e trabalham e a comunicação e o encaminha-
aí não existe assim, ah geralmente essa mento dessas violações para a Defensoria
tarefa fica pra tal e essa fica pra tal, é Pública como uma das possíveis formas
assim: a situação, às vezes você tem... o
de buscar soluções. Tais entidades atuam
defensor que está responsável tem uma
de modo mais amplo e politizado do que
relação mais próxima com determinado,
a Defensoria, articulando a mobilização so-
determinada pessoa que pode ajudar,
cial, não só do ponto de vista dos próprios
articular dentro da prefeitura, enfim, al-
guma coisa assim, e aí isso é feito dessa
atores da sociedade civil, mas também em
forma, “olha tenho tal contato, tenho tal relação à própria instituição.
contato”, e aí é o que é mais rápido nesse Apresentados os principais padrões
tipo de situação. de interação das entidades de defesa de
[A entidade não atua] conjuntamente es- direitos entrevistadas e a Defensoria Públi-
crevendo, assinando, peticionando, mas ca, passaremos agora para as percepções
a gente consegue fazer uma articulação gerais de tais entidades sobre a instituição.
com o trabalho se eles entram com al-
guma coisa e precisam de algum tipo de 6.2 PERCEPÇÕES SOBRE A DEFENSORIA
apoio a gente faz. PÚBLICA
A gente chegou a ter reuniões para tratar Também em relação às percepções
de alguns casos, mas não judicial, mas na das entidades de defesa de direitos quanto
questão [do grupo com o qual a entida- à instituição, há pontos em comum entre a
de trabalha] a gente chegou a ter inter- Defensoria Pública e o Ministério Público.
venção conjunta nesse sentido, de a gen-
te puxar reuniões com [tal grupo], com Alguns dos entrevistados fizeram crí-
a Defensoria. Mas a atuação de frente, ticas a respeito da grade curricular das fa-
quem apareceu atuando foi nesse caso, culdades de direito no sentido de que estas
[foi] a Defensoria, que foi com pedido poderiam ser mais voltadas para a com-

92

Cebrap - Advocacia Popular.indd 92 9/2/2013 7:40:43 PM


preensão da realidade e para uma atuação muitas pessoas estão sendo atraídas para a
mais conectada com o social, assim como Defensoria Pública, mesmo sem ter um in-
apontaram que grande parte dos alunos teresse específico em trabalhar na institui-
nesses cursos pertence a uma elite social ção. Assim, há a percepção por parte dos
e econômica. Segundo esses entrevistados, entrevistados de que há uma nova geração
tais fatores teriam um reflexo nas pessoas de Defensores que é “menos vocacionada”
que passam nos concursos públicos e que ao trabalho e mais “corporativista” e, por-
ocupam cargos na Defensoria Pública e tanto, menos aberta à interação com a so-
também no Ministério Público, assim como ciedade civil.
na própria instituição. Como consequência,
Apesar dessas percepções em algu-
os membros dessas instituições tenderiam
ma medida negativas, os entrevistados
a ter um grande distanciamento dos pro-
acreditam que a Defensoria Pública e seus
blemas sociais que existem no Brasil, o que
membros são mais próximos da sociedade
geraria uma visão preconceituosa e con-
civil e mais acessíveis do que os membros
servadora a respeito dos grupos com os
do Ministério Público. Algumas entidades
quais as entidades em geral trabalham. Os
afirmaram que há mais “afinidade ideoló-
entrevistados também apontaram, assim
gica” entre os atores da sociedade civil e
como ocorre com o Ministério Público, a
da Defensoria Pública, e que os defensores
necessidade de uma formação em direitos
teriam um tipo de trabalho mais próximo
humanos para os defensores públicos.
do que as entidades realizam. Há também
Os entrevistados assinalaram o fato uma maior afinidade temática entre as en-
de que os defensores públicos, assim como tidades de defesa de direitos e a Defenso-
promotores e procuradores, possuem uma ria Pública. Até pelo fato de muitas das en-
certa limitação em sua atuação, seja por- tidades entrevistadas terem trabalhado na
que estão subordinados em alguma me- criação ou no fortalecimento das Defenso-
dida ao Estado, seja porque a própria bu- rias Públicas, elas acreditam ter uma parce-
rocracia da instituição os restringe, o que ria maior com a instituição. De acordo com
diminui sua capacidade de atuação. Alguns muitas dessas entidades, é bastante impor-
entrevistados afirmaram ter havido inter- tante esse processo de fortalecimento das
venções políticas no trabalho da Defenso- Defensorias Públicas pela sociedade civil, e
ria Pública por parte do governo do estado, que se estimule a instituição a cumprir seu
assim como realocação de defensores pú- papel social.
blicos para outras localidades e dissolução
Em linhas gerais, esses seriam os pa-
de núcleos temáticos.
drões de percepção das entidades da so-
Algumas das entidades que possuem ciedade civil acerca da Defensoria Pública.
convênio com a Defensoria Pública fizeram Passamos agora para os elementos de de-
a crítica de que há uma excessiva pressão senho institucional que facilitam ou blo-
da instituição para que se cumpra metas de queiam a interação entre as entidades de
atendimento, o que pode acabar por des- defesa de direitos e a Defensoria Pública.
caracterizar o próprio escopo de atuação
da entidade de defesa de direitos. 6.3 DESENHO INSTITUCIONAL

Outra questão apontada é que, atual- O ponto assinalado nas entrevistas


mente, como consequência de uma melho- como o mais problemático em relação à
ria nos salários e na estrutura da carreira, Defensoria Pública é justamente suas defi-

93

Cebrap - Advocacia Popular.indd 93 9/2/2013 7:40:43 PM


ciências de infraestrutura e pessoal. Muitos cipiência da instituição e a dificuldade em
entrevistados apontaram como uma mu- acessá-la.
dança necessária na instituição o aumento Assim como ocorre com o Ministério
do número de defensores e a ampliação Público, os entrevistados assinalaram que a
e melhoria de sua estrutura de atendi- existência de núcleos e câmaras temáticas
mento. Em alguns lugares, a deficiência favorece muito a relação da entidade com
de pessoal, a sobrecarga de trabalho e a a Defensoria Pública. Tais núcleos facilitam
falta de estrutura da Defensoria Pública a interação na medida em que, ao se espe-
é tão grande que chega a comprometer cializarem em certos temas, acabam se fa-
a relação da entidade com as entidades miliarizando com problemas mais relevan-
da sociedade civil. Alguns entrevistados tes naquela área, aperfeiçoam as melhores
relataram a impossibilidade de se rela- estratégias de atuação judicial e potencial-
cionar com a instituição na medida em mente ficam mais próximos dos atores so-
que ela não dava conta nem de atender ciais ligados àquela questão. Contudo, as-
os casos que chegavam a ela. Em outros sim também como ocorre com o Ministério
casos, entrevistados relataram que con- Público, a existência de núcleos especiali-
vênios foram extintos na medida em que zados não diminui a importância de conta-
a Defensoria precisava que os defensores tos pessoais com os defensores públicos e
locados na entidade voltassem a trabalhar a necessidade de que haja afinidades polí-
na instituição, dada a enorme falta de pes- ticas para que a interação se dê de forma
soal. Isso sem se falar, é claro, nos estados mais intensa e com maior qualidade.
nos quais as Defensorias ainda não foram Alguns entrevistados citaram a falta
estruturadas, nos quais há uma mobiliza- de autonomia como um problema das De-
ção da sociedade civil para sua criação. E fensorias, com a possibilidade de haver in-
mesmo nos estados em que a Defensoria é terferência política externa no trabalho dos
mais forte estruturalmente e mais atuante, defensores. As entidades também pon-
membros da sociedade civil apontam para tuaram que seria importante que todas as
o fato de que é necessário consolidá-la, Defensorias Públicas possuíssem ouvidoria
fortalecê-la e ampliá-la. externa independente.
A Defensoria Pública da União é bem As audiências públicas foram aponta-
menos citada pelos entrevistados do que das como um importante instrumento da
a Defensoria Pública estadual. Como afir- Defensoria Pública para se aproximar da
mado anteriormente, a DPU é a instituição sociedade civil, tomar conhecimento das
competente para tratar de casos que en- questões e problemas com os quais as en-
volvam matéria federal. Segundo os entre- tidades estão envolvidos, assim como ou-
vistados, em muitas localidades, a DPU é vir seu posicionamento a respeito de tais
citada como tendo uma interação bastante questões. Foi mencionado como um ponto
positiva com as entidades de defesa de di- importante para a interação entre as enti-
reitos, mas, em outros casos, os entrevis- dades de defesa de direitos e a Defensoria
tados apontam uma baixa interação com a apresentação do planejamento anual da
a instituição, em grande medida pela in- instituição em tais eventos.

