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Assembléias de Deus. Aprovado pelo Conselho de Doutrina.

Preparação dos originais: Mardônio Nogueira


Capa e projeto gráfico: Alexander Diniz
Editoração eletrônica: Oséas E Maciel

CDD: 250-Teologia
ISBN: 85-263-0228-0

Casa Publicadora das Assembléias de Deus


Caixa Postal 331
20001-970, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Ia Edição 2001
SUMÁRIO

Dedicatória------------------------------------------------------------------------------- 05
Agradecimentos------------------------------------------------------------------------- 07
Apresentação ----------------------------------------------------------------------------- 09
Prólogo------------------------------------------------------------------------------------- 11

Primeira Parte: a alma

Corpo, alma e espírito -----------------------------------------------------------------17


Cuidado com as especulações------------------------------------------------------- 23
Definindo alma e espírito------------------------------------------------------------ 29
As três facetas da alma humana---------------------------------------------------- 35
Conflitos interiores--------------------------------------------------------------------- 39
Uma bela notícia------------------------------------------------------------------------ 47
Fé, emoções e razão -------------------------------------------------------------------- 55
Fé produz emoções--------------------------------------------------------------------- 65
Emoções na prédica e na prece----------------------------------------------------- 75
O louvor e o andar cristãos----------------------------------------------------------- 83
Cultivando emoções na fé (1)------------------------------------------------------- 91
Cultivando emoções na fé (2)------------------------------------------------------- 99
Tendências da alma ante as necessidades-------------------------------------- 107
Valorize sua alma-------------------------------------------------------------------- 111
Segunda Parte:
o tempo
Refletindo sobre o tempo---------------------------------------------------------- 119
A vida sob os três diferentes ângulos do tempo -------- -------------------- 127
A brevidade e a aparente prolixidade do tempo----------------------------- 133

Terceira Parte:
a alma e o tempo
O dilema da alma ante o tempo------------------------------------------------- 141
Razões de algumas reações da alma ante o tempo-------------------------- 151
Quando o Deus da alma é o Deus do tempo-------------------------------- 155

Posfácio
APRESENTAÇÃO

hamem rê o aue (.dá dianlc dob (d/icb, fwdm o


^denhot (dha fiaia o cciação (1 $dm 16.7}.

Quando falamos da alma, lembramos do sopro divino e conseqüentemente


do animus — o princípio pensante e sede dos desejos e das paixões, algo
perene na eternidade e finito frente ao eterno tempo. Na mitologia greco-
latina, Cronos ou Urano devora seus filhos. No mito, ele simboliza o tempo,
que cria e destrói sua criação.
O homem atual vive uma intensa crise de identidade; tem que apresentar
papéis vários. Essa multiplicidade de papéis acaba roubando-lhe o verdadeiro
EU. Ele vive sempre em função das exigências externas, tendo que assumir
um novo papel dentro de um mundo muitas vezes irreal.
A Sociologia fala de uma crise de identidade, pois, como versejou Cecília
Meireles, o homem já não sabe mais quem ele é {Em que espelhoficou perdida
a minha face). O animal racional não sabe a razão ou benefício por que está
vivendo, e a sua imagem real se desvaneceu e se perdeu por completo.
Reflexões sobre a.-tíinri e o Jimf™

A vida é boa para quem sabe vivê-la. Aliás, esso é um conceito bíblico
sobre todas as coisas. Porém temos que lembrar sempre: precisamos viver
nossa própria vida, assumindo e reconhecendo nossa personalidade, nunca
tentando adotar o papel alheio, fingindo ser o que não somos.
O grande desafio que temos na vida é viver aquilo que Deus reservou
para nós. Viver cada momento, aproveitar as oportunidades e aquilo que o
Senhor coloca ante nós. Isso não nos impede de espelharmo-nos na vida
dos que triunfaram e deixaram suas fortes marcas. Neste livro, percorreremos
tópicos filosóficos e depois entraremos nos ensinamentos bíblicos, com
exemplos embasados em teólogos conceituados.
Ao ler esta obra, percebi seu propósito: extrair da Bíblia lições e exemplos
edificantes. Aprender com esses homens a viver com maior sabedoria,
desfrutando cada minuto e cada dia como autênticos cristãos. Em vez da
busca do eu no eu mesmo, o que hoje em dia está muito em moda no esoterismo
e no misticismo oriental, faremos essa busca sadia na Palavra de Deus.
Manter uma identidade é um grande desafio. Não só porque temos a
tendência de nos esconder ou imitar imagens estranhas a nós. Também
pelo fato de as pessoas terem o hábito generalizado de encaixar máscaras
umas nas outras. A grande maioria vive envaidecida ou deprimida por uma
imagem que nem é real; isso é o que crêem ver.

0 Menifno
(Troduçõo. Autor desconhecido)

Quando, como criança, eu ri e chorei, o tempo se arrastou.


Quando, como moço, eu sonhei e falei, o tempo andou.
Quando me tornei um homem maduro, o tempo correu.
E quando envelhecí, o tempo voou.
Breve ouvirei, no fim da minha jornada: o tempo passou.

Podemos ver nas linhas acima a fugacidade do tempo-espaço e a necessidade


de apreendermos a viver enquanto vivemos. Muitos passam pela face da Terra
e não têm grandes motivos de alegria, nem esperança, não têm epifânia, muitas
vezes sentados no banco de nossas igrejas. Percorremos esta tão bela obra do
escritor Silas Daniel, que engalana todo o povo de Deus com as Reflexões sobre
a alma e o tempo, e encontramos, numa linguagem poética e filosófica,
princípios bíblicos, contemporâneos, teológicos e exemplos tirados da
hinografia cristã. Espero que este livro, obra de tão boa lavra, seja uma bênção
para você, amado leitor, como o foi para mim.

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PROLOGO
Refletir é pensar, meditar. Pensar é um exercício mental que engloba
questionamentos e conseqüentes resoluções. Quando se pensa, elabora-se
perguntas sobre o assunto em pauta na mente, e se tenta responder a essas
indagações com sucesso, em boa parte das vezes. Meditar é ir além da
superficialidade, é ver fundo pela análise, perceber coisas que uma tênue
observação não consegue perceber. E extrair respostas através de contensões,
é exercitar a massa cefálica no propósito de chegar a conclusões sobre assuntos
conflitantes, expoentes, grandes ou simples, pequenos e usuais. Isto não é
prerrogativa só dos filósofos. É um privilégio de todo ser humano. Refletir:
É tudo o que tento fazer neste livro em relação aos temas propostos.
Os dois assuntos em foco podem ser vistos como tremendos: Alma e
Tempo. Contudo, acrescento que esses dois temas, ao serem analisados e de
certa forma destrinchados, nos levam a coisas do dia-a-dia cristão, coisas
Reflexões sobre o .?ííma e o

comuns. Por isso, este livro não chega a ser enervantemente teórico, mas
aceitadamente prático. Além disso, tentei fazer o máximo para que as
reflexões não se tornassem muito alongadas ou simplistas. Procurei a
ohjerividade sem tirar a densidade. Em outras palavras, tive o cuidado de
fazer com que cada pensamento não fosse muito prolixo, porque, às vezes,
para o leitor, acaba indo “pro lixo”.
O sistema de debulhamento utilizado são questionamentos. Perguntando
e me perguntando, tendo como ponto de partida, base e ajuda para solução
dessas perguntas a cognição. o emgyjjmo, opiates e, principalmente, a
Palavra de Deus, cheguei a cada inferência registrada nessa obra e que são
adoçadas por textos de outros que pensaram nesses assuntos muito antes de
mim, e chegaram às mesmas conclusões. Isso significa que não são reflexões
plenamente novas ou conclusões inéditas que você encontrará neste livro.
As inúmeras citações de comentários de outros escritores comprovam isso.
A maioria esmagadora são apenas coisas antigas que aparecem aqui vestidas
do meu jeito de falar e escrever. As conclusões podem não ser inéditas, mas
o desenvolvimento das idéias, o modo de refletir propriamente dito, o é,
pois traz consigo minha marca, meu jeito.
Os cenários em que eu estava quando brotaram cada conclusão são os
mais variados e interessantes, ou mesmo estranhos. Por que digo “estranhos”?
Porque não surgiram como pomos de momentos de enclausuramento,
embrenhado numa biblioteca particular, trancado em contigüidade com o
silêncio, o que alguém chamaria de “ambiente propício para afloramento
de grandes reflexões”. Essas simples reflexões divididas em alguns capítulos •
são frutos que pude colher na floresta da existência em meio aos seus barulhos
naturais. Escritos em lugares os mais diversos, desde um pátio de escola a
um sofá, numa biblioteca comunitária ou diante de um computador, numa
sala de aula em momentos de intervalo ou após uma conversa fértil com
alguém, nas mais variadas situações, são palavras que surgiram em meio à
vida, pensamentos extraídos do viver, do bulício da vida cotidiana, adornados
por citações e aglutinados em formato editorial.
É saudável afirmar também nesse proêmio que essas reflexões não são
absolutas, ou seja, completas em si mesmas, mas estão sujeitas a acréscimos.
Elas foram escritas em um exíguo período de tempo, entre muitas ocupações
diárias e compromissos para pregar. Por que não me demorei um pouco
mais na elaboração e ampliação destes capítulos? Porque o livro perdería o
sentido. Ele não foi feito com o propósito de ser absoluto ou completo. Se
minha intenção fosse escrever um livro que dissecasse totalmente estes dois
temas, a mudança começaria no título do livro. Além de ser mais espesso,
deixaria de ser “Reflexões Sobre a Alma e o Tempo” para ser “Tratado Sobre
a Alma e o Tempo”. Não tive a mais fugaz intenção de esgotar esses dois
^írfinindn • ^Uma r

riquíssimos temas nesta simples obra. Estes capítulos não são tratados sobre
os temas que versam. São ensaios. São capítulos que discorrem sobre pontos
fundamentais desses dois temas. Em nenhum sentido devem ser olhados
como perfeitos, mas sempre como sucintas definições de facetas bonitas
(ou esquisitas) da vida interior e do tempo, e que são, de alguma forma,
simpáticos.
Talvez o leitor mais exigente insista e replique: “Por que esse objetivo ao
escrever este livro? Por que não um livro mais denso para tão vastos temas?”
Ora, a alma sempre foi um assunto exótico e atraente para filósofos, poetas
e religiosos. O tempo também é um tema sedutor para as mesmas classes de
pessoas. Destarte, eis um bom motivo para ser um tanto fugidio neste livro:
você perceberá que tentei tornar esses temas interessantes e práticos àqueles
que não são filósofos, natos ou coisa parecida, pois você não encontrará
definições mirabolantes nem uma linguagem extremamente longa, cansativa,
saturada de “entretantos” ou exageradamente rebuscada, lapidada e polida.
Não me limitei a colocar no papel somente os ângulos belos de cada
assunto. A alma não é vista apenas sob o ponto de vista da admiração. As
suas ambigüidades também foram percebidas, expostas e ligeiramente
sondadas por mim nas páginas que se seguem. A esta primeira parte, que
comenta a alma e seu contexto, resolvi dar o nome de “teologia das
interioridades”. A segunda parte do livro, que reporta sobre o tempo, chamei
“teologia do tempo”. Çhego a fazer algumas relações entre alma e tempo
nessa segunda parte. Na última parte do livro, tentei fazer uma relação mais
profunda entre os dois assuntos, e concluo com uma síntese dessa relação
no posfácio. O tempo também não passou despercebido. Nessa terceira
parte, as coisas boas que nos trazem foram frisadas, embora de leve, e as
“ruins” (coisas boas que nos são proporcionadas e que vêm travestidas
parecendo coisas ruins) também. A essa última parte chamo “teologia de
cronos e de kairós".
Algo ainda a ser notificado neste intróito é que os dois primeiros capítulos
soam mais como uma “aula” do que como uma reflexão, são mais técnicos
do que práticos.
Depois de citar e esclarecer brevemente algumas características deste livro,
resta ainda fazer e responder a uma pergunta: “Quais as intenções principais
em se escrever este livro?”
A primeira é a convencional — registrar pensamentos de uma maneira
mais permanente, ou seja, em forma de livro, porque verba volant, scripta
manent (provérbio latino: “as palavras voam, os escritos ficam”); a segunda
é compartilhar reflexões; a terceira é tentar, de alguma maneira, abençoar
você.
Se a primeira intenção foi vã ou não, só o tempo poderá nos responder.
Reflexões sobre a e o 3émfx>

Como disse, também escrevi para compartilhar, e uma das maneiras


mais viáveis para passar, com êxito, idéias ou informações é através da escrita.
Se o meu anelo de compartilhar pensamentos dessa maneira for baldado,
minhas reflexões terão sido verdadeiros devaneios. Não sei se este livro cairá
no esquecimento, mofará nas prateleiras das livrarias ou terá o privilégio de
ocupar mãos, olhos e mente de muitas pessoas. Vale a pena afirmar aqui o
mesmo que dissemos linhas acima em relação a primeira intenção: só o
tempo poderá nos dar esta resposta. No mínimo, a boa intenção fica aqui
registrada.
No entanto, a minha maior frustração seria não conseguir abençoá-lo
através deste livro, seja o leitor crente ou não. Você verá que sempre tento
mostrar neste trabalho que uma vida equilibrada só se acha em Deus e, para
o que já conhece e busca viver essa verdade, tento mostrar-lhe alguns auxílios.
Enfim, se houver conseguido registrar bem meus pensamentos, e
apesar disso, não abençoar você, terei nadado, nadado, nadado... e
morrido na praia. Mas, se não (e esse é o meu ardente desejo e
expectação), se consegui ser, por meio desta simples obra, mais um canal
limpo para que a graça de Deus flua ao seu encontro, estarei, nesse
sentido, super realizado.
Esteja convicto de que este livro foi feito para você e para glória de
Deus. Soli Deo Gloriae.

Recife, 20 de junho de 1997


O autor
P Q F t e ::
CORPO,
ALMA E ESPÍRITO

M
ilhões de pessoas em toda parte do mundo têm buscado algo
voltado para o mundo interior. Hoje você chega às
universidades e não encontra, como há algum tempo, um
grande número de ateus. A moda a mexer com o inconsciente
coletivo de boa parte das pessoas de hoje não é mais o
materialismo ou o ateísmo, mas as coisas do mundo espiritual.
Os seres humanos parecem estar cada vez mais conscientes
do vazio no ser que possuem, de suas crateras internas, dos
seus buracos escuros na alma, e tentam preenchê-los com
um indefinido “algo-abstrato-real”á Parecem descobrir,
finalmente, que a felicidade independe do externo e visível.
Daí a freqüência dos jargões: “estar de bem consigo mesmo”;
“estar de bem com a vida”; “alto astral”, etc., que denotam
uma maior preocupação com o lado abstrato e interno de
cada pessoa.
Mas, como já deu para perceber, embora isso pareça ter

I um lado um pouco positivo, o problema é o fato de essa


procura ser desordenada. Essa sede tem feito proliferar
assustadoramente as academias de ioga e de outras artes
orientais no mundo ocidental. Não se busca um
autoconhecimento através do espelho da Palavra de Deus ou

■ uma cura interior por meio de uma busca incessante por Jesus
através da oração e de uma vida pia.
Os jovens buscam cada vez mais o saber hindu ou budista,
sobre a vida endógena, a vida “por dentro”. O sucesso do
movimento New Age, instigado pela tendência globalizadora,

ú é também uma prova incontestável.


' O ser humano quer se conhecer, quer se descobrir.fNão
só isso. Quer ter os seus problemas de dentro solucionados o
mais rápido possível, porque sente, de alguma forma, que, se
Reflexões sobre a .^mn e o Jcmfic

assim acontecer, os de fora serão mais facilmente suportáveis e por


conseguinte resolvidos. Mas é nessa ânsia desordenada (que não seleciona,
mas abraça o que vier)j é nessa “gula” espiritual que reside o perigo.'.
“O que é a alma? Por que tantas coisas absurdas deflagram-se dentro de
mim? Que conflitos são esses dentro do meu peito?”
Na verdade, o ser humano torna a levantar questões que desabrocharam
em épocas distintas e passadas na mente de pessoas das mais diversas culturas.
O homem reconsidera a si mesmo, mas, volto a frisar, a maioria ainda trilha
por caminhos errados.

Alguns conceitos sobre a alma


Antes de topar com a solução dos nossos conflitos interiores, temos de
conhecer a nossa alma.
/ A alma é um dos assuntos mais inextrincáveis da vida e por isso foi e
continua sendo tão atraente para os filósofos e religiosos de todas as épocas.
A começar de sua definição, a alma é muito complexa. Muitos, em todas as
épocas, tentaram defini-la e, por isso, temos hoje uma miscelânea de
definições sobre a mesma.
Para o filósofo grego Platão, a alma era dividida em duas partes: ânimo
— a coragem para desafiar os obstáculos éticos da vida e superá-los; e racional
— o princípio espiritual. Segundo Platão, as capacidades da alma eram
reger, cuidar e aconselhar.
Para Aristóteles, no entanto, a nomenclatura era um pouco diferente. A.
alma, para ele, era uma mistura de animal e racional. A parte animal da
alma estaria relacionada com o aspecto animal do ser humano. A parte
racional estaria interligada com o divino. As capacidades da alma eram
nutrimento, percepção e pensamento.
Para Epicuro, a alma tem massa. A alma, conforme seu modo de pensar,
é um corpo inferior que se mistura com um vapor quente.
Os estóicos compreendiam a alma como algo material, nutrido com
substâncias materiais e que enchesse o corpo.
Para o filósofo Filo, era o lado da existência humana que foi dotada de
poderes e possibilidades divinas. Segundo ele, o entendimento é a alma da
alma e sua essência é Deus.
O teólogo agnóstico Kant dizia que a alma é um dos elementos do mundo
noumenal, o mundo metafísico, não físico, não-fenomenal; portanto
impossível de ser completamente conhecido.
Descartes dividia o Universo em dois mundos: o mundo dos não-
estendidos e o mundo dos estendidos. Na compreensão cartesiana, o corpo
humano faz parte do mundo estendido, porque pode ser medido e ocupar
lugar no espaço. Já a alma é uma parte do ser humano pertencente ao mundo
não-estendido, ou seja, não ocupa espaço e é imensurável.
Hoje há uma vertente que sustenta não serem os pensamentos e as
emoções (em síntese: a alma) não compreendidas como realidades
metafísicas. Dizem serem eles meras realidades do mundo físico, coisas do
cérebro e nada mais. São os materialistas. Para eles, o homem é um animal
que difere dos demais somente na sua racionalidade.
O homem, segundo os materialistas, é como uma máquina de carne que
raciocina, que toma decisões, sem mais nada de especial. A morte, para eles,
não é a saída da alma do corpo. “Morreu? Acabou-se”, dizem. “Não existe
vida além-túmulo. Isso é uma absurda fantasia, invenção das mentes religiosas
mais férteis. A morte é simplesmente uma realidade comum do mundo
físico, sem nenhuma perspectiva espiritual, pois só existe este tipo de mundo
no qual vivemos”.
A maior parte da humanidade está convencida, por inúmeros motivos
baseados na experiência de cada um, que a última conjectura é falha. A
alma existe. Agora, o que ela quer saber éio seguinte: Qual será, dos outros
conceitos sobre a alma, o mais correto?
Ora, se nós queremos descobrir a verdade sobre a alma, não devemos
buscar as melhores opiniçes, claro, mas procurar descobrir, e então acatar, a
verdade. Encontrar a verdade sobre a alma nos leva à procura do Criador da
alma humana. j’i ~
Algumas dessas variáveis sobre este mesmo assunto têm um pouco de
acertos, mas não podem curar-nos. Podem até servir de panacéias, mas não
como soluçãó» porque são ou mentiras ou meias-verdades. Só a verdade em
toda a sua totalidade, como é encontrada na Palavra de Deus, pode curar-
nos de tudo de errado que possajer brotado dentro de nós\ A nossa prece
deve ser a de Agostinho: vQuero conhecer a Deus e a alma — só isso”. . q
Foi Deus quem criou a alma, e a Bíblia Sagrada é o seu livro à
humanidade. Se quisermos então saber algo sobre Deus ou o que Ele diz
sobre os mais diversos assuntos, inclusive este, devemos debruçar-nos diante
da Bíblia. A propósito, as Escrituras citam o vocábulo “alma” 437 vezes -
prova de que o assunto é importante para Deus. Então, o que a Bíblia diz
sobre a alma?

DlCOTOMIA OU TRICOTOMIA?

Antes de falarmos absolutamente sobre o assunto, veremos, neste capítulo,


duas maneiras de interpretar o que a Bíblia fala acerca da alma.
Ao investigarmos livros teológicos no propósito de entender melhor o
que a Bíblia diz sobre a alma, encontraremos duas vertentes. Refiro-me à
Reflexões sobre a eo

prolixa discussão teológica entre dicotomistas e tricotomistas, que é


importante ser frisada, desde que ainda estamos analisando os vários
conceitos sobre a alma humana. A diferença é que agora faremos isso na
perspectiva da Palavra de Deus.
Eu sei que se trata de um assunto controvertido, até porque tudo que
envolve a alma é complexo, mas acho necessário não fugir dele. Faz parte
do desdobramento.
Bem, a questão se desenrola a partir da tentativa de definir quantos são
os elementos que compõem o ser humano, principalmente a sua substância
não-física — e isso a partir de dois termos básicos que aparecem na Bíblia
Sagrada para se referir a essa substância. Os dois elementos são alma (hb.
nephesh, gr. psychè) e espírito (hb. ruach, gr. pneumd).
Para os dicotomistas, o homem é constituído de apenas dois elementos,
um espiritual e um material; para os tricotomistas, o homem é constituído
de três partes — corpo, alma e espírito. Para os dicotomistas, a alma e o_
espírito do homem são uma e a mesma coisaj são sinônimos; para os
tricotomistas, existem dois elementos distintos na natureza metafísica do
homem, e esses dois são a alma e o espírito. Afinal, são alma e espírito
termos sinônimos ou não?
A priori, a alma e o espírito são dois elementos que compõem a substância
não-física do ser humano. A s_ubstância material do homem contém apenas
, um elemento (o corpo), mas na substância imaterial temos dois componentes
/ distintos um do outro, mas nunca divorciados (alma e espírito). São tão
intrinsecamente ligados ao ponto de serem confundidos, de serem usados
alternadamente como termos para descreverem o homem interior como
um todo.
Há trechos bíblicos, por exemplo, em que o homem interior é chamado
de espírito, mas há outros em que é chamado simplesmente de alma, levando-
nos a imaginar que são termos sinônimos. Daí alguns pensarem que a
doutrina tricotomista é equivocada.
No entanto, existe ainda uma consideração. Observe que geralmente as
Escrituras se utilizam do termo “espírito” para falar da relação homem-
Deus, e o termo “alma” para se referir à relação homem-terra. Os dicotomistas
afirmam que os escritores sagrados usam ordinariamente esses termos nessas
suas respectivas relações. “Na realidade”, dizem, “é uma só coisa em duas
relações. Alma’ e ‘espírito’ são termos diferentes para descreverem um só
elemento em duas relações distintas”. Ora, essa tese se torna insustentável
quando considerada no prisma de alguns versículos que fazem uma distinção
mais clara dos termos (I.c 1.46,47; 1 Ts 5.23). Esses textos bíblicos implicam
uma distinção de termos e elementos. Isso significa, exprimindo de outro
modo, que o que seria mais presumível, quando averiguamos mais
demoradamente, é que não são duas facetas de um elemento, são dois
elementos de uma substância.
O homem interior, a substância metafísica do homem, pode ser chamada
só de alma em alguns textos bíblicos e só de espírito em outros, mas isso
não significa que são termos sinônimos. Por outro lado, o fato de existir
distinção entre alma e espírito não significa que somos constituídos de três
substâncias.
O ser humano é formado de apenas duas substâncias, a natureza física e
a natureza metafísica, sendo a primeira composta de um elemento apenas,
que é o corpo, e sendo a última composta de dois elementos distintos, que
são alma e espírito.
Elimina-se completamente aqui, no nascedouro, aquela história de três
substâncias.
Não existem três substâncias, ou seja, três dimensões no homem — uma
material, outra imaterial e outra imaterial-divina, como presumiam e pregavam
alguns pensadores. Alma e espirito são dois lados de uma mesma moeda. Isso é
bem notado em textos como o de Hebreus 4.12, conhecidíssimo por todos
nós. Perceba como se expressa o escritor:

Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais penetrante do que


qualquer espada de dois gumes, e penetra até à divisão da alma, e do espírito,
e das juntas e medulas^ e é apta para discernir os pensamentos e intenções
do coração.

Por esse texto compreendemos claramente que a alma e o espírito


não são uma e a mesma coisa; entretanto, estão tão interligados entre si
que somente a Palavra de Deus pode diferenciá-los, distingui-los
perfeitamente, atingir e penetrar cada um particularmente e de uma
maneira especial, sem confusão. Repito: são dois lados de uma mesma
moeda, são duas facetas de uma única substância, que é a substância
metafísica do homem.
*
E PECADO SER DICOTOMISTA?

Os dicotomistas dizem que o ser humano é constituído de duas


substâncias apenas — a física e a imaterial. Tudo bem, estão certos. Os
tricotomistas dizem que o homem é corpo-alma-espírito. Estão certos
também. Agora, os dicotomistas mais intransigentes não querem aceitar
que a substância metafísica tem na sua constituição dois elementos diferentes
que são a alma e o espírito.
“Alma” e “espírito” não são termos sinônimos, absolutamente, mas são
vocábulos que podem ser utilizados individualmente como metonímia, para
Reflexões sobre o ^Imn e o

descreverem abreviadamente a substância imaterial do ser humano ou


aspectos específicos e particulares dessa substância.
Com isso não afirmo que ser dicotomista é um pecado horripilante ou
quem o é terá a sua salvação afetada. Muitos servos de Deus do passado, a
maioria (vale salientar), homens indiscutivelmente cheios do Espírito Santo,
criam dessa maneira e foram usados por Deus como foram, tornando-se
exemplos a serem seguidos em muitos pontos de suas vidas. Inclusive, muitas
das pessoas de Deus do nosso tempo aceitam essa forma de pensar sobre o
homem, embora sejam minoria. Nada há de errado nisso.
Agora, por que essa idéia prevalecia no passado e hoje nem tanto?
Porque havia o medo de que, olhando para o ser humano como um ser
tripartido, surgissem muitas heresias do tipo daquelas do início da era cristã.
Você se lembra de Apolinário (310-390 d.C.), que foi condenado em um
concilio por ter ensinado que a natureza humana de Cristo tinha um corpo
humano, uma alma humana, mas um espírito divino? Ele era uma pessoa
que tinha uma visão tricotomista do homem, contudo aplicou-a de uma
maneira errada a Cristo.
Na sua tricotomia, Apolinário também tendia um pouco para uma
concepção puramente dualística — corpo versus alma, ou seja, o corpo é
mau e a alma é boa e só podem coexistir a partir de uma outra substância,
que seria o espírito, que teria uma feição divina. Era o medo de entrar
sorrateiramente no seio da Igreja, através de uma visão tricótoma, as doutrinas
gnósticas, ascéticas, ontológicas, a concepção do que era o homem conforme
as filosofias greco-orientais.
Ainda hoje vemos esse perigo nesta onda efervescente do movimento
Nova Era, posto que os nova erenses exploram a perspectiva tricotomista
para conseguirem introduzir suas doutrinas. Eles estimulam cada pessoa a
um autodescobrimento que é, segundo eles, uma percepção nova que o
indivíduo faz de si mesmo baseada na suposta descoberta da existência de
um “eu superior”. A Nova Era afirma que o ser humano se conhece e se
desenvolve plenamente quando dentro de si encontra o que o budismo
chama de “yidam” e a Ontopsicologia propala como “eu ôntico”. Logo,
todos nós teríamos um “deus” dentro de nós e este seria o nosso espírito,
que seria esse “eu superior”, esse “deus”.
Então, foi uma questão de prudência dos servos de Deus no passado
adotarem o dicotomismo.
Só após a onda pentecostal e carismática que inundou o globo no fim do
século XIX e início deste século, com a notoriedade dos dons espirituais e
do batismo com o Espírito Santo, o povo de Deus se reciclou, redescobriu
o elemento chamado espírito, reencontrou essa doutrina, e o tricotomismo
prevaleceu. Faz parte da teologia da maior parte dos cristãos hodiernos.
CUIDADO COM AS
ESPECULAÇÕES!

A
alma e o espírito estão cimentados entre si. Onde se encontra
a alma aí está o espírito. Os dois surgiram juntos e
permanecem juntos. Quando a primeira alma veio a existir,
ali estava o espírito.
Poderiamos nos contentar com essas certezas. Apesar disso,
há outras questões que normalmente vêm à tona quando
falamos da alma humana. Uma delas é: Qual a origem da
alma? Como se dá a formação da substância imaterial desde
Adão e Eva até nós?

Correntes
Uma corrente antiga, traçada no meio cristão a partir de
Orígenes (185-254 d.C.), aceita também por Justino Mártir
e outros, ensinou que a substância imaterial preexiste ao
momento da formação do feto, ao instante da concepção
física.
Essa teoria ruiu por não ter apoio bíblico. O fato de as
Escrituras informarem que Deus já nos conhecia ântes de
Tiascermos não prova a preexistência da substância imaterial.
Quando a Bíblia fala assim é para cientificar-nos de que Ele
sabe e conhece tudo mesmo antes de qualquer coisa vir a
existir ou ocorrer.
Dois gjupos de idéias têm prevalecido para explicar a
origem da alma e do espírito. As duas teorias as quais me
refiro são o criacionismo e o traducionismo.
O criacionismo assevera que Deus é quem cria diretamente
as substâncias imateriais de todos os seres humanos até hoje.
Deus assim faz, afirmam os criacionistas, em algum momento
que antecede o parto, em algum instante do processo de
formação do feto no ventre.
Reflexões sobre a .dtma e o .Jrmpo

Os traducionistas dizem que do mesmo modo que o corpo da criança é


gerado pelos pais, a substância imaterial também. Eles afirmam que os pais
transmitem aos seus filhos essa substância.
Qual seria a opinião correta?
Eu prefiro assumir o posicionamento ético do admirado escritor e teólogo,
in memoriam, Myer Pearlman, expresso no seu célebre livro Conhecendo as
doutrinas da Bíblia-.

A origem da alma pode explicar-se pela cooperação tanto do Criador


como dos pais. No princípio duma nova vida, a Divina criação e o uso
criativo de meios agem em cooperação. O homem gera o homem em
cooperação com o Pai dos espíritos. O poder de Deus domina e permeia o
mundo (Atos 17.28; Hebreus 1.3) de maneira que todas as criaturas venham
\a ter existência segundo as leis que Ele ordenou. Portanto, os processos
< normais da reprodução humana põem em execução as leis da vida fazendo
í com que a alma nasça no mundo.

A origem de todas as formas de vida está encoberta por um véu de


mistérios (Jó 10.8-12; Salmo 139.13-16; Eclesiastes 11.5), e esse fato deve —
servir de aviso contra a especulação sobre as coisas que estão além dos limites
das declarações bíblicas, i
Cooperação — Este é o ponto de vista mais coerente sobre o assunto e o
que assumo como sendo o meu também. Qualquer outra opinião ou procura
por detalhes é pura especulação.

E O ARREBATAMENTO ESPIRITUAL?

Vamos a outra questão: Quando o ser humano está vivo, isso significa
dizer que alma e espírito estão no corpo; quando o homem morre, isso
significa dizer que os dois abandonaram o corpo, ou seja, toda a substância
imaterial saiu da matéria. Mas, e no caso dos arrebatamentos espirituais?
Estarão os dois unidos?
Existem dois meios opostos de se ver um arrebatamento espiritual.
Podemos compreendê-lo como uma saída literal do espírito humano do
corpo (nesse caso o espírito humano pode, guiado pelo Espírito Santo, até
mesmo fazer excursões às regiões desconhecidas) ou como uma revelação
trazida ao espírito humano (nesse caso o arrebatamento não seria literalmente
a saída do espírito do corpo).
Os apóstolos Paulo (2 Co 12), João (Ap 1.10) e Pedro (At 10.10) são
casos de pessoas que experimentaram o arrebatamento espiritual. O próprio
Paulo chegou a dizer que não sabia explicar precisamente o que acontecera:
“Se no corpo ou fora dele, eu não sei, Deus o sabe” (2 Co 12.2,3b).
((ttà/aí(o com as (speculates!

Ou mantemo-nos nessa posição de Paulo, de indefinição sobre o que


realmente aconteceu e como aconteceu (ou acontece) — e não há algo de
errado nisso — ou admitimos uma dessas duas idéias sobre a experiência.
Ainda, se quisermos, podemos aceitar as duas idéias ao mesmo tempo.
I )i ríamos que existem vezes em que a revelação é trazida a nós, como parece
ter acontecido no caso de Pedro, e existem outras oportunidades em que
realmente aconteceu uma saída do corpo, como no caso de João e
possivelmente no de Paulo.
O próprio fato de Paulo dizer que não sabe se foi no corpo ou fora dele
faz-nos pensar que ele se refere a dois tipos diferentes de experiências em
termos de arrebatamentos espirituais. As próprias designações diferentes que
as Escrituras citam para descrever a mesma experiência também nos estimulam
a isso: “arrebatamento espiritual' e “arrebatamento de sentidos" ou “êxtase”.
De uma coisa quanto a isso podemos estar certos: a alma não participí
de tal experiência. Essa experiência é uma exclusividade do espírito humano..
Alguns ainda conseguem ver na expressão paulina “no corpo” uma
possibilidade de haver também arrebatamentos com o propósito de revelar
algo e com o envolvimento do corpo. Não vejo isso.
Não há casos bíblicos desse tipo de experiência. É evidente que não me
refiro nestas linhas a arrebatamentos do tipo que Enoque (Gn 5.24) e Elias
(2 Rs 2.11) experimentaram. A distinção é por demais perceptível. Não
foram experiências passageiras, mas definitivas. Eles mudaram de dimensão
definitivamente.\
Quanto ao caso de Felipe em Atos 8.39 e Elias em 1 Reis 18.12, devemos
lembrar que aqueles arrebatamentos com envolvimento do corpo foram
também muito distintos da experiência à qual Paulo se referiu e
experimentou, bem como da de João e Pedro. Não só porque não eram
arrebatamentos espirituais. O objetivo também não era o mesmo. Havia
apenas mudanças geográficas, deslocamentos de um lado para outro, de
um país ou região. Não se tinham revelações.
Q corpo humano não foi feito para experimentar revelações fortes de
Deus. Paulo, quando disse “»o corpo", provavelmente se referia a uma
revelação trazida ao espírito, isto é, fazia menção da possibilidade de haver
revelações divinas experimentadas sem a saída do espírito do corpo.
É significativo notarmos que em nenhuma das duas maneiras de vermos
o arrebatamento existe divergência quanto ao(que dissemos até agora, no
sentido de fazer surgir uma possibilidade dicotomista.
A primeira idéia diz que há uma saída do corpo durante essa experiência.
Se vejo o arrebatamento dessa maneira e sou dicotomista radical, então há
morte num arrebatamento.(Pois, se a alma saiu, oi corpo ficou inanimado,
sem nenhum funcionamento. J
Reflexões sobre o e o .jGyfo

Vendo o arrebatamento espiritual sob a perspectiva tricotomista, não há


problema. No caso de saída do espírito, podemos obviamente mostrar mais
uma prova da diferença entre os dois termos — alma e espírito — na
substância metafísica, pois, se o indivíduo permanece vivo num
arrebatamento espiritual, logo nessa experiência a alma estaria no corpo,
mantendo-o em funcionamento. Algum outro elemento da constituição da
pessoa deveria estar presente nestas “excursões”, que não seja a alma e o
próprio corpo. No caso, o espírito. Se não, repito, se só houvesse a alma
compondo a parte imaterial e ela deixasse o corpo, a pessoa morreria, e
num arrebatamento o indivíduo permanece vivo.
Claro que essa experiência não se relaciona com aqueles testemunhos de
irmãos que afirmam terem morrido, visto coisas transcendentais e depois
ressuscitado, porque, no caso deles, como eles mesmos garantem, houve
morte mesmo. Esse tipo de experiência é uma coisa, arrebatamento
propriamente dito é outra.
Não há na Bíblia vestígios de casos de pessoas que participaram de
arrebatamentos espirituais e passaram pela morte momentânea. Num
arrebatamento a pessoa continua viva. Não critico a legitimidade de todas
essas experiências. Algumas podem ser reais. Critico chamá-las de
arrebatamentos.
A segunda idéia diz que os espíritos deles estavam absortos, imersos numa
nova dimensão que lhes propiciava revelações novas e tremendas de Deus.
Era como se eles tivessem realmente deixado seus corpos, mas ainda se
encontravam neles.
Vermos por esse ângulo essa experiência também não desmorona a idéia
de distinção entre alma e espírito. Alguém poderia supor que, analisando
assim, poderiamos abrir espaços para uma hipótese dicotomista, pois alguns
poderíam ser tentados a ver os arrebatamentos como revelações feitas e
trazidas à alma como sendo esta sinônimo de espírito.
Não existe esse risco, se é que isso pode ser considerado risco (já disse
que dicotomismo não é pecado, mas apenas uma visão não perfeita da
constituição do ser humano e que não influencia na salvação de alguém).
As experiências dessa natureza são saboreadas apenas pelo espírito humano;
isso é bem nítido através de uma concentrada averiguação sem preconceitos.
Primeiro: O termo bíblico para designar essa experiência é “arrebatamento
espirituaP. João nos diz em Apocalipse 1.10 que ele foi arrebatado em espírito.
Está bem claro. Segundo: E no caso de Pedro? O termo usado não é
“arrebatamento de sentido?’
A alma nada tem a ver com isso, porque o termo designa uma experiência
vivenciada sem o auxílio da percepção física. E sabemos que o conhecimento
da alma depende do corpo. A alma só se comunica com o externo pela
Wuidadv com 'fifMCulaçòít!

percepção física. O termo, então, aponta para uma experiência num outro
nível, num grau de percepção maior, isto é, percebida apenas com o espírito,
não com o corpo.
Além disso, esse termo é traduzido também como “fora de n”ou, melhor
.linda, como “êxtase”, o que sub tende alienamento em relação ao mundo
físico. Sendo assim, não há essa sugestão, não existe necessidade de
entendermos a experiência de Pedro como algo em que há participação da
alma.
Arrebatamento espiritual (ou êxtase produzido pelo Espírito Santo, como
queiram) acontece quando o ser humano, por causa de uma ação direta de
I )eus, passa a ter um alto grau de percepção espiritual ao ponto de obter
visões, de receber uma revelação particular ao seu espírito. É uma experiência
exclusiva do espírito humano com Deus.
Seja como for, fora do corpo ou não, isso não importa. Não devemos
dar ênfase a essas coisas porque, quando se mergulha nesse campo, abrem-
se espaços para experiências duvidosas, na maioria das vezes não genuínas,
não da parte de Deus. Se essas coisas acontecerem natural e realmente, tudo
bem; mas não devem ser procuradas, nem propaladas.
Alguém já me perguntou: “E quando o indivíduo sofre um acidente e
está em estado de coma?”
Uma pessoa num estado de coma está como alguém que dorme. Logo,
assim como num sono profundo estamos com alma e espírito no corpo,
vivos, mas inertes e até mesmo inconscientes, também pode estar um ser
humano em estado de coma. O espírito e a alma ainda estão ali, a pessoa
está viva, sendo que o ser está, como num sono profundo, inconsciente.
Passar disso é dar um tiro no escuro, é imprudência, é dar margem para o
extrabíblico.
No mais, não somos Deus para dizermos,éxatamente tomo é tudo. Pensar
sobre assuntos ocultos para nós pela Palavra de Deus é tentar “rachar fio de
cabelo” com machado e perda de tempo. Lembremo-nos de que existem
assuntos relevantes a serem debatidos e definidos, e podemos passar muito
bem sem conhecer esses miúdos perfeitamente, que não influenciam em
coisa alguma a nossa vida cristã. \ (
DEFININDO ALMA E
ESPÍRITO

hegou o momento de definirmos, inclusive para melhor


compreensão do que eu disse até aqui, os elementos
imateriais. Tentarei dar uma pequena explicação sobre o
que vem a ser espírito e, depois, o que vem a ser alma, desde
que para falarmos sobre a alma temos de antes, para não
haver confusão, definir o que seja espírito.
A Bíblia nos diz, em Gênesis 2.7, que o sopro de Deus
tornou uma quantidade de pó da terra em alma vivente. O
Criador soprou nas narinas do primeiro homem o fôlego
(hb. ruach) de vida, o homem foi feito alma (hb. nephesh)
vivente, ou seja, ao receber ruach, aquele pó da terra se tornou
um nephesh vivente. Compreendemos então, por esse texto,
que o espírito é a essência da natureza não-física do homem,
porque nela se encontra a vida da alma humana. Nas palavras
de Pearlman, “a alma se alimenta da vida (ou energia) que há
no espírito”'.
O espírito também é um dos pontos que difere a natureza
metafísica dos seres humanos da dos animais irracionais.
Como assim? (Note: os animais não podem relacionar-se
intimamente com Deus como o ser humano pode. Por quê?
A diferença não está na formação orgânica do homem,
mas na sua constituição interior. Os animais têm alma, mas
não possuem espírito; por isso não podem ter comunhão
íntima com Deus, o que é possível com o ser humano, porque
este tem espírito.
Não digo com isso que o espírito é, em sua essência, divino.-
Eu seria gnóstico se afirmasse isso. Os gnósticos dizem que o
homem se relaciona com Deus, através do seu espírito por este
ser a parte divina do homem. Isso é exagero. O espírito tem
como característica a capacidade de relacionamento íntimo
com Deus, e que o difere decididamente da alma, mas ele não
Reflexões sobre o ^tma e o .Umfu.

