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de um Cavaleiro
Cavaleiros ― Livro 5
Catherine Kean
Sinopse
De luto pelo jovem pretendente morto durante a fuga de
um prisioneiro, Lady Claire Sevalliere planeja deixar o grande
castelo de Wode para viver com sua tia. Claire permanecerá
uma donzela, devotada ao seu amado que morreu. No
entanto, antes que ela pudesse partir, Wode é cercado. Claire
é feita refém.
Determinado a provocar um confronto com seu senhor,
Tye, o filho ilegítimo de Lorde Geoffrey de Lanceau, reivindica
Wode, o castelo da família de Lanceau. Tye espera a batalha
em que matará seu pai. É o destino pelo qual a mãe vingativa
de Tye o criou. No entanto, quando Tye conhece Claire, que
desafia sua autoridade, ele fica intrigado. Ele nunca seria
digno do amor de Claire, mas ele vai gostar do desafio de
seduzi-la. Ele logo descobre que é seduzido pela beleza,
inteligência e inocência de Claire. Ela traz luz para sua alma
sombria e atormentada.
Conforme a batalha se aproxima, o passado de Tye o
alcança. Correndo o risco de perder Claire, ele deve enfrentar
seu maior tormento, e seu destino muda para sempre.
Capítulo Um
Branton Keep, Moydenshire, Inglaterra
Verão, 1214
***
***
Tye se abaixou e pegou a mão direita de Claire. Sua pele
era lisa, macia e não tinha uma única mancha ou aspereza,
como ele esperava para uma jovem lady mimada. Seus dedos
ainda estavam cerrados, uma pequena medida de desafio,
mas ele pacientemente os abriu, recusando-se a deixá-la
negar a pressão de sua mão, e então deslizou seus dedos
entre os dela. Com ela firmemente em seu aperto, ele puxou o
braço dela ao seu lado, de modo que sua manga caiu como a
asa de um anjo. Ele sentiu o caminho do braço dela,
pressionando e apertando.
Ela tremia enquanto ele inspecionava. A atenção dele
estava no braço dela, mas ele sentiu o seu olhar em seu rosto,
um olhar de desafio silencioso. Ele esperava que ela
protestasse contra sua busca, mas para sua surpresa, não
disse uma palavra. Ela deve ter decidido que a maneira mais
fácil e rápida de lidar com as coisas desagradáveis seria
suportando.
Apesar de seu silêncio, raiva e medo definiram a
proximidade entre eles. Não podia culpá-la por estar com
medo, ele havia antecipado tal reação de uma donzela que
nunca tinha sido tocada por um homem, especialmente
alguém tão completamente, sem desculpas, experiente como
ele.
O que ele não esperava, entretanto, era a maneira como
ela o fazia se sentir. Tocá-la, mesmo através do tecido de seu
vestido, era semelhante a uma forma de tortura. Sua carne
era flexível, o tecido luxuoso de sua vestimenta tão macio
quanto as coxas nuas de uma mulher. Como se isso não fosse
tormento suficiente, ela cheirava deliciosamente, como mel e
leite misturados. Ele queria respirar fundo e saboreá-la.
Quando a mão dele viajou para o ombro dela, mechas
perdidas de seu cabelo loiro brilhante roçaram as costas de
seus dedos. Luxúria pura e irrestrita ondulou através dele.
Ele sentiu o estreitamento de seus olhos, a pergunta se
formando em sua mente. Recusando-se a encontrar seu
olhar, ele abaixou o braço, libertou os dedos e moveu-os para
o outro ombro. Lã fina farfalhou sob a ponta de seus dedos.
Ela pigarreou.
— Depois que você me revistar e descobrir por si mesmo
que não tenho nenhuma arma, o que vai acontecer comigo? E
quanto a Mary?
Seus dedos percorreram a bainha bordada de sua manga
e seu pulso. Ele pensou em atrasar sua resposta, pelo menos
até terminar com ela. Se ele dissesse que sua vida não estava
em perigo, ela poderia fazer algo precipitado. A ameaça de
morte era um meio eficaz de controle. No entanto, ela ainda
estava tremendo, e por mais que ele quisesse que ela o
obedecesse, não via sentido em mantê-la em um estado de
medo tão elevado.
Finalmente encontrando o olhar dela, ele disse:
— Vocês serão minhas reféns.
— Reféns. — O alívio suavizou a palavra. — Você não vai
nos matar, então.
— Não vejo razão para matar você.
— Nós não temos. São boas notícias.
Tye lutou contra um sorriso; em vez disso, ele fez uma
careta, com ameaça suficiente para garantir que ela
continuasse a obedecer. Colocando ambas as mãos nos
ombros dela e movendo-as para dentro em direção ao seio
dela, ele disse:
— Claro, se você me desobedecer ou tentar escapar,
posso mudar de ideia.
Sua caixa torácica se expandiu sob as palmas das mãos
quando ela respirou fundo. A postura dela ficou tensa, como
se ela esperasse que as mãos dele, deslizando pelo decote,
diminuíssem a inspeção, abrindo-se amplamente e fechando-
se sobre os seios rechonchudos e redondos.
Dentes de Deus, era exatamente o que ele queria fazer.
Ela se moldava perfeitamente em suas mãos, e quando seus
polegares roçaram seus mamilos, ela suspirou, talvez até
gemeu, e suas pálpebras tremeram...
— Lady Brackendale está segura? Ela também é refém?
Tye voltou a se concentrar em sua tarefa. O
aborrecimento o varreu. Ele não deveria ser tão facilmente
distraído por um atraente par de seios, especialmente os de
uma lady que provavelmente era virgem e que nunca
desnudaria o corpo para ninguém, exceto seu marido.
— Ela é, — ele disse.
— Como suas reféns, o que se espera de nós?
— Isso vai depender.
— De que?
Ele lançou a ela um olhar gelado.
— Como você ouve bem o que meus homens e eu lhe
dissermos.
Uma carranca franziu sua testa.
— E?
— Seu valor como refém.
— Você quer dizer se eu sou de uma família rica ou não?
Se eu for, você vai exigir um resgate extorsivo?
— Você faz muitas perguntas, Gatinha.
— Se você estivesse na minha posição, não gostaria de
saber o que vai acontecer? Seria tolice não perguntar.
Ele encolheu os ombros.
— Verdade.
— Você disse que não ia nos matar, — ela continuou,
como se suas perguntas exigissem explicação, — mas há
inúmeras outras coisas, algumas bastante horríveis, que
podem acontecer conosco...
— Também é verdade. — Tye caiu de joelhos diante dela.
— Oh! Deus. O quê...
— Aguente firme. — Seus olhares se encontraram
quando sua mão deslizou sob a bainha de seu vestido. — Será
mais rápido.
— Não! Eu... eu não tenho uma adaga. Eu juro! — ela
disse, parecendo em pânico. Outro gorjeio de protesto saiu
dela, mas ele empurrou as camadas de roupas para alcançar
sua perna. Como Mary, ela usava meias de seda por baixo do
vestido.
Tye passou a mão por sua panturrilha. Até suas roupas
cheiravam a leite e mel. Sua mandíbula se apertou, com força
suficiente para causar-lhe dor. Bom. A dor era familiar. Dor
que ele podia tolerar. E o tormento que Claire causava a ele?
Isso poderia levá-lo a fazer algo muito, muito imprudente.
Ele tinha acabado de levantar a saia dela para desnudar
o joelho direito, um joelho bem torneado, quando um grito
quebrou atrás dele.
O mercenário grunhiu.
— A outra lady está acordada.
— Foi o que ouvi.
— Claire! — Mary ofegou.
Tye se concentrou nas pernas delgadas de Claire, as
palmas das mãos deslizando para cima. Quanto mais cedo ele
terminasse sua busca, melhor.
— Mary, não se preocupe. Estou bem, — Claire disse
com mais calma em sua voz do que ele esperava, pois ela
estava tremendo sob seu toque. Da maneira como ela
estremeceria se a acariciasse, persuadindo-a a abrir as coxas
para você, sua mente perversa apontou. Ele forçou de lado o
pensamento tentador.
— A mão dele, — disse Mary. — Está dentro do seu
vestido.
— Sim, mas...
— Na sua perna!
Como seria fácil tocar aquela parte secreta dela, aquela
voz travessa em sua cabeça provocava. Ela nunca deixaria
você tocá-la lá de outra forma. Você está tão abaixo de sua
posição nobre, você não é nada para ela.
A dor na mandíbula de Tye se intensificou. Um músculo
saltou em sua bochecha quando seus dedos deslizaram mais
alto, querendo tocá-la mais. Querendo...
O furioso zunido de lã veio de trás dele. Mary se levantou
com dificuldade. Com um último movimento da mão pela
perna esquerda de Claire, ele largou o vestido dela e ficou de
pé. Ele acenou para o mercenário tirar a espada da garganta
de Claire.
Tye apontou para Mary.
— Mova-se para a parede. Ao lado de Claire.
Com os seios subindo e descendo em respirações
aceleradas, Mary olhou para ele. Ainda assim, ela fez como ele
ordenou. Quando ela alcançou Claire, jogou os braços em
volta da amiga e elas se abraçaram. Mary fungou como se
fosse se desmanchar em lágrimas.
Tye ignorou uma pontada de remorso, gesticulou para
que o mercenário montasse guarda na porta da câmara e
depois caminhou em direção ao baú. Ele sentiu o olhar de
Claire em suas costas, mas resistiu ao desejo de se virar e
encontrar seu olhar. Ele ainda não tinha terminado nesta
câmara, e havia o resto do castelo para proteger. De forma
alguma uma mulher iria atrapalhar sua vitória.
— Que provação miserável você passou, — Mary
sussurrou. — Como aquele rufião ousa tocar por dentro de
suas saias.
— Eu estou bem, — Claire sussurrou de volta. — Ele
pensou que eu poderia ter uma adaga escondida, é tudo.
— Ele não te machucou? Nem o outro bandido?
— Não.
— Estou feliz. — Mary suspirou, o som carregado de
culpa. — Lamento ter desmaiado. Eu não tive a intenção de...
— Eu sei, — Claire acalmou.
Tye parou diante da arca e levantou a tampa. Uma
lufada do cheiro de Claire flutuou, e ele lutou contra a quente
lambida de desejo em sua virilha.
— O que aconteceu enquanto eu estava alheia ao
momento? — Mary perguntou. — Eles me revistaram daquela
maneira horrível também?
— Receio que sim...
— Que coisa horrível! Quem me revistou? Foi... ele?
Tye sentiu os olhares das mulheres o perfurando.
Recusando-se a reconhecer seu escrutínio, ele virou o baú
pesado de lado e despejou o conteúdo. Sedas, lençóis, sapatos
e outros itens se derramaram nas tábuas do assoalho.
Uma pilha de papéis dobrados, amarrados com uma fita
de seda, derrapou até parar perto da ponta de sua bota.
Cartas de amor? Uma lady tão bonita quanto Claire sem
dúvida tinha pretendentes, até mesmo um noivo. Ele lutou
contra uma sensação ridícula e indesejada de ciúme e se
abaixou para pegar o embrulho.
— Pare! — ela gritou. Passos apressados vieram por trás
dele.
Com os papéis firmemente em suas mãos, Tye enfrentou
Claire, parada a alguns passos de distância. Ela parecia
dividida entre arrancar os olhos dele e sucumbir às lágrimas.
— Como você ousa? Esses são meus pertences.
— Tudo neste castelo pertence a mim agora.
Ela respirou furiosamente, parecendo ficar mais alta.
— Não é verdade.
— Claire. — Ele esperava que ela recuasse. Homens
adultos fugiram quando ele usou aquele tom de voz.
Corajosa a gatinha, ela se manteve firme.
— Apenas o lorde de um castelo pode reivindicar que
tudo dentro pertence a ele, — ela disse. — Você é...
— O novo lorde de Wode. A partir de hoje.
— Você não provou seu direito de governar aqui. Não
para mim. Pelo que eu sei, não para Lady Brackendale ou
qualquer outra pessoa nesta fortaleza. Portanto, o que você
fez aqui em minha câmara é uma violação.
Ele riu.
— Você já deveria saber que não tenho vergonha do que
fiz. Ou devo provar para você novamente? Talvez de uma
maneira ainda mais direta? Estou mais do que disposto a
fazer isso, milady.
Capítulo Seis
Claire fechou e abriu as mãos e lutou para não atacar
Tye. Que arrogância! Que ousadia. Nunca conheceu um
homem que ousasse falar com ela de maneira tão chocante e
desrespeitosa. E tratar suas coisas preciosas como se fossem
suas para fazer o que desejasse?
Imperdoável.
— Claire, — disse Tye, seu tom de advertência.
Ela olhou carrancuda para ele. Sim, ela o temia, e
mesmo agora, seu coração saltou em seu peito como um sapo
assustado. No entanto, quando se tratava das cartas de
Henry, qualquer outra pessoa ou Tye a empurrou longe
demais.
A curva insolente da boca de Tye zombava de todas as
esperanças que ela já teve de manter suas missivas de Henry
escondidas dele. Ver aquele pacote precioso em sua mão a fez
querer gritar. Eram cartas dela, cheias de palavras doces e
confidências sinceras, escritas apenas para ela.
É verdade que ela secretamente compartilhou as cartas
de Henry com Mary. Depois que ele foi morto, Claire se deitou
em sua cama, leu e passou o dedo sobre as linhas de tinta,
enquanto se lembrava de seu rosto na última vez que o viu, e,
é claro, o seu beijo. Ela, com Mary, aninhadas ao lado dela,
choraram, e algumas das lágrimas de Claire caíram no
pergaminho borrando a tinta. O bandido diante dela,
entretanto, não precisava saber o que Henry havia escrito, ou
ver a prova de sua angústia nas manchas de tinta aleatórias.
Tye poderia ter se declarado lorde, mas isso não lhe dava
esse direito. Lorde Brackendale, que tinha o direito, nunca
teria tomado tal liberdade, por respeito a ela.
A fúria que acompanhou esse pensamento a convenceu a
dar um passo à frente e estender a mão.
— Eu gostaria de ter as minhas cartas.
Tye não se mexeu.
— Sem dúvida você as quer.
Ela respirou fundo tremendo de raiva.
— Essas cartas são privadas e pessoais. Elas foram
escritas por meu noivo, que morreu há alguns meses.
— Ah. Lamento ouvir...
— O que ele escreveu não tem utilidade para você.
— Eu não sei disso ainda.
— Eu garanto a você...
— Seu apelo é bastante convincente, Gatinha. No
entanto, como mal a conheço, seria um tolo em confiar em
você. Vou descobrir por mim mesmo se há informações de
valor ou não.
— O que você pode esperar descobrir com minhas
cartas? — ela exigiu.
Sua capa se mexeu quando ele cutucou a pilha de
pertences dela com a ponta da bota.
— Quem sabe o que posso descobrir? Segredos sobre
este castelo e as pessoas que vivem aqui. Segredos sobre você.
— Eu não tenho segredos.
Ele riu, um som áspero e terreno.
— Todo mundo os tem, Gatinha, embora nem todos
estejam dispostos a admiti-los.
Sua bota se moveu novamente. As roupas mudaram de
posição. Sapatos caíram. Seu olhar astuto deslizou para ela,
antes de enfiar as cartas na bolsa de couro em seu quadril e
pegar outro pacote de missivas que havia emergido: cartas de
Johanna. Ao lado delas estava a adaga de Claire, ainda em
sua bainha de couro.
Ele ergueu uma adaga.
— Você tem uma adaga, afinal.
— Não está amarrada à minha perna, — Claire sibilou.
— Como eu lhe disse.
Rindo, ele embolsou a adaga. Então se abaixou e agarrou
sua bolsa de joias, apenas visível sob seu vestido amarelo
como sua flor favorita dente-de-leão. Ele pegou um diário com
capa de couro, descobriu que as páginas estavam em branco
e o jogou de volta no chão.
Um gemido frustrado queimou sua garganta,
aumentando de volume quando ele chutou para o lado uma
caixa incrustada para ver o que havia por baixo.
— Você tem que tratar meus pertences dessa maneira?
— Devo ter certeza de que você não tem mais nenhuma
arma entre suas roupas elegantes.
— Ou joias, — ela disse asperamente.
— Ou joias, — ele concordou. — E quanto a moedas?
Você também tem um saco delas?
Claire se recusou a responder. Ela tinha uma pequena
bolsa de prata, mas certamente não iria ajudá-lo a roubá-la.
Sua relutância não pareceu incomodar Tye. Ele cutucou
várias camisas dobradas, amontoadas umas às outras, para
revelar outro diário encadernado em couro, aquele em que ela
havia escrito sua história do cavaleiro que Lady Brackendale
tanto gostava. Havia outras aventuras lá também, que ela
escrevera com Mary em um canto tranquilo do jardim, sem
ninguém para ouvi-las rir e gritar de alegria: histórias tolas e
românticas sobre donzelas solitárias sendo resgatadas por
heróis galantes e caindo apaixonado por suas damas. Ela e
Mary passaram dois dias escrevendo uma cena sobre um
herói e heroína se beijando, inspirada por seu beijo
maravilhoso de Henry. Mesmo enquanto ela rezava
desesperadamente para que Tye não se interessasse pelo
diário, ele se inclinou e o pegou.
Um gemido quebrou dela, o som ecoado por Mary.
— Por favor, — Claire disse.
— Você não quer que eu olhe para este livro? — Os olhos
de Tye brilharam. — Por que não?
Se ela contasse a ele o que estava no diário, isso só o
deixaria mais intrigado. Lutando contra o rubor que corria
por sua pele, ela meramente encolheu os ombros.
— O que há nessas páginas, Claire? — O polegar de Tye
roçou a tira de couro amarrada com um nó frouxo que
mantinha a capa fechada. — Você escreveu reflexões pessoais
nestas páginas? Você compartilhou pensamentos e sonhos
que nunca pensou que outra pessoa leria?
Seu rubor se aprofundou.
— Você revelou desejos secretos? — Suas palavras
desapareceram em um silvo sedutor.
