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DIREITO AMBIENTAL – TEORIA & DEBATE – ANO I – VOL.

I – ISBN 978-65-990226-0-9

Direito Ambiental – Teoria & Debate

Ano I

Volume I

Março de 2020

Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil

Org. por Guilherme Purvin e Magno Neves

APRODAB - Março/ 2020


Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil

Direito Ambiental – Teoria & Debate é uma publicação da Associação dos

Professores de Direito Ambiental do Brasil - APRODAB

www.aprodab.org.br

Ano I – Vol. 1 - Março de 2020 - 2ª Edição (revisada)

Organização: Guilherme Purvin (Graduado em Direito e em Letras - USP. Doutor em


Direito Ambiental - USP. Professor de Direito Ambiental. Advogado e Escritor.
Coordenador Geral da APRODAB) e Magno Neves (Advogado Especializado em
Direito Ambiental, Conselheiro do Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA
e do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente – FNMA)

ISBN 978-65-990226-0-9

Autores:

 ERALDO JOSÉ BRANDÃO - Pesquisador do Direito Ambiental e do Acesso à


Justiça. Doutorando em Direito pela Universidade Estácio de Sá (UNESA). Mestre em
Direito pela Universidade Gama Filho (2010). Especialista em Gerenciamento
Ambiental pela Unigranrio. Graduado em Direito pela Universidade Gama Filho
(1988). Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Ambiental na Escola de
Magistratura do Estado do Rio de Janeiro- EMERJ. Professor de Direito Processual
Civil e Teoria Geral do Processo na Universidade Estácio de Sá. Professor EAD das
disciplinas relacionadas ao Direito Processual Civil da Universidade Estácio de Sá.
Professor do Curso de Pós-graduação em Direito Ambiental da Escola de
Administração Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - ESAJ.
Coordenador de TCC do Campus Niterói, Curso de Direito, Estácio. Membro associado
da APRODAB – Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil. Advogado
atuante na área de Direito Ambiental, principalmente com os seguintes temas:
desenvolvimento sustentável, responsabilidade socioambiental e Acesso à Justiça. Autor
e articulista.
 GUILHERME PURVIN – Doutor e Mestre em Direito pela USP. Graduado em
Direito e em Letras (USP). Coordenador do Grupo de Pesquisas sobre Ecocrítica
Literária e Direito Ambiental. Professor Convidado de Direito Ambiental dos Cursos de
Pós-Graduação da PUC-Rio e da PUC-SP, da Escola Superior de Advocacia Pública da
PGE-SP e da Escola Paulista de Magistratura. Advogado e Escritor. Coordenador Geral
da APRODAB e Presidente Honorário do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública.
Autor, dentre outras obras, de “Curso de Direito Ambiental” (6ª Ed., RT-Thomson
Reuters), “A Propriedade no Direito Ambiental” (4ª Ed,, RT-Thomson Reuters) e
“Direito Ambiental e a Saúde dos Trabalhadores” (2ª Ed., LTr).
 JOSÉ RENATO NALINI - Desembargador aposentado do TJSP, que presidiu entre
2014/2015, integrou a Câmara Ambiental e escreveu “Ética Ambiental”, 4ª ed., RT-
Thomson Reuters.
 MARCELO DOS SANTOS GARCIA SANTANA - Pesquisador do Direito à Cidade,
movimentos sociais e cidadania. Doutorando em Direito pelo PPGD Estácio/RJ,
concentrado em Direitos Fundamentais e Novos Direitos (desde março de 2017). Mestre
em Direito/Teoria do Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos/MG,

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concentrado em Hermenêutica e Direitos Fundamentais - pessoa, direito e concretização


dos direitos humanos no contexto social e político contemporâneo (2014). Pós-graduado
em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá/RJ (2008). Atualmente é professor
do Curso de Graduação em Direito nas disciplinas relacionadas ao Direito Ambiental e
ao Direito Constitucional, com ênfase em Ciência Política, Filosofia Política,
Hermenêutica, Processo e Jurisdição Constitucional, além das disciplinas relacionadas
ao Direito Internacional, atuando também como docente nos Cursos de Pós-Graduação
nas mesmas áreas do conhecimento (Universidade Estácio de Sá e Centro Universitário
São José), professor convidado do Curso de Graduação em Direito - IBMEC/RJ e
professor convidado do Curso de Pós-Graduação do Centro Universitário Celso Lisboa.
Coordenador do Curso de Direito do Campus Ilha do Governador e Coordenador do
Núcleo de Práticas Jurídicas/NPJ, Campus Alcântara, Universidade Estácio de Sá/RJ.
Membro do Corpo Editorial dos Seminários de Pesquisa e das Jornadas de Iniciação
Científica da Universidade Estácio de Sá. Consultor jurídico.
 MARCELO GOMES SODRÉ - Formado em Direito (PUC/SP) e Filosofia (USP),
professor da graduação e pós-graduação da PUC/SP.
 MÁRIO ROBERTO ATTANASIO JUNIOR - Doutor em Filosofia e Teoria Geral do
Direito pela FDUSP; Mestre em Ciências da Engenharia Ambiental pela EESC-USP;
Advogado formado pela Universidade Mackenzie e Bacharel em Filosofia pela USP.
Professor de Direito Ambiental da Universidade Federal de São Paulo, Unifesp.
 RENATA RODRIGUES DE CASTRO ROCHA - Doutora e Mestre em Ciência
Florestal pela Universidade Federal de Viçosa – UFV, Minas Gerais. Professora
Adjunta do curso de Direito da Universidade Federal do Tocantins - UFT. E-mail:
renatarocha@uft.edu.br
 RENATO BRAZ MEHANNA KHAMIS - Graduado em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Doutor em Direito do Estado pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Professor do Curso de Especialização em Direito
Constitucional da PUC-SP (2008/atual). Professor do Curso de Especialização em
Direito Constitucional da Escola Superior da Advocacia do Mato Grosso do Sul -
ESA/MS (2008/2009). Professor Convidado do Curso de Especialização em Direitos
Humanos da UNITINS (2009). Professor do Curso de Graduação em Direito da
Universidade Católica de Santos (2012/2016). Professor do Curso de Graduação em
Direito da Universidade Santa Cecília (2012/atual). Professor do Programa de Pós-
Graduação Stricto-Sensu, Mestrado em Direito à Saúde, da Universidade Santa Cecília
(2016/atual). Visiting Professor na Nicolaus Copernicus University, Polônia (2017).
 RICARDO ANTONIO LUCAS CAMARGO - Possui doutorado em Direito pela
Universidade Federal de Minas Gerais. Foi bolsista do CNPq entre 1989 e 1992, quando
deixou de perceber bolsa em virtude de haver assumido cargo público. Professor
permanente do Curso de Pós-Graduação junto à Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul desde 2014. Procurador do Estado do Rio Grande do Sul.
Foi Presidente do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública - IBAP
 SUYENE MONTEIRO DA ROCHA - Doutora em Biodiversidade e Biotecnologia -
BIONORTE/UFAM. Mestre em Ciências do Ambiente - UFT. Professora Adjunta no curso de
Direito da Universidade Federal do Tocantins. Coordenadora do grupo de pesquisa CNPq:
Políticas Públicas Ambientais e Sustentabilidade. E-mail: suyenerocha@uft.edu.br.
 THEMIS ALINE CALCAVECCHIA DOS SANTOS - Socióloga, advogada, membro
da APRODAB.

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Direito Ambiental – Teoria & Debate – Volume I - Sumário:

1. Apresentação ......................................................................................................... 6

2. - Tutela Ambiental internacional e Sistema Interamericano: norma internacional,

diálogos políticos e poder na atuação da Comissão de Direitos Humanos no caso

Belo Monte - ERALDO JOSÉ BRANDÃO E MARCELO DOS SANTOS GARCIA

SANTANA................................................................................................................8

3. - Interesse público ambiental e fato consumado - GUILHERME PURVIN ............. 40


4. - A impotência do discurso - JOSÉ RENATO NALINI ........................................... 55

5. - Michel Serres: O otimista combatente e o contrato natural - MARCELO GOMES

SODRÉ ..................................................................................................................61

6. - A função promocional do Direito Ambiental: Políticas Públicas e Sanções


Positivas - MÁRIO ROBERTO ATTANASIO JUNIOR ...............................................72
7. - O tabuleiro internacional e as novas regras do jogo: Governança ambiental x

Proselitismo político - RAFAEL ANTONIETTI MATTHES ....................................102

8. - Revisitando o Relatório Brundtland à luz da Encíclica Laudato Sí e e do

princípio da responsabilidade de Hans Jonas - RENATA RODRIGUES DE CASTRO

ROCHA E SUYENE MONTEIRO DA ROCHA ........................................................... 135

9. - Ecoética e hermenêutica eco-jurídica: a formulação de uma hipótese -


RENATO BRAZ MEHANNA KHAMIS ....................................................................157
10. - A “natureza das coisas” contra a natureza: o meio ambiente tornado

irrelevante em nome da liberdade de mercado - RICARDO ANTONIO LUCAS

CAMARGO ..........................................................................................................165

11. - Marchando para o desmonte - THEMIS ALINE CALCAVECCHIA DOS SANTOS . 174

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Apresentação

A Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil - APRODAB - é

uma associação civil sem fins lucrativos e econômicos e sem finalidades corporativas,

sindicais, religiosas ou político-partidárias, com sede na cidade de São Paulo e que tem

por missão institucional a luta pela implementação do ensino obrigatório de Direito

Ambiental como disciplina autônoma nos cursos de graduação de todas as Faculdades

de Direito do país e velar pela sua qualidade. Ademais, a APRODAB busca promover o

congraçamento e o intercâmbio de informações entre professores de Direito Ambiental

do Brasil e do mundo, sob as bases da defesa rigorosa da proteção do meio ambiente

brasileiro e do continente sul-americano, incentivar a formação de grupos de pesquisa

sobre direito ambiental e o intercâmbio entre estes e promover e apoiar eventos

científicos voltados ao estudo do Direito Ambiental no Brasil e no mundo.

Direito Ambiental – Teoria & Debate é uma nova série de e-books da

Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil - APRODAB voltada à

indagação filosófica, política e sociológica sobre o papel, os limites e as potencialidades

do Direito Ambiental diante do quadro socioeconômico e politico atual no Planeta

Terra.

Neste primeiro volume da série, buscamos responder às seguintes indagações: o

Direito Ambiental que sonhamos desde Estocolmo/72 e, com maior intensidade, a partir

da Rio/92, ainda teria algum significado prático? Parafraseando Dworkin, devemos

levar a sério o Direito Ambiental? Até que ponto sua aplicação transcende o plano

meramente enunciativo e linguístico, efetivando-se na realidade física planetária? Qual

é o papel da Advocacia Ambiental, da Magistratura e do Ministério Público num quadro

de concentração extremada do poder político e econômico?

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Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil

Os artigos aqui veiculados são inéditos e têm uma perspectiva

preponderantemente filosófica / econômica / ecológica / sociológica, não se destinando

à análise de normas vigentes pura e simplesmente. Para este fim, já dispomos de farta

produção editorial, inclusive da própria APRODAB. Aqui, o foco é um horizonte mais

amplo e a perspectiva teórica é questionadora.

Os professores que ainda não integram os quadros da APRODAB são convidados

a ingressarem em nossa associação: www.aprodab.org.br.

São Paulo, fevereiro de 2020

Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil

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- Tutela Ambiental internacional e Sistema Interamericano: norma internacional,

diálogos políticos e poder na atuação da Comissão de Direitos Humanos no caso Belo

Monte -

ERALDO JOSÉ BRANDÃO E MARCELO DOS SANTOS GARCIA SANTANA

Resumo

Utilizando referenciais teóricos e metodológicos da Teoria Crítica, este texto

estabelece um panorama geral acerca da relação entre meio ambiente e direitos humanos, na

perspectiva do Direito Internacional, a partir da análise das decisões da Comissão

Interamericana de Direitos Humanos, considerando as denúncias levadas ao Sistema

Interamericano de Direitos Humanos no caso da hidrelétrica Belo Monte e as inflexões

políticas que foram empregadas na atuação da CmIDH e suas manifestações sobre a questão.

Por meio da construção e desconstrução de categorias teóricas próprias da Teoria

Tradicional do Direito, o texto propõe, em atenção ao caso Belo Monte, necessários giros

teóricos e epistemológicos para compreensão do fenômeno jurídico no campo internacional,

na área da normatividade, como instrumento que compõe a sociabilidade capitalista.

Palavras-chave: desenvolvimento sustentável; direitos humanos; Sistema

Interamericano de Direitos Humanos; Belo Monte; fetichismo.

Introdução

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Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil

O presente texto tem por objetivo discutir a relação entre os direitos humanos, o meio

ambiente ecologicamente equilibrado e a atuação da Comissão Interamericana de Direitos

Humanos. Nesse espaço, o que se pretende é fazer uma reflexão sobre os caminhos que

poderão ser traçados para conservar a diversidade dos recursos naturais, bem como a

qualidade do planeta e a conservação do acesso ao ambiente saudável, com qualidade, a

partir da atuação da CmIDH e do próprio Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

Para tanto, a partir da ideia segundo a qual a relação entre meio ambiente e direitos

humanos, tanto no plano da normatividade, quanto nos espaços institucionais supra Estatais,

é marcada pela visão tradicional antropocêntrica, política, econômica e programática, o texto

propõe necessários giros epistemológicos e teóricos, com o objetivo de compreender a

atuação da CmIDH em casos emblemáticos de tutela direta de direitos civis e políticos, onde

a justiciabilidade das violações ambientais revelaram seu tratamento oblíquo, com ideia

central de que a tutela do meio ambiente, incluída no rol dos direitos econômicos, sociais,

culturais e ambientais deve atender ao critério correlacional com os direitos civis e políticos

igualmente protegidos pelas normas internacionais, mormente no que toca à Convenção

Americana de Direitos Humanos.

Na primeira parte do texto, denominada “Direitos humanos e meio ambiente: uma

relação difícil”, o pressuposto de que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

é um direito humano é observado sob o prisma pachukaniano, com o intenção de reanalisar

os seus pressupostos teóricos oriundos da perspectiva ocidental própria da modernidade, na

tentativa de readequação à características da contemporaneidade, frutos do pensamento pós-

marxista, ou seja, de que o Direito é componente da sociabilidade capitalista e como essa

constatação afeta a justiciabilidade e tutela direta do meio ambiente no campo internacional

No que se refere à segunda parte, “Tutela ambiental na Convenção Americana de

Direitos Humanos e no Sistema Interamericano. Necessários giros críticos”, o texto aborda a

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necessidade de se repensar as discussões sobre o meio ambiente no SIDH, a partir da análise

da tutela oblíqua dos DESCA nos casos trazidos à colação, revelando sua consequente e

pragmática desproteção. Nesse ponto, não se limitará a criticar a forma de justiciabilidade do

meio ambiente, propondo necessários giros epistemológicos e teóricos, com vistas a uma

ressignificação da tutela do meio ambiente no campo internacional.

Na terceira e última parte do texto, denominada “Atuação da Comissão de Direitos

Humanos no caso Belo Monte: norma internacional, diálogos políticos e relações de poder”,

o texto aborda, a partir das decisões da CmIDH sobre o caso Belo Monte, as inflexões

políticas sobre o debate acerca do meio ambiente, que sofre diretamente, no campo das

institucionalidades, influências econômicas e afetações decorrentes dos diálogos travados

nas instâncias políticas de poder.

A construção das ideias em debate no texto parte de referenciais teóricos e

metodológico do pensamento marxista, marxiano e pachukaniano, relevantes para o campo

da Teoria Crítica. Em termos metodológicos, o texto é resultado de pesquisa é bibliográfica,

documental, posicionada no campo teórico, com leitura e abordagem sócio jurídica.

1. Direitos humanos e meio ambiente: uma difícil relação

O que são os Direitos humanos? Primeiramente, tem-se que o termo “Homem”,

utilizado como genérico, provém do latim homo, que designa todo ser humano, sem

qualquer distinção; o termo “direitos”, empregado em sentido subjetivo, refere-se a

prerrogativas juridicamente protegidas. A expressão “direitos humanos” quer designar, pois,

prerrogativas próprias ao ser humano, regidas por regras; deriva da expressão “direitos

naturais do homem”; que, em sua origem, abrange essencialmente “as liberdades”, e,

progressivamente, estende seu campo a prerrogativas de ordem social e de alcance coletivo

(ARNAUD, p. 271-272).

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A concepção de direitos humanos, própria da modernidade, é fruto de um processo

jusnaturalista racional, idealista, dentro da perspectiva kantiana de racionalidade humana.

Nesse sentido, a análise inicial do que os direitos humanos correspondem para o pensamento

ocidental moderno é projetada a partir de um processo histórico onde o próprio Direito

ganha protagonismo no contexto do racionalismo iluminista e do modelo constitucionalista

de proteção, baseado no giro antropocêntrico que se observa como novidade histórica dos

séculos XVII e XVIII.

Assim, a centralidade do homem no mundo faz erigir um conjunto de direitos

universais, capazes de tutelar a vida humana diante dos desmandos estatais. De construção

burguesa, os direitos humanos são suportados pelo ideal de liberdade e igualdade. Portanto,

a visão antropocêntrica dessa categoria de direitos é justificada dentro um bloco histórico

marcado pelos direitos individuais como conquistas da civilização ocidental. Exatamente

dentro do contexto de universalidade e atemporalidade, próprios do pensamento idealista,

encontramos definições dos direitos humanos que se referem a um “conjunto de princípios e

de normas, fundamentadas no reconhecimento da dignidade inerente a todos os seres

humanos e que visam a assegurar o seu respeito universal e efetivo” (ARNAUD, 1999, p.

271-272).

Na mesma esteira de pensamento, MELLO (1997, p. 5) aponta para o fato de que os

direitos do homem “são aqueles que estão consagrados nos textos internacionais e legais, o

que não impede que novos direitos sejam consagrados no futuro”. Considera, porém, que os

já existentes não podem ser retirados, vez que são necessários para que o homem realize

plenamente a sua personalidade no momento histórico atual. Se alguns vêm da própria

natureza humana que construímos, outros advêm do desenvolvimento da vida social.

Portanto, de acordo com as definições apontadas, os direitos humanos apresentam

quatro características fundamentais dentro de um arcabouço teórico, epistemológico e

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metodológico tradicional, quais sejam, a origem antropocêntrica, a universalidade, a

atemporalidade e a possibilidade de novas conquistas numa perspectiva evolutiva. Fruto de

uma racionalidade contínua universal, a categoria consequentemente faz parte de um

discurso universalizável e independente de constrangimentos externos no que toca ao

respeito, aplicação e promoção.

Numa perspectiva teórica tradicional, no campo internacional, a fundamentação dos

Direitos Humanos teve sua solução com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos

do Homem, em 10 de dezembro de 1948, pela Assembleia-Geral das Nações Unidas,

classificados em uma escala cronológica de positivação e inserção nos ordenamentos

jurídicos dos países em dimensões 1 (SARLET, 1998, p. 46) de direitos. Dessa forma, a

primeira dimensão de direitos seriam os direitos civis e políticos; os de segunda dimensão

constituiriam os direitos sociais e, os de terceira dimensão, refletiriam o direito ao meio

ambiente, o direito urbanístico, entre outros.

Os direitos de terceira dimensão, surgidos a partir da Segunda Guerra Mundial,

englobam os denominados direitos de solidariedade, voltados para a proteção da

coletividade. As Constituições passam a incorporar em seus textos a preocupação com o

meio ambiente equilibrado, a vida saudável e pacífica, o progresso, o avanço da tecnologia

etc. São direitos que hão de materializar poderes de titularidade coletiva ou mesmo difusa.

Normativamente, a evolução dos direitos humanos atinge o meio ambiente a partir da

Declaração da Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano, de 19722, como

novidade histórica própria da visão pós Segunda Guerra, de difusão e transindividualidade

1
A palavra que melhor expressa a trajetória desses direitos é “dimensão” e não “geração”, pois esta última, em
que pese a sua consagração, induz à ideia de substituição de alguns direitos por outros, quando, na realidade, o
que ocorre é justamente a sobreposição desses direitos, de modo que a nova dimensão agrega-se, de forma
indivisível, à já existente. SARLET, Ingo. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1998. p. 46.
2
Declaração de Estocolmo sobre o ambiente humano, 1972. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos,
Universidade de São Paulo – USP. Disponível em: < http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/meio-
ambiente/declaracao-de-estocolmo-sobre-o-ambiente-humano.html>. Acesso em 02 de junho de 2019.

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de direitos “do homem”. Notadamente, apesar de constantes avanços e retrocessos, a

perspectiva antropocêntrica permanece, acompanhada da visão econômica, apesar da

superação do pensamento individualista, conforme os dois primeiros itens da declaração, o

que permeará todo o texto dela. Vejamos a título exemplificativo:

1. O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio

ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece

oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e

espiritualmente. Em larga e tortuosa evolução da raça humana neste

planeta chegou-se a uma etapa em que, graças à rápida aceleração da

ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de transformar,

de inúmeras maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo que o

cerca. Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o

artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo

dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma

(nós grifamos).

2. A proteção e o melhoramento do meio ambiente humano é

uma questão fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o

desenvolvimento econômico do mundo inteiro, um desejo urgente

dos povos de todo o mundo e um dever de todos os governos (nós

grifamos).

A lógica de proteção ambiental seguida pela Declaração de Estocolmo, qual seja,

antropocêntrica e econômica, está alinhada com a tendência tradicional de juridificação das

relações entre os seres humanos e destes com o mundo. Ainda de matriz idealista e

positivista, a normatização da vida e a criação de figuras jurídicas pelo direito partem da

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premissa de que as conquistas civilizatórias devem ser estampadas na norma jurídica,

inclusive no campo internacional. Noutros termos, o Direito Internacional, no plano

convencional, também pode atender a uma lógica de preservação de interesses próprios de

determinado modelo de sociabilidade.

Uma das maiores contribuições da obra de Evguiéni Pachukanis (2017) para o Direito

consubstancia-se na descoberta de que o próprio Direito é uma mercadoria e faz parte da

estrutura do capitalismo. Se a molécula desta estrutura é a mercadoria, o Direito cumpriu

historicamente um papel fundamental para o sucesso da sociedade de mercado,

transformando em mercadoria as relações de exploração humana – trabalho assalariado –

com interesses especificamente protegidos pela normatividade, com a criação do sujeito de

direito. A configuração de subjetividade jurídica pelo Direito fez com que a relação de

sujeição entre o trabalhador e aquele que monopoliza os meios de produção se desse por

meio de figuras jurídicas, baseadas numa necessária ilusão social segundo a qual as relações

humanas de exploração da força de trabalho se darão sempre a partir da liberdade e

igualdade.

Se agregarmos à concepção pachukaniana de Direito as relações de poder, a afirmação

de que o Direito tem origem na norma jurídica (juspositivismo) pode esconder outras

realidades. Esse fetiche, portanto, se coloca como obstáculo.

Numa perspectiva crítica, o direito é componente atômico de uma sociabilidade

capitalista. Partindo de referenciais próprios do marxismo, o processo de formulação e

aplicação de normas jurídicas se adequa ao modelo de construção de subjetividades jurídicas

legitimadoras de exploração da vulnerabilidade material humana, ou mesmo como

instrumento de manutenção de ideologias hegemônicas. Nestes termos, seguindo por

específicos referenciais metodológicos da teoria crítica, a análise da criação e aplicação do

direito deve seguir um movimento que desestabiliza o próprio campo do que se

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convencionou chamar “teoria tradicional”, ao menos em termos metodológicos. Em apertada

síntese, busca-se analisar o objeto (direito) não apenas a partir do que ele é, mas do que ele

deve ser (ou poderia ser), considerando suas potencialidades e identificando os entraves,

numa abordagem emancipatória.

Sob essa ótica, o debate sobre os direitos humanos, notadamente os direitos sociais,

inclusive o direito ao meio ambiente equilibrado, ganha contornos dramáticos. Os litígios

que versam sobre o tema são protagonizados por tensões (obstáculos) políticas e

econômicas, que parecem abandonar o campo da normatividade. O debate sobre o direito ao

meio ambiente equilibrado não foge à regra, na medida em que, além de se colocar

normativamente de forma programática nos ordenamentos internos e internacional, as regras

jurídicas de proteção estão submetidas aos mesmos obstáculos citados.

2. Tutela ambiental na Convenção Americana de Direitos Humanos e no Sistema

Interamericano. Necessários giros críticos

A Convenção Americana de Direitos Humanos, assinada na Conferência Especializada

Interamericana sobre Direitos Humanos, San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969,

não trata diretamente do direito humano ao meio ambiente equilibrado. A temática

supostamente estaria inclusa, em versão oblíqua, ao dever programático de adoção de ações

(providências), de caráter interno e internacional, para o fim de “conseguir progressivamente

a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre

educação, ciência e cultura” (trecho do artigo 26 do Pacto de San José da Costa Rica)3.

Em consequência da omissão, a correção veio por meio do Protocolo de San Salvador,

de 17/11/1988, termo adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos, com

3
CONVENÇÃO AMERCANA DE DIREITOS HUMANOS. Disponível em:
<https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em 5 de junho de
2019.

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referência expressa ao meio ambiente equilibrado como direito humano. Sobre o tema, o

protocolo reconhece, preambularmente e expressamente, a estreita relação entre direitos

econômicos, sociais, culturais e ambientais e os direitos civis e políticos, assim como a

necessidade de sua reafirmação, proteção, desenvolvimento e aperfeiçoamento, para que os

povos americanos possam se desenvolver de forma livre e plena, dispondo de seus recursos

naturais e riquezas.

De outra parte, em termos normativos, o Protocolo de San Salvador traz expressa

referência ao meio ambiente equilibrado como direito humano, em seu artigo 11:

Artigo 11 - Direito a um meio ambiente sadio. 1. Toda pessoa

tem direito a viver em meio ambiente sadio e a contar com os

serviços públicos básicos. 2. Os Estados Partes promoverão a

proteção, preservação e melhoramento do meio ambiente4.

É clara a leitura oblíqua e programática de proteção do meio ambiente. Trazendo luz à

questão, MOTTA (2009, p. 14) revela a difícil coexistência normativa e pragmática entre

meio ambiente e direitos humanos nesse sistema de proteção internacional, denunciando a

relação simbólica entre direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais e proteção

ambiental:

Visualizam-se, por conseguinte, duas linhas de análise da

interconexão entre direitos humanos e meio ambiente: a primeira se

destina ao estudo da proteção ambiental conjugada a outros direitos;

a segunda parece consagrar o bem jurídico ambiental de per si, em

4
PROTOCOLO ADICIONAL À CONCENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS EM
MATÉRIA DE DIREITTOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS, “PROTOCOLO DE SAN
SALVADOR”. Disponível em:
<http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/e.Protocolo_de_San_Salvador.htm>. Acesso em 5 de junho de
2019.

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homenagem à promoção de políticas públicas ambientais e à

proibição de degradação dos elementos naturais.

Thalita Lopes Motta, na já citada pesquisa, se encarregou de fazer análise da

justiciabilidade dos DESCA no âmbito do SIDH, inafastável no campo teórico, assim como

dos precedentes de tutela direta do meio ambiente naquele sistema. A conclusão, em termos

pragmáticos, revela que as discussões acerca da implementação dos já citados documentos

internacionais “estão logrando êxito em desproteger bens jurídicos fundamentais à

sobrevivência e sadia qualidade de vida humana, notadamente o meio ambiente” (MOTTA,

2009, p. 22). A análise dos precedentes (CIDH e CmIDH) reafirma suas conclusões.

Vejamos abaixo alguns casos:

 Claude Reyes e outros vs. Chile.

 Alegada violação: Recusa de um órgão estatal chileno em informar ao

peticionário dados sobre um projeto de exploração florestal com forte impacto

sobre o meio ambiente.

 Resultado: Reconhecimento de violação ao artigo 8 da Convenção

Americana de Direitos Humanos, ante a inefetividade de um procedimento

administrativo (2006).

 Análise direta da temática ambiental: não.

 Saramaka vs. Suriname

 Alegada violação: Inundação de terras indígenas decorrente da

construção de usina hidrelétrica.

 Resultado: Reconhecimento de violação aos direitos territoriais

indígenas (2007).

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 Análise direta da temática ambiental: não.

 Kawas Fernández vs. Honduras

 Alegada violação: Desídia do Estado em apurar fatos relativos ao

assassinato de uma militante da proteção ao meio ambiente.

 Resultado: Defensores hondurenhos da temática ambiental vivem em

permanente estado de perigo (2009).

 Análise direta da temática ambiental: não.

 Comunidade de San Mateo de Huanchor vs. Peru

 Alegada violação: Permanência de uma fábrica próxima às

residências dos comunitários, a qual expelia resíduos tóxicos, mesmo com a

existência de ordem administrativa determinando a paralisação das atividades da

empresa.

 Resultado: Implementação de programas de assistência à saúde e

realização de estudo de impacto ambiental, para remoção de resíduos tóxicos

para lugar seguro, livre de contaminação (2004).

 Análise direta da temática ambiental: sim.

 Mayas del Toedo vs. Belize

 Alegada violação: Outorga de concessões madeireiras e petroleiras

nas terras dos peticionários, sem a devida consulta aos membros e de maneira

que causou prejuízo substancial ao meio ambiente e com danos ambientais a

largo prazo e irreversíveis.

 Resultado: Proteção de direitos civis e políticos.

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 Análise direta da temática ambiental: não.

Na ampla maioria dos casos citados, a questão ambiental, quando objeto de análise, é

apresentada em sua estreita relação com direitos civis e políticos. Assim, o tratamento direto

dos DESCA, incluída a tutela ambiental, se verifique de forma oblíqua a outros direitos

humanos, ratificando, portanto, a versão antropocêntrica, programática e econômica do

direito humano ao meio ambiente equilibrado.

A análise no plano da teoria tradicional do Direito não é capaz de responder as

questões relativas à tutela direta dos DESCA no âmbito do SIDH. Nesse sentido, o

enfrentamento da questão passa por uma importante mudança de paradigmas

epistemológico, teórico e metodológico.

O primeiro giro que se propõe é o abando da perspectiva antropocêntrica de proteção

do meio ambiente pelas normas jurídicas internacionais, em direta homenagem à visão

biocêntrica de sua proteção.

A luta pelo equilíbrio do meio ambiente deve considerar que seu postulado de

proteção jurídica, inclusive no campo internacional, parte de premissas diferentes do que se

construiu no ocidente e na modernidade. Ainda que o direito e as normas jurídicas de

proteção ambiental sejam frutos de um processo racional de construção humana, é

fundamental que se tome a consciência de que o ser humano compõe uma pequeníssima

fração do que o meio ambiente representa. Nesse passo, sobre o sistema jurídico de proteção

ao meio ambiente deve ser lançado um novo olhar, no sentido de que passa a ser papel do

Direito o reconhecimento (não a criação) de “novas” subjetividades jurídicas. Apesar de ser

uma luta humana, a proteção ambiental deverá, portanto, alcançar novos paradigmas

epistemológicos, o que imporá, necessariamente: a) o giro biocêntrico, com o

reconhecimento da natureza como sujeito de direito; b) o abandono da visão econômica do

sistema jurídico de proteção ambiental; c) a releitura do processo de produção normativa,

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que deverá ser menos programática e mais potestativa, direcionada não apenas ao Estado,

mas à própria sociabilidade capitalista e; d) consequentemente, uma nova reconexão teórica

e epistemológica entre os DESCA e a tutela ambiental.

Ainda que superada a primeira proposição e, portanto, mesmo que na perspectiva

antropocêntrica, o próprio campo da teoria tradicional do Direito já se encarregou de

constatar a fundamentalidade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e sua

relação simbiótica com os direitos civis e sociais. Nesse sentido, questiona-se, por exemplo,

quem seriam materialmente os destinatários desses direitos, considerando as recentes

atuações da CIDH e da CmIDH sobre a temática. Na perspectiva republicana, o direito

humano ao meio ambiente ecologicamente equilibrado demanda necessariamente uma nova

leitura dos Direitos Humanos e da relação entre o cidadão, a sociedade política e o meio

ambiente.

O próximo giro que se propõe, portanto, é sobre o paradigma epistemológico da

titularidade do direito ao meio ambiente equilibrado. O atributo da universalidade dos

direitos humanos, aqui incluído o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, na

esteira de toda teoria tradicional do Direito, se apresenta como categoria abstrata

desconectada com a realidade social dos seus pretensos titulares, afastada das relações

materiais que acabam por designar seu âmbito de proteção.

A problemática das chamadas “categorias abstratas” se apresenta como um movimento

que reivindica a “modernidade”, o “constitucionalismo”, a “cidadania” e a própria

“universalidade dos direitos humanos” como algo fruto de um processo natural, espontâneo

e neutro. E é exatamente nesse sentido que essas categorias podem se colocar como eficazes

instrumentos de hegemonia e manutenção de um status quo que, por um lado, contempla os

interesses de uma determinada categoria econômica e/ou social e, por outro, ignora as reais

necessidades do corpo coletivo.

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Desde sua concepção, os “direitos universais” já se apresentavam como “disfarce

linguístico”. Nos termos de BELLO (2015, p. 52-53):

Se analisado seu contexto de elaboração, em vez do alcance

que se propõe a ter, o primeiro documento foi elaborado durante a

Revolução Francesa, a partir de uma visão de mundo do Terceiro

Estado, capitaneado pela burguesia, correspondente a uma parcela

pequena dos habitantes daquele país. Em termos tanto nacionais

quanto internacionais, tal documento não considerou as perspectivas

de alteridade de setores socioeconômicos e culturais,

respectivamente, distintos da burguesia francesa, padecendo de

elementos materiais que justificassem a alcunha da “universalidade”

dos direitos nele previstos e do alcance geopolítico por ele almejado.

Portanto, o nome correto para o documento deveria ser “Declaração

Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, na perspectiva

particular da burguesia francesa”.

As categorias abstratas são resultado do pensamento eurocêntrico acerca do Direito e

dos Direitos Humanos, os quais acabam por distanciar o homem da sociedade política e o

meio ambiente do homem.

A tentativa de reaproximação passa necessariamente pela percepção de que o homem

político é um ator no processo de preservação do meio ambiente para sua geração e as

gerações futuras. Isso depende do afastamento da nuvem de fumaça criada pelo modelo

“estadocêntrico” do Direito e seu sistema de proteção do meio ambiente, reinserindo o “real

cidadão” nos processos de decisão.

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Nesse sentido, propõe-se um necessário giro teórico e epistemológico sobre a

categoria “cidadania”, cujo exercício, ao menos no plano formal, é protagonista no processo

de decisão e produção de normas jurídicas, inclusive no campo internacional.

Já que no contexto americano, especificamente no latino-americano, a práxis social

reivindicativa dos direitos humanos surge invariavelmente pela ausência e pelas demandas

postergadas, essa ressignificação passa pelo exercício ativo da cidadania, com a participação

coletiva nos movimentos de luta pela concretização desses direitos (GÁNDARA

CARBALLIDO, 2014). De acordo com SANTANA (2018, p. 191):

Trata-se de subverter o processo neocolonialista de

reculturação, por meio da autolegitimação de práticas cidadãs; trata-

se de intervenção no processo de (re)construção da realidade,

reconhecendo que o campo das práticas sociais é o terreno fértil para

o diálogo “parainstitucional”. A superação da tradição

“estadocêntrica” de cidadania, construída a partir do Estado e

considerada juridicamente no seu aspecto passivo de titularidade de

direitos no plano formal, pode ser verificada em sentido inverso, a

partir dos movimentos sociais. A “cidadania ampliada” abre espaços

de exercício político fora dos processos institucionais, possibilitando

a participação direta e comunitária no próprio desenvolvimento. É na

dinâmica da luta por direitos humanos que o cidadão se reinventa,

num movimento não só reivindicativo, mas in(ter)ventivo, com

novos direitos de cidadania, que superam categorias formais de

direitos civis, políticos e sociais.

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Para que o exercício da cidadania seja o caminho para a ressignificação de direitos

humanos, BELLO (2013, p. 17) propõe reencontros: (i) entre o homem e a política; (ii) entre

teoria e prática; (iii) entre norma jurídica e práxis social. Esses reencontros somente serão

possíveis quando houver o reconhecimento, pela sociedade civil, dos novos atores, espaços e

práticas cidadãs. O reencontro entre o homem e a política pressupõe o abandono da

categoria abstrata “cidadania”, movendo-se, por outro lado, para uma efetiva interação

social, prática cidadã, reconhecida pela sociedade civil, realisticamente, e pelo Estado,

normativamente (SANTANA, 2018, p. 192).

Com a apropriação, dentro e fora dos canais democráticos institucionais, da cidadania

real pelo corpo coletivo, com a participação direta e efetiva nos movimentos sociais com

vistas à defesa e preservação do meio ambiente, será possível o reconhecimento da

pluralidade de sujeitos políticos, a autonomia dos movimentos de massa em relação ao

Estado e a consequente conquista do espaço hegemônico.

Nesse sentido, para a construção de uma ordem jurídica que se apresente como

instrumento de proteção e preservação do meio ambiente, deve-se considerar que as normas

ambientais devem ser criadas e aplicadas seguindo um movimento de baixo para cima, a

partir de sujeitos políticos coletivos. Trata-se, portanto, de abandonar a velha política que

visa a manutenção do poder de classes específicas, superando o modelo de democracia

liberal clássica. Para COUTINHO (1979):

Isso não significa, decerto, que a democracia socialista, mesmo

do ponto de vista político-institucional (ou seja, mesmo deixando de

lado as profundas transformações econômicas e sociais — gradativa

abolição da propriedade privada dos meios de produção — que ela

implica para sua completa realização), possa ser vista como uma

simples continuação da democracia liberal tal como essa foi

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concebida pelos teóricos do século XVIII (Locke, Montesquieu,

etc.), ou mesmo tal como aparece na prática dos mais avançados

países capitalistas de hoje. A concepção segundo a qual a velha

máquina estatal deve ser destruída para que se possa implantar a

nova sociedade — uma metáfora que é muitas vezes entendida em

sentido demasiadamente literal — quer indicar precisamente que a

democracia política no socialismo pressupõe a criação (e/ou a

mudança de função) de novos institutos políticos que não existem,

ou existem apenas embrionariamente, na democracia liberal clássica.

E, do mesmo modo como as forças produtivas materiais necessárias

à criação da nova formação econômico-social já começam a se

desenvolver no seio da velha sociedade capitalista, assim também

esses elementos da nova democracia já se esboçam —

frequentemente em oposição aos interesses burgueses e aos

pressupostos teóricos e práticos do liberalismo clássico — no seio

dos regimes políticos contemporâneos dominados pela burguesia.

Refiro-me aos mecanismos de representação direta das massas

populares (partidos, sindicatos, associações profissionais, comitês de

empresa e de bairro, etc.), mecanismos através dos quais essas

massas populares — e em particular a classe operária — se

organizam de baixo para cima e constituem aquilo que poderíamos

chamar de sujeitos políticos coletivos.

O modelo de cidadania fetichista, estadocêntrica, encapsula os procedimentos de

participação popular na ordem jurídica, afigurando-se o Direito, não como instrumento de

emancipação humana, de cidadania ativa, mas como artifício para inviabilizar a efetiva

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participação do corpo coletivo no ambiente público. A concepção do Direito dentro do

campo teórico tradicional – europeu, estadunidense – limita conceitos como “estado de

direito”, “constitucionalismo”, “povo” e “cidadania” em categorias abstratas, desprovidas de

qualquer approache material, realisticamente posto, impondo a ilusão de que os espaços são

abertos e de que a democracia é participativa (SANTANA, 2018, p. 194). Na verdade, as

leis e as instituições da democracia formal permanecem como “aparências por trás das quais

e os instrumentos com os quais se exerce o poder da classe burguesa” (RANCIÈRE, 2014, p.

9).

É exatamente na dinâmica de luta por direitos humanos, especificamente pelo

equilíbrio do meio ambiente, que o protagonismo dos movimentos sociais, num contexto

cidadania ativa e direta, mostra-se relevante para a construção de instrumentos jurídicos que

viabilizem o efetivo exercício desses direitos. A proposta é, portanto, de uma releitura

democrática para produção de direitos humanos em matéria ambiental que partam de um

movimento de autolegitimação, na contramão dos interesses oligárquicos ou daquilo que

Boaventura de Souza SANTOS (1997, p. 16) chama de localismo globalizado.

Portanto, a partir desse modelo de cidadania real, ativa, os princípios que são a base da

participação cidadã na esfera pública internacional sofrem releitura: (i) o cidadão deve lutar

pela conquista de direitos em matéria ambiental, construídos de baixo para cima, de forma a

preservar a base dos recursos naturais presentes e considerando a pluralidade democrática,

conservando também os espaços de escolhas e direções das gerações futuras, na solução de

seus problemas e satisfação de seus valores; (ii) a conquista dos espaços hegemônicos é

pressuposto para que a geração atual mantenha a qualidade do planeta, para que seja

transferida nas mesmas condições em que foi recebida, construindo uma legislação

ambiental e instrumentos de controle efetivos.