94

Cebrap - Advocacia Popular.indd 94 9/2/2013 7:40:43 PM


7.CONCLUSÕES

7.1 A FORMAÇÃO DE DEFENSORES DE de trabalho. As experiências de extensão


DIREITOS universitária, em especial, aparecem como
um primeiro aprendizado da advocacia de
A descrição dos elementos de traje-
interesse público, ainda durante a gradua-
tória identificados a partir das entrevistas
ção em direito.
com os 130 respondentes da pesquisa des-
tacou três grandes grupos de fatores como Experiências profissionais também
determinantes à formação de defensores contribuem neste sentido. Em especial,
de direitos: experiências universitárias, estágios em ONGs e no Ministério Público
experiências profissionais e experiências foram elementos relativamente frequentes
sociais e pessoais. Além de influências fa- nas trajetórias dos respondentes. Da mes-
miliares, vínculos religiosos e da identifica- ma forma que as extensões universitárias,
ção dos respondentes com os grupos que estas experiências de estágio foram relata-
buscam defender terem se revelado deter- das como uma oportunidade de entrar em
minantes para a formação de defensores contato com certos problemas sociojurí-
de direitos, há dois elementos de trajetória dicos e de conhecer técnicas e formas de
que estão mais claramente ao alcance das atuação para buscar resolvê-los.
políticas públicas e, dessa forma, merecem
A politização e o aprendizado de es-
ser enfatizados no âmbito deste relatório:
tratégias de atuação e mobilização referi-
as experiências universitárias e profissio-
dos pelos entrevistados como decorrentes
nais dos respondentes.
dessas influências se reflete, em grande
As experiências no âmbito universi- medida, no perfil das entidades onde eles
tário, que abarcam desde a dimensão do atuam. Tendo em vista que os entrevista-
ensino e da pesquisa até iniciativas de ex- dos, em regra, atribuem o seu envolvimen-
tensão e o movimento estudantil, se revela- to com defesa de direitos às experiências
ram as mais frequentes no grupo entrevis- de proximidade com comunidades, coleti-
tado pela pesquisa. Em especial no caso de vos, grupos e movimentos sociais vulnerá-
entrevistados que, formados em direito ou veis, a capilaridade das entidades de defe-
ainda estudantes de direito, essas experiên- sa de direitos não surpreende. Igualmente,
cias são reputadas como responsáveis por a combinação de estratégias jurídicas – ou,
uma maior aproximação dos respondentes, sobretudo, a compreensão da atuação ju-
enquanto estudantes, de demandas so- dicial como parte de uma gama de formas
ciais, de violações de direitos e de grupos e de atuação – pode ser identificada nas tra-
movimentos organizados em torno dessas jetórias dos entrevistados. Com frequência,
demandas e violações. A partir dessa apro- os respondentes afirmam ter combinado,
ximação, ocorre uma maior politização do em sua história acadêmica e profissional,
indivíduo, bem como um aprendizado so- ativismo político com atuação técnica, ex-
bre as necessidades de atuação em relação plorando âmbitos institucionais e estraté-
a determinados grupos e sobre estratégias gias de mobilização que não estão restritos

95

Cebrap - Advocacia Popular.indd 95 9/2/2013 7:40:43 PM


ao Judiciário ou ao direito. Identificam-se, estratégias de comunicação/mídia, forma-
dessa forma, alguns dos vetores para a for- ção/educação/capacitação popular, con-
mação de defensores de direitos no Brasil sultoria jurídica, monitoramento de políti-
e a sua relação com o tipo de trabalho que cas públicas.
desenvolvem nas entidades onde atuam. Especificamente com relação à atua-
ção judicial das entidades, observou-se uma
7.2 TIPOS DE ADVOCACIA DE INTERESSE
mudança de estratégia, valorizando a cole-
PÚBLICO
tivização das demandas judiciais, em detri-
A descrição dos perfis das entida- mento de uma advocacia client-oriented,
des de defesa de direitos que compõem que promovia ações judiciais individuais.
a amostra apontou para uma importante A coletivização manifesta-se não apenas
variedade de experiências, temáticas de no recurso das ações coletivas, mas tam-
atuação, estruturas e formas de organiza- bém no das individuais com potencial co-
ção, atividades e âmbitos de trabalho. Há letivo de repercussão (casos exemplares,
grande diversidade no perfil das entidades paradigmáticos). A profissionalização das
entrevistadas quanto à sua estrutura inter- entidades de defesa de direitos é acompa-
na (física e de pessoal): desde entidades nhada pela definição clara dos limites de
comunitárias, que trabalham com volun- atuação das entidades, com relação a pú-
tariado ou que contam com integrantes blico atendido, tema. O aperfeiçoamento
que são, eles próprios, parte dos grupos da atuação jurídico-judicial envolve o em-
a que visam defender as entidades, e com prego de uma série de estratégias, além da
estrutura de funcionamento frágil (pou- judicial, tais como: articulação social, for-
cos contratados, advogados voluntários e mação, advocacy, pesquisa, mídia e lobby
esporádicos, sem financiamento fixo), até judicial.
organizações com estrutura mais profissio-
Os financiamentos internacional e na-
nalizada (assessoria de imprensa, grande
cional público revelaram-se os mais recor-
número de contratados, advogados com
rentes nas entidades entrevistadas. Para a
dedicação exclusiva no corpo da entidade).
atuação judicial, recursos de fora do País
Como se viu, as entidades de defesa são mais relevantes, tanto de fundações
de direitos da sociedade civil costumam públicas quanto privadas. Outras ativida-
atuar em diversas frentes, junto aos Po- des costumam ser financiadas por editais
deres Executivo, Legislativo e Judiciário, e públicos de governos municipais, estaduais
com frequência apostam em estratégias in- e federal. Em menor proporção, as entida-
tegradas para a mobilização de uma deter- des obtêm parte de seus recursos de doa-
minada demanda. A capacidade de atua- ções individuais ou a partir da prestação
ção, tanto do ponto de vista quantitativo de serviços ou vendas de produtos da en-
quanto em termos de alcance das ações, tidade. Dificuldades de financiamento são
está relacionada à estrutura interna da en- apontadas, de forma quase unânime, como
tidade. Nas distintas frentes de atuação, as um dos principais obstáculos à execução
entidades mobilizam estratégias diversas, das atividades. Com frequência, são seis
tais como litígio, litígio estratégico, advo- os fatores problemáticos ligados ao finan-
cacy, participação em conselhos e audiên- ciamento. Primeiro, a diminuição da dispo-
cias públicas, mobilização social, lobby nos nibilidade de financiamento internacional.
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, Muitos dos financiadores internacionais

