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COORDENAÇÃO

Marco Aurélio Serau Junior


ORGANIZAÇÃO
Júlia Dumont Petry
Larissa Rahmeier de Souza
Vinícius A. G. Cidral

ASSÉDIO MORAL E SEXUAL NO


TRABALHO: COMENTÁRIOS À
CONVENÇÃO 190 DA OIT

Belo Horizonte
2021
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Gilmar
Gomes de Barros, CRB 14/1693
A845 Assédio moral e sexual no trabalho: comentários à
convenção nº 190 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) [recurso eletrônico] / Marco Aurélio
Serau Junior (Coord.). Júlia Dumont Petry; Larissa
Rahmeier de Souza; Vinícius A. G. Cidral. (Org.).
Prefácio de Tatyana Scheila Friedrich. – Belo
Horizonte : Editora IEPREV, 2021.
464 p.

Modo de Acesso: <http://www.editoraieprev.com.br>


ISBN: 978-65-88557-04-4
1. Marco Aurélio Serau Junior. 2. Tatyana Scheila
Friedrich. 3. Júlia Dumont Petry. 4. Larissa Rahmeier
de Souza. 5. Vinícius A. G. Cidral. I. Direito do
trabalho. II. Título.
CDU: 349.2
Índice para catálogo sistemático:
Direito do trabalho 349.2

Editoração Eletrônica: Leonardo Eustáquio Mendonça Senhorini


Projeto de Capa: Vínícius A. G. Cidral

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COORDENAÇÃO: Marco Aurélio Serau Junior

RESILIÊNCIA, ASSÉDIO MORAL E CONVENÇÃO


190 DA OIT

Camila Siqueira Katrein120


Lawrence Estivalet de Mello121

“somos bons homens. não digo que sejamos assim uns tolos, sem a
robustez necessária, uma certa resistência para as dificuldades, nada disso, somos
genuinamente bons homens e ainda conservamos uma ingénua vontade de como tal
sermos vistos, honestos e trabalhadores. (...) as ideias, meu amigo, são menores nos
nossos dias. não importam. as liberdades também fazem isso, uma não importância
do que se pensa, porque parece que já nem é preciso pensar.”

valter hugo mãe, a máquina de fazer espanhóis.

INTRODUÇÃO

Refletir sobre o assédio moral na administração pública,


à luz da Convenção 190 da Organização Internacional do
Trabalho122, fornece um olhar de continuidade a pesquisas que
se têm debruçado sobre diferentes aspectos da transformação
120
Assessora Jurídica do Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário de Santa Catarina
(SINJUSC). Mestra e Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Santa
Catarina (PPGE/UFSC). Bacharela em Direito e Licenciada em Ciências Sociais pela
Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Pesquisadora do Grupo Transformações
no Mundo do Trabalho (TMT/UFSC). E-mail: <camilakatrein@hotmail.com>.
121
Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia e da Escola
de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo. Doutor e Mestre em Direi-
to pela Universidade Federal do Paraná (PPGD/UFPR). Bacharel em Direito pela
UFPEL e Bacharel em Filosofia pela UFPR. Pesquisador do Grupo Transformações
do Trabalho, Democracia e Proteção Social (FD/UFBA) e do Grupo Trabalho, Tra-
balhadores e Reprodução Social (FFCH/UFBA). E-mail: <lawrence.emello@gmail.
com>.
122
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Conferência Interna-
cional do Trabalho. Convenção 190. Genebra, 21 jun 2019. Disponível em: < https://
www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—-ed_norm/—-relconf/documents/meetingdo-
cument/wcms_711570.pdf>. Acesso em: 30 jun 2020..
149
Assédio Moral e Sexual no Trabalho: Comentários à Convenção 190 da OIT

do Brasil, na linha de interpretação de Antunes, em uma


“sociedade dos adoecimentos do trabalho”123. Neste texto,
delineiam-se questões teóricas e critérios de identificação
de agressões laborais realizadas contra trabalhadores e
trabalhadoras da administração pública124, e problematizam-
se as noções de resiliência e de sacrifício.
Examinar dimensões de violência no ambiente de
trabalho exige enfrentar temas complexos, como aquele que
se pergunta sobre maior vulnerabilidade de trabalhadores
contratados celetistas ao assédio moral do que aquela a que
são expostos servidores públicos estatutários. Não é possível
pensar assédio e serviço público sem levar em consideração
o processo de precarização mais geral ao qual o trabalho no
Estado tem sido submetido. Compartilhamos a perspectiva de
Heloani e Barreto125, para quem se devem analisar processos
produtivos para compreender o assédio moral, muito antes de
“culpar pessoas”.
O texto apresenta resultados parciais de investigação em
andamento, que tem como objetivo discutir categorias teóricas
úteis à análise da intensificação do trabalho e do adoecimento
no serviço público, a partir de estruturação de problema de

123
ANTUNES, Ricardo. O Privilégio da Servidão: um novo proletariado de ser-
viços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018, p. 137.
124
Para uma abordagem mais ampla da temática do assédio moral na administração
pública, indicamos as obras “Estado, Poder e Assédio: relações de trabalho na ad-
ministração pública” (2015, organizada por L. E. Mello, J. A. P. Gediel, E. F. Silva
e F. Zanin), “Estratégias autoritárias do Estado empregador: assédio e resistên-
cias” (2017, organizada por L. E. Mello, F. Zanin e J. L. Arzeno Silva) e “Erosão de
Direitos: reformas neoliberais e assédio institucional” (2020, organizada por J. A.
P. Gediel e L. E. Mello).
125
HELOANI, Roberto; BARRETO, Margarida. Assédio moral – Gestão por hu-
milhação. Curitiba: Juruá, 2018.
150
COORDENAÇÃO: Marco Aurélio Serau Junior

pesquisa sobre a conformação da subjetividade resiliente de


trabalhadores e trabalhadoras contratadas na administração
pública. Para não antecipar demasiadamente resultados
de pesquisa nem obscurecer seus objetivos com termos
indefinidos, convém sugerir uma primeira aproximação à
noção de subjetividade resiliente.
Parte da sua incorporação já é visível em políticas
adotadas pelo Estado brasileiro para a formação de jovens
para o trabalho, como a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC)126, como uma “competência geral da educação
básica” a ser desenvolvida pelo trabalhador, que condiciona
o seu sucesso no mundo do trabalho a capacidade de “se
adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou
aperfeiçoamento”127. Ao refletir sobre este conceito no cenário
de avanço neoliberal sobre o emprego e as políticas sociais,
entendemos resiliência como uma responsabilidade que é
atribuída à pessoa que trabalha, a quem é incentivada uma
adaptação sacrificial a uma atividade laboral com sofrimento.
Este artigo avalia a compatibilidade da Convenção 190
da OIT com o ordenamento jurídico nacional e problematiza
suas contribuições e limites para a identificação do assédio
moral praticado contra trabalhadores precários do serviço
público, na área da educação (seção 1). Depois, discute o
avanço do neoliberalismo e da subjetividade resiliente sobre