é divino.
r O espírito é a faceta do homem interior que tem a capacidade de se
relacionar responsavelmente com Deus e conhecê-lo. Mas por quê? Porque
nela reside a consciência e a fé.
A consciência é o “tribunal” que há dentro de cada um de nós, que
condena ou aprova as nossas ações, motivadas e instigadas pela alma, e que
pode ser cauterizada ou arrefecida pela prática constante do pecado, bem
como pode vir à tona pelo toque inconfundível do Espírito Santo.
A consciência age na mente humana. Consciência é a ação do espírito
na mente, que é uma das facetas da alma.
Fé é a capacidade de crer, religiosamente falando. Ao referirmo-nos à fé,
falamos não da fé que é obtida pela ministração do Evangelho, não da fé
sobrenatural, mas de uma característica inata, congênita, inerente a todos
os seres humanos, uma capacidade de crer religiosamente falando, uma
tendência natural que todos possuem para a religiosidade e para a adoração
—a fé natural.
É por isso que é dito ser o espírito do homem a natureza religiosa do ser
humano. O homem só pode chegar a Deus através de Jesus, é evidente. Mas
para perceber Cristo, só com o despertar dessa fé pela ação do Espírito Santo.
Todo ser humano tem dentro de si uma inclinação natural para a
religiosidade. E por isso que se diz, também, ser o homem um religioso
incurável. Entendido isso, podemos compreender o que a Bíblia quer dizer
quando se refere à espiritualidade.

Espiritual e nâo-espiritual
Diz-se ser um homem espiritual aquele cujo espírito não é reprimido
ou rechaçado pela alma./O homem não-espiritual, então, é aquele no qual
seu espírito está adormecido, inerte, e dominado pela alma. É quando os
sentimentos, a alma, o nosso EU, a nossa personalidade/ o nosso ego,
preponderam, e não a consciência de que se deve viver na vontade de Deus.
É quando o desejo de fazer a vontade de Deus é abafado pelos impulsos da
alma./
Só através da regeneração — do encontro com Cristo e atuação do
Espírito Santo no homem interior — o espírito humano pode ser
restaurado e renovado (SI 51.10), voltar a ter vida espiritual, vida com
Deus, e a consciência da vontade divina prevalecerá sobre os seus
desejos.
É por isso que o reverendo John Wesley (1703-1791) chegou a ser enfático
demais ao ponto de afirmar algo que parece estranho à primeira vista: que o homem
é dicótomo antes da regeneração e tricótomo na pós-regeneração. Eu creio que ele
tinindo. r,tíma t

nao (x-nsava no sentido literal, não queria referir-se a um elemento extra, acrescido
,i nossa constituição quando aceitamos Jesus como Salvador e Senhori
Essa idéia erroneamente atribuída a Wesley nos incentiva a uma heresia,
pois nos leva a imaginar que esse terceiro elemento surgido trata-se do
Espírito Santo e, então, passaríamos a pensar na existência de um deus que
faz parte da nossa constituição, quando é o inverso: Ele é Deus vindo habitar
cm nós, que traz vida ao meu espírito, o qual estava morto.
Wesley evocava a ressurreição da vida espiritual do ser humano nesse
processo. De qualquer forma, é bom evitarmos tal definição por precaução
contra heresias. Mentes fantasiosas podem entender o contrário.
Algo importante a ser dito ainda sobre o espírito é que na Bíblia não
aparece algo que fale sobre pecado do espírito. Sobre a alma muitas
vezes é dito nas Escrituras que ela pecai rnas não o espírito. O pecado
parte da alma. '■ >>
No entanto, o espírito pode tomar características perversas, mas todas
frutos da influência da alma corrompida, visto que, quando o homem
não é espiritual, isso significa dizer que o seu espírito está inerte e subjugado
pel as influências de sua alma corrompida, como já foi dito. A consciência
abafada não mais condena as ações, o senso pelas coisas divinas é apagado
c, então, o espírito, avassalado, dominado, absorve atributos daquele que
o governa, que pode ser qualquer sentimento preponderante na alma
humana. ‘
Nas Escrituras, se o sentimento reinante em uma pessoa (em sua alma),
por exemplo, é a inveja, se é dito que essa pessoa tem um “espírito de inveja”,
o espírito dela está abafado e tolhido pelo sentimento de inveja que brota
de uma alma pecadora.
O pecado não parte do espírito, visto que nele está enraizada a lei moral,
que é aplicada pela consciência. O pecado, contudo, mancha o espírito. O
espírito perde suas características naturais pela terrível influência poluidora
da “carne”, que definiremos mais adiante.
Desfazemos aqui a idéia de que o espírito do pecador na hora da morte
vai para Deus e desaparece nEle enquanto a alma deste vai para o Inferno
sofrer seus castigos. Ora, se o espírito é cúmplice, não há dois destinos
diferentes para os elementos imateriais. A substância total vai ganhar um
destino único após a morte, definido pela maneira como se posicionou
diante de Deus durante a vida aqui na Terra.
O espírito é, portanto, um lado da substância imaterial do ser humano
que mais se relaciona com Deus, mas que se encontra acachapado na vida
daqueles cujos sentimentos, impulsos e instintos de sua alma prevalecem, e
não a vontade de Deus.
Reflexões sobre a .Hina e o .‘írmfx

O QUE É A ALMA?

Desde que vimos o que é o espírito em poucas e simples palavras, o que


é a alma e o que se processa dentro dela?
A alma, diria de início, é a outra parte da substância imaterial do ser
humano que mais se relaciona com o meio, com tudo encontrado ao alcance
dos cinco sentidos e o faz conhecer a si mesmo. Com o espírito, relacionamo-
nos com Deus; através da alma, comunicamo-nos com o mundo à volta e
com nós mesmos.
r A alma é a janela do homem interior aberta para o relacionamento com
£ vida neste mundo; o espírito é a outra janela do homem interior e que está
aberta para o relacionamento com o Criador. Não afirmo com isto que a
"alma não pode participar desse relacionamento com o Céu. Claro que
participa. Assim como as coisas da alma podem influenciar o espírito, as do
espírito podem influenciar a alma, ou seja, podem influenciar sentimentos,
intelecto e vontade. Basta somente uma rendição total do ser a Deus. Porém,
o relacionamento do homem com Deus se processa, com todas as suas
possibilidades e com profundidade, no espírito humanot É o espírito humano
que recebe as profundas revelações divinas.
Quando o ser humano fala línguas estranhas pela ação miraculosa do
Espírito Santo, o espírito humano é que, ao usar o corpos pronuncia aquelas
palavras (1 Co 14.2,14). Quando alguém profetiza pelo Espírito Santo, a
mensagem foi dada ao espírito e é ele que transmite a profecia em nome do
Senhor (o apóstolo Paulo afirmou que o espírito do profeta é sujeito ao
profeta - 1 Co 14.32).
A alma humana trata do princípio da vida animal e o espírito humano
da vida espiritual em termos de consciência e fé. No espírito, como
registramos em linhas acima, está montado o famoso “tribunal” da
consciência e se encontra a fé. Na alma está o ânimo do corpo.
Alguém já disse que o filósofo grego Aristóteles chegou bem próximo da
definição certa da alma humana ao falar de dois princípios chamados de
animal e divino. Como diziam os antigos, “nem tudo que reluz é ouro; nem
tudo que balança cai”.
Não concordamos com Aristóteles porque ele não distingue os termos
“alma” e “espírito” como elementos para designar as duas facetas que existem
na substância imaterial e, além disso, porque ele chama essas partes de animal
e divina e, como já falamos, não existe faceta divina na natureza humana. O
homem não é divino em nenhum aspecto de sua natureza.
A alma é a faceta da substância imaterial do homem que está
extremamente mais relacionada com o corpo, de tal sorte que, quando Deus,
em Gênesis 2.7, na formação do homem, sopra o espírito nas narinas daquele
(itfinindt>. dima < 'fifáúto

"boneco” de barro, a Bíblia nos diz que ele se tornou “alma vivente”. Isso
significa dizer que o homem é uma alma revestida de carne |e dotada de
espírito.
(.) corpo é o invólucro da alma e o meio pelo qual ela se comunica com
o mundo ao redor. A alma é o agente, o corpo é o vetor, a agência, o veículo.
(iorpo e alma estão casados entre si, associados entre si. Um depende do
outro. r
Os gestos, as ações, os movimentos do corpo, são todos gerado^na alma,
mas, por outro lado, os pensamentos, as deliberações e as intenções são
produtos do que o corpo, através dos cinco sentidos (visão, audição, olfato,
lato e paladar), pode absorver do meio.
Compreendido isso, podemos partir agora para a definição de alma a
partir do que se processa nela.
AS TRES FACETAS
DA ALMA HUMANA

A
alma é, basicamente, o composto de várias facetas da
personalidade que se distribuem em três “compartimentos”
definidos: vontade, emoção e razão, sendo essas dois últimos
presididos pelo primeiro.
Em outras palavras, a vontade, a emoção e a razão, que
compõem a alma humana, formam juntas o que nós
I chamamos de personalidade, ou seja, ha alma reside a
I
I personalidade do homem, ou ainda, alma e personalidade
são termos praticamente sinônimos. Quando se fala de alma,
alude-se à personalidade e vice-versa.
Alguns desses “compartimentos” têm um termo
normalmfente a ele relacionado.

Coração
Para as emoções, geralmente o termo utilizado para se
referir a esse “compartimento” da alma é coração.
O termo “coração”, na maioria das vezes, surge na Bíblia e
nos livros seculares relacionado aos sentimentos. Não é à toa
que comumente se diz que o coração é a “sede das emoções”.
Quando se fala de “coração”, refere-se à alegria, tristeza,
medo, calma, amor, indiferença etc. No entanto, embora o
“coração” seja basicamente a sede das emoções, devemos
lembrar que ele também surge nas Escrituras relacionado a
outras coisas que não são sentimentos.
O “coração” na Bíblia também é visto deliberando,
decidindo e refletindo. Agora, por que isso? Porque o termo
“coração”, em si, além dos seus significados convencionais, que
são o de órgão central do corpo humano que cuida de bombear
o sangue para todas as partes do organismo e o de “sede das
emoções”, também significa, na sua essência, etimolo-
Reflexões sobre a .^Uma e o .Jfmftc

gicamente, “centro de alguma coisa” ou “parte ou coisa importante de um


objeto, ser ou região”; “algo de grande valor e profundidade”.
Quando esse termo aparece relacionado a algo que não são sentimentos,
é usado para se referir a coisas mais íntimas da nossa personalidade. Devido
à maneira como for empregado nas Escrituras, provavelmente seja utilizado
para falar de pensamentos intrínsecos, desejos fortes ou vontades profundas,
que, claro, fazem parte de outros compartimentos da alma.
Fique claro que só emprego esse termo relacionando-o aos sentimentos
por ele freqüentemente aparecer mais ligado a esta faceta da alma, mas isso
não significa que é um termo exclusivo para se referir às emoções.
< O coração é o lugar onde é trabalhado tudo quanto de bom e de ruim
\ existe no nosso homem interior. E a “oficina” da alma, refere-se a coisas
s profundas da personalidade. Por isso o sábio Salomão afirmou: “Sobre tudo
o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as saídas
da vida” (Pv 4.23).
Após analisarmos o próximo “compartimento”, iremos rever,
rapidamente, o assunto coração.

Mente
Para a razão, o “compartimento” é a mente. Assim como um
computador guarda seus arquivos no winchester, também nós, seres humanos,
guardamos nossos conhecimentos na nossa mente.
A mente é o que, particularmente, chamo de o '"winchester do
homem”. É nela que nós gravamos imagens, cores, cheiros, impre&ões,
palavras proferidas por alguém, gestos, fisionomias e fatos, às vezes de
uma maneira tão quase perfeita que, ao abrirmos aqueles arquivos na
) nossa mente, ao relembrarmos cada fato vivenciado, parece que os
contemplamos se desenrolando novamente diante dos nossos olhos. E
nela que se processa o nosso raciocínio, que desenvolvemos idéias e
opiniões.
Aqui chegamos ao segundo ponto que diferencia o ser humano dos outros
seres. O primeiro, só relembrando, é o já citado fato de o homem ter espírito
e os outros seres não, o que o leva à comunhão com Deus. O segundo, no
caso, é a racionalidade.
Os animais irracionais têm alma; o princípio da vida animal, contudo
não têm suas almas dotadas de racionalidade. A alma do homem difere da
do animal. O homem maquina, pondera, medita, pensa; os demais seres
não. Somente o homem é, na Terra, ser racional.
O outro ponto que distingue os humanos dos demais animais é a
imortalidade. A alma do animal dura até o último suspiro de o seu corpo,
. ifarcfab fia ^llma IHamana

mas a do homem é imortal; ela continua viva após a morte devido ao fato
de receber energia do espírito.!
Neste ponto, antes de falar sobre a vontade, desejo rever com você, como
prometi, a questão do coração.
Ao citarmos “mente” e “coração” como termos para designar e distinguir
respectivamente razão e emoção, estou plenamente consciente do fato de a
Bíblia muitas vezes referir-se ao coração como um lugar onde também
desenvolvemos pensamentos e decisões. Por exemplo, Hebreus 4.12, já
iiiado, fala de “pensamentos e intenções do coração”. Relembramos e
t.itificamos que, quando isso ocorre, é para se falar de pensamentos mais
íntimos, desde que o termo coração é utilizado, prioritariamente, para se
referir ao centro e profundidade da personalidade humana.
Compreendido isso, vamos à terceira faceta da alma.

Vontade
A vontade é um dos “compartimentos” da alma que forma a
personalidade humana e que está inserida entre a mente e as emoções, e,
por vezes, muda de partido. Ela tem sua sede na alma, mas indefinida entre
os sentimentos e a razão.
Dependendo da pessoa (se é emotiva ou racionalista) ou da situação
(posto que a vontade, às vezes, é produto do meio e do momento), a vontade
pode fazer sua sede com‘as emoções ou então com a razão. Uma hora habita
com a emoção, outra hora tende para a razão.
Os sentimentos e a razão substancializam^ a almas e a vontade os
administra. Os substantivos do ser são adjetivados pela vontade. Os
sentimentos são qualificados ou desqualificados pela vontade. E ela que
reprime ou dá evasão aos sentimentos.
Na administração dos sentimentos e pensamentos, a vontade é um rei
maleável. É ela que decide e determina as ações; mas essas decisões e
determinações são fomentadas pela razão ou pelos sentimentos..Enfim» ela
administra, mas sofre influências, gosta de pular o muro.
Emoção, intelecto e vontade — essas são as facetas da alma humana.
CONFLITOS
INTERIORES

c omo percebemos, definir a alma é algo muito complexo.


Contudo, um dos pontos culminantes da complexidade da
alma é que ela não é complexa só no que diz respeito à sua.
definição, mas em si mesma. Ao falarmos da vontade, você
deve ter percebido isso. O gráfico da alma é cheio de altos e
baixos, cheio de oscilações.
A alma, em sua essênciaj é ambígua,.cheia de contradições
e conflitos. Podemos encontrar outro exemplo disso na
questão dãs preferências da alma..
Notadamente, a alma varia nas suas preferências. Ela gosta

1
de fazer “altares” para seus ídolos e desfazê-los com a mesma
rapidez que os produziu. A alma tem seus amores e inimigos,
mas pode, de repente, promover um de seus inimigos como
seu novo amor e um de seus amores como seu novo inimigo.
Ela se apaixona facilmente por coisas e seres com a mesma
intensidade com que os trai. A alma normalmente é vacilante,
indefinida.
Mas, além das preferências da alma e das indefinições da
vontade, onde são percebidas contradições, temos outras
batalhas interiores orocessadas no âmapo do nosso ser.

EMOÇÕES VÉRSÜS EMOÇÕES

Pelo menos dois tipos de conflitos processam-se na alma,


e que reputo como os principais. O primeiro conflito é aquele
travado entre as próprias emoções.
A alma, por vezes, pode ser definida como um verdadeiro
campo de batalha, posto que não é apenas um depósito de
coisas boas. Nela encontramos sentimentos bons, mas
Reflexões sobre a ^Uma e o Jimfw

I também sentimentos ruins; encontramos boas recordações, mas igualmente


\ traumas, feridas profundas; pensamentos positivos que tentam sobreviver
/ diante de inflexíveis pensamentos negativos; vontade de lutar e viver versus
^vontade de resignar-se e morrer; medo versus coragem; alegria versus tristeza;
desconfiança versus amor; compaixão contra vingança. Sentimentos
opostos que coexistem e obliquam-se numa luta sem fim.
I Não parece ter-se concordata e coerência entre as emoções. Elas
confundem e assustam-nos, pois fluem sem sincronia.
O prélio das emoções, travado no mundo abstrato de cada ser humano
em particular, é uma batalha mais acirrada, quente, tremenda e sem
precedentes do que qualquer célebre batalha pintada por artistas ou detalhada
por historiadores e que é do mundo visível, palpável. Já falamos da
indefinição das preferências, que pode ser considerada como o exemplo
mais simples desses tipos de digladiamentos entre emoções. Consideremos
alguns outros desses embates.
Frieza versus bulício, ou introversão versus extroversão, é uma luta
Ícuriosa. Quando ela não existe com freqüência na alma de alguém, este
é chamado de pessoa temperante. É a pessoa que sabe se portar conforme
o momento e a situação, que tem suas ações comedidas, que nunca é
tachado de “chato” ou “menino”, “paradão” ou “agitado”, “devagar” ou
“frenético”, que nunca é “oito” ou “oitenta”, que nunca chega aos
extremos. É uma pessoa equilibrada. O problema é que nem sempre
isso acontece.
Somos tendentes a polarizar as coisas, a aderirmos à filosofia do “ou’oito
ou oitenta”. Uma hora somos frios demais, fechados em nós mesmos,
introvertidos, indiferentes, no sentido lato do termo, e, depois, somos
incontroláveis, às vezes vulgares, intrometidos, alvoroçados, extrovertidos
em extremo. Rendemo-nos rapidamente à inconstância. Quando então
voltamos à introspecção, reprovamos as nossas atitudes ousadas, repugnamo-
nos, mas, dias ou instantes depois, voltamos ao frenesi e agimos tanto quanto
antes ou até pior.
Há uma luta constante entre estar alheio e completamente envolvido
sem medir as conseqüências. Uns preferem logo se definirem absolutamente
entre uma coisa e outra, “serei para sempre indiferente” ou “serei para sempre
agitado, sem me preocupar com o que pensem ou digam”, porqu£_acham
insuportável lutarem pelo equilíbrick Contudo, normalmente só ficam nas
promessas, continuam oscilantes. Ainda que não sejam tão oscilantes, ainda
que sejam pessoas defmidamente extrovertidas ou introvertidas, não adianta.
Ó ideal não é permanecer num dos dois extremos. É o equilíbrio, a
temperança.
Quase todo homem tem dois seres dentro de si — o sério, o pedrado, o
engessado, o considerado “chato”, ou o menino, o infante, a criança — e
por isso deve procurar se controlar para não exagerar de um lado ou de
outro. O conflito é real.
Outra luta bem notável, e de certa forma parecida com a primeira acima
mencionada, é a das lágrimas contra o riso no sentido de preocupação versus
ironia, desdém contra “envolver-se”. São aqueles momentos em que, diante
de fatos trágicos, ficamos indecisos em nos envolvermos ou ficarmos
indiferentes, porque, envolvendo-nos muito, saboreando os fatos, podemos
nos tornar pessoas melancólicas, desanimadas, azedas; e, indiferentes,
t urremos o risco de ir ao extremo de nos tornarmos pessoas que não sentem
mais os fatos, frias, insensíveis, cínicas.
Esses momentos mencionados são os tragicômicos, quando a alma ri
para não chorar. Já disse Horace Walpole que “para o-que-pensa a vida é
uma comédia,! para o que sente é uma tragédia” (essa frase parece ter, no
nosso caso, uma conotação dupla, porque não serve só para acrescentar
algo ao nosso comentário sobre esse exemplo de conflito entre emoções.
Também é um vislumbre do outro tipo de conflito que comentaremos em
«•guida — o da razão contra os sentimentos).
Diante do que a vida debaixo do sol nos proporciona, tendemos a ficar
indecisos entre abraçar sem reservas a existência ou viver apenas o nosso
mundo à parte,\satirizahdo o que nos possa desmotivar, despachando todas
as mensagens negativas com evasivas e brincadeiras, levando as notícias
sempre “com a barriga”.
Para o que mergulha nos acontecimentos A existência angustia, provoca
neurastenia; para o que prefere assistir do lado de fora, impermeável, com
um olhar analítico somado a um “bom” humor, a vida é uma piada (meio
sem graça). Para o que se envolve demais, a existência é desanimadora; para
o indiferente, é burlesca.
Outro paradoxo interessante quanto à guerra das emoções é o fato de, às
vezes, alguém pensar que odeia, quando sente que na realidade ama (ou
vice-versa). Quem já ardeu em ciúmes sabe muito bem disso. Parece haver
uma guerra entre o ódio e o amor em relação ao mesmo objeto. O objeto
.miado é tratado como odiado, quando, na realidade, o amante afirma não
ser bem isso. A alma não quer perder o seu amado e, para isso, faz de tudo,
,uc fazer coisas que não agradem ao seu objeto amado.
Esse amor ao qual me refiro é o amor possessivo, ciumento, que tenta
demonstrar amor através de um zelo doentio pela pessoa amada. A
preocupação irritante é muitas vezes um excesso na tentativa de mostrar
cuidado.
Reflexões sobre a .<4lmn eo J

\ O ciúme é um “amor odioso”(!?). Não é, portanto, o genuíno amor. É


/'um falso amor, um amor desvirtuado, doentio, estropiado, pomo de um
conflito, aleijado nessa guerra interior contra o ódio que existe em relação a
( certas reações do objeto amado.
Há, porém, ambivalências que parecem proveitosas. A luta entre o medo
e a coragem, por exemplo.
No coração de um aventureiro, de um atleta ou de um ousado empresário,
nem sempre existe apenas coragem, mas, sim, coragem que se confunde
com medo. Uma atitude ousada pode ser motivada essencialmente pelo
medo, e não pela coragem. O medo de perder nos leva a atitudes ousadas
também. É nessa química, nessa mistura de medo com coragem, que surgem
as grandes aventuras e os grandes sucessos.
Se houvesse coragem sem medo, as aventuras não seriam tão atraentes.
Na verdade, não seriam aventuras. O medo não só amarga o desafio como,
paradoxalmente, o adoça, dá-lhe sabor. Quanto maior é o desafio, mais nos
damos para alcançarmos o objetivo.)
f A facilidade não nos motiva às grandes ações; a dificuldade, sim. O medo
é que trinca o caminho, pinta um quadro adverso e desafia-nos a o
superarmos e superarmo-nos. Não devemos nos esquecer ainda de que o
medo pode evitar que a coragem se transmude em loucura. O medo dosa a
coragem, dando-lhe pitadas de prudência, mesmo nas atitudes mais ousadas,
fazendo com que ela continue sendo coragem, e nunca loucura.
? O medo sempre gosta de apelar para a razão, a coragem, para a emoção.
Logo, sem o medo, há o risco de a razão arrefecer, a emoção tomar cohta e
o que antes era um risco tornar-se realidade inevitável: um acidente. De
certa forma e em alguns casos, a luta entre o medo e a coragem parece ser
um mal necessário, uma “rusga saudável” ou até uma bênção.
Alguém já disse que uma pessoa corajosa não é aquela que não tem
medo, mas a que enfrenta o medo. Uma pessoa sem um pouco de medo é
uma pessoa que corre perigo. Não é corajosa; é louca. Por outro lado, uma
pessoajnedrosajsem coragem alguma, é um paralítico existencial. Não reage,
só faz assistir a. suaídesgraça. Coragem sem medo resulta em loucura, e
medo sem coragem resulta em inoperância.
Há exceções, mas, na maioria das vezes, parece ser normal a coexistência
e o digladiar desses dois sentimentos. O problema está na preponderância
de um ou de outro. Quando isso acontece, o conflito saudável torna-se
patológico e extremamente perigoso.
Nesse ponto, a nossa percepção se abre para encontrarmos outra nevralgia,
outro ponto de tensão.
Emoção versus razão
Além das constantes batalhas entre os nossos sentimentos, alegria versus
tristeza, frieza versus frenesi, desconfiança versus amor, medo versus coragem,
etc., como se não bastasse, percebe-se, então, um segundo tipo de batalha
que denota as ambigüidades da alma humana — o conflito das emoções contra
a razão. As indefinições da vontade são o exemplo mais comum desse
segundo tipo de conflito. Elas existem por causa desse combate.
Já disse Pascal que “o coração tem as suas próprias razões que a própria
razão desconhece’^ Poucas vezes há simetria entre a razão e o sentimento.
Quando um diz “não”, o outro geralmente diz “sim”; quando um diz “sim”,
<» outro quase sempre diz “não”.
O confronto entre razão e emoção não é novo, é tão velho quanto a
origem da alma. Justamente por isso, essa é uma luta considerada por alguns
mais compreensível do que a entre emoções. Não que sejam sadios tais
enfrentamentos internos. É que pelo fato de presenciarmos essa luta nos
outros e a vivenciarmos em alguns instantes, ela aparenta ser a mais lógica
de todas.
Além disso, essa luta é a mais celebrada e explorada na literatura, nos
romances, nos filmes, nos teatros, etc. E aí, por vê-la constantemente no
que lemos e assistimos, achamo-la tão normal, tão natural, que pensamos
lazer necessariamente parte da vida. Em umas produções, a vitoriosa é a
razão, em outras, a emoção.
Em Romeu e Julieta, obra do poeta e dramaturgo William Shakespeare,
encontramos o amor impossível, onde o coração dizia “sim”, mas a razão afirmava
hão”. O final foi tragédia. Podemos ver o mesmo em A bela e a fera, onde o
iin|x>ssível se tornou possível, onde a emoção venceu a razão. Podemos encontrar
o mesmo no famoso filme A princesa e o plebeu, onde, no fim, encontramos a
obrigação, o dever de princesa, o valor de sua nação, vencer os seus desejos
desenfreados de mocidade, ou seja, a razão vencendo a emoção relutante.
Não obstante essas duas razões serem suficientes, temos mais uma.
Na já citada “guerra dos sentimentos”, as coisas parecem mais
desordenadas ao ponto de desconfiarmos de nós mesmos - “Dois sentimentos
opostos em relação ao mesmo objeto coexistindo numa mesma pessoa?” - É
i cal mente estranho, além de perturbador por ser possível.
No caso desse segundo tipo de enfrentamento, a coisa muda. Não são
sentimentos brigando, mas o sentimento contra a razão. Parece ser, não
plenamente compreensível, porém mais compreensível, repito, do que os
complexos choques estuporantes entre emoções.
Reflexões sobre a .dlma e o .Ítiu/h

No entanto, embora esse conflito seja comum, tão aparentemente normal


e aceitável, pode fortuitamente tomar feições mais dramáticas até do que as
que vemos no mundo da fantasia, da quimera, dos filmes e das peças teatrais.
Elas não são apenas draculares, dramáticas ou sensacionalistas nas ficções,
mas também se evidenciam assim no palco interior de cada ser humano em
particular e, às vezes, excedem esmagadoramente o que aparece na tela de
uma televisão, num teatro, numa ópera ou no que pode ser descrito num
livro.
Há dois tipos de situação em que esse conflito surge com freqüência.
A razão luta contra os sentimentos, em primeiro lugar, em relação às
situações adversas ou aparentemente adversas.
Tentarei verbalizar meu pensamento pegando emprestado dois exemplos
clássicos de C. S.Lewis, registrados em seu livro Mere Christianity, publicado
pela primeira vez em 1942, e no Brasil como?l razão do Cristianismo, depois
como Cristianismo autêntico e recentemente com o título de Cristianismo
puro e simples-,

Minha mente está completamente convencida, por provas mais que


suficientes, que os anestésicos não me sufocam e que os cirurgiões bem
treinados não começam a operar antes que esteja inconsciente. Mas isto
não impede que, estando eu na mesa operatória, ao me colocarem a terrível
máscara no rosto, seja tomado por um pânico inteiramente infantil. Começo
a pensar que vou ser asfixiado e temo que comecem a me cortar antes de
estar inconsciente. Ou consideremos um menino aprendendo a nadar. Sua
razão sabe muito bem que um corpo humano, mesmo sem apoio algum,
não afunda necessariamente na água; ele já viu muitas pessoas boiando e
nadando. Mas toda a questão é se ele será capaz de continuar a crer nisto
quando o instrutor tirar a mão e deixá-lo sozinho na água, ou se, de repente,
ele deixará de crer, entrando em pânico e indo para o fundo.

Em momentos de adversidade ou aparente adversidade, quando nada


parece ser favorável, os nossos sentimentos se sentem atiçados, quase que
incontidos, quando o ideal seria estarmos calmos. Há um descompasso.
Tragamos isso para a plataforma da vida cristã.
Digamos que você esteja no lugar de Moisés, guiando o povo de Israel
para a terra prometida, a terra de Canaã. De repente, lá está você diante
daquele imenso mar, tendo no seu encalço os implacáveis egípcios, liderados
pelo não menos implacável Faraó. Que fazer?
O povo entra em pânico. Afinal, todos estão cercados. Correr para as
montanhas? Como? Não há tempo. E agora? O povo começa então a apertar
Moisés. O que você faria no lugar dele? Certamente os nervos desse servo
do Senhor, a princípio, ficaram à flor da pele.sAs emoções diziam: “Tudo
culd perdido!” Mas Moisés não se deixou levar pela emoção, e sim pela fé
viva em Deus, que dominou as suas emoções.
E bem verdade que alguém poderia dizer que as palavras de Moisés
(|c repreensão à agonia do povo eram como palavras de louco, não de
alguém ajuizado. Contudo, lembremo-nos de que a razão da fé, superior
4 qualquer outro tipo de razão, em algumas situações parece loucura,
*ob o ponto de vista meramente humano, mas não deixa de ser o caminho
jeito a tomar.
Eu poderia dar outros exemplos dessa luta no campo natural, não no
tampo da fé. Eu poderia falar mais de razão simples em vez de razão da fé.^
Eu sei disso. Essa ilustração foi proposital. Eu tento contextualizar essa luta
pura o ambiente de sua vida cristã.
Eu quero que você, crente em Cristo, você que se considera cristão,
perceba como é real e forte essa luta entre a razão e a emoção no decorrer da
vida cristã.
Muitos “mares vermelhos” apresentam-se diante de nós no percurso rumo
ao (,éu. Os “faraós”, os nossos algozes, não saem do nosso encalço facilmente.
Eles são persistentes. Que fazer? Moisés fez o correto. Manteve a calma,;
permitiu que a razão da fé prevalecesse sobre os seus sentimentos. Ele
repreendeu o seu povo: “Não temais; estai quietos”. O povo estava
"desesperadamente desesperado”, e este parece ser o único jeito nessa situação
ficar desesperado. Moisés, no entanto, resolveu ser vencido pela razão da
|é c aconteceu o que aconteceu — a vitória de Israel. 11 ■ '•«-
Sempre quando estivermos metidos em situações desiguais, quando nos
vemos como pigmeus e os nossos inimigos parecem gigantes, essa luta irá
allorar no nosso íntimo. Ç) ideal é que sempre a razão da fé ganhe. O seguro
é que todos os sentimentos sejam sempre aliados da razão neste sentido.
Mas como? Como manter a calma quando a sensação é de se estar
encurralado? Como manter-se tranquilo diante dos algozes?
“Impossível!”, bradaria você. E, na verdade, não é fácil mesmo. Como
eu já disse, a alma é complexa, não tende só para o lado.certo e não há
harmonia entre suas vertentes, não há equilíbrio nela, é ambígua, cheia de
contradições - a guerra da razão contra os sentimentos assevera isso mais
uma vez. V-, > ;<■
A segunda situação em que brota essa luta nos faz voltar a um ponto já
li isado na batalha entre as emoções. Refiro-me aos momentos em que estão
em í1^0 as nossas preferências.
Não queremos abrir mão das nossas preferências quando a nossa
i onsciênciy. diz insistentemente que estamos errados. Vou usar outra
Reflexões sobre a ,?Uma e o

ilustração de Lewis, do mesmo livro, que certamente foi inspirada no caso


bíblico de Sansão:

Um certo homem sabe, por evidência mais que comprovada, que uma
certa moça bonita que conhece é mentirosa e que ela não sabe guardar
segredos, que não merece confiança; mas quando está com ela sua mente
perde a fé na evidência e começa a pensar “talvez seja diferente agora”, e
mais uma vez faz uma tolice e conta-lhe algo que não devia. Seus sentimentos
e emoções destruíram a sua fé no que sabia ser verdade.

Já deu para visualizar o que quero dizer? Às vezes é um amor impossível,


um horário irreconciliável, um passatempo preferido que nos impede de
sermos bem-sucedidos nos nossos estudos, um não abrir mão de direitos
que são nossos e que fazem parte da nossa vida, mas que, de alguma forma,
acabam com a possibilidade de sermos muito mais felizes, etc.
Enfim, sempre quando as nossas preferências, nossos gostos, nossos
amores e paixões estiverem em jogo, entrarem em choque com algo ou
alguém que também é importante (ou até mais importante, mas nossas
emoções vedam nossa visão para que não percebamos isso), haverá essa
guerra no nosso profundo e escondido homem interior.
UMA BELA NOTÍCIA

c omo se não bastasse, ainda temos um último tipo de luta


travada no mundo abstrato de cada ser humano.
Já falamos de conflitos na alma e percebemos o quanto
são intensos e preocupantes. Porém, não pára por aí. Talvez,
dessas guerras interiores, a mais tenebrosa seja esta última a
guerra da alma contra o espírito.
Essa luta ocorre quando a alma toda está envolvida num
conflito irreconciliável contra o espírito, a mente ainda não
aceitou a razão da fé, bias só a razão mundana, carnal. Emoções
e intelecto vêem-se unidos no combate contra um inimigo
comum para eles - o espíritd. A vontade está totalmente
dominada pelos impulsos do “velho homem”, “a carne”.
É a famosa luta da carne contra o espírito, bem detalhada
pelo apóstolo Paulo em Romanos 7.
Carne é um princípio enraizado na natureza humana,
desde a queda de Adão, o primeiro homem, e que faz com
que haja uma combinação e conspiração de alma e corpo
contra o espírito, em que este último se encontra no seu desejo
e propósito sublimes de adorar e servir a Deus. Não que o
corpo seja mau em si mesmo. Seria tachado de gnóstico se
afirmasse isso.
Refiro-me ao fato de a alma e, conseqüentemente, o corpo
(visto que o corpo é a agência da alma) estarem sempre
inclinados para o mal. Todo ser humano já nasce com a alma
inclinada para o mal. O corpo não é mau em si. O corpo
simplesmente sofre a influência de uma alma pecaminosa,
assim como, sob a influência do espírito, pode Tazer coisas
boas para Deus.
f A alma humana está corrompida desde o pecado de Adão.
Por outro lado, é óbvio que isso não significa dizer que meus
Reflexões sobre o e o Jtm/w

pensamentos, vontade e sentimentos nunca podem ser aliados de Deus e


devem estar sempre em detrimento. Nada disso. Serão aliados de Deus
quando se permitirem ser vencidos pelos apelos da vontade divina. O
problema é: como isso será possível, se o princípio mau já está enraizado?
Vejamos como Paulo verbalizou essa luta:

Porque bem sabemos que a lei [as ordenanças de Deus] é espiritual; mas
eu sou carnal, vendido sob o pecado. Porque o que faço, não o aprovo, pois
o que quero, isso não faço; mas o que aborreço, isso faço [...] Porque eu sei
que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e, com efeito,
o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem Porque não faço o
bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço [...] Porque, segundo o
homem interior, tenho prazer na lei de Deus. Mas vejo nos meus membros
outra lei [princípio mau enraizado na alma, tendência natural para o mal, a
carne] que batalha contra a lei da meu entendimento [Paulo se refere à
consciência, um apanágio do espírito humano que aplica a lei moral na
mente] e mc prende debaixo da lei do pecado que está nos meus membros
(Rm 7.14,15,18,19,22,23).

O drama é intenso por si só. O simples fato de sabermos que essa luta
existe traz-nos agonia. Todavia, o drama se avoluma quando notamos a
enorme quantidade de sucessos dessa associação corpo-alma. Daí surge uma
avalanche de angustiantes questionamentos: “Como acreditar na vitória na
minha vida espiritual diante de tantos fracassos? Devo continuar ou desistir?
Será que adianta tentar mais uma vez? Não serão as próximas tentativas tão
em vão como foram as primeiras?’]
Parece tolice tentar mais uma vez. Os insucessos consecutivos querem
nos provar isso constantemente. “Eu quero tentar, mas vale a pena?”
“Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?”
(Rm 7.24)
P' O caso é seriíssimo. Por causa dessa luta existem muitas pessoas que sofrem,
com traumas, sentimentos de culpa, autocomiserações, autovitimações,
psicoses, depressões e amarguras incontroláveis. Essas reações são, na maioria
das vezes, sintomas do conflito e não outra coisa.
Há coisa mais inquietante do que fazer o que não se quer realizar e não
conseguir o que se quer fazer? O espírito humano deseja realizar a vontade
de Deus, mas não pode por si mesmo vencer a conspiração da carne. Não
existe saída.
Se alguns se entregarem defmitivamente à carne, sabem que, agindo dessa
forma, nunca serão felizes. Se outros lutarem para vencê-la com suas próprias
forças, correrão o risco de padecer problemas até de ordem psicossomática,
‘Uma .flihi. {aíiría

Irutos de acachapantes sentimentos de culpa, reflexos dos constantes fracassos


que acontecerão durante essas tentativas de superar a carne. Qs traumas
virão, a depressão encontrará guarida no coração, a amargura brotará
Huontidamente no íntimo e começara a consumir tudo por dentro -
t onsumir alegria, consumir esperança, consumir paz, consumir, consumir...
r, por fim, deixará a pessoa com um imenso vazio.

O NOSSO MAIOR INIMIGO

São essas lutas esquisitas e fatídicas que fazem o ser humano confundir-
«• consigo mesmo,; não confiar em si mesmo,, desgostar-se e até odiar-se.
I iido porque realmente não se conhece, não se entende. Ninguém se conhece
pcrfeitamente.-
Por mais anos que vivamos neste planeta, nunca nos conheceremos
pcrfeitamente. Sempre haverá momentos em que, sem esperarmos, as nossas
emoções nos trairão, nos darão sustos. Seremos surpreendidos por nós
mesmos.
Quantos já não foram enganados pelos seus próprios sentimentos e
impulsos? Quantas pessoas já não se enganaram com elas mesmas? Quando
pensavam que se conheciam muito bem, as suas almas revelaram
i aractcrísticas nunca antes percebidas. ]
Quando pensávamos que éramos resistentes, descobrimos ser um puro
engano. Quando nos achávamos fortes, descobrimo-nos fracos. Quando
nos sentíamos sábios, repentinamente nos sentimos ignorantes, sem
eloquência, sem argumentos, inconsistentes, premidos pelas circunstâncias,
win vermos saída alguma. Por outro lado, quando nos víamos débeis,
emrcmamente frágeis, quando o certo era voltar atrás, fomos surpreendidos
desagradavelmente pelos nossos impulsos, por reações bruscas e
tompletamente indesejáveis que não sabíamos a razão de chegarmos a
«Itliações como “aquela”. Nunca entrou pela nossa cabeça reagirmos assim,
lalannos daquela maneira, etc. Mas aconteceu.
! ., acontece com todos. Por quê? Porque todos somos humanos.
I ânto faz reagirmos bem hoje como de repente agirmos tresloucadamente.
Ai vezes, sentimo-nos, aqui e agora, arrebatados, no vértice da vida, na
pane superior da existência, para, momentos depois, nos sentirmos lançados
num abismo, arrebentados, afundando-nos nas partes mais abissais, escuras
c profundas do ser.
() profeta Jeremias, inspirado pelo Espírito Santo, já dizia no livro que
leva o seu nome: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e
perverso; quem o conhecerá?* 0r 17.9).
Reflexões sobre o .d/ma e o démpo

O nosso coração, a nossa personalidade, nas suas manifestações mais


entranháveis, é confuso, bizarro.
Essa é uma péssima descoberta, grande motivo para a avultação da nossa
angústia e o resumo de todos esses conflitos: o maior inimigo meu sou eu
mesmo.
maior obstáculo para sua felicidade é você mesmo. Se você conseguir
vencer a si mesmo, solucionar tudo por dentro, sagrar-se-á campeão nas
batalhas de fora. Se você perde por dentro, não subsistirá diante do mal de
fora. Esse é o ápice da crise.

