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Tecendo Direitos

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

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Tecendo Direitos

N AYAL A N UNES D UAILIBE


G UILHERME S OARES V IEIRA
ORGANIZADORES
ANIZADORES

T ECENDO D IREITOS

2020

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

© FONTE EDITORIAL

Duailibe,Nayala Nunes e Vieira, Guilherme Soares (organizadores)


Tecendo Direitos. Nayala Nunes Duailibe e Guilherme Soares Vieira
(organizadores). São Paulo. 2020. Fonte Editorial.

1. Direito Constituncional Brasileiro 2. Estudos Jurídicos 3. Direito Natural

I. Título
ISBN 978-65-87388-33-5

CDD 18a edição

Preparação: Eduardo de Proença Editor Responsável:


Eduardo de Proença
Capa: Eduardo de Proença
Conselho Editorial:
Profa. Dra. Sandra Duarte de Souza
Universidade Metodista de S.Paulo (UMESP)
Prof. Dr. Luiz Alexandre Solano Rossi
PUC-PR
Profa. Dra. Elaine Sartorelli
Universidade de São Paulo - USP
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Universidade Federal de Juiz de Fora
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Universidade Metodista de S.Paulo (UMESP)
Prof. Dr. Ricardo Quadros Gouvêa
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Tecendo Direitos

SUMÁRIO
SUMÁRIO
PREFÁCIO, 7

APRESENTAÇÃO, 11

1. ASPECTOS PRÁTICOS DO EXERCÍCIO DA LIBERDADE RELIGIOSA:


uma análise acerca da sujeição de circunstâncias fáticas e jurídicas em favor da
liberdade religiosa, 13

2. PROTEÇÃO AOS IDOSOS: abrangência do princípio da dignidade da


pessoa humana na prática social, 29

3. MULTIPARENTALIDADE: uma análise dos reflexos jurídicos na obrigação


alimentar, 49

4. JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE: uma análise da atuação do


Ministério Público na Comarca de Uruana-GO, 63

5. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: combate ao racismo e à desigualdade


social: a (in) aplicabilidade dos direitos e garantias fundamentais, 75

6. CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL COMETIDOS EM VIAS


PÚBLICAS: uma análise nos municípios de Ceres e Rialma, 85

7. O ESTUDO DOS INQUÉRITOS CIVIS E DAS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS


PROPOSTAS PELA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE URUANA-GO, 101

8 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA: o direito fundamental a identidade


genética como garantia ao princípio da dignidade humana, 117

9. RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO, 139

10. ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL: um estudo sobre a sua


influência na gestão pública, 147

11. INSTITUTO DA TRANSAÇÃO PENAL: estudo de sua aplicação no Juizado


Especial Criminal de Rialma, 161

12. DEMOCRACIA PARTICIPATIVA NO BRASIL: referendo, plebiscito e


iniciativa popular, 173

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13. ABORTO EUGÊNICO: a sua (im) possibilidade no Brasil à luz dos


dispositivos legais, 205

OS AUTORES, 219

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Tecendo Direitos

PREFÁCIO
A coletânea Tecendo Direitos segue temáticas jurídicas e
interdisciplinares que compõem a necessária pluralidade de ideias aos
estudantes, pesquisadores (as) e cientistas da área de Ciências
Humanas, Sociais e Aplicadas, dentre outras. Em treze artigos
observam-se análises críticas com imbricagens interessantes que
auxiliam, especialmente, na formação do futuro operador do Direito.
Refletem sobre o ensino superior e as diversas garantias de direito,
que mesmo na contemporaneidade, são relegados no fluxo do cotidiano
social dos indivíduos.
A presente obra evidencia tessituras fundamentadas em pesquisas
empíricas e aportes teóricos de componentes bibliográficos e pensadores
(as) significativos em relação à realidade jurídica experienciada na
sociedade contemporânea. Os artigos, ora produzidos, seguem uma
linha do conhecimento científico que é disseminado, a partir dos fatos
geradores pela não garantia de tais direitos, num continuum processo
social preestabelecido.
Os autores (as) referendados apresentam narrativas atuais com
resultados e contribuições de excelência para os mundos acadêmico e
científico, a partir de reflexões críticas que interpelam novos olhares,
novas concepções, a partir de metodologias alinhadas às
problematizações em cada proposição.
Inicialmente, é debatido acerca da rejeição de circunstâncias
fáticas e jurídicas em favor da liberdade religiosa que, embora, estejam
intrinsicamente conexos, os direitos individuais são passíveis de
desacordos pelo livre-arbítrio de cada um (a) em relação à sua religião.
É tema de discussão a questão da proteção aos idosos, observada
a proporção da garantia da dignidade humana nas experiências do
cotidiano social. Nesse sentido, é cogente a pesquisa para, a priori,
comprovar ou não, a efetividade do estado no que se refere aos direitos
e obrigações enquanto garantias junto ao público idoso.

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A multiparentalidade é desenvolvida a partir da análise dos


reflexos jurídicos quanto à obrigação alimentar. Pois, é manifesto que
na atualidade há várias discussões referentes ao instituto família, devido
aos novos arranjos familiares e, sobretudo, das famílias multiparentais.
A atuação do Ministério Público da Comarca de Uruana é
desenvolvida através de análise a partir da necessária judicialização do
direito à saúde, enquanto garantia fundamental previsto na Constituição
Federal de 1988. Assim, é função do estado democrático de direito a
consolidação dessa expectativa na garantia da dignidade da pessoa
humana, visto que a implementação de tal direito reflete na qualidade
de vida de vários cidadãos (ãs) brasileiros (as).
O combate ao racismo e a desigualdade social numa perspectiva
de inaplicabilidade dos direitos e garantias fundamentais à população
vulnerável, é temática de análise baseada na Carta Marga brasileira
enquanto garantidora de autonomia a todos (as) sem distinção de
quaisquer natureza.
Os crimes contra a dignidade sexual cometidos em vias públicas
nos municípios de Ceres e Rialma, também são discutidos a partir de
mapeamento in loco, através de questionário, de aportes teóricos e,
sobretudo, da Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 1º que
trata dos fundamentos do estado democrático de direito e, que garante
a conservação da dignidade da pessoa humana.
A obra evidencia um estudo circunstanciado sobre os inquéritos
civis e das ações civis públicas propostas pela Promotoria de Justiça
de Uruana, notadamente, através dos procedimentos administrativos e
das ações civis públicas, legitimando-a enquanto defensora dos
interesses da coletividade. Nesse viés, a análise reflete a legitimidade
da infraconstitucionalidade através de seu microssistema, em defesa
dos interesses da coletividade, por intermédio dos institutos
extrajudiciais e das ações civis públicas.
É mister também as reflexões sobre a reprodução humana
assistida enquanto direito fundamental à identidade genética como

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Tecendo Direitos

garantia ao princípio da dignidade humana. Sabe-se que as mudanças


nas relações sociais introduziram na sociedade novas concepções de
famílias. E, com o avanço da medicina biotecnológica, problemas como
infertilidade ou esterilidade, deixaram de ser um obstáculo para a
realização do planejamento familiar.
Ademais, a responsabilidade civil no direito brasileiro é instaurada
na medida em que ocorre a conduta danosa a terceiros, a qual está no
prejuízo causado e no dever de reparação. A análise ocorre partir da
realidade daquele que prejudica de alguma forma e que deve ressarcir
de acordo com seus interesses e na qualidade de regresso à situação
anterior ao dano causado. É desenvolvida do ponto de vista teórico e
da sua aplicabilidade sob a ótica do direito brasileiro.
É temática de discussão o instituto do estado de coisas
inconstitucional que é parte do Direito Constitucional com reflexos no
Direito Penal, Ambiental e Direitos Humanos, entre outros. Ademais, é
refletido seus impactos nas áreas sociopolítica, econômica e educacional,
que talvez tenha gerado reflexões jurídicas importantes, especialmente,
quanto aos conflitos presentes entre os poderes da União.
O instituto da transação penal é avaliado sob a ótica do Juizado
Especial Criminal do município de Rialma que averigua como a realidade
da concessão do benefício através da Lei 9.099/95, está sendo
cumprida, considerando a celeridade, economia processual, oralidade,
simplicidade e a informalidade necessárias para um proveitoso
andamento dos procedimentos sumaríssimos.
A democracia participativa no Brasil, através de referendos,
plebiscitos e de iniciativas populares é discutida nesta obra e, busca
analisar a forma de governo mais utilizada pela humanidade na
sociedade contemporânea. Para tais discussões a proposta é dividida
em temáticas que evidenciam as acepções gerais sobre a democracia
e sua formação histórica, as espécies de democracia e, por fim, a
exposição de um Brasil enquanto exemplo de aproximação entre a
tirania e a democracia.

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E, finalmente, o aborto eugênico e sua impossibilidade à luz dos


dispositivos legais no Brasil é ideia de análise cogente para concluir
esta obra, pois, trata-se de um tipo de aborto quase não conhecido e
de intenso impacto social. Além disso, remetem às decisões sobre vidas
humanas, sob a ótica de quem vive e de quem morre, fundamentados
nas feições eugênicas do feto que estão intrinsecamente, imbricadas à
genética que investiga o ser humano perfeito sem anomalias.
Após realizar a leitura analítica dos artigos que compõe o presente
livro, garante-se aos leitores (as) e autores (as) desta obra, textos com
reflexões jurídicas atualizadas e conexas à realidade contemporânea.
É mister observar que trata-se de produções em nível de graduação
com interfaces às suas problemáticas e objetos desenvolvidos por cada
autor (a) e, numa maioria, orientados por um professor (a) do Núcleo
de Trabalho de Curso (NTC) do curso de Direito da UniEvangélica
Campus Ceres.
E, em tempos de mudança de época com a presença de uma sociedade
líquida na visão de Bauman, com sujeitos descentrados em Stuart Hall e dos
hibridismos acentuados nas relações sociais e culturais é mister recomendar esta
obra a todos (as) amantes da leitura, bem como a todos os estudantes de direito
Brasil a fora. Boa leitura a todos (as)!

PROFº MS. VALDIVINO JOSÉ FERREIRA


Pesquisador, professor e coordenador pedagógico do curso de Direito da UniEvangélica
Campus Ceres.

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APRESEN
APRESENTTAÇÃO
Em 2019, o Núcleo de Trabalho de Curso da graduação de
Direito passou por mudanças regulamentares drásticas. Pela primeira
vez, foram instituídas linhas de pesquisa em parceria com o Núcleo de
Pesquisa, coordenado pela professora Nayala Duailibe. Pela primeira
vez, a escolha do orientador pelo aluno foi baseada única e
exclusivamente no material a ser escrito por ele.
Como é de praxe, as dificuldades aparecem aos pioneiros de
qualquer empreitada. Ser titular da primeira vez não é algo fácil.
Especialmente quando isso implica em grandes alterações no modo de
fazer já conhecido. No semestre 2019.2, as submissões das verificações
aprendizagem foram alteradas para o modo online, o acadêmico precisou
se acostumar a cumprir um prazo que não pode ser estendido, o que
certamente é um treino para o porvir profissional que o aguarda.
Ao final de 2019, e tendo em vista as dificuldades tidas, chegamos
a ouvir - Nayala e eu - que talvez fosse necessário retroceder um
pouco, ou dar mais tempo para que os alunos se ajustassem a nova
situação. Pelo contrário, o nosso pensamento é de que se o aluno tem
dificuldades, deve fazer mais daquilo, não menos. Deve ter a
oportunidade de praticar, de masterizar a ação e conduzir-se com
facilidade.
Para 2020.1, isso foi o que aconteceu. Escolha de linha de
pesquisa? On-line. Escolha do orientador? On-line. Cartilha com
instruções para o TC? On-line. Submissões de trabalhos? On-line. De
fato, houve resistência, mas Deus em infinita sabedoria, nos firmou
nessa posição, e agora, há meses com aulas presenciais suspensas,
sabemos que se tudo não houvesse começado em 2019, não teríamos
finalizado 2020.1.
Os trabalhos compilados nesse livro são mais que monografias
de graduandos, são trabalhos forjados em dificuldade e falta de recurso,

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em um momento de transição em dois planos - no NTC e no NP, e no


mundo.
Os trabalhos aqui compilados são o fruto daquilo que nós,
professores, mais amamos: o sucesso de nossos alunos.

PROFESSORA MA. MARINA TEODORO


Coordenadora do Trabalho de Curso

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1 A SPEC
SPECTT OS PRÁT ICOS DO
PRÁTICOS
EXER CÍCIO D
EXERCÍCIO DAA LIBERD
LIBERDADEADE
RELIGIOS A: UMA ANÁLISE ACERCA DA
RELIGIOSA:
SUJEIÇÃO DE CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS E
JURÍDICAS EM FAVOR DA LIBERDADE RELIGIOSA

BEATRIZ CUNHA DUARTE


NAYALA NUNES DUAILIBE

INTRODUÇÃO
A liberdade religiosa e a consequente relação que essa detém
com os demais direitos fundamentais é compreendida no sentido de
que o seu livre exercício representa a individualidade inerente a todo
cidadão, sendo, além do mais, representação máxima do vigente Estado
Democrático de Direito. Nesse compasso, torna-se, pois, inevitável a
confluência de crenças diversas determinando as relações humanas, o
que, por via de consequência, possibilita constatar-se a previsibilidade
da colisão de princípios basilares do Estado ambiente dessas relações1.
Noutras palavras: apesar de intrinsicamente correlacionados com a
liberdade religiosa, direitos individuais estão passíveis de serem
contrariados pelo livre exercício da autodeterminação do indivíduo em
relação a religião.
É cediça a indubitável influência gerada, ao longo dos tempos, pelo
fenômeno religioso em detrimento do processo de criação de normas e a
efetiva aplicação de suas disposições. Não obstante a essa realidade, no
mesmo desenrolar dos anos consolidou-se o ideal de racionalidade e
secularização, deixando a religião, por via de consequência, de ser uma
fonte de legitimidade2. Consagrou-se, então, a

[...] emancipação do homem em relação à autoridade divina, passando


então a ciência jurídica a adotar como nova fonte de legitimação a vontade

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da coletividade, que é materializada através de seus representantes eleitos,


no caso de um regime democrático, pelo pacto social. (CARVALHO &
MATEUS, 2016, p. 96).

Nessa esteira de pensamento, importante se faz elencar algumas


considerações. Em que pese a tentativa ao longo da história de garantir-se
uma ciência pura, imaculada de influências de quaisquer vertentes e
fenômenos externos, percebe-se que a tentativa restou infrutífera no que
diz respeito, especialmente, às ciências sociais e jurídica. Facilmente ainda
pode-se constatar resquícios da influência do fenômeno religioso no atual
sistema jurídico brasileiro3, seja na concepção das normas, seja na aplicação
propriamente dita do direito. Por assim ser, Direito e religião ainda guardam
significativa relação, à medida que se observa, por exemplo, os provimentos
judiciais contemporâneos, e até mesmo pretéritos.
Por ter-se um Estado enquanto organização cujo referencial é o
ser humano, é inconteste a afirmativa de que o princípio da dignidade
da pessoa humana comporta-se como norte da aplicação do Direito.
Contrárias ao fundamento estabelecido pela própria Constituição
Federal4 não seriam as situações de conflito entre os direitos individuais,
ao passo que, na execução de seus deveres enquanto operadores do
Direito, devem os julgadores demasiadamente prezarem pela
aplicabilidade desse princípio, que “está no âmago do ser humano,
sendo uma prerrogativa de todas as pessoas, sem distinção de crença,
raça, cor ou qualquer outra forma de discriminação” (CARVALHO &
MATEUS, 2016, p. 101).
A seguir, pontua-se situações de sujeições, onde observou-se,
no contexto fático, a liberdade religiosa prevalecendo de tal modo que
as circunstâncias daquela situação específica se adequaram para que
fosse possível seu efetivo exercício. Ressalta-se, pois, que a escolha
dos casos – que se deu mediante a análise de entendimentos
jurisprudenciais – levou em consideração a necessidade de estarem
sedimentados no ideal de se garantir à relação jurídica certo equilíbrio
e de se alcançar o fim social das normas.

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2. CONSIDERAÇÕES QUANTO AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE OU


PROPORCIONALIDADE
Para que que se vejam alcançados o equilíbrio da relação jurídica
e o fim social das normas, se torna imprescindível que, especialmente
na seara jurisdicional, atentem-se os operadores do Direito quanto à
necessidade de obediência ao princípio da razoabilidade ou
proporcionalidade. Referido princípio, apesar de não contar com
previsão expressa na Constituição Federal, é um postulado
constitucional implícito cuja sede material encontra-se no princípio do
devido processo legal, esse estabelecido no inciso LIV do art. 5º da
Carta Política de 19885. Para efetivação da aplicação do princípio da
razoabilidade ou proporcionalidade no mundo jurídico, deve-se, pois,
considerar seus três subprincípios dele decorrentes, quais sejam

[...] adequação [...] significa que qualquer medida que o Poder Público
adote deve ser adequada à consecução da finalidade objetivada, ou seja,
[...] o meio escolhido há de ser apto a atingir o objetivo pretendido. [...]
o pressuposto de necessidade significa que a adoção de uma medida
restritiva de direito só é válida se ela for indispensável para a manutenção
do próprio ou de outro direito [...] o juízo de proporcionalidade em
sentido estrito somente é exercido depois de verificada a adequação e
necessidade [...]. Confirmada a configuração dos dois primeiros
elementos, cabe averiguar se os resultados positivos obtidos superam as
desvantagens decorrentes da restrição a um ou outro direito [...]. [...]
traduz a exigência de que haja um equilíbrio, uma relação ponderada [...]
(PAULO & ALEXANDRINO, 2016, p. 173). (Grifo).

Isto é, quando da averiguação dos casos concretos, que os


operadores do Direito, munidos da técnica hermenêutica de ponderação
de valores e objetivando coibirem eventuais decisões amarrotadas de
formalismo, direcionem seus esforços a fim de se garantir a aplicação
dos direitos fundamentais dos cidadãos e se evitar a prolação de
sentenças – e afins – em dissonância ao que dita a Justiça6. A
aplicabilidade do princípio da razoabilidade e proporcionalidade
representa, portanto, a concretização da equidade de tal modo que o

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operador do Direito, no exercício de suas atribuições, deve adotar a


solução que perfeitamente se conforme às circunstâncias fáticas e
jurídicas de cada caso em análise7.

3. DAS SUJEIÇÕES
3.1 DA PRISÃO DOMICILIAR E FREQUÊNCIA A CULTOS NOTURNOS
Em sede de Recurso Especial interposto perante o Superior
Tribunal de Justiça, um recorrente, do estado de Tocantins, o fez em
face de acórdão que não deu provimento ao seu Agravo em Execução
Penal cujas razões recursais indicavam a violação aos preceitos do art.
24 da Lei de Execução Penal, pugnando, finalmente, pela reforma do
acórdão e concessão do direito de frequência a cultos religiosos.
Observando-se a realidade do recorrente quando da interposição do
recurso, aquele encontrava-se em prisão domiciliar com monitoramento
eletrônico em razão da ausência de local apropriado para cumprimento
da pena em regime semiaberto.
Acerca da questão da ausência de local apropriado para os
presos do regime intermediário (isto é, semiaberto), necessárias se
fazem algumas ponderações. Inicialmente, diante de preceitos
fundamentais consolidados na Constituição Federal, como princípios
da individualização da pena8 e da legalidade9, não há que se falar em
manutenção de condenado em um regime mais gravoso em decorrência
da falta de estabelecimento penal adequado, isto conforme decisão
exarada pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº
641.320, que originou a Súmula Vinculante 5610 consolidando o referido
entendimento.
Atentando-se às disposições estabelecidas no julgamento do
Recurso Extraordinário, esse assim determinou

[...] c) havendo déficit de vagas, deverá determinar-se: (i) a saída


antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade
eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai
antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas;

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(iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao


sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas
as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida prisão
domiciliar ao sentenciado (BRASIL, 2016, p. 04). (Grifo).

Com vistas especialmente à realidade do recorrente em sede do


Recurso Especial anteriormente comentado, constata-se que ele se
enquadra na disposição do inciso II do item “c” delineado nos ditames
do Recurso Extraordinário. Quer dizer, uma vez evidenciada a ausência
de vaga para cumprimento no regime semiaberto, legal e obediente
aos preceitos fundamentais foi a determinação do juiz de primeira
instância ao estabelecer que o reeducando cumprisse sua pena em
prisão domiciliar, sendo esse devidamente monitorado por meio
eletrônico.
Feitas as ponderações necessárias, analisar-se-á em seguida o
enfoque das razões recursais do Recurso Especial interposto: o exercício
da liberdade religiosa. Como fundamento de suas razões, o recorrente
respaldou-se na previsão trazida pelo art. 24 da Lei de Execução Penal,
que garante a assistência religiosa com liberdade de culto aos presos e
internados, de tal forma que permite aos mesmos a participação nos
serviços desenvolvidos dentro do estabelecimento prisional. Todavia,
como assinalado em linhas anteriores, o recorrente foi beneficiado com
a prisão domiciliar combinada ao monitoramento eletrônico e normas
de condutas em virtude da ausência de vagas na unidade prisional, e,
diante da medida adotada, restou impossibilitado de participar de
eventuais serviços religiosos desenvolvidos dentro do estabelecimento
prisional e, consequentemente, de exercer sua fé.
Diante do petitório exarado pelo recorrente, o juiz e tribunal a
quo manifestaram-se unanimemente, quando do Agravo em Execução
Penal, no sentido de que

[...] permitir que o reeducando se ausente de sua residência em período


noturno, estando ele cumprindo a pena em prisão domiciliar, quando

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poderia estar cumprindo a pena nas condições do regime semiaberto,


mesmo que para fins religiosos, seria por demais benéfico ao reeducando
e não atenderia às finalidades da pena (BRASIL, 2019a, p. 03)

Enfatizaram ainda a dificuldade que originaria o deferimento do


pedido em relação à fiscalização das atividades por meio do
monitoramento eletrônico e a eventual abertura de precedente “para
que outros reeducandos requeiram autorização para frequentar
atividades religiosas ou outras atividades que considerem
ressocializadoras” (BRASIL, 2019a, p. 04). À vista disso, em que
pese a acertada decisão do juiz de primeiro grau em deferir o
cumprimento da pena pelo recorrente em prisão domiciliar, contrária
foi aos preceitos fundamentais seu posicionamento diante do petitório
para exercício da liberdade religiosa, uma vez que, nas palavras do
Relator do Recurso Especial, “o cumprimento de prisão domiciliar não
impede a liberdade de culto, quando compatível com as condições
impostas ao reeducando, atendendo à finalidade ressocializadora da
pena” (BRASIL, 2019a, p. 01).
Quando oportunizado parecer ao representante do Ministério
Público Federal, esse devida e coerentemente manifestou-se a fim de
ver o pleito atendido. Em primeiro lugar, manifestou de acordo com as
razões apresentadas porque, como anteriormente dito, se recolhido
em estabelecimento prisional “o recorrente teria a possibilidade de, na
prisão, exercer sua religiosidade, o que não acontece, necessariamente,
em sua residência, considerando a importância, nas diversas religiões,
do local do culto coletivo” (BRASIL, 2019a, p. 05). Ademais,
considerou como compatível à realidade da prisão imposta ao recorrente
o controle de cumprimento do horário para frequência aos cultos, já
que esse fora submetido ao monitoramento eletrônico, de tal forma
que seria, então, viável a fiscalização e delimitação da área a ser
frequentada.
A sexta turma, ao apreciar o feito na sessão de julgamento e
analisar minuciosamente o caso concreto, entendeu como proporcional

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e adequado à ressocialização do reeducando dar parcial provimento


ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Presidente, cuja
fundamentação se deu conforme ementa, in verbis

RECURSO ESPECIAL. CONFLITO ENTRE NORMAS. PRISÃO


DOMICILIAR. FREQUÊNCIA A CULTO RELIGIOSO DURANTE
O PERÍODO NOTURNO. RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO.
1. O cumprimento de prisão domiciliar não impede a liberdade de culto,
quando compatível com as condições impostas ao reeducando, atendendo
à finalidade ressocializadora da pena. 2. Não havendo notícia do
descumprimento das condições impostas pelo juízo da execução, admite-
se ao executado, em prisão domiciliar, ausentar-se de sua residência para
frequentar culto religioso, no período noturno. 3. Considerada a
possibilidade de controle do horário e de delimitação da área percorrida
por meio do monitoramento eletrônico, o comparecimento a culto
religioso não representa risco ao cumprimento da pena. 4. Recurso especial
parcialmente provido para permitir ao reeducando o comparecimento a
culto religioso às quintas e domingos, das 19h às 21h, mantidas as
demais condições impostas pelo Juízo das Execuções Criminais.11

Diante dos termos do acórdão, na presente realidade fática


delineada acha-se em evidência o atendimento e consequente aplicação
do princípio basilar do Estado democrático de Direito: o princípio da
dignidade humana. Isto posto porque sem efeito se acharia as
disposições constitucionais garantidoras da liberdade de crença se
tolhido o direito de manifestá-la através de ritos como a frequência aos
locais de culto.
Assim sendo, evidencia-se a sujeição de determinadas normas à
liberdade religiosa, da sorte que essa prevaleceu como garantidora da
individualidade de cada cidadão, não deixando os fundamentos exarados
pelo Sr. Ministro Presidente de observarem os princípios da
proporcionalidade ou razoabilidade, uma vez que o posicionamento
jurisprudencial atingiu o objetivo pretendido através de uma medida
que preservou o direito violado, não apresentando desvantagens a
outros direitos ou exigências normativas.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

3.2 DA REPRESSÃO ÀS CONDUTAS DE HOMOTRANSFOBIA E O DISCURSO


RELIGIOSO
As liberdades de expressão e pensamento são garantias
consolidadas na vigente Constituição Federal de 1988, cujas previsões,
respectivamente, podem ser observadas nos incisos IX e IV de seu
art. 5°. A liberdade de pensamento, nos dizeres de Cunha Júnior (2009)
consubstancia-se na faculdade de “expressar juízos, conceitos,
convicções e conclusões sobre alguma coisa”. Como uma decorrência
lógica da liberdade de pensamento, consolida-se a liberdade de
expressão, que, por sua vez, ostenta um viés intelectual, artístico,
científico e de comunicação12. Referidas liberdades, ressalta-se, hão
de convenientemente estar atreladas à existência de limites morais e
jurídicos, sendo que, havendo manifestações de cunho imoral e
desrespeitoso, estarão passíveis de incorrer em ilicitude penal e/ou cível.
Doutra sorte não gozariam as manifestações de cunho religioso
que, no exercício da liberdade religiosa (também garantida dentre os
direitos fundamentais do cidadão), externam juízos de valor,
pensamentos e convicções em consonância àquilo que acreditam e,
consequentemente, pregam13 aos seus seguidores e fiéis. À vista disso,
não há que se contestar, portanto, que eventuais pronunciamentos de
caráter religioso fadados a estimular o desrespeito, de qualquer
natureza, serão reprimidos, isso com o intuito de se prevalecer os
direitos de igualdade e não-discriminação.
Estreitamente relacionado ao viés em comento – isto é, a liberdade
de expressão e pensamento e o pronunciamento de natureza religiosa
– está o recente entendimento registrado pelo Supremo Tribunal
Federal no que concerne à aplicabilidade da Lei nº 7.716/89 (que
trata dos crimes de preconceito de raça, cor e afins) para punir as
condutas homofóbicas e transfóbicas. O entendimento restou
materializado no Informativo de n° 944 do referido Tribunal, o qual,
dentre outros temas de relevância considerável, entendeu que “as
condutas homofóbicas e transfóbicas [...] ajustam-se, por identidade

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Tecendo Direitos

de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de


incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08.01.1989” (DIZER
DIREITO, 2019, p. 10), isso considerando a omissão de lei sobrevinda
do Congresso Nacional tratando especificamente o tema.
A correlação existente entre o conhecimento registrado pelo
Supremo Tribunal Federal e o exercício da liberdade religiosa
materializasse no conflito previsivelmente a ser gerado pelo
reconhecimento das condutas homofóbicas e transfóbicas como crime
e o fato de que existem segmentos religiosos que condenam práticas
dessa natureza. Isto é, a exemplo do cristianismo, em seus ensinamentos
que são perpassados de geração a geração discursa-se que práticas
homossexuais, seja a relação sexual propriamente dita ou o sentimento
afetivo pelo sexo oposto, representam violação aos mandamentos
cristãos, sendo elas ainda consideradas antinaturais e pecaminosas,
que desvirtuam a ordem biológica e previamente estabelecida pelo
Criador14.
Por assim ser, apesar de segmentos religiosos manifestarem-se
inconformados às práticas/opções homossexuais e de transgêneros, e de
surtir o discurso de ódio em potencial com a exteriorização de seus ideais,
o entendimento jurisprudencial consolidado cuidou notavelmente de não
limitar esses discursos em relação ao tema, isso porque, explica-se,

2. A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe


ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a
denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes,
pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes
das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de
pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por
qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas
convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos
sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação
doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e
praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do
espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva [...].
(DIZER DIREITO, 2019, p. 10) (grifo)

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

Independente da esfera social ou cultural, se é garantido aos


cidadãos a liberdade de expressão, liberdade de externar suas
convicções e crenças. No entanto, como já discorrido anteriormente,
o discurso encontra limitações, não sendo toleradas manifestações que
promovam a hostilidade e que, direta ou indiretamente, discriminem
outrem ou um grupo social. Nessa esteira, o então guardião da
Constituição, Supremo Tribunal Federal, prezando pela concretização
da garantia de liberdade de crença e expressão, não se esquecendo
tampouco de observar o princípio da dignidade humana, assim
pronunciou-se: “[...] desde que tais manifestações não configurem
discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem
a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão
de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero” (DIZER
DIREITO, 2019, p.10).
Importante frisar, por fim, que

essas práticas não configuram delitos contra a honra, porque veiculados


com o intuito de divulgar o pensamento resultante do magistério
teológico e da filosofia espiritual que são próprios de cada uma dessas
denominações confessionais. Tal circunstância descaracteriza, por si só, o
intuito doloso dos delitos contra a honra, a tornar legítimos o discurso
e a pregação como expressões dos postulados de fé dessas religiões.
(DIZER DIREITO, 2019, p.17)

Quer dizer, dado que “a liberdade religiosa faz parte do regime


democrático e não pode nem deve ser impedida pelo poder público
nem submetida a ilícitas interferências do Estado” (DIZER DIREITO,
2019, p.17), esse unicamente cuida dos eventuais excessos causados
pelos discursos que por ventura venham promover ofensa à dignidade
humana. Não há, portanto, que se falar em restrição ou repressão à
liberdade de consciência e crença quando essas exclusivamente refletem
seus ideais, lições e convicções nos discursos entre seguidores dessa
ou daquela religião. Vê-se, então, com o ilustre entendimento
consolidado no Informativo de nº 944, direitos fundamentais

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Tecendo Direitos

assegurados de tal maneira que, cuidadosamente, fora alcançado o


ideal de proporcionalidade e razoabilidade necessário em temáticas
desse viés, distando, pois, com a medida adotada, transgressão a outro
princípio/direito igualmente dotado de importância.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em consideração as situações apontadas e suas respectivas
observações críticas, impreterível é o caráter da conveniência de se
afirmar que os operadores do Direito têm a incumbência de orientar
seus serviços prestados à sociedade com o objetivo de assegurar a
aplicabilidade máxima dos direitos fundamentais inerentes a todo e
qualquer cidadão. Não obstante a essa premissa, desponta-se a
imprescindibilidade de ponderação, pelos operadores, de valores
morais e sociais nas decisões que tenham como objeto de debate a
concorrência conflitante entre o direito à liberdade religiosa e outro
direito fundamental tão relevante quanto.
Há de se convencionar, ademais, em vista do discorrido, que,
havendo situações de excepcionalidade considerável, presume-se
como medida de inteira equidade a supressão do direito que grupos
de fiéis têm de “exercer a opção pela liturgia imposta por sua convicção
íntima de fé” (VIEIRA & REGINA, 2018, p. 94) para que se obste
potencial mácula irreversível à coletividade. Esse argumento delineia-
se na indispensável observância se eventual posicionamento a ser
adotado ocasiona resultados positivos que superam as desvantagens
em restringir um dos direitos em conflito.
Nas situações apontadas, especificamente, em um esforço de
assegurar a aplicabilidade máxima dos direitos fundamentais, e ainda
cuidadosos quanto à indispensabilidade de se satisfazer o dever de
obediência ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade, os
posicionamentos se deram a fim de preservar e certificar a possibilidade
do exercício da convicção íntima dos fiéis em questão. Esses
posicionamentos, dando-se o necessário destaque, não apresentaram

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

desvantagens ou mácula a outros direitos ou exigências normativas


igualmente dotados de importância, mas representaram, também, medida
de inteira equidade e consoante aos ideais de Justiça.

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Tecendo Direitos

NOTAS
1
VIEIRA, Thiago Rafael; REGINA, Jean Marques. 2018, p.92 e 93.
2
CARVALHO, Wanderley Teixeira de; MATEUS, Sergio. 2016, p.96.
3
Exemplo notório e simples é o encontrado no preâmbulo da Constituição Federal que,
ao dispô-lo, traz a premissa de “sob a proteção de Deus”. Ademais, tem-se, como
sabido, os feriados religiosos demarcados no calendário brasileiro, que, destaca-se,
muitos deles têm abrangência nacional.
4
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados
e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos:[...]III – a dignidade da pessoa humana;[...]
5
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. 2016, p. 172.
6
CARVALHO, Wanderley Teixeira de; MATEUS, Sergio. 2016, p. 103.
7
Afirmações baseadas nas lições de Ramos (2012, p. 141 citada por CARVALHO e
MATHEUS, 2016, p. 103).
8
Com previsão no inciso XLVI do art. 5º. Leia-se: “XLVI – a lei regulará a individualização
da pena [...].
9
Com previsão no inciso XXXIX do art. 5º. Leia-se: “XXXIX – não há crime sem lei
anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
10
In verbis, assim preceitua: “A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza
a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar,
nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS”.
11
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.788.562 – TO (2018/
0336644-3). RECURSO ESPECIAL. CONFLITO ENTRE NORMAS. PRISÃO
DOMICILIAR. FREQUÊNCIA A CULTO RELIGIOSO DURANTE O PERÍODO
NOTURNO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Recorrente: Washington
Alves Ribeiro. Recorrido: Ministério Público Do Estado Do Tocantins. Relator: Min.
Nefi Cordeiro, Brasília, 17 de dezembro de 2019. Disponível em: https://
www.conjur.com.br/dl/preso-regime-domiciliar-frequentar.pdf. Acesso em: 17 abr. 2020.
12
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. 2009, p. 666.
13
Como “pregar” entenda-se, pois, o ato de externar os ideais, convicções e juízos que
determinado líder religioso o faz para com os seus seguidores.
14
Ensinamentos sobre o assunto da concepção cristã em relação ao homossexualismo
são encontrados em Homossexualidade: Uma perspectiva bíblica | Rev. Augustus
Nicodemus. Goiânia, [s.n.], 2016. 1 vídeo (54 minutos). Publicado pelo canal Primeira
Igreja Presbiteriana de Goiânia. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=Yllv9zYCiq8. Acesso em: 24 abr. 2020, onde o autor e pastor presbiteriano
Augustus Nicodemus Lopes esmiúça como se dá a visão cristã sobre o tema. Considera-
se, pois, uma prática pecaminosa cuja origem é a concupiscência, a corrupção, do
próprio coração do homem, que o desvirtua a uma perversão da ordem natural das
coisas. Entretanto, ressalta, por fim, que, apesar de considerada uma conduta torpe à
luz de seu livro guia, a Bíblia (mas especificamente, por exemplo, nos versículos 26 e 27
do capítulo 1 do livro de Romanos), os fiéis não encontram respaldo para menosprezarem
e discriminarem homossexuais e transgêneros; antes, prega-se a tolerância, não se
consentindo com a opção sexual daqueles, mas reconhece-se que também há perdão e
libertação para esses sujeitos em Cristo Jesus.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

REFERÊNCIAS

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.788.562 – TO


(2018/0336644-3). RECURSO ESPECIAL. CONFLITO ENTRE NORMAS.
PRISÃO DOMICILIAR. FREQUÊNCIA A CULTO RELIGIOSO DURANTE O
PERÍODO NOTURNO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Recorrente:
Washington Alves Ribeiro. Recorrido: Ministério Público Do Estado Do
Tocantins. Relator: Min. Nefi Cordeiro, Brasília, 17 de dezembro de 2019.
Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/preso-regime-domiciliar-
frequentar.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2020.
______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 641.320 Rio
Grande do Sul. Constitucional. 2. Direito Processual Penal. 3. Execução Penal.
4. Cumprimento de pena em regime menos gravoso, diante da impossibilidade
de o Estado fornecer vagas para o cumprimento no regime originalmente
estabelecido na condenação penal. 5. Violação dos artigos 1º, III, e 5º, II, XLVI
e LXV, ambos da Constituição Federal. 6. Repercussão geral reconhecida.
Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Recorrido:
Luciano da Silva Moraes. Relator: Min. Gilmar Mendes, Brasília, 11 de maio de
2016. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
paginador.jsp?docTP=TP&docID=11436372>. Acesso em: 22 abr. 2020.
______. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal.
Brasília, 11 de julho de 1984. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/l7210.htm. Acesso em: 22 abr. 2020.
______. Lei nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes
de preconceito de raça ou de cor. Brasília, 05 de janeiro de 1989. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm>. Acesso em: 24 abr. 2020.
______. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Informativo STF nº 944. 2019.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/
informativo944.htm>. Acesso em: 17 abr. 2020.
______. Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Promulgação. Brasília, 6 jul. 1992.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/
d0592.htm>. Acesso em: 4 maio 2020.
CARVALHO, Wanderley Teixeira de; MATEUS, Sergio. CONFLITO DE
DIREITOS FUNDAMENTAIS: dignidade da pessoa humana e direito à vida – a
influência do fenômeno religioso no direito. Revista Ambiente: Gestão e
Desenvolvimento, Roraima, v. 9, n. 2, p. 93-113, dez. 2016. Disponível em: <https:/
/doaj.org/article/322d2f079a614c0b8e5e8f5200b965cc>. Acesso em: 17 abr. 2020.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. Salvador:
JusPODIVM, 2009.
DIZER DIREITO. Informativo comentado 944 STF. 2019. Disponível em: <https:/
/www.dizerodireito.com.br/2019/07/informativo-comentado-944-stf.html>.
Acesso em: 17 abr. 2020.

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Tecendo Direitos

ODY, Cesi Cristiani. Liberdade religiosa e constrangimento ilegal: os casos de


transfusão de sangue nas testemunhas de jeová. 2009. 187 f. Dissertação
(Mestrado) - Curso de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Estado do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. Disponível em: <http://
repositorio.pucrs.br/dspace/handle/10923/1900>. Acesso em: 17 abr. 2020.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional
Descomplicado. 15. ed. São Paulo: Método, 2016.

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Tecendo Direitos

2 PROT
PROT EÇÃO A
OTEÇÃO OS IDOSOS:
AOS
ABRANGÊNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA NA PRÁTICA SOCIAL

IRLANE XAVIER DE MENDONÇA


NAYALA NUNES DUAILIBE

INTRODUÇÃO
As diretrizes propostas consistem num estudo de caso sobre a
eficácia da proteção aos idosos com direitos específicos no âmbito
social previstos em lei, tanto pelo Estatuto do Idoso, Lei 10.741/2003,
quanto como pela Constituição Federativa do Brasil de 1988, aludindo
questões da falta de aplicabilidade desses direitos, as dificuldade e
deficientes enfrentadas, bem como abordar a questão dos institutos e
benefícios para essa faixa etária.
É de suma importância, a investigação de determinados interesses
populacionais de tal grupo, para que possamos fiscalizar e
consequentemente comprovar a indubitabilidade do Estado, no que
desrespeito aos seus deveres e obrigações destinadas ao público idoso.
De forma que compreenda as dificuldades e mazelas existentes e as
benfeitorias que os projetos podem fazer para essa classe, mostrando
a possibilidade de revitalizar a autoestima do idoso.
Outrossim, abordaremos a importância da aplicabilidade dos
direitos dos idosos na prática social, impulsionam prováveis
inviabilidades quanto eventuais deficiências possam acontecer na
aplicação desses direitos, assim, destacando provimentos constitucionais
como a Seguridade Social e suas abrangências.
Não obstante, será exposto as benfeitorias que os projetos podem
trazer as pessoas idosas, trazendo uma perspectiva mais abrangente
sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, em uma ótima mais
ampla e humana.

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2. APLICABILIDADE DOS DIREITOS AOS IDOSOS NA PRÁTICA SOCIAL


Os conteúdos abordados nesse trabalho terão como fundamento
os atritos que relacionam a aplicabilidade das normas que abrangem a
proteção aos idosos, de forma que as mazelas, brechas e déficits que
influenciam no cumprimento e a efetividade desses direitos e como o
princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, BRASIL/1988)1
é preservado. Diante disso, discutiremos sobre as consequências e
deficiências na prestação previstas em lei no âmbito social.

2.1 CONSEQUÊNCIA DA FALTA DE APLICABILIDADE DOS DIREITOS AOS


IDOSOS
A sobrevivência no âmbito social para a pessoa idosa tem sido
cada vez mais complicada, em aspectos que tange a integração destes
na sociedade como pessoas munidas de direitos e deveres,
consequentemente possam acompanhar o fluxo da modernidade que
cresce dia após dia nesse século capitalista. Nessa vertente, podemos
analisar que,

a sociedade impõe imperativos de produção, agilidade e modernidade.


O idoso, por questões biológicas, pode apresentar algumas limitações
ou pequenas dificuldades, mas isso não significa a incapacidade de realizar
tarefas (OLIVEIRA & SCORTEGAGNA, 2012, p. 02).

A socialização do ancião nas atividades cotidianas costumam


ser um peso para geração “fast-food”2 da atualidade, como afirma
Oliveira (2002, p. 46) “um aspecto marcante é o da ansiedade e
impaciência características da sociedade atual. Diante dessa neurose
da velocidade, torna-se incompatível e até perda de tempo aceitar um
ritmo mais lento por parte dos idosos”. Podendo concluir que, as
pessoas preferem realizar as atividades pertinentes a modificar as
condições para que o próprio idoso faça.
Descaracterizam a função que o idoso tem e teve na construção
da história, como se as virtudes já promovidas não tivessem serventia.