Ela lutou contra o arrepio que se arrastava como uma
carícia proibida por sua espinha. Não era justo que sua voz
causasse tamanha destruição nela. Na verdade, seus escritos
não eram tão escandalosos, mas ela preferia que ele não lesse
suas histórias, especialmente aquela sobre beijos. O ato de
beijar era, afinal, duas pessoas compartilhando um amor
puro e glorioso para sempre. Ele apenas zombaria dela pelo
que ela havia escrito.
Ela cruzou os braços e encontrou seu olhar, o seu com
uma promessa de motim silencioso.
Ele deu uma risadinha.
— Meu Deus, Gatinha, você me deixa ainda mais
curioso. Estou ansioso para me acomodar com uma taça de
vinho e ler...
— É o suficiente! — Claire retrucou.
— Cada página.
— Oh, Deus, — Mary resmungou. Seus olhos se
arregalaram, como se ela pudesse se engasgar com o
desânimo.
Nunca antes Claire se sentiu tão vulnerável. O desejo de
implorar a Tye, para que não lesse o que ela havia escrito,
brotou dentro dela. No entanto, era exatamente o que ele
queria: que ela se rastejasse. Ela preferia comer todas as
páginas de seu diário do que dar a ele essa satisfação.
Enquanto secava discretamente as mãos suadas nas
saias, ouviu várias pessoas se aproximando. O mercenário na
porta saiu para o corredor, sua espada erguida.
Claire encontrou o olhar de Mary. A julgar pela
expressão de Mary, ela estava claramente esperando por um
resgate dramático, mas Claire se recusou a ceder até mesmo
ao mais breve surto de excitação. De tudo o que ela tinha
visto, o ataque de Tye tinha sido muito rápido e muito
completo para os homens de armas de Wode de ter tido a
chance de ganhar a batalha.
O mercenário voltou, seguido por mais três bandidos de
aparência rude. Suas capas e armaduras de cota de malha
estavam manchadas de sangue. Lutando contra a dor da
perda, só Deus sabe quantos dos lutadores leais de Wode
morreram na batalha, Claire olhou para suas roupas
espalhadas pelo chão.
— Milorde, — disse um mercenário.
Tye passou por Claire. Seu cheiro de terra, de couro,
cavalo e ar fresco da manhã, a provocou, e ela lutou contra a
indesejável tentação de vê-lo se afastar, seus passos cheios de
comando. Em vez disso, ela se ajoelhou e começou a recolher
seus pertences. Mary se abaixou ao lado dela para ajudar.
— Quais são as notícias que você traz? — Tye perguntou,
sua voz parecendo preencher cada parte do quarto.
— O pátio está seguro, — respondeu um mercenário
— Bom.
— Existem prisioneiros feridos, milorde. Você nos pediu
para chamá-lo...
— Eu pedi.
Claire sentiu o olhar de Tye sobre ela. Ignorando-o,
moveu a caixa embutida ao lado do vestido de seda que ela
dobrava.
Ela continuou a se dobrar enquanto Tye caminhava por
trás dela e parava. Ela sabia que era ele. Ela o sentiu, sua
presença descarada e exigente. Ele ficou parado à sua
esquerda, observando cada movimento dela.
Mary, com os olhos arregalados de apreensão, seguiu o
exemplo de Claire e continuou a endireitar os itens diante
dela.
Um sorriso desafiador apareceu nos lábios de Claire. Tye
poderia esperar que ela erguesse os olhos e o encarasse, mas
ela não obedeceu. Ele controlou sua vontade. Ele não merecia
seu respeito e nunca o teria.
Quando ela se endireitou sobre os calcanhares,
adicionando a camisa à pilha dobrada, o rangido de alerta do
couro soou ao lado dela. Antes que ela pudesse fugir, os
dedos dele se fecharam sob seu queixo e o ergueram.
Ela tentou se libertar, mas os dedos dele se apertaram,
não o suficiente para doer, mas o suficiente para mantê-la
quieta.
— Voltaremos a falar mais tarde, Gatinha. — O olhar de
Tye percorreu seu rosto voltado para cima e então pousou em
sua boca.
Claire engoliu em seco contra a pressão de seus dedos.
Seu olhar voraz a aqueceu, fez seus lábios queimarem e
formigarem, como se ele tivesse se curvado e esmagado sua
boca na dela. Ele olhou para ela como se quisesse reclamá-la.
Para torná-la sua.
Nunca.
Seu coração pertencia a Henry. Sempre pertenceria.
Claire se desvencilhou das mãos de Tye.
— Não vejo razão para voltarmos a falar.
Ele riu suavemente, claramente divertido por seu
desafio.
— Voltaremos a falar. Disso, você pode ter certeza.
***
***
***
***
***
Sentada na tina redonda de madeira posicionada perto
da lareira, Veronique esfregou o braço nu. O sabão se
espalhou em sua pele brilhante e na toalha de linho em sua
mão, enquanto o cheiro inebriante de rosas flutuava da água
do banho que já estava esfriando, apesar do fogo próximo.
Suspirando, ela voltou sua atenção para o outro braço.
— Você está carrancuda, amor, — Braden disse da cama
do outro lado da câmara na torre norte. Ele estava deitado
sob os cobertores, um braço largo cruzado atrás da cabeça
enquanto a observava se banhar. Os olhos de pedra preciosa
do anel de caveira em sua mão direita brilhavam com a luz
lançada pelo fogo e o sol da manhã filtrando-se pelas frestas
das venezianas que cobriam a janela.
Veronique fez beicinho.
— Há uma corrente de ar da janela. Além disso, a água
não está mais quente.
Ele deu uma risadinha.
— Não por falta de esforço dos servos. Eles correram
para cima e para baixo pelas escadas com seus baldes como
se estivessem sendo chicoteados.
Franzindo o nariz, Veronique disse:
— Eu queria chicoteá-los pelo jeito que alguns deles me
olharam.
— Eu sei que você queria. Você mostrou uma contenção
notável.
Ele se demorou na palavra contenção, e ela sorriu.
— Então eu me contive. Como na véspera passada.
Eles fornicaram na cama, na mesa de cavalete, no
chão... Ela o fez trabalhar duro para lhe dar prazer, mas ela
não tinha dúvidas de que ele tinha gostado de cada momento
de seus acoplamentos barulhentos, selvagens e satisfatórios.
Pensar na maneira como ele empurrou seu pênis dentro
dela, dominou-a, sua masculinidade tão dura, grossa e
impaciente, fez com que um rubor percorresse sua pele. Seus
mamilos endureceram.
— Amor? — ele ronronou, apoiando-se nos cotovelos. Os
cobertores escorregaram de sua parte superior do corpo para
revelar mais de seu peito musculoso salpicado de pelos
escuros. Ela rastejou em cima daquele corpo deslumbrante
na noite passada, o sugou, provocou e acariciou até que ele
estava suando, ofegando e jurando que não aguentaria mais.
— Mmm? — ela finalmente respondeu, concentrando-se
em lavar as mãos. O sabão escorregou por sua pele,
borbulhou entre seus dedos, caiu com um sussurro na
superfície nebulosa da água. Ela estava perfeitamente ciente
de cada som e sensação enquanto seu corpo se agitava em
uma antecipação luxuriosa...
A roupa de cama farfalhou, mas ela não olhou para ele.
Isso estragaria tudo. Ela o ignoraria até que ele viesse para
ela, como ele faria. Como ela esperava.
Seus passos bateram nas tábuas e ele se ajoelhou ao
lado da tina. Ele segurou seu rosto e a forçou a encontrar seu
olhar. O ardor brilhou em seus olhos.
—Não me ignore, prostituta, — ele rosnou.
O ardor latejava entre suas pernas. Como ela amava
quando a paixão dele ficava mais dura.
— Dê-me um motivo, então, para lhe dar toda a minha
atenção.
— Eu vou. — Sua voz endureceu. — Primeiro, porém,
você me dirá quando receberei minha dívida.
As pontas dos dedos dele cravaram em sua mandíbula.
Ele não a estava machucando, mas claramente esperava sua
resposta imediata. Ela se soltou de seu aperto, a metade
submersa de seu cabelo se mexendo na água, e disse
calmamente:
— Você sabe o que deve acontecer primeiro. Tye deve
matar seu senhor.
— Então serei premiado com um castelo próprio, — disse
Braden.
— Claro. Já discutimos isso muitas vezes antes. —
Gracejando, ela acariciou sua bochecha com a mão molhada e
pingando. — Você deve ser paciente.
— Eu sou, já faz um bom tempo, — ele resmungou.
— Eu sei. — Ela forçou um tom calmo, embora
silenciosamente desprezasse sua impaciência. A tentação de
governar um castelo próprio manteve Braden sob seu controle
por meses; ela deve mantê-lo ansioso por essa recompensa,
pelo menos até a vitória de Tye. — Eu prometo, você receberá
seu castelo muito em breve.
— Eu não quero apenas ter qualquer um. Eu quero uma
grande e lucrativa propriedade. Eu quero uma fortaleza tão
boa quanto Wode.
Ela mordeu a língua. Bastardo ganancioso.
— Eu tenho direito a uma recompensa rica. Você não
pode negar.
Não posso? A raiva cresceu dentro dela enquanto
levantava o joelho esquerdo para esfregá-lo.
— Eu arrisquei minha vida mais de uma vez por você e
Tye, — Braden adicionou enquanto ela ensaboava sua pele. —
Sem mim, você nunca teria sido capaz de conquistar Wode.
Ganancioso e também arrogante, sua mente se alterou.
No entanto, na verdade, ela sabia disso há muito tempo. Ela
achava sua arrogância altamente convincente, especialmente
quando ela reconheceu que sua ambição era tão grande
quanto a dela.
Com esforço, ela controlou sua raiva. Muito ainda
poderia ser perdido, apesar da aquisição de Wode por Tye. Por
enquanto, Tye precisava de Braden. Ela também. Quando ela
usou suas pedras rúnicas na noite passada, elas revelaram
isso a ela.
Sobre o barulho da água, ela disse:
— Você está certo. Nunca teríamos tido sucesso sem
você.
— Eu terei meu belo sustento, então.
Ela encontrou seu olhar novamente.
— Quando de Lanceau estiver morto, você terá sua
escolha de suas propriedades. Isso te agrada?
Os olhos de Braden brilharam com antecipação.
— Tye concordará com esse acordo?
— Eu vou garantir que ele faça.
— Eu vou cobrar de você essa promessa, amor.
Ela fez uma pausa, a mão ensaboada no joelho direito
levantado. Certamente, Braden não a havia ameaçado. Ele
bem sabia que ela não toleraria esse tipo de ousadia, nem
mesmo dele.
Seus dedos calejados deslizaram ao longo de sua
mandíbula, como se para acalmar a raiva que ele sentia
agitando-se dentro dela.
— Quando eu for lorde, — ele murmurou, — não irei
apenas atender aos meus próprios desejos, mas também aos
seus.
— Como assim? — ela perguntou, incapaz de reprimir
uma vibração de prazer.
Seus dedos deslizaram, acariciando.
— Você ficará ao meu lado como lady do meu castelo.
Você terá um título, privilégio, tudo o que você sempre quis:
vestidos da mais fina seda; joias brilhantes; servos para
atender a todos os seus desejos, não importa o quão pequeno
seja a propriedade.
Ah. Talvez ele não fosse um idiota, afinal.
— Você realmente vai me dar esses luxos?
Sorrindo, ele se inclinou para frente e pressionou seus
lábios nos dela.
— Eu vou.
Ela suspirou em sua boca, pois seus beijos eram tão
sedutores quanto suas palavras. Seus lábios exigiram,
reclamaram, e ela se inclinou em direção a ele, pegando tudo
o que ele oferecia.
Recuando, ele sussurrou:
— Eu te amo.
Ela congelou, sua respiração ficou presa como um nó de
pedra em sua garganta. Ele a amava? Muitos de seus
amantes ao longo dos anos haviam dito essas mesmas
palavras, mas eram um reconhecimento de paixão, nada
mais. Ela não era o tipo de mulher que os homens amavam.
Braden estava brincando; ele tinha que estar. Sorrindo,
ela disse:
— Claro que você...
— Eu amo.
— Você?
— Te amo, — ele repetiu, sua expressão solene. — Você
sabe que é verdade, sim?
Espanto e prazer percorreram seu corpo, abrindo
caminho até seu coração que se despedaçou, murchou e
morreu após a rejeição de Geoffrey de Lanceau. Amar e perder
De Lanceau doera além da medida; ela jurou nunca amar
novamente. Ela não permitiria tal vulnerabilidade, pois aquela
fraqueza quase a destruíra. Em vez disso, ela manipulava,
usava, tomava o que ela queria e precisava de homens, mas
nunca oferecia seu coração.
Com a admissão de amor de Braden, entretanto, parte
dela respondeu rapidamente; parte dela reconheceu que, de
todas as ocorrências inesperadas e indesejadas, ela também
poderia amá-lo.
Ela largou a toalha; sua mente cambaleando com o
choque, ela observou o linho submergir lentamente sob a
água turva. Como ela se permitiu se apaixonar? Quando ela
se tornou tão fraca?
— Você parece surpresa, — Braden disse com uma
risada irônica.
Veronique engoliu em seco, lutando contra emoções que
não conseguia controlar. Infernos. Ela não gostava de ficar
inquieta.
— Eu...
— Nós combinamos bem, você e eu. Juntos, seremos
verdadeiramente formidáveis. Seremos o tema de muitas
chansons cantadas com admiração e medo em toda a
Inglaterra.
Que perspectiva tentadora. Porém...
— Você não quer ficar ao meu lado, amor? E ser minha
esposa?
Sua esposa. Ele queria se casar com ela. A suspeita se
amontoou em sua mente atordoada. Ele realmente se
importava com ela ou queria se casar com ela para ter mais
influência sobre Tye? Braden era um homem astuto que
ansiava pelo poder. Ela poderia apenas ser parte de uma
trama tortuosa...
Ele suspirou. Apertando ambas as mãos ao lado da tina,
ele se levantou, trazendo sua nudez esplêndida e excitada
para sua visão completa.
Incapaz de desviar o olhar de sua masculinidade
impressionante tão perto de seu rosto, ela umedeceu os
lábios.
— Braden...
— Meu amor é verdadeiro, Veronique. — Ele se abaixou
na tina, colocou-a de pé e a ergueu em seus braços.
Água pingava de seu cabelo e corpo molhados nas
tábuas. No ar frio da câmara, arrepios subiram em sua pele.
— O que você faz?
— Eu provarei que te amo, — ele rosnou contra sua
boca. — Uma e outra e outra vez, até que você concorde em se
casar comigo.
Uma gargalhada luxuriosa partiu dela.
— Podes tentar.
— Oh, eu vou. — Ele caminhou até a cama, largou-a no
colchão e rastejou em cima dela, separando suas pernas com
os joelhos.
Seu cabelo era uma massa embaraçada e encharcada
sob os lençóis, ela semicerrou os olhos para ele.
— Você é muito descarado. Eu não te amo. Eu nunca
irei...
— Nunca? — Com o rosto tenso de desejo, ele mergulhou
nela, então parou, mantendo-se perfeitamente imóvel,
fazendo-a ofegar, contorcer-se e gemer de frustração.
Enquanto ela amaldiçoava e cravava as unhas em seus
braços protuberantes, seus lábios se afastaram em uma
risada áspera. — Você deveria saber mais do que me desafiar.
Eu pretendo vencer.
Capítulo Quinze
Olhando pela janela para o céu sem nuvens da tarde,
Claire se assustou quando batidas rápidas soaram na porta
de seu quarto. Ela hesitou, seus dedos se curvando no
parapeito de pedra da janela, enquanto ela decidia se deveria
ou não atender as batidas. Tye provavelmente estava fora de
sua porta, e ela estava muito cansada depois de uma noite
quase sem dormir para outro confronto com ele. Além disso,
ela ainda não entendia como ele a fazia se sentir daquela
maneira: inquieta; quente e espinhosa por toda parte; e
ansiosa por outro beijo. Era totalmente vergonhoso que ela
sentisse tais coisas...
A porta do quarto dela se abriu.
Claire ofegou, pois ela ainda não tinha respondido.
Felizmente ela não estava trocando de roupa ou escrevendo
no diário. Afastando-se da janela, ela juntou as mãos na
frente dela.
Tye cruzou a soleira da porta, seu manto flutuando na
parte de baixo de suas botas de cano alto que exibiam
manchas úmidas. Seu cabelo, amarrado para trás como de
costume com uma fina tira de couro, parecia soprado pelo
vento.
Ela tentou agarrar-se à sua indignação, mas a visão dele
tão inegavelmente bonito trouxe uma onda de admiração
tecendo por dentro dela. Ele não parecia um bandido de
origem humilde; ele parecia um lorde que governava uma
vasta e próspera propriedade. Um homem que, como ele havia
dito antes, pegava o que queria e fazia o que queria. Isso
obviamente incluía entrar sem permissão nos aposentos
privados das mulheres.
— Boa tarde, milady.
Até sua voz a afetou. Ela estremeceu por dentro, como se
fosse uma corda de harpa que ele puxou com os dedos.
— Boa tarde, — disse ela, seu tom frio, mas educado.
— Você estava curtindo o sol, eu vejo. Está mais quente
lá fora do que hoje cedo.
— Bom. — Isso significava que a neve derreteria e de
Lanceau seria capaz de mover seu exército e expulsar Tye e
seus mercenários. Mais uma vez, ela teria sua liberdade e,
finalmente, poderia viajar para a casa de sua tia e começar
sua nova vida.
— Você parece satisfeita, — observou Tye.
Claire deu de ombros descuidadamente; ela certamente
não iria compartilhar seus pensamentos com ele.
— Eu não gosto do frio.
— Nem eu, verdade seja dita. Prefiro os dias mais
amenos da primavera. Quando as árvores estão em flor e os
campos estão verdes novamente, os dias de alguma forma
duram muito mais como uma...
— Promessa, — ela terminou por ele.
— Exatamente.
Ambos sorriram. Um silêncio amigável instalou-se.
