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Prologo

A luz da lua caia por meu quarto, tão brilhante que iluminava o vasto cômodo.
Já devia passar do horário de recolher, mas o sono me foi tirado com a imagem
de um dos criados tendo seu pescoço decepado por um maldito pirata.
Hoje deveria ter sido o dia mais feliz da minha vida, ganhei vários presentes de
meu pai e amanhã é o dia do meu casamento com um dos lordes mais ricos do
Oriente, obviamente o governador ficou mais animado com o dia do que eu.
Ser a filha do governador sempre me trouxe diversas vantagens, nunca em
todos meus dezenove anos de passei alguma necessidade, todas as joias de
minha coleção eram o mais puro ouro inglês.
Mas como tudo precisa ter um equilíbrio, o que tinha de bom também havia de
ruim. Meu pequeno status de filha do governador me gerou vários inimigos,
afinal, qual era a melhor maneira de atingir aquele que governa a cidade do
porto?
A primeira vez que fui atacada foi no funeral de minha mãe, um civil bêbado
jogou uma garrafa quebrada em minha direção, expressando sua revolta pelo
aumento dos impostos. Depois daquele dia nunca mais andei pelas ruas da
cidade.
Minha mãe faleceu quando eu tinha oito anos, mas seu rosto continuava
guardado em minha memória. Ela me ensinou como ser uma boa mulher para
que eu não ficasse sozinha quando crescesse, nada poderia ser mais
vergonhoso para uma família do que uma mulher sem marido.
Mas escondida de todos ela me ensinava a como manusear uma espada para
que eu pudesse me defender, claro que meu pai nunca ficou sabendo desses
feitos, caso contrário minha mãe estaria em sérios problemas. Às vezes me
pego pensando como seria se ela ainda estivesse aqui, se orgulharia de mim
pelo casamento ou estaria decepcionada por eu estar abandonando minha
“liberdade”?
Com quinze anos recusei o primeiro pedido de casamento que me foi feito, o
alto tenente da marinha de Portland foi até o casarão do governador oferecer
uma proposta, um dote. Cinco mil moedas de prata em troca de minha mão,
meu pai ficou muito tentado com a proposta, mas o não veio de minha parte.
Em outras palavras, burrice, eu nunca seria ouvida em lugar nenhum, a
decisão era inteiramente de meu pai. Com sorte ele viu meu desagrado e
recusou a proposta do tenente, que manteve a proposta em pauta caso o