126
MEC. Base Nacional Comum Curricular: Educação é a Base. Disponível em:
<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofi-
nal_site.pdf>. Acesso em: 9 ago. 2020. Regulamentada pela Resolução nº 2 de 22 de
dezembro de 2017, do Conselho Pleno, do Conselho Nacional de Educação.
127
Ibidem, p. 466.
151
Assédio Moral e Sexual no Trabalho: Comentários à Convenção 190 da OIT

o serviço público, bem como suas consequências para a saúde


do trabalho (seção 2). A investigação utilizou-se, basicamente,
de revisão bibliográfica e entrevista semiestruturada, com
recorte qualitativo e exploratório, sistematizados junto ao
exame documental de textos jurídicos.
1. PENSAR A CONVENÇÃO 190 DA OIT PARA O TRA-
BALHO CONTRATUALIZADO NA ADMINISTRA-
ÇÃO PÚBLICA

Uma professora de educação infantil da rede municipal


de capital brasileira foi alvo de práticas discriminatórias
homotransfóbicas128, que envolviam pais, estudantes, colegas
e diretores, com objetivo de a impedir de entrar em sala
de aula. A motivação, como narrou em entrevista129 para
este artigo o dirigente sindical da categoria, era de que não
queriam que a professora estivesse com as crianças, por conta
de sua identidade de gênero. Segundo narrou o sindicalista, as

128
O termo “homotransfobia” foi adotado pelo Supremo Tribunal Federal no julga-
mento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 26 (ADO 26). Para
uma análise crítica do conceito de “racismo social” adotado no julgado e para uma
compreensão da homotransfobia como discriminação sexista, veja-se: RIOS, Roger
Raupp; MELLO, Lawrence Estivalet. Criminalização da Homotransfobia no Supre-
mo Tribunal Federal (ADO 26): do “racismo social” à discriminação sexista. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, v. 169, p. 321-345, 2020.
129
Para realização desta pesquisa, buscou-se uma aproximação com a realidade de
trabalhadores de uma rede municipal de educação admitidos em caráter temporário,
para refletir a partir do concreto sobre a relação da autonomia contratual, da razão
sacrificial e de uma subjetividade resiliente com práticas de violência laboral. Para
tanto, além da legislação e bibliografia sobre o tema, realizou-se uma entrevista com
dirigente sindical de entidade que inclui, na sua base de representação da educação
pública municipal, também trabalhadores contratados, para levantar dados da reali-
dade que, por vezes, escapam à análise dos documentos legais das políticas públicas.
Por se tratar de exposição de resultados de estudo preliminar, que colhe elementos
para propor uma reflexão geral sobre o tema, optou-se por preservar a identidade do
entrevistado e da rede de educação em questão. Não se deixa, com isso, de agradecer
à sua disponibilidade para contribuir com esta pesquisa.
152
COORDENAÇÃO: Marco Aurélio Serau Junior

práticas de assédio são comuns a estatutários e celetistas, mas


diferem na forma de ameaça, pois professores e professoras
“admitidas em caráter temporário” no trabalho, junto ao
município, possuem um vínculo laboral especialmente frágil.
No caso citado, o episódio de homotransfobia foi
mediado pelo sindicato, em uma intervenção política junto
à comunidade escolar, centrada no debate e formação. O
observatório de assédio moral da entidade, que recebe cerca
de três denúncias por semana, desenvolve campanhas e
formação sobre assédio e discriminação, atua na mediação de
situações de violência e também na defesa dos trabalhadores
alvo de processos administrativos. Ainda que a referida
prefeitura tenha criado, em 2019, uma ouvidoria contra o
assédio, o entrevistado narra que as denúncias de assédio são
representadas majoritariamente ao próprio sindicato.
Esses e outros episódios suscitam a importância e a
atualidade da Convenção 190 da Organização Internacional
do Trabalho, aprovada em junho de 2019, com 439 votos a
favor, sete contrários130 e 30 abstenções, contra a violência
e o assédio no ambiente de trabalho. Merece destaque que,
entre os 30 votos de abstenção sobre o texto na 108ª Sessão
da Conferência Internacional do Trabalho, um deles foi de
representante empresarial brasileiro, dado pelo presidente
da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban). Junto à
Convenção 190, foi aprovada a Recomendação 206131.

130
Foram contrários à aprovação da Convenção Singapura, Costa Rica, República
Dominicana, El Salvador, Malásia e Guatemala.
131
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Conferência Interna-
cional do Trabalho. Recomendação 206. Genebra. Disponível em: <https://www.
153
Assédio Moral e Sexual no Trabalho: Comentários à Convenção 190 da OIT

Ao passo que o mundo do trabalho passa por


transformações que ampliam a fragilidade contratual e as
situações de violência, também cresce o debate e ações que
objetivam conter seus efeitos dramáticos para a vida no
trabalho. A Convenção 190 emerge neste contexto, ao propor
a primeira definição de violência e assédio no trabalho em
âmbito internacional. Sua aprovação pela OIT estabelece um
marco para a visibilidade da violência laboral, colocando em
foco a proteção do trabalhador e o seu oposto, a degradação
das condições de trabalho.
Convenções são espécies de tratados e se constituem
como “documentos obrigacionais, normativos e programáticos
aprovados por entidade internacional, a que aderem
voluntariamente seus membros”132. Como descreve Arnaldo
Süssekind: “Ao ingressar na OIT e aderir à sua Constituição,
o Estado contrai a obrigação formal de submeter toda
convenção, no prazo máximo de 18 meses da sua adoção, à
autoridade nacional competente para sua aprovação (art. 19,
§5º, a, da Constituição)”133.
Acontece que a Declaração de Filadélfia (1944) já
pressupunha relações laborais sem violência, conforme lembra
Aldacy Coutinho134, quando garantia a “todos seres humanos

