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DEPARTAMENTO DE DIREITO
HUAMBO
FEVEREIRO, 2024
Instituto Superior Politécnico Católico do Huambo – ISPOC
Departamento de Direito
__________________________________________
________________________________________
____________________________________________
II
DEDICATÓRIA
III
AGRADECIMENTOS
A Deus pelo dom da vida e sua incomparável graça. Porque com soberania, guiou-me
durante todo meu percurso académico me ajudando a ultrapassar todos os obstáculos que encontrei
ao longo da minha formação;
Aos meus pais, Maria Eugénia Híngua e Tomás Jamba, exemplos e inspirações maiores, pela
ternura no carinho e sabedoria na repreensão, por me ensinarem o valor das coisas eternas, pois
incentivaram nos momentos difíceis e compreenderam a minha ausência enquanto me dedicava a
minha vida académica;
A minha família em geral, pelo incomensurável apoio. Vocês são o meu lugar favorito;
Aos meus professores e orientadores, Jordão Aveleira e Analtino Inácio S. Canguia, pelas
correções e ensinamentos que me permitiram apresentar um melhor desempenho no processo da
feitura desse projecto, gratidão também aos professores doutores do ISPOC, os quais, com destreza,
conduziram-me a um patamar mais elevado da vivência acadêmica e serviram-me como modelo e
inspiração;
Em particular ao meu irmão-amigo Jeremias Cassule, Pelo apoio e amor que me envolve
ainda quando está a uma província de distância. Agradeço a todos outros intervenientes neste
magnifico projecto de pesquisa (para não nos esquecermos de ninguém) e os amigos que o ISPOC
me trouxe, pelos risos, aprendizados e histórias que tenho pra contar. Levo-os para a vida.
IV
EPÍGRAFE
V
RESUMO
VI
ABSTRACT
This scientific research work is intended to obtain a degree in the Law course, criminal
option at the Instituto Superior Politécnico Católico do Huambo (ISPOC).
In this scientific project, we set out to talk about ‘‘Global Citizenship, from the perspective
of Immanuel Kant as a solution to the extinction of the figure of the foreigner’’ based on the dignity
of the human person. Teleologically, what is intended is the application of a form of Law that,
alongside the various attacks of racism, xenophobia, discrimination and others, aims to illustrate
other means whose application can gradually put an end to the figure of foreigners on a global level.
Although many authors may see this issue as a utopia, it is inevitable that with globalization, sooner
or later international Law could evolve into a uniform Legal Order and one of the expressions could
be that of a Law on a global scale.
VII
INDICE GERAL
DEDICATÓRIA................................................................................................................................. III
AGRADECIMENTOS ....................................................................................................................... IV
EPÍGRAFE ...........................................................................................................................................V
RESUMO ........................................................................................................................................... VI
ABSTRACT ...................................................................................................................................... VII
INDICE GERAL ..............................................................................................................................VIII
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ..........................................................................................X
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 13
PROBLEMA CIENTÍFICO ............................................................................................................... 16
OBJECTO DE ESTUDO ................................................................................................................... 16
OBJECTIVOS .................................................................................................................................... 16
GERAIS ...................................................................................................................................... 16
ESPECÍFICOS. ........................................................................................................................... 16
METODOLOGIA .............................................................................................................................. 17
PARTE I – NOÇÕES GERAIS SOBRE O ÂMBITO E SITUAÇÃO DO ESTRANGEIRO NOS
MAIS VARIÁDOS TEMPOS À ACTUALIDADE .......................................................................... 18
1.1- Conceitualização do âmbito .................................................................................................... 18
1.2- A figura jurídica do estrangeiro, conceito e evolução. ............................................................ 22
1.2.1- O estrangeiro em Roma .................................................................................................... 23
1.2.2- O estrengeiro na Grécia .................................................................................................... 25
1.2.3- O estrengeiro na Idade Média ........................................................................................... 25
1.2.4- O estrangeiro na Idade Moderna ...................................................................................... 26
1.3- Situação jurídica do estrangeiro em Angola ........................................................................... 26
1.4- O fenómeno da migração ........................................................................................................ 29
1.4.1- Uma comparação jurídica entre várias realidades ................................................................ 31
PARTE II – IMPLICAÇÕES DIVERSAS E PROBLEMÁTICA DO FENÔMENO MIGRATÓRIO
............................................................................................................................................................ 37
2.1- Implicações políticas, económicas, jurídicas e sociais ............................................................ 37
2.1.1- Países de origem ............................................................................................................... 38
2.1.2- Países de destino: .............................................................................................................. 39
VIII
2.2- Implicações jurídicas .............................................................................................................. 40
2.3- Posicionamento da Igreja sobre a migração ............................................................................ 41
2.4 - A questão do pertencimento e suas consequências. O parecer da declaração universal dos
direitos humanos ............................................................................................................................. 45
2.4.1- O racismos e a discriminação ........................................................................................... 48
2.5- O contrato de trabalho com o estrangeiro ............................................................................... 49
2.6- A dignidade da pessoa humana como elemento fundamental para as relações entre os
indivíduos ....................................................................................................................................... 52
2.7- Educação para uma cidadania global na perspectiva da UNESCO ........................................ 54
PARTE III – PERSPECTIVA DE UMA CIDADANIA GLOBAL .................................................. 56
3.1- A inevitável evolução: Dimensão Estadual, Comunitária ou regional, Federalismo,
Cosmopolitismo e comunidade global ........................................................................................... 58
3.2- A mudança de paradigma e o impacto no Direito penal ......................................................... 62
3.2.1- Impacto e consequências penal......................................................................................... 66
3.3- Empréstimo dos Princípios da DSI para a boa aplicação da federação .................................. 67
3.4 Cidadania global e a paz perpectua em Kant ................................................................... 69
CONCLUSÃO ................................................................................................................................... 72
RECOMENDAÇÕES ........................................................................................................................ 74
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................... 75
IX
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
Art.º artigo
Art.º artigo
CADHP Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos
DM Direito Migratório.
Ed. Edição
X
ibidem ibidem (o mesmo autor, mesma obra, páginas diferentes)
n. número
p. página
pp. Páginas
SS Seguintes.
UA União Africana
UE União Europeia
XI
INTRODUÇÃO
Com o presente trabalho de investigação científica, pretendemos lançar mão a uma forma de
Direito que através de uma educação para uma cidadania global, tendo como base a dignidade da
pessoa humana, trará formas práticas de acabar paulatinamente com a figura do estrangeiro evitando
assim questões que em muitos casos têm tido consequências penais. A inserção do migrante nos
sistemas de protecção dos Direitos Humanos deve ser repensada de forma abrangente, como uma
necessidade de superação de ideais vigentes e seus reflexos nas políticas públicas para uma
concepção mais próxima da cidadania mundial de Direitos Humanos em que o respeito à dignidade
da pessoa humana não tenha como base seu status jurídico de nacionalidade ou de permanência
legal.
O migrante tem, hoje, várias faces, termos, denominações: forçado, voluntário, refugiado,
exilado, apátrida e assim por diante. São diversos contornos sociais e jurídicos. «Vários documentos
no plano internacional, materializados em diferentes níveis de protecção. Por isso, torna-se cada vez
mais necessário estudar a figura do estrangeiro e a sua proteção não só no plano internacional, mas
também internamente ao Estado».1
Desejamos com este trabalho, o alcance da paz mundial «que deve ser observada não só
como um estado de inexistência de guerra, mas a realização de esforços para uma coexistência
1
MaxileneSoares CORRÊA, Direito internacional da migração. Apontamentos epistemológico, Dissertação de Mestrado
em Ciências Jurídico-Políticas – Menção em Direito Internacional Público e Europeu Faculdade de Direito,
Universidade de Coimbra, FDUC, Coimbra 2017, p. 90.
13
tranquila entre grupos e povos, sem preconceitos, racismos ou xenofobia e a eliminação de outras
formas de violência entre Estados».2
Fazendo uma comparação com os tempos passados, podemos verificar que até hoje que «o
conceito de cidadania tem evoluído ao longo do tempo. Historicamente, a cidadania não se estendia
a todos – por exemplo, apenas homens ou quem possuía propriedades podiam ser cidadãos».3
Durante o século passado, passou-se gradualmente a uma compreensão mais abrangente da
cidadania, sob a influência do desenvolvimento dos direitos civis, políticos e sociais.4 «Actualmente,
a noção de cidadania, varia de país para país, refletindo, assim, diferenças de contexto político e
histórico, entre outros fatores».5
No segundo capítulo, tratamos das implicações que advêm deste fenómeno nos mais
variados níveis como elementos que de alguma forma, têm estado na base para alteração das
legislações a nível internacional. Vimos também qual é o posicionamento religioso sobre a migração
assim como as consequências que trás a questão da pertença . Acreditamos que o modelo
apresentado neste segundo capítulo seja o ideal para o desaparecimento paulatino da figura do
estrangeiro.
2
CONCILIO ECUMENICO VATICANO II, Constituição pastoral Gaudium et spes sobre a Igreja no mundo actual, (7 de
Dezembro 1965), nº 78.
3
HEATER, (1990); ICHILOV, (1998); ISIN, (2009), apud., UNESCO. Educação para a cidadania global: tópicos e
objetivos de aprendizagem, 2016, p.14.
4
MARSHALL, 1949.,), citados pela UNESCO. Educação para a cidadania global: tópicos e objetivos de aprendizagem,
2016, p.14.
5
UNESCO. «Educação para a cidadania global: tópicos e objectivos de aprendizagem» Disponível em
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000244826, consultado em 13 de Outubro de 2023, Huambo, 13h:19.
14
Devemos pois lembrar, que a gêneses da dignidade da pessoa humana é Deus, que fez do
homem a sua imagem e semelhança, tal como observa Rosmini, «anterior ao civil e social, o homem
já é Direito porque trás na sua essência aquilo que o “Direito” civil e social apenas devem proteger e
garantir».6 É o mesmo sentido que retiramos da Declaração Universal dos Direitos Humanos
(DUDH) se referindo ao reconhecimento da dignidade da pessoa humana que constitui o
fundamento da liberdade, justiça e paz no mundo e defende que todos os regimes de Direito do
mundo devem proteger os direitos do homem.7
6
Cfr., Pedro Cassiano CATCHITÔLE,O direito como garantia da dignidade da pessoa humana. Antropologia jurídica à
luz de Antonio Rosmini, Escolas Católicas Capuchinhas, Luanda-Agola 2018, p.11.
7
Cfr., Declaração Universal dos Direitos Humanos. Assembleia Geral das Nações Unidas (Resolução 217 A III):
Preâmbulo, 1948.
15
PROBLEMA CIENTÍFICO
Já acima dissemos que o que consta actualmente é a existência de fronteiras entre países e o
vínculo que os cidadãos têm com os seus Estados sendo que, considera-se cidadão de um
determinado país, o indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos daquele Estado. Com esta
cidadania, surge a questão do pertencimento de um indivíduo a um Estado, tendo claramente como
consequências questões como o racismo, discriminação, xenofobia e outras que em vez de inclusão,
excluem aqueles que não têm aquele laço com o determinado Estado, sendo estes estrangeiros.
OBJECTO DE ESTUDO
OBJECTIVOS
GERAIS: Com o seguinte trabalho de investigação cintífica, pretendemos lançar mão a uma
cidadania global atravez da aplicação de um ordem jurídica universal que será realizada pela
ideia de uma cidadania global preconizada po Kant, que coloque no topo os direitos
fundamentais dos indivíduoas e defenda a dignidade da pessoa humana como critério
fundamental para as relações entre os indivíduos para se atingir assim a paz perpétua.
ESPECÍFICOS.
Verificar as noções gerais que ladeiam o Direito Internacional da Migração assim
como achar um que melhor se adequa em termos de uma cidadania global;
Analisar a problemática e variáveis da questão da migração, assim como
estabelecer as desvantagens do sentimento de pertença e elevar a dignidade como
elemento fundamental para a relação entre as pessoas para o estabelecimento da
paz enunciada por Kant;
Estabelecimento da federação como o modelo que melhor se adequa a perspectiva
de uma cidadania global.
16
METODOLOGIA
17
PARTE I – NOÇÕES GERAIS SOBRE O ÂMBITO E SITUAÇÃO DO
ESTRANGEIRO NOS MAIS VARIÁDOS TEMPOS À ACTUALIDADE
Ao longo da nossa caminhada científica, poderemos nos deparar com várias terminologias
que num primeiro momento poderão parecer tratar de coisas diferentes, mas é importante realçar que
o nosso objecto de estudo centra-se na figura do estrangeiro como detentor de direitos, liberdades e
garantias fundamentais, este ser que em sua volta devem ser criados Direitos que promovam e
defendam o valor da pessoa humana e a sua dignidade. Por uma questão de casamento entre a nossa
proposta “ a cidadania global como solução da extinção da figura do estrangeiro”, procuraremos
uma designação que melhor se adeque a situação ou que melhor sincronia irá criar, embora o objecto
de estudo seja, em qualquer designação o estrangeiro, tentaremos por várias vezes invocar aquela
designação que possa espelhar unidade sistemática, inclusão e generalização.
10
Direito Internacional da Migração, Glossário sobre Migração. Nº22, Suíça: Organização Internacional para as
Migrações, 2009, p.40disponível em https://publications.iom.int/system/files/pdf/iml22.pdf consultado em 23 de
Novembro de 2023, Huambo, 12h:25.
11
Ivi.
12
Ibidem, p. 33.
13
Artº 2º da DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, Adoptada e proclamada pela Assembleia Geral
das Nações Unidas (Resolução 217 A III): 1948.
19
da designação Direito Internacional da Migração (DIM), sendo uma designação utilizada pela OIM
em vez de Direito dos estrangeiros (DE) ou DM por uma questão de inclusão, sendo que uma das
características DM, um direito de exclusão, reconhecendo ao estrangeiro menos direito do que é
dado aos nacionais,14 e para nós, a inclusão é que importa, sendo que queremos equilibrar, ou seja
elevar os cidadãos ao mesmo nível no plano internacional.
No âmbito nacional, é preferível definir o Direito dos estrangeiros como sendo o conjunto de
normas e princípios jurídicos que definem a situação jurídica do estrangeiro em Angola
nomeadamente a sua entrada, permanência, saída, bem como o seu estatuto jurídico este último que
veremos quando falarmos da situação jurídica do estrangeiro em Angola.15
A migração internacional do nosso século nos mostra uma nova dinâmica social. As pessoas
se movimentam e carregam em suas bagagens parte de seus mundos, culturas e hábitos. «São
realidades diferentes que se misturam e se excluem em um paradoxo real e dotado de grande
complexidade, como consequência da própria globalização e da liquidez da modernidade».16
No plano internacional não existe uma definição universalmente aceite de migrante.17 O
termo migrante compreende, geralmente, todos os casos em que a decisão de migrar é livremente
tomada pelo indivíduo em questão, por razões de conveniência pessoal e sem a intervenção de
factores externos que o forcem a tal, podemos aqui dar exemplo de factores económicos, políticos e
perseguição. Em consequência, este termo aplica-se, às pessoas e membros da família que se
deslocam para outro país ou região a fim de melhorar as suas condições materiais, sociais e
possibilidades das suas famílias.