96

Cebrap - Advocacia Popular.indd 96 9/2/2013 7:40:43 PM


estão retirando financiamentos para en- trevistadas, é possível identificar uma am-
tidades da sociedade civil, na medida em pla variedade de experiências de mobiliza-
que o Brasil passou a ser considerado um ção jurídica na sociedade civil. A miríade
país em um estágio mais avançado de de- de conceitos mobilizados pela literatura
senvolvimento econômico e social, com para caracterizar o tipo de trabalho des-
capacidade de captação de recursos inter- sas entidades (advocacia popular, advoca-
nos para o desenvolvimento de suas ativi- cia de interesse público, litígio estratégico,
dades. A redução do apoio internacional à advocacia pro bono, assistência judicial)
área de litígio estaria relacionada, também, mostra-se, assim, insuficiente para abarcar
à percepção, por parte dos financiadores, a complexidade desse campo de atuação.
de que a atividade poderia ser feita pela A mobilização jurídica é multifacetada, no
Defensoria Pública e pelo Ministério Pú- Brasil, e quaisquer políticas públicas formu-
blico. Segundo, a conjuntura econômica, ladas para este campo devem levar em con-
a crise financeira internacional teria reti- ta a variedade de experiências, perfis e ne-
rado grande parte da possibilidade de fi- cessidades de atores tão distintos entre si.
nanciamento do Norte global, de onde, em
7.3 MP E DP: O FATOR DESENHO
geral, parte o financiamento internacional.
INSTITUCIONAL
Paralelamente, o fortalecimento da eco-
nomia brasileira teria valorizado a moeda A pesquisa identificou uma série de
local, tornando o financiamento em moe- padrões de interação entre as entidades de
da estrangeira menos rentável. Terceiro, a defesa de direitos estudadas, o Ministério
estrutura legal rígida e complexa imposta Público (MP) e a Defensoria Pública (DP),
às organizações não governamentais para sendo que muitas dessas formas de relação
acessar o financiamento público nacional eram comuns às duas instituições. Entre
e para prestar contas. Quarto, a ausência tais padrões comuns, podemos citar, pri-
meiramente, o encaminhamento de casos
de uma cultura de financiamento nacional,
das entidades de defesa de direitos para o
seja por pessoas físicas, seja por pessoas
Ministério Público (por meio de denúncias
jurídicas. Quinto, a dificuldade de financiar
e representações) e para a Defensoria Pú-
determinados temas. Sexto, em particular
blica. As entidades citaram como motivo
no âmbito das ações jurídicas, as formas de
para fazer os encaminhamentos, entre ou-
financiamento são vistas como incompatí-
tros, (i) o fato de somente fazerem o traba-
veis com a atividade de litígio, já que são,
lho de orientação jurídica e não entrarem
em regra, focadas em projetos de curto ou
com ações judiciais; e/ou (ii) o fato de que
médio prazo, enquanto o litígio tem tem-
não têm estrutura (técnica, financeira, físi-
po indeterminado. Alguns entrevistados
ca) para atender o caso em questão; e/ou
apontaram que a natureza do trabalho de
(iii) porque o caso foge da temática com a
assessoria jurídica (que raramente produz
qual a entidade trabalha; e/ou (iv) porque
resultados concretos imediatos, em razão
só levavam para o Poder Judiciário casos
da demora judicial) e a sua imprevisibilida-
paradigmáticos e não realizam atendimen-
de também desestimulam financiadores,
to individual; e/ou (v) porque acreditam
em especial internacionais.
que o peso institucional do Ministério Pú-
A partir das informações sobre os te- blico e da Defensoria Pública pode colabo-
mas, atividades, estrutura, financiamento e rar para um desfecho positivo do caso. Para
estratégias de atuação das entidades en- algumas entidades, esse encaminhamento

97

Cebrap - Advocacia Popular.indd 97 9/2/2013 7:40:43 PM


de casos para o Ministério Público e para tercâmbio pode acontecer com cursos de
a Defensoria Pública também é justificável formação organizados pelo MP e pela DP
na medida em que elas acreditam ser um para as entidades e vice-versa. Ambas as
dever do Estado e função das instituições instituições também realizam convênios de
fazer o atendimento individual ou coletivo diversos tipos com as entidades de defesa
aos cidadãos, promovendo, assim, o acesso de direitos. As entidades também buscam
à justiça. Este encaminhamento de casos influenciar a agenda temática do MP e da
também é uma forma de as entidades da DP, por meio de encaminhamento de ca-
sociedade civil levarem ao MP e à DP ques- sos ou por meio de participação em gru-
tões relevantes que estão ocorrendo no pos temáticos, debates e articulações com
campo no qual elas trabalham. Assim, elas a sociedade civil e com outros órgãos do
buscam fazer com que o MP e a DP atuem Estado e a tentativa de sensibilização dos
nos casos que elas consideram relevantes. membros do MP e da DP.
As entidades de defesa de direito Finalmente, uma importante forma de
apontaram que também realizam parcerias interação é a mediação feita pelas entida-
e articulações com o Ministério Público e des de defesa de direitos entre movimen-
com a Defensoria Pública. Essas parcerias tos sociais, comunidades e grupos com os
e articulações podem se dar tanto na for- quais elas trabalham e o Ministério Público
ma de reuniões ou seminários promovidos e a Defensoria Pública. Tais entidades, por
pelo MP e DP para discussão de casos (e sua capilaridade na sociedade, conseguem
que em alguns conta também com a pre- identificar questões, problemas e viola-
sença de grupos com os quais as entidades ções de direitos que não são visíveis para
trabalham) como pela transferência de in- o MP e a DP. Assim, tais entidades fazem
formações da sociedade civil para emba- a conexão entre esses movimentos sociais,
sar ações do MP e da DP. Outro importan- grupos e comunidades com os quais elas
te padrão de interação entre as entidades trabalham, levando suas questões para tais
da sociedade civil e o Ministério Público e instituições. As entidades de defesa de di-
Defensoria Pública são as diversas formas reito também articulam a mobilização so-
de atuação judicial conjunta e a divisão de cial em torno de demandas, atuando de
trabalho para a proposição de uma ação ou forma mais ampla e politizada.
durante o seu processamento (em geral, as
Os pontos da relação entre as entida-
entidades entrevistadas coletam informa-
des e o MP e a DP que não coincidem são
ções e documentos com a comunidade ou
no que diz respeito ao MP, o seu antago-
grupo com quem trabalham para embasar
nismo em relação a algumas das entida-
as ações do MP e DP).
des entrevistadas, principalmente aquelas
A participação em audiências públicas que atuam com a temática da terra e de
ou eventos organizados pelo Ministério Pú- questões criminais e, no caso da DP, toda a
blico e pela Defensoria Pública é outra for- luta pela criação e fortalecimento das De-
ma importante de interação entre tais ins- fensorias Públicas, realizada pela socieda-
tituições e as entidades da sociedade civil. de civil. De maneira geral, os entrevistados
Em alguns casos, ocorre o contrário, quan- acreditam que a Defensoria está mais pró-
do as entidades é que organizam eventos e xima das entidades da sociedade civil, e é
contam com a participação de promotores, também mais acessível do que o Ministério
procuradores e defensores. O mesmo in- Público.

