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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PARÁ


INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
LICENCIATURA EM HISTÓRIA
TÓPICOS ESPECIAIS EM HISTÓRIA CULTURAL

ANÁLISE DOCUMENTAL: TRANSLADO DO TESTAMENTO DE ANTONIO


MANOEL DE GOES

SANTARÉM - PA
2023
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
LICENCIATURA EM HISTÓRIA
TÓPICOS ESPECIAIS EM HISTÓRIA CULTURAL
ISABEL TERESA CREAO AUGUSTO

ANÁLISE DOCUMENTAL: TRANSLADO DO TESTAMENTO DE ANTONIO


MANOEL DE GOES

LUCAS ALVES BORGES - 2021002520


MARIA CLARICE AGUIAR DE OLIVEIRA - 2021002548

SANTARÉM - PA
2023
1. Análise: translado do testamento com que faleceu Antonio Manoel de Goes
(1830).

Testamento é um documento escrito, previsto no Direito, que trata sobre os


últimos desejos ou anseios de determinada pessoa em momento ântumo ao falecimento.
Nele, estão presentes as últimas vontades do falecido, como: pedido de perdão pelos
pecados cometidos em vida e por desavenças com outras pessoas, a partilha de bens –
incluindo a de escravos, no caso a ser analisado –, confissões, programação de
pagamento de dívidas, planejamento do sepultamento e reconhecimento de filhos. O
testamento é um dos ritos religiosos iniciais para se ter uma “boa morte”, ou seja, não
ter uma morte sem que houvesse a prestação de contas aos que permaneciam em vida e
o devido planejamento do sepultamento. Esses elementos são características comuns a
um testamento da época do Brasil Colonial.
No testamento de Antonio Manoel de Goes, vê-se a religiosidade como
expressão da cultura e como elemento mediador das relações de sociabilidade na
colônia da América portuguesa. Manoel Goes informa, no documento, que faz parte da
irmandade da Igreja de Nossa Senhora do Rosário 1. As irmandades foram fundamentais
no Brasil colonial, por serem espaços comunitários de apoio mútuo que mantinham
relações interpessoais de assistência em diversos níveis. João José Reis 2 disserta sobre a
presença de confrarias e irmandades na sociedade colonial. Para o autor, essas
irmandades desempenhavam papel de extrema relevância social, por serem espaços de
participação civil em eventos comunitários como cerimônias religiosas. Reis indica
indícios de que havia o pagamento de anuidades para se estar em uma irmandade. Em
troca, o irmão tinha assistência médica e jurídica, apoio em situações de instabilidade
financeira, e ajuda com o planejamento do enterro e do sepultamento.
Ao se declarar irmão da irmandade de Nossa Senhora do Rosário, nota-se que o
falecido participava de cerimônias religiosas, festividades e missas propostas pela
irmandade como reflexo da cultura da sociedade colonial. No seu testamento, Antonio
Manoel de Goes busca o apoio da irmandade na organização e realização do seu
sepultamento, pedindo que: “declaro que meu corpo seja sepultado na Igreja de Nossa