14
Cfr., artº 4º da Lei nº 13/19 de 23 de Maio, lei sobre o regime jurídico dos cidadãos estrangeiros na república de
Angola.
15
Ibidem, Artigo 1º.
16
Zigmunt BAUMAN - Jorge ZAHAR Modernidade líquida, Rio de Janeiro, apud., Maxilene Soares CORRÊA, Direito
internacional da migração. Apontamentos epistemológico, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas –
Menção em Direito Internacional Público e Europeu Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, FDUC, Coimbra
2017, p. 7.
17
Direito Internacional da Migração, Glossário sobre Migração. Nº22, Organização Internacional para as Migrações,
Suíça 2009, p.43.
20
definida, como os migrantes contrabandeados; bem como pessoas cuja situação ou meio de
transferência não estejam expressamente definidos no direito internacional, como os estudantes
internacionais».18
O que se pretende é pois a busca por uma designação que envolva os instrumentos e sistemas
dos mais variados países e que traga uma inclusão a escala global isto porque, «o Direito
Internacional da Migração deve ser compreendido como uma asseguração de direitos
universalmente concebidos a todos os homens. Entre esses direitos, o de ser recebido com
hospitalidade e dignidade em qualquer lugar do planeta».19
Por uma questão de universalização dos conceitos, inclusão e pela índole do nosso tema,
preferimos utilizar a expressão Direito Internacional da Migração, não descurando claro, que ao
longo da nossa abordagem poderemos utilizar os termos acima referidos.
Assim, o Direito Internacional da Migração, pode ser definido como sendo «os instrumentos
de direito internacional aplicáveis à migração».20 Para melhor entendimento, cada país cria
particularmente um conjunto de normas, regras e princípios que têm de ver com a migração,
devendo estas, estar em conformidades com os instrumentos internacionais e aplica-os em
determinadas situações dentro de suas fronteiras. No entanto, o que se quer que se verifique são
formas segundo as quais, os direitos dos migrantes sejam verdadeiramente verificados e que a sua
dignidade como pessoa e por ser esta pertencente a um mundo sem fronteiras onde cada um pode
tratar com cordialidade o outro independentemente da sua origem, esteja acima de qualquer
ordenamento interno ou ao menos seja protegido e regulado por documentos supra estaduais que
reconheçam ao indivíduo direitos de liberdade de circulação e permanência em uma escala global,
onde cada um seja bem-vindo sem o sentimento de ser estranho.
18
ONU, OIM. Por uma migração benéfica para todos https://www.iom.int/es/sobre-la-migracion, acessado em 28 de
novembro de 2023 as 14:39.
19
Maxilene Soares CORRÊA, Direito internacional da migração. Apontamentos epistemológico, Dissertação de
Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas – Menção em Direito Internacional Público e Europeu Faculdade de Direito,
Universidade de Coimbra, FDUC, Coimbra 2017, p. 9.
20
Direito Internacional da Migração, Glossário sobre Migração. Nº22, Organização Internacional para as Migrações,
Suíça 2009, p.20.
21
1.2- A figura jurídica do estrangeiro, conceito e evolução.
Nem sempre o estrangeiro foi tratado como é nos dias de hoje,21A figura do estrangeiro e a
sua protecção pelo direito foi sofrendo alterações desde os mais variados tempos e sistemas assim
como em diferente épocas históricas, o facto de ser visto como estranho, foi um dos motivos que
fez que desde muito cedo fosse difícil a sua permanência em determinados territórios por várias
razões, na sua maioria por discriminação, xenofobia e racismo e nos dias de hoje, verifica-se que
esses motivos têm como consequência a exclusão social dos estrangeiros.
Os fenómenos migratórios não são novos. Desde a antiguidade as pessoas, seja em grupo,
seja individualmente, deixam seus lugares e grupos de origem para estabelecerem-se em outros. «A
migração é desde os primórdios, uma resposta às necessidades físicas de comida, abrigo ou
segurança. Ou seja, o estrangeiro sempre existiu. No entanto, o fenómeno da migração remodelou-se
conforme diferentes episódios da história da humanidade. Os contornos da figura do estrangeiro
foram sendo modificados ao longo dos anos».22
É sabido que nas sociedades mais antigas, não havia uma organização dos homens nas
Cidades-Estado os homens não estavam organizados politicamente. As mesmas, organizavam-se
inicialmente em grupos pequenos que tinham como líder os chefes de famílias, posteriormente por
21
Devemos realçar que o tratamento dado actualmente ao estrangeiro não é dos melhores mas é de reconhecer uma certa
evolução com passar dos anos, graças aos trabalhos que os vários organismos internacionais têm feito para tornar cada
vez mais eficaz o reconhecimento e protecção dos direitos fundamentais desses, e o nosso desígnio é que se chegue a
uma forma de direito mais global.
22
Maxilene Soares CORRÊA, Direito internacional da migração. Apontamentos epistemológico, Dissertação de
Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas – Menção em Direito Internacional Público e Europeu Faculdade de Direito,
Universidade de Coimbra, FDUC, Coimbra 2017, p. 11.
22
clãs, tribos e assim foi paulatinamente até chegar aos surgimentos de novos Estados, como é hoje
visível. «Nestes termos, todo aquele que não era da Família, do clã, da tribo, era visto como
estranho, como estrangeiro sendo que vinha de um lugar desconhecido, um lugar, que no imaginário
dos membros do grupo, estava atrelado à ideia de medo, morte, ou do simples desconhecido».23
Portanto, aquele que vinha de fora, o estranho, não era, em geral, amigo. Tal como
mencionamos, o surgimento das cidades trouxe um novo paradigma para a organização da vida do
homem, com o surgimento das grandes cidades politicamente organizadas, dá-se assim o conceito de
cidadão e consequentemente o de não cidadão, que subtrai todo aquele que não faça parte da civis.
«O Ius Romanum da primeira etapa da época arcaica é, pois, um direito fechado, privativo
dos cives. Só prevê a regulamentação das relações entre cives. Os non-cives, os estrangeiros
(primitivamente chamados hostes, depois peregrini), residentes em território romano, movem-se, nas
suas relações privadas, fora da órbita do Ius Romanum que, portanto, era então exclusivamente ius
civile. Devido aos prejuízos causados aos próprios cives, esta situação teve de modificar-se. As novas
necessidades comerciais e o desenvolvimento da vida social e civil, num momento em que Roma
principia ser a cabeça dos povos mediterrâneos, exigen do Ius Romanum a regulamentação das
relacões entre cives e peregrini e entre os próprios peregrinis. Para atender a certas necessidades é
criado, em 242 a.C., o “praetor peregrinus”. Com ele, inicia-se a formação do ius gentium, a par do
ius civile ( pelo menos de início, e segundo a melhor opinião)».24
Podemos verificar aqui, o nascimento de um direito dos estrangeiro que além de regular as
relações com os romanos, regulava também as relações entre os estrangeiros através de um praetor,
este, que tinha a incumbência de organizar todos os processos em que pelo menos uma das partes
era estrangeiro, nesta época é visível o tratamento que se dá ao estrangeiro, aliás, «acredita-se que a
criação do praetor peregrininis foi dada somente para atender as necessidades de Roma».25 É visível
também que não existia uma inclusão do estrangeiro em determinados assuntos da Cives, sendo que
23
Maxilene Soares CORRÊA, Direito internacional da migração. Apontamentos epistemológico, Dissertação de
Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas – Menção em Direito Internacional Público e Europeu Faculdade de Direito,
Universidade de Coimbra, FDUC, Coimbra 2017, p. 13.
24
Sebastião CRUZ, Direito Romano (Ius Romanum). 4ª edição, Dis Livro, Coimbra, 1984, p.45.
25
Cfr., Ivi.
23
é reservado para os estrangeiros apenas alguns direitos de trocas e comércio com os nativos. Apesar
disso, o Direito Romano foi, de todos os sistemas jurídicos dos povos da antiguidade, o que
abarcava especial protecção aos estrangeiros justamente pela criação especial de um praetor.
É importante realçar que o Direito Romano já caminhava a passos largos, isto por causa das
relações que Roma tinha com vários povos, e nestes termos o jus civilis reservado, inicialmente, aos
romanos, foi se adaptando aos poucos, de maneira a alcançar os outros povos incorporados ao
império. «O jus civilis passou ainda a conviver com outro corpo de normas jurídicas, o “jus
gentium”, composto de normas frágeis cujos destinatários principais eram os peregrini».26 e nestes
termos o direito Romano foi evoluindo de tal forma que, através da verificação da cultura dos
latinos, foi realizada um série de concessões para possibilitar o alcance da cidadania romana e neste
caso houve uma expansão da cidadania romana com base nos vínculos culturais e a fidelidade dos
povos conquistados. Durante o império, em 212 d.C., a cidadania romana foi estendida aos homens
livres residentes nos territórios do império. Foi diminuído o número daqueles que poderiam ver a
sua capacidade de exercício de direito restringida pela sua qualidade de ser um pereguini.
O Direito Romano foi uma surpreendente exceção a todos os sistemas jurídicos dos povos da
antiguidade, pela extraordinária proteção que dava aos estrangeiros, conforme se pode comprovar,
pela análise de seu próprio desenvolvimento histórico.
O paulatino enfraquecimento da distinção entre os civis (cidadãos romanos) e os estrangeiros
reflete o universalismo romano e consolida a comunhão cultural por meio do jus, o que sem dúvida
contribuiu para que a organização política e administrativa romana, assim como sua ordem jurídica,
se difundisse pela Europa. «O Jus Gentium, sem dúvida foi um grande legado do Direito Romano,
sendo o gérmen do Direito Internacional».27
26
Cfr., Luciene DAL RI, Cidadãos e Latinos na Experiência jurídica da Roma Antiga. Novas possibilidades para um
modelo de inclusão. Revista NEJ - Novos Estudos Jurídicos., apud, Maxilene Soares CORRÊA, Direito internacional da
migração. Apontamentos epistemológico, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas – Menção em Direito
Internacional Público e Europeu Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, FDUC, Coimbra 2017, p. 14.
27
Maxilene Soares CORRÊA, Direito internacional da migração. Apontamentos epistemológico, Dissertação de
Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas – Menção em Direito Internacional Público e Europeu Faculdade de Direito,
Universidade de Coimbra, FDUC, Coimbra 2017, p. 15.
24
1.2.2- O estrengeiro na Grécia
Em Atenas existiam três categorias de estrangeiros, cujas situações jurídicas eram diferentes:
Os isótelos, os metoikos, e os xénos. Os “isótelos” eram os pertencentes a unidades políticas com
que Atenas celebrou acordos e por isso podiam exercer os poucos direitos neles previstos.
«Os “metoikos” eram aqueles que Atenas permitiu que fixassem residência. Era-lhes vedado,
porém, possuir imóveis e transmitir ou receber por meio de testamento. Eram obrigados a pagar uma
contribuição à cidade e defendê-la em caso de guerra. Não podiam contrair casamentos com
cidadãos. O terceiro grupo é o dos “xénos”, aqueles estrangeiros de passagem, que não possuíam
qualquer proteção legal. Decorrido determinado tempo de permanência na cidade, o “xénos” devia
fazer-se reconhecer como “metoiko”, ou deixar Atenas».28
Até a Idade Média, prevalecia o critério jus sanguinis, ou seja, as prerrogativas e os deveres
vindos do pertencimento a um grupo ou unidade política, eram transmitidos de pais para filhos.
Portanto, aqueles que não possuíam o “mesmo sangue” eram negados os direitos reservados aos
considerados cidadãos. Este critério leva em conta, então, a filiação. Na antiguidade oriental e
clássica o critério jus sanguinis era o mais frequente, pois a família era a base de toda a sociedade.
«O ambiente público, em Roma e na Grécia, era o prolongamento da família. Cada indivíduo
28
Alexandra Chícharo NEVES, Os Direitos do Estangeiro. Respeitar os Direitos do Homem, Dissertação de Mestrado
em Ciências jurídico-processuais, Uiversidade autónomade Lisboa, Teses: 36. Lisboa 2011. p. 26.
29
É o que se verifica actualmete no Estado angolano e podemos verificar isto na CRA no artº 9º.
25
pertencia primeiro à família, e depois à sociedade. O critério jus sanguinis foi espalhado pela Europa
em razão das conquistas do Império Romano».30
30
Maxilene Soares CORRÊA, Direito internacional da migração. Apontamentos epistemológico, Dissertação de
Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas – Menção em Direito Internacional Público e Europeu Faculdade de Direito,
Universidade de Coimbra, FDUC, Coimbra 2017, p. 17.
31
Maxilene Soares CORRÊA, Direito internacional da migração. Apontamentos epistemológico, Dissertação de
Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas – Menção em Direito Internacional Público e Europeu Faculdade de Direito,
Universidade de Coimbra, FDUC, Coimbra 2017, p. 19.
26
necessidade da sua protecção, acima de tudo regulamentação de acordo com lei Estadual e vários
instrumentos internacionais de Angola faz parte.
32
Cfr., Nº4 do artigo 11º, artº 26º, nº2 do artº 27, artº 51º Lei Constitucional nº 23/92 de 16 de Setembro, Luanda:
Assembleia do Povo.
33
Ibidem, artº 20.
27
A pergunta que se coloca face ao novo contexto é sobre a nacionalidade, quem é afinal nos
termos da Constituição o nacional angolano? Como pode ser adquirida esta nacionalidade e quais os
requisítos de perda e reaquisição da mesma? Pensamos nós que a réplica deste quesito nos levaria a
saber automaticamente sobre quem é o estrangeiro no Estado angolano. A lei elenca dois tipos
fundamentais de nacionalidade, podendo ser originária ou adquirida,34 no entanto a originária poderá
ainda ser de sangue, Ius Sanguini quando independentemente do local de nascimento, o cidadão seja
descendente de pais angolanos, quanto a nacionalidade adquirida é presumível, ou seja, até que se
prove o contrário se verifica quando o recém-nascido é achado em território angolano, ius soli,
independentemente da proveniência e nacionalidade dos pais, quanto aos requisitos de perda e
reaquisição da nacionalidade devem ser fixados pela lei da nacionalidade, Lei nº 2/16 de 15 de
Abril.