98

Cebrap - Advocacia Popular.indd 98 9/2/2013 7:40:43 PM


No que diz respeito ao desenho insti- anual das instituições nestas datas, foram
tucional das entidades, a pesquisa consta- indicados nas entrevistas como um impor-
tou por meio das entrevistas que a existên- tante canal de diálogo com as entidades de
cia de núcleos ou câmaras especializadas defesa de direitos.
no Ministério Público e Defensoria Pública Outro ponto bastante assinalado foi o
facilita a interação das entidades da socie- de que a Defensoria Pública, em muitos es-
dade civil com estas instituições. Contudo, tados, tem uma grande deficiência de pes-
a relação entre a pessoa do promotor, pro- soal e uma infraestrutura limitada. Este fa-
curador e defensor e a entidade é determi- tor foi apontado pelos entrevistados como
nante para que a interação ocorra. Assim, um importante limitador da relação entre
afinidades políticas e ideológicas podem a Defensoria e as entidades da sociedade
favorecer a interação, assim como oposi- civil.
ções podem inviabilizá-la completamente.
Dado o exposto, pode-se dizer que
Os entrevistados também apontaram foram identificadas diversas e importan-
que um importante elemento no desenho tes formas de interação entre o Ministério
institucional tanto da Defensoria Pública Público, a Defensoria Pública e as entida-
como do Ministério Público é a existência des de defesa de direitos entrevistadas.
de ouvidorias externas independentes. As A pesquisa também captou percepções
entidades criticaram também uma falta de e avaliações das entidades a respeito das
formação em direitos humanos mais apro- instituições. E, finalmente, foram aponta-
fundada dos promotores, procuradores e dos elementos do desenho institucional do
defensores. Além disso, as audiências pú- MP e da DP que facilitam ou bloqueiam a
blicas e demais eventos realizados pelo Mi- interação das entidades de defesa de direi-
nistério Público e pela Defensoria Pública tos com eles. Tais informações poderão ser
para o diálogo com a sociedade civil, as- usadas para promover e aperfeiçoar as for-
sim como a apresentação do planejamento mas de interação aqui expostas.

99

Cebrap - Advocacia Popular.indd 99 9/2/2013 7:40:43 PM


Cebrap - Advocacia Popular.indd 100 9/2/2013 7:40:43 PM
8.DESDOBRAMENTOS

Com base nas conclusões delineadas trabalho na entidade. Dessa forma, o forta-
a partir dos dados apresentados, é possí- lecimento e a ampliação de entidades de
vel identificar eixos potenciais para a for- defesa de direitos (ponto tratado especifi-
mulação de políticas públicas voltadas à camente no eixo a seguir) estão ligados à
superação dos problemas apontados pela criação de incentivos à formação e multi-
pesquisa e – em especial quanto ao foco plicação dos agentes que mobilizam estas
central do estudo – à otimização da intera- entidades: os defensores de direitos.
ção entre as entidades de defesa de direito A pesquisa permite identificar duas
e os órgãos de litígio do Estado: o Minis- áreas com potencial para a aplicação de
tério Público e a Defensoria Pública. Estes eventuais mecanismos com o objetivo de
eixos emergem dos tópicos abordados no formar e multiplicar defensores de direitos:
relatório, a saber: (8.1) quanto aos indiví-
• Experiências universitárias: sendo
duos que exercem a advocacia de interesse
as experiências de ensino, pesquisa
público; (8.2) quanto às entidades de de-
e extensão no âmbito universitário
fesa de direitos; e (8.3) quanto aos órgãos
recorrentes nas trajetórias dos res-
do Estado.
pondentes da pesquisa, o fortale-
8.1 EIXO INDIVIDUAL: INCENTIVOS À cimento do tripé fundamental do
FORMAÇÃO E MULTIPLICAÇÃO DE ensino superior brasileiro tem o
DEFENSORES DE DIREITOS potencial de gerar incentivos para
a formação e multiplicação de de-
Com base na análise das trajetórias fensores de direitos. No âmbito do
acadêmicas e profissionais dos 130 respon- ensino, disciplinas e cursos na área
dentes das entrevistas, a pesquisa identifi- de direitos humanos foram repeti-
cou dois importantes vetores de formação damente apontados como influên-
de defensores de direitos: as experiências cias positivas. No âmbito da pesqui-
universitárias e profissionais pelas quais sa, igualmente, grupos de pesquisa
passam esses indivíduos, em especial se e bolsas de iniciação científica na
oriundos do curso de direito. O estudo área dos direitos humanos foram
apontou, ainda, para a conexão entre o identificados na trajetória de diver-
perfil desses respondentes e o perfil de sos entrevistados. No âmbito da ex-
atuação das entidades onde trabalham. A tensão universitária, o papel de gru-
capilaridade observada em muitas das enti- pos de assessoria jurídica popular
dades de defesa de direitos, a sua proximi- como primeira fonte de experiência
dade com outras organizações e movimen- em advocacia de interesse públi-
tos organizados, bem como as estratégias co é notável, em que pese às suas
de atuação adotadas são, em grande medi- dificuldades de manutenção, em
da, as mesmas apreendidas por estes res- especial a precariedade das linhas
pondentes na sua trajetória precedente ao de financiamento hoje disponíveis,

101

Cebrap - Advocacia Popular.indd 101 9/2/2013 7:40:43 PM


notadamente, fundos públicos dis- identificados na pesquisa estão ligados ao
ponibilizados por editais de curto financiamento. Tendo em vista as seis difi-
prazo; culdades de financiamento destacadas no
• Experiências profissionais: ao lado relatório, o fortalecimento e a ampliação da
de experiências internas à univer- defesa de direitos podem passar por distin-
sidade, a participação em estágios tos caminhos:
junto a Organizações Não Gover- • alternativas de financiamento na-
namentais e aos órgãos de litígio
cional público e/ou privado frente
do Estado, em especial o Ministério
à saída do financiamento interna-
Público, revelou-se central para um
cional do Brasil, que afeta, especial-
número relevante de entrevistados.
mente, a atividade jurídica das enti-
Fortalecer esta dimensão da forma-
dades de defesa de direitos;
ção acadêmico-profissional de es-
tudantes constitui-se, dessa forma, • alternativas jurídico-institucionais
em um potencial incentivo à forma- para solucionar eventuais entraves
ção e multiplicação de defensores burocráticos enfrentados no acesso
de direitos. A viabilização desse ao financiamento nacional público,
fortalecimento, porém, está ligada no uso e na prestação de contas re-
às condições estruturais das insti- ferentes a estes recursos;
tuições estatais e das ONGs, espe-
• a construção de incentivos para o
cialmente, no caso das últimas, no
financiamento de temáticas prete-
tocante à disponibilidade de fundos
para contratação. ridas por financiadores tradicionais;