1
Linha 28 do translado do testamento de Antonio Manoel de Goes (Documento 01).
2
REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX.
Companhia das Letras, 1991. p. 50.
Senhora do Rosário”3 e que “se mande fazer em officio de corpo prezente, e que se dizer
duas capelas de missas por minha alma”4.
No século XIX, na América portuguesa, era comum encontrar referências à
santidade em todas as esferas da sociedade colonial, sendo presentes em diversos rituais,
como na preparação para a morte, nos casos de testamento. Dessa forma, são
perceptíveis no documento de Antonio Manoel de Goes elementos da religião católica.
O testador inicia o testamento rogando “em nome da Sanctíssima Trindade” 5 e afirma
sua crença declarando que “vivo e morrerei pela nossa Sancta Madre Igreja Catholica
Apostoleca Romana”6 e “entrega sua alma a Deos, meu creador” 7. A partir disso, é
perceptível a preocupação com o destino da alma após morte, buscando sempre o
perdão e a salvação, na tentativa de assegurar a vida eterna.
Existe, no testamento, a latente preocupação do testador em afirmar que pretende
quitar suas dívidas financeiras, pedindo ao testamenteiro que se utilizasse dos bens para
o pagamento dos seus credores com maior brevidade possível. Afinal, tratava-se de uma
sociedade marcada pelo mercantilismo8, sendo comum a presença de dívidas entre
credores. Havia, também, um entendimento religioso na sociedade colonial de que
aquele que morresse deixando dívidas ou bens indevidamente adquiridos não poderia
entrar no céu e obter a salvação.
Na intenção de conseguir a salvação e evitar o inferno, eram indispensáveis atos
de caridade descritos no testamento, incluindo a doação de alforria para escravos. No de
Antonio Manoel de Goes, ele declara a liberdade para o “preto João José pelos bons
serviços que me fez”9. Além disso, o testador deixa como “esmola” um escravo para
cada filho tido com sua amante Catharina de Serro. Nessa atitude, nota-se também que o
testador expõe o reconhecimento dos seus cinco filhos bastardos no seu testamento, o
que era algo comum entre os que se preparavam para a morte.
Na escrita do testamento, o testador descreve algumas funções a serem exercidas
e quais pessoas deveriam exercê-las. Duas delas são: beneficiários e testamenteiros. A
primeira engloba pessoas ou entidades que receberiam os bens e propriedades do
testador após sua morte. Esses beneficiados poderiam ser membros da família, amigos,
3
Linha 26 do translado do testamento de Antonio Manoel de Goes (Documento 01).
4
Linha 28 do translado do testamento de Antonio Manoel de Goes (Documento 01).
5
Linha 01 do translado do testamento de Antonio Manoel de Goes (Documento 01).
6
Linha 11 do translado do testamento de Antonio Manoel de Goes (Documento 01).
7
Linha 07 do translado do testamento de Antonio Manoel de Goes (Documento 01).
8
REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX.
Companhia das Letras, 1991. p. 96.
9
Linha 31 do translado do testamento de Antonio Manoel de Goes (Documento 01).
instituições de caridade e até mesmo a Igreja. No testamento de Antonio Manoel de
Goes, tem-se como exemplo de um dos beneficiados o reverendo Martinho José
Gomes10. A segunda, composta pelos testamenteiros, são aqueles que foram escolhidos
pelo testador para executar as vontades do testamento. Administravam os bens e as
propriedades do falecido. Assim, são nomeados, no documento, o filho Francisco
Xavier de Goes e o genro Raymundo José da Costa como testamenteiros para que desse
“pronto cumprimento aos meus legados”11.
Portanto, no testamento de Antonio Manoel de Goes, notam-se características
culturais da sociedade colonial da América portuguesa que advém de práticas religiosas
intermedidas por relações interpessoais de sociabilidade. Declarar-se como membro de
uma irmandade, por exemplo, denota que o testador participava ativamente das
cerimônias religiosas e das demais atividades propostas pela Igreja, como o apoio no
sepultamento dos irmãos. A devoção à fé católica, para Antonio Manoel de Goes é de
tamanha importância que se encontra presente em grande parte do seu testamento. São
momentos em que o testador dedica sua alma à Deus e devota a sua vida e morte à
Nossa Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana. Assim, percebe-se, na
sociedade colonial da América portuguesa, uma gama de elementos culturais dessa
população ligados diretamente aos preceitos religiosos.

2. Referências Bibliográficas

10
Linha 47 do translado do testamento de Antonio Manoel de Goes (Documento 01).
11
Linha 40 do translado do testamento de Antonio Manoel de Goes (Documento 01).
Documento 01: Arquivo Público do Estado do Pará (PAAPEP). Juízo de Fora da
Capital. Autos de testamento. Ano 1830.
REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do
século XIX. Companhia das Letras, 1991.

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