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85 | janeiro/fevereiro - 2016
Belo Horizonte | p. 1-119 | ISSN 1676-6962
Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA
Fórum de
Direito Urbano e Ambiental
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Aline Oliveira Mendes de Medeiros Dilermando Gomes de Alencar João Emmanuel Cordeiro Lima
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Álvaro Borges de Oliveira Diogo Leal Braga João Ricardo Ferreira dos Santos
Alvaro Uribe Dionisio Fernández de Gatta Sánchez João Vidal da Cunha
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Ana Luiza Paiva Pimenta da Rocha Edson de Oliveira Braga Filho José Neira Rizzo
Ana Paula Castelo Branco Costa Edson Ferreira de Carvalho José Ourismar Barros
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Anderson Avelino de Oliveira Santos Eduardo Luiz Santos Cabette José Varella
Anderson Luiz Martins de Moura Elcio Nacur Rezende Joseane da Silva Almeida
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André Luís Vieira Elis Cristina Fiamengue Juan Felipe Pinilla Pineda
André Luiz Lopes Elisângela de Fátima Marques Juan Francisco Trinchitella
André Trigueiro Élisson Cesar Prieto Juan Luciano Scatolini
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Antônio Souza Prudente Erivaldo Moreira Barbosa Jussara Maria Pordeus e Silva
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Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy Evandro Martins Guerra Kelly Cristina Silva
Arthur Mendes Lobo Evandro Vieira Ouriques Kesley Barbosa
Arthur Soffiati Evian Elias Lara Caroline Miranda
Arturo Mejía Granizo Fábio Ferreira Morong Larissa de Oliveira Santiago Araújo
Augusto César Leite de Resende Fábio Márcio Piló Leandro Eustaquio de Matos Monteiro
Bárbara Cristina de Oliveira Santos Fagner Vilas Boas Souza Leandro Moreira Barra
Bárbara Quintão Moreno Felipe Neves Linhares Leonardo Bedê Lotti
Barbara Unmüßig Fernanda Carolina de Lima Manna Leonardo dos Santos da Silva
Betânia Alfonsin Fernanda Manna Oliver Letícia Nunes Sampaio
Bethânia Rezende Fernando S. Marcato Liciane Almeida
Betina Günther Silva Flávia de Sousa Marchezini Lígia Maria Silva Melo de Casimiro
Bruna Luisa Capellini Vilela Flávio Ahmed Lilian Maria Ferreira Marotta Moreira
Bruna Simão de Andrade Flávio José Nery Conde Malta Litiane Cipriano Barbosa Lins
Bruno Albergaria Floriano de Azevedo Marques Neto Lucas Azevedo de Lima
Bruno Campos Silva Francelino Sczanoski de Jesus Jr. Lúcia Penna Franco Ferreira
Bruno Mattos e Silva Francine F. B. Cavalcanti Luciana de Campos Maciel
Bruno Rios Monteiro Francisco de Salles Almeida Mafra Filho Luciana Franco de Melo
Bruno Rocha Nagli Francisco Seráphico da Nóbrega Coutinho Luciana Vieira Dallaqua Vinci
Cacilda Lopes dos Santos Gabriela Gonçalves Barbosa Luciane Almeida
Camila Gonçalves de Mario Georges Louis Hage Humbert Luciano dos Santos Diniz
Camila Maia Pyramo Costa Geórgia Karênia Rodrigues Martins de Melo Luciano José Alvarenga
Camila Silva de Amorim Gina Copola Lucíola Maria de Aquino Cabral
Camila Simoni Junqueira Gláucio Attorre Penna Luis André de Araújo Vasconcelos
Carlos Alberto Arikawa Gleina Oliveira de Assis Luis Enrique Hernández Ponce
Carlos de Faria Coelho de Sousa Gracielle Carrijo Vilela Luisa Braga Cançado Ferreira
Carlos Henrique Carvalho Amaral Guilherme Wagner Ribeiro Luiz Alberto Souza
Carlos Pinto Coelho Motta (in memoriam) Guineverre Alvarez Machado de Melo Gomes Luiz Carlos Figueira de Melo