Misericórdia, mas ela não deveria se sentir à vontade
perto dele. Ambos podiam desfrutar da beleza da primavera,
mas ela era sua prisioneira. Ela se baseou na indignação que
havia surgido dentro dela momentos atrás e disse:
— Eu estou supondo que você tem um motivo para
entrar em meu quarto sem esperar pela minha permissão
para adentrar. Um motivo que nada tem a ver com o clima?
A alegria desapareceu de seus olhos.
— Você adivinhou corretamente. Eu te ofendi, entrando
como entrei?
— É uma cortesia que um homem espere de uma lady
sua ordem de entrar antes dele adentrar em seu quarto
privado. Ela pode estar se vestindo, tomando banho ou...
indisposta de alguma outra forma.
— E se você não me ouviu por algum motivo, como um
barulho alto do lado de fora? Eu deveria ter continuado a
bater? Ou eu deveria ter percebido que você estava
indisposta?
Uma pergunta justa. Tye não parecia estar brincando
com ela; ele parecia genuinamente intrigado com as nuances
do cavalheirismo.
— Normalmente, você esperaria do lado de fora e
continuaria batendo até receber a minha ordem de entrar. Se
eu não atendesse, você voltaria mais tarde. Claro, se eu
estivesse gravemente doente e sob os efeitos de uma poção de
cura, talvez não ouvisse sua batida e, portanto, não seria
capaz de responder. Nesse caso, por estar doente, não haveria
problema em entrar em meu quarto sem esperar por
permissão.
— É bom saber, — disse Tye.
— Nossa situação atual, no entanto, é um pouco
diferente do normal, — ela admitiu. — Embora eu possa ser
uma lady, também sou uma refém. As regras de decoro são,
sem dúvida, diferentes.
Ele sorriu.
— Sem dúvida.
Seu sorriso maroto suavizou suas feições. Ela lutou
contra a vibração indesejada de sua barriga.
— Agora que eu expliquei...
— De uma maneira tão perspicaz, — interrompeu Tye, —
devo uma explicação a você. Mas, primeiro, perdoe-me por
não ter esperado sua resposta antes. Vou me lembrar de ser
mais galante no futuro. Tão galante, isto é, tão honesto como
eu possivelmente possa ser.
Tye estava brincando com ela agora? Ela não tinha
certeza.
— Meu verdadeiro propósito ao vir vê-la, — continuou
ele, — era perguntar se você gostaria de dar um passeio.
— Um passeio? — A excitação correu por ela. Seria
maravilhoso desfrutar de um pouco de ar fresco. Além disso,
daria a ela a chance de ver como o resto do povo do castelo
estava se saindo. — É uma ideia muito agradável e bem-
vinda, milorde.
A surpresa brilhou em seus olhos.
— Você me chamou de 'milorde'.
— Eu chamei.
— Isso me agrada.
Ela só fez isso para acalmá-lo. Ainda assim, Claire lutou
contra um formigamento ridículo de prazer.
— Estamos ambos satisfeitos então, porque estou muito
feliz que você tenha oferecido um passeio.
— Afinal, algo que fiz agrada a você.
Desejo perpassou suas palavras. Isso sugeria que o
respeito dela importava para ele, embora defendesse a si
mesmo e suas ambições acima de tudo.
O desconforto a percorreu e ela desviou o olhar, sem
saber o que dizer a seguir.
O silêncio demorou. Ela ficou intensamente ciente do
olhar dele enquanto a percorria, do decote quadrado de seu
vestido de lã verde esmeralda até a bainha decorada com um
padrão gracioso de flores bordadas em fio de prata, para
combinar com o bordado nas pontas das mangas. Ela calçara
sapatos de couro marrom com biqueira pontuda e, quando ele
os viu aparecendo pela bainha, sua boca se contraiu e ele
passou a mão pela boca como se quisesse esconder um
sorriso.
Claire colocou as mãos nos quadris.
— O que foi?
Ele deu uma risadinha.
— Meu vestido é tão divertido? Achei modesto e
adequado para um dia sozinha no cativeiro.
— O que você está vestindo é adorável. — Seu tom
tornou-se um rosnado rouco que transmitia seu total apreço
pela vestimenta perfeitamente ajustada que havia sido
desenhada por um alfaiate que viajou de Londres, e que
também fez vestidos para Lady Brackendale e Mary. — No
entanto, — Tye gesticulou para seus sapatos, — dois passos
lá fora e esse delicado couro será arruinado.
— Vou calçar as minhas botas. Se eu soubesse da
caminhada, teria a certeza de vesti-las mais cedo.
Apesar da sugestão de gelo em seu tom, o sorriso maroto
de Tye não vacilou.
— Estou certo de que você teria, milady.
Por alguma razão, por causa do sorriso dele, ela estava
tendo problemas para se concentrar no que deveria fazer.
— Ainda está frio, então também vou buscar minha
capa.
— Uma ideia inteligente.
— E minhas luvas mais quentes.
— Talvez um chapéu, também? — Ele balançou sua
cabeça. — Não me lembro de alguma vez ter estado tão
envolvido com o vestir de uma mulher.
Claire caminhou até seu baú, abriu a tampa e enfiou a
mão dentro.
— Isso é porque você geralmente está ocupado tirando as
roupas de uma mulher.
Assim que as palavras saíram de sua boca, ela se agitou.
Santa Mãe Maria. Ela realmente disse isso em voz alta? Ela
deveria ter se contido.
A risada de Tye ecoou.
— Gatinha, você me conhece tão bem.
Ai, meu Deus. Ela nunca, jamais, teve a intenção de ser
tão tímida ou falar tão abruptamente. As roupas dobradas
diante dela tornaram-se um borrão colorido, e ela fechou os
olhos com força e orou por fortaleza e sabedoria.
— Eu mal te conheço, milorde. Não sei por que disse
essas palavras.
Abrindo os olhos novamente, ela procurou por suas
luvas favoritas forradas de pele. Ela não ousava olhar para
Tye, não conseguia olhar para ele, enquanto continuava a
lutar contra seu constrangimento.
— Eu também não estou certo do por que você o disse,
— ele murmurou, sua voz parecida com um ronronar. —
Embora, eu possa adivinhar.
A ansiedade se apoderou dela.
— Não se incomode...
— Você estava pensando em eu despir uma das minhas
amantes? — Sua voz baixou para um sussurro sedutor. —
Minhas palmas roçando seu vestido. Meus dedos
desamarrando as amarras do lado, uma por uma. Minhas
mãos, puxando sua camisa de linho macia...
— Pare. — Claire lutou contra o calor traidor que latejava
em sua pele, agarrou as luvas e fechou a tampa do baú. — Eu
não tenho pensamentos tão pecaminosos.
O olhar ardente de Tye capturou o dela.
— Talvez, então, você estivesse imaginando...
— Eu não estava...
— Eu te despindo?
Sua boca se abriu em um suspiro.
— Seduzindo você?
— Bondade de Deus! — Claire sussurrou.
— Tomando você?
Oh, meu Deus! Ela teria deixado cair as luvas, mas
conseguiu se controlar e trazer o foco de volta para a
conversa, por mais desastrosa que pudesse ser.
— Em sua mente, você viu minhas palmas deslizando
sobre seu vestido, — Tye murmurou. — Meus dedos,
desamarrando as amarras...
— Não.
— Enquanto minhas mãos puxavam o linho fino...
— É o suficiente! — Ela estremeceu com uma pressa
mortificante de necessidade e desejo proibido. Ela deve parar
de zombar dele, o mais rápido possível.
Lady Brackendale estava certa em avisá-la na noite
anterior; Claire não devia, por um instante, esquecer a
verdade sobre quem era Tye.
— Nunca imaginaria um encontro tão obsceno entre nós,
— ela conseguiu dizer.
Tye piscou, um gesto que lhe disse que ele sabia que ela
estava mentindo.
— Você estava imaginando outras ocorrências
escandalosas, então?
Ela reprimiu um grito de frustração.
— Como a nossa conversa torceu para tal caminho?
— Não fui eu quem falou em despir.
— Sinto muito. Não vou falar sobre isso de novo.
— Talvez eu vá.
Ela ergueu as mãos. Ele não iria ceder. Ele a faria se
contorcer, até... o quê? Ela caísse de joelhos na frente dele e
implorasse que ele a beijasse, tocasse, a despisse como ele
havia descrito, porque ansiava por sua atenção? Que terrível,
que ela não estivesse completamente horrorizada com a ideia.
Seu sorriso presunçoso deu a entender que ele podia ler
as emoções em guerra dentro dela, embora ela nunca tivesse
pretendido que elas fossem expostas para seu escrutínio.
Com dedos desajeitados, Claire colocou sua capa. Em
seguida, ela enfiou as mãos nas luvas, esticando cada dobra
para garantir que o couro fosse colocado corretamente em
seus dedos.
Cada momento de silêncio era uma tortura. Ele não se
aproximou, não tentou tocá-la, mas a observou com seu
familiar olhar predatório.
— Não me incomodarei com um chapéu, — disse ela, —
então estou pronta para minha caminhada.
— Não exatamente, — ele murmurou.
Ele iria beijá-la novamente! Ele iria exigir isso, em troca
de libertá-la de seu quarto.
Ela não podia permitir aquele contato físico; um beijo
devastador, e ela estaria perdida...
— Suas botas. — Ele apontou para o chão ao lado de seu
baú, onde suas botas de couro até o joelho esperavam.
— Oh. Obrigada. — Claire agarrou suas botas, sentou-se
na beira da cama e tirou os sapatos.
— Tinha uma expressão curiosa em seu rosto, — disse
Tye, parecendo divertido. — O que você esperava que eu
dissesse então?
Claire afastou as dobras grossas de sua capa e vestido
para que ela pudesse ver seu pé esquerdo e então o empurrou
em sua bota.
— Não é importante.
— Permita-me julgar por mim mesmo.
Agora ele parecia irritado. A última coisa que ela queria
era deixá-lo com raiva; ele poderia mudar de ideia sobre a
caminhada, e ela queria muito sair do quarto. Puxando a bota
certa, ela disse:
— Achei que você fosse estabelecer as condições para
minha saída da câmara. Felizmente, eu estava errada.
— Condições? Como um beijo?
— Sim. — Calçando as botas, ela se levantou, alisando a
capa e o vestido de volta ao lugar. Apesar da calma que ela
conseguiu transmitir em seus movimentos, seu coração
saltou e palpitou como um pardal ferido. Seus lábios
formigaram, sua carne lembrando o quão apaixonadamente
ele tinha devastado sua boca antes, e sabendo que ele poderia
facilmente fazer isso novamente.
Finalmente encontrando o olhar de Tye, ela o encontrou
sorrindo. Sua respiração pairou, suspensa, enquanto seu
olhar faminto pousou em sua boca.
— Este dia ainda não acabou, Gatinha.
Ela ajustou as luvas novamente para ocupar as mãos.
Ele estava planejando beijá-la do lado de fora, talvez na frente
de um pátio cheio de testemunhas? Que pensamento
enervante.
— É verdade, o dia não acabou, — disse ela, — mas isso
não significa que vamos nos beijar.
Ele parecia pronto para discordar dela. Em vez disso, ele
girou nos calcanhares e caminhou para a porta.
— Se você quiser dar um passeio, venha agora.
Claire correu atrás dele.
Ele abriu a porta e gesticulou para que ela fosse
primeiro. Quando ela passou, ele disse:
— Um aviso, Claire. Tente escapar de mim nesta
caminhada e não gostará das consequências. Compreende?
— Sim.
Com passos rápidos, Tye a conduziu pelo corredor
enfumaçado pelas tochas até o patamar e os degraus que
levavam ao grande salão. Enquanto descia as escadas, ela
rapidamente olhou ao redor da grande câmara diante dela, na
esperança de ver que os conquistadores celebrantes haviam
se entregado a muita comida e bebida na noite anterior e,
portanto, não seriam tão eficazes hoje em manter seu domínio
na fortaleza. No entanto, a sala parecia ser mantida em seu
padrão usual, as mesas e bancos limpos e um fogo generoso
queimando na enorme lareira. Os cães cochilavam nas beiras
da lareira. Na mesa do lorde no estrado elevado, uma criada
estendeu uma toalha de linho limpa. Além dos homens
armados parados perto da entrada da construção, vigiando a
escada que levava ao pátio, a sala parecia igual a todos os
dias em que ela morava em Wode.
Tye acenou com a cabeça para os guardas enquanto
caminhava para as sombras da construção , Claire logo atrás.
A fumaça da tocha e um bolor úmido a envolveram enquanto
descia as escadas, e então ela passou pela porta e saiu, para
o sol brilhante.
Claire não resistiu a um sorriso.
Uma risada irônica desviou seu olhar para Tye, que
esperava a vários passos de distância.
— Por que você está me encarando?
— Eu nunca vi você sorrir assim antes, — disse ele.
— É uma tarde gloriosa. — Incapaz de conter a onda de
empolgação, ela acrescentou: — Um dia adorável deve ter
coisas maravilhosas pela frente.
— Um resgate, você quer dizer?
Era realmente o que ela estava pensando. Ela não se
preocupou em responder, apenas afastou o cabelo do rosto.
Tye não parecia se importar. Ele gesticulou através do pátio, e
ela caminhou na direção que lhe indicou, através da neve
derretida que tinha sido pisada formando lama
esbranquiçada.
À frente, as portas da cozinha estavam escancaradas e o
cheiro de pão e carne assada flutuava na brisa. As criadas
voltavam dos galinheiros com cestas de ovos, enquanto do
lado de fora dos estábulos, rapazes cuidavam dos cavalos, os
casacos dos animais brilhando ao sol. Tudo parecia como
normalmente era, ela notou com um arrepio, exceto pelos
mercenários nas ameias que estavam assistindo a tudo o que
acontecia no pátio abaixo. Mais bandidos contratados
guardavam a casa de guarda do portão e a entrada das
masmorras. Ela não deve se esquecer de registrar esses
detalhes no diário.
Tye a levou para o jardim do castelo. Um muro de pedra
e argamassa na altura da metade de um portão de ferro
forjado separava o jardim do resto do pátio. Levantando a
trava, ele empurrou o portão aberto. Ele gesticulou para que
ela entrasse.
A neve ainda se espalhava como um cobertor branco
felpudo sobre os canteiros elevados onde a cozinheira
cultivava vegetais e ervas. Maçãs, ameixeiras e pereiras com
galhos nus se estendiam em direção ao céu. Enquanto ela
caminhava mais para o jardim, um grande monte de neve
caiu de um galho de árvore e aterrissou com um baque forte,
fazendo-a pular.
No mesmo instante, outra pessoa gritou em choque.
Claire viu uma mulher, freneticamente varrendo a neve de
sua cabeça, cambaleando para fora das sombras de uma
árvore. Um pouco da neve obviamente tinha descido para a
nuca, pois ela se contorcia e se contorcia em uma dancinha
estranha.
— Mary, — Claire gritou.
Sua amiga girou, sua mão enluvada ainda segurando as
costas de sua capa.
— Claire? — Mary acenou e correu em sua direção, mas
seus passos diminuíram quando avistou Tye, que fechara o
portão e estava encostado na parede, os braços cruzados,
observando-as.
— É bom ver você, — Claire chamou.
— E você. — O olhar cauteloso de Mary deslizou para
Tye novamente. — Tudo está bem? Você não sofreu nenhum
dano?
Tye soprou indignado.
Claire fechou a distância entre ela e Mary e puxou sua
amiga para um abraço apertado. Ao inalar o cheiro familiar de
sabão e água floral de sua querida amiga, as lágrimas
picaram seus olhos.
— Estou muito melhor agora que te vi.
Recuando para o comprimento do braço, Mary sorriu.
— Eu sei o que você quer dizer. Passar o dia todo
sozinha em meu quarto foi horrível.
— Um tormento, — Claire concordou. — Como você
está? Você está bem, além de morrer de tédio?
— Eu estou. E Lady Brackendale?
— Eu a vi ontem à noite. Ela está bem o suficiente. —
Deslizando o braço pelo de Mary, Claire a puxou em direção
aos canteiros de vegetais cobertos de neve.
— Tye está nos observando tão atentamente, — disse
Mary com um estremecimento.
— Eu sei. Eu me recuso a deixá-lo arruinar esta
caminhada, no entanto, e mais especialmente, meu encontro
com você. Ignore-o.
— Eu farei o meu melhor.
— É isso que as heroínas corajosas de nossas histórias
fariam.
Mary deu uma risadinha.
— Verdade.
A neve se acumulou na bainha da capa de Claire
enquanto ela caminhava, cruzando em uma linha de pegadas
deixadas por um pássaro. Ela parou ao lado de fileiras de
estacas que haviam sido usadas na primavera passada para
apoiar os feijões verdes.
— Você acha que alguma coisa do que Tye nos disse no
salão é verdade? — Mary perguntou baixinho. — Você acha
que ele realmente é o filho ilegítimo de Lorde de Lanceau?
Claire se abaixou e pegou um galho que havia caído na
neve.
— Eu mesma tenho pensado nisso. Eu honestamente
não sei.
— Ele parece-se mesmo com o seu senhorio e tem uma
maneira semelhante e autoritária, — disse Mary. — Muitos
nobres lordes geraram bastardos, dentro e fora do casamento,
então é possível.
— Se Lorde de Lanceau se deitou com a mãe de Tye. —
Claire quebrou um pedaço de galho. — Nós duas conhecemos
bem Veronique. Enquanto não conheço bem o seu senhorio …
— O que ele teria visto nela, você quer dizer, para querer
levá-la para sua cama?
— Exatamente.
— Foi há muitos anos, — disse Mary. — Ela pode ter
sido bem diferente naquela época.
— Sem dúvida tão egoísta e ambiciosa, no entanto, —
Claire disse baixinho.
— Sim, bem, sugiro que encontremos um assunto mais
seguro para discutir — disse Mary, parecendo nervosa. — Ela
está se aproximando do portão.
Claire deu as boas-vindas a um surto de travessura.
— Bem então. Com os dois assistindo, devemos dar a
eles um bom desempenho.
