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A Sedução

de um Cavaleiro
Cavaleiros ― Livro 5

Catherine Kean
Sinopse
De luto pelo jovem pretendente morto durante a fuga de
um prisioneiro, Lady Claire Sevalliere planeja deixar o grande
castelo de Wode para viver com sua tia. Claire permanecerá
uma donzela, devotada ao seu amado que morreu. No
entanto, antes que ela pudesse partir, Wode é cercado. Claire
é feita refém.
Determinado a provocar um confronto com seu senhor,
Tye, o filho ilegítimo de Lorde Geoffrey de Lanceau, reivindica
Wode, o castelo da família de Lanceau. Tye espera a batalha
em que matará seu pai. É o destino pelo qual a mãe vingativa
de Tye o criou. No entanto, quando Tye conhece Claire, que
desafia sua autoridade, ele fica intrigado. Ele nunca seria
digno do amor de Claire, mas ele vai gostar do desafio de
seduzi-la. Ele logo descobre que é seduzido pela beleza,
inteligência e inocência de Claire. Ela traz luz para sua alma
sombria e atormentada.
Conforme a batalha se aproxima, o passado de Tye o
alcança. Correndo o risco de perder Claire, ele deve enfrentar
seu maior tormento, e seu destino muda para sempre.
Capítulo Um
Branton Keep, Moydenshire, Inglaterra
Verão, 1214

Tye ergueu a cabeça com o rangido da porta principal da


masmorra. Em sua cela escura no final da prisão, ele se
levantou do chão de terra onde estava cochilando, as pernas
esticadas à sua frente, as costas contra a parede de pedra
mofada.
Tye se levantou com uma cambalhota desajeitada.
Fazendo uma careta, ele manobrou a perna direita
imobilizada até ficar de pé, ignorando o barulho das correntes
presas em seus pulsos e tornozelos nus. Como ele odiava os
grilhões que o prendiam à parede e o mantinham preso e
isolado, assim como o grande lorde Geoffrey de Lanceau,
governante de Branton Keep e de toda Moydenshire.
De pé agora, com o peso na perna boa, Tye revirou os
músculos tensos dos ombros e flexionou os dedos, um ritual
antes de cada batalha. A antecipação correu como vinho
potente por suas veias. Ele estava prestes a enfrentar De
Lanceau, seu pai?
Ele sorriu. Ele esperava que sim.
Ele esperou muito tempo para ficar cara a cara
novamente com seu senhor. Desde que foi feito prisioneiro na
batalha em Waddesford Keep e acorrentado nesta cela, ele
perdeu a conta dos dias. Sua única medida de sua passagem
do tempo foi a cura de sua perna; o osso estava rachado, mas
não totalmente quebrado, os homens de seu senhor decidiram
após examiná-lo.
Desde a manhã em que Tye foi capturado, entretanto, ele
viu seu pai apenas uma vez. Tye se recusou a cooperar
quando interrogado. Quando a única maneira de obter
respostas dele era o castigo físico, seu senhor ordenou que
Tye fosse levado de volta para sua cela. De Lanceau foi
embora e não voltou.
Ele estaria de volta, no entanto. Este era seu castelo, sua
masmorra, e Tye não era um ladrão comum ou um criminoso
mesquinho como os outros nas celas. Tye conhecia seu valor
como prisioneiro; ele tinha as informações de que de Lanceau
precisava. O seu senhorio podia não acreditar em torturar
cativos, mas por tudo que Tye sabia dele, também não era
homem de se descuidar dos seus deveres, ou desistir antes de
conseguir o que queria.
Faça o que quiser, pai. Eu não tenho medo de você. Uma
risada cruel queimou na garganta de Tye. Você, porém,
deveria ter medo de mim.
Sozinho em sua cela, Tye tinha imaginado como o
encontro poderia se desenrolar, como ele responderia, ou não,
às perguntas inevitáveis de seu senhor, como tornaria o
encontro totalmente desagradável para o homem que fazia da
própria vida de Tye um inferno de vida.
Tye estremeceu com a força de sua raiva. Anos atrás,
sua mãe lhe contara como fora amante de De Lanceau e como
De Lanceau a rejeitara cruelmente e sua afirmação de que Tye
era seu bastardo. Tye tinha vinte anos e, mesmo assim, seu
pai se recusava a reconhecê-lo, e provavelmente nunca o
faria.
Tye não era nada para De Lanceau.
Tye cerrou os maxilares, pois de todas as perguntas que
planejava fazer a seu senhor, queria uma resposta em
particular: por que, em um momento crucial de sua última
batalha, De Lanceau estendeu a mão e tentou salvá-lo de cair
das ameias da Fortaleza de Waddesford. Por que o seu
senhorio se incomodou, se não acreditava que Tye era de sua
carne?
A oferta de resgate deve ter sido um truque, e Tye
pretendia fazer de Lanceau confessar exatamente isso. Que
deliciosa ironia seria arrancar uma admissão de erro do lorde
que foi elogiado em toda a Inglaterra por defender a verdade e
a honra.
O homem que Tye pretendia matar.
Hoje, se ele tivesse a chance.
Um baque ecoando marcou o fechamento da porta da
masmorra.
Tye ficou imóvel, a cabeça inclinada para captar melhor
os sons que chegavam à cela. Vozes transmitidas: dois
homens falando.
Era um deles de Lanceau? As mãos de Tye se fecharam
em punhos. As algemas se cravaram na carne dolorida de
seus pulsos.
Passos soaram no chão duro. A princípio, ele não
conseguiu discernir o que os homens estavam dizendo, mas
conforme eles caminhavam para o centro da masmorra, suas
palavras se tornaram distintas.
— Você tem certeza de que ele estará bem protegido,
milorde?
Tye reconheceu o orador: um dos guardas regulares, um
homem de cabelos grisalhos com uma barba aparada. Havia
sempre três homens de armas em serviço dentro do
calabouço, embora um tinha sido enviado para casa há pouco
tempo por causa de uma má dor de barriga; seu substituto
chegaria em breve. Isso significava que apenas um guarda
estava parado na porta principal, o que só beneficiaria Tye se
ele se livrasse das correntes.
Ele deve encontrar um caminho.
Ele mataria seu pai, dominaria os guardas e então
escaparia.
— Acredite em mim, eu entendo a importância de manter
o prisioneiro seguro, especialmente com a agitação nas terras
do rei John. É por isso que vim à noite. Eu também trouxe
quatro mercenários. Eles ajudarão a protegê-lo durante a
viagem.
Tye franziu a testa. Essa voz não era de seu senhor; era
mais profunda em tom. A maneira de falar do visitante
também era mais refinada, como se ele passasse seus dias
entre nobres ricos nas cortes de Londres. Tye lutou contra a
amarga decepção e se perguntou quem seria o prisioneiro que
eles estavam discutindo.
— Sim, — disse o guarda da masmorra, — mas...
— Ele não vai escapar. Certamente não depois que ele for
entregue ao Rei.
Os passos pararam.
— Ainda acho que você deveria esperar por Lorde de De
Lanceau. Posso enviar um mensageiro ao castelo de Wode.
Lorde Brackendale, o pai da esposa de seu senhorio, Lady
Elizabeth, adoeceu gravemente e eles foram visitá-lo. Esses
arranjos para o prisioneiro não são normais...
— Verdade, eles não são, por causa do homem em
questão. As informações que ele detém são de grande
interesse para a coroa. O rei John não queria que ninguém
soubesse que o prisioneiro estava sendo removido. Ele temia
que uma notícia vazasse para seus amigos e eles tentassem
libertá-lo antes de eu chegar aqui.
Um suspiro preocupado ecoou.
— Eu entendo, mas as ordens de De Lanceau...
— Certamente de De Lanceau não recusaria um pedido
do rei? — A impaciência tingiu a voz do estranho. — Como
você viu, o mandado é assinado e selado por um dos
conselheiros mais próximos do Rei John.
— Eu... Claro, você está certo.
Os passos recomeçaram.
A luz da tocha iluminou a área em frente à cela de Tye,
vencendo as sombras. O visitante havia sido enviado para
buscá-lo. Com os olhos lacrimejando, ele os apertou na luz
repentina que invadiu sua prisão.
Afastando o cabelo sujo de lado, ele estudou os dois
homens: o guarda mais velho, segurando a tocha e usando
uma cota de malha sobre a camisa e a chausses; e o homem
alto, de ombros largos, vestido com uma capa de pele
marrom. A suntuosa vestimenta ia até o topo de suas botas
de couro marrom. Quando ele agarrou uma das barras do
chão ao teto e olhou para dentro, um grande anel em sua mão
brilhou. O ouro foi trabalhado em um crânio com gemas
verdes nos olhos. Tye tinha visto aquele tipo de anel antes,
projetado para conter veneno.
Tye encontrou o olhar do estranho. Com base no ódio
que pulsava em seu sangue, Tye estreitou os olhos.
O homem não desviou o olhar. Seus lábios se curvaram
em um sorriso fino.
— Este é o homem que dizem ser o bastardo de De
Lanceau?
— Sim, — o guarda disse.
— Você tem certeza?
— Eu tenho. — Alcançando o chaveiro em seu cinto, o
guarda acrescentou: — Talvez você deva convocar seus
mercenários para ajudar a contê-lo.
O estranho gargalhou.
— Eu posso lidar com isso.
Realmente? Tye teve vontade de rir. Este estranho era
um idiota cabeçudo. Melhor ainda por uma chance de fuga.
— Como você vai mantê-lo sob controle? Você tem
algemas?
— Eu tenho. — O estranho enfiou a mão dentro da capa,
como se fosse tirar as algemas.
O guarda assentiu e o punhado de chaves tilintou em
sua mão.
— Henry também está de guarda na porta. Se por acaso
Tye passar por nós, Henry sabe o que fazer.
— Vamos continuar com isso, então.
O guarda destrancou a porta da cela.
Bloqueando mentalmente a dor de sua perna curada, Tye
assumiu uma postura estranha de combate. Ele poderia estar
acorrentado, mas com certeza não estava indefeso. Os
torneios em que participara enquanto crescia na França,
alguns justos, outros não, o ensinaram a se defender no
combate corpo-a-corpo. Suas cicatrizes provaram quantas
vezes ele lutou por sua vida, e quantas vezes os espectadores
gritaram seu nome como campeão.
A porta se abriu e o guarda colocou o chaveiro de volta
no cinto. No mesmo momento, o estranho tirou a mão da
capa e enfiou os dedos na manga. Quando ele retirou a mão,
a luz da tocha tremeluziu no metal, uma adaga fina que se
acomodou em sua mão como se pertencesse ali.
Um arrepio percorreu Tye. Ele reconheceu a expressão
no rosto do homem; ele o enfrentou muitas vezes na batalha.
O estranho pretendia matar.
Vendo a adaga, os olhos do guarda se arregalaram.
— O que...? — Ele largou a tocha e agarrou a espada em
seu quadril esquerdo.
Pulando, o estranho cravou a adaga no pescoço do
homem mais velho, desprotegido por sua cota de malha.
Tye recuou em choque.
— Para dentro, — disse o estranho, empurrando o
guarda para dentro da cela. O homem ferido ofegou e agarrou
seu ferimento. O sangue escorria entre seus dedos.
— Henry! — o guarda gorgolejou.
— Quem é você? — Tye rosnou para o estranho. Ele era
um assassino? O homem disse que tinha sido enviado pelo rei
John, mas De Lanceau poderia ter pago a este caipira para
assassinar Tye. O guarda da masmorra também tinha que
morrer, então parecia que Tye havia tentado escapar, mas
falhou.
— Hen... — o guarda gritou.
A adaga cortou novamente. O guarda tropeçou, bateu na
parede perto de Tye e caiu, gemendo. O estranho deu um
chute rápido, acertando a cabeça do homem mais velho na
parede. Ele desabou, morto.
O estranho agarrou a tocha do chão, enfiou-a em um
suporte de ferro na parede dentro da cela e encarou Tye.
— Quem é você? — Tye exigiu.
— Braden, — o homem disse em voz baixa. — Sua mãe
me enviou.
— Minha mãe? — A cautela se tornou um zumbido
estridente e de advertência na cabeça de Tye. — Ela está
presa...
— Veronique Desjardin é sua mãe, não é?
Esse fato não era um segredo; muitas pessoas em
Moydenshire sabiam disso.
— Ela é.
— Devemos nos apressar. Mais tarde, tudo será
explicado. Agora, faça o que eu digo. — Braden agarrou as
chaves do guarda morto e deu um passo em direção a Tye.
Tye não relaxou sua postura de combate.
— Por que eu deveria acreditar em você?
As sobrancelhas de Braden se ergueram.
— Por que você não acreditaria? Estou aqui para ajudá-
lo a escapar.
Tye apoiou as costas na parede, preparando-se para
atacar.
— Como vou saber se você não vai me soltar e depois
tentar cortar minha garganta?
Um sorriso curvou a boca de Braden; ele obviamente não
tinha perdido a ênfase de Tye na palavra tentar.
— Veronique disse que você duvidaria de mim. Ela disse
para lhe dizer uma coisa: ela prometeu no final da batalha na
Fortaleza Waddesford que sua luta com De Lanceau não
havia terminado. Com minha ajuda, você terá sua chance de
matar seu senhor. É isso que você quer, sim?
— Ei! — chamou uma voz a uma curta distância: o
guarda chamado Henry. — O que está acontecendo aí?
Braden jogou as chaves para Tye, em seguida, agarrou a
corrente presa ao braço direito de Tye e a sacudiu, causando
um som metálico.
Apertando os olhos para as chaves à luz inconstante da
tocha, Tye praguejou. Cada chave parecia a mesma. Ele
enfiou uma na fechadura das algemas em seu pulso
esquerdo. A corrente retiniu novamente, puxando seu braço.
— Fogo do inferno! Pare de puxar.
— Depressa, — Braden murmurou. — Pare de lutar, Tye,
— ele gritou por cima do ombro, sua voz crescendo. — Isso
tornará as coisas piores para você.