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Tecendo Direitos

Logo se percebe que, uma sociedade que visa lucros e caminha a


passos largos para a evolução com estímulos modernos, as iniciativas
da pessoa idosa perdem o valor e a credibilidade, não sendo mais útil
para esse tempo.
Diante disso, o medo pelo envelhecimento se torna cada vez
mais comum, o que acarreta no próprio aceitamento, “devido a todas
as dificuldades de enfrentamento da realidade social, muitos idosos
negam a própria existência e a própria idade, para que possam ser
novamente aceitos nos grupos mais jovens”, (OLIVEIRA &
SCORTEGAGNA, 2012, p. 03).
O envelhecimento nunca foi uma doença, mas um processo de
desenvolvimento do ser humano. Embora numa sociedade onde esse
assunto precisa de um tratamento respeitoso e de forma necessária,
nos termos que envolvem o ancião como indivíduo protegido por
princípios constitucionais que garantem a dignidade humana, assim como
qualquer outra pessoa da sociedade.
À vista disso, o capitalismo estruturado e a ambição por uma
visibilidade de lucros, tem por consequência uma política instituída,
muitas vezes inconsciente, do papel do idoso na sociedade, como
pessoa sem serventia significativa. Nessa situação, podemos entender
que, “numa sociedade que é caracterizada pelo poder, a qual busca
desenfreadamente o lucro, o idoso muitas vezes aparece como uma
trava no desenvolvimento, desconsiderando toda a contribuição social
que estes deram e ainda dão à produção de bens, serviços e
conhecimentos”, (OLIVEIRA & SCORTEGAGNA, 2012, p. 02).
O que nos faz pensar que não só apenas idoso tem dificuldade
de se integrar na sociedade, de modo que, crianças, jovens e adultos,
também enfrentam adversidades devido a várias patologias. Dessa
forma, “torna-se ingênuo considerar a velhice como uma limitação ou
deficiência” (OLIVEIRA & SCORTEGAGNA, 2015, p. 03).
Quando o assunto é a velhice, o preconceito enraizado costuma
prevalecer numa direção onde a pessoa idosa adequa questões de

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

evolução social, urbanização e a industrialização, que fazem com que


essa desigualdade seja uma questão latente no cotidiano. “No Brasil,
como em outros países em desenvolvimento, a questão do
envelhecimento populacional soma-se a uma ampla lista de questões
sociais não resolvidas, tais como a pobreza e a exclusão”
(CAMARANO, 2004, p. 254).
Em virtude disso, podemos observar que a desigualdade
vivenciada no decorrer até mesmo no decorrer da vida, continua na
velhice, de forma que,

para muitos idosos, a realidade de exclusão foi presente no decorrer de


toda a sua trajetória de vida e se acentuou ainda mais na velhice. Estas
condições trazem repercussões ainda piores, ao se pensar que na única
fase que estes acreditavam alcançar a dignidade e respeito, tornam-se
vítimas de um sistema opressor e excludente. (OLIVEIRA &
SCORTEGAGNA, 2012, p. 04).

Dessa forma, o idoso teve um papel fundamental na construção


da sociedade, visto que, embora com o passar dos anos suas ações
são provenientes apenas ao contexto histórico, nessa vertente, “o
estatuto da velhice é imposto ao ser humano pela sociedade à qual
pertence, sendo influenciado pelos valores culturais, sociais, econômicos
e psicológicos de uma sociedade que determina o papel e o “status”
que o velho terá” (SILVA, 2003, p. 96).
A forma que o envelhecimento é tratado e a insignificância que o
ser humano adquire durante a vida, passamos a atender que, “o idoso,
no transcorrer de sua trajetória de vida, vivenciou na juventude e na
maturidade papéis sociais, que aos poucos foram sendo apagados ou
desconsiderados em sua existência”, (OLIVEIRA &
SCORTEGAGNA, 2012, p. 04).
A depressão é uma das mazelas sociais que se associa a esse
descaso e desvalorização a pessoa idosa. O ancião ao decorrer da
vida, sempre agiu ativamente, se vê sendo jogado para segundo plano

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Tecendo Direitos

por não conseguir acompanhar o ritmo de uma sociedade totalmente


egoísta e visionária na obtenção de lucros e rendimentos, tendo
ambições que não abrangem o ancião no seu funcionamento.
A incidência da solidão, a desvalorização social, perca de
autoestima, o tratamento e a presença da família no cotidiano, a perda
de vida sexual constante são alguns dos motivos que podem dar início
ao ciclo de depressão na vida do ancião.
Com o passar dos anos o idoso tende a ficar cada vez mais
solitário, seja por morar sozinho ou passar a maioria do tempo sem
companhia. A falta de contato com pessoas do círculo social, familiar,
consequentemente gera um sentimento de desprezo, tristeza e solidão,
que passam despercebidos pelas pessoas próximas. No entanto, são
sintomas perceptíveis de ansiedade e depressão que precisão de
atenção, assim falta de apetite, o desânimo e a insônia não são proventos
a velhice, mas sim consequência do início da doença3.

Em pacientes idosos, além dos sintomas comuns, a depressão costuma


ser acompanhada por queixas somáticas, hipocondria, baixa autoestima,
sentimentos de inutilidade, humor disfônico, tendência autodepreciativa,
alteração do sono e do apetite, ideação paranoide e pensamento recorrente
de suicídio. Cabe lembrar que nos pacientes idosos deprimidos o risco
de suicídio é duas vezes maior do que nós não deprimidos (PEARSON
& BROWN, 2000 apud STELLA et al., 2002, p.92).

Abordar sobre a depressão na velhice é imprescindível, pois


pode evitar diversas tragédias, como o caso do ator Flávio Migliaccio
que cometeu suicídio no dia 4 do maio de 2020 e deixou uma carta a
qual dizia, “me desculpem, mas não deu mais. A velhice neste país é
caos como tudo aqui. A humanidade não deu certo. A impressão de
que foram 85 anos jogados fora num país como este e com esse tipo
de gente que acabei encontrando. Cuidem das crianças de hoje”
(REVISTA ISTOÉ, 2020). O Desabafo triste e profundo do ator, só
nos faz ter a percepção dos sentimentos enfrentados por pessoas idosas
e que a depressão é algo real e vivenciado por muitos anciões.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

Diante disso, percebemos o quanto essas atitudes podem


prejudicar o bem-estar do ancião, de forma que, “muitos idosos
apresentam algum problema psiquiátrico ou neurológico, entre eles um
dos que merecem grande atenção é a depressão, pois ela atinge uma
parcela considerável desse público e que é um dos transtornos com
maiores chances de tratamento”, (LEAL, 2019, on-line).
A falta de auxílio, cuidado e um olhar mais empático nessa fase
da vida podem fazer total diferença, de aspectos que vão além no que
se refere a prevenção e a aplicabilidade da lei, de modo que na prática
a promoção da igualdade muitas vezes ficam apenas no papel. Nisso,
a execução da lei nas vias fato, entra em déficit e a promoção pela
proteção dos idosos passa a ser objeto de utopia na sua eficácia.
A exclusão do idoso em determinadas atividades só
acarretam a incidência de consequências que poderiam ser evitadas se
aplicabilidade fosse efetiva, dessa forma, afastaria problemáticas, o
que condicionaria num estilo de vida melhor, como prevê a própria
Constituição Federativa Brasileira (1998) e a prevalência da dignidade
da pessoa humana (art. 1º, III, BRASIL/1988).
É notória a desvalorização do ser humano como pessoa idosa
no âmbito social, de forma que os processos e auxílios prestados durante
a vida são ignorados e que passam a ter uma visão de desprezo por
quem contribuiu demasiadamente no contexto histórico, cultural e social,
perdendo a devida importância da evolução na contemporaneidade.

2.1.1 SEGURIDADE SOCIAL: SAÚDE, PREVIDÊNCIA SOCIAL E ASSISTÊNCIA


SOCIAL
A preocupação com a classes menos favorecidas e a busca pela
sua promoção vem desde o início da humanidade, tendo como primeiro
sistema de proteção social, o assistencialismo4. Nisso, a Constituição
Federativa do Brasil de 1988 veio no Título VIII abordar sobre a
ordem social, dando início a Seguridade Social (arts. 194 a 204,
BRASIL/1998), que aborda sobre as relações humanas previstas na
Carta Maior.

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Tecendo Direitos

A seguridade social vem para englobar temáticas como saúde,


assistência social e previdência social, dessa maneira que,

as políticas de proteção social, nas quais se incluem a saúde, a previdência


e a assistência social, são consideradas produto histórico das lutas do
trabalho, na medida em que respondem pelo atendimento de
necessidades inspiradas em princípios e valores socializados pelos
trabalhadores e reconhecidos pelo Estado e pelo patronato. (MOTA,
2006, n.p.).

Assim, discorreremos sobre a saúde, previdência e assistência


social de forma sintetizada, a ponto de compreender as carências ainda
enfrentadas pela pessoa idosa nessa vertente, dando ênfase na
aplicabilidade do princípio da dignidade da pessoa humana (art.1º, III,
BRASIL/1988).
A luz do autor Tsutiya (2013) a saúde num contexto geral, trata-
se de um direito e dever do Estado, que é garantido por meio de políticas
sociais e econômicas, que tem como intuito a redução de doenças e
outros agravos.
Conseguinte, os idosos como indivíduos da sociedade estão
assegurados pela garantia desse direito. Em uma pesquisa realizada,
“o Elsi - Brasil apontou que 75,3% dos idosos brasileiros dependem
exclusivamente dos serviços prestados no Sistema Único de Saúde,
sendo que 83,1% realizaram pelo menos uma consulta médica nos
últimos 12 meses” (BRASIL, 2018, on-line), ainda, durante esse tempo
“foi identificado ainda 10,2% dos idosos foram hospitalizados uma ou
mais vezes. Quase 40% dos idosos possuem uma doença crônica e
29,8% possuem duas ou mais como diabetes, hipertensão ou artrite”
(BRASIL, 2018, on-line), o que se conclui que, “cerca de 70% dos
idosos possuem alguma doença crônica” (BRASIL, 2018, on-line).
Isso demonstra como o idoso precisa de um amparo especial,
de modo que, caminhando para o final da vida, mesmo que envelhecer
não seja sinônimo de adoecer, as pessoas idosas precisam de cuidados
singulares e olhares mais preocupados, para que estes possam ter o

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cumprimento normativo com eficiência e a devida qualidade de vida e


sobrevivência dentro da dignidade básica.
O que nos leva a perceber que o sistema de atendimento ao
idoso no nosso país possuem diversas brechas que impedem que a
efetividade do plano legislativo se concretize com efetividade, de modo
que, “as mudanças significativas da pirâmide populacional começam a
acarretar uma série de previsíveis consequências sociais, culturais e
epidemiológicas, às quais o Brasil ainda não está preparado para
enfrentar” (CARBONI & REPPETTO, 2007, p. 254).
Na Itália, com a pandemia do Covid-19, conhecido também como
“coronavírus”, vírus que está provocando alvoroço no mundo todo,
conceituado pelo Ministério da Saúde como “uma família de vírus que
causam infecções respiratórias” (BRASIL, 2020, on-line). Nessa
conformidade, esse tema está sendo altamente debatido e tendo grande
repercussão social na atualidade, onde temos uma situação alarmante que
está causando comoção e desespero em toda sociedade, pois a classe de
pessoas idosas, tal qual fazem parte do grupo de risco que, ao adquirirem
o vírus podem desenvolver de maneira agressiva onde a taxa de mortalidade
é enorme e o país se encontra em estado de calamidade pública.
Desse modo, a pandemia chegou em um nível tão alto que, o
sistema público Italiano está tendo que optar pela vida das pessoas
com mais de 80 anos, como é abordado pela mídia nos últimos dias,
no qual “um documento obtido pelo jornal inglês The Telegraph aponta
que a Itália pretende negar atendimento para pacientes com mais de
80 anos ou que apresentem más condições de saúde em unidades de
terapia intensiva (UTIs)” (REVISTA ISTOÉ, 2020, on-line).
A falta de recurso e o estado crítico que o país se encontra,
eventuais situações seriam a resposta para atitudes que ferem a
percepção do valor a vida, porém embora eles se encontrarem num
estado onde a catástrofe piora a cada dia, percebemos a fragilidade
da pessoa idosa e como ela pode ser suscetível a planos de exclusão,
justamente por estarem nessa faixa etária da vida.

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Tecendo Direitos

Ainda no Brasil, englobados no grupo de risco propícios a contrair o


vírus, muitos idosos enfrentam a necessidade de ir pra ruas a procura de sustendo,
colocando em risco a própria vida, tendo que passar por todo perigo e
constrangimento que essa situação pode causar, pela falta de aplicabilidade de
seus direitos. Dessa forma, podemos concluir que, num plano de preservação
onde a vida seja prioridade, o idoso pode chegar a ficar num patamar abaixo
aos demais indivíduos.
Destarte, o instituto da previdência social é essencial na vida de qualquer
ser humano, que envolve toda uma sociedade até mesmo as pessoas não vivas
ou que nem tenham nascido, porém o papel que ela carrega para o ancião é
indispensável. Dessa forma, os benefícios são financiados numa fase ativa da
vida para que possam suprir necessidades como a perda da capacidade de
laboral ou até mesmo pela idade avançada.
Observando esses pontos, percebemos que para o
funcionamento da Previdência terá que ser feito um plano de atuação
que, “para que esses serviços sejam adequadamente desenvolvidos,
as autoridades precisam conhecer o perfil socioeconômico da
população atualmente envelhecida”, (MATTIONI, 2014, on-line).
Embora haja um conflito devido ao aumento da expectativa de vida,
visto o cumprimento constitucional do Estado como provedor de prestar
uma aposentadoria digna ao idoso (art. 29 do Estatuto do Idoso, Lei 10.741/
03)5, pode haver dificuldades nos recursos cabíveis para suprir com
excelência essas demandas. Dessa forma, a Reforma da Previdência Social
veio para tentar sanar e diminuir os déficits da previdência.
Nesse cenário, a preocupação com a Reforma da Previdência
Social seria com a mudança com o tempo estipulado para a garantia
do benefício, o que pode ocasionar uma demandar do poder público,
como o incentivo da contratação dessa faixa etária, também políticas
públicas que amparar a integração do trabalho, bem como a saúde
dos trabalhadores. O que nos leva a constatar que com a progressão
de pessoas numa idade avançada pode causar certos transtornos, pois
eles podem enfrentar situações que podem provocar danos a sua

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dignidade como, o preconceito com o ancião e até mesmo a diferença


salarial diante da mesma capacidade profissional6.
Dessa forma, segue uma tabela referentes a dados sobre a
proteção previdenciária dos anciões no Brasil.

TABELA 1 - PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA PARA A POPULAÇÃO IDOSA


NO BRASIL

Fonte: BRASIL (2018) apud PNAD/IBGE, (2015).

Mediante a isso, percebemos no futuro não tão distante, relativos


a estudos já apresentados nessa pesquisa, o nosso país terá uma grande
população de pessoas idosos, que porventura estarão suscetíveis ao
benefício previdenciário, o que nos faz concluir a essencial
funcionalidade da Reforma Previdenciária para que efetividade na
aplicação do instituto, evitando precariedades na aplicação.
Ainda no âmbito da seguridade social, a assistência social tem uma
função grandiosa da vida do idoso, ela é responsável pelo amparo e
integração social desse grupo, assistindo as necessidades existentes e
buscando solucionar possíveis mazelas sociais enfrentadas. OAmparo social
ao idoso, tem como intuito a promoção de auxílio assistencial aquele que
“comprovar que possui 65 anos de idade ou mais, que não recebe nenhum
benefício previdenciário, ou de outro regime de previdência e que a renda
mensal familiar per capita seja inferior a ¼ (hoje R$ 136,25) do salário
mínimo vigente” (MATTIONI, 2014, on-line).

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Tecendo Direitos

Adentrando nisso, o Benefício de Prestação Continuada (BPC)


da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS, Lei 8.742/1993), “não
requer contribuição, porém é um benefício de caráter pessoal e que se
extingue com a morte do beneficiário ou quando houver superação
das condições que deram origem a concessão do benefício”
(MATTIONI, 2014, on-line), ou seja, que ele não abrange 13º salário
e nem pensão por morte, se restringindo a apenas um salário mínimo
vigente.
Embora haja um programa assistencial como a LOAS (Lei
Orgânica da Assistência Social, 8.742/1993), muitos idosos não são
abrangidos com esse benefício ou até mesmo qualquer outro amparo
social, tendo que passar por privações e até mesmo se submeter a
trabalhos que atritam com a sua capacidade física, o que nos remete a
como a igualdade é seletiva e o alcance nunca chega a todos, até mesmo
pela falta de informação sobre seus direitos, ferindo gravemente
princípios primordiais que alicerçam a Carta Maior, como a dignidade
da pessoa humana (art.1º, III, BRASIL/1988).
Não obstante, entendemos que mesmo o idoso tenha
desempenhado um papel fundamental e importante na sociedade, o
qual fez parte para a evolução, participou e contribuiu para o
crescimento da sociedade, hoje se encontra num patamar onde as
demais pessoas os acham incapazes de serem seres pensantes com
autonomia e responsável na prática de atividades sociais comuns. Nessa
perspectiva, percebemos o quanto a dificuldades na aplicabilidade e
que essa visão total de vulnerabilidade e dependência agridem o ancião,
indivíduo, munido de direitos, no qual para muitos já está decretado
como “massa falida”.

3. A DEFICIÊNCIA NA APLICABILIDADE DOS DIREITOS AOS IDOSOS: UMA


REALIDADE OCULTA
A princípio precisamos compreender o processo de
envelhecimento e as demandas que causam no contexto social,

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observando que o idoso não pode ser considerado apenas por uma
ótica da cronologia. Numa visão aprofundada “os estudos
antropológicos sobre a velhice, particularmente no Brasil, têm
acompanhado o próprio movimento de descoberta da mesma por parte
da sociedade” (CUNHA, 2000, on-line), ou seja, o idoso ganhou
uma visibilidade que supera aspectos apenas demográficos.
Podemos constatar o envelhecimento como um fenômeno que
vai além da capacidade física de cada indivíduo, ela gera processos
que se comparam a evolução da história individual de cada um, aspectos
que tangem questões sobre a perda de identidade, entre outros fatores
psicológicos. Portanto, conceitua-se que, “pode-se considerar o
envelhecimento como o conjunto de processos que contribuem para
aumentar progressivamente a probabilidade de doenças degenerativas”,
(SILVA, CARVALHO & BELCHIOR, 2007, p.13).
No entanto, envelhecer é um processo difícil para o ser humano,
pois abrange áreas e promovem alterações biopsicossociais, mesmo
que nós passamos por uma constante evolução ao decorrer da vida.
Nisso, o indivíduo não tem uma visão clara de si mesmo e passa “a
partir do olhar do outro, há a surpresa ao ser classificado como velho,
porque não he [sic] uma vivência interna da velhice, o que he [sic] é
uma defasagem entre o corpo envelhecido e as experiências internas
vividas” (SILVA, CARVALHO & BELCHIOR, 2007, p.14).
Diante da percepção das pessoas, a valorização do ancião
começa a perder o significado, pois experiências, contribuições,
conquistas, sabedorias adquiridas durante todo uma vida, perde o
apresso diante de coisas que podem parecer mais interessantes nos
meios sociais, o que atinge a autoestima do idoso, ocasionando um
questionamento do seu papel na sociedade e até mesmo das pessoas
do seu próprio convívio.
Nessa vertente, a família sempre teve grande participação no
processo durante toda a vida do ser humano, porém vemos a
fundamental importância e influência da família nessa fase que a pessoa

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idosa precisa de uma atenção direcionada, “embora muitas vezes a


família tenha dificuldades em aceitar e entender o envelhecimento de
um ente, tornando o relacionamento familiar mais difícil”, (MENDES
et al., 2005, p. 425).
Embora uma boa relação familiar seja essencial para a convivência
do idoso e sua auto aceitação, o excesso de zelo pode provocar a
dependência tanto física como emocional. É de suma importância o
idoso ter sua individualidade, sua própria rotina e afazeres, para que o
mesmo não se sinta inútil ou apenas considerado um “objeto” sem
vontades ou prazeres, influenciado e ordenado por decisões alheias,
sendo primordial a integração de lazer e atividades que possam ser
estimulantes para o ancião7.
O convívio social e a integração do ancião na sociedade são
imprescindível, a troca de experiências com outras pessoas que possam
estar passando pela mesma situação, o carinho, os conhecimentos, as
dúvidas são fundamentais para a que o ancião possa sentir que mesmo
com diversos fatores de mudança, ele é útil e insubstituível para as
pessoas. O que nos faz entra num debate de deficiência que ocorre na
aplicabilidade desses direitos e já socialização da pessoa com idade
avançada no cotidiano da sociedade.
O idoso ainda sofre consequência pela deficiência na
aplicabilidade dos seus direitos. É normal todos se manifestarem quando
se trata do que o Estado garante na legislação para todos, porém
quando o ancião busca seu espaço nessa cobertura prevista em lei, se
depara com diversas rupturas no seu enquadramento. Há uma
deficiência visível quanto a seletividade dos direitos, ainda mais aquele
inerentes a vida, que no pensamento de muitos o idoso já viveu o
bastante e o desrespeito com a base da nossa Constituição, a vida,
fica cada vez mais evidente.
O tratamento ao idoso, entra numa profunda discussão quando
percebemos que a própria deficiência da aplicabilidade é o preconceito
das pessoas que consideram a pessoa idosa como ser impotente e

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sem serventia nos tempos modernos, “nessa perspectiva, qual é o papel


de quem conseguiu ultrapassar os 65 anos, em uma sociedade que
insiste em fechar os olhos para a realidade que procuramos aqui
espelhar? “, (BRUNS, 2002, p. 56).
É fácil descartar o que parece não ser mais útil, nessa indagação
de como sanar esse déficit na promoção dos direitos ao idosos, a
autoconscientização pode ser a resposta de todo uma mazela enfrentada
por pessoas que cumpriram sua trajetória social, contribuíram para a
evolução histórica e continuam fazendo parte da sociedade, merecem
obter o retorno de toda entrega que semearam.
Embora os próprios idosos tenham que reclamar pelos seus
direitos, precisamos entender que muitos não têm acesso a informações
e até mesmo tem conhecimento de todos os interesses que os abrangem.
Dessa forma, eles podem passar por discriminação e preconceitos que
podem trazer transtornos irreversíveis para o psicológico dos mesmos.
Contudo, as respostas para esses questionamentos se encontram
na educação social e conscientização que cada um pode acatar para
si. De modo que, a reeducação da sociedade em atitudes diárias pode
ser de total importância para a propagação de respeito e consideração
a vida do ancião.

4. OS BENEFÍCIOS DA APLICABILIDADE DE PROJETOS AOS IDOSOS


A valorização da pessoa idosa, vai muito além de apenas cumprir
o que a lei estabelece. Assim, a aplicabilidade de projetos aos idosos
ultrapassar o dever de somente realizar planejamentos sociais que
abrangem o ancião exclusivamente por estar na legislação, de modo
que, a atitude de ter empatia e fraternidade com o próximo, sabendo
sobre as mazelas enfrentadas como ser humano, faz toda a diferença
na execução desses programas.
Os padrões estabelecidos pela sociedade, inclusive quando o
assunto é o estereótipo sobre envelhecimento, que associa a imagem
de juventude e beleza, ou seja, o que é bonito está em traços de pessoas

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Tecendo Direitos

jovens. Assim, o fato de ser jovem está atrelado a definições de ser


valorizado na sociedade, o que dificulta cada vez mais a aceitação do
processo natural do envelhecimento, despertando o medo do
envelhecer.
A distinção entre velho e novo, como uma discrepância de atos
que pertencem a um grupo e ao outro não, fica evidenciado como a
sociedade lida com o processo de envelhecer, associando o
envelhecimento com a limitação de atividades que não fazem parte
dessa classe etária8. Dessa maneira, “convivendo com a diversidade
individual do envelhecimento, há um generalizante modelo social de
velho, altamente medicalizado, construído em oposição ao de jovem”,
(CONCONE, 2007).
Dessa forma, como válvula de escape para encontrar a aceitação,
várias pessoas recorrem plásticas de correção e procedimentos que
as façam parecer mais jovens. Embora esses procedimentos não
estejam associados como algo ruim, algumas pessoas os utilizam para
procurar ser aceito numa sociedade que julga envelhecer sinônimo de
algo pejorativo. Assim, com a decorrência de impulsos que exaltam a
juventude como a melhor fase da vida, faz com que muitos idosos
desenvolvam doenças como gerascofobia9, impedindo terem uma visão
objetiva da importância e beleza de cada faixa etária.
Mediante, é fundamental estimular a autoestima na vida da pessoa
idosa, valorizando a percepção de que nada mudou quanto forma de
tratamento, o valor e o cuidado do próximo para com estes, assim,
dando enfoque sobre a beleza de cada fase, bem como enaltecer a
encanto que é envelhecer.
A necessidade de reafirmação quanto a autoimagem pelas pessoas
a sua volta, vem apenas para comprovar que, os valores sociais estão
totalmente deturpados, a fim de associar apenas a juventude como
algo bom e relacionando o idoso a algo velho, incapaz e até mesmo
sem beleza. Por isso, com a perda do padrão imposto pela sociedade,
ratificar que mesmo com o passar dos anos a vida do idoso tem

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importância, fazendo assim o regaste da autoestima, não somente com


palavras, mas com ações (Alves, 2013).
Nesse enfoque, fica destacado a fundamentalidade dos projetos
sociais em prol ao ancião, visto que, mediante a eles são sanados
problemas enfrentados nessa fase da vida.
Assim, como abordado no decorrer desse tópico onde foi
enfatizado perspectivas vivenciadas no dia a dia do idoso, no qual se
associam na prática de implantação dos programas de apoio. Um projeto
que abrange o ancião, vai além do cumprimento dos seus direitos
garantidos, de modo, que precisamos ter a consciência que realizar o
básico não é o suficiente, sendo que, apenas fazer doação ou se dedicar
a projetos supérfluos não irá tirar o maior problema que o idoso enfrenta,
a solidão. Contudo, conclui-se que é preciso que projetos sejam
direcionados para o fim dessas mazelas enfrentadas pela terceira idade,
porém esses projetos implantados em prol do idosos deve ultrapassar
o pensamento limitante de ser apenas um passa tempo ou mera
distração, de modo que, a excelência desses projetos pode resgatar o
idoso do medo, da ansiedade, da solidão e salvar a sua vida,
ressignificando e dando a devida importância a vida da pessoa idosa
como qualquer outro indivíduo em contexto na sociedade, bem como
preservando humanamente o princípio da dignidade da pessoa humana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A princípio a escolha do conteúdo veio para evidenciar a temática
abordada e a relevância dessa discussão na sociedade, visto que, esse
assunto não é tão abordado, principalmente no atual cenário brasileiro,
o que dificulta o progresso de estímulos referentes aos idosos para o
alcance eficaz na propagação dos direitos do idoso e fica cada vez
mais enraizado a cultura que associa o envelhecimento como algo ruim.
O alicerce desse trabalho é a proteção da pessoa idosa mediante
a abrangência do princípio da dignidade na prática social, percebemos
a importância desse debate em temas contemporâneos. A notoriedade

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Tecendo Direitos

dessa discussão é pertinente em termos que façam o indivíduo repensar


sobre o conceito do que é na realidade o envelhecimento.
A importância da promoção de programas em atingem os idosos
na prática social é fundamental, uma vez que o englobamento dessa
classe pode sanar diversas mazelas enfrentas por eles, bem como evitar
consequentemente a falta de aplicação de seus diretos. Assim, podemos
obter respostas quanto as deficiências que existem para que
aplicabilidade das garantias aos idosos, logo também demonstrar essa
realidade oculta de déficit encontrada na aplicabilidade da legislação.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

NOTAS
1
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados
e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos:[...]III - a dignidade da pessoa humana;[...]
2
Fast-Food - significa “comida rápida” em inglês. É um tipo de comida, geralmente
lanches, para pessoas que não dispõem de muito tempo para fazer suas refeições, e
optam por alimentos fast-food, pois são preparados e servidos rapidamente. Disponível
em: <https://www.significados.com.br/fast-food/> acesso 17 de fevereiro de 2020.
3
CARVALHO, Priscila. Depressão na terceira idade tem sintomas diferentes: aprenda
a reconhecer. Longevidade: Práticas e atitudes para uma vida longa e saudável, Brasília,
07 jun. 2019. Disponível em: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2019/
06/07/depressao-na-terceira-idade-tem-sintomas-diferentes-aprenda-a-reconhecer.htm.
Acesso em: 09 maio 2020.
4
TSUTIYA, Augusto Massayuki. Curso de Direito da Seguridade Social. 4º. ed.
São Paulo: Saraiva, 2013, p.35.
5
Art. 29. Os benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral da Previdência
Social observarão, na sua concessão, critérios de cálculo que preservem o valor real dos
salários sobre os quais incidiram contribuição, nos termos da legislação vigente.
6
TRICHES, Alexandre. Como fica a população idosa na Reforma da Previdência. [s.l.],
17 abr. 2019. Disponível em: https://administradores.com.br/artigos/como-fica-a-
populacao-idosa-na-reforma-da-previdencia. Acesso em: 20 mar. 2020.
7
MENDES, Márcia R.S.S. Barbosa et al. A situação social do idoso no Brasil: uma
breve consideração. São Paulo: Acta Paulista de Enfermagem, 2005. v. 18. Disponível
em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-
21002005000400011&script=sci_arttext. Acesso em: 6 mar. 2020.
8
CONCONE, Maria Helena Villas Bôas. Medo de envelhecer ou de parecer? Revista
Kairós: Gerontologia, v. 10, n. 2, 2007, p. 25.
9
Gerontofobia - é um transtorno de ansiedade caracterizado por um medo anormal,
irracional e intenso dos idosos. Enquanto a maioria das pessoas não gosta de envelhecer
devido a limitações físicas mais pessoais, doenças, e observando a morte de amigos
querido que amou, essa antipatia torna-se patológica quando limita significativamente o
funcionamento diário da pessoa e/ou causa danos. Sua origem vem da palavra latina
“geron“, que significa “homem velho”, e a palavra grega “phobos“ significando “medo”.
Coloque as duas palavras juntas e você tem “medo do velho”. Disponível em: <https:/
/www.portalsaofrancisco.com.br/saude/gerontofobia>. Acesso em: 08 maio 2020.

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Tecendo Direitos

REFERÊNCIAS

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

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Tecendo Direitos

3 MULT IP
ULT AREN
IPAREN
ARENTTALIDADE:
ALIDADE:
UMA ANÁLISE DOS REFLEXOS JURÍDICOS NA
OBRIGAÇÃO ALIMENTAR

LARISSA LARA DE MOURA


CARLOS ALBERTO DA COSTA

INTRODUÇÃO
O instituto família passou por inúmeras mutações ao longo dos
anos, tanto em seu conceito, como também no seu modo de constituição,
tornando-se perceptível o quanto esse instituto está em constante
evolução a fim de adequar-se às realidades familiares atuais.
No entanto, é notório que recentemente vem acontecendo
inúmeros debates que versam sobre a temática dos novos arranjos
familiares, especialmente quanto às famílias denominadas como
multiparentais.
Assim, tendo em vista que as famílias hodiernas são constituídas
através de vínculos afetivos e biológicos, a presente pesquisa visa
analisar sobre a possibilidade jurídica da multiparentalidade e seus
reflexos na obrigação alimentar.
Justifica-se a escolha do tema multiparentalidade por se tratar
de um instituto novo, que ainda carece de uma positivação expressa, o
que faz surgir inúmeras dúvidas quanto ao conceito, aplicabilidade e
consequências jurídicas desse reconhecimento.
O método de pesquisa utilizado foi o dedutivo e a pesquisa
bibliográfica qualitativa, assim, para facilitar o entendimento acerca do
tema utilizou-se alguns entendimentos doutrinários, tais como: Cassettari
(2017), Dias (2016), Gonçalves (2019), Tartuce (2019), dentre outros.
Além disso, também foi utilizado legislações, jurisprudências e trabalhos
científicos.
Para melhor compreensão da temática, a presente pesquisa foi
dividida em três tópicos. Inicialmente será analisado sobre a conceituação

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

e reconhecimento da multiparentalidade pelo Supremo Tribunal Federal.


Por conseguinte, será abordado sobre os aspectos gerais da obrigação
alimentar, e, por fim, observar-se-á quais são os reflexos jurídicos do
reconhecimento da multiparentalidade no âmbito da obrigação alimentar.

2. MULTIPARENTALIDADE: CONCEITUAÇÃO E RECONHECIMENTO PELO


SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Ao longo dos anos, os núcleos familiares passaram por inúmeras
transformações, dentre elas pela mutação do termo família, que passou
a ser referido no plural, ou seja, famílias. Nessa perspectiva, percebe-
se então que tal mudança terminológica reflete o pluralismo das famílias,
visto que os laços familiares passaram a formar-se por laços
consanguíneos e também através dos laços de afetividade entre os
indivíduos, o que resultou no surgimento de uma nova forma de relação
de parentesco, isto é, a multiparentalidade (DIAS & OPPERMANN,
2015).
Nesse sentido, conceitua-se que

a multiparentalidade, pois, consiste no fato de o filho possuir dois pais


ou mais reconhecidos pelo direito, o biológico e o socioafetivo, em função
da valorização da filiação socioafetiva (GONÇALVES, 2019, p. 337).

Diante da importância da parentalidade socioafetiva nas famílias


atuais e levando em consideração que a afetividade vem sendo elevada
ao patamar de parentesco, tornou-se necessário, então, admitir a
coexistência de filiações socioafetivas e biológicas, isso a fim de abranger
as situações em que está configurado esse vínculo com mais de uma
mãe ou mais de um pai.
Acerca da importância do referido instituto para o direito de
família, a doutrina leciona que

a multiparentalidade hoje é uma realidade em muitas famílias. A ciência do


Direito deve recebê-la e aceitá-la como evolução social. Famílias, em toda sua
diversidade, caleidoscópicas, multifacetadas, são verdades que se impõem.

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Tecendo Direitos

Destarte, a multiparentalidade deve ser incluída e acatada no ordenamento


jurídico como um novo perfil familiar, sempre respeitando-se a dignidade
de cada integrante dessa família (CASSETTARI, 2017, p. 129).

Desse modo, observa-se que o reconhecimento da


multiparentalidade reflete os novos arranjos familiares, uma vez que o
fator genético não é mais a única maneira de constituir família, dando
lugar ao afeto como identificador das relações familiares. Sob esse
ponto de vista, Cassettari (2017) afirma que diante das formas plúrimas
de famílias, não cabe ao Direito ou ao Judiciário limitar esses vínculos,
mas sim acompanhar as transformações da sociedade, de modo a
proteger cada tipo de entidade familiar e também valorizar cada um de
seus membros.
No entanto, é necessário ressaltar que apesar da doutrina trazer
essa possibilidade há algum tempo, os primeiros casos que surgiram
no judiciário foram negados e as decisões versavam sob o fundamento
de que a parentalidade afetiva prevalecia sobre a consanguínea. Desse
modo, quando fosse reconhecida a filiação socioafetiva, excluía-se a
biológica. Entretanto, com o passar dos anos, o instituto da
multiparentalidade começou a ganhar espaço no ordenamento jurídico
brasileiro, e, consequentemente, começaram a surgiu as primeiras
decisões favoráveis (CASSETTARI, 2017).
Sendo assim, considerando que o instituto da multiparentalidade
tornou-se uma realidade das famílias brasileiras, que cresce cada vez
mais, e que esta pressupõe diversos encadeamentos jurídicos e
patrimoniais, imperioso se faz entender como se deu o seu
reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que
tal entendimento passou a influenciar diretamente nas demais decisões.
No ano de 2016 foi interposto o Recurso Extraordinário de
número 898.060-SC no qual o pai biológico recorria contra acórdão
que reconheceu sua paternidade e os efeitos patrimoniais decorrentes,
independente do vínculo do filho com o pai socioafetivo. No entanto,
tal recurso foi negado e estabeleceu-se uma tese de repercussão geral.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

No recurso em comento, o relator Ministro Luiz Fux, do STF,


negou provimento ao recurso e foi acompanhado pela maioria dos
Ministros em seu voto, fundamentando seu voto no fato de que o
reconhecimento de novos modelos familiares não autorizam decidir
entre a filiação socioafetiva e biológica quando o reconhecimento de
ambas, simultaneamente, é que melhor beneficia o interesse do filho
(BRASIL, 2016).
Conforme consta nos autos, o caso envolvia a temática da dupla
paternidade, sendo que a autora F.G. instantes depois de seu nascimento
foi registrada pelo marido de sua genitora, pessoa de quem recebeu os
cuidados durante toda infância e adolescência. A autora F.G. tomou
ciência da situação quando já tinha se tornado plenamente capaz,
momento em que ajuizou ação investigatória de paternidade em face
de A.N., seu pai biológico, requerendo a retificação do registro civil,
fixação de alimentos, além da reparação civil a título de danos morais
(BRASIL, 2016).
Outrossim, ficou comprovado no decorrer da ação originária
que o requerido é o pai biológico da autora, porém, durante o trâmite
processual, o mesmo argumentou a prevalência da paternidade
socioafetiva sobre a biológica, tese em que, apesar de ter sido acolhida
em primeira instância, foi modificada posteriormente pelo acórdão
proferido em sede de apelação interposta pela autora. No mais, o
requerido interpôs agravo interno contra o referente acórdão, porém
não obteve êxito. Como consequência disso, interpôs o recurso
extraordinário em comento (BRASIL, 2016).
Entretanto, o STF negou provimento ao Recurso Extraordinário
e fixou a tese de Repercussão Geral n° 622 que dispõe

a paternidade socioafetiva declarada ou não em registro público, não


impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado
na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios (BRASIL, 2016).

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Tecendo Direitos

Desta maneira, o STF estabeleceu que o fato de se ter a


paternidade socioafetiva reconhecida, não eximirá as responsabilidades
do pai biológico com filho. Ademais, frisou que não deve haver
prevalência entre vínculo biológico e socioafetivo, logo, se o
reconhecimento de ambos for o melhor interesse da prole, a
multiparentalidade deverá ser reconhecida.
Conclui-se, então, que o reconhecimento do referido instituto se
deu em caráter nacional em razão do recurso em comento. Sendo
assim, a tese fixada no referido caso configura-se como precedente de
extrema importância, o qual deverá ser seguido por todos, já que foi
redigido pelo STF, o órgão da Corte do Poder Judiciário Brasileiro.
Portanto, reconhecida a coexistência de filiações, esta gerará efeitos
jurídicos, dentre eles, os reflexos na obrigação alimentar. À vista disso,
faz-se necessário o estudo dos aspectos gerais da obrigação alimentar.

3. A LIMENTOS : CONCEITO , NATUREZA JURÍDICA , ESPÉCIES E


PRESSUPOSTOS
Diante das inúmeras mudanças ocorridas no direito de família e
o consequente surgimento de novos modelos familiares, faz-se
necessário o estudo desses reflexos na obrigação alimentar, destacando-
se, inicialmente, sobre os seus aspectos gerais. Ao falar do conceito de
alimentos, existe uma infinidade de conceitos apresentados nas
doutrinas. No entanto, a ideia central é de que o termo alimentos
compreende o sustento de uma pessoa, obrigação alimentar de prestá-
los e o seu conteúdo (GONÇALVES, 2019). Nessa perspectiva, a
doutrina leciona que

os alimentos estão relacionados com o sagrado direito à vida e representam


um dever de amparo dos parentes, cônjuges, conviventes, uns em relação
aos outros, para suprir as necessidades e as adversidades da vida daqueles
em situação social e econômica desfavorável. Como dever de amparo, os
alimentos derivam da lei, tem sua origem em uma disposição legal, e
não em um negócio jurídico, como acontece com outra classe de alimentos

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

advindos do contrato ou do testamento, ou os alimentos indenizatórios


(MADALENO, 2018, p. 1.144).

Além disso, Madaleno (2018) enfatiza que o direito a alimentos


está interligado aos direitos fundamentais da pessoa humana, visto que
esse é necessário para subsistência dos indivíduos que não podem
prover seu sustento em razão de alguma circunstância, como por
exemplo em razão de doença ou idade. Acerca da natureza jurídica
desse instituto, a doutrina destaca primeiramente o seu caráter
assistencial, uma vez que está ligado ao dever mútuo de assistência
familiar, isto é, à solidariedade familiar.
Segundo Gonçalves (2019) existem diversas espécies de
alimentos, as quais são classificadas conforme critérios, sendo eles:
quanto à natureza, à causa jurídica, à finalidade e ao momento. A primeira
espécie de alimentos, ou seja, aqueles classificados de acordo com
sua natureza, são divididos em naturais, civis e compensatórios.
Os alimentos naturais são aqueles estritamente necessários para
satisfazer a subsistência do alimentando, como por exemplo alimentação,
saúde, educação, dentre outros. Já os civis, por outro lado, são aqueles
destinados a garantir a manutenção da vida social do alimentando e o
status da família (GONÇALVES, 2019).
No que diz respeito aos alimentos compensatórios, ressalta-se
seu caráter indenizatório, visto que essa espécie tem como objetivo
evitar o desequilíbrio financeiro decorrente da ruptura da relação
conjugal (GONÇALVES, 2019). Por conseguinte, tem-se os alimentos
classificados de acordo com à causa jurídica, que são divididos em
legais ou legítimos, voluntários e indenizatórios.
Os alimentos legítimos são aqueles que advêm de uma obrigação
imposta na lei, sendo assim, esses alimentos podem decorrer dos
vínculos de parentesco por consanguinidade, ou também em virtude
do casamento ou união estável. Já os alimentos voluntários, decorrem
da manifestação de vontade, ou seja, quando uma pessoa assume
espontaneamente a obrigação de prestar alimento a outrem mesmo

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Tecendo Direitos

não tendo a obrigação legal de prestá-los, logo, essa obrigação é


manifestada em testamento (GONÇALVES, 2019).
Por último, tem-se os alimentos indenizatórios, que correspondem
a uma forma de ressarcimento pela prática de ato ilícito. Porém, cabe
ressaltar que somente os alimentos legais pertencem ao âmbito do direito
de família. No que concerne aos alimentos classificados quanto à sua
finalidade, eles são divididos em: definitivos ou regulares, provisórios,
provisionais e transitórios. Os alimentos definitivos são aqueles de
caráter permanente, ou seja, aqueles estabelecidos por uma sentença
ou também pela homologação de acordo estipulado entre as partes
(GONÇALVES, 2019).
Os provisórios, por outro lado, são os fixados através de liminar
proferida no despacho inicial nas ações de alimentos propostas pelo
rito especial previsto na Lei. 5.478/68 (Lei de Alimentos). Além disso,
tem-se os provisionais, sendo aqueles deliberados através do pedido
de tutela provisória nas ações de divórcio, separação judicial, alimentos,
de nulidade ou anulação de casamento. Por fim, temos os alimentos
transitórios que são considerados como as obrigações prestadas entre
ex-companheiros ou ex-cônjuges.
A última espécie é classificada de acordo com o momento que os
alimentos são reivindicados, assim poderão ser pretéritos, atuais e futuros.
Os alimentos pretéritos são aqueles em que o pedido da ação retroage ao
período anterior de seu ajuizamento. Os atuais se referem aos alimentos
pedidos a partir do ajuizamento da ação, e os futuros são aqueles devidos
ao alimentando a partir da sentença que os fixou (GONÇALVES, 2019).
Impende dizer que serão analisados alguns pressupostos para a
fixação dos alimentos conforme positivado no artigo 1.694, §1º, do
Código Civil. Nessa perspectiva, Gonçalves (2019) afirma que existem
quatro pressupostos objetivos da obrigação alimentar, sendo eles: o
primeiro, diz respeito a existência do vínculo de parentesco; o segundo
é a necessidade do alimentando; o terceiro se refere à possibilidade do
alimentante; e o quarto, a proporcionalidade.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

Além disso, existem também pressupostos subjetivos da


obrigação alimentar, que diz respeito a quem deve prestar os alimentos
e quem pode reclamá-los. Segundo Dias (2016), essa obrigação não
é apenas dos pais em razão do poder familiar que exercem sobre os
filhos, logo, significa que há reciprocidade da obrigação alimentar entre
pais e filhos e também poderá recair sobre seus ascendentes.
Diante disso, conclui-se que os alimentos estão fundamentados
no princípio da solidariedade, isto é, no dever de assistência entre
membros de uma família ou parentes, cujo principal objetivo é atender
as necessidades básicas de quem não possa provê-la sozinho e também
garantir ao indivíduo o modo de vida compatível a sua condição social.