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governador mudasse de ideia. Ele passou semanas tentando me convencer a
me casar, mas não cedi.
E assim foi por anos, até que no meu aniversário de dezoito não tive escolha,
quando reparei eu já estava noiva de um homem cujo nome era desconhecido,
mas possuía grandes fortunas.
Agora aqui estou eu, faltando um dia para o casamento a cidade sofreu um
ataque, uma chuva de canhões para ser exata. Os disparos começaram a
serem escutados por volta do meio-dia e cessaram quase duas horas depois,
ninguém sabia de onde eles vinham, mas já era óbvio quem os disparavam.
Malditos piratas.
Durante a noite tudo parecia tranquilo, os grilos cantavam alto no jardim e o
vento balançava levemente as folhas nas árvores. A grande janela estava
aberta deixando a brisa fria e o cheiro do mar entrarem no quarto, levantei-me
na intenção de fechá-la quando os vi, sorrateiros na escuridão.
Um grupo de sete a nove homens atravessava o jardim pisando nas flores
recém-plantadas, um arrepio percorre minha espinha quando vejo uma caveira
estampada em um pedaço velho de pano que um homem perneta carregava.
Corri desesperada pelos corredores temendo que alguém abrisse a porta, mas
cheguei tarde, Willian o criado de meu pai abriu a porta e logo em seguida sua
cabeça foi de encontro ao chão, o pirata barbudo deu risada fazendo todos os
outros rirem e em seguida adentraram a casa vasculhando as coisas como se
procurassem algo.
Corri em direção ao meu quarto e tranquei a porta encontrando Janete
encolhida no canto do quarto enquanto sua face era banhada pelas lágrimas,
seu corpo tremia e seus dentes de batiam devido ao medo.
–Eles vieram atrás do governador, eram eles que estavam disparando hoje de
manhã senhora.
–Saia pela porta dos fundos sem chamar atenção, avise o comodoro que o
casarão foi invadido. –Falo segurando em seus braços fazendo com que ela
ficasse em pé.
–Mas e a senhora?
–Vou ficar bem, agora vá.
Ela sai correndo pela porta ao lado da minha cama e me preparo para lutar,
abro o móvel de madeira e tiro uma espada escondida dentre meus vestidos
quando a porta começa a ser batida com força. Escuto vozes e alguns
xingamentos são desferidos a porta trancada.
Ando pelo quarto silenciosamente tentando ir até a porta escondida ao lado da
cama na intenção de fechá-la, mas paro bruscamente quando tiros são dados
por toda a porta, fazendo a madeira ficar repleta de buracos de bala. Por sorte
nenhum dos tiros havia me acertado.
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–Olha só o que temos aqui Manki, uma bela princesinha. –A voz enjoada fala e
logo percebo um olho em um dos buracos de tiro.
Vou em direção a porta e enfio a lâmina no buraco acertando o olho do pirata
fazendo com que ele grite de dor.
–Essa vadia furou meu olho! –O pirata grita enfurecido me assustando e
conduzo meu corpo para perto do roupeiro, logo a porta é escancarada pelo
chute de um pirata que tinha uma cicatriz cruzando o olho esquerdo.
–Cavaleiros. –Faço uma reverencia e logo jogo a colcha da cama em cima
deles.
Aproveito a distração e começo a correr para fora do casarão desviando de
alguns piratas no caminho, não olho para trás pois sei que eles estão na minha
cola. A grande porta de entrada está em minha frente me dando acesso ao
jardim, mas assim que piso o pé para fora da casa um pirata surge e me
segura pelos braços.
Alto, tinha braços fortes mas ainda discretos, ele me dá um sorriso debochado
e logo me vira de costas para ele fazendo com que eu encare os piratas que
me perseguiam a pouco.
–Parece que temos a sorte grande rapazes, não temos a galinha, mas temos
um ovo de ouro. –Ele fala e logo todos ali começam a rir. –Qual seu nome
princesa?
Ele me vira para si novamente e permaneço em silêncio me recusando a olhar
em seus olhos, ele bufa rolando os olhos para cima e pressiona uma adaga em
meu pescoço.
–Vamos não seja mal-educada, eu perguntei seu nome. –O falso tom carinhoso
faz meu estomago embrulhar, cuspo em seu rosto o fazendo fechar os olhos.
–É Blake, pirata, é um prazer conhecê-lo. –Ele tira a adaga de meu pescoço
para limpar o rosto e logo um sorriso diabólico é visto em seus lábios.
–Bem-vinda a tripulação do Escarlate senhorita Blake, tenho certeza de que
vamos ser muito amigos.
O pânico toma controle de meu corpo e sinto minha pressão abaixar, eu
estava sendo levada por piratas sujos e imundos que poderiam querer fazer
algo com meu corpo. Eu já podia me considerar morta.
–Uma mulher no navio trará má sorte capitão.
–Cale a boca Ian, ela vai nos trazer ouro isso sim. Ela é a filha do governador
seu imbecil.
Tento desafrouxar o aperto de seus braços, mas ele me aperta mais ainda
contra seu peito inclinando a cabeça como se dissesse é só isso que
consegue? Se minha espada não tivesse ido ao chão quando ele me segurou,
eu mataria esse idiota e daria a carne dele para os cães.