— Ele está resistindo? — Henry parecia jovem e nervoso.
Tye enfiou uma segunda chave na fechadura. Uma
terceira. Então a palma da mão de Braden atingiu o lado de
seu rosto, um tapa que seria ouvido por toda a prisão.
— Desgraçado! — Tye balançou a cabeça para clarear a
visão.
— Encontre a maldita chave, — Braden gritou.
— Vou conseguir reforços, — gritou Henry.
— Não! — Braden comandou. — Venha para a cela...
— Eu tenho minhas ordens, — Henry disse, seguido pelo
som de passos rápidos. Ele estava se dirigindo para o curto
lance de escadas para a porta principal da masmorra.
Braden sibilou por entre os dentes.
— Se ele gritar o alarme... vou tentar impedi-lo. — Ele
correu para fora da cela. — Henry!
Pegando outra chave, Tye a empurrou na fechadura. Ele
não perderia a chance de escapar. Ele não iria...
Com um leve ruído, a chave deslizou completamente
para dentro. Ele a girou e a fechadura fez um clique. A algema
se abriu.
Ao liberar o pulso direito, ele ouviu a porta da masmorra
se abrir, sentiu uma corrente de ar passar por seus
tornozelos. Curvando-se na cintura, amaldiçoando a
estranheza imposta pela tala, ele se concentrou em destravar
o resto de suas correntes.
Ainda segurando o molho de chaves, ele saiu mancando
de sua cela. Ele forçou seus membros rígidos a se moverem
mais rápido, saboreando a sensação dos músculos letárgicos
se flexionando e se esticando totalmente. Ele ansiava por ar
que estivesse livre da umidade da masmorra, do cheiro de
liberdade.
— Ei! Dê-me as chaves, — disse um homem desdentado
de sua cela próxima.
— Dê-os para mim, — outro implorou, empurrando suas
mãos sujas através das barras.
Diminuindo a velocidade, Tye empurrou as chaves nas
mãos do homem mais próximo. Tye sorriu, imaginando a fúria
de seu senhor quando soubesse que não apenas Tye havia
escapado, mas também todos os outros criminosos. De
Lanceau perderia dias tentando recapturar os prisioneiros.
Ignorando os gritos excitados das celas atrás dele, Tye
continuou mancando. Dois homens corpulentos em armadura
de couro entraram pela porta, arrastando Henry atrás deles.
A cabeça loira do guarda caiu sobre o peito. Seus braços
balançavam, como se ele mal estivesse consciente, e o sangue
escorria de um corte em sua têmpora. Uma terceira pessoa,
esguia e vestindo uma capa preta com capuz, segurava uma
adaga em sua garganta.
— Bom menino, — uma mulher murmurou. — Fique
quieto, agora, se você quiser viver.
O coração de Tye disparou. Ele conhecia aquela voz.
A mulher olhou em sua direção. Ele teve um vislumbre
de pele clara, a curva de uma boca vermelha carmesim, antes
de sua atenção ser chamada por Braden, caminhando pela
porta com uma capa pendurada no braço. Depois de um
rápido estudo da escuridão lá fora, Braden fechou a porta de
madeira atrás dele.
Com o braço esquerdo perto do corpo, a mulher estendeu
a mão direita e puxou o capuz, revelando longos cabelos
ruivos amarrados na nuca. Apesar de suas semanas na
prisão e do ódio de De Lanceau por ela, ela ainda encontrou
uma maneira de obter a hena que usava para tingir suas
madeixas. Extraordinário. Um sorriso irônico apareceu na
boca de Tye. Então, novamente, ele dificilmente deveria estar
surpreso; ela sempre foi engenhosa, especialmente quando se
tratava de enganar De Lanceau.
— Mãe. — Tye mancou em sua direção.
— Tye.
— Como está seu braço? Estava quebrado quando te vi
pela última vez.
— Está curando bem. Pelo menos era meu esquerdo e
não meu direito. — Suas feições pareciam abatidas, e não
apenas por causa do ferimento ou da idade. Enquanto estava
presa, ela sem dúvida foi privada dos caros cremes de ervas
que gostava de espalhar na pele para manter a aparência
jovem. Mas em seus olhos âmbar, ele viu a mesma
necessidade que queimava tão quente como fogo em sua
própria alma: um desejo de destruir De Lanceau.
— Veronique, devemos nos apressar, — Braden insistiu.
— Eu sei, amor. — Ela gesticulou para os mercenários,
que empurraram Henry contra a parede de pedra. Suor e
sangue escorreram por seu rosto. Ele parecia atordoado e com
cerca de dezoito anos, se muito. Seus olhos azuis se fixaram
em Tye. Enquanto o olhar de Henry se aguçava, a raiva
contorcia suas feições.
— Ele gritou o alarme? — Tye perguntou a Braden.
— Não. Os mercenários o pararam antes que ele pudesse
gritar.
— Boa.
— Ainda assim, precisamos sair daqui, o mais rápido
possível.
— Concordo. — Tye mancou até a mãe. Ela o recebeu no
meio do caminho, seus passos maduros ainda tinha a
sensualidade que atraía os homens para ela como moscas em
geleia pegajosa. Esses amantes claramente incluíam Braden;
o olhar do homem vagou sobre ela com indisfarçável luxúria.
— Você está bem? — perguntou ela, abraçando Tye com
o braço bom. Ela cheirava a ar noturno e lã bolorenta.
— Eu estou. E você? — ele disse contra o cabelo dela.
— Melhor agora que encontrei você.
Os braços de Tye se apertaram ao redor dela. Ele
também tinha sentido saudades dela. A vergonha o consumia
também. Ele não deveria ter dado ouvidos à voz em sua
mente que, em seus dias sozinho em sua cela, tinha
sussurrado que ela o abandonou, o deixou apodrecendo,
porque ele falhou com ela: ele não tinha conseguido matar
seu senhor na batalha em Waddesford Keep.
Teria de Lanceau percebido que tais pensamentos cruéis
perseguiriam Tye? Ele sabia que, isoladamente, a consciência
de Tye se voltaria contra ele e se inflamaria até quase o levar
à loucura?
O bastardo.
Enquanto sua mãe saía dos braços de Tye, as perguntas
fervilhavam em sua mente: como ela se libertou, como
conseguiu obter uma carta do rei que enganaria os guardas
de De Lanceau; como ela conheceu Braden. Agora, porém,
não era o momento para tais assuntos.
— Braden está certo, — Tye disse. — Devíamos ir
embora.
— Nós vamos. Há apenas um último detalhe para cuidar.
— Com a mão direita apertando a adaga, ela enfrentou Henry.
— Você... não vai... fugir, — o rapaz grunhiu.
Veronique deu uma risadinha.
— Você vai nos impedir?
— É... meu dever... para com Lorde de Lanceau. — Os
dedos de sua mão direita, com os braços presos por um dos
mercenários, se curvaram, como se ele desejasse
desembainhar a espada, ainda presa ao cinto.
— Impulsionado pela honra, — Veronique zombou. —
Desculpe, mas você vai morrer.
A incerteza cintilou nos olhos de Henry. A cabeça dele
vacilou quando ela parou na frente dele, mas ele
corajosamente segurou seu olhar.
— Primeiro, vou cortar suas bolas. Então sua
masculinidade.
— O quê? — Henry ofegou.
— Mãe. — Tye não conseguiu conter um estremecimento.
— Será uma morte lenta e dolorosa. Como De Lanceau
ficará chocado quando o encontrar. — Ela sorriu para o
rapaz, que ficou branco de horror. Sua atenção deslizou
avidamente pelo peito arfante do jovem até sua virilha,
escondida por sua túnica de cota de malha.
— Não! — ele balbuciou. — Por favor. Eu estou...
prometido.
— Você não será muito útil para sua futura noiva, não é?
O rapaz choramingou.
Veronique riu.
— Sua prometida é bonita? Ela te ama? O corpo dela
estremece pelo seu toque?
Tye tinha visto o suficiente da crueldade de sua mãe
para saber que ele não queria vê-la mutilar este homem,
especialmente quando eles precisavam fugir.
— Mãe.
— Eu serei rápida.
— Não! — Henry gritou, lutando contra seus captores.
— Veronique, — Braden retrucou.
— Espere, — disse Tye, passando para o lado da mãe.
Quando ela arqueou as sobrancelhas em irritação, ele disse:
— Eu preciso de uma arma. Eu pegarei sua espada.
Preso pelos mercenários, Henry olhou carrancudo
enquanto Tye desatava a fivela do cinto e puxava a lâmina
aninhada em sua bainha de couro. Endireitando-se, Tye
sustentou o olhar de Henry, uma provocação deliberada. O
rapaz cuspiu em seu rosto. Tye reprimiu um sorriso, ele
secretamente esperava por tal reação, enxugou a sujeira
escorregadia de sua bochecha e então bateu com o punho na
mandíbula de Henry. O rapaz ficou mole.
— Agora, vamos embora, — disse Tye, afivelando o cinto.
Veronique franziu a testa para Henry, desmaiado nas
mãos dos mercenários.
— Você bateu nele de propósito.
Isso mesmo. Eu o fiz.
— Você não queria que eu fizesse do meu jeito com ele.
Certo novamente. Eu quero fugir. Nada vai me impedir,
especialmente suas perversões.
— Ele cuspiu na minha cara. Não pude ignorar o insulto.
Agora ele não pode nos trair. Não até que ele acorde, — disse
Tye. — Até lá, já teremos ido embora.
Com um sopro desapontado, Veronique acenou para os
mercenários. Eles largaram Henry no chão e caminharam até
Braden.
— Discutiremos sua intromissão mais tarde, Tye, — sua
mãe murmurou.
— Entre outros assuntos. — Tye desviou o olhar para
Braden. Se Tye ia confiar no homem, precisava saber
exatamente quem ele era e como contribuiria para a queda de
De Lanceau.
Veronique caminhou na frente de Tye em direção aos
outros reunidos na porta. Enquanto ele a seguia, um ruído
metálico veio de trás dele: o som de uma adaga sendo
desembainhada.
Henry, seu idiota desgraçado.
Tye se virou e viu o rapaz se levantando, segurando uma
adaga. Ele deve ter puxado a arma de dentro da bota. Henry
cambaleou para a frente, mal conseguindo ficar de pé. Sangue
fresco escorria para a sujeira seca em seu rosto.
Por que Henry não ficou caído no chão? Ele não poderia
vencer esta luta. Ele queria ser morto?
— Eu vou... parar você. Para… seu senhorio.
— Você vai morrer, — advertiu Tye. Se o rapaz tivesse
algum juízo sobre si, ele desistiria de sua tentativa temerária
de ser um herói.
A determinação brilhou nos olhos do jovem. O desafio,
inequivocamente direto, zumbia no sangue de Tye,
concentrando sua raiva em um foco: matar. Suas mãos
flexionaram, preparando-se para a luta.
Veronique deu uma risadinha.
— Eu terei minha chance de mutilar você, afinal.
Henry investiu contra Tye, erguendo a adaga.
— Filho da puta! Em... minha honra...
Tye tirou a espada da bainha. Com um rosnado letal, ele
trouxe a lâmina para baixo, cortando o pescoço de Henry. O
corpo sem cabeça caiu no chão.
— Bem feito. — Veronique se regozijou. — Agora, apenas
iremos...
— Devemos partir, mãe. Agora. — Vários outros
prisioneiros haviam escapado de suas celas e, com alegria
jovial, estavam destrancando as portas de outros prisioneiros;
se corressem para a porta da masmorra, a fuga de Tye seria
adiada.
— Tye está certo. — Braden jogou a capa em Tye. — Põe
isto. Aja como se você fosse meu prisioneiro até passarmos
pelos portões principais.
Ignorando a carranca de sua mãe, Tye embainhou sua
arma, vestiu a capa e então saiu para a escuridão atrás de
Braden, escoltado pelos mercenários com suas espadas
apontadas para ele. A sujeira do pátio era dura e fria contra
seus pés descalços, mas ele não se importou. Ele estaria
usando botas de couro novamente em breve. Inspirando
profundamente o ar da noite de verão, ele sentiu o cheiro de
cavalos esperando nas proximidades.
Enquanto Tye caminhava, ele girava os ombros,
aliviando a curiosa tensão que ali se instalara. Ele matou
muitos homens em sua vida, mais de um desses chamado
Henry. Poucas mortes o assombravam.
A morte desta noite também não o assombraria.
Capítulo Dois
A grande fortaleza em Wode...
Moydenshire, Inglaterra, janeiro de 1215

— Maria Mãe de Deus! — Com uma sopro irritado, Lady


Claire Sevalliere levantou a tampa de seu baú de madeira e
empurrou as roupas que estavam caindo para fora. O baú
tinha que fechar. Caso contrário, ela não seria capaz de viajar
quando os homens de armas que estariam montando como
sua escolta chegassem ao seu quarto, mais tarde, naquela
mesma manhã.
Hoje, ela estava deixando esta grande fortaleza onde
viveu nos últimos cinco anos. No final do dia, ela chegaria à
sua nova casa: o castelo de sua tia Malvina uma viúva de
sessenta e cinco anos.
Claire só viu a extremamente piedosa lady, a irmã do
falecido pai de Claire, apenas duas vezes. No entanto, elas
trocaram cartas nesses anos desde que os pais de Claire
morreram em um acidente em uma estrada lamacenta em
uma tarde tempestuosa de primavera.
Essa tragédia deixou Claire e sua irmã mais nova,
Johanna, órfãs. Por ordem do rei, Johanna fora morar com
um nobre e sua esposa, que haviam sido amigos íntimos dos
Sevallieres. Claire fora protegida por Lorde e Lady
Brackendale, parentes do famoso lorde Geoffrey de Lanceau
de Moydenshire.
Em resposta a uma carta recente de Claire, tia Malvina
teve a gentileza de lhe oferecer um lugar para morar, um
alívio quando uma tragédia mais recente fez com que as
paredes de pedra de Wode parecessem estar se fechando
sobre Claire.