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3. Atuação da Comissão de Direitos Humanos no caso Belo Monte: norma

internacional, diálogos políticos e relações de poder

Como a tentativa de se evitar a repetição das violações aos direitos humanos por

sistemas totalitários, fruto de um processo pós-segunda guerra mundial, surgiram vários

instrumentos internacionais de proteção desses direitos, fortalecendo a criação de uma

agenda internacional no sentido de garantir o bem-estar da pessoa humana.

A partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem, assinada em 10 de

dezembro de 1948 no âmbito da Assembleia-Geral das Nações Unidas, a proteção dos

direitos humanos passou a ser de interesse comum de toda humanidade, extrapolando a

questão externa de cada Estado, acarretando consequentemente a formação de sistemas de

proteção voltados para a garantia desses direitos.

A Organização dos Estados Americanos( OEA) em abril de 1948, aprovou

a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, em Bogotá, Colômbia, o

primeiro documento internacional de direitos humanos de caráter geral, considerando “que

os povos americanos dignificaram a pessoa humana e que suas Constituições nacionais

reconhecem que as instituições jurídicas e políticas, que regem a vida em sociedade, têm

como finalidade principal a proteção dos direitos essenciais do homem e a criação de

circunstâncias que lhe permitam progredir espiritual e materialmente e alcançar a

felicidade”5.

No ano de 1959, foi criada a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, a

CmIDH, órgão principal e autônomo do Organização dos Estados Americanos (OEA)

encarregado da promoção e proteção dos direitos humanos no continente americano. A

5
Ministério Público Federal. Procuradoria Geral da República. Disponível em
<http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/direitos-
humanos/declar_dir_dev_homem.pdf>. Acesso em 28 de junho de 2019.

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comissão, com sede em Washington, D.C., integrada por sete membros independentes que

atuam de forma pessoal, juntamente com a Corte Interamericana de Direitos Humanos

(CIDH), instalada em 1979, constituem o Sistema Interamericano de proteção dos direitos

humanos (SIDH)6.

A CIDH, que começa a vigorar no ano de 1978, também conhecida como Pacto de São

José da Costa Rica, disciplina os deveres dos Estados membros da organização, estrutura o

Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e sinaliza para a criação da

Corte, que no ano de 1979 foi formalizada a sua criação.

A CIDH foi ratificada, até janeiro de 2012, por 24 países: Argentina, Barbados, Brasil,

Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dominica, República Dominicana, Equador, El

Salvador, Granada, Guatemala, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá,

Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela.

O Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) é, portanto, constituído de

dois órgãos distintos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte

Interamericana de Direitos Humanos.

O procedimento para denúncia no SIDH pode ser provocado por qualquer pessoa,

grupo de pessoas ou entidade não governamental devidamente constituída, através de

petição indicando a violação de qualquer dos direitos e garantias tutelados pela Comissão

Interamericana sobre direitos humanos, cabendo ao subscritor da petição a descrição dos

fatos, bem como as violações alegadas, as vítimas, com a indicação do Estado responsável

pela violação, além de indicar o esgotamento dos recursos dispensados na jurisdição interna.

O caso de violação aos direitos e garantias tutelados pela Comissão Interamericana,

objeto do presente estudo, acontece no complexo Hidrelétrico de Belo Monte, que envolve a

bacia hidrográfica do Rio Xingu.


6
Disponível em < https://cidh.oas.org/que.port.htm>. Acesso em 02 de junho de 2019.

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A bacia hidrográfica do Rio Xingu no senário ambiental e cultural apresenta grande

riqueza na diversidade. Percorrendo mais de 2.300 quilômetros desde as cabeceiras do

cerrado mato-grossense até a sua foz no rio Amazonas, o rio Xingu apresenta paisagens de

grande beleza cênica sem contar a grande diversidade de ambientes aquáticos inserido

dentro de um extenso mosaico de unidades de conservação e terras indígenas ao longo do

curso do rio.

Nessa região moram aproximadamente 40 Povos Indígenas, cerca de 25 mil indígenas

de quatro troncos linguísticos diferentes e grupos indígenas em isolamento voluntário, além

de milhares de ribeirinhos, extrativistas e agricultores familiares, assim como populações

urbanas em cidades como Altamira.

Apesar dos instrumentos legais de proteção das terras indígenas e unidades de

conservação, a bacia do Xingu sofre impactos severos causados pelo homem, especialmente

o desmatamento, queimadas e uso indiscriminado de agrotóxicos, associados à monocultura

de soja e à pecuária extensiva.

O complexo Hidrelétrico de Belo Monte, projeto concebido na década de 1970,

apareceria nesses espaços com previsão de construção de cinco hidrelétricas naquela bacia

hidrográfica, cujo projeto de engenharia relançado em 2002, denominado Belo Monte, agora

com previsão de somente duas barragens, a de Pimentel e a de Belo Monte.

Segundo dados do Movimento Xingu Vivo 7 , o Complexo Belo Monte ameaçava

impactar irremediavelmente a vida e a integridade das comunidades indígenas, ribeirinhas e

citadinas da região, impondo o deslocamento forçado, insegurança alimentar e hidrológica,

perda de água potável, aumento da pobreza e migração desordenada, que sobrecarregará os

7
Petição para CIDH: entenda o caso. Disponível em: < http://www.xinguvivo.org.br/2011/06/16/peticao-para-
cidh-entenda-o-caso/>. Acesso em 02 de junto de 2019.

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já carentes sistemas de saúde, educação e segurança pública em cidades como Altamira. No

total, o projeto forçaria o deslocamento de pelo menos 40.000 pessoas.

O processo de planejamento e licenciamento ambiental, segundo a denúncia a CIDH,

foi marcado pela falta de transparência e participação da sociedade civil, associada a graves

atropelos da legislação brasileira (licenciamento) e normas internacionais sobre os direitos

humanos e a proteção do meio ambiente, desencadeando uma série de ajuizamentos de

ações, dentre elas treze ações civis públicas pelo Ministério Público Federal (MPF) do Pará

e organizações da sociedade brasileira sobre irregularidades no processo de licenciamento

ambiental. Com decisões favoráveis em primeira instância da justiça brasileira e sendo

reformadas pelo Tribunal Regional Federal -TRF1, sempre com argumentos voltados à

proteção da política econômica setorial, o mérito das ações não chegava a ser considerado.

Nesse cenário de disputas, as Comunidades indígenas da bacia do Rio Xingu, propôs a

Medida Cautelar 382/2010 em face do Brasil na CmIDH, objetivando a suspensão dos

efeitos da licença prévia, sustentando que a vida e integridade pessoal dos beneficiários

estariam em risco pelo impacto da construção da usina hidroelétrica Belo Monte.

Segundo dados da denúncia, houve um subdimensionamento dos impactos sociais e

ambientais no Estudo de Impacto Ambiental (EIA); a falta de realização pelo Congresso

Nacional de oitivas com as comunidades indígenas que seriam atingidas pelo projeto,

conforme determinado pelo artigo 231 da Constituição Federal, como parte de um processo

de consulta e consentimento livre, prévio e informado, também em conformidade com a

Resolução 169 da Organização Internacional do Trabalho e a Declaração das Nações Unidas

sobre os Direitos Indígenas, das quais o Brasil é signatário; as audiências públicas realizadas

de forma absolutamente irregular, em número insuficiente em locais nos quais a maioria da

população mais ameaçada pelo empreendimento não teve oportunidade de participar. Nessas

audiências, foi discutido superficialmente um Estudo de Impacto Ambiental incompleto,

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distorcido da realidade e sem adequada divulgação prévia, e sob um forte aparato policial

repressivo; a concessão política da Licença Prévia para Belo Monte em fevereiro de 2010,

sob forte pressão do governo, contrariando pareceres das equipes técnicas do IBAMA e da

FUNAI sobre falhas e incertezas nas conclusões do EIA.

Em 01/04/2010, a CmIDH, proferiu a primeira decisão na Medida Cautelar 8 ,

solicitando ao Governo Brasileiro que suspendesse imediatamente o processo de

licenciamento do projeto da UHE de Belo Monte e impedisse a realização de qualquer obra

material de execução até que sejam observadas as seguintes condições mínimas. Determinou

, ainda, realizar processos de consulta, em cumprimento das obrigações internacionais do

Brasil, no sentido de que a consulta seja prévia, livre, informativa, de boa-fé, culturalmente

adequada, e com o objetivo de chegar a um acordo, em relação a cada uma das comunidades

indígenas afetadas, beneficiárias das presentes medidas cautelares e garantir, previamente a

realização dos citados processos de consulta, para que a consulta seja informativa, que as

comunidades indígenas beneficiárias tenham acesso a um Estudo de Impacto Social e

Ambiental do projeto, em um formato acessível, incluindo a tradução aos idiomas indígenas

respectivos, e , por fim . adotar medidas para proteger a vida e a integridade pessoal dos

membros dos povos indígenas em isolamento voluntário da bacia do Xingu, e para prevenir

a disseminação de doenças e epidemias entre as comunidades indígenas (nós grifamos)

beneficiárias das medidas cautelares como consequência da construção da hidroelétrica Belo

Monte, tanto daquelas doenças derivadas do aumento populacional massivo na zona, como

da exacerbação dos vetores de transmissão aquática de doenças como a malária.

8
Medidas Cautelares outorgadas pela CIDH no ano de 2011. Disponível em: <
https://www.cidh.oas.org/medidas/2011.port.htm>. Acesso em 02 de junho de 2019.

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Em 25 de abril de 2011, o Estado Brasileiro respondeu 9 aos termos da decisão da

medida cautelar apresentando informações sobre a política de proteção e tratamento aos

povos indígenas isolados, dizendo ser uma das mais vigorosas e eficazes do mundo. No

mesmo documento o Estado Brasileiro apresentou informações sobre a política de saúde

indígena implementada para esses povos (nós grifamos) pela recém-criada Secretaria de

Saúde Indígena (SESAI) do Ministério da Saúde, que atua em conjunto com a Fundação

Nacional do Índio (FUNAI), na implementação de medidas vigorosas e abrangentes para

prevenir a disseminação de doenças e epidemias entre as comunidades indígenas da Bacia

do Xingu.

No que diz respeito à publicidade e informação no processo de licenciamento,

conforme previsto na Constituição Federal, o Estado Brasileiro informou que foram

realizadas quatro audiências públicas, que contaram também com a participação de

lideranças de todos os povos indígenas direta e indiretamente interessados na obra.

Informou, também, que foram realizadas mais de 40 reuniões específicas com as

comunidades indígenas, realizadas nas próprias aldeias, com versão simultânea às línguas

indígenas das informações contidas nos estudos de impacto ambiental.

No dia 29 de Julho de 2011, a CmIDH, durante o 142º período das sessões, fez nova

avaliação da MC 382/10 10 com base nas informações enviadas pelo Estado e pelos

peticionários, modificando o objeto da medida e solicitando que o Estado Brasileiro adotasse

medidas para proteger a vida, a saúde e integridade pessoal dos membros das comunidades

indígenas em situação de isolamento voluntário da bacia do rio Xingu, e da integridade

9
Resposta do Governo Brasileiro. Disponível em: <
https://documentacao.socioambiental.org/noticias/anexo_noticia//19927_20110517_104210.pdf>. Acesso em
02 de junho de 2019.
10
Medidas Cautelares outorgadas pela CIDH no ano de 2011. Disponível em: <
https://www.cidh.oas.org/medidas/2011.port.htm>. Acesso em 02 de junho de 2019.

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cultural daqueles povos, incluindo ações mitigadoras para os efeitos da construção da

represa de Belo Monte, em conformidade com a legislação vigente.

Dentre outras medidas, o Estado Brasileiro, deveria adotar medidas para proteger a

saúde dos membros das comunidades indígenas , incluindo a efetivação e implementação

dos planos e programas requeridos pela FUNAI, durante a fase de licenciamento, além de

garantir a rápida finalização dos processos de regularização das terras ancestrais ante

apropriação ilegítima e ocupação por não- indígenas, e frente a exploração ou o

deterioramento de seus recursos naturais.

Quanto à publicidade e sobre a consulta prévia e ao consentimento informado em

relação ao projeto da represa, a CmIDH, transformou em uma discussão sobre o mérito do

assunto, que transcende o âmbito das medidas cautelares.

Nesse sentido, fica indene de dúvidas a flagrante violação do art. 225, CRFB/88, §1º,

inciso IV – onde o poder público deverá exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou

atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo

prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; o art. . 231, §3º, CRFB/88 – onde

informa que o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a

pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com

autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes

assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei; o Art.170, VI, CRFB888 –

onde a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,

tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,

observados os seguintes princípios: VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante

tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus

processos de elaboração e prestação.

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Ainda, de acordo com o pedido formulado na MC 382/10, houve violação da

Convenção 169 da OIT no seu art. 6º onde informa nesse processo o dever de consultar os

povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas

instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou

administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente; estabelecer os meios através dos quais

os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que

outros setores da população.

Além disso, as entidades de defesa argumentam que a Convenção 169 também se

aplica aos povos tribais, desse modo é patente a necessidade de consulta às populações

ribeirinhas (nós grifamos), uma vez que constituem o povo tradicional e serão afetadas pela

obra da usina.

Como indica Pádua FERNANDES (2014, p. 58), em análise das investidas contra o

SIDH promovidas por Estados da América do Sul:

O SIDH, em decisões que apontam os interesses políticos e

econômicos dos governos da América do Sul, violadores dos

Direitos Humanos, entrou em colisão com Estados como Equador e

Venezuela, e também o Brasil que, a partir de 2011, tomou a

iniciativa para o enfraquecimento do Sistema justamente em razão de

um caso ligado aos direitos indígenas e ao meio ambiente: a medida

liminar dada, em 2011, pela Comissão Interamericana de Direitos

Humanos, contra a construção da Usina de Belo Monte.

Afrontando diretamente a primeira decisão proferida pela CmIDH na MC-382/2010,

órgão formalmente autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), o governo

brasileiro recusou-se a cumpri-la, e o próprio secretário-geral da organização mostrou-se

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contra o SIDH, contra os povos indígenas e a questão ambiental, afirmando que esses temas

não deveriam ser protegidos (VENTURA, et. al., 2013, p.43, apud FERNANDES, 2014, p.

59):

A robusta pressão brasileira não tardou a produzir efeitos.

Numa entrevista que consideramos de grande importância para a

compreensão do caso, o Secretário-Geral da OEA, José Miguel

Insulza, considerou justificada a reação do Brasil e afirmou que

provavelmente a CmIDH revisaria sua posição sobre Belo Monte:

“Como vai revisar eu não posso dizer, porque não estou autorizado.

Espero que o faça, sinceramente”. Insulza ressaltou que a CmIDH é

plenamente autônoma em relação à OEA: “não que eu esteja fugindo

à responsabilidade, mas as coisas são assim. Em matéria de direitos

humanos, quem fala é a CmIDH”. No entanto, ponderou que “há

uma área na qual o terreno é realmente complicado. Quando a

CmIDH começou a atuar nesses temas, quase como um tribunal,

ainda que não tenha força obrigatória, os temas de que falava eram

homicídio, tortura, desaparecimento, cárcere, etc. O surgimento dos

temas ambientais e dos povos nativos abre um espaço que deve ser

tratado com muito cuidado (grifos nossos). Não creio que nenhum

governo democrático tenha a intenção de criar problemas aos seus

povos nativos. Acho que o pior que se pode fazer neste caso é

exacerbá-lo e tratar o tema como se um fosse a vítima, e os outros a

ditadura, como ocorreu a princípio. Espero que Belo Monte sirva

para calibrar bem a coisa e entender que, quando se trata de projetos

dessa envergadura, a CmIDH pode perfeitamente chegar aos

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governos para dar assessoria, opiniões, mas não tratar como um tema

semi judicial.

Ainda de acordo com FERNANDES (2014, p. 59), prosseguindo na ofensiva

diplomática contra o Sistema Interamericana de Direitos Humanos, o Estado brasileiro

decidiu retirar seu embaixador da OEA (nós grifamos); deixou de pagar a sua quota por

meses e desistiu da candidatura de um membro brasileiro para a Comissão Interamericana.

Em 29 de julho de 2011, a Comissão, de fato, mudou a medida e deixou de determinar a

suspensão imediata do processo de licenciamento da obra (segunda decisão). O Embaixador

Guilherme de Aguiar Patriota, irmão do então Ministro das Relações Exteriores, Antônio

Patriota, não época declarou no artigo “Dois pesos e duas medidas” (Folha de São Paulo,

2012):

Não é razoável que a comissão emita medidas cautelares com o

intuito, por exemplo, de suspender a construção de hidrelétricas. Ela

deve se ater a questões precípuas de direitos humanos,

pronunciando-se por meio de pareceres recomendatórios e deixando

que a corte assuma suas responsabilidades judiciais em casos que o

justifiquem (FERNANDES, 2014, p. 59).

Para FERNANDES (2014, p. 59), o Embaixador, em um aparente alinhamento oficial

às grandes empreiteiras, acha que construção de hidrelétricas nada tem a ver com direitos

humanos e, por isso, a legislação concernente não serviria para o caso. Imagino, piamente,

duas explicações para a tese brutal: ou ele acha que não há pessoas na região de Belo Monte

(e, assim, reedita o costumeiro – e oportuno para o Estado – esquecimento de que há

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indígenas no Brasil), ou ele crê que os índios não são humanos. Nos dois casos, o horizonte

jurídico-político do arrazoado e da prática governista é o genocídio (grifos nossos).

A partir da análise das colocações desses atores sobre o caso Belo Monte, bem como

dos precedentes da CmIDH, pôde-se observar: a) tensão entre direitos humanos e meio

ambiente - categoricamente, o direito ao meio ambiente equilibrado é tratado pelas normas

internacionais, especialmente pela Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 26)

como comando programático; b) tratamento oblíquo pelas normas internacionais - as

decisões no campo internacional, especialmente no SIDH, além da visão programática sobre

o meio ambiente, tratam essas questões, de uma forma geral, pela via oblíqua, ou seja, de

forma adjacente aos direitos humanos individuais; c) a política e a economia como fios

condutores na proteção de DH - a concepção antropocêntrica de meio ambiente, ligada ao

protagonismo dos interesses capitalistas, transformam as normas jurídicas internacionais em

mero fetiche.

Conclusão

O debate sobre a justiciabilidade do meio ambiente no cenário internacional está

permeado por obstáculos políticos e econômicos, indicando que evolução normativa, fruto

da racionalidade humana, deve buscar a superação da visão programática dos DESCA.

Para tanto, se fazem necessárias rupturas paradigmáticas com o campo da Teoria

Tradicional do Direito, na busca de uma visão menos descritiva e mais emancipatória. Em

outros termos, parte-se de uma cosmovisão segundo a qual a naturalização de inflexões

políticas e econômicas no campo da justiciabilidade do meio ambiente no âmbito

internacional deve ser encarada como obstáculo compreensível e compreendido, para que se

possa analisar, sob este peculiar ponto de vista, a problemática da ineficácia do SIDH no que

toca a proteção direta ao meio ambiente, ao menos em termos pragmáticos.

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Se a partir de específica perspectiva, o Direito pode ser componente de um sistema

capitalista, a juridificação dos direitos humanos e, consequentemente, do meio ambiente,

coloca o debate sobre o futuro dos recursos naturais sob monopólio do Estado, num processo

juspositivista que pretende escamotear os interesses da própria sociabilidade capitalista.

Noutros termos, deve-se buscar a superação de categorias abstratas, reconectando-se teoria e

prática cidadã, em direção à formulação de políticas e normas jurídicas internacionais que

viabilizem a tutela ambiental direta.

Referências

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Direito. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1999.

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FERNANDES, Pádua. Direitos indígenas, provincianismo constitucional e o novo

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SANTANA, Marcelo dos Santos Garcia. Transoceânica e Direito à Cidade:

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- Interesse público ambiental e fato consumado -

GUILHERME PURVIN

1. Não efetividade da legislação ambiental e urbanística sobre uso e ocupação

do solo

Passeando por bairros de classe média alta, por vezes nos deparamos com

luxuosos edifícios ostensivamente erguidos na área envoltória de bens tombados,

obstaculizando a visão desses bens de importância histórica ou cultural ou simplesmente

mutilando as características arquitetônicas da vizinhança.

No extremo oposto, em grandes metrópoles que ciclicamente enfrentam

alagamentos em áreas de preservação de mananciais, vislumbramos imensos conjuntos

habitacionais sendo construídos para fins de atendimento à demanda de moradia

popular. Ruas são rasgadas e asfaltadas sobre um solo que supostamente deveria ser

protegido pelo poder público de qualquer forma de impermeabilização, para não perder

a capacidade de captação de águas.

Favelas são formadas em encostas de morros com inclinação muitas vezes

superior a 45 graus ou com solo instável e sujeito a desmoronamento diante dos olhares

indiferentes dos órgãos municipais de fiscalização do uso do solo, sem que seja

oferecida alternativa digna à construção de cenários extremamente propícios para

grandes tragédias, sobretudo em época de chuva.

O dinheiro público que poderia destinar-se à ampliação da malha metroviária é

aplicado na construção de grandes vias automotivas em fundos de vales, às margens de

rios previamente retificados, construídas onde deveria haver matas ciliares. No verão,

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após fortes tempestades, os automóveis presos em meio a congestionamentos

gigantescos ficam ilhados ou são cobertos pelas águas das cheias desses rios.

Para fugir do neurótico ambiente urbano, famílias de classe média alta investem

sua poupança na aquisição de casas em condomínios residenciais no interior. Foram

atraídas pelo apelo publicitário da empresa que realçava os valores ecológicos e

paisagísticos do local, sem jamais imaginarem que em breve aquele sonho de consumo

se transformaria em pesadelo. De um momento para o outro, começam a surgir casos de

câncer em crianças que passaram as férias escolares brincando no gramado da casa de

campo. E então alguém descobre que o condomínio ecológico foi construído sobre

antigo aterro de lixo tóxico ou que, não muito distante dali, mas de forma pouco visível,

uma poderosa indústria petrolífera deixou contaminar o lençol freático com o

vazamento de solventes orgânicos.

Estes são apenas alguns dentre incontáveis exemplos que poderíamos oferecer a

respeito do desrespeito à regra constante do art. 225, § 1º, inc. III, da Constituição

Federal, que trata de espaços territoriais especialmente protegidos e à legislação

infraconstitucional, de que são exemplos:

a) O Código Florestal (Lei 12.651/2012), que identifica espacialmente as áreas de

preservação permanente (margens de rios, topo de morros etc.) e, nos imóveis

localizados em perímetro rural, impõe o estabelecimento de reserva legal;

b) A Lei n. 6.766/79 que, em seu art. 3º, parágrafo único, proíbe o parcelamento

do solo: I - em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as

providências para assegurar o escoamento das águas; Il - em terrenos que tenham sido

aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados;

III - em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se

atendidas exigências específicas das autoridades competentes; IV - em terrenos onde as

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condições geológicas não aconselham a edificação; V - em áreas de preservação

ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a

sua correção.

c) As normas sobre áreas de proteção de mananciais como, por exemplo, a Lei

Estadual paulista n. 12.233/2006, que objetiva a proteção da bacia Guarapiranga.

Cabe ao Poder Público zelar pela observância da legislação ambiental e

urbanística relativa ao exercício regular do direito de propriedade imobiliária, seja no

momento da análise de processo administrativo destinado à concessão de licença para

construir, seja no exercício da fiscalização, podendo e devendo promover a interdição

de obras realizadas em desacordo com as normas aplicáveis. Frustrada a missão de

fiscalização e interdição de obras irregulares, muitas vezes será necessário o

ajuizamento de ação judicial destinada à demolição de: a) prédio em ruína (art. 1.280 do

CC); b) construção prejudicial a imóvel vizinho, às suas servidões ou aos fins a que é

destinado (art. 934, I, do CPC); c) obra executada por um dos condôminos que importe

prejuízo ou alteração de coisa comum por (art. 934, II, do CPC); d) construção em

contravenção da lei, do regulamento ou de postura estabelecidos pelo Município (Nesse

sentido o RESP n. 1.374.593 - SC (2013/0011423-0), rel. Min. Herman Benjamin).

2. Discricionariedade

Até um tempo atrás, aproveitando a elasticidade do conceito de

“discricionariedade”, os governantes conseguiam contornar todas as restrições impostas

pela legislação ambiental e urbanística para atender aos interesses dos financiadores das

suas campanhas políticas. Se uma lei, por exemplo, proibisse genericamente a

construção de prédios numa região e, numa de suas disposições finais, previsse a remota

possibilidade de sua construção, desde que caracterizado o interesse público e definidas

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compensações ambientais efetivas, tais disposições eram suficientes para esvaziar

completamente a regra geral. Para tanto, bastaria ao governante de plantão declarar esse

interesse público e fixar qualquer regrinha inócua para o empresário-cliente e o terreno

estaria totalmente aplainado. Décadas e décadas de desmandos e imoralidade

administrativa levaram o Poder Judiciário brasileiro a reavaliar os limites da

discricionariedade administrativa.

O conceito de discricionariedade diz respeito ao desempenho, pela Administração,

das funções que lhe são constitucional e legalmente atribuídas. O cumprimento destas

funções poderá estar inteiramente delineado pelo sistema jurídico e, nesta hipótese, não

disporá a Administração de opções para o desempenho de suas funções: ela estará

vinculada às regras fixadas em lei e só disporá de uma única forma para cumprir as

exigências legais. No Direito Ambiental, encontramos diversas hipóteses de vinculação

do Administrador, tanto no que diz respeito a aspectos materiais ou fáticos (v.g.,

proibição de atividades que provoquem emissões sonoras acima de determinado índice

em áreas residenciais após as 22 horas) como formais ou procedimentais (v.g.,

realização de audiências públicas nos licenciamentos de atividades sujeitas a estudo

prévio de impacto ambiental).

Por dizer respeito à proteção da vida em todas as suas formas, a Administração

Ambiental lida uma imensa gama de aspectos que exigem diálogo entre as mais diversas

especialidades técnicas, dentre as quais Biologia, Engenharia Florestal, Saúde Pública,

Engenharia Química, Medicina, etc. Seria desastroso, por exemplo, nos valer apenas da

área da Engenharia Química, na busca de uma solução eficaz para a erradicação do

mosquito transmissor da dengue ou no combate de pragas na agricultura – digamos, a

aspersão na atmosfera de produtos altamente tóxicos e que tivessem eficiente

propriedade inseticida. Por isso, é inevitável que seja dada à Administração Ambiental

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determinada margem de discricionariedade para que, diante do caso concreto, decida

qual a melhor solução, dentro das alternativas juridicamente válidas.

A discricionariedade, contudo, não é ilimitada. A doutrina de Direito

Administrativo está praticamente pacificada no que diz respeito ao estabelecimento de

contornos precisos para o exercício do poder discricionário no que diz respeito a três

aspectos: competência, finalidade e forma. A tendência jurisprudencial vem sendo no

sentido de apreciar o mérito do ato administrativo ambiental para averiguar se foi

atendida sua finalidade. O Superior Tribunal de Justiça tratou de forma bastante incisiva

sobre o tema no AgRg no Agravo em Recurso Especial no. 476.067-SP, relatado pelo

Ministro Humberto Martins. De acordo com a sentença de primeira instância, após

constatar a ocorrência de intervenção em área de preservação permanente, laudo

realizado por engenheiro agrônomo aventou a possibilidade de autorização para

continuidade da obra “desde que o proprietário se comprometa em modificar o tipo de

estrutura a ser utilizada no isolamento, substituindo o muro de alvenaria por mourões de

madeira, o que possibilitaria um menor impacto àquelas áreas ciliares”. No entanto, o

órgão da Administração Ambiental expediu autorização especial em desacordo com as

recomendações técnicas, mediante medidas compensatórias. Ao final, o STJ,

prestigiando a solução preconizada no laudo técnico de dano ambiental, afirmou que

“compete ao Poder Judiciário imiscuir-se no mérito do ato administrativo, ainda que

discricionário, para averiguar os aspectos de legalidade do ato, mormente quando as

questões de cunho eminentemente ambientais demostram a incúria da Administração

em salvaguardar o meio ambiente“.

A lógica adotada pelo STJ para delimitar o poder discricionário da Administração

restou bastante clara no julgamento do Recurso Especial 127.607/PR (Rel. Min. Mauro

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Campbell Marques, 2ª Turma, j. em 06.12.2011), cuja ementa é citada no acórdão

anteriormente mencionado:

“…a simples utilização de conceitos indeterminados não é suficiente para conferir

a qualquer escolha administrativa a correção. Ao contrário, a utilização deste tipo

de técnica de construção normativa tem por escopo possibilitar que a

Administração identifique, na análise casuística, qual é a melhor escolha – que,

por ser a melhor, é única”.

Na prática, considerando a infinidade de variáveis que concorrem em qualquer

estudo ambiental (aspectos relacionados à biodiversidade, à saúde pública, à

geomorfologia do solo, à hidrologia, à fauna, à segurança etc.) talvez a escolha do que

pode ser considerado o melhor para o meio ambiente não seja algo assim tão fácil de ser

feito, a ponto de se chegar à conclusão de que seria a “única escolha”. No entanto, não

há como negar que a mudança de orientação de nossos tribunais é bastante salutar e vem

colocar um basta no cheque em branco que o Poder Legislativo muitas vezes acaba por

conceder ao Executivo quando se trata de defesa do meio ambiente.

3. Edição da Súmula STJ 613

Por conta dos abusos cometidos em nome do poder discricionário que, na prática,

nada mais era do que um ilegítimo juízo de conveniência e oportunidade na concessão

de licenças e autorizações administrativas e ambientais é que, já em 2014 o Superior

Tribunal de Justiça começou a pronunciar-se de forma mais incisiva, de forma a coibir

essa prática nefasta.

Com o propósito de afastar a perpetuação de situações de ilegalidade na área

ambiental, em 9 de maio de 2018 a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça publicou a

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Súmula 613, com o seguinte teor: “Não se admite a aplicação da teoria do fato

consumado em tema de Direito Ambiental”.

A consolidação desse entendimento já se processava há um bom tempo e,

felizmente, vem em sentido oposto à nefasta tendência recente de perpetuação de

ilegalidades no âmbito da Administração Pública, tendência esta presente no texto da

Lei n. 13.655/2018, que trouxe mudanças preocupantes à LINDB - Lei de Introdução às

Normas do Direito Brasileiro (Lei n. 4.657/42) 11.

O STF, em julgamento do Recurso Extraordinário 609.748 AgR/RJ, relator o

Exmo. Sr. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, já havia adotado este entendimento:

“A teoria do fato consumado não pode ser invocada para conceder direito

inexistente sob a alegação de consolidação da situação fática pelo decurso do

tempo. Esse é o entendimento consolidado por ambas as turmas desta Suprema

Corte” (DJ de 13/09/2011).

É que, como ensina o Min. Herman Benjamin (REsp 650728/SC, 2ª T. DJe de

02/12/2009), a chamada desafetação ou desclassificação jurídica tácita em razão do fato

consumado é incompatível com o Direito brasileiro.

Se a revogação de ato administrativo (por exemplo, de uma licença de operação),

alicerçada em mero juízo de conveniência e oportunidade, constitui medida

excepcionalíssima, o mesmo não ocorre quando se tratar de ilegalidade. Neste caso, a

anulação do ato é impositiva.

11
A respeito das alterações na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em especial no que diz
respeito à sua repercussão no Direito Ambiental, escrevi para o Jornal ((o eco)) artigo intitulado “Temer
consegue retirar os ‘entraves ambientais’ apontados por Lula”. O artigo foi publicado em 14.05.2018 e
seu acesso pode ser feito pelo link https://www.oeco.org.br/colunas/guilherme-jose-purvin-de-
figueiredo/temer-consegue-retirar-os-entraves-ambientais-apontados-por-lula/.

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Tome-se como exemplo uma ilegal autorização de exploração de área de

preservação permanente, em desrespeito ao disposto no art. 3º, parágrafo único, V, da

Lei 6.766/79, que proíbe a edificação sobre tais áreas.

Com base no art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81, a Administração Pública pode revogar

essa autorização e impor ao poluidor o dever de recuperar o ambiente degradado. A

Súmula 473 do STF é expressa nesse sentido:

“A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os

tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de

conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos

os casos, a apreciação judicial”.

Evidentemente, será preciso sempre examinar cada caso concretamente, tanto no

que diz respeito à efetiva ilegalidade do ato administrativo quanto no que concerne ao

custo ambiental da repristinação decorrente da anulação ou revogação.

A autorização para supressão de área de preservação permanente (APP), nos

termos dos arts. 8º e 9º da Lei 12.651/2012, é lícita no caso de utilidade pública ou de

interesse social. Todavia, se a autorização não se enquadra em nenhuma das exceções

legais (por exemplo, se o uso tinha por fim apenas o lazer) e prejudica o equilíbrio

ecológico, o dever irrenunciável e imprescritível da administração é de anular a

autorização indevida e de exigir a reparação dos danos.

Rotineiramente, a oposição a este entendimento tinha como fundamento a ofensa

aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, aos quais se juntavam

argumentos acerca da boa fé do administrado, direito de propriedade, direito adquirido

etc. Nesse sentido, uma autorização expressa do órgão competente bastaria para conferir

ares de legalidade a uma utilização em flagrante afronta à legislação ambiental e ao

princípio constitucional da função social da propriedade.

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Com base em argumentos dessa natureza, adotava-se a teoria do fato consumado:

processos de regeneração ambiental seriam extremamente lentos e, por vezes,

impossíveis. Assim, situações consolidadas de uso em desconformidade com a lei

passariam a ser, mais do que toleradas, protegidas judicialmente pela simples existência

de uma autorização do órgão competente.

Este entendimento, ao menos no âmbito jurisprudencial, não é mais defensável. O

bem tutelado, meio ambiente ecologicamente equilibrado, não pertence individualmente

a ninguém, mas às gerações presentes e futuras. Mais do que mera retórica, esta

afirmação está amparada pela Declaração do Rio de Janeiro (1992) e pelo caput do art.

225 da Constituição Federal.

Dos atos administrativos nulos não podem advir efeitos válidos e consolidação de

qualquer direito adquirido. Declarada a sua nulidade em razão do descumprimento da

legislação ambiental, a situação fática deve retornar ao estado anterior.

O que parece realmente absurdo é cogitar da hipótese de convalidação de

ilegalidades a partir da realização de atos administrativos nulos. Por muito tempo

convivemos com situações verdadeiramente intoleráveis:

1 – Uma lei proíbe uma obra ou atividade industrial em determinado espaço

territorial;

2 – Um servidor público passa por cima da lei, em benefício do proprietário;

3 – O proprietário adquire o direito de descumprir a lei para todo o sempre.

De acordo com a orientação agora sumulada do STJ, esse círculo vicioso, no qual

o servidor público detém o poder majestático de decidir se a lei é ou não aplicável para

o administrado, não mais pode prevalecer. Nenhum administrado poderá doravante

contar com o benefício da teoria do fato consumado, pois a qualquer momento as

regalias conferidas pelo servidor público poderão ser retiradas.

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Obviamente, as hipóteses de boa fé continuarão a merecer proteção jurídica, mas

não em detrimento do interesse público. Assim, caberá ao proprietário exigir o

ressarcimento dos prejuízos junto ao órgão administrativo municipal, estadual ou

federal. E ao Município, Estado ou União, competirá promover ação regressiva contra o

servidor, nos termos do tão esquecido art. 37, § 6º, da Constituição Federal: As pessoas

jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos

responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,

assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Se aplicadas com seriedade a Súmula 613 e as disposições constitucionais aqui

mencionadas, haverá uma boa chance de se conjurar as ameaças de aviltamento do

Direito Ambiental, representadas pela Lei n. 13.655/2018.

4. Impacto ambiental e de vizinhança gerado pela recuperação ambiental e

urbanística de bens tombados

A Súmula 613 do STJ é, sem dúvida, de rigorosa aplicação em casos

teratológicos, como o de prédios luxuosos, construídos ilegalmente no entorno de prédio

tombado pelo órgão público de proteção do patrimônio cultural municipal, estadual ou

federal, graças a liminares judiciais concedidas em instâncias judiciárias inferiores.

Lamentavelmente, são numerosos em nosso país os exemplos de utilização desse

expediente para se conseguir a perpetuação de um dano urbanístico: negada

administrativamente a autorização para construção de um edifício, obtém-se

judicialmente autorização para início da construção e o que se segue é a certeza de que o

órgão administrativo deixará transitar em julgado o afastamento do ato administrativo

de indeferimento da licença ou, na pior das hipóteses, a liminar judicial só será

derrubada quando já concluída obra e os moradores alojados em seus apartamentos.

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Não é admissível que o interesse particular de uma dúzia de proprietários de

apartamento num edifício, cuja regularidade para o erguimento já era questionada desde

a época de seu lançamento, prevaleça sobre o interesse de todo o país na proteção de seu

patrimônio histórico, arquitetônico, artístico, turístico ou paisagístico.

Por outro lado, em que pese o teor da Súmula 613 do STJ, em certas hipóteses o

dano é irreversível no âmbito da defesa do meio ambiente cultural, como é no caso de

destruição do bem tombado. É bastante conhecido o caso da Mansão Matarazzo, prédio

de valor histórico localizado na Avenida Paulista (por sinal, em topo de morro) cujos

proprietários, em razão da iminência da decretação de seu tombamento, dinamitaram

seus alicerces no meio da madrugada. Nesta hipótese, além dos desdobramentos na

esfera penal, não haveria alternativa à exigência de indenização pelo dano causado.

5. Impacto das obras para repristinação do espaço degradado

Quando falamos em recuperação ambiental e urbanística em razão de danos

decorrentes de edificação irregular, muitas vezes será imprescindível a prévia avaliação

do impacto ambiental e de vizinhança relativo às próprias obras destinadas a promover

o retorno à situação anterior.

No caso de APPs em áreas urbanas consolidadas (exemplo predileto escolhido

pelos defensores do direito ao “dano consolidado”), somos obrigados a examinar o tema

com maior cautela. É aqui, porém, que reside o perigo maior de flexibilização da

Súmula 613, pois sempre haverá, do lado do empreendedor, o argumento ad terrorem

(Cf. nosso “Curso de Direito Ambiental” : São Paulo : RT, 6ª Edição, esp. o cap.21,

sobre meio ambiente urbano, item 8.3 - “APPs em áreas urbanas consolidadas”).

Os arts. 64 e 65 do novo Código Florestal disciplinam a regularização fundiária de

interesse social ou de interesse específico dos assentamentos inseridos em área urbana

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de ocupação consolidada e que ocupem Áreas de Preservação Permanente. Em tais

casos, a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de

regularização fundiária, na forma da Lei 11.977, de 7 de julho de 2009. Todavia, não

enfrentou questão crucial: como recuperar áreas de preservação permanente urbanas

com ocupação consolidada por avenidas marginais ou bairros inteiros.

5.1. Hipóteses em que a recuperação pode ser mais danosa

São de preservação permanente as margens de rios, o topo de morros e as encostas

de morros com inclinação igual ou superior a 45º. Na cidade de São Paulo as avenidas

marginais aos rios Tietê e Pinheiros e a avenida do Estado, marginal ao rio

Tamanduateí, a avenida Paulista e a Rua do Paraíso, dentre muitas outras, estariam

ocupando tais APPs.

Seria, porém, rematado despropósito pretender a demolição da infraestrutura

urbana existente nessas áreas. Não é necessário invocar a regra do direito adquirido para

solucionar tais hipóteses, mesmo porque não existe direito adquirido de degradar o meio

ambiente.

Aplicando-se, porém, o princípio da proporcionalidade, não deverá ser exigida a

reversão ao status original de APPs quando isso exigir a realização de obras de tal porte

que acarretem significativo impacto ambiental e de vizinhança (arts. 36 a 38 do Estatuto

da Cidade: demolições, retirada de camada asfáltica, problemas de tráfego, poluição

sonora e visual, dentre outros) e, ainda, naquelas hipóteses em que o custo da

recuperação seja despropositado.

Este é o quadro normalmente verificado em áreas urbanas de grande densidade

populacional e de inexistência de instabilidade ambiental provocada pela intervenção

antrópica no ambiente.

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Acórdão do Superior Tribunal de Justiça que julgou o REsp 499.188/SE, cuidando

de hipótese de construção de estrada de rodagem em área de preservação permanente

(dunas) não precedida de estudo de impacto ambiental tratou de hipótese assemelhada.

Referido recurso especial havia sido interposto pela União Federal contra acórdão

proferido em sede de apelação pelo Tribunal Regional Federal da 5.ª Região que

concluíra pela aplicação do princípio do poluidor-pagador em face da “impossibilidade

fática e jurídica do desfazimento da obra, cujas consequências ambientais e sociais

seriam bem piores que as de sua realização”.