Que bálsamo!
Mas a nossa solução, esperança e consolo estão no verso seguinte: “Eu, o
Senhor, esquadrinho o coração...” (Jr 17.10).
Que notícia extraordinariamente confortante, aliviadora! Que bálsamo!
Provavelmente eu não me conheça plenamente e por isso não consiga
resolver a complexidade da minha alma, mas existe uma saída, uma luz
no fim do túnel, uma escapatória, uma única, mas certa solução: .D.euL
conheceprofundamente todo o meu ser, com todas as suas complexidades. Aleluia!
Escute: para termos, almas sadias, jamais procuremos vencer a nós
rfiesmos. JBasta lançarmo-nos nos braços de Deus .corn todas as nossas
ambigüidades, porque, afinal de contas, Ele nos conhece. Foi Ele quem fez
cada fibra da nossa alma.^
Deus pode estabelecer coerência no lugar da nossa ambigüidade; Ele
pode implantar equilíbrio onde antes havia confusão; Ele pode estabelecer
paz sobre os nossos conflitos interiores; Ele pode resolver todas as questões
e problemas mal resolvidos e que gravitam soltos no mundo infinito do
nosso coração; Ele sabe, pode e quer colocar tudo em seu devido lugar,
porque foLEle quem nos criou e, por isso, conhece cada sala da alma, cada
baú fechado, o que sobra e o que falta, o que deve sair e o que deve
permanecer, o que está no lugar certo e o que transita solto e colide alucinada
e violentamente com as paredes do nosso peito; enfim, a estrutura nossa
por completo.
- Já dizia Agostinho, bispo de Hipona e teólogo do quinto século depois
de Cristo: “Ó Senhor [...] nossos corações só descansarão quando
[encontrarem descanso em ti”. Todas as lutas que envolvem a alma só se
encerram quando nos jogamos nos braços do nosso Criador.
C Assim, o conflito da carne contra o espírito tem por vencedor o espírito,
porque, quando recorremos a Deus, não nos encontramos mais no combate
sozinhos contra nós mesmos. O espírito humano soma forças com o Espírito
de Deus e então a batalha é ganha, o homem é reestruturado. E o que
Uma .fyta , \oticia

podemos encontrar no capítulo oito da Epístola do apóstolo Paulo aos


Humanos.
() clima de desespero do capítulo sete torna-se num sabor de vitória no
i npítulo oito, porque o Espírito Santo entra em cena para fazer-nos vencer
H* nossos próprios impulsos, adversos à vontade de Deus. Viver para Deus
ilrixa de ser uma impossibilidade. Passa a ser não só dever, mas também
prazer.
Perceba como o clima fúnebre espiritualmente da alma de Paulo, no fim
ilo capítulo sete da sua Epístola aos Romanos, transmuda-se no capítulo
ollo, quando ele conclui o assunto com um cântico de vitória. Veja como as
•kpressões, a linguagem e o vocabulário do apóstolo mudaram. Não é mais
lima linguagem de desesperança:

Portanto, agora, nenhuma condenação há para os que estão em Cristo


Jesus, que não andam segundo a carne, mas segundo o espírito. Porque a lei
do Espírito de vida, em Cristo Jesus, me livrou da lei do pecado e da morte
[... |Que diremos, pois, a estas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra
nós? [...] Quem nos separará do amor de Cristo? [...] Mas em todas estas
coisas, somos mais do que vencedores, por aquele que nos amou (Rm
«.1,2,31,35a,37).

() problema sempre egtá em pensarmos que podemos com nossas próprias


lurças vencer o mal interior, quando a Bíblia nos garante que só com o
auxílio de Deus, com minha entrega singela e total a Ele, com o abrir-me
para o Espírito, posso ter pulverizados os bichos de dentro, ser feliz comigo
mesmo e vencer os monstros de fora.
Quando permito que o Espírito me encha, a alma finalmente é vencida
pela vontade de Deus. A mente, os sentimentos e os desejos são purificados
redirecionados. A carne é facilmente subjugada pelo poder do Espírito
Santo. Abandonar a fé antes era aparentemente irrevogável. Agora, deixar
I )cus é que parece impossível. O Espírito entrou, venceu e reinou. Glória
a I )eus!
A luta da razão com a emoção também é resolvida. Quando nos
riu regamos sem reservas ao nosso Deus na intenção de que Ele faça uma
irrapia em nós, trate-nos, clinique a nossa alma dentro da sua vontade, Ele
Ia/ com que haja sincronia entre a razão e as emoções. A razão só trabalha
ilc mãos dadas com os sentimentos e vice-versa.
Se o Espírito^Santo dominaltudo7nunca há discórdias entre intelecto e
xrntimentos. Só haverarnútua cooperação: os dois trabalham juntos no
mesmo propósito - para honra e glória do nome de Jesus. A prudência e o
equilíbrio são inevitáveis.
Reflexões sobre o dlma e o 3émpo

Quanto à luta dos sentimentos ou batalha das emoções, não é diferente.


Q Espírito Santo administra e soluciona o problema também. E o que
veremos no próximo capítulo, na próxima reflexão.
O problema das indefinições da vontade é resolvido também. Agora não
haverá mais brigas entre os sentimentos e entre estes e a razão, brigas essas
que influenciavam decisivamente a vontade nas suas indefinições.iA vontade

preferências são mudadas, quando preciso, através do toque irresistível e


orientador do Espírito Santo.
Enfim, o Espírito Santo coloca um ponto final nas ambigüidades da
alma e nas ambigüidades provocadaspela alma no homem interior na guerra
contra o espírito.

"Sonda-me, ó Deus!"
Diante de tão maravilhosa possibilidade, resta-nos somente proferirmos
as palavras do salmista Davi registradas no Salmo 139: “Senhor, tu me
sondaste e me conheces [...] Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração;
prova-me e conhece os meus pensamentos. E vê se há em mim algum
caminho mau e guia-me pelo caminho eterno” (SI 139:1,23,24).
Davi fala de duas sondagens nesse salmo. Há dois tipos de sondagens, e
que são distinguidas pelos seus respectivos objetivos. A sondagem pode ser
para conhecimento ou para purificação.
A primeira sondagem na qual Davi fala é uma referência ao fato de Deus
já nos conhecer inteiramente sem precisarmos ainda revelar-lhe algo. A
primeira já foi feita antes mesmo de nós nascermos. Ele já nos conhecia.
Mas a segunda tem outro propósito, e esse é bem claro:'“Vê se há em mim
algum caminho maii\e guia-me pelo caminho eterno”. É para purificação.
Ela sempre se faz necessária. Quem sabe você precisa dela neste momento?
Pare um pouquinho agora. Pense em você mesmo aí onde está. Feche os
seus olhos, se quiser, e “viaje” para dentro de você mesmo.
Fez a incursão? Como será que estão as coisas lá por dentro?
Talvez você esteja assustado nestes últimos dias com as contradições,
de sua alma, com a sua inconstância^ Você está profundamente perplexo,
quem sabe, com a maneira desordenada pela qual seus sentimentos fluem e
o assustam.
Talvez você se sinta meio confuso quanto a não saber que caminho tomar,
o proposto pelas emoções ou o proposto pelo intelecto. Você se sente numa
' encruzilhada sem letreiro, perdido, indeciso. As bifurcações aparecem
constantemente no seu caminho sem sinalização...
‘Ilina , \(4iciu

Nao se preocupeÁOs nós da alma tanto devem como podem ser desatados./1
A possibilidade é real.
I )cus já o sondou e o conhece. Ele sabe a sua história, o seu drama
palmilhado no mundo escondido e sombrio das suas interioridades. E Ele
tpiri que você saiba que existe solução para tais conflitos.
Você não precisa enfrentar-s^ e olhar sempre assim, de uma maneira
melancólica e quase histérica, Você não precisa ter auto-aversãc/ojerizar a
ti mesmo e machucar-se tanto e constantemente/^presentETsüa alma para
4 X us, apresente seu mundo interior para Ele, entregue-lhe siiascsqujsgiges
embrenhadas no coração,^g.diga:
"( )h. Espírito Santo, sonda-me! Investiga-me, vai até onde eu não posso
li c examina se existe em mim algum caminho mal traçadd, algum erro,
al^mn complexo, alguma guerra, memória amarga, trauma, indefinição,
mixórdia, trama dos meus sentimentos, conspiração interna, algum
llmcncontros das emoções, algum desejo de não fazer a tua vontade
plcn.unente. Faze uma amputação espiritual, um transplante. Arranca tude
h»o de mim, coloca o que falta e guia-me pelo caminho que desemboca ru
rlocc eternidade contigo, por amor de Jesus”.
Sc você fizer isso, nunca mais será o mesmo! Tudo isso que hoje <
Incomoda será uma página virada na história do seu íntimo. A paz reinar;
para sempre!
FÉ, E
E

editaremos neste capítulo sobre a relação fé-emoções-razão,


mas sem nenhuma pretensão de esgotar o tema. Afinal de
contas, só com o tema deste capítulo já se faz um livro.
Apenas dei um'close no assunto.
À guisa de introdução, “Fé e emoções” é um assunto
relevante para nossa vida. Fé e emoções são necessidades
sobranceiras do ser humano. Uma vida sem emoções e
divorciada da fé é uma vida sem cor, sem graça, sem sabor.»
insípida, vazia, sem conteúdo. E uma vida insuportável! (
Viver sem fé é olhar a vida sob o prisma da angústia
existencial,/é olhar o passado com desprezo, o presente com
frustração‘e o futuro com desesperança; é adotar uma filosofia
tipo a de Jean Paul Sartre; é não ter razão de ser, motivo de
viver; é não ter um referencial maior, infalível e absoluto,
que é-Deus] que nos amaj protege e sustenta; é não ter
perspectiva, é não ter significado e esperança; é não ter chão;
é espoliar o nosso coração da verdadeira felicidade; é não ter
vida com abundância, vida eterna. Não é viver.
Viver sem emoções é ficar blindado num canto do
Universo sem desenvolver tudo que está em nós; é não ficar
exposto, não só às coisas ruins que muitos erradamente
preferem enfatizar, mas, também, e o que é mais importante,
às coisas agradáveis que o simples fato de existir nos pode
proporcionar (sem nos esquecermos de que as coisas ruins
podem se tornar boas^ - falo do “transformar limão em
limonada”); é se privar de momentos altaneiros, não explorar
o dom da vida; passarmos pela vida sem darmos sinais de
vjiáâi.úão amar, nãp gostar; não ser. Não é viver.
Fé e emoções são imprescindíveis à vida.
Reflexões sobre a .^Uma e o .‘Hm/to ~ ’ ç/ Qô- (A-®- •
A" v^ç'Cv3v . 4i/.;
A- 4‘- ’
Bem, isso só foi um èxórdio nécessário ao tema. Acho que, antes d
tudo, devemos conscientizar-nos de que esses dois elementos sã<
indispensáveis ^química da vida. É a fórmula certa para se viver bem. E
com isso não aludo a uma vida sem problemas, é óbvio.

Emoção não é fé
Gostaria de iniciar esta reflexão com algumas perguntas: Sempre hí
congruência entre fé e emoções? Fé sempre gera emoções? Quais o:
momentos em que posso estar certo de que minhas emoções são coadunáveii
ou não com a minha fé? Há conciliação entre as duas coisas?
Avaliaremos e tentaremos responder a essas questões e, à medida que <
fizermos, inseriremos aos poucos um outro assunto essencial à verdadeira fi
— a razão.
Meditemos neste e nos próximos dois capítulos sobre uma questão d<
cada vez.
r A primeira questão é: Todos os momentos da vida de fé produzen
emoções? São emoções indispensáveis à fé, ou esta pode subsistir sen
emoções?
Para nos sairmos bem, é necessário, antes de tudo, distinguirmos fé <
emoções.

um princípio simples, mas que muitos esquecem.


Natã, de acordo com o capítulo 17 de 1 Crônicas, passou pela experiê
de confundir fé com emoções. No versículo dois, ele entrega uma mensai
a Davi, sob a influência de suas emoções, afirmando que Deus
o rei para que o templo fosse construído. Esse profeta achara a idéia de E
edificar uma casa para Deus muito boa, algo que parecia estar certo,
entanto, no versículo seguinte, o Senhor começa a falar com Natã que
agora apercebido da vontade de Deus, sob a influência divina, anuncia ;
Davi que não edificasse a casa, mas que deixasse isso para seu filho Salomão
que o sucedería no trono de Israel.
Mlvuçio não é uma sensação, mas uma convicção cimentada. Não basta eu
mr mentir salvo. Eu tenho que ter convicção de que sou salvo e, depois,
wniir essa salvação. O sentir sempre vem como conseqüência.
Visto que convicção fala de certeza que não é abalada por nada, inclusive
pi» mentimentos profundos e fortes, isso significa dizer que a fé pode subsistir
llimno em meio à ausência de emoções que estimulem a fé ou em meio a j
i In (instâncias em que as emoções possam querer pelejar contra a fé.
I,moções nem sempre podem ser definidas como sinais de fé existente, ou
»»'|a, /? não implica sempre e necessariamente emoções fortes. |Eu posso crer sem
piri isar sentir muito. Por exemplo, o milagre da salvação, do novo nascimento,
nrm sempre será dramático. É errado alguém dizer que uma pessoa não se
iimvcrteu porque não chorou incontrolavelmente ou porque não sentiu uns
Alirpios pelo corpo.'.O crer, em certo semido, independe do sentir.\
A verdadeira fé, diz Jesus, faz com que nós não vejamos; para crer, mas
i icidinos para ver (Jo 11.40). A fé real faz com que creiamos para receber, e
IlAii indispensavelmente o contrário. Da mesma forma, a verdadeira fé crê
|Mr»i sentir, e não necessariamente sente para crer. Quando alguém afirma
ipir precisou sentir para crer, foi uma exceção que ocorreu. A regra é crer
paia sentir. Não devo basear e construir minhas convicções em cima de
lima exceção. Assim, posso colocá-las sobre terreno demasiadamente
movediço.
Vejamos essa regra por outro prisma.
A fé tem uma causa, .e esta é Deus( Mas a fé em exercício é, na maior
puite das vezes, motivo, não efeito. Eu sei que às vezes o ver e também o
illivir produzem fé. Nesses casos é efeito. Estou plenamente consciente disso.
I'ii não disse “em todos os casos”, mas na maioria. Quando eu vejo um
milagre, minha fé aumenta (Jo 20.24-29). Quando eu ouço a Palavra de
I >rus, minha fé é acrescida também (Rm 10.17). O que digo é que, contudo,
ii profundidade da verdadeira fé é que ela, quando adquirida, robustecida e
ponta em exercício, faz-nos crer sem precisarmos sempre ver ou ouvir, ou
llirumo sentir.
Sc eu realmente acredito em Deus, não preciso ver milagres constantes
114 minha vida, nem ouvir sempre uma multidão em uníssono gritar que
ilè cm Deus para prosseguir ao lado dEle, pois eu já ouvi a Palavra. Se a
minha fé dependesse de tudo que eu ouço ou vejo, eu seria um cético. Nem
winpre eu vejo ou ouço coisas que me motivam. Na verdade, a maioria do
ipic vemos ou ouvimos é desestimulante em termos de fé.
Quanto a milagres,,«eles são bons para o desenvolvimento da minha fé,
mas nao são impostergayeis. Fé produz milagres e milagres aumentam aje,
liias eu posso crer sem precisar de milagres, porque eu verdadeírãmente
Reflexões sobre a .ritma e o 3êmf»o

creio, estou convicto, assumido, decidido quanto a estar do lado de Deu;


custe o que custar, aconteça o que acontecer, venha o que vier. Quandt
agimos realmente assim, afirmamos, como os amigos de Daniel, diante d
ameaça de serem jogados na fornalha de fogo ardente pelo re
Nabucodonosor:

Eis que o nosso Deus, a quem nós servimos, é que nos pode livrar; ele
nos livrará do forno de fogo ardente e da tua mão, ó rei. E, se não, fica
sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses, nem adoraremos a imagem
de ouro que levantaste (Dn 3.17,18).

Milagres não são necessidades absolutas da fé. São necessidades relativa


A fé é alimentada e acrescida com milagres, mas ela pode subsistir muit
bem sem milagres. Nem só de milagres vive a fé. Ela é “a prova das coisa
que se não vêem” (Hb 11.1), que não precisam ser vistas. Isso tambér
significa que eu posso estar consciente de que Deus é verdadeiro, Todo
poderoso, que faz milagres, sem precisar vê-los ou vê-los agora. Afinal d<
contas, “eu sei em quem tenho crido”.
É possível alguém permanecer fiel mesmo quando ao redor só h;
infidelidade, blasfêmias, palavras e cenários desmotivadores. Reafirmo: jamai
declarei que não precisamos ouvir conteúdos bíblicos ou lermos a Palavr;
para ficarmos firmes. Nós devemos fazer tudo isso, se queremos se
inconcussps. O que eu pretendo passar para você é aquela tão citada verdadt
de que, se me alimento da Palavra, posso viver no mundo mesmo cienti
que não sou do mundo e conhecedor das implicações disso, mesmo convictt
de que estou diante de situações completamente adversas e que a maio
parte do meu tempo é vivido neste contexto.
A maioria do mundo não é composta de crentes salvos e a maior parti
do nosso tempo é vivido neste sistema fomentado pelo inimigo de nossa:
almas, mas isso não significa dizer que eu vou abandonar a minha fé, pois,
se me alimento da Palavra, permaneço firme. -__ >
Não há motivos racionais para cedermos. mas não motivos
Nem sempre as multidões estão certas, a História e a Bíblia já provaram
isso. O mundo está cego, não enxerga a luz. E o que me faz vencer todas
essas investidas contrárias é essa fé nEle./E esta é a vitória que vence o
mundo: a nossa fé [nElç}” (1 Jo 5.4).
Nesse sentido, a fé é causa, não efeito. É por isso que Jesus disse para
Marta aquelas palavras (“se creres, verás a glória de Deus”), porque eu não
devo ver para crer, eu devo crer para ver. Eu estou firme, não porque o que
está ao meu redor me motiva a isso, hias por causa da minha fé viva em-
Deus. É essa fé que me sustenta e me faz receber as bênçãos divinas. Não
r I , ff. fàmoçòrt r

qur cia seja um fim em si mesma/ não qúe seja fé na fé,/mas porque é o
lllélodo de Deus para que nós cheguemos até Ele e, assim, consigamos
lüquirir todo suprimento interior ou exterior que nos seja realmente
Hr* mário, conforme a óptica da vontade de Deus.

Fé + Razão: mais do que possível, é necessário


Bem, já dissemos que, na relação fé-emoções, nós cremos para sentir e não
Iflllimos para crer (só em casos raríssimos). E no caso da relação fé-intelecto?
I Jma das questões cristãs que mais tomou minha mente foi esta: Quem vem
primeiro — a razão ou a fé? Eu penso para crer ou creio_para pensar? Lembra
muito aquela pergunta antiga: “Quem veio primeiro — o ovo ou a galinha?”
('.onsideremos os dois lados: se eu disser que penso para crer, o que direi
ilr coisas divinas que a nossa mente não alcança, mas aceitamos e recebemos?
I' w cu asseverar que creio para pensar, não afirmarei que a minha fé é cega?
Na<> tne esquecerei da ênfase bíblica na razão da minha fé?
I )iante desse raciocínio e mediante análise das Escrituras, só encontramos
tlltu saída: nem sempre pensar é crer, mas crer sempre é um processo (ou
llliui ação) que inclui o pensar. (É impossível crer sem pensar.
Enquanto no caso das emoções a fé deve vir primeiro, no caso da razão
<* um pouco diferente. O pensar está associado à fé em dois sentidos. Ele
r»t4 ligado como parte do processo da fé antes da conversão e como resultado
drla depois da conversão. Tanto creio para pensar como penso para crer.
I*riicba que, nessa associação da razão com a fé (“pensar para crer”), não me
trliro a uma definição tomista do pensar em relação à fé. Não penso como
Tomás de Aquino. Não proclamo o chavão teológico medieval, o qual dizia
que “o conhecimento conduz à fé”. Não sou adepto de uma teologia
mpcculativa. Eu creio que “pela fé entendemos”. Mas o que eu reconheço
Igualmente é que no processo da fé a razão existe.
A salvação, irrevogavelmente, não está na razão, mas, a fim de exemplificar
o que quero dizer, o EspíritO-deDeusiem de agir na mentepara.convencer e,
wí depois de convencido, posso ser convertido^rimeiro considerei a miséria
dos meus pecados para abandoná-los. Nunca alguém pode abandonar os
pri .idos definitivamente se não tiver uma conscientização patente e forte
di • que seus pecados representam para sua vida. Após isso, continuo a pensar,
r melhor, pois passo a ter a ajuda do Santo Espírito.
Eu pensava antes de crer e, após a fé, continuo pensando, mas de
uma maneira totalmente diferente em alguns aspectos que foram
ladicalmente afetados pela fé. Eu assimilei a razão da fé. Houve um
trdi racionamento dos pensamentos, houve mudanças em alguns conceitos,
piçi onceitos e opiniões.
Algumas pessoas precisam mudar de idéia e descobrirem que o intelecto
Reflexões sobre o e o J<mfw

não precisa ser um obstáculo à crença. Pelo contrário, é um grande ajudanu


O reverendo Martyn Lloyd-Jones, no seu denso livro Studies in ti.
Sermom on the Mount (Estudos sobre o Sermão da Montanha), ao comentí
Mateus 6.30, disse algo que o reverendo John Stott fez questão de frisar n
seu livro Crer é também pensar, e que faço questão de transcrever:

A fé, de acordo com o ensinamento do nosso Senhor neste parágrafo, é


basjcarnente o ato de pensar, e todo o problema de quem tem uma fé pequena
^Tnão pens^ A pessoa permite que as circunstâncias lhe oprimam [...] temos
de dedicar mais tempo ao estudo das lições de nosso Senhor sobre a
observação e a dedução. A Bíblia está repleta de lógica, e de forma alguma
devemos pensar que a fé seja algo meramente místico. Nós não nos sentamos
simplesmente numa poltrona, para permanecer à espera de que coisas
maravilhosas nos aconteçam. Isso não é fé cristã. A fé cristã é, em sua essência,
o ato de pensar. Olhem para os pássaros, pensem neles, e façam suas
deduções. Vejam os campos, vejam os lírios silvestres, considerem essas coisas
[...] A fé, se quiserem, pode ser definida assim: E insistir em pensar quando
tudo parece estar determinado a nos oprimir e a nos pôr por terra,
intelectualmente falando. O problema com as pessoas de pequena fé é que

é que sãOicontrolados por alguma circunstância e, como se diz, elas passam


a rodar em círculos,7 Isso é a essência da preocupação [...] Isso não é
pensamento; isso é ausência completa de pensamentos, é não pensar.

O que o reverendo Lloyd-Jones afirmou, em síntese, é que a jaz


participa e deve sempre participar da fé, porque me estimula a crer. E erra
afirmarmos que uma das grandes muralhas da fé é a razão. Não é a razão.
a visão, ou melhor, o que vejo, que aparece na maioria das vezes c
contraposição à fé. Leia o que o apóstolo Paulo escreve em sua segun

O que vejo pode fazer desabar a minha fé e me colocará numa condit


mental terrível. Contudo, quando penso e medito nas promessas de Deus,

Quando priorizo o que vejo, crio um conflito entre o que vejo e o que
verdadeiro. Deflagro o confronto entre emoções e fé. O que sinto torna-í
contraposição do que eu creio. Não é à toa que C. S. Lewis definiu fé com
“a arte de continuar a admitir as coisas que a razão já aprovou, apesar dí
mudanças de ânimo”. Não que as emoções sejam inimigas da fé mesm
depois de rendermo-nos a Deus, mas é a visão que, algumas vezes, <
contrapõe à razão e à fé e pode atiçar e usar as emoções. Tenho que rr
precaver para que isso não aconteça. i .
< .flayic

I )cus diz: “O justo viverá da fé; e, se ele recuar, a minha alma não tem
piit/cr nele”. Não feche os olhos. Veja. Mas não só isso! Medite na Palavra e
d*l mc as suas emoções serem |estruturadas|a partir dela, e não do que voçêjvê^
Analisemos alguns trechos que destacam a importância da razão na fé e
Jgiins aspectos dessa importância.
Podemos encontrar, em Isaías 1.18, Deus falar ao povo de Israel, “Vinde,
HIIAo, e argüi-me”. Aqui Deus claramente assevera que a razão é importante
pai a l .le e para a fé. Não entenda este “argüir” como discussão. Deus chama-
Hihi para argumentar com Ele, não discutir! Ele nos convoca para nos
HHliiinicarmos com Ele, para conversarmos com Ele e para uma reflexão
profunda, para considerarmos a sua vontade e meditarmos. , I
I in Romanos 12.1,2, Paulo assevera que o nosso/culto deve ser racional/
Nchsc texto bastante conhecido, ele insiste: “Rogo-vos...” Paulo insistiu no
Hcrcício da razão na vida cristã.
() culto autêntico é racional, pois devo refletir no que canto, refletir na
llllnistração da Palavra, saborear a leitura das Escrituras, etc. Se não medito
duninte o e no culto, não cultuo, inclusive, para melhor envolvimento
rinocional nosso com o culto, deve haver um melhor envolvimento
Intelectual nosso com o culto. Um culto a Deus saudável prioriza tanto as
rtnoções como a razão, nenhuma mais do que a outra.
A razão tem um papel importante no projeto da fé; porém, quando ela
*r rebela contra a fé, pende sua identidade, torna-se estultícia. Um homem
Intelectual que morre sem Jesus foi um tremendo tolo, apesar de tanto
mnhecimento. Ele foi intelectual, mas não sábio; tinha conhecimento, mas
nao sabedoria. E por isso que o profeta chegou ao ponto de dizer: “Nem os
loucos errarão o caminho”. Até um louco, ao crer em Jesus e deixar o pecado,
pode chegar aos céus pela fé.
Existe um pouco de razão básica mesmo no louco. O louco não é
lotalmente divorciado do intelecto. Ele pode chegar ao conhecimento da
Verdade. O louco ou ignorante que aceita Jesus é mais sábio do que qualquer
tipo de pessoa que assim não faz. Com isso, não pense que o Cristianismo
deve ser visto ironicamente como um Erasmo de Roterdã, que depreciou a
tuzão e elogiou a loucura. Muito pelo contrário! Refiro-me ao fato de a
l a/ão da fé ser superior à lógica humana, sendo até possível um louco, um
ignorante, mas que crê e observa a Palavra de Deus, ser salvo, pois ele pode
direcionar seu resquício de razão para o lado certo e ser salvo, enquanto
nina pessoa cheia de entendimento pode chegar a canalizar toda a sua
i .ipacidade cognitiva para o lado errado e perder-se.
Para simplificar, em primeiro lugar,|a fé inclui a mente^ Ao concluir a
Mnie.se, em segundo lugar, eu diria que a fé algumas vezes ultrapassa a razão.
Reflexões sobre a ^Uma e o drmfro

Ela não deprime a razão, ela a ultrapassa. A razão é importante para a fé at1
onde ela não invente suplantar ou dispensar a fé, porque, a partir dJ
momento em que ela tende para esse lado, paulatinamente se transformarl
em estultícia, como já afirmamos. Com isso, aludo ao fato de não podermol
sempre usar a razão para explicar as coisas de Deus. A razão, nesse caso, A
pós-fé. Ela deve ser usada para extrair conclusões ou lições daquilo qua
aceitamos por fé. I
Quando cremos em algo, conforme a coerente definição de fé de C. SI
Lewis, a razão aprovou esse algo. Eu diria que você deve perceber que issd
não significa explicar. Posso aceitar algo sem conseguir explicá-lo. 1
Há coisas na fé que podem ser explicadas, mas existem outras que são]
inexplicáveis pela nossa razão, que não são suscetíveis a silogismos, mas]
recebemos pela fé e, porque as recebemos, porque as experimentamos!
sabemos serem verdade. Temos, então, nesses casos, um conhecimento!
experiencial, empírico. Não sabemos perfeitamente (“porque, em parte!
conhecemos” — 1 Co 13.9a) como se processam essas coisas que aceitamos,]
mas sabemos existirem, porque são fatos comprovados e, acima da minhd
experiência própria e da de outros, têm base bíblica. Por isso mesmo não é
uma fé cega, sem base. A base de tudo que a fé cristã nos proporciona, quer
a razão explique, quer não, sempre é a Bíblia', a Palavra de Deus.
Se eu estiver diante de uma experiência que não tem base bíblica, devo|
abandonar tal experiência, pois não sei qual é a sua real procedência. Podd
até ser real, mas pode não ser de Deus\Serei enganado se não rechaçá-la.I
Mas, se tem fundamento na Palavra, é diferente. Cri no que estava escrito]
na Palavra de Deus e achei exato, recebi o que cri. É exato e é de Deus. Cri
para sentir e, então, pensar. A razão aprovou o que não conseguiu explicar,
apoiada no que diz a Palavra, e depois comprovou, o que a levou a tirar Jições
e abalizar princípios.! Primeiro ela aprova^ depois comprova (“se crçreSjverái
a glória de Deus”) e, porquê comprova, não agiu irracionalmente. O que
aprovou mostrou-se comprovável.
A razão da fé não é loucura, pois está abalizada no que Deus diz e em
fatos que fazem, inclusive, com que esperemos confiantemente por outras
promessas que a Palavra nos faz. Agora, para quem não reconhece a razão
da fé, parece ser loucura. Só quem conhece um determinado assunto pode
opinar sobre ele. A desconfiança e a insegurança são decorrentes do
desconhecimento. Se estou imerso no mar de Deus, compreendo tudo que
se passa nesse mar augusto, porque estou nele. No entanto, para que eu
entre nesse mar, é necessário esvaziar-me de todo preconceito que possa
existir entre a minha pessoa e essa nova experiência.
A mente humana não pode alcançar os profundos e escondidos mistérios
de Deus. Há lógica na fé, mas há coisas que a lógica não alcança, a não ser
•ti,

|H'h lé. E por isso que afirmamos que a fé tem a sua própria lógica - a lógica
ih lé on a razão da fé. O intelecto humano participa da fé, mas a fé nãò é
Mt Id va do intelecto. O intelecto é que tem de estar sujeito à fé, mas, como
|4 Irhamos, não numa relação de esmagamento. Ele existirá sempre no
|tti)irsso da fé, mas nem sempre como causa (pensar para crer). Às vezes
Wi4 efeito (crer para pensar). Vale a pena lembrar o bordão deste capítulo:
"Nem sempre pensar é crer, mas crer sempre é também pensar”.
Sr quero superar todos os obstáculos desse longo percurso rumo ao
i unliccimento de todas as verdades, a minha razão deve absorver a razão da
porque existem obstáculos nesse percurso que a razão consegue transpor,
lllrt* existem outros que ela só ultrapassa com o auxílio da fé. Ela participa
ilr»»r processo de ultrapassagem, mas atrelada à fé. Como alguém já disse,
"oiulc a razão não_pode andar, fé pode voar”. A razão salta as muralhas da
tlüviila amarrada na fé.
lazendo uma sinopse dos dois assuntos, no caso das emoções, a regra é
yci para sentir, nunca sentir para crer, porque, por mais que seja possível,
hA<> é seguro. No caso da razão, a regra é crer pensando, nunca crer sem

|wn*ar, e na seguinte relação: crer para pensar e pensar para continuar crendo;
At rcditar para pensar e pensar para impulsionar a fagulha inicial da fé.
I .m forma de súmula, eis aqui as duas principais premissas sobre a relação
l«* razão-emoções e que nunca devem ser postas de lado:

I. Na relação fé-emoções-razão, a fé não deve ser confundida com emoção.

2. A razão humana e as emoções caminham atreladas ao carro-chefe,


tpir é a carruagem da fé, mas não na frente da fé. Nem a mente nem as
wnsações podem suplantar a fé. Elas acompanham a fé, mas não podem
trinpre ser vistas como apoio para ou sinal de fé. Isso seria “colocar o carro
im frente dos bois”. Há momentos em que devo deixar os apelos das minhas

lógicas de lado para seguir perfeitamente a Deus, e há momentos em que


tlcvo não prestar atenção aos apelos dos meus sentimentos ou a ausência de
tcntiinentos para não vacilar no percurso rumo ao Céu.
FÉ PRODUZ EMOÇÕES

oltemos a considerar mais as emoções. Para isso, desejo

V inicialmente estender-me um pouco mais com você na


consideração da premissa de que a fé, como as emoções,
são necessidades da vida, mas emoções não são garantia de
uma fé verdadeira. Existem outras considerações que podem
ser tiradas, com o auxílio das Escrituras, de dentro dessa
verdade.
Há momentos em que a vida cristã não é acompanhada
de grandes emoções; é quando elas parecem ter nos
abandonado. Chegamos até a achar que Deus não quer saber
mais de nós. É verdade que isso é facilmente aceito e assumido'
quando a presença constante do pecado no nosso viver diário
é irrefutável. Mas, quando não se perceberam manchas no
viver cristão, o que dizer?
Nem sempre ausência de emoções na fé significa pecado
ou abandono de Deus. Às vezes, é Deus provando a nossa fé,
jãsrnõssãsconvicções. Não afirmo com isso que Ele nos prova
para conhecer-nos melhor. Deus já nos conhece. A prova de
Deus na nossa vida tem motivações diferentes. Ele nos prova
com o intuito de conhecermo-nos melhor para, conse-?
qüentemente, procurarmos a perfeição nEle e, o que é
principal, Ele nos prova para nós o conhecermos melhor.
Somente nesse sentido podemos dizer que Deus prova as
nossas convicções. ~
Podemos conferir isso na vida de Jó. Muitos pensavam
que a aparente ausência de Deus, ou seja, a falta de emoções
positivas ou de cenas ao redor que motivassem emoGÍonal-e
positivamente a fé, eram provas incontestes da presença de
pecado que maculava o curriculum vitae espiritual de Jó; por
isso surgiram as “catilinárias” de seus “amigos”. Mas não era
Reflexões sobre a . í/ma e o .Ümf»

coisa alguma disso. Era Deus que aproveitava aquela situação para prová-lo
Observe, após a prova de fogo experimentada por ele, o que disse: “Bem se
eu que tudo podes, e nenhum dos teus pensamentos pode ser impedid<
[...] Com o ouvir dos meus ouvidos ouvi, mas agora te vêem os meus olhos’
(Jó 42.2,5).
Esses desertos emocionais servem para estreitamento do nossi
relacionamento com Deus, servem para vermos que se pode viver com <
Senhor sem o mimo de grandes emoções, servem para forjar, moldar e tornea
um caráter inabalável. E Deus que exercita a nossa fé, a fim de amadurecê-l
através desses ermos emocionais. [Afinal, o justo não vive do que vê nem do qu<
sente, mas pela fé. Fé, indiscutivelmente, pode sobreviver sem grandes emoções
Pensemos agora no outro lado do assunto.
Embora a fé independa de emoções, apesar de emoções na vida de um;
pessoa que se diz crente não poderem sinalizar uma grande qualidade d<
vida cristã, isso não me autoriza dizer que fé não gera emoções. As emoçõe
podem ser compatíveis com a fé; a fé promove emoções.

Emoções na conversão
O problema de muitas pessoas é o de polarizar as coisas. É erradíssimc
divorciar emoções da fé. Emoções estão relacionadas à fé / mas não num;
relação de necessidade. Dizer que a fé vem antes das emoções não signifies
afirmar que a fé desaprecia as emoções. A fé as valoriza. As emoções sã<
importantes para a fé. Não sejamos extremistas.
O aceitar Jesus, o entregar a nossa vida a Ele, é um acontecimento qu;
marca a vida de qualquer pessoa. Como falei linhas acima, pode have
conversões sem muita emoção, sem “frenesi”, sem as “convulsões” relatada
nas conversões ocorridas durante as pregações de George Whitefield ou d<
John Wesley (no século XVIII, na Inglaterra), sem muitas lágrimas; contudo
em todas elas é preciso que haja evidências de impressões profundas n;
alma, mais cedo ou mais tarde. Uma conversão que não muda, que nã<
marca, que não faz diferença das outras experiências vivenciadas, que nãc
coloca impressões novas, intrínsecas e indeléveis na alma, não é conversão
Uma pessoa que se considera convertida, mas nunca sentiu o toque d<
Senhor a mover o seu íntimo, tem uma conversão duvidosa. A verdadeir;
conversão desmonta o nosso ego, transforma a nossa vida por completo <
para melhor, muda muitas das nossas convicções, mexe com as nossa
estruturas, ou seja, a partir daquele dia (ah, aquele dia inesquecível!...), nó
nunca mais seremos os mesmos. A vida é revolucionada, reencaminhada,;
visão da vida é outra, é alargada, começamos a observar a existência por un
prisma nunca antes percebido, o linguajar é outro, os pensamentos sã<
trdilecionados, o jeito de viver é afetado, tudo clareia, desde a mente ao
i oração. A revolução passa pela razão, mas não só por ela, pelos sentimentos
iMinbém. A fé mexe com as emoções.
I Jma conversão que não é caracterizada por expressões fortes de emoção
lio início, não significa que a fé expressa é falsa. E uma conversão que atingiu
4 ra/lío e haverá de provocar impacto mais profundo nas emoções também,
4 torto ou longo prazo. Devemos apercebermo-nos de que nas conversões
|»'niiínas a pessoa se sente tocada quando decide estar ao lado de Cristo,
llian nem sempre esse toque é muito forte, nem sempre é um impacto.
Muitos só depois, durante o cultivo da espiritualidade em suas vidas, é que
wiilcin momentos sublimes na presença do Senhor. Caso contrário, se não
limarmos interesse algum por esse tipo de cultivo em suas vidas, temos o
direito de duvidarmos de tal conversão.
Alguns têm suas emoções abaladas no mesmo instante em que aceitam a
(IrÍMo, outros recebem o impacto nesse compartimento da alma no decorrer
ila vida convertida, ou seja, a fé, em curto ou longo prazo, se a decisão para
|i'»ux for sincera, atingirá em cheio as emoções e provocará sentimentos
lllblimes.
A comprovação bíblica de que fé gera emoções é vasta. Vejamos algumas.
Note esta história por demais conhecida, a experiência do cego de Jericó.

E aconteceu que,‘chegando ele perto de Jericó, estava um cego


ausentado junto do caminho, mendigando. E, ouvindo passar a multidão,
perguntou que era aquilo. E disseram-lhe que Jesus, o Nazareno, passava.
Então, clamou, dizendo: Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim!
|,,.|Então, Jesus, parando, mandou que lho trouxessem; e, chegando
clr, perguntou-lhe, dizendo: Que queres que te faça? E ele disse: Senhor,
que eu veja. E Jesus lhe disse: Vê; a tua fé te salvou. E logo viu e seguia-
<>, glorificando a Deus. E todo o povo, vendo isso, dava louvores a Deus
(l.c 18.35-38,40-43).

O cego Bartimeu, esse era o seu nome (Mc 10.46), ao usar a sua fé,
ittlin.indo-a em Jesus, foi salvo e curado, e isso produziu lhe uma alegria
M'lti limites em seu coração. Ele externou a sua gratidão com brados de
llnrificação ao nome do Senhor. Essa história é uma bela ilustração do que
4i uiilece com todo aquele que se encontra com nosso Senhor Jesus Cristo,
hli.i vida é mudada. Ele deixa de ser “cego, mendigo e à beira do caminho”,
Rpii itualmente falando. Ele é abençoado por Deus, e essa bênção mexe
i oin <>s seus sentimentos, provoca gratidão, satisfação, uma alegria indizível,
tini gozo sem fronteiras, independente de circunstâncias e que só alcança
t|iirin está em Cristo.
Reflexões sobre a e o Jcm/»c

Glorificação a Deus é um dos primeiros sintomas de uma vida que nasce


de novo através da mensagem do Evangelho, e aí encontramos gratidão, e,
nessa manifestação de agradecimento, emoções na fé. A fé atinge o intelecto
e contagia as nossas emoções, e não só as nossas, mas as de quem está ao
nosso redor e que se envolve no clima espiritual em que se afoga
deliciosamente a nossa alma. Observe que, quando o povo viu o milagre
realizado na vida de Bartimeu, alegrou-se grandemente, e explodiu em
seguida numa fervente adoração a Deus. Fé provoca emoções.

Emaús: Palavra gera emoções

Encontramos outro exemplo bíblico lá no caminho de Emaús:

E eis que, no mesmo dia, iam dois deles para uma aldeia que distava de
Jerusalém sessenta estádios, cujo nome era Emaús. E iam falando entre si
de tudo aquilo que havia sucedido. E aconteceu que, indo eles falando
entre si e fazendo perguntas um ao outro, o mesmo Jesus se aproximou e ia
com eles. Mas os olhos deles estavam como que fechados, para que o não
conhecessem. E ele lhes disse: Que palavras são essas que, caminhando,
trocais entre vós e por que estais tristes? E, respondendo um, cujo nome era
Cleopas, disse-lhe: Es tu só peregrino em Jerusalém e não sabes as coisas
que nela têm sucedido nestes dias? E ele lhes perguntou: Quais? E eles lhe
disseram: As que dizem respeito a Jesus, o Nazareno, que foi um profeta
poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo; e como os
principais dos sacerdotes e os nossos príncipes o entregaram à condenação
de morte e o crucificaram. E nós esperávamos que fosse ele o que remisse
Israel [...] E ele lhes disse: Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o
que os profetas disseram! Porventura, não convinha que o Cristo padecesse
essas coisas e entrasse na sua glória? E, começando por Moisés e por todos
os profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras. E
chegaram à aldeia para onde iam, e ele fez como quem ia para mais longe. E
eles o constrangeram, dizendo: Fica conosco, porque já é tarde, e já declinou
o dia. E entrou para ficar com eles. E aconteceu que, estando com eles à
mesa, tomando o pão, o abençoou e partiu-o e lho deu. Abriram-se-lhes,
então, os olhos, e o conheceram, e ele desapareceu-lhes. E disseram um
para o outro: Porventura, não ardia em nós o nosso coração quando, pelo
caminho, nos falava e nos abria as Escrituras? (Lc 24.13-21a,25-32).

Dois discípulos de Jesus permitiram que a esperança sumisse de seus


corações na morte do Mestre. Nem mesmo a notícia de sua ressurreição foi
suficiente para levá-los de volta ao clima da fé. Eles não deram crédito à
•ft .ftt/trj

Hulk ia. Seus corações perderam o fervor inicial que os inundara ao abraçarem
4 lé cm Jesus. A única coisa que restara do passado era a lembrança: “Nós
Hjwrávamos...” Não esperavam mais? Talvez não. A esperança certamente
liiM confinada ao passado. A fé deles sucumbira.
Foi quando o ambiente interior deles estava assim, em completa
ili>M>lução provocada pela incredulidade, pelo ceticismo que expulsara a fé
ik icus corações, que Jesus se aproximou deles. A primeira atitude do Mestre
lul questionar as razões pelas quais eles estavam tão entristecidos. A partir
iUl, eles, sem reconhecer o Mestre, contam-lhe os porquês, desabafam. Jesus,
»lllilo, após ouvi-los, repreende a falta de fé deles e expõe-lhes a Palavra de
I hui». Quando, por fim, reconhecem o Mestre e este desaparece, isto já em
I liirilis, eles comentam: “Oh, como ardia nosso coração quando Ele nos
• «punha as Escrituras!” Quando Ele falava, a chama que estava morta,
-qmgiida, reacendeu! Sim, aquele fervor espiritual!
1'rrccba que o fervor voltou porque a fé tomara os corações deles de
niivi» pela Palavra. A fé vem pelo ouvir, e ouvir a Palavra de Deus (Rm
10,17). A fé produzida pela Palavra gerou emoções. Fé gera emoções.

