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JONIS FREIRE
FREIRE, Jonis
TESTAMENTO DO SENHOR ANTONIO DIAS TOSTES
R. IHGB, Rio de Janeiro, a.171 (446): 289-300, jan./mar. 2010
Rio de Janeiro
jan./mar. 2010
Análises e transcrições: testamento do senhor Antonio Dias Tostes
Resumo: Abstract:
Os testamentos são documentos de extrema The testaments made by slave masters are do-
importância para a história do Brasil Império. cuments of extreme importance for the brazilian
Atos solenes realizados como instrumentos de history. They represented solemn acts which
última vontade de muitos senhores e senhoras worked as instruments of the last will of those
escravistas, por vezes apresentam-se como uma masters, sometimes presented as an extension of
extensão do poder senhorial mesmo depois da their power after death. However, for the cap-
morte. Contudo, para os cativos estes documen- tives, the testaments often could meant the mo-
tos representavam o momento em que podiam ment when they could get, always taking advan-
obter, sempre se aproveitando de muitas estra- tage of many strategies, the so dreamed freedom
tégias, a tão sonhada liberdade e até mesmo or even some financial and/or materials goods.
alguns recursos financeiros e/ou materiais. Os The transcribed documents are examples of the
documentos transcritos são exemplos das várias various possibilities of study of this source, as
possibilidades de estudo com relação às práticas well as records of the relations between masters
testamentárias, bem como das relações entre se- and slaves.
nhores e escravos.
Palavras-chave: Testamentos, alforrias, lega- Keywords: Wills, Manumission, legacies.
dos.
“Estando em meu perfeito juízo e com saúde por mercê de Deos faço
o meu testamento e deixo a meus escravos ...”: testamentos, bens e alfor-
rias legados a alguns escravos mineiros no século XIX
DOCUMENTO I
“Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos
e cinqüenta e dois ao primeiro dia do mês de abril do mesmo ano nesta
Nobre muito Leal Cidade de Barbacena, Minas e Comarca do Rio Parahi-
bna [?] Cartório de mim Tabelião adiante nomeado [?] Marcelino Dias
Tostes testamenteiro do fallecido seu pai Tenente Antonio Dias Tostes me
foi apresentada uma petição despachada pelo Coronel Felicianno Coelho
Duarte, Cavalheiro da ordem de Cristo official da Imperial Ordem da
Roza Juiz Municipal [?] Contas de testamentaria [?]. [...]
5 – Testamento anexo nas Contas de testamentaria. Cx.22, Doct. 14, 1852. AHMPAJS
(Barbacena-MG)
6 – Segundo Carlos Bacellar havia o Monte-mor que era “(...) o total bruto dos bens
possuídos por um casal, ou por um indivíduo solteiro ou viúvo, levantado pelo inventário.
Deste total, eram descontadas as dívidas e as custas do inventário, e obtinha-se o monte-
mor líquido. Sobre este era efetuada a meação dos bens, a cada cônjuge cabendo 50% do
patrimônio. A seguir, a parte de cada cônjuge era dividida em três terços de igual valor:
dois terços para serem repartidos, sob a forma de legítimas, entre os herdeiros arrolados
no inventário, e um terço, ou a ‘terça’, para ser livremente legada pelo testador, de acordo
com seu testamento escrito ou recomendações verbais”. BACELLAR, Carlos de Almeida
Prado. Família, herança e poder em São Paulo: 1765-1855. Estudos Cedhal, n. 7. São
Paulo, Cedhal, 1991, p. 59.
auferir lucro nestas transações comerciais feitas, ao que parece, com ape-
nas outros dois indivíduos.
7 – VOGT, Carlos, FRY, Peter e SLENES, Robert. Cafundó: a África no Brasil: lingua-
gem e sociedade. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 47.
8 – ALMEIDA, Kátia Lorena Novais. Alforrias em Rio de Contas – Bahia século XIX.
Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2006, p. 218. (Dissertação de Mestrado em
História).
9 – Testamento do capitão Antonio Dias Tostes. Livro 07 (1883-1889). Arquivo Histó-
rico de Juiz de Fora. Esse senhor foi descrito no Almanack Administrativo, Civil e Indus-
trial de Minas Gerais, para o ano de 1870, como capitalista e fazendeiro.
Este proprietário deixou ainda para alguns de seus escravos bens que
poderiam ajudá-los na sua nova condição de liberto, provendo-lhes de
algum pecúlio. Ao escravo Rofino, forro sem condição, além da sonhada
liberdade coube uma besta vermelha e um cavalo russo. A Oscar, filho de
Perciliana, que também deveria ser liberto após sua morte, Tostes foi ain-
da mais generoso, legando ao dito um burro de sela e quinhentos mil-réis
em dinheiro, que deveriam servir para a compra de uma apólice na qual
o mesmo teria direito após emancipar-se. Em caso de morte do menor, a
mesma deveria beneficiar Perciliana, mãe do dito Oscar. A carta de liber-
dade de Oscar, filho de Perciliana parda, de mais ou menos nove anos, foi
lavrada em sete de novembro de 1879.10
com a maldade de outros (...), ou até com a maldade dos mesmos fazen-
deiros em tempos anteriores”.12
Situações como a dos cativos dos Dias Tostes (pai e filho) permitem
vislumbrar, assim como argumentaram Slenes, Vogt e Fry, que a alforria
estabelecia uma hierarquia entre os escravos. Isso pode demonstrar, para
além das “preferências senhoriais”, maiores possibilidades de alguns cati-
vos conseguirem “seduzir” seus senhores, por meio de estratégias muitas
vezes díspares, conseguindo locomover-se taticamente com o objetivo de
alcançar sua tão sonhada liberdade.14
—
DOCUMENTO II
“Testamento com que falleceu Antonio Dias Tostes estando doente
de cama mas em seu perfeito juizo temendo a morte a que todos estamos
sugeitos faço meu testamento e ultima vontade pela maneira seguinte. Em
nome de Deos amem. Declaro que sou Catolico Romano em cuja fé tento
viver e depois morrer. Declaro que meus Paes são falecidos; e que sou
12 – Ibidem, p. 67.