5.2. Hipóteses em que é impositiva ou, no mínimo, recomendável a demolição

de obras erguidas em desacordo com a legislação ambiental e urbanística

A contrario sensu, desde que os custos com a demolição de obras situadas em

áreas de preservação permanente e o impacto ambiental provocado pelas próprias obras

sejam de pequena monta, se comparados com os benefícios trazidos pela revitalização

da APP, a exigência de sua recuperação será devida, cabendo integralmente a aplicação

da Súmula 613 do STJ.

Tome-se, por exemplo, os casos de áreas de preservação permanente já

inteiramente urbanizadas e degradadas, mas que, em período de chuvas, sofrem

frequentemente enchentes.

Exemplo verdadeiramente vergonhoso de ocupação de áreas inundáveis ocorre ao

longo do Riacho do Ipiranga, na cidade de São Paulo. Uma região que deveria de ser

considerada patrimônio histórico de nosso país e berço da independência do Brasil, está

totalmente degradada desde antes do advento do Código Florestal de 1965. As matas

ciliares, que deveriam constituir as “margens plácidas” do Ipiranga a que se refere nosso

Hino Nacional, são hoje caixas de concreto. As águas cristalinas que brotam do Parque

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Estadual Fontes do Ipiranga não chegam a correr um quilômetro sem serem poluídas,

pois, logo ao transporem as divisas dessa unidade de conservação estadual, são

canalizadas sob uma avenida e, a partir daí, passam a receber os efluentes de incontáveis

esgotos da cidade.

Neste caso, seria perfeitamente justificável a imposição, ao Poder Público, do

dever de desapropriar as áreas cuja ocupação havia autorizado, não só em defesa do

meio ambiente, mas da saúde e da segurança das populações atingidas.

A solução aqui alvitrada atende aos princípios do Direito Ambiental e da

moralidade administrativa, com a finalidade de que se observe, não apenas a regra do

art. 225, caput, mas também a do art. 37, caput, ambos da Constituição da República.

Assim, se o art. 1.º da Resolução Conama 01/1986 conceitua impacto ambiental

como qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio

ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades

humanas que direta ou indiretamente afetam (inc. I) a saúde, a segurança e o bem-estar

da população; (inc. II) as atividades sociais e econômicas; e (inc. IV) as condições

estéticas e sanitárias do meio ambiente, constituiria um contrassenso exigir a realização

de obras altamente impactantes visando uma duvidosa recuperação da biota (inc. III) ou

da qualidade dos recursos ambientais (inc. V).

A recuperação de áreas de preservação permanente urbanas com ocupação

consolidada há de ser sempre exigida nas hipóteses em que os benefícios ambientais

trazidos por sua revitalização sejam superiores ao impacto ambiental e de vizinhança

decorrente da realização da obra e seus custos sejam compatíveis com o benefício

trazido para a coletividade.

6. Conclusão

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Quando pensamos na história das cidades brasileiras, é inevitável a lembrança da

canção “Saudosa Maloca” de Adoniran Barbosa:

“Peguemo todas as nossas coisas / E fumo pro meio da rua apreciar a demolição

Que tristeza que nóis sentia / Cada táuba que caía doía no coração”

Numa busca jurisprudencial sobre o tema “demolição”, encontraremos milhares

de referências à “coragem” do Estado quando se trata de desocupação de imóveis

ocupados pela população de baixa renda, para atender aos interesses do mercado

imobiliário. Trata-se de flagrante injustiça, quando não de verdadeiro racismo

ambiental, consistente em “interpretação seletiva do Direito, consolidando privilégios

para determinadas classes, com a manutenção das casas em área valorizada da Cidade e

confirmando o racismo estrutural vigente na sociedade brasileira, de modo a intensificar

as já tão marcantes desigualdades sociais”, como pertinentemente realçam Virgínia

Totti Guimarães e Paula Máximo de Barros Pinto em seu excelente artigo “Racismo

Ambiental e aplicação diferenciada das normas ambientais: uma aproximação

necessária entre os casos da Comunidade do Horto Florestal e do Condomínio Canto e

Mello (Gávea/RJ)” (https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/46025/46025.PDFXXvmi=)

A Súmula 613 do STJ pode constituir um marco decisivo para que Executivo e

Judiciário passem a atuar de modo firme e responsável, não subserviente “à força da

grana que ergue e destrói coisas belas” (Caetano Veloso, "Sampa"), negando o direito

de moradia ao povo, mas em defesa do interesse público, afirmando a prevalência de

ordens ambiental e urbanística socialmente justas e consentâneas com os princípios

básicos de Direitos Humanos.

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- A impotência do discurso -

JOSÉ RENATO NALINI

O Brasil é uma república sem identidade. Começou mal, com a expulsão de um

estadista, obrigado a sair da capital de madrugada, como se fora um criminoso. Mas as

décadas monárquicas impregnaram a consciência dos letrados. Não há vida republicana.

Os costumes são os de uma Corte. Praticamente impossível abolir os ranços imperiais. É

o que ajuda a explicar o retrocesso da tutela ambiental, desde que a cabeça coroada não

dedique ao tema respeito idêntico ao de seus antecessores.

Pois o país já foi considerado pioneiro no cultivo da ecologia. Participou da

elaboração do conceito de sustentabilidade, pois contava com a inteligência serena de

Paulo Nogueira Neto, o primeiro Secretário do Meio Ambiente da República.

Elaborou uma das mais belas normas constitucionais, o artigo 225 da Carta

Cidadã, corajosa ao contemplar o direito das futuras gerações. Não se cuida de mera

“expectativa”, mas de direito mesmo, consistente e fruível.

Em seguida, recebeu 192 países para a Eco-92, manifestação de preocupação

com as alterações climáticas e brado de alerta para a preservação da cobertura vegetal.

Teve no Ministério do Meio Ambiente uma grife verde, a seringueira Marina da

Silva, exemplo de inclusão e de intuitiva consciência ambiental.

Todavia, lástima das lástimas, a partir daí, tudo começou a regredir. Em nome de

uma visão equivocada de desenvolvimento, entendeu-se que a exploração agrícola e

pecuária seria incompatível com a sustentabilidade da floresta.

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Revogou-se o Código Florestal. Incensou-se o negócio agropecuário inclemente,

liberando-se áreas protegidas para um desmatamento insensato. Os horrores

continuaram, cada vez mais tétricos.

Queimadas provocadas, permissão de uso de herbicidas perigosos, a par de

surreal malversação da verdade. É imaginável atribuir-se às organizações não

governamentais o interesse na devastação? Alguém chegaria a imaginar que a esposa de

um chefe de Estado seria utilizada – e ofendida - para ridicularizar o marido, que

criticava a postura governamental em relação à natureza?

Astro de Hollywood é acusado de fazer doação para uma ONG acusada de

provocar incêndios na mata, com o intuito de aumentar a arrecadação de doadores para

a sua causa. Ninguém poderia acreditar que as queimadas fossem consideradas

“culturais” e que o preço da carne tem como causa o excesso de proteção na região

amazônica.

Vive-se momento kafkiano. Enquanto o mundo mais uma vez denuncia a

situação-limite, que imporia emergência de medidas drásticas na redução do consumo,

uma das causas das emissões dos gases do efeito-estufa, no Brasil a questão é

negligenciada. Invoca-se o velho, surrado e falacioso pretexto de que “a soberania

nacional” está em jogo. Seriam interesses mesquinhos os das Nações que evidenciam

sua indignação para o recado que os dendroclastas captaram bem: destruam, porque o

governo se desinteressou da questão ambiental.

A garota sueca empenhada em acordar os adultos anestesiados do mundo inteiro

– a incrível Greta – foi também ridicularizada no Brasil. Como o agronegócio é a

“salvação da lavoura”, a ele todo o incenso e reverência.

O Inpe, entidade estatal que já foi considerado pouco atuante pelos

ambientalistas, anunciou o excesso de destruição da floresta amazônica, em percentual

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de incrível crescimento da queima e derrubada do verde. O resultado foi a exoneração

de seu responsável. Faz lembrar o episódio farsesco de se retirar o sofá da sala, para

evitar o adultério ou de se matar o mensageiro, portador de más notícias.

Para compensar, libera-se a região amazônica para o plantio de cana, em

evidente desconhecimento de que a área não é propícia a tal cultivo. Por sinal que a

ciência comprovou e continua a demonstrar a fragilidade daquela verdadeira “caixa

d’água” que desaparecerá, no momento em que não existirem mais suas árvores.

O solo amazônico tem poucos centímetros de terra, mantidos pelo clima

generoso e pela umidade produzida pela floresta. Sem a cobertura da vegetação, haverá

primeiro uma savanização e, em seguida, uma desertificação. Sintomas disso já foram

apontados pelos mais prestigiados cientistas. Brasileiros e internacionais.

Tudo em vão. Prevalece a vontade do senhor. Ele sinalizou e o mercado não só

captou a mensagem, como foi apressado a tirar vantagens.

Onde está o direito nisso tudo?

A feição monárquica da República vive de elucubrações. Produção normativa

prolífica e ambiciosa. Tonelagem de leis, todas elas comentadas pela doutrina e, não

raro, avaliadas pela jurisprudência.

Mas o discurso é edificante, a prática lamentável.

Não se leva o direito ambiental a sério. A despeito de iniciativas quase heroicas,

notadamente o papel do Ministério Público, na verdade o maior defensor da natureza, a

consolidação da consciência ecológica no âmbito do direito é muito frágil.

Os próprios agentes da área jurídica não se compenetram de que um processo

em que esteja no foco uma questão ambiental não pode se subordinar ao esquema

convencional. Pondere-se: de um lado o infrator ambiental. De outro, na condição de

vítima, a comunidade difusa de lesados. Está em jogo o futuro da vida no planeta. Não é

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a Terra que pagará por nossos crimes: ela continuará a existir. Mas prescindirá da

presença do homem na sua superfície.

As lides ambientais se submetem às mesmas regras do processo interindividual.

Não se protege, como a Constituição prevê, o amplo espectro dos prejudicados.

No mesmo erro incide a jurisprudência ao sancionar de maneira muito tênue.

Quando a maior parte dos prejuízos ecológicos é de dificílima aferição. Quanto custa o

desaparecimento da biodiversidade? Como se estima o valor da vegetação queimada?

Ou a redução drástica da qualidade de vida afetada pelo delito ambiental? Até mesmo a

destruição da paisagem é algo que não se leva em conta na punição do infrator.

Pior ainda, as multas aplicadas – praticamente simbólicas – não chegam a ser

recebidas. A ineficiência estatal consegue deixar escoar o quinquênio e elas se tornam

inexistentes.

A experiência da Justiça ambiental é bastante angustiante para quem preza a

natureza como bem intangível, de valia extrema, essencial à sadia qualidade de vida.

Basta mencionar a luta com as queimadas da palha de cana-de-açúcar, que venceram

todas as batalhas, com o beneplácito do STF, que as considerou legítimas.

A permanência na Câmara Ambiental do TJSP por vários anos, desde a sua

implementação, evidenciou que a natureza não tem por si o aparato da lei, da doutrina e

da jurisprudência. Uma perversa atuação de especialistas em Direito Ambiental faz com

que os melhores talentos sejam recrutados para a defesa de causas indefensáveis. À luz

do direito, não haveria como deixar de reconhecer a prática de ato nocivo contra esse

bem difuso que é o ambiente hígido. Mas prevalece a retórica, bem amparada pelo

sustentáculo do mercado. Afinal, se a exploração do agronegócio é a única válvula para

um Estado pré-falimentar, como deixar de relevar a nefasta atuação dos destruidores da

natureza?

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Muito triste verificar que os Tribunais Superiores tangenciam o tema e chegam a

defender os incendiários, sob argumento de que “as fagulhas emitidas durante a queima

da cana-de-açúcar são as borboletas prateadas do progresso”.

A redução da queima de palha de cana-de-açúcar, pelo menos em São Paulo, não

resultou de incremento da consciência ambiental. Foi a constatação de que a

mecanização custa menos do que o método tradicional. Com auxílio dos fiscais do

trabalho, que passaram a exigir tratamento condigno aos antigos “boias frias”, o que

tornou a colheita mais dispendiosa e levou o setor a assumir a mecanização.

A exuberante produção normativa e doutrinária não tem servido para prover o

ambiente de uma defesa consistente. Veja-se na Justiça Criminal. O delito ambiental é

considerado algo “menor”, em cotejo com a concepção clássica de crime. Quando a

vítima é um ser humano, aí sim, existe uma indignação. Quando a vítima é a natureza,

não há comoção.

Nossa era falhou – e muito – ao desconsiderar a relação homem/natureza como

imprescindível à consecução do equilíbrio vital. A equação é bastante simples. Para que

alguém esteja adequadamente situado nesta frágil e efêmera passagem pela Terra, é

preciso que a quádrupla esfera de relacionamento seja bem resolvida. O relacionamento

consigo mesmo: nunca foi tão atual o comando socrático: conhece-te a ti mesmo. Há

pessoas que chegam à velhice e não sabem exatamente quem, na verdade, são. Ou

costumam ser, porque a vida é um cenário teatral. Às vezes comédia, outras vezes

tragédia, mas quase sempre uma farsa.

Em seguida, o relacionamento com o próximo. Não é emblemática a situação

brasileira neste ano de 2019? Excessiva polarização, a intolerância, a insensibilidade, a

ira, o ódio. Ainda que nem sempre ecloda a violência física, há uma sensação de

violência a pairar sobre todos os ambientes.

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Em terceiro lugar, é de se resgatar a relação com a natureza. Somos elos de uma

cadeia vital que não admite ruptura. Quando não nos consideramos parte dela, o

desequilíbrio é a consequência cruel.

Não nos indignamos com a sequência desastrosa de atitudes impensadas que

poluem a água, o solo, a atmosfera. Destroem o verde, eliminam a biodiversidade.

Somos produtores do caos, na intolerável máquina de fabricação de dejetos,

manifestação ímpar de nossa ignorância crassa e teimosa.

A Terra implorou, seguidas vezes, para que nos apiedássemos dela.

Continuamos surdos aos seus clamores. Cegos à catástrofe que está sob nossos olhos.

Persistimos na mesma conduta suicida.

Quem não respeita a natureza também não parece ter resolvido a sua relação

com a transcendência. Algo precisa existir para conter a inquietação da mente lúcida

que não cessa de indagar: por que nasci? O que estou fazendo aqui? Para onde irei

depois? Existe uma outra esfera, ou tudo terminará com o meu último suspiro?

A humanidade está enferma. As evidências de patologia estão à vista de quem

queira enxergar.

Ainda há tempo para a conversão?

A promessa que fizemos com o nosso ordenamento daria as coordenadas para

uma reação saudável e eficiente aos desmandos que persistem, característica de

pretensiosos na formulação de alternativas e, infelizmente, fracassados na sua

concretização.

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- Michel Serres: O otimista combatente e o contrato natural 12 -

MARCELO GOMES SODRÉ

“No exato momento em que fisicamente agimos pela primeira vez sobre a Terra

global, e ela reage sem dúvida sobre a humanidade global, menosprezamo-la

tragicamente. ” (Michel Serres – O Contrato Natural, p. 52)

Resumo: Este artigo tem como tema as ideias centrais expostas pelo

filósofo francês Michel Serres em seu livro O Contrato Natural. Serres parte da

ideia de que até hoje a humanidade, que está à beira de uma catástrofe

ambiental, vive sob a égide de um Contrato Social. Todas as principais

declarações de direitos humanos, como o próprio nome diz, excluíram a

Natureza, são feitas pelos homens e para os homens. Para a assinatura de um

novo pacto, é imprescindível a inclusão da Natureza como um novo sujeito de

direito subjetivos, E, para tanto exige-se um novo olhar filosófico sobre a

história da humanidade e da Terra.

Palavras Chave: Contrato Natural. Relação homem natureza. Direitos

subjetivos da Natureza.

12
Este artigo é uma pequena homenagem a Michel Serres, filósofo francês, que, tendo nascido em
1930, faleceu em 2019 após produzir quase uma centena de livros. Nesta homenagem, vou me referir,
quase que unicamente, ao livro escrito em 1990 que mudou a minha forma de ver o direito em sua nova
amplitude, quando de sua leitura 25 anos atrás: O Contrato Natural.

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Ser otimista neste mundo atual é possível? Michel Serres nos conta (1999, p. 08)

que dos seus nove anos até os dezessete anos – tempo de formação do corpo e da

sensibilidade – passou pela guerra da Espanha, pela derrota para os alemães nazistas,

pela luta da resistência contra os colaboracionistas, pelos campos de concentração, pelos

acertos de contas após a Liberação e pela bomba de Hiroshima. Depois dos 18 anos, a

Guerra na Argélia e outros conflitos na África. Foram tempos de fome, mortes torturas e

bombardeios. Como Serres pode ser otimista neste mundo depois da dura passagem da

infância para a adolescência?

De todos estes eventos, talvez o mais marcante para sua vida intelectual tenha sido

Hiroshima. Nas suas palavras: “Hiroshima constitui o único objeto de minha filosofia”

(1999, p. 25). Em 1945, um grande mito da modernidade se foi: o mito das ciências
13
duras como um progresso constante a serviço da humanidade. Desta dor e

desesperança, Serres constrói seu caminho: como a epistemologia da época não

relacionava ciência e violência, era necessário abandonar este barco 14. Não foram os

próprios cientistas que, no projeto Manhattan, construíram a bomba atômica? Como isto

foi possível? Era preciso buscar um novo conhecimento e aí nasceu seu interesse pela

filosofia, pelas humanidades. Só que, ao voltar-se para as humanidades, Serres se depara

com uma outra surpresa: a filosofia pouco tratava do tema da violência também. Diante

desta constatação, Serres se propõe a construir um novo conhecimento e por conta de

sua formação múltipla - Matemática e Filosofia – propõe que a educação seja um

processo que integre as ciências exatas e as humanidades. Sua filosofia toda é uma

13
Ciências exatas.
14
Serres faz frequentes alusões ao mundo náutico. Possivelmente por conta de sua passagem pela
marinha francesa.

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integração de conhecimentos. De nada adiantaria termos especialistas nas ciências

exatas sem a cultura das humanidades, e, da mesma forma, nenhum benefício existiria

na formação de jovens nas humanidades sem conhecimentos das regras do mundo

material. Poderíamos formular a seguinte afirmação (não dita por Serres): um físico,

sem conhecimento das questões da ética, continuaria a fazer a bomba nuclear enquanto

um humanista, sem conhecer a extensão dos efeitos de uma bomba nuclear, não teria

qualquer eficácia nos seus argumentos para mudar a realidade. É da mescla de

conhecimentos das ciências exatas e das humanidades (em especial a filosofia) que uma

nova Hiroshima poderia ser evitada, prevenindo-se a civilização desta violência global.

Mas o que toda esta história pessoal tem a ver com o surgimento do livro O

Contrato Natural? A relação é direta: se Michel Serres tem como tema central de sua

filosofia a violência, é necessário passar imediatamente à pergunta de qual é uma das

maiores – senão a maior – violência dos tempos atuais? A resposta ofertada por Serres

em 1990 é inequívoca ao fazer um balanço de como a humanidade trata o planeta: “o

balanço dos prejuízos infligidos ao mundo equivale ao dos destroços que atrás de si

deixaria uma guerra mundial” (1994, p. 56). E quando ele escreve esta frase, o mundo

ainda vivia as repercussões da guerra fria entre Estados Unidos e União Soviética, com

a louca eloquência mútua de quantas vezes cada um poderia destruir o planeta com suas

bombas. Aliás, destruir o mundo uma única vez já bastaria. Vivíamos a irracionalidade

dentro da irracionalidade. Na atualidade, a maior violência é aquela que o homem

comete contra a Natureza e este será o pano de fundo de seu livro.

E qual a proposta de Serres para a solução desta violência de âmbito planetário?

Na linhagem dos filósofos contratualistas - Hobbes, Locke e Rousseau - que defendiam

a ideia de um contrato social inaugural da sociedade, Serres propõe a assinatura de um

contrato natural que garanta a continuidade da sociedade/civilização e de seu entorno.

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Para tanto, o entorno deveria ganhar um nome e um direito: o nome é Terra, e todos os

seus moradores e objetos passariam a ter o direito de continuar existindo. Todos.

Direitos subjetivos das coisas e dos animais? Coisas e animais na posição de portadores

de direitos e não meros objetos? Caminhemos de mãos dadas com Serres no percurso

seguido para responder a estas questões.

O livro O Contrato Natural tem quatro capítulos, sendo que um deles tem por

nome Contrato Natural. Vamos nos fixar neste capítulo específico, mas utilizaremos,

eventualmente, ideias de outros capítulos. A principal destas ideias extras está na

abertura do livro, no capítulo Guerra e Paz. Com uma escrita bastante diferente (mas

típica das obras de Serres), o autor inicia o livro com a descrição de um quadro de

Goya, Duelo de garrotazo15, pintada entre os anos de 1820/1823. O que vemos neste

quadro? Dois homens, um deles já ensanguentado, lutando com varapaus nas mãos.

Onde estão eles? Em um campo aberto com montanhas na parte de trás. Apesar das

cores sombrias, o lugar ainda mantém um certo ar de beleza. Onde pisam os duelistas?

Em algum tipo de areia movediça, algum pântano. A plateia ao visualizar a pintura se

pergunta: quem vai morrer? Quem vai ganhar? As apostas estão em aberto. O homem

que sangra talvez seja o derrotado. E os próprios contendores se olham e perguntam:

quem está ganhando a batalha? Cada um pensa que será o vencedor. Será mesmo? Mas

o que a plateia vê? O quadro estimula apostas: quem vai sobreviver? Serres propõe um

olhar mais amplo, um olhar dele (nosso) sobre o todo: contendores, natureza e plateia.

Percebe-se primeiramente que a natureza ocupa quase toda a tela da pintura. E fixando

um pouco mais a atenção no quadro é possível enxergar que, a cada paulada, os homens

afundam mais no pântano. A pergunta precisa ser refeita: quem vai ganhar? Ninguém.

Nem os homens, nem a plateia e nem quem olha externamente. Quem vai ganhar? A

15
Duelo com vapaus.

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Natureza em um primeiro momento, mas talvez a Natureza acabe sucumbindo à

violência total. Hiroshima. São e somos perdedores. Completos.

Mas e o contrato social inaugurador da sociedade? Ele não garante a continuidade

da própria sociedade? Não mais. A violência do estado de guerra não é mais individual,

é global. O ato inaugural, papel escrito que nunca ninguém viu, está em risco. Serres vê

este perigo global ao constatar o que falam dos direitos da natureza os revolucionários

da ilustração com sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, os ganhadores

da segunda guerra mundial e os fundadores da Declaração Universal dos Direitos

Humanos de 1948. Ausência. Silêncio. Nada. Como diz Serres, o mundo despareceu no

contrato social. Possivelmente o mundo nunca tenha existido neste contrato. Tudo gira

em torno do homem. “O contrato social ... fechava-se sobre si mesmo, deixando de fora

de jogo o mundo, enorme panóplia de coisas reduzidas ao estatuto de objetos passíveis

de apropriação” (1994, p. 62). A natureza significa a natureza humana e esta se reduz à

sua história e a razão. Os riscos deste abandono são graves.

No mundo da filosofia, aponta Serres, será preciso combater a ideia cartesiana de

domínio e possessão. A filosofia cartesiana foi responsável por organizar a violência

contra a natureza. O homem só olha para ele mesmo. O cogito é fundador da

humanidade refletindo-se no espelho ad infinitum. Com Descartes, todos (racionais) se

unem contra um inimigo comum: a natureza. O universo cartesiano é dono do mundo. O

projeto da razão, e sua ciência, para o domínio do universo com Descartes, precisa ser

estancado e uma mudança de rota é quase tardia. É preciso buscar, antes que a

possibilidade se extinga, a paz nesta guerra suja entre razão e natureza, entre

homem/sociedade e mundo, entre parasitismo e simbiose...

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O PARASITA. É a partir deste conceito da biologia que Serres nos mostra o que

aconteceu com a história da relação homem/sociedade/planeta. Para Serres, os seres

vivos, muitas vezes, sugam seus hospedeiros até a morte: “L’un prend tout et ne rend

rien pendant que l’autre donne tout et ne reçoit rien” (1980, p. 09). Parasitismo. A

relação dos homens com os outros seres vivos e com as coisas do planeta é desta

espécie. O parasita é sempre um abusador. A troca não tem sentido. É uma flecha de

mão única. Mas o parasitismo tem limites fáticos. Leva à finitude do hospedeiro e pode

levar a sua própria finitude. Não estamos mais tratando apenas da poluição das fábricas,

mas da poluição cultural, da forma de se relacionar com o mundo natural, como um

todo, que nos cerca. Serre se utiliza de uma figura de linguagem marítima: como os

marinheiros de um barco em alto mar não têm como escapar do destino coletivo, os

habitantes da Terra não têm como se esconder da tragédia que se apresenta. O que a

humanidade não percebeu é que a Terra é muito anterior aos homens que a habitam e

pode muito bem continuar sem eles. O oposto não é verdade: os homens não podem

viver sem a Terra (1994, p. 58). E a conclusão é quase óbvia: quem deveria ocupar o

papel central no mundo dos direitos? O parasita ou o hospedeiro? Os homens são a

periferia do sistema planetário. Uma nova ética se apresenta.

O CONTRATO NATURAL. Vivemos nos últimos séculos sob a égide de dois

equilíbrios: equilíbrio do mundo físico na sua dinâmica interna e o equilíbrio dos pactos

sociais. Ocorre que, com a bomba de Hiroshima, ficou claro que não bastava mais estes

dois sistemas balanceados internamente. Agora, e talvez desde sempre, um afeta o

outro. Existem apenas dois caminhos: “ou a morte ou a simbiose” (1994, p. 59).

Quando a sociedade era composta por agricultores e marinheiros, todos sabiam dos

riscos do tempo, de respeitá-lo, de escutá-lo. De amoldar as ações por este fator externo.

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Fora da minha razão. Era uma questão de sobrevivência. Quando a humanidade foi para

dentro das casas nas cidades, para o artificial, perdeu o mundo. Transformou-se o

mundo em fetiches e mercadorias. Esqueceu-se que o mundo se vinga. O que fazer?

“Resta-nos pensar num novo equilíbrio, delicado, entre esses dois conjuntos de

equilíbrios” (1994, p. 65). Por fim ao parasitismo e pactuar um contrato de simbiose,

um Contrato Natural, de reciprocidade. Um contrato de armistício com a Natureza. Um

contrato de simbiose no qual cada contratante se responsabiliza pela vida inteira do

outro.

Contrato de que com quem?

Para firmar um Contrato Natural é preciso que haja pelo menos dois sujeitos e

uma linguagem comum. Três dificuldades: (i) diante da catástrofe que se apresenta, toda

a humanidade deve ser contratante e não as pessoas individualmente; (ii) não somente

os filhos de Descartes devem estar nos lados do contrato; e (iii) em que linguagem o

pacto será firmado. Serres lembra que nunca ninguém leu o contrato social ou nem

mesmo uma cópia. A língua que serviu de substrato ao contrato social não era escrita,

era a linguagem de uma ética comum. Em Hobbes todos se comprometem pelo bem de

todos e pela garantia de vida de cada um. Compromisso calculado.

Em Serres, a Terra fala por meio de sua força, de suas ligações e interligações. É

possível escutá-la. É necessário sentir a força da sua linguagem. É impossível não ter

noção da potência de seus atos. Para Serres, a inclusão da natureza no polo ativo do

direito não é mais uma mera opção humana, é um fato: “O que é a natureza? Em

primeiro lugar, o conjunto das condições da própria natureza humana, as suas

limitações globais de renascimento ou de extinção, a estalagem que lhe dá alojamento,

aquecimento e comida; além disto, ela priva-a disso, logo que abuse. Condiciona a

natureza humana que, a partir desse momento, passa a condicioná-la. A natureza

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conduz-se como um sujeito” (1994, p. 62). A Natureza se impõe como sujeito,

reconheçamos ou não. Reconhecer tal fato, abre uma senda; ignorá-lo, abre abismos,

descompassos... . A Natureza não tem como reivindicar direitos. O que ela pode fazer, e

faz, é ser um sujeito de direito de fato ao demonstrar seu poder de vingança. As

dificuldades (ii) e (iii) podem ser solucionadas para a assinatura de um Contrato Social.

Os fatos falam mais do que o direito tradicional e exigem um reconhecimento.

O grande problema é suplantar a dificuldade (i), qual seja, estará a humanidade

disposta a assinar um contrato coletivo16 com a Natureza, reconhecendo seus direitos

subjetivos? Estará disposta a ter uma relação simbiótica comensualista e não uma

relação parasitária? Conseguirá ver no estranho um sujeito de direito? E preciso notar

que o grande perdedor do não reconhecimento é aquele que deixou a inércia tomar uma

decisão. A inércia joga contra a continuidade da humanidade. Como veremos, este

contrato exige um novo homem político, um homem que não separe mais corpo e alma.

Alguns requisitos são necessários para garantir a assinatura deste novo contrato. O

mais fácil de compreender, e por isso mesmo mais difícil de realizar, é pensar a longo

prazo. Os administradores, os media e os cientistas são homens de especialidades e

perderam esta faculdade. São homens de curto prazo. Não são como os antigos

agricultores e navegadores que precisavam pensar a longo prazo. Devemos tomar como

ponto de referência o que ocorre dentro de um navio. Todos estão juntos e é impossível

se salvar sozinho. Se a teia social dentro de um navio se fragmenta, todos sentem o

efeito do afogamento. Nosso mundo deve ser pensado como este navio onde não existe

refúgio. Não temos outro planeta para se proteger caso o fim deste aconteça. Não

podemos erguer uma tenda em uma praia deserta. A unidade da ameaça exige a unidade

da resposta coletiva a longo prazo.

16
Para Serres, somente um contrato coletivo pode reverter o curso dos acontecimentos.

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A resposta de Serres parte da seguinte pergunta: o que nos ensina o piloto de um

navio que vai ao leme? Olhar o horizonte. A maior das lições: se o piloto basear suas

ações unicamente no contrato social que rege a vida de seu navio, a morte rondará a

vida de todos embarcados. Olhar para fora. O jurista, o administrador e o publicitário só

levam em conta a si mesmos. O direito tradicional comete este erro. Só leva em conta o

social. Continuando nesta figura de linguagem, o governante – da mesma forma que o

capitão – deve unir as humanidades com a física. O direito precisa olhar a física e ser

olhado. “A partir de agora, o governante deve sair das ciências humanas, das ruas e

dos muros da cidade, tornar-se físico, emergir do contrato social, inventar um novo

contrato natural, devolvendo à palavra natureza o sentido original das condições em

que nascemos – ou deveremos renascer amanhã” (1994, p.73). E as ciências duras

devem se aproximar do político. A físico política exige a assinatura de um contrato

natural.

Estamos em plena filosofia da mestiçagem. O filósofo, melhor dizendo, a filosofia

(de linha não cartesiana, por óbvio) pode ser o longo caminho a percorrer. O piloto e os

marinheiros estão no mesmo barco. Seus destinos estão unidos. Assim estão também

governantes e governados. Não existe rota de fuga individual. E tanto o piloto como o

governante precisam olhar o mundo e os homens. E serem olhados. O tempo do

contrato social inaugural – em que apenas a humanidade falava – passou. O Contrato

Natural é, antes de tudo, um reconhecimento metafísico “por parte de cada coletividade

de que vive e trabalha no mesmo mundo global de todas as outras” (1994, p. 76). É

mais do que um contrato meramente científico ou social, na exata medida que o mundo

deve ser considerado em sua totalidade (1994, p. 77). É um contrato que tem como

substrato uma simbiose entre Terra e humanidade. O contrato físico não consegue isto e,

muito menos, o contrato social. Este dois anunciam um segundo dilúvio.

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Ultrapassa-se, assim, não somente a ciência, mas uma certa visão

religiosa/política. De nada adianta cumprir apenas o mandamento que funda o Contrato

Social: amar o próximo como a si mesmo. Este amor reduzido ao nosso entorno íntimo

leva às seitas, ao gangsterismo e ao racismo. É preciso uma segunda lei, aquela que

“exige que amemos o mundo” (1994, p. 81). Aquela que nos diz: “ama o elo que une a

terra à Terra e faz com que se aproximem o próximo e o estranho” (1994, 82). Estes

dois mandamentos devem andar de mãos dadas, sob pena de implantação do ódio, da

destruição. Mais ainda: é preciso que estes dois mandamentos sejam amalgamados em

apenas um: “amar os nossos dois pais, natural e humano, a terra e o próximo; amar a

humanidade, a nossa mãe humana e a nossa mãe natural, a Terra” (1994, p. 81). E a

filosofia da mestiçagem e do otimismo, permite ao filósofo Serres, diante do segundo

dilúvio que se anuncia, em outra obra, enunciar três mandamentos universais17 (1999, p.

262):

I. Não se entregaras à violência, não só contra este ou aquele indivíduo, estranho

ou próximo, mas contra a espécie humana global.

II. Não te entregaras à violência, não mais contra somente o que jaz ou vive

na tua vizinhança, mas em relação ao planeta Terra inteiro;

III. Não te entregarás, enfim, a nenhuma violência em espírito; pois, desde

que ingressa na ciência, o espírito supera a consciência ou a intenção e se torna

o principal multiplicador da violência.

O primeiro reforça o inaugural Contrato Social, defendendo a humanidade de sua

própria violência; o segundo refunda o mundo, por meio do Contrato Natural,

ampliando o âmbito de aplicação dos direitos; e o terceiro traz as responsabilidades da

ciência e do cientista, buscando garantir uma proteção contra a chamada poluição

17
Aos moldes Kantianos.

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cultural. Contrato Social, Contrato Natural e ética intelectual devem andar de mãos

dadas.

Michel Serres vai fazer muita falta no mundo que se anuncia. Por isto mesmo, não

podemos deixá-lo cair no esquecimento. Com seu otimismo mesclado e combativo,

Serres é o próprio Hermes: o mensageiro.

REFERÊNCIAS

Serres, Michel – O Contrato Natural, Ed. Instituto Piaget, coleção Epistemologia e

Sociedade, Lisboa, Portugal, 1994.

Serres, Michel – Le Parasite, Editions Grasset et Fasquelle, França, 1980.

Serres, Michel – Luzes: cinco entrevistas com Bruno Latour, Editora Unimarco, São

Paulo, 1999.

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- A função promocional do Direito Ambiental: Políticas Públicas e Sanções

Positivas -

MÁRIO ROBERTO ATTANASIO JUNIOR

Resumo: as demandas da sociedade contemporânea exigem do direito além de sua

tradicional função repressiva a promoção de incentivos por meio de sanções positivas.

O direito ambiental revela-se como um dos ramos mais promissores do direito para

adoção de medidas estimuladoras de condutas.

Palavras-chave: função promocional do direito, políticas públicas, sanções

positivas, direito ambiental, participação pública.

Summary: the demands of contemporary society requires the right besides its

traditional repressive function to promote incentives through positive tax sanctions.

Environmental law is revealed as one of the most promising areas of law for the

adoption of behavior-stimulating measures.

Keywords: promotional function of law, public policy, positive tax sanctions,

environmental law, public participation.

1. A função promocional do direito: da análise estrutural à análise

funcionalista.

A partir da segunda metade do século XX, o direito passou a ter uma função

promotora e estimuladora, e não somente uma função repressora e proibitiva. À

dimensão clássica de controle social, voltada à repressão e à proteção de interesses

específicos, somou-se a dimensão da promoção de comportamentos através de

estímulos positivos. Isso se deu em função dos novos temas com os quais o direito

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passou a lidar, e que não encontravam respostas satisfatórias na análise meramente

estrutural18.

A concepção repressiva do ordenamento jurídico, segundo a qual o direito alcança

seus objetivos mediante sanções negativas, remonta a Kelsen e a Austin, enquanto a

concepção protetora do ordenamento jurídico remonta a Thomasius, para quem o direito

se caracterizava por normas de proibição. Essas teorias encontravam-se muitas vezes

sobrepostas: o direito protegeria os atos lícitos (que podem ser tanto atos permitidos

quanto atos obrigatórios) através da repressão dos atos ilícitos19.

A concepção repressora e a concepção protetora do direito são concepções típicas

do Estado Liberal do século XIX, predominantemente estruturado enquanto guardião da

ordem pública20. A idéia de que a tarefa do Estado (e conseqüentemente do direito, já

que direito e Estado são fenômenos interdependentes) consistia primordialmente na

organização do aparato de coação estava ligada a uma concepção negativa ou limitativa

do Estado, própria das várias correntes do liberalismo clássico, cujo aspecto essencial

residia na subtração da atividade econômica do controle estatal21.

De acordo com o liberalismo clássico, a atividade econômica deveria ser de

responsabilidade dos particulares, enquanto ao Estado caberia, sobretudo, a organização

da coação através das sanções negativas, encontradas principalmente no direito penal.

As sanções negativas consistem numa técnica de controle social baseada na ameaça e


22
infligem “um mal àqueles que praticaram ações socialmente indesejáveis” . As

18
LAFER, C. apresentação à edição brasileira. In: Da estrutura à função, novos estudos de teoria do
direito, Barueri/SP: Manole, 2007, p. LI.
19
BOBBIO, N. A função promocional do direito, in Da estrutura à função, novos estudos de teoria do
direito, Barueri/SP: Manole, 2007, p. 2.
20
Idem, p. 4.
21
BOBBIO, N. Em direção a uma teoria funcionalista do direito, in Da estrutura à função, novos estudos
de teoria do direito, Barueri/SP: Manole, 2007, p. 64.
22
BOBBIO, N., Estrutura e função na teoria do direito de Kelsen, in Da estrutura à função, novos
estudos de teoria do direito, Barueri/SP: Manole, 2007, p. 208.

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medidas de controle social têm como objetivo exercer poder sobre os comportamentos,

direcionando-os, impedindo-os e restringindo-os, de modo a que sejam adotadas as

condutas desejadas pelo legislador 23.

O Estado social, por sua vez, em oposição ao Estado liberal, já não se limita a

exercitar o controle social, pois intervêm cada vez mais na gestão da sociedade e, em

particular, na gestão da economia, através do incentivo à prática de determinadas

condutas. O Estado social não se restringe a punir os comportamentos indesejados,

recorrendo a uma sanção negativa, mas tende a obter os comportamentos desejados

recorrendo a uma sanção positiva, a um incentivo, a um prêmio24.

Segundo Norberto Bobbio, a passagem do Estado liberal para o Estado social,

com o aumento das funções estatais, enseja uma mudança de perspectiva do

ordenamento jurídico, de um direito com função predominantemente protetora e

repressiva para um direito cada vez mais promocional 25, que se utiliza de incentivos

para induzir determinados comportamentos, as chamadas sanções positivas. Em

decorrência dessa mudança de perspectiva, as teorias que se baseiam somente na análise

23
As primeiras obras de direito de Bobbio são dominadas pela abordagem estrutural do direito. A sanção
é considerada pelo seu lado negativo, como uma reação institucionalizada a uma inobservância da norma.
São, portanto, sanções externas e institucionalizadas, dotadas de maior grau de eficácia. Aqui a coação
faz-se presente enquanto meio de constranger, pela força, o recalcitrante. A norma moral, por outro lado,
é de natureza puramente interior. Sua inobservância acarreta como punição ao infrator, o sentimento de
culpa, de arrependimento. Logo, a ação moral é observada apenas em função de uma satisfação íntima.
Porém, o defeito das sanções morais é o de serem muito pouco eficazes, e por isso, são reforçadas muitas
vezes por sanções religiosas que, por vezes, atrelam conseqüências externas às conseqüências internas,
como no caso da excomunhão. (BOBBIO, N. Teoria da Norma Jurídica. 2ª ed. Bauru/SP: Edipro, 2003.
p. 154.). Segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr., a distinção tradicional entre moral e direito com base no
critério da conduta externa (direito) e interna (moral) é “vaga e ambígua, uma vez que não se pode negar
que motivos e intenções são relevantes para o direito”. O direito penal, por exemplo, procura qualificar o
comportamento criminoso conforme a intenção dolosa do agente. Os preceitos morais, por sua vez, não
são indiferentes à exterioridade da conduta, até mesmo quando a intenção é considerada boa: “de boas
intenções, o inferno está cheio”. Na questão da moral, há diferença entre escusa e justificação, pois se a
boa intenção pode ser uma escusa, mentir ao paciente sobre sua morte próxima para evitar-lhe um
sofrimento maior pode ser uma justificação. FERRAZ JR, T.S. Introdução ao estudo do direito: técnica,
decisão, dominação. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 332.
24
LOSANO, M. Prefácio à edição brasileira, In Bobbio, N. Da estrutura à função, novos estudos de
teoria do direito, 2007, Barueri/SP: Manole, 2007, p. XLII.
25
BOBBIO, N. O futuro da democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira, 8ª ed. São Paulo: Paz e
Terra, 2002, p. 126.