• a estruturação de formas de finan-


8.2 EIXO SOCIEDADE CIVIL:
ciamento compatíveis com as parti-
FORTALECIMENTO E AMPLIAÇÃO DA
cularidades da atividade jurídica.
DEFESA DE DIREITOS
Em razão da sua capilaridade e varie- 8.3 EIXO ESTADO: DESENHO
dade de temas, atividades e estratégias de INSTITUCIONAL PARA PROMOVER
atuação, as entidades de defesa de direi- INTERAÇÃO
tos desempenham papéis que dificilmente
Com base nas entrevistas realizadas
podem ser subsumidos por órgãos esta-
com as entidades de defesa de direitos, nas
tais. Por isso, complementam, em diversos
formas de interação delas com o MP e a DP,
sentidos, a advocacia de interesse público
nas percepções das entidades sobre o MP
prestada pelo Estado, além de tematizarem
e a DP e nos elementos do desenho institu-
e mobilizarem as instituições oficiais a de-
cional identificados como facilitadores ou
terminados posicionamentos e atividades.
Dessa forma, fortalecer as entidades já exis- bloqueadores da interação com a socieda-
tentes e ampliar o espaço para a multipli- de civil, os seguintes eixos de política pú-
cação de organizações da sociedade civil é blica podem ser formulados:
um instrumento em potencial para o apro- • estimular a criação e a consolidação
fundamento da defesa de direitos no Brasil. de núcleos e câmaras especializa-
Os principais obstáculos ao desen- das no Ministério Público e Defen-
volvimento da defesa de direitos no País soria Pública;

102

Cebrap - Advocacia Popular.indd 102 9/2/2013 7:40:43 PM


• pensar formas de minimizar os efei- humanos seja cobrada em provas
tos negativos da importância da de concurso público;
pessoa dos membros do Ministé- • fomentar a realização de audiências
rio Público e da Defensoria Pública públicas pelo Ministério Público e
na interação com as entidades de pela Defensoria Pública nas quais
defesa de direitos, ou seja, pensar participe a sociedade civil, assim
formas de essa relação não ficar como incentivar que essas institui-
inviabilizada ou diminuída quando ções apresentem seus planos de
houver divergências políticas entre ação anuais e estejam abertos para
os membros das instituições e as debates e discussões com a socie-
entidades da sociedade civil; dade civil;

• pensar formas de haver continui- • estimular a criação e fortalecer ou-


dade do trabalho que o promotor, vidorias externas independentes;
procurador ou defensor estava rea- • fortalecer as Defensorias Públicas
lizando com as entidades de defe- com investimentos no aumento dos
sa de direitos quando eles mudam defensores em seus quadros, assim
para outro posto e são substituí- como na infraestrutura da institui-
dos; ção;

• fomentar a formação em direitos • quando for necessário, investir tam-


humanos dos promotores, procu- bém no aumento de pessoal e in-
radores e defensores, fomentar a fraestrutura no Ministério Público;
educação em direitos humanos nas • estimular a criação das Defensorias
faculdades de direito, incentivar Públicas nos estados nos quais elas
que a matéria que envolva direitos ainda não existem.

103

Cebrap - Advocacia Popular.indd 103 9/2/2013 7:40:43 PM


Cebrap - Advocacia Popular.indd 104 9/2/2013 7:40:43 PM
ANEXO I. LISTA
DE ENTIDADES
ENTREVISTADAS
Entidade Cidade
1 Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura – ACAT – Brasil São Paulo
2 Ação Educativa São Paulo
3 Acesso Cidadania e Direitos Humanos Porto Alegre
4 ANIS – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero Brasília
5 Artigo 19 São Paulo
6 ASBRAD Guarulhos
7 Assessoria Interdisciplinar e Intercultural em Direitos Humanos – AIDH Belém
8 Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – Curitiba
ABGLT
9 Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto – ABREA São Paulo
10 Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação Belo Horizonte
11 Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo – APOGLBT São Paulo
12 Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – Salvador
AATR-BA
13 Associação de Controle do Tabagismo, Promoção da Saúde e dos Direitos São Paulo
Humanos – ACT
14 Associação de Mulheres da Zona Leste – AMZOL São Paulo
15 Associação de Proteção e Defesa do Crédito do Consumidor – PRODECCON Rio de Janeiro
16 Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – Brasília
ANCED
17 Casa da Mulher Trabalhadora – CAMTRA Rio de Janeiro
18 CEDECA Ceará Fortaleza
19 CEDECA DF Brasília
20 CEDECA Interlagos São Paulo
21 Centro das Mulheres do Cabo Cabo de Santo
Agostinho
22 Centro de Apoio aos Direitos Humanos “Valdicio Barbosa dos Santos” – CADH Vitória
23 Centro de Assessoria Jurídica Popular Mariana Criola Rio de Janeiro
24 Centro de Assessoria Jurídica Universitária da UFC – CAJU-CE Fortaleza
25 Centro de Defesa da Vida e dos DH de Açailândia Açailândia
26 Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente “Monica Paião São Paulo
Trevisan” – CEDECA Sapopemba
27 Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – CEDECA – Casa Natal
Renascer
28 Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis – CDDH Petrópolis
29 Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza
Fortaleza
30 Centro de Direitos Humanos de Palmas – CDHP Palmas
31 Centro de Direitos Humanos Maria da Graça Bráz – CDH Joinville
32 Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades – CEERT São Paulo
33 Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social Recife

105

Cebrap - Advocacia Popular.indd 105 9/2/2013 7:40:43 PM


34 Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos São Paulo
35 Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo – CSDDH São Paulo
36 Cerrado Assessoria Jurídica Popular Goiânia
37 Comissão Justiça e Paz de São Paulo São Paulo
38 Comissão Pastoral da Terra – Amazonas Manaus
39 Comissão Pastoral da Terra – Regional MG Belo Horizonte
40 Comissão Pastoral da Terra – Regional Pará Belém
41 Comissão Pastoral da Terra – Regional Rondônia Porto Velho
42 Comissão Pró-Índio São Paulo
43 Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – São Paulo
CLADEM/Brasil
44 Conectas DH São Paulo
45 Conexión Migrante Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante São Paulo
46 Confederação Nacional das Entidades de Família – CNEF Brasília
47 Conselho Indigenista Missionário – CIMI Brasília
48 Cordel Vida – Centro de Orientação e Desenvolvimento de Luta pela Vida João Pessoa
49 Departamento Jurídico do Centro Acadêmico XI de Agosto – Núcleo Direito à São Paulo
Cidade – FDUSP
50 Dignitatis – Assessoria Técnica Popular João Pessoa
51 Embaixada Cigana do Brasil São Paulo
52 Escritório de Direitos Humanos de Minas Gerais Belo Horizonte
53 Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito Fortaleza
54 Escritório Experimental OAB/SP São Paulo
55 Escritório Modelo PUCSP São Paulo
56 Fundação Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião Rio de Janeiro
57 Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves – FDDHMMA João Pessoa
58 Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares – GAJOP Recife
59 Geledés Instituto da Mulher Negra São Paulo
60 Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual – GADVS São Paulo
61 Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS da Bahia – GAPA-BA Salvador
62 Grupo de Incentivo à Vida – GIV São Paulo
63 Grupo Matizes Pela Livre Expressão Sexual Teresina
64 Grupo Mulher Maravilha Recife
65 Grupo Tortura Nunca Mais Rio de Janeiro
66 Instituto Braços Aracajú
67 Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC São Paulo
68 Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência – IBDD Rio de Janeiro
69 Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte – IDC Goiânia
70 Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD São Paulo
71 Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais – POLIS São Paulo
72 Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – InGá Porto Alegre
73 ILANUD São Paulo
74 Instituto Luiz Gama São Paulo
75 Instituto Práxis de Direitos Humanos – IPDH São Paulo
76 Instituto Pro Bono São Paulo
77 Instituto Socioambiental – ISA São Paulo