Não há sentimento mau em si mesmo, mas, sim, sentimento


MAL DIRECIONADO
( aimpreendidas essas conclusões, vamos à segunda pergunta da série
• melada no capítulo anterior: Quando minhas emoções podem ser
i thidunáveis com a minha fé?
Alguém poderia dizer que a pergunta certa a ser formulada não seria
• «*rt> mas sim: “Quais os sentimentos que não discordam do ponto de vista
dalé?" Ao tentar responder a essa pergunta, percebi que não é essa idéia que
tkvrmos ter de emoções.
Ames pensei que a solução dessa questão seria facilmente encontrada a
(HI ill do momento em que descrevéssemos e debulhássemos as características
il» i ada emoção em particular, jogando umas, no fim, para o lado, como
miuçoes desnecessárias, que atrapalham e que resultam do pecado, e
mim ando as outras restantes no lugar de honra da alma, enobrecendo-as.
• unindo, ao tentar fazer isso, descobri, repentinamente, que todas as
• lili »«, < tes, mesmo as aparentes e espiritualmente patológicas, são, na verdade,
MHIlhncntos normais, congênitos, naturais, que são necessários ao coração,
iiih» que tomaram rumos anormais, que estão desnaturalizados, no lugar

• liado, desnorteados — por isso mudei o estilo da pergunta.


< > pecado não criou novos e errados sentimentos na alma do ser humano,
tuts sininlesmente. nrovocon desordem sentimental, desc.analiz.on os
Reflexões sobre a •rUmn e o Jémfto

sentimentos, deu novas e erradas direções às emoções. Não existem emoçõ


diferentes na vida do nascido de novo. Existem emoções redirecionadas pa
seus respectivos e acertados alvos, após o coração aceitar a vontade de Dei
Por isso optei por: “Quando minhas emoções são coadunáveis com a fé?”
O ódio, por exemplo, é um sentimento normal do coração, mas qu
pelo pecado, tomou rumos errados. Ódio não é um sentimento mau em
mesmo. Odiar não é pecado. Esse sentimento deve existir, mas não e
relação a Deus, aos outros semelhantes, à natureza, à vida. Ele deve exist
em relação ao pecado, ao mal, ao diabo e suas hostes.
Ora, isso é a pura definição do pecar. Pecar, tanto no grego como n
hebraico, significa “errar o alvo”. Quando eu peco, isso significa dizer qi
tomei rumos adversos à vontade de Deus. Se Deus nos criou com
capacidade de odiarmos, isso não significa dizer que o ódio é um sentiment
pecaminoso, claro. O ódio existe para um fim. Todos os sentimentos possíve
na alma têm um fim, um objetivo, um alvo. Eles não são pecaminosos et
si mesmos.
Vejamos esse princípio com um sentimento normalmente tido com
bom: amor. Mesmo esse belo sentimento pode ser deturpado. Se Deus n<
criou com a capacidade de amarmos, amar, evidentemente, não é pecadc
Porém, e eu quero que você note isto, o amor pode tornar-se pecado quand
toma direções erradas.
Quando começo a amar o pecado, amar o mundo, amar coisas qi
desagradam a Deus, estou pecando. O amor transforma-se et
concupiscência. O sentimento chamado amor, nesse caso, foi pervertidt
Da mesma forma, se Deus nos criou com a capacidade de odiarmos, es:
sentimento em si mesmo não é pecado, mas se torna pecado quando exist
em relação a coisas que deveriam ser, pelo contrário, amadas, prezada
valorizadas.
Seria bom darmos outros exemplos sobre esse princípio bíblico sem n<
referirmos a emoções, para esclarecermos bem o que queremos dizer e, log
em seguida, voltaremos ao assunto.
Um exemplo seria o sexo. Todos nós sabemos que sexo, em si, não
pecado. Se Deus nos criou com uma atração natural pelo sexo oposto, i
Deus nos deu a capacidade de nos relacionarmos sexualmente, sexo, em 1
mesmo, lógico, não é pecado. Quando então se torna pecado? Quando
foge dos parâmetros divinos preestabelecidos por Deus. Quando alguém
tem relações sexuais fora do casamento, está pecando. Quando alguém ter#
relações sexuais com outro que não seu cônjuge, que não é a pessoa con|
quem se casou, o sexo assim praticado é pecado. Quando alguém se relacionl
sexualmente com outro do mesmo sexo, clara e evidentemente está pecanda
,fa ''Rcduj 6

llU fugindo dos preceitos naturais estabelecidos por Deus. Pecado é


«Normalidade, incoerência, erro, desvio, desvario.
I lin outro exemplo: o matar, em si, não é pecado. Você já leu na Bíblia
I|U<* o rei Saul foi reprovado por Deus porque não matou? Então, por que se
Jgiiém mata, é dito sobre essa pessoa que ela está pecando? Porque o único
tri no cosmos que tem o direito de tirar a vida de alguém é Deus, porque
lol E lc quem nos criou e, além disso, só Ele não erra, só Ele é absolutamente
IHto nas suas decisões, e Ele disse, na sua Palavra, que não se pode matar,
do é, Ele, que tem esse direito e o exerce com justiça, e que pode concedê-
II a quem quiser, não nos permite tal coisa. Saul podia matar naquele
momento porque Deus lhe dera o direito e o dever de assim fazer naquela
in iinião. Naquele instante, o não matar é que seria pecado. Logo, porque
Hln matou, Saul pecou.
Pecar é fugir de uma direção apontada por Deus para nós, é estar na
llimramão de Deus, é desobediência, é agirmos como o profeta Jonas:
|H'gtirmos a direção de “Társis”, e não a orientação de Deus para nós que é,
|ioi vezes, uma indesejável “Nínive”.
Voltemos às emoções.
() medo em si não é pecado. Devemos ter medo, mas não de Deus, não
tio diabo, não dos nossos inimigos. Nós devemos ter medo de pecar e, mais
«Imla, pavor, ao pé da letra, de pecar e não nos arrependermos dos nossos
Miados.
E demasiadamente significativo, para melhor compreensão nossa,
diferenciarmos o medo de outras reações parecidas, mas não completamente
liknticas. São elas a fobia e a covardia. Por que são diferentes? Eis a resposta:
Uai são iguais em termos de sensações, no entanto, as motivações são
diferentes. Uma pessoa tem medo quando reage com fuga depois da
jierccpção de um perigo real. A fobia, ao contrário, sempre é decorrência de
llina falsa percepção de perigo. A sensação é a mesma, mas o significado, a
ia/üo de sua existência, o seu motivo, difere do da outra.
() indivíduo fóbico é aquele que reage com fuga diante de um perigo
lirral, imaginário, inexistente. A fobia é um medo mórbido, uma neurose.
(> hidrofóbico, por exemplo, é aquele que entra em pânico dentro de uma
|iIm ina, ainda que esta seja rasa, ou não toma banho com a torneira do
i Imvciro bem aberta, porque a pressão da água, ainda que inócua, causa-lhe
MUinações terríveis. Ele imagina que, de alguma forma, corre risco de morrer
ilfogado. Temos ainda como exemplos os claustrofóbicos, os fotofóbicos e
muitos outros.
A história está repleta de personagens ilustres que eram fóbicos. Erasmo
«iliuva que lentilhas lhe faziam mal e só de olhar um prato delas era
Reflexões sobre o ,^Um« e o Jim/x*

acometido de febre. O rei James II ficava apavorado ao ver uma espada. <
filósofo Hobbes não conseguia dormir no escuro, pois, se teimava fazê-1
era atacado por tremendas crises angustiantes. O erudito francês Pierre Bay
não podia ver uma torneira aberta, porque pensava que a casa seria inundar
e não podia imaginar os resultados disso. Júlio César liderava grand
aventuras guerreiras, mas desfalecia ao ser envolvido pela multidão inofensn
e que em muitas oportunidades o ovacionava. Esses são alguns dos inúmerc
casos célebres de fobia na História.
E a covardia? A covardia é um medo exagerado diante de um perigo rea
mas superável. O medo faz-nos correr, põe-nos em fuga, mas para escaparmr
do mal real e impossível de ser superado. A covardia ou nos paralisa ou nc
faz correr da possibilidade de vencermos.
Quando eu digo que ter medo é saudável, eu não me refiro nem à covardi
nem à fobias, mas ao medo puro. Covardia e fobias são alguma
manifestações de um sentimento mal direcionado (no caso, a sensação d
medo). É sentir medo do que não é motivo para medo.
É importante destacarmos aqui, já que falamos de medo, o fato de qu
deve existir temor no nosso relacionamento com Deus. Não é pavor, ma
amor. Não é medo, mas respeito. Não é libertinagem, é intimidade. Não
indiferença ou fuga, mas temor, compromisso, apreço, consideração acim
de qualquer outra que se possa ter. “Antes importa obedecer a Deus do qu
aos homens”.
Temor e medo não são a mesma coisa no contexto bíblico. Ninguém pod
se relacionar com Deus por causa do medo. A base do nosso relacionàment
com Ele é o amor. O temor a Deus é algo que é provocado pelo amor a Deu
O temor a Deus não é um medo total, não é um pingo de medo miscigenad
com uma dose forte de afeto, ou seja, misturado com o amor.
O medo, propriamente dito, faz-nos fugir. O amor faz-nos aproxima
porque, nesse caso, pela presença do amor, o medo reage afastando-se
dando lugar ao apreço, à adoração, à veneração. O amor e o medo nã<
podem viver em concubinato no relacionamento com Deus. “O amor lanç
fora o medo” (1 Jo 4.18). O amor, lança mão da adoração. Aliás, de acord<
com os estudiosos no assunto, etimologicamente, o termo traduzido na
Escrituras como temor tem uma conotação de adoração.
O medo deve existir na vida cristã apenas naquela relação já referida entr
o crente e o pecar e o não se arrepender do pecar. Enfim, a base do noss<
relacionamento com Deus deve ser o amor, e a base do nosso relacionamentí
com o pecado deve ser o ódio e o medo. Quantas pessoas que
lamentavelmente, fazem o inverso: amam o pecado e têm medo de Deus!
Fora da vida cristã, na vida cotidiana, o medo só serve para os desafios e
mesmo assim, sem existir preponderância. Você deve se lembrar que, quand
•ft éntcçnfà

hlci no primeiro capítulo da batalha entre as emoções e citava a batalha


fühtcnte entre a coragem e o medo, afirmei ser o medo necessário, exceto
Vlll alguns casos. Eis aqui um deles: na comunhão com Deus e no serviço
40 Senhor, “porque Deus não nos deu um espírito medroso, mas de fortaleza”.
1*1114 desses aspectos, o medo deve existir na relação já repetida no fim do
llllímo parágrafo e na vida cotidiana, e, nesse último caso, nunca mais do
i|lir a coragem, porque essa proporção equilibrada gera o equilíbrio.
Para fechar a lista, a tristeza, pesar ou angústia, também não é um
Wllliinento pecaminoso em si mesmo. O apóstolo Paulo escreveu em uma
ilr nuas epístolas que a tristeza do mundo leva à morte, mas a tristeza
lirmnovida pelo arrependimento, operada por Deus, leva à vida (2 Co 7.10).
I ha , nós sabemos que quem produz o arrependimento num coração é a
IçAo inconfundível do Espírito Santo, pois é Ele que convence o ser humano
lio pecado, da justiça e do juízo. Nós devemos sentir tristeza, mas em relação
I» nossas faltas, aos nossos erros. Devemos permitir que o Espírito Santo
lli» quebrante, faça-nos sentir a intensidade e miséria dos nossos pecados,
laça-nos sentir a nossa falência espiritual sem Deus e, assim, aproximar-
lli» cnios da vida, da alegria incomparável da salvação. Essa manifestação
ilr Il isteza é a ante-sala da verdadeira felicidade. A minha indiferença diante
ilo meu pecado é pecado.

Medo, tristeza e ópio


Sobre todo este comentário acerca das emoções, alguém ainda poderia
irmeter uma objeção: “Antes da queda do homem, antes da entrada do
pinado no Universo, não existiam, em nenhum aspecto da vida humana, o
ihlio, a tristeza e o medo, e, quando entrarmos no Céu, não existirá qualquer
lllli destes em nenhum aspecto da nossa existência no Céu”.
I lina explicação simplista seria usar como exemplo e axioma a questão
ilu sofrimento. Ora, o ser humano antes do pecado não sofria. O
Miírimento é conseqüência do pecado, mas os santos, aqueles que aceitaram
|i'Mis c que vivem conforme a vontade de Deus, sofrem mesmo assim e,
IlIlUlido entrarem no Céu, não sofrerão mais. Porque sofrem não deixam
ilr ser santos. O ser humano, antes do pecado, também não tinha medo,
lli'in ódio, nem sentia tristeza por seus pecados, até porque não havia
pri ado para que clamasse arrependido por indulgência, mas hoje, ainda
i|lir seja santo, é dotado da capacidade de odiar, entristece-se e tem medo,
•* nem por isso deixa de ser santo.
Acho mais coerente a seguinte explicação: desde o Éden, o homem já
linha a capacidade de odiar, de entristecer-se e de ter medo, mas nada disso
»ia manifesto, porque o ser humano não tinha nas adjacências algo que
Reflexões sobre a .-Umn e o Jrmfx>

fosse alvo do ódio, do medo ou da tristeza. Após o pecado, abriu-se ess


perspectiva e esses sentimentos entraram em ação.
Satanás, desejoso de acabar com a imagem de Deus, a fim de encharca
a vida humana com propostas pecaminosas e através de influências diretas
deturpou as direções corretas desses sentimentos e de outros. O ser human
passou então a odiar e amar o que não devia e a ter medode coisas que nã
deveríam ser foco de atenção do medo.
Entretanto, quando Deus entra em uma vida, esta começa a ter os seu
sentimentos redirecionados, o que já enfatizamos. Quando essa vida salví
por Cristo entrar no Céu, não terá em sua volta, como no Éden, um motiví
para odiar, entristecer-se ou ter medo, e isso não significará que a capacidadi
de odiar, de entristecer-se e ter medo são impuras. Lá no Céu, ela
continuarão a existir na vida salva, mas não entrarão em ação porque nã<
terão diante de si algo que as instigue a isso. Na presença eterna de Deus
elas não farão mais sentido, não precisarão ser acionadas - estaremos cercado
de amor e segurança eternos.
Deus, por exemplo, pela sua própria e eterna constituição, nunca deixoi
de abominar a impureza, mas esse sentimento de ojeriza divina só fo
percebido quando o mal se manifestou. Os anjos só passaram a conhecer i
ira divina quando esta se manifestou pela primeira vez diante deles n<
julgamento divino que ocasionou a decadência de Lúcifer e de seu
cúmplices; e nem por isso Deus deixou de ser santo. Muito pelo contrário
Ele demonstrou sua santidade através de sua ira. Assim, o cristão_genuín<
odeia, entristece-se e tem medo, mas nas relações já descritas no'nossi
comentário, se não, não será um cristão.
Concluindo essa ponderação, diriamos que, quando o Espírito Santi
entra em nossa vida, nossas emoções são santificadas^ e aqui me refiro ;
serem assim direcionadas novamente para os alvos certos, que são o
estabelecidos por Deus. Quando isso ocorre, não há possibilidade, inclusive
de elas se chocarem umas com as outras, porque cada uma cumprirá o sei
papel. __ _____
As nossas emoções são coadunáveis à vontade de Deus quando toda
elas existem nos seus devidos lugareSÇ"^
EMOÇÕES NA
PRÉDICA E NA PRECE

onscientizados de quando nossas emoções são coadunáveis


ou não com a vontade de Deus, vamos à terceira pergunta:
“Há conciliação entre fé e emoções na vida cristã prática?”
A vida cristã prática pode ser definida em pregação,
oração, louvor e testemunho, ou seja, vida pessoal. Sem nos
esquecermos que, ao tocar nestes pontos, inseriremos um
pouco de razão na fé.
Analisemos cada aspecto da praticidade cristã.

Fé e emoções na pregação
A pregação é algo que deve ser feito sempre sob o prisma
da união perfeita de fé com emoções. Imagine uma pregação
cheia de emoção, mas sem um bom conteúdo bíblico. E uma
pregação sem eficiência, uma mensagem que, ainda que
alcance algum resultado, não é consistente.
Agora imagine o oposto. Pense numa pregação com bom
conteúdo doutrinário, mas sem alma, feita sem participação
do coração. É uma mensagem fria, igualmente ineficiente,
não terá muitos resultados. Uma mensagem cheia de
intelectualidade apenas atinge a mente, mas uma mensagem
dada de coração atinge o coração.
Devemos atingir, na ministração da Palavra, mente e
coração de nossos ouvintes. Se a mensagem é bíblica, é um
pouco eficiente; mas se é bíblica e com coração, é super
eficiente. A pregação ideal é aquela na qual vemos o conúbio
entre a fé expressa com a razão e as emoções. Esse é o ponto
de equilíbrio.
É importante aqui citarmos uma das discussões bem
concorridas quando se vai falar de mensagem e quando os
que vão falar sobre esse assunto são pessoas de linhas
Reflexões sobre o .dlma e o Jtmfiv 1
evangélicas divergentes, ou seja, um é pentecostal e o outro é uH
denominacional ou um pentecostal mais retraído. “Pode-se falar em língul
estranhas em meio à ministração da Palavra ou não?” Tudo é respondidl
quando analisamos os casos sob a ótica equilibrante da fé expressa coii
razão e emoções. I
Antes de tudo, devo saber que quem concede as línguas estranhas é I
Espírito Santo; mas, por outro lado, quem fala em línguas é a própria pessoJ
não é o Espírito Santo que fala em sua boca. Logo, posso compreenda
facilmente por que o apóstolo Paulo afirmou que o espírito é sujeito al
profeta. Ele se refere ao meu espírito, ao espírito humano, pois, se fizessi
menção ao Espírito Santo, certamente não poderia dizer isso. O Espíritl
Santo é soberano.
Paulo também nos afirma que quem fala em línguas edifica a si mesmd
Porém, alguém pode objetar: “Mas eu me alegro muito quando vejo uml
pessoa falando em línguas”. Claro, o homem espiritual tem como uma dl
suas características principais o fato de alegrar-se com os que se alegrara
(Rm 12.15a). Quando eu vejo e percebo uma pessoa cheia de Deus, quf
fala em línguas concedidas pelo Espírito Santo, alegrando-se, sendo edificada
isso produz uma alegria tremenda em mim. Só alguém insensível é que não
se alegra com isso. Uma pessoa plenamente natural ou carnal vai achai
exagero ou, dependendo do que presencia, loucura.
Paulo refere-se, em 1 Coríntios 14.5, ao fato de que, se quero edificai
alguém, ou seja, se desejo que ele não simplesmente se alegre com a minhi
edificação mas sinta também o que eu sinto, seja edificado como eu sóu erí
outras palavras, se quero ser eficiente, devo dar ênfase à Palavra.
Se quero que a minha comunidade perceba e sinta o que percebo e sinto|
devo passar para ela tudo o que Deus me transmite, e isso é feito pels
ministração da Palavra. “A boca fala do que o coração está cheio”, signified
dizer também que a verbalização é o melhor método para traduzir para ol
outros o que recebo ou sinto.
O melhor meio de se passar o que se recebe internamente é através da fala
Paulo não diz que eu não posso em algum momento deixar escapar alguma:
palavras estranhas. Eu não vou me segurar quando elas vierem, mas o que c
apóstolo quer transmitir é que eu não devo também ficar só falando em língua:
ou falando mais línguas do que pregando a Palavra, nem muito menos usá-la:
como meio de despertar emoções nos meus ouvintes, o que é erradíssimo
Quando elas vierem espontaneamente, sem forçar, posso até falá-las, mas isse
deve ser um momento fugaz da pregação e só.
Devo conter-me porque a ênfase concentra-se na Palavra em qualquei
circunstância e, no caso de ela ser ministrada ao pecador, que não sabe <
$mnfãts na .Urdira r na .‘Rrrt

»|uc é batismo no Espírito Santo e dons espirituais, as palavras estranhas


devem ser evitadas totalmente. Quem não observa isso pode até afirmar
une mesmo sem obedecer a essa regra é bem-sucedido em muitos aspectos
dr seu ministério, mas, se realmente quiser ser mais eficiente ainda, deve
observar essa regra.
Quando falo em línguas falo com Deus; quando prego, Deus fala por
inim ao povo, e todos são edificados. Devemos todos, sem exceção, ter essas
coisas resolvidas na nossa mente. As divergências, as meninices e os exageros
dr quem prega e de quem critica quem prega seriam evitados.

Fé e emoções no culto cristão


(ionsidero importante gastar alguns poucos parágrafos para falar sobre o
vulto cristão, pois o assunto das línguas estranhas suscita isso. Logo em
tfguida, refletirei com você sobre as emoções na prédica.
O modelo do culto cristão está definido em 1 Coríntios 14.26:

Que fareis, pois, irmãos? Quando vos ajuntais, cada um de vós tem
salmo, tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se
tudo para edificação.

O culto tem louvor, pregação e revelações de Deus, além de outras


manifestações como as línguas estranhas e suas possíveis interpretações. Esse
<* <> paradigma de um culto bíblico. Agora, existem algumas diferenças entre
um culto público e um culto de portas fechadas, distinção feita pelas
Escrituras.
Em uma reunião de portas cerradas, as línguas estranhas podem ser
ouvidas em alto e bom som, contanto que não aconteçam desordens, e,
i mno já falei, o pregador pode até, em meio à prédica, não se privar de falar
nlgumas espontâneas e fortuitas palavras estranhas. O ambiente é favorável
nesse sentido.
Em um culto público, a coisa muda. Paulo diz que se alguém altear a sua
voz cm palavras estranhas, que haja intérprete (ou que sejam sucedidas pela
profecia, acrescentaria), mas, se não, “que esteja calado na igreja e fale consigo
mesmo, e com Deus” (1 Co 14.28). Perceba que o apóstolo não proibiu o
Itilar cm línguas num culto público. Note o que ele disse no versículo 39 do
mesmo capítulo: “Não proibais [...] línguas”. Além disso, o que disse
rxpressamente no versículo 26, já citado e comentado, é que um culto tem,
|m lusive, línguas estranhas. Contudo, o que ele acrescenta agora é que, em
caso de o culto ser público, as línguas devem ser faladas “consigo mesmo e
com Deus”, não em alto som, a não ser, repito, que sejam seguidas de
Interpretação.
Reflexões sobre o .díma e o Jtmho

O motivo está descrito nos vercículos 23, 24 e 25 do mesmo capítulo.


Paulo coibia os exageros e descabimentos.
Muitas pessoas olvidam o “consigo mesmo e com Deus” e reprimem att
os burburinhos inevitáveis num culto abençoado. Deve existir emoção ni
reunião pública de adoração a Deus, línguas, etc., assim como deve haver
controle das mesmas e coibição de exaltações, por causa dos visitantes
incrédulos. Outra coisa: não há exceções para glorificação a Deus. Se em
um culto público devo conter as línguas estranhas, por outro lado, posso
em todo e qualquer culto abrir os meus lábios para glorificar a Deus; se não,
não é culto.
Porém, se Deus derramar um poder sem precedentes e o povo não se
conter e irromper em línguas estranhas? Ou se num culto público Jesus
começar a batizar com Espírito Santo?
Deus é soberano. Ele faz como quer, quando quer e onde desejar. Quem
somos nós para limitarmos a Deus? Por outro lado, podemos ter barulho
em nossos cultos, mas não desordem. Uma coisa é desordem, outra é barulho.
Há determinados tipos de barulho que são inaceitáveis, mas um barulho de
choro na presença de Deus, de glorificação e de línguas, é um barulho santo
e gostoso. Medite nas palavras do pastor Lewi Pethrus, in memoriam, do
seu livro Vinden Blaser Vart Den Vill, publicado no Brasil em 1982 com o
título O vento sopra onde quer.

É claro que a pessoa que experimenta uma coisa tão gloriosa como a
salvação em Cristo deve também sentir essa salvação. Muitas vezes ficamos
influenciados por coisas que são menos importantes na nossa vida. Não se
critica uma pessoa que se emociona ao ver numa bela manhã o Sol nascer,
ao contemplar as folhas molhadas do orvalho e ao ouvir o cântico dos pássaros
nas árvores do bosque. Ninguém censura essa pessoa por emocionar-se. E a
pessoa sensível não pode deixar de comover-se: ninguém acha que isso a
prejudica, pelo contrário, é uma ajuda à sua inspiração. Se alguém se
emociona pela música ou pela poesia, também não é criticado; pelo contrário,
sabe-se que os que têm dotes para as artes demonstram freqüentemente
fortes sentimentos e emoções. Os músicos, os cantores, os poetas têm dentro
de si forças que influenciam os seus sentimentos. A inspiração desses artistas
é profundamente tocante e demonstrada a nós nas obras que produzem. Se
o artista não der lugar aos seus sentimentos, não pode produzir grandes
obras.
Essas pessoas têm todo o direito de demonstrarem o que sentem nessas
oportunidades, o que lhes produz inspiração, e ninguém reclama disso.
Multidões vão ao teatro, e a arte de representar é muito louvada, ainda nos
nossos dias. Quando as pessoas se pintam, ou põem barba falsa, ou vestem-
se com roupas de disfarces, imitando personagens, tudo é considerado certo i
frmoçcf* na tftidica r na .iflw

c digno de admiração. As pessoas que assistem às peças teatrais também se


emocionam e ninguém as critica. Pensemos como gritam os assistentes e
convulsionam-se nos campos de futebol, e todos acham coisa natural. Por
que, então, censurar as emoções dos crentes quando se alegram, não com
coisas terrenas, mas com as celestiais? [...] É erro aceitar que o mundo tenha
o direito de expressar seus sentimentos e os cristãos verdadeiros não o tenham
|...J Um culto cristão é uma oportunidade de as pessoas se encontrarem
com o seu Deus, com a possibilidade de expressarem, de forma natural e
espontânea, a sua experiência cristã, do mesmo modo que, em outras
ocasiões, expressam o que querem, o que pensam, o que sentem.

Um pouco mais de prédica


Retornando aos sentimentos na homilia, pensemos em outras coisas que
parecem pequenas, mas que, infelizmente, ainda vemos gerar questionamentos
llti mente de muitos. “Será que o pregador exagera quando, de repente, no
tlicio da pregação ele começa a dar uns pulinhos ou aumentar a tonalidade da
vo/? Será que não posso permitir que as lágrimas rolem no meu rosto, uns
pulos sejam dados, a voz seja alteada em algum momento da pregação? Será
que não posso externar minha emoção do momento assim?”
Talvez as perguntas não sejam elaboradas dessa maneira, mas o assunto
rm pauta é o mesmo. “Como posso aceitar tal comportamento no púlpito?
('.nino emocionalismo qu não? Não seriam excessos? Seria prudente aceitar
luis ações?”
As três perguntas elaboradas no penúltimo parágrafo parecem ser feitas
por um pentecostal “picante”, as quatro últimas por um pentecostal
'tradicional”. O mesmo princípio usado no caso das línguas estranhas pode
»rr utilizado como solução para esse problema. Compreensão do equilíbrio
que deve existir entre fé expressa com razão e emoções nos leva a um ponto
conciliador nesse caso também.
Não devo sentir-me preso, amarrado, demasiadamente preocupado com
regras de etiqueta na pregação. Devo-me sentir solto, livre, à vontade,
mpontâneo, contanto que não seja exagerado. Deve haver emoção na
pregação, mas emoção equilibrada, não hiperbólica, descabida. Se as lágrimas
viciem, não vou contê-las. Deixarei banharem o meu rosto, mas fazendo
min que o recado de Deus seja dado todo. Não ficarei só chorando lá na
Irrnte. Ainda que em lágrimas do começo até o fim, mas entregarei o recado
«Ir I )eus todo, a não ser que o próprio Deus me faça sentir que devo parar.
< 'trio que, se me sentir cheio do Espírito Santo, posso até chegar a me
primitir dar uns pulinhos em algum momento da pregação; contudo, não
ilrvo lazer do púlpito constantemente mola para os meus pés. Posso altear a
minha voz quando tomado por uma instigação forte do Espírito Santo em
Reflexões sobre a .ritma e o Jtmfat

minha vida, porém não devo gritar ou apenas falar alto, porque deixarei de
agir com decência e ordem.
Não me refiro ao ritmo da mensagem, mas a como usar a altura da voz.
Quanto ao ritmo, posso pregar em uma ótima altura de voz e ser monótono
se eu falar com muitas pausas, assim como posso pregar rápido demais
embora fale bem em termos de altura de voz, e ser considerado por isso
monótono também.
Quando falo alto do começo até o fim da prédica, às vezes passo para o
público uma idéia de nervosismo; talvez demonstre ter esquecido algo que
transmitiría; por isso falar em alto som partes da mensagem que não precisam
muito ser enfatizadas; posso dar a impressão de que me falta unção; ou
posso ainda ser inconveniente, se falo dessa maneira num salão pequeno e
assistido por um bom aparelho de som.
Há momentos em que é possível manter uma altura de voz
consideravelmente alta (ou mesmo gritar momentaneamente, no caso de
estar numa reunião ao ar livre, por exemplo) durante a pregação e enfatizar
bem o que sinto. Depende do momento e do ambiente. Existem, por
outro lado, situações em que não dá para fazer isso. Devo controlar-me e
não serei frio, “bombeiro”, “geladeira” ou “freezer" espiritual agindo dessa
forma nesses momentos específicos. Pelo contrário, serei decente, prudente
e espiritual.
Concluídos esses esclarecimentos, vamos à oração.

Fé e emoções na oração
A oração deve ser vista como uma ocupação que deve ser encharcada de
emoção. Isso está bem definido na Palavra de Deus: “Buscar-me-eis e me
achareis quando me buscardes de todo o vosso coração” (Jr 29.13).
A oração só é eficiente quando, inclusive, é feita com profundidade. Já
disse William Booth ser melhor um coração sem palavras do que palavras
sem um coração. Todos nós, particularmente, reconhecemos que a melhor
prece é a de lágrimas. Não desejo afirmar que se você não chorou na
oração, isso significa que Deus não o ouviu. Nem todos os momentos de
oração são úmidos, nem sempre são marcados por lágrimas. O que digo é
que esses momentos sempre devem ser permeados de sentimento, de
sinceridade, de honestidade, do melhor de mim. Devem ser vistos como
um escancaramento de coração. Inclusive, se procurarmos agir assim,
quando em oração, nessa perspectiva do “escancaramento-ainda-que-sem-
lágrimas”, dando sempre o melhor, orando com todas as forças do ser,
quase sempre encontraremos lágrimas nesses momentos, elas serão mais
freqüentes.
na .‘Rrdica r na .‘fito

As lágrimas, nós sabemos, são curiosamente amargas, mas produzem


doçura na oração. Não só doçura para nós, mas para Deus. As nossas lágrimas
»4o valiosas para Ele. Quando a oração é feita de coração, isso significa dizer
que, com certeza, atingiu o coração de Deus.
O LOUVOR
E O ANDAR CRISTÃOS

c antar é bem diferente de louvar. Isso já foi dito várias vezes


por muitas pessoas. Porém, é bom repetir. Muitos ainda
continuam cantando sem louvar.
Cantar é emitir sons através do nosso aparelho fonador e
que alcancem uma certa harmonia, tendo melodia e letra.
Louvar é mais que isso. Não é só cantar.
Louvar é adorar, é convidar o coração para participar desse
momento, é saborear a letra intensamente no clima de sua
melodia, é cantar para Deus, pensando nEle ou em coisas
relacionadas a Ele e sua causa. É também xantar com
espiritualidade, ou seja, com o espírito. Deus não recebe
cânticos; Ele recebe louvores, \Ele só recebe adoração. Deus
habita no meio dos louvores (SI 22.3).
Hoje em dia, observamos uma mudança estapafúrdia no
conceito de louvor. Contemplamos músicas extremamente
alucinantes se infiltrarem lentamente em muitas igrejas no
Brasil e no mundo. São esses estilos demúsic^metos normais
para se adorar a Deusij Os que defendem essa categoria de
músicas ditas evangélicas afirmam que, se Deus é o criador
da música, devemos usá-la em todas as suas manifestações e
estilos para glorificação do nome do Senhor. Será que estão
certas tais idéias sobre o assunto?
Penso, particularmente, que não. Cogito que essas pessoas
estão esquecidas de que, conquanto Deus tenha feito a música,
Satanás gosta .de.usá-la para os seus destrutivos propósitos.
Ele está (é o que aparenta) pegando a música, diversificando
seus estilos paulatinamente, através dos anns, para chegar a
alguns outros estilos que não conseguem promover estímulos
bons para o coração, mas que fomentam consideravelmente
a carne e despertam desejos e apetites que deveriam estar
Reflexões sobre o .d/mn e o drmfm

sepultados, para que, disfarçados com letras bíblicas, essas músicas tenham
êxito, isto é, possam enganar os incautos, apanhando-os em sua rede.
Ç O estilo gospel hard rock, por exemplo, não estimula a santidade, nã
^acorda sentimentos puros no nosso coração. Sejamos taxativos: não há, nem
/pode haver, conciliação entre o hard rock e o culto bíblico.
Pensemos mais um pouco sobre o assunto. Vejamos o caso por outro ângulo
O que é uma música? De que é constituída?
A música é composta de ritmo, melodia e harmonia. Sem essa formação
não há música. Alguns afirmam ser o ritmo o único elemento da músiq
que, sozinho, pode ser considerado música; todavia, música mesmo, se quise
ser completa, perfeita, ideal, tem de ter, obrigatoriamente, esses elementos
Pode haver sons, palavras, mas não música. Música tem de ter melodia
ritmo e harmonia.
Vejo nessa formação algo que pode ser facilmente associado à noss;
natureza. O ritmo estaria mais relacionado ao corpo, e a melodia e harmonia
à alma. A letra, quando é exposta e analisada sob uma meditação profunda
fala à alma, e também ao espírito, quando Palavra de Deus (Hb 4.12).
Entendido isso, perguntemos: Temos visto, hoje, uma ôpfase maior n;
letra, na harmonia, na melodia ou no ritmo? Parece que posso ouvir su;
resposta no íntimo - “No ritmo!” Pois aí é que reside o perigo. A noss;
ênfase deve ser na. letra - na Palavra, no caso. Depois, sem falta, na melodi;
e harmonia, logo em seguida, no ritmo. Será que você não tem visto ess,
roteiro ser seguido à risca ao inverso, de cabeça para baixo? Claro. Por quê
Porque quem o está seguindo dessa forma é bem provável que esteja di
cabeça para baixo, espiritualmente falando (desculpe se parece pesado, maj
seria a única explicação). Precisam ser aprumados pelo Espírito Santo.
Uns, mais espertos, têm posto uma letra escrituristicamente razoável;
entretanto, ainda com uma extravagância no ritmo. Estes gostam de começar
seus argumentos pela letra: “Não é bíblica? Por que não usá-la nas igrejas?”
Contudo, ao reportarmo-nos ao ritmo acentuado, eles respondem
ironicamente: “Temos de adorar a Deus com todos os ritmos!” - como que
a dizer - “Podemos louvar a Deus de qualquer jeito'” Não se louva a Deus
“de qualquer jeito”! Uma grande prova disso está quando se executa em um
culto as músicas deles.
Sejamos honestos com nós mesmos: é possível ter um clima de adoração
forte e genuíno, 09 íntimo, com um hard rockl
i
Equilíbrio
Uma observação a ser feita: não existe no mundo um estilo de música
unicamente evangélico. Existem estilos musicais que podem ser usados para
0 ( o ^hu/tn ((iMâm

Hlória de Deus ou não, assim como existem estilos que não podem ser usados
pura o louvor a Deus, pois têm um caráter definidamente doentio, insano.
Mo esses que devem ser veementemente evitados.
I.xistem ritmos que são mais acelerados que outros. Nada em
contraposição. Na igreja, devemos ter, concomitantemente, um clima de
qucbrantamento constante e um clima de celebração constante.. Deve haver
hinos inspirados que nos estimulem à humildade, ao serviço, à rendição e,
llmultaneamente, devem existir hinos inspirados que nos estimulem ao
júbilo, à alegria efusiva. Devem existir hinos com letra e ritmo alegres. Por
outro lado, existem músicas que o mais salientado nelas é o ritmo. Tudo na
música - letra, melodia, harmonia - entra em detrimento. Isso é erradíssimo!
Uma coisa é se ter um ritmo mais acelerado, uma música mais ritmada,
outra é enfatizar cxorbitantemente o ritmo.
Até as músicas de rock, no começo, não eram todas exageradas no ritmo.
(jim o passar do tempo, elas progrediram para esse barulho alucinante.
Minha crítica é a esses barulhos alucinantes.

Gospel, rock, hard rock...


Outra observação a ser feita é sobre o cenário à volta, o pano de
fundo. Falo do contexto cultural. Na África, as músicas são bem ritmadas e
o povo adora a Deus, de verdade, com aquele tipo de música. Está bem,
mas, qual é o nosso contexto? Observe o nosso pano de fundo. ,1
Estamos no Brasil. Sei que sofremos muita influência da África na nossa
cultura, mas será que conseguimos adorar a Deus perfeitamente como os
alt icanos fazem cantando as suas próprias músicas? Você há de convir comigo
que não dá. E questão de lógica. Não dá para louvar bem a Deus com aquele
citilo. Podemos até nos alegrar quando estivermos assistindo aos crentes
africanos louvando a Deus no seu próprio estilo, porque sabemos que fazem
aquilo de coração e é o estilo deles, mas importarmos este estilo para o Brasil,
para os nossos cultos, transformá-lo em parte normal da nossa liturgia, é algo
muitíssimo diferente. Compreendido isso, agora imagine o caso do hard rock.
Quando o rock surgiu, ele não era uma cultura de uma nação, embora
Iruha tido início em um lugar e tempo determinados. O que se constatou
loi uma parte rebelde de toda uma geração fazendo contra-cultura em todas
as naçõesi e ainda hoje vemos isso no progresso do rock. Se o que é cultura
<lc uma nação sofre restrições em alguns momentos e circunstâncias, por
prudência e lógica, imagine estilos como o rock, que surgiu recentemente e
mim contexto diabólico.
Quando o rock surgiu, sua música era até inócua. Ela se tornou ofensiva
por causa da cultura em que surgiu, isto é, das letras que carregava, da
Reflexões sobre a <^nui e o JJímfn

maneira como era cantada ou acompanhada com o corpo. Tudo isso era
fruto do grupo que tinha adotado esse novo estilo musical para o representar.
Suas letras e o grupo que a adotou, juntando a ela todos os seus costumes e
tendências, é que a tornavam ofensiva. Músicas preocupantes mesmo são
essas novas vertentes do rock, cada vez mais alucinantes.
f O rock derivou do gospel (é bom frisar que uso o termo gospel no sentido
clássico: estilos de música evangélica encetados pelos negros norte-
americanos); porém, quais os expoentes desse estilo? O que a chegada desse
estilo trouxe? Os resultados foram positivos? Qual seu pancude. fundo
psicossociológico? Será que você pode lembrar-se dessa palavra sem se
lembrar de drogas, libertinagem sexual, rebeldia, etc.? Não, claro que não.
Essa é a cultura do rock, o seu pano de fundo.
Por outro lado, o rock tem variantes que podem até ser aceitas. Há vários
tipos de rock. Muitos que criticam o rock aceitam algumas músicas evangélicas
atuais que eles nem sabem que tecnicamente são variantes do rock. Há vários
tipos de rock, uns leves, inocentes até, e outros escandalosos. A questão é:
Por que trazer para o âmbito do Evangelho esses visivelmente escandalosos?
São desenfreados, mundanos e despertam sentimentos de rebeldia, histeria
ou melancolia e depressão, e até apetites sexuais pervertidos e acentuados^
Despertam a carne. Não são sadios, indubitavelmente. Sejamos sinceros —
não servem à adoração a Deus.

Influenciando ou sendo influenciados?