Para uma maior e melhor regulamentação do fluxo migratório em Angola, é aprovada nos
termos da alínea c) do artº164º da Constituição da Republica de Angola a lei nº 13/19 de 23 de Maio
lei sobre o regime jurídico dos cidadãos estrangeiros na república de Angola que regula o regime
jurídico de entrada, saída, permanência e residência do cidadão estrangeiro em território nacional e a
mesma define como estrangeiro, «todo aquele que não possui a nacionalidade angolana»,35 ou seja,
fazendo uma conjugação com a o art.º 9º da CRA, é estrangeiro todo aquele que não possui nem a
nacionalidade adquirida, nem a nacionalidade originária nos termos da lei.
O que a nós interessa é pois a inclusão e o respeito pela dignidade do estrangeiro, ou seja,
quais são os direitos dos estrangeiros à nível nacional? Será que a lei nacional mostra traços de
adesão ou extensão em caso de uma nacionalidade?
Tal como supra mencionamos, Angola é parte de vários organismos internacionais e citando
apenas alguns como a Organização das nações Unidas (UNU) e a União Africana (UA) e ao fazer
parte destes, o direito internacional é parte integrante da ordem jurídica angolana,36 nestes termos
embora estando vedado alguns direitos para os estrangeiros, temos a classe daqueles que são direitos
fundamentais em respeito a (DUDH)e em harmonia com a Carta Africana dos Direitos do Homem e
dos Povos (CADHP) assim como dos tratados internacionais, nestes termos, aos estrangeiros são
34
Art.º 9º da Constituição Da República De Angola, Imprensa Nacional, Luanda 2010.
35
Alinea h) do artº 3º da Lei nº 13/19 de 23 de Maio, lei sobre o regime jurídico dos cidadãos estrangeiros na república
de Angola.
36
Art.º 13º da Constituição Da República De Angola, Imprensa Nacional, Luanda 2010.
28
reconhecidos direitos, liberdades e garantias fundamentais tal como consta do nº 1 do artigo 25º.
Nos termos do nº 2 do artigo 13º “os tratados e acordos internacionais regularmente aprovados ou
ratificados vigoram na ordem jurídica angolana após a sua publicação oficial e entrada em vigor na
ordem jurídica internacional e enquanto vincularem internacionalmente o Estado angolano.
Nestes termos, os traços que a constituição da república de Angola mostra de inclusão dos
estrangeiros, reconhecimento de certos direitos que podem estar em paridade com os nacionais ou de
possível extensão da cidadaniaangolana é limitada e a perspectiva de evolução é apenas para as
comunidades regionais ou culturais de que Angola faz parte, que mediante convenções
internacionais, podem ser atribuídos certos direitos aos cidadãos que façam parte destas
comunidades, direitos estes que não são reconhecidos aos estrangeiros.37 Segundo a actual lei da
nacionalidade angolana, é também dada uma abertura de aquisição da nacionalidade para cidadãos
por motivos de filiação, art.º 11º, aquisição por adopção, artº12º, aquisição por casamento, art.º13
aquisição por naturalização (desde que satisfaça cumulativamente os requisitos legais) art.º14º e tem
ainda outros casos de aquisição constado no art.º 15º da lei Nº 2/16 de 15 de Abril.
«Os fenómenos das migrações têm vindo ocupar uma importância cada vez maior nas
agendas políticas dos governos dos países industrializados, o que é comprovado pela especial
37
Cfr., Nº3 do art.º 25º da Constituição Da República De Angola,Imprensa Nacional, Luanda 2010.
29
atenção que as cimeiras do “Grupo dos Oito (G-8)”38 e da União Europeia lhe têm dispensado nos
últimos anos».39
Certamente que o homem, desde muito cedo, realiza grandes deslocações, o principal motivo
foi entre outros, a procura de melhores condições de vida para as famílias. Mas devemos admitir que
hoje em dia são vários os motivos que o levam a pensar que pode fazer parte de algo maior, que
pode relacionar-se mais com os homens e povos de outras partes do mundo e claro que na maioria
das vezes isso não é apenas um sonho inalcançável. Inicialmente, nas civilizações clássicas, o
comércio foi uma das actividades que levou o aumento de grandes fluxos migratórios em diferentes
cidades, tomamos como exemplo Roma, que enquanto império foi onde mercadores e comerciantes
vindo de vários pontos encontravam-se para realizarem as suas trocas e dali, muitos ficavam nas
cidades vizinhas, outros voltavam para as suas cidades, e outros decidem ficar em Roma para
estabelecerem outros tipos de relações e com o tempo ganhavam a cidadania romana, é o caso
igualmente das cidades do norte de Itália que no séc. XII transformaram-se em grandes centros
comerciais. «Esses movimentos de pessoas e bens, foi um dos motivos que levou a primeira
globalização assim como o surgimento de novos Estados».40
Nos últimos cem anos a evolução demográfica caracterizou-se pela rapidez do crescimento
da população mundial e consequentemente, o volume das migrações a nível internacional tem
aumentado em larga escala.
38
A sigla G-8 corresponde ao grupo dos 8 países mais ricos e influentes do mundo que reune quase 70% da riqueza
mundial compostos por Estados Unidos, Canadá, França, Reino Unido, Alemanha, Itália, Japão e Rússia criado em 1975
cujo objectivo é debater assuntos relevantes relacionados à estabilidade económica global.
39
Sergio Vieira da SILVA, Introduçaõ às relações internacionais, Escolar Editora, Lisboa2012, p.78.
40
Cfr., Luís de Lima PINHEIRO, Direito Internacional Privado, Vol 1, 3º edição refundida reimpressão da edição de
2014, Aafdl editora, Lisboa 2021, p. 25.
30
A época que vai de 1880 a 1914 foi marcada pelas grandes migrações europeias;
aproximadamente 34 milhões de indivíduos abandonaram a Europa, a maioria deles de força da
idade. Fora do espaço Europeu este movimento foi bem menos importante. «A seguir à primeira
Guerra Mundial este fluxo diminuiu em grande parte devido ao facto dos Estados, principal destino,
terem fechado as suas portas à imigração».41
«Este número manteve a tendência ascendente marcada pelos 248 milhões em 2015, 220
milhões em 2010, 191 milhões em 2005 e 173 milhões em 2000. Nas últimas duas décadas, a
população de migrantes internacionais aumentou, em média, 2,4% anualmente. A taxa de
crescimento aumentou para 2,5% no período 2015-2020, em comparação com 2,3% entre 2010 e
2015. Apesar do aumento em números absolutos, a proporção representada pelos migrantes
internacionais na população mundial manteve-se relativamente estável entre 1990 e 2020, numa faixa
de 2,8% a 3,6%».42
41
Sergio Vieira daSILVA, Introduçaõ às relações internacionais, Escolar Editora, Lisboa2012, p.76.
42
Portal de Dados da migração .Uma perspectiva Global https://www.migrationdataportal.org/es/international-
data?i=stock_abs_&t=2010 acessado em 28 de novembro de 2023 as 15:00.
43
Ivi.
31
Precisamos saber o que há de comum entre os estrangeiros de diferentes Estados para maior
precisão, eficácia e aplicabilidade quando se tratar de uma cidadania global já que a grande
preocupação é a inclusão social de um número de indivíduos localizados em territórios que não são
os da sua nacionalidade por vários motivos e que t~em em comum questões os de exclusão por parte
dos nacionais desses territórios.
Sendo uma realidade global, talvez seriamos questionados sobre um estudo de campo, mas a
depender do nosso objectivo as perguntas a serem feitas são: Será que precisamos sair de Angola
para estudar a figura do estrangeiro? O estrangeiro em Angola, é o mesmo que o estrangeiro em
Portugal, Suíça, Estados Unidos ou Brasil? Como é o seu tratamento nesses Estados assim como os
de suas famílias? São perguntas que talvez nos levem a um denominador comum, no entanto, em
vez de estudo de campo preferimos fazer uma análise e caminhar através do Direito Comparado para
melhor vermos as questões jurídicas que ladeiam o estrangeiro em diferentes realidades.
O que deve ficar patente é que a comparação em que vamos nos basear será no sentido de
ordens jurídicas unitariamente sistematizadas, designadamente, ordens jurídicas estaduais mas que
segundo o Direito comparado, nos focaremos apenas em algumas figuras jurídicas particulares que
são integradas nessas ordens jurídicas diferentes (micro-comparação), e não na sua totalidade.
O ponto de partida é o Estado angolano e como ficou atrás assinalado, em termos legais, os
estrangeiros gozam de direitos, liberdades e garantias fundamentais bem como da protecção do
Estado, desde que esteja legalmente em território nacional embora são-lhes vedado certos direitos
civís. Devemos realçar que em concordância com o direito internacional, os direitos fundamentais
estabelecidos na CRA não excluem qualquer outro direito constantes em leis e regulamentos
internacionais. De acordo com a lei nº 13/19 de 23 de Maio, esses direitos, deveres e garantias
fundamentais é exclusivo para o estrangeiro que se encontre legalmente em território angolano,
sendo que precisa deste reconhecimento legal para estar sujeitos aos mesmos direitos, liberdades e
garantias que os cidadãos angolanos.44 Ou seja as leis angolanas colocam o estrangeiro em paridade
com o nacional em termos de direitos fundamentais com excepção dos direitos políticos e dos
demais direitos e deveres expressamente reservados por lei aos cidadãos angolanos. No entanto o
cidadão estrangeiro que pretende permanecer na República de Angola deve respeitar a constituição,
44
Artº 4º da Lei nº 13/19 de 23 de Maio, lei sobre o regime jurídico dos cidadãos estrangeiros na república de Angola.
32
declarar o seu domicílio, prestar às autoridades angolanas todos os elementos relativos ao seu
estatuto pessoal sempre que lhe seja exigido por lei.45
A entrada de estrangeiro no território, deve ser feita através de um visto de entrada previsto
nos termos legais que habilita o seu titular a apresentar-se num posto de fronteira e solicitar a
entrada em território nacional,46 embora seja uma mera expectativa, sendo que pode a entrada ser
recusada nos termos da lei, recordando pois, que um dos requisitos fundamentais para entrada em
território nacional é o visto. Para a realidade de Angola, os estrangeiros entram na sua maioria
através do visto consular para fixação de residência sendo que maior parte dos estrangeiros à nível
nacional praticam o comércio e por outras vezes pelo visto consular de trabalho. Outras modalidades
de vistos consulares não são muito verificadas em Angola pelo carácter de ser um país em via de
desenvolvimento.
Decretada pela alínea c) do art.º 161º da Constituição da República Portuguesa (CRP), para
Portugal temos a lei nº 18/2022 de 25 Agosto, lei que altera, corrige e republica a lei nº 23/2007, de
04 de Julho, lei que define as condições e procedimentos de entrada, permanência, saída e
afastamento de estrangeiros do território português bem como o estatuto de residente de longa
duração.
Portugal faz parte de uma realidade mais avançada, a evolução para um sistema de direito
em que é integrado em uma comunidade, a União Europeia (UE)48 faz com que a sua
regulamentação em assuntos que tem de ver com o a figura do estrangeiro seja diferente de outras
realidades que não possuem o mesmo sistema, por exemplo a lei supramencionada, transpõe para a
45
Cfr., idem, art.º 10º.
46
Artº alinea a), nº 1 do artº.14º da Lei nº 13/19 de 23 de Maio, lei sobre o regime jurídico dos cidadãos estrangeiros
na república de Angola.
47
Idem.
48
Nº5 do art.º77 da lei nº 18/2022 de 25 Agosto lei que altera, corrige e republica a lei nº 23/2007, de 04 de Julho, lei
que define as condições e procedimentos de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território
português bem como o estatuto de residente de longa duração.
33
ordem jurídica interna, todas as directivas da UE, no entanto esta lei é aplicada aos nacionais dos
Estados membros da UE, de um Estado parte no Espaço Económico Europeu ou de um Estado
terceiro com o qual a União Europeia Tenha concluído um acordo de livre circulação de pessoas,
esta lei não prejudica também os regimes especiais cosntantes de acordos bilaterais ou multilaterais
celebrados entre a UE, ou a UE e os seus Estados membros; «Convenções internacionais de que
Portugal seja parte ou a que se vincule em especial os celebrados ou que venha a celebrar com
Países de língua oficial portuguesa (PALOP), a nível bilateral ou no quadro da Comunidade dos
Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP)»;49 O disposto na presente lei, não prejudica ainda as
obrigações decorrentes das convenções internacionais em matéria de direitos humanos e das
convenções internacionais em matéria de extradição de pessoas de que Portugal seja parte ou a que
se vincule.
Como vimos, a ordem jurídica portuguesa é bastante complexa por fazer parte de um sistema
de direito mais evoluído, uma comunidade, ou seja como vimos, Portugal evoluiu para ordem
jurídica em que como iremos tratar mais adiante, tem a coexistência de duas nacionalidades, uma
primária e outra secundária, nestes termos o cidadão português, é também cidadão de todos os países
da UE através da cidadania europeia e nele pode livremente circular e possui vários direitos em
contrário de um cidadão que não faça parte da comunidade.
a) Sejam nacionais de Estados com os quais Portugal tenha convenções internacionais que lhes
permitam a entrada com o bilhete de identidade ou documento equivalente;
b) Sejam abrangidos pelas convenções relevantes entre os Estados partes do Tratado do
Atlântico Norte;
c) Sejam portadores de laissez-passer emitido pelas autoridades do Estado de que são nacionais
ou do Estado que os represente;
49
Nº1 do art.º55 da lei nº 18/2022 de 25 Agosto lei que altera, corrige e republica a lei nº 23/2007, de 04 de Julho, lei
que define as condições e procedimentos de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território
português bem como o estatuto de residente de longa duração.
34
d) Sejam portadores da licença de voo ou do certificado de tripulante a que se referem os
anexos nº 1 e 9 à Convenção sobre Aviação Civil Internacional, ou de outros documentos
que os substituam, quando em serviço;
e) Sejam portadores do documento de identificação de marítimo a que se refere a Convenção
nº108 da Organização Internacional do Trabalho, quando em serviço;
f) Sejam nacionais de Estados com os quais Portugal tenha convenções internacionais que lhes
permitam a entrada apenas com a cédula de inscrição marítima, quando em serviço.
Tal como no Estado angolano, não é permitida a entrada no país de cidadãos estrangeiros
que não disponham de meios de subsistência suficientes para o período de estadia e que não
reúnam cumulativamente os requisitos exigidos por lei, quanto a diferença, conta na existência
da figura de um subscritor (nacional ou estrangeiro) que pode passar um termo de
responsabilidade nos termos e condições legais em que habilita um estrangeiro a permanecer em
território português. 50
Sobre os diferentes tipos de visto, podem ser concedidos aos estrangeiros os seguintes vistos:
Visto de escala aeroportuária; Visto de curta duração; Visto de estada temporária; visto para
obtenção de autorização de residência, adiante designado visto de residência; visto para procura de
trabalho,52 este último que é um dos elementos diferenciadores com a ordem jurídica angolana.