106

Cebrap - Advocacia Popular.indd 106 9/2/2013 7:40:43 PM


78 Instituto Terramar Fortaleza
79 Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social São Paulo
80 Justiça Global Rio de Janeiro
81 Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais – MDC/MG Belo Horizonte
82 Movimento de Atingidos por Barragens – MAB São Paulo
83 Movimento República de Emaús Belém
84 Nuances Grupo Pela Livre Orientação Sexual Porto Alegre
85 Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária – NAJUC/UFCE Fortaleza
86 Núcleo de Assessoria Jurídica Popular “Direito nas Ruas” da UFPE – NAJUP-UFPE Recife
87 Oficina dos Direitos da Mulher São Paulo
88 Organização de Direitos Humanos Projeto Legal Rio de Janeiro
89 Organização Nacional de Cegos do Brasil – ONCB São Paulo
90 Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAAP São Paulo
91 Rede Social de Justiça e Direitos Humanos/SP São Paulo
92 Serviço de Apoio Jurídico da UFBA – SAJU/BA Salvador
93 Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da UFRGS Porto Alegre
94 Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da USP – SAJU-USP São Paulo
95 Serviço de Assessoria Jurídica Universitária Popular – SAJU/UNIFOR Fortaleza
96 Setor de Direitos Humanos do MST São Paulo
97 Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos – SMDH e Centro de São Luís
Cultura Negra do Maranhão
98 Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH Belém
99 SOMOS – Comunicação, Saúde e Sexualidade – Parte I Porto Alegre
100 SOS Ação Mulher e Família de Campinas Campinas
101 SOS Ação Mulher e Família de Uberlândia Uberlândia
102 Terra de Direitos Curitiba
103 Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero Porto Alegre

107

Cebrap - Advocacia Popular.indd 107 9/2/2013 7:40:43 PM


Cebrap - Advocacia Popular.indd 108 9/2/2013 7:40:43 PM
ANEXO II. ROTEIRO
DE ENTREVISTA

Objetivo específico da entrevista: identificar que aspectos do desenho institucional do


Ministério Público e da Defensoria Pública contribuem com ou dificultam a relação desses
órgãos com entidades de advocacia popular.

Tópicos abordados na entrevista:

1) Perfil do respondente: o que faz na entidade; experiência com o trabalho; for-


mação; por que trabalha na entidade.

2) Perfil da entidade: definição do tipo de trabalho que desenvolve (“advocacia


popular”, “litígio estratégico” etc.); áreas e temas de atuação; estratégias de atua-
ção; organização interna; financiamento.

3) Atuação judicial: identificação dos tipos de casos em que a entidade atua judi-
cialmente; como esses casos chegam à entidade; estratégias de atuação da enti-
dade.

4) Relação com a Defensoria Pública e com o Ministério Público: identificar se há


ou não experiência de relação com a DP e o MP; ilustrar com experiências concre-
tas de relação; identificar a percepção da entidade sobre pontos positivos e nega-
tivos da relação.

5) Desenho institucional/organizacional.

ROTEIRO DE ENTREVISTA:

PERFIL DO ENTREVISTADO

(A primeira pergunta é de cunho mais biográfico, para compreendermos melhor o


perfil das pessoas que trabalham em entidades de defesa de direitos.)

1. Quais aspectos da sua trajetória pessoal, profissional, acadêmica foram importantes


para você trabalhar com defesa de direitos nesta entidade?

• (Para esmiuçar, caso o entrevistado não tenha explorado na resposta) Quais pes-
soas ou instituições foram importantes nessa escolha profissional?

2. Qual trabalho desenvolve nesta entidade? Desde quando você trabalha nesta entida-
de?

3. (Para o caso de trabalhar na área de litígio da instituição) Por que optou por trabalhar
com litígio nesta entidade e não na Defensoria Pública ou no Ministério Público?

109

Cebrap - Advocacia Popular.indd 109 9/2/2013 7:40:43 PM


PERFIL DA ENTIDADE

4. Essa pergunta serve para compreendermos melhor a trajetória dessa entidade, quan-
do ela foi formada e com quais objetivos.

a. (Para esmiuçar, caso o entrevistado não tenha explorado na resposta) Quais


pessoas ou instituições foram importantes para a criação da entidade?

5. Quais atividades a entidade realiza? Qual é a atividade central? Como essas ativida-
des mudaram ao longo do tempo?

Checklist de atividades:

a) Legislativo

a. Elaboração/monitoramento de leis

b. Reforma institucional

b) Executivo

a. Acompanhamento do orçamento

b. Monitoramento de políticas públicas

c. Implementação de políticas públicas

d. Participação em Conselhos

e. Reforma institucional

c) Judiciário

a. Assessoria jurídica

b. Litígio

c. Encaminhamento de casos para outros órgãos (MP, defensorias)

d. Reforma institucional

d) Mídia

e) Comunidade

a. Educação / Formação / Capacitação

6. Em que temas a entidade atua? Como esses temas foram escolhidos? Como os temas
mudaram ao longo do tempo?

7. Como está estruturada internamente a entidade? A entidade sempre se organizou


dessa forma ou houve mudanças ao longo do tempo?

8. Quais são as principais fontes de financiamento da entidade? Como a área de litígio


da entidade é financiada? Quais são as principais dificuldades de financiamento da
entidade?

Checklist de fontes de financiamento:

a) Doações individuais

110

Cebrap - Advocacia Popular.indd 110 9/2/2013 7:40:43 PM


b) Doações de empresas

c) Fundações nacionais

d) Fundações internacionais

e) Agências bilaterais ou multilaterais

f) Recursos públicos (municipais, estaduais ou federais)

g) Prestação de serviços

h) Venda de produtos ou serviços da própria organização

ATUAÇÃO JUDICIAL

9. Quando a entidade deu início à atividade de litígio? Para que serve a atividade de
litígio? Como ela mudou ao longo do tempo? Como a estratégia de litígio se articula
com as outras atividades da entidade?

10. Em quais temas a entidade litiga? Por que litigar nesses temas? Como são escolhidos
os casos?

• (Pedir exemplos de casos mais frequentes ou mais importantes para identificar o


perfil da entidade – client-oriented ou issue-oriented – e estratégias)

11. Em quais instâncias do Poder Judiciário a entidade litiga? Por quê? A entidade recor-
re a órgãos internacionais (OEA, OIT, ONU, OMC)? Por quê?