— O que você quer dizer? Se você está pensando em
tentar escapar...
— Hoje não. Somos vigiadas de perto.
A compreensão iluminou as feições de Mary.
— Como nossas heroínas, porém, estaremos buscando a
oportunidade perfeita.
— Bom. — Claire se abaixou, pegou um punhado de
neve e a transformou em uma bola. — Nesse ínterim... — Ela
jogou a bola de neve em um arbusto fino, e um tordo
assustado disparou de seus galhos para as árvores.
— Aquele pássaro ofendeu você ou foi o arbusto? — Mary
perguntou.
— Esse arbusto, — Claire respondeu com um sorriso, —
e Tye.
Mary riu, antes que a preocupação obscurecesse seu
olhar.
— Tem certeza que é sábio fingir tal coisa? Se ele
perceber...
— Coragem, Mary. — Claire moldou outra bola de neve e
a jogou. A neve voou no ar em uma nuvem branca, e ela deu
uma risadinha. Como era bom ser boba e rir.
— De repente, Tye não é mais tão bonito como era antes.
— Mary pegou um pouco de neve. — Na verdade, ele parece
bastante desgrenhado.
— Ele também não é tão mandão e barulhento.
— Pegue isso, — disse Mary, sua bola de neve batendo
no arbusto.
Outra bola de Claire rapidamente o seguiu.
— Ha! Ha! Ha!
Claire se abaixou para pegar mais neve; um monte de
umidade gelada bateu em sua cabeça.
— Minha mão escorregou. — Os olhos de Mary
brilharam.
— A minha vai escorregar agora, — Claire avisou. Ela
jogou neve no rosto de Mary.
Momentos depois, o ar estava impregnado com torrões de
branco voando.
***
***
***
O grande salão de Wode ecoava com as risadas obscenas
e vozes altas de mercenários desfrutando de sua refeição. As
criadas passavam entre as mesas, entregando jarros de
cerveja e vinho junto com travessas de pão e queijo.
Cachorros, esperando por pedaços perdidos de comida,
pairavam perto dos bancos onde os homens estavam
sentados. Metade das mesas estavam ocupadas, e o
mercenário andando atrás de Claire e Mary as mandou para
uma mesa vazia perto da parede oposta. Foi um alívio estar
separada dos bandidos barulhentos, mas a mesa estava a
uma boa distância de qualquer saída do salão.
— Eu estarei observando vocês, — o mercenário disse.
Ele lançou um olhar de advertência para Claire, então Mary,
antes de ir para uma mesa próxima, sentando no banco,
arrastando um prato de comida e enfiando uma fatia de pão
em sua boca.
Mary suspirou enquanto se acomodava no banco em
frente a Claire.
— Aquela caminhada foi curta demais.
Claire deu um sorriso.
— Pelo menos estamos conseguindo nos ver.
— Verdade. — Os olhos de Mary brilharam. — Agora eu
também sei que você foi beijada. Por ele, nada menos.
Claire tirou as luvas, sem pressa, pois não queria falar
na frente da serva que se aproximava da mesa. A garota
colocou uma tábua de madeira com fatias de queijo e pão na
frente delas. Uma segunda criada largou uma jarra de vinho e
duas canecas, fez uma rápida reverência e saiu correndo.
Com os braços apoiados na mesa, Mary se inclinou para
frente.
— Ninguém mais está perto o suficiente para ouvir
agora. Então, como foi?
— Bem...
— Foi uma provação nojenta, úmida e viscosa que você
se obrigou a suportar? Ou foi tão maravilhoso quanto
escrevemos em nossas histórias?
Era ainda mais maravilhoso do que descrevemos.
Verdade seja dita, foi ainda melhor do que o beijo perfeito de
Henry. Claire lutou contra a vontade de rir.
— Os lábios dele eram macios e gentis? Ou eles eram
rudes de paixão, quentes com o desejo vilão queimando por
ele?
Ai, meu Deus.
— Mary...
— Se você me negar os detalhes, Claire, ficarei muito
chateada.
— Eu não tinha a intenção de negar os detalhes a você,
— Claire insistiu, pegando uma fatia de pão e uma fatia de
queijo.
— Estou contente de ouvir isso. — Mary arqueou as
sobrancelhas. — Então?
Claire mordeu um pouco de pão e mastigou lentamente.
— Seus beijos eram...
— Beijos? Ele beijou você mais de uma vez, então?
Claire terminou o que estava em sua boca.
— Sim.
— Deixe-me adivinhar. Ele a prendeu contra a parede de
forma que você ficou impotente para resistir, então arrebatou
sua boca. Depois de beijá-la até quase que desmaiasse, Tye
prometeu mais maldade se você não se curvasse a ele.
Um pedaço de queijo se alojou no meio da garganta de
Claire. Ela tossiu, ofegou e procurou a jarra de vinho. Com
um sopro impaciente, Mary derramou um pouco do líquido
carmesim em uma caneca e colocou nas mãos de Claire.
Claire bebeu um pouco do vinho. O vermelho forte fez
seus olhos lacrimejarem.
— Então? — Mary exigiu, mordendo um pedaço de
queijo. — Eu estou certa?
Piscando forte, Claire limpou o borrão de lágrimas de sua
visão. Então, ela tomou outro gole.
— Ele era um pouco exigente em suas atenções, — disse
ela. — No entanto, não posso dizer que arrebatado seja a
palavra certa para descrever o que ele fez aos meus lábios.
— Abusou deles?
— Não.
— Conquistou-os?
Claire franziu a testa.
— Na verdade...
— O que então? Cortejou-os?
Dando de ombros, Claire disse:
— Cortejado é a melhor palavra que você sugeriu até
agora.
Mary piscou como uma coruja assustada.
— Misericórdia.
— Para um guerreiro de sua laia, eu diria que ele
mostrou uma contenção bastante cavalheiresca.
Duas fortes batidas do coração ecoaram nos ouvidos de
Claire, antes de Mary franzir a testa.
— Perdoe-me, mas acho isso muito difícil de acreditar,
especialmente em relação a um bandido que reivindicou Wode
impiedosamente e que provavelmente conquistou mulheres e
castelos durante toda a vida.
— Eu também acho difícil de acreditar. E ainda... —
Claire balançou a cabeça, puxou um pouco de pão da fatia
grossa em sua mão e colocou o pedaço na boca.
— Sim?
Claire engoliu em seco.
— Às vezes, sinto que ele está lutando consigo mesmo. É
como se ele estivesse travando algum tipo de guerra interna
particular. Eu sinto que ele... quer mais de sua vida do que
tem atualmente, algo que está além de seu alcance. —
Distraída por uma gargalhada rouca de uma mesa de
mercenários, ela desviou o olhar. — Eu pareço ridícula.
— Não é totalmente ridícula.
Claire riu.
— Ora, obrigada.
Mary riu e se serviu de um pouco de vinho.
— Pelo que você disse, parece que você acredita que Tye
tem uma consciência.
— Talvez ele tenha.
Mary deu um gole pensativo em sua bebida.
— Cuidado para não pensar bem dele, Claire. Ele não se
sente culpado por capturar esta fortaleza e se nomear lorde.
Nem está perdendo o sono por causa dos homens bons que
foram feridos no cerco. Você viu como ele rejeitou suas
perguntas sobre Sutton.
— Verdade. Ele parece convencido de que tem o privilégio
de ser o governante aqui. — Claire colocou outro pedaço de
pão na boca e mastigou. — No entanto, quando ele e eu
estamos sozinhos...
— Sozinhos? — Mary ficou imóvel, a mão apertando a
taça. — O que mais você não me disse?
— Por sozinhos, quero dizer que ele veio ao meu quarto
para falar comigo ou, como aconteceu esta tarde, para me
acompanhar até os jardins. Nesses momentos, por um breve
período de tempo, vejo um homem diferente daquele que é
com seus mercenários. Agindo como lorde, ele é comandante,
distante e frio. Quando ele está comigo, há um calor em seu
olhar, uma leveza em sua voz, até mesmo um humor em suas
palavras que acho encantador. Não posso deixar de me
perguntar se esse é o homem verdadeiro.
— Mãe Maria. De seus lábios, ele soa quase heróico.
Assobios estridentes e gargalhadas irromperam da mesa
mais distante dos mercenários. Eles estavam provocando uma
das criadas, puxando sua trança até a cintura para tentar
puxá-la para o colo de um bandido corpulento, e Claire
estremeceu.
— Eu não iria tão longe a ponto de dizer heróico.
Intrigante, com certeza.
— Você está narrando todas essas reflexões, acredito, no
diário?
— Eu estou. Escrevo sempre que sei que Tye está
ocupado e provavelmente não vai me surpreender. É mais
seguro para todos nós se ele não souber sobre o diário.
— Eu concordo. — O olhar de Mary caiu para suas mãos
enquanto ela quebrava outro pedaço de queijo. — Não me
atrevo a imaginar o que aconteceria se Veronique o
encontrasse.
Um estremecimento rastejou por Claire. Ela revirou os
ombros, afastando a inquietação.
— Eu me recuso a pensar sobre isso acontecendo.
Devemos nos concentrar em outros assuntos mais urgentes.
Mary acenou com a cabeça solenemente, claramente
entendendo a referência de Claire à porta secreta no depósito
abaixo. Claire deu uma olhada rápida na entrada da pequena
câmara contígua ao salão, que era usada pelos servos durante
os banquetes e outras ocasiões especiais para servir jarras de
vinho e cerveja; a porta que dava para a escada que descia
para o nível inferior ficava naquela câmara.
Rosnados desafiadores chamaram a atenção de Claire
para dois vira-latas brigando por um pedaço de pão. Antes
que a discordância piorasse, Witt, que estava sentado na
mesa mais próxima, arrancou a casca de pão de uma travessa
e jogou para os cachorros. O animal maior saltou e agarrou a
crosta do ar e os vira-latas seguiram caminhos diferentes
para devorar suas descobertas.
Com a cabeça baixa, Witt voltou à sua refeição. Ele
estava sentado ao lado de uma criada rechonchuda de
cabelos grisalhos, que colocou o braço em volta de seu ombro
e deu-lhe um aperto afetuoso. Sua boca se moveu enquanto
falava perto de seu ouvido, provavelmente palavras de
conforto.
Um aperto doloroso se fechou em torno do coração de
Claire. Ela odiava envolver Witt em seu plano, mas ele poderia
ser a única pessoa que poderia torná-lo bem-sucedido.
Fingindo alisar uma mecha rebelde de seu cabelo, Mary
olhou por cima do ombro. Ela avistou Witt e então olhou para
Claire. Suavemente, Mary disse:
— Você vai pedir a Witt para nos ajudar?
— Sim. — Claire escolheu outro pedaço de queijo. —
Com sorte, ele e eu podemos escapar juntos e ir para o
depósito.
— O vinho costuma ser usado para limpar feridas, —
disse Mary. — Se você for questionada em qualquer momento,
pode dizer que o vinho é necessário para tratar Sutton.
— Bem pensado. — Claire sorriu e acrescentou: — Nosso
plano não funcionará, entretanto, sem você. Eu preciso que
você os distraia.
Mary empalideceu. Então, claramente reunindo sua
coragem, ela acenou com a cabeça.
— Que tipo de distração?
— Você é boa em desmaiar.
— Eu farei o meu melhor para superar meu desmaio em
seu quarto.
— Perfeito. — Claire estudou a mesa barulhenta de
mercenários. O interesse provocador dos homens pela criada
tinha se tornado mais ousado, mas ela os estava frustrando;
ela golpeou um bandido malicioso que tentou beijá-la na
boca. — Há mais do que suficiente homens obscenos e
tateantes entre os lacaios de Tye, — disse Claire. — Com a
persuasão certa, você poderia encorajar pelo menos um deles
a maltratá-la de uma maneira digna de um desmaio
dramático.
Os olhos de Mary brilharam de entusiasmo. Então seu
rosto se enrugou de preocupação.
Claire preparou palavras de encorajamento, apenas no
caso de Mary precisar ser mais convincente. Sem Mary, o
plano certamente fracassaria. No entanto, antes que Claire
pudesse falar, Veronique saiu da câmara, puxando o capuz de
sua capa para revelar suas belas feições austeras. Seu cabelo
ruivo brilhava.
Uma onda de apreensão se espalhou por Claire. Ela
desejou manter a calma e o foco.
— Você parece inquieta. Quem acabou de entrar no
salão? — Mary perguntou.
— Veronique. — Claire forçou um sorriso. — Não precisa
se preocupar. Ela não pode saber o que estávamos
discutindo.
A mulher mais velha parou na parte inferior da escada
que conduzia ao segundo nível. Sua cabeça se inclinou, e seu
olhar viajou sobre o povo nas mesas até que ela encontrou
Claire. Quando seus olhares se encontraram, um choque
congelante percorreu Claire, uma sensação semelhante a
mergulhar em um rio coberto de gelo.
Um sorriso zombeteiro curvou os lábios de Veronique.
Ela ergueu a mão, alisou a frente da capa e começou a subir
as escadas, seus passos lânguidos sugerindo que ela não
tinha motivo para se apressar. Claire sentiu, entretanto, que
os modos despreocupados da mulher mais velha eram uma
ilusão. Veronique tinha um lugar bem definido que pretendia
ir e um propósito muito deliberado em mente.
Claire lutou contra um mau pressentimento. O que quer
que Veronique fosse fazer, não era um bom presságio para
ninguém em Wode.
Principalmente Claire.
***
***
Com os braços cruzados, Veronique encostou-se à
parede nas sombras escuras dentro do edifício, fora da vista
do povo no salão. Ela observou Tye e a bela sentada com pose
majestosa perto dele, seu cabelo brilhando como o ouro mais
puro à luz do fogo e sua pele tão clara quanto neve fresca.
A inveja se desenrolou dentro de Veronique como uma
víbora acordada. Ela examinou o vestido de Claire, notando
cada curva feminina e inchaço sob o tecido de boa qualidade.
Uma vez, anos atrás, a figura de Veronique tinha sido notável,
seus seios altos e firmes, sua cintura pequena, seus quadris
generosos, bem diferente de seu corpo envelhecido agora que
fluía, doía e exigia um cuidado extraordinário com loções,
poções de ervas e horríveis tônicos que a faziam vomitar e
deixavam sua boca queimando com o gosto de maçã podre.
Mas sua beleza, envelhecida ou não, era a única coisa que
Veronique nunca abandonaria, independentemente do custo.
Qualquer custo.
A boca de Veronique se torceu enquanto Tye sorria para
Claire. Sem dúvida, ele estava cortejando a cadelinha,
cortejando-a com uma bebida, civilidade e indulgente junto ao
fogo, como se tivessem muito em comum, o que não tinham.
Tye foi sábio por ter enviado Braden para obter notícias
do paradeiro de De Lanceau; essas informações foram
cruciais para sua vitória e conquista do espólio que todos
mereciam. Nesse ínterim, porém, Tye deveria estar tramando,
armando, deleitando-se com sua raiva e a vingança que logo
seria sua, e não seduzindo uma virgem. Tal perseguição
poderia fazer com que Tye se tornasse descuidado e fraco.
Veronique simplesmente não permitiria, não quando ela tinha
investido tanto, sacrificado tanto, ano após ano para garantir
que Tye se tornasse o guerreiro forte para esmagar seu
senhor.
Claire poderia inclinar a cabeça timidamente e lançar
olhares discretos para o corpo musculoso de Tye, mas ela
apenas olharia. Ela poderia secretamente cobiçá-lo, mas ela
não deitaria com ele, não voluntariamente. Não iria despojar
de seu precioso corpo nobre, assim como ela não fornicaria
com os idiotas que limpavam os estábulos.
Uma risada perversa cresceu dentro de Veronique, pois
ela poderia, e iria, dar a Tye o que ele queria. Hoje à noite, ele
teria seu caminho com Claire. Então, em vez de ansiar por
ela, perceberia que o que ele ansiava não valia todo o esforço.
Era uma lição que o traria de volta sob o controle de
Veronique, focado mais uma vez na luta que se aproximava,
na qual ele destruiria seu pai e reivindicaria tudo.
Os dedos de Veronique deslizaram para a bainha da
manga do vestido. Ela tocou levemente a adaga enfiada ali,
bem como o pequeno frasco de vidro. O frasco tinha aparecido
perto da abertura em sua manga, e ela se certificou de que
estava posicionado onde queria antes de sair das sombras.
Com passadas soltas, Veronique caminhou até a lareira.
À luz do fogo, a expressão de Tye se endureceu. Ele
claramente não gostou do que Claire estava dizendo. A
presunção percorreu Veronique, pois aquela raiva era um
bom sinal. Ela sabia muito bem como a raiva de um homem
podia ser persuadida, manipulada e, com implacável
paciência, transformada em paixão acalorada que exigia uma
união vigorosa para amenizá-la. Anos atrás, ela usou o desejo
de vingança de Geoffrey contra Lorde Arthur Brackendale
para transformar sua fúria em uma paixão feroz; a lembrança
daquela paixão ainda tinha o poder de fazer seu útero se
contrair e seus seios doerem. Esta noite, ela transformaria a
fúria de Tye em uma luxúria poderosa e inegável.
Claire a viu primeiro. Seus olhos azuis se arregalaram.
Isso era medo na expressão de Claire? Ela deveria estar
com medo.
Tye fez uma pausa no meio do que estava dizendo.
— Mãe.
— Tye. — Veronique parou perto da mesa. — Você está
saboreando uma bebida perto do fogo, pelo que vejo.
— Estamos. O que você quer esta noite?
Se ele soubesse.
— Na verdade, eu esperava encontrar você.
— Ah. E?
A atenção de Veronique se voltou para Claire, sentada
tão ereta quanto um poste de cerca. Seu rosto estava um
pouco corado, mas então, sentar-se daquela forma ridícula
deixaria qualquer mulher desconfortável.
— Um dos mercenários está afiando minhas adagas para
mim. Quero ter certeza de que estou pronta para a batalha
quando seu pai chegar. Quer que eu veja se suas adagas
também estão afiadas?