Aos dezenove anos de idade, ela estava pronta para
começar de novo; para se dedicar à vida tranquila de uma
donzela que nunca se casaria, pois seu coração pertencia
agora e para sempre a Lorde Henry Ridgeway, a quem ela
amou e perdeu.
Lutando contra uma pontada de tristeza, Claire enterrou
as mãos nos vestidos de seda reluzentes, camisas de linho
transparentes e sapatos de couro bordado. Fios de cabelo
loiro encaracolado caíram sobre seu rosto enquanto ela
reorganizava as roupas e pressionava com força a tampa do
baú.
— Você está perdendo essa batalha.
Claire sorriu. Endireitando-se, ela olhou a porta de sua
câmara. Sua melhor amiga, Lady Mary Westbrook, estava lá,
com os braços cruzados sobre o corpete de seu vestido verde
musgo. Mary estava tentando esconder um sorriso por trás da
mão, mas seus olhos castanhos dançavam com alegria.
— Quais roupas eu deixo para trás? Eu vendi todos os
vestidos de que poderia me separar. Doei o dinheiro para a
abadia, lembra? — Claire olhou para as roupas e lutou contra
um nó desconfortável se formando em sua garganta. Ela
acumulou muitas coisas adoráveis desde que chegara a Wode.
Os Brackendale tratavam todos as suas pupilas como se
fossem suas filhas. O vestido esvoaçante de lã azul claro com
bordado floral prateado no decote, nas mangas e na bainha
que ela estava usando hoje tinha sido um presente no inverno
passado. Lorde Brackendale havia morrido algumas semanas
atrás, e tudo o que Claire possuía havia se tornado ainda
mais precioso por causa de suas boas lembranças dele.
Ela teria apenas que fechar o baú. Como a única
resposta, ela colocou as mãos sobre o conteúdo e pressionou
novamente.
— Sagrado Senhor. — Empurre.
— Abençoado Deus. — Empurre.
— Mãe de Deus! — Empurre.
— Claire, você deve parar de praguejar. Se você
praguejar assim na frente de sua tia, ela desmaiará de horror.
A culpa se espalhou por Claire.
— Você está certa. Vou me lembrar todos os dias de
cuidar da minha língua.
— Bom.
A meio caminho de mover as roupas novamente, Claire
fez uma pausa.
— Mary...
— Estou apenas tentando lhe dar um bom conselho,
como uma amiga leal deveria fazer.
— Por favor, não se preocupe. Não pretendo causar
problemas à minha tia. Na verdade, eu quero viver uma
existência muito tranquila e solitária.
Mary revirou os olhos, como se uma existência tranquila
e solitária fosse tão improvável para Claire, que não valia a
pena considerar.
— Se você diz.
— Eu digo.
— Bom. — Mary fungou. Ela parecia à beira das
lágrimas.
Claire lutou contra o puxão em seu coração e
reposicionou um par de sapatos de couro enfiados no canto
do baú. Ela nunca tinha imaginado que partir seria tão difícil.
Ela ouviu o farfalhar do vestido de Mary e a viu
enxugando os olhos com as costas da mão. Claire não
suportava ver as lágrimas de sua melhor amiga, porque então
ela estaria chorando também.
Parte dela insistiu que era uma idiota por deixar Wode.
Como ela se sairia sem a amizade de Mary? Como ela iria
controlar seu amor pela liberdade para se tornar tão
estritamente piedosa quanto sua tia? Essa grande mudança,
entretanto, certamente deveria ser boa. Uma vida dedicada à
oração e à castidade honraria verdadeiramente o jovem que
teria sido seu marido, se ele não tivesse sido morto enquanto
cumpria seu dever para com Lorde de Lanceau. Henry
morrera enquanto tentava impedir um prisioneiro perigoso de
escapar da masmorra de seu senhorio. Nenhum outro homem
que ela conheceu, ou conheceria, poderia se comparar às
suas memórias de seu corajoso e amado Henry.
— Sinto muito. Não é minha intenção chorar, — disse
Mary calmamente. — Eu sei que isso é o que você quer.
Claire se endireitou do baú.
— É isso que devo fazer.
— Então é como você disse. Só pergunto isso porque
você é como uma irmã para mim e quero que seja feliz... mas
tem certeza? — Mary enxugou os olhos novamente. — Está
realmente certa de que esta nova vida é o que Henry iria
querer para você? Você só o viu em algumas ocasiões. Perdoe-
me, mas dificilmente é o suficiente para conhecer de verdade
um homem.
Claire sorriu quando sua primeira memória de Henry
encheu sua mente. Como ela viu vividamente o sol roçando
seu cabelo loiro na altura dos ombros e iluminando seus
olhos azuis.
— Oh, Mary, eu nunca esquecerei aquela festa quando
ele e eu nos conhecemos. Henry foi tão galante naquele dia, a
maneira como ele se desculpou por esbarrar em mim no pátio
lotado. Ele se curvou, levantou-se com minha mão
gentilmente agarrada à sua e sorriu como se eu fosse a mais
bela lady em toda a terra.
— Você é linda, Claire, — disse Mary, com inveja em sua
voz. — Você deve saber disso, pelo número de pretendentes
que recusou desde a morte de Henry.
— Meu Deus, Mary, mas você é muito mais bonita do
que eu.
— Não, eu não sou...
— Além disso, — Claire disse, lutando contra o rubor
crescendo em suas bochechas, — a beleza física não é tão
importante para mim quanto o que está no coração de um
homem. Embora Henry não fosse apenas bonito, ele tinha
uma bela alma também.
— Eu acredito que você esteja certa. No dia em que vocês
caminharam juntos nos jardins de Wode? Ele agia como um
cavaleiro de uma chanson, ou seja, uma canção romântica.
— E as cartas dele, — Claire disse melancolicamente. —
Elas eu nunca poderia deixar para trás.
— Você se lembra de como gritamos alto quando lemos
suas palavras, repetidamente?
Claire deu uma risadinha.
— E então, houve o dia em que ele voltou a Wode para
falar com Lorde Brackendale. De alguma forma, eu sabia que
Henry me pediria em casamento. Vê-lo desmontar de seu
cavalo no pátio fez meu pulso acelerar como o de um pássaro
enjaulado. O beijo carinhoso que ele colocou na minha
bochecha, eu irei estimar sempre.
Um suspiro de alegria escapou de Mary.
— Aquele beijo selou o seu amor para sempre.
— Sim. — Os dedos de Claire foram para o meio de sua
bochecha esquerda, onde os lábios dele roçaram sua pele. A
intimidade tinha sido rápida, leve, mas apenas para ela.
Nenhum beijo poderia se comparar a isso. Já que ela nunca
foi beijada por um homem antes até aquele momento, e
nunca seria beijada novamente, ela considerou isso o mais
perfeito dos beijos.
— Um dia, — murmurou Mary, — espero ter um beijo
desses.
— Você irá. Estou certa disso.
A excitação brilhou nos olhos de Mary.
— Escreverei para você assim que acontecer. Vou lhe
contar tudo em detalhes. Isso não seria proibido pela sua tia,
seria? Espero que não.
Eu também, minha querida amiga. Tentando não deixar
dúvidas voltarem a sua mente, Claire fechou o baú. Nenhuma
roupa estava aparecendo.
— Graças a Deus, — ela disse, enxugando as mãos nas
saias. — Agora...
Gritos do lado de fora atraiu o olhar de Claire para as
venezianas de madeira de sua janela. Ela as tinha fechado
mais cedo, por causa da brisa da manhã. A julgar pelas vozes
elevadas, algo extraordinário estava acontecendo no pátio.
Com Mary ao seu lado, Claire correu para abrir as
venezianas.
O ar gelado atingiu Claire. Ela não se lembrava do céu
ser de uma cor cinza estanho tão densa antes, mas então, ela
estava focada em empacotar seus pertences.
Flocos de neve rodopiaram pela grade de ferro na janela,
enquanto gritos mais urgentes vinham do pátio.
— O que está acontecendo? — Mary perguntou.
— Não tenho certeza. — Inclinando-se ainda mais na
seteira, Claire olhou para fora. Homens gritando uns com os
outros corriam ao longo das ameias cobertas de neve, com as
armas erguidas.
— Será seguro viajar para o castelo de sua tia? As
estradas podem ficar cobertas de neve e, em seguida, as rodas
da carroça...
— Mary.
— Mas...
— Por favor, — Claire disse desesperadamente. —
Silêncio!
As vozes do lado de fora foram distorcidas por uma
rajada de vento gelado. Então, claro e distinto, veio o grito de
um homem.
— Ataque! Ataque! A fortaleza está sob ataque!

***

Estimulando o cavalo a galope, a espada


desembainhada, Tye correu pela estrada nevada em direção à
casa de guarda do portão de Wode, com uma vintena de
mercenários contratados logo atrás dele. Hoje, como Tye
aprendera estudando as rotinas da fortaleza nas últimas
semanas, a fortaleza esperava entregas da dona da venda e do
peixeiro da aldeia. A julgar pela ponte levadiça abaixada e
pela grade de ferro erguida, os guardas do castelo não
previram um ataque nesta manhã gelada e invernal.
Exatamente como ele planejou.
Hoje, finalmente, ele tomaria o que merecia.
Ele passou os últimos meses se mudando de uma cidade
para outra, nunca em um lugar por muito tempo, como sua
mãe e Braden haviam feito, e como o rei John aconselhou. No
verão passado, depois de receber a missiva de Veronique
enviada durante a batalha em Waddesford Keep, o rei
secretamente concordou em ajudá-la e a Tye de qualquer
maneira possível, em troca de informações sobre as atividades
de Lanceau em Moydenshire. Se o acordo clandestino fosse
descoberto, no entanto, o rei negaria veementemente todo o
conhecimento dele e reivindicaria uma conspiração dentro de
sua corte em Londres.
O rei John estava bem ciente das tentativas de Lanceau
de unir seus pares contra a coroa com uma Great Charter –
Carta Magna. Embora o soberano não ousasse prender um
lorde tão rico e bem relacionado como de Lanceau, ele
planejava usar todas as informações úteis para minar os
esforços de De Lanceau.
Enquanto a perna de Tye cicatrizava e observava, e era o
ouvido do rei, ele labutava para donos de lojas, fazendeiros,
ferreiros e carpinteiros, trocando seu trabalho por comida e
um lugar para dormir.
Essa vida, porém, havia acabado.
Hoje, ele tomaria seu destino nas mãos.
Hoje sua espera acabou, depois de meses estudando as
rotinas diárias de Wode, espionando em tavernas e atrasando
seu ataque até a oportunidade ideal.
Gritos frenéticos das ameias de Wode chegaram até ele.
As sentinelas o viram com seus mercenários e soaram o
alarme; ainda assim, ele estaria do outro lado da ponte
levadiça antes que os homens pudessem abaixá-la.
Quando ele se aproximou da fortaleza imponente, a neve
caindo agarrava-se a seu cabelo e sua capa enfeitada com
pele; a água dos flocos derretidos escorregava por sua nuca e
sob a cota de malha. Flocos de neve caíram em seu rosto, mas
ele saboreou cada beijo gelado e formigante. Ele saboreou o
barulho abafado da neve sob os cascos de seu cavalo, pois se
sentia vivo, mais do que em qualquer outro momento de sua
vida.
Uma flecha passou sibilando pela cabeça de Tye. Ele viu
o arqueiro na ameia acima, ouviu um mercenário atrás dele
desacelerar seu cavalo e preparar sua besta. Tye ordenou aos
mercenários que matassem apenas quando necessário. Matar
criava ódio e ressentimento, e para manter o controle de
Wode, ele precisava conquistar a lealdade do povo. O arqueiro
logo seria ferido, porém, e incapaz de lutar como vários de
seus colegas.
Um grito agonizante rasgou o ar, acompanhado por um
respingo quando um guarda caiu das ameias no fosso coberto
de gelo. Os mercenários de Tye estavam ganhando cada
moeda que recebiam.
Os cascos de seu cavalo bateram na madeira da ponte
levadiça, e então ele passou sob os dentes da grade erguida e
nas sombras da casa de guarda do portão. As batidas dos
cascos das montarias dos mercenários trovejaram logo atrás.
Ele apertou o punho de sua espada, a palma da mão quente
dentro de sua luva de couro preto. Wode, o castelo que havia
sido governado pela família de De Lanceau desde o reinado do
rei William, o Conquistador, logo seria seu. Era um insulto
que seu senhor não seria capaz de ignorar, especialmente
quando o governo de Tye na fortaleza foi rapidamente
aprovado pelo rei John.
A partir de hoje, Tye seria chamado de 'lorde', um título
que reconhecia o sangue nobre em suas veias. Um título,
também, que traria respeito. Usando Wode como sua base,
Tye conquistaria castelo após castelo, enquanto antecipava o
momento em que confrontaria seu pai na batalha. Em uma
luta triunfante, Tye mataria seu senhor. Toda Moydenshire se
curvaria ao seu controle.
Ninguém iria impedi-lo.
Especialmente seu senhor.
Tye olhou para a abertura do pátio diretamente à frente.
Os homens de armas de Wode, deslizando sobre o chão
coberto de neve, movendo-se para bloquear sua entrada.
Alguns deles tinham idade suficiente para ser seu avô.
— Não os deixe passar! — berrou um guerreiro
atarracado de cabelos brancos, provavelmente o capitão da
guarda. — Defendam esta fortaleza, como Lorde Brackendale
teria esperado de vocês.
Lorde Brackendale. Os lábios de Tye se curvaram em um
sorriso de escárnio. A morte do velho causou uma onda de
pesar entre o povo de Moydenshire. Seu falecimento também
deixou o castelo sem um lorde governante. De Lanceau, sem
dúvida, tinha a intenção de substituir Brackendale com um
de seus lacaios leais, mas ainda não o tinha feito,
provavelmente porque ele não queria ofender sua lady e
esposa e aquela que era a mãe da dama pela lei, já que ambos
ficaram muito chateado com a morte. A falta de liderança
tinha trabalhado a favor de Tye, especialmente quando a
agitação levou de Lanceau e seus exércitos para outras partes
do condado, deixando Wode mal preparado para revidar um
ataque.