Carlos Sérgio Gurgel da Silva Gustavo Alexandre Magalhães Luiz Claudio Pires Costa
Carolina L. M. de Castro Gustavo Guido Rodrigues Luiz Ernani Bonesso de Araújo
Caroline Sampaio de Almeida Hamilton Antônio Coelho Luiz Fernando Roberto
Célio Rodrigues da Cruz Hebert Figueiró de Lourdes Luiza Guerra Araújo
Cirino Adolfo Cabral Neto Helena Dolabela Pereira Luz Marina Toro Vegas
Clara E. Salazar Helena Mata Machado de Castro Manoel Nascimento de Souza
Clarissa Ferreira de Melo Mesquita Helena Telino Neves Godinho Manoel Paulo de Oliveira
Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira Helita Barreira Custódio Marcela Albuquerque Maciel
Cláudia Ferreira de Souza Henrique Ribeiro Afonso Domingos Marcelo Adriano Micheloti
Claudia Lopes Borio Hidely Fratini Marcelo Azevedo de Paula
Cláudio Grande Júnior Hildebrando Herrmann Marcelo Vieira Rabelo de Freitas
Cláudio Pereira de Souza Neto Huber Ernesto Palma Urrutia Márcio Mattos Borges de Oliveira
Cleucio Santos Nunes Isabel Viana Márcio Pina Marques
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Fabrício Motta
Toshio Mukai
Coordenação Científica
DOUTRINA
ARTIGOS
Veículos elétricos: em busca de um novo paradigma de sustentabilidade para o trânsito viário terrestre
Eduardo Luiz Santos Cabette, Regina Elaine Santos Cabette, Pâmely Tieme Taneguchi, Waléria Cristina Alves dos Santos ............9
A violação aos direitos fundamentais de segunda dimensão como fator de degradação ambiental
Luciana Vieira Dallaqua Vinci ...................................................................................................................................................24
Decisão do S.T.F. sobre condomínios deitados. Basta que tais empreendimentos sejam compatíveis com as
diretrizes fixadas no plano diretor
Toshio Mukai...........................................................................................................................................................................48
JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA
ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA
EMENTÁRIO
TENDÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS
LEGISLAÇÃO
INFORMATIVO DE LEGISLAÇÃO ...................................................................................................................................... 117
Resumo: Este trabalho apresenta as conclusões do Grupo de podendo-se destacar as leis da Ação Civil Pública
Trabalho formado por ocasião do evento intitulado Da tragédia à
incerteza: o caso da barragem de Mariana-MG, organizado pelo
(7347/1985) e de crimes ambientais (9605/1998).
Centro de Tecnologia Mineral – CETEM/UFRJ, em dezembro de Contudo, infelizmente, essas normas jurídicas
2015. O Grupo de Trabalho reunido teve como objetivo apontar pouco influenciam as práticas coorporativas e esta-
as principais questões jurídicas relativas ao desastre envolvendo
a Samarco, ocorrido em novembro do mesmo ano. Este artigo/ tais. No caso da empresa Samarco, administrativa-
relatório possui as conclusões preliminares do grupo, a partir mente, a mesma estava licenciada, resguardada da
das informações e dados já existentes e disponíveis aos quais
os autores tiveram acesso. Trata-se de uma reflexão inicial,
demora na apreciação do pedido de renovação em
mas consistente, capaz de fomentar debates muito importantes razão de ter feito o requerimento dentro do prazo de
sobre a citada tragédia. antecedência estabelecido na legislação.