3.1 CARACTERÍSTICAS: OBRIGAÇÃO ALIMENTAR E DIREITO A ALIMENTOS


No âmbito dos alimentos, preceitua a doutrina que a obrigação
alimentar e o direito a alimentos possuem características intrínsecas
próprias. Nessa esteira, Gonçalves (2019) aduz que são características
da obrigação alimentar a transmissibilidade, a divisibilidade, a
condicionalidade, a reciprocidade e a mutabilidade.
Quanto à característica da transmissibilidade, o Código Civil de
2002 dispõe que, se houver uma obrigação já constituída, ela será
transmitida aos herdeiros do alimentante nos limites da herança, ou
seja, a obrigação será de acordo com o quinhão de cada herdeiro. A
segunda característica dessa obrigação é a divisibilidade, assim
considerando que não há previsão legal de solidariedade da obrigação
alimentar, logo, essa é divisível.
Ademais, tem-se a característica da condicionalidade, a qual
encontra-se positivada no artigo 1.694 §1º, do Código Civil, que aduz
que essa se refere ao binômio necessidade- possibilidade, ou seja,
está interligado às necessidades do credor/alimentando e às
possibilidades do alimentante/devedor.
Outrossim, destaca-se a reciprocidade, que significa dizer que a
obrigação é recíproca entre aqueles coobrigados pela lei a prestarem

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Tecendo Direitos

os alimentos. Ademais, ressalta-se a mutabilidade, isto é, a obrigação


não imutável, que poderá sofrer alterações de acordo com os
pressupostos estabelecidos.
No que concerne às características do direito a alimentos, Dias
(2016) salienta primeiramente que esse é um direito personalíssimo,
quer dizer, está diretamente interligado à subsistência do alimentando,
desse modo, esse direito não poderá ser passado para outrem. No
entanto, essa característica é fundamental ao direito a alimentos e dela
decorrem as demais características.
O direito a alimentos também é incessível, o que trata se uma
consequência do caráter personalíssimo, sendo este também
impenhorável, visto que os alimentos não podem ser objeto de penhora
por se tratarem de um direito destinado a satisfazer as necessidades
básicas de uma pessoa.
Além disso, os alimentos também não podem ser objeto de
compensação entre credor e devedor, sendo este direito imprescritível
e intransacionável. Por fim, a última característica do direito a alimentos
é a irrenunciabilidade, positivada no artigo 1.707 do Código Civil, que
estabelece que o credor, mesmo não exercendo tal direito, não poderá
renunciar esse direito pois lhe é vedado pela lei.
Portanto, tendo em vista as considerações feitas acerca o instituto
da obrigação alimentar, será analisado no próximo tópico as
consequências do reconhecimento da multiparentalidade na obrigação
alimentar. Desse modo, observar-se-á de quem é a responsabilidade
de prestar alimentos nos casos em que for reconhecida a
multiparentalidade, bem como também os demais reflexos decorrentes
da dupla filiação no plano alimentar.

4. DOS REFLEXOS DA MULTIPARENTALIDADE NA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR


Conforme anteriormente mencionado, o reconhecimento da
multiparentalidade gerará efeitos jurídicos próprios, sendo assim, o
presente tópico analisará os efeitos decorrentes da coexistência de

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

filiações na obrigação alimentar. Inicialmente, impende ressaltar que


um dos fundamentos da multiparentalidade está no estabelecimento de
igualdade entre as filiações biológica e afetiva, de modo que não deve
haver hierarquia entre elas quando o que melhor beneficia o interesse
do descendente/filho é o reconhecimento de ambas filiações
(CASSETTARI, 2017).
À vista disso, é imperioso dizer que quando for reconhecido a
coexistência desses vínculos, passará a constar no registro civil mais
de um pai ou mais de uma mãe, e consequentemente surgirão os
questionamentos sobre como ficará a obrigação alimentar.
No entanto, embora o tema seja relativamente novo e ainda
existam divergências doutrinárias e jurisprudenciais, torna-se importante
ponderar que não há nenhum impedimento expressamente previsto
quanto à prestação alimentar por mais de um pai ou mãe ao filho, ou
vice-versa. Sob o mesmo ponto de vista, afirma-se que

será possível também pleitear alimentos do pai biológico juntamente com o


pai socioafetivo, pois a multiparentalidade foi firmada para todos os fins
jurídicos, inclusive alimentares e sucessórios (TARTUCE, 2019, p.803).

Desse modo, considerando que os alimentos possuem finalidade


de prover as necessidades de subsistência de outrem, faz-se necessário
ressaltar que essa obrigação é recíproca, à medida que ambos pais
afetivos e biológicos possuem o dever de prestar alimentos ao filho,
como também o filho possui o dever de prestar alimentos aos pais
quando esses necessitarem, tendo em vista o disposto no artigo 229
da Constituição Federal de 1988.
Nessa esteira, afirma-se que quando os parentes de primeiro
grau em linha reta, ou seja, os pais afetivos ou biológicos não tiverem
condições de arcar com pensão alimentícia sozinho, o dever se
estenderá aos parentes da linha reta subsequente, como por exemplo,
os avós. Não obstante, cabe dizer que, assim como nas famílias
tradicionais, os alimentos avoengos possuem caráter subsidiário, isto

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Tecendo Direitos

é, eles só serão obrigados a prestá-los quando ficar comprovado que


os pais afetivos e biológicos não possuem condições de suprir as
necessidades do alimentando (FONSECA, 2019).
Ademais, salienta-se que sendo várias as pessoas coobrigadas
à prestação alimentar, esses responderão na proporção de suas
possibilidades, conforme artigo 1.698 do Código Civil. Não obstante,
tal preceito também poderá ser aplicado na obrigação alimentar
avoenga, de modo que os avós concorrerão com os demais obrigados
na proporção de seus respectivos recursos (FONSECA, 2019).
Portanto, tendo em vista a tese de Repercussão Geral 622,
significa dizer que o fato de ter reconhecida a paternidade socioafetiva
em coexistência com a biológica, não exime a responsabilidade do pai
biológico quanto ao dever de prestar alimentos, uma vez que o
alimentando poderá propor a ação em face de apenas um dos pais,
como também em face de ambos, considerando que a prestação
alimentícia é fixada conforme o binômio necessidade versus
possibilidade (CASSETTARI, 2017).
À vista de todo exposto, conclui-se então que nos casos de
multiparentalidade serão aplicadas as regras da obrigação alimentar
previstas pela Constituição Federal de 1988, Código Civil e Lei de
Alimentos. Portanto, nos casos de coexistência de filiações afetiva e
biológica aplica-se a regra da reciprocidade da obrigação, o que implica
na solidariedade entre pais e filhos. Assim, os pais socioafetivos e
biológicos possuem a obrigação de prestar alimentos aos filhos menores,
bem como os filhos possuem a obrigação de prestar alimentos a ambos
os pais caso necessitarem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista o exposto no presente trabalho, restou claro que
através da evolução da família e, consequentemente, da filiação, as
estruturações familiares passaram a se formar através de vínculos
biológicos e socioafetivos, o que resultou nas demandas judiciais a fim

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de reconhecer a multiparentalidade, a qual vem se tornando a realidade


das famílias brasileiras.
Como foi observado, a multiparentalidade consiste no
reconhecimento simultâneo desses vínculos. Em decorrência da
“desbiologização” familiar, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o
referido instituto no julgamento do Recurso Extraordinário 898.060-
SC, fixando a Tese de Repercussão Geral n° 622, a qual estabeleceu
a legalidade da multiparentalidade e preceituou que esta gerará efeitos
jurídicos.
Como um dos efeitos jurídicos da multiparentalidade, tem-se a
obrigação alimentar. Verificou-se que, embora não tenha legislação
expressa prevendo essa possibilidade, também não há nenhuma
vedação quanto à prestação alimentar por mais de um pai/mãe a um
filho, ou vice-versa. Assim sendo, serão aplicadas à multiparentalidade
as regras ordinárias da obrigação alimentar, à medida que o filho poderá
pleitear os alimentos de ambos os pais, como também de somente um
deles, não obstante à possibilidade de os pais também pleitearem
alimentos do filho, tendo em vista a reciprocidade da obrigação.
Portanto, com o presente trabalho foi possível concluir como o
direito de família evoluiu com a Constituição Federal de 1988,
constatando-se a importância do instituto da multiparentalidade e suas
repercussões jurídicas e patrimoniais. Posto isto, ressalta-se que, apesar
de não se ter uma legislação expressa que verse sobre o instituto em
comento e suas consequências jurídicas, verificou-se que esse vem
sendo reconhecido constantemente através de entendimentos
jurisprudenciais, o que reforça a sua importância para as famílias atuais
e a consolidação do afeto como valor jurídico fundamental.

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Tecendo Direitos

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JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À
SAÚDE: UMA ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO NA COMARCA DE
URUANA-GO
CASSIA CAROLINE RODRIGUES DE SOUSA
VITOR MARTINS CORTIZO

INTRODUÇÃO
O direito à saúde é uma garantia fundamental protegido pela
Constituição Federal de 1988 no rol dos direitos sociais do país. E,
evidentemente é um direito essencial para que o Estado Democrático
de Direito consolide suas expectativas no tocante à dignidade da pessoa
humana, posto que tal direito possui reflexo na qualidade e no perfil de
vida dos cidadãos brasileiros.
Contudo, a saúde é um bem jurídico que deve ser amparado
pelo Poder Público, o qual por vezes descumpre com o seu papel de
prestá-la com eficiência, fazendo com que frequentemente os cidadãos
necessitem se recorrer ao Poder Judiciário para que tenham a efetiva
prestação deste direito. De modo que, uma das vias habitualmente
procuradas pelos cidadãos é o Ministério Público.
Desse modo, considerando que a intervenção judicial
normalmente é o caminho garantidor do atendimento assistencial da
saúde, a presente pesquisa visa compreender o relevante papel
desempenhado pelo Ministério Público na tutela jurisdicional da saúde,
garantindo que a norma legal seja cumprida e prestada aos indivíduos
sem distinção, como manda a lei.
Dada a importância da atuação do MP, trata-se de uma pesquisa
descritiva e analítica tanto da forma que ocorre a atividade
procedimental do Ministério Público na Comarca de Uruana-GO, bem
como de dados sociais das demandas do direito à saúde buscados em

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tal instituição. Os dados levantados se referem ao período de janeiro


de 2017 a dezembro de 2019 e apresentam a busca do direito por
meio da instituição.
Nesta perspectiva, percebe-se a relevância do presente estudo
que visa compreender o processo de resolução de conflitos relativos
ao direito à saúde pelo Ministério Público, o qual intervém por meio da
sua proteção jurídica aos direitos individuais e coletivos indisponíveis,
podendo incidir na judicialização da saúde.

2. A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA COMARCA DE URUANA-GO


O Ministério Público não é a única via para a defesa do direito à
saúde, bem como dos demais direitos. Porém, a notória facilidade de
acesso dos indivíduos a tal instituição, por vezes, faz com que este seja
o meio mais procurado para a tutela dos direitos individuais e coletivos
indisponíveis. Visto que, o MP se configura também em um meio de
resolutividade extrajudicial, ou seja, é instituição apartada da demanda
judicial e isso se torna mais célere para aqueles que buscam o direito
lesado (WANIS, 2015).
Neste estudo, foram considerados os Procedimentos
Administrativos instaurados pelo MP na defesa do direito líquido e
certo da saúde e o seu “desenrolar” para a defesa do mesmo,
observados tanto os que incidiram em ações levadas a juízo como os
que foram encerrados sem o ajuizamento.
As informações foram coletadas mediante consulta na base de
dados no Sistema Eletrônico Interno do Ministério Público, o qual
compõe as Tabelas Unificadas do Ministério Público1. Além disso, o
levantamento dos dados para a pesquisa foi realizado por profissionais
que atuam na instituição e possuem acesso ao sistema, posteriormente
a autorização do Promotor responsável pela Comarca, Dr. Rafael M.
dos Santos.
Assim, a análise envolve as demandas dos indivíduos uruanenses
que, no período estudado, foram acometidos por doenças e agravos

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Tecendo Direitos

decorrentes da saúde, e em contrapartida, não foram amparados pela


prestação da saúde pelo Poder Público local, e consequentemente
buscaram o MP da referida Comarca para uma intervenção na defesa
de seu direito.
Ismail Filho (2015) apresenta que o MP tem se destacado como
importante mediador e defensor do direito a saúde e dos demais direitos
sociais de forma preventiva e resolutiva.
Wanis (2015) dispõe que ao atuar no controle preventivo o MP
evita que o dano ocorra concretamente e, portanto, este controle pode
ser exercido por ações judiciais e administrativas (próprias da
instituição) e objetiva evitar o surgimento de prejuízos decorrentes da
lesão ao direito tutelado pela instituição.
A atuação de forma preventiva pode ser tanto direta, na proteção
do direito individual no caso concreto, como pode ser indireta, que
ocorre por exemplo com a fiscalização da utilização das verbas públicas
destinadas à saúde.
Desse modo, observa-se que a instituição estudada possui
importantes prerrogativas e ferramentas legais para exigir o
cumprimento da prestação da saúde pela Administração Pública
local. Garantindo que os cidadãos uruanenses fiquem amparados
pela Promotoria de Justiça2 de Uruana-GO, buscando validar seus
direitos perante este órgão.

3. PROCEDIMENTOS INTERNOS PARA A DEFESA DO DIREITO


É relevante destacar que este tópico é de grande importância
para o estudo em tela, visto que, aqui apresenta-se os “passos” que a
Promotoria de Justiça percorre para a defesa do direito à saúde na
Comarca de Uruana-GO.
Quando procurado para legitimar em face de alguém o Ministério
Público registra um Termo de Declarações (documento que certifica
as informações coletadas) e faz a juntada de documentos
comprobatórios do direito afetado, como por exemplo as receitas e

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laudos médicos, bem como dos documentos pessoais e dados gerais


individuais.
Após esse primeiro passo, o MP abre uma Portaria Interna, a
qual é uma autuação de uma representação feira ao Ministério Público,
conferindo ao Promotor a prerrogativa de tomar as medidas necessárias
para dar início ao Procedimento Administrativo para averiguar os fatos
e o direito e determinar as devidas providências para a prestação do
direito lesado (BRASIL, 2015).
Todavia, o MP deve atentar-se quanto ao pedido (medicamento/
procedimento) pretendido, o mesmo está em conformidade com as
orientações da Câmara de Avaliação Técnica em Saúde – CATS, que
é um órgão auxiliar da Procuradoria Geral da União, e integra a área
de atuação da saúde do Ministério Público, prestando uma espécie de
assistência técnica, composta por profissionais de saúde (médicos,
enfermeiros, nutricionistas e outros). Este órgão tem a finalidade de
avaliar se as demandas de procedimentos da saúde que chegam até as
Promotorias estão de acordo com as recomendações legais e as normas
técnicas da saúde. E por meio de conhecimento técnico e científico a
CATS pode emitir avaliações sobre as demandas da saúde afim de auxiliar
o Ministério Público na defesa do direto à saúde. Dessa forma, se o pedido
for considerado “irregular” pela CATS, a Promotoria pode arquivar o
pedido sem prestar as providencias seguintes (BRASIL, 2020).
Desse modo, após analisado o caso concreto e confirmado a
legitimidade do pedido, a Promotoria de Justiça encaminha um Ofício
de Requisição ao órgão ou autoridade pública que esteja no exercício
das funções públicas da saúde na cidade. Este ofício é um dos primeiros
meios que a Comarca utiliza para requisitar que a Administração Pública
atenda o direito que está sendo lesado.
Até este ponto o MP trabalha de forma extrajudicial, ou seja,
tentando uma mediação com o Poder Público. Caso o órgão ou
autoridade pública requisitada não atenda as solicitações, a Promotoria
de Justiça pode valer-se de outras medidas legais para fazer cumprir a

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Responsabilidade da Administração em fornecer ou atender o direito


pretendido, valendo-se portando de meios judiciais para a resolução
(ISMAIL FILHO, 2015).
Se houver a resolução do conflito extrajudicial a Promotoria de
Justiça pode realizar o encerramento e/ou arquivamento do
procedimento administrativo instaurado. Desse modo, o arquivamento
ou encerramento pode ocorrer em algumas situações: o cumprimento
da requisição pelo Poder Público, ou seja, o atendimento do direito à
saúde nestas primeiras ações da Promotoria; a comprovação de que o
direito requisitado está em desacordo com a orientação da CATS; ou
se ficar comprovado que há irregularidades no pedido (OLIVEIRA,
ANDRADE & MILAGRES, 2015).
Contudo, o Ministério Público pode valer-se das vias judiciais
para garantir que o direito à saúde seja prestado, possibilitando que o
direito também seja tutelado judicialmente por ações individuais ou
coletivas de saúde (GLOBEKNER, 2015).
Assim, o promotor pode valer-se dos Remédios
Constitucionais que achar convenientes para a demanda, como o
Mandado de Segurança e Ação Civil Pública. Ocorre que, pela
celeridade, em regra, o Promotor de Justiça impetra o Mandado
de Segurança com pedidos para que o juiz resguarde os direitos e
determine à Administração Pública o fornecimento do objeto da
ação (CARVALHO FILHO, 2019).
Cumpre dizer que o objetivo da presente pesquisa não é de
aprofundar no estudo dos meios utilizados pela Promotoria (ex.:
mandado de segurança e ação civil pública), mas o de conhecer como
é a atuação do Ministério Público em favor do direto à saúde e quais
os meios por ele utilizados.
Todavia, percebe-se que a atuação do MP se configura em uma
atividade especial devidos os poderes constitucionais a ele atribuídos.
De modo que, a autonomia da instituição é um importante fator para a
resolutividade dos conflitos ensejados pelo direito à saúde.

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4. ANÁLISE DAS DEMANDAS DE SAÚDE NO MINISTÉRIO PÚBLICO DA


COMARCA DE URUANA-GO
Os dados levantados apontaram um total de 63 demandas de
intervenção do Ministério Público na referida Comarca para a proteção
de direitos decorrentes da saúde, entre os anos de 2017 a 2019; dos
quais 53 foram referentes a algum tipo de medicamento, o que
representou um total de 84,13%; 4 demandas foram para suplemento
alimentar lácteo, representando um total de 6,35%; enquanto cirurgias
e aparelhos de oxigênio tiveram 3 demandas cada uma, representando
um total de 4,76% cada, ou seja, totalizando 9,52%.
Neste caso, observa-se que no período analisado os
medicamentos foram os objetos com maior incidência nos conflitos
decorrentes do direito à saúde nesta Comarca, principalmente quando
comparado com outros tipos de solicitações.
A análise revela-nos que das 63 causas um total de 53,97%
foram promovidas por pessoas do sexo feminino e 46,03% do sexo
masculino, indicando que no período analisado houve uma maior
procura do direito à saúde pelas mulheres.
Contudo, um aspecto importante é com relação aos idosos3
(pessoas com 60 anos ou mais) que representaram um total de 38,10%
das demandas do direito aqui analisado. Assim, o Ministério Público
pode valer-se do Estatuto do Idoso – Lei nº 10.741 de 2003, para
garantir que o direito pretendido seja efetivado pela Administração
Pública, conforme prevê o art. 3º do referido Estatuto, prevendo que
o Poder Público deve dar prioridade à obrigação de prestar a saúde
às pessoas idosas. Além disso, o Estatuto do Idoso em seu art. 9º
dispõe que a garantia do direito à saúde às pessoas idosas está
fortemente ligada à Dignidade da Pessoa Humana e deve ser efetivada
por meio de políticas públicas e sociais.
Do mesmo modo, os dados apontam que as crianças4
representaram 12,70% das causas de saúde no período analisado.
Portanto, assim como os idosos as crianças também possuem um

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Tecendo Direitos

estatuto próprio – Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069


de 1990, que visa a proteção dos direitos fundamentais e incube ao
Poder Público o fornecimento de medicamentos e serviços de saúde a
esse grupo. Assim, mais uma vez, neste caso, o Ministério Público
pode valer-se de uma lei específica para a defesa do direito à saúde,
utilizando o Estatuto da Criança e do Adolescente e demais dispositivos
legais para a fundamentação da tutela do direito pretendido e da
obrigação da prestação pela Administração Pública.
Neste mesmo contexto, entre os anos de 2017 a 2019 houve o
registro de 50,80% de diversas demandas de saúde para crianças e
idosos na Comarca de Uruana-GO, apontando que estes dois grupos
juntos representaram um pouco mais da metade das causas tuteladas
pela Promotoria de Justiça da cidade.
Outro dado importante diz respeito a atuação do Ministério
Público, sendo este o principal objeto de estudo dessa pesquisa. Uma
vez que, foram analisados procedimentos administrativos instaurados
para a resolução de conflitos consequentes do direito à saúde, desses
um total de 53,96% teve sua resolução sem a necessidade de
ajuizamento, ou seja, em pouco mais da metade dos casos a atuação
extrajudicial da Promotoria restou-se frutífera e o objeto da demanda
foi atendido pelo Poder Público, o que resultou em arquivamento do
processo na Promotoria de Justiça de Uruana-GO.
Por outro lado, em alguns casos o Ministério Público levou ao
conhecimento do juízo as ações, incidindo em 46,04% do total de
suas causas. Sendo que, para todas as 29 ações levadas ao juízo, o
MP impetrou o Mandado de Segurança como Remédio Constitucional
para a defesa do direito lesado, ou seja, dos processos analisados
100% foram ajuizados por meio do Mandado de Segurança, fenômeno
este ora chamado de judicialização da saúde.
Desse modo, a pesquisa aponta que a atuação do Ministério
Público na Comarca de Uruana-GO nem sempre resulta na
judicialização da saúde, pois as prerrogativas conferidas especialmente

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a esta instituição lhe conferem o poder de resolver o conflito sem


necessidade de levá-lo a conhecimento judicial. Outrossim, os dados
levantados apresentam que em mais da metade das causas a Promotoria
atuou sem a necessidade da judicialização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observa-se que o Ministério Público é uma instituição que possui
atuação com prerrogativas exclusivas e de suma importância para o
seu poder resolutivo em conflitos que abarcam os direitos fundamentais
do homem. E, tendo em vista a importância que a saúde integral
representa para a qualidade de vida humana, a Carta Magna tutelou tal
direito ao Ministério Público.
Neste aspecto, conclui-se que para consolidar o direito à saúde
a Carta Magna delegou ao Poder Público o dever de prestá-la aos
cidadãos e sem distinção. De modo que, a atuação direta do Ministério
Público na defesa deste direito ocorre principalmente quando há a
violação das garantias constitucionais.
Logo, demonstrou-se que a Promotoria possui ferramentas
importantíssimas para atuar nas causas de proteção ao direito à saúde,
como por exemplo, consultoria de profissionais da área da saúde que
prestam assistência técnica ao Ministério Público por meio da Câmara
de Avaliação Técnica em Saúde - CATS.
Além disso, com os dados levantados na Comarca de Uruana-
GO verifica-se que este órgão é bastante atuante na tutela do direito à
saúde, ressaltando que os cidadãos uruanenses buscam efetivamente
esta instituição para a defesa dos mais diversificados serviços de saúde.
Aponta-se também uma grande incidência de causas levadas ao
Ministério Público para proteção de direitos de crianças e idosos, sendo
em sua maioria, demandas em processos que envolvem o direito à
saúde visando estes a defesa de medicamentos.
Por fim, com a pesquisa e o aprofundamento do estudo das
funções do Ministério Público, concluiu-se que o fato do direito à saúde

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Tecendo Direitos

ser buscado diretamente na Promotoria de Justiça não incide


automaticamente na judicialização, visto que esta instituição possui a
prerrogativa de buscar resolver o conflito de forma extrajudicial, e
geralmente a judicialização da saúde por meio do MP só ocorre quando
resultaram infrutíferas as tentativas de acordo para somente então serem
levados ao conhecimento do juiz.

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NOTAS
1
Tabelas Unificadas do Ministério Público é um importante instrumento que padroniza
as nomenclaturas das atividades realizadas pelo Ministério Público brasileiro, tanto em
sua atuação judicial quanto extrajudicial, foram elaboradas as Tabelas Unificadas do
Ministério Público instituída pela Resolução nº 63/2010 do CNMP (MANUAL DAS
TABELAS UNIFICADAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2013).
2
As Promotorias de Justiça são órgãos do Ministério Público para o desempenho das
funções institucionais nas comarcas, nas esferas judicial e extrajudicial. As Promotorias
de Justiça, exclusiva ou cumulativamente, têm atribuição nas diversas áreas de atuação
do Ministério Público (BRASIL, 2020).
3
É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às
pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos (art. 3º, Lei 10.741, de 2003).
4
Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade
incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade (art. 2º, Lei 8.069,
de 1990).

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Tecendo Direitos

REFERÊNCIAS

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administrativo. 2015. Disponível em: https:<//www.cnmp.mp.br/portal/
institucional/476-glossario/7874-procedimento-administrativo>. Acesso em: 07
de maio 2020.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >
Acesso em: 10 de março de 2020.
BRASIL. Lei nº 10741, de 01 de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do
Idoso e dá outras providências. Brasília, DF. Disponível em: http:<//
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm>. Acesso em: 15 de maio
2020.
BRASIL. Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança
e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF. Disponível em: http:</
/www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 15 de maio 2020.
BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS. Medicamentos -
CATS. MP-GO. Disponível em: <http://www.mpgo.mp.br/portal/conteudo/
medicamentos-cats#.XrdgeWhKjIU>. Acesso em: 09 de maio 2020.
BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO SANTA CATARINA. O que é uma
Promotoria de Justiça? 2020. Disponível em: https:<//www.mpsc.mp.br/
promotorias-de-justica/o-que-e-uma-promotoria>. Acesso em: 09 de maio 2020.
CAMBI, Eduardo; BOFF, Daniele Bohrz. Efetividade do direito à saúde pública
no Brasil. Revista Jurídica do Ministério Público do Estado do Paraná, ano 2 –
nº3, dez./2015.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 33. ed.
São Paulo: Atlas, 2019.
GLOBEKNER, Osmir Antonio. A tutela individual e coletiva do direito à saúde
pelo Ministério Público. Revista Jurídica ESMP-SP, v.8, p. 129-148, 2015.
ISMAIL FILHO, Salomão. A importância da atuação preventiva do Ministério
Público Ombudsman em prol da boa administração, no combate à
corrupção. Revista do Cnmp: Improbidade administrativa, Brasília, n. 5, p. 105-
128, 2015.
MANUAL DAS TABELAS UNIFICADAS DO MINISTÉRIO
PÚBLICO. Brasília: Cnmp, 2013. Disponível em: https:<//www.cnmp.mp.br/
tabelasunificadas/images/stories/manuais/
Manual_das_Tabelas_Unificadas_2013.pdf>. Acesso em: 01 de maio 2020.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio
ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros
interesses. 22. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
OLIVEIRA, Luciano Moreira de; ANDRADE, Eli Lola Gurgel; MILAGRES,
Marcelo de Oliveira. Ministério Público e políticas de saúde: implicações de

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

sua atuação resolutiva e demandista. Revista de Direito Sanitário, v. 15, n. 3, p.


142-161, 14 abr. 2015.
SANTOS, Aline Nunes dos. O direito social à saúde e as garantias decorrentes
em favor das pessoas com necessidades de medicamentos de alto custo. 38p.
(Monografia) - Faculdade UniEVANGÉLICA Campus Ceres, Ceres, 2014.
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2015.
WANIS, Rodrigo Otávio Mazieiro. O patrimônio público como direito
fundamental difuso e o Ministério Público como instrumento de sua proteção
preventiva extrajurisdicional - aspectos teóricos e práticos: escala de ação
progressiva. Revista do Cnmp: Improbidade administrativa, Brasília, v. 5, p. 51-
73, 2015.

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Tecendo Direitos

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CONST
NSTII TUIÇÃO FEDERAL DE 1
CONST 988:
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COMBATE AO RACISMO E À DESIGUALDADE
SOCIAL: A (IN) APLICABILIDADE DOS DIREITOS E
GARANTIAS FUNDAMENTAIS

JÚLIO CÉSAR DE MORAIS SOUZA


NAYALA NUNES DUAILIBE

INTRODUÇÃO
Este artigo visa examinar de forma circunstanciada a aplicação
dos direitos e garantias fundamentais para com a população que está
vulnerável socialmente falando, sendo que o Estado é o detentor de
todas a ferramentas e que tem a total capacidade e autonomia de garantir
de forma ativa os direitos a todos sem distinção de quaisquer naturezas.
O trabalho será dedicado em abordar a (in) aplicabilidade dos
direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, quanto
ao direito de igualdade social.
Sabe-se que os direitos fundamentais é uma ramificação dos
direitos humanos adotado pelo Brasil para ter um marco de
desenvolvimento social, sendo assegurados a todos os indivíduos
detentores de direitos gozar todos os direitos reconhecidos e positivados
pela Carta Constitucional.
A desigualdade social é entendida pelo grande índice de pobreza
que é vista a olho nu pela sociedade nas regiões que tem pouco
investimentos de políticas públicas, é fato que não há a inclusão dessas
minorias na sociedade de forma ativa.
Estigmatizar a importância de o Estado através dos representantes
do povo agir de forma positiva e construir a harmonia e bem-estar
entre a população, a importância da reparação social em todo território
nacional marcando-a com diálogo juntamente com a população e com
os movimentos pró desenvolvimento social.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

2. UM BREVE HISTÓRICO E REFLEXOS ACERCA DA DESIGUALDADE SOCIAL


E AO ENTENDIMENTO DO RACISMO NO BRASIL
A igualdade social é denominada quando há ausência de
tratamento diverso na aplicação dos direitos e deveres entre todos os
indivíduos de uma sociedade democrática de direito, sendo
imprescindíveis e indispensáveis ao bem-estar da pessoa, sendo um
direito e garantia fundamental.
Para entender o racismo, é preciso compreender o período
escravagista, período onde a pessoa preta foi considerada por mais de
300 anos mero objetos para satisfazer vontades econômicas dos
senhores de terras e do Estado, o racismo e a desigualdade foram
presentes de forma exacerbada.
Trazendo para a realidade de hoje, é perceptível que o racismo
é presente no Brasil, a diferença que hoje a escravidão continua através
da exploração, da diferença salarial, recebem um salário-mínimo ou
menos que isso para custear a sua senzala e encher o bolso da elite que
comanda o país.
O indivíduo considerado escravo fazia todo o serviço pesado,
desde o plantio da cana até a fabricação final do açúcar, em troca dos
forçosos trabalhos recebia maus tratos, vestimenta, habitação e comida
precária, não descansava. Com isso, segundo Schwarcz (2018),

a escravidão mercantil africana do período moderno é um sistema que se


enraizou cruelmente na história brasileira, e que guarda marcas profundas no
nosso cotidiano. O país não só foi o último a abolir essa forma perversa de
mão de obra nas Américas, como aquele que mais recebeu africanos saídos
de seu continente de maneira compulsória, além de ter contado com escravos
em todo o território (SCHWARCZ, 2018, on–line).

Para combater a escravidão brasileira (por ventura iniciar o


combate ao racismo), existiu os movimentos abolicionistas que fizeram
de tudo para acabar com a escravidão, foram inúmeros movimentos,
revoltas, fugas que ensejaram a liberdade dos escravos pela Lei nº
3.353 de 13 de maio de 1888, conhecida como Lei Áurea1.

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Tecendo Direitos

Não se pode negar o passado, pois o movimento abolicionista


teve um papel primordial para a possível e futura extinção total da
escravidão, só assim podendo ser reparado esse lado obscuro da
história brasileira.
Igualdade é cumulada com a dignidade da pessoa humana e a
erradicação da pobreza, promovendo o bem de todos, todas são
elencadas no Título dos Princípios Fundamentais e no Capítulo Dos
Direitos e Garantias Fundamentais no Artigo 5° da própria Constituição
Federal de 1988:

Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel


dos Estados e Municipios e do Distrito Federal, constitui – se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
[...]
Art. 3° Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil:
[...]
V – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo – se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade. (BRASIL, 1988, on-line). (Grifo nosso).

Entende-se que a Constituição federal (1988) por si só é


enumerativa e formalmente designa ao Estado a oportunidade consumar
de consumar e efetivar a aplicação desses direitos e garantias expostas
na letra da Lei.

3. RACISMO: CONSEQUÊNCIA A LONGO PRAZO


Existe a escala social e economia no qual a escala racial existente
no Brasil, no que se diz a respeito da população mais carente e
principalmente a pessoa preta, a respeito da igualdade jurídica

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

estabelecida pela própria Constituição Federal (1988). Pode-se dizer


que existem contradições na própria ordem jurídica, principalmente
quando se diz no que é essencial a pessoa, bem como saúde, moradia
e educação, bem como a própria discriminação racial.
No Brasil o preconceito tornou-se comum entre os indivíduos,
sendo consideradas normais, atingindo com mais precisão a pessoa
negra. Com os anos após erros com leis que não tiveram efeitos positivos
e efetivos como a Lei n° 1.3902.
Os legisladores perceberam a necessidade de criações de
comissões especiais para tratar sobre o assunto que vem se assimilando
ao combate do crime em questão, que causa de forma exacerbada
crimes violentos, desde as violências psicológicas a violências físicas,
causando a desonra da imagem subjetiva da pessoa. Após anos
estudando e analisando o contexto da época, foi aprovada a Lei “que
trata de crimes resultantes de discriminação, preconceito de cor, etnia,
religião ou procedência nacional” (Lei. 7.716/ 89, on-line).
A lei nº 7.716 de 05 de Janeiro de 1989 composta por 22 artigos
e apelidada de Lei Caó em homenagem ao seu idealizador Carlos
Alberto Caó, define em sua íntegra e criminaliza os atos resultantes de
preconceito de raça ou de cor. Tem por papel principal o combate ao
racismo, por ser um crime que ofende a honra e discrimina a toda
coletividade.
A lei por si só é fadigosa, mas para concretizar e consumar o
racismo é preciso entender que é necessário ter o dolo ao cometer tais
condutas por razoes raciais, tem como pena reclusão de dois a cinco
anos.

4. CONSTITUIÇÃO FEDERAL: DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS:


PAPEL DO ESTADO
A Constituição Federal (1988) com o seu profundo apego
democrático, convalidou – se em seu texto legal, o princípio de
igualdade3 de todos perante a lei, com isso devendo-se se incorporar

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Tecendo Direitos

para uma avançada modernização em todas as modalidades de classes


existentes no país, sem distinção de quaisquer naturezas.
Nesse mesmo sentido, Barreto (2012) se posiciona de forma
ativa,

mais do que uma prerrogativa fundamental, a igualdade constitui um


alicerce imprescindível na estruturação social e política dos Estados
democráticos, detendo de profunda ligação com conteúdo essencial do
princípio da dignidade humana, considerando – se que este valor jurídico
é reconhecido, de for ma indistinta, para todas as pessoas,
independentemente de classe econômica, status social ou características
particulares, como o seco etnia ou a origem dos cidadãos, (BARRETO,
2012, p. 230).

Em relação aos direitos fundamentais e por ser uma ramificação


legal dos direitos humanos, sempre serão importantes para um Estado
Democrático de Direito em desenvolvimento como o Brasil. Isso
porque, os primeiros constitucionalistas visando estruturar um estado
Moderno, a sua preocupação foi anunciar, garantir e propugnar os
direitos individuais e coletivos da pessoa humana independentemente
de qualquer natureza de distinção.
Segundo Pardo (2003, p. 05 apud BERNARDES &
FERREIRA, 2012, p. 580), “o constitucionalismo moderno passa por
variações históricas de acordo com a evolução dos direitos que garante,
reforçando a tese da origem de congênita do constitucionalismo e a
doutrina dos direitos fundamentais”.
No direito constitucional é previsto a terminologia da dimensão
objetiva, onde o Estado tem o dever obrigação de agir e assumir o
papel de protetor do direito do cidadão, devendo aplicar o que é previsto
no capítulo dos direitos e garantias fundamentais (BRASIL/1988, on-
line) de forma proporcional a todo cidadão, com intuito de acabar
com a desigualdade social.
Segundo Canotilho (2003 apud BARRETO, 2013),

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há “o dever do Estado de adotar medidas positivas destinadas a proteger


o exercício dos direitos fundamentais perante atividades perturbadoras
ou lesivas dos mesmos direitos praticados por terceiros” (CANOTILHO,
1974 apud BARRETO, 2013 p. 220).

No entanto, é um papel principal do Estado agir e garantir a


concretude desses direitos fundamentais a pessoa humana, por meio
das leis, normas e códigos, evitando – se na medida do possível
obstáculos que configuram na desigualdade, discriminação, bem como
a marginalização social e racial.
Na dimensão subjetiva, todo indivíduo tem o direito de exigir de
forma livre e espontânea do Estado, respostas, ações ou omissão dos
quais possam refletir de forma ativa nas relações entre os indivíduos. A
dimensão subjetiva representa, pois, a esfera ou plano individual de
proteção jurídica dos sujeitos que titularizam os direitos fundamentais
(BARRETO, 2013, p. 220).
É perceptível que a não aplicação dos direitos e das garantias
fundamentais de forma ativa pelo Estado, tem como consequência a
ascensão da pobreza, da marginalização social e racial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista essa análise crítica social e jurídica, é visível a
inaplicabilidade e a ausência de ação por parte do Estado dos direitos
fundamentais, uma grande massa da população brasileira ainda se
encontram em situações degradantes, não gozando de direitos previstos
na legislação constitucional no que diz ao desenvolvimento social,
político, econômico e jurídico.
O apresentou as questões que é responsável pela desigualdade
que é persistente na sociedade, mencionando de forma exemplificativa
as dimensões objetivas e subjetivas tanto a atuação do Estado e quanto
da atuação do Cidadão.
A falta de políticas públicas para incluir a população em
vulnerabilidade social tem como consequência a ascensão da pobreza

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Tecendo Direitos

e da desigualdade social, tendo como mais afetados a população preta


que de fato sente na pele o racismo moderno que é a forma mais cruel.
A solução viável para tentar extinguir o racismo estrutural no
Brasil e a desigualdade social, é a real efetivação dos exercícios dos
direitos fundamentais, bem como a sua aplicação a realidade de todos
os brasileiros sem distinção de raça ou cor. É de fato que ainda há a
ineficácia da aplicação de leis que podem solucionar vários empecilhos
existentes na sociedade.
No que tange aos Fundamentais previstos na própria
Constituição Federal (1988), pode – se afirmar que é uma conquista
das ações dos movimentos pró desenvolvimento e social, mas a não
aplicação desses direitos é a causa principal de mortes no Brasil, tanto
pela não aplicação quanto pelo Estado ceifar a vida das minorias através
da sua polícia institucional.
De fato, um governo sério sabe o que fazer em relação a
população preta que é representada pela grande massa que vivem nas
periferias, comunidades ou favelas das grandes e pequenas cidades,
bem como acabar com a desigualdade social e em consequência o
racismo. Primeiro passo é investir em políticas públicas, em ações
afirmativas; em políticas educacionais inclusivas viáveis, fazendo isso
gerar impacto positivo sobre o interesse público e a coletividade.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

NOTAS
1
Naquele período não poderia ter considerado os ex – escravos como libertos, sabe – se
que a Lei Áurea não teve políticas de reintegração dos indivíduos libertos à sociedade,
sem nenhuma indenização. Comemora – se a verdadeira liberdade no dia 20 de novembro,
morte do Zumbi dos Palmares, dia da consciência negra.
2
Conhecida como Lei Afonso Arinos, não teve efeitos positivos enquanto estava vigente,
pelo fato de ser uma lei considerada como contravenção penal.
3
Segundo a BRASIL/1988, todos são iguais em direitos e obrigações, consagrando – se
o princípio da igualdade

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Tecendo Direitos

REFERÊNCIAS

BARRETO, Alex Muniz. DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO. 1°Ed. SP:


EDIJUR, 2013.
BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves.
DIREITO CONSTITUCIONAL TOMO I. Teoria da Constituição. Salvador:
JusPODVIM, 2012.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil 1988. Brasília – DF:
Presidência da República [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.html. Acesso em: 10 out 2019.
______. Lei n° 1.390, de 03 de Julho de 1951. DF: Presidência da República.
Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1950-1959/lei-1390-3-
julho-1951-361802-normaatualizada-pl.pdf Acesso em 17. mar. 2020.
BRASIL. Lei N° 3.353 DE 13 DE MAIO DE 1988. Declara Extinta a Escravidão
no Brasil. DF: Presidência da República [2019]. Disponível em: planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/Lim/lim3353.htm Acesso em: 18 nov 2019
______. Lei n° 7.716, de 05 de janeiro de 1989. Define os Crimes Resultantes
de Preconceito de Raça ou de Cor. DF: Presidência da República [1989].
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm Acesso em:
09. fev. 2020.
______. Zumbi foi o grande líder do quilombo dos palmares. Secretaria Especial
da Cultura (2013). Disponível em http://cultura.gov.br/zumbi-foi-o-grande-lider-
do-quilombo-dos-palmares/. Acesso em: 03 dez 2019.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Espetáculo da Miscigenação. Estud. av, SP, v.8, n°20,
p.137–152, Apr. 1994. Disponível em: http://ref.scielo.org/cvnmvy. Acesso em:
13 nov. 2019.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

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Tecendo Direitos

6CRIMES CON TRA A DIG


CON NID
DIGNIDADE
NIDADE
SEXU AL CO
SEXUAL MET
COMET IDOS EM VIA
METIDOS VIASS
PÚBLICAS: UMA ANÁLISE NOS MUNICÍPIOS
PÚBLICA
DE CERES E RIALMA

ALINE BATISTA DOS SANTOS


GUILHERME SOARES VIEIRA

INTRODUÇÃO
A Carta Magna de 1988 principia em seu artigo 1° os fundamentos
do Estado Democrático de Direito, garantindo a conservação da Dignidade
da pessoa humana. Com isso, a dignidade da pessoa humana é um dos
princípios norteadores do ordenamento jurídico vigente, servindo para
coordenar os demais princípios e normas aplicadas no país.
Historicamente, o primeiro código de leis criado foi o Código de
Hamurabi, por volta do século XVIII a.C. Ele defendia a vida,
contemplava a honra, a dignidade, a família, o direito de propriedade e
a supremacia das leis em relação aos governantes da época. Os Direitos
Fundamentais estão contemplados na Constituição Federal de 1988 e
são uma criação do consequente contexto histórico-cultural da
sociedade, visando proporcionar ao cidadão condições mínimas para
uma vida digna, de igualdade e liberdade.
Um filósofo significativo para a compreensão do direito, através
de suas contribuições por meio de suas convicções, foi Immanuel Kant,
de modo que foi o estudioso que mais contribuiu para a delimitação do
conceito da dignidade da pessoa humana. Em uma de suas obras,
Fundamentação da Metafísica dos Costumes, é apreendido o conceito
de dignidade da pessoa humana, a saber

no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando


uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como
equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto,

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não permite equivalente, então ela tem dignidade, (KANT, 2011 apud
PAGNO, 2016, p. 224).