Tye diminuiu a velocidade de sua montaria, usando os
últimos passos do cavalo dentro do abrigo da casa de guarda
do portão para avaliar a oposição. A neve estava ficando mais
espessa. Ainda assim, ele contou uma dúzia de homens de
armas se aproximando e mais nas ameias, pronto para
derrubá-lo.
Deixe-os tentar. Meu ataque não falhará.
À frente, um arqueiro de cabelos negros deu um passo à
frente, ergueu o arco e atirou em Tye. Tye se esquivou da
flecha, ouviu-a passar assobiando antes de bater na pedra
atrás dele. Com expressão sombria, o homem encaixou outra
flecha, mas antes que pudesse atirar, o couro rangeu atrás de
Tye, seguido imediatamente pelo sibilar de uma flecha. O
arqueiro cambaleou para trás, a flecha lançada por um
mercenário enterrada em seu ombro. Com o sangue
escorrendo por sua armadura, o arqueiro desabou contra um
de seus colegas. Com gritos de raiva, os outros guardas
avançaram com as espadas erguidas.
— Rendam-se, — gritou Tye.
— Você não vai passar, — gritou o capitão da guarda.
— Rendam-se ou morram.
O homem de cabelo branco fez uma careta.
— Você vai morrer hoje.
Tye sustentou o olhar do homem através do redemoinho
de neve. Ele ouviu os mercenários, que diminuíram a
velocidade de seus cavalos para ficarem iguais ao dele,
avançando atrás dele; os odores de couro desgastado e metal
úmido carregados pelo vento.
— Ataque! — o capitão da guarda berrou. Enquanto ele
avançava com a arma brilhando, o cavalo de Tye balançou a
cabeça e deu um passo para trás. Em vez de controlar o
animal assustado, Tye escorregou de suas costas e ergueu a
espada.
Ecoando o grito de batalha, os mercenários esporearam
suas montarias no pátio.
— Pare-os! — O capitão da guarda gritou enquanto os
cavaleiros passavam galopando. Homens de armas correram
atrás dos mercenários.
A espada do homem mais velho colidiu com a de Tye.
Duas vezes. Três vezes. Com os dentes à mostra, o capitão da
guarda organizou outro ataque, enquanto vários outros
homens se espalharam em um amplo círculo para prender
Tye. Com um grito gutural, Tye trouxe sua lâmina para baixo
para cortar a perna do capitão. Ele gritou, mancou, sangue
manchando a neve.
Com rugidos zangados, os homens de armas rodearam
Tye.
O ar correndo entre seus dentes, ele encontrou golpe
após golpe das espadas dos guerreiros. A luta se tornou um
borrão enquanto ele girava, atacava e se esquivava dos golpes.
O sangue de homens feridos salpicou a frente da armadura de
Tye e respingou na neve. Um punhado de mercenários,
alguns a cavalo e outros a pé, aglomeraram-se em torno dele.
Eles trabalharam ao lado dele para reprimir a resistência o
mais rápido possível.
Com um golpe brutal de sua espada, Tye frustrou o
ataque final de um dos espadachins feridos. Quando o
homem caiu de lado na neve, gemendo, Tye sinalizou para
cinco dos mercenários.
— Venham. — Conforme combinado anteriormente, os
homens se juntaram a ele. Deixando o resto de suas forças
para conquistar o pátio, Tye se dirigiu para a construção que
levava ao grande salão da fortaleza.
Gritos e o estrondo de espadas chamaram sua atenção
para o outro lado do pátio, onde a luz dos estábulos e da
cozinha tingia a neve de um amarelo claro. Amontoados na
porta da cozinha, os servos assistiam, aterrorizados,
enquanto os mercenários lutavam com mais homens de
armas. Os arqueiros nas ameias continuaram a disparar
flechas, mesmo com o número diminuindo. Um homem
preparando uma besta na ameia gritou. Uma flecha havia
perfurado seu braço direito; ele cambaleou para o lado e
desapareceu de vista.
Tye voltou a se concentrar na construção anterior, a
menos de dez passos de distância. Acima do barulho metálico
de uma luta de espadas próxima, ele pegou passos correndo.
— Milorde! — gritou um mercenário atrás dele.
Tye se virou para enfrentar quem se aproximava. Através
da neve que caía, ele reconheceu sua mãe, vestida em sua
capa preta debruada com pele. Fios de cabelo ruivo
despontavam das pontas do capuz. Braden, em sua capa de
pele grossa, corria ao lado dela, sua espada ensanguentada
no punho.
Ao chegarem ao lado de Tye, os mercenários se viraram e
observaram o pátio, procurando por atacantes inimigos.
— O portão está sob nosso controle. Nossos homens irão
levantar a ponte levadiça e baixar a grade de ferro em breve.
— Os olhos de Veronique brilhavam de prazer pela luta.
Sangue fresco brilhava na adaga em sua mão enluvada.
— O castelo estava esperando entregas esta manhã, —
disse Tye. — Diga aos homens para afastarem qualquer um
que se aproximar. Eles devem dizer que há doenças no
castelo.
— Muito bem, — disse Veronique.
— E o portão traseiro? — Perguntou Tye. O postern
escondido na parede externa do castelo, construída para
permitir que as pessoas escapassem no caso de um ataque
surpresa, não poderia ser deixada desprotegida.
— Está garantido, — Braden disse.
— Ninguém escapou?
Veronique balançou a cabeça.
— Como você ordenou, os mercenários estão de sentinela
em ambos os lados do postern. Ninguém pode entrar ou sair
por aquela porta.
— Bom. — Tye sorriu. Tudo estava indo como ele
planejou.
Você vai detestar ouvir sobre minha vitória hoje, pai. Você
odiará do fundo de sua alma que eu sou o governante desta
fortaleza, e eu me aquecerei em seu ódio!
Outro dos homens de armas no pátio caiu com uma
lâmina de um mercenário, e o sorriso de Tye se ampliou. O
que ele daria para ver o rosto do pai ao receber a notícia da
conquista. De Lanceau se culparia por deixar Wode
vulnerável, pela oportunidade que ele havia esquecido e que
Tye aproveitou. A culpa e o arrependimento de seu senhor
seriam semelhantes as cordas enroladas na mão de Tye; ele
as puxaria, enredaria e manipularia, sem misericórdia, sem
um vislumbre de perdão, antes, em uma luta final gloriosa,
ele derrotaria seu pai.
Um pedaço de neve derretida escorregou da ponta da
capa de Tye e se acomodou em seu pescoço: um calafrio
gelado em sua pele. Um lembrete de que, embora sua vitória
estivesse quase garantida, não estava completa. Sua atenção
moveu para a fortaleza, sua pedra tornada cinza opaca pelo
céu nublado. Com um grito áspero, ele convocou os
mercenários para segui-lo.
— Falaremos mais tarde, mãe.
— Bom. — A risada triunfante dela o seguiu enquanto
ele abria a porta da construção. — Wode é sua finalmente,
como você merece.
Capítulo Três
— Você acha que Lady Brackendale está ciente do
ataque? — A voz de Mary era apenas um sussurro no
corredor iluminado por tochas.
— Eu espero que sim, — Claire respondeu enquanto elas
corriam em direção ao solar. Havia uma chance muito boa,
entretanto, de que ela estivesse alheia. Desde a morte de
Lorde Brackendale, sua senhoria tornara-se retraída e
desanimada. Ela começou a dormir até tarde da manhã e
quebrar o jejum em seu quarto. Sua senhoria ainda pode
estar dormindo. Mais um motivo para Claire e Mary se
apressarem.
— Se os atacantes conseguiram derrotar os homens lá
fora... — disse Mary.
— Eu sei. — Claire temia correr e dar de cabeça com os
bandidos assassinos de olhos selvagens dentro do castelo,
embora houvesse uma boa chance disso também. A maioria
dos guerreiros do castelo tinha sido recentemente convocados
para cavalgar ao lado de De Lanceau. Sua sensação de pavor
se aprofundou, pois não poderia ser uma coincidência que o
ataque tivesse acontecido quando as defesas da fortaleza
estavam no nível mais baixo em anos.
À frente, as portas de madeira forradas de ferro do solar
estavam fechadas. Como temera, parecia que a sua senhoria
desconhecia o perigo.
Claire bateu na porta.
— Milady!
Vozes abafadas vieram de dentro.
— Milady! — Claire bateu novamente. — Precisamos
falar com você.
A porta se abriu com uma lufada de ar quente. Sarah, a
dama de companhia de Lady de Brackendale, estava na porta,
seu cabelo castanho trançado, como de costume em um rolo
arrumado em torno de sua cabeça. Ela franziu a testa
enquanto fazia uma reverência.
— Bom dia, Lady Sevalliere. Lady Westbrook. É cedo e
sua senhoria...
— É urgente. — Claire passou por Sarah. Lady
Brackendale, ainda usando sua camisola de linho branco,
estava sentada na cama, recostada em um monte de
travesseiros com os cobertores dobrados em volta da cintura.
Seu cabelo grisalho caia solto sobre os ombros. Uma bandeja
estava em seu colo e ela segurava um pedaço de pão com
manteiga.
— Claire? Qual é o problema? Você está terrivelmente
pálida...
— O castelo está sob ataque, — Claire deixou escapar.
Ao seu lado, Mary acenou com a cabeça.
O fogo na lareira estourou, e Claire pulou, seus nervos
tensos, com tanta força, quanto um carretel de lã. Lady
Brackendale trocou um olhar com Sarah, ainda de pé na
porta aberta, depois pousou o pão e limpou os lábios com um
guardanapo de linho.
— Você tem certeza, Claire?
— Sim!
— Minha querida, sabemos que você é abençoada com
uma imaginação fértil. Lembro-me bem daquela história que
você escreveu, a aventura romântica envolvendo um cavaleiro
ferido...
— Mas...
A sua senhoria ergueu a mão enrugada carregada de
anéis.
— O capitão da guarda estava planejando realizar
exercícios extras esta semana.
Claire balançou a cabeça.
— Ouvimos gritos de alarme no pátio. O choque de
armas também. O ataque está acontecendo agora. — Ela
passou correndo pela cama e abriu as venezianas da janela.
— Ouça!
Uma rajada de vento nevado trouxe consigo a cacofonia
da batalha. Simultaneamente, do corredor, veio o som de
pessoas se aproximando correndo. Rufiões, assassinos?
Claire fechou as venezianas e saiu da janela. Três
homens de armas apareceram na porta, respirando com
dificuldade. Os primeiros dois homens pararam do lado de
fora, cumprimentaram Lady Brackendale com a cabeça,
depois deram as costas e ficaram de guarda no corredor, as
espadas em punho. O terceiro homem, Sutton, um dos
melhores espadachins da fortaleza e marido de uma serva de
cozinha, parou tropeçando dentro do solar, com a mão
pressionada ao lado do corpo. O sangue cobria sua espada. O
sangue também brilhava em seus dedos. Quando Sutton
mudou de posição, fazendo uma careta, e a ponta de seu
manto de lã recuou, Claire viu os elos quebrados e
ensanguentados da cota de malha.
— Sutton. — Lady Brackendale empurrou sua bandeja.
— O que aconteceu?
Ele tentou uma reverência desajeitada, mas ficou tenso
com um gemido de dor.
— Estamos... sob ataque, milady.
— Deus do Céu ! Claire, eu nunca deveria ter duvidado
de você. Sarah, pegue meu robe. Ajude-me a levantar. Sutton,
diga-me tudo o que aconteceu.
— Mercenários. Um ataque rápido e brutal. — Seu rosto
se contorceu em outro espasmo de dor.
O olhar de Claire caiu para o banquinho retangular de
madeira empurrado contra a parede, mas antes que ela
pudesse ir buscá-lo para Sutton, ele acenou para que ela se
afastasse.
— Obrigado, milady, mas eu não vou descansar. Não até
que a batalha termine.
Sutton não estava preparado para retornar à batalha. Se
ele fosse de qualquer maneira, e a situação no pátio fosse tão
terrível quanto ela acreditava, ele poderia não viver para ver
esta câmara novamente. Ele era um guerreiro orgulhoso,
porém, assim como todos os homens de Lorde Brackendale.
Sutton disse que ele preferia morrer com honra em batalha do
que durante o sono; seu coração era tão valente e nobre
quanto o de Henry.
Lágrimas ameaçaram cair, mas Claire as piscou para
longe. Mais tarde, ela poderia chorar; agora, ela precisava
ajudar Lady Brackendale.
Sua senhoria desceu da cama. Sutton desviou o olhar
enquanto ela vestia o manto branco bordado que Sarah lhe
ofereceu.
— Quantos atacantes? — Lady Brackendale perguntou.
— Vinte. Talvez mais.
— Eles têm um líder?
— Um homem de cabelo escuro. Lutador habilidoso. Não
é um lorde de uma das propriedades locais. Eu nunca tinha
visto seu rosto antes de hoje.
— Eu entendo. — A preocupação gravou os traços de sua
senhoria. — A casa de guarda do portão?
— Ultrapassada.
— O postern?
— Capturado. Nossos homens estão lutando muito...
— Mas estamos perdendo.
Com sua expressão séria, Sutton assentiu.
Lady Brackendale suspirou.
— Quanto tempo nós temos?
— Não muito, temo.
O estômago de Claire apertou. Seus instintos estavam
certos. O nó terrível dentro dela advertiu que ela não tinha
visto o pior do dia ainda. Sarah parecia assustada e perdida.
Mary, de pé perto de Sarah, estava tão pálida quanto a roupa
de cama.
A mão trêmula de sua senhoria apertou-se na frente do
manto. Como se ela tivesse chegado a uma decisão
importante, acenou com a cabeça uma vez.
— Devemos nos preparar, então, para encontrar nossos
conquistadores.
— Oh, Deus. — Mary murchou no banquinho de
madeira, com os nós dos dedos das mãos brancas
entrelaçados no colo.
Sutton gesticulou para os homens fora do solar.