Existe uma terceira observação: “Então, como evangelizaremos os
roqueiros* Por que não usar o estilo deles para atingi-los?”
Muitos já estão conscientizados que esse estilo não voga para o templo,
mesmo assim continuam a utilizá-lo como estratégia de evangelismo.
Pergunto:|devemos imitar o mundo para ganharmos o mundo?1 Não. Um
dos alvos e grandes desafios da Igreja na Terra^é influenciar o mundo, não
ser influenciada pelo mundo^
Não podemos mundanizar a Igreja, se não, não haverá mais diferença
entre o justo e o ímpio. “Não haverá diferenças?” Sim, não haverá. Como
dizer que haverá, se o linguajar é o mesmo e os estilos são os mesmos?
Temos de evangelizar sem perdermos a nossa identidade. Identidade não
são só convicções, mas também comportamentos que são reflexos dessas
convicções. Sem nos esquecermos de que, se pregamos um pop, “não-
careta” (conforme a definição de “careta” deles), produziremos sempre I
crentes pop. Se pregamos um Jesus correto, bíblico, teremos conversões I
corretas, bíblicas.
( t n .dndm

É engano usar esse estilo só para evangelizar, porque quando os


"convertidos” entrarem no ambiente-igreja, vão reclamar a falta do estilo
pelo qual eles foram “convertidos” nesse novo ambiente e vão querer que
Implantem esse estilo ali rapidamente, ou então, mediante essa ausência,
lies também se ausentarão, sairão o mais depressa possível de lá. O tiro sairá
|»cla culatra.
Pense bem nestas perguntas: O que deve manter um cristão firme? \Estilos?
Pessoas se firmarem na igreja por causa do rock é correto? Dizer sim é pensar
maquiavelicamente. Os fins não justificam os meios. Eles se firmaram em
Jesus ou num estilo? Aceitaram o Senhor ou um deus_.con£orme as
umveniências deles?^4ão estarão confundindo Deus com um “bezerro de ouro”?
Quando os israelitas fizeram o bezerro de ouro, diz-nos a Bíblia que a
intenção deles era de adorar, através daquele bezerro de ouro, o Deus que os
havia tirado do Egito. Eles fizeram uma confusão tão grande ao ponto de
dizerem que no bezerro de ouro estavam “os deuses” que os tiraram do
I'.gito. Dois grandíssimos erros: não foram “deuses” que os tiraram de debaixo
do jugo de faraó, mas o único Deus e, além disso, Ele não podia ser confinado
rm nada, não podia e nem pode ser adorado por meio da iconografia.
Pergunto: quem tirou os roqueiros evangélicos do “Egito”? Jeová ou um
"bezerro de ouro”?
() líder deve lembrar-se de que se ganhou uma pessoa com rock vai ter de
manter esse estilo dentrç da igreja se quiser que essa pessoa permaneça. Se o
líder da igreja ceder a essas influências externas, a igreja perderá suas
características, destruirá sua identidade e tornar-se-á qualquer coisa — clube
tins crentes-muito-doidos, templo dos metaleiros evangélicos, casa de shows —
menos igreja, casa de Deus, santuário do altíssimo, lugar de reunião dos santos.
"E se isso não acontecer? Se continuarem com o estilo fora, mas no
tmbiente-igreja mantiverem as regras, moldarem-se ao padrão? O problema
citará contornado?” Não. Haverá ainda uma contrapartida, baseada no
princípio bíblico de que não existem crentes salvos com duas faces,
mascarados, fantasiados. Ou eu sou ou eu não sou o que afirmo ser. Eu
lenho de ser assumido, autêntico, transparente. Não existe meio termo,
into existe mistura. É uma questão de compromisso, de honestidade. A
Bíblia está bradando nesse instante para cada um de nós: “Fora com a
duplicidade na casa de Deus!” Na comunhão com Deus não existe
duplicidade^ É impossível^

Abaixo com os plágios!


E importante registrar ainda que a nossa preocupação também deve existir
cm relação as imitações autênticas do mundo, independente de ser o estilo
delas rock ou não.
Reflexões sobre a ^l/nu e o .‘Umf».

Não dá para aceitar mais isso! Quando um estilo de música, no nosso!


país, entra em evidência, quase que automaticamente começam a surgir
grupos e indivíduos dentro das igrejas procurando cantar daquele mesmo
jeito e exatamente iguais ao cantor em evidência no mundo. Uns chegam a
ter a atitude esdrúxula de plagiar esses modismos literalmente, mediante
alguns retoques diferentes nas letras, dando-lhes aparência evangélica.
O mundo influenciando a Igreja é absurdíssimo. Ridículo. Onde estão'
os músicos que oravam a Deus pedindo letras e melodias inspiradas para
engrandecimento do Senhor e edificação do corpo de Cristo? Infelizmente,
eles são minoria. Raramente encontramos um CD ou cassete que seja só de
músicas realmente evangélicas, santas. A maioria deles não serve ou, quando
muito, escapam apenas duas ou três músicas de oito, dez ou mais músicas
de um volume.

Encaixando as peças
Talvez tenha-lhe sobrevindo um último questionamento ao término
deste comentário sobre sons alucinantes: “Onde encaixo o princípio da fé e
das emoções neste último ponto?”
Nunca, decisivamente, as emoções podem suplantar a fé. Se minhas
emoções são fortes ao ouvir uma música, mas a doutrina expressa nela não
é pautada na Palavra de Deus, devo voltar atrás/Minhas emoções podem
enganar-me e fazer-me perdido para sempre/ Ciente disso é que o
arquiinimigo de Deus (e nosso) investe tanto na música e nos filmes, porque
sabe que estes têm em si mesmos o poder de afetar as nossas emoções e, em
decorrência, o nosso modo de pensar e de agir.
Outra coisa é que, quando tenho uma letra escriturística, mas enfatizo os
ritmos, corro um alto grau de risco de exagerar nas minhas emoções e ter estas
sempre direcionadas para o lado errado. As paixões da carne sobressaem-se com
constância durante essas músicas extrema e anormalmente ritmadas. Esse estilo
traz em si desequilíbrio, pois foge do princípio básico da fé e das emoções.
Uma última consideração a ser feita é que devemos ter cuidado com
algumas músicas sem letra que surgem agora e são usadas para fins
'demoníacos. Refiro-me àquelas melodias usadas para meditação,
(relaxamento, desopilagem ou passatempo, em que podemos sentir a
procedência negativa, porque, na verdade, estimulam a depressão ou
promovem um clima místico-esotérico. As músicas da New Age, por exemplo.

Fé e emoções no caminhar
E o que dizer sobre fé e emoções no testemunho cristão? Mais uma vez,
esse princípio estabelece um ponto de equilíbrio.
(1 Çflrww* f o . vlndai fiúfáot

N minha vida diária deve ser uma vida que estimule o próximo, que não
«nulicce a Deus, a buscá-lo e amá-lo de todo o seu coração. Devemos ser
«mostras ambulantes do que é ter Jesus dentro de nós. Para que isso aconteça,
«levemos procurar viver intensamente a nossa fé, e com isso refiro-me a
emoções na fé.
Uma vida sem fervor, pálida, fria, sem alegria, sem demonstrações
««meretas de felicidade, não consegue influenciar para Cristo, com eficiência,
«« pessoas ao redor. A vida cristã deve ser férvida, marcada pela motivação,
deve ter como referência uma felicidade verdadeira, de dentro para fora,
icdntora (uso esse termo no bom sentido, não no sentido pejorativo, quando
<* usado para significar ludibrio, engano).
1 )evo ser, individualmente, uma manifestação do amor de Deus. Cabe a
llós sermos aqui na Terra, na nossa vivência própria e diária, coletiva e
Individualmente, a materialização dos braços de Deus, dos ombros de Deus,
dos pés de Deus que se apressam em ir ao encontro do ser humano no
Intuito de ajudá-lo. É nossa obrigação deixarmos Deus amar através de nós,
«rimos bons samaritanos. Assim, os que vivem em trevas enxergarão a luz de
I )cus, que os penetrará e os transformará.
Meditando ainda sobre esse assunto, a nossa vida cristã deve estimular e
Incentivar não só os desconhecedores de Cristo e seu Reino, mas os nossos
Irmãos na fé também. Para que isso aconteça, é irrevogável a presença de fervor.
(',omo uma vida poâe tocar a outra sem fervor? O fervor é o que passa
estímulo para o outro. Se alguém pensa em parar, mas vê em você ou em
mim fervor, incentivo, animosidade, um “vamos em frente”, permanecerá
com mais probabilidade. Haverá um bom contágio. E onde está o
desequilíbrio possível na vida de testemunho, em termos de emoções? Se
queremos ver esse desequilíbrio, precisamos voltar ao princípio do que é
pecar, o princípio do “errar o alvo”.
O extremo do fervor, o fervor deturpado, polarizado, é o que
« ostumeiramente chamamos de fanatismo. Fanatismo é a ação do pecado
«obre o nosso fervor para desviá-lo de sua rota certa, a fim de mudar as suas
motivações. Fanatismo é um “fervor” que não estimula, mas obriga; que,
por mais que o fanático não queira admitir, não é movido por amor, mas
por ódio. Fanatismo é pecado. Aqui encontramos um bom ponto de retorno
para a razão na fé cristã. Falamos muito de emoções na fé. Quero voltar
para a razão na fé e terminar.

Um pouco mais de razão


(iomo dizíamos, a razão não pode suplantar a fé. E acrescentaria: grandes
o ílexões sobre a Palavra de Deus geram grande fé, mas grande conhecimento
Reflexões sobre a e o Jtmfw

sobre as coisas divinas não é sinal de grande qualidade de vida cristã, viste
que a razão não pode reger uma vida cristã. É a fé que deve reger a vidí
cristã, o que implica Deus como idealizador e alimentador do meu modele
de vida. Ele é o autor e consumador da minha fé.
Muitas pessoas conhecem toda a doutrina bíblica, mas nem todas í
praticam. Uma coisa é saber algo, outra bastante diferente é refletir sobr<
aquele algo ao ponto de ter minha vida mudada por essa reflexão, a qua
gera emoções que produzirão um novo comprometimento e um diferente
comportamento. Claro que primeiro preciso conhecer para refletir. O simple;
fato de saber não basta. É necessário também refletir no que sei.
Dizendo de outra forma, eu devo me consagrar para pensai
profundamente nas coisas de Deus e dar livre espaço para o Espírito Santt
infundir em minha mente essas verdades incontestes ao ponto de ela;
modificarem meu viver; e isso já é a fé que rege o meu modelo de vida.
Relembrando: a fé inclui a razão, a fé não pode ser divorciada da mente.

por isso que possui as suas motivações desvirtuadas.


Quantas pessoas sinceras e bem-intencionados no mundo, e que;
infelizmente, erram e pecam por ignorar a Palavra de Deus! Fogem do alvc
porque o pecado as faz ficar loucas, fá-las deixar de refletir sobre os seu;
próprios atos. Falta um refletir profundamente sobre o que a Bíblia dia
sobre todos os assuntos que podem envolver nossa vida na Terra, a fim dc
colocar em jogo o nosso destino na eternidade.
Poderiamos também falar sobre a relação fé-razão-emoções, mas estes
capítulos não são tratados, mas sim sínteses sobre os temas que versam.
Prefiro deixar esse desafio para outros.
Passaremos a refletir sobre o cultivo das emoções na fé, desde que c
cultivo da razão na fé é algo simples, e não exige comentários. Resume-se s
ler a Palavra, bons livros e ter reflexões profundas sobre ações e reações;
bem como procurar desenvolver conclusões sobre os mais diversos assunto:
sem fugir da base, da essência, que é o limite bíblico. Enfim, é fazer alge
que praticamos neste livro — meditar. Meditar é cultivar reflexões na fé.
CULTIVANDO
EMOÇÕES NAFÉ(l)
Introdução e Práticas
Devocionais

R
ecapitulando, nas reflexões passadas, falamos da importância
da razão e das emoções na fé (se você não é daqueles que
gostam de ler capítulos salteados em vez de lê-los em ordem,
lembra-se muito bem disso). Dissemos que as emoções
devem ser valorizadas, mas nunca olhadas como superiores à
própria fé. Devem ser exercitadas conforme os parâmetros
divinos para que sejam saudáveis.
Ora, se devem ser exercitadas dessa forma, urge a seguinte
pergunta: “Quais as maneiras certas de exercitar minhas
emoções e minha intelectualidade na fé?”
Quango à questão intelectual, como afirmei no fim do
capítulo passado, é algo simples, e não precisa de muitos
comentários. Se formos falar dela e burilarmos bem o assunto,
é possível que se faça necessário outro livro, e o assunto pode
ser resumido da maneira feita no final do capítulo anterior a
este. Se existem algumas observações a mais, muito bem, que
sejam colocadas em prática, mas prefiro prender-me um
pouco mais nas nossas emoções.
Mas existe um motivo maior para destacarmos o cultivo
dos sentimentos, neste capítulo. E é disso que quero falar
inicialmente.
O outro motivo é que a Bíblia e a experiência nos ensinam
que devemos fazer com que os sentimentos encham
constantemente o nosso dia-a-dia, porque as reflexões devem
encher o nosso viver.
O salmista e profeta Moisés rogou a Deus no Salmo 90:
“Ensina-nos a contar os nossos dias, de tal maneira que
alcancemos coração sábio”. Normalmente, contamos meses
e anos, e esquecemos os dias. Na maioria das vezes, só fazemos
avaliações da nossa vida no fim de cada ano ou, no máximo,
Reflexões sobre a .vllm» e o .'jimf*.

no final de cada semestre, trimestre ou mês. Os dias devem ser contados,


revistos, quero dizer, analisados.
Todo dia é um novo ponderamento que deve ser feito. É aqui que entram
em cena as emoções, porque elas são de suma importância para os dias,
inclusive ajudam-nos na ponderação de cada dia. Refiro-me às emoções
santas, ou seja, não novas emoções, mas as mesmas santificadas, e isso
significa as que são redirecionadas pelo Espírito Santo. Elas devem ser
procuradas e encontradas no cotidiano.
Há momentos áridos, mas, como já falamos, são exceções. Esses
momentos áridos são justamente para lembrarmos que as emoções não são
o carro-chefe. O fato de não as encontramos em algum funesto momento
não é motivo para nos esquecermos delas. Devemos cultivá-las.

Jonathas Edwards e a relação fé-emoções


O reverendo Jonathan Edwards (1703-1758), um dos ícones do
cristianismo mundial no século XVIII, no seu livro intitulado A treatise
Concerning religious affections (Tratado concernente a afeições religiosas),
comentando o texto de 1 Pedro 1.8, afirma:

A doutrina que Pedro nos está ensinando é a seguinte: A RELIGIÃO


VERDADEIRA CONSISTE PRINCIPALMENTE EM EMOÇÕES
SANTAS.

A ênfase não é minha, é do próprio Edwards. Mais à frente, ele acrescenta:

Quem pode negar que a verdadeira religião consiste principalmente em


emoções - em ações vigorosas e enérgicas da vontade? A religião requerida
por Deus não consiste cm desejos fracos, opacos e sem vida, elevando-nos
somente um pouco acima da apatia. Em sua Palavra, Deus insiste muito
que sejamos sérios, espiritualmente dinâmicos e que nossos corações se
envolvam vigorosamente no Cristianismo. Devemos ser fervorosos de
espírito, servindo ao Senhor (Rm 12.11).

Edwards ainda cita Deuteronômio 10.12, 6.4,5 e 30.6, onde o


envolvimento das nossas emoções com a fé é indiscutível. Além disso, ele
lembra mais à frente que Jesus, conforme o capítulo 15 do Evangelho de
Lucas, falou que há alegria no Céu pelos pecadores que se arrependem.
Ora, se no Céu há alegria, se no Céu, que é o nosso alvo, a nossa estação
final, definitiva, existem emoções, devo cultivar emoções aqui na Terra
também.
Cultivando Emoções na Fé (/)dníul«çm> c .Hatirm {frtmonm»

Duas primazias?
Atualmente há uma ênfase demasiada ou na razão ou nas emoções. Não
llfvcmos enfatizar a razão mais do que as emoções, nem as emoções mais
tin que a razão. Elas devem andar equilibradas e em concubinato. As duas
Mi t como duas colunas que sustentam um pequeno edifício. Este edifício é
II nosso caráter. Se uma for maior que a outra, esta outra entrará em
llrliiniento e as fissuras e rachaduras começarão a despontar, o prédio
Hlliicçará a ruir, pender, perigar, e logo tudo desabará.
() reverendo Dr. R. C. Sproul, no seu livro A alma em busca de Deus,
irllcti ndo em um assunto já frisado em outro livro do qual é co-autor, faz o
Mgiiinte comentário:

A um só tempo a fé cristã sustenta uma primazia do intelecto e uma


primazia do coração. Dizer que existem duas primazias ao mesmo tempo
agita o cérebro e alerta o pensador da presença de uma indisfarçada
contradição. Duas primazias? Como pode alguma coisa ter uma dupla
primazia? A palavra primazia não sugere algo exclusivo e singularmente
primordial?
De fato ela sugere. À primeira vista parece ser uma contradição, mas
I rata-se realmente de um paradoxo. Um paradoxo difere de uma contradição
precisamente neste ponto<sob um exame mais cuidadoso, o paradoxo produz
lima resolução. Tal resolução jamais será encontrada em uma contradição
genuína.
Se fôssemos dizer que o Cristianismo possui duas primazias ao mesmo
tempo e numa mesma relação, estaríamos de fato desviando-nos da linha
de pensamento irrefutável e sóbrio. Haveria uma contradição. Entretanto,
ao afirmarmos que o Cristianismo possui a primazia da mente e do coração,
nós estamos na verdade dizendo que as primazias gêmeas coexistem ao
mesmo tempo, mas não na mesma relação.
Por um lado, o Cristianismo possui a primazia da mente com respeito à
ordem ou seqüência. Nada pode estar no coração se não estiver primeiro na
mente. Nossos corações não podem ser estimulados por algo que não
conhecemos. A menos que conheçamos Deus profundamente, não
poderemos amá-lo profundamente. Uma pálida compreensão de Deus é
suficiente para o coração começar a agitar-se. As emoções podem ser acesas
pelo mais leve toque do conhecimento da majestade de Cristo. Mas para
que a fagulha aumente até se tornar um fogo devorador e duradouro, nosso
conhecimento a respeito dEle deve aumentar.
Conhecê-lo é amá-lo. Por conseguinte, o aprofundamento do
conhecimento deve preceder o aprofundamento da afeição. A mente vem
primeiro; ela é fundamental para a nossa fé.
Reflexões sobre a .déma e o Ckmpo I
Por outro lado, existe uma primazia do coração. Esta primazia não diz I
respeito à ordem ou seqüência, mas à importância. Muitos têm acumulado I
um depósito de conhecimentos teológicos; contudo seus corações I
permanecem estéreis e frios. A História está repleta com as evidências dos I
estudiosos que honraram a si mesmos com a erudição usada na causa da I
incredulidade. Uma doutrina não pode salvar ninguém. É com o coração I
que nós cremos na salvação. Um elemento necessário da fé salvadora é a I
afeição por Cristo. Muito conhecimento sem muito amor é inútil. I
Decididamente, é preferível um pequeno conhecimento unido a uma grande I
afeição. 1
A fé deve dirigir a vontade que, por sua vez, coordenará os pensamento]
e os sentimentos. A vontade não está mais indefinida ou oscilante naquell
que se rendeu completamente a Deus. A fé viva e verdadeira é o princípid
que rege tudo corretamente e com objetividade. Daí surge uma pergunta
“O que é prioritário na administração da fé: as emoções ou (
intelectualidade?”
Devemos buscar ambas as coisas. Sem reflexão profunda, as emoçõq
não são tão profundas; mas, por outro lado, sem emoções profundas, a|
reflexões também não são tão profundas. Reflexões geram emoções, quj
produzem novas reflexões, que vão promover novas emoções e assim pol
diante. É um ciclo retroalimentador.
Emoções são necessárias para que eu me envolva com o que creio. Se et
acreditar em algo necessário, mas não me envolver com o que acredito, d<
que adianta?
É bem verdade que, nesse ciclo, indubitavelmente, a reflexão vent
primeiro. Para que o ciclo começasse, foi necessária uma primeira reflexão
que nos levou às novas emoções. Contudo, o que vai manter essas minha;
reflexões espirituais é um cultivo das minhas emoções na fé; caso contrário
tornar-me-ia um racional glacial. Vivendo a fé intensamente, aprendo-í
melhor.
O cristão de verdade, quando é emotivo, o é racionalmente. O cristãc
tem uma emotividade racional. A experiência não estimula o abandono d;
reflexão. Ela deve alimentar o raciocínio. Experiência sem reflexão pod<
levar à beira do desenfreado, do endeusamento do sentir, do sensualismo
do fanatismo, do erro total, do caos. A reflexão sem experiência não alcanç;
os seus grandes e altíssimos vértices. A experiência não pode ser divorciadí
da reflexão.
Para reforçar, cito ainda o reverendo John R. W. Stott, no seu livro You\
mind matters (publicado no Brasil com o título Crer é também pensar)-.
Cultivando Emoções na Fé (/) r kalian itwrioMh
O que Paulo escreveu acerca dos judeus não crentes de seu tempo podería
»rr dito, creio, com respeito a alguns crentes de hoje: “Porque lhes dou
testemunho de que eles têm zelo por Deus, porém não com entendimento”.
Muitos têm zelo sem conhecimento, entusiasmo sem esclarecimento. Em
outras palavras, são inteligentes, mas lhes falta orientação.
Dou graças a Deus pelo zelo. Que jamais o conhecimento sem zelo
tome lugar do zelo sem conhecimento! O propósito de Deus inclui os dois:
o zelo dirigido pelo conhecimento, e o conhecimento inflamado pelo zelo.
E como ouvi certa vez o Dr. John Mackay dizer, quando era presidente do
Seminário de Princeton: A entrega sem reflexão é fanatismo em ação, mas a
rcllexão sem entrega é a paralisia de toda ação.”

Para adoçar, um célebre jargão evangélico: “Razão sem emoção leva ao


formalismo; emoção sem razão leva ao fanatismo”.
() próprio Jonathan Edwards, um dos homens mais cultos de toda a
hhtória e o maior em sua época, era uma pessoa que estimulava a reflexão
iu fé, e proferiu aquelas declarações que apresentei. O mesmo que escreve
lio final da biografia de David Brainerd (compilada, comentada e publicada
|»«»r Edwards) seis reflexões sobre a vida de seu quase genro, e em uma delas
irilica verazmente pessoas que são caracterizadas por um “virulento ‘zelo,
Huts não de acordo com o conhecimento’”; é o que escreveu em letras garrafais
que “a verdadeira religião consiste principalmente em emoções santas” (e
note na designação “santas” uma preocupação com o tipo de emoções). Ele
rra um homem racional, que enfatizava a razão, mas igualmente enfatizava
o nosso lado emotivo para as coisas de Deus. Ele sabia equilibrar as coisas.
O que Edwards reconhecia é o que afirmamos. Devemos priorizar os
dois, pois o cultivo da reflexão na vida cristã é uma urgência para cada dia
r momento; é importante, mas devemos lembrar-nos de que as emoções
ajudam essas reflexões; por isso devem, também, sempre ser vistas como
uma urgência e cultivadas. Usando as palavras de Sproul, o seu cristianismo
mantinha duas primazias ao mesmo tempo, mas não na mesma relação. Por
í»m» mesmo era um cristianismo tão sadio.

Aprendendo a cultivar
Já que estamos com essas coisas resolvidas, sigamos em frente: “Quais
os métodos de regar emoções na fé?”
Existem muitas maneiras bíblicas de cultivarmos emoções santas na nossa
lê No nosso caso, frisarei algumas que considero como básicas. Elas são as
práticas devocionais e as práticas da comunhão.
As práticas devocionais e de comunhão têm um objetivo singular. A
s ida cristã é atingida de todos os lados por pressões que objetivam esfacelá-
Reflexões sobre a .Ihna e o ■

la. O cristão, vendo isso, percebendo-se cercado, tenta lutar com todas
forças que tem para se ver livre de uma queda fatal. ■
Para que ele seja eficiente no seu propósito, Deus, através da Bíbli®
fornece-lhe métodos que podem auxiliá-lo tremendamente. São exercíciiB
que precisam ser praticados freqüentemente para que o desenvolvimento■
respectivo avanço espirituais aconteçam. Esses são feitos ou em relação ■
Deus ou ao próximo. Os que são feitos em relação ao próximo tangenciai®
também o nosso relacionamento com Deus. I

Práticas devocionais I
As práticas devocionais são feitas em relação a Deus. Sem elas, a nos®
comunhão com o Senhor é estigmatizada pela fracasso. Cada um dessoB
exercícios devocionais tem um significado sublime. Nenhum deve ser vist®
como inferior. É impossível uma vida espiritual vitoriosa ser divorciada dele®
Os exercícios são vários, e este livro não bastaria para falar de todo®
Seria necessário outro volume. Pensando nisso, resolvi salientar apenal
alguns: oração, regozijo e gratidão. Quando essas práticas se tornai®
realmente práticas na nossa vida diária, os sentimentos fluem agradavelment®
para glória de Deus, e progredimos. I
Orar estimula a nossa sensibilidade espiritual, deixa-nos com os nervos I
flor da pele para as influências do Espírito Santo. Quando regamos a vidl
com oração, ficamos muito sensíveis à voz de Deus. I
Dar graças mantém-nos saudáveis emocionalmente. Um coração.cheia
de ingratidão é um coração azedo. Um coração que dá graças a Deus, receba
graças de Deus. Um coração que sempre louva a Deus é doce, mesmo eni
meio às tragédias. |
O regozijar-se é algo que pode ser relacionado com o dar graças. É uni
dos maiores segredos para o desenvolvimento e avanço espiritual do cristão!
O cristão, que tem como um exercício cotidiano o regozijar-se, triunfa sobra
os obstáculos freqüentemente. Em 1 Tessalonicenses 5.16, Paulo dizi
“Regozijai-vos sempre”. Isso fala de uma atitude costumeira. |
Incrível como muitos desconhecem esse preceito. Poucos se lembram!
dele como um segredo para o sucesso espiritual. Mais do que nunca, devemos
reverter esse quadro.
Cientes disso, aproximemo-nos do versículo.
Inicialmente, é interessante observarmos o que se traduz como regozijo.
O que é e o que não é regozijo? Regozijo, para sermos lacônicos e objetivos,!
não é gracejo, não é algo produzido por anedotas, lérias ou algo cômico!
mas é alegria bela, simples, pura, sem malícia, genuína e sentí
superficialidade. j
Cultivando Emoções na Fé (/) .Intu/açfio t •‘fíuiinu

Quando vemos a vida cristã também por esse prisma apresentado em 1


'llssalonicenses 5.16, pelo menos três coisas fundamentais podem ser
tltraídas para nossas almas.
I '.in primeiro plano, Deus nos criou para a alegria. A vida ideal para o ser
humano é a vida padronizada pelas Escrituras e, se esta deve ser permeada
ilr gozo, isso significa dizer que fomos feitos por Deus não para vivermos
t nhisbaixos e lacrados em nós mesmos, não para ficarmos apenas chorando,
Mliis para sermos profundamente alegres. Vida cristã é sinônimo de alegria.
"Alegrai -vos; outra vez digo, alegrai-vos”.
A Bíblia fala-nos de momentos em que devemos ter os nossos corações
Contritos, prantear e nos liquefazermos. Esses momentos servem para
llioldar-nos. Mas a vida não é para ser vivida apenas dessa maneira. Há algo
inais. O choro dura uma noite, mas... a alegria vem pela manhã! Existem
momentos para se derramar lágrimas, mas também para se jubilar. Faces
cnlutadas, gemidos inexprimíveis, clamor - tudo isso são momentos, coisas
«porádicas, exceções. A vida cristã não deve ter apenas lágrimas de petição
ou contrição, mas também de alegria. A regra é “alegrai-vos”, é o riso, a
celebração, o cultivo da gratidão, as lágrimas de gozo, o louvor no coração.
A segunda coisa que absorvemos desse texto para nossa vida é que não
deve haver circunstância alguma que nos desmotive.
A nossa caminhada stobre este chão, debaixo do Sol, inclui situações
indesejáveis. Nem sempre o bom e o bonito circundam nosso percurso.
Quase sempre existem feras à espreita e túneis escuros; quase sempre
descobrimos hostilidade e falsidade. São inúmeras perseguições, palavras
lerinas e gigantes que insistem em não retroceder.
O apóstolo Paulo, apesar disso, mesmo conhecedor desses possíveis panos
de fundo, mesmo após ter experimentado em sua própria vida esses contextos
desagradáveis da vida cristã, insiste: “Regozijai-vos sempre”. Somos muitas
vezes tentados a ouvir este “sempre” como um desafio e até como brincadeira
de mau gosto. Não, essa não deve ser nossa atitude. Esse “sempre” não é
para ser visto como um desafio ou uma “brincadeira da Palavra de Deus”. A
Bíblia é séria!
“Sempre”, nesse versículo bíblico, fala de possibilidade. É um termo que
designa a inesgotabilidade dos nossos recursos para conseguirmos superar
os nossos obstáculos. Ora, se o regozijar é um exercício que nos ajuda no
fortalecimento espiritual, e se esse preceito é seguido por esse “sempre”, isso
significa dizer que regozijar-se é um recurso eficiente para qualquer hora e
situação — é progresso ao nosso alcance para qualquer parte do nosso
percurso.
.97
Reflexões sobre a .dlma e o Jlmpo

Quando você fica alegre em toda e qualquer circunstância, quando vod


louva a Deus apesar de tudo, quando você consegue acrescentar o “sempre1
ao “regozijar-se”, com certeza transcende os problemas, ensurdece-se pan
os gritos do desânimo, acaba com o efeito dos espinhos, fica anestesiada
resiste e vence, pois consegue trazer um oásis para o seu deserto.
A terceira e última conclusão embutida nesse versículo bíblico em apreço
e que é fruto de tudo o que já dissemos, é que, com Deus na nossa vida, nã
dá para não serfeliz em qualquer situação. Quando lemos Paulo afirmar isso
é como se ele declarasse para nós: “Já tentou ser feliz? Não conseguiu
Conseguiu mas não soube conservar? Porventura falta um indefinido ‘alg<
mais ? Abrace Deus com todas as implicações desse ato e, depois, ‘regozije
se sempre’”. Felicidade eterna é possível enquanto mantivermos a noss
vontade firmada na vontade de Deus.
A letra do hino 347 do Cantor cristão tem uma linda mensagem e muit<
a ver com o que já dissemos. Vejamos algumas partes desta bela poesia:

Vindo sombras escuras nos caminhos teus,


Oh, não te desanimes! Canta um hino a Deus!
Cada nuvem escura um arco-íris traz
Quando em teu coração reina perfeita paz.

Se teu coração estiver em paz,


Bem contente e alegre sempre te acharás.
Se teu coração estiver em paz,
Verás que um arco-íris cada nuvem traz.

Vem após negra nuvem a aurora matinal;


Fica o céu mais brilhante após o temporal!
A esperança não percas, tudo vencerás!
Fugirão as tristezas, se tiveres paz.

Se teu coração estiver em paz, tudo à tua volta será mais bonito.
CULTIVANDO
EMOÇÕES NA FÉ (2)
Práticas de Comunhão

prática da comunhão é a vida em comunidade, a prática do

A perdão, do abençoar vidas, do diálogo, etc., enfim, de tudo


que envolve a nossa vida e a do nosso próximo.
Quando nós aceitamos Jesus, somos integrados àfamília
de Deus. Existem pessoas as quais pensam que podem aceitar
Cristo e viver por conta própria o seu cristianismo, isto é,
sem necessidade de uma vida em comunidade. Elas alegam
com ironia que viver numa igreja, fazer parte de uma
denominação evangélica, significa que Jesus é o caminho,
mas os líderes religiosos são aqueles a quem devemos pagar o
pedágio.
Essa é uma visão erradíssima. Antes só éramos criação de
Deus, mas agora passamos a ser também filhos por adoção
através de Jesus, ou seja, temos irmãos e irmãs espirituais, e
isso implica uma vida de comunhão com eles, que também
fazem parte do corpo de Cristo.
O apóstolo Paulo, em 1 Coríntios 1.9, afirma que “fomos
chamados à comunhão”. O Corpo de Cristo tem muitos
membros, que devem estar ligados um ao outro. Viver uma
vida que exclui meu irmão é um pecado; resulta em

fl desligamento do Corpo de Cristo, em perda da minha


salvação. Estar ligado a Ele significa estar também em
comunhão com os meus irmãos na fé, o que produzirá um
aperfeiçoamento do meu caráter cristão.
Ora, quando fazemos parte de uma comunidade que

ó
detém os mesmos objetivos nossos, somos fortalecidos a nos
empenharmos cada vez mais até chegarmos a alcançar os
nossos propósitos. Sei que a vida em comunidade muitas
vezes não é fácil, pois devemos suportar as diferenças e os
erros de muitas pessoas que não têm a mesma maturidade
Reflexões sobre a ^Uma e o .‘ím/*

que eu, você e outros irmãos possuímos. Mas, como já disse alguém,
viver em uma comunidade de evangélicos parece difícil, o não viver
impossível para aquele que quer entrar no Céu.
Deixando de lado os que fazem parte de uma comunidade evangélii
sem qualquer compromisso, não prestando atenção nos que dizem ser cristã
sem ser, nem me impressionando com a falha de um ou de outro (porqi
todos somos falhos), todos têm o mesmo ideal servir a Jesus com fidelidadi
abençoar vidas, entrar no Céu. Então, surge para mim uma enorm
possibilidade de, junto a minha comunidade, construir um caráter mai
aproximado das configurações do caráter de Cristo e desenvolver e exercita
minhas emoções na fé, bem como ajudar o meu irmão a conseguir a mesm
coisa (eu abençoo e sou abençoado). Tudo isso porque na comunidade d
irmãos vou encontrar a possibilidade do perdão, da confissão, do diálogo
da cooperação ativa. Analisemos dois desses quatro pontos de cada vez.

Perdão e confissão
O perdão e a confissão andam juntos. São “a corda e a lata”. Se eu deseji
tirar água de um poço, preciso ter uma lata e uma corda. Se tiver apenas
corda, não serve; não consigo tirar água do poço. Se tiver só a lata, nãi
adianta; não consigo tirar água do poço. Precisamos ter os dois ao mesmi
tempo. Da mesma forma, sem confissão não há perdão, sem perdão não h;
confissão e sem os dois não há reconciliação.
Se eu não tiver coragem de confessar o meu erro, não tenho como recebei
perdão. Por outro lado, se desejo ouvir a confissão de alguém, devo, de
antemão, perdoá-lo. Se não o perdoo, ele pode manter-se orgulhoso e jamais
assumirá sua culpa. Não devo esperar a confissão para perdoar; devo perdoar
antes da confissão. Até porque, se o perdoo, ele, o ofensor, pode sentir-se
mais à vontade (ou mais tocado) para assumir a sua culpa. Sabe por quê?
Porque o amor, que não constrange, de certa forma consterna.
Quando amo, procuro não constranger, mas esta minha atitude, o
retribuir o mal com o bem, sempre provocará constrangimento para o que
deseja o meu mal.
Em outras palavras, alguém tem de abrir mão; caso contrário, não se tira
“água do poço”, porque o relacionamento desaba e nossa comunhão com
Deus igualmente. Você se lembra da oração do Pai-nosso? “Perdoa as nossas
dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores”.
Se o meu relacionamento com o meu irmão estiver um desastre e eu não
abrir mão da minha parte, continuarei seco espiritualmente. Deus fechará
sobre mim a porta dos céus. Sentirei falta de emoções espirituais na minha
vida cristã. Muitas pessoas são azedas em termos de emoções na vida cristã
Cultivando Emoções na Fé 0) Jlnlian >!< '(’omunhão

|hik|uc não perdoaram ou porque não confessaram os seus erros com sincero
di rcpendimento. Se devemos cultivar emoções na nossa fé, devemos cultivar
práticas de comunhão, e uma das principais é o perdão, que está atrelado
iincparavelmente à confissão.
I )uas coisas devem ser ditas ainda sobre a confissão e o perdão.
A primeira é a possibilidade de se perdoar sem existir logo em seguida
inníissão ou a de se confessar sem existir retorno, ou seja, sem haver
Mibseqüente perdão. A outra é que o simples fato de perdoar ou de confessar
já exige emoção, porque deve haver sensibilidade nesses momentos. Só assim
aprenderemos a amar na Terra para entrarmos no Céu, pois lá só há amor,
porque Deus está lá e Ele é amor.
Em outras palavras, o Céu só é Céu porque Deus está lá, assim como o
Inferno só é Inferno porque Deus não está lá. Com Deus, o Inferno vira
(iéu. Sem Deus, o Céu vira o Inferno. Nosso alvo é essencialmente o Senhor,
não o Céu, porque Ele é o Céu. Se Ele é amor, e quero chegar até Ele, tenho
que amar.
Quando afirmei que só há perdão se houver confissão e vice-versa, é
porque sem a iniciativa de um dos dois lados, do ofendido ou do ofensor, é
impossível haver a reconciliação. Com isso, você pode notar que não
impossibilito a não-existência de retorno após a iniciativa tomada.
Simplesmente, é impossível reconciliação absoluta (os dois lados buscarem
o entendimento) sem tofrnada de iniciativa da parte de algum dos dois lados.
O que acrescento agora é a possibilidade de eu amar aquela pessoa com
quem me desentendí ao mesmo tempo em que ela me odeia. Posso querer
a reconciliação, mas ela não. Posso estar interiormente reconciliado com
aquela pessoa, mas provavelmente ela não deseja entender-se comigo, não
quer se reconciliar comigo.
Quanto a essa possibilidade de não reconciliação, você deve entender
que, apesar de existir a possibilidade de não ser perdoado, você deve manter
no seu coração, até o fim, o arrependimento. Não seja um daqueles que,
depois de pedir perdão e receber uma resposta negativa, arrepende-se de ter
se arrependido. Não, continue arrependido e, ainda que não o tenham
perdoado, Deus já o perdoou.
Por outro lado, se você perdoou alguém e este não abriu mão de seu
erro, não retire o seu perdão, não volte atrás. O perdão você já deu. Cabe ao
ofensor recebê-lo. É com ele e Deus. Não guarde mágoa nem rancor, mas
permita que o amor de Deus invada o seu coração. Viva a próxima página
de sua existência. Você recebeu o perdão de Deus. O apóstolo Paulo disse
certa vez: “Se depender de vós, tende paz com todos”. Isso é Palavra de
I )eus.
Reflexões sobre a eo

Como já citei, a segunda coisa interessante sobre o perdão e a confissão


é que o simples fato de você perdoar ou confessar já é emoção na fé. Alguém
só perdoa quando permite ser sensibilizado pelo Espírito Santo. Alguém só
confessa quando reconhece o seu erro, quando sente, quando é convencido
pelo Espírito Santo.
Se alguém não perdoa, é porque não tem amor; e porque não tem amor,
não é perdoado por Deus. Se alguém não confessa, a mesma coisa; não tem
amor, não sentiu o que fez com seu irmão; não recebe o perdão de Deus.
Então, concluímos que só recebe amor quem tem amor ou deseja-o para
receber o amor de Deus, a fim de compartilhar com os outros. Se você não
consegue perdoar ou amar, se não consegue sentir amor pelo seu irmão,
peça a Deus o amor dEle como chuva sobre o seu árido coração. Ele o
enviará! “O amor de Deus é derramado em nossos corações pelo Espírito
Santo”.
Você só consegue amar quando permite que Deus tome conta de sua
vida, reine em sua alma com exclusividade, seja seu Senhor. Se for necessário,
converse agora com Deus e diga-lhe: “Não consigo amar, Senhor. Ajude-
me a amar! Ama, Senhor, meus irmãos através de mim!” Você sentirá uma
cachoeira de amor do Espírito Santo a inundá-lo.
Talvez ainda surja uma questão: “Falamos do amor aos irmãos. E o amar
os inimigos?” O princípio é o mesmo. Aliás, quando discuto com alguém
evangélico ou não, e crio rancor no coração por ele, o mesmo passa a ser
meu inimigo. Infelizmente há esta possibilidade. Porque o princípio é jd
mesmo. Jesus disse: “Ama o teu próximo como a ti mesmo”, e fez uma
síntese, através da palavra “próximo”, do que seja irmão ou não.
Devemos amar não só os que fazem parte do nosso convívio, do nosso
mundo circunscrito, mas os de fora também, a fim de demonstrar-lhes
nosso amor por eles, em primeiro lugar, e apresentar-lhes Jesus. Mas não se
esqueça: esse é só o primeiro passo. Você deve ajudá-los também no que
puder. Agora, se também ajuda os de fora e esquece-se dos seus “mais
próximos”, os seus familiares, está errado. Primeiro os de sua casa depois os
outros. E se você ajuda os de casa e os de fora e esquece-se dos de sua
comunidade de irmãos, está errado. Depois de sua casa vêm os domésticos
na fé e, logo em seguida, os de fora, que são seus próximos também, embora,
às vezes, distantes. Com isso, damos o segundo passo nos exercícios de
comunhão.
Vejamos agora a relação diálogo-cooperaçâo e sua importância como
prática de comunhão que nos possibilita cultivarmos emoções na fé que
nos façam vencer.
Cultivando Emoções na Fé (j) .ifià/tetu di '(’tminlm

Diálogo e cooperação

Em Hebreus 13.15,16, encontramos os três sacrifícios que devem ser


oferecidos para Deus pelo crente-sacerdote. Vejamos:

Portanto, ofereçamos sempre, por ele, a Deus sacrifício de louvor, isto é,


o fruto dos lábios que confessam o seu nome. E não vos esqueçais da
beneficência e comunicação, porque, com tais sacrifícios, Deus se agrada.