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Um dos piratas se aproxima colocando um pano em minha boca para que
abafasse meus gritos e logo amarra meus braços em uma corda, tento a todo
custo me soltar, mas logo sou levantada do chão e colocada sobre o ombro do
homem alto.
Pirata bastardo! Me carregando como se eu fosse um saco de batatas.
Eles começam a andar em rumo ao porto, onde imagino que o navio deles
deve estar ancorado. Ao passar pela cidade fico horrorizada, as casas estão
em chamas, pessoas estão feridas, a guarda luta contra os piratas que
quebravam tudo que viam pela frente. Me debato sobre o ombro do traste
marinho tentando me libertar, mas tudo que ganho é um tapa como aviso que
eu ficasse quieta.
Meu rosto esquenta pela audácia e falta de respeito do pirata ao estapear
minha bunda como forma de repreensão, piratas malditos, nojentos, sem
escrúpulos e abusados. Como forma de devolver o ato sem vergonha levanto
minha perna e volto ela com velocidade chutando as genitais do pirata que arfa
de dor contorcendo o corpo.
Ele vira meu corpo para que eu fique de frente em seu ombro, talvez para
evitar que eu repita o ato. Fui levada até a praia onde vejo um grande navio de
velas vermelhas carmesim um pouco distante da costa.
–Capitão, pensei que fosse atrás do governador. –Um pirata de cabelos
brancos fala parado perto dos vários botes espalhados pela areia branca.
–Achei algo melhor. –Ele fala indo até um bote me jogando nele sem a menor
delicadeza.
Os botes logo são colocados na água e eles começam a remar rumo ao grande
navio, o líder dos ratos se senta atras de mim segurando a adaga contra meu
pescoço impedindo que me mexa.
Ele sabe que eu pularia na água gelada sem nem pensar duas vezes.
Meu medo aumenta a cada segundo que nos aproximamos do navio, minha
mente se ocupa em pensar no que vão fazer comigo e em como eu vou sair
dessa enrascada.
Era para ser um dia bom e acabou sendo o pior dia da minha vida. Uma hora
dessas era para eu estar surtando porque iria me casar, não porque um imbecil
que se intitula pirata me sequestrou e agora estou indo para minha provável
morte.
Mãe se você estiver vendo isso quero perguntar. É isso que você quis dizer
com saia em aventuras antes de se casar?

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Capítulo 1

Nojo e medo.
Era apenas isso que eu conseguia sentir no momento.
Ao subir no convés fui recebida por olhares nada amigáveis vindo dos piratas
que cheiravam sangue e rum, pensando bem o rei rato não parece tão
assustador agora quando comparado com esses caras.
–O que essa belezinha faz aqui em? –Seu hálito cheirava a peixe podre, era
extremamente nojento.
–Essa belezinha vai ser a causa da nossa fortuna, então tire as patas. –O rei
rato sobe ao convés e segura em meu braço me levando para uma cabine que
avia embaixo do mastro. –Fique aí e não torre minha paciência.
Assim que sua frase termina sou jogada com força para dentro da cabine indo
de encontro ao chão sem poder impedir por conta das mãos amarradas.
Aquele miserável, quando eu botar as mãos nele eu vou matá-lo.
Tento levantar mas o barco é bruscamente movido e caio ao chão novamente
desistindo de buscar equilibro, graças a luz forte que a lua emanava consigo
ver a sombra de duas pessoas por debaixo da porta. Precisarei fugir por outro
lugar.
–E como exatamente ela trará fortuna capitão, pelo que sei mulheres abordo
trazem azar não dinheiro. –Escuto a voz distante falar e tento focar na
conversa.
–Usem o cérebro bando de baratas tontas. –O rato fala e logo depois alguém
reclama um ai, aposto que ele bateu em alguém. –Ela é filha do governador,
vamos pedir o resgate e ficaremos ricos.
–E se não quiserem pagar o resgate?
–Então caros bucaneiros, teremos rum e uma mulher só para nós. –Escuto os
piratas se alegrarem com a fala do rato.
Eu preciso dar o fora daqui antes que eu vire um brinquedo nas mãos desses
imundos. Observo a cabine procurando por algo afiado quando finalmente
acho, vou me arrastando até uma cômoda antiga e tento me levantar para
pegar a adaga que tinha um rubi na ponta. Familiar mas não vem ao caso
agora.
Consigo ficar de pé com certa dificuldade e me viro de costas pegando a adaga
tratando de cortar a corda que prendia meus pulsos já doloridos.