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da função repressiva do direito já não fazem frente às complexas demandas regulatórias

da sociedade contemporânea. Ao contrário do que previam determinados teóricos do

liberalismo, verificou-se que as tarefas estatais, ao invés de diminuir, aumentaram

significativamente ao longo do século XX26.

Ressalte-se que não se deve confundir a diferença entre normas positivas e normas

negativas com a distinção entre sanções positivas e sanções negativas:

Ainda que as normas negativas se apresentem habitualmente reforçadas por

sanções negativas e as sanções positivas se apresentem predominantemente

predispostas ao fortalecimento das normas positivas, não há qualquer

incompatibilidade entre normas positivas e sanções negativas (comandos de dar

ou de fazer), de um lado, e normas negativas e sanções positivas de outro. Assim

pode-se tanto desencorajar a fazer quanto encorajar a não fazer. Podem ocorrer

de fato quatro situações: a) comandos reforçados por prêmios; b) comandos

reforçados por castigos; c) proibições reforçadas por prêmios; d) proibições

reforçadas por castigos27.

Bobbio contrapõe a concepção sistemática e fundada na sanção, representada

principalmente por Kelsen, à concepção sociológica de Jhering, na qual a função

promocional tem uma posição de destaque. No entanto, Jhering circunscreve a eficácia

da função promocional à esfera das relações comerciais. Além disso, Jhering

praticamente anula o potencial promocional do direito ao restringir as sanções positivas

às honrarias, como títulos e medalhas, que não possuem o condão de promover condutas

economicamente desejáveis. Certamente, se as sanções positivas se resumissem aos

títulos e medalhas, se o direito recorresse às recompensas somente quando se tratasse de

26
BOBBIO, N. A função promocional do direito, in Da estrutura à função, novos estudos de teoria do
direito, Barueri/SP: Manole, 2007, p. 6.
27
Idem.

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conceder reconhecimentos honoríferos, Kelsen teria razão em dizer que as sanções

positivas possuem importância secundária no ordenamento jurídico, que funcionaria

como um ordenamento notadamente coercitivo28.

Uma melhor concepção da função promocional pode ser encontrada na obra de

Bobbio, que a define como: “a ação que o direito desenvolve pelo instrumento das

“sanções positivas”, isto é, por mecanismos genericamente compreendidos pelo nome

de “incentivos”, os quais visam não a impedir atos socialmente indesejáveis, fim

precípuo das penas, multas, indenizações, reparações, restituições, ressarcimentos, etc.,

mas, sim, a “promover” a realização de atos socialmente “desejáveis”29.

Bobbio propõe, além disso, uma mudança de foco na teoria do direito, que deveria

passar de uma análise estrutural – típica das concepções repressoras e protetoras do

direito – para uma análise funcional, mais apta à compreensão da função promocional.

Na obra de Kelsen, a nítida separação entre a análise funcional e a análise estrutural era

feita como forma de proteger o direito da intromissão de elementos axiológicos 30 .

Segundo Kelsen, uma teoria científica do direito deveria privilegiar os elementos

estruturais, iniciando pelo estudo do conceito de norma jurídica e terminando pelo

estudo do conceito de ordenamento jurídico. O estudo da função do direito caberia aos

filósofos e sociólogos. A determinação das finalidades a serem perseguidas pelo direito

enquanto instrumento de controle social caberia aos detentores do poder coercitivo,

sendo um problema político, e não um problema jurídico. Isso não significa que na obra

de Kelsen não existam enunciados sobre a função do direito. De acordo com Bobbio, o

28
BOBBIO, N. Em direção a uma teoria funcionalista do direito, in Da estrutura à função, novos estudos
de teoria do direito, Barueri/SP: Manole, 2007, p. 66.
29
BOBBIO, N. Prefácio In Bobbio, N. Da estrutura à função, novos estudos de teoria do direito,
Barueri/SP: Manole, 2007, p. XII.
30
Kelsen não incide no erro de Stamler, pois menciona somente que o ordenamento tem estrutura própria,
e não que o direito nada mais é do que uma estrutura. BOBBIO, N. Em direção a uma teoria
funcionalista do direito, in Da estrutura à função, novos estudos de teoria do direito, Barueri/SP:
Manole, 2007, p. 56.

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direito para Kelsen é uma técnica específica de organização social cuja especificidade

reside na utilização de meios coercitivos para induzir os membros do grupo a fazer ou a

deixar de fazer algo, recorrendo à força quando necessário31.

Esta formulação expressa uma concepção meramente instrumental do direito

enquanto meio útil para alcançar um fim. Dessa forma, poderiam ser realizados fins que

não poderiam ser alcançados através de outras formas de controle social. Tais fins

variam de acordo com o modelo de organização social e o contexto histórico32.

Kelsen também não se furta a uma definição funcional das sanções, que seriam

dispostas pelo ordenamento jurídico para obter-se um dado comportamento humano

que o legislador considera desejável 33 . Nesse ponto, Kelsen não está tratando da

estrutura normativa da sanção, mas apontando para que ela serve34. A preocupação de

Bobbio consiste em indagar até que ponto a teoria de Kelsen se torna obsoleta em

decorrência do crescimento da função promocional, já que para ele o direito se distingue

de outras técnicas de controle social (como a moral) não tanto pelo uso das sanções

negativas, mas pelo uso da força35.

A força não é o único meio para exercitar o poder. Este pode ser exercitado

também pela posse de instrumentos de produção, que dá origem ao poder econômico, e

a posse do conhecimento, que dá origem ao poder ideológico36. Além disso, as sanções

31
Idem, p. 61.
32
Escolhido o fim, o direito exaure sua função na organização de um meio específico, a coação, para se
obter a concretização do fim. Segundo Kelsen, o fim do direito é a paz. Em 1960, no entanto, na última
edição da Teoria Pura do Direito, Kelsen afirma que o direito busca a segurança coletiva. Trata-se,
portanto, de uma definição funcional. BOBBIO, N. Em direção a uma teoria funcionalista do direito, in
Da estrutura à função, novos estudos de teoria do direito, Barueri/SP: Manole, 2007, pp. 56-57.
33
Idem, p. 61.
34
Cabe lembrar que, segundo Kelsen, as sanções das quais se vale um ordenamento coativo são as
negativas, ou seja, pena e execução forçada (KELSEN, H. Teoria pura do direito, p. 121-122).
35
BOBBIO, N. Em direção a uma análise funcionalista do direito, in Da estrutura à função: novos
estudos de teoria do direito, Barueri/SP: Manole, 2007p. 73.
36
Cumpre observar que de acordo com Hobbes há outra forma de conseguir a obediência dos súditos
além da sanção, a saber, a educação e a persuasão. Trata-se do poder de convencimento do soberano, que

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positivas não se baseiam no medo da punição, exercida através da força, mas na

possibilidade de agir espontaneamente com vistas ao recebimento de um prêmio pela

“boa ação”. Enquanto o castigo é uma reação contra a ação má, o prêmio é uma reação a

favor da boa ação37.

Ao tratar da sanção positiva, Bobbio recorre ao termo “direção social” em vez de

“controle social” ou “controle de comportamentos”. A sanção positiva consiste num

mecanismo de incentivo criado pelo Estado para promover atos socialmente desejáveis.

Ela não controla propriamente os comportamentos, mas os direciona por meio de um

incentivo ou prêmio, o que torna a ação interessante, mas não obrigatória38.

Um ordenamento promocional efetua três tipos de operações para induzir

comportamentos desejados: a ação pode ser tornada necessária, fácil ou vantajosa. Por

outro lado, o ordenamento repressivo e protetivo, cuja finalidade é impedir a prática de

comportamentos não desejados, efetua três tipos de operações para impedir uma ação

não desejada, tornando-a impossível, difícil ou desvantajosa. No primeiro caso, são

utilizadas medidas diretas que impedem o destinatário de violar a norma, como a

vigilância e o uso da força. Nos outros dois casos, são utilizadas medidas indiretas, que

não atuam diretamente sobre o comportamento, mas buscam influenciá-lo por meios

psíquicos39.

A técnica típica das medidas indiretas é o encorajamento a certas condutas. Este é

utilizado por um ordenamento promocional, seja através da resposta favorável a um

comportamento já praticado (sanção positiva) ou através do favorecimento a um

é exercido pela linguagem e não pela espada. SALGADO, G. M. Sanção na teoria do direito de Norberto
Bobbio. Tese (Doutorado). PUC/SP, São Paulo, 2008, p. 46.
37
BOBBIO, N. As sanções positivas, in Da estrutura à função, novos estudos de teoria do direito,
Barueri/SP: Manole, 2007, p. 24
38
SALGADO, G.M. Sanção na teoria do direito de Norberto Bobbio. Tese (Doutorado). PUC/SP, São
Paulo, 2008, p. 124.
39
BOBBIO, N. A função promocional do direito, in Da estrutura à função, novos estudos de teoria do
direito, Barueri/SP: Manole, 2007, pp. 15-16.

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comportamento que ainda está para ser realizado (facilitação). O encorajamento consiste

numa operação pela qual A procura influenciar o comportamento desejado – comissivo

ou omissivo – de B, atribuindo-lhe uma conseqüência agradável ou facilitando-lhe.

Conforme salienta Tércio Sampaio Ferraz Jr., a ciência do direito, em vez de limitar-se

ao estudo e análise da sanção negativa e dos conceitos daí decorrentes (obrigação,

delito), é forçada a uma nova ordem de considerações. Em primeiro lugar, a sanção não

será mais apenas “ameaça”, mas também “promessa”. Em segundo lugar, sendo também

promessa (de facilitar ou de premiar), inverte-se até mesmo a relação direito/dever. Uma

vez que a sanção é uma promessa, a relação direito/dever vai do sancionado, que tem o

direito, para o sancionador, que tem o dever de cumprir a promessa. Por outro lado, se a

sanção é uma ameaça, a relação direito/dever vai do sancionador, que tem o direito, para

o sancionado, que tem o dever. Enquanto na concepção repressora e protetora o jurista

tende a encarar o direito sob uma perspectiva da sanção e do desencorajamento,

assumindo um papel conservador, na concepção promocional ele tende a encarar o

direito sob uma perspectiva da implementação de comportamentos, assumindo um papel

modificador e inovador 40.

As isenções fiscais ou prêmios para um comportamento superconforme são

exemplos de sanções positivas, ao passo que as subvenções e as contribuições

financeiras são exemplos de facilitações. No desencorajamento, por sua vez, é imposto

um obstáculo (comportamento penoso) ou atribuída uma conseqüência desagradável

(pena)41.

40
FERRAZ JR,. T S. Apresentação – O pensamento jurídico de Norberto Bobbio In BOBBIO, N. Teoria
do ordenamento jurídico. Brasília: UnB, 2006, pp. 14-16.
41
Bobbio apresenta o exemplo do pai que deseja que seu filho faça uma tradução difícil do latim. O pai
pode prometer ao filho que se ele a fizer poderá ir ao cinema (recompensa), ou então, permitir que o filho
utilize uma tradução bilíngüe (facilitação) (BOBBIO, N. A função promocional do direito, in Da
estrutura à função, novos estudos de teoria do direito, Barueri/SP: Manole, 2007, pp. 16-17).

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A articulação analítica efetuada por Bobbio conduz a uma série de dicotomias

referentes à distinção entre sanções negativas e sanções positivas42: a) atributivas ou

privativas (no caso das sanções negativas, atribuição de uma desvantagem e privação de

uma vantagem; no caso das sanções positivas, atribuição de uma vantagem e privação

de uma desvantagem); b) medidas retributivas (na sanção negativa, a pena; na sanção

positiva, o prêmio) e medidas reparadoras 43 (na sanção negativa, o ressarcimento de

danos; na sanção positiva, a compensação) e c) medidas preventivas (promovem o

comportamento desejado suscitando uma esperança ou impedem o comportamento não

desejado suscitando um temor) e medidas sucessivas (reação favorável quando o

comportamento é desejado e desfavorável quando o comportamento é indesejado)44.

Feitas estas considerações, cabe salientar que a função promocional não pretende

substituir a função repressiva, mas complementá-la. As demandas da sociedade

hodierna exigem do direito, além do controle dos comportamentos, a efetivação de sua

função de direção social. A preservação do meio ambiente é justamente uma das suas

demandas principais.

2. A função promocional e as sanções positivas no direito ambiental

brasileiro.

42
BOBBIO, N. As Sanções Positivas, in Da estrutura à função, novos estudos de teoria do direito,
Barueri/SP: Manole, 2007, pp. 25 a 32.
43
Cabe destacar que “a sanção da execução civil constitui dois deveres: o dever de não causar prejuízos,
como dever principal, e o dever de ressarcir os prejuízos licitamente causados, como dever subsidiário,
que vem tomar o lugar do dever principal violado. O dever de ressarcir os prejuízos não é uma sanção,
mas é o dever subsidiário. A sanção da execução, isto é, a indenização compulsória do prejuízo através do
órgão aplicador do Direito, surge apenas quando este dever não é cumprido”. KELSEN, H., Teoria pura
do direito, p. 139.
44
Ao comentar a dicotomia entre sanção negativa e sanção positiva, o professor Tércio Sampaio Ferraz
Jr. observa que na prática há nuances que dificultam classificar um caso de forma precisa como sanção
positiva ou negativa (aula ministrada no dia 12/05/09, referente à disciplina “Contribuições do
pensamento de Norberto Bobbio para a filosofia analítica e teoria geral do direito” do programa de pós-
graduação da FDUSP).

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A proteção do meio ambiente constitui uma preocupação política e jurídica

relativamente recente, surgida diante do agravamento da degradação ambiental a partir

da segunda metade do século XX. De acordo com o movimento ambientalista a natureza

possui um direito de ser respeitada e não de ser explorada sem limites45.

No processo de afirmação histórica dos direitos humanos fundamentais, o direito

ao meio ambiente ecologicamente equilibrado tem se apresentado, conforme a

linguagem utilizada pela ONU, como um direito de terceira geração. A titularidade

desse direito não pertence ao indivíduo na sua singularidade (como no caso dos direitos

de primeira e segunda geração), mas a toda coletividade46.

O direito ambiental se baseia na idéia de que a degradação ambiental não

prejudica indivíduos isoladamente considerados, mas toda a coletividade, podendo

levar, em último grau, à extinção da espécie humana.

Uma parte expressiva do direito ambiental brasileiro encontra-se fundada em

instrumentos de comando e controle. Estes são mecanismos que fixam regras,

procedimentos e padrões para as atividades econômicas e para o exercício do direito de

propriedade, de modo a reduzir a poluição do ar, da água e do solo. Esses mecanismos

baseiam-se em prescrições de caráter administrativo e no poder de polícia, que

estabelecem sanções negativas para os descumpridores, de cunho penal ou

administrativo47. Os exemplos mais comuns são as normas sobre o controle da poluição

atmosférica ou da água, as normas de zoneamento, as quais estabelecem restrições para

a utilização de áreas ambientalmente protegidas, o licenciamento ambiental, a lei de

crimes ambientais, entre outros.

45
BOBBIO, N. A era dos direitos, Nova edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p.64.
46
LAFER, C. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt.
São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 131.
47
NUSDEO, A.M.O., O uso de instrumentos econômicos nas normas de proteção ambienta. In: Revista
da Faculdade de Direito da USP. V. 101. São Paulo, 2006, p. 364.

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Apesar dos avanços do direito ambiental brasileiro, a devastação do meio

ambiente tem crescido nos últimos tempos motivada, notadamente, pela impunidade;

fiscalização precária; pelo alto custo de estruturação dos mecanismos de comando e

controle; pela escassez de recursos públicos para a gestão ambiental; pela falta de

incentivos vantajosos para aqueles que adotam ou pretendem adotar condutas de

preservação 48 ; não observância da norma, pois muitas vezes é mais vantajoso não

cumpri-la; pela visão de que cabe ao direito eminentemente punir comportamentos

ilícitos e não preveni-los; pela falta de coordenação e estrutura adequada para

implementação de instrumentos jurídicos de planejamento49.

De fato, este cenário de inefetividade aponta para necessidade de uma nova

concepção no direito ambiental, capaz de dar conta dos desafios da preservação

ambiental. Para além de seu aspecto estrutural o direito ambiental deve assumir seu

papel de instrumento implementador de políticas públicas e direcionar comportamentos

para determinados objetivos preestabelecidos por meio de políticas publicas pois, se por

uma lado fixa e ordena as estruturas básicas de desenvolvimento de uma sociedade, por

outro, impõe constantemente ações visando a determinado objetivo social 50 . As

políticas públicas adotam uma concepção mais propositiva do direito por meio de

objetivos, instrumentos e atores institucionais que devem ser bem definidos, bem

estruturados, democratizados, bem coordenados e articulados51.

No direito ambiental, portanto, é fundamental a promoção de políticas públicas

sustentáveis, que integrem o homem e a natureza e possam oferecer alternativas de

48
ALTMANN, A. A função promocional do direito e o pagamento pelos serviços ecológicos. In: Revista
de Direito Ambiental. V. 58. São Paulo: RT, 2008, p. 13.
49
ATTANASIO JR, M.R. Direito Ambiental e a Teoria Crítica da escola de Frankfurt. Porto: Juruá,
2018, pgs 82-99.
50
DERANI, C. Direito Ambiental Econômico. 2 ed. São Paulo: Max Limonad, 2001, pg 57.
51
ATTANASIO JR, M.R. Direito Ambiental e a Teoria Crítica da escola de Frankfurt Porto: Juruá,
2018, pgs 82-99.

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emprego e renda às comunidades mais vulneráveis, de modo que possam compreender a

importância da conservação da natureza e lutar por ela52, evitando a judicialização.

Com a finalidade de implementar novas políticas públicas que promovam a

sustentabilidade, tem crescido nos últimos anos o interesse pelos instrumentos

econômicos de incentivo, que buscam estimular financeiramente a adoção de medidas

de proteção ambiental.

Cumpre observar que tais instrumentos econômicos veiculados por políticas

públicas tornam-se mais legítimos quando há uma maior participação das partes

envolvidas no desenho destas políticas. Porém, em muitas situações o aparato

burocrático do Estado, composto por uma serie de normas e formas especializadas,

inviabilizam uma gestão mais participativa. No tocante à problemática ambiental, a

gestão implica participação direta das comunidades no manejo de seus recursos para

satisfação de suas necessidades e aspirações de acordo com os diferentes valores

culturais, contextos ecológicos e condições econômicas, mantendo-se o equilíbrio

ecológico para as futuras gerações53.

De fato, segundo Bobbio54:

Tecnocracia e democracia são antitéticas: se o protagonista da sociedade

industrial é o especialista, impossível que venha a ser o cidadão qualquer. A

democracia sustenta-se sobre a hipótese de que todos podem decidir a respeito de tudo.

A tecnocracia, ao contrário, pretende que sejam convocados para decidir apenas

aqueles poucos que detêm conhecimentos específicos.

52
Há uma forte relação entre famílias pobres, deterioração local e voz política fraca. Dasgupta, Levin e
Lubchenco. Economic pathways to Ecological Sustainability: challenges for the millennium. 2000. P. 9.
53
Leff, Racionalidade ambiental, pp. 256 e 260.
54
Bobbio, O futuro da democracia, 2000, p. 46.

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A possibilidade de participação de todos os interessados nas tomadas de decisões

consiste em um requisito importante de uma democracia participativa. Neste sentido,

Habermas propõe um modelo de participação da sociedade na esfera pública, segundo o

qual são válidas as normas que sejam aceitas por todos os indivíduos que são atingidos

por seus efeitos55, de modo que as minorias possam apresentar em público suas razões e

questionamentos acerca de suas condições sociais de desigualdade 56 . Tais normas

seriam veiculadas pelo direito, cujos procedimentos garantiriam a promoção de canais

de participação pública que acolhessem as divergências e pluralidades existentes na

sociedade.

Segundo Habermas57:

a legitimidade do direito apóia-se, em última instância, num arranjo

comunicativo: enquanto participantes de discursos racionais, os parceiros do direito

devem poder examinar se uma norma controvertida encontra ou poderia encontrar o

assentimento de todos os possíveis atingidos.

Dessa forma, o processo deliberativo deve ser regulado por normas que garantam

chances iguais de acesso aos debates a todos os interessados que serão afetados pelas

decisões, de modo que possam argumentar, ser ouvidos, apresentar assuntos, dar

contribuições, fazer propostas e criticá-las, livres de qualquer tipo de coerção. As

deliberações devem ser públicas e includentes. Os argumentos são apresentados com a

pretensão de levar os outros a aceitarem a proposta sendo que a decisão deve levar em

conta o melhor argumento, sem coerções autoritárias. Caso ocorram conflitos de

interesses e não seja possível o consenso, as deliberações concluem-se por meio do voto

55
Habermas. Direito e democracia, entre facticidade e validade. 1997, vol. 1, p. 142.
56
Santos, B.S.; Avritzer L. Introdução: para ampliar o cânone democrático, p. 52. In: Santos, B. S.
(org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003.
57
Habermas, J. Direito e Democracia, entre facticidade e validade . 1997, vol. 1, p. 138.

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submetido a qualquer regra majoritária58. O fundamental é garantir que as condições de

igualdade de todos previstas nas regras de procedimentos sejam observadas. Sendo

assim, as decisões são mais legítimas, na medida em que pressupõem a inclusão de

todos os afetados por ela.

Um instrumento de gestão e planejamento ambientais que pode encorajar

comportamentos é o zoneamento ecológico-econômico (ZEE)59, o qual consiste em uma

ferramenta fundamental, pois realiza o diagnóstico ambiental de uma área, permitindo,

por meio de uma abordagem sistêmica, avaliar a melhor localização para a instalação de

uma obra ou plano de desenvolvimento, sendo que esta etapa é a mais complexa do

estudo de impacto ambiental60. Sem o zoneamento ecológico-econômico, o responsável

pelo Estudo de Impacto Ambiental tem que produzir todas as informações ambientais

sobre os meios físico, biológico e socioeconômico de uma determinada área de

influência de um projeto, não relacionadas especificamente ao seu empreendimento, as

quais já poderiam estar disponibilizadas pelo poder público caso houvesse o

zoneamento ecológico-econômico61.

58
Cohen apud Habermas. Direito e democracia, entre facticidade e validade. 1997, vol. 2, pp. 29-30.
59
A elaboração do Zoneamento Ecológico-Econômico constitui a diretriz 5 do Programa Nacional de
Direitos Humanos – 3 (Desenvolvimento e direitos humanos).
60
Souza, Instrumentos de gestão ambiental: fundamentos e prática, 2000, pp. 39, 42 e 43.
61
O zoneamento ambiental é um instrumento de informação por excelência e contribui para que os
objetivos da política ambiental sejam alcançados. Vale lembrar, neste sentido, que o art. 9º, XI da Política
Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/86) prevê a garantia de prestação de informações ambientais,
obrigando-se o poder público a produzi-las, quando inexistentes.
Um estudo de caso apresentado por RANIERI (2000) em sua dissertação de mestrado ilustra bem a
importância do zoneamento e da participação da universidade para melhoria do meio ambiente. Vale
lembrar que o Zoneamento Ambiental pode ser utilizado para identificar as melhores alternativas para
instalação de empreendimentos segundo art. 5, II da Resolução Conama 01/86. A Metodologia consistiu
em analisar dois fatores de forma integrada: a tipologia da atividade e a localização do empreendimento.
Assim, para cada tipo de atividade (ex: área p/ loteamento, expansão urbana, área p/ aterro sanitário, área
p/ distrito industrial, áreas verdes, área p/ passagem de duto, etc) seriam identificadas as melhores
alternativas para sua localização, considerando-se as características dos meios físico, biológico e
socioeconômico de uma determinada área (ex: município). Cabe ressaltar que poderia ser instalada uma
atividade num lugar não totalmente adequado, por falta de opção, desde que se adotassem medidas
mitigadoras e a exceção não se tornasse uma regra. A decisão sobre a localização de cada atividade
(principalmente num local apto a receber qualquer tipo de atividade) no município seria decidida, com

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Cumpre observar que o zoneamento ecológico-econômico oferece subsídios,

cenários tendenciais e alternativos, para o posterior ordenamento territorial, sem definir

previamente um determinado uso para uma determinada zona, pois constitui um

mapeamento não prescritivo das limitações ecológicas para ocupação do solo, de modo

a oferecer informações para o poder público e para a coletividade promover a gestão

adequada de um território. Trata-se então de um instrumento: a) técnico, que oferece

informações sobre um território e suas vulnerabilidades e potenciais socioeconômicos;

b) político, de negociação entre o poder público, empresários e sociedade civil, para

regulamentação do uso do solo; c) de planejamento e gestão ambientais territoriais para

o desenvolvimento sustentável 62 . Neste sentido, o zoneamento ecológico-econômico

pode, através de instrumentos econômicos, induzir tomadas de decisões democráticas

acerca da ocupação de um determinado território de forma sustentável63.

Com relação aos instrumentos econômicos encorajadores de comportamentos a

Lei 12.651/12 instituiu o programa de apoio e incentivo à preservação e recuperação do

meio ambiente em seu art. 41 com o objetivo de incentivar a conservação do meio

ambiente e promover boas práticas que conciliem a produtividade agropecuária e

florestal com redução dos impactos ambientais, conforme algumas linhas de ação, entre

elas a prevista no inciso I do referido artigo que prevê o pagamento ou incentivo a

base no ZEE e com a participação da iniciativa privada, sociedade civil e poder público. O estudo de caso
foi realizado na cidade de Descalvado.
62
Becker e Egler 1997, Shubart 1994 apud Shubart, Biodiversidade: uma nova proposta de
desenvolvimento, 1999.
63
Cabe observar que o Art. 4 do Decreto 4297/02 estabelece: O processo de elaboração e implementação
do ZEE: I - buscará a sustentabilidade ecológica, econômica e social, com vistas a compatibilizar o
crescimento econômico e a proteção dos recursos naturais, em favor das presentes e futuras gerações,
em decorrência do reconhecimento de valor intrínseco à biodiversidade e a seus componentes; II -
contará com ampla participação democrática, compartilhando suas ações e responsabilidades entre os
diferentes níveis da administração pública e da sociedade civil. Além disso, conforme o art. 20 do
Decreto 4297/02: Para o planejamento e a implementação de políticas públicas, bem como para o
licenciamento, a concessão de crédito oficial ou benefícios tributários, ou para a assistência técnica de
qualquer natureza, as instituições públicas ou privadas observarão os critérios, padrões e obrigações
estabelecidos no ZEE, quando existir, sem prejuízo dos previstos na legislação ambiental.

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serviços ambientais como retribuição, monetária ou não, às atividades de conservação

e melhoria dos ecossistemas e que gerem serviços ambientais..., sendo que haverá

prioridade aos agricultores familiares no pagamento ou incentivo a serviços ambientais

(art. 41, §7º).

Além destes, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 13.305/10, previu em

seu art. 6°, II o princípio do protetor-recebedor, uma novidade no âmbito das políticas

ambientais brasileiras mais conhecidas. Segundo este princípio aquele que protege o

meio ambiente pode receber um benefício em função desta proteção. A ideia é que além

de reprimir condutas, o direito deve também nortear comportamentos por meio de

estímulos e incentivos. Neste sentido, o artigo 44 desta mesma lei estabelece que a

União, Estados, Distrito Federal e Municípios, de acordo com suas competências,

poderão instituir normas que concedam incentivos fiscais, financeiros ou creditícios,

observadas as limitações da Lei de Responsabilidade Fiscal.

O poder público municipal, por sua vez, poderá instituir incentivos econômicos

aos consumidores que participarem de um sistema de coleta seletiva previsto no plano

municipal de gestão integrada de resíduos sólidos (art. 35, I, II e parágrafo único da Lei

13.305/10).

Ainda sobre o princípio do protetor-recebedor cabe destacar os programas de

proteção e recuperação de matas ciliares e manejo adequado do solo. Alguns pequenos e

médios produtores rurais de programas mineiros e paulista (cidade de Extrema em MG

e programa da bacia Piracicaba-Capivari-Jundiaí), em razão de sua situação financeira

vulnerável, recebem retribuição pelas externalidades positivas como a redução da

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poluição difusa rural e aumento da oferta de água em bacias estratégicas, geradas pelo

manejo conservacionista do solo e preservação das florestas nativas64.

Há algumas críticas ao uso de instrumentos de mercado apontadas por Nusdeo65

como a possibilidade de empresas pagarem para poluir, adquirindo cotas de emissão no

mercado, e também o menor controle quanto às emissões de poluentes em sistemas de

mercado cujas decisões são tomadas pelas fontes emissoras, sem participação pública.

Contudo, a autora propõe o uso de instrumentos de comando e controle para controlar

os excessos de compra de créditos para poluir, bem como uma maior participação

pública das comunidades nos processos decisórios, conforme ocorreu no movimento

Justiça Ambiental. A grande vantagem dos incentivos dos mercados, segundo ela, seria

a eficiência com a consequente diminuição de custos aos destinatários das normas.

No caso específico do pagamento por serviços ambientais as cadeias produtivas

devem remunerar não somente os agentes que agregam valor econômico ao bem, mas

devem incluir também o custo de reposição do recurso natural utilizado66. Caberia aqui

a aplicação do princípio do protetor-recebedor, segundo o qual aquele que preserva um

recurso ambiental tem direito de receber um benefício por esta proteção. Porém, em

muitos casos, a natureza é mercantilizada tornando-se uma mera comódite com valor

subdimensionado diante dos interesses do capital, em detrimento de grupos mais

vulneráveis e da própria proteção ambiental. Neste sentido um projeto de política

pública mais propositiva e proativa sobre pagamento por serviços ambientais deve

contemplar não somente a proteção dos ecossistemas, mas também deve observar sua

capacidade de resiliência e respeitar o beneficiário do pagamento, aquele que mora e

64
NUSDEO, A.M.O. Pagamento por serviços ambientais: sustentabilidade e disciplina jurídica. São
Paulo: Atltas, 2012, p. 66.
65
Nusdeo, Direito Ambiental e economia, pp. 129-133.
66
Nusdeo, Pagamento por serviços ambientais, pp. 137-138.

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sobrevive no local onde será aplicado o instrumento, com participação democrática de

todas as partes envolvidas no desenho desta política67.

No âmbito dos tributos a Constituição Federal de 1988 prevê a possibilidade de

tratamento diferenciado para os produtos e serviços a partir do impacto ambiental

provocado pela sua produção ou prestação (art. 170, VI). O poder público pode, dessa

forma, majorar, reduzir ou repartir tributos a partir de critérios ambientais.

As conclusões da Conferência ECO 92 já apontaram para a importância de uma

política tributária eficiente em termos ecológicos68, sendo reafirmado na Rio + 20. A

estrutura do tributo ambiental deve conter um incentivo à proteção da natureza ou um

mecanismo de responsabilização pelas externalidades negativas por parte do causador

do dano69. Neste sentido os principais objetivos dos chamados ecotributos seriam os

seguintes: a) minimizar o dano ambiental, internalizando seus custos, sem impedir o

desenvolvimento industrial; b) influenciar a conduta dos sujeitos passivos para

reduzirem suas atividades poluidoras; c) funcionar como instrumento de indenização

para a sociedade; d) criar incentivos para reduzir a quantidade de produtos poluentes; e)

criar fontes de financiamento do custo ambiental, utilizando, por exemplo, a

arrecadação para desenvolver dispositivos de segurança anti-poluição ou reduzir o custo

do produto reciclado70.

Cumpre ressaltar que são mais aconselháveis os incentivos fiscais que não

impliquem aumento da carga tributária, pois esses gastos são normalmente repassados

67
Gonçalves, Agroecologia e pagamentos por serviços ambientais: lições e perspectivas, pp.183-201,
229-230.
68
YOSHIDA, C.Y.M. A efetividade e a eficiência ambiental dos instrumentos econômicos-financeiros e
tributários. Ênfase na prevenção. A utilização econômica dos bens ambientais e suas implicações. In:
TÔRRES, H. T. (org.), Direito Tributário Ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 536.
69
MOLINA, P. M. H; VASCO, D.C. Marco conceptual, constitucional y comunitário de la fiscalidad
ecológica In: TÔRRES, H. T. (org.), Direito Tributário Ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 163.
70
ALTAMIRO, A.C. El Derecho Constitucional a um Ambiente Sano, derechos humanos y su
vinculación con el derecho tributário, in Revista tributária e de finanças públicas, n. 40. São Paulo, Ed.
RT, set-out, 2001, pp. 60-61.

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ao consumidor final. É mais eficiente incentivar do que penalizar, estimular inversões

no controle da poluição do que sancionar com gravames que asfixiam a atividade

industrial e que podem até mesmo criar um clima de incerteza quanto à sua

efetividade71. Isto não significa que as medidas repressivas devam ser abandonadas, mas

sim conjugadas de forma equilibrada com os incentivos econômicos72.

No Brasil, a utilização da tributação ambiental tem crescido, principalmente em

face da abertura da legislação tributária às sanções positivas. Alguns desses exemplos

são elucidativos.

Nos impostos de competência da União, desponta o IPI (imposto sobre produtos

industrializados), de caráter extrafiscal e seletivo, que busca estimular práticas positivas

para a sociedade. Neste sentido o Decreto Federal nº 755 de 19 de fevereiro de 1993

estabeleceu alíquotas diferenciadas para veículos movidos a gasolina e a álcool, embora

a intenção principal à época fosse o incentivo à produção de álcool para a diminuição da

importação de petróleo73.

No tocante às energias renováveis, Goron salienta que no Brasil há algumas ações

de incentivos fiscais neste setor. Há previsão de alíquota zero para PIS e Cofins para

venda de carvão mineral destinado à geração de energia elétrica ou de gás natural

canalizado com o mesmo fim por usinas integrantes do Programa Prioritário de

Termoeletricidade. Contudo, os biocombustíveis que objetivam a produção de energia

elétrica não são contemplados por este beneficio. Há benefício fiscal com alíquota zero

71
Idem, p. 52. No mesmo sentido Picciaredda e Selicato apresentam os seguintes critérios: baixo custo,
ser administrativamente barato e simples; não provocar efeitos relevantes no comércio e na
competitividade internacional. PICCIAREDDA, F.; SELICATO, P. apud YOSHIDA, C.Y.M. A
efetividade e a eficiência ambiental dos instrumentos econômicos-financeiros e tributários. Ênfase na
prevenção. A utilização econômica dos bens ambientais e suas implicações. In: TÔRRES, H. T. (org.),
Direito Tributário Ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 537.
72
YOSHIDA, C.Y.M. A efetividade e a eficiência ambiental dos instrumentos econômicos-financeiros e
tributários. Ênfase na prevenção. A utilização econômica dos bens ambientais e suas implicações. In:
TÔRRES, H. T. (org.), Direito Tributário Ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 560.
73
TRENNEPOHL, T. D. Incentivos fiscais no direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 105.

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para IPI para alguns componentes de equipamentos de geração de energia elétrica, tais

como, para energia solar (aquecedores solares e células solares), para biomassa

(caldeiras de vapor, turbinas a vapor para produção de embarcações, motores de pistão

de explosão, motores de pistão diesel e semidiesel, grupos geradores de eletricidade

com motor de pistão de explosão ou diesel e turborreatores/propulsores) para energia

eólica (grupo eletrogêneo de energia eólica) e para energia hidráulica (turbinas

hidráulicas, rodas hidráulicas e seus regulamentos). Há também incentivo com relação

ao II (imposto de importação) como a redução de alíquota até zero nos casos de

equipamentos relacionados à fonte de energia derivada de biomassa

(turborreatores/propulsores, grupo de eletrogêneo de energia eólica, turbinas hidráulicas

e rodas hidráulicas e seus regulamentos)74.

No entanto, o referido autor pontua que tais ações são extremamente direcionadas,

específicas e tímidas em um país que tem um potencial enorme de fontes renováveis de

energia. Segundo ele, seria necessário ampliar os incentivos neste setor, com maior

divulgação e educação que esclareçam os benefícios desta modalidade de energia,

edição de leis mais gerais que alcancem mais setores e não apenas alguns produtores e

comerciantes e, finalmente, uma taxação de empreendimentos poluentes para equilibrar

a balança financeira estatal com relação aos incentivos dados75.

Um imposto federal que pode ser utilizado como instrumento econômico premial

é o ITR (Imposto Territorial Rural). O art. 10, §1º, II da Lei 9.393/96 isentou deste

imposto as áreas de preservação permanente, a reserva legal, áreas de interesse

ecológico para proteção de ecossistemas, declaradas pelo poder público estadual ou

74
GORON, H. S. Tributação sustentável para fontes de energias renováveis. In: Revista de Direito
Ambiental, vol. 76. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 502.
75
Idem. p. 506.

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federal, áreas sob regime de servidão ambiental e áreas cobertas por florestas nativas

primárias ou secundárias em estágio médio ou avançado de regeneração.

No âmbito dos estados tem sido comum a utilização de tributos ecologicamente

orientados que se utilizam da extrafiscalidade do ICMS (Imposto sobre operações

relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte

interestadual e intermunicipal e de comunicação) como forma de estimular a

preservação do meio ambiente.

Após a arrecadação do imposto, os municípios que atenderem aos requisitos legais

de preservação receberão uma parcela da distribuição de receitas. De acordo com a

Constituição Federal de 1988, 25% (vinte e cinco por cento) do produto da arrecadação

do ICMS devem ser repassados aos municípios (art. 158, IV). Três quartos desta

parcela, no mínimo, deverão ser redistribuídos na proporção do valor adicional nas

operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas

nos territórios dos municípios, e até um quarto redistribuído de acordo com o que

dispuser a lei estadual (Parágrafo único do art. 158, I e II). Muitos estados já têm

destinado esse último valor aos municípios que promovem condutas ambientalmente

desejáveis.

O chamado ICMS Ecológico não consiste em mais um tributo, pois determina

apenas como o ICMS deve ser distribuído. O ICMS Ecológico apresenta

potencialidades não só como instrumento pontual de indução, mas também como

instrumento para uma gestão ambiental integrada e descentralizada. Ele proporciona aos

municípios compensações pelas restrições ao uso da terra e os estimula financeiramente

a proteger o meio ambiente de forma planejada e contínua. Foram adotados vários

critérios para a repartição do valor arrecadado, como a existência de unidades de

conservação (São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, entre outros), de

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saneamento com sistema de tratamento ou disposição final de lixo ou esgoto sanitário

(Minas Gerais, Pernambuco, Tocantins, entre outros), de política municipal do meio

ambiente com capacitação de recursos humanos, o controle e combate a queimadas, a

conservação da água e o manejo do solo, o desenvolvimento de estruturas e política

públicas descentralizadas (Tocantins) e fomento à educação ambiental (Pernambuco,

Rio Grande do Sul, entre outros)76.

No Estado de São Paulo, notadamente, a proteção do meio ambiente por meio da

presença de unidades de conservação no município é utilizada como um dos critérios

para calcular o repasse do ICMS. A Lei Estadual 8.510/93 alterada pela Lei Estadual

12.810/08 estabeleceu, em seu art. 1º, os critérios para definição dos índices de

participação dos municípios no produto de arrecadação do ICMS: “I - 76% (setenta e

seis por cento), com base na relação percentual entre o valor adicionado em cada

município e o valor total do Estado nos dois exercícios anteriores ao da apuração; II -

13% (treze por cento), com base no percentual entre a população de cada município e a

população total do Estado, de acordo com o último recenseamento geral, realizado pela

Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE; III - 5% (cinco por

cento), com base no percentual entre o valor da receita tributária própria de cada

município e a soma da receita tributária própria de todos os municípios paulistas; IV -

3% (três por cento), com base no percentual entre a área cultivada de cada município,

no ano anterior ao da apuração, e a área cultivada total do estado, levantadas pela

Secretaria de Agricultura e Abastecimento; V - 0,5% (zero vírgula cinco por cento),

com base no percentual entre a área total, no Estado, dos reservatórios de água

destinados à geração de energia elétrica e a área desses reservatórios no município,

76
SILVA, S.T. Reflexões sobre o ICMS Ecológico In: KISHI, S.A.S.; SILVA, S.T.; SOARES, I.V.P
(orgs.). Desafios do direito ambiental no século XXI, estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme
Machado. São Paulo: Malheiros, 2005, pp.753-776.

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existentes no exercício anterior, levantadas pela Secretaria de Energia; VI - 0,5% (zero

vírgula cinco por cento), em função de espaços territoriais especialmente protegidos

existentes em cada município e no Estado, observados os critérios estabelecidos no

Anexo desta lei; VII - 2% (dois por cento), com base no resultado da divisão do valor

correspondente a esse percentual pelo número de municípios do Estado existentes em

31 de dezembro do ano anterior ao da apuração.