Os três sacrifícios do crente-sacerdote são o louvor, a beneficência e a


comunicação. |O crente completo relaciona-se perfeitamente com Deus e
com o próximo! Ele serve a Deus e aos homens. O louvor fala de
relacionamento com Deus e já foi frisado em termos de gratidão e regozijo
nas práticas devocionais.
Os dois sacrifícios restantes relacionam-se com o próximo e são práticas
de comunhão: diálogo e cooperação. E bem verdade que o termo aqui
traduzido por “comunicação” (Almeida Revista e Corrigida) no original
grego é koinonia, que também pode ser traduzido como “mútua cooperação”
(Almeida Revista e Atualizada) e como “repartir com os outros” (Versão
Contemporânea). \Por issQ^o termo comunicação muitas vezes aparece na
Bíblia com esse sentido, o que parece ser o caso desse texto de Hebreus. Ele
pode significar também altruísmo, associação e participação. Koinonia
significa, para resumir, tudo relacionado à comunhão ou, simplesmente,
comunhão.
Ora, a melhor expressão de comunhão é o diálogo. E o maior sinal de
existência de comunhão. Onde há pessoas que se relacionam dialogalmente
com freqüência, há, com certeza, comunhão. Onde não há essa relação
dialogai,! onde há frieza, silêncio, só gestos momos, certamente não há
comunhão. Logo, talvez a melhor tradução desse versículo seja a da versão
Revista e Corrigida. Desde que se refere ao fazer o bem, à beneficência,
koinonia pode ser melhor traduzido nesse versículo com o seu significado
mais relacionado com o diálogo---- comunicação, ao pé da letra. A
cooperação já está implícita em ajudar, em beneficiar.
No versículo 16, percebemos como o diálogo e a ajuda são coisas
diferentes mas intimamente relacionadas. E são dois fatores fortes no cultivo
das emoções na fé.
Quando mantenho um diálogo sadio com as pessoas à minha volta,
principalmente com alguém que pertence à minha fé (porque posso me relacionaj
com todos, mas sem me misturar; estreita amÍ7ade só com o meuirmão em
Reflexões sobre a • •í/nm e o

y^/Toda conversa com pessoas espirituais ou sobre assuntos espirituais é


frutífera/Uma conversa sobre Jesus, as coisas de Deus, suas promessas?produz
Acréscimo de fé, paz, segurança, alegria. Devemos praticar esse tipo de
) conversação, se possível todos os dias com nossos amigos, irmãos ou parentes,
J em casa, no culto doméstico, na igreja antes ou depois do culto ou na casa
C-de algum irmão em Cristo.
Alguns crentes não são tão extrovertidos, ímasp saudável espiritualniexice.
é uma pessoa comunicativa. Como você já observou, eu não disse que todo
crente deve ser extrovertido, mas que todo cristão deve /er.COífmnicatbz^
Existem pessoas com temperamentos diferentes, o que não impede a
atuação de Deus em suas vidas, pois o Senhor direciona o temperamento,
de cada um para o alvo certo. {Ele equilibra o temperamento das pgssoasque,
são fleumáticas, sangüíneas, coléricas ou melancólicas conforme os moldes
do fruto do Espírito e usa cada temperamento para sua glória. Não posso
ser extrovertido se não sou comunicativo, mas posso ser comunicativo sem
ser tão extrovertido. Q^çr.en,tejtã9.. pode ser anti-social, nem chato^exçetq
para as coisas que desagradam a Deus.

"Pai nosso... pão nosso"


A ajuda mútua também é essencial. Na oração do pai-nosso, ensinada
por Jesus, existem duas coisas que são vistas como pertencentes à coletividade:
o Pai e o pão. À medida que entendo que Deus deve ser não só o meu Pai,
mas o de todos os que estiverem dispostosa ser aceitos como seusjjlhospor
adoção através de Cristo, compreendo também que o pão não é só meu,
mas também é nosso. Eu passo a compartilhar, a abrir mão, a cooperar, a
procurar viver a santidade do sociaL^orém nunca aceirando ojocial conjc^
o primordiaj, jnas sempre como uma decorrência do principal]
Essa é a sequência e a ordem da oração do pai-nosso: primeiro eu
reconheço Deus como Pai, passo a viver como seu filho, para depois viver
intensamente a realidade do pão nosso. O mal de muitos é colocarem^
social como a grande razão danossa:salvaçãe?Mártinho Lutero disse que as
boas obras não fazem o bom homem, mas o bom homem faz as hoas obras?
O Pai vem primeiro que o pão. EJu não devo simplesmente reconhecer o Pai
nosso pelo pão nosso. Eu posso reconhecê-lo assim, mas não devo ver no
pão nosso o método para chegar a Ele, o Pai nosso.
■ Eu não reconheço o pão nosso para ter o Pai nosso. Eu reconheço o Pai
nosso para aceitar e viver perfeitamente a realidade do pão nosso.
' Envolver-se com meu irmão (saber como ele está, ajudá-lo), fazer
amizades, ser solidário, sensível à causa cdo próximo, simpático às suas
necessidades, generoso, tudo isso é bom, ilod~ avia, não é o^ue me salvada
Cultivando Emoções na Fé (2) .Hãlinu Jt '('omunhàc

perdição-eterna. E o que amadurece a minha personalidade de cristão. São


conseqüências, não motivos; efeitos, não causas. Uma pessoa solidária nem
sempre é um crente salvo, mas o crente salvo é sempre uma pessoa solidária.
Por fim, já sabemos que, se praticamos devoções a Deus, oramos, sempre
somos gratos, sustentamos o que claudica, erguemos o que vacila, exercitamos
demonstrações de generosidade, gestos de solidariedade, compartilhamos
emoções,^cambiajÇQps-pensamentos^ fazemos e preservamos amigos,
cultivamos corretamente emoções, ç só nos resta conservarmos tudo isso.
Que não haja abismo entre o que sabemos e afirmamos e o que fazemos.

Jesus, Pastor amado,


Contempla-nos aqui;
Concede que sejamos
Um corpo só em ti. Pois sendo resgatados
Contendas e malícias Por um só Salvador,
Que longe de nós vão! Devemos ser unidos
Nenhum desgosto impeça Por um mais forte amor;
A nossa comunhão Olhar com simpatia
Os erros de um irmão,
E todos ajudá-lo
Com branda compaixão.

Jesus, suave e meigo,


Ensina-nos a amar,
E como tu sejamos
Também no perdoar!
Ah, quanto carecemos
De auxílio do Senhor! Se tua igreja toda
Unidos supliquemos Andar em santa união,
A Deus por esse amor! Então será bendito
O nome de cristão;
Assim o que pediste
Em nós se cumprirá,
E todo o mundo inteiro
A ti conhecerá.

Hino 387 do Cantor cristão


Sarah Poulton Kalley (1825-1907)
-JEMQENCIAS.
-DA ALMA ANTE .
-AS NECESSIDADES

o desenrolar da nossa existência, sempre surgem momentos

N
de-necessidade, quando nada é melhor do que uma monção,
uma mão altruísta, um ombro amigo, uma demonstração
de sensibilidade com o próximo. Todos os seres humanos
passam por isso, uns menos, outros mais; porém todos
experimentam, em algum dia inesperado, esses momentos
de profunda çarênci^. Deus assim permite para que
percebamos.que não podemos viver sem ajuda de outro.
inguém é auto-suficientè>Dependemos uns dos outros
1e, acima de tudo, de Deus. O simples fato de existirmos, de
sermos humanos, proporciona-nos situações assim descritas
e que nos levam a uma profunda reflexão e conseqüente
compreensão de nossa fragilidade.
Às vezes, as nossas tribulações são necessidades de Deus
Z para moldar nossa vida. Existem momentos de dificuldade
I necessários para nós. Esse modo de pensar é corretíssimo, é
/ bíblico. Penso, contudo, que o fato de nós sabermos disso
í não é suficiente nesses momentos. Há algumas reações certas
que devem existir. “Reações em que sentido?” — você
possivelmente monologa. Reporto-me às reações que
deveriamos tomar para conseguirmos o que nos falta ou
superarmos essa deficiência, Devemos analisar que tipos de
atitudes podem ser consideradas como desnecessárias ou
erradas nessas situações. Após cada análise, ou seja, depois de
reconhecermos cada erro, passaríamos a traçar o perfil das
atitudes admissíveis e necessárias. Então, quais as atitudes
\ erradas ou desnecessárias?
Citarei apenas as duas mais comuns.
Reflexões sobre a e o .fm/»

"Agrada-te do Senhor"
A primeira delas é o “agradar para”. Geralmente, quando desejamos algo,
a primeira coisa que fazemos é tentar agradar àquele ou àqueles que
percebemos serem necessários para a resolução de nossos problemas. É uma
reação lógica e natural. Tudo é uma questão de necessidade. E o meio mais
viável (pensamos) para alcançarmos o favor daqueles de quem dependemos
— agradar-lhes.
Apesar de concordar com esse método em relação às pessoas (contanto
que o agradar seja sincero e não um de bajular), em relação a Deus devo
estar absolutamente consciente de que esse método não funciona, no sentido
de que não é suficiente; portanto, não é eficiente. Querer agradar a Deus
para receber favores dEle é um método falho. Deus não nos atenderá se
simplesmente fizermos de tudo para agradá-lo.
O salmista Davi disse em salmos 37.4: “Deleita-te também no Senhor, e
ele te concederá o que deseja o teu coração”.
Se desejamos receber algo de Deus, devemos não só agradá-lo, mas
também agradar-nos dEle. Quando buscamos a Deus somente porque é o
jeito; quando somos interesseiros na oração, sem sentirmos prazer algum
nesse exercício espiritual; quando oramos para somente receber, sem o
mínimo interesse em dar ou dar-se; quando cantamos apenas para granjear
bênçãos, sem qualquer desejo real de também demonstrar ao Senhor que,
mesmo que o nosso anelo não seja cumprido, ainda o louvaremos, é difícil
esperar por uma resposta afirmativa da parte dEle. “Melhor coisa é dar do
que receber”. Jesus, Deus encarnado, ensinou isso. Por quê?
A primeira resposta provoca até risos de tão óbvia: porque esse princípio
é verdadeiro. Funciona. A segunda é uma mera explicação da primeira:
porque ao receber apenas recebo e não crio outras expectativas de receber
mais; porém, ao conceder, recebo e posso ficar certo de que, enquanto dou
ou me dou, receberei.
Além disso, teríamos uma idéia errada de agradar a Deus se não
observássemos essa regra. Jesus afirmou que nunca poderei agradá-lo
perfeitamente se não agradar-me dEle. Enfim, concluímos que o nosso amor
a Deus deve ser, não só um amor-necessidade, mas também um amor-doação
(e aqui pego emprestado dois termos do vocabulário de C. S. Lewis). Em
outras palavras: ser vencido por Deus é triunfar sobre todos os meus
problemas.

Não desanime!
A segunda reação errada comum é não esperar.
,T< ndrnriai r!a .vílmti ,'ính ai . lírctaàíat/fi

Eu sei que Deus me fala algumas coisas importantes naqueles momentos


de profunda necessidade, mas corro o risco de não acreditar na possibilidade
de sair dessas situações. Por isso, posso cismar em não confiar e padecer
uma crise de fé.
A alma tem duas alternativas quando invadida pela descrença: ou se
conforma com a situação ou mergulha num oceano de mágoas sem fim.
O conformismo com a situação é um procedimento errado porque nos
faz olvidar os nossos recursos dados por Deus para sairmos daquela situação
difícil. O desânimo não vem de Deus. A Bíblia diz: “Diga o fraco: eu sou
forte”; “na fraqueza extraíram forças”; “eu tudo posso naquEle que me
fortalece”. Deus diz: “O meu poder se aperfeiçoa na fraqueza”. Só devemos
nos conformar com uma situação quando percebemos algo realmente de
Deus para agirmos dessa maneira e, mesmo assim, não devemos proceder
com um clima de melancolia no coração.
Mergulhar na mágoa é uma grande tolice. Se a vida continua, se ainda
há muito chão para andar, se a nossa estada final não é aqui, se tudo isso
aqui na Terra é passageiro, para que me agarrar pateticamente a essas coisas?
Aproveito aqui para citar Agostinho: Devo suportar com paciência os males,
porque também os bons os suportam; não devo dar muito apreço aos bens,
porque também os maus os conseguem”.
Ainda citando Agostihho, em Confissões, IV, 10, ele detalha os fortes e
negativos sentimentos que o açoitaram após a morte de seu amigo Nebridius.
Ele afirmou que não devemos nos entregar a qualquer coisa além de Deus.
Todos os seres humanos morrem e tudo aqui é perecível. Não podemos
fazer com que a nossa felicidade dependa de algo que pode sumir, que não
é consistente, que hoje é mas amanhã deixa de ser. Caso contrário, seremos
candidatos, em potencial, à frustração e à depressão.
É significativo ressalvarmos que, no caso das pessoas, não devemos ser
tão extremistas ao ponto de afirmarmos que devemos ficar totalmente
indiferentes em relação a elas. O próprio Senhor Jesus envolveu-se
considerável e sentimentalmente com o próximo.
Se eu perder um ente querido, um amigo, uma pessoa amada, eu sentirei
muito, e não existe algo de patológico nisso. Patológico é não sentir alguma
coisa com a partida ou o sofrimento daqueles. Contudo, não devo mergulhar
nesses sentimentos, não devo dar muita profundidade e espaços para eles.
Eu não posso impedir que o sentimento brote. Seria lutar contra a
normalidade das coisas. Não é sadio. Nós somos humanos. O que eu posso
e devo fazer é evitar que esse sentimento expanda-se dentro de mim. Preciso
encher qualquer espaço que se encontre vazio no meu coração com o consolo
Reflexões sobre a .'Uma e o Jtmfto

sempre disponível do Espírito Santo. Agora, quando o caso são coisas, não
pessoas, serei tolo se me prender a elas.
Bem, poderiamos pensar em muitas outras tendências da alma diante
das necessidades, mas, como lhe disse, preferi essas porque são as mais
comuns. Elas são básicas. Todas as demais que poderiamos comentar são
alguma derivação dessas duas. Portanto, bastam essas.
Um adendo: lembremo-nos que tendências são sempre apenas tendências.
Tender é oscilar para uma opção. Cabe a mim ceder ou não. Elas se tornam
parte do nosso mundo, tornam-se preponderantes nas entranhas da nossa
alma, quando as alimentamos e entregamo-nos totalmente a elas, quando
somos vencidos pelos seus apelos. Resista! Lute! Não se entregue! Enfrente
essas tendências com as armas de Deus — oração, Palavra e louvor — e
você vencerá. Não há vitória sem luta.
VALORIZE
SUA ALMA

^er humano não costuma valorizar a sua alma. Valoriza mais

O o palpável, o visível, o material. Esquece-se do valor das


coisas espirituais e de si mgsmo/O porquê disso é o fato de
as coisas estarem muito /elatjyizadas atualmente/
Poucos se lembram de que existem valores reais eternos,
mandamentos absolutos eimutáveis. São as coisas que têm a
ver com a eternidade/inclusive com a minha e a sua alma.
Neste contexto, uma pergunta deve nps confrontar com
premência: “Porventura nós nos valorizamos?”^
Existe.uma premissa a qual diz que só consigo valorizar
bem alg«r quando estou consciente do grande grau de valor
do que1 tentú valorizar/ Com certeza, muitas pessoas
desvalorizajn suas almas porque desconhecem a sua
importância. E você? Sabe quanto vale a sua alma?
Se queremos saber o nosso valor real, sem acréscimos ou
regateamentos, devemos descobrir o ponto de vista de Deus
sobre nó^ SÁ quem construiu a sua casa é que sabe o valor
dela^ só quem arou a terra, plantou e a regou é que sabe
perfeitamente o valor da colheita. Só Deus, o Autor, é que
sabe o valor de sua obra. Se perguntarmos a Ele, certamente
nos responderá.
“Deus, quanto custa a nossa alma?”
A resposta de Deus está na Bíblia. Ela nos diz que o que o
Senhor acha de nós. Ele o expressou com singularidade na
cruz. Nós valemos o sa/igue de Jesus? o sangue do Deus vivo
borrifado no Calvário. Portanto, nós temos um grandíssimo
valor!
Ora, se nós valemos um preço tão alto, devemos fazer de
tudo para não agir como se não valéssemos tanto. Devemos
despertar para uma reflexão profunda. Todo ser humano deve
Reflexões sobre a díma e o Jtm/to

se perguntar sobre as razões e conseqüências de cada atividade ou movimento


seu. Jesus dis que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se
perder a sua }u que dará o homem em recompensa da sua alm^?”
(Mt 16.26). - -----------------------------
Tudo o que eu fizer no mundo (literalmente tudo) deve antes ser visto e
analisado para descobrir se é ou não algo que vai acarretar prejuízos eternos
para minha alma.
Antes de fazer alguma coisa, devo perguntar-me: “Quais as conseqüências
eternas do que eu pretendo fazer?” Se eu ganhar materialmente, mas perder
a minha alma, o que vai levar-me a um ônus eterno, eu fui um louco. Se
acontecer-me de perder materialmente para ganhar espiritualmente, eu terei
um lucro insofismável e eterno. -ÍNem. sempre o que tem valor para a sociedade
é realmente importante]^ sociedade sempre inverte e perde os valore^ más
eles permanecem em sua essência, quer aceitemos isso, quer não. Um dia
seremos julgados pela maneira como valorizamos as coisas que a Bíblia
enfatiza que valorizemos.

Amar é valorizar-se
Uma pergunta oportuna seria: “O que é prejudicial à alma?”
Nunca terei prejuízo quanto à minha alma e em relação à eternidade,
quando tudo o que eu fizer for feito sob o ângulo do verdadeiro amor.
O que é prejudicial à alma é tudo que não é amor, isto é, tudo que não
é feito por amor a Deus ou ao próximo, mas por meros desincumbimentos,
de responsabilidade^] faor conveniências ou proveitos próprios. E claro que
ó prioritário é o amor a Deus, até porque só amamos o nosso próximo
perfeitamente quando amamos a Deus. O apóstolo João faz questão de
enfatizar isso diversas vezes em sua primeira epístola.
Mas o meu amor a Deus não é prioritário só por causa disso. Também é
prioritário porque, se faço algo que aos olhos de meu próximo é um ato de
generosidade, mas vai interferir negativamente no meu relacionamento com
Deus, devo dar preferência ao meu compromisso com Deus. Nem sempre
o que é amor para meu próximo é verdadeiramente amor. O padrão justo
do amor é Deus. “Deus é amor”.
Uma coisa para a qual eu queria chamar sua atenção ainda, inclusive
para enfatizar melhor o que dissemos no último parágrafo, é que Deus é
amor, mas o amor não é Deus. Com isso entenda que o padrão, o modelo
ideal do verdadeiro amor, só o encontramos em Deus. Se queremos saber se
algo é amor puro de verdade, devemos analisá-lo pelas configurações divinas
do amor.' Se encaixar-se com o figurino divino, é amor; se não se ajusta a
esse figurino perfeito, devemos rechaçar o tal “amor”.
mui ^ma

Quando faço descaso dessa regra, tendo a acreditar que o meu conceito
ilc amor, ou o do meu próximo, sempre é verdadeiro, quando nem sempre
o é. Tem que ter base na ótica de Deus, na vontade divina.
O mundo tem vários conceitos de amor, mas será que tudo que eles chamam
de amor é amor mesmo? Com certeza, a resposta é não. O mundo pensa que o
amor é Deus e, porque pensa assim, tende a divinizar tudo o que chamam de
amor. Se eu agir ou pensar dessa maneira, começarei até considerar Deus a
minha imagem e semelhança. Deus passará a ser como eu acho que Ele é ou
como eu sou. Ele se tomará um deus a meu modo. Isso é um enorme erro.
Outra coisa interessante quando concluo que Deus é amor mas o amor
não é Deus é a que foi preconizada em um trecho do livro Os quatro amores
do filósofo cristão, in memoriam, C. S. Lewis:

A declaração do apóstolo João de que Deus é amor foi comparada em


minha mente ao comentário feito por um autor moderno (M. Denis
Rougemont) de que o amor deixa de ser um demônio somente quando
cessa de ser um deus; cuja sentença pode naturalmente ser apresentada de
outra forma: começa a ser um demônio no momento em que começa a ser
um deus.
Este equilíbrio me parece uma proteção indispensável. Se nós o
ignoramos, a verdade de que Deus é amor pode furtivamente vir a significar
para nós o inverso, de que o amor é Deus.
Suponho que todos os que pensaram no assunto verão o que M. de
Rougemont queria dizer. Todo amor humano, em seu apogeu, possui a
tendência de reivindicar uma autoridade divina. Sua voz tende a soar como
se fosse a vontade do próprio Deus. Ela diz para não contar o custo, exige
de nós compromisso total, tenta superar todas as outras reivindicações e
insinua que todo ato feito sinceramente “por causa do amor” é, portanto,
legal e até meritório. Que o amor erótico e o amor patriótico tentam dessa
forma “tornar-se deuses” é geralmente reconhecido. Mas a afeição familiar
pode fazer o mesmo, assim como a amizade, embora de modo diverso.

O que Lewis disse brilhantemente, em resumo, é que o meu amor pelas


pessoas deve existir, inclusive com as características todas do amor perfeito
como vemos em Deus; mas isso não significa que deve ser colocado no
mesmo nível do meu amor a Deys?Eu devo amar a todos; mas o meu amor
a Deus devèsuplantar qualquer outro relacionamento meu.TJão deve
esmagar ou dertruir qualquer relacionamento meu (a não ser que seja
realmente pernicioso), mas deve transcendê-lo. Já demos uma pincelada nisso
no capítulo passado, quando citamos o bispo de Hipona, Agostinho.
Jesus certamente referia-se a isso quando disse algo que cabe para o
missionário transcultural, que abandona tudo, pessoas e bens, para o serviço
// >
Reflexões sobre o eo

exclusivo do Mestre, tanto quanto para o que é abandonado pelos seus pofl
ser fiel a Ele: E todo aquele que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, oil
pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou terras, por amor do meu nome, receber®
cem vezes tanto e herdará a vida eterna” (Mt 19.29). I
Jçsus fala nesse versículo de valorização da alma e conseqüent®
investimento para a eternidade] Ele ensina aqui que valorizar a alma, investí®
para a eternidade, é sinônimo de amá-lo mais do que tudo e todos. Ele él
igualmente direto em Mateus 10.37: “Quem ama o pai ou a mãe mais dol
que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do qual
a mim não é digno de mim”. I
Vejamos agora outro lado mais profundo da desvalorização. I
Devoção sem amor I
Se você se lembra bem, falei que existem coisas que as pessoas fazem 1
sendo movidas por amor, mas por interesses próprios ou por conveniências.!
O mal não pode ser feito com amor, mas o bem pode ser feito sem amor. I
Há pessoas que se vendem por quase tudo. Eles valem cifras. Estes são os I
interesseiros declarados. Descobrimos facilmente suas motivações. Mas háI
os que camuflam suas motivações com “capas” de boas ações. São falsos.I
Passam “verniz de boas atitudes” para cobrir o que é a essência, o que desejam 1
realmente.
Entretanto, a desvalorização mais sutil do ser ainda não é a prática do
bem sem amor. É a desvalorização voltada para o lado religioso, é a “devoção
sem amor”. >
Muitos dizem que valorizam a alma quando, na verdade, buscam, através,
do espiritual, o material. ~
Devemos buscar o espiritual, e as outras coisas virão em seguida de todo
jeito, mesmo que a reboque, se forem realmente necessidades. A Palavra
promete. Mas o que vemos hoje? O inverso explícito ou implícito. Vemos
pessoas que desejam saber do material mais do que do espiritual e as que
buscam aparentemente o espiritual* Não querem realmente saber tanto do
espiritual;\óusam oespiritualcomo ponte para chegar aos seus alvos toçáyeis.
Buscam a Deus com segundas intenções, não porque o amam realmente.
Elas pensam em ser recompensadas pela “devoção”. Não buscam o Reino
de Deus. Pensam “nagxlemais coisas” que foram prometidas para quem
buscasse o Reino. ÍMtov* [ cL. v-'
Uma coisa é vermos a declaração de Cristo em Mateus 6.33 como algo
que nos auxilie na busca do Reino, que nos livre de interferências na
comunhão com Deus, de pensamentos direcionados para problemas
materiais, pois a preocupação atrapalha a devoção, e outra coisa é vermos
'laioiitje Mia ,’4!ma

Cisas palavras possuírem no coração uma intenção puramente exploradora.


Jesus queria que os seus ouvintes ficassem atentos às verdades divinas. Eles
tinham que absorver os princípios do Reino.
Muitos estavam preocupados com os problemas materiais ao ponto de
nao conseguirem buscar, ou mesmo perceber, o Reino. Então Jesus proferiu
aquelas palavras para que eles deixassem de lado a preocupação com o
material e valorizassem o que estava acima do material. Ele queria que o
povo percebesse o Reino de Deus como um fim em si mesmo, e não como
um meio-para se chegar a um fim. Ele desejava que aquela multidão do
monte encontrasse em Deus o sentido da existência e a satisfação total.
Jesus ensinou que quem encontra Deus descobre tudo, realiza-se
italmenie, completa-se ./As “demais coisas” são apenas sobremesa. Sem
as, posso ser feliz, mas sem Ele, não consigo.- Ele falou que quem se permite
ser abraçado por Ele sente-se satisfeito com muito ou com pouco (é
interessantíssimcTque você leia, neste momento, Filipenses 4.11-13) e está
certo de que, nos momentos de extrema necessidade, porque prioriza o
Reino, porque se satisfaz em Deus se agrada dEle (você se lembra do que
dissemos no capítulo anterior?), Deus suprirá todas as suasjreais!necessidades.
E não só isso; também terá sempre recursos internos para superar os
obstáculos çxiernos e conquistar muitos objetivos (que não prejudiquem o
relacionamento com Deus). Era isso que Jesus queria dizer.
As pessoas que não vêem essas palavras do Mestre por esse prisma não
vêem] Deus como a major jiccessidady delas,Áias^como um meiq para
tangerem seus alvos reais, Deus passa a ser sinonimo de ponte ao invés de
porto. Na essência, é isso mesmo.
Diante desse fato, chegamos à conclusão de que bom é não nos
esquecermos de que vale realmente para Deus são as nossas motivações.j
Paulo preconizou isso em 1 Coríntios 13, o capítulo do amor. "
O que eu fizer, ainda que seja de um valor moral e ético altíssimo, seja
uma atitude solidária ou de devoção,\sg não tiver motivações correras, puras,
ideais, não têm valor algum para o Senhor. No caso de ser uma atitude de
solidariedade, só tem significado para quem será agraciado pela ação. Deus
nem pexceberá esse ato. Ele vê o motivo, .o que está por trás, o que sinaliza
o coração, É duro, mas é a realidade^
Mais do que nunca, devemos valorizar nossas almas'^
Geralmente, quando lançamos o convite para que uma pessoa não
evangélica aceite Jesus, vemos no semblante dela a imaginação de que, ao
aceitar Cristo, fará bem à denominação, aos pais que são crentes, ao pastor
da igreja, ao pregador, até a Deus, e nada mais. Quando ela aceita o convite
é por insistência ou por conveniência circunstancial. Essas pessoas esquecem
Reflexões sobre a déma e o dtmpo

Pque, ao tomar essa atitude, farão bem a si mesmas, não a Deus ou ao


7 amigos e entes queridos. É bem verdade que haverá alegria na igreja, n(
vCéu, no coração do pregador, do pastor, dos familiares crentes, de Deus,
r mas o maior e verdadeiro beneficiado do momento será quem tomou
Cdecisão.
Quantos crentes agem da mesma maneira, infelizmente!
Inúmeras vezes deparamo-nos com crentes os quais pensam que, ao agir
dessa maneira, simplesmente fazem um benefício à comunidade de irmãos,
à denominação. Obedecem à Palavra de Deus por terem pena dos irmãos
que insistem muito por suas almas. Não sabem que, ao obedecer, valorizam-
se; não ajudam outros, mas a si mesmos.
Zelemos por nossas almas. Deus nos ama. Não amá-lo é autoflagelar-se,
é depreciar-se, é determinarmos nossa própria bancarrota eterna, é avolumar
nosso déficit com o futuro, nossa falência espiritual. Amá-lo é amar quem
está ao meu redor. Amá-lo é prezarmo-nos, é aumentarmos o nosso superávit
pós-morte, o nosso bônus eterno.
Se apenas me amo, não me amo realmente. O egocêntrico não vai para

Í
o Céu. Ele “se ama tanto”, mais do que a tudo e todos, que faz mal a
mesmo - seu fim é a perdição. Se eu não me amo, não o amo; se me am
devo amar mais a Ele do que a mim mesmo. Acima de tudo, amar-me d
verdade significa amá-lo mais do que tudo e todos, sem reservas ou exceçõe
REFLETINDO
SOBRE O TEMPO

uid est ergo tempusV' Essa pergunta tem sido feita por

Q inúmeros pensadores para si mesmos no decorrer dos séculos


— “O que é então o tempo?” Assim como no caso da alma,
os conceitos de tempo são muitos e diferentes.
Entre os filósofos gregos, o mais destacado sobre o tema
foi Aristóteles. Ele pensava no tempo como uma noção
separável de eventos que era suscetível de medida, conforme
uma escala natural. Segundo ele, a medida do tempo não
deveria ser confundida com a idéia do movimento.
A partir da Idade Moderna, o modo de pensar sobre o
tempo sai da especulação filosófica e dirige-se para o campo
da reflexão científica. A primeira consideração científica sobre
o assunto foi a de Galileu, com a sua relatividade mecânica
para os movimentos uniformes, também chamada de
relatividade galileana. Depois temos os conceitos de tempo
expostos por Huyghens, Newton, Clarke, Leibnitz, Berkeley,
Euler; temos o tempo cinético com D’Alembert, Lagrange,
Laplace e, por fim, temos Einstein, com a teoria da
relatividade, e alguns de seus coetâneos.
Não vou utilizar este capítulo para citar todas as definições
de tempo que surgiram em todas as épocas. Não só porque
são muitas, mas também porque são coisas que não nos trazem
o mínimo desejo de gastar tempo e linhas com elas. Sabe por
que acho extremamente desgastante e desnecessário citar essa
montanha de conceitos sobre o tempo?
Em primeiro plano, porque a maioria dessas definições é
científica e, no nosso caso, não nos interessa. Em segundo
lugar, quanto aos conceitos filosóficos, nenhuma definição
puramentefilosófica do tempo éperfeita, absoluta ou definitiva.
Por isso mesmo não tenho pretensão alguma de expor uma
Reflexões sobre o .dlma e o

melhor e mais profunda definição filosófica de tempo após analisar toda»


Sei que não poderá ser perfeita, como as outras também não foram. O qUB
tentaremos fazer neste capítulo é conceituar o tempo _de uma maneifl
equilibrada através de sua definição mais simples.
Em terceiro lugar, porque todas as definições puramentefilosóficas do temfÊX
não são práticas para nós, não afetam nossas vidas ou nosso comportament^ I
Prefiro uma definição mais simples e pragmática, que me faça ter uma visãÉ I
melhor da vida como ela é. â

Agostinho e o tempo ■
Antes, provaremos a dificuldade de se definir o tempo. Como lhe disse*
não vou fazer inúmeras citações. Para provar isso, basta ouvirmos um únic«
pensador. Será Agostinho, pois é considerado o maior pensador cristão sobrÉ
o tema. Atentemos para suas palavras: 1

Pois o que é o Tempo? Quem é capaz de explicá-lo de maneira fácil e 1


breve? Quem é que possui tanto poder mental ao ponto de compreendê-lo I
e expressar-se com referência a ele? E, no entanto, que é que mais 1
mencionamos em nossas conversas habituais com maior familiaridade e 1
conhecimento do que o Tempo? E, por certo, o entendemos suficientemente I
bem quando falamos dele; entendemo-lo, também, quando em conversa ]
com outra pessoa ouvimos referência a ele. Que é, pois, o Tempo? Se ninguém I
me pergunta,Vu sei o que é;frnas se eu desejasse explicá-lo a alguém que me I
fizesse a pergunta\simplesmente não sou capaz] • I

Agostinho refere-se a um<patadoxo,ao fato de ao mesmo tempo sabcrma


e não sabermos o que é o tempo. Se alguém falar de tempo em seu colóquiç
corriqueiro, nós sabemos do que se refere, mas se formos tentar definj
tempo, a complicação começa. O que é o tempo?
Mais adiante Agostinho tenta aprofundar-se um pouco mais. Os capítula
13 e 28, do XI livro de Confissões, contêm todo o pensar desse pai da Igrej;
sobre o assunto. Vejamos a síntese desse texto, como é feita pela Enciclopédi;
mirador internacional, conforme edição de 1987, volume 19 da coleção:

Se nada passasse, não haveria passado; se nada adviesse, não haveria


futuro e, se nada fosse, não haveria presente. Mas o passado e o futuro,
como podem ser, se o passado não é mais e o futuro ainda não é? O próprio
presente, continua Agostinho, se fosse sempre presente, sem perder-se no
passado, não seria mais Tempo, seria eternidade. Logo, se, para ser Tempo,
o presente deve passar, deve tornar-se passado, deixando de ser presente,
como se pode dizer que'??—
Pode-se dizer que o Tempg é porque se encaminha para o não ser.
•flf/lrlini/o iivbr o

Refletindo ainda sobre o presente, santo Agostinho observa que, reduzido


o ano corrente, o presente não é presente enquanto ano, pois o ano se compõe
de doze meses e cada mês, seja qual for, está presente apenas enquanto jestá
cm curso, pois os outros meses ou são passados ou são futuros, porvir. E o
mês em curso não é presente enquanto mês, mas apenas em um de seus
dias; se for o primeiro, todos os outros serão futuros; se for o último, todos
os outros serão passados; se for um dia qualquer, estará entre os passados e
os futuros. Eis a que se reduz o tempo presente. Mas, mesmo o dia, que se
compõe de vinte e quatro horas, hão está todo presente; em relação à primeira
hora, as demais são futuro, em jelação à última são passado, o mesmo
ocorrendo em relaçãõasEõrãs inrermediárias^A própria hora não é present/».,
pois se compõe de minutos, partículas fugidias^ [em jglação às quais as
anteriores são passado e as posteriores futuro.f
O presents seria, pois, o instante, o ponto indivisível do tempoL.Qia,
diz Agostinho, esse único ponto que se pode chamar de presente é arrastado
tão rapidamenté do futuro ao passado, que não tem alguma extensão de
duração; pois se tivesse alguma extensão, dividir-se-ia em passado e futuro,
mas o presente é sem extensão.

Agostinho diz que o (tempo é ambíguo, pois nos dá uma sensação de que
i infinitamente divisível, o que nos levaria a usar o termo infinito para o
que é finito; pois o tempo é finito e por outro lado indivisível, se meditarmos
na concepção de que se compõe de presentes (ou instantes) que não são
divisíveis.
Agora, veja como conclui Agostinho, depois de considerar essa
contradição e aparente irracionalidade do tempo.

Concluindo sua análise, observa Agostinho que nem o futuro nem o


passado são. pois± impropriamente que se fala em três tempos\pois, a
rigor.ise deveria falar no presente do passado,'no presente do presente e no
presente do futuro[ Esses três modos do Tempo “estão em nossa alma”,
como pretendia IJlotino\O presenrexlo-passado-é amemóriaV presente do
presente é a visão (percepção) direta. )e o presente do futuro é a expectativa,.
a esp£iaj[Que 0 futuro ainda nao seja, quem o negaria? A espera do futuro,
no entanto, já está no espírito. “Que o passado não seja mais, quem não
duvida) Mas aJernhtança^do passado ainda está no espírítp. Que o presente
seja inextenso. sendo apenas _um ponjo fugiaio, quem o contestgjja?- Mas o
que dura é a atenção pela qual o Tempõseêncaminha para o não ser mais,
aquilo que, pela atenção vai passar”.
Ao proferir um discurso, a atenção se volta para o seu conjunto. À medida
que se fala, a atenção se concentra em duas direções: é memória em relação
ao que se disse, é expectativa quanto ao que se vai dizer. A atenção, porém,
fica presente, a atenção por meio da qual o que ainda não era se torna o que
Reflexões sobre a .'Uma e o “
fyiMio

não é mais. E, conclui Agostinho, à medida que esse movimento se ■


desenvolve, U memória se enriquece de tudo o que é perdido pela.aicnção, <
até o momento em que a espera se esgota completamente, a ação se achando ■
concluída e tendo passado toda para a memória. O que ocorre com o ■
discurso, também acontece com as palavras que o compõem, e com as sílabas ■
das palavras. E, mais ainda, com a vida toda do homem, da qual os atos são ■
apenas parted e, enfim, com a história de todas as gerações humanas, das B
quais cada vida individual é apenas uma parte. ■

Como você pode notar, o máximo que Agostinho conseguiu chegar aind|
é escuro. Ele foi o que trouxe um pouco mais de luz. Mesmo assim, a nossf
visão ainda permanece obtusa. Aprendemos apenas que o tempo é formado
por três ângulos de presentes que obviamente não são iguais e que encontrank
sua síntese dentro de nós através da nossa memória, da nossa percepção fl
da nossa expectação. Como posteriormente diria G. Khalil Gibran: “0
ontem é apenas a recordação de hoje, e amanhã, o sonho de hoje”.
Portanto, se o maior pensador sobre a questão do tempo não consegui®
uma definição absoluta, só trouxe o assunto para mais próximo, para dentro
de nós, não devemos ter a pretensão de consegui-lo. Em outras palavras, a
definição que apresentarei aqui não será profunda, porque não adianta
tentarmos ser mais profundos ou sofisticados do que isso. 1
A DEFINIÇÃO MAIS SIMPLES E PRÁTICA DO TEMPO 1
Citar definições que são bonitas, um pouco interessantes, mas hã<l
acrescentam algo de novo para nossa alma é frugalidade. Darei algumas
definições mais simples e práticas para nós. E, para chegar a essas, como já
afirmei, desejo começar a pensar com você sobre o tempo baseado em sua
definição mais simples possível.
' A definição mais simples de tempo é “sucessão dos anos, dias, horas,
minutos, segundos etc”. Se fôssemos procurar uma resposta melhor, partindo
jfessa simples definição, perguntaríamos ainda: “O que é um dia? O que é
uma hora? Como posso definir um minuto? Como é possível descrever um
milésimo de segundo?” Como você pode notar, trabalharíamos com medidas:
ano, dia, hora, minuto, etc. Isso nos leva a uma conclusão óbvia: O tempc
léo aghirinamenro dessas medidas^ .
Ora, o que pode ser mecfictoeuma dimensão. vlxempo, então, é ui
_xlimensão\ A nossa idéia de tempo não deve ser, ainda que nós tenhamos)
uma sensação contrária, ide ügoInfinito tempo é algo criada por Deus-ã
humanidadeparadimensionar sua existência naTerr^jO tempo feve começo
A humanichtde está na dimensão que chamamos tempo. Deus não. Foi
Ele quem criou o tempo, o que nos leva à conclusão óbvia de que, se antes
HSo existia tempo, pois Deus o criou, logt^Deus não vive no tempo,porque
nunca precisou viver nele antes. r
1 )eus é eterno^fi eterno significa sem começo e sem fim. Mas como pode
ter isso? Não é algo estranho? É estranho para nós que somos acostumados z
tom o tempo, é esquisito para nós que somos criaturas, humanos,
costumados com as fronteiras, com a transcientps, limitados. Não podemos,/
(descrever o divino com parâmetros humanos. Ç) parâmetro de lá é outro
qile excedée transcende os nossos.IPara ser mais objetivo,, nada lá pode ser
medido nem comparado com as coisas daqui/ Somos humanos, Deus é
divino. Nossas lógicas e deduções só servem perfeitamente para o humano
r visível.
Quem somQs nóspara descrevermos e detalharmos tudo de Deus e suas
|>cculiaridades?(Q_que Èle quis revelar podemos alcançar\O que não revelou,
ou não revelou como, a nossa mente não pode tangenciar. Deus vive na
eternidade, lem outra “dimensão” (uso nesse caso essa palavra aspeada, quando
4 relaciono a Deus, porque a "dimensão de Deus”, por assim dizer, é diferente
de qualquer dimensão que existe ou possa existir, porque eu não a meço.
Por issoT não é realmente uma dimensão. Uma dimensão pode ser medida.
Essa não. E, então, um ambiente).
Deus vive em um ambiçnte onde não existe envelhecimento, passado '
nem futuro —jjido é um presente glorioso. Nossas medidas não valem lá.
Para Ele, tanto faz um dia como mil anos. Para Ele, mil anos é um dia,e um
dia é mil anos.^Jão sabemos como pode ser, mas éj Resta-nos somente
adorá-lo em profunda expectação e amor, porque se Ele pudesse ser
plenamente explicado não era Deus. Jile é indescritível, insondável. Por isso
é Deus. Glória e honra pois a Ele para sempre e sempre!
A palavra tempo aparece na Bíblia 446 vezes. O termo mais usado no
grego para tempo é cronos, daí as palavras cronômetro, cronologia, crônica,
etc. No entanto, quando a Bíblia se refere a Deus, costuma usar no grego,
para sua “dimensão”, o termo aiónios, que é similar aos vocábulos hebraicos
'adh e 'óãm. De acordo com os dicionários bíblicos, esses dois termos falam
de eternidade. Eles surgem no Antigo Testamento para descrever a
longevidade dos montes e, quando isso acontece, muitas vezes estão em um
sentido poético, para referir-se à eternidade; surgem para se falar de um
tempo de duração desconhecida e, na maioria das vezes, para serem
relacionados à pessoa de Deus, que é eterno e não está sujeito ao tempo, ou
âs coisas relacionadas a este.
O termo grego aiónios surge no Novo Testamento e significa, geralmente,
tempo indefinido no passado ou no futuro. Justamente por isso, além de
\ .- t i I
Reflexões sobre a dlma e o fopúítc

seu significado temporal, que é eterno, significa também divino ou imortl


Portanto, aiónios é o “tempo” de Deus, é a dimensão imensurável, t
ambiente dEle. O nosso é cronos.
zor envelhecemos, sentimos passado, presente e futuro como coil
ite, distintas; distinguimos dias, semanas, meses e anos; fazemi
niversários, jubileus e rompemos décadas, séculos émitênic
r não há isso. Não há sensação de passado ou de futuro. Lá tu<
E tem mais. Deus, quando olha para o mundo, vê todos i
acontecimentos do presente e do
porque Ele é Eterno. Como disse C. S. Lewis, Ele não prevê õs fatos. Ele
vê, e ao mesmo tempo. Na sua “dimensão” não existem as palavras “ontei
e “amanhã”; no vocabulário daquele ambiente há apenas hoje e agora.