— Esses guerreiros protegerão sua câmara, milady. Eles
não vão deixar seus postos.
Lady Brackendale riu, um som quebradiço.
— Que atencioso, Sutton. Você sabe tão bem quanto eu,
no entanto, que dois guardas não vão impedir nossos
atacantes de invadir este quarto.
Um rubor avermelhado escureceu as maçãs do rosto do
homem mais velho.
— Pelo menos eles vão desacelerar e ferir os filhos da
puta, quero dizer, os rufiões, milady.
— Eles vão. Vá agora. Faça o que deve ser feito. — Ela
deu a ele um sorriso triste. — E obrigada.
Sutton acenou com a cabeça, girou nos calcanhares e se
afastou.
Lady Brackendale ordenou que Sarah fechasse a porta. A
câmara ficou em silêncio, exceto pelo crepitar do fogo. Com a
boca formando uma linha sombria, sua senhoria apontou
para o vestido de lã cinza escuro e a camisa de linho
estendida sobre uma cadeira. Sarah correu para buscar as
roupas.
— Meu amado Arthur, — a mulher mais velha disse
suavemente. Ela olhou para o fogo, como se visse mais do que
lenha queimando. — Enquanto ele respirava pela última vez
neste mesmo solar, ele me avisou que Wode poderia ser
atacado assim que estivesse morto. Seu medo de um ataque e
do que poderia acontecer comigo o atormentava.
Claire moveu-se para o lado da sua senhoria.
— Ele disse quem pode ousar fazer tal ataque?
— Ele não deu nomes. No entanto, ele conhecia o valor
estratégico deste castelo. Como você deve saber, esta fortaleza
foi governada pela família de Lorde de Lanceau por quase
cento e cinquenta anos e pertence a ele por direito.
— Eu não sabia disso, — disse Claire.
— Arthur foi nomeado lorde daqui por de Lanceau. Foi
um acordo feito entre os dois homens anos atrás depois de
uma batalha feroz entre eles. Eles já foram inimigos jurados.
Difícil de acreditar, mas foi antes de De Lanceau se casar com
a filha de Arthur, Elizabeth.
Claire conheceu de Lanceau, um homem bonito,
autoritário, mas também gentil, que adorava sua bela esposa,
várias vezes nos anos que ela viveu em Wode, ele viera aqui.
— Arthur amava muito sua filha. Ele também amava
este castelo e seu povo trabalhador. Como ele odiava pensar
que os inimigos poderiam tomar o poder aqui.
— Sinto muito, milady. — Claire lutou contra o
desamparo crescente. — O que podemos fazer? Podemos
mandar uma mensagem para Lorde de Lanceau?
— Não com a portaria e o postern capturados.
— Deve haver algo que possamos fazer, — Claire insistiu.
— De Lanceau vigia de perto suas terras e saberá, com
bastante rapidez, do ataque. Ele trará seu exército e esmagará
os conquistadores. — Os olhos da sua senhoria brilharam
com lágrimas não derramadas. Seu olhar mudou para Sarah,
que esperava com as roupas, mas então ela pegou as duas
mãos de Claire e as segurou com força. — Leve Mary e vá
para seu quarto. Tranque a porta. Empurre a mesa contra ela
e fique dentro até que eu diga que é seguro sair.
Claire ofegou.
— Não podemos deixá-la enfrentar os rufiões sozinha.
— Eu concordo, — disse Mary, agora de pé ao lado de
Claire.
— Estou feliz que você se sinta assim. Porém, sou uma
mulher idosa que passou por muitas experiências em sua
vida. Vocês duas viveram vidas muito... inocentes. Farei tudo
o que puder para protegê-las.
— Milady...
— Quando os agressores atingirem esse nível, — a
mulher mais velha interrompeu bruscamente, — eles primeiro
reivindicarão o solar. Se eu puder negociar com eles para
mantê-lo seguro, eu o farei. — Sua voz vacilou. — Arthur
esperaria isso de mim.
— Certamente seria mais seguro para nós
permanecermos juntas? — Claire disse.
— Você vai fazer o que eu disse. — Sua senhoria apontou
para a porta. — Vão agora. Vão!
Claire saltou, pois Lady Brackendale nunca tinha falado
com ela daquela maneira antes. Mas hoje estava longe do
normal, e se sua senhoria estivesse metade tão preocupada
em enfrentar seus agressores quanto Claire...
Claire fez uma reverência e agarrou a mão de Mary.
Juntas, elas correram de volta para o quarto de Claire. Uma
vez lá dentro, trancaram a porta e empurraram a pesada
mesa de cavalete de carvalho contra ela, como sua senhoria
havia instruído.
— Vamos ficar bem? — Mary perguntou, seus olhos
enormes.
— Ficaremos.
— E se os rufiões planejarem massacrar todas nós?
— Seria muito tolo da parte deles, — Claire respondeu,
tentando soar calma e lúcida, apesar do pânico zumbindo em
sua mente como uma mosca presa. — Duvido que os
conquistadores queiram hordas de amigos furiosos e parentes
dos falecidos correndo para o castelo para exigir vingança.
Além disso, não sobraria ninguém para cozinhar as refeições,
ou lavar o chão, ou cuidar dos cavalos, ou de outra forma
manter Wode.
— Há coisas piores do que morrer. — A voz de Mary era
estridente. — Os rufiões podem derrubar a porta, nos fazer
prisioneiras, e então... — Suas palavras desapareceram em
um gemido.
— Mary. — Colocando as mãos nos ombros de sua
amiga, Claire esperou até que Mary piscasse e encontrasse
seu olhar. — Você e eu ficaremos bem. Devemos ser tão
corajosas quanto Lady Brackendale. Afinal, fomos
desamparadas para isso.
Mary parecia confusa.
— Nós bloqueamos a porta. Se necessário, temos muitas
coisas nesta câmara para usar para nos defender.
— Nós temos?
Claire olhou para a lareira. As chamas que aqueceram
seu quarto durante a noite se extinguiram, e novas toras não
foram colocadas porque os servos esperavam que ela partisse
para o castelo de sua tia.
Pegando a mão de Mary, ela puxou sua amiga para a
lareira e jogou mais lenha. Ela e Mary ficariam neste quarto
por um tempo e poderiam muito bem estar confortáveis.
Então ela puxou o atiçador da lareira de entre os implementos
feitos de ferro. Sacudindo no ar algumas vezes, Claire disse:
— Perfeito.
— Isso vai nos salvar?
— Se eu cutucar um homem no lugar certo, — disse
Claire com uma piscadela, — ele não chegará mais perto.
— Oh, eu entendo. Você vai mirar nessa parte dele,
então?
O jeito que Mary falou 'essa parte', soou como se Claire
fosse fazer algo drástico e... perverso. Claire corou, pois ela
tinha ouvido rumores sobre um lugar em um homem que era
especialmente sensível à dor. Ela viu a prova na primavera
passada, quando uma serva de cozinha empunhando uma
panela de ferro fundido marchou para o pátio, gritou para um
dos moços do estábulo, e então bateu a panela entre suas
pernas. Os gritos agudos do homem trouxeram metade dos
servos do castelo correndo para o seu lado, e ele caminhou
estranhamente por dias depois disso. No entanto, Claire
preferia não ter que ferir um homem ali se pudesse impedi-lo
de outra maneira.
Com um encolher de ombros e uma estocada do
implemento, Claire disse:
— Se eu ameaçar enfiar o atiçador no olho de um
atacante, ele vai recuar.
— O olho. — Mary fez uma careta. — Achei que você
quisesse dizer... — O rosto dela ficou vermelho. — Bem, você
sabe.
— Eu quis. — O rubor de Claire se intensificou. — É o
último recurso, porém, cutucá-lo em suas partes masculinas.
— Verdade seja dita, a ideia de cutucar um homem em suas
partes perigosas a fazia querer vomitar, mas ela não deveria
ter tais escrúpulos. Se não tivesse outra escolha, ela deveria
fazer o que tinha que ser feito para proteger a si mesma e a
Mary.
Claire pegou um pedaço de madeira, um galho forte o
suficiente para dar uma pancada sonora ou até mesmo deixar
um atacante sem sentido.
— Pegue isso. — Ela empurrou o galgo para as mãos de
Mary.
— Nunca usei uma arma dessas antes.
— Nem eu, mas...
Em algum lugar distante, mulheres gritaram.
Mary lamentou. Ela se esforçou para virar o galho e
segurá-lo como uma espada.
— Aqueles gritos vieram do grande salão, — Claire disse.
O atiçador balançou em suas mãos. Misericórdia! Seu coração
ia disparar para fora de sua caixa torácica.
— Essas pobres mulheres parecem apavoradas. Você
acha que elas estão sendo levadas cativas? E se…? — Mary
engoliu em seco. — Os rufiões vierem buscar Lady
Brackendale e então... nós?
Claire apertou o atiçador da lareira.
— O que quer que esteja para acontecer, estaremos
prontas.
Capítulo Quatro
— Como você ousa pensar em colocar suas mãos
imundas sobre mim!
Tye olhou para Lady Brackendale. A fúria crepitante de
suas palavras ainda pairava no ar, tão palpável como se ela o
tivesse golpeado com força na bochecha. Ela o olhou como se
ele fosse um menino rebelde que merecesse uma surra, um
erro do qual ela se arrependeria rapidamente, se não tomasse
cuidado.
Ele já havia subjugado seus guardas e vasculhado a
câmara. A dama de companhia de cabelos ruivos estava
chorando na porta com um mercenário de pé sobre ela.
Faltava apenas revistar a sua senhoria em busca de armas ou
joias caras escondidas sob o vestido. Se a velha tivesse joias
nas saias, ela poderia tentar subornar um dos mercenários
para ajudá-la a escapar ou enviar uma mensagem para fora
do castelo; Tye não se arriscaria a arruinar seus planos
cuidadosamente traçados.
Tye apertou lentamente as luvas com a mão esquerda.
Com o rangido suave do couro, ela engoliu em seco, sua
garganta enrugada se movendo.
— Será muito mais fácil se você cooperar, — alertou. —
Recuse-se, e haverá consequências, não apenas para você,
mas para outros dentro destas paredes.
A dama de companhia gemeu.
Sua senhoria, porém, ficou ainda mais feroz.
— Eu quero garantias, especialmente para as duas
damas sob meus cuidados.
— Garantias? Eu acho que não.
Seus olhos brilharam.
— Você está disposto a atrair a ira do Rei, então? Eu
prometo-lhe, minhas pupilas...
— É o suficiente. — Tye sinalizou para dois dos três
mercenários atrás de sua senhoria. Eles a pegaram pelos
braços, mantendo-a imóvel enquanto ele se agachava, largava
as luvas e erguia a bainha de seu vestido.
Ela se contorceu e o chutou na perna.
— Pare, seu nojento, sem princípios...
Sua mão se fechou em torno de seu tornozelo esquerdo.
— Chute-me de novo, sua senhoria, e amarrarei suas
mãos e pés. Você vai ficar presa até que eu decida libertá-la, o
que pode levar alguns dias.
Sua senhoria soprou. No entanto, finalmente, ela parou.
Ele correu as mãos para cima e para baixo em suas pernas,
em seguida, deixou cair a saia e acariciou seus braços e
corpete. Ela o olhou durante a busca, mas ele a ignorou.
Finalmente, ele pegou as mãos dela e tirou os anéis de seus
dedos; ele os colocou na bolsa de couro em seu quadril, junto
com suas luvas. O dinheiro arrecadado com a venda das joias
ajudaria a pagar seus servos.
— Leve sua senhoria e sua serva para o grande salão.
— Minhas protegidas, — disse Lady Brackendale. —
Devo saber que elas estarão seguros.
— Como eu disse antes: sem garantias.
O medo tocou seu olhar.
— Agora você ouvirá...
— Pegue-as, — Tye estalou. Lady Brackendale o havia
atrasado por tempo suficiente e ainda havia muito a fazer. Os
mercenários puxaram a sua senhoria para a porta,
indiferentes aos seus gritos e luta.
Depois de uma última busca rápida no solar, Tye entrou
no corredor, o mercenário restante o seguindo. Eles
continuaram vasculhando os quartos no nível superior da
torre de menagem.
Sua fortaleza.
Quatro câmaras abaixo, ele alcançou o mercenário, que
encontrou uma porta trancada.
— Quem está lá dentro não vai abrir a porta, meu
senhor.
— Você avisou que vamos quebrar isso?
— Eu avisei. — O mercenário sorriu, mostrando os
dentes tortos. — Uma mulher lá dentro respondeu. Ela me
disse para ficar de fora, ou ela tomaria medidas drásticas.
Tye assobiou e balançou a cabeça. Ou a mulher era
extremamente corajosa ou completamente estúpida. A essa
altura, todos na fortaleza já sabiam do cerco. Ela devia
perceber que quaisquer pessoas na câmara não tinham
esperança de evitar a captura.
Dos três locais que ele investigou até agora, uma era um
lugar para as senhoras se retirarem e conversarem, com uma
grande lareira e bordados inacabados e jogos de madeira
descansando nas mesinhas laterais. O segundo quarto
parecia estar preparada para receber convidados inesperados.
O terceiro, a julgar pelo vestido de seda estendido na cadeira
perto da cama, era o quarto de uma jovem lady,
provavelmente uma das pupilas que sua senhoria havia
mencionado.
Ela estava atrás da porta que ele olhava agora? A outra
jovem pode estar lá com ela.
Só havia uma maneira de descobrir.
Ele bateu na porta.
— Abra.
Suspiros assustados soaram de dentro da câmara.
— Deixe-nos em paz! — veio uma réplica afiada,
ligeiramente abafada pelo painel.
O canto da boca de Tye se contraiu. A voz era, sem
dúvida, de uma jovem mulher, e tinha um tom bastante
agradável. Quem quer que fosse, ela claramente esperava que
ele partisse para conquistas mais fáceis.
Quem quer que fosse, ela o subestimava terrivelmente.
— Última chance, — ordenou Tye. — Obedeça, ou vou
derrubar esta porta.