ilo.org/wcmsp5/groups/public/—-ed_norm/—-relconf/documents/meetingdocument/
wcms_711575.pdf>. Acesso em: 15 jun 2020.
132
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: São
Paulo: LTR, p. 181.
133
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. São Paulo e Rio de
Janeiro: Renovar, 2001, p. 74.
134
COUTINHO, Aldacy Rachid. VIOLÊNCIA: APONTAMENTOS SOBRE A
CONVENÇÃO 190, DA OIT. In: ROCHA, Cláudio Jannotti da; PORTO, Lorena Vas-
concellos; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de; PIRES, Rosemary de Oliveira (Orgs.).
154
COORDENAÇÃO: Marco Aurélio Serau Junior

de qualquer raça, crença ou sexo [...] o direito de assegurar o


bem-estar material e o desenvolvimento espiritual dentro da
liberdade e da dignidade, com tranquilidade econômica”135.
Coutinho esclarece que a peculiaridade ou originalidade da
Convenção 190 “situa-se na explicitação da preocupação e da
importância do combate à violência pela extensão que vem
tomando como questão prejudicial à vida dos trabalhadores
em uma Convenção específica sobre o tema” 136.
Para compreender os manejos possíveis da Convenção
190 e da Recomendação 206, retome-se que recomendações
não se sujeitam a ratificação e podem ser entendidas como
direito aplicável ou como espaços de construção de diretivas
jurídicas137. As Convenções não ratificadas, mas vigentes
internacionalmente, também podem ter sua aplicabilidade
reconhecida, como soft law ou como jus cogens138, como

Os instrumentos normativos: tratados e convenções internacionais. Coleção In-


ternacional do Trabalho, Volume 3. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2020, p. 224.
135
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Declaração da Fila-
délfia. Constituição da OIT. 1944. Disponível em <https://www.ilo.org/wcmsp5/
groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/genericdocument/
wcms_336957.pdf>. Acesso em: 20 jul 2020.
136
COUTINHO, Aldacy Rachid. VIOLÊNCIA: APONTAMENTOS SOBRE A
CONVENÇÃO 190, DA OIT. In: ROCHA, Cláudio Jannotti da; PORTO, Lorena Vas-
concellos; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de; PIRES, Rosemary de Oliveira (Orgs.).
Os instrumentos normativos: tratados e convenções internacionais. Coleção In-
ternacional do Trabalho, Volume 3. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2020, p. 225.
137
NICOLI, Pedro Augusto Gravatá. O Sujeito Trabalhador e o Direito Interna-
cional Social – A Aplicação Ampliada das Normas da Organização Internacional
do Trabalho. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito e Ciências do Es-
tado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horionte, 2015, p. 215.
138
Jorge Miranda define jus cogens da seguinte forma: “Princípios que estão para
além da vontade ou do acordo de vontades dos sujeitos de Direito Internacional; que
desempenham uma função eminente no confronte de todos os outros princípios e re-
gras; e que têm uma força jurídica própria, com os inerentes efeitos na subsistência
de normas e atos contrários” (MIRANDA, Jorge. Curso de direito internacional
público. Rio de Janeiro: Forense, 2009). A Convenção de Viena dispõe o seguinte:
“Artigo 53. É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma
155
Assédio Moral e Sexual no Trabalho: Comentários à Convenção 190 da OIT

destaca Pedro Nicoli:

“A visão global em relação a todos esses


instrumentos é a de que eles compõem o
arcabouço da proteção internacional aos
trabalhadores, seja como reveladores de jus
cogens (art. 53 da Convenção de Viena, como
norma aceita e reconhecida pela comunidade
internacional) para as matérias centrais, seja
como soft law em sua feição contemporânea,
na superação das dualidades em um diálogo
das fontes ou mesmo como elementos
fundamentais na composição de um bloco de
constitucionalidade na integração de esferas
interna e internacional de proteção à pessoa
humana” 139.

Além de compreender que a violência e o assédio


moral constituem uma violação dos direitos humanos, a
OIT segue um movimento de reconhecimento da realidade
desigual do mundo do trabalho, em sua relação com formas
de discriminação diversas. Trata, expressamente, das práticas
discriminatórias de gênero, ao reconhecer a realidade de maior
vulnerabilidade para as mulheres, que ocupam trabalhos
mais precários, como o doméstico e terceirizado, e recebem

norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção,


uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhe-
cida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual
nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de
Direito Internacional geral da mesma natureza”.
139
NICOLI, Pedro Augusto Gravatá. O Sujeito Trabalhador e o Direito Internacio-
nal Social – A Aplicação Ampliada das Normas da Organização Internacional do
Trabalho. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito e Ciências do Estado,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horionte, 2015, p. 215 e 216.
156
COORDENAÇÃO: Marco Aurélio Serau Junior

salários inferiores aos dos homens.


A opção por um conceito amplo, que inclui atos de
violência e discriminação, também se expressa na definição
das formas assumidas e sua duração, como descrito no artigo
1º:
“(...) o termo “violência e assédio” no mundo
do trabalho refere-se a uma variedade de
comportamentos e práticas inaceitáveis, ou
ameaça disso, sejam acontecimentos únicos
ou repetidos, que visem, resultem, ou possam
resultar em dano físico, psicológico, sexual
ou econômico, e inclui violência e assédio de
gênero (...)”140.

A formulação da OIT propõe um conceito único, que


reúne tanto o assédio moral quanto o sexual e, ainda, práticas
de violência. A própria noção de saúde passou por transições
ao longo do tempo, como aquela experimentada a partir da
década de 1980, que incluiu nas políticas internacionais de
saúde a dimensão referente à saúde psicológica. Em 2002, a
Organização Mundial da Saúde produziu um informe mundial
sobre violência e saúde, para pensar a violência como uma
questão de saúde pública, que não é pertinente apenas ao

140
Tradução livre do artigo 1º da Convenção 190. Leia-se, no original: “the term ‘vio-
lence and harassment’ in the world of work refers to a range of unacceptable beha-
viours and practices, or threats thereof, whether a single occurrence or repeated, that
aim at, result in, or are likely to result in physical, psychological, sexual or economic
harm, and includes gender-based violence and harassment” (ORGANIZAÇÃO IN-
TERNACIONAL DO TRABALHO. Conferência Internacional do Trabalho. Con-
venção 190. Genebra, 21 jun 2019. Disponível em: < https://www.ilo.org/wcmsp5/
groups/public/—-ed_norm/—-relconf/documents/meetingdocument/wcms_711570.
pdf>. Acesso em: 30 jun 2020).
157
Assédio Moral e Sexual no Trabalho: Comentários à Convenção 190 da OIT

interesse individual da vítima141.