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Assim que solto os pulos removo o pano de minha boca a sentindo seca e vou
em direção a uma garrafa que tinha em cima da mesa, despejo um pouco do
conteúdo em minha mão afim de ver o que é e percebo ser água. Saciada
minha sede coloco a garrafa de volta em seu lugar e reparo nos mapas abertos
sobre a mesa.
Felerom.
Eu já havia escutado esse nome mas não consigo me lembrar de onde é.

–Muitas pessoas acreditam que é apenas uma lenda, mas vou te dizer um
segredo da família Collin, somos destinados a esse tesouro... a profecia de
Felerom diz que uma capitã que navega pelas marés irá encontrar o tesouro
escondido no coração do mar... quando for mais velha você entenderá...

Me lembro das palavras de minha mãe quando eu era pequena, por que piratas
estariam atras de um tesouro antigo que não passa de história para criança
dormir? Observo os outros mapas e vejo vários materiais de escrita espalhados
assim como várias anotações, mas minha atenção é tomada para um pingente
em formato de um coração de prata.
Minha mão tremula toca o metal frio, sinto meus olhos ardem e minha garganta
fecha, como aquilo foi parar ali? Tento abrir o pingente para ver o que tem
dentro mas uma movimentação na frente da cabine chama minha atenção.
Seguro a adaga com força na mão direita enquanto a mão esquerda segura o
pingente, me escondo do lado da porta que é aberta pelo desprezível capitão,
ele a fecha sem nem ao menos olhar para trás.
–Quer me pegar pelas costas princesa? –Avanço atrás de seu corpo e encaixo
a adaga em sua garganta assim como ele havia feito comigo.
–Sem joguinhos seu rato ou eu corto sua garganta. –Ele solta uma risada nasal
e levo ele em direção a cadeira. –Você vai responder minhas perguntas sem
pestanejar ou eu te mato. Por que isso está com você?
Levo o pingente para perto de seu rosto e o vejo abrir um sorriso.
–Ah, isso. Tirei de um bêbado, ele me devia e não possuía prata então peguei
para mim.
–Eu quero a verdade. –Falo empurrando mais a adaga até que um filete de
sangue escorre, mas o desprezível sorriso ainda adorna sua face.
–Eu falei a verdade, era um garoto na facha dos vinte anos. Ele vivia bêbado
caindo por aí, pedindo dinheiro emprestado para alimentar o vício. Ele não me
pagou então peguei o pingente e a adaga.