Segundo o art. 1º, § 2.º da Lei 8.510/93:

para os efeitos do inciso VI a área total considerada como espaço

territorial especialmente protegido em cada município será a soma das áreas

correspondentes às diferentes unidades de conservação presentes no município,

ponderadas pelos seguintes pesos: I - Estações Ecológicas - Peso 1,0 (um); II -

Reservas Biológicas - Peso 1.0 (um); 2 III - Parques Estaduais - peso 0,8 (oito

décimos); IV - Zonas de Vida Silvestre em Áreas de Proteção Ambiental (ZVS em

APA’s) - peso 0,5 (cinco décimos); V - Reservas Florestais - peso 0,2 (dois

décimos); VI - Áreas de Proteção Ambiental (APA’s) - peso 0,1 (um décimo) VII -

Áreas Naturais Tombadas - peso 0,1 (um décimo).77

Dalto, Pires e Gomes78 sustentam que a legislação de São Paulo carece de uma

atualização e que a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo estaria

empenhada em propor sua atualização no sentido de aumentar o percentual do repasse

do ICMS, atribuindo peso para categoria Reserva Particular do Patrimônio Natural, no

mínimo igual ao peso das categorias das Unidades de Conservação de Proteção Integral,

além de estabelecer critérios qualitativos para o cálculo da participação de cada

77
Arquivos.ambiente.sp.gov.br/cpla/2011/12/1993-Lei-8510.pdf(acesso em 18/04/2017).
78
DALTO, K. K. S.; PIRES, M. Moura; GOMES, A. da S. Instrumentos econômicos tributários na
análise ambiental: uma aplicação de índice de desenvolvimento sustentável para o repasse do ICMS
ecológico. In: Revista de Direito Ambiental. V. 74. São Paulo: RT, 2014, pp. 547-590.

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município e de prazos para que Estados e municípios realizem a requalificação das

categorias de Unidades de Conservação, conforme previsto na Lei 9.985/2000 (Sistema

Nacional de Unidades de Conservação da Natureza).

Estes autores propõem um novo critério, que utilizaria um índice de

desenvolvimento sustentável, para a redistribuição da receita do ICMS Ecológico entre

os municípios, o qual, por sua vez, seria composto pelos seguintes índices: um índice de

população, índice de bem-estar social, índice de desempenho econômico, índice de meio

ambiente, índice político institucional e índice de desenvolvimento cultural79.

Os municípios também podem valer-se, por exemplo, do uso dos institutos

tributários e financeiros, como os incentivos e benefícios fiscais e financeiros, elencados

no art. 4º, IV, c do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01).

O IPTU (imposto predial e territorial urbano) pode ser objeto de incentivo

ambiental. Em São Carlos - SP, conforme dispõem os artigos 44 e 45 da Lei 13.692/05

regulamentada pelo Decreto nº 264 de 2008, os imóveis edificados horizontais com área

permeável e com árvores na calçada em frente ao imóvel podem obter em cada caso

descontos de até 2% do IPTU. Tais descontos são cumulativos80. Em São Bernardo do

Campo há desconto para propriedades recobertas por vegetação que pode chegar a 80%

do valor total, sendo proporcional à área verde do imóvel. Já em Guarulhos há um

desconto de 5% para imóveis que tenham áreas verdes ou disponham de: aquecimento

solar, captação de água de chuva, coleta seletiva de lixo, sistema natural de iluminação,

construção com materiais sustentáveis e telhado verde (gramado)81.

79
Idem.
80
http://www.saocarlos.sp.gov.br/index.php/incentivo-ambiental-iptu.html. Acesso em 21/11/2019.
81
http://www.envolverde.com.br/sociedade/legislacao-sociedade/cidades-brasileiras-implantam-iptu-
ecologico. Acesso em 26/06/2015.

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A utilização dos tributos na defesa do meio ambiente incorpora uma postura

preventiva e está em sintonia com os princípios tradicionais do direito ambiental como o

da precaução, da prevenção, do poluidor-pagador e do usuário pagador, os quais

internalizam os custos da proteção ambiental e estimulam a criação e implementação de

projetos e políticas públicas ambientais.

3. Conclusões.

A concepção do direito como fenômeno marcadamente repressor e protetor, típica

do liberalismo, não mais se sustenta. Com o advento do Estado social e o aumento da

complexidade da sociedade, o direito passa a ter não apenas a função de reprimir

condutas, mas de promovê-las. Para dar respostas satisfatórias às demandas ambientais

– uma questão fundamental da atualidade – e alcançar a desejada preservação do meio

ambiente, é necessário superar esta visão restritiva do ordenamento jurídico.

Atualmente, entretanto, ainda prevalecem, no direito ambiental brasileiro, os

instrumentos de comando e controle, os quais se utilizam, sobretudo, das sanções

negativas, que têm contribuído de forma insatisfatória para a promoção da

sustentabilidade ambiental no país.

Nesse sentido, a função promocional do direito e o uso das sanções positivas

revelam-se mecanismos estratégicos aptos a promover a preservação ambiental. O

repertório de técnicas de estímulo, ainda adotado de forma incipiente pela legislação

ambiental e tributária brasileiras, poderia ser utilizado com maior freqüência.

A utilização da função promocional não significa excluir ou diminuir a

importância dos instrumentos de comando e controle. Uma política ambiental

preventiva eficaz depende da participação pública no desenho das mesmas e da

adequada articulação dos mecanismos de desestímulo à poluição e degradação

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ambientais, através das sanções negativas, com os mecanismos econômicos de incentivo

ao cumprimento das exigências ambientais, com base nas sanções positivas

encorajadores de comportamentos.

4. Bibliografia.

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- O tabuleiro internacional e as novas regras do jogo: Governança ambiental

x Proselitismo político -

RAFAEL ANTONIETTI MATTHES

Resumo

Em um contexto de constantes mudanças políticas, o movimento das tradicionais

peças se mostrou insuficiente para consecução dos objetivos da agenda internacional

sobre meio ambiente. O jogo que se fez presente até os anos 90 sofreu um stalemate (ou

afogamento), e terminou empatado. De um lado a proteção ambiental, de outro, as

pretensões econômicas. No tabuleiro, Estados movimentavam-se como rei, rainha,

dama, bispo, torre e cavalo. Coletividade, a frente, como peões. Sem saber ao certo o

que fazer, esta era instada a fazer movimentos adjacentes sob o temor do comando e

controle. Neste pano de fundo, o presente artigo visa apresentar a evolução do Direito

Ambiental Internacional e as novas regras governança como pressupostos teóricos para

responder ao seguinte problema metodológico: é possível garantir a vitória ao meio

ambiente em um cenário de incertezas políticas? A conclusão demonstrará que uma

nova partida está em curso e que as vitórias parciais descritas na notação algébrica dão

conta que os novos players caminham para um xeque-mate.

Palavras-chave: Governança; efetividade; agenda internacional; direito

ambiental.

Abstract

In a context of constant political changes, the movement of traditional pieces

proved insufficient to achieve the objectives of the international agenda of the

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environment. The game that was present until the 90s suffered a stalemate (or

drowning), and finished tied. On the one hand environmental protection, on the other,

the economic pretensions. On the board, states moved as king, queen, queen, bishop,

tower, and horse. Collectivity, at the front, like pedestrians. Without knowing for sure

what to do, it was urged to make adjacent movements under the fear of command and

control. In this context, this article aims to present the evolution of International

Environmental Law and the new governance rules as theoretical assumptions to answer

the following methodological problem: is it possible to guarantee victory to the

environment in a scenario of political uncertainties? The conclusion will show that a

new match is underway and that the partial victories described in algebraic notation tell

the new players to a checkmate.

Keywords: Governance; effectiveness; international agenda; environmental law.

I. Introdução

Xadrez é um jogo de tabuleiro, no qual, dois exércitos de 16 peças cada se

movimentam pelas 64 casas com vistas a alcançar um objetivo: a vitória do raciocínio

lógico, e estratégico. O conflito entre os lados não é pela conquista de um ideal ou pela

retaliação como é comum nas guerras bélicas. No xadrez, os dois exércitos podem,

inclusive, estar sob a liderança de um mesmo ponto de vista político, cultural e

econômico. Podem ser complementares, harmônicos. O embate é, em si, ilustrado sob o

ponto de vista das ideias e na busca incessante de um eficaz xeque-mate.

No presente artigo, o jogo de xadrez é pano de fundo para discutir a evolução do

direito ambiental internacional e a efetividade da governança global na implementação

de agendas ambientais. De um lado, um “exército” de positivistas, cuja estratégia está

relacionada com as medidas de comando e controle. De outro, pós-positivistas, que

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incorporam conceitos de outras áreas para além do Direito e vislumbram a concessão de

incentivos como alternativa à eficácia das normas ambientais.

Como em toda boa partida, as regras devem ser apresentadas no início. Por tal

razão, o primeiro capítulo ilustrará a lógica do Direito Ambiental Internacional antes e

depois da Cúpula da Terra ocorrida em 1992, no Rio de Janeiro. A percepção será a de

que um dos lados do tabuleiro se movimenta com base na orientação tradicional e, o

outro, com base na orientação pós-92. Posições, estas, que não necessariamente são

antagônicas, mas que, como em um jogo de xadrez, podem ser harmônicas e buscar um

mesmo resultado.

É comum, nos jogos, as equipes terem nomes, que lembrem suas origens, suas

percepções e suas tradições. Sendo assim, neste capítulo, os lados serão chamados de

“simétricos” e de “assimétricos”. Aqueles encampados pela aplicação de uma equação

matemática lógica e racional: caracterizada a conduta lesiva durante a partida, aplica-se

a ela uma punibilidade (normas jurídicas secundárias). Estes, empíricos, pautados no

subjetivismo, baseados no conceito de cidadão ambiental.

Os peões da equipe simétrica se movimentam apenas em respeito aos modais

deônticos realizados pelos operadores “P” permitido, “V” proibido (ou vedado), e “O”

obrigatório. Já os assimétricos, buscam a superação daquela equação matemática lógica,

para lançar um novo movimento às suas peças: o “I” incentivo. A cada rodada, a vitória

de cada equipe está vinculada à melhor resposta jurídica para a resolução de uma

demanda ambiental. Sendo que as condutas podem ser degradantes ou protetivas, vence

a peão que alcançar maior efetividade na aplicação das normas jurídicas.

Cientes das regras do jogo e dos movimentos dos peões, necessário conhecer

quem são as peças. O segundo capítulo apresentará, então, os sujeitos tradicionais do

Direito Internacional escalados pela seleção simétrica e os novos atores escalados pela

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seleção assimétrica. Será possível constatar, neste capítulo, que os assimétricos,

perspicazes e cientes de que seu exército precisará se mover com maior agilidade,

buscaram formar uma equipe mista, contando com tais revelações promissoras e com os

medalhões tradicionais.

Com o deflagrar das jogadas, a partida caminha para a vitória de uma das equipes.

A efetividade fica evidenciada em uma das principais rodadas do dia: a vitória dos

assimétricos junto ao regime internacional da camada de ozônio. Contudo, ainda há um

desafio: o proselitismo político na batalha sobre proteção ambiental. O discurso

conservador que contagia e conquista multidões. A torcida que ganha eco e que pode

frenar a evolução das crescentes vitórias dos assimétricos. Da plateia, a torcida

organizada laranja grita: mudanças climáticas não passam de “trotes dos chineses83”.

Por fim, serão apresentadas as estratégias dos assimétricos para se defender da

retórica conservadora: a superação da lógica do poluidor e a implementação de

instrumentos econômicos como meio de fomento à participação dos atores

internacionais, independentemente da vontade política. Faltam poucos peões pela frente,

mas, ainda, o xeque-mate avança a passos curtos. Será que por uma decisão da própria

equipe ou será que o jogo caminha para o empate?

1. As regras do jogo: o antes e depois do Direito Ambiental Internacional

As regras do jogo estão sintetizadas nos documentos internacionais provenientes

da evolução do direito ambiental internacional. Desde de sua origem, no ano de 1972

com a Conferência de Estocolmo, até os dias de hoje, acordos, protocolos, convenções

83
Fala conferida ao Presidente dos Estados Unidos Donald Trump, em discurso proferida em 27/11/2018.
In:
https://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2018-11-28/trump-mudancas-climaticas.html - acesso em
02/06/2019.

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foram assinadas com vistas a regulamentar a relação dos seres humanos com o meio

ambiente. Nos próximos parágrafos, todo esse contexto será apresentado,

demonstrando, ao final, que duas correntes de pensamento ganharam relevo no decorrer

dos anos.

Nos anos que antecederam a realização da Conferência de Estocolmo de 1972, a

comunidade internacional debruçava-se sobre as preocupações mundiais do pós-guerra.

Proteção da vida, da liberdade, dos direitos civis e políticos se sobrepunham, por

obviedade, às preocupações relacionadas às questões ambientais. “A era Hitler foi

marcada pela lógica da destruição e da descartabilidade da pessoa humana” e por esta

razão emergiu, à época, “a necessidade de reconstruir os direitos humanos como

referencial e paradigma ético que aproxime o direito da moral” (PIOVESAN, 2013. p.

90).

O pós-guerra foi marcado pela proteção aos direitos de primeira geração (direitos

civis e políticos), que traduzem o valor da liberdade e aos direitos de segunda geração

(direitos sociais, econômicos e culturais), que traduzem o valor da igualdade, conforme

divisão apresentada por Paulo Bonavides (1988, pp. 474-482). Com a evolução das

relações sociais, ganhou relevo os direitos de terceira geração pautados na

solidariedade, que “não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um

indivíduo, de um grupo ou de determinado Estado, mas apresentam como destinatário o

gênero humano” (BONAVIDES, 1988, p. 482).

Sentindo a necessidade de evoluir rumo à proteção dos direitos humanos de

terceira geração, bem como, em vista de catástrofes ambientais que ocorreram nas

décadas de 60 e 70, a Organização das Nações Unidas convocou todos os países

signatários a participar daquele que seria o maior evento internacional até então: a

Conferência de Estocolmo de 1972.

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Como resultado desse encontro internacional, a Declaração de Estocolmo inovou

no cenário jurídico. Alçou o meio ambiente ecologicamente equilibrado ao rol dos

direitos humanos. Garantiu, aos indivíduos, a proteção e o respaldo das Cortes

Internacionais. Trata-se de um marco na evolução do Direito Ambiental. De acordo com

o Princípio 1 da Declaração:

1. O homem é ao mesmo tempo criatura e criador do meio ambiente, que lhe dá

sustento físico e lhe oferece a oportunidade de desenvolver-se intelectual, moral,

social e espiritualmente. A longa e difícil evolução da raça humana no planeta

levou-a a um estágio em que, com o rápido progresso da Ciência e da Tecnologia,

conquistou o poder de transformar de inúmeras maneiras e em escala sem

precedentes o meio ambiente. Natural ou criado pelo homem, é o meio ambiente

essencial para o bem-estar e para gozo dos direitos humanos fundamentais, até

mesmo o direito à própria vida84.

O referido princípio é base para toda a evolução normativa que estaria por vir. O

ser humano deixou de ser apenas o “criador”, para também se colocar na figura de

“criatura”, evidenciando que toda e qualquer decisão que venha a ser tomada resultará,

então, em prejuízos ou benefícios ao seu “bem-estar”, ao “gozo dos direitos humanos

fundamentais” e até mesmo à própria vida. Foi neste documento ainda que a ONU

plantou a semente da nova era. Aquela que permitiria uma efetiva evolução, que

superaria a visão pura e simples da punibilidade, para alcançar o equilíbrio. Primando

pela mudança de atitude, a Declaração consagrou, em seu Princípio 19, a Educação

Ambiental – o princípio base do direito ambiental assimétrico. “In verbis”:

84
In:
https://www.apambiente.pt/_zdata/Politicas/DesenvolvimentoSustentavel/1972_Declaracao_Estocolmo.p
df - visitada em 04/06/2019

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Princípio 19 - É indispensável um esforço para a educação em questões

ambientais dirigida tanto às gerações jovens como aos adultos e que preste a

devida atenção ao setor da população menos privilegiado, para fundamentar as

bases de uma opinião pública bem informada, e de uma conduta dos indivíduos,

das empresas e das coletividades inspirada no sentido de sua responsabilidade

sobre a proteção e melhoramento do meio ambiente em toda sua dimensão

humana. É igualmente essencial que os meios de comunicação de massas evitem

contribuir para a deterioração do meio ambiente humano e, ao contrário, difundam

informação de caráter educativo sobre a necessidade de protegê-lo e melhorá-lo, a

fim de que o homem possa desenvolver-se em todos os aspectos85.

Vale ressaltar que, além da Declaração de Estocolmo, foi firmado um Plano de

Ação para o Meio Ambiente composto por 109 recomendações. Um verdadeiro guia de

orientação para que os países signatários pudessem implementar os princípios da

Declaração, em seus sistemas internos e em suas relações internacionais.

Conforme ensina Solange Teles da Siva (2010, p. 30), o referido documento pode

ser dividido em três eixos fundamentais: o primeiro engloba a avaliação dos problemas

ambientais, também denominado de “Plano Vigia” (do inglês “Earth Watch”), cujo

objetivo era a análise, investigação, controle e intercâmbio de informações e cooperação

em nível internacional; no segundo, a gestão do meio ambiente, na qual se

identificavam os problemas que deveriam ser tratados e a adoção de medidas gerais

aplicáveis em matéria de contaminação em geral, substâncias tóxicas e perigosas,

limitação do ruído, contaminação alimentar e proteção do meio marinho; e, por fim, o

85
In:
https://www.apambiente.pt/_zdata/Politicas/DesenvolvimentoSustentavel/1972_Declaracao_Estocolmo.p
df - visitada em 04/06/2019

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terceiro eixo englobava as medidas de apoio centradas na promoção de informação e

educação ambiental, bem como na formação de pessoas.

Todo esse arcabouço garantiu que, em 15 de dezembro de 1972, a Assembleia

Geral das Nações Unidas, por meio da Resolução A/RES/2997(XXVII), estabelecesse o

Conselho Governamental do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

(PNUMA), formado por dezesseis países da África, treze países da Ásia, seis países da

Europa Oriental, dez países da América Latina e treze países da Europa Ocidental e

demais Estados.

Em junho de 1973, em cumprimento aos seus objetivos86, o Conselho enviou à

Assembleia Geral, por meio do relatório “1st of the Governing Council of the United

Nations Environment Programme (UNEP) was held at UNEP headquarters, Nairobi”,

recomendação para que o órgão aprovasse um programa de preparação e perspectivas,

em relação ao meio ambiente, para os anos 2000.

Passados dez anos de trabalhos, o Conselho Governamental propôs à Assembleia

Geral, a criação de um grupo de trabalho intergovernamental para acompanhamento das

questões ambientais e da evolução dos objetivos do PNUMA, bem como, para

proposição de uma nova agenda e de um novo encontro internacional. Tal solicitação

foi, então, aprovada, conforme a Resolução A/RES/38/161.

Por meio desta Resolução, solicitou-se ao Secretário Geral, a nomeação de um

Presidente para a nova Comissão, que tivesse experiência na formulação de políticas de

alto nível, que transitasse politicamente tanto com os países desenvolvidos, quanto com

86
Dentre eles, possível destacar: “To promote international cooperation in the field of the environment
and to recommend, as appropriate, policies to this end” - Tradução livre: Promover a cooperação
internacional em relação ao meio ambiente e recomendar, quando for o caso, políticas para o
cumprimento deste objetivo.

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os em desenvolvimento, que demonstrasse interesse nas questões ambientais e que

também tivesse capacidade de atrair a atenção do mundo para os trabalhos da Comissão.

O Secretário Geral convidou a então Primeira Ministra da Noruega, Gro Harlem

Brundtland, para presidir os trabalhos daquela que passou a ser denominada de

Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Em 1987, os trabalhos

foram concluídos e a Comissão entregou à Assembleia Geral, um relatório denominado

“Nosso Futuro Comum” (ou Relatório Brundtland), que afirmava a necessidade de

entrar em uma nova era de crescimento econômico apoiado em práticas que

conservassem e expandissem a base dos recursos ambientais.

O relatório, que teve o mérito “de explicar a opinião de pessoas de diversos

países, que se manifestaram, em audiências públicas, sobre os mais variados temas

relacionados ao meio ambiente e ao desenvolvimento” (GRANZIERA, p. 44),

pioneiramente, consagrou a ideia da sustentabilidade: um desafio global de proteção ao

meio ambiente que não mais podia se dissociar das questões relativas ao

desenvolvimento econômico e social87.

Em essência, o desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no

qual a exploração dos recursos, na direção dos investimentos, a orientação do

desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o

potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas.

Sentindo a brisa desses novos ventos, apoiada na ideia da sustentabilidade, em

1992, a Organização das Nações Unidas realizou, a 2ª Conferência Internacional sobre

Meio Ambiente e Desenvolvimento, também chamada de “Cúpula da Terra” ou, ainda,

de ECO/92. O Rio de Janeiro foi escolhido como a nova sede. Colorido como os anseios

87
COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro
comum. 2ªed. Rio de Janeiro: FGV, 1991, p. 49.

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da nova agenda internacional: nem tão verde a ponto de ofuscar os olhares do

crescimento econômico, nem tão cinza a ponto de refutar a presença dos ecologistas. O

local era perfeito para que, ao final, os países pudessem proclamar uma Declaração,

com a seguinte epígrafe:

(...) buscando avançar a partir dela, com o objetivo de estabelecer uma nova

e justa parceria global mediante a criação de novos níveis de cooperação entre os

Estados, os setores-chaves da sociedade e os indivíduos, trabalhando com vistas à

conclusão de acordos internacionais que respeitem os interesses de todos e

protejam a integridade do sistema global de meio ambiente e desenvolvimento,

reconhecendo a natureza integral e interdependente da Terra, nosso lar (...).

Nesta conferência internacional, compareceram 100 chefes de Estado, além de

delegados, organizações intergovernamentais e representantes de organizações não

governamentais, o que demonstra sua grandeza e importância. Seu objetivo era catalisar

a cooperação internacional em prol de ações concretas para conciliar o desenvolvimento

econômico, com a proteção ambiental, nos exatos termos do supracitado Relatório

Brundtland.

Após os debates, três documentos jurídicos foram aprovados, são eles: a

Declaração do Rio, a Agenda 21 e a Declaração sobre Florestas. Além desses, duas

convenções foram abertas à assinatura: a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre

Mudança do Clima e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Diversidade

Biológica.

Reafirmando a Declaração de Estocolmo, a Declaração do Rio, buscando

estabelecer uma “nova e justa parceria global mediante a criação de novos níveis de

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cooperação entre os Estados, os setores-chaves da sociedade e os indivíduos 88 ”,

estipulou que os seres humanos estão no centro das preocupações com o

desenvolvimento sustentável (Princípio 1), que a proteção ambiental constituirá parte

integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente

deste (Princípio 2), que os Estados adotarão legislação ambiental eficaz (Princípio 11), e

que, em relação ao desenvolvimento econômico:

Princípio 16 - As autoridades nacionais devem procurar promover a

internacionalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos,

tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar

com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem

provocar distorções no comércio e nos investimentos internacionais.

Sim, eram os sinais claros de que novos tempos estavam por vir. A economia

deixou de ser pressuposto (como na fase colonial) ou ser antagônica (como na fase

contemporânea), para se apresentar como solução aos problemas ambientais. Ao mesmo

tempo que caberia aos países signatários adotar medidas de punição (internalização),

caberia a eles adotar medidas econômicas como forma de incentivar boas condutas.

Nem tão redonda quanto às proposições econômicas, nem tão tortuosa quanto às

relações sociais, a letra que desenhou os princípios desta nova Declaração era

geométrica, como observado nas obras de Gaudí, formas geométricas eram pilares

fundamentais para mediar “Naturaleza y Espíritu, porque bajo las apariencias

naturales es preciso encontrar la presencia de uma razón geométrica, que les infunde

orden, regularidade, perfección e inteligibidad” (ALVAREZ, 2017, p. 58).

O desenvolvimento sustentável é assimétrico. Proteger o meio ambiente é

também permitir o desenvolvimento econômico e social. Não são antíteses, são

88
Preâmbulo da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.

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pressupostos. A sustentabilidade é, nesse sentido, “intensidade estética que se alimenta

de la energia despertada por la diferencia abismal que separa a los contrários que

aspira a unir” (ÁLVAREZ, 2017, p. 59). É o contorno das formas imperfeitas. Nem

triângulos isósceles ou equiláteros.

Evidente, portanto, que as regras deste tão complexo tabuleiro estavam traçadas.

De um lado, uma equipe movimentará suas peças pela lógica do poluidor-pagador, da

responsabilidade, solucionado seus conflitos com base no Direito positivado. De outro,

uma equipe movimentará suas peças pela lógica do equilíbrio, da prevenção, do

incentivo, e, excepcionalmente, da responsabilidade.

2. As peças do jogo e suas movimentações: a evolução dos players

No tabuleiro, as duas equipes são formadas por peões. Em uma, evidencia-se a

relação de verticalidade, na qual, algumas peças possuem mais importância que as

demais. Em outra, a relação é multilateral, tendente à horizontalidade. A primeira

formada por tradicionais medalhões já conhecidos do Direito Internacional clássico

como sujeitos. Experientes e acostumados ao tabuleiro. A segunda, mista, formada

também por medalhões que aceitaram dividir o protagonismo do time com atores menos

experientes, os chamados players.

Os Estados soberanos são, historicamente, sujeitos do direito internacional

público. Como aponta Mazzuoli (2012, p. 419), “são os Estados, em suma, os sujeitos

primários e plenos do direito das gentes, já que somente eles possuem uma

subjetividade internacional per se sem condições”. Com o advento das organizações

internacionais, em especial após a Segunda Guerra Mundial, os Estados passaram a

dividir sua condição exclusiva, em vista da “consolidação do multilateralismo como

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modelo empregado para o tratamento das questões internacionais, que antes eram, em

geral, objeto apenas de negociações estritamente bilaterais” (PORTELA, 2010, p. 207).

Como o dano ambiental não respeita fronteiras, a solução demandava uma atuação

conjunta e coordenada. A partir do momento em que a sociedade tomou conhecimento

dessa natureza transfronteiriça89 dos danos ambientais, seus combates passaram a ser de

interesse de todos os países soberanos, deixando de ser apenas uma questão interna,

para ser uma preocupação global. Nesses termos, vale citar os ensinamentos de Michel

Prieur (1996, p. 25, traduzido pelo autor):

O Direito Ambiental é a expressão de uma nova política formalizada a partir

dos anos 60. É resultado de uma consciência da limitação dos recursos naturais e

os efeitos nocivos da poluição de qualquer espécie resultante da produção de bens

e consumo. A necessidade de salvaguardar o meio ambiente pode ser um reflexo

da necessidade de sobrevivência de um mundo desamparado. É notável que o

movimento será desenvolvido, simultaneamente, a nível nacional, europeu e

internacional90.

Desta forma, o Direito Internacional, que “tradicionalmente regula, como objetivo

central, as relações existentes entre Estados” (DERANI e COSTA, 2001, p. 11), tornou-

se um importante sistema regulatório de questões ambientais. Valério Mazzuoli ilustra

bem como o meio ambiente passou a ser importante na agenda internacional. Em suas

palavras (2009, p. 859):

89
Neologismo: ultrapassando fronteiras
90
Le droit de l´environnement n´est que l´expression formaliseé d´ne politique nouvelle mise em place à
partir des années 1960. Il s´agit d´une prise de conscience de caractere limite des ressources naturelles
ainsi que des effets néfastes des pollutions de toute nature résultant de la production des biens et de leur
consommation. La necessite de sauvegarder l´environnement a pu n´être qu´um reflexe de survie d´um
monde désemparé. Il est remarquable que se mouvement se soit développé simultanément au niveau
national, au nível européen et au niveau international.

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Tais matérias (Direitos Humanos e Meio Ambiente), ao lado da democracia,

passaram a marcar, de maneira ampla e inovadora, a nova agenda internacional do

século XXI, notadamente pós as grandes mudanças ocorridas no mundo em

virtude do processo de globalização, cujos reflexos são marcantes e decisivos para

o entendimento dos novos fenômenos globais surgidos no planeta a partir de

então.

Pode-se dizer, portanto, que neste contexto surgiu uma verdadeira diplomacia

ambiental, que, de acordo com DANTAS (2009, p. 54), “abrange as relações

internacionais cujo centro das atenções é voltado para o meio ambiente”. Essa interação

entre os sujeitos de direito internacional, no entanto, possui particularidades, já que

extrapola a simples relação entre dois ou mais governos oficiais, interagindo com outros

atores “como as ONGs, os sindicatos, os movimentos sociais, as associações de

moradores, entre outros, produzindo uma revisão de prioridades para a construção de

uma diplomacia entre Estados ambientais” (DANTAS, 2009, p. 56).

Ocorre, contudo, que diante da complexidade da agenda ambiental, os sujeitos

clássicos encontraram dificuldade para garantir efetividade das regras criadas. Primeiro,

pela alternância política no poder dos países, que ora conferiam importância para

agendas progressistas, ora flertavam com o conservadorismo. Segundo, em razão da

dificuldade de encontrar consenso na assinatura de acordos internacionais complexos,

terceiro em vista do embate em torno da dívida histórica dos países desenvolvidos com

o meio ambiente:

Os Estados irão cooperar, em espírito de parceria global, para a

conservação, proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema

terrestre. Considerando as diversas contribuições para a degradação do meio

ambiente global, os Estados têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas.

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Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que lhes cabe na busca

internacional do desenvolvimento sustentável, tendo em vista as pressões

exercidas por suas sociedades sobre o meio ambiente global e as tecnologias e

recursos financeiros que controlam91.

Soma-se a tudo isso, o problema da efetividade. Como garantir que as obrigações

assumidas nos acordos internacionais serão respeitadas pelos seus destinatários? O

paradóxico entre a visão clássica das relações internacionais e a efetividade das normas

permitiu a evolução da chamada governança global:

O Direito, em sentido amplo, deixa de ser visto apenas como um arcabouço

normativo, um conjunto de princípios normas e regras para regular as relações

entre indivíduos ou Estados, e passa a preocupar-se com a intervenção na

realidade. Esse movimento é bem percebido no moderno constitucionalismo, onde

a ideia de Constituição Dirigente ganhou força e espaço (GONÇALVES, 2014, p.

88).

Sob o aspecto do direito ambiental, a governança “visa fundamentalmente a

criação de condições para que a cooperação e o consenso sejam alcançados na

negociação para resolver grandes problemas relativos ao meio ambiente, com

participação ampliada” (GONÇALVES, 2014, p. 98). Novos atores, portanto,

precisavam participar do jogo. Como aponta BEYERLIN et MARAUHN (2011, p. 244

– traduzido pelo autor), “A capacidade de gestão efetiva do direito internacional

depende, em grande parte, da combinação adequada de vários níveis e técnicas de

91
Princípio das Responsabilidades Comuns, porém diferenciadas descrito no Princípio 7 da Declaração
do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – in:
http://www.meioambiente.pr.gov.br/arquivos/File/agenda21/Declaracao_Rio_Meio_Ambiente_Desenvol
vimento.pdf - visitado em 20/06/2019.

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governança. Ela exige governança internacional, regional, nacional e, ainda,

subnacional ou local92”.

Nesta concepção multinível e multilateral da governança, atores como as

organizações não governamentais, empresas multinacionais, governos subnacionais

passaram a participar do tabuleiro ao lado dos Estados e das organizações

internacionais. Todos em uma relação não hierárquica e segmentada orientados pelo

modelo da efetividade (BEYERLIN et MARAUHN (2011, pp. 243-244).

A equipe assimétrica, ao que parece neste ponto, responde melhor à complexidade

das agendas ambientais e tem mais chances de alcançar a efetividade. Como concluem

GRANZIERA et REI (2015, p. 157), “este movimento que progressivamente abre

caminho à participação de novos atores (...) permitirá a continuidade do trabalho de

conscientização dos assuntos comuns do Direito Ambiental Internacional, no caminho

da construção de um novo pacto de legitimidade”.

Os assimétricos, inclusive, incorporaram uma nova forma de acordo internacional

nas negociações multilaterais: a chamada convenção-quadro ou convenção-moldura.

Por meio deste tipo de convenção, de acordo com Mazzuoli (2012, p. 198), “as partes

estabelecem as grandes bases jurídicas do acordo, bem como, os direitos e deveres das

partes, deixando para um momento posterior sua regulamentação pormenorizada, o que

é feito por meio de anexos e apêndices”. Tal, estratégia, pois, facilitou a assinatura de

um acordo multilateral.

Superada a dificuldade na elaboração de acordos que encontrem consenso em toda

a sociedade internacional, resta agora, encontrar uma resposta para o problema da

efetividade. Como garantir que as convenções-quadro serão cumpridas pelos seus

92
“The effective capacity of international environmental law largely depends on the proper combination
of various levels and techniques of governance. It requires international, regional, national and also
subnational or local governance”.

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destinatários? A resposta a este problema foi a estruturação de mecanismos de

implementação nacional e internacional. Enquanto a primeira é definida como as

“medidas tomadas pelas partes para celebrar acordos internacionais que atuem em seu

direito nacional” (BEYERLIN et MARAUHN (2011, p. 256 – traduzido pelo autor), a

segunda “pode ser caracterizada como a administração do direito ambiental

internacional no âmbito internacional” (BEYERLIN et MARAUHN (2011, p. 257 –

traduzido pelo autor).

A implementação nacional pode ser exemplificada na adoção de leis,

regulamentos, medidas de monitoramento, de fiscalização entre outras que garantam a

efetividade das normas no âmbito doméstico dos Estados. A internacional, por sua vez,

resultam na formação de um direito administrativo global, com a adoção de atividades

que, “abrangem concretização, especificação e coordenação de obrigações,

monitoramento e verificação, assistência técnica e financeira, procedimentos de

conformidade e também podem se estender a obrigações e responsabilidade

internacionais” (BEYERLIN et MARAUHN (2011, p. 257 – traduzido pelo autor).

O direito administrativo global é monitorado por meio da atuação do “órgão de

tratados”, geralmente chamado de Conferência das Partes (COPs). Estas são

imprescindíveis para o monitoramento, implementação, acompanhamento e vigência

das convenções-quadro, conforme ressaltam KISS et SHELTON apud BEYERLIN et

MARAUHN (2011, p. 255).

Imbuídos por um espírito de cooperação, cientes dos riscos e da natureza

transfronteiriça dos danos ambientais e calcados em proposições técnicas, os

assimétricos relegam a um segundo plano discussões teóricas como aquelas relativas à

dívida histórica e ao princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas.

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Superadas três das quatro maiores complexidades na implementação da agenda

ambiental internacional - a dificuldade de consenso, o embate em torno da dívida

histórica e a questão da efetividade, resta apenas analisar o proselitismo político.

3. O risco do proselitismo político sobre a implementação da agenda

ambiental internacional

O jogo caminha, a estratégia dos assimétricos garante vitórias sucessivas para a

governança ambiental. Dentro de um contexto de incentivos às boas condutas, de

interlocução com os mais variados atores e implementação nacional e internacional,

uma notícia que chama a atenção da plateia apreensiva: “pela primeira vez, cientistas da

NASA conseguiram provar, por meio de observações de satélites, que o buraco na

camada de ozônio está diminuindo93”.

Mesmo assim, o risco do proselitismo político é latente. Apesar dos estados

dividirem seu protagonismo na governança ambiental com outros agentes, eles

continuam sendo importantes, já que compete a eles a assinatura e ratificação dos

tratados. Será enfim, a vitória dos simétricos? Do positivismo? Da norma jurídica? Da

lógica da responsabilidade e do poluidor-pagador?

A resposta para estas perguntas deve passar pela análise da ineficácia do princípio

do poluidor-pagador como norte das agendas ambientais internacionais, bem como, pela

incorporação dos aspectos econômicos na tomada de decisão.

Entende-se por poluidor-pagador, o princípio que “visa impedir o uso gratuito dos

recursos naturais e o enriquecimento ilegítimo do usuário em detrimento da

93
https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2018/01/o-buraco-na-camada-de-ozonio-esta-
diminuindo-afirma-nasa.html - visitado em 22/06/2019.

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coletividade, pois aquele que se beneficia com o uso dos recursos naturais deve suportar

os custos advindos de tal utilização” (PADILHA, 2010, p. 255).

Em verdade, o referido princípio não está atrelado, única e exclusivamente, à

punição. Isso porque, a regra determina, primeiramente, que o empreendedor internalize

os custos da prevenção à sua atividade. Caso o dano ocorra, será o momento da

responsabilização efetiva pelo dano causado. Neste aspecto, se confunde com o

princípio da responsabilidade.

Os simétricos entendem o princípio do poluidor-pagador como aquele que, dentre

todos os princípios ambientais, consegue, com maior rapidez e eficácia ecológica, com

maior economia e maior equidade social, “realizar os objetivos da política de proteção

do meio ambiente” (CANOTILHO, 2007, p. 47).

Como visto nos capítulos acima, no entanto, a máxima apresentada por Canotilho

não encontra respaldo prático. Apesar da evolução das normas ambientais, a mera

internalização, mediante responsabilização não garantiu ao meio ambiente, menores

índices de qualidade.

Conforme ensina Aurora Tomazini de Carvalho (2016, p. 763), o atributo da

eficácia está relacionado à produção de efeitos normativos, ou seja, “a efetiva irradiação

das consequências próprias à norma”. De acordo com Paulo de Barros Carvalho, a

eficácia pode ser observada sobre três diferentes ângulos, (i) a eficácia técnica, (ii) a

eficácia jurídica e (iii) a eficácia social (2008, p. 56).

Enquanto a eficácia técnica está relacionada à aptidão de surtir efeitos jurídicos

que são próprios da norma, a eficácia jurídica, “decorre do vínculo de causalidade

jurídica, vínculo segundo o qual verificado para o direito o fato descrito na hipótese

normativa, instala-se a relação jurídica” (TOMAZINI, 2016, p. 763). A primeira é uma

propriedade da norma, a segunda é uma propriedade do fato. Quanto à eficácia social,

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“é a produção concreta de resultados na ordem dos fatos sociais” (TOMAZINI, 2016, p.

764).

O panorama normativo traçado nos capítulos acima demonstra que as normas

ambientais seguiram, na origem, uma linguagem comum, relacionada à preocupação

com aquele que infringe seus dispositivos: o poluidor. Apesar da evidente eficácia

técnica – já que inexistia qualquer óbice à sua aplicação ou à sua exigibilidade – e da

evidente eficácia jurídica – já que os fatos degradantes ocorreram e foram enquadrados

no enunciado normativo – possível afirmar que as regras de comando e controle não

garantiram a eficácia social.

O panorama internacional apresentado anteriormente permite concluir que, apesar

do risco da condenação, o agente continuava a desrespeitar os ditames legais. “Quando

uma regra é reiteradamente observada por seus destinatários ela é socialmente eficaz, ao

passo que, quando a conduta por ela descrita é frequentemente desrespeitada, ela é

socialmente ineficaz” (TOMAZINI, 2016, p. 771). Os mecanismos de comando e

controle decorrentes do princípio do poluidor-pagador tão presentes nos discursos

conservadores, se mostram, portanto, ineficazes.

Dentro da lógica assimétrica, como salienta Paulo de Barros (2015, p. 24), ao

apresentar o construtivismo lógico-semântico “a postura analítica faz concessões à

corrente hermenêutica, abrindo espaço a uma visão cultural do fenômeno jurídico”.

Deste modo, o sistema normativo posto deve ser interpretado, para se adequar aos

anseios da sociedade atual, equilibrada e sustentável. As normas ambientais simétricas

se distanciam de seus destinatários e, por esta razão, não resultam em aumento

progressivo da qualidade ambiental. Em eficácia social.

A hermenêutica aplicada ao direito ambiental internacional pelos simétricos

consagra quase que um Direito Ambiental Punitivo. Teoria do risco integral decorrente

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da proposição de que “não há como negar que, frequentemente, os mecanismos

preventivos se mostram limitados e insuficientes à preservação e a conservação da

qualidade ambiental (MIRRA, p. 222).

(...) A teoria do risco integral é a mais adequada às especificidades que

permeiam o dano ambiental, eminentemente difuso e impessoal, já que sua mera

conexão com a atividade é apta a levar a responsabilização do empreendedor,

mesmo quando este tenha se cercado de todos os cuidados e cautelas

recomendados. O nexo de causalidade, consoante essa teoria, é significativamente

atenuado, uma vez que não se impõe a demonstração precisa da ligação entre a

atividade e o prejuízo (CARVALHO, 2011) .

A prevenção, nesse sentido, é relegada à categoria inferior. Primeiro o interprete

busca soluções punitivas, convidando o princípio do poluidor-pagador ao posto de regra

matriz do Direito Ambiental. Em segundo, aposta nos incentivos como forma de regular

condutas. Poluidor-pagador sobreposto ao protetor-recebedor.

A superação do punitivo pressupõe um olhar preventivo sobre a ausência de

degradação e a recuperação espontânea. Na fase simétrica, no entanto, tal leitura induz a

uma antinomia. Duas normas do mesmo nível hierárquico – princípios do poluidor-

pagador e do protetor-recebedor - tratam do mesmo ponto de maneira diametralmente

oposta - com modais deônticos diversos: o primeiro modal “V” (proibido) e o segundo

modal “P” (permitido).