Coutinho observa que uma grande novidade do conceito
desenhado, na Convenção 190, concerne à introdução
da potencialidade de dano como violência142. A mesma
compreensão, em favor do reconhecimento de dano potencial
como violência, é adotada pela OIT desde 2016 e fica clara
na Convenção 190, quando apresenta a “probabilidade” de
resultado danoso ou de sofrimento, conforme o artigo 1º acima
indicado. Propõe-se uma definição de violência aberta, que
pode vir a ser ampliada em razão de novos riscos e desafios
decorrentes do avanço de novas tecnologias, como examinou
a juslaboralista143.
Ainda mais, merece menção que o conceito adotado pela
Convenção 190 reduz requisitos para configuração do assédio,
141
COUTINHO, Aldacy Rachid. VIOLÊNCIA: APONTAMENTOS SOBRE A
CONVENÇÃO 190, DA OIT. In: ROCHA, Cláudio Jannotti da; PORTO, Lorena Vas-
concellos; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de; PIRES, Rosemary de Oliveira (Orgs.).
Os instrumentos normativos: tratados e convenções internacionais. Coleção In-
ternacional do Trabalho, Volume 3. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2020, p. 226.
142
“Para os fins da Violence Prevention Alliance (VPA), a Organização Mundial da
Saúde adotou uma conceituação de violência consubstanciada como o uso intencional
de (i) força física ou (ii) do poder, ameaçado ou real, contra si mesmo, contra outra
pessoa ou contra um grupo ou comunidade, que resulte ou tenha grande probabili-
dade de resultar em dano (material, físico ou patrimonial; imaterial, existencial ou
psicológico) ou potencialidade de dano, prejuízo, doença, lesão ou morte. Embora
circunscrita à saúde, a introdução da potencialidade/probabilidade de resultar dano,
abandonando a presença de um dano efetivo como configuração evidencia já uma
nova abordagem” (COUTINHO, Aldacy Rachid. VIOLÊNCIA: APONTAMENTOS
SOBRE A CONVENÇÃO 190, DA OIT. In: ROCHA, Cláudio Jannotti da; PORTO,
Lorena Vasconcellos; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de; PIRES, Rosemary de Oli-
veira (Orgs.). Os instrumentos normativos: tratados e convenções internacionais.
Coleção Internacional do Trabalho, Volume 3. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2020, p.
227).
143
COUTINHO, Aldacy Rachid. VIOLÊNCIA: APONTAMENTOS SOBRE A
CONVENÇÃO 190, DA OIT. In: ROCHA, Cláudio Jannotti da; PORTO, Lorena Vas-
concellos; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de; PIRES, Rosemary de Oliveira (Orgs.).
Os instrumentos normativos: tratados e convenções internacionais. Coleção In-
ternacional do Trabalho, Volume 3. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2020, p. 228.
158
COORDENAÇÃO: Marco Aurélio Serau Junior

ao incluir atos de violência e discriminação que aconteçam


uma só vez. No Brasil, a doutrina e a jurisprudência possuem
entendimento no sentido de que o assédio moral tem caráter
de violência reiterada, repetida. A Convenção, desse modo,
reconhece a larga fragilidade a que são expostos trabalhadores
e trabalhadoras, bem como a dificuldade da prova judicial de
práticas de assédio moral, cujo caráter “reiterado” dificulta o
reconhecimento e a reparação de violências que efetivamente
ocorrem no ambiente de trabalho.
No entanto, resta uma lacuna quanto a uma dimensão
importante, que é a relação da violência e discriminação no
ambiente consolidadas pela própria estrutura e organização
das relações de trabalho. Isto porque a Convenção 190 não
trata expressamente do assédio coletivo, também denominado
assédio institucional ou assédio organizacional. Daí o motivo
pelo qual o tema guarda relação com a reorganização do
mundo do trabalho e merece uma observação setorializada,
como nosso caso concreto permitirá apreender.
A reestruturação neoliberal, impulsionada no país a partir
dos anos 1990, implicou para as relações de trabalho formas
de contratualidade precárias, com a regulamentação de novos
tipos de trabalho. Pelo alargamento do poder empregatício
nessas relações contratuais, o assédio moral pode ser lido
como uma ilegalidade expandida144 e, consequentemente,
faz-se mais presente. Desta reflexão mais geral, caminha-se
para uma compreensão concreta, que permite materializar

144
MELLO, Lawrence Estivalet de. Crise do contrato de trabalho e ilegalidades
expandidas. 452 f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Paraná,
2020.
159
Assédio Moral e Sexual no Trabalho: Comentários à Convenção 190 da OIT

os sentidos da preocupação com o tema, a partir de exame


de situações de trabalhadores e trabalhadoras da educação
municipal de uma cidade brasileira.
Na educação pública, os contratados passam a figurar
entre as formas de docentes não efetivos no final da década
de 1950. Tal alteração da situação dos professores das escolas
públicas, de estáveis no emprego para temporários, vai-
se construindo a partir dos anos 1960. No entanto, inexiste
padronização em relação as formas contratuais de professores
nas unidades federativas. De acordo com o balanço de Souza145,
eles são qualificados com diversas nomenclaturas. São, por
exemplo, os ACT (Admitidos em Caráter Temporário) ou
“acetistas” em São Paulo e Santa Catarina, os PSS (Processo
Seletivo Simplificado) no estado do Paraná, ou, ainda, a
Prestação de Serviço Temporário (PST) e o Regime Especial
de Direito Administrativo (REDA) na Bahia146.
Segundo dados divulgados pelo INEP147, a contratação
temporária de professores é mais presente nas redes estaduais
de ensino; nelas, esta forma de regulação representava
35,6% do total de trabalhadores e trabalhadoras em 2017. No