Dessa forma, o conceito de dignidade está conexo com um


princípio de valor, sendo algo que não tem preço e não poderá ser
trocado por outra coisa e tampouco negociada. Assim, é um valor
próprio em si mesmo (PAGNO, 2016). Atravessadamente, a dignidade
da pessoa humana é tanto um direito garantido como também um dever.
Por assim ser, todos, além de se respeitarem como pessoas, deverão
respeitar o próximo e seus princípios.
Consubstanciado na Constituição Federal (1988), viu-se que o
princípio da dignidade da pessoa humana constitui como princípio
regente do ordenamento jurídico. Inclui-se esse princípio também no
ordenamento jurídico do Direito Penal, o qual versa sobre os crimes
que lesionam a dignidade. De acordo com Guilherme de Souza Nucci
(2014),

a dignidade sexual liga-se à sexualidade humana, ou seja, o conjunto dos


fatos, ocorrências e aparências da vida sexual de cada um. Associa-se a
respeitabilidade e a autoestima à intimidade e à vida privada, permitindo-
se deduzir que o ser humano pode realizar-se, sexualmente, satisfazendo
a lascívia e a sensualidade como bem lhe aprouver, sem que haja qualquer
interferência estatal ou da sociedade, (NUCCI, 2014, p. 31).

O autor vincula a dignidade sexual com sua sexualidade, que


são pertencentes a cada ser humano. Se trata de uma relação de respeito
à vida privada, em que o ser humano deve se realizar da maneira que
entender tendo seu princípio preservado, e que não haja interferência
do estado ou da sociedade (NUCCI, 2014).

Por óbvio, a satisfação sexual deve dar-se em âmbito de estrita legalidade,


vale dizer, sem afronta a direito alheio ou a interesse socialmente relevante.
Assim sendo, não se tolera a relação sexual invasora da intimidade ou
vida privada alheia, sem consentimento, além do emprego de violência
ou grave ameaça, (NUCCI, 2014, p. 31).

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Tecendo Direitos

O autor deixa claro que essa satisfação sexual não poderia ter
interferência estatal ou da sociedade, e não poderá de forma alguma
ferir o direito alheio. Logo, torna-se inaceitável a satisfação sexual que
invade a intimidade e a integridade da vida do próximo que não consentiu
com o ato. Não se admite, portanto, o emprego de violência ou grave
ameaça para garantir essa satisfação sexual, (NUCCI, 2014).
O Direito caminha conforme as exigências e necessidades sociais,
desde as primeiras civilizações tipificava-se os crimes sexuais e suas
penas, as quais eram severas e muitas até cruéis. Com a evolução dos
códigos penais, as penas se tornaram mais humanizadas, mas continuam
sendo punidas rigorosamente.
Em seguida, realizar-se-á a demonstração dos crimes contra a
dignidade sexual e uma análise desses no país, bem como o resultado
do questionário aplicado e quais são os órgãos de apoio que a
população de Ceres e Rialma possui.

2. CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL


O Código Penal brasileiro vigente foi decretado em 7 de
dezembro de 1940, e esse vem sendo retificando por meio de leis.
Com isso, hoje tem-se o título VI, “Dos Crimes contra a dignidade
sexual” (BRASIL, 2009). Dentro desse capítulo está tipificado o crime
de estupro, violação sexual mediante fraude, importunação sexual e
assédio sexual. Tanto o crime de estupro como a importunação sexual,
na maioria das vezes são efetivados em locais ou vias públicas.

2.1 ESTUPRO
O termo estupro já teve várias significações no decorrer dos
anos até os dias hodiernos. Hoje, na essência, conforme a redação
dada pela Lei n° 12.015/2009, é a violação sexual violenta, grave
ameaça, é o constrangimento à prática de ato libidinoso ou a conjunção
carnal1. O crime, por meio da redação anterior, entendia-se que tinha
como sujeito ativo o homem e somente como sujeito passivo a mulher.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

Com a presente lei, inferiu que o crime de estupro não tem sujeito ativo
ou passivo2 predeterminado. Depreende que, o homem e a mulher são
compartilhadores da mesma obrigação: de respeito ao próximo e
proteção a sua liberdade sexual.
O delito é acompanhado de graves ameaças que intimidam a
vítima, e há violência produzida pelo agente, corporal ou utilizando-se
de outros meios. Se da conduta do agressor resulta em lesão corporal
de natureza grave, a pena será de 8 a 12 anos de reclusão, e do mesmo
modo se a vítima é menor de idade. Se a ação resulta em morte,
reclusão de 12 a 30 anos, (BRASIL, 2009).

2.2 IMPORTUNAÇÃO SEXUAL


O crime de Importunação sexual, previamente definida como
Contravenção Penal, teve sua tipificação no artigo 61 do Decreto Lei
3.688/1941 denominada como Importunação ofensiva ao pudor. No
dia 24 de setembro no ano de 2018 alterou-se o Decreto-lei n° 2.848/
1940, tipificando o crime de importunação sexual. Fora revogado o
dispositivo do artigo 61 da Lei das Contravenções Penais, e ainda se
definiu que os crimes contra a liberdade sexual serão sempre de ação
pública incondicionada (Planalto, Lei n° 13.718/2018).
Importunação sexual3, caracteriza-se pelo ato em que o agente
pratica ato libidinoso para se satisfazer ou para corresponder terceiro
sem a anuência da vítima. Será penalizado com reclusão de 1 a 5 anos
se desse ato não resultar crime mais grave (BRASIL, 2018). Atos
como a passada de mão e beijo roubado, que são atos libidinosos,
estão passíveis de serem penalizados como importunações, desde que
não ocorra violência, grave ameaça ou grave lesão, (DINIZ, 2018).
De acordo com Diniz (2018), a tipificação desse crime foi um
meio de tratar esses atos com mais relevância, posto que anteriormente
eram tratados como mera contravenção penal de importunação ofensiva
ao pudor, não carregando a intensa tipificação de estupro. Ou seja,
imprescindível que ele se tipifique tanto como consumando, como de

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Tecendo Direitos

forma tentada. Assim, tem-se esses atos não equiparados ao estupro,


porém não deixando eles de receber uma punição com exata justiça.

3. ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA


No Brasil, anualmente é publicado um relatório com estatísticas
da violência no país, elaboradas por pesquisadores do Fórum de
Segurança Pública (FSP). O FSP é um órgão não governamental,
apartidário e sem fins lucrativos, e o esse relatório por ele confeccionado
é titulado de Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2019). Trata-se
do mais amplo retrato da segurança pública brasileira, é o estudo que
se baseia em informações fornecidas pelas secretarias de segurança
pública estaduais, pelo Tesouro Nacional, polícias civis, militares e
federais, e demais fontes oficiais da Segurança Pública. Baseado nessas
fontes, o estudo divulgado aponta um recorde da violência doméstica
e sexual no Brasil.
De acordo com o Anuário, em 2017 foram 63.157 registros, no
ano de 2018 sucederam 66.041 vítimas de estupro no país, sendo o maior
índice desde 2007, quando o estudo começou a ser feito. De acordo com
os dados analisados, à pesquisa aponta um crescimento de 4,1% nos
casos de violência sexual, com cerca de 180 estupros por dia, registrados
no país. Analisando os números, mais de 80% das vítimas são do sexo
feminino e mais da metade tinham até 13 anos de idade, apenas. Diante
disso, mostra a considerável gravidade desses crimes sexuais.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2019), trouxe os
números de ocorrências registradas em cada unidade da Federação.
No Estado de Goiás, em 2017 foram registradas 2.708 vítimas de
estupro e 354 tentativas. No ano de 2018, foram registradas 3.077
vítimas de estupro e 362 tentativas, isso com a Lei 13.718/2018
aprovada em setembro, quando pôde ser tipificado como crime a
importunação sexual, dependendo da conduta.
O estudo ainda destaca que os crimes sexuais comparados com
as demais espécies, estão entre aqueles com as menores taxas de

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

notificação à polícia. De acordo com a Pesquisa Nacional de


Vitimização (2013), estimou-se que cerca de “7,5% das vítimas de
violência sexual notificam a polícia”. Com esses dados, quanto a essa
subnotificação, o estudo faz intuir que os números de casos devem ser
maiores do que se tem conhecimento (ANUÁRIO BRASILEIRO DE
SEGURANÇA PÚBLICA, 2019).

4. RESULTADO DO QUESTIONÁRIO ONLINE


O questionário foi aplicado 100% online visando não ter contato
com as entrevistadas, e se deu por meio da plataforma “Survio.com”.
Por meio dela, após a criação do questionário, se deu início ao
compartilhamento nas redes sociais. As respostas foram coletadas do
dia 20 de abril ao dia 29, também do mês de abril. O mesmo contabilizou
100 respostas, onde 94% das mulheres eram maiores e capazes e
97% dessas mulheres entrevistadas residem, trabalham ou estudam,
nos Municípios de Ceres ou Rialma. O restante se trata de municípios
próximos.

GRÁFICO 1 - SENTE MEDO DE ANDAR SOZINHA NA RUA?

Fonte: (SANTOS, 2020).

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Tecendo Direitos

O objetivo era entender se as mulheres dos municípios em epígrafe


sentiam insegurança ao andar em vias públicas. Para isso, foi perguntado
às entrevistadas se frequentemente andavam sem nenhum meio de
transporte. 68% delas responderam que têm o hábito de andar em seu
cotidiano sem nenhum meio de transporte na maior parte do tempo. As
respostas da pergunta de n° 4 estimaram que 79% das entrevistadas
afirmaram não se sentirem seguras ao andar em vias públicas. Com relação
ao horário, 99% afirmaram que o período de maior insegurança é durante
o período noturno. Também foi perguntado se no período diurno trazia
mais segurança para elas, porém 6% afirmaram não sentir segurança mesmo
durante o dia.
O estudo feito pelos pesquisadores do Fórum de Segurança Pública
(FSP) já desenvolvido acima, faz-se entender que essa insegurança em
andar em vias públicas é resultado do crescimento da violência sexual no
país nos últimos anos. Buscando fazer válida essa possibilidade, de que
um dos motivos da insegurança ser decorrente do crescimento da violência
sexual no país, baseou-se as próximas perguntas. Foi perguntado se em
algum momento já havia presenciado alguém ser constrangida verbalmente,
com gestos obscenos ou sendo tocada indevidamente, e 69% das
entrevistadas afirmaram que já presenciaram alguma dessas situações.

GRÁFICO 2 - VOCÊ JÁ SOFREU ALGUM CONSTRANGIMENTO NA RUA OU


LOCAL PÚBLICO?

Fonte: (SANTOS, 2020)

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

Nessa questão, foi facultado o direito de a entrevistada responder


mais de uma alternativa, de acordo com o que já vivenciou. Apenas
31% das entrevistas não sofreram nenhuma espécie de constrangimento,
mas 60% se sentiram constrangidas verbalmente, 21% viram gestos
obscenos que foram direcionados a elas. Entre as opções de respostas,
tinha a de que se ela já tivesse sido tocada indevidamente, ou seja, sem
seu consentimento, e 5% das mulheres afirmaram terem sido tocadas
indevidamente em vias públicas ou local público.
Imperioso ressaltar que a realização de ato libidinoso na presença
de alguém de forma não consensual com o objetivo de “satisfazer a
própria lascívia ou a de terceiro”, é crime de importunação sexual.
Portanto, a conduta dos gestos obscenos e do toque indevido, podem
ser identificadas como crime de importunação sexual. Relacionando
com as respostas, algumas das entrevistadas já foram vítimas de atos
que podem configurar importunação sexual.

GRÁFICO 3 - SABIA QUE “PRATICAR CONTRA ALGUÉM E SEM ANUÊNCIA


(CONSENTIMENTO/APROVAÇÃO) ATO LIBIDINOSO (RELATIVO AO
PRAZER/APETITE SEXUAL) COM O OBJETIVO DE SATISFAZER A PRÓPRIA
LASCÍVIA (SENSUALIDADE EXAGERADA) OU A DE TERCEIRO” É CRIME DE
IMPORTUNAÇÃO SEXUAL?

Fonte: (SANTOS, 2020).

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Tecendo Direitos

O objetivo das perguntas de n° 09 e 10 era identificar se as


mulheres desses pequenos municípios em epígrafe possuíam
conhecimento quanto à tipificação desses crimes: o estupro e a
importunação sexual. Para facilitar, além da cópia do artigo, buscou
trazer o significado de algumas palavras para uma melhor compreensão
de quem não tivesse conhecimento sobre.

GRÁFICO 4 - VOCÊ SABIA QUE “CONSTRANGER ALGUÉM, MEDIANTE


VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA, A TER CONJUNÇÃO CARNAL OU A
PRATICAR OU PERMITIR QUE COM ELE SE PRATIQUE OUTRO ATO
LIBIDINOSO” É CRIME DE ESTUPRO?

Fonte: (SANTOS, 2020).


As duas perguntas obtiveram o mesmo resultado, onde 20%
das entrevistadas afirmaram que não tinha conhecimento, e as outras
80% já obtinham ciência. Levando em consideração o avanço da
tecnologia e a rapidez com que as informações são repassadas no dia
a dia, seria muito mais satisfatório ver que todas as entrevistadas
soubessem identificar essas condutas como criminosas.
Por fim, o último objetivo desse questionário, depois de saber
qual o nível de conhecimento das cidadãs residentes nesses municípios
escolhidos, a última pergunta buscava entender qual seria a atitude
dessa entrevistada caso fosse vítima de um desses crimes.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

GRÁFICO 5 - SE VOCÊ FOR VÍTIMA DE UM DESSES CRIMES?

Fonte: (SANTOS, 2020).

As entrevistadas responderam da seguinte forma: 61%


denunciariam, 21% não se sentiriam seguras para denunciar, e outras
18% não souberam responder no momento. Esse percentual,
comparado ao das perguntas anteriores, é mais insatisfatório. Somando
a porcentagem das entrevistadas que não afirmaram que efetuariam a
denúncia, são 39% delas maior do que a porcentagem das entrevistadas
que não tinham ciência das tipificações dos crimes de estupro e
importunação sexual.

5. POLÍTICAS DE PREVENÇÃO E ATENDIMENTO


A Lei n° 12.435/11, que é a versão atualizada da Lei Orgânica
da Assistência Social4, prevê os mínimos direitos sociais visando garantir
atendimento às necessidades básicas no conjunto de provisões
socioassistenciais. Em seu artigo 6°- C dispõe sobre os órgãos CRAS5
e o CREAS6, ambas atuam com o foco em pessoas em situações
vulneráveis e de risco social, porém atuam com finalidades diferentes.
O CRAS atua buscando prevenir ocorrências de situações de riscos
sociais, pois fica localizado em municípios com maiores índices de

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Tecendo Direitos

vulnerabilidade e risco social, atua através do desenvolvimento e


monitoramento dessas famílias. Já o CREAS oferece apoio e orientação
especializada às pessoas que já em situações de risco comprovado
(CREAS, 2020).
Os municípios de Ceres e Rialma contam com a unidade do
CREAS em seus municípios com serviços socioassistenciais como
saúde, educação, apoio e orientação ao cidadão vítima de violência
física, psíquica e sexual, como também de abandono, ameaça, maus
tratos e outras discriminações.

Oferece ações especializadas de orientação, proteção e até mesmo


acompanhamento psicossocial e jurídico individualizado a idosos,
portadores de necessidades especiais, mulheres, crianças e adolescentes
(CREAS, 2020).

No mais, Ceres ainda conta com um dos Centros de Referência


de Atendimento à Mulher, que são instrumentos da política pública
especial de prevenção e enfrentamento à violência contra a mulher, e
vinculam-se administrativamente ao órgão gestor das políticas para as
mulheres do município onde estão localizados (BRASIL, 2006).
Também, proporciona o atendimento e o acolhimento necessário à
superação da situação de qualquer violência sofrida pela vítima,
contribuindo para o fortalecimento da mulher e o resgate da sua
cidadania.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante o exposto, o país vem enfrentando esse crescimento da
violência sexual, e estima-se que os números sejam maiores diante dos
casos já registrados no decorrer desses anos. A porcentagem de vítimas
que notificam os crimes, baseado nas respostas do questionário, não
se trata da falta de conhecimento quanto a esses crimes e sim da
insegurança. Além da insegurança ao trafegar por vias públicas no
período noturno, as mulheres se sentem inseguras para denunciar.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

Os municípios analisados possuem uma estrutura aparentemente


capacitada para orientar, apoiar e acompanhar as vítimas desses crimes
de violência sexual. No entanto, faz-se necessário mais informação,
campanhas e divulgações para com essa população. Não se delimita
apenas a esses municípios, já que essa mudança se faz necessário dentro
do território brasileiro, para que qualquer pessoa compreenda que esses
crimes contra a dignidade sexual estão passíveis de condenação e para
que não fiquem eles como mais um caso subnotificado e sem penalizar
os agentes.

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Tecendo Direitos

NOTAS
1
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção
carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena -
reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. § 1° Se da conduta resulta lesão corporal de
natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos § 2° Se da conduta resulta morte Pena -
reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos, (BRASIL, 2009).
2
Sujeito ativo de uma infração penal é aquele que comete o crime; passivo, aquele que
sofre a infração penal.
3
Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo
de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco)
anos, se o ato não constitui crime mais grave, (BRASIL, 2018).
4
Lei Orgânica da Assistência Social n° 8.742 de 7 de dezembro de 1993.
5
Centro de Referência de Assistência Social
6
Centro de Referência Especializado de Assistência Social

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

REFERÊNCIAS

ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 12., São Paulo. Anuário


Brasileiro de Segurança Pública 2018: Segurança Pública em números.
Pinheiros/SP: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2018. 89 p. Disponível
em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/02/Anuario-
2019-v6-infogr%C3%A1fico-atualizado.pdf. Acesso em: 26 abr. 2020.
______, 13., , São Paulo. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019:
Segurança Pública em Números - Violência contra a mulher. Pinheiros/sp: Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, 2019. 217 p. Disponível em: http://
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anuario_brasileiro_de_seguranca_publica_fbsp_2019.pdf. Acesso em: 24 abr.
2020.
BRASIL. Aparecida Gonçalves. Secretaria Especial de Políticas Para As Mulheres
– Presidência da República (org.). NORMA TÉCNICA DE UNIFORMIZAÇÃO:
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Tecendo Direitos

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

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Tecendo Direitos

7
O ESTUDO DOS INQUÉRI
INQUÉRI
UÉRITT OS CIVIS
E DA S AÇÕES CIVIS PÚBLIC
DA PÚBLICAAS
PROPOST
PROPOST
OPOSTAA S PEL
PELAA PROMOT
PRO ORIA DE
OTO
JUST IÇA DE UR
JUSTIÇA UAN
URU A-G
ANA-G
A-GOO
PEDRO HENRIQUE ROCHA SILVA
VITOR MARTINS CORTIZO

INTRODUÇÃO
O presente artigo ilustrado com o título “Inquérito Civil: elementos
à propositura da Ação Civil Pública e o Estudo dos Procedimentos e
das Ações Propostas pela Promotoria de Justiça de Uruana/GO”,
aborda o tema dos procedimentos administrativos e das ações civis
públicas, sendo o Ministério Públicos legitimado à defesa dos interesses
da coletividade.
O estudo analisa a legitimidade do Ministério Público de Goiás,
tanto constitucional quanto infraconstitucional, através do microssistema
coletivo, em defesa dos interesses da coletividade, por intermédio dos
institutos extrajudiciais e das Ações Civis Públicas.
Diante das inúmeras funcionalidades do Ministério Público, o foco
do presente trabalho é delimitado as atuações mencionadas, demonstrando
os instrumentos legais disponíveis para conservação desses direitos, e quais
os meios a sociedade pode se valer para garanti-los.
Este trabalho objetiva-se, de forma geral, examinar a evolução
institucional ministerial, evidenciando os instrumentos (Inquérito Civil,
Termo de Ajustamento de Conduta, Ação Civil Pública) a garantir a
efetivação dos direitos.
Referente à metodologia da pesquisa, este estudo se pauta no
método qualitativo e quantitativo, os dados e informações coletadas
ocorreram por meio de livros físicos e virtuais, dados fornecidos pelo
Ministério Público de Uruana e por fontes oficiais (Leis, Decretos),

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

sendo utilizados ainda dados secundários para subsidiar a análise


elaborada na pesquisa.
A pesquisa bibliográfica, isto é, – a abordagem do assunto
mediante a utilização de textos de referência produzidos sobre o assunto
– em especial as teorias abordadas concernentes à atuação Ministerial,
ao Inquérito Civil e Ação Civil Pública, com a utilização da Constituição
Federal, da Lei de Ação Civil Pública (LAC) e demais legislações
correlatas.
O trabalho tem como justificativa a necessidade de demonstrar
o trabalho desempenhado pelo Ministério Público, tratando-se de uma
instituição multifacetada, dispondo de diversos instrumentos para
cumprir com sua missão constitucional.
Passa-se agora à discussão sobre os instrumentos à defesa da
sociedade, demonstrando todos caminhos percorridos para garantir
uma sociedade democraticamente justa.

2 INQUÉRITO CIVIL E AÇÃO CIVIL PÚBLICA


2.1 INQUÉRITO CIVIL
Diante da grande importância da atuação do Ministério Público
na sociedade, principalmente para que cumpra suas operosas e
diversificadas atribuições extrajudiciais, foi necessário a criação de
instituto que facilitasse a colheita de elementos para instruírem as ações
propostas pelo órgão.
Vale mencionar que o inquérito civil foi criado pela Lei n° 7.347/
85, logo após foi ratificado pela Constituição Federal, mais precisamente
em seu art.129, inciso II, onde especifica as funções do Ministério
Público, sendo uma delas promover o inquérito civil. Neste contexto
Mazzilli nos explica que,

criado na Lei n. 7.347/85 e logo depois consagrado na Constituição de


1988, o inquérito civil é uma investigação administrativa a cargo do
Ministério Público, destinada basicamente a colher elementos de convicção
para eventual propositura de ação civil pública; subsidiariamente, serve

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Tecendo Direitos

para o Ministério Público: a) prepare a tomada de compromisso de


ajustamento de conduta ou realize audiência públicas e expeça recomendações
dentro de suas atribuições; b) colha elementos necessários para o exercício de
qualquer ação pública ou para se aparelhar para o exercício de qualquer outra
atuação a seu cargo (MAZZILLI, 2009, p. 447).

Conforme é descrito, o inquérito civil surgiu para possibilitar ao


parquet uma atuação mais eficaz e concreta, que lhe proporciona mais
segurança na colheita de materialidade e autoria dos fatos.
Diante de tantas incumbências, e o enorme avanço na defesa dos
direitos difusos e coletivos, se fez necessária a criação de um procedimento
que melhor capacitasse o órgão em seu trabalho. Assim, com a criação de
tantas leis, dentre elas a Lei n° 7.347/85, conhecida como LACP, se
impulsionou ainda mais a criação de tal procedimento. Veja-se,

daí é que se passou a refletir sobre o ponto e, de forma pioneira, o


Promotor de Justiça paulista José Fernando da silva Lopes, em um
congresso institucional estadual ainda em 1980, propôs a criação de um
“inquérito civil, em contraposição ao tradicional inquérito penal, o qual
deveria ser conduzido por órgão administrativos, que realizariam
atividades investigatórias prévias à eventual propositura da ação civil
pública por parte do Ministério Público, instrumentalizando este a tanto,
sendo que seus membros teriam poderes de requisição, acompanhamento
e controle, sem contudo presidi-lo, conforme ocorre com inquérito policial
(MACÊDO & OGRIZIO, 2016, p. 71).

Desta forma, com a criação do inquérito civil, houve um grande


salto institucional, sendo que este teve como seu paradigma o próprio
inquérito policial, propondo que a própria instituição ministerial
conduzisse diretamente a investigação civil, sem precisar diretamente
de outro órgão administrativo para corroborar para o ato.
Conforme Mâcedo & Ogrizio (2016), este procedimento foi
criado no Brasil, de maneira original e sem se basear em outros modelos
estrangeiros. Sua recepção expressa feita pela Constituição Federal
de 1988 e por várias outras leis destacando-se ainda mais sua
importância.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

Assim, este procedimento, que é promovido de forma exclusiva


pelo Ministério Público, garante uma atuação mais efetiva e eficaz,
sem que a instituição corra grandes riscos de cometer equívocos em
prol da defesa dos direitos.
Neste mesmo sentido Alves & Berclaz (2017) explicam que o
inquérito civil é uma sucessão encadeada de atos formais e documentais,
possuindo como finalidade a investigação de condutas ilícitas, além de
ser uma das principais ferramentas à disposição para cumprimento de
seu mister.
Mazzilli (2009) nos explica que para se determinar a materialidade
e autoria dos fatos o Órgão Ministerial poderá promover diversas
diligências, requisitar documentos, informações, exames e perícias,
expedir notificações, tomar depoimentos, proceder vistorias e
inspeções. O que se assemelha bastante ao inquérito policial, aplicando
analogicamente algumas de suas normas, desta forma poderá ser
aproveitado tudo aquilo que seja harmônico com a instrução judicial.
Macêdo & Ogrizio (2016) ressaltam que não havendo requisitos
mínimos, ou mesmo se os fatos narrados não configurarem lesão a
direito, ou se os fatos já tiverem sido investigados ou forem objeto de
ação judicial, ou solucionados, não deverá o inquérito civil ser
instaurado.
Descrevem ainda que o inquérito civil é um procedimento
destinado a uma finalidade investigatória, sendo dever ao presidente
responsável conclui-lo de modo formal, com o relatório das conclusões
daquilo que foi investigado, por meio do relatório, no caso de ingresso
de uma ação judicial ou por meio de uma promoção de arquivamento
ao CSMP.

2.2 AÇÃO CIVIL PÚBLICA


O Doutrinador Smanio (2004), nos explica que a Ação Civil
Pública, possui em seu nome uma impropriedade, já que toda ação
civil é pública, independente se ela é proposta pelo Ministério público

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Tecendo Direitos

ou por seus colegitimados. A ação pública ou coletiva possui estes


sinônimos, diante de seu objetivo de tutelar interesses difusos,
transindividuais ou metaindividuais.
Assim, a ação civil pública é ampla, podendo ser manejada em
defesa de diversos direitos, em diversas áreas de atuação na sociedade,
sendo que o artigo 129, III, (BRASIL/1988) faz deste o principal
instrumento utilizado pelo Parquet em defesa dos direitos fundamentais.
A LACP, em seu art. 5°, confere legitimidade ao Ministério
Público, à União, Estados, Municípios, autarquia, empresas públicas,
fundações e sociedade de economia mista, impondo ainda que se o
Ministério Público não propuser a ação, este terá que intervir
obrigatoriamente como fiscal da Lei 7.347 (art. 5°, §1°, BRASIL/
1985). Vejamos os pensamentos de Alves & Berclaz,

(...) a confirmação da ação civil pública como instrumento de defesa de


direitos fundamentais (artigo 5°, c./c artigo 129, III, da CR) faz desta a
principal instrumento para a atuação do Parquet na condição de parte,
tanto é assim que a legitimação ministerial é expressa por força da própria
dicção constitucional (artigo 129, parágrafo único, da CR), (ALVES &
BERCLAZ, 2017, p. 167/169).

Mazzilli (2009) disciplina esta matéria, com relação Ministério


Público, ensina-nos que há antes dever do que direito de agir, tendo
uma obrigatoriedade e a consequente indisponibilidade da ação. Diante
disso, não é admitido que o Ministério Público identificando alguma
hipótese em que deva agir, se recuse, pois a sua ação é um dever.
Este princípio da obrigatoriedade, não só garante a propositura
da ação, mas cada uma de suas etapas, não permitindo a desídia por
parte do parquet, mesmo se um colegitimado de forma injustificada
desiste. Com exceção de casos excepcionais, em que própria lei não
torne obrigatório o seu prosseguimento.
Mazzilli (2009), nos explica que a lei estabeleceu regras especiais
para definir a competência para as ações civis públicas ou mesmo
coletivas, com o objetivo de proteger os interesses transindividuais em

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

juízo, sendo competente, em regra geral, no foro do local do dano,


aplicando-se esta regra à defesa de quaisquer interesses difusos ou
coletivos.
Mazzilli (2009) esclarece que é possível na ação civil pública a
concessão de liminar, desde que pedido pelo autor, e comprovados os
pressupostos gerais da cautela, sendo fumus boni iuris, plausibilidade do
direito; e periculum in mora que traduz uma impossibilidade de reparação
do dano. Diante do descumprimento, o juiz poderá impor multa diária.
Há a possibilidade de recurso em quaisquer ações civis, sendo os
recursos os mesmos do Código de Processo Civil, observando os prazos
previstos neste e nos demais que envolvam matérias especificas, como
proteção de crianças e adolescentes (art. 212, §1°, BRASIL/1990).
Smanio (2004) nos explica que na ação civil pública, a sentença
fará coisa julgada erga omnes, sendo que seus efeitos atingirão todos os
envolvidos, mesmo aqueles que não participem diretamente do processo.

3. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA


Conforme anteriormente exposto, foi incumbido ao Ministério
Público por meio da Constituição Federal a defesa da ordem jurídica,
do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis. Com toda certeza o parquet é o grande defensor da
sociedade brasileira.
Neste contexto, ao longo do caminho era necessária a criação
de um instrumento que efetivasse a missão dada ao Ministério Público.
Assim, em sua atuação positiva surgiu o termo de ajustamento de
conduta (TAC), que é utilizado com frequência por membros da
instituição, principalmente no contexto do inquérito civil.
Mazzilli (2009), explica que com as grandes necessidades
enfrentadas, a lei se flexibilizou, permitindo a criação deste
procedimento, buscando as resoluções e proteções dos interesses
públicos e de interesses transindividuais. Assim, a lei permitiu
expressamente o compromisso de ajustamento no ano de 1990, pelo

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Tecendo Direitos

ECA, que posteriormente foi vetado e sancionado em outro artigo


dentro do mesmo diploma legal, sendo ainda mais especificado.
Nesta linha de pensamento, este procedimento possui qualidade
de título executivo extrajudicial, sendo uns dos colegitimados o
Ministério Público para tomar o compromisso com o causador do dano,
sendo um dos procedimentos mais utilizados nas centenas de comarcas
por todo o Brasil.
Os doutrinadores Alves & Berclaz (2017), define os termos de
ajustamento de conduta como uma transação ou acordo formalizado
buscando estabelecer determinados comportamentos ou condutas sob
pena de sanção, neste sentido, acordo este que constitui título executivo
se passíveis de serem executados.
Explicam ainda que este procedimento é popularmente conhecido
como Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou Compromisso de
Ajustamento de Conduta (CAC), estando diretamente relacionado à
atuação do Ministério Público, mesmo que há outros colegitimados,
conforme é disposto na Lei de Ação Civil Pública, no Código de defesa
do consumidor e Estatuto da Criança e Adolescente, em seu artigo
211, que merece ser citado:

Art. 211 - Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos


interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências
legais, o qual terá eficácia de título executivo extrajudicial. (BRASIL, 1990,
on-line).

Dessa forma, o TAC tem como objetivo estabelecer um acordo


de vontades entre determinadas partes, sobre determinado assunto, a
fim de garantir o cumprimento de determinado direito, sob determinadas
condições acordadas, dentro de um prazo, sob pena de aplicação de
sanção ou mesmo providências diretas e indiretas.
Já Macêdo & Ogrizio (2016) descrevem que o termo de
ajustamento de condutas, é um termo onde condutas são ajustadas de
forma escrita, realizado entre o presidente do inquérito civil e o violador,

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

caso as circunstâncias permitam, e haja a possibilidade de reparação


do dano. Destaca-se ainda, com o advento da súmula nº. 17 do
Conselho Superior do Ministério Público do Estado de Minas Gerais
(CNSP/MG), prescreve-se que fica impossibilitado este acordo, se
não composto dentre de um inquérito civil.
Esta previsão se dá diante da preocupação quanto à eficácia
administrativa deste procedimento, evitando que o compromisso seja
arquivado indevidamente, que seja acompanhado o seu cumprimento,
e principalmente permitir uma execução segura quando há trocas de
membros do Ministério Público (presidentes do Inquérito Civil).
É claro que com o passar do tempo o TAC ganhou maiores
inovações, já que a própria legislação foi evoluindo, permitindo maiores
negociações entre os acordantes do termo.
Mazzilli (2009), deixa claro que nem todos podem tomar o
compromisso de ajustamento, ou seja, nem todos os legitimados ativos
à ação civil pública ou coletiva estão aptos a celebrar o acordo com o
causador do dano.
Nos explica ainda que apenas os órgãos públicos legitimados à
ação civil pública podem tomar o compromisso de ajustamento de
conduta, no entanto é um ponto muito delicado e discutido, podendo
ser citado a grosso modo, que tal compromisso poderá ser celebrado
por pessoas jurídicas de direto público interno e seus órgãos, não
estando incluídos neste rol as associações civis, os sindicatos, as
sociedades de economia mista, as fundações privadas e as empresas
públicas.
Entre tantas controvérsias, a melhor forma de se obter uma
resposta mais correta é examinando o rol do art. 5° da LACP e do art.
82 do CDC, sendo claro que há aqueles legitimados que,
indiscutivelmente podem tomar o compromisso de ajustamento: o
Ministério Público, União, Estados, Municípios, Distrito Federal e
órgãos públicos, ainda que sem personalidade jurídica, destinados à
defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, sendo

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Tecendo Direitos

ainda possível as autarquias e fundações públicas, entes estatais dotados


de autonomia e voltados a prática de serviços, em que o Estado executa
ações ou dos quais participa, com o nítido fim social, e exatamente por
isso, possam celebrar compromissos de ajustamentos de conduta.
Desta forma, somente é possível aos órgãos pelos quais o Estado
administra interesses públicos, ainda que integrem a administração
indireta, possibilitando a tomada de compromisso na qualidade de entes
estatais. Contrariamente aos órgãos que agem como exploradores da
atividade econômica, não se admitindo que possam tomar compromisso
de ajustamento.
Alves & Berclaz (2017) nos explicam que na estrutura do Termo
de Ajustamento de Conduta, em primeiro lugar vêm as circunstâncias
em que das partes assumem e, posteriormente a qualificação de
compromitente e compromissário. Sendo o compromissário quem toma
o compromisso, já o compromitente a pessoa física ou jurídica que
assume as obrigações.
Há a possibilidade de um terceiro interessado e envolvido na
fiscalização ou vigilância das exigências acertadas que o compromitente
deverá cumprir, esse terceiro possui a denominação de anuente. Desta
forma, os doutrinadores lembram bem que é bastante comum celebrar
Termo de Ajustamento de Conduta em situações que envolvam um
ente estatal interessado responsável por organizar e fiscalizar
determinado serviço (como exemplo pode ser citado um órgão de
fiscalização ambiental). A respeito,

dessa forma, é ajustável a conduta daquele (s) sujeito (s) passivo (s) que,
seja por força dos termos de uma Recomendação Administrativa, seja
por força autônoma de uma determinada cobrança ou posicionamento
do Ministério Público, prefere compor e assumir voluntariamente
obrigação de fazer ou de não fazer determinada postura ao risco de arcar
com o ônus de uma demanda judicial, não raras vezes acompanhada
postura ao risco de arcar com o ônus de uma demanda judicial, não raras
vezes acompanhada de medidas de responsabilização, inclusive no plano
de improbidade administrativa, (ALVEZ & BERCLAZ, 2017, p.71).

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

Bem lembram os doutrinadores quanto à formalização da estrutura


do termo de ajustamento de conduta, do qual, é conveniente que após
a referência ao procedimento o ajuste encontra-se inserido, traga-se
um parágrafo para realizar as apresentações das partes compromissária
e compromitente, do que está sendo pactuado entre as partes, e, em
seguida os fatos e o embasamento legal, abrangendo toda a
problemática envolvida no ajustamento, sendo expostos através de
cláusulas.
Mazzilli (2009) deixa claro quanto a sua natureza, sendo um
título executivo extrajudicial, sendo que nele (conforme já falado) o
legitimado toma do causador do dano o compromisso. Dessa forma, o
título constitui uma natureza bilateral e consensual, sendo um ato
administrativo negocial.
Dessarte, o ajustamento de conduta não perde sua natureza
administrativa nem quando é tomado pelo Ministério Público. Vale ainda
mencionar, que o ajustamento de conduta gera título extrajudicial não
em favor do órgão público que o toma, mas sim em favor do grupo
lesado.
Enfatizando ainda algumas características do compromisso de
ajustamento de conduta que são importantes, quais sejam: não há
necessidade de testemunhas instrumentárias; dispensa a participação
de advogado; não é homologado em juízo; o órgão público legitimado
pode tomar o compromisso de qualquer causador do dano; mesmo
que este seja outro ente público; é preciso prever no próprio título as
cominações cabíveis, embora não necessariamente a imposição de
multa; no título deve conter a obrigação certa, quanto à sua existência.
Este instituto é de grande importância ao direito brasileiro, tanto
que é utilizado em diversos ramos como a justiça do trabalho, dentre
outros. Além do que, com passar dos tempos, e a grande quantidade
de demanda, todos os outros ramos caminham neste sentido, pois
buscam soluções rápidas, eficazes e econômicas.

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Tecendo Direitos

4. ANÁLISES DOS PROCEDIMENTOS NA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE


URUANA/GO
Para consolidação da pesquisa, serão apresentados dados
provenientes da pesquisa na Promotoria de Justiça de Uruana/GO, de
forma qualitativa e quantitativa, referentes aos procedimentos em tela.
Lembrando sempre que a forma de condução dos procedimentos
está sempre à disposição do órgão, pois o intuído destes é proporcionar
uma atuação mais eficaz, concreta e segura na atuação de seu trabalho.
Conforme já mencionado, pode o promotor de justiça antes de
se utilizar do inquérito civil que possui uma sistemática mais severa,
utilizar-se do procedimento preparatório, não possuindo tantas
formalidades e complexidades, para apurar os fatos, e então deferir ou
indeferir a instauração do inquérito civil.
Neste contexto, foi levantado pela Promotoria de Justiça de
Uruana/GO, os números de inquéritos civis instaurados durante os anos
de 2017 a 2019, vejamos no gráfico a seguir:

GRÁFICO 01 - DEMANDAS REFERENTES AOS INQUÉRITOS CIVIS

Fonte: Ministério Público da Comarca de Uruana/GO.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

O gráfico acima se refere aos procedimentos instaurados durante


o período exposto, tendo a possibilidade de haver arquivamento, ou
mesmo a conversão dos inquéritos em ação civil pública ou em termo
de ajustamento de conduta.
Durante o mesmo período a promotoria de justiça disponibilizou
os dados referentes ao ajuizamento das Ações Civis Públicas, vejamos:

GRÁFICO 02 - DEMANDAS REFERENTES ÀS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS

Fonte: Ministério Público da Comarca de Uruana/GO.

O Ministério Público possui o dever de agir, não sendo permitido


que o órgão, identificando alguma hipótese, se negue a tal. Desta forma,
sempre que identificado dentro de um procedimento administrativo (Inquérito
Civil) ofensa aos direitos, é de sua obrigatoriedade agir em defesa. Ressalta-
se ainda, que segundo dados fornecidos, 90% (noventa por cento) das
ações ajuizadas são em prol de direitos infringidos pela Administração
Pública, sendo demandas que não alcançam o seu objetivo imediatamente.
Conforme já falado, é de autonomia (independência funcional)
do promotor de justiça a condução dos atos praticados dentro da
promotoria de justiça, ou seja, se é de sua preferência a instauração

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Tecendo Direitos

direta do inquérito civil, a depender do caso concreto, se este é


convertido em ação civil pública ou em termo de ajustamento de
conduta.
Por último, identificou-se os termos de ajustamento de conduta
na Promotoria, sendo informado que há o acompanhamento de 05
(cinco) termos ajustados, sendo eles com Administradores Públicos,
pessoa jurídicas de direito privado e pessoas físicas.
Vê-se, pois, que a Promotoria de justiça de Uruana/GO não se
utiliza com grande frequência para resolução dos casos a via extrajudicial
(termo de ajustamento de conduta), preferindo o ajuizamento das ações
civis públicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante todos os aspectos analisados e o desenvolvimento amplo
da base bibliográfica do presente artigo, conclui-se que os objetivos
da pesquisa foram alcançados, tendo em vista o resultado obtido.
Em suma, buscou-se verificar através do presente estudo a
eficácia dos procedimentos administrativos/extrajudiciais e das ações
civis públicas, examinando-se a instituição responsável pela utilização
desses procedimentos em prol da sociedade.
Conclui-se que, de fato, o inquérito civil é extremamente
importante para que o Órgão Ministerial aja com cautela e cuidado
para com a sociedade, garantindo uma atuação eficaz, sem que a
instituição corra riscos de cometer equívocos em prol da defesa dos
direitos que lhes são incumbidos pela Constituição Federal (art. 127,
caput, BRASIL/1988).
Dessa forma, com a criação deste procedimento houve um
grande salto institucional, propondo uma maior liberdade, sem precisar
diretamente de outro órgão administrativo para corroborar com seus
atos, garantindo assim, maior independência.
De outro modo, quanto à ação civil pública, depreende-se que
possui uma amplitude, podendo ser manejada em defesa de diversos

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

direitos, em diversas áreas de atuação e, ao longo da história, é um


dos principais instrumentos utilizados pelos órgãos ministeriais, tanto,
que na pesquisa realizada na Promotoria de Uruana, percebe-se que
na maioria das atuações é o instrumento mais utilizado.
No entanto, a atual realidade vivenciada pelo Poder Judiciário
do Brasil é desgastante, muitos processos e pouca mão de obra, além
de ações volumosas, como é o caso das Ações Civis Públicas, que
são complexas, e demandam vários atos processuais, até que se chegue
ao resultado esperado (objeto do processo).
Desta forma, é de se considerar pelos dados trazidos ao presente
trabalho, que os resultados pretendidos pela lide são morosos (de forma
lenta) e, em muitos casos, principalmente que envolva a Administração
Pública, se perde o objeto da lide.
Assim, conclui-se que pela morosidade da demanda podem haver
prejuízos, talvez irreparáveis, sendo assim é aconselhável a utilização
de outras vias que garantem maior efetividade e celeridade à busca da
defesa desses direitos.
No entanto, através deste estudo foi possível analisar que os
termos de ajustamento de conduta, cujo o qual o Ministério Público é
colegitimado a implementar, seria uma alternativa ao órgão, como forma
de resolução e proteção dos direitos de forma mais célere e eficaz.
Já que se trata de um procedimento extrajudicial, do qual o órgão
tomador propõe ao ofensor um acordo, benéfico a ambas as partes,
que alcança o objeto de forma mais rápida, econômica e eficiente,
além de desafogar o Poder Judiciário, já que este não estará envolvido.