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–Onde o garoto está agora?
–Hoje é o quarto dia do verão, então vejamos... Ah já sei, ele está morto.
Meus olhos marejam e meu corpo treme com a informação, o rato pode ser um
porco sem escrúpulos mas não parece contar nenhuma mentira.
–Onde ele foi enterrado? –Pergunto tentando não deixar a voz embargada
transparecer.
–Enterrado? Não, não, ele foi morto por piratas. Certamente foi jogado no mar.
–Sempre o mesmo tom de deboche, ele já está tirando a minha paciência.
Aproximo meu rosto do seu e seguro a lâmina em seu lábio fazendo um
pequeno corte.
–Eu não vou ser sua concubina, então é bom você me levar de volta para casa
entendeu.
Seu semblante fecha e tudo acontece rápido demais, em um minuto seu corpo
está sentado na cadeira e eu estou no comando, já no outro ele tira a adaga de
minha mão me olhando raivoso. O medo percorre meu corpo e tento me
esquivar porém já era tarde, sou novamente levantada e colocada em seu
ombro, tento acertá-lo de todas as formas. Inútil.
Ele abre a porta da cabine me levando até o grande poste que havia no meio
do convés. Ao me derrubar no chão tento me levantar para correr de volta a
cabine e trancá-lo do lado de fora, e meu plano daria certo se um pirata com
um tapa olho não tivesse me segurado me forçando a permanecer sentada de
costas para o poste.
–Amarrem-na ao mastro, sem comida e água até que ela aprenda a colaborar.
–Ele fala e logo dois piratas se aproximam de mim me amarrando ao mastro
com uma corda apertada me impedindo de me mover.
–Capitão isso não é um pouco demais? Ela não vai sobreviver as noites frias,
nem a fome ou a sede no sol escaldante.
Por mais que todos fossem porcos e nojentos, o homem ruivo parecia ainda
conter um pouco de humanidade em sua mente. Pelo jeito que estava vestido
acredito que seja um dos cozinheiros, um tipo de avental adornava sua cintura
indo até o meio de suas coxas, seus cabelos eram parados por uma bandana
verde desbotada. Se fosse em outras ocasiões eu facilmente me sentiria
atraída por ele.
–Eu sou o capitão e essa é minha ordem. –Ele vira e começa a andar em
direção a cabine que antes estávamos, mas antes de entrar ele se vira e fala
suas últimas palavras naquela noite.
Se alguém alimentar a vadia eu matarei. Aquelas foram as últimas palavras
que ouvi de sua boca naquele dia, e nos próximos também.
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–Aquilo é crueldade demais até para mim.
Um deles fala me olhando com uma espécie de pena, não posso julgá-los pois
meu estado deve estar realmente deplorável.
Minha última refeição foi no dia em que cheguei aqui, desde então minha
barriga doe implorando por um misero pedaço de pão, a pouca água que ingeri
foi de uma pequena chuva que deu na segunda noite, mesmo que estivesse
frio agradeci aos deuses pela água que provavelmente evitou que eu morresse
desidratada. Não quero olhar minha aparência pois sei que estou horrível, ficar
em alto mar a quatro dias sem dormir ou tomar um banho não era uma
experiencia agradável. Era deprimente.
Meu ódio por piratas nem se compara a pequena raiva que eu sentia antes, se
eu tivesse forças e se essas cordas não me segurassem eu mataria aquele
rato imundo e penduraria sua cabeça como troféu em meu quarto.
Meu quarto. A quatro dias não sei o que é o conforto de uma cama, tudo que
sinto é a dor em minhas pernas de tanto ficar sentada na madeira fria e gasta,
minhas costas já não doem mais como doíam no dia em que fui colocada aqui.
Não sei quanto tempo mais aguentarei nesta situação, mas a cada dia que
passa a morte me parece mais libertadora do que a vida, sinceramente, nunca
pensei que pediria tanto para as estrelas me levarem para perto de minha mãe
novamente.
A noite é fria devido à baixa temperatura de estar no meio de tanta água sem
nem fazer ideia de onde está a terra mais próxima, porém ainda prefiro ela ao
dia. O calor do sol faz o suor escorrer de minha testa ardendo meus olhos
quando uma gota adentra eles, fora que ter todos os olhares da tripulação é
com certeza a pior parte. Me sentia humilhada, melhor, estou totalmente
humilhada.
Meus olhos pesam pela falta de sono e tento tirar um misero cochilo naquela
posição desconfortável, espero conseguir dormir hoje, e espero do fundo do
coração que eu não acorde amanhã. Mas minhas preces são em vão ao sentir
algo atingir meu rosto.
Abro os olhos com dificuldade vendo o rato peçonhento parado a minha frente,
o miserável jogou rum em minha face e agora estou coberta pelo cheiro da
bebida vil e suja que esses porcos insistem em tomar.
–Acorde querida, vamos ver se hoje você cooperará conosco. –Maldito seja
esse miserável com esse sorriso imundo.
–Vai. Pro. Inferno. –Falo pausadamente voltando a fechar os olhos.
Eu sabia que isso o irritaria mas sua reação é o oposto da qual imaginei. Ao
invés de me bater ou me xingar ele me solta das cordas que antes me
apertavam.
O encaro sem entender assim como toda a tripulação, antes que eu pudesse
falar algo um dos homens chama atenção de todos com as palavras terra firme.