— Eu obedeço às ordens de Lady Brackendale, — a
mulher respondeu com admirável desafio. — A porta
permanecerá fechada até que ela me diga para abri-la.
O inferno que vai. Tye sinalizou para o mercenário, que
chutou a porta. Então, Tye ergueu o pé calçado com a bota e
bateu com força na porta. Eles atacaram repetidamente até
que, com um estalo alto, uma das ripas de madeira se partiu.
— Oh, não! — uma mulher gemeu de dentro, uma voz de
mulher diferente daquela que Tye ouvira momentos atrás.
— Fique calma! — disse a mulher que o desafiou.
Um redemoinho inebriante de antecipação percorreu Tye,
pois a obstinada jovem lady o intrigava. Ele ansiava por pôr
os olhos nela, olhá-la fixamente até que ela enrubescesse
nervosamente e desviasse o olhar e assim se rendesse a ele.
Para provar que ainda estava no controle agora de tudo e de
cada um de Wode, ele poderia até mesmo tomá-la em seus
braços e roubar um beijo sensual dela. Sua virilha se aqueceu
com o pensamento.
Outro chute certeiro e a fenda na porta se alargou. O
mercenário enfiou a mão esquerda para dentro, encontrou a
chave na fechadura e girou-a. O mecanismo de bloqueio
clicou. A porta agora estava aberta, mas pelo buraco aberto,
Tye viu uma mesa de cavalete resistente bloqueando a
entrada.
Ao seu sinal, ele e o mercenário bateram os ombros
contra a porta. Tremeu, mas não se moveu para dentro.
— Maldita mesa, — disse o mercenário, girando o ombro.
— De novo, — ordenou Tye. Desta vez, a porta moveu
uma fração para dentro.
Com um grunhido triunfante, Tye pressionou as palmas
das mãos na porta e empurrou. O mercenário também
empurrou. Um ruído áspero veio de dentro. O painel moveu-
se lentamente enquanto a mesa era empurrada para trás nas
tábuas de madeira.
Uma mulher chorava.
— É o nosso fim.
— Não diga isso, — o lady da voz doce disse, embora
suas palavras soassem instável.
Uma lacuna suficiente se formou na borda da porta. Tye
empurrou, passou as pernas por cima da mesa e pousou do
outro lado, a espada pronta para o ataque. Sua entrada
dramática claramente impressionou, pois as donzelas de
olhos arregalados diante dele, uma esguia e loira, a outra
curvilínea e de cabelos escuros, gritaram e cambalearam para
trás.
— Bem, bem, — ele murmurou. Ambas empunhavam
armas. A morena, porém, estava segurando um grande
pedaço de pau e parecia mais propensa a desmoronar em
uma pilha de lágrimas do que causar qualquer dano real.
A loira segurando o atiçador da lareira, no entanto...
— Fique para trás, — ela ordenou.
Então ela era Lady Defiant. Ela realmente entraria em
uma luta e faria feridas, se ele acreditasse na ferocidade de
seu tom e no brilho de seus olhos azuis. Fios de cabelo
ondulado se soltaram de sua trança e se espalharam ao redor
de seu rosto. Ele sorriu, pois ela o lembrava de um gatinha
fofa, rosnando para ele, ameaçando-o com suas garras
minúsculas.
— Estou avisando, — disse ela, — se você não se virar e
sair...
— Você vai me espetar?
Um som estrangulado de choque e angústia saiu de seus
lábios carnudos e rosados, perfeitos para um beijo. Sim, ele
gostou da ideia de roubar um beijo dela antes de deixar esta
câmara. Ainda sorrindo, ele piscou para ela, e sua postura se
endureceu, indicando que ela não gostava de seu flerte.
Bom. Quanto mais desconfortável ele a deixasse, mais
rápido ela se rendia.
Ao ouvir o mercenário entrar para guardar a porta, Tye
deliberadamente deixou o silêncio passar. Ele deu uma rápida
olhada no resto do quarto, em busca de sinais de que
quaisquer outros cavaleiros, damas ou mesmo crianças,
pudessem estar escondidos na câmara. O quarto estava
escassamente mobiliado. Além da mesa, os únicos móveis
grandes eram uma arca de roupa e uma cama com moldura
de carvalho. Era improvável que alguém estivesse se
escondendo embaixo da cama baixa ou no baú, mas não
impossível.
Seu olhar voltou para Lady Defiant. Sua garganta se
moveu engolindo em seco, mas ela não abaixou o atiçador.
Ele continuou a segurar seu olhar, recusando-se a dar a ela
um momento de adiamento. Depois que ele a perturbasse
completamente, seria mais provável que ela largasse o
implemento e salvasse todos eles de uma briga. Afinal, tudo
terminaria com ela como uma de suas reféns. Ele não queria
machucar alguém tão adorável se não precisasse; ela poderia
valer um resgate considerável e seria mais valiosa para ele
ilesa.
Ela mudou o ângulo do atiçador de lareira, uma reação
nervosa. Seu olhar se estreitou. Entregando-se à curiosidade
que incomodava seu melhor julgamento, ele baixou o olhar, e
a percorreu, lentamente, muito lentamente, de sua coroa de
cabelos louros até o pescoço, para o mergulho sombreado
entre seus seios que desaparecia em seu justo corpete
bordado. Ele tinha provado, brincado e tocado os seios de
muitas mulheres em seus anos, e embora os dela fossem
cobertos por seda, ele sabia que eram perfeitos: redondos,
cheios, pesados o suficiente para derramar com deliciosa
suavidade em suas mãos em concha. O pensamento enviou
uma dor doce e aguda por sua virilha, pois ele ansiava por ver
aqueles lindos seios descobertos, não que ela jamais lhe desse
esse prazer. Não de bom grado. Hoje não.
Ele saboreou uma última, completa e apreciativa cobiça,
antes de sua atenção descer, para sua barriga lisa, e então
para a plenitude do vestido girando em torno de seus
tornozelos.
Ela não era apenas uma lutadora, mas uma beleza.
Sua beleza, se assim o desejasse.
Ele lutou contra o endurecimento do seu pau em sua
virilha, mesmo quando sua atenção voltou para seus seios
requintados. Sua respiração se acelerou. Seu seio subia e
descia com uma frequência atraente.
— Por favor, — disse ela. — Nos deixe em paz.
Sua voz soou muito diferente de antes. Ele a tinha
ofendido, adivinhou, em sua apreciação malandra de sua
beleza. Isso significava que seu plano para perturbá-la estava
funcionando.
— Sair? — Tye sorriu. — Acabamos de nos conhecer. —
Ele saboreou o desânimo em seus olhos. — Diga-me, há mais
alguém neste quarto, exceto vocês duas, senhoras?
Seu queixo se elevou um pouco.
— Por que deveríamos dizer a você? Você é um inimigo
de Wode.
— Não exatamente.
— Não? Então por que atacou esta fortaleza? Quem é
você e o que quer?
— Tenha cuidado, — a morena disse, cutucando sua
amiga em aviso.
A loira deu a sua companheira um olhar rápido. Então,
como se recuperasse sua determinação, ela empurrou os
ombros ainda mais para trás. Quando ela falou, sua voz era
firme e estável mais uma vez. As perguntas, combinadas com
seu olhar inabalável, poderiam ter persuadido Tye de que ela
estava totalmente no controle de sua ansiedade e preparada
para atacá-lo.
Na verdade, com ela segurando o atiçador direto em sua
direção, ele poderia ter prestado atenção à cautela patinando
na base de seu crânio. Um refém poderia causar muitos
danos com tal instrumento, exceto que ela estava oscilando.
Se ela não tomasse cuidado, poderia deixar a ponta cair no
pé.
— Você faz muitas perguntas, Gatinha, — disse Tye.
Seu olhar se fixou nele na palavra gatinha.
— Você não respondeu nem mesmo uma.
Rindo, ele balançou a mão, sinalizando para o
mercenário entrar na câmara. O homem avançou e começou a
vasculhar o quarto, começando pela cama. A morena ofegou e
se encolheu ainda mais atrás da loira.
— Pelo menos diga-nos suas intenções em relação a nós!
— disse a loira.
— Mmm. — Tye deu vários passos na direção delas. Se
ele as empurrasse contra a parede oposta, haveria menos
chance delas correrem para a porta.
Como ele esperava, as mulheres deram um passo
apressado para trás. O atiçador balançou um pouco mais.
Ignorando o olhar insistente da loira, um desafio tolo de
encará-la novamente, Tye olhou ao longo do comprimento de
metal até seu braço nu. O que ele podia ver disso, de
qualquer maneira, exposto pela cortina de sua manga larga.
Ele notou um pulso delicado, de ossatura tão fina quanto os
dedos que seguravam o cabo do implemento. Sua pele parecia
ser lisa e macia; a pele de uma mulher mimada a quem foram
dados incontáveis privilégios por causa de seu nascimento
nobre, não porque ela labutou, ou sofreu, ou lutou com
paixão e convicção para merecê-los. A vida dela era o tipo de
vida que ele tinha sido privado, por causa da rejeição de seu
senhor; do tipo que estava no fundo de sua alma, ele a
invejava.
A amargura sempre presente cintilou dentro dele, e
quando ele encontrou seu olhar finalmente, sua mandíbula se
endureceu.
— Eu perguntei suas intenções, — ela ofegou.
— Eu te ouvi. Faça o que eu digo e você não será
machucada.
Um baque veio do outro lado da câmara: a tampa da arca
caindo fechada.
— Milorde, — disse o mercenário. — Não há outros aqui.
Apenas as mulheres.
— Bom. — Tye deixou a palavra rolar em sua língua e
infundiu nela uma ameaça malandra. — Nenhuma
testemunha, então. Sem bravos heróis para correr para o
resgate, se as coisas ficarem... complicadas.
— Oh, Deus, — a morena sussurrou, soando como se ela
esperasse ser atropelada e deixada para morrer no próximo
momento.
O rosto da loira estava mais pálido do que antes.
— Jure que você não vai nos machucar.
A surpresa o sacudiu. Ela, a que estava em
desvantagem, estava exigindo isso dele? Ele claramente não a
estava perturbando tanto quanto pensava. Isso não era
apenas irritante, mas totalmente notável.
Infernos, mas agora não era o momento de ceder ao seu
fascínio por esta mulher, que era totalmente ousada. Ele era o
único no controle da situação, não ela.
— Você se atreve a fazer exigências de mim, milady? Não.
Eu posso considerar essa a prova de que você não vai
cooperar comigo e com meus homens.
A morena soltou um gemido assustado.
— Agora você conseguiu, Cl...
— Com todo o respeito, — a loira disse apressadamente,
— eu não me recusei a cooperar. Eu apenas quero a sua
promessa...
— De segurança. Eu sei. É uma promessa que não farei,
porque o que ocorrer hoje nesta câmara depende inteiramente
de você.
O mais ínfimo dos sons, um gemido abafado, talvez,
atraiu sua atenção para baixo da curva delgada de seu nariz
para seus lábios. Seu interesse despertou novamente, intenso
e inegável. Ele queria sentir o gosto dela. Ela seria doce e
madura, como uma fruta proibida? Sua luxúria chamejou
novamente. No mínimo, beijá-la poderia calar sua tagarelice
ousada.
Como se sentisse seus pensamentos rebeldes, seus
lábios exuberantes se apertaram.
— Eu te aviso, eu não vou ficar parada e deixar você nos
machucar. Eu irei utilizar este atiçador de lareira para
defender Mary e eu.
Ele riu; ele simplesmente não conseguia evitar.
A indignação tornou seus olhos ainda mais brilhantes e
azuis.
— Por que você está rindo?
— Defender-se e a Mary? Você mal consegue segurar o
atiçador com firmeza.
— Estável o suficiente para...
— Coloque-o para baixo, — ele disse, muito firmemente.
A loira estremeceu, mas não o obedeceu. Ele teve que
admirar sua coragem. Mulheres jovens criadas com muito
carinho já teriam desmaiado a seus pés há muito tempo.
— Eu não vou abrir mão do atiçador, — ela disse, sua
voz baixa, mas firme. — Esteja avisado, eu sei como ferir um
homem.
— Mesmo?
Ela assentiu solenemente.
— Eu sei exatamente onde mirar. Aquele lugar onde
realmente dói.
Atrás dela, Mary ficou vermelha. Ele estava ficando mais
intrigado a cada momento.
Com uma inclinação prática do pulso, ele apontou a
espada para a garganta de Lady Defiant. Havia muitos passos
entre eles para sua arma tocá-la, mas uma estocada rápida
resolveria isso.
— Eu ordenei que você abaixasse o atiçador da lareira.
Faça-o. Ou...
Um barulho alto. Aquela chamada Mary tinha derrubado
a madeira.
— Faça o que ele diz, — Mary guinchou. — Rapidamente!
— Ouça a ela, — disse Tye. — Minha paciência está se
esgotando e tenho sido mais do que cortês.
— Cortês? — A loira parecia horrorizada. — Você atacou
Wode. Você invadiu minha câmara e...
— Cortês, — ele repetiu. — Eu não tenho que pedir para
você me obedecer. Eu não tenho que esperar você obedecer.
— Seu olhar percorreu completamente o comprimento de seu
corpo. — Eu posso simplesmente pegar o que quero de você,
Gatinha.
Capítulo Cinco
Posso simplesmente pegar o que quero de você.
As palavras sedosas do homem, combinadas com o
desafio inabalável de sua espada, fizeram a respiração de
Claire ficar presa na garganta. Ele pretendia assustá-la. E
teve sucesso.
Sem o menor indício de consciência, ele jurou que
poderia conseguir o que queria dela, sem precisar de sua
permissão. Isso significa força bruta. Um pensamento
horrível.
Era esse o seu plano? Pegar? E o que, exatamente, ele
tiraria dela?
Mary também seria vítima de sua depravação?
A câmara ficou em silêncio, como se Mary e o mercenário
esperassem também, para ver o que Claire faria a seguir.