Checklist de instâncias:

a) Justiça Cível

b) Justiça Trabalhista

c) Justiça Criminal

d) Justiça Federal

e) Tribunais Superiores

f) Processos Administrativos

g) Internacional

Checklist de ações judiciais:

a) Ação de reparação de danos e indenização

b) Ação civil pública

c) Ação popular

d) Usucapião

e) Anulatória de ato administrativo

f) Intervenção de terceiro interessado

g) Possessórias

111

Cebrap - Advocacia Popular.indd 111 9/2/2013 7:40:43 PM


h) Assistente de acusação
i) Defesa criminal. Quais crimes?
j) Mandado de segurança
l) Habeas corpus
m) Outros. Especifique:
12. Quais as principais dificuldades que a entidade encontra para realizar a atividade de
litígio?
13. A entidade se relaciona com outras entidades ou órgãos estatais na sua atuação ju-
dicial? (Em que casos?)

RELAÇÃO COM A DEFENSORIA PÚBLICA (DP) E O MINISTÉRIO PÚBLICO (MP)


14. Em que situações a entidade se relaciona com a DP? E com o MP?
Checklist de formas de interação:
a) denúncias
b) repasse de casos
c) litígio em conjunto
d) participa de audiências públicas ou conferências
e) procura influenciar a agenda de temas/casos
f) reforma institucional
g) relação de conflito
• Pedir exemplos de casos mais frequentes de interação
15. No litígio em conjunto, como é feita a divisão de trabalho? Quem define a estratégia
jurídica? Quem define o tempo/andamento do processo?
16. A relação se dá com quais órgãos da DP? E do MP? Com quais pessoas da DP? E do
MP?
17. Como você avalia a relação da DP ou do MP com a entidade?
• Pedir exemplos de casos positivos de interação com a DP e com o MP. Pedir nomes
dos defensores/promotores, dados do caso.
• Pedir exemplos de casos negativos de interação com a DP e com o MP. Pedir nomes
dos defensores/promotores, dados do caso.

DESENHO INSTITUCIONAL/ORGANIZACIONAL
18. O que poderia mudar nessa relação com a DP? E com o MP? E com a OAB?
19. O que poderia mudar no funcionamento da entidade? E quanto ao financiamento?

112

Cebrap - Advocacia Popular.indd 112 9/2/2013 7:40:44 PM


ANEXO III. TERMO
DE CONSENTIMENTO
PARA ENTREVISTA
Informação para o/a entrevistado/a

PROJETO DE PESQUISA: Pesquisa sobre a atuação da advocacia popular

RESPONSÁVEIS PELA PESQUISA: A pesquisa é realizada pelo Núcleo Direito e Democra-


cia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), coordenada por José Rodrigo
Rodriguez e Evorah Cardoso e financiada pela Secretaria de Reforma do Judiciário do Mi-
nistério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD (Proje-
to BRA/05/036 - Fortalecimento da Justiça Brasileira - Convocação nº 01/2012). Contatos:
E-mail: cebrap.advocacia.popular@gmail.com, Skype: CEBRAP_advocacia_popular.

PROPOSTA DA PESQUISA: Este projeto de pesquisa tem por objetivo estudar as entida-
des que trabalham com a advocacia de interesse público, sejam entidades da sociedade
civil, sejam órgãos de litígio do Estado, como o Ministério Público e as Defensorias Públi-
cas. Este projeto analisará o quanto a presença dos órgãos de litígio do Estado impacta
no trabalho de advocacia das entidades da sociedade civil e vice-versa. Quanto o dese-
nho institucional dos órgãos de litígio do Estado favorece ou não a mobilização social
jurídica. E o quanto a advocacia das entidades da sociedade civil repercute em termos de
tematização e reforma institucional dos órgãos de litígio do Estado e do Poder Judiciário.

FINALIDADE DA ENTREVISTA: A entrevista tem por finalidade prover informação (em


sentido amplo e compreensivo de dados, opiniões, documentos etc.) sobre a atuação
pessoal ou institucional do entrevistado/a no tema, ou de terceiros, no que for relevante.
A entrevista contribui para o desenvolvimento da pesquisa, uma vez que muitas das in-
formações buscadas não estão documentadas ou discutidas na literatura especializada.
Ademais, contribui para uma tarefa de pensar as potencialidades, limites e desafios do
trabalho das entidades de defesa de direitos e sua interação com Ministério Público e
Defensorias Públicas.

USO DA ENTREVISTA: O conteúdo será estritamente utilizado para fins acadêmicos da


pesquisa, a saber, relatórios e artigos acadêmicos. Confidencialidade: Trechos das en-
trevistas poderão ser classificados como confidenciais pelo entrevistado ao longo da en-
trevista. Se assim for manifestado expressamente abaixo, será garantida a sua confiden-
cialidade no texto do trabalho. Anonimato: A identificação do entrevistado poderá ser
resguardada. Se assim for manifestado expressamente abaixo, as transcrições e citações
indicarão apenas para que tipo de entidade o participante trabalha (universidade, clínica
jurídica, ONG, Ministério Público, Defensoria Pública, governo, agência financiadora etc.).
Conservação dos dados: Os dados coletados – gravações da entrevista, transcrições,

113

Cebrap - Advocacia Popular.indd 113 9/2/2013 7:40:44 PM


anotações e qualquer documento oferecido pelo participante – serão armazenados pela
equipe de pesquisa.

Consentimento: Eu, ______________________________, estou de acordo em participar


da pesquisa supramencionada.

Em caso de qualquer dúvida acerca da pesquisa, contatarei os coordenadores da pesqui-


sa. Assino duas cópias do presente, sendo uma para mim.

 Desejo que trechos identificados da entrevista sejam confidenciais.


 Desejo que minha identidade seja resguardada.

Assinatura do(a) participante: _________________________________

Data: ____/____/____

Assinatura do(a) entrevistador(a): ______________________________

Data: ____/____/____

114

Cebrap - Advocacia Popular.indd 114 9/2/2013 7:40:44 PM


ANEXO IV. LIVRO DE
CÓDIGOS

Grupo 1: RESPONDENTE

Pergunta: Quem é o entrevistado?

Objetivo: Coletar informações sobre a trajetória pessoal do entrevistado e


sobre o que ele faz na entidade

Aplicação:

Respondente: (livre)

Exemplos:

Respondente: Movimento Estudantil


Respondente: Extensão Universitária
Respondente: Movimento Social
Respondente: Instituição onde estudou
Respondente: Advogado
Respondente: Estágio

115

Cebrap - Advocacia Popular.indd 115 9/2/2013 7:40:44 PM


Grupo 2: ENTIDADE

Pergunta: Quem é a entidade?

Objetivo: Coletar informações sobre o perfil da entidade.

Aplicação:

Entidade: Histórico: (livre)


Entidade: Estrutura: (livre)
Entidade: Financiamento: (livre)
Entidade: Atividades: (livre)
Entidade: Temas: (livre)

Regras de aplicação:

Entidade: Histórico - Regra: aplica-se a elementos de trajetória da entidade e


questões de estrutura, atividades e temas que não são atuais;
Entidade: Estrutura - Regra: aplica-se a informações sobre a estrutura da
entidade, tais como pessoal, organização interna e estrutura física;
Entidade: Financiamento - Regra: aplica-se a informações sobre formas de
financiamento e avaliações sobre financiamento;
Entidade: Atividades - Regra: aplica-se a informações sobre os âmbitos de
atuação da entidade e aos tipos de atividades desenvolvidas. Âmbito de
atuação: Executivo, Legislativo, Judiciário, Mídia, Comunidade, etc. Tipo de
atividade: formação popular, consultoria jurídica, monitoramento de políticas
públicas etc.;
Entidade: Temas: - Regra: aplica-se a informações sobre temas/áreas de
desenvolvimento de atividades (ex.: criança e adolescente, violência, terra etc.)