Ocorre que o órgão ambiental não conseguiu
examinar a documentação, nem tão pouco, avaliar
A tragédia ocorrida no início do mês de novem- os vários aspectos envolvidos do pedido de reno-
bro no Estado de Minas Gerais, cujos danos alcan- vação, de 2013. Este caso reforça, neste ponto,
çaram diversos municípios desse Estado e também o quadro geral dos órgãos (ex. secretarias munici-
do Espírito Santo, revela o quanto nosso Direito pais e estaduais) e entidades (ex. autarquias, fun-
Ambiental está negligenciado em sua prática.
dações) voltados para o controle e a fiscalização
Muitos estudiosos em todo o mundo conside-
ambientais de atividades: não existem recursos
ram nossa legislação e nossa Constituição como
humanos e materiais suficientes para conduzir o
das mais avançadas do planeta. O texto mais im-
licenciamento, fiscalizar, monitorar e produzir infor-
portante do nosso ordenamento jurídico consagra
mações, cuidar de áreas protegidas (ex. Unidades
do direito ao meio ambiente equilibrado como di-
de conservação), etc.
reito fundamental (art. 225), estabelece a defesa
Sem concursos públicos regulares, cada vez
do ambiente como princípio da ordem econômica
mais esses órgãos e entidades precisam contar
(art. 170, VI), prevê parâmetros para o cumprimento
com pessoas que exercem cargos em comissão,
da função socioambiental da propriedade (arts. 182
sem a estabilidade de um servidor estatutário ou de
e 186) e consagra instrumentos para a sua prote-
um empregado público – necessária para amenizar
ção como a Ação Popular (art. 5º, LXXIII) e a Ação
as pressões políticas que, com frequência, recaem
Civil Publica (art. 129) e o Estudo Prévio de Impacto
sobre as pessoas que trabalham com o tema.
Ambiental (art. 225, §1º, IV).
O resultado disso é que o licenciamento, que
No plano infraconstitucional, diversas são as
Políticas Nacionais aprovadas na forma de Lei para concentra, na prática, outros instrumentos como as
concretizar as obrigações do poder público e da co- avaliações de impacto, cada vez mais tramita como
letividade na tutela ambiental. Sem querer aqui es- uma etapa meramente burocrática, sendo impulsio-
gotar todos os exemplos, podemos citar as leis que nado pelo empreendedor e “acompanhado” pelo
aprovaram as políticas nacionais de meio ambien- Estado.
te (6938/981), recursos hídricos (9433/1997), No caso da Samarco, é ilustrativo o fato de que
unidades de conservação (9985/2000), mudan- a empresa não possuía um Plano de Emergência
ças climáticas (12187/2009), resíduos sólidos para o caso de acidente na barragem, obrigató-
(12305/2010). Outro grupo de leis disciplina ins- rio desde a aprovação da Política Nacional de
trumentos importantes para a tutela ambiental, Segurança de Barragens (Lei 12334/2010) e que
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deveria ter sido considerada pelo Estado de Minas haver rejeitos da Vale na barragem da Samarco, re-
Gerais quando da análise da renovação da Licença, lação esta estabelecida contratualmente por ambas
requerida em 2013. Mesmo sem a avaliação deste as empresas em 1989 por prazo indeterminado faz
pedido, o Estado de Minas Gerais analisou e apro- necessário avaliar a origem dos rejeitos e a obriga-
vou, em procedimento separado, a concessão de ção da Vale de responder de forma solidária, como
uma licença contemplando as fases de localização poluidora indireta.
e instalação (LPI) para a união das duas barragens Ao contrário do que defendem alguns, a Admi-
de rejeitos: Germano e Fundão. Tal fato revela o nistração Pública não é uma seguradora universal
quanto muitas análises de casos importantes são da atividade econômica. Desejar que o Estado ban-
feitas de forma isolada e descontextualizada, pre- que o estrago é querer lesar a coletividade duas
judicando a avaliação dos impactos e das medidas vezes: a primeira quando da ocorrência do dano am-
mitigatórias e compensatórias necessárias. biental, a segunda com a lesão aos cofres públicos.