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Tecendo Direitos

REFERÊNCIAS

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______. Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da
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20 mar. 2020.______. Resolução 23 de setembro de 2007. Regulamenta os
artigos 6º, inciso VII, e 7º, inciso I, da Lei Complementar nº 75/93 e os artigos 25,
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Tecendo Direitos

8 REPR ODUÇÃO HU
REPRODUÇÃO MAN
HUMAN
MANA A
ASSIST ID
SSISTID A: O DIREITO FUNDAMENTAL À
IDA:
IDENTIDADE GENÉTICA COMO GARANTIA AO
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA

DÉBORA SARAH RODRIGUES DA SILVA


ANA PAULA VELOSO DE ASSIS SOUSA

INTRODUÇÃO
As mudanças nas relações sociais introduziram na sociedade
novas concepções de famílias. Com o avanço da medicina
biotecnológica, problemas como infertilidade ou esterilidade, deixaram
de ser um obstáculo para a realização do planejamento familiar, os
desenvolvimentos das técnicas de reprodução artificiais possibilitaram
aos casais, héteros ou homossexuais, e às pessoas que querem ter
seus filhos e cria-los sozinhos sem a participação de um parceiro. O
uso desses procedimentos gerou diversos reflexos no âmbito jurídico,
em especial aos que envolvem o direito de família. Sendo assim é de
grande relevância discutir a abrangência dos efeitos em relação ao direito
de família, notadamente no instituto da filiação que se respaldava no
vínculo biológico, com a promulgação da Constituição Federal de 1988,
passou a considerar a importância do vínculo afetivo como principal
atributo da filiação jurídica, notáveis são as mudanças e as adequações
que se deram para abarcar todos os tipos de família e os vínculos de
parentescos; deixou-se de dar importância somente ao vinculo
biológico, para engrandecer a existência do afeto e da paternidade
socioafetiva.
A reprodução humana assistida no Brasil atualmente, vem
crescendo gradativamente, todavia há uma carência legislativa para
regulamentar as diversas consequências que dela decorrem nas relações
fáticas e gera a contraposição de dois direitos fundamentais, quais sejam,

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o direito ao conhecimento da ascendência genética e ao sigilo do doador,


ficando sob a responsabilidade do judiciário tomar decisões nos
conflitos, fundamentando-se exclusivamente nos princípios
constitucionais.

2. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA


No decorrer do tempo, diversas foram as formas de constituir
uma família, cada sociedade em diferentes localidades e no decorrer
dos séculos, mantinham uma tradição, e definiam o que de fato era
uma família, na antiguidade prevaleceu o patriarcalismo, sendo o poder
concentrado na figura do homem, pai de família, a mulher na sociedade,
apenas possuía uma única função, que era a procriação, (ROSA, 2013).
A Constituição Federal de 1988, trouxe consigo elevadas
transformações, em todas as áreas do Direito, e claro que para o Direito
de Família, não foi diferente, dado a sua importância, entre eles
podemos citar: a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, e art. 226,
§ 7ª) o direito de herança (art. 5º, inciso XXX e XXXI), a proteção da
família pelo Estado (art. 226), o reconhecimento da união estável (art.
226, § 3º), o reconhecimento da entidade familiar (art. 226, § 4º), a igualdade
entre homens e mulheres (art. 5º, I, e art. 226, § 5º), o planejamento
familiar e a paternidade responsável (art. 226, § 7º), entre outros institutos
que envolvem o direito da família (BRASIL, 1998).
Na Constituição atual, a família é a base de toda a sociedade,
devendo possuir uma especial proteção do Estado, destacando que é
a família que dá a primeira formação que o indivíduo necessita, portanto
igualou-se os membros da família, o qual concedeu igualdade entre
homens e mulheres, da mesma forma tratou os filhos biológicos,
adotivos, ou concebidos fora do matrimônio, ou por outros meios mais
complexos, como pelas técnicas de reprodução humana assistida, dando
a todos os mesmos direitos e deveres sem qualquer distinção.
A união estável foi reconhecida como uma entidade familiar, sendo
positivada no artigo 226, § 3º da Constituição Federal de 1988, e indo

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Tecendo Direitos

além o Supremo Tribunal Federal a julgar a ADI 4.277 e a ADPF 132,


reconheceu a união estável homoafetiva, sendo esta imediatamente
tutelada pelo Estado, não exigindo mais que a união estável se
qualificasse apenas entre homem e mulher, extinguindo esse termo
anterior, alterando-o para relação entre pessoas. É notável o avanço
significativo ao reconhecer os direitos e deveres no âmbito judiciário e
legislativo da família homoafetiva, diminuindo as desigualdades de
gêneros, respeitando e dando a todos a oportunidade de constituírem
suas famílias, independentemente da orientação sexual. E não parou
por aí, a Constituição Federal de 1988, adentrou no tema da filiação
baseada na afetividade, e não apenas no vínculo genético, valorizando
o afeto, o amor, o estado de filiação, em detrimento dos laços biológicos
nas relações familiares, o Supremo Tribunal Federal, por sua vez, em
análise de Repercussão geral, reconheceu que entre a paternidade
socioafetiva e a de origem biológica não possui hierarquia.
Dias (2010, p. 44) destaca que “o respeito mútuo e a liberdade
individual são preservadas por essa nova configuração de família,
promovendo a ideia de que a família deve ser um ambiente de afeto,
de responsabilidades recíprocas e de igualdade”. Portanto a constituição
de 1988 foi um marco na conquista no direito de família, demostrando
a importância da base de toda sociedade, que é a família, vislumbrando-
se um novo caminho, pautado em uma visão revolucionária, de acordo
com a necessidades dos indivíduos e da coletividade, edificando e
restabelecendo novas relações.

3. DA FILIAÇÃO
Com o advento da Constituição Federal de 1988, o conceito de
família se alarga para o conceito de entidade familiar, abarcando as
relações além do casamento, como as uniões estáveis ou famílias
monoparentais, assim como reconheceu a igualdade dos filhos gerados
nos laços matrimoniais ou não. Já o novo Código Civil de 2002 no seu
artigo 1.593 estabelece que o parentesco pode ser tanto natural como

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civil, conforme resulte da consanguinidade ou outra origem (BRASIL,


2002).
Para Lôbo (2010) a filiação trata-se da relação de parentesco,
o qual duas pessoas se estabelecem, podendo ser nascida do próprio
material genético dos pais, ou adotada, ou vinculada a posse de estado
de filiação ou por concepção derivada do método de reprodução
assistida heteróloga, em que a relação constituída pelo pai chama-se
paternidade, e pela mãe chama-se maternidade. Destaca-se também
que pelo fato de ser uma construção cultural, resultante da convivência
e da afetividade, o direito considera a filiação como um fenômeno
socioafetivo, o qual inclui a origem genética que antes possuía
exclusividade.
O afeto passou a ter um papel fundamental para a construção
das famílias, o qual gera vínculos entre as pessoas, e o reconhecimento
jurídico, e apesar de não constar de forma explícita na Constituição
Federal de 1988, o princípio da afetividade, está inserido também
implicitamente no direito de família. A socioafetividade parental, como
destaca Tartuce (2015) vem sendo bastante debatido nos tribunais
superiores, o que pode ser percebido pelas crescentes e inúmeras
decisões publicadas em seus informativos e jurisprudência. A aceitação
reiterada pelo Supremo Tribunal Federal tem sido decisiva para a
consolidação da afetividade no direito Brasileiro. A família que é
constituída pelas técnicas de reprodução humana assistida heteróloga,
é um exemplo de relação formada com base no afeto.
Coelho (2006) afirma que,

a experiência da paternidade ou maternidade não pressupõe


necessariamente a geração do filho. Ela é tão ou mais enriquecedora,
mesmo que a criança ou adolescente não seja portador da herança genética
dos dois pais. Perceba, contudo, que é recente a aceitação dessa ideia pelas
pessoas em geral e seu cultivo como valor da sociedade. A espécie humana
precisou de milhões de anos de evolução e saltar do estado da natureza
para o de civilização para dissociar descendência e transmissão da herança
genética. Instituições fortemente enraizadas em várias culturas, como o

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Tecendo Direitos

casamento monogâmico e a família patriarcal com submissão da mulher,


foram criadas com a finalidade precípua de garantir, o quanto possível,
que o filho herde os genes do pai, (COELHO, 2006, p.144 e 145).

Portanto o conceito de filiação está muito além dos laços


consanguíneos, trazendo para o sistema jurídico novas acepções
familiares, decorrentes das relações homoafetivas, da adoção, do afeto,
ou da reprodução humana assistida, gerando uma nova visão da palavra
filiação, em que a primazia do vínculo biológico já não é exclusivamente
aplicada nas decisões que envolvem tal tema, dando um maior ênfase
a realidade fática, entre o convívio dos pais e filhos, colocando em
destaque os laços de afetividade.

4. DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA HOMÓLOGA


Nessa técnica de reprodução, a inseminação artificial se dá pelo
uso do próprio material genético dos pais, sem a relação de um terceiro
doador, neste caso, a mulher é inseminada com o próprio material
genético do marido ou companheiro, o procedimento ocorre quando
o óvulo da mulher em período fértil tem o líquido seminal do marido ou
companheiro inserido na cavidade uterina ou no canal vaginal com a
utilização de instrumentos médicos. Conforme Sílvio (2004) a
“inseminação artificial homóloga é a inseminação promovida com
material genético (sêmen e óvulos) dos próprios cônjuges”. Neste caso,
essa técnica não produz muitos efeitos negativos, controversos ou
polêmicos, pois os gametas masculinos e femininos são dos próprios
genitores, não há a utilização de material genético diversos, como por
exemplo o de um doador, portanto a paternidade biológica coincidirá
com a legal.
O Código Civil (2002) já preleciona em seu artigo 1.597 afirma
que são presumidos os filhos que nasceram da união do óvulo e
espermatozóides de seus genitores, podendo a concepção ter ocorrido
tanto dentro ou fora do corpo da mulher, não havendo distinção entre
a concepção realizada de forma natural ou com auxílio assistencial de

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

um médico, mantendo ainda a proteção dos embriões excedentários,


os que restaram da fecundação realizada com o material genético dos
pais, e por último também tratou da inseminação artificial heteróloga,
presumindo os filhos havidos por meio de inseminação ou fertilização
de gametas masculino ou feminino que não pertencem ao casal, ou
seja, de doadores anônimos, porém afirma que deve ter autorização
prévia do marido ou companheiro.

5. DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA HETERÓLOGA


A reprodução humana assistida heteróloga não difere muito da
reprodução homóloga quanto às técnicas, a grande diferença está no
material genético a ser utilizado na inseminação ou fertilização o que
neste caso pertence a um terceiro doador alheio às relações do casal,
que gozará da proteção ao seu sigilo, o que se contrapõe ao direito da
pessoa gerada com relação ao conhecimento da sua ascendência
genética, justamente pela a participação de um terceiro alheio ao
receptor, é que demanda mais um cuidado relacionado aos direitos
inerentes ao filho concebido por tal técnica. O esperma a ser utilizado
geralmente já se encontra em um banco de sêmen, já selecionado e
supostamente identificado com as características fisiológicas do doador.
Por isso, cabe a equipe médica ou ao banco de sêmen o devido cuidado
na hora de escolher o material genético do doador compatível com as
características do companheiro ou marido da mulher que passará pela
inseminação, para que não gere um desconforto à família.
Segundo Ferraz (2011, p. 25) a reprodução assistida heteróloga
“ocorre quando o material genético introduzido na mulher não pertence
a seu marido ou companheiro, mais sim, de um terceiro doador”. Esse
tipo de inseminação está previsto no Artigo 1.597, inciso V do Código
Civil de 2002, ocorrendo a inseminação com o sêmen de um doador,
a lei não exige que o marido ou companheiro seja infértil ou estéril, ou
possua qualquer outro motivo que prejudique conceber ou reproduzir.
A única exigência é no sentido que o cônjuge autorize a utilização do

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Tecendo Direitos

esperma de um terceiro, pois uma vez tendo consentido e autorizado o


procedimento, o mesmo em hipótese alguma, poderá alegar e requerer em
juízo a negativa de paternidade, porém a falta deste consentimento expresso
do marido ou companheiro permite ao mesmo a contestação da
paternidade. Por isso, ao contrário da inseminação homóloga, a inseminação
heteróloga gera muitas divergências, devendo ser o último recurso para o
tratamento dos casos que envolvam a reprodução humana.
Como destaca Moraes (2018) utilizando essa técnica,
recomenda-se o acompanhamento psicólogo, tanto antes quanto após
a inseminação, principalmente após o nascimento da criança. O intuito
deste acompanhamento é evitar o desequilíbrio familiar, e a rejeição,
principalmente por parte do pai. Quando se utiliza o gameta masculino
de um doador há uma grande probabilidade da criança nascer sem nenhuma
característica física materna ou paterna, portanto tem que se ter consciência
e preparação para entender que o objetivo é conceber um filho, não
importando se irá possuir o mesmo material genético diferente do dos
pais, a intenção é poder ter o filho tão desejado, ora que não será o DNA
incompatível com o dos pais que definirá seu estado de filiação, pois a
filiação está muito além de tudo isso. Ressalta-se que se tratando da
reprodução assistida heteróloga deve ter o consentimento voluntário e
expresso de ambas as partes, seja do casal ou dos companheiros, e que
depois de tomada decisão não será passível de reversão da situação fática
e jurídica do status de paternidade e maternidade.

6. DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA


Os princípios, são fundamentais na sustentação de um sistema,
são os nortes e as linhas primordiais do sistema jurídico. Mello (1985,
p. 06) dispõe que “trata-se de dispositivo fundamental que se irradia
sobre diferentes normas, lhes compondo o espírito e servindo de critério
para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a
lógica e a racionalidade do sistema normativo”. Os princípios assumem
de tal forma, status de normas jurídicas, fundamentando decisões no

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

caso concreto, determinando o caminho que o julgador deverá trilhar,


para uma decisão justa e coerente.
Os princípios constitucionais possuem grande importância para
todo arcabouço jurídico, pois através deles, consegue-se chegar a uma
decisão justa, quando há divergências de interesses no caso concreto,
pois nenhum direito fundamental ou princípio é absoluto, e contraposto
a outro direito estão sujeitos ao juízo de ponderação. Esses princípios
constitucionais revolucionaram o Direito Civil, em especial o de família,
pois estabeleceu igualdade, direitos e deveres para ambos os cônjuges
e companheiros, o dever de respeito, solidariedade entre os membros
que a constituem, a igualdade entre os filhos, sejam eles concebidos
por qualquer meio, a proteção do idoso, a proteção integral e o melhor
interesse da criança ou adolescente, entre outros.
Rocha (2009, p. 79) afirma que “sem Auschwitz talvez a dignidade
da pessoa humana não fosse, ainda, princípio matriz do direito
Contemporâneo”, nota-se que, a dignidade da pessoa humana, é um dos
elementos essenciais para desenvolver livremente a personalidade, que
identifica cada ser humano, o princípio da dignidade humana é um direito
fundamental, que garante aos seres humanos, desde a concepção até a
morte, direitos inerentes a sua própria essência, e por isso que este princípio
é tão importante para as ciências jurídicas, sendo considerado o maior dos
princípios, e os demais devem ser interpretados através dele.
A conceituação jurídica da pessoa humana, pode ser entendida
como: a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser
humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por
parte do Estado e da comunidade, implicando neste sentido, um
complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa
tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano,
como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para
uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação
ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em
comunhão com os demais seres humanos, (SARLET, 2005, p.16).

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Pela demasiada importância deste princípio é que a Constituição


de 1988 tratou a dignidade da pessoa humana como o verdadeiro
epicentro axiológico da ordem constitucional, emanou seus efeitos sobre
todo o ordenamento jurídico, sejam eles direitos públicos, e privados
(SARMENTO, 2004). A dignidade humana ela garante ao ser humano,
por parte da sociedade e do Estado, contra atos que ferem sua
integridade, seja ela física, psíquica, moral, o qual possui como fim
oferecer condições mínimas para uma vida de qualidade (SARLET,
2001). No ordenamento jurídico Brasileiro, a dignidade humana
encontra respaldada no art. 1º, inciso III da Constituição Federal,
consolidando como fundamento o Estado Democrático de Direito. Por
isso é que a Dignidade da pessoa humana é um dos princípios vetores
do Direito de Família, o qual garante o respeito aos membros da família,
proibindo abusos e desigualdades, e proporcionando o desenvolvimento
de uma vida melhor, deve-se ressaltar que em matéria de reprodução
humana assistida, haverá conflitos jurídicos, que envolverão os membros
pertencentes a família ou terceiros, e aí que entra a grandiosidade deste
princípio, buscando desenvolver soluções adequadas a cada caso.

7. DO DIREITO À IDENTIDADE GENÉTICA


Os avanços tecnológicos causam uma certa preocupação pela
possibilidade de desrespeitar o princípio da dignidade humana, podendo
as vezes tratar o homem como mera coisa. Acerca do direito fundamental
à identidade genética, coaduna-se com os direitos fundamentais de
quarta dimensão, no tocante a bioética, ao patrimônio genético humano,
e as técnicas de reprodução humana assistida (FEIJO, 2007, p. 71).
O direito à origem biológica, e a personalidade são direitos inerentes a
todo ser humano, desde o seu nascimento, tratando de um dos princípios
fundamentais.
Apesar do direito a identidade genética não ser expresso na
Constituição Federal, pode ser reconhecido como implícito, decorrente
do princípio da dignidade humana, um direito fundamental,

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personalíssimo, imprescritível e indisponível (PEREIRA, 2008). O


direito da personalidade, já nascem com a pessoa, eles devem ser
tutelados e respeitados (DONIZETTI, 2007).
Em contraposição ao anonimato do doador, está o direito do
filho gerado por meio da inseminação artificial heteróloga, conhecer
sua identidade genética, pois toda pessoa possui uma origem, ainda
que não sejam conhecidas. A filiação que é constituída pela inseminação
ou fertilização heteróloga e aquela derivada da adoção, são
consideradas institutos jurídicos muito próximos, visto que ambas
possuem parentesco civil diverso do biológico, de modo que é possível
aplicar o regramento regulador da adoção à reprodução humana
heteróloga. (ZANATTA & ENRICONE, 2010).
A inseminação artificial heteróloga concede aquele procriado pelas
técnicas, a condição de filho, extinguindo todo e quaisquer vínculo com
seus pais biológicos, exceto os impedimentos matrimoniais (DIAS,
2015). No Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece ao adotado
ao completar 18 anos, o direito de conhecer sua origem biológica,
todavia a declaração de paternidade do adotado não gere nenhum
efeito registral, pois o vínculo de parentesco socioafetivo já constituiu
com sua família adotiva, predominando o princípio da afetividade.
Tratando-se do nascido por inseminação artificial heteróloga, de
acordo com a resolução nº 2.168 de 2017 do Conselho Federal de
Medicina, o mesmo não possui acesso aos dados do doador, salvo em
casos de existência de doenças graves ou degenerativas, em que poderá
o médico responsável, obter dados necessários para garantir o bem-
estar e saúde do paciente. Parte da doutrina defende que o procriado
pela inseminação artificial heteróloga pode exercer seu direito a
identidade genética, em casos essenciais, como por exemplo, conhecer
algumas informações essenciais referentes a sua saúde, necessitando
de autorização judicial para ter tal acesso. Ressalta-se que o acesso
do procriado à identidade do doador, não possui o poder de estabelecer
entre estes o vínculo de parentesco, pois o estado de filiação já

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Tecendo Direitos

constituída na convivência familiar socioafetiva, não autoriza que a


origem biológica prevaleça sobre a filiação socioafetiva já constituída
(GREUEL, 2009).
Elucida Dias (2015) que, havendo pai registral, e havendo vínculo
socioafetivo entre eles, possuindo o autor da ação posse do estado de
filho, a sentença que reconhecer a origem genética, será apenas
declaratória, não produzindo efeitos registrais, patrimoniais ou
sucessórios, bem como menciona Lobo (2004) a declaração de
ascendência biológica terá apenas influência nas relações de família,
quando não houver existência de estado de filiação consolidado. Dias
(2015), ao pronunciar sobre a ação declaratória da ascendência
genética, afirma que o direito da pessoa em conhecer sua origem
biológica encontra respaldo na Constituição Federal de 1988, já que
trata de direitos da personalidade, logo não se pode confundir a busca
pela identidade genética e a investigação de paternidade, a primeira
diz respeito a um direito de personalidade, direito inerente à pessoa na
sua individualidade, já a segunda é regulada pelo direito de família, não
constitui instrumento hábil para requerer a declaração da origem
biológica, e consequentemente o reconhecimento de filiação, a aquele
concebido pela inseminação artificial heteróloga, pois o acesso aos
dados genéticos do doador não deve ser com o fulcro de atribuir-lhe a
paternidade ou maternidade, mas sim de exercer seu direito de
personalidade, uma vez que já foi estabelecida a filiação socioafetiva,
com os pais não biológicos, os efeitos da relação de filiação como as
obrigações assistenciais, direitos sucessórios, não poderiam ser
intentados contra o doador, a possibilidade seria apenas na esfera do
direito da personalidade (FERRAZ, 2011).
Portanto para garantir o respaldo ao direito da personalidade,
não precisa intentar a investigação a paternidade ou maternidade, tendo
em vista que o objeto do conhecimento da origem genética é assegurar
o direito da personalidade, para que o indivíduo conheça seus
ascendentes biológicos, ou seja, na busca do autoconhecimento sobre

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

a sua vida, e por essas questões é que muitas vezes, o equívoco resulta
em decisões que confundem investigação de paternidade com direito a
identidade genética.

8. DO ANONIMATO DO DOADOR
A resolução nº 2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina,
protege a preservação do anonimato do doador de material genético,
ao determinar que “os doadores não devem conhecer a identidade
dos receptores e vice-versa e que será mantido, obrigatoriamente a
identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos
receptores”. Este regulamento prevê que apenas em situações especiais,
e devidamente motivadas é que as informações do doador, podem ser
fornecidas ao médico, resguardando, todavia, a identidade civil do
mesmo, deste modo, mante-se os arquivos contendo todos os dados
essenciais dos doadores, totalmente protegidos e em sigilo, o qual serão
utilizados em casos excepcionais. Ao fornecer os gametas ou embriões,
o doador por meio de uma ação altruísta, de imediato afasta-se da
responsabilidade da paternidade ou maternidade, não atingindo de
alguma forma o vínculo de filiação, e disso decorrem diversos
problemas jurídicos, como no caso da pessoa concebida por meio das
técnicas de reprodução assistida heteróloga conhecer a identidade
biológica daquele que viabilizou sua procriação.
A Constituição Federal de 1988, no seu art. 5º, inciso X, assegura
a todos a inviolabilidade da intimidade e da vida privada (BRASIL,
1988). Seguindo o mesmo princípio o projeto de Lei nº 115/2015,
contém dispositivos que estabelece que “as informações pessoais
relativas tanto a doadores, quanto a receptores devem ser coletadas, e
armazenadas em sigilo total, não podendo ser informada nem divulgada
qualquer informação que resulte na identificação civil do doador e
receptor”. Diante disso deixa claro que aquele indivíduo que doa, não
deseja expor publicamente a sua doação, bem como aquele que recebe
a doação, não deseja expor publicamente a sua sujeição ao método

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Tecendo Direitos

da inseminação ou fertilização artificial, o doador de gametas ou


embriões fornece este material genético, de forma livre, voluntária,
gratuita, ou por puro altruísmo, com a simples intenção de colaborar
com aquelas pessoas que não estão aptos a gerarem filhos naturalmente,
e que a descoberta da identidade do doador por partes daqueles que
foram concebidos por tais técnicas, gerariam transtornos e problemas,
sejam sociais, ou psicológicos, para ambas as partes. Ressalta-se que
conforme a resolução nº 2.168/2017 do Conselho Federal de
Medicina-CFM, é vedado a comercialização ou qualquer outro fim
lucrativo, com a doação, a única intenção do doador ao praticar este
ato é o de dispor voluntariamente de seu material genético a outras
pessoas.
Dispõe Salem (1995, p. 44) que “o sigilo a identidade do doador,
o distancia da paternidade, de forma a evitar constrangimentos”. Visam
conferir as partes envolvidas, mais segurança e estabilidade frente a
omissão legislativa que trata sobre o tema, com a existência da
possibilidade de os indivíduos reivindicarem o conhecimento da sua
identidade genética, poderia diminuir os números dos doadores, que
já é bem reduzido, e diminuir a procura pelas técnicas de reprodução
assistida heteróloga. Preservar o sigilo da identificação do doador é
fundamental ao incentivo da doação, eximindo estes dos deveres à
paternidade ou maternidade, e, é essa garantia que torna possível a
prática desta concepção, sendo que de outro modo não poderia ocorrer,
tendo em vista a dificuldade que seria em encontrar pessoas que se
sujeitariam a incerteza dessa conduta.
O vínculo socioafetivo construído pela família que utilizou o
método de reprodução artificial heteróloga pode ser comprometido se
for permitido ao filho a persecução de sua ascendência biológica, além
do mais a procura por uma pessoa que nada se sabe sobre ela,
totalmente desconhecida, já tendo consolidado vínculos socioafetivos
com a família que o concebeu, implicaria o surgimento de diversos
conflitos e questionamentos na mente deste filho. Portanto ante a

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

ausência de leis que regulamente a reprodução humana assistida, adverte


Greuel (2009), que visto os conflitos que circundam o tema, é necessário
preservar o anonimato do doador de material genético, visando a
continuidade dos procedimentos de procriação artificial heteróloga,
bem como preservar a entidade familiar, conferindo as partes envolvidas
segurança jurídica.
Todavia o mesmo autor infere que “a revelação da identidade
do doador é medida importante e deve ter previsão legal”. (GREUEL,
2009, p. 119). Portanto deve ser realizada através de sentença judicial,
após a análise dos fundamentos que sustentam o pedido, prevalecendo
o princípio da dignidade humana, ante aos demais.

9. OS PRINCÍPIOS COMO FONTE DA SOLUÇÃO DA COLISÃO DO SIGILO


DO DOADOR E O DIREITO A IDENTIDADE GENÉTICA
Adentrando ao tema do direito ao conhecimento da identidade
genética e o sigilo do doador, é notável as problematizações e
discussões quanto ao assunto, já que o Código Civil e o Estatuto da
Criança e do Adolescente, manteve a relação biológica para efeitos de
impedimentos matrimoniais, porque não assegurariam ao concebido
por meio das técnicas de reprodução heteróloga, o direito de conhecer
sua identidade genética, tendo em vista que atualmente nos processos
de adoções já se permitiu o conhecimento a sua ascendência para
atender necessidade psicológica e emocionais, logo, fica a seguinte
pergunta: não deveria permitir o mesmo privilégio ao filho concebido
por material genético do doador?
O conhecimento da origem genética, é um direito que toda pessoa
possui, e que subsequente vincula todas as gerações, inexistindo
qualquer fundamento jurídico, capaz de restringir o ser humano a
investigar sua ascendência, e conhecer sua verdadeira origem,
(MADALENO, 2007).
Considerando que o direito ao anonimato do doador de gametas
é entendido como um direito fundamental a intimidade, assegurado no

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Tecendo Direitos

art. 5º, inciso X da atual Constituição Federal, bem como, o direito


fundamental da personalidade, consagrada no art. 5º, § 2º, da
Constituição Federal, caracterizado pelo direito a identidade genética,
há um entrave de dois princípios conflitantes sobre o atual tema.
Há de se destacar que em 14 de novembro de 2017, foi editado
provimento nº 63 da Corregedoria Nacional de Justiça, o qual dispõe
sobre normas concernentes a registros de nascimentos, dentre eles os
filhos gerados pela reprodução assistida, listando entre outros os
documentos necessários e as medidas cabíveis, sendo que no seu art.
16, § 3º da seção da reprodução assistida, destaca que “o
conhecimento da ascendência biológica não importará no
reconhecimento do vínculo de parentesco e dos respectivos efeitos
jurídicos entre o doador ou a doadora e o filho gerado por meio da
reprodução assistida” (BRASIL, 2017).
Ou seja o próprio provimento reconhece a possibilidade do filho
concebido através desta técnica conhecer sua identidade biológica,
contrariando assim a resolução de n º 2.168 de 2017 do Conselho
Federal de Medicina, que preza absolutamente pelo anonimato do
doador, que em casos excepcionais, envolvendo a vida, é que poderia
haver a quebra do sigilo, mas apenas e exclusivamente ao médico
responsável pelo paciente, resguardando-se a identidade civil do doador
ou doadora, ocorrendo portanto no direito Brasileiro dois regramentos
conflitantes, em que um preza pelo total anonimato, e o outro que
possibilita o conhecimento da identidade genética, fundamentado pelo
princípio da personalidade.
Ressalta-se que as duas normas não constituem em leis no sentido
formal, apenas regulamentam para o bom e correto andamento dos
atos praticados, de forma que se verifica a imperiosa necessidade de
uma lei que regulamente tal tema, e considerando que não existe uma
concordância concreta acerca da predominância entre o anonimato e
a identidade genética, de acordo com Ferraz (2016, p. 181) “o conflito
entre princípios deve ser solucionado através da prevalência de um

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

sobre o outro, de acordo com o peso que cada um possui no caso


concreto”, ora que não possui hierarquia entre eles.
Logo, deve-se constatar que havendo interesse ou pedido em
face do acesso aos dados pessoais do doador, necessariamente terá
que ser feita via judicial, sendo o único caminho seguro para sopesar
os direitos envolvidos, todavia aplicar o procedimento análogo à
adoção, quanto a liberdade do adotado ao completar 18 anos de idade
poder obter o acesso ao processo de adoção, não seria suficiente, já
que fica a critério do juiz ao ponderar, se mantem o sigilo do doador
ou realize a sua quebra, pois não existe uma lei que regulamente o
tema, portanto fica a dúvida, se o simples fato do indivíduo querer
conhecer sua identidade genética, por mera satisfação pessoal, seria o
suficiente para relativiza-lo em relação ao sigilo do doador.
Desta forma, conclui-se que para conseguir chegar a uma decisão
justa sobre qual princípio deve sobressair, quando há o envolvimento
da inseminação artificial heteróloga, necessário é a ponderação dos
interesses no caso concreto, de forma que na demanda judicial o julgador
poderá verificar qual princípio restará menos agravado, em face da
aplicação do outro, pela ausência legislativa deve-se sempre observar
os princípios que norteiam o ordenamento jurídico, especialmente o
princípio da dignidade humana, do melhor interesse da criança ou
adolescente, pois independentemente de como a criança foi concebida,
é direito desta conhecer sua origem genética, não devendo ser negado
está tutela. E dessa forma faz-se necessário a relativização do anonimato
para que garanta ao concebido o conhecimento a sua origem genética,
sem, contudo, consentir que desta descoberta, decorram quaisquer
direitos relacionados a filiação e obrigações entre os envolvidos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da evolução e conquistas no âmbito das ciências
biológicas, voltados às técnicas de reprodução humana assistida, há
de se afirmar que a concretização de ter filhos e constituir um

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Tecendo Direitos

planejamento familiar, ficou mais fácil até mesmo para aqueles casais
que por alguma causa natural ou eventual não poderiam gerar filhos.
Apesar das mudanças positivas, antagonicamente trouxe consigo
incertezas e questionamentos à ciência jurídica, principalmente no direito
de família. Todavia em consequência da avançada evolução tecnológica,
depara-se com situações que geram incertezas e que infelizmente não
possui resposta concreta e satisfatória no ordenamento jurídico, e só
através de minuciosa interpretação e conhecimento, é que
encontraremos uma solução adequada, em razão da omissão legislativa.
É visível que a utilização da inseminação ou fertilização artificial
heteróloga, pode gerar alguns problemas de difícil solução. Conforme
abordado, o filho concebido por esta técnica, poderá por diferentes
razões, ter interesse em conhecer sua ascendência biológica, contudo
ao surgir essa expectativa, há a colisão de dois princípios resguardados
a cada uma das partes envolvidas, ou seja, o direito do sigilo do doador
de material genético e o direito ao conhecimento da origem genética
por parte do concebido. Surge então, diante da ausência de legislação,
um problema a ser solucionado, em que o julgador deve escolher entre
manter o anonimato ou dar procedência ao pedido de declaração a
origem genética, ficando diante de dois direitos colidentes, ou seja, o
direito a intimidade e o da personalidade.
Ressalta-se que, nada irá interferir no estado de filiação sendo
que não se pode restringir apenas ao aspecto biológico, atualmente o
que prepondera nas relações de filiação é o afeto existente entre o filho
e os pais, não apenas os aspectos biológicos e, mesmo que reconhecida
a identidade genética, essa não possui o condão de exigir do doador,
obrigações decorrentes da paternidade ou maternidade, excluindo toda
e qualquer responsabilidade, pois não se aplica reciprocamente os
efeitos inerentes à filiação jurídica, portanto reconhecer o direito a
identidade genética não se trata de valorização da filiação biológica em
detrimento da filiação afetiva, isto porque as consequências decorrentes
delas são diferentes no mundo jurídico.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

Como já mencionado, o ordenamento jurídico Brasileiro não


contempla todas as consequências que decorrem da utilização das
técnicas de reprodução humana assistida, o legislador se manteve inerte
quanto á sua regulamentação e essa ausência pode ser facilmente
sentida, ora que para solução de caso especifico só podemos contar
com a proteção principiológica, visto que muitas vezes, o respaldo que
os julgadores encontram para resolver as questões que envolve direito
de família, são os próprios princípios constitucionais e doutrinários.
O ordenamento jurídico em razão desse cenário, possibilita o
judiciário a regular sobre o tema, buscando estancar uma lacuna que
entrará no mérito, e no subjetivismo do julgador quanto a sua análise
legal e moral, frente ao caso concreto. Diante da inercia legislativa,
resoluções como a de nº 2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina
é que toma as decisões, regularizando os procedimentos, e como serão
as suas intermediações.
Neste contexto entende-se que o direito da personalidade deve
ser preservado, de forma a garantir ao indivíduo o conhecimento a sua
ascendência biológica, todavia a utilização deste direito tão somente
seria para tutelar o direito que possui, não podendo utilizar de tal
informação para futura vinculação de paternidade ou maternidade.
Trata-se de um tema complexo, e delicado que precisa ser mais
discutido frente as consequências que a evolução biotecnológica traz a
sociedade, sendo necessário, que o ordenamento jurídico se adeque a
estas mudanças, estabelecendo limites, coibindo abusos e respeitando
à dignidade da pessoa humana e aos demais direitos fundamentais que
decorrem com os avanços médicos e científicos.
Assim, diante das ponderações suscitadas, conclui-se que o
princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, os direitos
inerentes à pessoa, o princípio do melhor interesse da criança e do
adolescente, servem como pilares que devem fundamentar e proteger
os direitos de cada indivíduo envolvido, devendo prevalecer sempre
que possível, de acordo com a realidade fática, o interesse do filho em

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Tecendo Direitos

conhecer sua identidade genética, em face do direito ao anonimato, de


forma que garante a igualdade constitucional entre filhos concebidos
por vias naturais, ou por técnicas de reprodução humana assistida, e
os adotados, sem distinção ou favorecimento entre eles.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

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e dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e
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ENTIDADES DE FISCALIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS PROFISSÕES
LIBERAIS/CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução 2.168/2017. Adota
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Oficial: Edição: 216 Seção: 1 Página: 73, 10 nov. 2017. Disponível
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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

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Tecendo Direitos

9 RESPONS
RESPONSABILID
NSABILID ADE CIVIL N
ABILIDADE O
NO
DIREI
DIREITT O BRA SILEIRO
SILEIRO
BRASILEIR
JORDANA RODRIGUES BATISTELA
PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA

INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil se instaura na medida em que acontece
a conduta danosa à terceiro (culposa ou dolosa), a qual está no prejuízo
causado (material ou imaterial) e no dever de reparação. Apesar de
haver algumas impossibilidades ao retrocesso “status quo”, aquele que
prejudica, de alguma forma, o outro, deve ressarci-lo, de acordo com
seus interesses, na condição de retorno à situação anterior ao dano
causado, (SOBRAL, 2010).
Nesse panorama, o presente artigo, foi dividido em dois tópicos,
de início, tratar-se-á sobre o histórico da responsabilidade civil,
enfatizando seu conceito e origem. Posteriormente, será abordado a
sua aplicabilidade sob a ótica do direito brasileiro. Terá por objetivo,
ainda, em demonstrar a sua estrutura e sua efetividade no âmbito social,
como garantia da manutenção da paz.
Vale ressaltar, que tal estudo não tem pretensão em exaurir o
tema, visto que, trata-se, ainda, de um conceito em construção, e sim
contribuir de maneira positiva para melhor elucidação e percepção da
importância dessa temática.
O tema, apesar de já estudado há décadas, ainda se faz atual,
uma vez que, é de suma importância para a ciência do Direito. Dito
isso, justifica-se a presente pesquisa por analisar esse instituto,
destacando as principais questões acerca de sua importância, finalidade
e aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro.
Desse modo, com intuito de evidenciar a melhor compreensão
da temática foram utilizados diversos entendimentos doutrinários, dentre
eles: Santos (2012), Cavalieri Filho (2015), Diniz (2017), Stolze (2018).

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

Para isso, o método de abordagem empregado foi a revisão


bibliográfica a partir de uma análise crítica sobre o assunto.

2. HISTÓRICO
O conceito de reparação já existia na história da humanidade
anteriormente ao conhecimento de regras ou limitações. Com origem
primitiva, a reparação é algo inerente ao ser humano presente no grande
manual histórico que é a Bíblia Sagrada, Antigo Testamento (Levíticos,
24,10-23): “[...] matar alguém será morto [...]”, causar defeito em seu
próximo, como ele fez, assim lhe será feito: fartura por fartura, olho
por olho, dente por dente [...]. Neste sentido,

toda lei divina é de caráter moral abrangendo aspectos civis e cerimoniais


com aplicabilidade limitada e temporal, de cunho pedagógico, visto que
sendo uma legislação mosaica apresenta regência de forma orgânica e não
sistemática. Toda lei moral deve ser cumprida (religião), dentro do senso
moral o Homem entendeu ser necessário transformá-la em escritos,
então surge à legislação civil e cerimonial, com ação aplicativa na
humanidade, se coexistindo mutualmente (MEISTER, 2007, p. 58-59).

A Figura 1 apresenta uma noção da afirmativa (MEISTER, 2007,


p. 59- 63).

FIGURA 1: DEMONSTRAÇÃO DA COEXISTÊNCIA DAS LEIS: MORAL,


CIVIL E CERIMONIAL.

Fonte: MEISTER, 2007, p. 64.

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Tecendo Direitos

A ideia inicial de responsabilidade era a vingança, dando ao


sistema legislativo uma noção de “proporcionalidade”, uma resposta
igualmente àquilo que foi feito.
Após as experiências do Direito Romano, a cultura jurídica atingiu a
evolução com a ideia de enumeração de casos específicos surgidos através
da responsabilidade civil inserindo princípios gerais às ocorrências (danos)
das mais diversas condutas antissociais que viessem de terceiros.
Nesse viés, o Direito Romano, apresentando um novo conceito
de indenização. O que outrora era dever de responsabilidade à
reparação de qualquer tipo de dano causado, a nova Lei trouxe o
dano injusto e, posteriormente, a “culpa”. Pensa-se que,

assim, quando havia “culpa” existia o dever da reparação, elemento


fundamental da responsabilidade tipificada em quatro características:
conduta, nexo causal, dano e culpa. Surgiu então a responsabilidade civil
subjetiva, cabendo a vítima a prova do dano, doloso ou culposo, para
posterior reparação (SANTOS, 2012, p. 214)

Existe (ia) certa dificuldade em comprovar o dano, dessa forma,


surge a ideologia do “risco”, deixando a “culpa” em segundo plano. O
“risco” é a decisão do agente consciente em assumi-lo ou não, cabendo,
apenas ao causador, à escolha de causar o dano. Quando, independente
de culpa, diz-se “responsabilidade objetiva”.
À vista disso,

a conduta ilícita presentes o dano e o nexo de causalidade, porém a culpa


independe da responsabilidade, podendo existir ou não no caso concreto,
sendo irrelevante ao dever indenizatório. A finalidade real de uma
responsabilidade objetiva é de cunho material/financeiro/econômico,
fazendo voltar à vítima ao estado anterior antes do dano ocorrido
(CAVALIERI FILHO, 2015, p. 126)

O conceito de responsabilidade a respeito do dano possui como


gênese o Código Civil francês no ano de 1804, o Código de Napoleão,
o qual estabeleceu duas vertentes: a responsabilidade civil (perante a

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

vítima) e a responsabilidade penal (perante o Estado). Posteriormente,


tais princípios foram abordados pelos códigos italiano e brasileiro,
ambos impulsionados pelos pelo Código francês, o que caracteriza
uma mudança significativa no âmbito jurídico.
De forma geral, compreende-se que a vida deve ser conduzida
diante da ética e da moral humana, com limites, respeitando “o dever”
e “o ser”. Sendo que, a responsabilidade civil está ligada à conduta
danosa provocada a outras pessoas. A normativa do Direito Civil dá, à
vítima violada, o direito de reparação do dano provocado, culposo ou
doloso, na mesma proporção do dano sofrido.
À medida que a sociedade cresce, aumentando a convivência
de vários indivíduos em um mesmo espaço, consequentemente,
estreitam-se as relações e a interdependência entre os indivíduos, o
que torna natural o surgimento de conflitos.
A vida em sociedade sem que haja desavenças e choques de
pensamentos é um ideal inalcançável, ou seja, uma utopia. Nesse
cenário, manifesta-se, exatamente, a necessidade do Direito, que,
demonstra-se como regulador das ações humanas, vislumbrando uma
convivência harmoniosa.

3. RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO


A respeito da responsabilidade civil, destaca-se,

todo aquele que violar um dever jurídico por um ato lícito ou ilícito tem
o dever de reparação. Assim, todos aqueles regidos por uma Lei expressa
tem um dever jurídico originário: o de não causar quaisquer dano a
outrem, bem como não viola-lo (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 02).

Nessa acepção, o autor trata a responsabilidade civil como ato


jurídico, ou fato jurídico, sendo esse, todo acontecimento da vida, que
para o Direito, seja considerado relevante podendo ou devendo haver
interferência do Estado, seja por acontecimentos naturais, seja por
voluntários, assim, cria-se a obrigação em remir o dano causado.

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Tecendo Direitos

Dessa maneira, o termo responsabilidade não se resume apenas


na obrigação do causador em reparar o dano, mas de retornar à
situação do lesado ao “status quo”, na garantia de uma relação jurídica
equilibrada e ética. Em outros termos, conceitua-se

a responsabilidade civil é a aplicação de medidas obrigatórias ao indivíduo


causador do dano a repara-lo, moral ou patrimonialmente, em razão do
praticado, por pessoa por quem responda, por algo que a pertença ou de
simples imposição legal (DINIZ, 2017, p. 185).

Nesse sentido, entende-se que o principal objetivo da ordem


jurídica é proteger o lícito e conter o ilícito. Sendo que, ao mesmo
tempo em que ela se empenha em proteger o homem que age de acordo
com o Direito, ela reprime as condutas daquele que contraria.
As condutas humanas causadoras do dano são aquelas
ocorrências originárias do fazer, uma ação voluntária prejudicial, um
dano ou uma lesão a alguém. Diferente da omissão, o não fazer, no
qual o indivíduo não age no dever de agir, permite que haja risco ou
perigo, o que pode, posteriormente, ocasionar dano ou uma lesão ao
patrimônio.
Nesse viés, surge, então, a obrigação de indenizar, como forma
de reparação. Desse modo, configura-se dano: dano material, causado
diretamente à vítima ou ao seu patrimônio; imaterial, causado à
personalidade, à honra, à imagem, à liberdade, não importando a sua
natureza.
Quanto ao dano material, caracteriza-se como,

todo aquele causado ao bem jurídico de valor econômico, exemplo:


agressão direta a vítima (despesas médicas), dilapidação de um patrimônio
(reparação por troca/novo, pecúnia ou conserto). Uma das espécies de
dano material emergente é o valor direto da reparação, trazendo a vítima
o equilíbrio de outrora, (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 72).

Assim, os lucros cessantes se enquadram, também, em uma


espécie de dano material e consistem-se no que o indivíduo deixou de

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

ganhar (lucrar) pelo dano ocorrido, devendo ser calculado de acordo


com que provinha anteriormente.
O artigo 403, do Novo Código Civil, tipifica a determinação
das perdas e dos danos com inclusão dos prejuízos efetivos, como os
lucros cessantes. Porém, em regra, precisa-se mostrar a culpa do agente
causador do dano, de forma certa e imediata, abstendo-se dos danos
imaginários ou das meras hipóteses, apresentando o nexo causal entre
o dano e o fato gerador.
Em contraposição, destaca-se que,

o dano moral não mais se restringe a dor, tristeza e sofrimento,


estendendo a sua tutela a todos os bens personalíssimos – os complexos
de ordem ética –, razão pela qual se revela mais apropriado chamá-lo de
dano imaterial ou não patrimonial, como ocorre no Direito Português.
Em razão dessa natureza imaterial é insusceptível de avaliação pecuniária,
podendo apenas ser compensado com a obrigação pecuniária imposta
ao causador do dano, sendo mais uma satisfação do que uma indenização,
(CAVALIERI, 2015, p. 47).

Ora supracitado, o ordenamento jurídico brasileiro, após


promulgação da Constituição de 1988, especificou em seu artigo 5º os
direitos e garantias fundamentais, nesse contexto, destaca-se o inciso
X, em que expressa de forma clara a existência da obrigação efetiva
na reparação do dano seja ele moral ou material.
Em síntese, responsabilidade, para ao Direito, trata-se de assumir
as consequências que possam surgir ou já surgiram de determinada
ação e, posteriormente, repará-las. Apesar do admirável avanço
desenvolvido ao longo do reconhecimento jurídico desse instituto, ainda
hoje, conceituar responsabilidade civil se demonstra um desafio aos
doutrinados e aos estudiosos do ramo do direito.
Nessa missão, Stolze (2018) se arrisca ao fragmentar
responsabilidade em três elementos essenciais, que até então, em sua
visão poderiam compreender tal conceito, sendo eles: conduta, dano e
nexo de causalidade.

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Tecendo Direitos

Em resumo, tais especificações estão interligadas, uma vez que,


a conduta está intimamente associada ao dano, advindo de ato doloso
ou culposo. Nesse interim, o nexo de causalidade seria, então, as ações
ou as circunstâncias que contribuíram para produção de determinado
resultado. Por consequência de condutas danosas, justo será que quem
o deu causa se responsabilize, (STOLZE, 2018).
Assim, conclui-se que, a responsabilidade civil, hodiernamente,
é um dos institutos mais importantes, não só para o direito civil, bem
como para todo o ordenamento jurídico brasileiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, no presente trabalho, verificou-se o contexto
histórico e evolutivo no processo de reconhecimento da
responsabilidade civil pelo ordenamento jurídico brasileiro. Ao longo
desse, foram analisados entendimentos doutrinários já fixados acerca
da temática, verificando-se a impossibilidade em definir um único
conceito, uma vez que, como o Direito ainda é, de forma geral, uma
ciência inexata, a qual sofre modificações diuturnamente ao tentar
acompanhar os anseios da sociedade.
Desse modo, evidenciaram-se os pontos principais em relação
ao objetivo desse trabalho, e averiguou-se tanto a necessidade quanto
a aplicabilidade desse instituto, considerado como um dos pilares
responsáveis pela manutenção da paz social.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

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Tecendo Direitos

10 ESTADO DE COIS
ESTADO COISAAS
INCONST
NSTII TUCIO
INCONST NAL: UM ESTUDO
TUCION
SOBRE A SUA INFLUÊNCIA NA GESTÃO PÚBLICA

FLÁVIO MANOEL COELHO BORGES CARDOSO


LUCIANO DO VALLE
NAYALA NUNES DUAILIBE

INTRODUÇÃO
No meio acadêmico existem muitos assuntos polêmicos e
acredito que seja próprio do mundo científico tratar de controvérsias,
sejam empíricas ou teóricas. O Direito, como em todas as outras ciências
também seus temas polêmicos dentro das suas diversas áreas. Dentre
eles temos como exemplo: o casamento de pessoas do mesmo gênero,
violência doméstica, eutanásia, início da vida, aborto, direito dos animais,
dentre muitos outros.
Além de temas controversos, o Direito também tem alguns
institutos polêmicos. Como institutos, alguns autores entendem um
conjunto de normas reguladoras ou disciplinadoras, com características
próprias, constituindo uma entidade independente de direito, que atende
a interesse de ordem ampla e geral (ALVES 2010; CUNHA, 2012;
REALE, 2012). “Instituto Jurídico é o termo utilizado pelo Direito para
denotar que determinada situação, medida, condição ou fato é algo
tão especial para a vida em sociedade, que deve ser tratado como um
“instituto jurídico” que merece um tratamento diferenciado” (ALVES,
2010, p. 03). Como exemplos tem-se os “alimentos” e “casamento”
no Direito Civil, como “acordo de não persecução penal” no Direito
Penal e o “estado de coisas inconstitucional” no Direito Constitucional.
Esses pontos, tanto a lei como a doutrina e a jurisprudência entendem
que isoladamente possuem algumas regras para a sua exata definição e
posicionamento no contexto jurídico (ALVES, 2010).

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

Este estudo pretende tratar do instituto do Estado de Coisas


Inconstitucional - ECI, que se encontra no Direito Constitucional, porém
que tem reflexos nos outros ramos do Direito como: penal, ambiental,
direitos humanos e outros. Além disso, afeta também algumas áreas
sociais, políticas e econômicas, como também a educação. O ECI tem
gerado muitas discussões jurídicas e também conflito entre os três
poderes da União, pois decisões ou normatizações dos poderes
judiciário e legislativo interferem diretamente no poder executivo. Como
por exemplo decisões do judiciário com relação a problemas estruturais
no sistema carcerário e de saúde brasileiro.
Este trabalho faz parte de uma pesquisa empírica mais ampla
sobre o ECI no sistema carcerário no Vale do São Patrício - Goiás.

2. ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL


Na literatura sobre Estado de Coisas Inconstitucional têm sido
mencionados como fundamentos para a sua declaração, a violação de
garantias fundamentais dos indivíduos e os direitos humanos. Estas
violações são muito frisadas nas áreas da saúde, educação e segurança.
No caso específico da segurança, as organizações prisionais são
muito criticadas pela sua estrutura precária e sendo alvo nos últimos
anos de declarações de Estado de Coisas Inconstitucional pelo
Supremo Tribunal Federal - STF brasileiro. Isto tem se mostrado
preponderante, pois afeta não apenas o sistema carcerário brasileiro,
mas também aspectos políticos, econômicos e sociais. Por isso, optou-
se por discutir o ECI no sistema prisional de maneira mais detalhada
neste capítulo.

2.1 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS


Para entendermos sobre o que é o instituto do Estado de Coisas
Inconstitucional - ECI, faz-se necessário entender e discutir os direitos
e garantias fundamentais. Para Sarlet (2016), esses direitos e garantias,
passaram por evoluções nos seus diversos aspectos como eficácia,
conteúdo e níveis de proteção, o que levou ao seu reconhecimento e

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Tecendo Direitos

fortalecimento em constituições de diversas nações. Essas mudanças


foram mais significativas com o avanço dos direitos humanos no pós-
segunda guerra mundial e a “Declaração Universal dos Direitos
Humanos”.
Esses direitos oriundos da evolução humana e dos regimes
políticos democráticos dos países, tem um impacto direto sobre seus
governantes. Segundo Moraes (2017), na perspectiva ocidental de
democracia, os mandatários ou representantes do povo tomam decisões
sobre o seu destino. Porém, estes não podem ter poder absoluto para
tanto e daí surge a necessidade de se limitar esse poder decisório. Um
desses controles normativos acontece por meio dos direitos e garantias
fundamentais em uma constituição.
Ainda, de acordo com Moraes (2017), os direitos e garantias
podem ser individuais ou coletivos do cidadão, sendo as suas relações
horizontais (cidadão-cidadão) ou verticais (cidadão-Estado). De
acordo com Matos (2012), os direitos e garantias podem ser
classificados como de caráter negativo ou de liberdade, de aspecto
jurídico-objetivo, que impõe ao poder público ou o Estado a proibição
de ingerência ou privação de atuar do ponto de vista jurídico individual.
Por outro lado, a autora aponta um aspecto jurídico-subjetivo ou de
caráter positivo, em que o poder público tem a capacidade de atuação
sobre os direitos fundamentais dos indivíduos.
Os direitos fundamentais da Constituição Federal brasileira de
1988 (BRASIL/88) são classificados por muitos doutrinadores
brasileiros em cinco gerações ou dimensões que foram surgindo de
forma evolutiva (BAHIA, 2017; FERNANDES, 2017; LENZA, 2019).
Lenza (2019), deixa bem claro que,

[...] os direitos e deveres individuais e coletivos não se restringem ao art.


5º da CF/88, podendo ser encontrados ao longo do texto constitucional,
expressos ou decorrentes do regime e dos princípios adotados pela
Constituição, ou, ainda, decorrentes dos tratados e convenções
internacionais de que o Brasil seja parte[...], (LENZA, 2019, p.1759).

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

Alguns autores e doutrinadores preferem tratar as cinco gerações


dos direitos fundamentais por dimensões, assim pode-se encontrar os
dois termos na literatura acadêmica como na doutrinaria. Assim, para
efeito deste trabalho, o vocábulo a ser empregado para esta
classificação será de dimensão.
A classificação dos direitos fundamentais no BRASIL/1988 é
dividida em cinco dimensões conforme figura 1 abaixo:

FIGURA 1 - CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CF

Fonte: Adaptado de Lenza (2019).

A 1ª dimensão está relacionada às liberdades individuais e públicas


tem relação com a resistência ou limitação ao poder do Estado,
impedindo-o de interferir na liberdade pública ou individual, tendo
característica de direito negativo, do “não fazer” (LENZA, 2019;
NUNES JR., 2017; WOLKMER, 2002).
Na 2ª dimensão estão os direitos sociais, econômicos e culturais,
que tem relação com a coletividade e a redução das desigualdades
sociais. Esta é uma dimensão de direito positivo pois o Estado tem a
obrigação de agir, de concretizar os direitos constitucionais em vigor
(LENZA, 2019; NUNES JR., 2017; WOLKMER, 2002). A 3ª

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Tecendo Direitos

dimensão é formada pelos direitos da sociedade em geral, também


chamados de direitos transindividuais ou metaindividuais (meio ambiente,
paz, desenvolvimento sustentável, comunicação, etc.).
Segundo Lenza (2019, p. 1763), são “direitos que vão além
dos interesses do indivíduo; pois são concernentes à proteção do
gênero humano, com altíssimo teor de humanismo e universalidade”.
Os direitos de 4ª dimensão são relacionados biotecnologia e a
bioengenharia. Sua principal função é impedir que os avanços nas
áreas da biotecnologia e genética coloquem em risco a existência
do ser humano e das futuras gerações.
Para alguns autores, tais direitos merecem atenção de juristas,
médicos, sociólogos, biólogos e demais profissionais tanto da área de
saúde como de humanas, pois possuem natureza complexa e
interdisciplinar, que leva a discussões polêmicas quanto a seu uso e
aplicações (LENZA, 2019; WOLKMER, 2002).
A 5ª dimensão está relacionada ao mundo digital, virtual e
cibernético. Está é um desafio a sociedade da tecnologia e da
informação, em que a internet e a cibernética dominam o presente e o
futuro da humanidade. Estes direitos estão pouco disciplinados no
ordenamento jurídico brasileiro (NUNES JR., 2017; WOLKMER,
2002). Representa “a passagem do século XX para o novo milênio
reflete uma transição paradigmática da sociedade industrial para a
sociedade da era virtual” (WOLKMER, 2002, p. 21).
A evolução da sociedade ao longo das décadas levou também a
evolução desses direitos constitucionais. Não que os direitos de 1ª
geração tenham sido suplantados pelo de 2ª e pelo de 3ª e assim
sucessivamente, mas que são igualmente parte das necessidades sociais
dos indivíduos de um povo. Por este motivo, vários autores preferem
o termo “dimensão”, pois implica em níveis diferentes, porém, de igual
importância. Elas são ciclos e momentos da evolução humana, frutos
de suas necessidades, que geram bem-estar a sociedade e perpassam
as eras em que os cidadãos vivem.
2.2 DIREITOS HUMANOS

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

Para Moraes (1998), os direitos humanos fundamentais como


são entendidos hoje tem suas raízes numa combinação de pensamentos
jurídicos filosóficos, cultura e tradições de algumas civilizações e até
ideais cristãos. Daí, Bobbio (2004) esclarecer que os direitos humanos
não surgiram em um determinado momento, mas foi sendo construído
ao longo da história da humanidade. Arendt (1989), coaduna com o
mesmo pensamento, quando afirma que a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão de 1789 foi um marco na história do homem e
também uma mostra de sua evolução e maturidade.
Contudo, somente após as atrocidades cometidas durante a
Segunda Guerra Mundial, a Declaração Universal dos Direitos do
Homem - DUDH se tornou um marco importante na preservação
desses direitos para as futuras gerações. Segundo Bobbio (2004), essa
declaração pode ser considerada uma das maiores inovações da
civilização humana. Piovesan (2006), ratifica destacando que,

ao adotar esse prisma histórico, cabe realçar que a Declaração de 1948


inovou extraordinariamente a gramática dos direitos humanos ao
introduzir a chamada concepção contemporânea de direitos humanos,
marcada pela universalidade e indivisibilidade desses direitos,
(PIOVESAN, 2006, p.37).

De acordo Piovesan (2006), como consequência da DUDH,


vários tratados internacionais foram sendo realizados entre países como
forma de assegurar a proteção dos direitos fundamentais em seus
ordenamentos jurídicos e assim, fortalecer a DUDH. Segundo a referida
autora, esse processo ocorreu em formato de fases.
A primeira delas buscava tratar da proteção dos direitos
fundamentais em geral, como consequência do temor às diferenças,
em que o nazismo expressou em relação aos judeus, com o holocausto.
Depois foram evoluindo para direitos fundamentais para casos
específicos. Assim, surge o direito a diferença e a diversidade, em que
a igualdade de direitos deve respeitar as diferenças, sempre preocupado
em que o mesmo não produza ou alimente as desigualdades.

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Tecendo Direitos

Como consequência, vieram outros direitos como as liberdades


fundamentais, a proibição a distinção ou exclusão por motivos de raça,
cor, crença, gênero e outros, sejam nos campos político, econômico,
social, cultural, civil ou em outro qualquer (PIOVESAN, 2006).
A Constituição Federal brasileira de 1988, conhecida também
como constituição cidadã, depois de um período de uma ditadura militar
autoritária, veio asseverar muitos direitos individuais e coletivos aos
cidadãos brasileiros, inclusive estrangeiros, nunca antes existido tão
amplamente. Nos “Título I – Dos Princípios Fundamentais (arts. 1º a
4º) “, de uma forma bem geral e ampla, com destaque para os artigos
3º e 4º:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do


Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e
regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação”.
Art. 4ª A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações
internacionais pelos
seguintes princípios:
...;
II – prevalência dos direitos humanos;
...;
VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo; (BRASIL, 1988, p.15).

E ainda, de forma mais específica, no Título II – Dos Direitos e


Garantias Fundamentais (arts. 5º a 17), com destaque para o “Capítulo
I - Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos” e o art. 5º que diz
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade” (BRASIL, 1988, p. 17).

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

No artigo 5º são abordados temas específicos a respeito dos


direitos e garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros. Assim, tem-
se desde os direitos individuais (gênero, moradia, propriedade, herança,
livre expressão e outros), passando pelos coletivos (segurança,
educação, saúde, etc.), pelos serviços públicos prestados pelo Estado
(justiça, questões carcerárias, serviços administrativos entre outros).
Porém, apesar de uma constituição moderna, tão humana,
amplamente democrática e liberal, ela traz muitas atribuições
econômicas e assistenciais ao Estado. Estas atribuições nem sempre
são cumpridas por motivos diversos, entre eles os estruturais e
econômicos. Por isso, acontece a não observância efetiva de
determinados direitos previstos na Carta Magna de 1988.
Para Koerner (2003), o Estado social e democrático de direito,
reflete a modernização da sociedade, em que não cabe mais violações
aos direitos individuais e coletivos. Porém, regime democrático também
pode representar a tirania de uma minoria, quando existem economias
capitalistas desajustadas ou desequilibradas. Nelas, uma classe
dominante rica impõe pobreza a uma maioria da população.
Desta forma, o referido autor entende que os direitos humanos
fundamentais, quando violados ou ameaçados, podem ser cobrados
do Estado, pois os titulares dos direitos humanos são os indivíduos e
as autoridades políticas têm o dever de os assegurar a todos. Assim,
Koerner (2003), justifica o porquê do dever do Estado quanto a garantir
os direitos humanos dos cidadãos, quando afirma que

a exclusividade da implementação dos direitos humanos pelos Estados


justifica-se pela sua legitimidade e capacidade em comparação com outras
organizações internacionais. O Estado é o agente político mais próximo
dos destinatários tanto em termos institucionais como culturais, o que
lhe garante uma maior capacidade para a execução de uma agenda ampla
de direitos humanos, (KOERNER, 2003, p. 148).

Ainda, o referido autor, reitera que cabe ao poder judiciário e


aos operadores do Direito ser o instrumento dessa cobrança junto aos

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Tecendo Direitos

demais poderes estatais. Pois, segundo Reale (2012), o Direito implica


na existência de um conjunto de regras obrigatórias para uma melhor
convivência social, por do estabelecimento de limites à ação de cada
um de seus membros. Assim, o papel do Poder Judiciário é assegurar
os direitos individuais, coletivos e sociais e resolver conflitos entre os
indivíduos, as entidades e o Estado, (BRASIL, 2019).
A partir dessa atribuição do Poder Judiciário de fazer cumprir a
constituição e os direitos dos cidadãos, surge o instituto do Estado de
Coisas Inconstitucional.

2.3 ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL


O Estado de Coisas Inconstitucional - ECI é um tema muito
polêmico no meio jurídico. Este instituto cobra do Poder Executivo o
cumprimento dos preceitos constitucionais do ordenamento jurídico
de um país. As críticas se devem porque alguns autores entendem que
afeta a independência dos 3 Poderes da república. Como exemplo, os
problemas relacionados à segurança pública, que pela sua estrutura
precária, vem sendo alvo nos últimos anos de declarações de Estado
de Coisas Inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal - STF
brasileiro. Isto tem se mostrado preponderante, pois afeta não apenas
o sistema carcerário brasileiro, mas também aspectos políticos,
econômicos e sociais (CAÚLA & RODRIGUES, 2018).
Na literatura sobre Estado de Coisas Inconstitucional - ECI têm
sido mencionados como fundamentos para a sua declaração, a violação
de garantias fundamentais dos indivíduos e os direitos humanos. Estas
violações são muito frisadas nas áreas da saúde, educação, meio
ambiente e segurança. Assim, pode-se perceber a estreita ligação que
existe entre o tema ECI e os relacionados às garantias constitucionais
fundamentais e os direitos humanos (VASCONCELOS, 2017).
Lima & Clementino (2020), bem esclarece sobre os motivos
que levam a ECI quando dizem que,

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

os direitos e garantias fundamentais constituem os elementos materiais


das democracias, positivados nas normas constitucionais, cuja
concretização depende da estruturação de programas de ação
governamental, coordenados no âmbito dos poderes legislativo e
executivo, cuja implementação – via de regra – compete às agências
administrativas, (LIMA & CLEMENTINO, 2020, p. 155).

Desta forma, vários autores conceituam o Estado de Coisas


Inconstitucional como sendo a constatação de violações generalizadas,
contínuas e sistemáticas de direitos fundamentais garantidos
constitucionalmente pelo poder público. A sua finalidade é a busca por
soluções estruturais para superar essa situação violação em massa dos
direitos dos indivíduos vulneráveis por omissões do Estado (CAÚLA
& RODRIGUES, 2018; LIMA & CLEMENTINO, 2020;
VASCONCELOS, 2017).
A origem do instituto do ECI é antiga e alguns autores o remontam
a Suprema Corte dos EUA e outros até na justiça Grega e Romana.
Ainda, alguns pesquisadores atribuem ao surgimento do Estado Liberal,
com as garantias fundamentais e as políticas assistencialistas (CAÚLA
& RODRIGUES, 2018; LIMA & CLEMENTINO, 2020). De acordo
com Caúla & Rodrigues (2018), a Corte Constitucional da Colômbia
concebeu o que viria a se entender o instituto do ECI no século XXI
com a “Sentencia T-025-2004”.
Porém, segundo Carvalho; Oliveira e Santos (2017, p. 310), o
que se sabe de fato concreto é que foi na Colômbia, “A primeira decisão
na Suprema Corte Colombiana a reconhecer a ECI foi a Sentencia no
SU - 559, de 6 de novembro de 1997, promovida por professores
que tiveram seus direitos previdenciários sistematicamente violados”.
De acordo com Carvalho; Oliveira e Santos (2017, p. 307), “A
dignidade da pessoa humana é assegurada no Brasil pela Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988 e pelos Tratados e
Convenções Internacionais sobre direitos humanos recepcionados pelo
Brasil”. Ainda segundo os mesmos autores, o ECI foi declarado pela

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Tecendo Direitos

primeira vez no Brasil por uma decisão do Supremo Tribunal Federal -


STF por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) nº. 347 de autoria do Partido Socialismo e
Liberdade (PSOL) devido as péssimas condições dos presídios
brasileiros cujos detentos vivem em condições sub-humanas.
Apesar das controvérsias jurídicas e doutrinárias, o entendimento
do Estado de Coisas Inconstitucional, requer o afastamento e
sobrepujamento das questões estruturais ocasionadas pelas falhas do
poder público, tanto executivo como legislativo, que incorrem na
violação dos direitos fundamentais do cidadão brasileiro. Somente
assim, as falhas administrativas/legislativas poderão ser suplantadas para
o bem da população de uma nação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este é um estudo sobre o Estado de Coisas Inconstitucional e a
sua influência na gestão pública brasileira. Ainda, este é um trabalho
preliminar e fará parte de uma pesquisa empírica sobre ECI na área de
segurança, abordando sobre os presídios no Vale do São Patrício em
Goiás. Isto se faz necessário por ser um tema ser muito polêmico. A
pesquisa empírica irá contribuir para aprofundar as discussões teórica
e confirmar ou não proposições apontadas pelos estudiosos do assunto.
O que se pode concluir das discussões teóricas deste trabalho,
é que o Estado de Coisas Inconstitucional tem suas raízes no conflito
entre as obrigações que o Estado tem em relação aos direitos e garantias
fundamentais da constituição de um país, os compromissos assumidos
com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, do qual o país é
signatário, e as dificuldades estruturais, econômicas e políticas do Poder
Executivo em fazer cumprir as normas constitucionais e da DUDH.
No caso do Brasil, o Poder Executivo também tem o dever de
proporcionar esses direitos ao cidadão brasileiro, mas não geralmente
não o cumpre. Daí, o Poder Judiciário, muitas das vezes a pedido de
representações da sociedade ou mesmo do Ministério Público, exige

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

o cumprimento da carta magna ou do tratado da Declaração Universal


dos Direitos Humanos.
Desta forma, este controverso instituto, não está pacificado
quanto a sua aplicabilidade. Alguns doutrinadores ainda acreditam que
se trata de um ativismo judicial e outros não. Daí a necessidade de
maiores discussões teóricas com bases em pesquisas empíricas.

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Tecendo Direitos

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Tecendo Direitos

11 INST
INSTII TUT
TUTOO D A TRANS
DA AÇÃO
TRANSAÇÃO
PEN AL: ESTUDO DE SUA APLICAÇÃO NO
PENAL:
JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DE RIALMA
ELIABE ANDRÉ DE OLIVEIRA
GUILHERME SOARES VIEIRA

INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como tema: O Instituto da Transação
Penal no Juizado Especial Criminal de Rialma. A partir deste tema
buscou-se examinar como o instituto da transação penal foi aplicado
pelos operadores do direito, analisando desta forma como é a realidade
da concessão do benefício frente a norma que o regula, Lei 9.099/95.
Desta forma, buscou-se verificar se os princípios norteadores
dos Juizados Especiais Criminais vêm sendo respeitados, considerando
que a celeridade, economia processual, oralidade, simplicidade e
informalidade são de suma importância para o bom andamento
processual nos procedimentos sumaríssimos.
Semelhantemente, a verificação do cumprimento estrito dos
requisitos em especial os objetivos: ser uma ação penal pública
incondicionada ou com a devida representação nos casos necessários,
não ser caso de arquivamento dos autos, não ter sido o autor do fato
condenado com sentença transitada em julgado a pena restritiva de
liberdade e não ter recebido o benefício nos últimos 5 (cinco) anos é
de fundamental importância para a compreensão da forma como a
transação penal vêm sendo aplicada no Juizado Especial Criminal de
Rialma e através dos dados coletados se busca realizar tal análise.

2. PESQUISA DE CAMPO E ANÁLISE DA COMARCA DE RIALMA/GO


A princípio é necessário ressaltar que todos os dados foram
obtidos a partir de processos públicos que tramitaram no Juizado
Especial Criminal da Comarca de Rialma, sendo que, todos já se

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

encontravam arquivados definitivamente1, sendo que foi tomado o


cuidado para que fossem analisados os processos que tramitaram entre
os anos de 2016 e 2020, apenas pelo meio eletrônico, através do
PROJUDI, desta forma, processos ainda em tramitação ou que se
encontram em meios físicos, não foram utilizados para a contabilização
na presente pesquisa.
Para os fins desta pesquisa foram analisados 200 (duzentos)
processos, dos quais foram utilizados, de forma aprofundada, apenas
aqueles em que houve o oferecimento e aceitação da proposta de transação
penal, visto que, o fim último desta pesquisa é verificar a aplicação de tal
instituto em determinado local, qual seja, o Juizado Especial Criminal de
Rialma. O montante total de processos nesta condição foi de 61 (sessenta
e um) processos, representando uma taxa de ocorrência de 30,5% (trinta
vírgula cinco por cento), sendo que estes são os que serviram de base
para a coleta de todos os dados a serem analisados.
A partir então desta gama de documentos, foram levantados os
dados, considerados pertinentes em razão de potencialmente
demonstrarem se os princípios e requisitos legais são cumpridos. É
interessante que esta questão seja iniciada verificando-se a celeridade
dos processos, visto tratar-se de princípio constitucional. Considerando
a data da infração que motivou o TCO (Termo Circunstanciado de
Ocorrência) até a data de publicação da Sentença, em média os
processos tramitaram pelo prazo de 11 (onze) meses e 11 (onze) dias,
sendo que o mais célere foram arquivados entre 1 (um) e 2 (dois)
meses, após a data do fato, e aquele menos célere chegou a tramitar
por mais de 2 (dois) anos. Entretanto, vale salientar que, não
necessariamente, tais dados representem demora para o encerramento
do processo, visto que em muitos casos é garantido ao beneficiado o
prazo de vários meses para cumprir integralmente com a pena imposta,
assim, acarretando certa demora para se ter um desfecho.
De forma a compreender as especificidades do objeto de estudo,
é necessário que se verifique os termos que foram utilizados nas

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Tecendo Direitos

propostas pelo Ministério Públicos, posto isto, verificou-se que na


grande maioria dos processos (em 60 dos casos), foi oportunizado ao
infrator a escolha entre duas opções, que seriam prestação pecuniária,
em forma de doação, e prestação de serviço à comunidade, as quais
se amoldam perfeitamente no que a Lei 9.099/95 em seu artigo 761
estabelece como parâmetros para que seja estipulada a proposta pelo
Ministério Público, sendo possíveis as penas restritivas de direito ou
multas. Dentro de tais possibilidades, em 16 (dezesseis) casos foram
aceitas as propostas de prestação de serviço à comunidade, e em 2
(dois) destes houve a conversão para outra modalidade de pena; em
44 (quarenta e quatro) casos foram aceitas as propostas de prestação
pecuniária, e; houve 1 (um) caso em que houve uma pena diferente
imposta. Tais informações podem ser representadas da seguinte forma,
por meio de gráfico:

GRÁFICO 1 - TIPOS DE PENA

Fonte: Autoria própria.

Seguindo a análise acerca dos acordos firmados, restou


demonstrado que os beneficiados quase sempre cumpriram as
condições impostas em sua plenitude, sendo que em 56 (cinquenta e

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

seis) processos o acordo foi cumprido em sua totalidade acarretando


em uma sentença extintiva de punibilidade, e em apenas 5 (cinco) casos
não houve a completa satisfação da obrigação, apesar de que em 3
(três) destes, houve o cumprimento parcial da obrigação.
Em termos percentuais, a taxa de processos com satisfação
integral da obrigação oriunda do acordo de transação penal, foi de
91,8% (noventa e um vírgula oito por cento), o que é um resultado
satisfatório, uma vez que o arquivamento destes processos representa
uma grande economia ao poder judiciário.
Em complemento ao indicador anterior, dos 56 (cinquenta e seis)
processos em que a obrigação foi satisfeita pelo beneficiado, apenas em 4
(quatro) houve atraso no cumprimento, o que acarretou maior protelação
do processo. Levando-se em conta que em todos os 52 (cinquenta e dois)
processos restantes o prazo estabelecido foi cumprido, o que em termos
percentuais representa 92,86% (noventa e dois vírgulas oito por cento),
pode-se concluir, ao cruzar estes com os dados anteriormente
apresentados, que através do instituto da transação penal os princípios da
autocomposição, celeridade e economia processual vêm sendo cumpridos
de forma satisfatória no Juizado Especial Criminal de Rialma.

GRÁFICO 2 - SATISFAÇÃO DA OBRIGAÇÃO

Fonte: Autoria própria.

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Tecendo Direitos

Para dar maior robustez e possibilitar análises mais precisas em


cada caso, a fim de obter um aspecto amplo acerca da aplicação da
transação penal, foram verificados os delitos que ensejaram a confecção
do TCO, sendo que foram registrados os tipos penais descritos.
Foi apontado que houve um número significativo de processos
pelo delito do artigo 309 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro, 1997)
– que em resumo é a tipificação do ato de dirigir veículo automotor em
via pública gerando perigo de dano – representado a maior parcela
com um percentual de 47,54% (quarenta e sete vírgula cinquenta e
quatro por cento), e; artigo 310 do CTB – sendo a tipificação do ato
de entregar a direção de veículo automotor a outrem que não possua
habilitação ou capacidade – com um percentual de 18,03% (dezoito
vírgula zero três por cento) (BRASIL, 1997).

GRÁFICO 3 – SATISFAÇÃO DA OBRIGAÇÃO NO PRAZO

Fonte: Autoria própria.

Apesar de possuírem menor recorrência, ainda houve


representação dos delitos do artigo 311 do CTB (Brasil, 1997) – que
é o trafego com velocidade incompatível à da via – e os delitos previstos
na Lei dos Crimes Ambientais (BRASIL, 1998) (que foram colocados

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

juntos para os fins deste calculo) – ambos representando um percentual


de 6,56% (seis vírgula cinquenta e seis por cento) cada, e; o delito do
artigo 28 da Lei de Drogas (BRASIL, 2006) – tratando-se da aquisição
ou posse de drogas para consumo próprio – representando um
percentual de 4,92% (quatro vírgula noventa e dois por cento), além
de delitos variados com duas ou menos ocorrências, tendo uma
expressividade de 16,39% (dezesseis vírgula trinta e nove por cento)
quando somados.
Ainda, foi possível auferir questões relativas ao cumprimento do
benefício da transação penal, em termos de valores pagos, a título de
multa, e de horas trabalhadas em serviço comunitário. Assim, quanto
ao valor total das propostas, a título de prestação pecuniária aceitas
como pena, era esperado que fosse arrecadado o valor de
R$39.716,50 (trinta e nove mil setecentos e dezesseis reais e cinquenta
centavos) a título de prestação pecuniária que foram aceitas; deste, o
que efetivamente foi pago foi R$38.734,15 (trinta e oito mil setecentos
e trinta e quatro reais e quinze centavos).
Apresentou-se uma diferença de apenas R$982,35 (novecentos
e oitenta e dois reais e trinta e cinco centavos). Acerca do total de
horas de trabalho cumpridas, esperava-se que alcançasse a marca de
1.404 horas, das quais foram efetivamente cumpridas 1.003 horas,
apresentando uma diferença de 401 horas de trabalho. Tais diferenças
ocorrem devido ao descumprimento da obrigação assumida, o que
pode acarretar conversões entre as propostas a pedido do próprio
beneficiado, ou a própria revogação do benefício, como determina a
lei 9.099/95 em seu artigo 89 §4°, (BRASIL, 1995).

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Tecendo Direitos

GRÁFICO 4 – PRESTAÇÃO DO SERVIÇO

Fonte: Autoria própria

De forma geral, os dados apresentados demonstram-se positivos,


sendo que houve grande aderência dos beneficiados em cumprir a proposta
ofertada pelo representante do Ministério Público, tal como em obedecer
aos prazos estabelecidos. O número de acordos estabelecidos,
representando um total de 30,5% (trinta vírgula cinco por cento) dos
processos analisados, também pode ser considerado como um grande
impulso para o desafogamento do judiciário na área dos Juizados Especiais
Criminais, vez que a característica de composição do instituto da transação
penal resulta em maior celeridade e economia processual.

GRÁFICO 5 – PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA

Fonte: Autoria própria

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

Passando a uma análise aprofundada dos dados colhidos, afim


de verificar o cumprimento dos requisitos legais do instituto, percebeu-
se que o primeiro requisito, que seria – tratar-se de um delito de ação
penal pública ou com o devido oferecimento da representação, pela
vítima, nos delitos em que a ação penal seja pública condicionada à
representação foi cumprido de forma integral; quanto ao segundo, não
tratar-se de caso de arquivamento do Termo Circunstanciado, ao
examinar os dados colhidos foi observada recorrente ocorrência de
violações a este requisito. Ao verificar as hipóteses que poderiam ensejar
o arquivamento do TCO, tais como ausência de justa causa, atipicidade
formal ou material, etc, foi necessário examinar os delitos que ensejaram
os processos. Neste exame, foi observado que o artigo 309 do Código
de Trânsito Brasileiro, que é um delito recorrente no JECrim de Rialma,
representando mais de 47% (quarenta e sete por cento) dos processos
com concessão do benefício, seriam casos de arquivamento do Termo
Circunstanciado, vez que seria um delito atípico.
Ocorre que o delito tipificado no artigo 309 do CTB (BRASIL,
1997) possui duas elementares, quais sejam “Dirigir veículo automotor,
em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou,
ainda, se cassado o direito de dirigir” e “gerando perigo de dano”. Por
se tratar de elementares do tipo, sem que ambas estejam presentes
não há que se falar em fato típico. Neste sentido, vele analisar cada
elementar de forma distinta. Enquanto a primeira é simples e é de pronto
identificada pela autoridade policial, a segunda apresenta certas
peculiaridades que podem gerar dúvidas e causar confusão.
Os crimes de perigo podem ser divididos em dois tipos, os de
perigo abstrato e de perigo concreto. No primeiro o simples ato de praticar
a conduta já é considerado crime pelo simples risco que acarreta a outrem,
sendo que não necessita de comprovação quanto ao efetivo perigo de
dano sofrido pelo bem jurídico tutelado; já no segundo, diferente do primeiro
é necessário que seja demonstrado o real perigo sofrido pelo bem jurídico
tutelado, o qual, sem a devida comprovação não pode ser presumido.

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Tecendo Direitos

Neste sentido, o delito do artigo 309 do CTB (BRASIL, 1997)


é de perigo concreto, conforme afirma Constantino (2000), portanto,
para que fosse configurado como fato típico a segunda elementar do
tipo, necessariamente, deve ser demonstrada de forma inequívoca
apontando o perigo gerado pelo autor ao praticar a infração penal,
este perigo não pode ser presumido pelo simples fato da ocorrência
da primeira elementar.
Desta forma, não havendo nos processos quaisquer documentos
que demonstrassem o perigo efetivamente causado pelos autores de
tal infração, há de se reconhecer a atipicidade formal da conduta. Dito
isto, como já mencionado os membros do Ministério Público possuem
liberdade em sua atuação através da independência funcional, desta
forma são livres para seguir as próprias convicções e interpretações, o
que por si já poderia ser uma resposta à situação apresentada, já que,
se o representante do Ministério Público se mostra convicto de que os
elementos contidos nos autos já comprovam a tipicidade do caso, não
há que se falar em descumprimento do requisito legal.
Entretanto, a fim de verificar tal hipótese, foi feito o cruzamento
entre os processos originados do delito do artigo 309 do CTB
(BRASIL,1997) em específico e aqueles em que houve o
descumprimento da obrigação, o que via de regra, como já mencionado
anteriormente, acarreta a continuidade do feito, com o oferecimento
da Denúncia. O que verificou-se foi que, nos 2 (dois) únicos processos
em que houve tal combinação, após o descumprimento reiterado da
obrigação, e mesmo com novas intimações determinando o
cumprimento integral sob pena de revogação do benefício, ou quando
não encontrado o beneficiado para ser intimado, o Ministério Público
se manifestou requerendo o arquivamento dos autos fundamentando-
se na atipicidade formal da conduta.
Quanto aos dois últimos requisitos objetivos – não ter sido o
autor do fato condenado em sentença definitiva a pena restritiva de
liberdade e não ter recebido o mesmo benefício no prazo de 5 (cinco)

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

anos, estes foram devidamente observados em todos os processos, tal


fato se demonstra pela presença da folha de antecedentes criminais
atualizada (à época) em todos. Examinando os documentos foi possível
verificar que não houve nenhuma inobservância destes requisitos legais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A aplicação Instituto da Transação Penal na Comarca de Rialma
demonstrou se essencialmente alinhada aos princípios norteadores dos
Juizados Especiais Criminais, conforme estabelecido em sua lei 9.099/
95. A partir da análise realizada foi possível verificar tal realidade e
apresentá-la de forma clara a partir dos dados coletados.
Como meio de desobstrução do judiciário tal instituto vem sendo
de fundamental importância, vez que a partir dele grande parcela dos
processos podem ser encerrados antes mesmo que seja oferecida a
Denúncia pelo Ministério Público. Nesse mesmo sentido, a economia
processual propiciada por esta obstrução permite que o foco dos
operadores do direito se voltem para questões de maior gravidade e
relevância.
Entretanto, não obstante o cumprimento harmônico dos princípios
norteadores dos juizados através da transação penal, o cumprimento
dos requisitos para sua aplicação pode ser questionado, vez que há
indícios de que podem ter havido equívocos no momento do
oferecimento da proposta, aceitação e homologação. Tais indícios
indicaram que o caso concreto muitas vezes pode não ter sido analisado
nesses momentos mencionados, o que acarretou no equívoco e
consequente prejuízo para o autor do fato, o chamado “beneficiado”.
Mesmo com os mencionados indícios, não há que se retirar o
mérito do trabalho realizado no Juizado Especial Criminal de Rialma,
vez que todos os dados coletados indicam números positivos quanto
ao cumprimento das transações, prazos em que foram cumpridas e
prazo decorrido entre a data do fato e a sentença final, que apesar não
ser um indicador que aponta extrema eficiência, ainda há de se perceber

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Tecendo Direitos

as limitações de mão de obra e de infraestrutura, não apenas do Poder


Judiciário, mas de todo o sistema que o envolve, incluindo delegacias
de polícia e Ministério Público.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados


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Brasília, 27 set. 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/
L9099.htm>. Acesso em: 09 dez. 2019.
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Brasileiro. Diário Oficial da União. Brasília, 23 de set. 1997. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9503.htm >. Acesso em: 29 março
de 2020.
BRASIL. Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais
e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente,
e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 12 de fev. 1998.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm >. Acesso
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Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção
do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de
drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao
tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Diário Oficial
da União. Brasília, 23 de ago. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em: 06 jul. 2020.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado, 1988.
CONSTANTINO, Carlos Ernani. Direção Inabilitada de Veículo: o Artigo 32 da
LCP e o Novo Código de Trânsito. Ministério Público de São Paulo, São Paulo/
SP, 2006. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/
documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/
bibli_boletim/bibli_bol_2006/RDP_04_81.pdf. Acesso 06 jul. 2020.