Para os países que fazem parte da CPLP, Portugal estabelece condições especiais de concessão
de vistos a cidadãos nacionais de Estados membros da CPLP Quando o requerente de visto,
independentemente da sua natureza, for nacional de um Estado em que esteja em vigor o Acordo
50
Cfr., art.º11 da lei nº 23/2007, republicada, de 04 de Julho, lei que define as condições e procedimentos de entrada,
permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território português bem como o estatuto de residente de longa
duração.
51
Ibidem, art.º29º.
52
Ibidem, art.º45º SS.
35
sobre a mobilidade entre os Estados membros da CPLP celebrado em Luanda a 17 de julho de 2021
(Acordo CPLP) sendo dispensado alguns tramites legais para o efeito.53
Assim, entre as ordens jurídicas no mundo, algumas incorporam automaticamente no direito
interno as normas e conteúdo dos tratados internacionais, é o caso de Angola, Portugal, é o caso da
França, do México, dos Países Baixos, da Suíça e dos Estados Unidos. Pelo contrário, a Grã-
bretanha não aceita no seu direito interno automaticamente as normas internacionais, que carecem
de ser continuadas por uma lei interna. E a razão é curiosa: é o governo que negoceia e celebra os
tratados e convenções internacionais, e a Grã-Bretanha é muito ciosa da reserva de poderes
legislativos apenas ao parlamento, com exclusão do Governo.54
53
Cfr., art.º52 da lei nº 23/2007, republicada, de 04 de Julho, lei que define as condições e procedimentos de entrada,
permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território português bem como o estatuto de residente de longa
duração.
54
João de Castro MENDES, Direito Comparado, Aafdl, Lisboa 1932-1983, p.11
36
PARTE II – IMPLICAÇÕES DIVERSAS E PROBLEMÁTICA DO
FENÔMENO MIGRATÓRIO
«nos últimos dias, o fluxo migratório é caracterizado principalmente por uma inversão, é só
observarmos as realidades dos diversos países de origem e de destino, a demografia mundial tem
vindo a crescer bastante nos últimos anos, mas isso tem se dado de forma desigual já que nos países
mais desenvolvidos este crescimento tem se verificado de uma forma quase não muito notória,
podemos constatar que nesses países, a taxa de natalidade encontra-se no mesmo nível ou mesmo a
baixo da taxa de substituição»,55
Em 1995, tanto a população da Europa como da África, era aproximadamente a mesma (727
milhões de habitantes). No entanto, a estimativa que se faz até ao ano de 2030 pela Worldometers,
«apesar das várias guerras, da seca, das más condições de vida e de alimentação e das doenças
existentes no continente Africano, é a de que o continente africano conte com 1.710 milhões de
habitantes e a Europa com 736 milhões».56 Para a Europa a população juvenil, a mais activa é cada
vez menor em comparação com a população idosa, já em África, a taxa de natalidade é bastante
elevada, podemos dizer três vezes mais do que a taxa de substituição, e nestes termos, a força de
trabalho é também elevada, mas no entanto não consegue encontrar meios mínimos de
sobrevivência. O porquê dessa comparação de diferentes realidades? É só ligarmos estas duas
realidades e vamos rapidamente perceber que os fluxos migratórios têm origem em países que estão
em via de desenvolvimento em direcção aos países desenvolvidos ou industrializados.
A questão das migrações não pode ser dissociada do problema do desenvolvimento. Refira-
se que entre 1965 e 1980, o rendimento per capita passou, nos países mais pobres, de 140 para 270
dólares ( de 8800 para 14500 dólares nos países industrializados). As populações obrigadas a viver
na miséria não vão vegar-se indefinidamente à sua condição sem reagir. Os meios de comunicação
permitem-lhes vislumbrar os modos de vida ocidentais, que passam a ser encarados como paraísos a
55
Sergio Vieira daSILVA, Introduçaõ às relações internacionais, Escolar Editora, Lisboa2012, p.78.
56
Worldmeter informações https://www.worldometers.info/, acesso 27 de dezembro de 2023, Huambo, as 14h 34m.
37
alcançar. Como salientou o demógrafo, economista e sociológo francês Alfred Sauvy, «se o dinheiro
não vai onde estão as pessoas, as pessoas irão onde está o dinheiro»57
É natural que os movimentos migratórios acarretem consequências e isto pode dar-se tanto
nos países de origem, como nos países destino.
Com efeito, grande parte dos emigrantes encontra-se na força da vida e, portanto, o
Estado que participou na sua formação, criação física e técnica perde essa mão-de-obra.
57
Sergio Vieira da SILVA, Introdução às relações internacionais, Escolar Editora, Lisboa 2012, p.79.
58
Durante a época colonial, as metrópoles incentivavam os movimentos migratórios em direcção às colónias através da
doação de terras ou da sua venda simbólica. Para além de escoarem os seus excedentes demográficos, quanto maior
fosse o número de colónias maior seria também o controlo sobre esses territórios e seu desenvolvimento.
38
Este fenómeno é de certa maneira fomentado pelos países de destino, que têm vindo a
exigir algumas condições para a entrada de novos imigrantes ( idade, conhecimento
técnico, etc.). Acresce que a saída de numerosos jovens torna mais lento o crescimento
demográfico e provoca o envelhecimento da população em médio prazo. Por outro lado
verifica-se a diminuição dos efectivos e de reservistas a mobilizar em caso de conflito,
oque leva o Estado a adoptar medidas que limitam a saída de indivíduos em idade
militar, especialmente nos casos em que o número de soldados é ainda importante;
Por fim, a saída de opositores é positiva porque alivia tensões, mas o Estado perde o
controlo sobre as acções que possam vir desenvolver no exterior.
59
Sergio Vieira da SILVA, Introdução às relações internacionais, Escolar Editora, Lisboa 2012, p.78.
39
Para o efeito, Sérgio V. Da Silva, elenca possíveis soluções a aplicar, realçando que o
problema das migrações não é um fenómeno isolado, fazendo-se acompanhar do problema do
subdesenvolvimento, ou seja os fluxos migratórios são consequência do contraste de vida existente
no mundo e neste contexto, podem se observar algumas medidas para diminuir o impacto dos
movimentos migratórios como «a criação de uma imigração mais ordenada, onde os candidatos à
emigração deverão ser antes de tudo informados sobre as possibilidades que terão em outros países
para evitar uma introdução ilegal; a adopção de modelos semelhantes aos da Suíça e do Canadá
sobre um contrato de trabalho temporário, ou seja o emigrante têm um determinado período de
tempo limitado ao fim do qual têm a opção de escolha entre sair ou renovar o mesmo contrato sendo
que este sistema comparta vantagens para os dois Estados».60
Para os países que recebem, esses imigrantes, vão com certeza ocupar postos de trabalhos
que outrora fora rejeitado pelos nacionais, já os imigrantes vão aprender uma profissão que
posteriormente poderão desenvolver nos seus países de origem; a cerca dos estudantes, realça a
importância do combate a fulga de cérebros, sendo que os estudantes, embora que não tem sido uma
tarefa fácil, sendo que os seus países têm dificuldades em fornecer-lhes condições de trabalho
aliciantes, devem regressar aos seus países de origem. 61
Dentre várias medidas, a mais importante e proveitosa para nós é a promoção da sociedade
internacional no intercâmbio de informações relativas aos movimentos migratórios, sendo também
necessário que exista um mecanismo institucional que permita e facilite o diálogo sobre o
movimento das pessoas aos níveis nacional, regional e mundial.62
A imigração tem representado um importante desafio para as ordens jurídicas dos Estados. A
necessidade de integração do estrangeiro, a definição dos seus direitos e obrigações, a articulação
com as regras de atribuição da cidadania são alguns dos aspectos que mais têm preocupado
legisladores e actores judiciais um pouco por todo o mundo.
É visível a preocupação dos Estados com as implicações do fluxo migratório, sendo um
movimento que altera completamente a dimensão social, económica, jurídica à nível dos Estados.
No plano interno, podemos verificar isto no ordenamento angolano com as evoluções das leis desde
a Lei Constitucional de 1992 até ao quadro jurídico actual que regula o regime jurídico de entrada,
saída permanência e residência do cidadão estrangeiro no território nacional, Lei nº 13/19 de 23 de
Maio. Podemos seguir com o quadro jurídico da União Europeia, sendo um dos ordenamentos
jurídicos mais complexos à nível da comunidade internacional que insere no seu sistema um
complexo de normas mais amplo quanto ao movimento migratório sendo que integra um quadro
maior de cidadãos que fazem parte da U.E como cidadãos da união, embora sendo no âmbito da
união uma cidadania descartável.
63
Artº 2º da DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, Adoptada e proclamada pela Assembleia Geral
das Nações Unidas (Resolução 217 A III): 1948.
41
conhecimentos e princípios que dizem respeito a pessoa humana, sendo que esta doutrina diz
respeito aos homens concreto possuindo um carácter dinâmico e histórico. Através dos vários
documentos como encíclicas, exortações apostólicas e radiomensagens têm imprimido a sua opinião
para os vários sistemas no mundo a fim de realçar a dignidade da pessoa humana.
Para o nosso âmbito e concretamente o nosso objecto de estudo, a posição não é diferente
considerando que é um problema que apesar de tudo belisca os princípios religiosos sendo que desde
muito a Igreja nos ensina a sermos um só em Jesus Cristo, o que nos é ensinado em Lucas 10:25-37
é a ilustração de uma compaixão que deveria ser aplicada a todas as pessoas e que a definição do
próximo seja mais ampla além daquilo que consideramos como tal.
Com tratado de Vestefália em 1648, ficou claramente consagrada a liberdade religiosa com a
proclamação de uma paz cristã, universal e perpétua tendo como consequência a liberdade religiosa
em que ninguém poderia ser perseguido pelas suas convicções, no entanto, com a partilha do poder
entre os príncipes,65 influenciaria claramente os habitantes das respectivas cidades (Munster e
Osnabruck) a optarem pela religião do imperador do respectivo território, ou seja vincularia os
habitantes do respectivo território de acordo com o princípio «cuius regio, eius religio»,66 e dessa
forma o poder político passa determinar a confissão dominante. Mas o próprio tratado trás consigo
faculdades em que na possibilidade de discórdia entre os súbditos, podiam estes emigrar para as
zonas onde dominava a sua própria confissão. Nesse contexto se verificava uma grande
hospitalidade aos estrangeiros sendo que os indivíduos possuíam a liberdade de atravessarem as
fronteiras dos Estados.
64
Cfr., Analtino Inácio Savita CANGUIA, DSI-Apontamentos, Universidade Católica- ISPOC, Huambo 2023, p.2.
65
Vale lembrar que o domínio das duas cidades não estavam directamente ligadas a religião, mas de um lado em Muster,
França, tínhamos os católicos e de, em Osnabruck, Suécia os reformados ou protestantes
66
Esta expressão já era usada antes do tratado que era traduzida em “ tal a região, tal a religião. Pós-tratado e com a
valorização da pertença territorial o seu verdadeiro significado foi retomado “Tal o príncipe, tal a religião”.
42
Ao tratar do desenvolvimento humano integral, Bento XVI realça que:
«Os fenómenos migratórios são um aspecto merecedor de atenção sendo que é um fenómeno
impressionante pela quantidade de pessoas envolvidas, pelas problemáticas sociais, económicas,
políticas, culturais e religiosas que levanta, pelos desafios dramáticos que coloca à comunidade
nacional e internacional. Pode-se dizer que estamos perante um fenómeno social de natureza epocal,
que requer uma forte e clarividente política de cooperação internacional para ser convenientemente
enfrentado. Esta política há-de ser desenvolvida a partir de uma estreita colaboração entre os países
donde partem os emigrantes e os países de chegada; há-de ser acompanhada por adequadas
normativas internacionais capazes de harmonizar os diversos sistemas legislativos, na perspectiva de
salvaguardar as exigências e os direitos das pessoas e das famílias emigradas e, ao mesmo tempo, os
das sociedades de chegada dos próprios emigrantes. Nenhum país se pode considerar capaz de
enfrentar, sozinho, os problemas migratórios do nosso tempo».67
O que fica patente é a preocupação da cooperação entre países para solucionar de forma
eficaz o problema da migração à nível internacional, ou seja, a adopção de políticas que
desencorajam a exclusão social e façam desenvolver a integridade humana.
Uma das soluções para o mesmo movimento é, na visão do Papa Leão XIII, «a criação de
condições à nível dos Estado para que seja suspensa tais movimentos sendo que ninguém, com
efeito, quereria trocar por uma região estrangeira a sua pátria e a sua terra natal, se nesta encontrasse
os meios de levar uma vida mais tolerável».68 É a mesma posição inicial que toma o Papa Francisco
quando fala de um coração aberto ao mundo inteiro, ao afirmar que:
«Quando o próximo é uma pessoa migrante, sobrevêm desafios complexos. O ideal seria, sem
dúvida, tornar desnecessárias as migrações e, para isso, o caminho é criar reais possibilidades de
viver e crescer com dignidade nos países de origem, a fim de se poder encontrar lá as condições para
o próprio desenvolvimento integral. Mas, enquanto não houver sérios progressos nesta linha, é nosso
dever respeitar o direito que tem todo o ser humano de encontrar um lugar onde possa não apenas
satisfazer as necessidades básicas dele e da sua família, mas também realizar-se plenamente como
pessoa. Os nossos esforços a favor das pessoas migrantes que chegam podem resumir-se em quatro
verbos: acolher, proteger, promover e integrar. Com efeito, «não se trata de impor do alto programas
assistenciais, mas de percorrer unidos um caminho através destas quatro ações, para construir cidades
e países que, mesmo conservando as respetivas identidades culturais e religiosas, estejam abertos às
diferenças e saibam valorizá-las em nome da fraternidade humana».69
67
BENTO XVI, Carta encíclica Caritas in veritate (29 de Julho de 2009), nº62.
68
Cfr. PAPA LEÃO, Carta encíclica Rerum Novarum (15 de Maio de 1891), nº 28.
69
PAPA FRANCISCO, Carta encíclica Fratelli Tutti (3 de outubro do ano 2020), nº 129.
43
«Quanto aos estrangeiros que já se encontram a longo tempo em outros países e já fazem
parte do tecido social, o Papa defende a concessão da cidadania para que se a observe a igualdade de
direitos e deveres e por isso é necessário estabelecer nas nossas sociedades o conceito de cidadania
plena e renunciar certos conceitos discriminatórios da minoria para que não se semeie nos outros o
sentimento de inferioridade e isolamento».70
Com este importamte documento, o Papa realça a ideia e importância da «necessidade de
união entre os Estado para a criação de uma legislação global das migrações»,71 para que este
problema seja comumente ultrapassado sendo que de per si, os Estados não irão conseguir dar
respostas a esse fenómeno, assim como a criação de projecto de longo e médio prazos para a rápida
integração dos migrantes nos países de acolhimento, por nós não há um projecto a longo prazo mais
eficaz senão a extensão da cidadania nacional para uma global.