Ele a estudou por um momento e então acenou com a
cabeça.
— Uma ideia inteligente.
— Posso ir ao solar e buscar suas adagas? Presumo que
ainda estejam na sua bolsa de selim, onde normalmente as
guarda?
— Sim, você pode ir para o solar. E sim, as adagas estão
lá. As adagas são tudo o que você pode tirar de meu quarto,
no entanto, — ele disse, suas palavras claramente um aviso.
Ele suavizou sua ameaça com um sorriso. — Ainda estou
refletindo sobre minha estratégia para a batalha pela frente e,
como sei onde coloquei os itens de que preciso, eles devem
permanecer em seus lugares.
Em outras palavras, Tye não queria que ela se
intrometesse em nenhum de seus pertences, incluindo o que
ele havia tirado do quarto de Claire. Maldito seja. Ele a
conhecia muito bem, pois esses eram exatamente os itens que
ela adoraria pegar emprestado por uma noite e devorar lendo.
Elas sem dúvida seriam deliciosamente divertidas,
considerando o que Veronique havia lido no diário de Claire.
— Eu entendo, — disse Veronique, seu tom educado,
apesar de seu aborrecimento.
— Bom.
Sua resposta brusca provou que ele queria parecer
totalmente no controle da conversa, provavelmente para
impressionar Claire. O desafio atingiu o autocontrole de
Veronique, mas ela conseguiu manter o sorriso agradável e a
expressão calma. Movendo sutilmente os dedos, ela tirou o
frasco da manga e colocou escondida na palma da mão.
— Sua jarra está quase vazia, — ela observou. — Essa é
a garrafa de bebida? — Ela apontou para o jarro de barro que
estava no chão ao lado direito da perna direita da mesa.
Tye se acomodou em sua cadeira.
— Eu irei...
— Não se incomode. Permita-me.
Tye parecia prestes a protestar. Recusando-se a deixar
seu sorriso escapar, Veronique se curvou e puxou o jarro para
ela. Ela rapidamente puxou a rolha do jarro, derramou o
líquido do frasco escondido na palma da mão e o empurrou de
volta em sua manga, em seguida, levantou-se com um
grunhido abafado de esforço. Ela despejou mais da bebida de
cor carmesim no jarro que estava sobre a mesa e então
encheu as duas taças.
— Pronto, — disse ela, sua tarefa concluída.
— Obrigado, mãe.
— Fiquei feliz em ajudar. — Na verdade, ela estava
encantada, pois seu plano tinha sido muito mais fácil de
executar do que ela esperava. Nem ele nem Claire poderiam
ter visto ela drogar a bebida; a mesa bloqueava sua visão. —
Você é o senhor desta fortaleza. Você não deveria servir sua
própria bebida. Essa tarefa está abaixo de você agora. —
Captando o olhar de Claire, Veronique sorriu.
Claire baixou o olhar.
Você deve ter medo de segurar meu olhar, vadia. Basta
você esperar.
— Agora, — disse Veronique, afastando-se, — vou cuidar
dessas adagas.
Capítulo Dezenove
Esfregando o polegar na lateral da taça, Tye observou a
mãe subir as escadas. Ela estava planejando. Disso, ele tinha
certeza.
O que quer que ela estivesse planejando, ele descobriria.
Ela podia acreditar que reinava livremente aqui em Wode,
mas com a vitória dele sobre o pai tão perto, a última coisa
que ele precisava era que ela fizesse algo inesperado.
— Você já falou com ela sobre Lorde de Lanceau? —
Claire perguntou, sua voz interrompendo seus pensamentos.
Tye arrancou o olhar de sua mãe.
— Eu falei.
— Tudo o que você sabe sobre ele veio dela?
— Quase tudo. O resto eu recolhi de lendas e boatos. Por
que você pergunta?
— É possível que…? — Claire hesitou, claramente
escolhendo suas palavras com cuidado. Seu olhar se fixou em
sua boca, pois doía de desejo de beijá-la. Ela teria gosto de
licor e bolo, e uma centena de outras doces tentações. — O
que quero dizer é que ela obviamente odeia seu senhor.
— Nós dois odiamos.
— Ela poderia... poderia ter mentido para você sobre ele?
— Mentido? — ele rosnou.
A garganta de Claire engoliu em seco, mas ela sustentou
seu olhar e assentiu.
— Mentido sobre o quê? — As palavras saíram dos lábios
de Tye como lascas de gelo. A maioria dos homens adultos
teria recuado imediatamente de seu interrogatório, mas sua
pequena gatinha teimosa apenas ergueu o queixo mais alto.
— Mentido para você, — ela se aventurou, — que seu
senhor... nunca te quis. Que ele se recusou a aceitar você.
Você deve admitir, seria uma vantagem para ela...
— Ele se recusou a me aceitar, na frente de seus
próprios homens.
— Eu entendo. — Ela falou tão baixo que ele quase não a
ouviu por cima do fogo. À luz inconstante, sua pele parecia
úmida e macia. Ele desejava tocar sua bochecha, sentir sua
pele contra a dele, fazer seu corpo derreter contra ele em um
beijo apaixonado. Ele ansiava por senti-la em seus braços.
— Quando essa recusa aconteceu? — ela perguntou.
Arrastando seus pensamentos rebeldes de volta à
conversa, ele disse:
— Eu era apenas um menino. Minha mãe tinha marcado
um encontro com meu pai, para me apresentar e fazer com
que ele me reconhecesse. De Lanceau chegou ao campo com
um pequeno exército, determinado a prender minha mãe.
— Prender ela? Há mais entre seu senhor e Veronique do
que apenas um lorde rejeitando sua ex-amante, então.
Tye encolheu os ombros.
— De Lanceau escapou por pouco de ser envenenado
anos atrás por minha mãe, quando se recuperava de um
grave ferimento causado por uma seta de besta. No entanto,
isso não é relevante para ele me reconhecer como seu filho.
— Verdade. Você pode ver, no entanto, por que ele pôde
hesitar em acreditar nas afirmações dela, especialmente uma
tão importante quanto você ser filho dele.
Ossos de Deus, mas ela falou tão calmamente, tão
racionalmente, como se tivesse todo o direito de defender as
ações condenáveis de Lanceau.
— O que quer que houvesse entre os dois, meu senhor
esperava terminar no dia do encontro. Ele pretendia matar
minha mãe. Quando ele me viu, percebeu que também
deveria me eliminar.
Claire respirou fundo.
— Você não pode querer dizer...
Tye sorriu friamente.
— Ele me queria morto.
— Nunca! Lorde de Lanceau é conhecida por adorar
crianças.
— Mas não a dele — zombou Tye. — Não a mim, seu
bastardo, nascido da cortesã que ele deixou de lado.
— Escute a si mesmo! Você realmente acredita que ele
pretendia te matar? Um menino inocente? Uma criança
indefesa? — A voz de Claire ficou mais aguda com repulsa.
— Por que não? Então eu não cresceria para ser uma
ameaça para ele ou sua família bem respeitada.
Os olhos de Claire brilharam à luz do fogo.
— Foi isso que sua mãe lhe disse?
— Ela disse.
— Eu pensei que sim.
A rejeição no tom de Claire o trouxe para frente em uma
onda de irritação, os braços apoiados nos joelhos. Ele
embalou sua taça em seus dedos enquanto dizia com firmeza:
— Devo minha vida a minha mãe.
— Tye...
— Ela me salvou da morte certa naquele dia. Ela se
recusou a me entregar a de Lanceau ou a permitir que ele me
tirasse dela à força. Minha mãe me protegeu, fugiu da
Inglaterra para me manter seguro, me criou e garantiu que eu
fosse treinado para me defender. Eu devo tudo a ela.
— Ela fez tudo o que você mencionou. Mas...
— Mas? Ela me fez quem eu sou agora. E agora, estou
pronto para receber o que me é devido.
Claire balançou a cabeça e olhou para sua bebida. A
irritação fervilhando dentro de Tye queimou mais quente.
— Meu senhor não terá o prazer de me matar. Ele
descobrirá que sou um oponente muito mais forte do que ele
esperava. Eu vou matá-lo, e nesse dia, vou me alegrar. Cada
dia que eu conquistar outra de suas propriedades, vou
comemorar, até que eu tenha tudo o que pertenceu a ele.
O remorso tocou o olhar de Claire.
— Você viu realmente Lorde de Lanceau desde que sua
mãe a apresentou a ele? Esse dia foi há muito tempo.
— Por que você pergunta?
Os lábios de Claire se curvaram em um sorriso
esperançoso.
— Pessoas mudam. Talvez se você pudesse vê-lo
novamente, falar com ele, só você e ele...
Falar? Só no inferno. Falar não causaria a derrota de seu
senhor.
— Eu vi meu pai pela última vez quando estava preso
meses atrás. Antes disso, eu o vi na batalha em Waddesford
Keep.
— Aquela batalha. Foi a primeira vez que ele viu você
desde aquele dia, há muito tempo?
— Sim. — Tye nunca esqueceria a ansiedade e a
angústia que o perseguiam a cada momento de todos os dias,
até que enfrentou seu senhor na Fortaleza de Waddesford.
Essas mesmas emoções viviam dentro dele agora, só que
tinham se tornado mais nítidas, profundas e muito mais
dolorosas.
— O que aconteceu em Waddesford Keep?
Ele se valeu do ódio intenso que fluía sempre que
pensava em seu pai.
— Pedi-lhe que me reconhecesse como filho. Na frente de
testemunhas, na frente de seus homens mais confiáveis e de
minha mãe, ele recusou.
Claire suspirou, sua expressão preocupada.
— Ele deu uma razão do porquê?
— Ele alegou que não há provas de que eu seja seu filho.
Disseram-me, porém, que basta olhar para ele e para mim
lado a lado para ver a semelhança.
— Ainda assim, você certamente deve entender sua
relutância. Ele tem apenas a palavra de sua mãe, bem como
uma semelhança de aparência entre vocês dois, e isso não é
muito para convencer ninguém disso...
Com um rosnado furioso, Tye derrubou sua taça e se
levantou.
Claire apressadamente largou sua taça e se encolheu na
cadeira, seus olhos enormes. Licor derramado pingava de
mesa com um constante toc toc toc.
A raiva queimou como uma chama branca e quente em
suas veias. Ele pegou os olhares cautelosos dos mercenários
nas mesas próximas e os encarou até que desviaram seus
olhares.
— Diga-me isso, se você puder, — ele murmurou,
olhando para Claire. — Se De Lanceau não acredita que eu
sou seu filho, por que ele tentou salvar minha vida? Porque se
importar?
— Salvar sua vida? — Claire parecia surpresa. —
Quando?
Tye flexionou a mão, a que ele costumava agarrar ao lado
da ameia. A lembrança da pedra áspera ferindo sua palma era
tão clara como se ele estivesse de volta à Fortaleza de
Waddesford, naquele momento perigoso e precário. A fúria e a
confusão o açoitaram, e ele olhou o fogo, seu calor o
lambendo, tão abrasador quanto sua tempestade interna.
— Foi perto do fim da batalha, — ele disse asperamente.
— Eu não tinha para onde ir, exceto para baixo.
— Baixo?
— Eu caí da borda da ameia. — Mais uma vez, ele ouviu
os gritos e clamores de luta feroz, sentiu o gosto da morte no
vento que açoitava ao seu redor. — No último momento,
agarrei-me e pendurei-me ali, com apenas ar sob meus pés. O
pátio estava muito abaixo.
— Misericórdia!
— Sim. Misericórdia. — Tye disse entre os dentes. Ele se
perguntou se algum dia seria capaz de esquecer aquele
momento de luta, tão fugaz, mas tão assustador. — Enquanto
eu lutava para me segurar, De Lanceau estendeu a mão. Ele
me disse para agarrar, e que me puxaria para cima.
— Um gesto gentil, — Claire disse. Sua admiração por de
Lanceau aqueceu sua voz.
— Gesto gentil? — A angústia rasgou Tye. Tudo teria
sido muito mais simples se De Lanceau tivesse aberto os
dedos de Tye que seguravam a pedra, fazendo-o cair, ou se
tivesse dado as costas a ele, retendo toda a compaixão e
deixando Tye entregue ao seu destino. Em vez disso, de
Lanceau se ajoelhou e ofereceu sua mão.
Por quê ? Por quê?
Tye de repente teve vontade de pegar a jarra de licor da
mesa e beber tudo de uma vez. O esquecimento bêbado tinha
que ser melhor do que essa dor lancinante.
— Claro que foi gentil, — Claire disse. — Seu senhor não
tinha que lhe oferecer ajuda.
— Verdade. No entanto, também havia muitas
testemunhas. Sem dúvida, ele queria parecer cavalheiresco
na frente de seus homens, oferecendo-me sua ajuda.
Uma risada incrédula saiu de Claire.
— Ele é um homem de honra. Ele vive pelas regras do
cavalheirismo. Se você fosse seu pior inimigo, ele teria
oferecido o mesmo.
— Ah. Portanto, não foi um gesto de misericórdia, então
— Tye grunhiu. — Foi um erro disfarçado de cortesia...
— Não foi o que eu...
— Assim como minha mãe disse.
O silêncio respondeu a ele, uma quietude medida apenas
pelo crepitar do fogo e a conversa abafada dos mercenários do
outro lado do salão. Ele deu as costas às chamas.
— Tye...
— Não tente me convencer de que meu pai agiu por
compaixão, pois suas próprias palavras confirmaram o que eu
suspeitava. Ele não se ofereceu para me ajudar por ser quem
eu sou, seu filho. Ele fez isso porque era esperado dele.
— Por favor, Tye. Seja qual for o motivo, ele ainda tentou
salvá-lo. Isso deve valer para alguma coisa.
— Deve?
— Sim. Quando voltar a ver o seu senhorio, deve
perguntar-lhe sobre aquele momento. Você deveria ouvir de
seus próprios lábios porque ele queria te salvar.
— Eu não me importo em ouvir seu raciocínio, — Tye
fervilhava, passando a mão pelo cabelo. No entanto, uma
pequena parte de sua alma disse que realmente ele queria
saber. Ele queria ouvir a verdade. Na verdade, ele poderia
perguntar, antes de executar seu senhor.
— Você não disse o que aconteceu, — disse Claire. —
Enquanto você lutava para se segurar, você segurou a mão de
De Lanceau?
— Eu não.
— Você caiu?
— Eu me deixei cair.
Ela pressionou a mão contra a boca. Horror e descrença
cintilaram em suas feições; o tormento emocional dentro dele
se intensificou.
— Eu me deixei cair, — ele repetiu com um grunhido, —
porque fiz uma escolha. Recusei-me a ceder ao meu senhor.
Eu não me renderia voluntariamente e me tornaria seu
prisioneiro, seu peão.
— Você tem sorte de ter sobrevivido a uma queda dessas,
— disse ela, colocando a mão no colo. — Você poderia ter sido
mortalmente ferido.
— Eu fui ferido. Quebrei os ossos da minha perna
direita. Infelizmente, não havia esperança de escapar, e
minha mãe e eu fomos levados cativos. Fomos separados e
presos em castelos diferentes, mas com a ajuda de Braden,
escapamos.
— Se bem me lembro, você viu Lorde de Lanceau
durante sua prisão.
— Sim. Uma vez.
— Você não teve a chance de discutir o fato de que você
pode ser filho dele?
Tye soprou.
— Ele veio me interrogar sobre o que aconteceu em
Waddesford Keep. Quando eu não quis cooperar, ele foi
embora e nunca mais voltou.
Ela arrastou um dedo fino sobre o lábio inferior. Ele teve
o desejo irresistível de caminhar até ela, agarrar sua mão e
mordiscar seus dedos, antes de reivindicar sua boca. Seria
tão fácil tomar seus lábios, pressioná-la nas costas da
cadeira, seu corpo macio embaixo dele...
— Você deve entender que era o dever de seu senhor
questioná-lo, como faria com qualquer homem feito
prisioneiro durante uma batalha, — ela disse. —
Independentemente de ele ser ou não seu pai, seu dever tinha
que ter prioridade.
— Como sempre, — murmurou Tye.
— Como tinha que ser, — ela rebateu.
Tye deu uma risadinha, o som áspero. Ela tinha certeza
absoluta da honra de De Lanceau; nada que Tye dissesse
mudaria sua opinião. A frustração e amargura dentro dele
não podiam mais ser contidas.
— Eu não sei por que me incomodei em compartilhar
meus pensamentos com você, — ele soltou fora.
— Por que você diz isso?
— Eu deveria saber que você ficaria do lado de meu pai.
— Tye pegou sua taça da mesa e esvaziou a vasilha.
Claire não respondeu. Ele derrubou a taça e olhou para
ela, um rubor rosado manchou suas maçãs do rosto. Seus
olhos azuis brilharam.
— Por que o brilho, Gatinha? — ele zombou.
— Eu tentei te ajudar.
— Mesmo?
— Mesmo.
A admiração percorreu seu corpo, pois ela não havia
quebrado seu olhar. A bebida a tornara tão corajosa? Ele
gostava bastante quando ela mostrava suas pequenas garras.
— Você, entretanto, tornou impossível para mim ajudá-
lo, — ela continuou. — Seu ódio está profundamente
enraizado e você é muito teimoso para dar atenção a ninguém
além de si mesmo.
— Isso te surpreende? — Tye sorriu afetadamente. — Eu
deveria saber que você não entenderia. Você, a jovem lady
mimada, protegida e bem criada que nunca enfrentou um
momento difícil em toda a sua vida.
A angústia cintilou em seus olhos, uma dor que revelou
que ela enfrentou uma turbulência muito maior do que ele
havia imaginado.
O arrependimento pesou em sua consciência. Ele odiava
ter causado dor a ela, embora tivesse todo o direito de estar
com raiva. O que, porém, aconteceu para causar-lhe tanto
tormento?
Como se cada ação exigisse um autocontrole imenso, ela
pegou a carta da irmã, colocou as mãos nos braços da cadeira
e se levantou.