Ou seja, todo o caráter preventivo do direito Impende dizer que a Constituição Federal
ambiental e de seus instrumentos simplesmente foi dispõe sobre a responsabilidade ambiental das
anulado por uma série de negligências do empreen- atividades econômicas de maneira geral, sendo a
dedor e do órgão ambiental. Em razão disso, por mineração o único segmento econômico tratado à
exemplo, os rejeitos das atividades de mineração parte, haja vista o que determina o §2º do art. 225:
percorreram praticamente 700 quilômetros, dani- “Aquele que explorar recursos minerais fica obriga-
ficando seriamente não apenas o Rio Doce, mas do a recuperar o meio ambiente degradado, de acor-
todo o ecossistema marinho da foz do rio, uma área do com solução técnica exigida pelo órgão público
de reprodução de espécies marinhas, e justamente competente, na forma da lei”. O comum é que a
num período em que várias delas se reproduzem. degradação causada por essa atividade seja muito
É evidente que cabe à Samarco arcar com to- intensa, embora não atinja grandes extensões ter-
dos os gastos relacionados à degradação causada ritoriais – quando comparado, por exemplo, com a
pelo rompimento de sua barragem de rejeitos, seja agricultura ou a pecuária. Infelizmente, não foi isso
com compensação, indenização ou recuperação. que ocorreu nesse caso, cuja abrangência ainda de-
A responsabilidade civil em matéria ambiental no morará a ser identificada.
Brasil é objetiva, de maneira que o empreendedor O dispositivo busca disciplinar casos em que
assume integralmente o risco pela degradação a os danos ambientais são irreversíveis em razão da
ser causada. Isso implica dizer que os prejuízos própria natureza da atividade minerária. Por exem-
com os gastos da Defesa Civil, da interrupção do plo, uma montanha de minério exposto, após ser
abastecimento público e da perda do trabalho dos explorada, provavelmente deixará de existir, não
pescadores, por exemplo, devem ser pagos pelos sendo possível reconstituí-la. Como toda exceção,
empreendedores que lucram com a atividade. a norma do citado parágrafo deve ser interpretada
Ao receber a licença ambiental o empreende- de forma restrita.
dor se compromete a obedecer as condicionantes Se o sujeito se embriaga, dirige a acaba atro-
e a legislação, uma vez que nenhum ato adminis- pelando e matando alguém, a condenação por ho-
trativo é ilimitado. Se a ausência de fiscalização micídio doloso é praticamente certa hoje em dia.
adequada eximisse a responsabilidade, dificilmente Uma empresa mineradora não toma as medidas
algum infrator sofreria qualquer punição neste ou preventivas mínimas necessárias e termina causan-
em outros países, posto que o sistema de coman- do um desastre ecológico sem proporções no país
do e controle costuma falhar. Por fim, é bom lem- e no mundo, gerando também dezenas de mortes.
brar que a responsabilidade civil nessa matéria é A diferença entre um caso e outro é que o desastre
objetiva e integral, de maneira que o empreendedor da Samarco foi muito mais grave e muito mais irres-
responderá pelo dano ainda que tenha cumprido ponsável. É claro que já se sabia que a barragem
fielmente o licenciamento ambiental. estava prestes a se romper, bem como é claro que
Outra característica da responsabilidade civil já se sabia que no caso de rompimento o estrago
em matéria ambiental no Brasil é a solidariedade ambiental e humano seria sem fim! Se o crime não
entre os agentes de determinada cadeia produtiva, foi premeditado, ao menos se assumiu o risco de
cujos atos estão relacionados direta e indiretamen- causar a morte de pessoas, do rio e de todo um
te à lesão ambiental. Por exemplo, no desastre en- ecossistema.
volvendo uma transportadora de cargas perigosas Se fosse uma empresa sem fortes ramifica-
(poluidora direta), pode-se exigir o dano da empresa ções políticas é evidente que o seu diretor e demais
proprietária do produto (poluidora indireta), ligada à responsáveis a essa altura já estariam presos, ain-
primeira por um vínculo contratual sem o qual não da que o dano fosse menor. O que se vê, no en-
existiria o cenário trágico. Nessa linha, o fato de tanto, é o tratamento excessivamente cuidadoso de
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políticos da situação e da oposição. O assunto tam- teve como uma de suas causas a ocupação irregu-
bém é tratado de forma suavizada pela maior parte lar de áreas de preservação permanente, espaços
da grande mídia, que desde o começo procurou des- territoriais especialmente protegidos, em regra, não
vincular as óbvias conexões empresarias ao chamar ocupáveis, foi aprovado, às vésperas da Rio+20,
o caso de “acidente” de Mariana. Contudo, a situa- um novo código (Lei 12651/2012) que fragiliza de
ção tem nome e sobrenome: o nome é Samarco e forma considerável a proteção dessas áreas, igual-
o sobrenome é Vale e BHP, suas proprietárias! Não mente importantes para a segurança das popula-
se entende porque se fala em lama e não em rejeito ções e para a garantia do ciclo natural da água.