Pelas lições de Hans Kelsen (1986, P. 157), possível conceituar a antinomia como

“um conflito entre duas normas, se o que uma fixa como devido é incompatível com

aquilo que a outra estabelece como devido e, portanto, o cumprimento ou aplicação de

uma envolve, necessariamente ou provavelmente, a violação da outra”. Já Tárek

Moussallem (2005, p. 91) explica a ocorrência da antinomia sob o prisma matemático,

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conferindo símbolos e equações para demonstrar como normas vigentes podem, ao

serem aplicáveis, resultar em aparente conflito:

Em termos simbólicos, há incompatibilidade sempre que a fórmula (Op –

Op) for verdadeira, desde que sejam válidas, no sistema normativo, as respetivas

normas “Op” e “-Op”; ou ainda, sempre que a fórmula (Pp . –Pp) for verdadeira,

que significa a validade simultânea, no sistema normativo, das normas “Pp” e “-

Pp”.

Por sua vez, Aurora Tomazini relaciona a antinomia a um problema de

interpretação, em suas palavras, “a antinomia, assim como a lacuna, também é um

problema de interpretação. Depende das valorações atribuídas pelo intérprete quando

da construção do sentido dos textos jurídicos”.

A antinomia pode, conforme preceitua em seguida a autora, ser aparente ou real.

A primeira caracteriza-se pela possibilidade de solução de conflitos por critérios

estabelecidos pelo sistema jurídico vigente, ou seja, pode-se aplicar o critério

hierárquico, o critério cronológico ou o critério da especialidade. A segunda “aparece

quando tais critérios não são suficientes para solucionar o conflito, devendo este ser

resolvido por parâmetros ideológicos do aplicador” (CARVALHO, 2009, p. 379).

A hierarquia é o critério por meio do qual, evidencia-se a superioridade de uma

fonte de produção jurídica sobre a outra, ou seja, de acordo com esse critério, uma

norma de nível superior deverá prevalecer sobre uma norma de nível inferior, até se

alcançar o nível constitucional que é o ponto de chegada do processo de fundamentação

jurídica.

A cronologia, por sua vez, relaciona-se ao tempo de existência da norma, ou seja,

a norma editada por último prevalece sobre a editada anteriormente. Trata-se da máxima

“lex posterior derogat priori”. “Partindo-se de uma premissa constitucional do direito,

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as normas ingressam no sistema quando publicadas, pois é neste momento que se

instaura a comunicação jurídica” (CARVALHO, 2009, p. 382).

Por fim, a especialidade indica que a norma específica deve prevalecer sobre a

norma geral, “lex specialis derrogat, lex generalis”.

Em que pese os três critérios poderem ser aplicados para a resolução da antinomia

apresentada, a verdade é que eles poderão resultar em novas antinomias, por isso, como

aponta Maria Helena Diniz, possível concluir que se está diante de uma antinomia real

(quando os critérios existentes no ordenamento não são suficientes para solucionar a

antinomia, devendo esta ser resolvida por parâmetros ideológicos do aplicador) (DINIZ,

2003, pp. 26-27).

Essa antinomia real é reflexo do esgotamento do direito ambiental simétrico. Não

se vislumbra, nesta etapa, alternativas à melhoria da qualidade ambiental senão aquelas

atreladas ao critério da responsabilidade e da punição.

As conferências internacionais em matéria ambiental, por outro lado, antecipando

tal complexidade, incorporou a sustentabilidade e os critérios econômicos aplicáveis ao

direito ambiental internacional como instrumentos de proteção em uma sociedade

ambientalmente educada.

Resultado de intensas pesquisas na década de 80, o princípio do desenvolvimento

sustentável decorreu do clamor mundial pelo desenvolvimento econômico e social

acompanhado da proteção ambiental. Nenhum critério se mostra mais adequado do que

este para resolver as antinomias das normas ambientais. Nenhum outro critério exprime

tão bem os valores culturais da sociedade contemporânea. É um verdadeiro diálogo do

Direito com seus destinatários.

A partir do momento em que se superar o reinado absoluto do poluidor-pagador,

não mais caberá a máxima de que “os mecanismos preventivos se mostram limitados e

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insuficientes à preservação” (MIRRA, p. 222). Antes de desenvolver instrumentos

punitivos, a hermenêutica primará pela melhor análise do caso concreto, balanceando

como uma atividade irregular poderá ser regularizada.

O soprar dos ventos modula a natureza. Verdades absolutas são contornos

simétricos que não se adequam às formas naturais. O direito ambiental não se assemelha

ao demais ramos do direito e, por essa razão, clama por um novo paradigma. Seus

destinatários evoluíram, os institutos jurídicos também, por que os políticos dos

discursos retóricos também não podem acompanhar essa tendência?

A distância da norma em relação aos fatos e aos valores enseja sua ineficácia. Por

esta razão, a interpretação deve confluir elementos, que semelhantes aos fenômenos

naturais, garantem o único resultado proposto pelo Direito Ambiental: a melhoria na

qualidade para as presentes e futuras gerações.

Superada a discussão sob o ponto de vista da retórica do poluidor-pagador,

merece destaque, agora, a incorporação dos instrumentos econômicos.

Passadas quase quatro décadas desde a realização da primeira reunião

internacional, havia chegado o momento dos países se reunirem novamente, para

discutir os avanços e retrocessos em matéria ambiental. Em 2009, a ONU, por meio da

Resolução 64/236 da Assembleia-Geral das Nações Unidas, estabeleceu como objetivo

de uma nova conferência internacional, a renovação do compromisso da política

internacional com o desenvolvimento sustentável, por meio da avaliação da das ações

implementadas e da discussão de desafios novos e emergentes.

Mais do que uma conferência sobre meio ambiente, em 2012, os países se

reuniram para discutir “desenvolvimento”. Sob o tema “economia verde no contexto do

desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza”, na nova conferência, os

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países teriam o desafio de pensar um novo modelo de desenvolvimento que seja

ambientalmente responsável, socialmente justo e economicamente viável.

De acordo com as Resoluções da Assembleia-Geral das Nações Unidas 64/236 e

65/152, decidiu-se pela realização de três reuniões preparatórias antes da realização da

nova conferência internacional. A primeira ocorreu em maio de 2010, a segunda em

janeiro de 2011 e a terceira em março de 2011. O propósito dessas reuniões era o de se

discutir questões substanciais e procedimentais na preparação da Conferência94.

Por meio do “Rascunho Zero” da então denominada Conferência das Nações

Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável”, publicado em 10 de janeiro de 2012, os

países apontaram o que seria discutido na Conferência a se realizar naquele ano e o que

deveria fazer parte da declaração final. Dentre os temas, possível destacar uma

renovação dos compromissos internacionais passados, a economia verde no contexto do

desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza, o quadro institucional para o

desenvolvimento sustentável e um quadro de ação e de acompanhamento.

Nesse documento, foram apontados progressos decorrentes dos quarenta anos

desde a edição da Conferência de Estocolmo de 1972. “Existem exemplos

profundamente inspiradores de progresso, incluindo na erradicação da pobreza, em

bolsões de dinamismo econômico e em conectividade motivados por novas tecnologias

de informação que deram poder ao povo 95 ”. Por outro lado, retrocessos foram

apontados:

Insegurança alimentar, mudança climática e perda biodiversidade afetaram

negativamente os ganhos de desenvolvimento. Novas evidências científicas

demonstram a gravidade das ameaças que enfrentamos. Desafios novos e

94
In: http://www.ceplac.gov.br/paginas/rio/rio.asp - visitado em 20.06.2019.
95
In: http://www.rio20.gov.br/documentos/documentos-da-conferencia.html - visitado em 20.06.2019

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emergentes incluem a contínua intensificação de problemas anteriores, requerendo

assim respostas mais urgentes. Preocupa-nos profundamente que cerca de 1,4

bilhão de pessoas ainda vive em extrema pobreza e um sexto da população do

mundo esteja mal nutrida, com pandemias e epidemias continuando como

ameaças onipresentes. O desenvolvimento não sustentável aumentou a pressão

sobre os recursos naturais limitados da Terra e sobre a capacidade de carga dos

ecossistemas. Nosso planeta suporta sete bilhões de pessoas, com expectativa de

alcançar nove bilhões até 2050.

Merece destaque a afirmação de que “o desenvolvimento não sustentável

aumentou a pressão sobre os recursos naturais limitados da Terra e sobre a capacidade

de carga dos ecossistemas”. Mais uma evidência de que todos os esforços vislumbrados

à época do direito ambiental internacional assimétrico não foram tão bem sucedidos

como a comunidade internacional previa. Ainda nesse sentido:

Não obstante, observamos que, apesar dos esforços por Governos e agentes

não estatais em todos os países, o desenvolvimento sustentável continua sendo

uma meta distante e ainda restam grandes barreiras e lacunas sistêmicas na

implementação de compromissos aceitos internacionalmente.

Reforçando a importância da eficácia social discutida acima, o Comitê

organizador apontou que era “importante permitir que todos os membros da sociedade

civil participem ativamente no desenvolvimento sustentável incorporando seus

conhecimentos específicos e know-how prático na elaboração de políticas nacionais e

locais”.

Quanto ao protagonismo dos protetores com vista ao desenvolvimento

sustentável, o Comitê relegou a liderança de um dos pilares da futura declaração ao

setor econômico. “Encorajamos intensamente que comércio e indústria demonstrem

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liderança no avanço da economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e

da erradicação da pobreza”.

No quadro de ações, instrumentos econômicos foram exclusivamente apontados

pelo Comitê: “nós reconhecemos que os Estados precisam trabalhar cooperativamente e

se juntar com todos os stakeholders para abordar os desafios comuns ao

desenvolvimento sustentável que enfrentamos” (...) “nós pedimos que uma estrutura

política global que exija que todas as empresas privadas listadas e de grande porte

levem em consideração questões de sustentabilidade e integrem informações de

sustentabilidade no ciclo de relatórios”.

A economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável ganhou relevo no

Rascunho Zero. O Comitê reconheceu que o tema da economia verde é fundamental

para alcançar as metas, em especial, a erradicação da pobreza, a segurança alimentar, o

gerenciamento de recursos hídricos, o acesso à energia moderna, a organização de

cidades sustentáveis, o gerenciamento de oceanos e a saúde pública. Em suas palavras,

esse tema “deve se basear nos princípios da Rio-92, em particular o princípio de

responsabilidades comuns, mas diferenciadas, e deve ser centrado nas pessoas e

inclusivo, oferecendo oportunidades e benefícios para todos os cidadãos e todos os

países”.

A assimetria dos novos tempos também decorre de uma interpretação deste

documento. “Nós reiteramos que a economia verde não tem a intenção de ser um

conjunto de regras rígidas, mas sim de ser uma estrutura de tomada de decisões para

fomentar a consideração integrada dos três pilares de desenvolvimento sustentável”.

O Comitê reconheceu ainda que os compromissos nacionais rumo à economia

verde devem resultar de decisões internas, via compromissos voluntários, relegando aos

“stakeholders” importante papel na formulação de tais políticas. Alcançar o

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desenvolvimento sustentável, com a participação de toda a comunidade, por meio de

compromissos voluntários, mas que garantam a formulação de uma economia verde.

Dentre as questões e áreas prioritárias/temáticas, o Rascunho Zero, destacou a

importância da educação no desenvolvimento sustentável:

Nós reconhecemos que o acesso de todos à educação de qualidade é uma

condição essencial para o desenvolvimento sustentável e a inclusão social. Nos

comprometemos com o fortalecimento da contribuição de nossos sistemas de

educação na busca do desenvolvimento sustentável, inclusive através de um

melhor treinamento e desenvolvimento curricular dos educadores.

A Conferência ocorreu dentre os dias 20 e 22 de junho de 2012, na cidade do Rio

de Janeiro. Ao final das tratativas, firmou-se a Declaração da Conferência das Nações

Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (RIO+20): O Futuro que Queremos.

Reiterando aspectos do Rascunho Zero, a Declaração final enfatizou a necessidade de

implementação de novos instrumentos para reverter o quadro evolutivo da desigualdade

no que se refere ao desenvolvimento sustentável e à erradicação da pobreza.

Enfatizamos a necessidade de dar continuidade na implementação dos

compromissos anteriores. Reconhecemos também a necessidade de acelerar o

progresso no equilíbrio entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, e de

explorar as possibilidades efetivas ou potenciais oferecidas pelo crescimento e

diversificação da economia, pelo desenvolvimento social e pela proteção do meio

ambiente, para alcançar o desenvolvimento sustentável. Para esse fim, ressaltamos

a necessidade de criar condições favoráveis, em âmbito nacional e internacional,

bem como a necessidade de dar continuidade à cooperação internacional e de

fortalecê-la, nas áreas fiscais, da dívida, do comércio e das transferências de

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tecnologia, como acordado mutuamente, da inovação e da criação de empresas, da

capacitação, da transparência e do respeito ao princípio de responsabilidade.

Estamos conscientes da diversidade de atores e de partes interessadas envolvidas

na busca do desenvolvimento sustentável e nesse sentido, afirmamos que é

indispensável que todos os países, e em particular os países em desenvolvimento,

continuem a participar de forma plena e eficaz da tomada de decisões em nível

mundial.

Os países signatários reforçaram a necessidade de se conferir protagonismo à

coletividade com vistas a melhoria da qualidade ambiental. Destacando que eles, após

as deliberações, entenderam por bem, resolver trabalhar de força estreita com os

“grandes grupos e outros interessados e incentivá-los a participar ativamente, conforme

o caso, em processos que contribuam com as decisões envolvendo as políticas e

programas de desenvolvimento sustentável”.

Destaca-se, ainda, o apoio às ações privadas de prevenção. “Apoiamos a

operacionalização de estruturas nacionais, especialmente na área regulamentar que

permitam ao comércio e à indústria adotar iniciativas em matéria de desenvolvimento

sustentável, tendo em conta a importância da responsabilidade social”.

Distante, ainda, do final da partida, evidencia-se que o time assimétrico tem

maiores chances de conquistar a vitória final.

Conclusão

A implementação da agenda ambiental internacional avança a passos curtos, como

afirmado na introdução. Não porque o jogo caminha para um empate, mas sim, por uma

decisão da própria equipe. Como visto, a evolução do Direito Ambiental Internacional

permitiu a superação da lógica simétrica do positivismo e trouxe a baila uma segunda

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visão – não necessária confliante com aquela, ilustrada pela equipe assimétrica, como

apresentado no capítulo 2.

O que separa Estocolmo-72 da Rio-2012 não são apenas os quarenta anos, mas

sim a mudança de paradigma. Calcado na educação ambiental, cuja semente foi

plantada na origem, a figura do protetor ganhou relevância, e, com isso, o interesse cada

vez maior em participar de uma agenda internacional ao lado dos clássicos sujeitos.

Neste novo cenário, a implementação baseia-se na percepção de que somente a

governança – multinível e multilateral poderá oferecer resposta aos anseios da

sociedade e resolver, ao mesmo tempo, as questões ambientais.

Os conflitos deflagrados no tabuleiro apontaram quatro grandes desafios: a

dificuldade de consenso, o embate em torno da dívida histórica, a questão da efetividade

e, em especial, o proselitismo político. O primeiro superado pela governança global,

mediante a estrturuação de convenções-quadro. O segundo deixou de ter sentido na

lógica do protetor. O terceiro poderá ser resolvido com a implementação das agendas

em ambito nacional e internacional, em especial com a atuação das COPs.

O proseitismo, por sua vez, é superado pela solução da antinomia envolvendo o

princípio do poluidor-pagador como norte das agendas ambientais internacionais, bem

como, pela incorporação dos aspectos econômicos na tomada de decisão. Diante de uma

sociedade harmônica, educada ambientalmente, concatenada com os objetivos da

governança ambiental e incentivados pelo fomento econômico, os protetores tornam-se

protagonistas e a agenda do temor e da dependência estatal dos simétricos caminha para

sofrer um xeque-mate.

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- Revisitando o Relatório Brundtland à luz da Encíclica Laudato Sí e e do

princípio da responsabilidade de Hans Jonas -

RENATA RODRIGUES DE CASTRO ROCHA E SUYENE MONTEIRO DA ROCHA

RESUMO

O presente trabalho buscou analisar as propostas do Relatório Brundtland e suas

inflexões teológicas e filosóficas em análises contrastivas com a Encíclica Papal

Laudato Sí e as ideias de Hans Jonas a respeito do princípio responsabilidade. Em que

pesem as naturezas eminentemente distintas dos objetos de análise, o objetivo de estudo

foi verificar entre as diferentes linguagens e propostas, os pontos de convergência entre

os textos com vistas a atingir com a mesma mensagem públicos distintos. O presente

trabalho apresenta-se, por meio de revisão bibliográfica e documental sob uma

perspectiva analítico-descritiva, assim, foram analisados os documentos mencionados,

bem como artigos científicos que se relacionam com os mesmos. Concluiu-se que a

mudança de paradigma proposta pelo relatório Brundtland, que preocupava as

autoridades nos anos 1980, ainda não foi totalmente superada ou consolidada, haja vista

a contemporaneidade das ideias pregadas pelo relatório e o esforço empreendido por

Hans Jonas e pela Encíclica Papal para sustentar tais premissas diante de seus públicos.

Palavras-chave: Encíclica Laudato Si; Princípio Responsabilidade; Hans Jonas;

Relatório Brundtland.

ABSTRACT

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The present work sought to analyze the Brundtland Report's proposals and their

theological and philosophical inflections in contrasting analyzes with the Papal

Encyclical Laudato Sí and Hans Jonas's ideas on the principle of responsibility. In spite

of the eminently distinct natures of the objects of analysis, the objective of this study

was to verify among the different languages and proposals, the points of convergence

between the texts with a view to reaching the same message with different publics. The

present work presents, through a bibliographic and documentary revision from an

analytical-descriptive perspective, thus, the mentioned documents were analyzed, as

well as scientific articles that relate to them. It was concluded that the paradigm shift

proposed by the Brundtland report, which concerned the authorities in the 1980s, has

not yet been fully overcome or consolidated, given the contemporaneousness of the

ideas preached by the report and the effort made by Hans Jonas and the Papal

Encyclical to sustain such premises in front of their audiences.

Keywords: Encyclical Laudato Si; Principle Responsibility; Hans Jonas;

Brundtland Report.

INTRODUÇÃO

A relação conturbada entre a exploração dos recursos naturais e o

desenvolvimento sustentável tem servido como cenário para inúmeras discussões ao

longo da segunda metade do século XX até os dias atuais e, em que pese a vetusta

temática se demonstrar recorrente, longe se encontra de um fim dialógico, tendo em

vista a impossibilidade de conciliar interesses econômicos, sociais e ambientais.

Embora também aborde este enfrentamento, o presente trabalho buscou analisar

três hipóteses de discursos distintos que abordam o desenvolvimento sustentável, a ética

a religião como representativos de que as propostas de mudança de paradigmas

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aventadas há 50 anos ainda não se consolidaram, notadamente quando se considera a

ideia de que a responsabilidade ambiental se compartilha entre o poder público e a

sociedade como um todo.

Nesse sentido, o Relatório Brundtland, documento emblemático da defesa pela

sustentabilidade, e a Encíclica Laudato Si se prestaram a esse fim de demonstrar como

discursos diversos têm abordado a mesma hipótese sob aspectos religiosos e científicos,

demonstrando ineficiência das políticas públicas que decorreram das discussões

ambientais pós Estocolmo, mas principalmente, demonstrando grande incipiência da

consciência coletiva sobre a responsabilidade a respeito do “pertencer ao todo e à

natureza”, como imperativo ético descrito pelo princípio responsabilidade trazido por

Hans Jonas como alicerce teórico-filosófico neste trabalho.

Acredita-se que a junção destes discursos chama a atenção não só para as

ineficiências apontadas acima, mas para a multiplicidade de abordagens da temática

ambiental e a possibilidade de conscientização por frentes científicas, sociais e

religiosas.

1. DO RELATÓRIO BRUNDTLAND E SEU MOMENTO

HISTÓRICO

Em 1969, a primeira foto da Terra vista do espaço tocou o coração da humanidade

com a sua beleza e simplicidade, isto porque, ver pela primeira vez este “grande mar

azul” em uma imensa galáxia chamou a atenção de muitos para o fato de que vivemos

em uma única Terra, compartilhamos a mesma casa. A cena singular do globo terrestre

no espaço proporcionou o inicio de um conjunto de reflexões, entre elas a

responsabilidade de proteger a saúde e o bem-estar desse ecossistema. (ONU)

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No final da década de 1960 a visão ambiental – agora, literalmente, um fenômeno

global, passa a ocupar espaços cada vez mais significativos nos debates políticos

internacionais como forma de expressão da preocupação política, social e cientifica com

as questões ambientais tem-se o surgimento de organismos governamentais e não

governamentais, tais como Secretarias de Estado, Departamentos. Não se buscava

somente discutir as formas de produção, mas ampliar os horizontes ambientais,

interfaceando os diversos matizes que envolvem a questão. O Clube de Roma foi

pioneiro no caminho para a consciência internacional dos graves problemas mundiais.

Passo expressivo para a construção do que viria a ser o conceito de

desenvolvimento sustentável ocorreu nos anos de 1970. Enquanto a preocupação

universal sobre o uso saudável e sustentável do planeta e de seus recursos continuou a

crescer, a pedido do governo da Suécia, em 1972 a ONU convocou a Conferência das

Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo – Suécia, que contou com a

participação de 113 países, inclusive o Brasil (GIANSANTI, 1998).

O processo de preparação para a Conferência de Estocolmo foi o Encontro de

Founex em junho de 1971. Esse teve como pauta a análise da relação entre o meio

ambiente e o desenvolvimento. O Relatório de Founex identificou os principais tópicos,

tais como: acumulo de resíduos sólidos, poluição e uso excessivo dos recursos,

problemática essa presente atualmente na agenda internacional. (SACHS, 1993, p 11).

Como resultado da Conferência de Estocolmo foi a publicação do relatório

Brundtland (1987) abriu um imenso debate na academia sobre o significado de

desenvolvimento sustentável. Pearce et al. (1989) mostravam uma quantidade razoável

de definições. Hoje, há um verdadeiro mar de literatura que aborda o tema das maneiras

mais diversas (WACKERMANN, 2008).

De acordo com Nascimento (2012, p.52),

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a ideia de sustentabilidade ganha corpo e expressão política na adjetivação

do termo desenvolvimento, fruto da percepção de uma crise ambiental global.

Essa percepção percorreu um longo caminho até a estruturação atual, cujas

origens mais recentes estão plantadas na década de 1950, quando pela primeira

vez a humanidade percebe a existência de um risco ambiental global: a poluição

nuclear. Os seus indícios alertaram os seres humanos de que estamos em uma

nave comum, e que problemas ambientais não estão restritos a territórios

limitados.

As chuvas ácidas sobre os países nórdicos levaram a Suécia, em 1968, a propor ao

Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) a realização de uma

conferência mundial que possibilitasse um acordo internacional para reduzir a emissão

de gases responsáveis pelas chuvas ácidas. O resultado foi a aprovação da Conferência

de Estocolmo, em 1972. Durante seus preparativos – ocorridos em mais de três anos –

foram colocados face a face países desenvolvidos e subdesenvolvidos:

Se, de um lado, os países desenvolvidos definiam a defesa do meio

ambiente como o ponto central da Conferência, de outro lado, os outros focavam

o combate à pobreza. Essa divisão atravessava não apena os países, mas também

os atores político-sociais, colocando em confronto ambientalistas e

desenvolvimentistas (NASCIMENTO, 2012, p.53).

Em face da complexidade das discussões, a Organização das Nações Unidas

(ONU) deslocou o debate para uma comissão técnica que produziu Only one earth, um

documento que defendia a ideia de que a problemática ambiental decorria do excesso de

desenvolvimento e de consumo por parte dos países desenvolvidos e da baixa taxa de

desenvolvimento dos países menos desenvolvidos, o que os tornava vulneráveis. Dessa

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forma, a questão ambiental deixava de ficar restrita ao meio natural e adentrava o

espaço social, substituindo o binômio desenvolvimento (economia) e meio ambiente

(biologia) por uma tríade, com a inclusão da dimensão social (WARD et al., 1973).

Meadows et al. (1972) aponta que o relatório do Clube de Roma – Limits to

Growth, que propunha a desaceleração do desenvolvimento industrial nos países

desenvolvidos e do crescimento populacional nos países subdesenvolvidos e previa uma

ajuda dos primeiros para que os segundos pudessem se desenvolver, contemporâneo à

realização da Reunião de Estocolmo, trouxe um destaque significativo para a discussão.

No entanto, os resultados da reunião de Estocolmo, avaliados pela ONU dez anos

depois, mostrou que os debates repercutiram aquém do necessário (LE PRESTRE,

2000). Assim, formou-se a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento (CMMAD), dirigida pela então primeira-ministra norueguesa, Gro

Harlen Brundtland, cujo relatório de 1987, Our common future, propôs mudanças para o

atingimento dos fins propostos em Estocolmo.

O referido documento se tornou um marco na tentativa de conciliar a preservação

do meio ambiente com o desenvolvimento econômico, conceituando originariamente o

que se chama hoje Desenvolvimento Sustentável. Neste sentido, e a partir daí, Lenzi

(2006) estabelece que “Desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que satisfaz

as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras em

satisfazer suas próprias necessidades”.

O relatório Brundtland costuma ser criticado pelo fato de que os conceitos de

necessidades humanas atuais, e mais ainda as das gerações futuras, mas tal vagueza

contribui para a construção da noção da intergeracionalidade no conceito de

sustentabilidade, fortalecendo a ideia de justiça social, com a redução das desigualdades

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sociais e direito de acesso aos bens necessários a uma vida digna, e aos valores éticos

decorrentes do compromisso com as gerações futuras.

Assim, pode-se considerar que o relatório Our common future se coloca contra os

efeitos do liberalismo:

A pobreza é uma das principais causas e um dos principais efeitos dos

problemas ambientais do mundo. Portanto, é inútil tentar abordar esses problemas

sem uma perspectiva mais ampla, que englobe os fatores subjacentes à pobreza

mundial e à desigualdade internacional (BRUNDTLAND, 1987, p.4).

Na esteira da discussão do futuro do tratamento dos recursos naturais, a

Assembleia das Nações Unidas, em 1989, convoca a Conferência das Nações Unidas

para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento para 1992, a chamada Rio-92 ou ECO-92.

Desse evento, destacaram-se como feitos a criação da Convenção da Biodiversidade e

das Mudanças Climáticas, que resultou no Protocolo de Kyoto, a Declaração do Rio e a

Agenda 21.

Nos moldes da reunião de Estocolmo, a Rio-92 discutiu a relação entre meio

ambiente e desenvolvimento, sem comprometimento do modelo econômico vigente.

Em 30 anos de debates intensos sobre os efeitos do desenvolvimento e sobre o

conceito de sustentabilidade, pode-se perceber que a pedra angular dos debates

manteve-se a mesma, qual seja, a imperativa necessidade de considerar a solidariedade

intergeracional nas políticas públicas, a mudança de paradigma que inverta a lógica do

liberalismo, em que a produção de riqueza ignora a situação dos países menos

favorecidos, consequentemente mais abalados pelos danos sofridos ao ambiente, mais

dependentes dos recursos naturais.

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As conferências ambientais realizadas e mencionadas trouxeram parâmetros

científicos para que os países desenvolvidos repensassem suas práticas diante de uma

realidade ambiental em crise, mas tais esforços não surtiram o efeito esperado.

Alguns filósofos, entre eles Hans Jonas (2006), apontam para uma crise ética,

considerando que parte da dificuldade em reconhecer as premissas de documentos como

o Relatório Brundtland está relacionada à dificuldade do reconhecimento das presentes

gerações da própria responsabilidade sobre a qualidade do ambiente que deixarão para

as futuras gerações, trazendo com sua obra o ineditismo filosófico que tratou da

possibilidade de a própria humanidade se destruir a partir do avanço tecnológico

disponível e sua busca pelo progresso. Assim, seria fundamental considerar a

emergência de uma ética que garanta a existência humana e de todas as formas de vida

existentes na biosfera. Jonas propõe o Princípio da Responsabilidade, como sendo um

princípio ético para a civilização tecnológica. É a essa reflexão que o presente trabalho

passa a se dedicar a partir de agora.

2. DO PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE DE HANS JONAS E SUA

RELAÇÃO COM A QUESTÃO AMBIENTAL

Hans Jonas (1903-1993) é considerado o último representante do grupo dos

filósofos judeus nascidos na Alemanha. Viveu durante quase todo século XX,

presenciando grandes mudanças e problemas que ocorreram em tal período. Além de

vivenciar a crise europeia nas décadas de 20 e 30, Jonas presenciou a Primeira e a

Segunda Guerra Mundial, o advento do Nazismo, e o triunfo da sociedade tecnológica.

Poder presenciar e analisar o estado real dos acontecimentos, fizeram com que Hans

Jonas observasse e refletisse sobre a forma com que o desenvolvimento tecnológico,

oriundo da técnica, foi decisivo para alargar em grande escala, destruições em grandezas

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nunca imagináveis. Para Jonas, o impacto que as bombas atômicas causaram durante a

II Guerra Mundial, inaugurou uma reflexão nova e angustiada no mundo ocidental.

(BATTESTIN; GHIGGI, 2010, p. 70).

Para Hans Jonas, todas as fundamentações e investigações que abordam as

doutrinas éticas tradicionais demandam reflexões e análises, especialmente por serem

concebidas como certas no período da Modernidade e porque, na ética tradicional, a

natureza não era ostentada como objeto da responsabilidade humana.

O imperativo categórico kantiano nega o extra-humano. Ao formular o enunciado:

“Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se

torne lei universal" (KANT, 1980, p. 129), sugere que o ser humano deve agir de tal

maneira que o princípio de tua ação se transforme numa lei universal. O imperativo de

Kant é um caso extremo da ética da intenção, obedecendo à ação individual, válido no

plano individual. Este imperativo dirige-se ao imediato e só requer a consistência do ato

consigo mesmo. Hans Jonas não se opõe às premissas da ética tradicional, mas busca

uma adaptação para a nossa condição moral, por isso, se considera que grande parte do

pensamento ético de Jonas nasce de uma crítica de toda história da filosofia moral da

ação humana.

2.1 O PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE COMO UM IMPERATIVO

ÉTICO.

O Princípio da Responsabilidade, além de ser considerado um princípio ético,

defende um diálogo crítico em plena era tecnológica. Jonas entende que, “[...] sob o

signo da tecnologia, a ética tem a ver com ações de um alcance causal que carece de

precedentes [...]. Tudo isso coloca a responsabilidade no centro da ética” (JONAS, l995,

p. 16-17).

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Hans Jonas formulou um novo imperativo categórico relacionado a um novo tipo

de ação humana: “Age de tal forma que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a

permanência de uma vida humana autêntica sobre a terra” (JONAS,1995, p.40). O

imperativo proposto por Hans Jonas é de ordem racional para um agir coletivo como um

bem público, e não individual.

Hans Jonas (2006) demonstra que muitas das premissas que limitam as questões

humanas e existenciais, dadas como certas na concepção antropocêntrica, não podem

ser referências para o modelo de vida contemporânea, pois os antigos preceitos éticos

perderam a validade pela mudança do agir humano.

Para Jonas (1997), nenhuma ética anterior tinha levado em consideração a

condição global da vida humana, o futuro distante e até mesmo a existência da espécie.

Com a consciência de extrema vulnerabilidade da natureza e a intervenção tecnológica

do homem, surge a ecologia forçando o repensar dos princípios básicos da ética, com

vistas a procurar não só o bem humano, mas também o bem de coisas extra-humanas,

ou seja, alargar o conhecimento dos “fins em si mesmos” para além da esfera do

homem, fazendo com que o bem humano incluísse o cuidado dessas.

A ética que Hans Jonas aborda como ética da responsabilidade é uma área do

conhecimento em que emergem questões relacionadas à bioética. Para Rampazzo (2003,

p. 72):

(...) a ética não deve se referir somente ao homem, mas deve estender o

olhar para a biosfera em seu conjunto, ou melhor, para cada intervenção científica

do Homem sobre a vida em geral. A bioética, portanto, deve se ocupar de uma

‘ética’ e a ‘biologia’, os valores éticos e os fatos biológicos para a sobrevivência

do ecossistema como um todo.

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O enorme impacto do Princípio da Responsabilidade não se deve somente a sua

fundamentação filosófica, mas ao sentimento geral, que até então os mais atentos

observadores poderão permitir cada vez menos de que algo poderia ir mal para a

humanidade, inclusive o tempo poderia estar em posição no marco de crescimento

exagerado e crescente das interferências técnicas sobre a natureza, de pôr em jogo a

própria existência. Entretanto, se havia comentado que era evidente a vinda da chuva

ácida, o efeito estufa, a poluição dos rios e muitos outros efeitos perigosos, fomos pegos

de cheio na destruição de nossa biosfera (JONAS, 2005, p. 352-353).

Hans Jonas arquitetou o Princípio da Responsabilidade como sendo uma ética em

que o mundo animal, vegetal, mineral, biosfera e estratosfera passam a fazer parte da

esfera da responsabilidade. A reflexão sobre a incerteza da vida futura é resultante de

um equívoco cometido ao isolar o ser humano do restante da natureza, uma vez que o

homem seria a própria natureza.

Para o autor, “ser é necessário existir, e para existir é necessário viver e ter

deveres, porém, (...) somente uma ética fundada na amplitude do Ser pode ter

significado” (JONAS, 2006, p. 17). Desta forma, defende que somos seres com

capacidades de entendimento, tendo liberdade para agir com responsabilidade frente aos

nossos atos. “O mais importante que devemos reconhecer, é a realidade transformadora

do homem e seu trato com o mundo, incluindo a ameaça de sua existência futura”

(JONAS, 2005, p. 349).

Para Hans Jonas (1995), o período Contemporâneo está imerso de tecnologia,

porém afastado de responsabilidade nos atos intencionais.

A natureza, como uma responsabilidade humana, é seguramente um novum sobre

o qual uma nova teoria ética deve ser pensada. Que tipo de deveres ela exigirá? Haverá

algo mais do que o interesse utilitário? É simplesmente a prudência que recomenda que

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não se mate a galinha dos ovos de ouro, ou que não se serre o galho sobre o qual se está

sentado? Mas este que aqui se senta e que talvez caia no precipício quem é? E qual é no

meu interesse no seu sentar ou cair? (JONAS, 2006, p. 39).

O dever com as gerações futuras é um dever da humanidade, independentemente

se os seres são ou não nossos descendentes. Jonas (2006) entende que, quanto mais se

pressente o perigo do futuro, mais temos que agir no presente. Jonas apropria o

Princípio da Responsabilidade com o entrelaçamento de algumas teorias, denominadas

categorias: Heurística do Medo, Fim e o Valor, o Bem o Dever e o Ser, a relação entre a

Responsabilidade Paterna, Política e Total, que contribuíram para criar a base da

configuração ética que Jonas propõe.

As bases filosóficas dedicadas a Hans Jonas que se relacionam com o legado do

Relatório Brundtland também podem ser vislumbradas quando se fala em

desenvolvimento solidário ou solidariedade intergeracional.

Além da complementaridade dos princípios, podem-se enfatizar também as

similitudes das doutrinas preconizadas por alguns autores. Singer (2004) afirma que um

desenvolvimento solidário, que propiciará atividades econômicas que respeitem o meio

ambiente e que fertilizem condutas igualitárias, sem desprezar a produção do

conhecimento nem a modernização tecnológica, mas ambos devem estar submissos aos

preceitos ambientais, à inclusão social e da autogestão. As empresas solidárias muitas

vezes optam pela proteção ambiental e o bem-estar do consumidor, sendo contra aos

processos que impliquem em degradação ambiental e diminuição da saúde

populacional. Esta ideia exposta por Singer demonstra uma grande similaridade com os

pressupostos sustentáveis.

Singer (2004) afirma que a economia solidária tem propósitos sociais e tem

empregado muitas pessoas e as incluindo no meio social. Neste aspecto, Sachs (2004),

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um dos autores mais referenciados no paradigma ‘desenvolvimento sustentável’,

ressalta que muitas das pessoas pobres estão excluídas do desenvolvimento; para ele o

verdadeiro desenvolvimento deve ser includente e sustentável. Ainda no pensamento de

Sachs (2004), não se deve diminuir a pobreza, mas sim acabar com ela através da

inclusão social pelo trabalho para que ocorra um verdadeiro desenvolvimento

sustentável. Nota-se novamente o cruzamento de ideias dos dois sistemas.

A solidariedade é imprescindível para a melhoria de qualquer sociedade. A

solidariedade entre as pessoas com menos condições financeiras muitas vezes nasce

naturalmente, pois a maioria tem as mesmas necessidades (SINGER, 2001). Podemos

fazer uma ponte teórica com o raciocínio de Sachs (2004) que defende que os conceitos,

solidariedade, igualdade e equidade são implícitos ao desenvolvimento, e reforça,

parafraseando, que o desenvolvimento sustentável requer uma solidariedade das

gerações atuais para com as gerações futuras. O termo solidariedade está embutido em

ambos os moldes apresentados.

Battestin e Ghiggi, (2010) destacam que Hans Jonas utiliza exemplos para

demonstrar as responsabilidades e particularidades de cada situação vivida. Por

exemplo: O capitão de um barco não tem interesse em saber de onde vieram seus

passageiros e muito menos para onde vão depois de chegar ao destino programado. A

tarefa do capitão consiste unicamente em transportar os seus passageiros com vida,

segurança e responsabilidade. Outro exemplo é a forma com que o médico conduz o

tratamento de um paciente. A responsabilidade de um médico com o seu paciente

termina quando o paciente finaliza o seu tratamento e obtém a cura, ou o prolongamento

da vida. Para o médico, “não lhe interessam os outros prazeres e sofrimentos que tem

significado para aquela vida que ele salvou, sua responsabilidade termina com o fim do

tratamento”.

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Em outra linguagem, verifica-se também o apelo à solidariedade intergeracional

na Encíclica Laudato Sí, publicada pelo Papa Francisco em junho de 2015, sobre a qual

o presente trabalho pretende trazer algumas reflexões.

3. DA ENCÍCLICA LAUDATO SÍ E SUA CORRELAÇÃO COM O

RELATÓRIO BRUNDTLAND

As encíclicas são comunicados papais escritos dirigidos aos bispos do mundo

inteiro e aos fiéis da Igreja católica utilizado para exercer seu magistério doutrinário.

Segundo o Escritório Central de Estatística do Vaticano (SANTA SÉ, 2017), o

número de católicos passou de 1,11 bilhão em 2005 para 1,27 bilhão ao final de 2014,

17,8% da população mundial. Em dez anos, 157 milhões de pessoas foram batizadas.

Isso significa, segundo a Santa Sé, que a Igreja está ganhando adeptos num ritmo

maior que o crescimento da população mundial. Essa realidade é registrada em todos os

continentes, salvo na Oceania.

A maior expansão ocorreu na África, com um salto de 41% no número de

católicos em dez anos. Nesse mesmo período, a população aumentou em 23%. Na Ásia,

a expansão dos fieis foi de 20%, contra um aumento da população de 9,6%.

Nas Américas, o crescimento também é registrado, ainda que menor. Os católicos

aumentaram em 11,7% entre 2005 e 2014, contra uma expansão demográfica de 9,6%.

Segundo o Vaticano, o continente americano ainda representa 50% dos católicos do

planeta.

Em dificuldade, a Igreja na Europa comemorou o fato de voltar a crescer. Mas a

taxa de apenas 2% em dez anos não permitiu que a taxa total fosse modificada. Hoje,

40% dos europeus se dizem católicos, de acordo com o Vaticano.

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Neste contexto e com o intuito de traçar diretrizes a seus seguidores, o alto

Pontífice da Igreja Católica edita a Laudato si', que em língua portuguesa significa

Louvado sejas, é o título da encíclica que tem o subtítulo "Sobre o Cuidado da Casa

Comum". Nela, o Papa Francisco critica o consumismo e desenvolvimento

irresponsável e faz um apelo à mudança e à unificação global das ações para combater a

degradação ambiental e as alterações climáticas. A encíclica foi publicada oficialmente

em 18 de junho de 2015, mediante grande interesse das comunidades religiosas,

ambientais e científicas internacionais, dos líderes empresariais e dos meios de

comunicação social.

É a segunda encíclica publicada pelo papa Francisco após a publicação de Lumen

fidei, em 2013, sendo que está é, na sua maioria, um trabalho de Bento XVI. Assim,

a Laudato Si é vista como a primeira encíclica inteiramente da responsabilidade do

Papa Francisco e suas afirmações sobre as alterações climáticas estão de acordo

com consenso científico.

No documento de 184 páginas, o Papa Francisco condena a incessante exploração

e destruição do ambiente, responsabilizando a apatia, a procura de lucro de forma

irresponsável, a crença excessiva na tecnologia e a falta de visão política. Além disso, o

Papa afirma que:

As alterações climáticas são um problema global com implicações graves:

ambientais, sociais, económicas, políticas e de distribuição de riqueza.