Tal como salienta o Papa, entre o local e o universal é gerada uma tensão e no entanto não
podemos deixar de prestar atenção tanto no local, como no universal para não cair numa mesquinha
quotidiana e para caminharmos com os pés a terra firme e isso só acontece se as duas dimensões
estiverem unidas o que vai evitar que os cidadãos vivam num universalismo abstrato e globalizante e
ao mesmo tempo que se transformem num museu folclórico de eremitas localistas, condenados a
repetir sempre as mesmas coisas, incapazes de se deixar interpelar pelo que é diverso e de apreciar a
beleza que Deus espalha fora das suas fronteiras.72
Existe uma falsa abertura ao universal, que deriva da superficialidade vazia de quem não é
capaz de compreender até ao fundo a sua pátria, ou de quem lida com um ressentimento não
resolvido face ao seu povo. Em todo o caso,
«É preciso alargar sempre o olhar para reconhecer um bem maior que trará benefícios a todos
nós. Mas há que o fazer sem se evadir nem se desenraizar. É necessário mergulhar as raízes na terra
fértil e na história do próprio lugar, que é um dom de Deus. Trabalha-se no pequeno, no que está
próximo, mas com uma perspectiva mais ampla (...). Não é a esfera global que aniquila, nem a parte
isolada que esteriliza. É o poliedro, onde ao mesmo tempo que cada um é respeitado no seu valor, o
todo é mais que a parte, sendo também mais do que a simples soma delas».73
O Cristianismo reforçou ainda mais a ideia de universalidade, pois pregava a igualdade entre
os indivíduos e os povos. Trouxe ideais de superação das distinções entre os homens, entre cidadãos
70
PAPA FRANCISCO, Carta encíclica Fratelli Tutti (3 de outubro do ano 2020), nº131.
71
Cfr., Ibidem, nº132.
72
Cfr., Ibidem, nº142.
73
PAPA FRANCISCO, Carta encíclica Fratelli Tutti (3 de outubro do ano 2020), nº 145.
44
e não-cidadãos e consequentemente, entre o nativo e o estrangeiro. É o que se observa no excerto
bíblico da carta de São Paulo aos Gálatas: «não há, pois, judeu, nem grego, escravo ou livre, varão
ou fêmea, pois sois todos um em Jesus Cristo».74
É visível o esforço da Igreja em aspectos que têm de ver com a migração e a especial atenção
ao estrangeiro sendo que estas se repercutem na esfera social, o ponto de vista é claramente como já
se mencionou a união entre os Estados para poder se ultrapassar tal questões já que internamente
não terá sucesso ou seja os Estados por si só não terão meios para ultrapassar este problema de
dimensão global.
Outra classificação é que assenta ao «jus soli» (nascimento dentro do país) ou «jus
sanguinis» (direito de sangue ou de ascendência). Poucos são os Estado que adoptam unicamente
um destes critérios nas suas leis. Normalmente combinam os dois77 mas verifica-se que «enquanto
os Estados mais antigos prendem para o «Jus Sanguinis», os Estados mais recentes preferem o «Jus
soli».78 Indo ao ponto, essa ligação, esse vinculo entre o cidadão e o Estado acarreta no pensamento
do homem o sentimento do pertencimento e titularidade exclusiva sobre o território que ele faz
parte.
74
NT. Gal. 3,28.
75
Cfr., Jorge MIRANDA, Manual de Direito Constitucional. TOMO III, Estrutura Constitucional Do Estado, 5ª edição,
Coimbra Editora, Coimbra 2004, p. 99.
76
Ibidem, p.117.
77
Art.º 9º da CRA para o Estado angolano.
78
Grande Enciclopédia Universal, Volume 5. Carujar comedela
45
Assim, no sentido mais estreito e de acordo com o senso comum, cidadania poderia ser
reduzida à nacionalidade, isto é, a uma afiliação formal de indivíduos aos Estados-Nacionais. Essa
concepção estaria relacionada ao sentimento de lealdade perante um grupo, uma comunidade, a
sociedade civil, o Estado, o que faz com que a cidadania esteja associada a uma identificação
subjetiva e a um sentimento de pertença a uma dada sociedade. Assim, a cidadania é uma forma
institucionalizada de afiliação e constitui uma expressão de pertença plena e formal. «Engloba uma
série de transações recíprocas que tecem laços entre o cidadão – indivíduo – e o Estado, e é a
percepção de pertencimento a um Estado, legitimada pelo reconhecimento público desses laços, que
confere a identidade de cidadão».79 Vale recordar que o grande problema não é de facto o
sentimento de pertença, mas sim as consequências que advêm desse sentimento, o facto de
pertencermos a determinados lugar, não implica claramente que somos donos, ou pelo menos que
não podemos partilhar com os outros. Nesse sentido, a cidadania ainda pode ser pensada como «um
instrumento institucional através do qual os Estados incluem ou excluem os indivíduos que
desejam/almejam participar de determinada comunidade nacional».80
De acordo com o mencionado acima, devemos acrescentar que cada Estado é livre em fixar
os critérios para aquisição da cidadania no seu território. No entanto, a pretensão, é a extensão dessa
cidadania para um nível global ou seja a atribuição da cidadania universal ou da comunidade global.
Hoje em dia é possível apenas através da naturalização,81 concessão de nacionalidade a um
estrangeiro por um Estado através de um acto formal e a requerimento do indivíduo a que respeita.
O direito internacional não faculta regras específicas para a naturalização, mas reconhece a
competência de cada Estado de naturalizar quem não é nacional e que se candidata a essa
nacionalidade, sendo as condições não devem ser contrárias à aquelas estabelecidas por lei.
Tomamos como exemplo os artigos 14º 15º e 16º da Lei nº 2/16 de 15 de Abril, Lei da nacionalidade
angolana que fixam os requisitos para a naturalização.
46
por duas faces: uma caracterizada pela inclusão (de si próprio) e outra pela exclusão (do outro).
«Este vínculo do indivíduo com o grupo social, então, por um lado fortalece a coesão entre os
membros de uma comunidade, mas em contrapartida, delimita a separação dos membros desta
comunidade dos das outras que lhe são estranhas».82 Isto traz consigo vários comportamentos e
consequências quando deparados com o fenómeno da imigração em seus países, criando empecilhos
para a fixação, desenvolvimento e inclusão dos estrangeiros. Podemos apontar como consequências
desse comportamento, o racismo, discriminação e a xenofobia.
Hoje, requer-se que a convicção do destino comum dos bens da terra se aplique também aos
países, aos seus territórios e aos seus recursos. Se olharmos não só a partir da legitimidade da
propriedade privada e dos direitos dos cidadãos duma determinada nação, mas também a partir do
primeiro princípio do destino comum dos bens, então podemos dizer que cada país é também do
estrangeiro, já que os bens dum território não devem ser negados a uma pessoa necessitada que
provenha doutro lugar. Pois, como ensinaram os bispos dos Estados Unidos, há direitos
fundamentais que «precedem qualquer sociedade, porque derivam da dignidade concedida a cada
pessoa enquanto criada por Deus».83
Os direitos humanos actualmente, em especial, a partir da Segunda Guerra Mundial, tal
como reafirmados na DUDH, proclamada a 10 de dezembro de 1948 pela Assembleia Geral da
ONU, não têm uma distinção nos seus preceitos de nacionais e estrangeiros.84 Na sua raiz,
fortemente ligada em princípios e normas internacionais escritas, os direitos humanos têm por
finalidade proteger a pessoa humana na sua realidade individual (os direitos individuais oponíveis
contra o Estado), na sua vivência coletiva (os direitos exigíveis do Estado) ou como individualidade
ou pessoas inseridas no mundo (os direitos ditos difusos, como o direito à paz, a um meio ambiente
equilibrado, o direito ao desenvolvimento, exigíveis dos Estados, como partícipes de uma
comunidade internacional) São esses direitos que vamos nos basear.
Para a realização destes preceitos, não devem, os responsáveis pela aplicação das normas de
proteção aos direitos humanos, tratar distinguir entre aqueles que são estrangeiro ou nacionais, mas
82
Maxilene Soares CORRÊA, Direito internacional da migração. Apontamentos epistemológico, Dissertação de
Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas – Menção em Direito Internacional Público e Europeu Faculdade de Direito,
Universidade de Coimbra, FDUC, Coimbra 2017, p. 12.
83
PAPA FRANCISCO, Carta encíclica Fratelli Tutti (3 de outubro do ano 2020), nº 124
84
Artº 2º da DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, Adoptada e proclamada pela Assembleia Geral
das Nações Unidas (Resolução 217 A III): 1948.
47
sim incentivar e aplicar esses preceitos com cuidado de considerar que todos os homens nascem
livres e iguais em dignidade e direitos,85 e sob a condição de que todo homem tem capacidade para
gozar os direitos e as liberdades estabelecidas na DUDH, sem distinção de qualquer espécie, seja de
raça, cor, sexo, língua, religião, opinião ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento, ou qualquer outra condição.86
A OIM define racismo como sendo a «construção ideológica que atribui a uma determinada
raça ou grupo étnico uma posição de domínio sobre outros com fundamento em atributos físicos e
culturais, bem como com fundamento no domínio económico e de controlo sobre outros».87 O
racismo pode ser definido como doutrina ou crença na superioridade racial. Esta definição inclui a
crença de que a raça é factor determinante da inteligência, das características culturais e dos
comportamento morais. O racismo compreende o preconceito e a discriminação raciais.
A DUDH ao tratar dos direitos fundamentais, coloca todo ser humano em paridade e apela
um espírito de fraternidade uns com os outros sendo que cada um de nós é dotado de razão e
consciência,88 no entanto, outros critérios não devem influenciar claramente a relação entre os
indivíduos, embora de proveniências diferentes. A discriminação racial por exemplo, corresponde a
qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência fundada na raça, cor, ascendência ou na
origem nacional ou étnica, que tenha como objectivo ou efeito destruir ou comprometer o
reconhecimento, o gozo ou o exercício, em condições de igualdade, de direitos do homem e das
liberdades fundamentais nos domínios político, económico, social, cultural ou em qualquer outro
domínio da vida pública.89 São comportamentos, que ao nosso ver é consequência do sentimento de
85
Artº 1º da DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, Adoptada e proclamada pela Assembleia Geral
das Nações Unidas (Resolução 217 A III): 1948.
86
Ibidem, art.º 2º.
87
Direito Internacional da Migração, Glossário sobre Migração. Nº22, Suíça: Organização Internacional para as
Migrações, 2009, p.60.
88
Cfr., artº 1º da DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, Adoptada e proclamada pela Assembleia
Geral das Nações Unidas (Resolução 217 A III): 1948.
48
pertencimento que pode paulatinamente ser ultrapassado através de uma educação para a cidadania
global.
No plano internacional não existe uma definição universalmente aceite de xenofobia, muito
embora possa ser descrita como «atitude, preconceito ou comportamento que rejeita, exclui e,
frequentemente, diminui pessoas com base na percepção de que são estranhas ou estrangeiras
relativamente à comunidade, à sociedade ou à identidade nacional. Existe uma relação estreita entre
racismo e xenofobia, termos que são difíceis de distinguir».90
«Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação, a igual protecção da lei.
A este respeito, a lei deve proibir todas as discriminações e garantir a todas as pessoas protecção
igual e eficaz contra toda a espécie de discriminação, nomeadamente por motivos de raça, de cor, de
sexo, de língua, de religião, de opinião política ou de qualquer outra opinião, se origem nacional ou
social, de propriedade, de nascimento ou de qualquer outra situação».91
Nem sempre essa procura tem lugar dos países em desenvolvimento para os países
desenvolvidos movimento designado de Sul-Norte – ocorrendo também entre os países em
desenvolvimento. «Com efeito, em 1980, 48% de todos os migrantes internacionais viviam em
países desenvolvidos (excepto a URSS) e 52% em países em desenvolvimento. Contudo, esta
89
Direito Internacional da Migração, Glossário sobre Migração. Nº22, Suíça: Organização Internacional para as
Migrações, 2009, p.22.
90
Ibidem, p.80
91
Artº 26.º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos 1966.
92
Cf., Zlotnick HANIA, International Migration Trends since1980, apud., Gonçalo Saraiva MATIAS - Patrícia Fragoso
MARTINS, A Convenção Internacional Sobre a Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos
Membros das Suas Famílias (2) – Perspectivas e Paradoxos Nacionais e Internacionais em Matéria de Imigração,
ACIDI, I.P, Lisboa 2017, p. 16.
49
situação tem vindo a alterar-se, sendo que em 2000, 46% de todos os migrantes internacionais
viviam já em países desenvolvidos enquanto que apenas 37% viviam em países em
desenvolvimento».93
A imigração tem representado um importante desafio para as ordens jurídicas dos Estados. A
necessidade de integração do estrangeiro, a definição dos seus direitos e obrigações, a articulação
com as regras de atribuição da cidadania são alguns dos aspectos que mais têm preocupado
legisladores e actores judiciais um pouco por todo o mundo.
Neste contexto assume particular importância a definição dos direitos dos chamados
«trabalhadores migrantes». Na verdade, a crescente mobilidade, decorrente da generalização das
viagens, da globalização, acompanhada de uma maior consciência das assimetrias nacionais, levou
ao desejo concretizável de importantes movimentos de pessoas.
Estes movimentos têm na base motivações muito diversas tal como já ficou acima
mencionado. Pode, contudo, continuar a apontar-se a procura de trabalho como uma das principais
causas dos movimentos migratórios. Com este propósito, foi adoptada pela Resolução nº 45/158 da
Assembleia-Geral das Nações Unidas, a 18 de Dezembro de 1990, a «Convenção internacional
sobre a protecção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e dos membros das suas
famílias». Esta Convenção entrou em vigor em 1 de Julho de 2003. A Declaração Universal dos
Direitos Humanos consagra designadamente nos seus artigos 13º, 23º e 25º, os direitos fundamentais
da pessoa cuja matriz importa aqui recordar:
Art.º 13º: Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no
interior de um Estado. Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra,
incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país.
Art.º 23º: Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições
equitativas e satisfatórias de trabalho e à protecção contra o desemprego. Todos têm direito, sem
discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual. Quem trabalha tem direito a uma
remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com
a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de protecção social. Toda
93
Cf., Zlotnick HANIA, International Migration Trends since1980, apud., Gonçalo Saraiva MATIAS - Patrícia Fragoso
MARTINS, A Convenção Internacional Sobre a Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos
Membros das Suas Famílias (2) – Perspectivas e Paradoxos Nacionais e Internacionais em Matéria de Imigração,
ACIDI, I.P, Lisboa 2017, p. 16.
50
a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para
defesa dos seus interesses.