Lágrimas não derramadas queimaram seus olhos. Lutar
contra as lágrimas e o tremor de suas pernas exigia uma
tremenda força de vontade. A dúvida gritou dentro dela,
dizendo que ela já havia perdido essa luta, que ele era muito
mais forte, e que se ela fosse sábia, largaria o atiçador de
lareira e não o provocaria mais. Ele poderia ser
misericordioso, se ela se rendesse.
Poderia.
O patife continuou a encará-la, nenhum traço de
gentileza ou concessão em seus olhos cinza de aço. Não que
ele parecesse um homem que jamais admitiria. Era o rosto de
um homem que lutou por toda a vida, e provavelmente por
sua vida. Seu cabelo castanho escuro, puxado para trás de
seu rosto e amarrado com uma tira de couro, aumentava a
severidade de suas feições, pois fazia suas maçãs do rosto
parecerem mais pronunciadas, seu rosto bronzeado de sol
esculpido e anguloso. Seu nariz era ligeiramente torto,
sugerindo que tinha sido quebrado pelo menos uma vez. Seu
queixo quadrado chamou a atenção para seus lábios largos e
sensuais.
O homem diante dela não era bonito, não da maneira
que Henry tinha sido agradável aos olhos, os cabelos
dourados e refinados. Havia uma beleza indomável,
entretanto, nas feições do patife. Seu noivo era semelhante a
uma pedra polida de rio; este homem era uma rocha
quebrada de um penhasco castigado pelo mar, com bordas
ásperas e uma selvageria que tornava sua expressão
implacável e dura.
Suas feições, por algum motivo, a lembravam de outro
homem: Geoffrey de Lanceau. No entanto, certamente era um
erro traçar uma comparação entre este bandido e o poderoso
e respeitado lorde.
O olhar do patife se aguçou. Seus cílios grossos e pretos
caíram uma fração, e aquela leve ação fez seu pulso saltar.
Seu olhar era como um peso sólido pressionando-a,
comandando-a sem palavras ou contato físico, mas de uma
maneira que a penetrou profundamente e era, portanto, de
alguma forma, ainda mais poderosa.
Claire nunca poderia deixá-lo ver o quão apavorada ela
estava. Se ela revelasse o quanto ele a afetava, lhe daria uma
vantagem e, até agora, conseguiu se manter firme. Na
verdade, ela não deve ceder, e não apenas por causa de sua
preocupação com Mary. A maneira como o patife olhou para
ela, como se quisesse empurrá-la para um canto e passar
suas mãos grandes e fortes por toda a sua carne nua, era
semelhante a uma promessa. Assim que ele tirasse o atiçador
dela, ela pertenceria a ele.
O mais assustador de tudo, no entanto, era o
emaranhado de sentimentos dentro de si que ela não
conseguia explicar. Ela estava tão ciente dele fisicamente. A
pele em seu seio formigou. Seu corpo inteiro parecia
estranhamente inquieto.
E naquele momento, sabia que não iria ceder, não
importava o quanto ela estivesse com medo. Ela lutou contra
as dúvidas que ainda a atormentavam, lutou contra elas com
uma força puxada diretamente de sua alma. Seu
relacionamento com Henry, embora breve, ensinou-lhe muito,
acima de tudo, a importância da honra. Render-se agora seria
a escolha mais fácil. Lutar por si mesma e por Mary era
assustador, mas também certo. Seus dedos se apertaram no
atiçador de lareira e, com o acerto de sua decisão assentando
dentro dela, ela ergueu o queixo mais alto.
— Essa é a sua resposta final, então, — ele disse. —
Você não vai largar o atiçador.
— Eu não vou.
— Eu te avisei o que iria acontecer. — Ele deu um passo
medido em sua direção.
Ela lutou contra uma onda nauseante de tontura.
Atrás dela veio um gemido gorgolejante: Mary. Ela não
parecia nada bem. Uma mudança de ar roçou Claire,
acompanhada por um farfalhar de tecido, e então um baque.
— Mary? — Claire disse.
Sem resposta.
O foco do bandido mudou para o chão atrás dela.
— O que aconteceu com Mary? — Claire exigiu.
— Ela desmaiou. — O trapaceiro sorriu.
Como ele ousa desfrutar da situação difícil da pobre
Mary!
O desejo de olhar para Mary, para ver se ela estava bem,
queimava dentro de Claire, mas não ousou tirar sua atenção
do canalha.
— Você é cruel de sorrir, — Claire disse rispidamente. —
Ela pode se machucar por causa da queda, graças a você. —
A raiva, alimentada por seu medo e tensão, rodou dentro dela
com a energia crepitante de uma tempestade. Ela ergueu o
implemento um pouco mais alto, desejando que seus braços
cansados estivessem mais firmes.
Ele deu mais um passo em sua direção. Ele se movia
com eficiência elegante, como um caçador treinado. Um
predador que estava perseguindo a ela. Ele estava perto o
suficiente agora para poder cortar o braço dela com a espada,
uma maneira segura de fazê-la largar o atiçador de lareira.
Uma terrível frieza se instalou em seu estômago.
— Fique para trás, — disse ela, tremendo.
Ele deu um passo à frente novamente, muito rápido para
ela se afastar, e sua mão capturou a ponta do atiçador. A
força de seu aperto enviou um tremor brutal correndo por ela.
O triunfo agora suavizou seu sorriso maroto.
Recusando-se a dar atenção ao pânico crescendo dentro
dela, ela torceu o implemento para o lado.
Seu aperto aumentou.
— Você deveria ter me escutado. — Ele sacudiu o braço,
um movimento elegante e calculado. Ela estremeceu, pois a
dor subiu de sua mão até o braço. Seus dedos se afrouxaram
instintivamente. O implemento, arrancado de suas mãos,
voou pelo ar, bateu na parede ao lado dela e aterrissou com
um estrondo nas tábuas do chão.
Antes que ela pudesse flexionar os dedos, o metal frio
pressionou o vale entre seus seios. A ponta da espada do
bandido pressionada contra sua pele, bem na ponta de seu
corpete. Com o menor empurrão para frente, ele tiraria
sangue.
Com o coração batendo forte, Claire ficou muito quieta.
Ele iria tomar o que quer que fosse que havia ameaçado
antes? Ou ele decidiu matá-la?
Seus pensamentos se voltaram para Henry, que morrera
por uma espada empunhada por um prisioneiro assassino.
Henry teve medo em seus momentos finais de vida? Não. Ele
morreu como um herói. Ele foi elogiado em seu enterro por
sua tremenda coragem pelo próprio Lorde de Lanceau. Se ela
estava destinada a morrer nas mãos desse bandido nos
próximos momentos, também deveria mostrar tal força, em
homenagem a Henry.
Apegando-se a esse pensamento, ela disse, trêmula:
— Vá em frente, então.
— Em frente? — o patife murmurou.
— Faça o que quer que seja a má ação que pretende. Se
você tiver misericórdia, o fará rapidamente.
Seus olhos brilharam de admiração. Então, como se ele
suprimisse a explosão de emoção, sua boca se formou em
uma linha dura. Tirando a espada de sua carne uma fração,
ele disse:
— Mova-se. Em direção à parede.
O que aconteceria quando ela alcançasse a parede? A
mente de Claire disparou, cada possibilidade mais
assustadora do que a anterior, mas ela o obedeceu, virando-
se ligeiramente e dando um passo para trás. Seus sapatos
fizeram um som arrastado nas pranchas. Ele se moveu com
ela, seus passos ousados, a luz brilhando em sua espada.
Claire olhou além dele para Mary, que ainda estava
deitada no chão, com os olhos fechados. O mercenário de
guarda sobre ela.
— Por favor, — Claire disse. — Mary...
— Ela vai ficar bem.
Tremendo, Claire se pressionou contra a parede de
pedra.
— Como você sabe? Você nem mesmo a examinou em
busca de ferimentos... Ou não importa para você se ela vive
ou morre?
Sua risada frágil patinou ao longo de seus nervos.
— Ela não vai morrer.
A menor explosão de esperança aqueceu Claire. Ele
parecia tão certo. Talvez suas intenções não envolvessem
matá-la e a Mary.
— Por que você diz isso? — ela se atreveu a perguntar.
— Já vi feridos o suficiente em meus dias para saber que
ela ficará bem.
A espada novamente tocou a pele de Claire. Seu lampejo
momentâneo de esperança vacilou, pois embora suas
palavras fossem encorajadoras, ele não deu garantias quanto
ao destino delas. Se ela o mantivesse falando, entretanto, ela
poderia descobrir mais.
— Mary já deveria ter acordado, não deveria? Ela pode
ter batido com a cabeça ao cair. Seus ferimentos podem ser
do tipo que não causa sangramento visível, e que só são
aparentes mais tarde.
Segurando seu olhar, o patife acenou com a mão para o
mercenário. Com uma carranca de relutância, o homem
corpulento caiu de joelhos ao lado de Mary, largou a espada,
tirou a luva direita e pressionou seus dedos sujos e cheios de
cicatrizes no pescoço de Mary. Então, ele ergueu a cabeça de
Mary e verificou o lado de seu rosto que estava encostado nas
tábuas.
O mercenário grunhiu.
— Ela parece bem para mim. Sem hematomas. É
improvável que ela tenha batido com a cabeça.
— Bom. — A atenção do patife não moveu de Claire.
— Agora, reviste-a.
Claire ofegou.
— O quê?
— Mary pode ter uma arma escondida em suas vestes.
Digamos, uma pequena adaga de lady amarrada em sua coxa.
— Não!
— Não seria a primeira vez que uma lady tem uma adaga
escondida na saia.
Verdade, mas como ele sabia disso? Ele não parecia um
homem familiarizado com o que acontecia dentro da nobre
elite. Ele poderia ter obtido seu conhecimento por algum
outro meio, é claro, como seduzir uma lady e em meio a uma
paixão acalorada, encontrar a adaga. Isso Claire iria acreditar.
Sua pele formigou, uma traição desconfortável de quão
vividamente ela podia imaginá-lo empreendendo uma
sedução.
Mesmo assim, Mary nem mesmo possuía uma adaga. Ela
havia perdido o que Lady Brackendale lhe dera e não a
substituiu. Em Wode, sua segurança nunca esteve em
questão. Até agora.
Um sorriso vigoroso curvou a boca do mercenário
enquanto ele passava lentamente as mãos pelos braços
flácidos de Mary.
— Ela não tem uma arma, — Claire insistiu. — Eu juro.
— Eu poderia acreditar em você, — disse o patife, — se
não a tivesse visto brandindo um pedaço de pau.
A repulsa cresceu dentro de Claire, pois as palmas das
mãos do mercenário estavam deslizando em direção aos
ombros de Mary. Logo, suas mãos sujas estariam indo para o
seio dela. Tal violação não deveria ser permitida, embora ela
tivesse ouvido falar de mulheres escondendo adagas entre os
seios.
— Diga a ele para parar. Por favor.
— Eu não vou.
— Mas Mary...
— Ele vai terminar sua busca. É a maneira mais certa de
confirmar que você não está mentindo para mim.
Claire engoliu o gosto horrível em sua boca.
— Ele não deve tocar... É errado, as mãos dele sobre
ela...
Como se sentisse os pensamentos de Claire, o patife
olhou por cima do ombro.
— Faça mais do que revistá-la em busca de armas, —
disse ele ao mercenário, — e seu pagamento estará perdido.
O idiota fez uma pausa, com as mãos espalmadas na
parte superior do peito de Mary, os dedos
surpreendentemente perto de seu seio. Franzindo a testa, ele
murmurou baixinho, deslizou as laterais das mãos entre os
seios dela e passou para a barriga e a parte inferior das
costas.
— O pau foi ideia minha, — disse Claire. — Eu dei a
Mary e disse a ela para segurá-lo.
O patife deu uma risadinha.
— Isso, eu acredito.
— Tínhamos que nos defender! Não sabíamos o que nos
aconteceria no ataque. — Claire enfocou todo seu desespero
em seu olhar. — Ainda não sabemos. Nem sabemos quem
ousou este ataque.
— Eu ousei.
— Quem, exatamente, é você?
— Você pode me chamar de Tye.
— Tye, — ela repetiu, guardando na memória. — Sem
sobrenome?
— Apenas Tye.
Que incomum, que ele não quisesse compartilhar seu
sobrenome. Deve haver uma razão. Ela não queria parecer
muito curiosa.
— Nunca ouvi o nome Tye antes.
A raiva faiscou em seus olhos. Ele se considerava
famoso? Ele esperava que ela soubesse quem ele era e
respondesse com um grito de choque? Talvez o trapaceiro
arrogante até esperasse que ela desmaiasse.
— Meu nome é um que você, e todo Moydenshire, logo
conhecerão muito bem.
— Por quê? O que é...? — As mãos em movimento do
mercenário chamaram a atenção de Claire. Ele estava agora
na bainha do vestido de Mary. A lã fina enrolada sob seus
dedos, revelando a borda bordada da camisa de linho creme
de Mary e sua panturrilha, coberta com meia de seda. Claire
estremeceu quando ele puxou ambas as roupas e empurrou a
mão ao longo de sua perna. — Oh, Mary. — A querida amiga
de Claire entraria em colapso de horror se soubesse que uma
inspeção tão inadequada ocorreu enquanto ela estava
desmaiada.
— Lembre-se do que eu disse a você — rosnou Tye para
o caipira.
— Sim, — o mercenário disse amargamente, seu tom
sugerindo que ele estava amargamente desapontado por não
poder tatear sob as saias de Mary. Depois de uma varredura
rápida com a mão, ele puxou sua roupa de volta e deslizou
um dedo dentro de seus sapatos. Sua busca completa
terminou, ele pegou sua espada e se levantou. — Sem armas.
— Como eu disse a você, — disse Claire.
O mercenário soprou, um som depreciativo, e as mãos de
Claire se fecharam em punhos. Como ela queria bater em sua
cara feia.
Uma risada irônica chamou sua atenção de volta para
Tye.
— Calma, Gatinha.
— Pare de me chamar assim!
— Por quê? Combina com você.
— Eu não sou uma gata.
— Como devo chamá-la, então? Você não me disse seu
nome de batismo, embora eu tenha lhe contado o meu.