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Tecendo Direitos

1DEM
2 OCRA
DEMOCRACIA P
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PART ICIP
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NO
BRA SIL:
BRASIL: REFERENDO, PLEBISCITO E INICIATIVA
POPULAR
VICTOR HUGO ALVES ASSIS

INTRODUÇÃO
O presente artigo, com o tema “Democracia Participativa no
Brasil: referendo, plebiscito e iniciativa popular”, analisará a forma de
governo mais utilizada pela humanidade, sendo está a democracia, e
quais suas ramificações para o mundo moderno
Este estudo abordará a criação e formação da democracia,
utilizando-se do processo histórico grego para compreender suas
particularidades e necessidades como governo “do povo para o povo”.
Analisando a estrutura governamental grega, busca-se elucidar o que
fez este povo ser tão politicamente próspero, a ponto de exportar seus
ideais para o mundo, perpetuando sua forma de governo pela história
humana.
O foco deste trabalho é abordar o termo democracia, como a
forma governamental mais bem preparada para gerir uma população,
independentemente de sua cultura, ao passo que confere o poder às
mãos daqueles que efetivamente sofrerão as consequências, benéficas
ou maléficas, das decisões políticas adotadas.
Principalmente, busca-se uma explanação no que tange às
espécies de democracia, em especial a democracia participativa, como
uma forma de governo que une a essência de dois extremos, sendo
estes a democracia indireta (representativa) e a democracia direta
(clássica grega).
Como uma forma de governo que admite a participação direta
do povo na política nacional, discutindo e votando os regramentos e
decisões que melhor lhes proverem, condizentes com o interesse
comum, tem-se como intuito uma ampla abordagem desta figura

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

democrática, como uma forma de compreender a realidade


internacional e brasileira sobre a política exercida pelos representantes
no poder.
Abordar-se-á a realidade brasileira frente à figura da democracia,
incluindo um breve estudo das Constituições tupiniquins, analisando
quais incluíram ou não conceitos e normas democráticas, principalmente
com relação à participação popular nas decisões governamentais.
Dessa maneira, o presente artigo se dividirá em três seções. A
primeira, “Acepções gerais sobre a democracia e sua formação
histórica”, que abordará as principais características do conceito
democrático, bem como, brevemente, sua formação histórico-social
dentro do contexto grego. Em seguida, o título “Espécies da
Democracia” introduzirá as três formas de governos democráticos mais
usualmente utilizadas nas nações contemporâneas, sendo estas a direta,
a indireta e a semidireta, ou participativa, a qual terá um maior foco no
subtítulo “Democracia Participativa”, abordando seus principais
instrumentos e particularidades que a fazem se destacar frente às outras
formas democráticas. Por fim, no título “Brasil: um flerte entre a tirania
e a democracia”, será analisado o histórico das Constituições brasileiras
frente às medidas democráticas e participativas, a fim de tentar
compreender o cenário político brasileiro e suas mazelas.

2. ACEPÇÕES GERAIS SOBRE A DEMOCRACIA E SUA FORMAÇÃO


HISTÓRICA
Na contemporaneidade, o termo democracia já se tornou usual
na fala de todo cidadão, ao dizer que algo é ‘democrático’ ou não,
dependendo da igualdade de direitos de determinado caso.
A democracia já faz parte do cotidiano do povo no século XXI,
mesmo envolto a tantas práxis políticas e governos despreparados, se
tornou algo imprescindível para a boa vivência em sociedade, ao (tentar)
garantir direitos e deveres igualitários a todos, assim diminuindo a
desigualdade e fomentando o mesmo grau de oportunidade para
qualquer pessoa.

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Tecendo Direitos

Etimologicamente falando, “democracia” vem do grego, seu


berço de criação, de “demokratia”, com a base formada em duas
palavras gregas: “demo’’, que significa “povo, distrito” e “kratos”,
que por sua vez seria o mesmo que “poder, domínio”, ou seja, “o
poder do povo”. Portanto, é o governo do povo pelo povo, no qual o
poder reside na maioria, na massa de indivíduos, direta ou indiretamente.
Em outras palavras, segundo Brasil (1998, p. 15 apud AZAMBUJA,
2008, p. 246), “a democracia é a forma de governo em que o povo
toma parte efetiva no estabelecimento das leis e na designação dos
funcionários que têm de executá-la e administrar a coisa pública”.
Em linhas gerais, democracia é a forma política que visa colocar
nas mãos do povo, o poder de decidir livremente quais direitos e deveres
lhes serão impostos, bem como quais leis vigorarão nas limitações de
sua região e os representantes que, investidos de fé pública, poderão
falar em nome da coletividade e agir em prol da mesma.
Ademais, além deste viés político, a democracia também se
estabelece na seara social, ao passo que busca não apenas garantir
direitos constitucionalmente formados, mas também direito de acesso
à saúde, educação, trabalho, lazer, tendo como base para sua existência
a liberdade e a igualdade. Como bem explanou Luiz Blanc (MALUF,
2011, p. 306), “a liberdade como direito não tem significação quando
o homem não tem o poder de ser livre”. Então, liberdade que se fala
aqui, é em seu sentido próprio, ser o cidadão livre para praticar todos
os atos da vida cível como bem entender, dentro dos parâmetros legais,
além de igualmente propiciar a todos o acesso às fontes de
desenvolvimento, formas de aperfeiçoar as características pessoais de
cada um, como escolas, fontes de cultura (cinema, teatro, museu),
permitir a livre organização social, igualdade nas oportunidades.
Entende-se, portanto, que o viés democrático é essencial para a
vida humana em harmonia, logo que permite a validação de ideias da
minoria, tanto quanto da maioria, concede voz àqueles desamparados
para assim poderem buscar por seus direitos.

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O surgimento da democracia como conhecemos no mundo


ocidental é atribuído à cidade grega Atenas, em meados do século V
a.C. (ALVES & OLIVEIRA, 2015, p. 117). Na Grécia, pensadores
começaram a entender a necessidade da maior participação do povo
nas decisões que vão efetivamente afetá-los e gerar deveres e direitos
para os mesmos, distanciando-se daqueles governos absolutos e
autoritários.
As primeiras manifestações concretas da democracia estão
ligadas a filósofos como Sócrates, Platão, Heráclito, Heródoto,
Aristóteles, entre outros. Foram estes os pensadores que definiram as
bases de existência da democracia e abordaram este tema de forma
que suas características perduram pelo tempo mesmo que algumas
modificadas.
A exemplo, fora Aristóteles em seu livro A Política (340 a.C.),
quem definiu algumas formas de governo que são estudadas e aplicadas
até hoje. Sendo do tipo que se “governa no interesse de todos”, para
ele como formas boas de governo, a rigor: monarquia, aristocracia e
politéia (governo constitucional); e do tipo que “governa no interesse
próprio”, definidas por: tirania, oligarquia e ‘democracia’, mais
precisamente, oclocracia (CAMPOS, 2005, p. 99).
Por outro lado, Platão fora um crítico incessante à democracia,
admitindo a existência de uma forma boa e outra ruim da mesma. A
primeira seria “quando os homens livres constituem a maioria e detêm
o poder soberano”; e a segunda, “quando as massas são soberanas, e
não a lei; isso ocorre quando os decretos da assembléia popular se
sobrepõem às leis”, este sendo o governo em que a multidão se
sobrepõe a tudo, a oclocracia (CAMPOS, 2005, p. 99).
Já Sócrates, por meio dos dizeres de seu pupilo Platão, na obra
A República (380 a.C.), admitia ser necessário que os cidadãos
possuíssem conhecimento técnico suficiente para exercer a prática do
voto. Em síntese, Sócrates acreditava que o voto, mais do que uma
ação, era uma habilidade que precisava ser ensinada e conquistada

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Tecendo Direitos

para ser exercida de forma correta, em prol da sociedade. Assim, para


ele, ter-se-ia uma espécie de democracia intelectual, na qual não apenas
os eleitos, governantes, legisladores, deveriam ser homens letrados,
estudados e capacitados para exercer sua profissão e direcionar a
massa, bem como os próprios eleitores, cidadãos, para que seu voto
fosse preciso ao escolher de forma objetiva o melhor candidato para o
caso concreto.
Nesse sentido, a democracia clássica se desenvolvia com os próprios
cidadãos gregos participando diretamente da política, votando e discutindo
os assuntos mais relevantes por meio de Assembleia, chamada de Eclésia
(POMBO, 2019, on-line). Nestes espaços, a população é quem decidia
os regramentos que lhes seriam impostos, as políticas que seriam
desenvolvidas, dentre outras questões relevantes para a sociedade, como
se deveriam ou não entrar em guerra contra outras cidades.
Os cidadãos gregos tinham em sua essência a atividade política,
muitas vezes sua participação era obrigatória para validar as medidas
criadas. Assim, a representação política é excluída para dar lugar a
uma participação direta da população na resolução dos conflitos
políticos. Como bem colocou Azambuja (2008, p. 250), “sua profissão
era a de cidadão”.
No entanto, nem mesmo a democracia clássica estava isenta de
problemas graves. Neste ponto, seguindo os ensinamentos de Alves &
Oliveira (2015, on-line), eram considerados cidadãos apenas os
homens natos de Atenas, maiores de idade e livres, ou seja, não
participavam das decisões, as mulheres, os menores de idade, os
escravos e estrangeiros. Logo percebe-se que o próprio conceito de
democracia era deturpado, pois boa parte da população era excluída
da participação política, como se não fossem relevantes para o sistema,
como se não fizessem parte da sociedade e fossem sofrer as
consequências que não tiveram a chance de discutir.
Aliado a isso, existe uma característica básica da democracia
grega que impossibilita seu pleno exercício nas sociedades modernas:

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a reduzida extensão dos territórios políticos. Os governos eram divididos


em cidades-estado, chamadas de polis, ou seja, as decisões proferidas
afetariam um território não superior a uma cidade mediana, com
população também reduzida, chegando ao máximo de 200.000
(duzentos mil) habitantes em Atenas no seu apogeu (POMBO, 2019,
on-line).
Além disso, a natureza dos dilemas políticos daquela época era
muito menos complexa e necessitavam de discussões menos elaboradas
para chegarem a uma decisão, bem como o diminuto tempo necessário
para o mesmo. Atualmente, como inúmeras questões socialmente
relevantes, nas mais diversas esferas do conhecimento, seria inviável
exigir da população que participasse de todas as decisões políticas,
discutindo todos seus pormenores até chegar a uma conclusão favorável
para a maioria.
Neste ínterim, percebe-se que a democracia ateniense construiu
e solidificou as bases do próprio conceito de democracia, o qual se
modificou e se aprimorou com o passar dos anos, objetivando abranger
um número maior de beneficiados pela mesma, logo que este é o
desígnio da democracia: a isonomia. Para tanto, a democracia tem em
sua essência uma certa necessidade de mutabilidade, adaptabilidade,
para se adequar as necessidades de cada sociedade, cultura, território,
governo e época em que está inserida, para assim melhor prover pelo
povo subordinado a ela.

3. ESPÉCIES DA DEMOCRACIA
O conceito de democracia se desenvolveu e se mutou pelo tempo,
criando algumas ramificações e espécies para melhor se adaptar à realidade
e ao povo ao qual está inserida. A princípio, tem-se a democracia direta (a
qual fora previamente explicitada no título anterior), sendo esta sua primeira
forma, àquela grega, considerada clássica e pioneira no sentido de conferir
poder ao povo, mesmo que, na época, de uma forma incoerente com a
própria essência da democracia.

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Tecendo Direitos

Atualmente, ainda existem alguns territórios que admitem a


democracia na sua forma direta, como os Cantões Suíços (basicamente,
pequenos Estados soberanos ligados à Confederação Suíça, que
possuem cultura, constituição, parlamento, tribunais e governos
próprios, ou seja, usufruem de grande autonomia política), como os
dois Appenzell, Unterwald Alto e Unterwald Baixo, Glarus e Uri, que,
devido suas pequenas extensões, possibilitam a prática de uma
democracia aos moldes atenienses, com participação efetiva da
população nas decisões governamentais por meio de assembleias e
discussões populares. Como bem explana Azambuja (2008, p. 251),
nestes lugares “[...] os resultados não primam pela eficiência e pelo
liberalismo. No de Uri, em 1911, várias sessões foram dedicadas à
questão de permitir dançar aos domingos, e em uma única sessão foi
aprovado um Código Civil completo”.
Em contrapartida, a democracia indireta, hoje conhecida como
democracia representativa, é a forma de governo democrático mais
aceita na maioria das nações modernas, no entanto não é exclusividade
da contemporaneidade. De acordo com Maluf (2011, p. 243), pode-
se perceber a existência desta democracia indireta em vários momentos
da história humana, como nas eleições por demos, em Atenas; nos
conselhos das comunidades pré-feudais e anglo-saxônicas; nos
Estados-Gerais da França; nas Cortes de Portugal e Espanha, e nas
Dietas da Alemanha. Mas se desenvolveu, principalmente, na Inglaterra
do século XIII, com a chamada Câmara dos 25 Barões, a qual existe
até os dias atuais sob o nome de Câmara dos Lords, bem como a
Câmara dos Burgueses ou Parlamento Largo, que formou-se a partir
de 1640, e hoje adotou o nome de Câmara dos Comuns.
Nesta modalidade, não há participação efetiva da população
(ao menos não nos meios comuns) nas decisões políticas, apenas na
escolha dos representantes políticos, sendo estes aqueles que
representarão o povo dentro do governo. Assim sendo, o poder do
povo se representa por meio do voto e não de sua voz, como era no

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período clássico. Sua natureza provém da ideia de que o representante


do povo deve ser aquele que saiu do meio do povo, que entende as
necessidades sociais e busca atendê-las.
Esta forma de democracia fora bastante favorecida em virtude
da criação de uma Constituição de leis pré-estabelecidas, que doutrinam
o andamento político do país, sendo bastante percebida em nações
republicanas. Este atributo, tão presente nos Estados modernos,
possibilita uma maior igualdade (ao menos perante a lei) entre os
habitantes do país, pois seus direitos e deveres estão garantidos em lei,
devendo ser observados.
Contudo, como explana Porfírio (2019, on-line), tal regime
político também abre a possibilidade de maior corrupção por parte
dos representantes, que deixam de atuar em prol do bem público, para
favorecerem-se particularmente, logo que a legislação, por conseguinte,
a Constituição, possuem brechas incoerentes, que facilitam o ato
corrupto.
Por fim, a modalidade de democracia semidireta, mista ou
participativa, sendo aquela que ‘tenta’ misturar os ideais dos dois
conceitos anteriores, sendo elas a participação e intervenção, direta e
efetiva, da população nas decisões do país, e a delegação de mandatos
representativos aos governantes para que atuem em determinadas áreas
políticas, porém com certas restrições quanto a sua abrangência.

3.1 DEMOCRACIA PARTICIPATIVA


Primeiramente, cabe aqui salientar a diferença didática entre
democracia semidireta e participativa, apesar de serem muito próximas.
Aduz-nos Macedo (2008), que a semidireta se preocupa em inserir
instrumentos e institutos da democracia direta no contexto democrático
representativo, porém de forma pouco incisiva. Isso significa que, além
de serem escassas as ferramentas de participação popular, estas são
pouco propaladas e aplicadas, pois demandam certo conhecimento
técnico-jurídico que a esmagadora maioria da população não possui e

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nem virá a possuir, logo que o próprio governo não as estimula, levando
tais práticas ao esquecimento.
Como Pereira & Vieira (2012, on-line) bem colocam, este
modelo começou a se proliferar a partir do século XX com o fim da
Primeira Guerra Mundial, o qual culminou numa crise das instituições
governamentais ocidentais, pois o mundo começou a apresentar seu
descontentamento com os regimes totalitários. Assim, buscando maior
participação popular para evitar os excessos políticos, esta forma
democrática tenta conciliar a existência dos mandatos conferidos aos
representantes, os quais são atualmente considerados essenciais para
um bom e diligente andamento administrativo, ao lado de técnicas e
instrumentos considerados mais democráticos, ao passo que fornecem
ao povo uma maior relevância nas decisões tomadas pelos governantes,
seja ao ouvirem e absorverem a vontade comum ou ao acatarem uma
norma criada por iniciativa popular.
Noutro viés, a democracia participativa apresenta meios de não
apenas ouvir e considerar os clamores sociais, mas deliberar sobre estes,
compreendê-los. Aqui, o povo tem sua voz elevada ao máximo, podendo
apresentar e debater propostas administrativas e legais, elaborar ações e
mudar o direcionamento daquelas já em curso. Existem amplas formas de
o cidadão opinar, participar, decidir, de forma direta ou indireta, por meio
de instituições das quais faz parte, sejam elas familiares, empresariais,
educacionais, ou até públicas, como nos conselhos, ouvidorias.
Neste modelo de governo, a população possui inúmeras formas
legais que a possibilita participar efetivamente das decisões do país e
novas prerrogativas são propostas e criadas a todo momento, logo
que o objetivo máximo deste tipo de nação é fomentar cada vez mais
a participação popular nos atos da Administração Pública. Neste cenário
cada vez mais utópico, apesar de coexistirem preceitos da democracia
representativa, os administradores são subordinados ao povo e seu
objetivo é compreender e atender, desde que coerente para a nação
como um todo, as demandas sociais. Além disso, tais prerrogativas

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são ensinadas e estimuladas, pois o governante quer que o indivíduo


seja politizado e compreenda seu papel na sociedade, e não que seja
ignorante ao seu direito como cidadão, com o objetivo de concretizar
a real Soberania Popular.
Nas palavras de Macedo (2008),

na democracia participativa, as eleições livres, os partidos de oposição, a


liberdade de imprensa, o instituto da representação, os institutos clássicos
da democracia direta e a previsão constitucional de um estado democrático
são apenas pilares, elementos, de uma estrutura democrática participativa.
Para concretizá-la, há de existir efetiva participação em todo o processo
decisório e em todas as atividades do estado, num verdadeiro exercício
da cidadania, (MACEDO, 2008, on-line).

Partindo de uma democracia representativa, são fornecidos à


população mecanismos de engajamento nas questões públicas, para
que o conceito de cidadão seja realmente posto em prática, pois no
século XXI, o direito de votar e ser votado já não pode mais ser
considerado como a única forma plena de exercício da cidadania, sendo
este o único direito que percorre toda a vida do indivíduo. É preciso
ampliar este escopo, possibilitar à sociedade meios de participação
direta nas decisões políticas, para que assim possa colaborar com o
crescimento e desenvolvimento de seu país e não deixar tal poder apenas
nas mãos de políticos com pensamentos antiquados.
Contudo, apesar de seus inúmeros pontos positivos, a democracia
participativa não está isenta de apresentar problemas, funcionais e que
desvirtuam o próprio bojo de suas características e prerrogativas. Assim,
aduz-nos ainda Ferraz (2016, on-line), três riscos eminentes dos
sistemas participativos, que maculam o âmago de sua natureza
democrática. São eles: “a captura ou cooptação, a corrupção e a
manipulação legitimadora”. Nas palavras de Ferraz (2016),

a captura ou cooptação acontece quando os agentes (públicos ou privados)


criticados ou acusados partem para a conquista, pelos meios de que

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disponham, do apoio de seus acusadores; assim é que o Governo, o


Mercado e a Mídia contam com equipamentos persuasivos
“convincentes”, que muitas vezes conseguem atenuar a ênfase dos que
os atacam ou, mesmo, conseguem trazê-los para suas hostes. A corrupção
exprime a pura e simples compra, por variados tipos de “moeda”, da
consciência dos críticos e de sua liberdade opinativa. E a manipulação
legitimadora é o resultado que os cooptadores e os corruptos intentam
alcançar, ao calarem ou pelo menos amenizarem os ataques da cidadania
(FERRAZ, 2016, on-line).

Portanto, percebe-se que a própria condição humana coloca


obstáculos para a efetivação de uma democracia empenhada no
desenvolvimento de atores conscientes e ferramentas coerentes. Em
prol do proveito próprio, os dotados de poder público se utilizam dos
meios à sua disposição, como a mídia e a corrupção, para desvirtuar
os esquemas participativos e desinformar a população, que, cega, não
mais se vê amparada pelo governo que se insere ou quiçá, consegue
enxergar a realidade dos atos e ausências de seus governantes.
Mesmo concedendo direitos e poderes aos cidadãos, utilizando-
se da manipulação legitimadora, os ‘políticos’ corruptos desvirtuam os
meios participativos para dissimular, fraudar e ilusionar o que deveria
ser um retilíneo caminho democrático. Dessa forma, mesmo que o
detentor da decisão final seja o povo, este, na maioria leigo, facilmente
se engana com as falácias políticas (como exemplo, as “fakenews”
das eleições presidenciais de 2018 no Brasil) e acaba se tornando
alheio às verdades, à realidade de seu país e do mundo, vindo a ser
facilmente manipulado para pensar e decidir da maneira que melhor
aprazer os administradores, sem que estes precisem incorrer em crimes
e atos mais incisivos de desvirtuamento moral e realístico. Logo, como
o derradeiro veredito é popular, fica quase impossível identificar e
modificar as decisões tomadas, mesmo que manipuladas, pois admite-
se que se a população assim decidiu, esta vontade é única e soberana.
Da mesma forma, Mereles (2017, on-line) explicita-nos três
pontos negativos da democracia participativa, fatores que dificultam

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sua efetivação. A princípio tem-se a excessiva burocratização dos meios


de participação. Ao passo que se insere cada vez mais pessoas no
escopo decisório das medidas governamentais, da mesma forma
aumenta a necessidade de um maior tempo para a diligência de todas
as vontades, necessidades e particularidades populares, logo
necessitando de um maior número de audiências, documentos, oratórias
e funcionários qualificados para a manutenção e desenvolvimento das
questões públicas para que sejam primordialmente legais e justas com
à ânsia popular.
Neste sentido se insere o segundo ponto negativo da democracia
participativa, o qual seria a lentidão do processo legislativo. Isto se
deve pela alta demanda popular para que o governo administre medidas
favoráveis às várias camadas da sociedade, cada uma com suas
necessidades e particularidades. Assim, inúmeras diligências são criadas,
todas elas esperando que o Estado forneça o melhor resultado, o mais
favorável possível, e quando assim não acontece, esta parcela da
população ficará insatisfeita e desacreditará da capacidade
governamental.
Por fim, aliado a todos estes quesitos, Mereles (2017, on-line)
apresenta o terceiro ponto negativo da democracia participativa, o qual
seria a especialidade exigida para efetivamente pleitear e julgar as
demandas sociais admitidas por esta forma de governo, principalmente
no que tange àquelas que necessitam de manifestação popular. A
população, em sua maioria, leiga, especialmente no país tupiniquim,
não possui conhecimento técnico o suficiente para palpitar de maneira
eficaz nos projetos legislativos, seja com conhecimento jurídico ou sobre
a área em questão, como, por exemplo, seria no caso de legislação
referente à regulamentação do aborto, necessitando de um alicerce na
ciência medicinal.
Para que o resultado do processo seja satisfeito e coerente com
as necessidades populares, conjuntamente com todo o tempo
despendido para tal, tem-se a necessidade de argumentações relevantes,

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Tecendo Direitos

provenientes de profissionais, técnicos, professores, detentores do


conhecimento exigido, para que a discussão seja plena, tanto a favor
da demanda quanto contra a mesma. Aqui se encontra o maior problema
da democracia participativa, pois nada resolveria possibilitar a
participação popular nas questões políticas nacionais, de maneira mais
incisiva, se esta mesma população não possui os conhecimentos básicos
necessários para o fomento de um debate saudável e livre, que resulte
numa resolução coesa com a realidade apresentada.
Da mesma forma, é de responsabilidade dos governantes
democráticos que disponibilizem formas e possibilidades de
aprendizado, especialmente referente aos conhecimentos de direito,
políticos e legais, sendo estes formadores do saber que tanto
engrandeceria o povo, transformando um indivíduo qualquer, num
cidadão consciente de seus direitos e deveres perante a nação, aptos a
verdadeiramente participar da democracia a qual compõem.
Portanto, apesar da evidente evolução social e política
proveniente da democracia participativa, é compreensível que sua
implementação não é descomplicada ou, por ventura, de imediato. Assim
como qualquer mudança brusca na estrutura de uma sociedade, de
uma nação, se faz necessária uma análise minuciosa, técnica e
experimental, afim de antever quaisquer adversidades para a plena
realização da participação popular.
Para tanto, a participação popular se dá principalmente pela utilização
de três institutos democráticos. A princípio, tem-se a forma mais conhecida
e antiga de implementação da democracia direta nos moldes modernos
representativos: o referendo. Originário dos Cantões Suíços, este instituto
consiste numa espécie de consulta à opinião pública para a implementação
ou não de uma emenda constitucional ou mesmo uma lei ordinária, ou seja,
em suma atos normativos que possuem relevante interesse público.
Portanto, não há aqui a deliberação de novas legislações por parte do
povo e sim, uma votação para aprovar ou rejeitar um projeto de lei já
desenvolvido pelos representantes políticos.

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Ao delimitar qual será o assunto votado, o governo estabelece o


dia e o local para o referendo, o qual será realizado em âmbito federal
ou estadual, pela mesma via utilizada pela Justiça Eleitoral do país,
logo, no caso do Brasil, por meio de urnas eletrônicas. Dessa forma,
todos os indivíduos legalmente considerados eleitores, incluindo,
portanto, os analfabetos, deverão comparecer ao local do voto e, de
forma secreta, decidir pela aceitação ou rejeição de uma lei ou
prerrogativa pré-estabelecida pelos legisladores.
Por conseguinte, outro importante difusor da participação popular
na política nacional, é o plebiscito. De acordo com Dallari (2011, p.
154), o plebiscito tem sua origem na Roma Antiga, em meados do
século IV a.C., e se apresenta como uma forma de consulta a priori
de qualquer assunto com relevante interesse público, podendo ser de
natureza jurídica (como políticas governamentais) ou não, como
eventos, fatos, problemas. É destinado a questionar previamente a
população sobre determinado tópico, antes de qualquer decisão, para
que após a devida resposta popular sobre o tema, uma medida legislativa
possa ser tomada, ou não. O intuito é obter a opinião pública antes de
tomar uma futura iniciativa política ou futura alteração legislativa que se
pretende realizar.
Por último, a iniciativa popular é outra importante e difundida
forma de fomento da democracia participativa, porém agora por um
meio mais direto, ao passo que confere à população o poder de ela
própria desenvolver um projeto de lei que julga ser necessário para o
cenário nacional. De acordo com Pereira & Vieira (2012, on-line),
sendo um instrumento de criação norte americana, presente em diversos
países, a iniciativa popular, basicamente, consiste em abrir a
possibilidade de os cidadãos formularem um projeto de lei que admitem
ser socialmente relevante e proporem o mesmo para o Legislativo
aprovar ou não tal medida.
Contudo, obviamente não será qualquer projeto de lei que deverá
ser avaliado pelos legisladores. Tal documento deve estar de acordo

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Tecendo Direitos

com todas as tecnicidades inerentes a este tipo de diploma, bem como,


mas especialmente, amplo apoio popular, contendo uma porcentagem
mínima de assinaturas (legalmente estabelecida) do corpo de eleitores,
seja em âmbito estadual ou federal. Não é, no entanto, obrigação dos
representantes aprovarem tal proposta legislativa, porém devem, caso
o projeto consagre todos os requisitos legais necessários, avaliá-lo e
apreciá-lo corretamente à luz dos ditames legais, como se fosse uma
demanda do próprio Poder Legislativo.

4. BRASIL: UM FLERTE ENTRE A TIRANIA E A DEMOCRACIA


Neste momento, cabe abordar a realidade brasileira acerca da
democracia, averiguando as particularidades tupiniquins a fim de
compreender quais motivos dificultam tanto a implementação plena da
democracia em território brasiliano. Desde a proclamação da
Independência em 1822, o Brasil flerta com os ideais democráticos,
com instrumentos e medidas que, apesar dos momentos históricos,
anunciavam que o país estava no caminho correto para uma gestão
plenamente democrática e preocupada com a sociedade.
No entanto, não foram poucos os governos que tentaram (e
conseguiram) dirimir o viés social que se implantava no território
brasileiro. Entre governos autoritários, golpes de Estado e ditaduras
militares, a democracia brasileira sofre para se estabilizar e desenvolver
normalmente, sem um brusco interrompimento por governantes
egocêntricos.
De certo, a democracia no Brasil sempre foi bastante apreciada,
principalmente pela população que já sofreu muito em reiterados
governos ditatoriais, bem como pelos governantes que buscam acalmar
os ânimos populares e angariar apoio social, muitas vezes na intenção
de amenizar a situação alarmante que fora instaurada em um governo
anterior.
Com a democracia participativa não é diferente, pois desde muito
tempo a legislação brasiliana admite aparatos participativos para os

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

cidadãos, mesmo que não os incentive a serem realizados. Porém,


devido a toda história governamental e política vivida pelo país, percebe-
se que a democracia brasileira, apesar de existente, é bastante falha e
aparente, atribuída apenas em seu sentido formal, nas tecnicidades,
nas ferramentas, mas não nas ações.
Possível perceber tal sistemática desde a Independência (1822),
logo que, mesmo antes da primeira Constituição brasileira, já existia
no ordenamento jurídico do país a figura da revogação dos mandatos
políticos, medida esta que já não se encontra presente nas leis brasileiras.
De acordo com Ramos (2013, on-line), este instrumento se deu pela
instalação do Conselho de Procuradores do Estado e conferiu ao povo
o poder de revogar o mandato do governante mediante iniciativa dos
próprios eleitores.
Percebe-se, portanto, que desde cedo o Estado Brasileiro se
preocupa com as questões democráticas, até mesmo participativas,
instaurando em sua legislação, meios de atuação popular, mesmo que
tais medidas não sejam utilizadas corretamente ou quiçá, informadas à
população, que, leiga, não sabe que existem tais possibilidades, nem
como colocá-las em prática.
Vale agora um momento para averiguar as medidas democráticas
participativas adotadas ou não por cada uma das Constituições, a fim
de averiguar a evolução e a decadência deste conceito na política
brasileira, até chegar na estabilidade da Carta de 1988 e suas
prerrogativas democráticas inutilizadas.
A princípio, a primeira Constituição essencialmente brasileira foi
outorgada em 24 de março de 1824 e não apresentava quaisquer
instrumentos de participação popular, nem mesmo os anteriormente
admitidos. Contudo, para tentar dar um ar mais popular à sua
Constituição, Dom Pedro I enviou seu projeto constitucional aos
municípios para que, numa espécie de consulta, pudesse conferir à
Carta um certo apoio popular, como se tivesse sido aprovada pelo
povo. Ademais, continha nesta Constituição, em seu artigo 157, a

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Tecendo Direitos

possibilidade de responsabilização penal dos juízes e dos oficiais de


justiça mediante ação popular, porém tal instituto não é considerado
como uma forma de democracia participativa (PEREIRA & VIEIRA,
2012, on-line).
A segunda Constituição, de 1891, também não apresentava
instrumentos participativos, porém sua aprovação dependia da
realização de um plebiscito, de acordo com o Decreto n° 1, de 15 de
novembro de 1889, que analisaria e validaria o texto final da Carta,
conforme afirma Benevides (2003 apud PEREIRA & VIEIRA, 2012,
on-line). Todavia, mesmo com esse aparente caminho democrático, a
própria Constituição afirmava, em seus artigos 90 e 91, que está só
poderia ser aprovada e reformada pelos membros do Congresso, o
que contradiz o caráter do plebiscito de ser uma forma de consulta
popular. Vê-se, portanto, que desde o começo do Estado Brasileiro,
os representantes utilizam-se de momentos democráticos ilusórios como
este, para se colocarem ao lado da população, como se tivessem os
favorecendo.
Na terceira Constituição, promulgada em 16 de julho de 1934,
como visto anteriormente, Getúlio Vargas buscou empoderar a
população com inúmeros direitos e garantias democráticas, com o intuito
de acalmar os ânimos populares, porém o texto constitucional não
apresenta quaisquer institutos de democracia participativa.
Já na quarta Carta Magna, a segunda da Era Vargas, a primeira
a destruir todos os sonhos democráticos do brasileiro, proveniente de
um golpe de estado, surpreendentemente havia a existência do plebiscito
como requisito para diversas atividades estatais, como regular as
questões territoriais estatais; aprovar emendas e reformas à Constituição
no caso de haver divergência entre o legislativo e o executivo, e até
aprovar o texto da Carta Magna. Com isso, a Lei Maior de 37 deveria
ter sido posteriormente aprovada pelo povo mediante um plebiscito,
porém, obviamente, tal momento nunca ocorreu.
Neste sentido, elucida que,

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os ventos democratizantes de 45, com a queda da ditadura Vargas, não


se dirigiram para propostas inovadoras no campo da participação política.
Pelo contrário. Instituições de democracia semidireta — como o plebiscito
— permaneceram contaminadas pela lembrança do ditador e da doutrina
francesa sobre o cesarismo. Predominou, entre os liberais constituintes,
o princípio da democracia representativa “pura”, repudiando-se,
consequentemente, qualquer veleidade de mandato imperativo, ou recall,
(BENEVIDES, 2003 apud RAMOS, 2013, on-line).

Isto gerou grandes consequências ao Brasil, que, em 1946


promulgou sua quinta Constituição, a qual fazia referência ao
plebiscito uma única vez em seu texto, ignorando, como todas as
outras Cartas, os outros institutos de participação popular. Porém,
em 1961, a Emenda Constitucional n° 4 instituiu no país o governo
parlamentarista, aliado à pessoa do presidente, que, no momento,
era João Goulart. Tal Emenda visava impossibilitar a posse e pleno
exercício do mandato por parte do então presidente, que assumiu
devido à renúncia de Jânio Quadros, sendo aquele considerado
‘esquerdista’ pelos setores conservadores, pois era ligado à figura
de Getúlio Vargas, o grande ‘ditador populista’ do Brasil. Assim,
esta emenda, por meio do parlamentarismo, buscava inviabilizar o
governo democraticamente eleito, no entanto durou pouquíssimo
tempo, pois em 1963, com forte apoio popular, o primeiro plebiscito
historicamente relevante do Brasil ocorreu e destituiu o governo
parlamentarista no país (ANGELO, 2009, on-line).
Agora, adentra-se ao momento mais tortuoso e triste da história
política e social brasileira: a Ditadura Militar de 1964. Por consequência
deste golpe militar, em 24 de janeiro de 1967, fora outorgada a sexta
constituição tupiniquim, que logo fora editada com a Emenda
Constitucional n° 1 de 1969, para torná-la ainda mais rígida e ditatorial,
com prerrogativas de pleno controle político. Ambos os textos não
apresentam quaisquer instrumentos de participação popular, sendo
cuidadosos o suficiente para não abordá-los e garantir o funcionamento
tranquilo do regime militar. A única medida democrática presente nestes

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Tecendo Direitos

documentos é a consulta popular em caso de criação de municípios e


questões territoriais municipais.
Foi apenas na sétima Constituição, de 1988, felizmente vigente
até os dias atuais, que finalmente o povo brasileiro apreciou a verdadeira
democracia, mesmo que muitas vezes falha, mas sempre presente. Esta
é a única Carta até hoje a abarcar todos os mais conhecidos institutos
de participação democrática num único texto, sendo eles o referendo,
o plebiscito e a iniciativa popular. Assim, oficialmente colocando o Brasil
no rol dos países modernos pautados na democracia semidireta. Não
obstante, é compreensível que esta democracia não é tão participativa
quanto deveria ser, pois, como já fora dito reiteradas vezes, o governo
nacional não se preocupa em estimular esta prática democrática, muito
menos ensinar e educar os cidadãos a serem mais politicamente
preocupados e cientes dos direitos que possuem, nem das formas de
intervenção social que lhes são conferidas. Mas enquanto houver
democracia, o povo está no caminho correto.
Precipuamente encontra-se vestígios dos ideais democráticos
pretendidos pela Constituição já nas suas primeiras linhas. No parágrafo
único do artigo primeiro está descrito que “todo o poder emana do
povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituição” (BRASIL, 1988). Percebe-se que o
constituinte se preocupou em deixar claro desde o início que esta Carta
se pautava nos ditames democráticos exigidos pela época, admitindo
não apenas o voto como exercício desta democracia, mas também a
participação efetiva da população. Por conseguinte, no artigo 14 e
incisos, está pregoado que,

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei,
mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular. (BRASIL, 1988, on-line)

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

No caso do referendo, na história do país, há apenas um exemplo


da utilização efetiva deste instrumento. Este se trata do referendo
realizado em 23 de outubro de 2005, que votou a comercialização de
armas de fogo dentro do território nacional. A população devia julgar
o artigo 35 da Lei 10.826 de 2003, o Estatuto do Desarmamento, que
admitia ser proibida a comercialização de arma de fogo e munição
dentro do país. Havia estipulado dentro do próprio Estatuto, a data
para a realização deste referendo. Por fim, a maioria votou pelo “não”
(cerca de 64% dos votos), ou seja, que a comercialização não deveria
ser proibida e as armas de fogo poderiam continuar circulando no Brasil
(PEREIRA & VIEIRA, 2012, on-line).
Já o plebiscito fora realizado duas vezes em território nacional.
O primeiro foi em 1963, que possibilitou a população a escolher entre
o sistema presidencialista ou parlamentarista. Enquanto, o segundo
plebiscito fora em 1993, e tinha, basicamente, o mesmo objetivo do
anterior: abrir a possibilidade de o povo escolher entre o
presidencialismo ou parlamentarismo, bem como escolher entre a
república ou monarquia, o que resultou na escolha da república
presidencialista que observa-se nos dias atuais.
Passando para o instituto da iniciativa popular, este é mais
consistente e mais bem elaborado, sendo, até o momento, o instrumento
de democracia semidireta mais utilizado no regimento brasileiro.
Inicialmente, a legislação estabelece à iniciativa popular, dois requisitos
essenciais para sua propositura: um apoio numérico mínimo de eleitores,
sendo um por cento do eleitorado nacional, e certa repercussão
geográfica nacional, devendo abranger um mínimo de cinco estados,
com uma porcentagem não menor que três décimos por cento para
cada estado. Cumpridos estes requisitos, o trâmite do projeto popular
é o mesmo que qualquer outro, ou seja, de acordo com os ditames
legais estabelecidos pelos artigos 64 e 67 da Constituição de 1988.
Como foi dito, este instrumento participativo é o mais utilizado
até hoje dentre os três possíveis no ordenamento jurídico brasileiro,

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Tecendo Direitos

possivelmente pelo fato de a existência da iniciativa popular não depender


da vontade dos representantes, apenas sua aprovação, enquanto o
referendo e o plebiscito não podem ser convocados mediante expressiva
vontade popular, sem que antes os governantes assim desejem.
Por consequência disto, existem mais exemplos de projetos de
lei populares que obtiveram êxito no país. De acordo com Rocha (2014,
on-line), foram aprovadas: a Lei 8.930/94, Lei dos Crimes Hediondos,
que teve sua origem encabeçada pela atriz Glória Perez, quando sua
filha, também atriz, fora brutalmente assassinada por motivo fútil, pelo
ator Guilherme de Pádua e sua esposa, com inúmeras perfurações
usando uma tesoura, obtendo alto grau de repercussão nacional; a Lei
9.840/99, Lei Contra a Corrupção Eleitoral, que permite cassar o
registro de candidato que, ilicitamente, busca captar os votos dos
eleitores, efetivamente comprando-os ou mediante promessa, como
efetivação em cargo público; a Lei Complementar 11.124/05, que criou
o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), instituiu o
Conselho Gestor do referido Fundo e dispôs sobre o Sistema Nacional de
Habitação de Interesse Social (SNHIS), e, por fim, a Lei Complementar
135/10, Lei da Ficha Limpa, que, dentre outras medidas, proíbe que
pessoas condenadas por órgãos colegiados da Justiça, como STJ e STF,
se candidatem a quaisquer cargos públicos por tempo determinado.
A partir destes exemplos, é possível compreender a alta comoção
social inerente à propositura de uma lei mediante iniciativa popular.
Quando o povo tem controle sobre quais medidas deseja tomar, seus
ganhos são enormes e altamente democráticos. Ao olhar para as leis
supramencionadas, todas tinham um alto grau de repercussão, além da
visível necessidade de mudanças na estrutura da legislação, do governo
e da própria sociedade. Assim, cansada de assassinatos execráveis, a
sociedade foi em busca de uma lei mais firme e precisa para condenar
e penalizar corretamente os autores dos crimes considerados hediondos.
Da mesma forma, após anos de corrupção desenfreada, a
sociedade foi em busca de maiores restrições aos abusos políticos,

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

restringindo o acesso aos cargos públicos àqueles efetivamente


admitidos como desonestos, seja pela captação ilícita de sufrágio ou
pela condenação em órgão colegiado, ou ainda se tiver o mandato
cassado ou renunciar antes da cassação. No mesmo sentido, quando
preocupada com seu direito à habitação digna, a sociedade foi atrás e,
mediante sua própria força legislativa, formulou o projeto de lei para a
criação do SNHIS, que busca, basicamente, prover habitação
adequada para as classes mais carentes da população.
A população brasileira está apta para agir em prol de suas
próprias necessidades, e não há nada mais democrático do que isto.
Se a sociedade entende conjuntamente que algo deve ser feito,
modificado ou erradicado, pois fere intrinsecamente a própria sociedade,
deve-se abrir a possibilidade de os cidadãos irem atrás destes direitos.
A democracia, em sua essência, deve ser do povo para o povo, então
se algo não condiz com as necessidades do povo, isto deve ser
colocado em pauta, deve ser democraticamente discutido e votado,
para que todos possam escolher o que acreditam ser melhor para si
mesmos e para a sociedade em que vivem, de acordo com suas
particularidades, não dependendo de qualquer representante para
admitir ou não a propositura deste ato democrático, desta ‘discussão
nacional’.
Por fim, cabe brevemente citar a existência de duas outras formas,
mais modernas, de participação pública no gerenciamento político, que
demonstram a força democrática que o país ainda possui. A primeira é
o orçamento participativo. De acordo com Medeiros (2016, on-line),
adotado pela primeira vez, no Brasil, no Estado de Porto Alegre, em
1989, um ano após a promulgação da Carta Cidadã, este instituto diz
respeito à participação do povo na escolha do direcionamento do
orçamento estadual ou municipal, podendo influenciar ou decidir para
quais setores deve chegar mais ou menos recursos financeiros, bem
como participar e apoiar a relevância de determinadas obras públicas
essenciais para a sociedade, e promover uma certa prestação de contas