Representam um dos principais desafios que a humanidade enfrenta nos nossos

dias" e lança o alerta para "a destruição sem precedentes dos ecossistemas, que

terá graves consequências para todos nós" se não forem realizados esforços de

mitigação de forma imediata. (IGREJA CATÓLICA, 2013, [s.p.])

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A Encíclica tem seis capítulos: O Capítulo 1: faz uma análise da situação a partir

do conhecimento científico disponível; O Capítulo 2: faz uma ligação entre o

conhecimento científico sobre a questão e lições encontradas na Bíblia e a tradição

judaico-cristã; O Capítulo 3: identifica a tecnocracia e num excessivo fechamento

autorreferencial do ser humano como a raiz dos problemas; O Capítulo 4: propõe uma

"ecologia integral", que inclua claramente as dimensões humanas e sociais,

indissoluvelmente ligadas com a questão ambiental; O Capítulo 5: propõe que um

diálogo, em todos os níveis da vida social, econômica e política, para estruturar

processos de decisão transparentes; O Capítulo 6: recorda que nenhum projeto pode ser

eficaz se não for animado por uma consciência formada e responsável, e, sugere ideias

para crescer nesta direção em nível educativo, espiritual, eclesial, político e teológico.

(FACHIN, SANTOS, 2015, [s.p.]).

Segundo Leonardo Boff, o conceito de ecologia integral o ponto central da

construção teórica e prática da Laudato Si”, uma vez que a Encíclica assume o novo

paradigma contemporâneo segundo o qual tudo forma um grande todo com todas as

realidades interconectadas, influenciando-se umas às outras, o que permite superar a

fragmentação dos saberes e confere grande coerência e unidade ao texto (FACHIN,

SANTOS, 2015, [s.p.]).

Para Edgar Morin (apud PEILLON; GAULMYN, 2015, [s.p]), a Encíclica

sustenta a noção de ecologia integral, que convida a ter em conta todas as lições desta

crise ecológica, sem deixar de lado a defesa de um humanismo não antropocêntrico.

Para Leonardo Boff (apud FACHIN, SANTOS, 2015, [s.p.]), a encíclica assume o

novo paradigma contemporâneo segundo o qual tudo forma um grande todo com todas

as realidades interconectadas, influenciando-se umas às outras. Isso faz superar a

fragmentação dos saberes e confere grande coerência e unidade ao texto.

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Assim como Hans Jonas, o Papa assevera que a raiz da crise ecológica reside na

tecnocracia. Distingue-a da tecnociência que tantos benefícios nos trouxe. Mas ela

degenerou em tecnocracia, uma espécie de ditadura da técnica com a pretensão de

resolver todos os problemas ecológicos. Com justeza critica esta visão porque ela isola

os seres que estão sempre entrelaçados. Ao dissociá-los pode produzir mais malefícios

que benefícios. Neste contexto aborda o antropocentrismo, pois a tecnocracia é arma de

dominação do ser humano sobre os outros e sobre a natureza.

O antropocentrismo afasta o ser humano da natureza; não se sente parte dela e se

sobrepõe a ela como forma de dominação, quebrando a fraternidade universal. Por isso

que o simples ambientalismo permanece sempre antropocêntrico, pois vê apenas o ser

humano, o seu bem-estar e não o bem comum de todos os demais seres, habitantes da

casa comum. Nesse sentido, a encíclica defende uma conversão ecológica em que o

cidadão assuma o cuidado da "casa comum".

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O relatório Brundtland trouxe dados sobre o aquecimento global e a destruição da

camada de ozônio, temáticas que eram bastante novas para o momento de seu

lançamento. Elenca uma série de metas a serem seguidas por nações de todo o mundo

para evitar o avanço das destruições ambientais e o desequilíbrio climático. Foi uma das

primeiras tentativas nesse sentido já que, até a atualidade, as nações ainda não

conseguiram criar um consenso sobre como agir em conjunto em prol do

desenvolvimento sustentável. (PENSAMENTO VERDE, 2014, [s.p]).

Com a mesma visão de causa e consequência, perpassando pelo viés do

comprometimento de uma atitude atual com uma realidade vindoura, verificou-se que

Hans Jonas coloca o princípio responsabilidade como um imperativo da existência, pois

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esta seria a primeira condição ética e responsável da presente geração para a geração de

amanhã, fundamentando uma ética na amplitude do ser e na solidariedade

intergeracional.

Pensar nas possibilidades de construção coesa de conhecimento através da

educação que busque, através da dialogicidade, princípios éticos e responsáveis, é uma

possibilidade de se efetivar uma práxis coletiva. Poder respeitar, cuidar, lutar, renunciar

e, acima de tudo, agir com responsabilidade, é um ato essencialmente ético, que está na

esfera de poder do indivíduo. Hans Jonas foi um educador e um pensador que remeteu

suas preocupações com a humanidade, com a vida presente e futura, assim, tornou-se

uma referência para a área da Bioética, Educação e Filosofia, desafiando questões

pertinentes sobre como educar para a vida em uma sociedade tecnológica

contemporânea.

De outro lado, verificou-se que o Papa Francisco salientou que a degradação do

meio ambiente atinge os mais fracos e que uma abordagem ecológica verdadeira se

torna uma abordagem social para que tanto o clamor da terra seja ouvido como o clamor

dos pobres.

Nesse sentido, a encíclica defende a ideia de que a solução não passa pela redução

da natalidade nos países menos desenvolvidos, como a pressão internacional quer

conceber, mas, mas que, em existindo um a dívida ecológica entre o norte e o sul, tendo

em vista que os danos causados pelo excessivo consumo de alguns países ricos tem

repercussões nos lugares mais pobres do planeta, seria necessário que os países

desenvolvidos se ocupassem em resolver esta dívida, limitando significativamente o

consumo de energia não renovável e fornecendo recursos aos países mais necessitados,

pois as regiões mais pobres têm menos possibilidade de adotar novos modelos de

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redução do impacto ambiental. Em suma, a adoção de uma responsabilidade com as

futuras gerações é uma constante nos discursos.

Estas situações exigem uma mudança de rota, um sistema normativo que inclua

limites invioláveis e assegure a proteção dos ecossistemas. O Papa Francisco denuncia a

fraqueza da reação política internacional em que, com muita facilidade, o interesse

econômico chega a prevalecer sobre o bem comum e manipular a informação para não

ver afetados os seus projetos.

Concluiu-se, com uma visualização de três discursos diversos no tempo, no

enfoque e na linguagem, cujas premissas são compartilhadas, do que se pode verificar

que a pretensa sustentabilidade e seus vieses filosóficos e ecológicos pertencem, cada

vez mais, no que tange sua efetivação, ao nível de consciência do indivíduo sobre sua

responsabilidade como cidadão do mundo.

Enfim, das análises acima descritas, verificou-se que o conceito de

sustentabilidade perfaz uma trajetória diacrônica, na medida em que percorre diversos

tempos e espaços em busca de sua compreensão e aplicação que perpassam por sua

análise ética, científica e espiritual. Essa análise amplia sua interpretação para além da

temática ambiental, mas para a própria busca da proteção do humano e de todas as suas

complexas necessidades. No entanto, a despeito de sua ubiquidade, o apelo latente para

a sua compreensão nos discursos analisados demonstra que a ideia sobre a real

valorização do meio ambiente para a vida digna em sociedade e da responsabilidade de

cada ator envolvido nesta empreitada ainda não se consolidou.

REFERÊNCIAS

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- Ecoética e hermenêutica eco-jurídica:

a formulação de uma hipótese -

RENATO BRAZ MEHANNA KHAMIS

Resumo

O presente texto tem por finalidade apresentar o produto da reflexão autoral

acerca da relação implicacional existente entre a Ecoética e o Direito Ambiental para

fins hermenêuticos. A ideia central da reflexão apresentada reside na formulação e

justificação de uma hipótese, para posterior validação científica em estudo autônomo, a

qual consiste no que segue: existe uma Ecoética, e os valores que lhe são próprios foram

juridicizados na criação/sistematização dos princípios jurídicos do Direito Ambiental, o

que exige a construção de uma Hermenêutica Eco-Jurídica própria, haja visto que os

valores da Ecoética devem permear a interpretação e a aplicação deste ramo do Direito,

bem como nortear o seu resultado. Atente-se que, longe de ser um trabalho puramente

jurídico-dogmático, atrelado às estruturas metodológicas da pesquisa científica, este

texto transita entre a Filosofia e o Direito, sem, contudo, ferir a racionalidade sistêmico-

estrutural de cada uma destas ciências.

I. INTRODUÇÃO

A força motriz do pensamento humano foi - e ainda é - o enfrentamento de

problemas. São os problemas enfrentados pelo homem que o induzem ao processo de

reflexão, de modo a permitir-lhe encontrar uma solução, ou então a melhor forma de

enfrentá-los.

Essa reflexão sobre os problemas concretos e abstratos deu origem àquilo que na

antiguidade clássica se concebia como Filosofia. Esta consistia no enfrentamento dos

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problemas relacionados ao conhecimento humano, o que era feito exclusivamente por

meio da observação e da reflexão.

As correntes filosóficas eram - e ainda são -, portanto, estruturas racionais de

enfrentamento dos problemas concretos e abstratos ante a limitação do conhecimento

humano.

Ocorre que, com o tempo, a observação e a reflexão passaram a ser seguidas pela

experimentação. Esta última, por seu turno, permitia que se aferisse in concreto a

validade (ou invalidade) daquilo que fora teorizado como explicação para determinado

problema, cuja veracidade até então não se podia aferir.

É assim que nasce a cisão entre Filosofia e Ciência. Enquanto a primeira teoriza in

abstracto, a partir da observação ou da pura reflexão, as causas e consequências de

problemas que transcendem os limites do conhecimento humano, a segunda, por meio

da experimentação, testa e afere a validade in concreto das teorizações formuladas para

a explicação dos problemas mencionados.

No entanto, para que a aferição in concreto possa ser verificável e reproduzível,

ela deve seguir rigorosamente um método. Trata-se do método científico, que consiste

nas seguintes etapas, em ordem cronológica: identificação de um problema; formulação

de uma hipótese; aferição da validade da hipótese; resultados da aferição.

Portanto, uma vez identificado um problema, o primeiro passo para viabilizar a

pesquisa científica consiste na formulação de uma hipótese.

Note-se que o pensar filosófico, por meio do cogito (pensar problemático), auxilia

na formulação de hipóteses robustas, auxiliando, assim, no preenchimento das duas

etapas preliminares do método científico.

A presente reflexão busca justamente oferecer auxílio semelhante. Sem adentrar o

enfrentamento metodológico próprio da pesquisa científica, almeja formular uma

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hipótese, devidamente justificada in abstracto, no plano racional, para posterior

investigação científica em estudo autônomo. A hipótese consiste no que segue: existe

uma Ecoética, e os valores que lhe são próprios foram juridicizados na

criação/sistematização dos princípios jurídicos do Direito Ambiental, o que exige a

construção de uma Hermenêutica Eco-Jurídica própria, haja visto que os valores da

Ecoética devem permear a interpretação e a aplicação deste ramo do Direito, bem como

nortear o seu resultado.

Contudo, é preciso, antes de se proceder a aferição científica em estudo autônomo,

verificar a solidez da hipótese formulada, o que será feito na sequência, por meio da

definição e sustentação da premissa hipotético-analítica, bem como da justificação da

hipótese.

Espera-se que, ao final, com a hipótese devidamente sustentada e justificada, reste

demonstrada a sua pertinência, viabilizando a investigação científica de sua validade

(ou invalidade) em estudo autônomo, a ser realizado em momento posterior.

II. DEFINIÇÃO E SUSTENTAÇÃO DA PREMISSA

A premissa basilar, a qual sustenta a hipótese formulada no presente texto, reside

na existência de uma Ecoética. Afinal, a negação de sua existência afastaria a estrutura

sob a qual será avaliada logicamente a validade (ou invalidade) da hipótese. Isto

significa que, sem o reconhecimento da existência da Ecoética, a hipótese será

natimorta.

Dessa forma, passa-se a analisar a existência ou não da premissa adotada.

Edna Raquel Hogemann e Marcelo Pereira dos Santos, quando se referem às

éticas aplicadas, afirmam categoricamente a existência de uma Ecoética, o que fazem

em contraposição à Bioética (2015, p. 134). Em síntese, os autores reconhecem a

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existência de éticas aplicadas, isto é, de ramificações da ética, sem autonomia científica,

cuja especificidade decorre exclusivamente do seu objeto de estudo.

Cumpre, então, verificar a validade da afirmação de Edna Raquel Hogemann e

Marcelo Pereira dos Santos, pois, se válida, estará devidamente confirmada a premissa

basilar da hipótese aqui apresentada.

Para iniciar essa verificação deve-se responder a uma pergunta básica: O que é

ética?

Visando responder a essa pergunta recorrer-se-á a resposta apresentada pelo autor

do texto em outro escrito, o qual conceitua ética como “a ciência que estuda a moral

vigente em uma determinada sociedade, cujo escopo consiste em enunciar os princípios

que regem as normas morais na sua esfera de incidência” (KHAMIS, 2015, pp. 32-

33).96

Desse conceito decorre a precisa afirmação de Adolfo Sánchez Vasques, segundo

a qual "o valor da ética como teoria está naquilo que explica, e não no fato de prescrever

ou recomendar com vistas à ação em situações concretas” (2007, p. 21).

Ocorre que os problemas morais são os mais diversos. Daí, portanto, a

possibilidade de, como fazem Edna Raquel Hogemann e Marcelo Pereira dos Santos,

conceber-se "éticas aplicadas", pois aplicadas a problemas morais de determinada

natureza.

Em sendo assim, a Ecoética é, na verdade, um capítulo da Ética (enquanto

ciência), aplicada à determinados problemas morais. Mas quais problemas morais? A

filologia da palavra auxiliará na elaboração da resposta.

96
O mesmo autor conceitua moral como "a conduta realizada pelo indivíduo no plano concreto de sua
vivencia, em atendimento a uma norma conhecida, desprovida de coercibilidade, por ele intimamente
aceita” (2015, p. 26).

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O radical “eco" advém da raiz grega oikos, que significa casa. Porém,

contemporaneamente, a expressão casa assumiu um sentido amplo que não se restringe

à edifício habitacional ou moradia. A palavra em questão passou a ser concebida,

figurativamente, como o espaço comum em que habitam todos os seres vivos. Eco,

portanto, é a casa comum de todas as espécies de seres vivos.

Assim, a Ecoética pode ser concebida como o capítulo da Ética (ciência) que

enuncia os princípios que regem as normas morais atinentes à intervenção humana na

relação dos seres vivos (humanos e inumanos) com o meio em que habitam.

Portanto, todos os problemas morais referentes à relação entre os seres vivos e o

meio em que habitam, sejam eles decorrentes da intervenção humana, ou mesmo

provenientes de causa natural, mas que exijam dita intervenção para solucioná-los,

constituem o objeto da Ecoética.

Isso posto, é possível constatar que a premissa estabelecida se sustenta e, portanto,

a hipótese formulada pode ter a sua validade (ou invalidade) cientificamente aferida, na

medida em que o seu pilar de sustentação encontra-se bem firme.

III. JUSTIFICAÇÃO DA HIPÓTESE

Os problemas morais provenientes da relação dos seres vivos com o meio em que

habitam - o que consiste no objeto da Ecoética - são questões de repercussão existencial.

Afinal, a interferência prejudicial ao meio afeta diretamente a existência das espécies de

seres vivos que nele habitam.

Por se tratar de questões que impactam o plano da existência, não se pode admitir

a adoção de uma interpretação que, porventura, conduza ao desequilíbrio do

(eco)sistema em desfavor do meio nas relações entre os seres vivos e o seu habitat.

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Todavia, o Direito é uma ciência normativa (KELSEN, 1998, p. 79), composta

por normas que, em sua maioria, são imperativas (BOBBIO, 2003, p. 125), as quais se

aplicam mediante subsunção.

De outro lado, os valores contidos nos princípios Ecoéticos estão diretamente

orientados ao resultado da ação humana (decisões morais), o que os distancia dos

aspectos jurídico-formais. Isto porque, eventual aplicação do Direito que ignore o

resultado e se atenha demasiadamente ao formalismo jurídico, pode colocar em risco

tanto a existência do meio quanto dos seres vivos que o habitam, ferindo de morte os

valores mencionados.

Nesse diapasão, a mera subsunção, ou qualquer outro processo jurídico-

interpretativo não orientado ao resultado, pode conduzir à um dano existencial

irrecuperável.

Porém, por se tratar de interpretação jurídica, não se pode abdicar da norma. É

preciso, pois, que a hermenêutica ofereça ao interprete técnicas que permitam aliar os

elementos jurídico-dogmáticos aos valores incrustados nos princípios Ecoéticos, sem,

contudo, abdicar do controle do resultado.

Daí, portanto, deve-se verificar na aferição da validade da hipótese se a

hermenêutica jurídica tradicional, orientada ao conteúdo da norma independentemente

do resultado, seria suficiente para a preservação e aplicação in concreto, no plano da

praxis, dos valores contidos nos princípios Ecoéticos, oferecendo resultados que

efetivamente preservem o equilíbrio entre o habitat e os habitantes.

Entretanto, para que se chegue a esse ponto do processo de verificação da

validade da hipótese, é imprescindível que antes se confirme metodologicamente a

existência de uma relação entre Ecoética e Direito, bem como que se identifique de

modo pormenorizado de que forma ela ocorre e em qual plano.

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Nessa esteira, a hipótese formulada apresenta objetivamente o tipo de relação que

deve ser investigada, na medida em que indica que a relação entre Ecoética e Direito se

daria por meio da juridicização - isto é, da conversão em norma jurídica - dos valores

contidos nos princípios Ecoéticos. Ditos valores estariam refletidos nos princípios

jurídicos de Direito Ambiental que, ao contrário dos primeiros, são normas jurídicas e,

portanto, são dotados de força coercitiva. Em virtude da coercibilidade que lhes é

própria, bem como da necessidade de resultados interpretativos de aplicação

controlável, se sustentaria a necessidade de uma hermenêutica jurídica diferenciada, que

concretizasse os valores contidos nos referidos princípios jurídicos, mas que,

simultaneamente, controlasse o resultado para fins de aplicação do Direito.

Se isso realmente ocorre, de que forma e em qual plano é tarefa a ser aferida em

estudo posterior, devidamente amparada pela metodologia científica.

Frise-se, porém, que a eventual confirmação da validade da hipótese formulada

levará a interpretação jurídica a um novo patamar, na medida em que desvinculará a

hermenêutica eco-jurídica dos standards interpretativos da hermenêutica jurídica

tradicional, o que acarretará impacto direto na forma de aplicação do Direito (ou de

parte dele).

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, restou apresentada a hipótese que deve ser objeto de

investigação em estudo autônomo, amparado na metodologia científica.

Ficou demonstrada a relevância científica da hipótese, de amplitude

interdisciplinar, cuja aplicabilidade prática revelou-se de suma importância para a

preservação do equilíbrio entre habitat e habitantes.

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Para tanto, o processo de investigação precisa, necessariamente, verificar se a

hermenêutica jurídica tradicional é suficiente para a preservação e aplicação dos valores

contidos nos princípios Ecoéticos, bem como apontar de modo pormenorizado a forma

como Ecoética e Direito se relacionam, pois, sem a validação desses dois pilares, não

será possível ao final concluir pela validade da hipótese formulada.

Trata-se, pois, de hipótese sólida, e que merece ser objeto de investigação

autônoma para a aferição da sua validade (ou invalidade).

REFERÊNCIAS

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KHAMIS, Renato Braz Mehanna. Ética, dialética e constitucionalismo: por uma

hermenêutica constitucional orientada a valores. Santos: Renato Braz Mehanna Khamis,

2015.

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- A “natureza das coisas” contra a natureza:

o meio ambiente tornado irrelevante em nome da liberdade de mercado -

RICARDO ANTONIO LUCAS CAMARGO

Muito comum, quando se ouvem os discursos que se voltam à proteção dos

fatores que marcam as diferenças sociais, ser suscitado o fundamento da “natureza das

coisas” para dar como disparatada qualquer cogitação de se discutir a legitimidade

dessas mesmas diferenças.

Afinal, o que pertencer a este campo, não poderá ser modificado, justamente

porque será decorrência de uma determinação transcendente à vontade humana, será um

desígnio superior a que os seres humanos deverão sujeitar-se [ENGISCH, 1995, p. 323;

LARENZ, 1978, p. 168; ATHAYDE, 1931, p. 64; FERREIRA FILHO, 1992, p. 269;

MAISTRE, 1941, p. 43-4; BONALD, 1864, p. 186].

A “natureza das coisas” seria, pois, o grande fundamento para que, uma vez

apropriado um objeto em caráter individual e exclusivo, o sujeito dessa apropriação

pudesse fazer desse objeto absolutamente tudo o que desejasse, inclusive destruí-lo.

Também seria o fundamento para que os investimentos privados fossem aptos a

gerar o maior proveito possível para quem tivesse arriscado o respectivo capital, e para

que todo aquele que não tivesse competência para arriscar o respectivo capital viesse a

empreender todos os esforços para captar as simpatias dos que, por definição, seriam

melhores do que ele em todos os sentidos, a fim de obter a suprema caridade da

permissão para existir.

O que poderia parecer uma caricatura, um exagero da posição conservadora, em

realidade, tem sido mais frequente do que se imagina, e não só em meio a pessoas

dotadas de pouca instrução, vez que se podem verificar, dentre os defensores de tal

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posição, até mesmo indivíduos que vieram a ocupar cátedra [FERREIRA FILHO, 1978,

p. 58; VIDIGAL, 1977, p. 157].

Considerando ser inconteste que a proteção ambiental implica fortíssimos

condicionamentos ao direito de propriedade e, também, custos para a atividade

empresarial, uma visão mais elementar conduziria a tratá-la como um verdadeiro

entrave ao desenvolvimento nacional, a reduzir-se ao mínimo.

A noção de “desenvolvimento sustentável”, a noção do estabelecimento de limites

à exploração pura e simples até o esgotamento [SOUZA, 2002, p. 135; FIGUEIREDO,

2004, p. 147; GRAU, 2010, p. 256; MOLL, 1995, p. 157] vem a ser substituída pela

noção de que qualquer condicionamento à atividade econômica, em princípio, se

apresentaria como um entrave, e isto vem a ser expresso tanto pelas medidas adotadas

no Brasil a partir de agosto de 2016 como principalmente no decorrer de 2019, com

destaque especial para a Lei 13.874, conhecida como “da liberdade econômica”.

Partindo do pressuposto de que haveria uma verdadeira cruzada governamental

contra a atuação empresarial, passou-se a tratar como uma verdadeira questão de honra

a extinção desses fatores (legislação trabalhista, ambiental etc.) que, numa visão

estritamente economicista, seriam responsáveis pelo atraso da economia brasileira, e

que se tais restrições existissem nos países desenvolvidos, nunca teriam chegado ao

ponto que chegaram.

Em outra oportunidade, já se indicou o divórcio entre tal premissa, vendida pelos

meios de comunicação e encampada com incisividade pelo atual Governo brasileiro, e a

realidade, em que os Governos anteriores, tidos como implementadores de uma

“hostilidade ao mercado”, na realidade, foram em uma medida bem larga, extremamente

subservientes a ele [FIGUEIREDO; CAMARGO, 2019, p. 241].

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Além da erronia quanto à suposta hostilidade ao mercado demonstrada pelo

Governo anterior, o equívoco da proposição concernente à inexistência de restrições aos

agentes de mercado no Primeiro Mundo decorre do fato de que mesmo nos países tidos,

hoje, como “desenvolvidos”, o Estado teve de fazer-se presente na economia, fosse

estabelecendo comandos, heteronomamente, fosse como agente econômico, justamente

para se impedir que a desigualdade na distribuição dos bens viesse a converter-se em

um fator de esgarçamento social [MORIN, 1920, p. 27; CISCATO, 2013, p. 104],

justamente porque cada ente, normalmente, tende a buscar a autoafirmação, tende a

buscar a realização da sua vontade à plena, removendo tudo o que lhe pareça um

obstáculo.

Uma proposição sirênica que se mostra frequente é a que põe a questão ambiental

como uma preocupação cuja futilidade beiraria a falta de sensibilidade com as

necessidades humanas, tendo em vista uma realidade marcada pelo desemprego e pela

constância da busca de capitais para permitir que o país atue no mercado internacional

com a velocidade que este exige: a ideia do mercado como “ordem natural” acaba por se

apresentar como uma razão para que se dê prioridade, antes, ao que facilite às empresas

iniciarem suas atividades e continuarem operando, gerando empregos e tributos, do que

aos cuidados que essas mesmas empresas devem adotar para a prevenção dos danos ou

para a respectiva recomposição, justamente porque tais cuidados representam, sempre,

custos.

Ou seja, a preservação da natureza se apresenta, nestas hipóteses, como um

escopo que contrariaria aqueles que dão a busca do atendimento aos “desejos do

mercado” como expressão da “natureza das coisas”.

Podem ocorrer – e frequentemente ocorrem -, entretanto, situações em que os

efeitos sobre os humanos por decorrência dos desastres – a expressão é utilizada para

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fins de designar tanto os “acidentes” quanto aquelas catástrofes que sejam provocadas

tanto pelo dolo quanto pela culpa dos seres humanos – conduzem ao arrependimento

quantos saudaram “flexibilizações”, muitas vezes à margem da lei, concedidas a

empresas, ao fundamento de se tratar de um desnecessário obstáculo burocrático.

Se a reação do Poder Público ao desastre verificado em Bento Rodrigues/MG, em

novembro de 2015, matando o rio Doce, se voltou, muito mais, a minimizar os custos

financeiros para a empresa mineradora envolvida do que a buscar formas de

recomposição e de prevenção de novos eventos desta natureza – nova ocorrência nas

proximidades de Brumadinho/MG em 2019, ameaçando o rio São Francisco -, em

relação às queimadas que se intensificaram, a partir de 2019, na Amazônia, num

primeiro momento, procurou-se impedir a divulgação dos dados respectivos,

conduzindo à exoneração do Presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais em

virtude de haver invocado a proposição agressiva à natureza das coisas consistente em

dar a hierarquia funcional como impotente para determinar a verdade ou falsidade das

proposições [PUTTI, 2019], até o momento em que parceiros comerciais antigos, do

Primeiro Mundo, começaram a anunciar boicotes e se verificaram desconfortos

ambientais sérios mesmo em lugares que asseguraram a vitória ao atual Chefe do

Executivo no pleito eleitoral de 2018 [SOUZA, 2019].

Quando do vazamento do óleo que atingiu, primeiro, as praias da Região

Nordeste, ao invés de atender ao dever estabelecido para todos os Poderes Públicos nos

artigos 23, VI, e 225 da Constituição brasileira, suscitou-se o silêncio das Organizações

Não Governamentais e irrogou-se a responsabilidade à Venezuela, convencendo a

muitos que acreditaram não existirem entre o país bolivariano e a Região Nordeste três

Guianas, mais um Estado do Amapá e um Estado do Pará, e que bastaria apontar nele a

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culpada pelo vazamento para afastar qualquer responsabilidade do Estado, por suas três

esferas (União, Estados-membros e Municípios) em resolver o problema.

A suposta omissão das ONGs foi desmentida pelos próprios fatos, diante da

manifestação de uma das mais expressivas [NOGUEIRA, 2019].

Quando a população afetada, diante da omissão governamental, começou a atuar

na limpeza das praias, desprovida dos equipamentos, arriscando a respectiva saúde,

chamou-se a atenção da opinião pública para a responsabilidade de quem disporia dos

meios para a prevenção e o enfrentamento do problema, isto é, o Poder Público

[SOUZA, 2019].

É importante ter presente a formação de um certo senso comum, tanto nas redes

sociais como fora delas, acerca de a gravidade dos problemas ambientais ser mensurada

a partir da identidade dos responsáveis: as queimadas se tornam irrelevantes, se não

puderem ser atribuídas aos inimigos de sempre – “ONGs ligadas ao projeto vermelho-

islamo-bolivariano de dominação do mundo”, “índios que não são na realidade índios

mas sim sugadores da nação”, “quilombolas com peso em arrobas que não servem nem

para reproduzir” -, os vazamentos só podem ser originários da Venezuela e, de qualquer

modo, o Poder Público não tem nada com isto, tem que deixar as forças vivas que

movem o mercado trabalharem e impedir os subversivos de destruírem a Pátria...

Este senso comum, entretanto, não é suficiente para legitimar a demissão, pelo

Poder Público, de encargos que lhe são constitucionalmente atribuídos: tentativas de

desvencilharem-se os entes públicos dos encargos estabelecidos na Constituição são, de

acordo com a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal a partir da medida

cautelar na ação direta de inconstitucionalidade 2.544/RS, relatada pelo Ministro

Sepúlveda Pertence, cujo acórdão foi veiculado no Diário de Justiça da União do dia 8

de novembro de 2002.

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Ao contrário, os encargos são conferidos pela ordem jurídica aos entes públicos

para que estes os executem, e se o são aos entes públicos, é em virtude de se entender

que, à falta de uma expectativa de benefícios para o particular na execução da tarefa,

por um lado, por mais essencial que ela seja, e à necessidade do exercício do poder de

coação, por outro, para que ela seja executada. Tal distribuição parte do pressuposto de

que dificilmente o ser humano está disposto a atuar para além da expectativa de

benefício próprio ou em prol de algo que, por aumentar o benefício de outrem, diminua

o seu próprio e, contudo, a necessidade, nem por isto, deixa de existir e de merecer

atendimento.

Se este fundamento é, aparentemente, de fácil apreensão, o dado de que se pode

conquistar facilmente, aos frustrados e inseguros, com a tese de que os seus interesses

são melhores em função da própria natureza das coisas e que tudo o que se lhes oponha

é, por definição, a expressão do Mal tem-se feito presente ao longo de cada recaída

autoritária na história mundial, seja pela grandeza da raça, no III Reich, seja pela defesa

da estirpe, na Itália fascista, seja pela guarda da autoridade da religião, na Espanha

franquista e no Portugal salazarista.

A partir de tal tese, tudo o que exista que não seja para a maior glória do que, pela

natureza das coisas, é a expressão do Bem – e nisto se enquadram desde espécies

vegetais e animais que não estejam destinados a nenhum uso humano até tribos de seres

humanos que não signifiquem absolutamente nada em termos de mercado – passa a ser

considerado usurpador de espaço escasso e, pois, merecedor de eliminação, a despeito

de não se poder defender racionalmente uma tal conclusão.

A esperança de que ideias de igualdade e fraternidade viessem a trazer dias

melhores para os seres humanos acabou sendo frustrada de várias formas, em especial

em virtude de, qualquer que seja o modo por que se organize a sociedade, quem quer

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que assuma o poder sempre estará sujeito à tentação de utilizar a força para satisfazer os

seus próprios interesses, a empregá-la caprichosamente, de tal sorte que, para o ser

humano comum, a democracia, perigosamente, passa a ser considerada indiferente,

quando não perniciosa, já que pode implicar afastar o justo castigo do representante do

Mal, usurpador do espaço vital.

As promessas não cumpridas da democracia e do próprio Estado de Direito, em

todas as suas manifestações, tanto o liberal quanto o social e o democrático, ao longo

dos tempos, tem conduzido populações desesperadas a buscarem atalhos. Invocam,

então, princípios abstratos, expressões estéticas de “nacionalidade” – melodias de hino,

cores de bandeira -, buscam um inimigo comum responsável por todas as desgraças,

dispõem-se a fazer todos os sacrifícios em prol dessa causa, com a esperança de um

futuro glorioso, mesmo que, paradoxalmente, a esperança deste futuro glorioso tenha

todas as características de uma eliminação das possibilidades de um futuro.

ATHAYDE, Tristão de. Preparação à sociologia. Rio de Janeiro: Edição do

Centro D. Vital, 1931.

BONALD, Louis-Gabriel-Ambroise, le Vicomte de. Œuvres completes. Paris: J.

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CISCATO, Costanza. Natura, persona, diritto – profili del tomismo giuridico nel

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ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad. João Baptista

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FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia possível. São Paulo:

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GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo:

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do país, diz Greenpeace... https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-

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greenpeace.htm?fbclid=IwAR0q8K0zJG8tIRO25gfo1lsu1Uw_c4E9SEbGtpaYH0Ltua

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- Marchando para o desmonte -

THEMIS ALINE CALCAVECCHIA DOS SANTOS

Resumo:

Os recentes acontecimentos, no Brasil, envolvendo o cometimento de crimes

ambientais acendeu um alerta sobre as graves consequências para as presentes e futuras

gerações, vez que a recuperação dos ecossistemas atingidos poderá levar dezenas, ou em

alguns casos jamais se recuperar. Soma-se a isto a inexistência de uma política

ambiental por parte do atual Governo Federal, cujas primeiras medidas foram iniciar um

desmonte da estrutura dos órgãos de fiscalização e defesa do meio ambiente.

O presente trabalho tem como objetivo trazer um breve estudo bibliográfico sobre

a construção da Sociologia Ambiental e comentar alguns crimes ambientais

especialmente Mariana e Brumadinho, além das recentes queimadas na Amazônia

Brasileira.

Palavras-chave: Sociologia ambiental; desastres ambientais; desmonte; Governo

Federal

Abstract:

Recent events in Brazil involving environmental crimes have sparked a warning

about the serious consequences for the present and the future generations, as the

recovery of affected ecosystems may take dozens, or in some cases never recover.

Added to this is the lack of an environmental policy on the part of the current Federal

Government, whose first measures were to initiate a dismantling of the structure of the

inspection and environmental protection agencies.

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This paper aims to bring a brief bibliographical study on the construction of

Environmental Sociology and comment on some environmental crimes, especially

Mariana and Brumadinho, in addition to the recent burning in the Brazilian Amazon.

Keywords: Environmental sociology; environmental disasters; disassemble;

Federal government

1. Introdução

Os recentes acontecimentos, no Brasil, envolvendo o cometimento de crimes

ambientais acendeu um alerta sobre as graves consequências para as presentes e futuras

gerações, vez que a recuperação dos ecossistemas atingidos poderá levar dezenas, até

centenas de anos, ou em alguns casos jamais se recuperar. Soma-se a isto a inexistência

de uma política ambiental por parte do atual Governo Federal, cujas primeiras medidas,

tão logo ascendeu ao poder foram iniciar um desmonte da estrutura dos órgãos de

fiscalização e defesa do meio ambiente.

O Brasil possuía uma das mais avançadas legislações protetivas do meio ambiente

que, paulatinamente, foram sendo alteradas em detrimento do que se convencionou

chamar de “desenvolvimento”, ainda que com um matiz de sustentabilidade, incipiente.

Isto fica evidente com as alterações que foram feitas no Código Florestal, nas propostas

de alteração nas regras para o licenciamento de atividades potencialmente poluidoras

etc.

A gravidade da situação é de tal monta que, logo nos primeiros meses do atual

Governo Federal, todos os ex-Ministros do Meio Ambiente, vivos, desde que foi criado

o Ministério, em 1992, reuniram-se na Universidade de São Paulo (USP) para fazer um

comunicado externando as suas preocupações com as ações do atual titular da pasta.

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O presente trabalho tem como objetivo trazer um breve estudo bibliográfico sobre

a construção da Sociologia Ambiental e comentar alguns crimes ambientais

especialmente Mariana e Brumadinho, além das recentes queimadas na Amazônia

Brasileira.

2. Por uma Sociologia Ambiental

A temática ambiental tem sido foco de preocupação, do ponto de vista de

legislação, a partir da Conferência de Estocolmo que trouxe luz sobre a relação

desenvolvimento x poluição. Todavia, do ponto de vista sociológico, a tentativa de se

elaborar uma Sociologia Ambiental remonta a fins do século XIX e primeiras duas

décadas do século XX, sendo retomada a partir da Década de 70 do século passado.

O marco fundamental para o que se denominou “Movimento Ambiental

Moderno”, de acordo com Hannigan (1995), foi o “Earth Day 1970” que consistiu

numa proposta de debates, a nível nacional nos EUA, entre alunos e professores,

transformando-se num “acontecimento multifacetado com milhões de participantes”,

com o simbolismo de ser o “Dia primeiro” do ambientalismo, trazendo amplo

reconhecimento à questão ambiental e inaugurando o que se conhece como o “Decênio

Ambiental”.

A partir destes eventos, houve a constatação de que a Sociologia não possuía um

campo específico de estudos, ou mesmo a realização de pesquisas, nem um referencial

teórico para uma interpretação específica da relação entre a sociedade e o meio

ambiente (HANNIGAN, 1995).

A abordagem sociológica envolvendo as questões ambientais, ao longo do tempo,

passou por diferentes visões. Inicialmente, no século XIX, surge a corrente do

Determinismo que considerava os efeitos da geografia sobre a condição humana. Com

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grande influência do pensamento de Montesquieu, Henry Thomas Buckle, o principal

pensador determinista, afirmava que a “sociedade humana é produto das forças naturais

e é, portanto, susceptível de uma explicação natural. (...) a influência do ambiente

geográfico é muito directa e, portanto, mais forte das pessoas ‘primitivas’, mas declina

com o avanço da cultura moderna” (HANNIGAN, 1995, p.16).

Ele atribuiu um significado sociológico importante ao aspecto visual da

natureza: se o ambiente natural causa admiração na sua beleza ou é devastadora

no seu poder de destruição, desenvolve excessivamente a imaginação; se é menos

ameaçadora, prevalece uma inteligência mais racional. A Inglaterra, envolvida

pelas suas suaves colinas, e por animais domésticos nas quintas, representa um

exemplo fundamental dessa inteligência racional. (Ibid.)

De outro lado, tem-se uma visão darwinista, onde há a preponderância das leis da

seleção natural na vida e na sociedade humanas. O Darwinismo Social, como ficou

conhecida esta corrente de pensamento sociológica, cujo maior expoente é Herbert

Spencer, entendia que a desigualdade entre os indivíduos de uma sociedade é natural e

que somente os “mais aptos” sobrevivem. Os seres humanos são dotados de aptidões

inatas que os diferenciam e os mais aptos obterão riqueza, sucesso, poder, ao passo que

os menos aptos fracassarão. Portanto, sucesso e fracasso são consequências de aptidões

inatas dos indivíduos e normais na luta pela vida dentro de uma sociedade.

(BOLSANELLO, 1996).

Spencer cria, assim, a Teoria Evolucionista Social, ou Darwinismo Social,

fundamentado principalmente na biologia, “explicou os problemas sociais e econômicos

de acordo com os princípios liberais. Em seu sistema, pensou a sociedade sob o modelo

de funcionamento de um organismo individual. ‘Há entre um organismo social e um

organismo individual uma analogia perfeita’ (SPENCER, 1889, p.08). Existe, portanto,

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uma relação íntima e permanente entre o biológico e o sociológico”. (LUCAS, 2000. p.

2).

Ainda, em relação ao Darwinismo Social de Spencer, há que se destacar o seu

caráter liberal, do laissez faire, de defesa de uma sociedade capitalista. Acrescente-se a

isto o fato de ser valorizada a preponderância de alguns indivíduos sobre outros, a

existência de privilegiados “naturalmente” em detrimento de “desprivilegiados” que

sucumbiriam aos primeiros diante de sua inferioridade para manter a proliferação de sua

espécie. Para Spencer, isto significaria que os mais fracos não sobreviveriam, deixando,

assim, menos herdeiros.

Este é o berço da eugenia e do racismo “científico” que predominaram ao longo

do século XIX. A “seleção natural” proporcionaria o triunfo dos mais aptos e,

consequentemente, traria o progresso – a evolução.

Todavia, há uma mudança na concepção de uma Teoria Sociológica, que deixava

de ser fundamentada no Determinismo Geográfico e no Darwinismo Social, de outro

modo, a sociologia não se fundava mais na física e na biologia, dando lugar à influência

da psicologia, a uma interpretação que privilegiava a cultura no desenvolvimento

humano e social. Neste sentido, tem-se o surgimento da Antropologia Cultural97 cuja

abordagem passa a se dar a partir da influência da cultura na formação dos indivíduos e

da sociedade.

Com o “boom” desenvolvimentista das décadas de 50 e 70, a abordagem

sociológica relega a um segundo plano a questão ambiental, fortalecendo a noção de um

desenvolvimento científico e tecnológico para um progresso ilimitado. A modernização


97
Entre os principais expoentes desta corrente antropológica pode-se citar Franz Boas, que foi seu criador
reagindo contra o racismo e contra o determinismo geográfico. Boas publicou obras relevantes como:
Antropologia Cultural. Destaca-se, também, Margareth Mead e seus estudos, especialmente na Nova
Guiné, que resultaram em obras relevantes como Sexo e Temperamento em três sociedades primitivas que
tornou-se um relevante documento para o movimento feminista, uma vez que ressaltava que a diferença
entre os gêneros são provenientes de condicionamentos culturais das sociedades.