Quando ele encontrou seu olhar novamente, todos os
vestígios de sua vulnerabilidade tinham desaparecido. Ela
olhou para trás com desafio e resolução.
— Não preciso ter vivido sua vida, Tye, para sentir
empatia por sua situação. Eu também tive coisas terríveis
acontecendo na minha. Eu sei como é viver com angústia no
coração.
— Angústia? Você realmente acha que me importo que de
Lanceau não me reconheça? Eu o odeio. Você me escutou?
Odeio ele!
Ela se virou.
— Boa noite, Tye.
— Aonde você pensa que está indo? — ele chamou
quando ela começou a subir as escadas. Como ela ousava
virar as costas para ele? Ele era o lorde aqui. Ele diria quando
ela pudesse sair do salão.
Ela não respondeu, apenas continuou caminhando em
direção às escadas, seu vestido flutuando em seus tornozelos.
Os mercenários, observando de sua mesa, murmuraram entre
si. Tye rosnou baixo em sua garganta, sua fúria e turbulência
interna perto de sufocá-lo. Ela não só o desobedeceu, mas
também o fez na frente de seus homens contratados.
— Eu não te dei permissão para sair, — rugiu Tye.
Nem a menor desaceleração de seus passos.
— Vocês. — Ele apontou para um mercenário. — Leve a
lady para seu quarto. — Ele com certeza não confiava em si
mesmo para fazer isso. Voltando-se para a lareira novamente,
ele praguejou e jogou a taça no fogo, onde ela ressoou contra
a parte de trás da lareira e ficou brilhando entre as chamas.
Capítulo Vinte
Claire lutou para conter as lágrimas. Ela segurou até que
a porta se fechasse atrás do mercenário, e então um soluço
escapou de seus lábios. Ela colocou a carta de Johanna na
mesa de cavalete para ler mais tarde. Abraçando seu próprio
peito com as lágrimas escorrendo pelo rosto, ela caminhou até
o meio do quarto, com os passos instáveis.
Misericórdia, mas sua cabeça girava. Seu estômago doía
pelo esforço de discordar de Tye. Suas emoções não eram tão
agudas há muitas semanas, a última vez foi quando ela soube
da morte de Lorde Brackendale, mas, novamente, ela
normalmente não bebia tanto vinho, ou um licor tão forte.
A intensidade do ódio de Tye... Era assustador e
agonizante de se ver. Que ele pudesse desprezar o homem que
provavelmente era seu pai em uma extensão tão profunda era
muito, muito triste. Ele odiava seu senhor por causa de erros
cometidos no passado que podiam ou não ser verdade, já que
Tye tinha apenas a palavra de sua mãe para seguir.
Claire estremeceu, lembrando-se do sorriso exultante
que Veronique lançou antes de ir para o solar. Aquela mulher
vil só tinha um interesse: ela mesma. Veronique alimentou
em Tye suas próprias queixas contra De Lanceau, ano após
ano, até que a amargura de Tye se tornou tão aguda quanto a
dela.
Enxugando a umidade em seu rosto, Claire se virou para
a mesa de cavalete. Ela vacilou, mas se firmou agarrando a
borda da mesa. Depois que sua cabeça parou de girar tanto,
ela agarrou uma toalha de linho para secar os olhos. Uma
caneca contendo uma bebida amarelo esverdeada estava ao
lado da tigela de água que a serva havia deixado para seu
banho noturno, e com novas lágrimas transbordando, Claire
sorriu. Uma calmante infusão de ervas costumava ser seu
ritual noturno antes de Tye assumir o controle do castelo.
Quão atencioso da parte da serva ter conseguido trazer uma
infusão para ela esta noite.
A caneca mal estava quente contra as pontas dos dedos
de Claire, a bebida deve ter sido feita há um tempo, mas ela a
levou aos lábios e deu um gole. A doçura do mel rodou sobre
sua língua, o sabor mal escondendo o gosto de mofo dos
outros ingredientes. Franzindo a testa ligeiramente, ela bebeu
novamente. Não era sua infusão usual de camomila, mel e
hortelã. Mas ainda assim, era reconfortante.
Ela foi até a janela e abriu as venezianas. O ar frio
acalmou seu rosto quente e ela se inclinou para a seteira
enquanto olhava para o céu salpicado de estrelas e bebia sua
infusão. Talvez a brisa ajudasse a impedir que sua cabeça
girasse. Era estranho que ela se sentisse tão tonta, mas o
licor que bebeu deve ter sido mais potente do que percebera.
A voz de um homem veio de algum lugar da noite,
provavelmente um mercenário conversando com um de seus
amigos enquanto patrulhava as ameias. Os pensamentos de
Claire se voltaram para Tye. Ele ainda estava no salão? Ele
estava com raiva, e ainda assim, ele parecia tão sozinho.
Como Tye poderia insistir que ela não entendia seu
tormento? Ela entendia tudo muito bem, tendo perdido seus
pais, Lorde Brackendale, e seu amado Henry. A morte de
Henry, especialmente, ensinou-lhe as profundezas da dor.
Com cada uma das palavras duras de Tye sobre seu
senhor, ela chorou por dentro pelo menino que tinha sido tão
insensivelmente rejeitado e pelo homem adulto que se tornou
tão amargo. Ela queria ir até ele, envolvê-lo com os braços e
abraçá-lo com força.
Pensamentos tolos. Pensamentos perigosos. E, no
entanto, mesmo agora, ela desejava fazer o que havia
imaginado.
Seus olhos se fecharam, pois ela desejava muito, muito
estar em seus braços. O desejo enrolado dentro dela, tentador
e implacável, causando peso em seus seios e entre as coxas...
Seus olhos se abriram. Esses sentimentos não eram
sábios. Nem um pouco sábio.
Mas, longe de toda maldade, ela ardia por ele. Ela
ansiava por saborear seus lábios nos dela; sentir seu corpo
largo e duro pressionado contra ela; para saborear seu toque
em sua pele nua...
Sua mão tremia quando ela ergueu a caneca e bebeu
novamente. Ela se afastou da janela, preparando-se para
fechar as venezianas, e o quarto girou ao seu redor.
Frenética para se segurar antes de cair, ela agarrou o
parapeito da janela. Seu pulso estava batendo em um ritmo
frenético. O suor gotejou em sua testa. Meu Deus, mas ela se
sentia estranha.
A inquietação percorreu seu corpo, mesmo enquanto
estremecia com uma rajada de vento forte. Ela esteve bêbada
antes. Certo, apenas uma vez, mas não se lembrava de ter se
sentido assim. Não, a lentidão de seus pensamentos, o calor
vertiginoso correndo por ela, os desejos febris que a
atormentavam... Isso era incomum.
Seus dedos ainda segurando a borda, ela apertou os
olhos para a caneca. A infusão. Também tinha sido incomum.
Ela tinha sido drogada? Quem teria ousado fazer uma
coisa dessas e por quê?
A raiva cresceu dentro dela. Com passos cuidadosos e
irregulares, ela caminhou até a porta e bateu no painel.
— Acalme-se, — um guarda resmungou do lado de fora.
— Eu quero falar com Tye, — Claire gritou de volta.
— De manhã...
— Agora! — Ela bateu na porta novamente.
Toc, toc, toc.
— Ouviste-me? Agora!
Toc, toc, toc...
— O suficiente! — O homem lá fora explodiu. — Pare
com esse barulho.
— Por favor, — Claire disse. — Eu tenho que falar com
ele. É importante.
***
***
Ah, Deus, ela era linda. De seu rosto corado para seu
pescoço elegante e seios altos com mamilos rosados, para a
planura lisa de sua barriga e a penugem entre as coxas,
Claire era ainda mais excepcional do que ele tinha imaginado.
O desejo de Tye se tornou um inferno, furioso e insistente.
Ela era sua.
Ele a faria sua, aqui, esta noite.
Um grunhido de admiração retumbou em sua garganta
quando ele a encarou e ficou de joelhos na frente dela,
elevando-se sobre ela. Ele enterrou a mão em seu cabelo e
beijou seu rosto virado para cima. Ela suspirou contra sua
boca, o beijou de volta com igual fervor, e ainda assim, ela
estremeceu.
Ele ergueu os lábios dos dela.
— Você está com frio, Gatinha? Esta câmara pode ter
correntes de ar...
— Eu não estou com frio.
Ela estava nervosa, então. Ele a beijou suavemente.
— Não tenha medo.
— Eu não estou.
— Por que você está tremendo, então?
Uma risada tímida saiu dela.
— Não sei. Eu acho... Talvez eu esteja incerta.
Como ele esperava. Ela era inocente. Ele seria seu
primeiro amante.
O pensamento o encheu de uma poderosa onda de
prazer. Enquanto ela sorria, entretanto, tão incrivelmente
adorável, ele não conseguia descartar uma sensação
mesquinha de relutância. Sua mente estava confusa com o
licor e afrodisíaco, mas ele ainda tinha inteligência suficiente
para saber que a paixão dela era induzida pela poção de
ervas. Claire não era ela mesma. Se ela estivesse em total
controle de seus sentidos, não estaria nua e implorando para
que ele se acasalasse com ela?
Suas mãos deslizaram sob sua túnica, atraindo toda sua
atenção de volta para ela. Os dedos dele abriram caminho por
baixo da camisa e ele respirou fundo ao sentir o toque da pele
nua dela na dele. Rindo suavemente, ela pegou a bainha de
sua roupa e puxou-a para cima e sobre sua cabeça.
Jogando as roupas de lado, ela olhou para seu peito nu.
Apesar de suas muitas cicatrizes, algumas delas irregulares e
sulcadas, ela não parecia repelida pelo que via. Graças a
Deus.
— Beije-me, — ela sussurrou, beijando sua bochecha e
arrastando beijinhos até sua boca.
— Gatinha, — ele começou, mas ela reivindicou seus
lábios, rodando sua língua em sua boca com tal habilidade,
que ele esqueceu o que pretendia dizer e a beijou de volta.
Perdido novamente em sua fome, ele se inclinou para ela e a
pressionou de costas, cutucando suas coxas para que se
abrissem e se acomodasse entre elas. Seu peito se apertou
contra seu busto rechonchudo e quente. A masculinidade
dele, dura como pedra e lutando contra suas braies e
chausses, pressionou na umidade entre suas pernas.
Ela ofegou.
Ele gemeu, seus olhos se fechando.
Ele abaixou a cabeça para pressionar sua testa contra a
dela, flexionou os quadris novamente, a sensação dela contra
sua carne inchada era quase sua ruína. Enquanto ela gemia e
mexia os quadris, ele estremeceu. Ah, meu Deus. Ele estava
muito perto de...
— Tye, — ela choramingou. — Por favor.
Ele gemeu novamente, sua respiração saindo em ofegos
roucos, pois ele ansiava por se libertar de suas roupas, para
mergulhar em sua maciez quente e apertada. Mas ela não
estava pensando com clareza. De manhã, assim que o
afrodisíaco desaparecesse, ela teria vergonha de deitar com
ele. Claire poderia nunca mais falar com ele, e ele se
importava muito com ela para perdê-la dessa forma.
Sua cabeça latejava com a intensidade de seus
pensamentos. Ele se atreveria a tirar sua virgindade,
arruinando assim suas chances de se casar com um lorde
rico? E se ela engravidasse esta noite? Esse bebê seria um
bastardo, assim como ele.
Possivelmente era o que sua mãe pretendia: que Claire se
arruinasse e concebesse seu filho. Sem dúvida, sua
progenitora já estava planejando levar adiante suas ambições
através da ruína de Claire, um pensamento que despertou
sua raiva.
Pressionando beijos ao lado do pescoço úmido de Claire,
ele lutou contra uma sensação esmagadora de indecisão. Ele
queria Claire, muito. Mas havia muito mais a considerar do
que o que ele egoisticamente desejava.
Ele encontrou seu olhar. Seus olhos vidrados ficaram
confusos.
— O que está errado? O que?
Seu corpo gritando com a injustiça, ele se moveu para
quebrar o contato íntimo entre eles.
— Eu não posso te dar o que você quer, — ele disse
suavemente. — Assim não.
— Assim como?
— Sob o feitiço de um afrodisíaco.
O desânimo brilhou em seus olhos.
— Sinto muito, — acrescentou ele suavemente. — Eu
posso ser um trapaceiro e um bastardo... mas não vou
arruiná-la.
— Eu estava certa, mais cedo. Você não me quer. — Ela
parecia abalada, perdida. Ela tentou se esquivar, mas ele se
ergueu, prendeu os joelhos em cada lado de suas coxas e a
imobilizou.
— Eu queria você, — disse ele contra sua boca, — desde
o dia em que me desafiou com o atiçador.
— Mas você disse...
— Eu sei o que eu disse. — Ele sorriu. — Eu não vou
acasalar com você, mas ainda posso te dar prazer. — Ele
acariciou sua bochecha. — Existem maneiras, se você me
permitir.
— Você vai tirar esse desejo insuportável? — ela
sussurrou.
Ele assentiu.
— Vai... doer? Eu ouvi...
— Não vai doer nada. Vou fazer você gemer de prazer.
— Então... sim.
Sua masculinidade latejava, a antecipação ardendo
dentro dele como um fogo recém-alimentado. Ele beijou seus
lábios e garganta, persuadindo-a novamente com sua boca e
língua até que ela se contorceu ao seu toque mais leve. Então,
descendo por seu corpo, ele beijou todo um caminho entre
seus seios, descendo a curva suave de sua barriga, até que
sua cabeça se acomodou na junção de suas coxas.
Levantando-se sobre os cotovelos, ela franziu a testa
para ele, seu cabelo uma bagunça cativante e despenteada.
— O que…?
Ele abaixou a cabeça, preguiçosamente acariciou com a
língua sobre o botão de carne envolto em sua penugem
felpuda. Ela ofegou, seu corpo estremecendo. Ele lambeu
novamente e ela caiu para trás, os olhos fechados, outro
suspiro de admiração se arrancando dela. Ele saboreou cada
som. Esta noite, ela não saberia nada além do doce e
devastador êxtase. Seria uma noite que ela nunca esqueceria.
Com sua língua e lábios, ele lambeu, sugou e
atormentou. Suas mãos se fecharam na cama. Sua cabeça
balançou. Usando seus gritos e suspiros como guia, ele elevou
sua paixão cada vez mais alto.
Ele saboreou uma intensa e primitiva sensação de
satisfação enquanto sua surra se acelerava. Ela ofegou,
arqueou as costas e então ficou tensa. Ela soltou um gemido
impotente e agudo. Ele se imaginou enterrado dentro dela
enquanto ela se catapultava para o prazer, e uma respiração
rouca saiu de seus lábios.
— Tye! Oh...
Ele lambeu novamente, rodou sua língua e sugou.
Arrastando uma respiração atordoada, seus quadris
levantaram da cama mais uma vez, sua boca aberta, seu
corpo em convulsão em outro pico de prazer.
Ele desacelerou seu terno ataque, suavizou sua sucção e
se afastou dela.
Ela estava deitada na cama, respirando com dificuldade.
Como ela era gloriosa em sua beleza nua e saciada. O desejo
dentro dele se apertou a um fôlego longe da liberação. Ele não
queria uma mulher tanto desde... nunca.
Seus olhos sonolentos se abriram e ela sorriu para ele.
Então, ela franziu a testa e seu olhar caiu para sua
masculinidade inchada, lutando contra sua chausses.
— E você? — Ela se apoiou nos cotovelos novamente e
estendeu a mão, preparando-se para acariciá-lo.
— Não. — Seus dedos se fecharam em torno de seu
pulso. Se ela o tocasse, seu controle desgastante estaria
perdido.
— Tudo bem.
— Não esta noite, — ele disse, suavizando sua negação
com um beijo. Quando os olhos dela se fecharam, ele a
encorajou a se levantar e descansar a cabeça nos
travesseiros. Ela se enrolou sobre o lado esquerdo e ele puxou
a roupa de cama sobre os ombros. Sem dúvida, em alguns
instantes ela estaria dormindo.
— Tye? — ela murmurou.
— Sim?
— Obrigada.
Um sorriso orgulhoso curvou seus lábios.
— Durma agora, Gatinha.
Ele foi até o fogo, onde Patch abriu os olhos um
pouquinho, mas não se mexeu, não querendo sair de sua
caixa aconchegante. Os cobertores da cama farfalharam, e
Tye olhou por cima do ombro para ver Claire aninhada mais
profundamente na cama, os olhos fechados, o cabelo
escorrendo pelo travesseiro. Seu travesseiro.
Ela suspirou, parecendo completamente satisfeita.
Tye se voltou para o fogo e sorriu. Ele a havia levado a
esse contentamento. Ele havia lhe dado prazer como nenhum
outro homem jamais o fizera.
A dor implacável em sua virilha o lembrou de que ele não
havia saciado seu próprio desejo. Ele lutou contra o desejo.
Ele poderia satisfazer a necessidade carnal por si mesmo com
alguns golpes habilidosos de sua mão, mas essa noção tinha
pouco apelo; talvez fosse sua penitência sofrer esta noite. Ele
passou os dedos pelo cabelo umedecido de suor que em
algum momento se soltou da amarração de couro e riu
baixinho. A bebida e a poção definitivamente tinham
confundido sua mente.
A poção.
A fúria explodiu novamente, guerreando com a luxúria
de Tye. Que sua mãe o enganasse assim, o usasse assim, sem
se preocupar com seus desejos ou sentimentos, deixava um
gosto de cinza em sua boca.
Ele foi até a mesa de cavalete e serviu mais vinho. Então,
percebendo que provavelmente estava contaminado, ele jogou
fora o que estava em sua caneca, assim como a jarra, no fogo.
As chamas assobiaram e fumegaram quando ele colocou as
vasilhas de lado e afundou na cadeira perto da lareira.
— Maldição, — ele murmurou. Pelo menos a raiva estava
derrotando sua luxúria. Sua carne não estava mais dura
como uma rocha, mas o desejo nunca desapareceria
completamente. Ele queria Claire. Ele a queria mais do que
tudo.
Exceto, finalmente, matar seu senhor.