Art.º 25º: Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua
família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à
assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no
desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de
subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. A maternidade e a infância têm
direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio,
gozam da mesma protecção social.
Nestes preceitos, estão implicitamente consagrados os direitos fundamentais dos
trabalhadores migrantes e este termo, segundo o glossário sobre as migrações, designa a pessoa que
vai exercer, exerce ou exerceu uma actividade remunerada num Estado de que não é nacional.94
Sendo um dos motivos que mais faz as pessoas migrarem, as organizações internacionais
devem dar uma especial atenção nesse quesito para que os trabalhadores estrangeiros não sejam de
forma alguma, motivo para desrespeitos e exploração e mesmo com as actuais legislações e
resoluções a comunidade internacional deve envidar mais esforços para eliminação de todo tipo de
exploração por parte dos migrantes trabalhadores assim como a assistência jurídica nos países de
acolhimento sendo que estes, contribuem bastante para o desenvolvimento desses países tal como se
disse acima quando tratamos das implicações do fenómeno migratório.
94
Cfr., Direito Internacional da Migração, Glossário sobre Migração. Nº22, Suíça: Organização Internacional para as
Migrações, 2009, p.73.
95
BENTO XVI, Carta encíclica Caritas in veritate (29 de Julho de 2009), nº62.
51
2.6- A dignidade da pessoa humana como elemento fundamental para as relações
entre os indivíduos
A questão do pertencimento e as suas consequências são visivelmente verificadas, mas entre
nós, pensamos que com a educação para uma cidadania global o mundo caminhe para um novo
rumo. Os estrangeiros são vistos desde muito cedo como estranhos, perigosos, aquele que não se
encaixa em determinado meio e a pretensão é sem duvida a exclusão.
Pensamos nós que tudo gira em volta de uma educação que foi cultivada desde o surgimento
dos novos Estados e a consequente ligação com os cidadãos, essa ligação, que fez com que a relação
com povos diferentes fosse vista como uma relação de superioridade entre povos, em vez de
paridade, principalmente entre um nacional e estrangeiro. Com a pertencimento a uma comunidade
global, acreditamos que o elemento primordial para as relações entre os homens será a própria
dignidade, precisamos, atravez da educação, fazer valer o estipulado no art.º 1º da DUDH, ao
preceituar que : Todos os seres humanos, nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.
Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para os outros em espírito de fraternidade. No
entanto, «todo direito deve ser chamado a garantir essa dignidade».96 O mundo se preocupava com o
fortalecimento da paz e da condição digna dos seres humanos. Era necessária a reconstrução dos
Direitos Humanos como referencial e paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável e
aproximar o direito da moral.
As relações pessoais em qualquer parte do mundo, são feitas claramente para perseguir um
interesse, nestes termos, existe além do encontro entre as pessoas, um encontro de ideias e enquanto
sociedade civil, esta não é homogénea, sendo que há sempre diferenças entre as pessoas, «o que
torna essas pessoas desiguais, são direitos adquiridos»,97 podemos dizer que os sistemas jurídicos de
diveros países, atribuem direitos e deveres de acordo com o “ser” ou “não ser” nacional, no entanto
os nacionais possuem mais direitos que os estrangeiros, é até hoje o pensamento existente, ou ao
menos oque vigora em diversos ordenamentos jurídicos, no entanto, essa desigualdade é
“esmagada” por um denominador comum de todas as pessoas, regulada pelo direito natural, aquele
que não se altera em qualquer indivíduo (constituindo a mesma comunidade social) quer dizer que
96
Pedro Cassiano CATCHITÔLE, O direito como garantia da dignidade da pessoa humana. Antropologia jurídica à luz
de antonio rosmini, Escolas Católicas Capuchinhas, Luanda-Agola 2018, p 11.
97
Cfr., Ivi.
52
as desigualdades que são plantadas pelo direito civil ou adquirido são reajustadas quando se mete
em causa o direito natural que reconhece o mesmo valor a todos, sendo que segundo Rosmii, as
pessoas são iguais e desiguais e o direito natural amplia em todas as pessoas as prerrogativas de
serem iguais, sem distinção de sexo, idade, raça, o estado, o nível cultural, a religião, convicção
política etc...98 Como diz Rosmini:
«Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais não podem ser
fundadas que sobre a utilidade comum. Os homens nascem iguais em direitos. – Este dito não é
verdadeiro supondo que se fale daqueles só direitos que se fundam na natureza humana possuída
igualmente por todos os homens. Mas de novo, os homens nascem em família onde os progenitores e
os filhos são certos iguais em direitos. E mais, as famílias não são iguais entre elas nem um número,
nem na qualidade dos direitos adquiridos: Os homens permanecem iguais em direitos. Permanecem
iguais nos direitos com naturais, mas, não nos adquiridos».99
Ao contrário dos primeiros documentos de Direitos, que, como já dissemos, foram marcados
pelo nacionalismo, a Declaração Universal de 1.948 foi elemento crucial para a internacionalização
dos Direitos Humanos, que paulatinamente ultrapassavam as fronteiras dos Estados. Esse fenómeno,
consequentemente, fortaleceu a noção de universalidade dos Direitos Humanos.100 A partir da
publicação desse documento, as ideias de igualdade e dignidade do homem renascem. O homem é
trazido ao centro do pensamento filosófico, o qual exaltava a razão e a vontade humana. Os países
aceitam receber mercadorias e divisas, mas não aceitam o relacionamento com outros povos.
«Ao dedicarmos o estudo sobre o direito como garantia da dignidade subsistente da pessoa
humana, que êxito teria o presente estudo? O êxito do nosso estudo sobre o direito como garantia da
dignidade subsistente da pessoa humana; está em sublinhar que a relação (que o autor defende) entre
o direito e a pessoa, elimina o termo de correlação (ter) e adopta o termo de identificação (ser),
fazendo ver que a pessoa não só “tem” direito, mas “é” direito mesmo, isto é, direito personificado.
Tal permite-nos assegurar que a pessoa é concomitantemente objecto e sujeito de todos os direito,
(adquiridos), por isso é detentora e beneficiará dos direitos».101
98
Cfr., Ibidem, p 132.
99
António ROSMINI, Filosifia del diritto, Apud Pedro Cassiano CATCHITÔLE,O direito como garantia da dignidade da
pessoa humana. Antropologia jurídica à luz de antonio rosmini, Escolas Católicas Capuchinhas, Luanda-Agola 2018, p
.132.
100
Artº 1º da DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, Adoptada e proclamada pela Assembleia
Geral das Nações Unidas (Resolução 217 A III): 1948.
101
Pedro Cassiano CATCHITÔLE, O direito como garantia da dignidade da pessoa humana. Antropologia jurídica à luz
de António Rosmini, Escolas Católicas Capuchinhas, Luanda-Agola 2018, p 14.
53
A cidadania global é um conceito que se refere à consciência e responsabilidade de se
considerar parte de uma comunidade global e por todos ser bem recebido independentemente de
onde seja, além da cidadania nacional. Envolve a compreensão dos problemas globais e o desejo de
contribuir para um mundo mais justo e sustentável.
A organização das nações unidas para a educação, ciência e cultura (UNESCO) vem
promovendo a educação para a cidadania global (ECG) desde o lançamento da iniciativa global de
educação em primeiro lugar (GEFI), iniciativa do secretário-geral das Nações Unidas, em 2012, que
estabeleceu a promoção da cidadania global como uma de suas três prioridades na área de
educação,102 destinada a educadores, desenvolvedores de currículos, formadores e formuladores de
políticas.103 Este conceito sempre consentiu na existência de grupos submetidos ao Estado, mas sem
acesso à cidadania, como aconteceu designadamente com os escravos, com os aborígenes da
América, e, menos agressivamente, com os estrangeiros residentes ainda que permanentemente.
Pois podemos ver esses direitos fundamentais como aqueles que seguem o homem
independentemente de onde ele esteja, devendo ser tratado como pessoa que tem as suas pretensões
e deseja alcançar os seus fins, para isto, precisamos de uma mudança do paradigma actual para um
diferente que seja mais unitário e integrante.
102
Cfr,. UNESCO, Educação para a cidadania global: tópicos e objetivos de aprendizagem, Brasília 2016, p.11.
103
Ivi.
104
Adriano MOREIRA, Teoria das Relações internacionais, 4ª edição, Almedina, Coimbra1997, p. 237.
54
«Pode filiar-se na mudança das estruturas mundiais, que definitivamente afetaram o papel do
Estado soberano, o facto, que parece bem identificado, de os direitos do homem tenderem para
ocupar a proeminência que pertence aos direitos cívicos, no sentido de eliminar, ou ao menos de
progressivamente esbater, a distinção entre uns e outros, com reflexos expressos em novos conceitos
de cidadania, de sociedade civil, de liberdade de circulação e fixação de residência no mundo, de
partição na gestão local e nacional, e, finalmente, na revisão da própria enumeração dos direitos do
homem, que enfrenta as exigências de reformulação inevitáveis em cada mudança importante da
conjuntura».105
Um mundo cada vez mais globalizado levanta questões sobre o que constitui uma cidadania
significativa e suas dimensões globais. Embora a noção de cidadania para além do Estado-nação não
seja nova, as mudanças no contexto global (como o estabelecimento de convenções e tratados
internacionais; o crescimento de organizações, empresas transnacionais e movimentos da sociedade
civil e o desenvolvimento de marcos internacionais de direitos humanos) têm implicações
importantes para a cidadania global. Vale ressaltar que existem diferentes abordagens ao conceito de
cidadania global,106 \como em que medida ela amplia e complementa a cidadania tradicional,
definida em termos de Estado-nação, ou em que medida ela compete com a cidadania tradicional.
Pode se verificar que o esforço para esta evolução não é recente, embora parecendo utópicas,
podemos verificar as propostas como a da União Federal do Atlântico Norte, a da Constituição
mundial que trabalharam os professores da Universidade de Chicago em 1945, ou do Movimento
mundial para o Governo Federal que é aliás esse ponto que queremos realçar, embora com alguns
acréscimos, movimento este que se organizou em Luxemburgo no ano de 1946.107
O ponto de chegada, deve ser claramente o alcance da paz preconizada por Kant, a exigência
de um direito a uma educação global que elimine a programação para a xenofobia, para a
agressividade, para a luta de territórios, para o interesse armado e por isso o direito a uma
informação objectiva e global para cada um poder exercer a intervenção democrática que lhe
incumbe e finalmente o direito a uma cidadania mundial e governação do mundo, no exercício do
direito igual de todos os seres vivos ao seu planeta, o crescente interesse pela cidadania global
também direcionou maior atenção à dimensão global da educação para a cidadania, bem como para
seu impacto nas políticas, nos currículos, no ensino e na aprendizagem.
105
Adriano MOREIRA, Teoria das Relações internacionais, 4ª edição, Almedina, Coimbra 1997, p 237.
106
Cfr,. UNESCO, Educação para a cidadania global: tópicos e objetivos de aprendizagem, Brasília 2016, p.14.
107
Cfr., Adriano MOREIRA, Teoria das Relações internacionais, 4ª edição, Almedina, Coimbra1997, p 240.
55
PARTE III – PERSPECTIVA DE UMA CIDADANIA GLOBAL
Já referimos que nas sociedades mais antigas, não havia uma organização dos homens nas
Cidades-Estados, ou seja, os homens não estavam organizados politicamente, o que existia, eram
grupos pequenos geralmente comandados por um chefe de família, para se chegar até a organização
estatal, a evolução foi diferente nas mais variadas cidades e épocas. «Tal como a evolução do
estrangeiro, a organização política também sofreu uma evolução progressiva, sendo assim
inicialmente, o clã, a tribo, a cidade, à terra, e finalmente o Estado nação».108 Será que esta evolução
para por aí? Como pode se constatar, a resposta é negativa.
É fácil e notável a percepção do motivo da evolução, a pessoa humana sempre esteve na base
de tudo e o que se pretende é pois que cada vez mais, independente de onde esteja, o homem sinta-se
bem e protegido, sinta que pode livremente realizar os seus interesses sem necessariamente ser
excluído. «Vale referir que apesar de o fenómeno da migração ser complexo e abrangente no mundo
actual, a migração e os migrantes não apresentam um sistema de protecção internacional que lhes
proteja totalmente».109
Precisamos antes de mais, para não cairmos na armadilha de sermos mal interpretados,
vermos os vários pontos de vista sobre os conceitos que vão ladear o nosso projecto de pesquisa
daqui em diante. São estes, os conceitos de cidadania e nacionalidade.
A OIM, equipara o conceito de nacionalidade ao de cidadania ao definir este como o laço jurídico
que existe entre um indivíduo e um Estado. O Tribunal Internacional de Justiça definiu
nacionalidade no caso Nottebohm de 1955, como:
«Laço jurídico que tem como base um facto social de ligação, uma conexão de existência, interesses
e sentimentos genuínos, com os concomitantes direitos e deveres recíprocos... o indivíduo a quem é
conferida, por efeito directo da lei ou de um acto das autoridades, está mais estreitamente ligado à
população do Estado que confere a nacionalidade do que a qualquer outro Estado. ” De acordo com o
art. 1.º da Convenção de Haia concernente a certas Questões relativas aos Conflitos de Leis sobre a
Nacionalidade, de 1939 “cabe a cada Estado determinar através da sua legislação quais são os seus
nacionais. Esta legislação será reconhecida por todos os outros Estados, desde que esteja de acordo
108
Cfr., Maxilene Soares CORRÊA, Direito internacional da migração. Apontamentos epistemológico, Dissertação de
Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas – Menção em Direito Internacional Público e Europeu Faculdade de Direito,
Universidade de Coimbra, FDUC, Coimbra 2017, p. 12.
109
Alberto do Amaral JUNIOR, Direito internacional e desenvolvimento,: Manole, São Paulo 2005 p.139.
56
com as convenções internacionais, o costume internacional e os princípios de direito geralmente
reconhecidos em matéria de nacionalidade».110
Quanto ao conceito de cidadão, define como sendo a pessoa que, através do nascimento ou
da naturalização, é membro de uma comunidade política, «devendo fidelidade a essa comunidade,
gozando de toda a protecção e de todos os direitos civis e políticos; membro de um Estado que tem
direito a todos os seus privilégios. Pessoa que goza da nacionalidade de um determinado Estado».111
Já Jorge Miranda, define cidadania como a qualidade de cidadão e acrescenta que, embora
mais usual e mais corrente seja “nacionalidade”, deve, de todo modo, ser afastada tanto que não traz
em si uma conexão com o fundo do Estado nacional se tornando esta, menos precisa. Nacionalidade,
liga-se a nação, revela a pertença a uma nação, não a um Estado.112 Ou, se se estender a outras
utilizações consagradas, trata-se de termo com extensão maior do que cidadania: nacionalidade têm
as pessoas colectivas e nacionalidade pode ser atribuída a coisas (navios, aeronaves), mas cidadania
só possuem as pessoas singulares.113 No entanto, a nossa perspectiva, é mais virada para a cidadania,
uma cidadania universal sendo que este é o conceito que está mais orientado para o vínculo do
cidadão com os Estados.