Exemplos:

Entidade: Histórico: Fundada antes de 1988


Entidade: Estrutura: Equipe multidisciplinar
Entidade: Financiamento: Internacional
Entidade: Atividades: Executivo: Monitoramento de Políticas Públicas
Entidade: Atividades: Judiciário: Litígio Estratégico
Entidade: Temas: Educação

116

Cebrap - Advocacia Popular.indd 116 9/2/2013 7:40:44 PM


Grupo 3: ATUAÇÃO JUDICIAL

Pergunta: Como a entidade atua judicialmente?

Objetivo: Coletar informações sobre aspectos estruturais da atuação judicial


da entidade.

Aplicação:

Atuação judicial: Instâncias: (livre)


Atuação judicial: Seleção de casos: (livre)
Atuação judicial: Instrumentos jurídicos: (livre)

Regras de aplicação:

Atuação judicial: Instâncias – Regra: aplica-se quando há menção aos órgãos


ou instâncias de atuação judicial da entidade (ex.: internacional, tribunais,
justiça comum etc.);
Atuação judicial: Seleção de casos – Regra: aplica-se à forma de definição dos
casos em que há atuação judicial e à forma de chegada dos casos;
Atuação judicial: Instrumentos jurídicos – Regra: aplica-se quando há menção
aos instrumentos jurídicos adotados para atuação judicial (ex.: ADIn, amicus
curiae, assistente de acusação etc.)

117

Cebrap - Advocacia Popular.indd 117 9/2/2013 7:40:44 PM


Grupo 4: DEFENSORIA PÚBLICA E MINISTÉRIO PÚBLICO

Pergunta: Qual é a percepção do entrevistado sobre a DP e o MP?

Objetivo: Coletar informações sobre como o entrevistado avalia os papéis


da DP/MP, a relação desses órgãos com a entidade, e questões de desenho
institucional da DP/MP.

Aplicação:

DP: (livre)
MP: (livre)

Regra de aplicação: sempre que a DP ou o MP forem mencionados, será


aplicada uma categoria desse grupo.

Exemplos:

DP: (livre)
MP: (livre)
DP ou MP: Formas de interação: (livre)
MP ou DP: Desenho institucional: (livre)

118

Cebrap - Advocacia Popular.indd 118 9/2/2013 7:40:44 PM


REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS

ANDERSEN, Ellen Ann (2004). Out of the Closets and into the Courts: Legal Oppor-
tunity Structure and Gay Rights Litigation. Michigan: University of Michigan Press.
CARDOSO, Evorah (2012). Litígio estratégico e Sistema Interamericano de Direitos
Humanos. São Paulo: Fórum.
CASE, Rhonda E. e GIVENS, Terri E. (2010). Re-engineering Legal Opportunity Struc-
tures in the European Union? The starting line group and the politics of the racial equality
directive. Journal of Common Market Studies, v. 48, n. 2, p. 221-241.
EPP, Charles (1998). The Rights Revolution: Lawyers, Actvists, and Supreme Courts
in Comparative Perspective. Chicago: Chicago University Press.
ERRC, INTERIGHTS, MPG (2004). Strategic Litigation of Race Discrimination in Eu-
rope: from Principles to Practice. European Roma Rights Centre – ERRC, Interights, Mi-
gration Policy Group – MPG.
GALANTER, M. (1974). Why the “Haves” Come Out Ahead: Speculations on the Li-
mits of Legal Change. Law and Society Review, 9 (1).
HILSON, Chris (2002). New Social Movements: the Role of Legal Opportunity. Jour-
nal of European Public Policy, v. 9, n. 2, p. 238-255.
IHRLG (2001). Promoting Justice: a Practical Guide to Strategic Human Rights Law-
yering. Washington: International Human Rights Law Group.
JOHNSON, Louis (1991). The New Public Interest Law: from Old Theories to a New
Agenda. Public Interest Law Journal, p. 169-191.
JUNQUEIRA, E. B. (2002). Los Abogados Populares: en Busca de una Identidad. El
otro derecho, p. 193-227.
MACIEL, Débora Alves (2011). “Ação Coletiva, Mobilização do Direito e Instituições
Políticas: o Caso da Campanha da Lei Maria da Penha”. Revista Brasileira de Ciências So-
ciais, v. 26, n. 77, outubro, p. 97-111.
MCCANN, Micheal W. (1994). Rights at Work: Pay Equity Reform and the Politics of
Legal Mobilization. Chicago/London: The University of Chicago Press.
______ (2006). “Law and Social Movements: Contemporary Perspectives”. Annual
Review on Law and Social Sicence, v. 2, p. 17-38.
______ (2010). “Poder Judiciário e Mobilização do Direito: uma Perspectiva dos
Usuários”. In: DUARTE, Fernanda e KOERNER, Andrei (orgs.). Revista da Escola da Ma-
gistratura Regional Federal / Escola da Magistratura Regional Federal, Tribunal Regional
Federal da 2ª Região. Cadernos Temáticos - Justiça Constitucional no Brasil: Política e
Direito. Rio de Janeiro: EMARF - TRF 2ª Região.

119

Cebrap - Advocacia Popular.indd 119 9/2/2013 7:40:44 PM


REKOSH, Edwin; BUCHKO, Kyra A.; TERZIEVA, Vessela (Ed.) (2001). Pursuing the
Public Interest: a Handbook for legal Professionals and Activists. New York: Public Interest
Law Initiative in Transitional Societies.
SARAT, A., & SCHEINGOLD, S. (1998). Political Commitments and Professional Res-
ponsibilities. Oxford: Oxford University.
VANHALA, Lisa (2006). Fighting Discrimination Through Litigation in the UK: the
Social Model of Disability and the EU anti-discrimination Directive. In: Disability & Society,
v. 21, n. 5, agosto, p. 551-565.
______ (2011). Making Rights a Reality? Disability Rights Activists and Legal Mobili-
zation. Nova York: Cambridge University Press.
WEISSBRODT, David (1984). Strategies for Selecting and Pursuing International Hu-
man Rights Matters. In: HANNUM, Hurst (Ed.). Guide to International Human Rights Prac-
tice. Philadelphia. University of Pennsylvania Press.
WILSON, Bruce e CORDERO, Juan Carlos Rodríguez (2006). Legal Opportunity
Structures and Social Movements: the Effects of Institutional Change on Costa Rican Po-
litics. In: Comparative Political Studies, v. 39, n. 3, abril, p. 325-351.

120

Cebrap - Advocacia Popular.indd 120 9/2/2013 7:40:44 PM


Cebrap - Advocacia Popular.indd 121 9/2/2013 7:40:44 PM
Cebrap - Advocacia Popular.indd 122 9/2/2013 7:40:44 PM

Você também pode gostar