13 – Ibidem, p. 82.
14 – Ibidem.
Cazado com D. Rita de Cassia Tostes de cujo consorcio não tivemos filho
algum. Nomeio para meus testamenteiros em primeiro lugar a minha dita
mulher e em segundo lugar a meo sobrinho Bernardo Marianno Halfeld,
deixo para contas em juízo dois anos. Deixo a meus sobrinho dito Bernar-
do Mariano Halfeld em recompença dos serviços que me tem prestado na
minha enfermidade doze contos de reis e mais a importancia de um cre-
dito que [endividamento?] me deve. Deixo a Maria Thereza uma morada
de caza com tres alqueires de terras na grama que forão de Andre Cortez
e mais os escravos Andreza e Adão [?] [?] atendendo acoidado que tem
tido no meu tratamento. Deixo forro sem condição alguma os escravos
Rofino e Fhilomena, Perciliana, Alexandrina e Matheus, Vicente e Maria
Antonia e Zeferino aos quaes minha testamenteira passará logo que eu
falleça carta de liberdade . Deixo a Oscar filho da Perciliana um burro de
sella. As minhas escravas Maria e Francisca servirão a minha mulher em
quanto for viva e por sua morte ficarão livres. O meu enterro será feito
como entender minha mulher e mais mandara dizer vinte missas por mi-
nha alma. Tambem serão libertos os escravos Manoel Pedro e Venancio.
Deixo para Igreja de São Sebastião nesta cidade do Juiz de Fora trezentos
mil reis para suas obras. Deixo mais a Maria Thereza trez vacas paridas
uma caroça com um burro. Deixo mais ao dito Oscar filho da Perciliana
quinhentos mil reis em dinheiro que sera entregue a meo segundo testa-
menteiro para comprar e averbar em nome delle uma Apolice da qual ter
direito quando emancipar-se, e se falecer antes passara sua mae. Deixo a
meu escravo Rofino a quem libertei uma besta vermelha e o cavalo russo.
Declaro que instituo minha herdeira a minha mulher do resto de minha
meação e descontadas as deixas que fiz e alforrias. E por esta forma dou
por findo meo testamento que por elle revogo o anterior, e vai por mim
assignado e escripto por Francisco Deonizio Fortes Bustamante. Fazenda
da Tapera dezeceis de setembro de mil oitocentos oitenta e três. Antonio
Dias Tostes. Que este vi assinar Francisco Dionizio Fortes Bustamante.
Auto de Approvação. Anno do Nascimento de Nosso senhor Jesus Chris-
to de mil oitocentos e oitenta e trez aos dezeceis dias do mez de Setembro
do dito anno nesta Fazenda da Tapera Districto da Cidade do Juiz de
Fora onde eu Tabellião fui vindo a chamado ahy perante mim compareceo
como testador Antonio Dias Tostes que se acha de Cama mais em seu jui-
zo perfeito o qual reconheceo pelo próprio de que trato e dou fé, por elle
testador em prezencia das cinco testemunhas abaixo nomiadas e assigna-
das me foi entregue de suas para minhas mãos este papel fexado dizendo
ser seu solene testamento e etterna vontade; e o mesmo que a seu rogo
eu Tabellião havia escripto e elle assignado pedindo me que o recebesse
e aprovasse para surtir os efeitos da lei dizendo mais o testador presente
as mesmas testemunhas que o dava por bem firme e valiozo porque tinha
sido feito de sua espontania vontade e que por elle revogava um outro
anterior que só queria tivesse este vigor e que fosse aberto e comprido
depois do seo falecimento; e recebido por mim Tabellião o dito papel re-
conhecendo ser o testamento que eu havia escripto o numerei e rubriquei
com o apelido Fortes, e o aprovo e [?] por mim aprovado quanto devo e
posso e em razão do meu officio sou obrigado visto haver o testador no
meu entender e das testemunhas se achar em seu perfeito juizo segundo as
respostas que deo as perguntas que lhe fiz que tudo dou fé e estiverão pre-
zente a todo este acto as testemunhas João Pedro Ribeiro Mendes, Doutor
Francisco Soares Corrêa, Honório de Miranda Ribeiro, Julio Augusto da
Silva Dias, Antonio Pinto Pereira que assignão com o testador e depois
de lido por mim Francisco Dionizio Fortes Bustamante Tabellião que es-
crevi e assigno [?] publica e razo. Francisco Dionizio Fortes Bustamante.
Antonio Dias Tostes. Em testemunho da verdade estava o signal publico.
João Pedro Ribeiro Mendes, Doutor Francisco Simões Corrêa Honório
Ribeiro de Miranda, Julio Augusto da Silva Dias, Antonio Pinto Pereira.
Testamento de Antonio Dias Tostes feito e aprovado pelo segundo Ta-
bellião abaixo assignado, digo de Antonio Dias Tostes Cazado morador
nos suburbios da Cidade do Juiz de Fora, feito e aprovado pelo segundo
Tabellião abaixo assignado, lacrado e cuzido com o meo pingo de lacre
vermelho e o meo pontos de linha preta por banda em dezeceis de setem-
bro de mil oitocentos e oitenta e trez. [...]”15