145
SOUZA, Artur Gomes de. Professor temporário: situações da docência em
Educação Física na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis. 200 f. Disserta-
ção (mestrado) – Universidade Federa l de Santa Catarina, Centro de Educa-
ção, Programa de Pós-Graduação em Educação, Florianópolis, 2018.
146
Para uma compreensão do REDA na Bahia, veja-se SILVA JUNIOR, Jorge Adria-
no da; OLIVEIRA, Isabela Fadul. A contratação em Regime Especial de Direito Ad-
ministrativo (REDA) e seu impacto nas condições de trabalho docente: O caso dos
professores do Estado da Bahia. Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 6,
n. 1, jan./abr. 2019.
147
CARVALHO, Maria Regina Viveiros. Perfil do Professor da Educação Bási-
ca. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP), 2018.
160
COORDENAÇÃO: Marco Aurélio Serau Junior

caso dos municípios não é muito diferente, pois 24,7% das


professoras e professores estão contratados por meio deste
tipo de vínculo de trabalho. Na rede federal, a proporção
de contratados temporários, em relação ao total, é inferior,
totalizando 13,2% dos trabalhadores e trabalhadoras da
educação.
Um olhar direcionado à Rede Municipal de Ensino
delimitada pra este estudo revela que, em 2015, 38,6%
dos professores eram temporários148. Sua contratação é
regulamentada por decreto municipal e depende de processo
seletivo anual que inclui prova objetiva e prova de títulos. O
regime de trabalho pode ser de dez, vinte, trinta ou quarenta
horas semanais. Com sorte, o trabalhador aprovado assume
uma vaga na primeira chamada com duração até o final do
ano letivo (fevereiro a dezembro), mas muitos conseguem
vagas com duração de apenas alguns meses. Ao encerrarem
seus contratos, retornam para o final da lista de classificação.
O caso é emblemático de como a própria estrutura, que
disciplina a contratação de temporários, impõe fragilidades ao
trabalho dos professores. Ainda que formalmente detenham
alguns direitos equiparados aos dos concursados, como
o direito à licença para tratamento de saúde ou gestação,
são trabalhadores e trabalhadoras que convivem com uma
incerteza programada, ano a ano, em relação à continuidade
do vínculo de emprego. Por esse motivo, têm sua jornada
148
SOUZA, Artur Gomes de. Professor temporário: situações da docência em
Educação Física na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis. 200 f. Disserta-
ção (mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Educação, Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação, Florianópolis, 2018. p. 85. Os dados foram
elaborados pelo próprio autor, a partir de micro dados do INEP.
161
Assédio Moral e Sexual no Trabalho: Comentários à Convenção 190 da OIT

e local de trabalho sempre sob análise e discussão, sem


desenvolvimento de carreira, possibilidade de planejar
aperfeiçoamento ou gozar de mínima segurança material.
Docentes que conseguem compor uma jornada de
40h semanais, com salário médio de 2.700 reais, podem
ter de trabalhar em até quatro escolas diferentes. As horas
despendidas em deslocamento comprometem o tempo para
alimentação, planejamento das atividades e para cuidados
com a saúde e lazer. Além disso, concordamos com a análise
de Souza, segundo a qual “as dinâmicas entre o efetivo, o
CLT estável, o temporário e o voluntário exacerbam conflitos
entre os pares”149. Combinando-se com a efemeridade do
vínculo para os temporários, constitui-se uma realidade de
insegurança financeira e profissional para tais professores.
Ao mesmo tempo em que o trabalho educacional é
crescentemente regulado, no setor público, por meio de
contratualidades temporárias, gesta-se uma racionalidade que
busca legitimar e adaptar trabalhadores e trabalhadoras a esta
forma de trabalho. É dizer: o neoliberalismo é, ao mesmo
tempo, uma prática de economicização e uma racionalidade
de “produção de sujeitos”, como conceitua Wendy Brown150.
Esta discursividade se utiliza das ideias de sacrifício e
resiliência, como se passa a desenvolver.
2. RESILIÊNCIA, PODER E ASSÉDIO ORGANIZA-
CIONAL

O poder empregatício é, na relação de trabalho celetista a

149
Ibidem, p. 89.
150
BROWN, Wendy. Cidadania Sacrificial – Neoliberalismo, capital humano e
políticas de austeridade – Tradução Juliane Bianchi Leão. Pequena Biblioteca de
Ensaios. Rio de Janeiro: Zazie Edições, 2018, p. 13.
162
COORDENAÇÃO: Marco Aurélio Serau Junior

que parte da administração pública crescentemente adere, um


dado da realidade permitido e legítimo, cujo abuso é limitado,
em tese. Os postulados do trabalho livre e da dignidade
humana adentraram o direito, a empresa e o Estado, não sem
tensões e descompassos, para afirmar que a pessoa é um fim
em si mesmo e merece respeito, sob pena de poder exercer
resistência à tirania ou reivindicar reparação em juízo.
A honra, a imagem e a saúde conformariam fronteiras,
limites jurídicos ou patamares mínimos civilizatórios, depois
dos quais o empregador, em seu poder empregatício contratual
legítimo, mereceria censura. Tem-se, nesta proibição que
oferece fundamento à indenização compensatória e à pretensão
educativa preventiva, o tratamento jurídico destinado ao
assédio moral.
Ocorre que as classes dominantes brasileiras não foram
acostumadas a aceitar limites à exploração que praticam151,
sobre o tempo, o corpo ou a privacidade de seus empregados e
empregadas, como mostra a história do trabalho “livre” sob a
ótica da população negra152. Não expressa uma descontinuidade
histórica que a supressão de direitos sociais, como bem
provocaram Renata Dutra e Vitor Filgueiras153, configure
uma espécie de utopia da direita. A autonomia contratual e a
razão sacrificial garantem segurança jurídica para o capital,
151
FERNANDES, Florestan. A revolução Burguesa no Brasil. Ensaio de interpre-
tação Sociológica. São Paulo: Globo, 2005, p. 349.
152
ALVES, Raíssa Roussenq. Entre o silêncio e a negação: trabalho escravo con-
temporâneo sob a ótica da população negra. Belo Horizonte: Ed. Letramento, 2018.
153
DUTRA, Renata Queiroz; FILGUEIRAS, Vitor. A terceirização no STF e a utopia
da direita. Jornal GGN. Disponível em: <https://jornalggn.com.br/artigos/a-tercei-
rizacao-no-stf-e-a-utopia-da-direita-por-renata-dutra-e-vitor-filgueiras/>. Publicado
em: 23 jun 2020. Acesso em: 1 ago 2020.
163
Assédio Moral e Sexual no Trabalho: Comentários à Convenção 190 da OIT

responsabilização para o trabalhador e estimulam atuação


individual autossuficiente, como sobrevivência e virtude154.
Caminhos cruzados entre a argumentação da Suprema
Corte dos Estados Unidos e do Supremo Tribunal Federal,
no Brasil, em temas concernentes ao trabalho, conectaram
as noções de autonomia contratual e razão sacrificial. A
contrarreforma trabalhista (Lei 13.467/2017), muitas vezes
lembrada do ponto de vista do fortalecimento e expansão das
liberdades contratuais, fornece sistematização a princípios
fermentados no Recurso Extraordinário 590.415/SC155 e no
Recurso Extraordinário 895.759/PE156, como demonstraram
Gediel e Mello157.
A contrarreforma trabalhista dificulta a condenação
judicial de empregadores em demandas de assédio moral. Em
matéria processual, reclamantes que gozem do benefício da
justiça gratuita poderão ter de arcar com custas processuais,
caso faltem à audiência ou sejam os perdedores da demanda,