Ele esfregou a palma da mão contra a testa. Uma dor
surda instalou-se em sua testa, provavelmente causada pelo
afrodisíaco. Seria melhor dormir, mas de jeito nenhum ele iria
deitar ao lado de Claire agora, não até que seu sangue
esfriasse.
Seu foco mudou para as cartas e o diário que ele tirou do
quarto de Claire. Ele tinha lido algumas das cartas, mas não
todas. Com um puxão rápido, ele pegou uma da pilha de
correspondência que ela recebeu de seu jovem amante. O
aperto de Tye se intensificou instintivamente na pele
enrugada e curada, pois o rapaz usara pergaminho de boa
qualidade; o ansioso Henry obviamente pretendia
impressionar Claire com essa prova de sua riqueza.
Um ciúme amargo percorreu Tye. De tudo o que tinha
visto e ouvido sobre Henry, o rapaz tinha sido um bom par
para Claire; se ele não tivesse morrido, teria dado a ela uma
vida de luxo e respeitabilidade, todas as coisas que Tye não
poderia lhe oferecer. Não agora, pelo menos. Não até que seu
direito de governar Wode fosse validado pelo rei.
O quanto Tye queria que Claire fosse sua, não apenas
esta noite, mas para sempre.
Seu dedo roçou o selo de cera quebrado enquanto abria a
página do pergaminho e semicerrava os olhos para as linhas
de tinta preta. Ele silenciosamente pronunciou cada palavra,
como Georgette tão pacientemente lhe ensinara.
Minha querida Claire...
***
***
***
***
— Claire.
A voz de Mary se filtrou nos pensamentos adormecidos
de Claire. Então, ela sentiu uma cutucada em seu ombro.
— Vamos. Acorde.
Claire piscou os olhos abertos. Lembranças de tudo o
que havia acontecido no solar invadiram sua mente, fazendo
seus olhos queimarem novamente. Ela gemeu contra a
fronha.
— Finalmente você está acordada. — Mary se deixou cair
na beira da cama. — Vou começar a chamá-la de Rainha do
Sono ao Longo do Dia.
Engolindo em seco, com a garganta seca, Claire ergueu a
cabeça. Ela estava em seu próprio quarto, sob os cobertores
de sua própria cama, vestindo a camisa que usara na noite
anterior. Seu vestido estava amontoado na mesa de cavalete.
Tye deve ter deixado lá depois de carregá-la de volta para
seu quarto antes que os criados tivessem começado suas
tarefas matinais, como ele havia prometido. Sem dúvida, ele
também a vestiu com sua camisa. Ela soube instintivamente
que Tye o fizera, não Veronique; a mulher mais velha não
teria se incomodado. Um arrepio percorreu Claire, pois ele
colocou a roupa em seu corpo nu depois que ela desmaiou,
como se ela fosse uma boneca viva. Que coisa horrível,
simplesmente imperdoável, que ela tivesse desmaiado; ainda
assim, ela não foi capaz de evitar.
Seu olhar ardente voltou para Mary. Sua querida amiga
parecia preocupada.
— Você não está bem? Você não disse uma palavra e
está com uma aparência horrível.
— Eu... — As palavras desapareceram. Claire lutou
contra a pressão de um soluço crescendo dentro dela. Como
ela começaria a contar a Mary o que acontecera na noite
anterior?
— Tye foi me buscar no grande salão, sabe — disse
Mary, cruzando as mãos no colo. — Passei a noite passada no
quarto de Lady Brackendale e fui escoltada até o salão para
quebrar meu jejum. Foi totalmente inesperado, não ser
devolvida imediatamente ao meu quarto, mas fiquei feliz com
a oportunidade de esticar as pernas e desfrutar um pouco do
dia no salão. Foi onde Tye me encontrou. Ele disse que você
ainda estava dormindo, embora fosse o final da manhã. Ele
me pediu para olhar para você. Ele parecia, ouso dizer,
preocupado.
— Preocupado, — Claire ecoou com uma pequena risada.
Ela deixou cair a cabeça no travesseiro e, apesar de seus
melhores esforços para contê-las, as lágrimas transbordaram
de seus olhos.
Mary gentilmente passou a mão pelo cabelo solto de
Claire.
— Claire? Por favor. O que está errado?
Fungando, Claire se levantou e se sentou. Ela enxugou
as lágrimas do rosto com dedos trêmulos.
— O que quer que esteja pesando em seu coração, —
disse Mary solenemente, — posso dizer que é uma questão de
grande importância. Você precisa me dizer. Eu morrerei por
não saber.
— Eu vou te dizer, — Claire disse, fungando novamente.
— Eu tenho que dizê-lo. É demais para eu suportar sozinha.
— Aconteceu alguma coisa ontem à noite?
— Sim.
A impaciência brilhou nos olhos de Mary, mas ela se
sentou em silêncio, esperando que Claire continuasse.
— Tye... — Claire forçou um grito angustiado. — Ele
matou Henry.
— Oh, Deus! — Mary sussurrou. — Como?
— Na fuga do... Castelo de Branton. — As palavras de
Claire terminaram em um gemido desesperado, e então os
braços de Mary a envolveram, segurando-a com força,
enquanto ela chorava.
Enquanto Claire chorava no ombro de Mary, ela contou a
Mary tudo o que tinha acontecido, até o momento em que ela
desmaiou. Quando não havia mais nada para contar, Claire
simplesmente chorou, arrancada por soluços que drenaram
até a última gota de sua tristeza e a deixaram estremecida e
exausta. Em meio a tudo isso, Mary murmurou palavras de
conforto e nem uma vez a deixou sair de seu abraço.
Por fim, Mary se afastou de Claire e pegou um lenço.
— Você teve uma aventura e tanto ontem à noite, —
disse ela, entregando o quadrado de linho dobrado. — Você
falou a verdade que Tye não te machucou?
— Eu falei. Ele foi gentil comigo e, na verdade, muito
galante. É isso que torna tudo o que eu disse muito pior. —
Claire secou os olhos. Ela só podia imaginar a bagunça que
parecia, seu rosto vermelho e manchado, suas tranças um
emaranhado rebelde. À medida que sua respiração se
acalmava, a tristeza se instalou. Ela não era mais uma
donzela imaculada. Ela não tinha perdido a virgindade, mas
isso parecia insignificante perto da compreensão de que
encontrou prazer na cama do homem que assassinou seu
prometido.
Novas lágrimas ameaçaram. Mary poderia estar tão
chocada com o que ouviu que não gostaria mais de ser
melhores amigas.
O vestido de Mary farfalhou quando ela se afastou da
cama.
— Por favor, — Claire sussurrou. — Não vá.
Com uma pequena bufada de impaciência, Mary disse:
— Claro que não irei! Que tipo de melhor amiga você
acha que eu sou?
A esperança aqueceu Claire.
— Estou feliz. Eu não suportaria... perder sua amizade.
— Nem eu a sua — disse Mary com um sorriso terno. —
Estou andando de um lado para o outro porque, bem, penso
melhor com meus pés em movimento. Devemos seguir os
exemplos de nossas heroínas favoritas das Chansons.
Precisamos descobrir o que fazer a seguir.
Claire suspirou.
— Ainda não conseguimos chegar ao porão de
armazenamento e destrancar a porta, como Lady Brackendale
sugeriu.
— Devemos fazer disso nossa prioridade, — disse Mary.
Claire acenou com a cabeça e enxugou a última de suas
lágrimas.
— De Lanceau já deve ter sabido do cerco de Wode. Na
verdade, quanto mais cedo tivermos essa porta destrancada,
melhor.
Capítulo Vinte e Quatro
Um zumbido constante enchia o grande salão de Wode.
Os mercenários nas mesas perto da entrada da construção
enfiavam comida na boca enquanto falavam, gargalhavam e
arrotavam o caldo de legumes, o queijo e o pão servidos no
jantar. Sentada em uma mesa tranquila do outro lado do
salão com Mary, Claire dava pequenos bocados na comida e
manteve uma vigilância discreta sobre todos que entravam e
saíam.
Lady Brackendale não se juntou a elas para a refeição;
ela provavelmente não tinha permissão. Veronique e Tye
também não apareceram. Claire esperava que pelo menos ele
jantasse na mesa do lorde, apenas para mostrar sua
autoridade, mas ou seus deveres o impediram de participar
ou ele escolheu ficar longe.
Seja qual for o motivo, Claire estava feliz. Ela não queria
ter que enfrentá-lo. Não agora. Não até que ela tivesse um
controle firme mais uma vez sobre suas emoções.
Especialmente quando ela estava se preparando para se
deslizar para a adega.
Sentado à mesa em frente a elas, junto com um grupo de
criados, Witt pegou um pedaço de pão. O rapaz estava mais
do que disposto a ajudar com o plano delas, explicou-lhe
rapidamente enquanto os mercenários se cumprimentavam e
se acomodavam nos bancos ao lado das mesas.
Witt ergueu a cabeça, acenou levemente para ela e voltou
à refeição.
O olhar de Claire continuou, como se a comunicação
silenciosa não tivesse sido significativa, mas ela não
conseguiu suprimir uma onda de apreensão. Quando
chegasse o momento de agir, ela e Witt estariam prontos.
Esperançosamente, Mary também.
Mary pousou a colher ao lado da tigela de sopa.
— Eu simplesmente não consigo comer mais nada. Meu
estômago está revirando.
— O meu também, — Claire admitiu. Elas revisaram o
plano várias vezes antes que os mercenários as escoltassem
até o salão para comer. No entanto, muito dependia de Mary
desmaiar e fazê-lo de maneira brilhante. E se, apesar de suas
melhores intenções, ela não pudesse sucumbir no momento
certo? Seria catastrófico.
Claire deu um gole em seu vinho. Em voz baixa, ela
disse:
— Pelo menos não precisamos nos preocupar com Tye
nos vigiando.
Mary mordeu o lábio.
— Eu prometo fazer o que você precisa que eu faça. Só
me diga quando.
Claire estudou as mesas dos mercenários. A maioria dos
bandidos havia acabado de comer. Muitos estavam com o
rosto vermelho de tanta cerveja. Logo eles estariam voltando
para seus postos.
Claire respirou fundo.
— Tudo bem. Comecemos. — Ela bebeu um último gole
de vinho para dar sorte e se levantou.
Um som estridente, semelhante a um guincho ansioso,
irrompeu de Mary. Ela se levantou da mesa, seus lábios se
movendo em uma oração fervorosa.
Witt deixou seu pão de lado. Depois de uma palavra
rápida para os criados sentados de cada lado dele, ele se
levantou, puxando para baixo as mangas sujas de sua túnica.
Ele caminhou até o final da mesa.
— Boa sorte, — Claire disse suavemente para Mary.
— Você também. — Com a cabeça erguida, Mary
caminhou em direção aos mercenários.
Enquanto Claire se encaminhava para Witt, várias
criadas captaram seu olhar e discretamente assentiram. A
excitação percorreu Claire, pois o menino inteligente
claramente conseguiu recrutar mais ajudantes para sua
distração.
Mary alcançou os mercenários. Os homens a olharam
com desconfiança e diversão.
— Você. — Mary apontou para o bandido que havia
revistado suas vestes em busca de armas no dia em que o
castelo foi sitiado. — Eu quero uma palavra com você.
Com os braços apoiados na mesa, o homem semicerrou
os olhos para ela, seu sorriso revelando dentes manchados.
— O que você quer comigo, milady?
Servos curiosos se aglomeraram mais perto para assistir
ao drama que se desenrolava.
Exatamente como Claire esperava.
Ela resistiu ao desejo de se apressar. Passos lentos e
constantes. Apenas um pouco mais e ela alcançaria o lado de
Witt.
— Você me prestou um grave desserviço, — disse Mary,
claramente indignada.
— Eu? — O sorriso do caipira se alargou. Seus
companheiros mercenários, apreciando o espetáculo, riram e
se acotovelaram.
Claire alcançou Witt, e ele se moveu ao lado dela. Com
cuidado, eles se moveram para a pequeno quarto fora do
grande salão.
— Você enfiou a mão imunda no meu vestido, — disse
Mary.
Gritos de choque percorreram o salão.
— Uma violação! — uma mulher gritou.
— Que horrível, — outra falou estridente.
Depois de pegar uma tocha acesa do suporte de parede
mais próxima, Claire correu para a câmara lateral sombreada,
Witt logo atrás dela. Ele a seguiu até a porta em arco na outra
extremidade do quarto.
Com a mão na maçaneta da porta de ferro, ela olhou
para trás por cima do ombro.
— Devemos ir em silêncio, — ela sussurrou. — Pode
haver guardas abaixo.
— Sim, milady — Witt sussurrou de volta. Ele retirou um
objeto enfiado no cós da calça: um estilingue feito de linho.
Ele deu um tapinha na sacola de pano guardada lá também.
Ela sorriu.
— Bem feito.
— Eu sou um bom atirador, — disse ele, sorrindo. —
Você verá.
Claire abriu a porta. Uma luz fraca tremeluziu mais
abaixo na escada curva, indicando que as tochas foram
acesas; ainda mais razão para ser cautelosa.
Ela desceu as escadas de pedra irregulares, a mão
direita pressionada contra a parede, a mão esquerda
segurando a tocha. Seu vestido farfalhava a cada um de seus
passos e seus sapatos raspavam suavemente na pedra, mas
ela não pôde evitar esses sons. Witt estava apenas um passo
atrás, seus movimentos quase silenciosos, seu estilingue em
punho.
Os passos terminaram em um corredor largo. À esquerda
estava o caminho para o arsenal. À direita, as quartos de
armazenamento. Espiando pela parede da escada, ela
procurou por guardas.
Um bandido alto e armado estava fora do arsenal. No
entanto, em vez de ficar olhando para o que acontecia no
corredor, ele estava cutucando uma crosta de uma ferida que
cortava sua bochecha esquerda. Uma panela de barro,
semelhante às que as curandeiras locais usavam como
unguento, repousava sobre uma pilha de caixotes da altura
da cintura ao lado dele.
Ela sentiu Witt olhando ao seu redor.
Antes que ela pudesse dizer uma palavra, ele sussurrou:
— Eu posso cuidar dele.
O menino saiu da escada, correu para a parede oposta e
se agachou; a pilha de caixas bloqueava a visão do bandido.
Com passos silenciosos e cautelosos, Witt dirigiu-se ao
arsenal.
O guarda, ainda alheio, continuou a mexer em seu
ferimento.
Claire não queria ver o que iria acontecer, mas ela
também não conseguia desviar o olhar. Ela nunca se
perdoaria se Witt sofresse algum dano.
No meio do caminho para o mercenário, Witt parou e
enfiou a mão na sacola de pano. Ele deve ter feito um som
leve, pois o bandido franziu a testa, colocou a mão no punho
da espada e se afastou das caixas.
Witt correu para o salão. Erguendo o braço direito bem
alto, ele girou o estilingue, causando um ruído sibilante. Uma
pequena pedra voou da arma e atingiu o mercenário na testa,
que estremeceu e cambaleou para trás. Enquanto tentava
desembainhar a espada, Witt disparou outra pedra. O homem
bateu na parede, sua cabeça bateu na pedra e ele desabou,
inconsciente.
— Bem feito! — Claire respirou.
Witt voltou para ela.
— Tenho muito mais pedras, se precisarmos delas.
— Bom. Agora, vamos nos apressar, caso ele não seja o
único guarda aqui embaixo.
Juntos, eles caminharam para a câmara de
armazenamento de vinho. Claire colocou a tocha acesa no
suporte da parede dentro do quarto. A luz cintilou sobre os
grandes barris de madeira com revestimento de ferro, três
fileiras de profundidade e duas de altura, alguns revestidos
com poeira espessa, que estavam empilhados contra
tapeçarias desbotadas à sua esquerda. À direita, havia
prateleiras altas com barris e jarros menores, juntamente com
várias tochas de junco e rolos de corda.
— Vou ficar de guarda, milady, — disse Witt, —
enquanto você encontra a porta escondida.
— Tudo bem. — Com uma pontada de pavor, Claire
esperava que a porta não estivesse atrás dos barris. Se
estivessem cheios de cerveja ou vinho, ela e Witt não seriam
capazes de movê-los.
Parando ao lado das prateleiras, ela passou o dedo por
uma das jarras com uma rolha de cortiça. Seu olhar deslizou
de volta para as tapeçarias, ambas retratando cenas de
batalha. Um retratava um cruzado vitorioso segurando a
cabeça decepada de um animal. A tecelagem era tão longa
que se espalhava pelo chão sob a última fileira de barris. Ela
se lembrou de Lady Brackendale dizendo que não gostava de
olhar para uma visão tão horrível enquanto comia, e assim
ordenou que a tapeçaria fosse guardada. Por que, então,
estava pendurada no porão?
Claire examinou a tapeçaria enquanto caminhava na
frente das fileiras de barris na parede traseira. Ela não podia
ver nada fora de ordem, mas uma porta secreta destinava-se
a permanecer secreta, exceto para aqueles que sabiam que
estava lá.
— Witt, venha me ajudar. Precisamos mover esses barris
de lado.
A dúvida tocou o olhar do rapaz, mas ele veio para
ajudar. Juntos, eles se agarraram a um barril superior
empoleirado no final da fileira da frente, perto da parede
posterior. Eles deram um bom empurrão. Embora pesado, o
barril definitivamente não estava cheio. Com um baque surdo,
ele caiu no chão e rolou para longe, o líquido espirrando por
dentro.
— Mais fácil do que eu pensava, — disse Witt.
Claire olhou para a entrada da câmara. O barril caindo
fez um barulho alto. Ela correu para o salão, tentando ouvir
qualquer passo que se aproximasse, mas tudo permaneceu
em silêncio. Ainda assim, eles deviam se apressar.
— Agora, este barril, — Claire disse, agarrando o que
estava embaixo do barril que eles tinham acabado de mover.
Com fortes empurrões, eles conseguiram movê-lo para a
parede oposta.
Eles moveram mais quatro barris. Agora, a metade
direita da tapeçaria foi liberada. Ela puxou a tapeçaria
empoeirada da parede.