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Tecendo Direitos

entre o governante e os governados, para que assim a população possa


compreender o destino do dinheiro público.
Esta participação se dá com a criação de uma espécie de
assembleia ou pequenas reuniões locais que irão promover o debate
entre a população e os representantes, no intuito de compreender qual
seria a melhor destinação do dinheiro público. Obviamente, esta
discussão requer um caráter mais técnico e preciso, o que não se
encontra na maioria leiga da população, o que consequentemente gera
a não viabilização de uma maior relevância deste debate. Ou seja, isto
serve para averiguar os ânimos populares e a vontade comum, mas
não vincula a decisão do político, sendo possível que este decida de
forma totalmente divergente daquela aceita pela população. De toda forma,
tem-se um exercício da democracia, na medida que o povo tem sua voz e
apelo ouvidos, ponderados, podendo influenciar diretamente na destinação
dos tributos que pagam. Depende do próprio governante se este irá tomar
a vontade popular como um norte ou uma norma a ser seguida, cabendo
ao povo exercer corretamente seu direito de voto para eleger os políticos
que melhor respeitarem esta participação democrática.
Seguindo o exemplo de Porto Alegre, que ainda prevê e utiliza o
instituto em questão, diversos outros municípios adotaram a medida
do orçamento participativo, como São Paulo, Vitória, Belo Horizonte,
municípios menores de Santa Catarina, Bahia, Rio de Janeiro, Paraná,
Espirito Santo e São Paulo, sendo até mesmo utilizado como exemplo
para outras metrópoles internacionais adotarem tal instituto, como
Barcelona, Montevidéu, Paris e Toronto (PEIXOTO, 2019, on-line).
Já o segundo instrumento é o veto popular. Este instituto,
corroborando com a plenitude da soberania popular, permite que os
cidadãos insatisfeitos com determinada lei, medida governamental ou
iniciativa legislativa, arquitetada pelos representantes, possa ser levada
a crivo popular (havendo um prazo limite para tal ação) que julgará se
aquela medida deverá ser aceita ou vetada, mediante maioria de votos
do corpo eleitoral.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

Na realidade brasileira, em 1891, a Constituição do Estado de São


Paulo previa a existência do veto popular para anular deliberações das
autoridades municipais, por intermédio de proposta de 1/3 (um terço) e
aprovação de 2/3 (dois terços) de todos os eleitores conjuntamente em
assembleia. Esta possibilidade fora abolida logo em 1905.
Apenas em 1987, no decorrer da criação e promulgação da
nova Carta Constitucional, a figura do veto voltou a ser cogitada, o
que acabou não gerando frutos, como bem se sabe, pois, a Constituição
vigente não apresenta tal instrumento. Porém ainda existiram algumas
tentativas de implementá-lo em âmbito federal, por meio das Propostas
de Emenda à Constituição números 80 e 331 (DASSO, 2017, p. 12).
A PEC n° 80, de 2003, elaborada pelo senador Antônio Carlos
Valadares, propôs a alteração do disposto no artigo 14 da Constituição
de 88, adicionando dois novos institutos: o veto popular e a revogação,
ou recall. Depois de longos anos de tramitação, esta Proposta acabou
sendo arquivada após onze anos, em 26/12/2014. Já a PEC n° 331 de
2017, de autoria da deputada federal, Renata Abreu, tem como objetivo
a implementação apenas do veto popular, por meio da alteração de
dois artigos constitucionais: o artigo 14, adicionando o instrumento do
veto, e o artigo 66, acrescentando um oitavo parágrafo que faria
referência aos requisitos para a propositura do veto, nos mesmos
moldes da iniciativa popular.
Agora, em âmbito municipal, o veto popular possui uma existência
muito mais próspera na realidade brasileira. É o caso da Lei Orgânica
do Município de Aracaju, de 05 de abril de 1990, que, em seu artigo
104, admite a existência do instituto do veto no território municipal.
No mesmo sentido, a Lei Municipal n°3.037, de 11 de setembro de
2002, regulamenta o uso deste instrumento participativo, seguindo as
regras da iniciativa popular. Até o momento, mesmo alvo de diversas
ações de inconstitucionalidade e controvérsias, o instrumento continua
positivado na lei municipal, passível de uso pela população, como
ocorreu em 2015, quando o aumento da tarifa do ônibus fora sancionado

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Tecendo Direitos

pelo então prefeito, João Alves Filho, e a população foi atrás de seu
direito, buscando vetar tal decisão, no intuito de frear o aumento da
tarifa (BELFORT, 2016, on-line).
Seguindo este fio condutor, outro exemplo do funcionamento
deste instituto é a Lei Orgânica do Município de Fortaleza, a qual fora
emendada pela Emenda de Revisão n° 6, de 2006, que previa a figura
do veto popular. A propositura deste instrumento se dá pela junção de
5% (cinco por cento) do eleitorado municipal, referente a, por exemplo,
obra pública ou privada que seja considerada pelos cidadãos como
prejudicial ao meio ambiente ou incompatível com o interesse público,
sendo necessária ainda a estipulação de referendo popular para discutir
o teor da lei objeto de veto (DASSO, 2017, p. 14).
Possível compreender, portanto, que o país está apto para admitir
e gerir corretamente a real democracia participativa na política nacional,
pois existem experiências que demonstram sua efetividade. Os
brasileiros, quando confrontados por medidas que ferem o interesse
da coletividade, conseguem esquecer suas diferenças para lutarem em
prol de um bem comum, como foi o caso de Aracaju. Porém, são
poucos os exemplos que demonstram essa participação ativa da
população, como o número extremamente reduzido de referendos e
plebiscitos já realizados no país. Isso exterioriza que o povo está pronto
para agir democraticamente, indivíduos prontos para serem de fato os
‘animais políticos’ que são, enquanto que os representantes tentam a
todo custo frear essa modernização, utilizando-se dos mandatos
conferidos pelo próprio povo para coibir o exercício pleno da
democracia e do conhecimento técnico da população, apoiando-se
em legalidades arcaicas e privilégios incoerentes para usurpar tanto o
dinheiro quanto o direito do povo. Apenas quando o cidadão brasileiro
entender que o poder reside nas mãos de quem vota, o Brasil poderá
ser considerado como uma Democracia Participativa.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

CONSIDERAÇÕES FINAIS
De modo geral, buscou-se, através deste estudo, analisar e
compreender toda a origem e funcionamento da forma de governo
democrática, perpassando por toda sua fundação histórica e social em
Atenas, em meados do século V a.C., além de todo seu arcabouço
político-social, inerente a própria existência da democracia como um
governo do povo.
Posteriormente, analisou-se a evolução do conceito de
democracia durante o tempo e espaço, e como variadas culturas
adotaram diversas formas de democracia em sua nação, podendo ser
direta, indireta, semidireta ou, até mesmo, um meio termo entre estas e
outras formas de governo, como o parlamentarismo e a monarquia.
Logo, percebe-se a versatilidade da democracia frente aos outros
modelos de governo, que permite adaptar-se às necessidades de cada
sociedade e situação histórica, além de sua inegável complacência para
com o povo, considerado o verdadeiro pivô da política nacional.
Neste sentido, a democracia se destaca como sendo a forma de
governo mais popularmente aceita dentre as existentes, pois confere maior
poder e exaltação para a parte hipossuficiente da relação política, quer
seja o próprio cidadão. Assim, todas as diretrizes políticas tendem a se
voltar para o interesse comum, à vontade popular, admitindo como norma
aquilo que melhor favorecer a comunidade, a nação, como um todo.
Nos últimos tópicos do desenvolvimento, averígua-se as
particularidades do sistema democrático participativo, ao analisar como
se deu sua formação histórica e social, abordando-se a época em que
está se desenvolveu e adquiriu adeptos à sua implementação. Com o
desdobramento deste modelo de democracia, as nações passaram a
adotar em suas Constituições, políticas e instrumentos de participação
popular nas decisões governamentais, como uma forma de validá-las
perante à sociedade.
Admitia-se a existência dos mandatos conferidos aos
representantes eleitos pelo povo, como uma forma de viabilizar a

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Tecendo Direitos

existência de uma República em territórios e comunidades modernas,


ante a celeridade do mundo atual e da impossibilidade de os próprios
cidadãos exercerem as atividades políticas exigidas num pais do século
XXI. Porém, aliado aos moldes democráticos gregos, que não apenas
possibilitavam, mas exigiam a participação popular nas decisões para
autenticá-las como socialmente corretas e coerentes à realidade da
população.
Dessa forma, os países que adotaram estas medidas participativas
e as executaram corretamente, ou seja, fomentaram seu conhecimento
e utilização por parte da população, tiveram seus governantes muito
mais preocupados socialmente, tendenciosos aos clamores sociais, do
que em nações que ignoraram estes modernos ventos democratizantes
ou ainda, em nações que não implementaram corretamente esta
participação.
Nesta linha de raciocínio, adentra-se à questão brasileira sobre
a democracia, principalmente participativa. Ao abordar os vários
momentos históricos do país e as tantas Cartas tupiniquins,
compreende-se que a democracia brasileira sofre há anos para ser
efetivada, ou quiçá para continuar existindo por um longo período,
visto que logo após breves momentos de paz, outro governo autoritário
era instituído, como fora o caso das Constituições de 34 e 46.
Pode-se dizer que a democracia brasileira nunca fora realmente
implementada e respeitada, pois mesmo com ferramentas de controle
político, no que tange à corrupção e outros males praticados pelos
representantes, a maioria dos governantes atuam em benefício próprio,
como exemplo são os inúmeros casos de corrupção (aqueles que
chegaram à mídia) escancarados nos últimos governos, como a “Lava-
Jato” e o “Mensalão”.
O brasileiro flerta com o autoritarismo a todo tempo, como se
fosse uma vítima da síndrome de Estocolmo, que não consegue se
desvincular de seu ‘político de estimação’. A população brasileira parece
aguardar a figura de um ‘Messias’ para acabar com todos os problemas

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

nacionais, resolver todos os escândalos de corrupção e extinguir os


políticos desonestos. Mesmo no século XXI, ainda se ouvem gritos
favoráveis a volta da Ditadura Militar, do AI-5, fechamento do
Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, e, até mesmo, a
volta da monarquia, para que apenas uma pessoa, o ‘Messias’, possa
governar e erradicar todo o mal da sociedade brasileira.
Polarizado, o cidadão brasileiro se vê preso entre o candidato
ruim e o péssimo, esquerda ou direita, capitalismo ou comunismo, como
se só o que se espera é um governante que “rouba, mas faz”. Dessa
maneira, o brasileiro que não se perde nas falácias políticas, se vê
perdido entre os extremos e desvaloriza o poder do voto, a soberania
popular, os direitos políticos como cidadão, pois sua voz não sobrepõe
à voz estatal.
Posto isto, a democracia participativa tenta amenizar esta situação,
até mesmo resolvê-la ao conferir maior poder de decisão e atuação ao
cidadão (brasileiro) que se importa com a situação de seu país. Fora
apenas na Constituição Cidadã de 1988, que as medidas participativas
começaram a adentrar a legislação brasiliana, a fim de se adequar aos
padrões exigidos atualmente.
Percebe-se, porém, que a democracia brasileira é muito ausente,
ao passo que, na história da nova Constituição a, atém mesmo, do
Brasil, tais instrumentos foram utilizados pouquíssimas vezes, a exemplo
existe apenas um referendo e um plebiscito perfeitamente realizados
em território nacional, enquanto leis de iniciativa popular possuem
apenas quatro exemplos.
Se faz pertinente um termo utilizado por Manoel Gonçalves
Ferreira Filho (2002 apud GARCIA, 2005), que caracteriza o instituto
brasileiro de iniciativa popular como um “instituto decorativo”. No caso,
entende-se que não só este instituto isolado, mas todos os outros, bem
como a própria democracia brasileira, é um instituto decorativo, ao
passo que se resume a conferir ao Brasil o status de país democrático,
que fomenta a participação popular, como uma forma de acalmar os

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Tecendo Direitos

ânimos populares, principalmente pela época no qual fora instituída


(após um regime militar).
No decorrer dos anos, os institutos foram sendo esquecidos e
ignorados, como se fossem algo comum, ordinário, como se sempre
existissem e não tivessem utilidade, desdenhando dos vários anos de
luta percorridos até chegar na democracia que vivemos hoje. No mesmo
sentido, institutos mais ‘parrudos’ e efetivos para a participação popular,
como o veto de medidas estatais e a revogação de mandatos públicos,
são ignorados, sendo que possibilitariam um pleno controle popular
sobre os representantes eleitos e suas decisões (talvez por isso estes
instrumentos foram menosprezados, pelo medo do representante).
Isso se deve por dois fatores: a falta de vontade do governante
de buscar pela opinião e atuação popular nas decisões estatais, e o
desencorajamento tanto à participação, tornando os institutos
excessivamente burocráticos, quanto ao ensino de educação política
para os cidadãos, os quais nascem e morrem sem saber realmente
quais são seus direitos e deveres, ou as noções básicas de como funciona
de fato a máquina governamental ao qual estão inseridos.
Percebe-se, no entanto, que, diferentemente dos políticos
arcaicos elegidos pelos eleitores brasileiros, os próprios cidadãos,
preocupados com o bem-estar social, estão prontos para exercer suas
vontades democráticas, seus direitos constitucionais, e ir atrás de
medidas condizentes com suas necessidades, com a necessidade
popular. Percebe-se esta euforia pública quando analisamos a existência
do veto popular em algumas constituições municipais espalhadas pelo
território nacional, como em Aracaju e Fortaleza, que diversas vezes
possibilitaram com que o povo atuasse em prol de seus próprios
interesses, sem esperar pela anuência de um representante.
Da mesma forma, encontra-se esta força popular brasileira, de
união contra atitudes nocivas à comunidade, nas leis de iniciativa popular
que já foram positivadas no país. Todas elas carregavam em sua essência
uma profunda insatisfação popular acerca da realidade brasileira da

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

época, como o alto nível de corrupção e compra de votos (que


culminaram na Lei Contra a Corrupção Eleitoral e da Ficha Limpa), e
as penas pouco expressivas de assassinatos tidos como cruéis pela
população (gerando a Lei dos Crimes Hediondos).
Por fim, outro aparato participativo muito importante para o
cenário brasileiro é o do orçamento participativo. Criado e desenvolvido
em Porto Alegre, desde 1989, um ano após a promulgação da
Constituição, este instituto possibilita um maior conhecimento e
participação da população na gestão financeira pública, instruindo os
governantes quais obras e áreas da comunidade necessitam de maior
atenção. Tal instrumento participativo é tão efetivo, que ainda continua
positivado na legislação dos municípios de Porto Alegre, espelhando-
se para outras cidades brasileiras e até mesmo, serviu exemplo para
cidades internacionais implementassem o dispositivo em suas
legislações.
Portanto, conclui-se que o Brasil possui sim, todos os aparatos
legais de participação popular, prevendo, desde o primeiro parágrafo
da Constituição, que este é um país que respeita e prima pela soberania
popular, mesmo que de forma falha e muitas vezes, esquecida. Ao
brasileiro, não lhe falta vontade para mudar o cenário que se encontra,
de lutar por seus direitos e de toda a sociedade, porém lhe falta
conhecimento. Conhecimento este que deriva de uma educação
defeituosa, que preza pelo conhecimento rápido e esquecível, sem se
ater as responsabilidades sociais do cidadão, que desconhece seus
direitos além do voto. Falta ao brasileiro esquecer as diferenças políticas,
a irreverência a políticos e suas falácias, falta unir-se em prol de uma
realidade melhor e mais democrática, pois o voto não é a única nem a
melhor forma de exercer seu poder de cidadão soberano de uma nação.

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Tecendo Direitos

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Acesso em: 05 mai. 2020.

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Tecendo Direitos

13 ABORTO EUGÊNICO:
ABOR A SUA (IM)
POSSIBILIDADE NO BRASIL À LUZ DOS
DISPOSITIVOS LEGAIS

SINDY ANIELLE DA SILVA LIMA


GUILHERME SOARES VIEIRA

INTRODUÇÃO
O presente artigo trata do aborto eugênico no Brasil e a ausência
dos dispositivos legais a respeito deste tema. A importância do estudo
deste estudo é mostrar às pessoas sobre um tipo de aborto quase não
conhecido e de extremo impacto social, pois remete a decisões sobre
vidas humanas, sob a perspectiva de quem vive e quem morre, baseando
em aspectos eugênicos do feto, isto é, relacionados à genética, na busca
do ser humano perfeito e sem anomalias. Esta linha propaga ideia de que
devem optar pelo aborto quando identificado má formação no feto.
É visto que a falta de legislação a respeito dos aspectos
específicos da eugenia traz algumas discussões e transtornos ao
judiciário, pois não se discute apenas a vida do feto, mas a vida e o
saúde mental da gestante, em suportar uma gravidez por vezes, sem
consentimento, e criar uma criança com anomalia irreversível. As
principais ressalvas aderem acerca: da origem da eugenia, seu conceito
e evolução histórica, os fatos históricos ao qual a eugenia está
enquadrada, quando se dá o início à vida de acordo com as seis
principais teorias existentes, e quando se dá a morte do feto, nos casos
de abortamento.
Ressalta-se ainda a tipificação do aborto eugênico e vários
julgados como a ADPF 54/DF de 2012, jurisprudências de casos de
crianças com anomalias irreversíveis como a anencefalia, microcefalia,
síndromes e Zika vírus, tomando como fundamento o Código Penal
Brasileiro (BRASIL/1940) a Constituição Federal (BRASIL/1988) e
o Código Civil (BRASIL/2015).

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

Por fim, é analisada a espécie do aborto eugênico, aquele que


visa eliminar o feto que apresenta anomalia grave e irreversível,
mostrando a questão legal no Brasil, e as previsões legais e
jurisprudenciais a respeito das circunstâncias que em tese autorizariam
a realização, demonstrando os aspectos sociais e jurídicos sobre a
legalização da prática. Entre alguns projetos de Lei que visam tratar
deste assunto o grande problema encontrado pelo legislador é como
regulamentar qual o tipo de anomalia daria ensejo ao aborto lícito.

2. A LEGISLAÇÃO DO ABORTO EUGÊNICO NO BRASIL


A eugenia tem significado de “bem-nascido”, e essa definição foi
dada por Galton (1983). Consiste na segregação da raça humana,
buscando aprimoramento (melhoras) na qualidade genética da
população, como pessoas perfeitas de genes sem defeito genético,
impossibilitados de nascer com deficiências graves. É uma forma de
tornar estéril determinadas pessoas, e passou a ser constitucional nos
Estados Unidos em 2017, na qual definiam quais famílias eram aptas a
se reproduzirem, sendo submetidas a testes e provas psicológicas como
forma de reconhecimento de suas capacidades1.
A busca da humanidade sem “defeitos” ou sem doenças. Existe
uma opinião pública a respeito dessa situação, pois, de acordo com Souza,
essa técnica busca evitar as uniões procriativas de alto risco, gerando um
controle de natalidade. Sendo assim, essa substituição de genes defeituosos
por meio da seleção dos seus portadores, dá início à hipótese do aborto
eugênico (Casagrande apud Oliveira, 2001, p. 57).
O ápice histórico da eugenia foi no decorrer da ideologia nazista
que adotou a “pureza racial” e deu lado ao grande holocausto liderado
por Hitler, caracterizado pelo genocídio ou assassinato em massa de
cerca de 6 milhões de judeus na segunda guerra mundial, no século
XX (GUERRA, 2009). Ocorre que, a eugenia teve início bem antes
do século XX, em Atenas na Grécia, por exemplo, grandes filósofos
como Aristóteles e Platão trataram do planejamento das cidades gregas

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Tecendo Direitos

e nesse planejamento incluía que pessoas nascidas com deficiências


deveriam ser eliminadas ou atiradas das montanhas. Os Espartanos
deficientes também eram eliminados, pois eles tinham que seguir à risca
um ideal atlético como compunham sua cultura, e também homens
perfeitos para a guerra (BOAS, on-line)2.
A eugenia no Brasil surgiu em 1910, criou-se uma sociedade
eugênica, e por meio de um congresso, buscavam converter as pessoas
preponderando a “higiene social”, acreditando que os negros eram
alvos de combate3. Isso não ficou apenas no passado, ainda se discute
sobre técnicas de eugenia nos dias atuais, pois a humanidade vive em
constante luta para se salvar das indiferenças.
Ao tratar de aborto, faz-se necessário saber quando se dá o início
da vida, para que se entenda quando ocorre o aborto. Sabendo que a
morte tem como requisito a vida, e o aborto é o cessar da vida do feto, a
legislação entra em confronto com o Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana, que é o princípio esculpido na Carta Magna de 1988.
Sobre o início da vida, só no dicionário Aurélio há 18 tentativas
de conceituar o que é vida. Existem muitas correntes conflitantes que
tratam de quando a vida se inicia. Em uma primeira linha de pensamento,
a vida se inicia após a fecundação, ou seja, logo após do encontro do
óvulo com o espermatozoide. É a tese que de maior aceitação social,
inclusive da igreja católica (ANDRADE, 2012, on-line).
Em uma segunda corrente, afirma-se que a vida se inicia com a
nidação, fenômeno no qual o óvulo fixa na parede do útero. Esse
momento da fecundação até a nidação ocorre de 5 a 12 dias,
dependendo do organismo de cada mulher. Sendo assim, após o 13º
dia o embrião fez sua fixação completa. A partir desse momento que o
embrião terá reais chances de se desenvolver (CAMBIAGHI, 2014).
Nesta corrente temos que a vida humana só inicia após a formação
das primeiras terminações nervosas, que ocorre a partir da nidação.
Essa teoria (encefálica) se baseia na mesma forma que a morte ocorre
com o fim da atividade cerebral, a vida iniciaria com essa atividade.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

Sendo assim, a definição de vida é o reverso da morte, diz Carvalho


(2012).
Carvalho (2012) ainda esclarece que, após estudos desenvolvidos
no século XX, a medicina criou o conceito de “morte encefálica”, que
é quando o cérebro deixa de exercer suas funções. Sob essa perspectiva,
a morte pode ocorrer quando o coração ainda bate afim de que seja
possível retirar os órgãos da pessoa para realização de transplante.
Destarte, a vida finda quando as atividades cerebrais cessam, e a mesma
se inicia com a formação do cérebro. Essa linha é a mais discutida e
mais acreditada atualmente.
Para uma terceira corrente, a vida humana tem início na terceira
semana de gestação, quando o embrião não pode mais se dividir.
Começando a fase da gastrulação, ocorre uma invaginação nos tecidos
do embrião, formando os folhetos embrionários, endoderma - origem
dos tecidos, ectoderma- origem do sistema nervoso e epiderme e
mesoderma - quase todo restante (GONÇALVES, 2015, on-line).
Ainda possui uma quarta teoria, de que a vida começa na 24ª semana
de gestação. Nessa fase, o bebê se torna mais independente, pois consegue
sobreviver de forma extrauterina e os pulmões já estão formados. Essa
linha torna-se muito polêmica para o aborto, pois a gravidez já está muito
adiantada nessa fase, gerando uma repercussão social negativa sobre o
tema aborto. No entanto, alguns defensores, por meio de estudos científicos
e biológicos, mostram que o feto até a 24ª semana não sente dor, o que
abdica um importante argumento a favor do aborto, pois não causaria
sofrimento ao bebê (MARIANO, 2015, on-line).
Tem-se, ainda, a quinta teoria, chamada de Teoria Natalista, a
qual diz que a personalidade jurídica inicia com o nascimento da pessoa
com vida, sendo a vida detectada pelo exame de Docimasia
Hidrostática de Galeno é a mais utilizada pelos doutrinadores (MICHEL
ITO & CAVALIERI ITO, 2017, on-line). Porém existe uma
contradição doutrinária no Brasil, pois conservam também a teoria
concepcionista, que é o inverso da natalista, na qual resguarda o artigo

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2º do Código Civil de 2015 prevê: “Art. 2º: A personalidade civil da


pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde
a concepção, os direitos do nascituro” (PLANALTO, 2002). Para os
concepcionistas, a personalidade civil existe desde a concepção, ou
seja, ainda quando nascituro possui direitos resguardados. Essa
contradição existe por influência social e religiosa no país.
De acordo com este artigo do Código Civil, a lei brasileira
concede direitos e proteção ao nascituro, mas a poder da personalidade
jurídica é apenas a partir do seu nascimento com vida, sendo que essa
personalidade pode ser representada por seus genitores em juízo. Como
os direitos estão intimamente ligados à personalidade jurídica, muito se
discute quanto a essa posição (GONÇALVES, 2015, on-line).
Michel Ito & Cavalieri Ito (2017) enfatizam que questões do
início da vida impulsionaram-se com o advento das técnicas de
reprodução assistida, na qual passou a existir uma possibilidade de
implantação dos embriões no útero da mulher que não teria chances
de conceber vida, para que desenvolvesse um zigoto apto para gerar
vida. Os milhares de embriões que sobrariam desse processo seriam
eficazes em tratamentos médicos, especialmente com células tronco.
Essa questão foi levada ao STF (Supremo Tribunal Federal), que por
meio da ADI 3.510, proposta no ano de 2008 pelo Procurador Geral
da República, e avaliada por diversos representantes da sociedade
civil, proferiu entendimento com força vinculada a teoria da Nidação.
A partir da conceituação sobre o início da vida e suas teorias,
faz-se necessário conceituar a palavra aborto, isto é, o termo ab-ortu,
traduz a ideia de privar do nascimento, vez que, Ab equivale à privação
e ortu a nascimento. Destarte, o termo aborto provém do latim aboriri,
significando “separar do lugar adequado, e conceitualmente é a
interrupção da gravidez com ou sem a expulsão do feto, resultando na
morte do nascituro” (DE PAULO, 2002. p. 13).
A questão do aborto é discutida há muito tempo, e Maggiore
(1948, p. 613), elenca o conceito com a seguinte expressão: “é a

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

interrupção violenta e ilegítima da gravidez, mediante a ocisão de um


feto imaturo, dentro ou fora do útero materno” Diante das mudanças
que sempre ocorrem na legislação brasileira, este conceito ainda
permanece verídico até os dias atuais, e por mais que esta definição
tenha sido feita no ano de 1940, não contradiz ao termo atual, no
entanto, acrescentou algumas modalidades do crime de aborto.
O Aborto anencéfalo, por exemplo, foi abordado pelo julgamento
da ADPF nº 54/DF de 2012, segundo a qual declarou
inconstitucionalidade da interrupção da gravidez, desde que
comprovado por médico profissional e habilitado à anencefalia no feto
(STF, 2012). Sabendo que o anencéfalo jamais pode ser potencializado
a tornar-se alguém, pois não existe vida do feto sem suas terminações
nervosas, o crime seria considerado impossível em razão da inexistência
do objeto material que é a coisa sobre a qual incide a ação criminosa,
considerando o art. 17 do CP/40.
No Brasil, tal questão começou a ser discutido a partir das
incidências de interpelações judiciais para interrupção voluntária de
fetos anencefálico, o que alcançou decisão perante o STF através da
ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº
54 de 2012 (SCHULZE, 2012, on-line).
Como ela ocorreu? Segundo estudos junto a medicina, a anencefalia
causa morte de 100% dos casos. A questão consistia em saber se seria
crime de aborto a interrupção da gestação com fetos dessa característica.
Especificadamente dos anos de 2003 a 2012 essa questão foi discutida
sob a perspectiva de um caso específico. De início o pedido foi julgado
procedente por maioria dos votos, mas houve vários mandados de
segurança de pessoas diversas do país, principalmente de religiosos, como
padres, alegando que autorizar o aborto anencéfalo feriria o princípio da
dignidade da pessoa humana, art. 1º, a liberdade e autonomia da vontade,
art. 5º, direitos sociais e proteção a maternidade e infância, art. 6º e direito
à saúde, art. 96, todos da Constituição Federal (1988) (REVISTA
JURÍDICA, 2008, on-line).

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Quando o processo voltou em discussão e caiu nas mãos do


Ministro Marco Aurélio, este reconheceu o direito constitucional das
gestantes de se submeterem à operação terapêutica de parto de fetos
com anencefalia, sobrestando os processos e decisões que versassem
sobre o tema, entendendo que: fetos anencefálicos morrem no período
intrauterino em mais de 50% dos casos e quando chegam ao final da
gestação, a sobrevida é diminuta, não ultrapassando a poucos meses
ou semanas. Então, manter-se a gestação resulta em impor à mulher e
a família, danos à integridade moral e psicológica, além dos riscos físicos
reconhecidos pela medicina, tornando legal o aborto desde que haja
laudo médico atestando a anomalia.
A partir disso, discussões sobre a liberação do aborto eugênico,
que consiste na “interrupção da gravidez feita nos casos em que há
suspeita de que a criança possa vir nascer com defeitos físicos, mentais
ou anomalias, implicando em uma técnica artificial de seleção do ser
humano” (KERSUL, 2016, on-line). Nesse caso, torna-se inviável a
vida extrauterina do produto da concepção.
O tema ganhou relevância, pois, a partir dos avançados métodos
de ultrassom e perícias médicas, têm-se revelado a viabilidade da vida
do feto, ou seja, antes da criança nascer, já se sabe como será formada,
inclusive se serão anencefálicos ou portadores de Síndrome de Down.
Sendo assim, é perceptível a responsabilidade que os juízes possuem
nas mãos, pois não existe norma que regulamenta esse tipo de situação.
No mais, a principal característica para decidir sobre o que fazer quando
comprovar a anomalia é analisar minuciosamente a chance de sobrevida
do feto, da gestante e todos os fatores relevantes que ali rodeiam.
Observa-se que: “Algumas decisões têm autorizado aborto de
fetos que tenham graves anomalias, inviabilizando, segundo a medicina
atual, a sua vida futura livre de cuidados e amparos contínuos” (NUCCI,
2014, p. 351). O doutrinador diz que é complexa a situação em que a
gestante tenha que carregar um filho que já está predestinado a falecer
logo que nascer, no entanto, não se pode conceituar a anomalia da

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

criança como uma “monstruosidade”, atentando-se de que nem todas


as decisões obtidas pelos juízes desde então, liga-se ao feto infactível
ou inviável.
Com relação às respectivas decisões jurídicas sobre a interrupção
da gravidez e possibilidade do aborto eugênico, em 2013, dois anos
depois, um caso específico já foi julgado improcedente, pedido no
qual o feto é portador de Síndrome de Edwards:

O mero abalo psicológico dos pais, que, evidentemente, é muito grande


nesses casos, não autoriza, no nosso ordenamento jurídico, a prática do
aborto. Inexiste permissão legal para o aborto eugênico. 6. Ainda, a
gestação já conta com 33 semanas, ou seja, por volta de 8 meses. Nesse
caso, sendo a técnica médica utilizada a simulação de parto normal, é
possível que a criança nasça viva, tornando incabível a autorização pleiteada.
7. APELAÇÃO IMPROVIDA (Apelação-Crime, Nº 70055089049,
Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Julio Cesar
Finger, Julgado em:26-06-2013).

A Síndrome de Edwards é uma doença genética causada por


uma trissomia do cromossomo 18, ou seja, uma condição em que a
pessoa carrega três cópias desse cromossomo em vez de duas (MINHA
VIDA, 2020, on-line). Na maioria das pessoas que sofrem essa
síndrome, as complicações envolvem defeitos congênitos, atraso mental
e físico e má formação de órgãos vitais como rins e coração. Este juiz
entendeu que a criança de toda forma nasceria viva, tornando incabível
a autorização para o aborto, mesmo que os laudos médicos revelassem
que esta sobreviveria por no máximo 3(três) meses.
Descreve Malta (2015, on-line), que houve um caso no Estado
de São Paulo, comprovado por laudo médico, no qual o feto possuía
um defeito na parede abdominal, com exteriorização dos ossos e
estreitamento do tórax (síndrome banda amniótica). A anomalia
mencionada era incompatível com a vida extrauterina, ou seja, a criança
morreria logo após o parto. Como forma de inibir o sofrimento da mãe
e o da criança, foi pedida permissão ao aborto do tipo eugênico sem

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Tecendo Direitos

que configurasse crime. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo


trouxe o acórdão número 2014.0000163976, que trata desse mandado
de segurança impetrado por Paloma de Oliveira Amorim contra decisão
judicial, 1ª Vara da Comarca desta Capital, deferindo autorização para
o interrompimento da gravidez.
Observando acontecimentos atuais, ocorreu o julgamento
recentemente no mês de abril de 2020, sobre aborto para grávidas
que tiveram o Zika Vírus. A indignação maior foi de que diante do
extremo caos causado pela pandemia do Covid-19, o STF vem tratar
da ADI 5581, que enaltece sobre a liberação do aborto nos casos do
Zika, no entanto não obteve trânsito em julgado. O tema para liberação
do aborto nesses casos vem sendo discutido desde 2016 quando houve
a epidemia, e voltou a ser discutida recentemente, após a validação da
Lei 13.985/2020, que versa sobre pensão vitalícia de um salário-mínimo
para crianças vítimas do Zika Vírus (PIERI, 2020, on-line). O
entendimento para que haja opção pela liberação do aborto nesses
casos, é porque a gestante pode passar a doença para o feto, causando
várias reações físicas e neurológicas.
Até o momento, o STF só julgou o mérito da ADPF nº 54/
2012, considerando inconstitucionalidade a tipificação do crime de
aborto eugênico nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II do CP/40,
para casos de fetos anencéfalos (RODRIGUES, 2019, on-line).
É perceptível que mesmo com o auxílio da ADPF nº 54, ainda há
lacunas na lei quanto ao fato de quando o aborto será punível ou não, pois
a falta de legislação específica sobre cada caso das principais anomalias
que tendem a ser manifestada no feto, isto é, previsão em lei para que os
juízes julguem de forma fundamentada e não de acordo com entendimentos
pessoais, para que seja gerada uma estabilidade jurídica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a evolução do pensamento social, surge uma sociedade
diferente após uma ruptura extrema com o passado. Presencia-se o

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

desenvolvimento tecnológico de exames e posicionamentos médicos a


respeito de uma vida ainda na forma intrauterina. Em decorrência disso,
foi aberta uma fenda na qual as pessoas encontraram necessidade de
intervir no nascimento de outra, denominada de aborto. A partir disso,
o pensamento eugenista no qual busca a ideia de um ser humano
perfeito, retorna as discussões sociais.
A prática do aborto tornou-se realidade em vários países do
mundo, amparada ou não pela legislação vigente, e assim, questões
éticas e jurídicas se comprometem para a realização desta feitura. Passa-
se então a discutir qual direito tem maior peso: do feto ou da gestante
que passa por um abalo emocional e por vezes corre risco de vida.
Por outro lado, a Constituição Federal julga a vida como o bem jurídico
de maior importância. No Brasil, esta questão começou a ser discutido
a partir das incidências de pedidos judiciais para interrupção voluntária
de fetos anencéfalos, o que alcançou decisão perante o STF através
da ADPF 54 em 2012. Destarte, a prática abortiva eugênica no país
ainda é infraconstitucional.
Prospera então, alternativas diárias para buscar a solução desses
conflitos ético-jurídicos. A prática preconizada nos séculos passados
de maneira desumana adotada principalmente por Hitler, não condizem
com os Direitos Humanos em vigência. O Estado Democrático de direito
no qual emerge o Brasil, efetivaram a inclusão social de pessoas com
qualquer tipo de deficiência, sob o aspecto da primazia da igualdade e
do direito à vida por todos.
Há uma contradição entre o direito à vida e sua inviolabilidade e
o direito à liberdade refletido pelo lado da mãe, que teria o direito de
escolher se gostaria de manter a gravidez ou não. No entanto, a decisão
costuma ser dos tribunais brasileiros e ainda de forma paulatina, isto é,
muitas vezes quando a criança já foi gerada, concebida ou decessa.
Dessa forma, o princípio da dignidade humana deve estender
em tutela ao nascituro e à gestante. No mais, a legislação necessita
manifestar urgentemente e de forma decisiva a respeito do tema em

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Tecendo Direitos

questão, para que as gestantes e o feto/criança não sejam expostas a


essas situações de indignidade, espera e descontentamento, aguardando
posições diversas do ordenamento jurídico. Acredita-se por vezes a
necessidade do legislador em excluir a antijuricidade da espécie eugênica
nos casos em que o feto possui inviolabilidade total da vida extrauterina,
de forma a tutelar a dignidade da gestante.

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

NOTAS
1
Significado da palavra “eugenia”. Disponível em: <https://www.significados.com.br/
eugenia/>. Acesso em: 18 nov. 2019.
2
Artigo disponível em: <https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/direito/
retrospecto-historico-da-%20pessoa-com-deficiencia-na-sociedade/48757>. Acesso em:
6 nov. 2019.
3
Significado da palavra eugenia, Op. Cit., 2018.

216

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Tecendo Direitos

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MALTA, Magno. Comissão discutirá liberação de aborto voluntário pelo
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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/02/05/


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síndrome de edwards?. O que é Síndrome de Edwards?. 2020. Disponível em:
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RODRIGUES, Elizangela Martins Souza. A Inconstitucionalidade do Tipo Penal
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do ministro Luiz roberto barroso no HC 124.306 RJ. Uma análise do voto do
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inconstitucionalidade-do-tipo- penal-do-aborto-no-caso-de-interrupcao-
voluntaria-da-gestacao-uma-analise-do- voto-do-ministro-luiz-roberto-barroso-
no-hc-124-306-rj/>. Acesso em: 03 abr.2020.
SCHULZE, Clenio Jair. STF, aborto de fetos anencéfalos, ADPF 54 e legislador
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aborto- de-fetos-anencefalos-adpf-54-e-legislador-positivo>. Acesso em: 17 abr.
2020.

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Tecendo Direitos

OS AUT
AUT
UTOORES
ALINE BATISTA DOS SANTOS
Discente do Curso de Direito da UniEvangélica Campus Ceres.
E-mail: alinebatistasantos1001@gmail.com

ANA PAULA VELOSO DE ASSIS SOUSA


Advogada; Docente do Centro Universitário de Anápolis,
UniEvangélica Campus Ceres; Bacharel em Direito e Mestre em
Ciências Ambientais pelo Programa de Pós-Graduação em Sociedade,
Tecnologia e Meio-Ambiente (PPSTMA) do Centro Universitário de
Anápolis, UniEvangélica. E-mail: anapaulavsousa@hotmail.com

BEATRIZ CUNHA DUARTE


Discente do Curso de Direito da UniEvangélica Campus Ceres.
E-mail: beatriz.cunhaduarte.1@gmail.com

CARLOS ALBERTO DA COSTA


Mestre em Ciências Sociais e Humanidades (UEG- TECCER);
Docente do Curso de Direito da UniEvangélica Campus Ceres. E-
mail: professorcarlosalberto2010@gmail.com.

CASSIA CAROLINE RODRIGUES DE SOUSA


Discente do Curso de Direito da UniEvangélica Campus Ceres.
E-mail: cassiacarolinenutri@hotmail.com

DÉBORA SARAH RODRIGUES DA SILVA


Discente do Curso de Direito da UniEvangélica Campus Ceres.
E-mail: deborasarahr@gmail.com

ELIABE ANDRÉ DE OLIVEIRA


Discente do curso de Direito da Unievangélica Campus Ceres.
E-mail: eliabeandre0@gmail.com

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

FLÁVIO MANOEL COELHO BORGES CARDOSO


Doutor em Administração - UNB/Universidad Jaume I. Discente
do Curso Direito UniEvangélica. Docente do IF GOIANO. E-mail:
flaviomanoel@hotmail.com

GUILHERME SOARES VIEIRA


Doutorando em Direitos Humanos pela UFG – Mestre em
Ciências Ambientais pela UniEvangélica – Especialista em Docência
Universitária pela UEG – Graduado em Direito e Sistemas de
Informação respectivamente pela Universo e UEG. Policial Penal
concursado. Presidente dos Gideões Internacionais campo 050.
Professor da Faculdade da Polícia Militar de Goiás. Diretor e Professor
do Curso de Direito do Centro Universitário de Anápolis Campus Ceres
– guilherme.vieria@unievangelica.edu.br

IRLANE XAVIER DE MENDONÇA


Discente do Curso de Direito da Unievangélica Campus Ceres.
E-mail: irlanemendonca@gmail.com

JORDANA RODRIGUES BATISTELA


Discente do Curso de Direito da UniEvangélica Campus Ceres.
E-mail: jordanabatistela@gmail.com

JÚLIO CÉSAR DE MORAIS SOUZA


Discente do Curso de Direito da UniEvangélica Campus Ceres.
E-mail: juliocesarmoraissouza@outlook.com.br

LARISSA LARA DE MOURA


Discente do Curso de Direito da UniEvangélica Campus Ceres.
E-mail: larissalara198@gmail.com.

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Tecendo Direitos

LUCIANO DO VALLE
Bacharel em Direito, especialização em Direito Civil pela
UniEvangélica (2006), Mestrado em Ciências Ambientais pela
UniEvangélica (2016); Docente do Curso de Direito da UniEvangélica
Campus Ceres. E-mail: luciano_valle@hotmail.com

NAYALA NUNES DUAILIBE


Mestre em Antropologia Social - UFG; Doutoranda em
Antropologia Social-UFG; Docente do Curso de Direito da
UniEvangélica Campus Ceres. E-mail: nayala.duailibe@gmail.com

PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA


Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Anápolis
(2014); Pós-Graduado em Docência Universitária pela instituição Facer
(2016); Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil -
Seccional Goiás - nº: 46.304; Docente no curso de Direito da
Unievangélica Campus Ceres; Assessor Jurídico da Secretaria de
Assistência Social do município de Rianápolis-GO. E-mail:

PEDRO HENRIQUE ROCHA SILVA


Discente do Curso de Direito da UniEvangélica Campus Ceres.
E-mail: pedrorochasilva99uruana@gmail.com

SINDY ANIELLE DA SILVA LIMA


Discente do Curso de Direito da UniEvangélica Campus Ceres.
E-mail: sindyanielles@gmail.com

VICTOR HUGO ALVES ASSIS


Discente do curso de Direito da UnieEvangélica Campus Ceres:
E-mail: vhassis@hotmail.com

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Nayala Nunes Duailibe (organizadora)

VITOR MARTINS CORTIZO


Especialista pela Escola de Magistratura do Paraná; Docente
do Curso de Direito da UniEvangélica Campus Ceres. E-mail:
cortizo1979@gmail.com

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