Nestes termos, fala-se hoje da crise do Estado nacional no sentido de o mesmo não poder
comportar mais uma estrutura juridico-constitucional baseada na concepção westefaliana da ordem
internacional, com saberania estadual plena, nestes termos temos notado as evoluções desde
antiguidade até chegar aos dias hoje, da sociedade internacional em cooperação e pactos que têm se
certa forma mudado aquilo que é o paradigma do DIM assim como do próprio estrangeiro.
110
Cfr., Direito Internacional da Migração, Glossário sobre Migração. Nº22, Suíça: Organização Internacional para as
Migrações, 2009, p.47.
111
Ivi.
112
Neste sentindo, Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, 2.ª ed., I, Coimbra, 1954, Pág 302, nota. Salienta que a
expressão «nacionalidade» é ambígua, por não se ligar rigorosamente a um conceito político.
113
Cfr., Jorge MIRANDA, Manual de Direito Constitucional. TOMO III, Estrutura Constitucional Do Estado, 5ª edição,
Coimbra Editora, Coimbra 2004, p. 100.
57
3.1- A inevitável evolução: Dimensão Estadual, Comunitária ou regional,
Federalismo, Cosmopolitismo e comunidade global
Como se disse, o nascimento do Estado soberano (devemos lembrar que esta dimensão
estadual, versa sobre os Estados unitários), remonta da idade média e traz consigo a noção de
cidadania, como a qualidade de cidadão ou o vínculo que um determinado cidadão tem com o
Estado. Temos então, que o surgimento do conceito de nacionalidade foi útil aos Estados
absolutistas para garantirem a mais completa resignação dos indivíduos ao seu dirigente, apesar da
diferença em vários aspectos, Verbi gratia (V.G) a extensão do território, a população, os recursos
disponíveis, todos os Estados partilham certos atributos como o povo, território, o poder político e a
soberania.114 Vemos também o conceito de cidadão (de cidade) como «habitantes de uma cidade,
indivíduo pertencente a um Estado livre, no gozo dos seus direitos civis e políticos e sujeito a todas
as obrigações inerentes a essa condição».115
Nestes termos, é cidadão aquele que possui um vínculo de cidadania com o Estado,116 do
lado aposto, é estrangeiro todo aquele não possui aquele vínculo de cidadania com o Estado.
«Temos então que o Estado possui uma autonomia total em seu território sem compartilhamento da
mesma assim como acontece com a soberania e nos Estados modernos os critérios de atribuição da
cidadania são geralmente dois: Jus sanguinis vindo da Grécia e Roma e o Jus Soli que veio da idade
média por influência do feudalismo».117
Através da aproximação geográfica, igualdade de língua, questões culturaise com base em
vários interesses, vários Estados decidem, por meio de uma convecção, criar uma comunidade para
prosseguir fins de múltiplas naturezas e com este quadro, muda significativamente a visão do Estado
unitário que tem sobre a cidadania, ou seja, através de convenções que vinculem os Estados
regionais, pode aquele cidadão que outrora era apenas cidadão de um Estado, ter em qualquer parte
da região, direitos, deveres e garantias abrangentes a toda região cujo o Estado faça parte
Quando se fala de comunidade, ao menos aqui, neste projecto, não deve se entender como
sendo uma forma de governo, ou como um lugar onde vivem várias pessoas ou ainda como um
114
Cfr., Sergio Vieira da SILVA, Introdução às relações internacionais, Escolar Editora, Lisboa 2012, p. 22.
115
Grande enciclopédia universal, Volume 5, Carujar Comedela, p. 3.143
116
Art.º 9º da Constituição Da República De Angola, Imprensa Nacional, Luanda 2010
117
Jorge MIRANDA, Manual de Direito Constitucional. TOMO III, Estrutura Constitucional Do Estado, 5ª edição,
Coimbra Editora, Coimbra 2004, p. 101.
58
sinónimo de povo,118 numa primeira dimensão, vamos tratar da evolução para uma comunidade
regional V.G a CPLP, ou Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), esta
evolução, trouxe claramente a mudança de opinião para os utópicos de uma cidadania global.
Podemos destacar aqui o nº 3 do art.º 25º da CRA: aos cidadãos de comunidades regionais
ou culturais de que Angola seja parte ou a que adira, podem ser atribuídos, mediante convenção
internacional e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros, salvo a
capacidade eleitoral activa e passiva para acesso à titularidade dos órgãos de soberania.
Embora o regionalismo seja um grande avanço, graças a possibilidade de assinaturas de
vários acordos o processo de integração comunitária não parou por ali. Olhemos para as
organizações internacionais, neste caso a perspectiva de comunidade muda e passa para uma ordem
jurídica própria integrada no sistema jurídico dos Estados membros e que se impõe aos seus órgãos
jurisdicionais.119 No entanto a relação do sistema jurídico comunitário com as ordens jurídicas
nacionais é de autonomia, integração, complementaridade e o primado (na visão de Coupers)
«Ao longo dos anos, à medida que se avançava no processo de integração e que se verifica a
concomitante interferência dos órgãos comunitários não só nas condições económicas mas também
no próprio estatuto jurídico dos particulares, foi-se afirmando a consciência da necessidade da
específica consideração desses direitos e interesses pela Comunidade e de uma maior participação
dos cidadãos dos Estados-membros na sua vida institucional».120
Esta evolução , trouxe consigo um conceito de cidadania mais extenso, podemos dar
exemplo da Comunidade Europeia, a actual União Europeia,121 que de acordo com tratado de
Maastricht, de 1992, instituiu mediante o reforço da defesa dos direitos e dos interesses dos
nacionais dos Estados-membros, uma cidadania europeia, cidadania da união. Esta cidadania da
União Europeia, embora traga consigo vários direitos,122 não substitui claramente a cidadania de um
Estado-membro, antes de mais trata-se de um status frágil que sobrepõe a cidadania do Estado-
membro.
118
Cfr., Grande enciclopédia universal, Vol 5, p. 3.143.
119
Cfr., João CAUPERS, Introdução ao Direito Comunitário, Aafdl1, Lisboa 988, p. 143.
120
Jorge MIRANDA, Manual de Direito Constitucional. TOMO III, Estrutura Constitucional Do Estado, 5ª edição,
Coimbra Editora, Coimbra 2004, p. 161.
121
Nº 2 do art.º 9º da Lei nº18/2022 de 25 de Agosto que o regime jurídico de entrada, permanência, saída e
afastamento do estrangeiro do território nacional( Portugal)
122
Cfr., Jorge MIRANDA, Manual de Direito Constitucional. TOMO III, Estrutura Constitucional Do Estado, 5ª edição,
Coimbra Editora, Coimbra 2004, p. 162.
59
Nestes termos é cidadão da união todo aquele que é parte de um Estado-membro da
comunidade, não precisamos de muito esforço para notar a crescente evolução ao longo dos anos
nos diferentes sistemas de direito assim como, cada vez mais a criação de uma forma de direito que
passa a ser mais integrante, com isto, vai se eliminando progressivamente a noção de estrangeiro e
embora paulatinamente e claro, através de uma educação podemos partir para um mundo onde não
mais haja discriminação por motivos culturais, regionais, de proveniência e tantos outros que estão
na base de guerras. E se assim acontecer? porque motivos será as actuais guerras por território?
Similar ao direito comunitário, temos do lado próximo a federação, que entre segundo
Imanuel Kant é o modelo que melhor se apresenta quando se trata de cidadania global por tratar de
ordens jurídicas complexas. Os conceitos da federação são vários, mas vamos no presente trabalho
entender como «organismo, associação ou aliança, união»,123 é dessa evolução, como a forma de
integração avançada que vamos nos ocupar nas alíneas seguintes. Comecemos pelo federalismos que
é uma forma de direito que segundo Immanuel Kant é o meio termo para p alcance da inião entre os
Estados:
123
Grande enciclopédia universal, Vol 6, p. 5.543.
124
ENAP, Escola Nacional de administração pública. Introdução ao Federalismo e ao Federalismo Fiscal no Brasil.
Brasília: Enap, 2017, p. 9.
125
Dário Moura VICENTE, Direito comparado, Volume I, 4ºedição revista e atualizada, Almedina, Coimbra 2019, p.
296.
60
Atenção que não estamos aqui a nos referir sobre as confederações, desse modo, uma das
principais diferenças entre confederação e federação reside no fato de que, na federação, os entes
federados precisam abdicar de suas respectivas soberanias em favor da existência de um governo
federal, mas ainda lhes sendo reservados todos os poderes locais constitutivos de suas autonomias.
O Federalismo surgiu da necessidade, principalmente, de países com grandes extensões
territoriais descentralizar o seu poder. Nesses países, há diversidades culturais, climáticas, sociais e
econômicas, de modo que as necessidades e prioridades diferem muito de uma região para a outra.
Sendo de ordem jurídica complexa, os Estados federais, comportam uma única Constituição,
sendo que a soberania é una, dando abertura claro para os Estados-membros ou Estados federados
tenham a autonomia para criarem as suas Constituições com base na Constituição federal aplicável
aos territórios dos Estados federados,126 neste caso, podemos verificar a existência de duas
Constituições, uma dos Estado federal e outras dos Estados federados. As características que
podemos apontar são:127
126
Cfr., Luís de Lima PINHEIRO, Direito Internacional Privado, Vol 1, 3º edição refundida reimpressão da edição de
2014, Aafdl editora, Lisboa 2021, p.53.
127
ENAP. Escola Nacional de administração pública. Introdução ao Federalismo e ao Federalismo Fiscal no Brasil.
Brasília: Enap, 2017, p. 13.
61
Conjunto de cidadãos próprios;
Estados-Membros perdem condições de Estados. Somente o Estado Federal tem soberania.
A proposta de Kant engloba, então, um novo Direito, para além do Direito Internacional, o
chamado ius cosmopoliticu, que garantiria a possibilidade de relações recíprocas universais entre
indivíduos, «em uma sociedade internacional na qual nacionais e estrangeiros se tratem com
cordialidade, decorrente da posse comum e originária de toda a superfície da terra pela
humanidade».128
«O Estado federal ou federação assenta, repetimos, numa estrutura de sobreposição, de modo a
cada cidadão ficar simultaneamente sujeito a duas Constituições – a federal e a do Estado federado a
que pertence – e ser destinatário de actos provenientes de dois aparelhos de órgãos legislativos,
governativos, administrativos e jurisdicionais».129
Com o auxílio dos princípios que ladeiam o sistema federativo, acrescentando princípios como
os da Doutrina Social da Igreja (DSI) e a implementação de um sistema de direito que possibilite a
divisão da cidadania em primária e secundária, achamos ser este o sistema de direito que, se
aplicado à nível global, poderá paulatinamente acabar com o conceito de estrangeiro e todas as
formas de desintegração social que os estrangeiros têm sofrido nos últimos anos.
128
Immanuel KANT, Doutrina do Direito. 2 Ed, Ícone editora, São Paulo 1993. p. 201. Apud, Maxilene Soares CORRÊA,
Direito internacional da migração. Apontamentos epistemológico, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-
Políticas – Menção em Direito Internacional Público e Europeu Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, FDUC,
Coimbra 2017, p. 67.
129
Jorge MIRANDA, Manual de Direito Constitucional. TOMO III, Estrutura Constitucional Do Estado, 5ª edição,
Coimbra Editora, Coimbra 2004, p. 286.
62
«O Direito internacional poderia evoluir, mais tarde ou mais cedo, para uma Ordem Jurídica
uniforme, comum a toda a Comunidade Internacional, e uma das suas expressões poderia ser a de
um Direito federal à escala do globo. À actual fragmentação do Direito internacional por espaços
regionais substituir-se-ia, desse modo, a sua mundialização ou globalização».130
Ao nos referir sobre a federação, Immanuel Kant propôs uma comunidade internacional
pacífica estabelecida através do Direito. Para tal desígnio, «o Direito seria tridimensional: interno,
internacional e cosmopolita. O Direito interno regularia a relação entre o Estado e seus próprios
cidadãos. O Direito Internacional, por sua vez, as relações entre os diversos países. Ao passo que o
Direito Cosmopolita regularia as interações entre um Estado e os cidadãos dos outros Estados e
entre os cidadãos dos diversos Estados do mundo».131 Fazendo uma analogia, certamente qie na
relação entre o Estado federal e o Estado Federado pode recair a primeira dimensão sendo que nesta,
o Estado federado vai continuar a manter relações de saberia com os seus próprios cidadãos, já no
âmbito do direito internacional porposto por Kant, verifica-se que se enquadra no federalismo sendo
que entre o Estados federados haverá uma relação de subsidiaridade, controlado pelo Estado
Federal.
Ab initio, na elaboração da paz perpétua, Kant elenca condições para a realização daquela
paz e consequentemente a abertura para uma cidadania global, entre as quais a necessidade de um
sistema de governo de cada Estado ser democrático, republicano, a segunda condição, que é a que
mais nos interessa, é a necessidade de a comunidade internacional estar unida em uma Federação de
Estados livres e por último seria o princípio da Hospitalidade Universal.
Ao fazer uma análise sobre a federação, devemos claramente pôr à balança a questão da
cidadania, tal como observámos nas características desta forma de direito, há a possibilidade da
existência de duas Constituições no entanto, como na maioria dos sistemas onde essa forma de
direito é verificdo, a implementação de duas cidadanias, uma primária e outra secundária. Temos
neste esquema dois Estados e duas Constituições, assim como duas nacionalidades, “ na maioria das
130
André Gonçalves PEREIRA – Fausto de QUADROS, Manual de Direito Internacional Público, 3ª edição, Almedina,
Coimbra 2020, p. 668.
131
Maxilene Soares CORRÊA, Direito internacional da migração. Apontamentos epistemológico, Dissertação de
Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas – Menção em Direito Internacional Público e Europeu Faculdade de Direito,
Universidade de Coimbra, FDUC, Coimbra 2017, p. 67.
63
vezes, a cidadania federal precede a de cada Estado federado”132aliás não seria muita novidade já
que nos Estados Unidos da América (EUA) e na Suíça esta realidade já é possível.133
Tendo por fundamentos questões como a nacionalidade e a ligação que esta possui com a
nação, é preferível que a cidadania primária esteja vinculada com o Estado federado e nestes termos,
e a cidadania secundária ao Estado federal, sendo esta última, aquela que vai efectivar a
aplicabilidade da cidadania global, através, claro do pacto federativo que é caracterizado por uma
secessão, nos dizeres de Maritza:
«Da cidadania ligada à nacionalidade passa-se a um conceito mais amplo, mesmo porque são muitos
os excluídos dentro de seu próprio Estado. Ter cidadania universal, mundial, ou cosmopolita,
significa gozar dos direitos humanos consagrados nos instrumentos jurídicos internacionais e
nacionais sempre e em todo lugar».134
Quanto as formas de relacionamento, entendemos que não há uma medida melhor do que
aquela tomada por Kant quando se refere a hospitalidade universal e aliás já ficou assinalado quando
se tratou da dignidade da pessoa humana como elemento fundamental para as relações entre os
indivíduos.