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é um “processo de construção de nações e instituições” (HANNIGAN, 1995, p. 20). A

racionalidade desenvolvimentista coloca em segundo plano a influência negativa das

ações do homem sobre a natureza, especialmente as consequências do crescimento das

indústrias de base.

De outro lado, a abordagem sociológica de matriz marxista também não coloca

em relevo a temática ambiental, a prioridade é o enfoque na luta de classes.

O que se pode observar é que os principais pensadores que desenvolveram um

pensamento sociológico, a saber: Durkheim, Marx e Weber, partiram de uma

perspectiva antropocêntrica para tratar da relação homem-sociedade-natureza. Para

Catton e Dunlap (1978), a aparente diversidade entre as diferentes correntes

sociológicas existentes não é tão importante quanto o antropocentrismo que os interliga.

Tal perspectiva deriva da Modernidade, onde o homem deixa de ser parte

integrante da natureza, para dominá-la. Para muitos, é neste momento que surge a

Ciência (para Locke, o conhecimento é produzido a partir do experimento). O homem

passa a ser o sujeito e a natureza o objeto a ser dominado, domado.

Do ponto de vista da Sociologia, alguns autores, liderados por Catton e Dunlap,

formularam o que ficou conhecido como Sociologia Rural, surgida nos anos 60 do

século XX, a partir da criação da Sociedade Sociológica Rural (Rural Sociological

Society – RSS), que criou um grupo de estudos sobre Recursos Naturais – o Natural

Resources Reserch Group. As premissas desta corrente propunham a existência de dois

paradigmas fundamentais, quais sejam: “o Paradigma da Excepcionalidade Humana

(Human Exemptionality Paradigm) e Novo Paradigma Ecológico (New Ecological

Paradigm)” (FLEURY et alii, 2014).

Catton e Dunlap (1978) referem-se a esta visão antropocêntrica como sendo o

traço comum entre todas as diferentes correntes de pensamento sociológico existentes

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até então, ou seja, prevalece sobre a diversidade de ideias existentes entre elas. Os

autores destacam que esta visão antropocêntrica é parte da básica visão sociológica de

mundo que eles denominam de “Human Exceptionalism Paradigm” (HEP). Os autores

sustentam “que a aceitação dos pressupostos do Paradigma da Excepcionalidade

Humana tornou difícil para a maioria dos sociólogos, independentemente de sua

orientação preferida, lidar significativamente com as implicações sociais de problemas e

restrições ecológicas” (CATTON E DUNLAP, 1978, p. 42). O HEP seria uma “forma

acadêmica de traduzir um conceito antropocêntrico da ‘visão ocidental dominante’ – o

DWW (dominant western worldview) –, que engloba valores dominados na ideia

ilimitada dos recursos e combustíveis fósseis” (SCHMIDT, 1999, p. 180).

O “Human Exceptionalism Paradigm” (HEP) teria como características as

seguintes premissas: a) os seres humanos são únicos entre todas as criaturas porque têm

uma cultura; b) a cultura pode variar quase que infinitamente e pode mudar muito mais

rápido que as características biológicas; c) muitas diferenças entre os humanos são

induzidas socialmente ao invés de inatas, elas podem ser socialmente alteradas e as

inconveniências podem ser eliminadas; e d) portanto, também, a acumulação cultural

significa que o progresso pode continuar sem limites fazendo com que os problemas

sociais sejam finalmente resolvidos (CATTON e DUNLAP, 1978).

Os autores apontam que a ideia da abundância dificultou aos sociólogos

perceberem a possibilidade de uma era de escassez. A concepção ecológica de

“capacidade de carga” foi negligenciada pela crença de que a “capacidade de carga” do

meio ambiente (natureza) é sempre aumentada conforme a necessidade, portanto,

negava-se a possibilidade de escassez. Desta forma, tem-se ignorada, na literatura

sociológica sobre o desenvolvimento econômico, a dependência da sociedade humana

em relação ao ecossistema (CATTON e DUNLAP, 1978).

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Quando a percepção do público acerca dos problemas ambientais começou a

surgir, os cientistas que se tornaram líderes de opinião não eram sociólogos. A aceitação

do “Human Excepcionalism Paradigm” fez com que a sociologia focasse seus estudos

nos humanos desconsiderando o habitat.

Diante de uma realidade em que os problemas ambientais começam a ter maior

visibilidade, houve a necessidade de se repensar a “tradicional sociologia

‘Durkheimiana’, de que os fatos sociais podem ser explicados somente através da

ligação com outros fatos sociais” (CATTON e DUNLAP, 1978, p. 44), que criou

obstáculos “à redistribuição de posições relativas à natureza e da sociedade e da sua

oposição recíproca” (SCHMIDT, 1999).

De acordo com os sociólogos rurais Catton e Dunlap (1978), a consequência

gradual desse repensar a tradicional sociologia “Durkheimiana” foi o desenvolvimento

da sociologia ambiental, cujo objetivo é estudar a interação entre o meio ambiente e a

sociedade. De outra forma, é estudar os efeitos do meio ambiente sobre a sociedade e

vice-versa. Não há mais como a sociologia negar a importância do meio ambiente em

seus estudos e isto significa uma aceitação tácita de um conjunto de suposições

diferentes do HEP. A este conjunto de suposições Catton e Dunlap (1978) denominaram

“New Environmental Paradigm” (NEP).

Este paradigma defendido pelos autores sustentava que: a) os seres humanos são

apenas uma das muitas espécies que são interdependentemente envolvidas nas

comunidades bióticas que moldam nossa vida social; b) as intrincadas ligações entre

causa e efeito e o feedback na rede da natureza (web of nature) produzem muitas

consequências não intencionais da ação humana intencional; e c) o mundo é finito,

então existem potentes limites físicos e biológicos que restringem o crescimento

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econômico, o progresso social e outros fenômenos da sociedade (CATTON E

DUNLAP, 1978, p. 45).

Na tentativa de se construir o objeto de estudo da Sociologia Ambiental, Catton e

Dunlap apontaram que o “Novo Paradigma Ecológico” (“New Environmental

Paradigm” – NEP) dá-se pela interação entre o ambiente físico e social e o

comportamento. Entretanto, o que se viu foi um alargamento das áreas de investigação

da Sociologia Ambiental, ao contrário de limitar o campo de estudo (HANNIGAN,

1995). As críticas à tentativa de Catton e Dunlap de esboçarem uma Sociologia

Ambiental residiram no fato de que “as premissas do NEP se encontravam num nível de

abstração muito elevado para permitir uma pesquisa significativa, e que alguns dos seus

trabalhos se constituem como um conjunto de crenças cognitivas expressas por ativistas

ambientalistas e por segmentos do público em geral”. (FLEURY et alii., 2014, p. 40

apud BUTTEL, 1992, p. 81).

O que se pode observar é que a tentativa de se criar um Novo Paradigma

Ecológico não prosperou. Neste sentido, houve uma nova tentativa de se delimitar um

campo teórico para a Sociologia Ambiental que se deu através da revisão das teorias

sociológicas em duas direções. A primeira foi a retomada das concepções de Durkheim,

Marx e Weber numa tentativa de analisar os diversos aspectos da questão ambiental.

De acordo com Schmidt (1999), os três pensadores clássicos mencionados

trouxeram em suas teorias a relação homem x natureza e equacionaram os paradoxos do

modelo desenvolvimentista industrial e a ameaça para a sociedade moderna. De certa

forma, previram os problemas ambientais, ainda que dentro de uma visão ética, política

e de justiça social.

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Os mais destacados defensores dessa perspectiva são Alan Schnaiberg e James

O´Connor, através do que ficou conhecido como “marxismo ambiental” (FLEURY,

2014).

Schnaiberg apresenta o conceito de ‘rotação da produção’, que significa a

necessidade de um sistema econômico que visa continuamente o lucro, através da

indução dos consumidores a quererem adquirir novos produtos, ainda que isto leve a

extrapolar os limites físicos do crescimento e a publicidade é um importante

instrumento a fim de estimular a aquisição de produtos, numa alusão à melhoria do

estilo de vida (HANNIGAN, 1995). Esta ‘rotação da produção’ “é um ‘mecanismo

complexo de ‘auto-reforço’ (Buttel e Humprey) no qual os políticos respondem à

disputa ambiental criada pelo intenso crescimento econômico do capitalismo através de

políticas que encorajam ainda mais a expansão” (HANNIGAN, 1995). Ou seja, é uma

tentativa de abordar teoricamente esse processo autodestrutivo da lógica capitalista de

produção.

É importante salientar o que Schnaiberg define como ‘tensão dialética’ existente

nas sociedades industriais, onde, de um lado, o Estado tem que promover as condições

para a produção (geração de capital) e de outro tem que assegurar a proteção ambiental,

cada vez mais presente na agenda política. Isto seria um conflito entre os ‘valores

utilizados’ – proteção de espécies animais e vegetais – e a ‘troca de valores’ – que seria

a utilização dos recursos naturais pela atividade industrial. (HANNIGAN, 1995).

Esta corrente foi criticada à medida em que os problemas ambientais também

existem nos países socialistas (a China chegou a ser o país que mais polui no mundo),

mas não se pode negar que se trata de uma perspectiva que coloca a economia como um

importante fator para o desequilíbrio ambiental.

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A segunda direção de interpretação foi a “tentativa de subordinar a análise dos

problemas ambientais às estratégias convencionais de abordagem empregadas para o

entendimento de outros problemas sociológicos” (FLEURY, 2017, p. 224). Dentre os

enfoques teóricos tem-se o surgimento do conceito de "sociedade de risco” de Ulrich

Beck e de “modernização ecológica” de Arthur Mol e Gert Spaargaren.

A teoria da “sociedade do risco” teve grande impacto nos diversos campos da

ciência, além de refletir nas ações políticas e na visão do público de uma maneira geral

(MENDES, 2015). O ponto de partida na teoria de Beck (2000) é o da modernização

reflexiva, que “significa a possibilidade de uma (auto)destruição criativa de toda uma

época: a da sociedade industrial. O ‘sujeito’ desta destruição criativa não é a revolução,

nem a crise, mas a vitória da modernização ocidental” (p. 2).

Contrariamente a um evolucionismo utópico característico das diferentes

teorias da modernização, Beck propõe uma visão mais sombria, aquilo a que

chamou de “vulcão da civilização”. Para Beck, as consequências do

desenvolvimento científico e industrial são um conjunto de riscos que não podem

ser contidos espacial ou temporalmente. Ninguém pode ser diretamente

responsabilizado pelos danos causados por esses riscos, e aqueles afetados não

podem ser compensados, devido à dificuldade de cálculo desses danos. Além dos

riscos ecológicos, assiste-se a uma precarização crescente e massiva das condições

de existência, com uma individualização da desigualdade social e de incerteza

quanto às condições de emprego, tornando-se a exposição aos riscos generalizada.

(MENDES, 2015, p. 211).

A partir dos anos 1990, estes enfoques teóricos trouxeram uma renovação no

debate sociológico no que tange à questão ambiental. Alguns pensadores que não eram

identificados com a sociologia ambiental, entre eles Giddens e Beck, começaram a

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pensar as questões ecológicas e as relações socioambientais, como se pode ver no

conceito de “sociedade de risco” (FLEURY, 2017).

Ao mesmo tempo que Guiddens, Beck e outros tratavam das questões ambientais

através da concepção da “sociedade de risco”, uma outra vertente surge dentro da

sociologia ambiental a saber: o construtivismo social. Desta forma, o principal objeto de

estudo da sociologia ambiental passou a ser o “aspecto eminentemente social dos

problemas e questões ambientais”, ou seja, “como o ambiente é percebido e construído

socialmente como um problema ou questão pública” (FLEURY, 2014, p. 42 e 2017, p.

224).

A “Modernização Ecológica” seria “uma transformação ecológica do processo de

industrialização numa direção na qual a base de sustentação pode ser garantida. (...)

indica a possibilidade de superar a crise ambiental enquanto fazemos uso das

instituições da modernidade, sem abandonar o padrão de modernização” (LENZI, 2003,

p. 48, apud MOL, 1995).

Um dos aspectos que se pode destacar acerca da importância da “modernização

ecológica” para a construção teórica da Sociologia Ambiental refere-se ao fato da

“importância que ela confere na possibilidade de integração entre economia e ecologia

como também na importância que ela confere ao Estado como um ‘condutor’ dessa

mudança” (idem).

Como certos autores têm chamado a atenção, as mudanças professadas pela

ME estabelecem uma forte presença do Estado tanto para desencadear essa

integração entre economia e ecologia, como também para suprir as falhas e

insuficiências do mercado para levar adiante este processo. Mas, deve-se frisar

que, enquanto ela estabelece um papel e um tipo de atuação para o Estado na

geração da política ambiental, a ME surge a partir da tese da “falha do Estado”

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(state failure) no que concerne à sua atuação na regulação ambiental (JÄNICKE;

1990). De certa forma, a ME parte de uma crítica ao caráter fragmentário,

burocrático e reativo das políticas estatais ecológicas dos anos 70. Ela procura

estabelecer, então, um modelo de regulação estatal mais flexível e participativo na

geração da política ecológica (YOUNG, 2000; GOULDSON e MURPHY, 1997).

(LENZI, 2003, p. 49).

Por fim, na tentativa de sistematizar uma Sociologia Ambiental, Hannigan (1995)

apresenta uma abordagem social construcionista, onde o principal objeto de estudo é o

aspecto eminentemente social das questões ambientais.

Hannigan (1995) ao desenvolver a sua concepção sobre a abordagem ambiental

construcionista, apresenta as diferentes correntes de pensamento que procuraram

entender a crise ambiental. Para ele, a abordagem da formulação social “segue a

caracterização do ambiente como ‘local de definições e interesses sociais e culturais em

competição’ de Ian Welsh (1992)”.

Importante ressaltar a crítica que Hannigan (1995) faz à Modernização Ecológica

em razão do grande destaque que é dado à tecnologia, ou como descreve, o ‘otimismo

tecnológico’, onde o que é necessário é “andar para frente com a nova

superindustrializada era do futuro, deixando para traz a sociedade industrial poluidora”.

Para exemplificar, tem-se a energia nuclear que foi reverenciada como uma tecnologia

“limpa”, entretanto, os desastres com as usinas nucleares mostraram quão nociva pode

ser. Ele ainda destaca o fato de que foram pouco mencionadas as relações de poder.

Hannigan (1995) apresenta o que deverá ser observado numa investigação futura

do ponto de vista do construcionismo, a saber: a) tal investigação prosperará a partir de

um enfoque maior sobre as relações de poder, Schaiberg e Buttel reconheceram esta

sinergia, mas exploraram pouco; b) “outro ponto relaciona-se à retórica e à linguagem

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simbólica utilizada na reunião e apresentação das reivindicações”; c) é necessário

conceituar “melhor a formulação dos riscos e conhecimentos ambientais no âmbito de

um contexto mais amplo de debate sociológico sobre a modernização, pós-

modernização e mudança”; d) as “transformações na importância estrutural e no caráter

do consumo têm sido cruciais para as recentes mudanças na formulação social da

natureza, (...) Um importante benefício (...) seria sintetizar às abordagens da economia

política e da formulação social numa forma inovadora em que a ênfase mudaria da

produção para o consumo como foco central da ligação entre economia e o ambiente

natural”(p. 247-248).

3. A questão do meio ambiente na atualidade/3. Análise das consequências

mencionadas acima.

Como se pode observar, desde o século XIX há uma preocupação em se estudar as

relações do homem e/ou da sociedade com a natureza. Se antes da Era Moderna o

homem temia a natureza, atribuía a ela divindades (Netuno, Deus dos Mares; Thor,

Deus do Trovão etc.), ou também a fenômenos naturais, ou sobrenaturais, para os quais

não havia resposta, a partir desta Era, conhecida também como período

Antropocêntrico, o homem se distancia da natureza, passando a ser o sujeito e a

natureza o objeto a ser domado, dominado, e a Ciência estaria a este serviço.

A sociedade industrial apostou que a Ciência conseguiria resolver os dilemas

trazidos pela intensa industrialização e o esgarçamento da natureza através da utilização

cada vez mais intensa de seus recursos.

A ideia da finitude de determinados recursos naturais começou a se dar a partir de

alguns desastres ambientais e do surgimento de doenças entre populações vizinhas a

grandes indústrias nas décadas de 50 e 60 do século passado. O desastre na baía de

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Minamata, no Japão, foi um grande marco, pois, causou inúmeras mortes de humanos e

peixes em consequência do envenenamento por mercúrio. A indústria química Chisso

fabricava matéria prima para a produção de plástico utilizando mercúrio no processo

produtivo e despejando, de acordo com estimativas, de duzentas a seiscentas toneladas

de rejeitos de metilmercúrio na baía de Minamata (CETEM). A limpeza do leito do rio

só foi concretizada vinte anos após o desastre.

Nos anos 60, pode-se citar o desastre do Mar Aral, que era o quarto maior lago de

água salgada do mundo. Com a decisão de se plantar o algodão, o curso dos rios foi

desviado para as plantações no deserto. O resultado foi a redução do nível de água, até

secar completamente. Hoje, o Mar Aral é um deserto poluído pelos agrotóxicos

utilizados nas plantações de algodão.

Outro grande acidente, em 1984, aconteceu na fábrica de pesticidas Union

Carbide em Bhopal, na Índia, quando cerca de trinta toneladas de um gás altamente

tóxico chamado isocianato de metila, além de vários outros gases venenosos, foram

liberados. Mais de seiscentas mil pessoas foram expostas à nuvem de gases mortais. Há

estimativas de que entre três mil e oitocentas e dezesseis mil pessoas morreram em

consequência da inalação e queimaduras, ao longo dos anos. O material tóxico ainda

permanece enterrado e a área contaminada (TAYLOR, 2014).

As usinas nucleares também protagonizaram desastres ecológicos de imensa

envergadura, Chernobyl e Fukushima (a primeira ainda de forte lembrança) causaram

imensos danos não só ambientais como à saúde humana, levando a inúmeras mortes.

No Brasil, nas últimas décadas ocorreram vários desastres ambientais. Pode-se

destacar alguns, como a consequência das atividades das indústrias petroquímicas e

indústrias de base em Cubatão, que despejavam toneladas de gases poluentes no ar, os

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quais causavam graves danos respiratórios, além de deformidades nos bebês – muitos

nasciam sem cérebros. Tais atividades poluíram, também, o solo e as águas.

A Carbocloro S/A – Indústrias Químicas que produzia cloro e soda cáustica

utilizando mercúrio na sua célula de produção foi a primeira indústria do país a ser

fechada em consequência de danos ambientais e à saúde humana, sendo mais tarde

reaberta. No início dos anos 200098, o Ministério Público Federal entrou com uma Ação

Civil Pública pedindo, entre outras coisas, o fechamento da planta novamente, pois

ainda utilizava células de mercúrio no processo produtivo de soda cáustica, cloro e

potassa cáustica. Destaca-se que vários operários da indústria foram contaminados pelo

mercúrio, que causa uma doença incurável, que afeta o sistema nervoso central,

conhecida como “mal do chapeleiro maluco”, “mercurialismo”, “eritismo” ou

“hidrargirismo”.

Importante destacar as doenças ocupacionais causadas pelo trabalho em indústrias

potencialmente poluidoras, como ocorreu no caso da Carbocloro.

Não se pode esquecer do caso do Césio 137 quando uma exposição ao material

radioativo ocorreu em Goiânia, em 1987 – foi o maior acidente radiológico do mundo.

Um pó branco que emitia luminosidade azul foi encontrado por alguns homens que

arrombaram um aparelho radiológico nos escombros de um antigo hospital. Levaram o

material para casa e outros locais, contaminando o solo, água e ar, causando a

contaminação e morte de várias pessoas. (GOMES, 2015).

Recentemente, ocorreram dois crimes ambientais com centenas de mortes

causadas pelo desabamento de duas barragens de atividades de mineração no Estado de

Minas Gerais. O primeiro, o rompimento da Barragem de Fundão, de propriedade da

Samarco, empresa controlada pela Vale do Rio Doce e pela BHP Billiton, foi em
98
http://greenpeace.org.br/toxicos/pdf/corporate_crimes_port.pdf

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Mariana e arredores, soterrando o vilarejo de Bento Rodrigues pela avalanche de lama

que percorreu vários quilômetros, atingindo ao Rio Doce.

De acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis (IBAMA) houve o “lançamento de cerca de 45 milhões de metros cúbicos

de rejeitos no meio ambiente”. Os rejeitos poluentes percorreram um total de 77 km até

chegar ao Rio Doce e contaminar outros dois rios, ocasionando uma vasta destruição até

o litoral do Espírito Santo, percorrendo 663,2 km de cursos d'água. O mar de rejeitos era

composto principalmente por óxido de ferro e sílica (IBAMA, 2018).

Várias hipóteses foram apontadas como possíveis causas para o rompimento da

barragem, como:

a) o processo de liquefação que ocorre quando a camada de areia depositada na

parte frontal das barragens opera no sentido inverso à sua utilização, ou seja, ao

contrário de ser eliminada, a água é retida. Alguns especialistas consideram ser esta a

mais provável causa do rompimento;

b) outra hipótese advém da ocorrência de pequenos tremores que antecederam à

tragédia. No dia do rompimento das barragens, foram registrados onze pequenos abalos

sísmicos, detectados pelos sismógrafos da Universidade de Brasília (UNB) em Mariana,

Itabira e Itabirito;

c) uma terceira possibilidade reside no aumento excessivo da produção de minério

de ferro que em 2016 aumentou sua produção do minério em 37% e, em razão disso,

houve a elevação de sua estrutura com o objetivo de ampliar sua capacidade de

armazenamento. Entretanto, houve uma sobrecarga de material em relação à capacidade

que a barragem poderia suportar, o que provocou o seu rompimento;

d) a quarta e última teoria refere-se à negligência da mineradora Samarco e à

vigilância deficitária dos órgãos responsáveis pela fiscalização. (LOPES, 2016, p. 6)

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Em matéria veiculada pela Revista Isto É e intitulada “Lama e Descaso”, a

jornalista Perez (2015) revelou que, em outubro de 2013, a empresa já tinha sido

devidamente advertida sobre a possibilidade de colapso na represa de Fundão.

Segundo laudo realizado pelo Instituto Prístino e apresentado à mineradora,

diversos aspectos técnicos da barragem foram colocados sob alerta. Apesar dos

avisos e advertências, a Samarco não interrompeu a exploração de minério de

ferro na região e tampouco procedeu aos reparos que foram orientados pelos

técnicos. (LOPES, 2016, p. 6)

A mineradora Samarco contratou uma investigação independente, conduzida pela

Cleary Gottlieb Steen & Hamilton LLP, que formou um comitê que ao longo do período

das investigações procurou responder a três perguntas: 1) Por Que Ocorreu um

Deslizamento Fluido? 2) Por Que Ocorreu Deslizamento Fluido Naquele Local? 3) Por

Que o Deslizamento Fluido Ocorreu N aquele Momento?

A resposta a primeira pergunta reside no fato de que havia um projeto inicial de

utilizar areia insaturada em uma área para apoiar a zona de lamas fracas. “Areia

insaturada não é passível de liquefação e, portanto, a concepção original era robusta

neste aspecto”. Todavia, houve dificuldades para executar o projeto tendo sido

modificado e

“permitiu-se que condições saturadas pudessem se desenvolver na areia.

Três condições eram necessárias para que acontecesse o deslizamento fluido: (1)

saturação da areia; (2) areia não compactada e fofa; e (3) um mecanismo de

gatilho. O lançamento de rejeitos arenosos por meios hidráulicos resultou em

condições de fofas. O crescimento das condições de saturação está bem

documentado. Assim sendo, todas as condições prevaleceram para que a

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liquefação se desenvolvesse, resultando em um deslizamento fluido, desde que

houvesse um gatilho. O gatilho é discutido na resposta da Pergunta 3”.

Em resposta à segunda pergunta, os especialistas afirmaram que testemunhas

oculares relataram que o deslizamento fluido se iniciou em local que foi identificado

como um recuo da barragem de seu antigo alinhamento e que o projeto tinha

incorporado uma zona de 200 m para separar os dois depósitos. Todavia, dados

históricos mostraram já havia acontecido a invasão da lama nesta área em diversas

ocasiões. “A alteração resultou num significativo carregamento do aterro sobre

depósitos ricos em lama. Isto distingue a área da ombreira esquerda da direita e explica

o local onde o deslizamento fluido teve início”.

E, em resposta à terceira pergunta, “após a avaliação de possíveis mecanismos de

gatilho, o Comitê concluiu que a extrusão lateral iniciou a ruptura. O mecanismo de

extrusão lateral se desenvolve à medida que a barragem é alteada, carregando

verticalmente a zona rica em lama, que tende a ser expelida ou espalhar lateralmente,

como acontece quando se espreme um tubo de pasta de dente”. Os abalos sísmicos

aceleraram o processo de ruptura, “tendo em vista a iminência da barragem para entrar

em colapso devido ao carregamento anterior imposto por atividades de construção”.

(MORGENSTERN et alli. 2016).

Como se pode constatar, ao ler o que foi apontado como prováveis causas do

rompimento da barragem e o que foi apontado pelo Comitê, a Samarco demonstrou um

completo descaso ao ignorar todos os laudos que detectavam as falhas na construção,

persistindo em saturar a capacidade de carga da barragem, aumentando o alteamento. A

mineradora assumiu os riscos da tragédia. Não se pode deixar de mencionar, que tudo

isto poderia ter sido evitado se os órgãos de fiscalização do Estado tivessem agido com

rigor.

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De acordo com o IBAMA, um Laudo Técnico Preliminar, de novembro de 2015,

revelou que “o nível de impacto foi tão profundo e perverso ao longo de diversos

estratos ecológicos que é impossível estimar um prazo de retorno da fauna ao local”. O

desastre causou a destruição de 1.469 hectares, incluindo Áreas de Preservação

Permanente (APPs). (IBAMA, 2018).

A dimensão das consequências deste crime ambiental é imensurável: a perda de

vidas humanas; a perda da história de vida dos sobreviventes das áreas que foram

soterradas, além das perdas materiais; os danos psicológicos; a incerteza quanto ao

futuro; o desamparo; o isolamento de áreas habitadas; mortandade de animais; perda de

fonte de renda e de alimentação e de água para consumo, em razão da contaminação dos

rios; destruição de áreas de preservação permanente e vegetação nativa etc.

E, como se não bastasse o crime ambiental ocorrido em Mariana, a história se

repetiu de maneira ainda mais avassaladora em Brumadinho. O Brasil começou o ano de

2019 com as imagens estarrecedoras do rompimento da barragem Mina do Córrego do

Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais. Trata-se de mais uma atividade de mineração da

Vale.

A barragem se rompeu quatro meses após a consultoria da empresa TÜV SÜD

atestar a sua estabilidade, em setembro de 2018. Foram duzentos e cinquenta e quatro

mortos e dezesseis pessoas ainda estão desaparecidas, além do enorme dano ambiental

(EXAME).

A Polícia Federal elaborou um Laudo, que integra o Inquérito Policial sobre o

rompimento da barragem, onde aponta que “as normas técnicas, as boas práticas de

engenharia e os critérios internacionais tornavam inaceitáveis os valores de

probabilidade anual de falha, segundo a análise dos peritos. Os dados coletados naquele

período já indicavam a insuficiência para a garantia da segurança da estrutura”. O

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Laudo aponta que a barragem, que operou entre 1976 e 2016, “sempre esteve sujeita a

uma série de fontes de ‘incertezas’, como as modificações realizadas em sua estrutura e

a evolução da forma como o minério foi disposto no local” (EXAME, 2019).

Os peritos da PF reportaram que não foi constatada qualquer ação efetiva dos

responsáveis da Vale, considerando a margem de segurança inaceitável, tendo em vista

que já era conhecido que havia um risco de morte de duzentas e quatorze pessoas em

caso de rompimento da barragem, através de estudos anteriores realizados pela Vale e

pela TÜV SÜD. (EXAME, 2019).

O crime da Vale, em Brumadinho, atingiu a números elevados.

Em audiência pública da comissão externa da Câmara dos Deputados sobre o

desastre de Brumadinho (MG) a Fundação SOS Mata Atlântica, apresentou um estudo

realizado pela Expedição Paraopeba, em que “detalha a devastação ambiental no

município, os metais pesados ao longo do rio Paraopeba e os riscos de contaminação na

bacia hidrográfica do São Francisco”.

O crime socioambiental, além das mortes causadas, degradou 112 hectares de

florestas nativas, contaminou a água ao longo de 305 km do rio Paraopeba, que

“apresenta níveis de oxigênio, turbidez e PH totalmente fora dos padrões permitidos

para consumo”, contendo cromo, cobre, manganês e óxido de ferro provenientes dos

rejeitos da barragem Mina do Córrego do Feijão. (CÂMARA DOS DEPUTADOS,

2019)

A coordenadora da Expedição Paraopeba, Malu Ribeiro, em Audiência Pública na

Câmara dos Deputados, ocorrida pouco tempo depois do rompimento da barragem,

expôs o impacto da contaminação sobre a fauna, a flora e o abastecimento de água dos

vinte e um municípios visitados ao longo do rio, informando que a vida neste trecho

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está completamente comprometida, com a qualidade da água variando de péssima à

ruim. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2019).

Nesta audiência, houve um intenso debate acerca da necessidade de se criar uma

Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI). Alguns parlamentares manifestaram

a sua preocupação em relação à não realização de uma CPMI, como se pode destacar a

seguir: "Nós precisamos reagir porque estão preparando 'pizza' com as pessoas se

alimentando de minério: é fazer um jogo que ajuda as mineradoras e prejudica todo um

povo. A expectativa é muito grande para que não se tenha impunidade”, (...) “Uma das

características de Mariana foi esta: 20 pessoas foram indiciadas na época, e a Vale, com

o lobby dela, conseguiu paralisar o processo na Justiça. Estão todos até hoje impunes.

Se não tivermos uma CPMI e tivermos uma 'pizza', provavelmente esses diretores da

Vale vão sair impunes de novo”, afirmou Rogério Correia.

Outro parlamentar denunciou a prática da Vale em Minas Gerais, especificamente

nas cidades de Barão de Cocais e Nova Lima, de tentar comprar imóveis que estão em

áreas de risco e, ao não conseguirem o intento, tocam as sirenes, o que resulta na

desvalorização dos imóveis (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2019).

O deputado Júlio Delgado (PSB-MG), relator da comissão externa de

Brumadinho, afirmou que é inevitável que se elabore uma legislação mais rigorosa para

evitar a repetição de crimes socioambientais. "É preferível a gente pecar pelo excesso

para que amanhã não venha a pagar pela omissão", declarou (CÂMARA DOS

DEPUTADOS, 2019).

O que se viu no decorrer dos meses, foi um clima de medo, apreensão e incerteza

por parte das populações que vivem sob as barragens (montanhas de lama mineral) da

Vale, especialmente em Minas Gerais. Cidades históricas ficaram sob risco de

rompimento, sirenes foram acionadas provocando a saída das pessoas de suas casas.

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A falta de responsabilidade, a preponderância do capital sobre as vidas humanas,

animais e vegetais, a total insensibilidade dos donos, CEOs, de grandes conglomerados

industriais, muitas vezes com um faturamento muito superior a produtos internos brutos

(PIBs) de muitos países, dão origem a estas tragédias, na verdade, crimes contra a vida.

O discurso do CEO da Vale destacou, principalmente, que deveria haver uma espécie de

compaixão com a empresa que, sabidamente, causou todas as mortes e todo o desastre

ambiental, tanto em Mariana como em Brumadinho, não se tratava de uma falta de

conhecimento da situação que estava por acontecer – “ Crônica de uma morte

anunciada”. “A Vale matou. Destruiu o meio ambiente. Admite. Até sente muito. Mas

não quer ser punida. Por isso, pede compreensão. Um roteiro longe de ser inovador

entre as empresas de todo o mundo”. (OLIVEIRA, 2019).

Recentemente, o mundo viu-se diante de um novo impacto ambiental de enormes

dimensões: as queimadas na Amazônia. Há que se destacar que desde o início de 2019,

com a chegada ao poder do novo presidente da República do Brasil, cuja política

ambiental foi bem clara desde a campanha, no sentido de desconstruir muitas medidas e

estruturas, até então, existentes no país para preservar ao meio ambiente, as queimadas e

outras atitudes de ataque à natureza, parecem tacitamente autorizadas pelo Poder

Central.

Algumas áreas que foram queimadas já estão cercadas e com porteiras e cadeados

novos. Relatório divulgado pelo Projeto de Monitoramento da Amazônia Andina

(MAAP) revelou que as queimadas na Amazônia foram para concluir a sua conversão

para uso agrícola.

O Relatório apontou que “pelo menos 125.000 hectares (o equivalente a 172.000

campos de futebol) foram desmatados desde o início de 2019 e depois queimados em

agosto”. Trinta e nove ml e cem hectares, que corresponde à maioria das ocorrências foi

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no Estado do Amazonas, foram desmatados e depois queimados, o que equivale a

aproximadamente 30% do total. O mapa também revelou mesma sobreposição em

Rondônia e no Pará, onde ocorreram vários focos de incêndio em agosto.

O MAAP divulgou um mapa inédito que liga o desmatamento de 2019 aos focos

de incêndio, foi feita uma sopreposição de “duas camadas de dados principais: alertas de

desmatamento coletados em 2019 pelo GLAD, o laboratório de Análise e Descoberta

Global de Terras da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e alertas de

incêndio da agência espacial americana NASA do mesmo período, revelando uma clara

sobreposição entre o desmatamento e as queimadas”.

A estrutura criada, ao longo dos anos, para a preservação do meio ambiente, leia-

se IBAMA, Instituto Chico Mendes, Polícia Ambiental, FUNAI etc. está sendo,

paulatinamente, desarticulada, fundamentado num discurso de que se tratava de um

aparelhamento “socialista” contra o Estado brasileiro e de uma “indústria da multa”.

Já durante a campanha presidencial, ficou claro que as políticas protetivas do meio

ambiente estavam ameaçadas, através de uma justificativa de que impediam o

desenvolvimento, há que se destacar que não foi a primeira iniciativa neste sentido no

país. Mas, nunca foi tão forte e eficaz no desmantelamento da estrutura institucional.

Há, na atualidade, em alguns países do mundo uma política de negação à

preservação ambiental. Os EUA decidiram sair do Acordo de Paris, numa crença de que

não existem as mudanças climáticas. O Governo brasileiro, através do Ministério do

Meio Ambiente, vem reduzindo a um mínimo a estrutura dos órgãos de fiscalização.

Percebe-se que há um retrocesso, no Brasil, no que tange às políticas ambientais,

ainda que o discurso para o público internacional seja o de que “o país é o que mais

preserva o meio ambiente”, a “missão agora é avançar na compatibilização entre a

preservação do meio ambiente e da biodiversidade com o necessário desenvolvimento

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econômico, lembrando que são interdependentes e indissociáveis”, e que “queremos

parceiros com tecnologia para que esse casamento se traduza em progresso e

desenvolvimento”99.

Paradoxalmente, no mesmo discurso, há uma clara mensagem no sentido oposto

“vamos diminuir a carga tributária, simplificar as normas, facilitando a vida de quem

deseja produzir, empreender, investir e gerar empregos”100. Ao se afirmar que as normas

serão simplificadas e que a vida de quem quer produzir será facilitada, vê-se a

materialização da ideia de que as normas protetivas do meio ambiente impedem a

atividade do agronegócio no Brasil, contrariando uma exigência cada vez maior, tanto

por parte dos importadores europeus dos produtos brasileiros, quanto por parte dos

consumidores mais conscientes da necessidade de uma atividade produtiva sustentável.

4. Considerações finais

Os movimentos ambientalistas dos anos 60 e 70 do século XX deram origem a

muitas Organizações Não-governamentais, das quais se destaca o Greenpeace, e

também a organizações político-partidárias, como o Partido Verde da Alemanha

(GRÜNE). Estes movimentos possuem um significativo caráter mobilizador da

sociedade e isto acaba reverberando nas políticas governamentais e nas ações

legislativas, com promulgação de leis restritivas ao uso dos recursos naturais.

A emergência destes movimentos ambientalistas em consequência dos danos

ambientais que aconteciam, especialmente nas atividades industriais que poluíam solo,

ar, rios e mares, além da poluição sonora, paralelo ao que Hannigan qualificou como o

ponto de partida para esta consciência ambiental – o Earth Day, em 1970 – despertou a

99
Discurso do Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, na abertura do Fórum Econômico
Mundial, em Davos, na Suíça, em janeiro de 2019.
100
Idem.

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necessidade de se desenvolver uma área de conhecimento que estudasse mais

profundamente esta relação do homem com a natureza. Tem-se, assim, o embrião do

que se tornaria a Sociologia Ambiental (apesar de ainda ser uma área de conhecimento

em construção, com diferentes ementas).

Inicialmente, houve a tentativa de se explicar essa relação do homem com a

natureza a partir de uma contraposição de dois paradigmas, o Paradigma da

Excepcionalidade Humana (Human Exemptionality Paradigm - HEP) e Novo

Paradigma Ecológico (New Ecological Paradigm - NEP) de Catton e Dunlap.

No final do século XIX e nas duas primeiras décadas do século XX,

impulsionados pela teoria evolucionista de Darwin, a Escola de Chicago, nos EUA,

iniciou uma série de estudos no sentido de compreender a influência do meio urbano na

criminalidade, criando a Sociologia Urbana. Paralelo a estes estudos, surge a

necessidade de se sustentar teoricamente o conceito de sociologia urbana e, neste

sentido, emerge a Ecologia Humana, baseada nas ideias evolucionistas. O conceito de

ecologia humana constituiu a base para o estudo do comportamento humano, baseado

na posição que os homens ocupam no meio social urbano, a influência do habitat no

estilo de vida dos indivíduos.

A partir dos anos 80 e 90, os problemas ambientais passam a ter uma dimensão

maior. O esgarçamento da utilização dos recursos naturais por parte das atividades

industriais, sem considerar a capacidade de carga da natureza na exploração de seus

recursos não-renováveis, ou seja, a escassez, apontou a necessidade de se ter um Novo

Paradigma Ecológico (NEP), que consideraria, entre outras coisas, a finitude do mundo,

com a consciência de que existem limites físicos e biológicos que “reprimem o

crescimento econômico, o progresso social e outros fenômenos da sociedade”

(FLEURY, 2014).

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Considerando que o Novo Paradigma Ecológico não conseguiu formular um

objeto claro de estudo da Sociologia Ambiental, em razão de ser muito abstrato, duas

tentativas emergem: a de se revisitar os clássicos Durkheim, Marx e Weber, de um lado,

e de outro a conhecida Teoria do Risco e a Modernização Ecológica.

Todavia, de acordo com Hannigan (1995) faltou a estas teorias a dimensão das

relações de poder. Aí tem-se o Estado, as reguladoras, as indústrias, o parlamento, as

vítimas (sociedade) etc.

Merece destaque as recentes eleições na Alemanha onde o GRÜNE obteve cerca

de 20% dos votos (DW BRASIL, 2019).

Nas recentes eleições europeias houve um aumento da participação dos verdes em

diversos países, como França, Holanda, Áustria e Irlanda. De acordo com a DW Brasil

(2019), dos 751 assentos no Parlamento Europeu, 70 devem ser dos verdes.

Na contramão do que vem acontecendo nos países europeus mencionados acima,

o Brasil optou por perpetrar um desmonte dos órgãos de fiscalização e defesa do meio

ambiente.

As primeiras medidas foram enfraquecer e desmontar a estrutura do IBAMA e do

Instituto Chico Mendes (ICMBio), acrescidas da afirmação de que irá permitir a

mineração e o garimpo em terras indígenas, além de rever as demarcações já efetuadas,

argumentando que são grandes extensões de terras ricas no seu subsolo que devem ser

aproveitadas economicamente.

O que se vê é um descolamento do país com a realidade mundial. Hannigan

apontou a importância da mídia na difusão e na formação de uma consciência e

educação ambiental e também das relações de poder para a formulação de políticas

ambientais.

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Atualmente, no Brasil, vive-se um paradoxo: enquanto as manchetes que tratam

dos temas políticos e ambientais registram o aumento dos verdes na Europa,

internamente, o noticiário é sobre medidas permissivas em relação ao uso dos recursos

naturais e a desconstrução dos órgãos de proteção ambiental. Recentemente, houve o

desmonte do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) que é o órgão

consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente, que teve alterada a

sua composição que passou de noventa e seis conselheiros para vinte e três.

As consequências destas ações já estão aparecendo através das recentes

queimadas e do aumento do desmatamento na Amazônia, invasões de terras indígenas

por garimpeiros, assassinato de líderes indígenas.

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Direito Ambiental – Teoria e Debate

Uma publicação da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil

Coordenação do Volume I – Guilherme Purvin / Magno Neves

Março de 2020

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