A diante , havia uma porta retangular de madeira alta o
suficiente para um homem agachado passar.
— Pronto, — ela sussurrou.
Witt estendeu a mão e empurrou a porta. Ele não se
mexeu.
— Está bloqueada.
— Lady Brackendale disse que a chave está sob uma
laje. — Caindo de joelhos, Claire apalpou as pedras sob seus
pés. Se a chave estivesse sob uma laje, sob um dos barris
cheios, seria difícil encontrá-la. No entanto, os barris
parcialmente cheios na frente da tapeçaria sugeriam que
alguém na fortaleza conhecia a porta e a deixara de fácil
acesso, se necessário. Isso significa que a chave também deve
estar em um local acessível.
Claire empurrou metodicamente cada pedra do chão à
sua frente, procurando por qualquer uma que balançasse ou
mudasse enquanto ela caminhava até a parede do fundo. Em
suas mãos e joelhos ao lado dela, Witt testou as pedras à sua
frente. Mordendo o lábio, Claire pressionou e rastejou. Nada.
Pouco antes de sua mão tocar a parede traseira, ela
empurrou uma pedra com uma depressão perto de um canto.
Com um som áspero e forte, a pedra subiu uma fração.
— Você achou! — Disse Witt.
— Espero que sim. — Mais uma vez, ela pressionou o
canto com o recuo. A pedra subiu na extremidade oposta,
mas não o suficiente para ela colocar a mão para levantá-la.
— Tente pisar nela, milady.
Lutando para ficar de pé, Claire fez o que ele sugeriu. A
pedra ergueu-se do lado de Witt. Movendo-se para ficar de
frente para a borda ascendente, ele agarrou a laje e puxou-o
com uma careta. A pedra pesada se soltou.
Com uma risada exultante, Claire caiu perto de Witt
novamente. Juntos, eles moveram a pedra de lado para
revelar uma cavidade sombreada.
Antes que ela reunisse coragem para alcançar o recesso,
Witt enfiou a mão, tateou ao redor e puxou uma chave
pendurada em um fino cordão de couro.
— Devo destrancar a porta, milady?
A ansiedade iluminava seu rosto. Claire sorriu, pois ela
sentiu que era importante para Witt que ele fosse o único a
cumprir essa importante tarefa. Assim que de Lanceau
recuperasse o controle da fortaleza, o rapaz podia gabar-se de
ter aberto a porta para que os homens do seu senhorio
pudessem entrar secretamente na fortaleza. Um dia, o rapaz
poderia até ser elogiado em uma chanson.
E porque não? Ele era um jovem corajoso. Ele mereceu a
honra.
— Vá em frente, então, — Claire disse. Antes que as
palavras saíssem de seus lábios, ele correu para a porta.
A chave deslizou para dentro da fechadura com um ruído
abafado de rangido. Então, ao girar a chave, um clique.
O menino abriu a porta. Uma rajada de ar frio e úmido
flutuou para fora da abertura, como se um espírito há muito
tempo esquecido tivesse estendido os braços gelados para
puxá-lo para dentro.
Olhando para a escuridão, ele estremeceu.
— Está cheirando a mofo lá dentro.
Espiando ao lado dele, Claire disse:
— Essa passagem provavelmente não é usada há anos.
— Eu devo entrar e ter certeza de que está tudo limpo.
Está tudo bem para você, milady?
Witt era tão corajoso e nobre quanto seu avô.
— Tudo bem. Espere um momento. — Claire pegou um
dos juncos das prateleiras, acendeu-o usando a tocha no
suporte de parede e entregou a ele.
Com um aceno de agradecimento, o menino pegou a luz
e entrou no túnel. A chama estalou, iluminando teias de
aranha caindo do teto baixo. Enquanto ele se movia mais
para dentro do corredor estreito, a luz da tocha moveu nas
paredes ásperas de pedra. A luz ficou mais fraca. Seus passos
não passaram de arranhões abafados.
Abraçando-se, Claire ficou muito quieta, ouvindo não
apenas os sons do túnel secreto, mas do salão principal. O
bandido que Witt deixara sem sentido acordaria logo, ou um
de seus camaradas o encontraria e soaria o alarme.
Depressa, Witt. Depressa.
Enquanto o silêncio continuava, uma sensação
incômoda de arrependimento pesou sobre ela. Tye ficaria
furioso se descobrisse a porta escondida destrancada; ela
estava, afinal, fazendo o que podia para ajudar seu senhor a
entrar e retomar Wode. Tye poderia até ser ferido ou morto na
batalha. Embora odiasse que Tye tivesse assassinado Henry,
ela não podia dizer honestamente que o queria morto.
Você tem o direito de odiá-lo. Ele te enganou, outra
vozinha dentro dela disse. Esqueceste-te?
Não. Ela não tinha e nunca esqueceria. Reunindo sua
determinação, ela forçou o arrependimento de lado.
Um ruído, um arranhar veio de dentro do túnel. A luz
ficou mais forte novamente. Witt saiu com dificuldade, as
roupas cobertas de poeira e teias de aranha, os olhos
enormes.
— Há algo ali, — ele disse, estremecendo.
— Ratos?
Ele estremeceu novamente.
— Não sei. Eu não vi, mas se afastou do alcance da luz.
— Mas o túnel está livre? — Claire perguntou, pegando a
tocha dele.
— Tanto quanto eu vi. Por favor, milady, não me faça
voltar para lá.
Seria melhor se todo o túnel fosse verificado em busca de
bloqueios, mas ela sabia que eles tiveram sorte de não terem
sido descobertos ainda.
— Fizemos o que viemos fazer. — Ela fechou a porta,
apagou o junco e colocou-o de lado, então puxou a tapeçaria
de volta no lugar. — Agora, vamos mover esses barris para
que não fiquem tão obviamente fora de lugar.
Eles manobraram os barris para a frente das fileiras.
Assim que terminaram de mover o último, gritos vieram do
salão. Witt fez um som estrangulado e avançou para a laje
desalojada. Ele jogou a chave na cavidade e empurrou a pedra
de volta para o chão.
As vozes ficaram mais altas.
— Encontre-os! — Veronique explodiu.
Oh, Deus. Ai, meu Deus!
— Milady! — o menino ofegou. Ele freneticamente limpou
a sujeira de suas roupas.
Não havia como passar correndo por Veronique e seus
homens que estariam fortemente armados. Pedras e um
estilingue também não eram páreo para mercenários
treinados quando não havia elemento surpresa.
Agarrando o braço de Witt, Claire o puxou em direção às
prateleiras de vinho e licores.
— Jogue junto, — ela murmurou.
Parecendo apavorado, ele acenou com a cabeça.
— Deixe-me ver, — disse ela, pensativa, sem se importar
em abaixar a voz. Ela pegou uma das jarras de cerâmica. —
Este pode funcionar. Ou...
Veronique correu para o porão, quatro mercenários de
rosto sombrio logo atrás.
— Lá estão eles! — a mulher mais velha gritou.
Claire lutou contra o trovejar de seu pulso. Fingindo
surpresa, ela olhou para Veronique.
— Algo está errado?
Os olhos da mulher se estreitaram em fendas brilhantes.
— Você sabe muito bem.
O medo tomou conta de Claire, mas ela sustentou o
olhar acusador de Veronique e disse calmamente:
— Estávamos procurando vinho para ajudar a curar as
feridas do avô de Witt.
— Não, você não estava. Diga-me o que você realmente
estava fazendo.
— Como eu disse, Witt queria vinho para banhar os
ferimentos de seu avô. Nós não pensamos que isso causaria
qualquer problema.
O olhar de Veronique era tão frio quanto sua risada
incrédula.
— Você está mentindo.
— Talvez você...
— Quieta, — a mulher mais velha ordenou.
— Por favor. Nenhum dano foi feito. Vamos voltar para o
salão...
— Quieta! — Veronique deu um tapa forte no rosto de
Claire. Claire cambaleou de volta para as prateleiras, e o jarro
de cerâmica escorregou de suas mãos. A cerâmica se
espatifou no chão, respingando vinho tinto em seu vestido e
nas lajes.
— Milady — gritou Witt. — Você está bem?
Com a mão pressionada na bochecha dolorida, Claire se
endireitou. Ela nunca havia sido atingida antes. Oh, como ela
queria arrancar aquele sorriso presunçoso do rosto de
Veronique.
— Você. — Veronique apontou para um mercenário. —
Procure nesta quarto. Descubra o que eles estavam fazendo.
O resto de vocês, leve esses prisioneiros para o salão. Se
algum deles disser uma palavra, acerte-os.
Dois mercenários se aglomeraram e seguraram os braços
de Claire. Witt estremeceu quando o terceiro mercenário
pegou seu estilingue e o saco de pedras, jogou-os em uma
prateleira e depois o agarrou pelas costas da túnica, mas
permaneceu em silêncio.
Claire e Witt foram empurrados para o salão principal,
onde o mercenário do arsenal estava, com marcas vermelhas
na testa.
— O garoto tinha um estilingue, — um dos bandidos
disse atrás de Claire.
— Não é de admirar que minha cabeça dói como o fogo
do inferno, — disse o mercenário do arsenal. Seus lábios se
afastaram mostrando seus dentes quando ele deu um passo
em direção a Witt.
Veronique interceptou o homem e colocou a mão
esquerda em seu peito.
— Uma pena que ele foi capaz de superar você. — Ela
sorriu para ele.
A vergonha, tingida de medo, tocou as feições do
bandido.
— Isso não acontecerá novamente. Eu juro.
— Você está certo. Não acontecerá. — Veronique ergueu
a mão direita, revelando uma adaga fina, e a cravou no
pescoço do homem.
Witt gritou e se encolheu.
Um grito de medo brotou dentro de Claire, mas ela o
forçou para baixo. Ela não se atreveria a arriscar a ira de
Veronique; ela deve fazer tudo o que puder para proteger Witt.
Os mercenários atrás dela se mexeram inquietos, como se
chocados com a estocada, mas com medo de falar.
O sangue escorreu pela túnica do bandido ferido. Um
ruído gorgolejante saiu dele. Seus olhos rolaram para trás e,
depois de cair de joelhos, ele caiu de cara no chão.
Veronique passou por cima de seu corpo trêmulo e
caminhou para a escada.
— Tragam eles.
Capítulo Vinte Cinco
— Ajoelhe-se, — rosnou Veronique.
Com a respiração entrecortada por entre os dentes,
Claire foi jogada de joelhos no grande salão, seu vestido
encharcado de vinho acumulando-se ao redor dela com os
juncos. Witt foi forçado a se ajoelhar ao lado dela.
Os mercenários ficaram atrás, observando, esperando
que qualquer um deles resistisse de alguma forma. Uma
excitação cruel pairou sobre os bandidos. Eles pareciam
ansiosos por uma luta, e Claire se forçou a ficar muito quieta.
O salão, zumbindo com o barulho momentos atrás, ficou
mortalmente silencioso. Claire sentiu o peso de muitos
olhares, de mercenários, servos e crianças que se agachavam
atrás das saias de suas mães. Mary estava deitada de lado no
chão, os olhos fechados, perto de onde ela enfrentou o
mercenário. As criadas que cuidavam dela haviam congelado
onde estavam agachadas; suas expressões cheias de choque
enquanto elas olhavam para Claire e Witt.
Uma preocupação intensa girou dentro de Claire. Mary
estava bem? Ela esperava desesperadamente que sua querida
amiga não tivesse sofrido algum dano.
Witt, também, deve ser salvo de maus-tratos. Ela o havia
atraído para o plano. Ela faria tudo que pudesse para poupá-
lo da punição.
— Encontre Tye, — disse Veronique. — Ele estava
procurando no nível superior.
Um dos homens atrás de Claire saiu correndo.
Uma sensação terrível de mal estar se instalou na boca
do seu estômago. Ela não queria enfrentar Tye. Ainda assim,
ela deveria. Em memória de Henry, ela deve.
Veronique entrou na linha de visão de Claire.
— Vocês neste salão, — ela disse, alto o suficiente para
que todos ouvissem. — Vão testemunhar o que acontece com
aqueles que tentam nos enganar.
Witt choramingou baixinho.
Claire ansiava por deslizar sua mão na dele, para
oferecer-lhe conforto, mas ela não ousou tentar com os
mercenários atrás deles.
O silêncio tenso continuou, cada uma de suas
respirações mais dolorosas. Claire olhou para os rostos
assustados assistindo. Os mercenários no salão tinham se
movido para ficar em todos os quatro lados do ambiente,
prontos para agir se ordenados.
Oh, Deus. Ai, meu Deus.
Passos rápidos ecoaram no patamar e depois nas
escadas que desciam para o salão. Tye. Ela soube o momento
exato em que ele a viu, pois a consciência a atingiu.
Lute, Claire. Por Henry. Pelo o homem valente que você
perdeu.
Ela enrijeceu a coluna contra o peso penetrante do olhar
de Tye e se recusou a deixar sua postura orgulhosa
escorregar. Apesar de seu tremor, ela olhou para frente e
contou seus passos. Nove. Dez…
O barulho de juncos avisou que ele alcançou o chão do
salão.
Ele foi até ela. Memórias de estar deitado nu em sua
cama a provocavam. A vergonha e o desejo indesejado a
atormentavam, e ela mordeu o lábio, esperando que ele
parasse na sua frente. Em vez disso, ele continuou andando e
ficou atrás dela e de Witt. Os músculos de seus ombros e da
parte inferior das costas se contraíram. Seu corpo inteiro
estava em um agudo estado de espera.
Ela se esforçou para ouvir seu próximo movimento. O
leve rangido de suas botas de couro a alcançou, assim como
seus dedos agarraram uma mecha de seu cabelo e
gentilmente o puxaram para trás. Ela se encolheu. Pior ainda,
sua carne respondeu, recordando cada toque terno de seus
dedos sobre ela e fazendo seu coração traidor doer.
A mortificação a atravessou, pois ela não tinha a
intenção de recuar. Ela deveria ter sido mais forte do que
reagir instintivamente dessa forma. No entanto, com o toque
em seu cabelo, ele lhe mostrou mais do que ela esperava: que
ele tinha uma forma de controle sobre ela, quer ela quisesse
ou não.
— O que você estava fazendo no porão, Claire? — Ele
falou baixinho, mas com uma autoridade que carregou sua
voz pelo salão. Enquanto falava, ele voltou a andar.
Ela mordeu o lábio com mais força, dando boas-vindas à
dor, aproveitando a raiva que fervia em seu peito. Se ela
ficasse em silêncio, não poderia condenar a si mesma ou a
Witt; nem ela faria com que os mercenários ou Veronique
machucassem o menino. Veronique não havia ordenado que
ela ficasse quieta?
Tye entrou em seu campo de visão e parou na frente
dela. Seus olhos estavam no nível de sua virilha, e ela se
recusou a olhar para ele ou para a espada embainhada presa
em seu cinto. Quando Claire olhou para os espectadores, ela
viu que Mary estava sentada, observando, seu rosto pálido.
— Vou perguntar mais uma vez, Claire. O que você
estava fazendo no porão?
Ela estava à beira do colapso, mas não podia desistir
agora. Ela também não conseguia ficar em silêncio. Ela deve
salvar Witt.
— Witt e eu estávamos pegando vinho, para que ele
pudesse dar banho nas feridas de Sutton.
— Uma mentira, — disse Veronique.
— Foi ideia minha ir para o depósito — acrescentou
Claire, — não de Witt. Assumo total responsabilidade.
As roupas de Tye farfalharam quando sua mão esquerda
agarrou seu queixo. Lentamente, pacientemente, ele exerceu
pressão suficiente para que ela fosse forçada a olhar para ele.
Ela se recusou a encontrar seu olhar, mas então, ele
amaldiçoou. A fúria brilhou em seus olhos enquanto seus
dedos roçavam levemente sua bochecha onde Veronique a
havia golpeado.
— Quem bateu nela? — Sua voz era um rosnado furioso.
— Eu bati, — disse Veronique. — Ela recusou minha
ordem para ficar quieta.
— Que insensato da sua parte.
— Ela foi desrespeitosa. Lady ou não, ela tem que
obedecer aos que estão no comando.
— Agora ela está relutante em falar.
Veronique fez uma careta.
— Devo convencê-la a falar? Posso começar a cortar o
menino...
Suspiros percorreram os espectadores no salão.
— Deixe o menino. Claire vai me dizer o que eu quero
saber.
Ela estremeceu, odiando que ele a sentisse tremendo.
Ela preferia arrancar os dedos dele a dizer uma palavra que o
levasse à porta secreta. Seu toque, entretanto, era quente,
persuadindo, causando estragos nela com a pressão de carne
sobre carne.
O som de passos se aproximando alcançou Claire. Ela
rezou para que não fosse o mercenário voltando da busca no
porão.
— O que você achou? — Veronique exigiu.
— Uma porta. Está escondida atrás de uma das
tapeçarias.
Claire fechou os olhos. Tudo o que ela e Witt fizeram foi
em vão.
— Ah. — Veronique deu uma risadinha. — Esta porta.
Para onde isso leva?
— Eu não investiguei. Achei que você gostaria de saber
imediatamente.
— Está desbloqueada?
— Sim, — o mercenário disse. — Eu teria destrancado,
mas não consegui encontrar a chave.
— Claire provavelmente sabe o paradeiro dessa chave, —
disse Veronique. — Se ela vai nos contar ou não...
A mão de Tye caiu do rosto de Claire e ela abriu os olhos.
Como ela desejou que pudesse simplesmente desaparecer da
situação incerta que enfrentava agora.
— Conte-me sobre a porta, — Tye exigiu. — Aonde isso
leva, Claire? Onde está a chave?
Ela apertou os lábios. Aguente firme.
Mas pobre Witt...
— Não diga a ele, milady! — Witt chorou. — Não.
Seus lábios tremeram.
— Se você não vai falar, Claire, você não me deixa
escolha. Acorrente o menino na masmorra — ordenou Tye,
virando-se de costas para ela. Acima dos murmúrios
preocupados dos criados, ele disse: — Leve Lady Sevalliere
para o meu solar.
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