Tempo e tempo
fc)eus nosjlêu o tempo} Ele não vive no tempo. O tempo é nosso,

dom que Deus nos concedeu, concluímos que, como dom, devemos sabef
como administrá-lo?. Deus nos cobra por tudo que fazemos de erraddf
inclusive a má administração do nosso tempo. Por isso o apóstolo Paulo
disse: “Remindo o tempo porquanto os dias são rriãus”/'
Existem muitas pessoas as quais pensam que o tempo é de Deus. De
certa forma, estão certas. Quem criou esta dimensão e nos colocou nela foi
Deus. Mas Deus fez o tempo
para o tempq;!ete foi criado pa
é próprio da humanidade. Ela deve saber como aproveitá-lo, como usufruí
clele o máximo que puder, sem erros?se não desvalorizará as suas própriaj
almas.
Pensemos nisso um pouco mais e no sentido da individualidade.
Quando pondero no compromisso da humanidade em relação ao tempo
que recebeu de Deus e na minha parte nesse compromisso, desde que façaj
parte da humanidade, isso me leva a uma fragmentação do tempo. ]
Se estou nesta dimensão chamada tempo, junto com tantos outrol
seres humanos, e estarei por pouco tempo nela, entrei no tempo muitd
depois de ele ser criado e vou partir daqui antes que ele desapareça, o qud
me resta é.um fragmentando tempo. A minha vida na Terra é um fragmento
do tempo. O tempo é da humanidade e eu, como ser humano, tenho
uma parte desse todo. Eu tenho ojagg tempo, isto éfa duração da minha
vi_dam€stadimensão.\É minha chance de parricipar^de existi r^É pequeno.
porque é pequeno, a Bíblia chama-o de um “sopro” ou “um
.fiejitiinflo d<i>f o .‘ir nif/r

() tempo é uma dimensão para a humanidade, mas para mim, ser humano /
fin particular, o termo significa o fragmento no qual eu vivo nesta dimensão. I
Não quero entrar agora na questão da sensação que às vezes temos de
i|iie o tempo parece uma eternidade ou algo curtíssimo. Esse é um tema
burilado noutro capítulo. O que digo aqui é uma alusão ao fato de que a
llossa existência, em particular, realmente é um fragmento minúsculo, se a
analisarmos sob a ótica do tempo como um todo. Ele não parece pequeno;
rlv é pequeno, conq uanto às vezes nem pareça.
('ada ser humano, individualmente, tem direito a um pedaço do tempo,
l ogo, por apenas termos um espaço curto e por ele ser-nos concedido só
^[jiia vez, como ensina a Palavra de Deus (não as doutrinas espiritualistas),
l(t uç. lutarmos pela va|orização do ixqsso espaço, do-nosso. tempo.
Usar o tempo fora do ideal de Deus para minha vida é perder-me, é
ijçsvalorizar a minha alma. Devemos nas conscientizar disso. Afinal de
tontas,[somos mordomos~quer desejemos ou não.^E, como mordomos,
nina das nossas mordomias é o nosso tempo. Escreveu o Dr. Bruce Milne
no seu livro Know the truth, publicado em 1982, e em 1987 no Brasil com
o título Conheça a verdade-.

Nossas vidas perdidas são gastas em tempo perdido. Através do pecado


perdemos o direito à imortalidade (Gn 2.17; 3.19); nossos dias são contados.
O juízo futuro de Deus é prefigurado no juízo da morte. Deus nos concede
tempo, mas este se move inexoravelmente para o seu final, quando todos os
nossos planos, propósitos e sonhos são finalmente cortados pela mortalidade.

A vida é curta, e quando a vivo permeada de desobediência a Pense


errando os alvos) perco o meu tempo, sacramento o meu insucesso, a minha
condenação. Devo viver para Deusio meu tempo para saber administrá-lo
melhor e ganhar no fim de tudo. Isso veremos com melhores detalhes em
outro qapítulo. .
O que é o tempo? ~~------- ------------
E uma dimensão. E um dom a todos que vivem no chão deste planeta.
Prestaremos contas a Deus por ele. \
A VIDA SOB
OS TRÊS DIFERENTES
ANGULOS DO TEMPO

u penso que muitas das posições da vida de algumas pessoas

E estão estritamente relacionadas à maneira como cada um


olha o seu tempo. O tempo só tem três direções para onde
posso dirigir a minha visão e reflexão. Posso observá-lo
olhando para trás, para as coisas ao meu redor e para o que
possa estar na minha frente. Minha visão pode ser passado,
presente ou futuro. Posso analisar a minha vida debruçado
no passado, trocando cartas com o agora ou considerando o
nunca perfeitamente decifrado depois do depois.
Dependendo de qual dessas óticas é a minha, descubro
que tipo de sentimentos habitam minha alma.
Que periodo do tempo o fascina mais? Qual o tempo do
tempo que o impressiona, chama mais atenção ou o prende
mais?

Conjugando a vida no pretérito


Digamos que seja o pretérito.
Quem gosta de “viajar” mentalmente pelo passado,
freqüentemente “preteriza” suas verbalizações. São os famosos
saudosistas que espalham nostalgia por onde passam. Só falam
no sentido “ontem”.
A vida para eles não é progressiva. Eles não progridem.
Eles só olham para trás. Eles depreciam o presente por causa
do passado e são negativistas em relação ao futuro. Pouco de
bom extraem do presente e, quando conseguem, comparam
as descobertas recentes como um pouco inferiores ao acervo
do passado. Quando são muito boas, são relutantemente
aceitas como do mesmo nível; nunca como superiores. Esse
tipo de pessoa tende a padronizar o melhor conforme o
modelo antigo. O melhor sempre é o passado.
Reflexões sobre a .dbiui e o .‘Hih/k. ■

Eu sei que existem algumas virtudes num saudosismo sadio. Sei que fl
ontem nos ensina hoje a não cometermos os mesmos erros amanhã. Sei qufl
nem tudo que pensamos ser hoje novidade é realmente inédito. São n|
maioria antigas coisas vestidas de roupagens novas. Salomão já disse isso em
Eclesiastes. Mas ele também disse que “o melhor está no fim” e que não 4
sábio pensarmos que o passado sempre será melhor do que o presente ou do
que o futuro em todos os sentidos (Ec 7.8,10). Ele quis dizer que podemod
ser conservadores sem deixarmos de ser progressistas.
Quando o pretérito é nosso único ângulo na vida, quando só olhamoi
para trás, tornamo-nos museus, só fazemos guardar, armazenar, internalizara
mas nada produzimos. Não fazemos porque acreditamos que já foi feito ou!
achamos que não pode ser feito de novo, que não pode vir a acontecer mail
uma vez ou não pode ser superado hoje e amanhã. Devemos evoluir,l
melhorar. O passado deve servir apenas de base, não de ideal definitivo. ;
Temos que ser usinas, não museus. Não devo apenas guardar e admirai]
idéias do passado, mas transformar isso, que está em mim e veio de lá, em1
coisas boas para cá, para o presente. Devemos explodir, não implodir.
Senão, mofaremos por dentro, caducaremos a nossa alma, embora ainda
jovens; cansaremos de viver antes mesmo de termos começado a viver;
produziremos nas nossas interioridades não só pensamentos pessimistas e
esclerosados, mas também sentimentos com as mesmas características e que
azedarão a nossa existência.

Conjugando só no presente • ]
Mas digamos que o nosso ângulo seja simplesmente o presente.
Olhar o presente é uma coisa boa. O realista é o que observa e encara o
presente; não foge, mas enfrenta e assume. É uma virtude. Agora, o problema
está em vermos só o presente. Aí o quadro muda. Adotaríamos ou uma
filosofia tipo a de Jean Paul Sartre ou uma filosofia desanimadora
absolutamente.
Concordo plenamente com a descrição do terrível perigo da filosofia do
francês Sartre, feita pelo Sr. Paul E. Billheimer no seu livro Seu destino é o
trono (publicado no Brasil em dezembro de 1984):

Ensinava ele [Sartre] que cada homem existe num compartimento


estanque como um indivíduo isolado num universo sem propósito. Uma
vez que não podemos saber quem somos, de onde viemos e para onde vamos;
uma vez que não entendemos o passado e não temos esperança do futuro,
então o trepidante momento atual é tudo o que importa. Somente o que
percebemos no presente imediato é significativo e tem sentido. As metas
distantes não têm qualquer validade. Portanto, sacrificar o presente em favor
do futuro é absurdo e estupidez. Desta filosofia proveio a “nova geração”, a
geração que não pode esperar. O prazer do momento é a única meta racional
da existência. “Prossigamos com a dança, que a alegria não seja confinada.
“Comamos e bebamos, que amanhã morreremos” (1 Co 15.32).
Uma juventude universitária, embebida nesta filosofia existencial de
licença, futilidade e desespero, irrompeu naturalmente em violência
revolucionária, incendiária, e rapina, espalhando morte e destruição nas
cidades e nos “campus” Aas faculdades, no país e por todo o mundo. Quase
da noite para o dia a sociedade explodiu em atos ilegais e crime, em levantes
e assassínios, e na insanidade da cultura drogada. Foi este o resultado da
filosofia da ignorância concernente ao passado e desesperança concernente
ao futuro.

Quando eu não acredito em um futuro e não valorizo a importância do


passado no meu hoje, eu me torno um desesperado, e só encontro como
fuga o envolver-se com todo tipo de entretenimentos, sejam bons ou maus,
que o simples fato de existir pode conceder-me. A filosofia de Sartre não é
desanimadora totalmente porque ela ainda apresenta uma atenuante, uma
fuga — o presente e só — mas nunca uma solução.
A única saída para quem se angustia porque só vê o presente, isto é,
desmerece o ontem, não reconhece a eternidade e por tabela não reconhece
Deus, mas mesmo assim não desiste de manter esse tipo de visão, é o próprio
presente. Se não tem os incursos do futuro ou os estímulos do passado,
tenta encontrar no próprio presente o que o presente lhe tirou. Está
encurralado. É por isso que o existencialismo proclama que somos
condenados a ser livres.
O existencialismo torna-se hedonista, sensual. O prazer do momento, a
satisfação imediata, o endeusamento do sentir, imoral ou não, é a fuga
apresentada pelo existencialismo.
Há um outro lado do só olhar o presente — é que tendo a ser um “realista
pessimista”.
Sabemos que o realista não só nota pontos positivos, mas pontos negativos
também. O que eu chamo de “realista pessimista” é aquele que vê os dois
lados da verdade sobre a situação hodierna e prefere salientar o lado negativo;
não se alia aos prazeres momentâneos como fugas. “Desde que a vida é
assim, eu não sei o que fazer. Só tenho um caminho, uma saída: o atalho
para a morte — o suicídio”.
O que toma emprestado para si a filosofia de Sartre como a sua filosofia
de vida, opta por um realismo que assume o lado negativo; mas, apesar da
realidade do lado negativo, apesar da patência do mal, da existência dos
problemas que nos insuflam pusilanimidade, procura não se impressionar
vestindo a camisa dos prazeres como fuga. Festas, orgias, prostituição, vícios...
Reflexões sobre a eo

e por aí ele vai caminhando. O “realista pessimista” não. Ele não usai
panacéias. Ele é alguém que não fugiu. Prefere viver casmurro, sorumbático,
melancólico. Optou por vivenciar a realidade da desilusão. Decidiu vestir a
camisa do desespero.
Como você pode sentir, o que olha para o presente pode ser quem encara
a vida, e isso é positivo; porém, quando apenas olho o presente, eu posso
viver, em primeiro lugar, um paradoxo. Posso tornar-me uma pessoa que
“encara fugindo”. Não deixo de admitir o perigo, assumo o perigo, mas
enfrento-o vivendo como se ele não existisse; vivo sob o efeito de narcóticos
psicológicos (isto é, os entretenimentos), sob a influência dos prazeres como
anestésicos para a alma.
Porque eu admito o lado negativo, tento esquecê-lo. Tento me enganar,
mentir para mim mesmo. Quando penso e procedo assim, com certeza
tenho um conflito no coração. Não posso ser feliz totalmente. Sempre estarei
tentando. Minha única felicidade será a ilusão. Com certeza, terei muitos
altos e baixos na alma e nunca chegarei à felicidade verdadeira, porque não
quero ver a vida também para a frente, na perspectiva da eternidade. Esse é
o mal da filosofia de Sartre.
Por outro lado, quando resolvo optar por um encarar sem fugir, quando
sou um “realista pessimista”, quando eu encaro mesmo, mas não tenho
ainda uma visão e esperança para a frente, que me dê forças e sentido para
continuar lutando no presente, luto sozinho, vulnerável, frágil. Então morro.
O óbito primeiro é por dentro. Fico frustrado, desiludido. A vida torna-
se o pior e a morte o melhor. Como já descreveu o teólogo e filósofo
dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855), viver torna-se sinônimo de
angústia, e morrer se torna a melhor opção. Resolvo, então, porque já morri
por dentro, porque já me suicidei por dentro, morrer por fora, suicidar-me
literalmente. O suicídio é o resultado e o final de um processo de
autoflagelação que teve início interior e se consumou por fora.
O suicídio começa dentro, depois atinge o clímax na ação física. Alguém
morto por dentro procura louca e angustiadamente morrer por fora. Existem
pessoas que nem sabemos, mas já estão se suicidando. Só descobrimos quando
a notícia chega: “Fulano se matou!” — para fazer menção do que é a fase final
do processo, a autoflagelação física, a consumação do ato por fora.
É imprescindível dizer que, não poucas vezes, quem começa “encarando-
fugindo” torna-se “realista pessimista”. Eu darei uma ilustração que não
pode ser considerada perfeita, porque se torna falha quando, a partir dela,
alguém tentar explicar o só olhar o futuro; mas creio que servirá para
esclarecer melhor o que digo em relação ao só olhar o presente.
Eu vejo o “realista pessimista” como alguém que está em um poço
profundo com um monstro, não muito rápido, o qual deseja pegá-lo. Esse
.foi Vijnt nfn i/<‘ Jtmfic

alguém não está desapercebido do monstro; mas resolve jogar-se contra as


garras da fera, que é mais forte do que ele, e tenta vencê-lo. Então perde e
morre.
O que “encara-fugindo”, eu compararia a alguém que está nessa mesma
situação, mas que reage diferentemente. Não se rende, mas luta contra a
morte fugindo dela. Esquiva-se do monstro o tempo todo. Todos os dois, o
"realista pessimista” e o que “encara-fugindo”, estão apercebidos da fera,
mas se esquecem de que há uma corda sobre as suas cabeças, a qual poderia
ser um meio de salvação, que é o futuro.
Outra coisa é que, no segundo caso, certamente o que foge
constantemente do monstro lento, se não olhar para cima e fugir, cansar-
se-á um dia, acabará nas mãos do inimigo. Quase sempre isso acontece.

Conjugando só no futuro
Agora, digamos que o ângulo seja apenas o futuro.
Sermos esperançosos é uma excelente coisa. Ser sonhador alucinado é
outra bastante diferente. Quando olho só para o futuro, acabo-me. Minto
para mim mesmo e faço sempre confissões positivas nos momentos em
que a razão diz que não devo fugir da realidade. Tendo a uma loucura.
Uma coisa é acreditar em um futuro melhor, outra bastante diferente é
apegar-se a essa idéia ao ponto de olvidar o presente. Destarte, eu vivo
hoje mas não vivo o hoje. Parece que não estou com os pés no chão. Vivo
utopias, ilusões.
Em alguns casos, não assumo o que sou. Vejo-me sempre vivendo algo
do futuro, que posso até chegar a vivenciar, mas que não é uma realidade
para mim hoje. Calço-me interiormente com coisas que não são verdadeiras.
Piso em falso. Penso que o vento no rosto é sinal de que estou voando ou
llutuando, quando é sinal, às vezes, de que estou caindo, de que meu “pára-
quedas” psicológico falhou, o que só vou perceber quando sentir o choque
da queda. Enfim, corro o risco de quebrar a cara mais à frente. Não preciso
iletalhar mais. Você já deve ter entendido tudo muito bem.

Uma visão completa


Aonde queremos chegar com tudo isso?
Você deve ter absorvido nestas linhas que o ideal é termos uma visão
voltada para todos os lados. Devo valorizar o passado, assumir e viver o
presente sempre alimentando esperanças para o futuro. Mas onde eu
encontro essa síntese de vida? Como conseguir olhar o futuro com esperança,
encarar o presente sem medo e fugas e valorizar o passado o suficiente para
nao mofar?
Reflexões sobre o .dtma e o

Na vida daquele que se permite ser cheio de Deus, encontramos essa


síntese. Quanto a isso, a Bíblia e a experiência estão a nosso favor.
Quando Deus é o nosso Senhor e Salvador, nós contemplamos o passador
como um caderno de lições de Deus para nossa vida no presente; nól
encaramos o presente sem fugir e vencemos, porque nós nos alimentamos
de esperanças concretas relacionadas ao futuro.
Se eu sei que sou salvo por Jesus e busco incansavelmente viver uma vidl
de santidade, tenho certeza de que vou morar no Céu, aconteça o quí
acontecer comigo na Terra. Encaro o presente de cabeça erguida e serft
retroceder. Meu alvo está na frente, vou para a frente, mas não desprezo 0
caminho, os cenários no percurso. Procuro ajudar quem está do meu lado e
mudar as situações. Não me impressiono com circunstâncias difíceis.
Mesmo que não consiga transformar as circunstâncias, posso andar
tranqüilo, porque estou lembrado de duas verdades quanto a elas: são
passageiras e posso tirar delas muitas lições que irão acrescentar muito ao
meu caráter. Hoje são, amanhã não serão mais, e enquanto existirem, porque
não consegui mudá-las, vou usá-las para me ajudar em a ser o que pretendo
ser: melhor. Enquanto isso, mudo o que posso mudar.
Ora, se o meu tempo é curto no tempo, estou prestes a receber meu diploma,
Basta ficar firme, mas não só com as minhas próprias forças; se não eu desabq
Conto, principalmente, com o socorro do onipotente Espírito Santo.
Hoje posso até chorar por algum choque, mas é momentaneamentB
enquanto no Céu vou sorrir para sempre. Vivo aprendendo e com a garantí
de que a vitória é definitiva lá no fim. Detalharei e melhorarei essa conclusão
na terceira parte deste livro, que trata especificamente dessa nova e correct
visão de tempo-vida.
O cristão autêntico, que vive de, em,por e para Deus, não vive preso peU
seu ou ao seu passado, não desmaia ao considerar o presente e não empai idea
ante o futuro. Há esperanças para ele de todos os lados. I
As saliências positivas do passado são motivos de constantes reflexões®
as pontuações escuras não fazem mais parte de sua vida. Ele foi liberto (■ |
passado ruim pelo sangue de Jesus. *
O presente é vivido com a consciência do Onipresente em seu favor,
“Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum,
porque tu estás comigo".
O futuro é uma razão forte permanente de alegria na alma. Não é um
algoz que se aproxima com passos frios e firmes, com a intenção de se tornar 1
presente. |
Exprimindo em outras palavras, o cristão genuíno é aquele que vive nil
tempo com a melhor visão do existir. Uma visão de esperança perfeita em tru
tempos. I
A BREVIDADE
E A APARENTE
PROLIXIDADE DO TEMPO

o que o tempo é para você? Algo ruim ou bom? Nem todo


mundo gosta do tempo. Qual a razão? Não sei se você já
percebeu: o que geralmente determina o que acho do
tempo é a sensação de demora ou de encurtamento dele
para mim.
Se eu sinto que o tempo demora a passar e quero que ele
corra, o tempo para mim é uma desgraça, um inimigo. Se
quero que o tempo dure mais, se elasteça, e sinto que ele se
abrevia rapidamente, ele também se tornará chato ou mesmo
hostil para mim. Ora, nós sabemos que o tempo não é
acelerado rtem devagar. Ele é aparentemente prolixo ou
rápido. Porque sentimos essas variações?

AS NOSSAS PREFERÊNCIAS PODEM SER O PROBLEMA

Ted W. Engstrom e R. Alec Mackenzie, no livro


Administração do tempo, ao comentar acerca do pensamento
de Robert Maclver (cientista célebre mundialmente no campo
da política e da sociologia) sobre o tempo, escreveram:

Ele observa com discernimento que o tempo medido


pelo relógio ou pelo calendário não é suficiente para muitas
das necessidades do homem. O homem pode tornar-se
vítima do tempo indicado pelo relógio, mas a verdadeira
diferença, segundo o autor, está entre o tempo medido e o
tempo vivido.
O tempo medido é inimigo do tempo vivido. Dentre as
várias formas pelas quais nos tornamos vítimas do tempo,
talvez a mais evidente é quando o trabalho que realizamos
não tem, para nós, o mínimo interesse.
Reflexões sobre o .dlma e o ■

O que Maclver quis dizer é que o tempo não é mau em si. Claro, ele nãl
corre nem trota. Ele sempre está no mesmo ritmo. Quem sempre muda dfl
ritmo somos nós. Quando variamos o ritmo, chateamo-nos porque ele nãfl
nos acompanha, não está sujeito aos nossos caprichos. I
O tempo não é prolixo ou curto demais. Nós é que não nos interessamol
pela aula, por isso ela “demora”; nós é que não gostamos de nossa atividadi
na repartição, por isso o dia parece uma “eternidade”; nós é que não gostamol
do culto, por isso o tempo é tão “arrastado”. O problema não é o tempo]
são as minhas preferências, os meus gostos. Os meus desgostos e gostos i
que desgostam o tempo para mim. O tempo não é um inimigo. Ele não I
maligno. '
Que fazer então para reverter esse quadro? A mudança tem que partir dq
nós. Quais são as mudanças precisas? Existem três respostas para a última
pergunta. Vejamos uma de cada vez. ,

Aproveite corretamente o seu tempo |


Primeira: A brevidade ou prolixidade do tempo pode ser transmutada quandà
sei aproveitar o tempo. |
Quando o tempo é bem aproveitado, ele se torna satisfatoriamente extensd
para os que o achavam curto por ser veloz e prazerosamente veloz para
quem não gostava dele por achá-lo extenso.
Uma indagação interessante e oportuna seria: “Como aproveitar bem o|
meu tempo?” A resposta óbvia seria: fazendo o que gosto e o que me (gça
progredir.
Fazer o que não gostamos é ruim demais. Quando faço o que não gosto,
faço malfeito e perco o meu tempo, angustio a vida. Todavia, se doso bem
o tempo medido com o tempo vivido, e este último é vivenciado
intensamente no que gosto de fazer, tudo se encontra no seu devido lugar e
não há mais insatisfação.
Existe ainda uma contraposição: não é verdadeira a afirmativa de que hJ
coisas que fazemos e devemos fazer mesmo sem gostar? Sim, por causa da
necessidade. Primeiro a obrigação (no sentido de dever, mesmo que serri
prazer); depois os trabalhos que eu gosto de fazer (dever com prazer oil
coisas que são boas para mim, mesmo que não sejam tão imprescindíveis!
e, por fim, o lazer. Quando não seguimos essa regra, a relação entre tempo
medido e tempo vivido não é satisfatória.
Se alguém mudar essa ordem ou omitir algo dessa regra, com certeza se
prejudicará. O que digo? Assevero que se eu colocar o lazer no lugar da
obrigação ou fazer qualquer outra mudança nessa seqüência, eu não resolverei
o meu problema. Eu o tornarei pior. E, por outro lado, se eu omitir qualquer1
.dditrvidadt r a dldixidadr dr> .“
Hmfn

llin desses três pontos de minha agenda, mesmo o lazer, com certeza piorarei
«situação. Tudo deve ser feito com prudência e ordem.
John Ruskin disse: “Não há música em uma ‘pausa; porém a pausa entra
nu composição da música. E as pessoas estão sempre omitindo essa parte da
melodia da vida”. Nessa melodia da vida, existem notas de todos os tipos.
Sc todas fossem iguais, a música seria sem nexo. Essa variação de notas
pode representar as ocupações-obrigações (ocupações caracterizadas mais
pelo dever do que pelo prazer) e as ocupações-prazeres (deveres caracterizados
pelo prazer).
As pausas, obviamente, são os momentos de lazer absoluto. Omitir
qualquer dessas partes da música seria desgraçá-la. Devemos encontrar tempo
Iwra todas essas três coisas. Só assim haverá equilíbrio e decorrente satisfação.
C. McKenzie disse: “O tempo não é um inimigo, a menos que você
tente matá-lo”.
Preenchamos o nosso tempo conforme essa regra e deixaremos de
iísassiná-lo, pois não o gastaremos com coisas desnecessárias. Acrescento
unia citação de Machado de Assis: “Matamos o tempo; o tempo nos enterra”.
Cesare Cantu disse que “de todas as prodigalidades, a pior é a do tempo”.
|’or que o ser humano desperdiça tanto o seu tempo? A resposta é que
Iloucos deixam de omitir ou mudar qualquer ponto da seqüência exposta
inhas acima. Quem gastou o tempo, simplesmente existiu; quem aproveitou
o tempo, viveu. ‘

Viver é amar — Ame!


A segunda resposta é uma segunda forma de responder a segunda questão
(“Como aproveitar o meu tempo?”). A resposta é amando.
Quando vivo amando, vivo mesmo e nem percebo essas aparentes
variações do tempo. Porque amo, o tempo é bom, pois me dá espaço
para amar. Já dizia Henry Van Dyke: “O tempo é demasiadamente lento
para os que esperam; veloz para os que o temem; prolongado para os
que sofrem; curto para os que se divertem; mas para os que amam, o
tempo não conta”.
Não espere apenas; espere e ame. Espere amando. Não viva só meditando
na dor. Medite também no amor e ame. Isso irá suavizar a pungente situação.
Não se divirta apenas; ame os que não podem divertir-se e dê-lhes uma
chance de se alegrarem. Mostre-lhes a saída. Isso irá fazer bem não só a eles,
mas a você também. Aproveite o seu tempo amando e, assim, esses fantasmas
psicológico§.o abapdonarãp^O amor lança fora o medo”, diz a Palavra de j
I )eus. O amor quebra os grilhões da tutela que o medo deseja exercer sobre
Reflexões sobre a .dlma e o .‘Jtm/rc 1
Há pano para as mangas. O assunto é rico, mas essas sintéticas palavra!
são o suficiente para compreendermos o segundo ponto. Vamos ao terceirqj

Curto, mas denso '


O primeiro ponto é uma resposta parcial, porque é apenas voltada parí
o material. O segundo é mais profundo. O terceiro é mais ainda.
Os dois primeiros pontos parecem ser absolutos, mas ainda resta uní
aspecto muito importante. O nosso problema só será dissipado plenamente
quando atentarmos para outro lado da primeira questão que foi: “Corna
reverter o quadro?” Observemos esse outro lado.
Se nossa colocação do que é o tempo não é baseada nos nossos gostos,!
mas em um panorama geral do existir, como vimos em um capítulo anterior,
o quadro inverte-se. O tempo, visto como um todo, é realmente curto. A
Bíblia salienta muito isso. Ele pode se tornar aparentemente prolixo, mal
tem pouca extensão. Não vamos muito longe com esta vida aqui na Terra.
Já falamos disso. Ele tem um fim próximo, mesmo se omitirmos at
possibilidades reais de ser acelerado acidentalmente o processo de chegadí
desse fim.
Lembrados disso, temos agora o complemento da resposta: se é real 1
brevidade do tempo quando o observamos sob a perspectiva dele como uni
todo, apesar disso, podemos estar certos de que, mesmo que o tempo não
seja extenso, ele pode ser largo. Mesmo que seja curto, pode ser também
denso. I
Eu posso fazer com que o meu curto período aqui na Terra seja úmd
bênção, quando o incremento, isto é, o enlargueço com uma vida
inteiramente dedicada a Deus e aos homens.
Eu não posso aumentar a duração do meu tempo literalmente, mas
consigo fazê-lo ter momentos imortalizados. Posso eternizar momentosj
quando os vivo em Deus, quando os vivo visando a eternidade e sentindo d
companhia eterna do Eterno.
Disse Bruce Milne em seu livro Conheça a verdade, já citado: |

A regeneração nos leva através de uma crise que a Escritura chama de j


participação com Cristo em Sua morte na cruz (G1 2:20; Cl 2:12). A nova li
pessoa, portanto, já passou para além da sepultura. Embora em um sentido
físico, temporal, tenhamos de sofrer ainda a dissolução do corpo, a morte
em seu terror e o juízo como salário do pecado encontram-se para sempre I
afastados de nós. Esta verdade é significativamente refletida nas referências l
ao “dom da vida eterna” concedida por Deus (Jo 3:16,36; etc.), que não 1
indica simplesmente vida no Céu, mas uma nova espécie de vida que tem 1
início agora e projeta-se interminavelmente para o além.
f a .ffMtunht/o ,'fui/m-

O tempo não é mais um inimigo para os cristãos, fugindo


desapiedadamente entre seus dedos, empurrando-os a cada hora para seu
fim inevitável. Eles têm tempo, mas não para desperdiçar, e sim para ser
usado no serviço para qual Cristo os dirige. Esta dimensão final do novo ser
leva-nos através das fronteiras da existência mortal para a quarta grande
divisão da antropologia bíblica [as três primeiras são a essência da natureza
humana, a humanidade no pecado e a humanidade na graça], a humanidade
na glória.

Quando eu me converto a Deus, eu vejo o além-tempo e isso me faz


viver para Deus com toda intensidade do que eu sou no meu tempo. Eu
vivo sempre na perspectiva da eternidade. Assim, o tempo deixa de ser
desconfortante. Ele se torna deliciosamente curto ou longo. Eu ganho no
tempo vivendo para Ele. Isso me faz, inclusive, ver e ter, em tudo, a ajuda
de Deus. As obrigações são feitas com o auxílio dEle; por isso muitas delas
se tornam em prazer também. As ocupações diárias são presenciadas e
assistidas por Ele, e o lazer é feito com Ele ao nosso lado. Passamos a viver
respirando Deus, sentindo-o como cúmplice dos nossos momentos, como
liei patrocinador da nossa vida, como nosso ambiente natural, e isso é
alentador e estimulante.
Com Deus, o curto se torna longo e o longo se torna curto, em termos
de sensações de duração do tempo. E se de maneira geral o nosso tempo é
breve, com Deus se torna também tremendamente gostoso.
Como está a sua existência, o seu fragmento vivido nesta dimensão
chamada tempo? Como está o seu tempo? Curto e raquítico ou curto mas
abençoado? Não desperdiçe o seu tempo. Não o deixe passar tão ligeiro que
não dê nem para você se arrepender ou recuperar alguns fragmentos do
fragmento.
Se ainda lhe resta um “tempinho”, um fragmento desse fragmento, não
importa se você já perdeu a maior parte de seu tempo. Vá em frente. Deixe
o remorso de lado, arrependa-se diante de Deus e cuide de viver o seu
tempo que resta como Deus quer que você viva. Você pode recuperar a
parte que sobra. Só quem já morreu é que não pode voltar atrás.
Você ainda está vivo? Claro. Se não, não estaria lendo esse livro agora.
Então, mãos à obra!
Guarde isto com você para o resto de sua trajetória de vida nesta dimensão:
o tempo é curto, mas pode ser bom. Depende de você.
1

O DILEMA DA
ALMA ANTE O TEMPO

á falamos durante a segunda e sucinta parte deste livro sobre


o tempo e o nosso tempo, inclusive os relacionamos um
pouco com as nossas interioridades. Falamos de sensações
baseadas no modo como vejo o tempo e de sensações que
tenho de sucintabilidade ou de prolixidade do tempo e que
são frutos da maneira como vejo a vida. A maneira como me
relaciono com o tempo influencia minha vida e a maneira
como vejo as coisas da vida influenciam o meu relaciona­
mento com o meu tempo.
Nesta terceira parte, quero relacionar melhor os assuntos
alma e terApo, a fim de destacar um dilema que foi tangido
ligeiramente na segunda porção, bem como para dissipar este
dilema.
Antes preencherei algumas linhas para avançar um pouco
mais no pensar sobre cronos e aiónios, que foram timidamente
comentados na segunda série deste volume, porque isso me
parece essencial neste ponto do livro, em termos do que quero
apresentar em seguida.

Meditando um pouco mais sobre a eternidade


Uma das boas ilustrações feitas sobre a “dimensão” de Deus
foi a de C. S.Lewis, registrada em seu livro intitulado
Cristianismo puro e simples-.
Suponhamos que eu esteja escrevendo um romance, e
faça um período com duas sentenças, assim: “Maria
terminou o seu trabalho; em seguida ouviu uma batida na
porta”. Para Maria, que está no tempo imaginário da minha
história, não houve intervalo entre a ação de terminar o
trabalho e ouvir a batida. Mas eu, que sou o criador de
Reflexões sobre a e o .‘Jim/io

Maria, não vivo neste tempo imaginário. Depois de escrever a primeira


sentença daquele período, e antes de escrever a segunda, eu poderia muito
bem parar por três horas e pensar com toda calma a respeito de Maria.
Poderia pensar nela como se fosse a única personagem do livro, durante o
tempo que quisesse, e as horas que gastasse nisto não apareceríam no tempo
de Maria (no tempo da minha história) de maneira alguma.

Certamente essa ilustração não é perfeita. Mas pode dar um vislumbrei


do que creio ser verdade. Deus não tem que se apressar no decurso do
tempo deste Universo, assim como um autor não está sujeito ao tempo
imaginário do romance que escreve. Deus tem uma atenção infinita para
dispensar a cada um de nós. Não tem que lidar conosco em conjunto. Você
está tão a sós com Deus como se fosse o único ser que Ele criou. Quando
[Jesus] morreu, morreu por nós, individualmente, como se cada um de nóa
fosse a única pessoa neste mundo.
O ponto em que a minha ilustração falha é o seguinte: nela o autor sai
de uma sucessão temporal (a real). Mas Deus, creio, não vive absolutamente
numa sucessão temporal. Sua vida não se esvai momento após momento,
como a nossa; para Deus, ainda é 1940 e já é 2000. Porque Ele é a sua
própria vida.
Deus está numa ambiente sem sucessões temporais e que me faz ter
certeza de que pode atender-me no mesmo instante em que atende aos
rogos de outros, mesmo quando estes são milhões. Como dissemos, em
uma citação de C. S. Lewis, em um capítulo anterior, Deus não prevê ôs
fatos, Ele os vê, e concomitantemente. Chegamos, então, à conclusão de
que o meu tempo, ou o nosso tempo, não afeta aiónios. Isso é algo
confortante. E a explicação é que Deus é extrapolante, infinito, sempiterno,
imensurável; logo, só pode estar na eternidade. Mas, por ser tudo isso, o
tempo também pode estar nEle, pois o tempo é finito. O finito é um ponto
fixo no infinito. O finito cabe no infinito. Daí outra ilustração de Lewis:

Representando o tempo com uma linha reta, ao longo do qual temos de


caminhar, então temos de representar Deus com toda a folha na qual a
linha foi traçada. Chegamos a cada ponto dessa linha sucessivamente ponto
após ponto: temos que deixar A para trás para chegarmos a B, e não podemos
alcançar C sem deixarmos B. Deus, porém, domina toda a linha: de cima,
de fora, ao redor, e a vê inteira.

Deus não é afetado pelo tempo, mas Ele afeta o tempo. Deus enche o
mundo com uma parte de sua infinitude e por meio de sua onipresença.
Ele está no seu ambiente natural (natural para Ele; sobrenatural para nós),
C dilema dei ,dlma ante n Jémpe>

mas assiste a tudo que se passa por aqui por um dos seus atributos
"oni”(presente, no caso) e habita homens que assim permitem, aqui, nesta
dimensão, para que cheguem lá, na sua “dimensão”, e habitem nEle. O que
me habita é aquEle no qual vou habitar.
Com o afetar o tempo e o habitar homens, chegamos aqui ao “X” da crise
entre a alma e o tempo.
Vejamos estes dois pontos pausadamente e de cada vez.

O DIVINO AFETANDO NOSSA VIDA — KaIRÓS

A essa ação de Deus no tempo chamaremos de kairós. Esse termo grego


significa tempo, ponto no tempo ou momento certo, além de oportunidade
favorável. Aparece 85 vezes no Novo Testamento, sendo trinta nos escritos
de Paulo e 22 nos históricos de Lucas.
Antes de mergulharmos na reflexão sobre kairós, analisemos uma
controvérsia sobre a relação entre a eternidade e o tempo, como é descrita
no Novo dicionário da Bíblia, Volume III, segunda edição (1978):

Dentro das páginas das Escrituras não há qualquer discussão filosófica


sobre a relação entre o tempo e a eternidade. As expressões empregadas para
denotar o caráter ilimitado do ser de Deus são em si mesmo temporais.
Muitos filósofos cristãos têm mantido que a linguagem intensiva de
tempo na Bíblia apontaJ>ara certos aspectos do Ser de Deus que na filosofia
podem ser melhor expressos em termos de uma eternidade de algum modo
qualitativamente diferente do tempo.
Outros têm afirmado que qualquer discussão sobre o Ser de Deus como
sendo fora do tempo não é bíblica; que nossa linguagem necessariamente
faz referência ao tempo e que não podemos falar sobre um ser que viva fora
do tempo sem o risco de abstraí-lo de tal modo do mundo que seja impossível
pensar que ele exerça qualquer influência direta no mundo. Assim sendo, se
o ponto de vista cristão sobre Deus, que O considera ativo na História,
tiver de ser preservado, somos obrigados a aderir às expressões bíblicas em
lugar de usar qualquer terminologia platônica que faça contraste entre o
mundo do tempo “daqui” com um mundo de eternidade de “acolá”. Não
obstante, o Novo Testamento ultrapassa além de uma simples antítese entre
este mundo e o vindouro, “agora” e “então”, mediante sua doutrina de
antecipação.
Qualquer que seja o resultado do debate filosófico, as Escrituras asseveram
de modo insofismável que Deus não está limitado pelo tempo como nós
estamos, e que Ele é “o Rei eterno” (I Tm 1:17; cf. II Pe 3:8 ).

O fato de Deus ser transcendente e onipresente não é uma


ambigüidade. Depende do que acreditamos ser transcendência divina.
Se penso em transcedência de Deus como algo referente à distância ou
Reflexões sobre a ^ma e o

como estar na eternidade sem ação no tempo, alheio, ausente, esto


errado.
A.W. Tozer, no seu livro Mais perto de Deus, chama a nossa atenção par
esse fato:

Quando falamos da transcendência de Deus, queremos dizer


naturalmente que Ele é exaltado muito acima do Universo, tão acima que o
pensamento humano não pode concebê-lo.
A fim de poder pensar acertadamente a esse respeito, temos de ter em
mente que “muito acima” não se refere à distância física da Terra, mas à
qualidade de existência. Não nos preocupamos com a localização no espaço
nem com a altitude, mas com a vida.
Deus é espírito, e para Ele a magnitude e a distância nada significam.
Nós as utilizamos como analogias e ilustrações, e assim Deus se refere
constantemente a estas palavras quando fala à nossa limitada compreensão.
As palavras de Deus em Isaías: “Porque assim diz o Alto, o Sublime, que
habita a eternidade”, dão-nos uma impressão distinta de altitude; mas isso
é porque nós, que habitamos num mundo de matéria, espaço e tempo,
temos a tendência de pensar em termos materiais e só compreendemos as
idéias abstratas quando elas se identificam de alguma forma com coisas
materiais. Em sua luta para libertar-se da tirania do mundo natural, o coração
humano precisa aprender a traduzir a linguagem que o espírito usa para nos
instruir, traduzir de forma ascendente.

O que podemos dizer, sintetizando, é que Deus está em um ambienie


inteira e induscutivelmente oposto e melhor que o nosso; mas isto não o
impede de agir neste mundo. Pela sua onipresença, pela ação de seu Espírito
Ele age no tempo. Cronos não afeta aiónios-, aiónios é que afeta cronos. Deus
conforme os seus planos eternos, move a nossa história. Ele criou cronos e o
incrementa, de acordo com a sua soberana vontade, com seus kairós.
Deus não apenas criou o tempo, mas, dentro do tempo, criou as estações
climáticas e os períodos corretos para o desenvolvimento biológico das
plantas e dos animais, sem nos esquecermos das festas do Antigo Testamento
estabelecidas por Ele para o seu povo Israel. Bem, será que terminou aí a
influência de Deus no tempo? Não. Ele também determina a hora do
nascimento e da morte e algumas das circunstâncias que povoarão a nossa
vida. Digo “algumas” porque existem muitas outras que são forçadas por
nós a existir. Veja o que diz Eclesiastes 9.11:

Voltei-me e vi debaixo do sol que não é dos ligeiros a carreira, nem dos
valentes, a peleja, nem tãopouco dos sábios, o pão, nem ainda dos prudentes,
a riqueza, nem dos inteligentes o favor, mas que o tempo e a sorte pertencem
a todos.
0 difama da .dfmaanh <> .‘fa mfa

Kairós também são as oportunidades que Deus cria e concede-nos no


tempo, no nosso tempo, para sermos e termos. São elas que valem
cssencialmente, não os meus recursos. Se eu estiver repleto de recursos, mas
sem oportunidade de usá-los, não alcançarei os meus objetivos. Não sabemos
quando os kairós podem surgir, mas devemos aproveitá-los quando surgirem.
Sabemos que cronos independe de qualquer possível influência do ser
humano. Ele se move inexoravelmente. Kairós são esses períodos individuais
de cronos, concedidos por Deus, que podem ser efetuados por decisões
humanas. Qualquer ser humano que desperdiça o seu kairós destrói-se a si
mesmo. Devemos reconhecê-los quando chegarem.
Exemplificando, quando Jesus consumou a sua obra salvífica na cruz,
Ele inaugurou um novo kairós, a estação ou kairós da graça. Quem não
aproveitar esse “ano aceitável do Senhor” perde-se. Essa é uma das atividades
de Deus no tempo, uma das influências divinas na história humana.
Essa ação divina que afeta a nossa história em particular ou a da
humanidade, essas manifestações de Deus no tempo de alcance individual
ou coletivo, é kairós, tempos oportunos gerados por Deus.
A grande crise entre alma e tempo, que vemos neste primeiro ponto, é o
fato expresso em Eclesiastes 9.12, a continuação do texto já citado:

Que também o homem não conhece o seu tempo; como os peixes que
se pescam com a rede maligna, e como os passarinhos que se prendem com
o laço, assim se enlaçam também os filhos dos homens no mau tempo,
quando cai de repente sobre eles.