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Os piratas começam a se espalhar pelo convés com o objetivo de parar o navio
para que pudéssemos desembarcar.
Eu posso tentar fugir hoje.
Sei que estou fraca mas sinto que se eu não fizer isso hoje não terei outra
oportunidade de retornar para PortIland. Sou tirada de meus pensamentos por
um puxão no braço e sou levada a cabine do capitão.
–Você vai se comportar hoje, sem gracinhas entendeu. –Ele fala e me solto de
seu aperto que não era tão forte quanto pensei.
–Não vou ajudar um rato desprezível como você.
–Ótimo, se recuse a obedecer e te venderei no primeiro bordel que eu ver,
ninguém vai se importar com quem você é lá ou com sua história. –Um arrepio
percorre minha espinha pelo tom de voz que é usado, ele leva os olhos até a
cama onde reparo haver um vestido nas cores preto e vinho. –Faça sua
escolha mas lembre-se, minha paciência tem limite.
–Preciso de um banho. –Falo e ele aponta para uma bacia média que estava
cheia de água perto da cômoda. –Está brincando né?
–Limpe os braços e as pernas, o resto não será importante.
–Estou fedendo graças a como você me deixou lá fora, preciso de um banho
completo, fedo a suor e rum. –A indignação não abandona o tom de minha voz,
como ele espera que eu vista um vestido lindo desses cheirando a podridão?
–Reclame mais um pouco e você irá desembarcar nua sem banho algum. –Se
a paciência dele tem limite eu já devo ter extrapolado ele por completo, paro de
reclamar antes que seu aviso se torne realidade.
–Preciso de privacidade para me vestir.
–Não, quero estar de olho para que não faça nenhuma gracinha.
Bufo e vou em direção a bacia de água, como vou me lavar nisso? Arregaço as
mangas de meu vestido sujo e pego um pouco da água tentando tirar um
pouco da sujeira dos braços e das pernas, não muda muita coisa mas é o
máximo que consigo. Vou até a cama pegando o vestido novo nas mãos
encarando o rato em um pedido para que ele saísse, mas isso não acontece,
pego uma faca que havia na mesa e lanço em sua direção o fazendo desviar.
–Não quer sair? Tudo bem, mas pare de olhar seu miserável sem escrúpulos.
–Quanto escanda-lo por um par de peitos. –Ele reclama se virando para porta.
–Já vi muitos na vida, sei como são.
–Não quero saber se você já viu outros, os meus você não vai ver. –Começo a
tirar meu vestido para colocar o novo mas encontro um problema.
O vestido novo não há nenhum espartilho ou uma cinta o acompanhando, e
como fui sequestrada durante a noite eu não utilizava nenhum no momento.