154
BROWN, Wendy. Cidadania Sacrificial – Neoliberalismo, capital humano e
políticas de austeridade – Tradução Juliane Bianchi Leão. Pequena Biblioteca de
Ensaios. Rio de Janeiro: Zazie Edições, 2018, p. 21.
155
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargos de Declaração em Recurso Ex-
traordinário nº 590.415 Santa Catarina. Embargante: Claudia Maira Leite Eberhar-
dt. Relator: Min. Luis Roberto Barroso. Brasília. Julgado em 03/03/2016. Disponível
em <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.asp?id=308967943&ti-
poApp=.pdf>. Acesso em 08/04/2019. Brasília, 2016.
156
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravos Regimentais no Recurso Extra-
ordinário 895.759 Pernambuco. Agravante: Ministério Público Federal. Agravada:
Usina Central Olho D’Agua S/A. Relator Ministro Teori Zavaski. Brasília. Julgado
em 09/12/2016. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?-
docTP=TP&docID=12923110>. Acesso em 08/04/2019. Brasília, 2016.
157
GEDIEL, José Antônio Peres; MELLO, Lawrence Estivalet de. “Autonomia Con-
tratual e Razão Sacrificial: Neoliberalismo e Apagamento das Fronteiras do Jurídico”.
Revista Direito e Práxis, Ahead of print, Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: <ht-
tps://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/46856/32998>.
Acesso em 01 ago 2020. DOI: 10.1590/2179-8966/2020/46856.
164
COORDENAÇÃO: Marco Aurélio Serau Junior

com base nas inovações legislativas prescritas pela Lei


13.467/2017 à CLT, nos arts. 790-B, 791-A e 844, §§ 2º e 3º.
Ao refletir sobre essas alterações, Murilo Oliveira pontua
que elas instituem uma “notória contradição” e um “equívoco
técnico impressionante”, pois a contrarreforma trabalhista,
neste campo, teve o “objetivo claro de restringir o acesso à
justiça (...) [e, nesse sentido,] sequer permitiu uma reflexão
técnica na construção legislativa, prevalecendo apenas a
vontade de favorecer aos interesses patronais”158.
Quando a Organização Internacional do Trabalho
propõe que o conceito de assédio prescinda do elemento
continuidade no tempo para sua configuração, certamente
se posiciona ao lado de trabalhadores e trabalhadoras. No
campo probatório, há uma diferença significativa entre ter de
provar uma agressão ou ter de provar reiteradas agressões no
tempo. Trata-se, portanto, de uma alteração conceitual que
permite maior efetividade na reparação à agressão laboral e,
no contexto da contrarreforma trabalhista brasileira, é bem-
vinda.
A densidade protetiva, ainda assim, permanece baixa,
como mostram os casos de “prova empatada”, pela ausência
de reconhecimento da inversão do ônus probatório nessas
situações. Ainda que seja possível a produção probatória em
ações coletivas159 e defensável a aplicação da regra in dubio
158
OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. O Direito Processual do Trabalho Pós-Re-
forma e a Desconstrução do Princípio Protetivo. Revista da Faculdade Mineira de
Direito, v. 23, n. 45, p. 398 e 399.
159
CARVALHO JUNIOR, Pedro Lino de; CUNHA, Gabriele Lemos. A Prova do
Assédio Moral nas Ações Coletivas e a Reforma Trabalhista. Revista do Tribunal
Regional do Trabalho da 10ª Região, Brasília, v. 22, n. 1, 2018.
165
Assédio Moral e Sexual no Trabalho: Comentários à Convenção 190 da OIT

pro operário em matéria de prova no processo do trabalho,


este não é o entendimento majoritário. Como argumenta
Murilo Oliveira, em relação às condições de desigualdade no
processo do trabalho:

“A justificativa da aplicação é a mesma do


direito material. No processo do trabalho, o
trabalhador continua sendo hipossuficiente
além de estar normalmente desempregado, com
o agravante de precisar conseguir testemunhas.
No polo oposto, o empregador não tem tais
dificuldades, uma vez que normalmente este se
vale de seus próprios empregados que depõe
compromissadamente, mas ainda insertos no
estado de submissão ou subordinação ao seu
empregador160.

A discussão sobre a “prova empatada” é relevante, em


questões de assédio moral. A situação acontece quando não
há negligência do empregado, que se desincumbe de seu ônus
probatório e leva a juízo testemunhas de mesmo número e
credibilidade que as da parte contrária. Ao comentar a posição
de Pinho Pedreira da Silva sobre o tema, pela aplicabilidade
do in dubio pro operario nos casos de prova empatada,
Oliveira apresenta balanço da jurisprudência, para mostrar
que os Tribunais do Trabalho não têm, contemporaneamente,
adotado o entendimento protetivo161.
Nos casos de denúncia de assédio moral com base em

160
Ibidem, p. 388.
161
Ibidem, p. 389.
166
COORDENAÇÃO: Marco Aurélio Serau Junior

discriminação homotransfóbica, análise de jurisprudência


realizada por Mello162 demonstrou como o poder empregatício
camufla a violência, que é entendida como exercício legítimo
de direito. É incontornável o debate sobre a dificuldade
de prova do assédio, justamente pela desconsideração de
depoimentos de testemunhas de trabalhadores e trabalhadoras
LGBTIs, por exemplo.
Este movimento de restrição do acesso à justiça, em favor
do mercado, é acompanhado da produção de subjetividades
resilientes, como se pode examinar em documentos do
Estado brasileiro. Olhar para as políticas de regulação da
educação no Brasil, fundamental ao falar das condições de
trabalho dos professores, também é pensar sobre o projeto
de formação de trabalhadoras e trabalhadores. Como já
mencionado, a BNCC estabelece os conteúdos comuns para
a educação básica, anunciando a resiliência como uma de
suas competências gerais. O conceito aparece também entre
a finalidades do ensino médio, etapa obrigatória da educação
básica que desempenha função significativa na formação dos
jovens trabalhadores, como segue:

“(...) proporcionar uma cultura favorável ao


desenvolvimento de atitudes, capacidades e
valores que promovam o empreendedorismo
(criatividade, inovação, organização,
planejamento, responsabilidade, liderança,
colaboração, visão de futuro, assunção de

162
MELLO, Lawrence Estivalet de. Crise do contrato de trabalho e ilegalidades
expandidas. 452 f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Paraná,
2020, p. 355.
167
Assédio Moral e Sexual no Trabalho: Comentários à Convenção 190 da OIT

riscos, resiliência e curiosidade científica, entre


outros), entendido como competência essencial
ao desenvolvimento pessoal, à cidadania ativa,
à inclusão social e à empregabilidade”163.