Esse texto não só se refere ao fato de que, quando não aproveitamos


kairós prejudicamo-nos, mas também ao fato de que existem tempos maus,
kairós maus, e poucas vezes o ser humano apercebe-se deles. Se formos para
Eclesiastes 3, encontraremos vários tipos de kairós. Analisemos o texto:

Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito


debaixo do céu: há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e
tempo de arrancar o que se plantou; tempo de matar e tempo de curar;
tempo de derribar e tempo de edificar; tempo de chorar e tempo de rir;
tempo de prantear e tempo de saltar; tempo de espalhar pedras e tempo de
ajuntar pedras; tempo de abraçar e tempo de afastar-se de abraçar tempo de
buscar e tempo de perder; tempo de guardar e tempo de deitar fora; tempo
de rasgar e tempo de coser; tempo de estar calado e tempo de falar; tempo
de amar, e tempo de aborrecer; tempo de guerra e tempo de paz
(Ec 3:1-8).
Reflexões sobre a jdlma e o

Esse texto é considerado por alguns pensadores válido apenas para


época da Lei, pois aqui se fala de tempo de matar, tempo de afastar-se i
abraçar, tempo de amar e tempo de aborrecer e tempo de guerra, o qi
sugere que nem sempre devemos amar e viver em paz com os outros e qi
existe um momento em que podemos praticar a violência ou mesmo mat;
Essas idéias não se encaixam no Cristianismo, na dispensação da graça, m
só na dispensação da Lei. Apesar disso, é necessário compreendermos que
princípio das estações apropriadas permanece.
Houve algumas mudanças radicais nas estações da existência nessa no1
dispensação, mas o princípio das variações de estações permanece. Ain<
existem tempos específicos nesta nova dispensação, apesar de muitos nã
serem os mesmos da antiga dispensação. Ainda existem kairós bons e kairó.
repletos de sofrimentos que são indispensáveis ao roteiro da existência.
É fácil a alma aceitar as oportunidades quando são boas; difícil é aceitai
kairós quando o seu contexto é sofrimento. É quando ocorre uma oposição
interna contra o que nos sobrevem.
Se admito que é Deus o qual está por trás disso, concluo que Ele é mau,
e isso não pode acontecer. Então, prefiro jogar a culpa no próprio tempo.
Não aceito os kairós que considero maus como provindos de Deus. Passo a
concluir que, se o sofrimento entrou no mundo por causa do pecado, Deus
não é culpado por tudo que atravesso. Logo, se quero escapar desses
problemas, devo alcançar a eternidade (e isso não significa suicidar-se, claro,
porque me refiro ao pensamento de alguém que já é salvo por Jesus, uma
pessoa que não aceitaria essa opção por ela ser totalmente contrária à vontade
de Deus).
Ora, se essa pessoa reconhece isso, vai esperar ansiosamente pelo dia da
morte ou pelo arrebatamento da Igreja. Em outras palavras, vai depreciar
sua existência nesse planeta, vai até mesmo chegar a odiar o tempo. Não
afirmo que a pessoa irá arrepender-se de ter nascido, mas que vai viver sua
vida aqui até alcançar os céus de Deus; porém odiando o viver aqui.
Se esta dimensão nos propicia tantas situações más e se não somos daqui,
começamos a desejar que ela passe logo e, como conseqüência, esquecemos
a nossa obrigação de, como cristãos numa sociedade corrompida, lutarmos
por um mundo melhor, ainda que não vejamos isso. Despreocupamo-nos
em nos ocupar aqui, em participar ou brigar por algo bom desta vida. “Para
que ficar me interessando pelo bem aqui? Lutar por um ideal? Eu não sou
daqui! Adianta?”
Quantas vezes escutamos pessoas dizerem que esse período aqui não vale
a pena, não serve, não nos acrescenta coisa alguma.
Vamos para o segundo ponto, pois, após desenvolvido, clarificará o
primeiro.
p
0 (lilt ma tia . vtíma ante o Jtm/»

No "habitar em nós", o avultamento do dilema


A. W. Tozer, em seu livro já citado, registrou o seguinte pensamento:

Nós, que vivemos nesta época agitada, seríamos sábios se meditássemos


sobre nossas vidas e os nossos dias longa e freqüentemente perante a face do
Senhor, e à beira da eternidade. Pois fomos criados para a eternidade tão
certo como fomos feitos para o tempo, e, como seres morais responsáveis,
temos de enfrentar a ambos.

Respeitosamente, discordo apenas de uma colocação desse excelente


pensamento de Tozer. Não fomos feitos para o tempo. Fomos feitos para a
eternidade. O tempo é que foi feito para nós.
A explicação é simples. Antes do primeiro ente humano ser feito por
Deus, a eternidade já existia, é óbvio, e Deus já pensava em cada um de nós
em termos de eternidade. Ele nos fez pensando no eterno. Já o tempo foi
criado por nossa causa. No plano de Deus, passaríamos a viver nesta esfera
até chegarmos àquela outra superior e imensurável.
Tozer também tinha isso em mente ao proferir as palavras acima, mas
achei melhor clarificá-las porque do jeito que aparecem não está claro, e faz
a mente meticulosa questionar: Deus nos fez visando o Céu ou essa
possibilidade surgiu depois?
Vejamos a seqüência d° pensamento de Tozer:

Também pôs a eternidade no coração do homem”, disse o Pregador, e


creio que aqui ele revela tanto a glória como a miséria dos homens. Ter sido
criada para a eternidade e forçada a viver no tempo é para a humanidade
uma tragédia de enormes proporções. Tudo dentro de nós clama pela vida e
pela permanência; no entanto, tudo que nos cerca faz-nos lembrar da
mortalidade e da mutação. Porém, o fato de Deus nos ter feito de material
eterno é uma glória e uma profecia; uma glória posto que futura, e profecia
ainda a ser cumprida.

Quero abrir um pequeno parêntese.


Alguns debates são feitos sobre a questão: “O ser humano era imortal
por natureza, tornando-se mortal pós-pecado, ou a brevidade da vida sempre
foi o plano divino para o homem?” A resposta mais plausível é a de Martinho
Lutero, exposta pelo Dr. Bruce Milne em um trecho de seu livro já citado:

A Escritura associa claramente a morte com o pecado (Gn 2:17; 3:19;


Rm 5:12). [Passa então a transcrever as palavras de Lutero:] “Adão, se não
tivesse pecado, teria mesmo assim vivido em um corpo que necessitaria de
comida, bebida e descanso; e o qual teria crescido, multiplicado e gerado
Reflexões sobre a .-l/ma e o

até que Deus o transladasse para aquela vida espiritual em que teria vivido
sem a animalidade natural, se posso expressar-me assim...E, entretanto, ele
teria sido um homem com corpo e ossos, e não um espírito puro como são
os anjos.

Creio, tal qual Lutero, que Deus criou Adão imortal, mas visando a
eternidade para ele. Se Deus nos fez com parte imaterial, com alma e espírito,’
isso implica que fomos feitos para o espiritual, para a eternidade, para o
ambiente de Deus, não para a Terra. A vida na Terra seria um estágio. A
constituição do homem faz-nos pensar dessa forma./E por isso que é mais
certo dizer que o tempo foi feito para nós do que nós para o tempo./
“Pos a eternidade no coração do homem”. Deus criou o ser humano
para a imortalidade e eternidade. Esse é um dos aspectos da imagem de
Deus no homem, da marca divina carimbada no âmago do nosso ser. Mas
estamos no tempo. Isso sugere uma luta real dentro de nós contra este
ambiente em que vivemos hoje, isto é, o tempo. Enquanto o ser humano
não chegar lá, ele se digladiará nessa curta dimensão, porque não foi feito
para ela.
É bem verdade que existem algumas poucas pessoas que não sentem
fortemente este anelo pelo imortal e o eterno. Tudo isso porque se
envolveram com o pecado, que enegreceu tal sentimento. Vivem para se
esquecer de que um dia vão enfrentar a morte. Envolvem-se ao máximo
com os prazeres sem pararem para pensar no futuro e no que mais preocupa
no futuro — a morte. Se parassem para pensar sobre a morte, sentiríam p
abafado clamor interno pela imortalidade e debater-se-iam diante desse
patente fato.
Agora, imagine você como clamam pelo eterno as almas que já conhecem
Deus. O clamor pela eternidade nesses corações não está obscurecido. Eles
clamam pelo mundo que não passa.
O desejo é ardente. Mas não é um desejo baseado numa desesperança.
Eles não clamam por algo que sabem não conseguir. É um desejo baseado
na verdade de um dia alcançar o eterno, do qual uma porção dele já foi
recebida como penhor.
Todo ser humano tem essa eternidade no coração e por isso clama pela
imortalidade. Mas aquele que já internalizou o Eterno — já experimentou
um poucochinho da glória celestial como amostra do que o espera, passou
a ser morada de um pedaço desse ambiente divino, tem Deus no coração, o
Céu na alma — clama com mais tonicidade. O crente salvo clama (e o
Espírito, dentro dele, também): “Vem, Senhor Jesus!” O crente sabe que
Cristo invadiu corporalmente, por 33 anos, o tempo, para garantir, a todo
aquele que nEle crer, a eternidade.
Não obstante esta certeza, o salvo está ainda aqui e, porque está aqui,
sofre, confronta-se com males do ambiente passageiro. Daí surgem os
sentimentos de desconforto nesta vida.
É bem verdade que devemos amar mais lá do que aqui. Lá é a nossa
estação final, o nosso verdadeiro lugar. Aqui só é uma ante-sala desse
ambiente ideal e definitivo. Mas isso não deve fazer com que eu odeie essa
dimensão ou deseje loucamente a morte o mais breve possível. Este ambiente
é necessário, foi criado para mim por causa de um objetivo concreto, ele
tem um fim. Mas isso já é assunto para um outro capítulo.
Para sua meditação, uma estrofe do belo poema de Bernardo de Cluny,
como aparece no livro de A. W. Tozer já citado:

A curta vida aqui é nossa parte,


Breve tristeza, zelos temporais.
A vida enorme que não sofre corte
Está ali, sem lágrimas e ais.

Esta é a grande consideração do cristão que vive neste momentâneo vale


de lágrimas: Para que amar esta vida aqui?
Que paradoxo angustiante! Alguém diria: “Mas não é passageira? Então
suporte”. Sim, suportar, mas amar? Amar o que me maltrata?
A Palavra de Deus diç que devo amar a vida aqui, mas não acima do meu
amor pela minha Pátria celestial; amar minha pátria, minha existência sobre
este chão e procurar solucionar os problemas à minha volta ainda que pareça
incoerência, pois não sou daqui.
E meu dever, dizem as Escrituras, lutar pelo bem na Terra, mesmo que
eu não o veja e que saiba que não vou permanecer aqui. Estou passando
apenas uma temporada, sou forasteiro, estrangeiro, peregrino, mas sou
também uma das agências de Deus para transformação de vidas e cenários
na Terra que passam pelo meu caminho.
O dilema existe. Estou aqui, mas não sou daqui e, porque estou aqui,
devo viver aqui, mas sempre visando o meu verdadeiro lar.
No próximo capítulo, trataremos de algumas das razões dessas reações
de repulsa da alma ante esta dimensão passageira. No outro, sobre como é
possível amá-lo.
RAZÕES DE ALGUMAS
REAÇÕES DA ALMA ANTE
O TEMPO

uero começar esta reflexão exatamente onde parei a outra.

Q Falávamos de suportar. Suportar não é amar, pois existem


pessoas que suportam sem amar. Mesmo assim, suportar
não deixa de ser uma das características do amor. O amor,
diz Paulo em 2 Coríntios 13, tudo suporta. Suportar é difícil,
por causa do clamor da alma, mas não é impossível. Amar
parece impossível, e não é. Mas, para explicarmos esse “não
é”, para chegarmos aí, temos que, antes, ver os motivos da
alma. Argumentar com ela vem depois da apresentação das
suas razões.
Vejamos o que alega normalmente a alma como sendo
as alavancas desses seus gritos de insatisfação.

O SOFRIMENTO PRESENTE

A primeira alavanca desse clamor é o sofrimento


presente.
Como amar uma dimensão que me propicia sofrimentos
que parecem ser intermináveis? Ao amá-la, porventura não
amarei o sofrimento? Amando o sofrimento, não serei
masoquista? Como masoquista, não serei ignorante?
As intempéries são tão caracterizadoras desta dimensão,
que Buda já dizia que “viver é sofrer”. Para ele, estar aqui,

I nesta dimensão, significava simplesmente estar exposto às


borrascas.
Discordo dessa definição de Buda só em um sentido.
Embora o sofrer seja uma das características mais fortes da

ó vida, não é tudo. O melhor seria não extremar as coisas.


Quando afirmo que viver é sinônimo de sofrer, estereotipo
a existência. Posso dizer o inverso, que sofrer é viver, mas isso
não me autoriza assegurar que viver é sofrer. Não consigo
Reflexões sobre a ,dlma e o .‘Jrmfn

encontrar defesa alguma para esse tipo de pensamento. O sofrimento não é


a vida. É uma parte da vida. Se digo que viver é sofrer, sou simplista na
minha conclusão. A vida tem outros prismas.
O que apresento como alavanca de avultamento da insatisfação do ser
humano com o seu tempo é uma parte do que a vida proporciona. Se a vida
apenas tivesse surpresas agradáveis, para nós seria viver “às mil maravilhas”.
O problema é que nos traz muitos sustos também.
Não declaro com isto que devemos adorar os males de hoje como suaves
e desejáveis pesares só porque poderíam ser piores. Digo que, se a vida já
possui problemas reais, não façamos como tantos que acrescentam a ela os
irreais, aqueles que eles mesmos produziram. Jesus disse que no mundo
teríamos aflições. Ele não disse que buscássemos aflições.
Como diz um antigo ditado norte-americano, “Ifyou catch hell, don’t
hold it; ifyou go through hell, don’t stop” — “Se você pegar o inferno, largue-
o; se você estiver passando por ele, não pare”. Não somos, nem devemos
ser, fábricas de angústia. Bastam os sofrimentos reais e inevitáveis.
Voltemos ao ponto em que estávamos.
E bem verdade que existem pessoas as quais sofrem pouco, mas, prestemos
atenção: sofrer pouco não significa não sofrer. Todo homem, pelo simples
fato de ser humano, de existir, sofre. Uns mais vezes e com pouca intensidade,
outros menos vezes e com pouca intensidade, uns muitas vezes e com muita
intensidade e, por fim, uns poucas vezes, mas com mais intensidade. O que
se pode dizer com segurança é que, indubitavelmente, todos sofrem em
algum momento de suas vidas. Sofrer faz parte do viver.
Por isso mesmo entendo quando alguém diz: “O fato de eu saber que o
sofrimento não é tudo, pode minimizar minha dor, mas não a dissipa. O
sofrimento é o fel da vida”. “Se não fosse o sofrimento, a vida seria melhor”,
acrescentaria outro. Não desejo entrar agora nos méritos da questão. Deixarei
isso para o último capítulo. Este é uma anamnese, uma exposição de causas.

A DEMORA

A segunda alavanca está associada à primeira. Ela é a demora.


A sensação de demora é conseqüência dos sofrimentos da vida. Sinto-
me esquecido, jogado no ostracismo, quando os problemas apertam. Mesmo
tendo a atenuante incomparável da presença do Espírito Santo, no caso de
ser um cristão, posso ter uma certa expectação e ansiedade nos momentos
de demora.
Por mais que eu lance sobre Ele toda a minha ansiedade do momento,
com o passar do tempo, com o surgimento de outras demoras, posso ficar
suscetível a novos sentimentos de ansiedade. A medida que os problemas
dl .dtguma^ .fiiaiiii da .dlinii sdnlt o .‘Jiinfn

surgirem, jogo-os aos pés de Cristo, mas sempre sujeito a novas reações
desse tipo, se aparecerem novas demoras.
E importante explicar isso. Existem pessoas as quais pensam que, quando
despejo todas as minhas ansiedades no Senhor, não estou sujeito a novas
sensações desse tipo. Estou. O que a Bíblia diz, para mim e você, é que
devemos lançar sobre Ele todas as nossas preocupações à medida que
surgirem. Ela não me garante que jamais terei novas ansiedades, mas que,
quando elas chegarem, não devo permiti-las se instalarem. Devo desinstalá-
las rapidamente e colocá-las no Senhor. Se surgirem outras, o processo é o
mesmo. Não posso evitar que apareçam. Eu não devo é deixar que alguma
permaneça. Se não, vão fazer ninho em minha alma e trarão sensações
enormes de infelicidade.
Se o Espírito Santo habita em seu ser e você cultiva sentimentos dEle em
sua alma através daqueles exercícios já descritos na primeira série deste livro,
Ele o alertará para que abandone apressuradamente quaisquer dessas
sensações.
Uma última explicação desse pensamento sobre o lançar ansiedades em
Deus é a de como usei o termo “outras” no penúltimo parágrafo. Quando
alguém usa o termo “outra”, possivelmente pensa em dois sentidos. Ou se
refere a outra igual ou a outra diferente.
Quando eu digo que podem surgir outras ansiedades mesmo depois de
lançar todas no Senhor, não falo de outras iguais, com a mesma motivação.
Assim o servo de Deus pegaria de volta aquilo que entregara ao Senhor. O
“lançarmos sobre Ele toda nossa ansiedade” deve ser uma atitude definitiva,
sem volta.
Se as mesmas sensações em relação a uma coisa x voltam, é porque não
lancei realmente todas em Deus ou as peguei de volta. O que digo é que
podem surgir muitas outras diferentes, isto é, em relação a y, z, k, etc, e, à
medida que surgirem, lanço cada uma defmitivamente sobre Ele, que cuida
de mim. Nós, que nos rendemos a Jesus, não estamos isentos de novas
ansiedades, mas temos a fórmula de acabar com todas elas na proporção em
que vierem à tona.
Outra observação deve ser feita.
Perceba que falamos em outro capítulo que a sensação de demora é
resolvida, tanto quanto a da brevidade do tempo, com um saber administrar
o meu tempo vivido em relação ao meu tempo medido, mediante o amar e
viver para Deus e os homens o máximo que eu puder do meu tempo. A
situação aqui é um pouco diferente.
Quando cito a demora como alavanca de insatisfação da alma com o
tempo, refiro-me àquela inevitável frequência de momentos de espera que
Reflexões sobre a .^Umu e o Jr,

o tempo nos proporciona e que parece tentar fazer-nos sofrer, não às sensações
de espera em particular.
Quando penso que a demora é uma destas alavancas, desejo chamar a
sua atenção, não para o não esperar, isso é, o desistir, do capítulo 13, mas
para a espera em si.
Se, diante da demora, não espero, não resolvo o problema e entro em
turbulência, sofro tremendamente. Se espero, sofro, mas sofro pouco em
relação ao não esperar. Se entrego as sensações dessa espera a Deus, atenuo
o sofrimento; consigo ser feliz apesar de tudo. Mas não quer dizer que não
sofro. Sofro, mas sou feliz, e não sou feliz, porque sofro. Sou feliz porque
tenho Deus em minha vida, que me dá sentido de vida, garante-me a vida
na eternidade sem nenhum sofrer, soergue-me quando preciso, anima-me
quando quero parar e outorga-me paz em meio à tempestade. Eu vejo os
problemas e a demora e suporto-os porque Deus me dá capacidade para
tanto.
Nesta dimensão, eu espero, o que não acontece na eternidade, e isso já é
algo desagradável, que me faz depreciar o meu tempo — é a isso que me
refiro.
Enfim, pelo que apresentamos, é possível ser feliz apesar disso tudo que
já dissemos anteriormente, mas amar esta dimensão diante de tudo isso que
ela me traz?
Finalmente, depois que terminamos as causas, vamos às soluções.
QUANDO O DEUS
DA ALMA É O DEUS
DO TEMPO

tempo não é um inimigo, mas um amigo. Lutar contra o


tempo é uma sandice. Se o sofrimento entrou no mundo
por causa do pecado, Deus não é o causador do sofrimento;
e se Ele o permite mesmo quando não consigo evitá-lo, o
mais coerente seria ver as intempéries como aliadas na
formação e aprimoramento de traços e silhuetas positivas na
alma. Esse é o ensino bíblico.
O tempo serve para nos preparar. Quando compreendo e
admito isso, consigo ver o tempo como algo que não é ruim,
que serve para amadurecer-me e não pode tirar minha
felicidade} porque esta está firmada em Deus.
Nós sabemos, pela Palavra de Deus, que o sofrimento tem
um fim. A demora também. Logo, o propósito de Deus na
minha vida é usar o tempo para me ajustar ao ponto ideal. Ad
augusta per angusta — “chega-se a resultados sublimes por
caminhos estreitos”. Desde que apenas nesta dimensão
encontro demora e sofrimento, e lá não, então o aqui e o hoje
são dotados de instrumentos de Deus para forjar o meu ser.
Disse o salmista Davi, em Salmos 31.15: “Os meus tempos
estão nas tuas mãos...”
Quando entrego tudo à vontade de Deus, entrego não
apenas a minha vida, mas o meu tempo também. E isto
significa que a administração do meu tempo passou a ser
orientada por Deus.
Se “os meus tempos”, isto é, se o meu passado, o meu
presente e o meu futuro, estão nas mãos de Deus, e não sou
daqueles que buscam e criam problemas e situações de espera
angustiante e, mesmo assim, se eu passo por problemas e
esperas, devo ver tudo isso como o trabalhar de Deus em mim.
Reflexões sobre o ,^Uma e o .Tfmf»

Deus não quer o meu mal. Ele deseja o meu bem. Então, se Ele permite
tudo isso como parte do roteiro dEle para minha vida, devo aceitar isso
como métodos de Deus me ensinar algo novo. O pecado criou o sofrimento.
Deus não é o causador do sofrimento, mas ele usa (entenda-se “aproveita”)
alguns sofrimentos para abençoar-nos.
Quando a Bíblia diz que Ele “cria o mal”, isso significa que Ele algumas
vezes “permite o mal”, como instrumento de juízo ou não, mas sempre
visando o bem. Deus não é sadista, nem quer que sejamos masoquistas. Ele
quer que nós, assim como Ele, usemos (aproveitemos) o sofrimento.
Quando eu vejo o Deus da minha alma como o Deus do meu tempo,
vejo o tempo como meu amigo. Se eu já conseguia vislumbrar isso por
meio da administração correta do meu tempo, consigo agora ver isso
perfeitamente por meio dessa consideração.
Na oitava reflexão, não contavamos com o sofrimento e a espera na
perspectiva descrita no capítulo anterior. Se contando com elas o tempo
pode parecer ainda maligno, com a descoberta de Deus, não só no tempo,
mas também por trás do tempo, desmorona toda máscara de malignidade
que o tempo demonstra possuir. Ele se torna bom e amável. Só não pode (e
não deve) ser mais amado do que a eternidade, claro. Ele não pode ser
odiado e nem pode ser mais amado que aiónios.
Começamos a ver os lados positivos do tempo.

AS VERDADEIRAS FACETAS DO TEMPO

Primeiro: A espera não é vista simplesmente como ficar acordado e preparado


para o que se quer ver. Ela passa a ser um período de preparo. A medida que
espero, edifico-me, ganho tamanho, amadureço. Quando o momento chega,
tudo simetricamente se encontra. Há junção perfeita dos fatos.
Segundo: Vemos que o tempo concede boas oportunidades.
As oportunidades “más” eclipsam a nossa percepção de boas
oportunidades. Lembremo-nos, contudo, de que toda coisa má antecede
uma coisa boa. Por exemplo, se aceito o sofrimento como necessidade para
alguns momentos, também espero pelo kairós de ajuda e salvação de Deus.
Para cada momento inevitável de sofrimento há uma subseqüente
intervenção de Deus. Toda vitória é antecedida por uma luta. A luta faz
parte do processo à chegada da vitória. A luta, além de ser uma “ginástica”
para minha alma, concede-me a oportunidade da vitória, que é certa, porque
Deus está do meu lado.
Além disso, no tempo da Terra tenho oportunidades de me arrepender,
de voltar por cima, de reconstruir, o que no Céu não possuo, até porque lá
não tenho possibilidade de cair.
Agostinho disse algo muito certo e interessante. Nas palavras de Justo L.
Gonzalez, em seu livro “A Era dos Gigantes”, segundo da série História
ilustrada do Cristianismo, ele disse que:

Antes da queda tínhamos liberdade para pecar e não pecar. Mas depois
da queda e antes da redenção a única liberdade que nos resta é a de pecar.
Quando somos redimidos a graça de Deus passa a atuar em nós, levando-
nos do estado miserável em que nos encontramos para um estado novo, em
que nossa liberdade é restaurada, tanto para pecar como para não pecar. No
Céu, por fim, somente teremos liberdade para não pecar. Como no caso
anterior, isto não quer dizer que não teremos liberdade alguma. Ao contrário,
na vida celestial teremos diversas alternativas. Mas nenhuma delas será
pecado.

Lá não caio; por isso não tenho possibilidades de recomeçar. Já aqui,


tenho probabilidades enormes de cair, e por isso tenho também possibilidades
de recomeçar. O tempo me dá essas condições, que são dádivas do Deus do
tempo. Eu não devo apenas ver as possibilidades de cair. Se elas existem, a
culpa não é de Deus. Quando o pecado entrou no mundo, surgiu essa triste
possibilidade. Mas, graças a Deus, existe a “volta por cima”.
Quando eu cair, preciso me lembrar de que existem, graças a Deus,
oportunidades de me levantar. Devo lembrar-me de que a vida é como uma
gangorra, como disse o poeta Gióia Júnior. Há momentos em que desço,
mas há momentos em que subo.
O tempo também me ensina a amar. Como disse o escritor Paul
Bilheimer, “a moeda corrente no Céu é o amor”, e, se quero chegar ao Céu,
tenho de aprender a amar, e só aprendo a amar aqui, porque aqui posso
perdoar, o que no Céu não é uma possibilidade, porque lá todos são perfeitos.
O tempo me ensina a viver, a omitir-me quando é preciso; a destruir
para fazer de novo, a odiar o que deve ser odiado, a amar o que deve ser
amado; a afastar-me quando é o melhor, a avizinhar-me quando o mesmo é
uma urgência, etc.
O nosso desejo de ver as coisas acontecerem deve surgir sempre e deve
tornar-se em ações à medida que o tempo se abre, para que tudo flua
naturalmente. Por isso, tudo se desenrolará e se encaixará sem muita força.
O combustível das ações é a vontade. Mas devemos esperar “as auroras” (“A
alegria vem pela manha', SI 30.5), a estação própria.
Há tempo para tudo e tudo tem o seu espaço no tempo. É essa variedade
de circunstâncias durante a nossa estada no tempo que nos exercita para o
futuro sem o tempo.
Reflexões sobre o .’■limn e o .‘ilinf*

Em terceiro lugar, o tempo concede-me recursos.


Quando alguém quer plantar, mas o tempo não é favorável para o plantio,
não adiantam os recursos que temos. Falta o auxílio do tempo. O tempo é
um recurso importantíssimo para o agricultor. Da mesma forma, na minha
vida o tempo é recurso para eu desenvolver meus recursos.
Se não tiver tempo para exercitar minha capacidade, não terá sentido
toda a minha bagagem de conhecimento e toda minha força. O meu maior
recurso é o tempo. Como tê-lo em meu favor? Se o Deus do tempo e do
meu tempo é o Deus da minha alma, e se a Palavra de Deus diz que todas as
coisas concorrerão para o bem daqueles que amam a Deus, eu posso estar
convicto de que todas as coisas, de uma maneira prevista ou imprevista,
conspirarão em meu favor. Ele me dará a ocasião certa, o kairós, para que eu
possa usar corretamente todos os meus recursos.
Em quarto lugar, o tempo concede-me estímulos bons à razão. Quando
estou diante de uma cena entristecedora que a existência me proporcionou
ou quando sofro decepções, reflito sobre a vida e aprendo muitas boas lições.
Isso me leva a, por exemplo, reconsiderar a minha escala de valores.

Quem quiser de Deus ter a coroa,


Passará por mais tribulação;
As alturas santas ninguém voa,
Sem as asas da humilhação;
O Senhor tem dado aos seus queridos
Parte do seu glorioso ser,
Quem no coração for mais ferido
Mais daquela glória há de ter.

Quando aqui as flores já fenecem,


As do céu começam a brilhar;
Quando as esperanças desvanecem,
O aflito crente vai orar.
Os mais belos hinos e poesias
Foram escritos em tribulação,
E do céu as lindas melodias
Se ouviram na escuridão.

'linytfn )
-Itiandc o da • dima r o Seat dt> .Jtmfat

Em quinto, o tempo concede-me cura. Quando uma ferida é feita na


alma de alguém, o tempo faz com que aquela chaga sare aos poucos. O
tempo também é um método clínico de Deus para tratar-nos interiormente.
Deus também fecha nossas feridas com o nosso tempo.
O tempo, por fim, disciplina. É nesse ambiente que sofremos alguns
julgamentos, em vez de recebermos todos esses na eternidade. O pagamento
de muitas das nossas ações é feito ainda nesta dimensão. Quem não conhece
a lei da semeadura? O que eu planto hoje vou colher amanhã. O que eu
faço agora com alguém vou pagar mais adiante “com juros e correção
monetária”. Vou receber a mesma moeda. Essa regra serve tanto para o bem
como para o mal. Se planto boas ações, vou colher boas ações; se planto o
mal, vou colher o mesmo. E o que eu chamaria também de “efeito
bumerangue” — o que vai volta.
O tempo faz justiça. Ele destrói a mentira e enobrece o homem outrora
caluniado.
O tempo é “onividente”. Ele é um juiz. Ele traz, mais à frente, tudo à
luz. Ele revela a verdade e as mentiras. Ninguém que tenha duas máscaras,
ou seja, duas personalidades, duas faces, pode mantê-las até o fim. O tempo
fará com que, um dia, não muito distante, a pessoa que vive em duplicidade
assuma apenas uma face. Ninguém pode ser dois até o fim, e o tempo é que
tratará de mostrar o lado verdadeiro.
Já dizia Johannes Peter Schmitt: “O tempo é o melhor mestre; e a
paciência, o melhor juiz”.

Analisando a nossa reação e a nossa visão


O que vai determinar o que significará o tempo para nós é a nossa reação
diante do fato do que é o tempo. A reação, por conseguinte, vai resultar do
jeito como vejo e revejo o tempo e seu papel. A incógnita está sempre em
nossos pensamentos sobre o tempo, não no tempo em si.
O tempo sempre será um aliado; só não será na visão afetada pelo coração
enganado. Naquele foco, só vemos adversidade em cronos. Ao deixar-mos
de lado esse foco deturpado, e sermo realistas sem deixar de ser aguçadamente
espirituais, saudáveis de alma, veremos o que ele é na verdade: um somador,
um algo mais, um que acrescenta, que instrui, e não que obstrui ou instrui
quando obstrui. Toda coisa ruim que é inevitável se torna “ruim”.
Essa era a visão de Paulo: “Porque a nossa leve e momentânea tribulação
produz para nós um peso eterno de glória mui excelente” (2 Co 4.1 7).
Para o apóstolo Paulo, a tribulação presente não é só, sob o prisma da
eternidade, momentânea. Além de ter um fim positivo, ela também é leve.
Nossos últimos instantes na Terra são de acabamento, últimos retoques.
Reflexões sobre a eo

Quem não percebe isso, complica-se e decompõe-se aos poucos por agonias
e ansiedade. Quem já está apercebido disso, enquadra-se no projeto divino
e vive um desdobramento rumo à garantia de todas as coisas boas e belas. O
atrito, o barulho, os choques, tudo se esvai, e um perfeito e eterno estado
delicioso é concretizado.
O tempo trabalha o íntimo quando se aprende que aprendemos por ele.
Devemos e podemos volver uma face estampada por um sorriso ao
contemplarmos o tempo por esse ângulo da alma. Fechar o rosto, enlutar a
face ou ranger os dentes é acionar um dispositivo na alma contra nós mesmos;
começar uma autoflagelação interior causará enfermidade de alma.
Ou nos encaixamos no organograma do tempo ou nos destruímos.
Só mais uma coisinha antes de fecharmos este capítulo. Você recorda
que falei, no capítulo 9, que, quando pensamos nesta dimensão como algo
mau e/ou desnecessário, não desejamos brigar por alguma coisa aqui?
Quando descubro que tudo nesta dimensão serve para meu
enriquecimento espiritual, tudo muda. Esforço-me para melhorar o que
me circunda hoje, pois estou certo de que o que fizermos e construirmos
aqui, ainda que pareçam coisas desnecessárias (porque não vamos morar
nesta dimensão para sempre), vão servir para quem ficar aqui e acarretar-
me-á uma compensação (galardão) sem limites na eternidade. Abençoarei
vidas e entesourarei no Céu através do meu mourejar na Terra. Esta visão
correta fará com que a minha resposta à vida seja positiva. Posso sorrir para
o tempo.
Qual é, hoje, a sua posição diante do tempo? Como você o compreende?
Devo entender que administrar o meu tempo é vivê-lo conforme a
vontade de Deus, e isso significa também aceitar o que Ele permitir (não o
que eu provocar ou não tentei mudar).
Mais do que nunca, estejamos constantemente conscientizados de que
temos que assumir uma posição de compreensão de acasos como
instrumentos-tratadores do Senhor da alma. Ele fala conosco através da
oração, do louvor, da Palavra, pela natureza, mas não só assim. Ele também
nos fala pelo nosso tempo.
POSFÁCIO

e cxmsàlctaçMS finai.\
bclxc a alma e o lemfo

O “Tempo versus Alma” é um embate fictício, que só existe na mente


adoecida. A mente desenha quadros por vezes absurdos. As emoções, atiçadas
por essas formas e contornos pintados e projetados pela mente na tela do
coração, despertam e provocam amedrontamento ou mesmo angústias.
Quando a alma percebe o seu amado no pano de fundo do tempo, por
trás do tempo, ela aceita tudo que o tempo lhe proporciona como bênção e
expressões de amor. O que víamos com a lente do desânimo e da crítica
como equívocos agora é visto nitidamente como na realidade — é
imprescindível.
A alma vê tudo como necessidades, não erros. Ela aspira ao amor em
cada momento. Ela vê uma mão amiga em cada porta aberta ou lacrada
pelo tempo. Ela descobre Deus no tempo, e isso lhe concede sensações
agradáveis, estimulantes, e refrigério.
Reflexões sobre o .?Uma e o 3tmf>v '

Kairós guia cronos. Kairós usa cronos como método para tocar a alma.
Kairós é a ação de Deus no tempo; é Deus fazendo os horários e a agenda da
nossa vida.
Em síntese, a alma e o tempo são dois assuntos que são contemplados
por dois prismas diferentes: a alma em relação ao tempo ou o tempo em
relação à alma; ou melhor, o tempo da alma ou a alma do tempo.
Alma e tempo, tempo e alma; a alma do tempo, o tempo da alma. Isso é
mais do que um trocadilho de palavras.
A alma do tempo é a essência do tempo, o que podemos extrair dele; são
lições que tentam nos transmitir uma mensagem. São elas que dão significado
à existência do tempo. O tempo existe para nós sermos burilados e
amadurecidos por ele para Deus.
O tempo da alma são segundos, minutos e horas que se estendem à
eternidade, porque a alma é imortal, e são tecidos pela agonia ou pelo amor,
os quais são, além de eternos, angustiantes ou prazerosos. O que vai
determinar um ou outro desses adjetivos é o ambiente onde a alma se nutre.
Quais os ambientes possíveis para ela?
O primeiro é o clima do Inferno. Quando alguém não se rende a Jesus e
entrega-se aos vícios, implementa uma extensão do Inferno em sua alma. O
tempo do existir torna-se angustiante. Se eu culrivo,o Inferno na^alma, a
alma irá para o Infernçx.
(Tsegundo é o clima do Céu, as “regiões celestiais”. Quando me lanço
nos pés de Deus. o.Çéu desce àjninhaalrpa e o jjrazerse estabelece. 'Se eu
cultivo o Céu na alrnajaalma íiTpamoCéuj
f“ Sempre o ambiente da minha alma será uma maquete do meu destino
ós-morte e o definidor das minhas angústias ou prazeres que sinto.
O tempo rege a alma enquanto ela se encontra no tempo. Entretanto,
quando a alma romper a esfera do tempo pelo toque da morte (às vezes
doloroso, às vezes suave), o tempo deixará de ser, mas para algumas outras
almas (que ainda esperam o toque liberador damorte) ainda existirá, até
que venha o instante em que o Deus da alma e do tempo acabará com este
último, pois não se fará mais necessárioÁO tempo existe por causa da alma?
e não a alma por causa do tempo. ’
A partir desse período, quando o Tempo dará seu último suspiro e não
se falará mais dele, não existirá mais hora, minuto ou milésimo de segundo,
nem o dia terá mais seus fins e começos interligados por noites. A definição
e limitação que acompanharam nossa vida no tempo darão lugar para uma
indefinida e doce prolixidade ininterrupta da eternidade.
O horário, que muitas vezes nos dizia quando sermos e quando não
sermos, quando termos e quando não termos (pois já dizia Salomão que há
tempo para tudo debaixo do sol), dará lugar ao ser para e um ter para sempre.
As separações também não mais ocorrerão.
Como escreveram no relógio de sol do Seminário de Princeton,
acontecerá: “Unidos pelo tempo. Separados pelo tempo. Unidos, novamente,
quando não houver mais tempo!” E eu acrescentaria: “E para sempre!”
Os “atés” darão espaço para as reticências, o finito dará lugar ao infinito,
a transitoriedade ao sem-fim, a trivialidade no ambiente do tempo será
substituída pelas novidades sem término da liberdade que existe na
eternidade.
As estações desvanecerão; nunca mais outono ou inverno, mas só
primavera e verão; sempre haverá dia, nunca noite.
Os nossos passos não serão mais cronometrados, nossa vida não será
mais regida pelo som incessante de tique-taques do relógio a nos provocarem
ansiedade; não haverá mais pressa, demora, disputa, corrida, correria,
adiantamento, atraso, agitação ou espera.
Não entenda essas minhas palavras como se eu estivesse a contradizer-
me, afirmando que, naquele dia, acharemos que o tempo foi péssimo. Pelo
contrário, estaremos certos de que, de alguma maneira, ele foi bom para
nós; mas agora nos espera o melhor —ío Céu. com Deus
O Céu é um lugar preparado para um povo preparado, e esse preparo é
feito no chão deste planeta. Por isso, quando sairmos daqui, não nos
sentiremos como pessoas que passaram décadas dentro de uma cela escura e
agora são postas em liberdade. Sentir-nos-emos como pessoas que passaram
anos numa faculdade até receberem seus diplomas.
Quem é salvo sabe que a felicidade existe; começa na Terra e existe apesar
dos problemas. Lá no Céu, ela existirá em maior grau e sem a presença do
sofrimento e da espera. O tempo terá cumprido o seu papel de universidade
da alma.
Diante dessa possibilidade, a alma exclamará: “Vitória!” — O alvo
finalmente será alcançado.
Mas para alguns, em algum lugar no Universo, a saída do tempo não
representará vitória, porém a concretização de uma terrível, sem precedentes
e inesperada tragédia. Tudo será o oposto: noite sem fim, gemidos sem
resposta, dores lancinantes, ranger de dentes, desespero, horror, angústia.
Eles perceberão como o tempo, que foi desprezado, era importante, e
desejarão que volte, mas será impossível.
Enquanto para uns o infinito será o começo, para outros será o fim.
Enquanto para alguns a eternidade será o começo sem fim, para outros será
o fim sem fim e sem recomeço. Destinos, visões, percepções e situações
distintas de quem viveu no tempo antagonicamente.
Reflexões sobre o ^sUma e o 3fm/n>

Estejamos certos: a nossa performance existencial, o que fazemos ou


deixamos de fazer no tempo, afetará a nossa estada na eternidade.
Mais do que nunca, sob a óptica dessa verdade, consideremos a nossa
alma e o nosso tempo e, acima de tudo, o nosso Deus, que nos assiste fora
do tempo, mas ao mesmo tempo (porém sem estar como nós, preso ou
sujeito ao tempo) na nossa alma, a fim de trazer um pedaço da eternidade
ao nosso pequeno e frágil coração.
Que sua alma, neste tempo, tenha e mantenha esta oração:

“Deus, ajuda-me a não odiar o meu tempo e amar a eternidade contigo mais
do que qualquer coisa. Ajuda-me a viver para ti nesse mundo com toda intensidade
do que eu sou. Ajuda-me a conhecer o meu tempo, a refazer-me quando preciso,
a esquivar-me quando for necessário, a saber quando dizer ‘sim’ e quando dizer
‘não’. jQuero_a££rtar o relógio da minha alma com o_teu\ Não quero nunca me
adiantar ou me atrasar em relação à tua vontade, Senhor. Fecha todas as portas
para mim, a não ser a certa. Quero sempre perceber e aproveitar o tempo oportuno
e ideal. Que haja sempre sincronia entre cronos e kairós.
Amante e Amado da minha alma, ajuda-me a suportar o que esta dimensão
pode me reservar e aproveitar cada situação abstraindo-a e, assim, obter inferências,
novos conteúdos para meu caráter. Auxilia-me a reconstruir cenários neste chão
passageiro que sirvam de marcos que ajudem muitos e estimulem o louvor ao teu
nome. Conceda-me em tudo que eu sempre veja que somos do Eterno, mas estamos
emprestados ao tempo, para que o tempo, que foi feito pelo Eterno, nos molde,
até o momento tonicamente anelado em que sairmos do tempo ao Eterno para no
Eterno permanecermos. E o que te peço, sinceramente, em nome de Jesus. Amém!”

Se essa for a sua oração, o Deus do tempo terá com certeza se tornado o
Deus da alma. Você sempre encontrará Deus no seu tempo e pode estar
seguro de que viverá eternamente com Ele no além-tempo. Ele o ajudará!
Você conseguirá, em nome de Jesus!

“O Senhor te guardará de todo o mal; Ele guardará a tua alma” (SI 121,7a).

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