tóxico, ou pelo menos em lama tóxica, na grande Neste momento, mesmo após a tragédia de
mídia. Mariana, tramitam nas esferas estadual e federal
É evidente que houve falha de fiscalização sim projetos de leis extremamente preocupantes. Em
no caso do desastre da Samarco, o que deve neces- Minas Gerais, mesmo com o desastre da Samarco
sariamente ser apurado e punido. Isso diz respeito e as falhas apontadas no licenciamento, tramita o
aos órgãos de controle em todos os níveis, seja fe- PL 2946/15, que tem como objetivo abreviar, agi-
deral, estadual ou municipal, uma vez que fiscalizar lizar o licenciamento ambiental, encurtando os pra-
é ato de responsabilidade comum. Entretanto, a Lei zos para a concessão de licenças.
Complementar n. 140/2011 estabelece (no art. 8º, Já na esfera Federal, tramita em regime de ur-
XIII, XIV e XV) que o primeiro e principal é o órgão gência o Projeto de Lei 654/15, que pode fragilizar
ambiental do Estado de Minas Gerais, que é a FEAM ainda mais o instituto do licenciamento ambiental.
– Fundação Estadual do Meio Ambiente. Os agen- O referido projeto vai na contramão da história, pois
tes públicos poderão e deverão ser punidos pela enfraquece o instrumento de gestão ambiental mais
omissão tanto no âmbito administrativo quanto cri- importante da legislação brasileira e consequente-
minal, afora a questão da improbidade administrati- mente torna o país mais vulnerável a desastres am-
va. Contudo, é importante deixar claro que isso não bientais.
diminui em nada a responsabilidade da empresa, Também tramita no Congresso um novo marco
que tem a obrigação de cumprir a lei independente- para as atividades de mineração e outros projetos
mente de estar sendo fiscalizada ou não. de lei que não incorporam da forma devida as preo-
Sem prejuízo da obrigação de reparar os da- cupações ambientais. O referido projeto cria um rito
nos, a Constituição Federal prevê no §3º do art. mais célere (sumário) de Licenciamento Ambiental
225 que os atos lesivos sujeitarão o autor às san- para empreendimentos de infraestrutura, obras es-
ções administrativas e penais. No que tange às tratégicas e de interesse nacional. Retirou-se da
sanções administrativas, estas devem obedecer o proposta os empreendimentos que explorem recur-
critério da prevalência das multas impostas pelo ór- sos naturais. Mesmo que essa expressão não retor-
gão licenciador. Não obstante, sabe-se da aplicação ne ao texto, existe a possibilidade de as empresas
de multas nas esferas estadual e federal, o que mineradoras se beneficiarem do procedimento de
não é compatível com os artigos 7º, 8º e 17 da Lei Licenciamento Ambiental em rito sumário, tendo
Complementar 140. em vista que poderão ser consideradas como obras
Na esfera penal, devem ser investigados os estratégicas, de infraestrutura e de interesse na-
indícios de crimes ambientais praticados pela cional. Portanto, bastam as expressões que atual-
Samarco e seus dirigentes, ao não adotar as me- mente constam no projeto de lei para beneficiar as
didas necessárias à mitigação do risco e causar empresas mineradoras.