136
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos humanos. Aprovada em 10 de
Dezembro de 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas.
137
Assembleia Geral Das Nações Unidas. Pacto Internacional Sobre Os Direitos Civis E Politicos. Adaptado e aberto à
assinatura, ratificação e adesão pela resolução 2200-A (XXI) DE 16 DE Dezembro de 1966.
138
João de Castro MENDES, Direito Comparado, Aafal, Lisboa 1983, p.93.
139
Cfr., Cristina QUEIROZ, Direito internacional e Relações Internacionais, Coimbra Editora, Coimbra 2009, p. 80.
65
normas e princípios que regulam as relações entre as nações para adquirir o contorno de um 'Direito
Internacional dos Direitos Humanos que garante status específico aos cidadãos dos diversos países a
cidadania mundial envolve, sobretudo, os Direitos Humanos declarados nos tratados e nas
convenções internacionais».140
140
Ricardo Lobo TORRES. Cidadania Multidimensional na Era dos direitos In: Teoria dos Direitos Fundamentais
apud, Maritza Natalia Ferretti Cisneros FARENA, Por uma cidadania universal. Os direitos humanos dos migrantes
numa perspectiva cosmopolita, Jura Gentium: Rivista di filosofia del diritto internazionale e della politica globale. 2009.
141
Artigo 98º da Lei nº 13/19 de 23 de Maio, Lei sobre o Regime Jurídico dos Cidadãos estrangeiros na República de
Angola.
142
Ibidem, artigos 99º SS.
66
práticas poderão igualmente enfrentar multas. A tentativa é punível, mas de forma especialmente
atenuada.143
Quanto a aquisição da nacionalidade angolana, a lei fixa os requisitos para o efeito nos artigos
11º, 12º, 13º e SS da Lei n.º 2/16 de 15 de Abril, no entanto, sendo o casamento uma das formas de
aquisição da nacionalidade angolana mais frequente, os requisitos e as consequências penais são
mais agravantes, chegando mesmo até na dissolução do casamento, nos termos legais :
1. Quem contrair casamento ou viver em união de facto como único objectivo de lhe
proporcionar a obtenção de um visto, de uma autorização de residência ou de defraudar a
legislação vigente em matéria de aquisição de nacionalidade é punido com pena de prisão de
5 a 10 anos;
2. Quem organizar, fomentar ou criar condições para a prática dos actos previstos no número
anterior, é punível com a pena de prisão de 5 a 8 anos;
3. A tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada.144
A necessidade de integração do estrangeiro, a definição dos seus direitos e obrigações, a
articulação com as regras de atribuição da cidadania são alguns dos aspectos que mais têm
preocupado legisladores e actores judiciais um pouco por todo o mundo.
Temos assim o princípio da dignidade da pessoa humana que alias, já nos referimos mais
acima, este constitui claramente o seu fundamento; «o bem comum; a solidariedade; a
143
Cfr,. artigo 98º da Lei nº 13/19 de 23 de Maio, Lei sobre o Regime Jurídico dos Cidadãos estrangeiros na República
de Angola., 106º
144
Ibidem, artigo 111º.
67
subsidiariedade; a justiça e, por último a caridade».145 O que se deve realçar é quanto a apreciação,
os princípios da DSI devem ser apreciados na sua unidade, conexão e articulação. «Os princípios da
vida social, no seu conjunto, constituem aquele primeira articulação da verdade da sociedade pela
qual, cada consciência é interpelada e convidada a interagir com todas as demais, na liberdade, em
plena co-responsabilidade com todos e em relação a todos».146
145
Mário Bigotte CHORÃO, Pessoa humana, Direito e política, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, Lisboa 2006, p.
187.
146
Cfr., Analtino Inácio Savita CANGUIA, DSI-Apontamentos, Universidade Católica- ISPOC, Huambo 2023, p.18.
147
Mário Bigotte CHORÃO, Pessoa humana, Direito e política, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, Lisboa 2006, p.
187.
148
Jorge MIRANDA, Manual de Direito Constitucional - TOMO III, Estrutura Constitucional Do Estado, 5ª edição,
Coimbra Editora, Coimbra 2004, p 288.
68
«Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de
razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade».149
Em suma, tanto os princípios da federação como os da DSI, devem ter entre si uma relação de
apoio e coordenação para que, onde alguns princípios da federação não funcionem, esteja lá os da
DSI para dar um subsidio na boa aplicação deste sistema de direito, de realçar que o princípio da
dignidade da pessoa humana deve sempre estar em primeira instância.
«Immanuel Kant propôs uma comunidade internacional pacífica estabelecida através do Direito.
Para tal desígnio, o Direito seria tridimensional: interno, internacional e cosmopolita. O Direito
149
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, Adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das
Nações Unidas (Resolução 217 A III) 1948.
150
Mário Bigotte CHORÃO, Pessoa humana, Direito e política, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, Lisboa 2006, p.188.
151
Maxilene Soares CORRÊA, Direito internacional da migração. Apontamentos epistemológico, Dissertação de
Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas – Menção em Direito Internacional Público e Europeu Faculdade de Direito,
Universidade de Coimbra, FDUC, Coimbra 2017, p. 67.
69
interno regularia a relação entre o Estado e seus próprios cidadãos. O Direito Internacional, por sua
vez, as relações entre os diversos países. Ao passo que o Direito Cosmopolita regularia as interações
entre um Estado e os cidadãos dos outros Estados e entre os cidadãos dos diversos Estados do
mundo».152 Fazendo uma analogia, certamente que na relação entre o Estado federal e o Estado
Federado pode recair a primeira dimensão sendo que nesta, o Estado federado vai continuar a
manter relações de saberia com os seus próprios cidadãos, já no âmbito do direito internacional
porposto por Kant, verifica-se que se enquadra no federalismo sendo que entre o Estados federados
haverá uma relação de subsidiaridade, controlado pelo Estado Federal.
Kant propõe, dessa forma, um novo Direito, diferente do Direito Internacional, para regular
certas relações internacionais dentro da Comunidade mundial de Estados. Trata-se do Direito
Cosmopolítico (ius cosmopoliticum), considerado por ele:
«um princípio de Direito, que constitui a idéia racional de uma sociedade de paz de todos os povos da
terra entre os quais podem ser estabelecidas relações, ou seja, refere a possibilidade de relações
recíprocas universais entre os indivíduos, onde nacionais e estrangeiros se tratem como amigos, em
virtude da posse comum e originária de toda a superfície da terra pela humanidade». 155
152
Maxilene Soares CORRÊA, Direito internacional da migração. Apontamentos epistemológico, Dissertação de
Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas – Menção em Direito Internacional Público e Europeu Faculdade de Direito,
Universidade de Coimbra, FDUC, Coimbra 2017, p. 67.
153
Cfr., KANT, Immanuel. A Paz Perpétua e outros Opúsculos, Edições 70, Lisboa, 1990. p. 137. Apud., Maxilene
Soares CORRÊA, Direito internacional da migração. Apontamentos epistemológico, Dissertação de Mestrado em
Ciências Jurídico-Políticas – Menção em Direito Internacional Público e Europeu Faculdade de Direito, Universidade de
Coimbra, FDUC, Coimbra 2017, p. 68.
154
Ivi.
155
Maritza Natalia Ferretti Cisneros FARENA, Por uma cidadania universal. Os direitos humanos dos migrantes numa
perspectiva cosmopolita, Jura Gentium: Rivista di filosofia del diritto internazionale e della politica globale. 2009.
70
Para o filósofo, o Estado mundial seria o ideal. No entanto, considerando a improbabilidade de
ocorrência de um fenômeno dessa proporção, a Federação de Estados Livres seria o suficiente. Mas
esse modelo de federação não corresponde exatamente ao formato federativo de um Estado
Nacional. Trata-se, apenas, de um pacto entre os Estados nacionais, os quais manteriam sua
soberania, mas estariam unidos por um objetivo comum, qual seja, a manutenção da paz.
TOSI, Giuseppe explica, em relação ao Projeto Filosófico kantiano: Num primeiro momento
(1793), Kant acredita que o «único remédio" ao estado de guerra entre as nações seria a criação de
um Estado Universal dos Povos; posteriormente, (1795/96), passa a defender não mais um Estado
Universal dos povos, mas uma Federação Universal de Estados livre».156 Numa passagem da mesma
obra, Kant justifica esta mudança de enfoque, afirmando que a ideia de um estado mundial seria em
tese a melhor, mas poderia parecer irrealista, e por isso é preferível adotar como seu sucedâneo a
ideia de uma federação.
156
Maritza Natalia Ferretti Cisneros FARENA, Por uma cidadania universal. Os direitos humanos dos migrantes numa
perspectiva cosmopolita, Jura Gentium: Rivista di filosofia del diritto internazionale e della politica globale. 2009.
71
CONCLUSÃO
Não podemos lutar contra o inevitável mas, podemos sim arranjar soluções para poder
adequar a situação a realidade. Os movimentos migratórios fazem parte da vida humana desde os
primórdios da existência do homem, desde sempre o homem teve na sua natureza a preocupação de
melhorar as duas condições de vida.
Quanto a questão da evoluçaõ da figura do estrangeiro desde a antiguidade aos dias de hoje,
é possível observar os contornos que têm tomado a figura do estrangeiro com a evolução do Estado
moderno, mas esta evolução não está de forma alguma a caminhar só, assim, os grandes sistemas de
direito têm acompanhado esta inevitável evolução. Trata-se de enunciar as disfunções do Estado
soberano como modelo geral de organização política, de reconhecer o desafio que tende para ser
resolvido a questão do fenómeno migratório fazendo coincidir os clássicos direitos cívicos
enumerados nas Constituições nacionais com a definição dos direitos do homem, de concluir por
alongar a lista destes últimos direitos em função da evolução do globalismo estrutural.
O movimento de pessoas e bens, assim como o fluxo de pessoas ultrapassando fronteiras
além dos seus Estados, contribuiu para a alteração dos vários sistemas de direito a nível global e no
entanto, é de realçar que as mesmas movimentações têm implicações adversas nesses Estados, sendo
em dimensões políticas, económicas e jurídicas, sendo que é um fenómeno que carece de bastante
atenção é crucial que haja uma união entre os Estados para ultrapassar esta problemática que assola
o mundo trazendo a igualdade de direitos, deveres e garantias fundamentais para todo e qualquer
individuo onde quer que este se encontre.
Apesar destes esforços devemos reconhecer que o mundo tem caminhado para uma evolução
e concluímos que para a melhor protecção dos migrantes, não passa apenas pela criação de grandes
documentos legislativos a nível internacional e nacional. Precisamos é, que todos os documentos,
tanto os novos como os antigos, sejam verdadeiramente efectivados, ou seja que não passe de
simples documentos alegóricos ou imagéticos, mas sim, que reflictam e se enquadre a realidade.
A cidadania global é um conceito, que concebido por Kant, há mais de dois séculos, parecia
um tanto quanto contraditório há alguns anos, mas que a cada dia mostra-se mais condizente aos
contornos da sociedade internacional contemporânea. Em um mundo onde o fruto do trabalho é
global, mas o trabalhador não, onde a globalização atinge em maior medida o capital e menos as
72
pessoas, revela-se mais adequada essa perspectiva mais humanística, plural e heterogénea, a qual
desafia paradigmas da modernidade e tendências homogeneizantes de globalização. Por meio dessa
perspectiva, pode ser construído um Direito Internacional da Migração que parta do indivíduo e de
seus Direitos Humanos, que seja essencialmente plural e adequado à sociedade internacional
contemporânea.
Essa proposta está embaçada nas ideias da cidadania global kantiana e de hospitalidade
universal. Os Direitos Humanos, universalmente considerados, abrangem todos os indivíduos do
globo, que possuem o direito de serem tratados com dignidade, independente de onde estejam. O
homem, enquanto ocupante maior do planeta, possui liberdade de nele se movimentar, a partir disso,
entendemos o direito de migrar, como um direito humano.
Nestes termos, para a eliminação paulatina da figura do estrangeiro, não há melhor forma,
senão aquela que integra, une e reúne o mundo em um só, e a federação , visto como um pacto feito
entre os Estados do mundo, para formar e juntar forças, contra os vários ataques de racismo,
xenofobia e outros, assim, aquilo que ontem era considerado como Estados nacionais, hoje são mais
conectados tornando-se um só Estado, onde é possível verificar um cidadão que será alvo de direitos
fundamentais protegidos por princípios universais.
73
RECOMENDAÇÕES
Já acima se disse que embora a evolução seja inevitável, esta será feita de forma paulatina e
enquanto se encontra em processo, é necessário realçar que a ciência do DIM e o próprio
estrangeiro, são realidades em construção, o migrante na maioria das vezes não sabe o que lhe
espera nos paises de destino, qual realidade irá encontrar, quais vantagens e desvantagens irá
enfrentar até poder fixar-se e melhorar a sua condição de vida. É nestes termos que o mesmo precisa
de uma garantia, que será igualmente bem tratado naquele território, no entanto os organismos
internacionais devem redobrar os esforços para maior integração do estrangeiro em diferentes países
de destino. O que precisamos entender e priorizar são questões atinentes a própria integração do
estrangeiro antes de querermos tirar qualquer vantagens , por outro lado, conclui-se, cada vez mais,
que os Estados, sozinhos, não têm capacidade e meios para resolver os desafios comuns da
imigração, pelo que o papel da cooperação internacional e da abordagem holística destes fenómenos
se afigura incontornável. Para esta protecção devemos portanto :
Criar dentro dos Estados, uma política para melhorar a integração dos estrangeiros de
maneira a que aqueles que chegam se sintam confortáveis em criar condições para melhorar
a sua condição de vida;
Criação de mecanismos que possam de forma efectiva, diminuir os movimentos migratórios
dentro dos Estados de origem, como por exemplo a criação de melhores condições de vida
das populações dentro dos seus próprios países;
Criar estruturas a nível internacional para reger o fluxo migratório de forma a ter em conta o
número de emigrantes e imigrantes em cada país assim como estabelecer as causas destes
movimentos nos diversos países;
A par da criação de uma estrutura, a criação de uma legislação internacional que se aplica a
todos os cidadãos estrangeiros e que todos os Estados deveriam aderir para melhor regulação
do fenómeno.
74
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LEGISLAÇÕES
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