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Por um lado fico feliz que não terei aquele pedaço de pano me apertando, mas
pelo outro, o pano me fazia falta.
Confesso que foi um pouco difícil colocar o vestido, afinal nunca tinha feito
aquilo sozinha, sempre havia uma ou duas empregadas para me vestir. A peça
parece ter sido perfeitamente para mim, as pequenas alças cor de vinho caiam
por meus ombros magros devido aos dias de desnutrição, o busto era realçado
pelo leve decote que expõe o meio dos seios.
Me senti bonita depois de dias me sentindo um lixo, sentia vontade de chorar.
–Olha só, nem parece a garota que estava vestida que nem uma boneca de
pano.
–Tem razão, agora pareço uma meretriz.
–É melhor que aja como uma também hoje, e é melhor que seja convincente.
Caso contrário vai se tornar uma meretriz sem valor ‘pra valer.
Engulo seco o seguindo até o convés onde a tripulação já estava pronta para
desembarcar, um arrepio me sobe a espinha quando percebo os olhos focados
em minha direção. Pelo visto um decote que mostra o meio dos seios de uma
mulher é capaz de atrair a atenção de todos, ou também pode ser o fato de que
a alguns minutos minha situação era deplorável e agora pareço uma meretriz a
procura de clientes.
Os marinheiros começam a descer a escada feita de corda uma vez que o
navio está perfeitamente alinhado no porto, a cidade era movimentada e
barulhenta, pessoas caiam pelas ruas embriagadas murmurando coisas
desconexas, dava para ver brigas em frente aos estabelecimentos, pessoas se
pegando em becos escuros, posso até dizer que quase vi alguém pelado mas
por sorte virei a cabeça na hora.
É o inferno, prazeres e agressões, pessoas sendo jogadas no mar, se meu pai
soubesse que estou aqui mandaria me banhar em água benta, ou até mesmo
em ácido para remover as impurezas. Minha presença não passa tão
despercebida quanto eu queria que passasse, vários homens me encaravam e
alguns até me chamavam com as mãos, tudo piorou quando percebi que os
piratas que antes estavam em minha frente agora não estavam mais.
Perdida continuei andando em frente, temo que se eu parar alguém se
aproxime e me leve para algum lugar que eu certamente não quero ir. Continuo
seguindo o fluxo de pessoas mas meu braço é bruscamente puxado por
alguém me obrigando a ir até um dos becos.
–Ora, ora, ora. Parece que temos uma sereia em terra. –Seu hálito fede a
bebida barata e seu rosto é repleto de cicatrizes. –Diga alguma coisa minha
linda criatura diabólica, sei que me lançou um feitiço com esse rosto angelical e
esse corpo diabólico.
Tento me soltar de seu aperto mas é em vão, minha atitude parece não o
agradar e ele leva as mãos até meu pescoço o apertando me deixando sem ar.

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–Criaturinha difícil você em. Acho que vou tomá-la a moda antiga. –Sua mão
liberta meu pescoço fazendo com que eu possa respirar novamente e desce
até o início de meu decote ameaçando entrar por dentro dos panos.
–Verme imundo. –Minha fala o irrita e logo me asfixia novamente.
Tento chutá-lo mas ele prensa suas pernas impedindo que me mova da cintura
para baixo, o ar já me faz falta e tudo começa a ficar turvo. Pouco antes da
escuridão me tomar sinto o aperto em meu pescoço diminuir e logo meu corpo
é liberado de todo aperto que antes sentia.
–Você é um imã para problemas não é mesmo querida. –Aquela voz
detestável. Eu o odeio.
Abro os olhos e lá está ele atrás do homem que me agrediu, ao se mover o
corpo vai ao chão sem vida e ele começa a limpar a espada ensanguentada.
Rato desprezível, antes eu caísse em um foço cheio das criaturas mais mortais
do que ser salva por ele.
–Não vai me agradecer querida?
–Não. Se bem me lembro foi você que me trouxe aqui, então o que aconteceu
é culpa sua. –Seu semblante passa de zombeteiro para frio após minha
declaração.
–Então eu devia deixar o porco fazer o que quisesse com você certo? Afinal te
trouxe para isso como diz. –A cada palavra deixada de sua boca ele se
aproxima me colando na parede novamente.
–É incrível a habilidade dos piratas de distorcer palavras ao seu favor. –Não
vou abaixar minha cabeça para essa ratazana do mar. Estou certa, ele me
sequestrou, então tudo que acontecer passara a ser culpa dele.
–Minhas habilidades vão mais do que apenas distorção de palavras querida, se
abaixasse um pouco esse nariz empinado e fosse um pouco menos arredia eu
poderia mostrá-las a você com prazer.
Vagabundo miserável, pilantra dos sete mares e agora puta oferecida. Minha
lista de insultos apenas aumenta a cada palavra que sai de sua boca nojenta.
–Vou repetir o que te disse hoje. Vai. Pro. Inferno.
–Sabe, se não fosse tão fresca e nem tão chata daria uma boa pirata. –Suas
palavras me pegam se surpresa.
–Eu seria? –Falo e ele se aproxima mais de meu rosto, é engraçado como os
enquanto os outros fedem rum e peixe, seu hálito tem cheiro de hortelã e ele
cheira a vinho.
–Claro, toda embarcação precisa de faxineiros e cobaias de batalha.

