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Diário de Zackno Giordano Ziborim

Escrevo essas mal traçadas linhas a bordo do “Encanto


da Princesa”, já são sete dias no mar, no terceiro
infelizmente perdi minha garrafa de gim para um
marinheiro que conseguiu trapacear melhor do que eu
nos dados. O tédio me impede de manter meus dedos
quietos mesmo que os pretextos de minha partida
devessem permanecer em segredo pela minha própria
saúde.

Vivo entre os humanos a muito tempo, meu pai Tolin


Ziborin era um grande relojoeiro e engenheiro de guerra,
trabalhou por anos para a família “Fiore”, sim eles mesmos, os condes responsáveis pela
cidade portuária de Chiavari a “Pérola da baia Dourada” recinto de cientistas,
alquimistas, artistas e menestréis. Por anos a família Fiore foi mecenas das maiores
mentes de Ayrena a cidade crescia em beleza e sofisticação, até a posse no novo
pequeno conde.

Os “irmãos Ziborin” era nossa oficina, desde a morte de nosso pai, eu e Ziron, meu
irmão mais velho, tomamos conta do negócio. Aprendemos de um tudo com o velho, e
vendíamos todo tipo de traquitana mecânica. Admito que nossa raça nos dava uma
vantagem em publicidade, os ingênuos humanos sempre preferiam os geniais gnomos à
oficina dos humanos “Bernardi” quando precisavam de uma caixinha de música ou até
mesmo a fabricação de um trabuco, foi uma época de vacas gordas.

Aos 14 anos Alberto Fiorde foi coroado o novo conde de Chiavari, uma verdadeira
lástima para os negócios, a família preferiu o comércio com os humanos de nossa
oficina rival, a nós sobrou os serviços escusos da burguesia e dos navios do porto, não
que tenha sido uma época de todo ruim. Comecei a cuidar da divulgação entre os
capitães e artesãos, fiz muitos amigos, andei com muitas donzelas, joguei muitos jogos e
enchi muito a cara. Enquanto eu me ocupava das “coisas da vida” meu irmão tocava a
oficina com minha ajuda eventual.

Um certo dia o pequeno conte, agora com 16 anos, adentrou nossa oficina, pretendia
presentear sua noiva com algo extraordinário e nos deu a preferência, queria um
querubim mecânico capaz de cantar e tocar arpa para impressionar a donzela. Nos
ofereceu 600 ducados de ouro mais dinheiro do que víamos em anos.

Admito que deveria ter me dedicado mais, mas a bebida e as mulheres haviam se
tornado um vício insuperável. Passava dias e noites nos bordeis indo pouco ou quase
nada para casa. Meu irmão enquanto isso se aplicava feito louco para dar conta de todos
os trabalhos. Tomava tanto esporro que por um momento cheguei a pensar que meu
nome tinha mudado para vagabundo imundo.

Os impropérios de meu irmão infelizmente não amansaram meu coração boêmio.


Continuei nas noites de bebedeira e ele nas noites de trabalho. Um dia fui acordado por
uma alabarda que cutucava minha cara. Passara a noite na “Casa dos prazeres da
madame Pietra”, na minha frente um soldado do conde me cobrava o paradeiro de meu
irmão. A dias não pisava em casa, e não tinha a menor ideia do que responder. O recado
era claro, o querubim estava atrasado e se não fosse entregue em três dias nossa oficina
seria fechada e nós dois enforcados.

Lembro de correr o mais rápido que podia para a oficina, a cabeça latejando de ressaca.
Em casa nenhum sinal de Ziron, tudo estava arrumado. Olhei para o querubim
inacabado e nem pensei no paradeiro de meu irmão, ou terminava aquilo ou estaríamos
mortos. Em três dias o pequeno anjo mecânico estava pronto, a tempos não trabalhava
tanto. Era certeza que tudo aquilo era o uma tramoia de Ziron para me fazer labutar.
Entreguei o pacote no castelo e parti em busca de meu irmão.

Por 8 dias vaguei pela cidade inteira, procurei nos bordeis, nas docas, na casa de
clientes, ninguém sabia o paradeiro de Ziron, não é como se um gnomo passasse
despercebido numa cidade humana, era como se ele tivesse simplesmente desaparecido.
Algo estava muito errado e minha preocupação só aumentava.

No oitavo dia procurava pistas na taverna do Sonho abrasador quando ouvi um


menestrel contar uma história. Ele vinha da cidade vizinha de Lorsica, em sua tentativa
de rimar falava de uma donzela presenteada por um anjo cantor de ferro, cantou sobre o
encanto da jovem, da corda arrebentando, do olho perdido pela bela, do sangue
espalhado pelo chão do palácio. Fiquei atônico, corri no magro homem e exigi que me
dissesse se a história era real. Ele me confirmou com nomes para o meu desespero.
Corri o mais rápido que pude até minha oficina.
Já estava tudo revirado, por sorte os soldados do conde não encontraram meu armário
secreto, peguei tudo que podia e me esgueirei pelas ruas da cidade até o porto, cada
soldado com tochas passando a distância gelava meu sangue. Vi um papiro pregado
num poste com meu nome e recompensa. Estava morto, era só questão de tempo.

Consegui furtivamente chegar ao porto. Entreguei quase todas minhas riquezas ao


capitão do navio que me devia alguns favores. O Encanto da Princesa zarpava em
direção ao círculo dos magos, talvez lá eu consiga alguma informação com um oráculo
sobre o sumiço de meu irmão.

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