Observa-se, primeiro, a inserção no mercado de trabalho


como objetivo declarado da política. Em seguida, destacam-
se exigências de conformação do trabalhador, centradas
no empreendedorismo, que associam o desenvolvimento
de atributos individuais à empregabilidade. A resiliência é
colocada no campo das atitudes, capacidades e valores que
constituem tal perfil de trabalhador, que identifique e crie suas
próprias oportunidades para compor sua renda, conseguir um
emprego e mantê-lo.
No campo da crítica às soluções contemporâneas ao
desemprego, Martins164 contribui para a desmistificação da
empregabilidade e do empreendedorismo como possíveis
aliados dos trabalhadores. Mesmo que os termos pareçam
responder as suas necessidades, não estão alinhados com os
seus interesses, como destaca Montaño:
“(...) estes projetos, mesmo envolvendo
termos oriundos das esquerdas, ao fundarem-
se na ideologia da autorresponsabilização
dos sujeitos, da des-responsabilização do
Estado e da desoneração do capital, são muito

163
MEC. Base Nacional Comum Curricular: Educação é a Base. Disponível em:
<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_
site.pdf>. Acesso em: 9 ago. 2020, p. 466.
164
MARTINS, Gabriel. Nem Empregabilidade, nem Empreendedorismo: crítica às
soluções contemporâneas do desemprego. In: MONTAÑO, Carlos (Org). O canto da
sereia: crítica à ideologia e aos projetos do “Terceiro Setor”. São Paulo: Cortez
Editora, 2014.
168
COORDENAÇÃO: Marco Aurélio Serau Junior

mais funcionais ao projeto de reestruturação


neoliberal, com profundas perdas de direitos
historicamente conquistados, do que para uma
emancipação sequer política, muito menos para
uma emancipação humana”.165

Invoca-se, neste contexto, o imperativo de formação


resiliente em nome de abertura e adaptação às transformações
do mercado de trabalho, marcadas pela precarização e
aumento da instabilidade e insegurança. Importa recortar que
esta perspectiva está alinhada às formulações de organizações
multilaterais, como o Banco Mundial166, a UNESCO167 e a
OCDE168, para a educação e o desenvolvimento. A educação
e a resiliência aparecem como promessa de desenvolvimento
econômico e social condicionado a mudanças de
comportamento individual, sempre para o trabalhador, como
expresso no documento da OCDE sobre desenvolvimento de
competências para o progresso social:

“(...) por meio da perseverança e do trabalho duro


os jovens com uma sólida base socioemocional
podem progredir muito mais em um mercado

165
MONTAÑO, Carlos. A constituição da ideologia e dos projetos do “Terceiro Se-
tor”. In: O canto da sereia. Crítica à ideologia e aos projetos do Terceiro Setor. São
Paulo, SP: Cortez, 2014, p. 47.
166
BANCO MUNDIAL. Estratégia 2020 para a Educação: Aprendizagem para
Todos: Investir nos Conhecimentos e Competências das Pessoas para Promover
o Desenvolvimento. 2011.
167
UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultu-
ra). JUVENTUDES E HABILIDADES. Colocando a educação em ação. Relatório
Conciso de Monitoramento Global da EPT. 2012
168
OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Es-
tudos da OCDE sobre competências: Competências para o progresso social: o
poder das competências socioemocionais. São Paulo: Fundação Santillana, 2015.
169
Assédio Moral e Sexual no Trabalho: Comentários à Convenção 190 da OIT

de trabalho altamente dinâmico e focado nas


competências. Eles têm maior probabilidade
de evitar doenças físicas e mentais controlando
seus impulsos, adotando um estilo de vida
saudável e mantendo fortes relacionamentos
interpessoais. São mais capazes de proporcionar
apoio social e de ser ativamente engajados na
sociedade e nas ações que protegem o meio
ambiente, cultivando a empatia, o altruísmo e
o afeto”.169

O sucesso em um mercado altamente dinâmico é


qualificado como responsabilidade individual, condicionado
menos à certificação profissional, do que à comprovação
competências comportamentais. Os documentos selecionados
sobre as competências socioemocionais e a resiliência de
organizações multilaterais, bem como as diretrizes para a
educação nacional referidas, são da última década. Mas no
campo das políticas internacionais, a perspectiva de educação
ao longo da vida é apresentada ainda na década de 1990, no
Relatório Delors de 1996170.
O relatório, encomendado pela UNESCO e OCDE,
define como os pilares da educação: aprender a conhecer,
aprender a fazer, aprender a conviver, aprender a ser. Os
dois últimos parecem estar no centro das políticas recentes,
direcionadas para o desenvolvimento de atributos individuais
dos trabalhadores. Avançam sobre a sua vida pessoal e

169
Ibidem, p. 27.
170
DELORS, Jacques Lucien Jean. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo:
Cortez; Brasília: MEC, UNESCO, 1998
170
COORDENAÇÃO: Marco Aurélio Serau Junior

as relações interpessoais, como se destituídas de caráter


social, para produzir consenso, responsabilizar, exigir maior
adaptabilidade.
Há um alinhamento em relação à formação da subjetividade
resiliente como parte do projeto de desenvolvimento
econômico, que age na mediação da contradição latente entre
capital e trabalho, para conter as tensões provenientes da
reposição de condições de exploração cada vez mais severas.
Parece, portanto, se contrapor a perspectiva de ampliação de
proteção e direitos laborais.
Neste sentido, a Declaração do Centenário da OIT para
o Futuro do Trabalho propõe seguir o “enfoque do futuro do
trabalho centrado nas pessoas”, no desenvolvimento de suas
capacidades para “(...) beneficiarem-se das oportunidades de
um mundo do trabalho em transição”:

“La Conferencia exhorta a todos los Miembros,


(...) a seguir desarrollando su enfoque del futuro
del trabajo centrado en las personas mediante:
A. El fortalecimiento de las capacidades de
todas las personas para beneficiarse de las
oportunidades de un mundo del trabajo en
transición, a través de: i) el logro efectivo de la
igualdad de género en materia de oportunidades
y de trato; ii) un sistema eficaz de aprendizaje
permanente y una educación de calidad para
todos; iii) el acceso universal a una protección
social completa y sostenible, y iv) medidas
efectivas para ayudar a las personas a afrontar

171
Assédio Moral e Sexual no Trabalho: Comentários à Convenção 190 da OIT

las transiciones a lo largo de su vida laboral”.171

A Conferência da OIT é ambivalente, ao combinar


“o acesso universal a uma proteção social completa e
sustentável” com “medidas efetivas para ajudar as pessoas
a enfrentar as transições ao longo de sua vida laboral”.
Oblitera que a contradição entre capital e trabalho impõe
para a ponta da proteção social a perda de direitos. Quanto
ao desenvolvimento individual impõe, com o movimento
que Ramos172 identificou como deslocamento conceitual
da qualificação à competência, a necessidade constante
de comprovar a sua adequação ao posto de trabalho, cujos
critérios oscilam, ao sabor da dinamicidade do mercado.
A resiliência, como capacidade de se adaptar a
mudanças, superar obstáculos e resistir a situações de
pressão, desempenha um papel relevante na conformação
das subjetividades em direção ao consenso quanto à divisão
social do trabalho. Guarda, portanto, relação com o próprio
movimento do capital, como na definição de Coelho:

“Pensamos que a resiliência diz respeito tanto


à capacidade de conformar a racionalidade
neoliberal junto às classes subalternas, mesmo
em situações adversas como desemprego,
precarização, informalidade e miséria, quanto

171
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Conferência Interna-
cional do Trabalho. Declaração do Centenário da OIT para o Futuro do Trabalho.
Genebra. Disponível em: <https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/--
-relconf/documents/meetingdocument/wcms_711699.pdf> Acesso em: 9 jun. 2020.
172
RAMOS, Marise Nogueira. A pedagogia das competências: autonomia ou
adaptação. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2011
172
COORDENAÇÃO: Marco Aurélio Serau Junior

à capacidade e à flexibilidade que o sistema


neoliberal tem de superar as suas crises e os
riscos, conforme presenciado durante a grave
crise de 2007-2008”.173

A precarização neoliberal das relações de trabalho se


expressa tanto no movimento de avanço do capital sobre
o trabalho quanto na conformação da subjetividade do
trabalhador. Este deve, em resumo, adequar-se a condições
de vida e trabalho crescentemente precarizadas, como
sua responsabilidade, contribuição e sacrifício para o
desenvolvimento econômico.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O crescimento da violência laboral fez nascerem


a Convenção 190 e a Recomendação 206 da OIT. Os
instrumentos internacionais recomendam pensar o assédio a
partir da potencialidade de seu dano, e não da configuração
efetiva de múltiplos atos danosos consecutivos. Em tempos
de desproteção trabalhista material e processual, o conceito
suscita questões para a formulação de políticas de diagnóstico
e combate ao assédio, em especial para entidades, movimentos
e organizações coletivas de trabalhadores e trabalhadoras.
O crescimento das agressões laborais é também
perceptível, como se desenvolveu, pela produção de
subjetividades resilientes, por meio do avanço da razão

173
COELHO, Higson Rodrigues. Formação de professores em tempos neoliberais:
crítica ao Parfor enquanto política de resiliência. Tese (doutorado) – Programa de
Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal Fluminense. 356 f. Niterói, 2017.
p. 23.
173
Assédio Moral e Sexual no Trabalho: Comentários à Convenção 190 da OIT

sacrificial no âmbito da autonomia contratual trabalhista.


Nesse sentido, o crescimento da violência não exige apenas
novos aportes conceituais, mas também ideologias que se
escondem no poder empregatício, são compreendidas como
lícitas e podem passar despercebidas no exame crítico.
Compatível com o incentivo ao sacrifício por meio do
contrato, proposta por órgãos multilaterais e já presente em
nosso ordenamento jurídico, a produção de subjetividades
resilientes faz parte de políticas adotadas pelo Estado brasileiro
para a formação de jovens para o trabalho, como a BNCC.
Transita-se, como o estado da arte da produção acadêmica da
área indica, da necessidade de qualificação profissional para
a importância do desenvolvimento de competências.
Nesses novos desenhos do futuro do trabalho, os saberes
teóricos vão para o fundo de cena e ganha protagonismo o
ensinar de “práticas” que, muitas vezes, confundem-se com
mero suportar e silenciar sobre agressões. No exercício
do poder empregatício celetista, a necessidade constante
de comprovar adequação ao posto de trabalho se revela
como abusivo manejo da subjetividade de trabalhadores e
trabalhadoras, em prol do capital.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Raíssa Roussenq. Entre o silêncio e a negação:


trabalho escravo contemporâneo sob a ótica da população
negra. Belo Horizonte: Ed. Letramento, 2018.
ANTUNES, Ricardo. O Privilégio da Servidão: um

174
COORDENAÇÃO: Marco Aurélio Serau Junior

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Boitempo, 2018.
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Aprendizagem para Todos: Investir nos Conhecimentos
e Competências das Pessoas para Promover o
Desenvolvimento. 2011.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravos Regimentais
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Agravante: Ministério Público Federal. Agravada:
Usina Central Olho D’Agua S/A. Relator Ministro Teori
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Declaração em Recurso Extraordinário nº 590.415 Santa
Catarina. Embargante: Claudia Maira Leite Eberhardt.
Relator: Min. Luis Roberto Barroso. Brasília. Julgado em
03/03/2016. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/
processo/verProcessoPeca.asp?id=308967943&tipoApp=.
pdf>. Acesso em: 8 abr. 2019. Brasília, 2016.
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capital humano e políticas de austeridade – Tradução
Juliane Bianchi Leão. Pequena Biblioteca de Ensaios. Rio de
Janeiro: Zazie Edições, 2018.
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Ensaio de interpretação Sociológica. São Paulo: Globo,
2005.
175
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CARVALHO, Maria Regina Viveiros. Perfil do Professor da
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resiliência. Tese (doutorado) – Programa de Pós-Graduação
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Vasconcellos; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de; PIRES,
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