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O ódio ferve em meu sangue e certo um soco em seu nariz fazendo-o
cambalear para trás. Assim que ele percebe o sangue escorrendo pelo nariz
me olha incrédulo, e para falar a verdade, eu também estava surpresa.
–Saiba que da próxima vez que se aproximar, garantirei que nunca tenha filhos
em sua miserável vida de pirata.
–Estaria me fazendo um favor, mas dispenso sua ajuda.
Ele caminha até a rua novamente e agora me certifico de permanecer em sua
cola, teria que dar outro jeito para escapar, graças ao rato miserável estou
fraca demais para sequer cogitar me defender, vou recuperar minhas forças e
na próxima vez que atracarem fugirei.
Andamos até um estabelecimento cheio e sujo, o pirata com cicatriz no olho
estava na porta como se estivesse de vigia. Vejo o rato roubar a capa de um
homem que passava na rua e logo ele se vira para mim novamente.
A capa roubada foi colocada em meus ombros escondendo o belo vestido e
logo o capuz caiu sobre meu rosto ocultando-o.
“Não de um piu”. Ele fala e adentramos o que parecia ser uma taberna.

***

Acho que antes de ser treinada para ser uma boa esposa eu deveria ser
preparada para vida, eu não sei nem me vestir sozinha poxa. Claro que
ninguém está preparado para ser sequestrado por piratas, mesmo assim, eu
devia estar preparada para vida.
O lugar é de arrepiar todos os cabelos que existe em meu corpo, a falta de
higiene é clara, mas o que chama atenção são as dezenas de pessoas caindo
de bêbadas por todo lugar. Que bom que meu corpo está coberto pelo tecido
desgastado da capa, seria péssimo chamar atenção nesse lugar.
A ratazana dos mares caminha a minha frente enquanto o pirata de cicatriz
anda atrás de mim como se estivesse me escoltando, logo vejo o resto dos
vermes há algumas mesas a frente.
–Capitão, ele está aqui. –O pirata que furei o olho fala se levantando da mesa
vindo em nossa direção.
–Se espalhem e fiquem de prontidão, ninguém entra e ninguém sai.
Sua fala é firme mas ainda percebo um pouco de preocupação no fundo de sua
voz, seja lá o que ele for fazer parece ter muito a perder. Ele pega um punhal e
coloca em minha mão retirando o capuz de meu rosto.
–Se fizer alguma gracinha eu te mato escutou. –Ele remove a capa de meu
corpo e abre mais meu decote.

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–O que você pensa que está fazendo?
–Sem chamar atenção princesa, senão vão matá-la e não vai ser eu a fazer
isso.
Ele coloca a mão em minha cintura a apertando e escondo o punhal em meu
vestido, ele acena para o pirata da cicatriz e caminhamos rumo as escadas que
tinha no fim do bar. Por onde passamos percebo pessoas abaixando as
cabeças em sinal de medo ou respeito.

Capítulo 2

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