danos ambientais qualificados pela interrupção do Outro ponto negativo do PL 654 é quanto à
abastecimento de água em diversas cidades, pelo deliberação favorável concedendo a licença ambien-
prejuízo significativo à reprodução de espécies pre- tal quando os prazos estipulados para os órgãos
sentes no Rio Doce e em sua foz, dentre outros. competentes não forem respeitados. Assim abre-se
Também deve-se apurar rigorosamente os indícios uma brecha para aprovação de empreendimentos
de delitos penais praticados pelo órgão ambiental nocivos para o meio ambiente em caso de ineficiên-
e seus técnicos, negligentes no caso, bem como cia dos órgãos públicos. É público e notório a falta
pelas empresas que possam ter elaborado dados de servidores e infraestrutura desses órgãos. Sendo
falsos ou incompletos, tudo de acordo com os crité- assim, com a previsão de prazos mais curtos, a pos-
rios e tipos penais da Lei 9605/1998. sibilidade do não cumprimento da análise de toda
Mas o quadro pode e tende a piorar! Nem a documentação apresentada pelo empreendedor é
mesmo as maiores tragédias ambientais sensibili- enorme na grande maioria dos casos.
zam as práticas e políticas dos poderes executivo São as grandes obras que mais exigem análise
e legislativo no Brasil. Por exemplo, um ano após a criteriosa multidisciplinar, debates com a população
tragédia da Região Serrana do Rio de Janeiro, que por meio das audiências públicas e a concessão
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– uma manifestação clara recomendando a FARIAS, Talden. A atividade minerária e a obrigação de recuperar
a área degradada. Revista de Direito Ambiental, n. 79, ano 20,
apuração na esfera civil da Samarco e da Vale, esta p. 157-187. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
última enquanto poluidora indireta, de todos os da-
FARIAS, Talden. Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e
nos, diretos e indiretos, causados na tragédia; bem práticos. 5. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015.
como a investigação criteriosa de todos os indícios IBAMA. Mineradora Samarco é multada em R$ 250 milhões de
de crimes ambientais apontados acima; reais por catástrofe ambiental. Disponível em: <http://www.
– uma manifestação oficial e veemente con- ibama.gov.br/publicadas/samarco-e-multada-em-r250-milhoes
-por-catastrofe-ambiental>.
tra os PLs 654/15 e 2946/15 (MG), dentre outros
SEMADE. Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desen-
projetos de lei que tramitam no Congresso e nas as- volvimento Sustentável. Semade aplica multa à Samarco.
sembleias legislativas com o objetivo de enfraque- Disponível em: <http://www.meioambiente.mg.gov.br/noticias/
cer a legislação ambiental, por exemplo, abreviando 1/2730-semad-aplica-multa-a-samarco>.
os prazos e as exigências do licenciamento ao invés TINOCO, Dandara. Licenciamento de barragem em Mariana está
vencido há dois anos. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/
de fortalecer a estrutura deficitária dos órgãos e en- brasil/licenciamento-de-barragem-em-mariana-esta-vencido-ha-
tidades ambientais; dois-anos-18022460>.
– uma manifestação recomendando ao Estado VALE, João Henrique do. Governo de Minas embarga licença da
brasileiro que incorpore em sua Agenda Brasil a con- Samarco em Mariana. Disponível em: <http://www.em.com.
br/app/noticia/gerais/2015/11/09/interna_gerais,705964/
tratação de servidores e a obtenção dos recursos governo-de-minas-embarga-licenca-da-samarco-em-mariana.
materiais necessários para que os órgãos ambien- shtml>.
tais possam desempenhar suas funções de forma
satisfatória. Ainda, deve-se propor que sejam incor-
porados, especialmente nas entidades (ex. autar-
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002
quias) mecanismos capazes de preservar o trabalho da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):
técnico de pressões políticas, a exemplo do que
Breves e iniciais apontamentos sobre a tragédia da Samarco.
ocorre com as Agências Reguladoras. AVZARADEL, Pedro Curvello Saavedra; COUTINHO, Isabela
Precisamos efetivar a legislação existente e Esteves Cury; FARIAS, Talden Queiroz. Fórum de Direito Urbano
não torná-la mais fraca. Por detrás da suposta agili- e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 15, n. 85, p. 31-34,
jan./fev. 2016.
dade nos licenciamentos crescem a negligência nas
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