Claire hesitou. Preferia que ele não soubesse quem ela
era. No entanto, ela não gostou do jeito que ele disse gatinha,
infundindo a palavra com um carinho indesejável. O carinho
pareceu deslizar em sua língua e terminar em um ronronar
sensual, uma maneira chocante de falar uma palavra tão
inocente. Claro, um patife como ele provavelmente poderia
fazer a palavra 'botão de ouro' soar pecaminosa.
— Claire, — ela disse. — Esse é o meu nome e como você
deve me chamar.
— Claire, — ele repetiu. — Um nome adorável. Mesmo
assim, ainda prefiro o gatinha.
— Até onde eu sei, não tenho quatro patas, dentes
pontiagudos ou bigodes, — ela respondeu asperamente. — Ou
um rabo.
De todas as coisas, seu sorriso se alargou.
— Sem cauda? Que pena. Ainda assim, você é
imprudente e impulsiva, assim como uma gata jovem.
— Agora você está sendo ridículo.
Os olhos de Tye brilharam.
— Em um momento, você vai ronronar para mim.
— Ronronar? O que te faz dizer isso?
Tye convocou o mercenário para seu lado. Assim que o
bandido se aproximou, Tye disse:
— Mantenha sua espada apontada para ela.
— O prazer é meu. — O mercenário mudou a ponta de
sua arma para pairar em seu pescoço.
O aço rangeu quando Tye colocou a espada de volta na
bainha. Suas mãos, bronzeadas pelo sol e calejadas, agora
estavam livres.
Oh, misericórdia.
— Você não pode querer...
— Eu quero. — Tye piscou. — É a sua vez de ser
revistada, e eu mesmo o farei.

***
Tye se abaixou e pegou a mão direita de Claire. Sua pele
era lisa, macia e não tinha uma única mancha ou aspereza,
como ele esperava para uma jovem lady mimada. Seus dedos
ainda estavam cerrados, uma pequena medida de desafio,
mas ele pacientemente os abriu, recusando-se a deixá-la
negar a pressão de sua mão, e então deslizou seus dedos
entre os dela. Com ela firmemente em seu aperto, ele puxou o
braço dela ao seu lado, de modo que sua manga caiu como a
asa de um anjo. Ele sentiu o caminho do braço dela,
pressionando e apertando.
Ela tremia enquanto ele inspecionava. A atenção dele
estava no braço dela, mas ele sentiu o seu olhar em seu rosto,
um olhar de desafio silencioso. Ele esperava que ela
protestasse contra sua busca, mas para sua surpresa, não
disse uma palavra. Ela deve ter decidido que a maneira mais
fácil e rápida de lidar com as coisas desagradáveis seria
suportando.
Apesar de seu silêncio, raiva e medo definiram a
proximidade entre eles. Não podia culpá-la por estar com
medo, ele havia antecipado tal reação de uma donzela que
nunca tinha sido tocada por um homem, especialmente
alguém tão completamente, sem desculpas, experiente como
ele.
O que ele não esperava, entretanto, era a maneira como
ela o fazia se sentir. Tocá-la, mesmo através do tecido de seu
vestido, era semelhante a uma forma de tortura. Sua carne
era flexível, o tecido luxuoso de sua vestimenta tão macio
quanto as coxas nuas de uma mulher. Como se isso não fosse
tormento suficiente, ela cheirava deliciosamente, como mel e
leite misturados. Ele queria respirar fundo e saboreá-la.
Quando a mão dele viajou para o ombro dela, mechas
perdidas de seu cabelo loiro brilhante roçaram as costas de
seus dedos. Luxúria pura e irrestrita ondulou através dele.
Ele sentiu o estreitamento de seus olhos, a pergunta se
formando em sua mente. Recusando-se a encontrar seu
olhar, ele abaixou o braço, libertou os dedos e moveu-os para
o outro ombro. Lã fina farfalhou sob a ponta de seus dedos.
Ela pigarreou.
— Depois que você me revistar e descobrir por si mesmo
que não tenho nenhuma arma, o que vai acontecer comigo? E
quanto a Mary?
Seus dedos percorreram a bainha bordada de sua manga
e seu pulso. Ele pensou em atrasar sua resposta, pelo menos
até terminar com ela. Se ele dissesse que sua vida não estava
em perigo, ela poderia fazer algo precipitado. A ameaça de
morte era um meio eficaz de controle. No entanto, ela ainda
estava tremendo, e por mais que ele quisesse que ela o
obedecesse, não via sentido em mantê-la em um estado de
medo tão elevado.
Finalmente encontrando o olhar dela, ele disse:
— Vocês serão minhas reféns.
— Reféns. — O alívio suavizou a palavra. — Você não vai
nos matar, então.
— Não vejo razão para matar você.
— Nós não temos. São boas notícias.
Tye lutou contra um sorriso; em vez disso, ele fez uma
careta, com ameaça suficiente para garantir que ela
continuasse a obedecer. Colocando ambas as mãos nos
ombros dela e movendo-as para dentro em direção ao seio
dela, ele disse:
— Claro, se você me desobedecer ou tentar escapar,
posso mudar de ideia.
Sua caixa torácica se expandiu sob as palmas das mãos
quando ela respirou fundo. A postura dela ficou tensa, como
se ela esperasse que as mãos dele, deslizando pelo decote,
diminuíssem a inspeção, abrindo-se amplamente e fechando-
se sobre os seios rechonchudos e redondos.
Dentes de Deus, era exatamente o que ele queria fazer.
Ela se moldava perfeitamente em suas mãos, e quando seus
polegares roçaram seus mamilos, ela suspirou, talvez até
gemeu, e suas pálpebras tremeram...
— Lady Brackendale está segura? Ela também é refém?
Tye voltou a se concentrar em sua tarefa. O
aborrecimento o varreu. Ele não deveria ser tão facilmente
distraído por um atraente par de seios, especialmente os de
uma lady que provavelmente era virgem e que nunca
desnudaria o corpo para ninguém, exceto seu marido.
— Ela é, — ele disse.
— Como suas reféns, o que se espera de nós?
— Isso vai depender.
— De que?
Ele lançou a ela um olhar gelado.
— Como você ouve bem o que meus homens e eu lhe
dissermos.
Uma carranca franziu sua testa.
— E?
— Seu valor como refém.
— Você quer dizer se eu sou de uma família rica ou não?
Se eu for, você vai exigir um resgate extorsivo?
— Você faz muitas perguntas, Gatinha.
— Se você estivesse na minha posição, não gostaria de
saber o que vai acontecer? Seria tolice não perguntar.
Ele encolheu os ombros.
— Verdade.
— Você disse que não ia nos matar, — ela continuou,
como se suas perguntas exigissem explicação, — mas há
inúmeras outras coisas, algumas bastante horríveis, que
podem acontecer conosco...
— Também é verdade. — Tye caiu de joelhos diante dela.
— Oh! Deus. O quê...
— Aguente firme. — Seus olhares se encontraram
quando sua mão deslizou sob a bainha de seu vestido. — Será
mais rápido.
— Não! Eu... eu não tenho uma adaga. Eu juro! — ela
disse, parecendo em pânico. Outro gorjeio de protesto saiu
dela, mas ele empurrou as camadas de roupas para alcançar
sua perna. Como Mary, ela usava meias de seda por baixo do
vestido.
Tye passou a mão por sua panturrilha. Até suas roupas
cheiravam a leite e mel. Sua mandíbula se apertou, com força
suficiente para causar-lhe dor. Bom. A dor era familiar. Dor
que ele podia tolerar. E o tormento que Claire causava a ele?
Isso poderia levá-lo a fazer algo muito, muito imprudente.
Ele tinha acabado de levantar a saia dela para desnudar
o joelho direito, um joelho bem torneado, quando um grito
quebrou atrás dele.
O mercenário grunhiu.
— A outra lady está acordada.
— Foi o que ouvi.
— Claire! — Mary ofegou.
Tye se concentrou nas pernas delgadas de Claire, as
palmas das mãos deslizando para cima. Quanto mais cedo ele
terminasse sua busca, melhor.
— Mary, não se preocupe. Estou bem, — Claire disse
com mais calma em sua voz do que ele esperava, pois ela
estava tremendo sob seu toque. Da maneira como ela
estremeceria se a acariciasse, persuadindo-a a abrir as coxas
para você, sua mente perversa apontou. Ele forçou de lado o
pensamento tentador.
— A mão dele, — disse Mary. — Está dentro do seu
vestido.
— Sim, mas...
— Na sua perna!
Como seria fácil tocar aquela parte secreta dela, aquela
voz travessa em sua cabeça provocava. Ela nunca deixaria
você tocá-la lá de outra forma. Você está tão abaixo de sua
posição nobre, você não é nada para ela.
A dor na mandíbula de Tye se intensificou. Um músculo
saltou em sua bochecha quando seus dedos deslizaram mais
alto, querendo tocá-la mais. Querendo...
O furioso zunido de lã veio de trás dele. Mary se levantou
com dificuldade. Com um último movimento da mão pela
perna esquerda de Claire, ele largou o vestido dela e ficou de
pé. Ele acenou para o mercenário tirar a espada da garganta
de Claire.
Tye apontou para Mary.
— Mova-se para a parede. Ao lado de Claire.
Com os seios subindo e descendo em respirações
aceleradas, Mary olhou para ele. Ainda assim, ela fez como ele
ordenou. Quando ela alcançou Claire, jogou os braços em
volta da amiga e elas se abraçaram. Mary fungou como se
fosse se desmanchar em lágrimas.
Tye ignorou uma pontada de remorso, gesticulou para
que o mercenário montasse guarda na porta da câmara e
depois caminhou em direção ao baú. Ele sentiu o olhar de
Claire em suas costas, mas resistiu ao desejo de se virar e
encontrar seu olhar. Ele ainda não tinha terminado nesta
câmara, e havia o resto do castelo para proteger. De forma
alguma uma mulher iria atrapalhar sua vitória.
— Que provação miserável você passou, — Mary
sussurrou. — Como aquele rufião ousa tocar por dentro de
suas saias.
— Eu estou bem, — Claire sussurrou de volta. — Ele
pensou que eu poderia ter uma adaga escondida, é tudo.
— Ele não te machucou? Nem o outro bandido?
— Não.
— Estou feliz. — Mary suspirou, o som carregado de
culpa. — Lamento ter desmaiado. Eu não tive a intenção de...
— Eu sei, — Claire acalmou.
Tye parou diante da arca e levantou a tampa. Uma
lufada do cheiro de Claire flutuou, e ele lutou contra a quente
lambida de desejo em sua virilha.
— O que aconteceu enquanto eu estava alheia ao
momento? — Mary perguntou. — Eles me revistaram daquela
maneira horrível também?
— Receio que sim...
— Que coisa horrível! Quem me revistou? Foi... ele?
Tye sentiu os olhares das mulheres o perfurando.
Recusando-se a reconhecer seu escrutínio, ele virou o baú
pesado de lado e despejou o conteúdo. Sedas, lençóis, sapatos
e outros itens se derramaram nas tábuas do assoalho.
Uma pilha de papéis dobrados, amarrados com uma fita
de seda, derrapou até parar perto da ponta de sua bota.
Cartas de amor? Uma lady tão bonita quanto Claire sem
dúvida tinha pretendentes, até mesmo um noivo. Ele lutou
contra uma sensação ridícula e indesejada de ciúme e se
abaixou para pegar o embrulho.
— Pare! — ela gritou. Passos apressados vieram por trás
dele.
Com os papéis firmemente em suas mãos, Tye enfrentou
Claire, parada a alguns passos de distância. Ela parecia
dividida entre arrancar os olhos dele e sucumbir às lágrimas.
— Como você ousa? Esses são meus pertences.
— Tudo neste castelo pertence a mim agora.
Ela respirou furiosamente, parecendo ficar mais alta.
— Não é verdade.
— Claire. — Ele esperava que ela recuasse. Homens
adultos fugiram quando ele usou aquele tom de voz.
Corajosa a gatinha, ela se manteve firme.
— Apenas o lorde de um castelo pode reivindicar que
tudo dentro pertence a ele, — ela disse. — Você é...
— O novo lorde de Wode. A partir de hoje.
— Você não provou seu direito de governar aqui. Não
para mim. Pelo que eu sei, não para Lady Brackendale ou
qualquer outra pessoa nesta fortaleza. Portanto, o que você
fez aqui em minha câmara é uma violação.
Ele riu.
— Você já deveria saber que não tenho vergonha do que
fiz. Ou devo provar para você novamente? Talvez de uma
maneira ainda mais direta? Estou mais do que disposto a
fazer isso, milady.
Capítulo Seis
Claire fechou e abriu as mãos e lutou para não atacar
Tye. Que arrogância! Que ousadia. Nunca conheceu um
homem que ousasse falar com ela de maneira tão chocante e
desrespeitosa. E tratar suas coisas preciosas como se fossem
suas para fazer o que desejasse?
Imperdoável.
— Claire, — disse Tye, seu tom de advertência.
Ela olhou carrancuda para ele. Sim, ela o temia, e
mesmo agora, seu coração saltou em seu peito como um sapo
assustado. No entanto, quando se tratava das cartas de
Henry, qualquer outra pessoa ou Tye a empurrou longe
demais.
A curva insolente da boca de Tye zombava de todas as
esperanças que ela já teve de manter suas missivas de Henry
escondidas dele. Ver aquele pacote precioso em sua mão a fez
querer gritar. Eram cartas dela, cheias de palavras doces e
confidências sinceras, escritas apenas para ela.
É verdade que ela secretamente compartilhou as cartas
de Henry com Mary. Depois que ele foi morto, Claire se deitou
em sua cama, leu e passou o dedo sobre as linhas de tinta,
enquanto se lembrava de seu rosto na última vez que o viu, e,
é claro, o seu beijo. Ela, com Mary, aninhadas ao lado dela,
choraram, e algumas das lágrimas de Claire caíram no
pergaminho borrando a tinta. O bandido diante dela,
entretanto, não precisava saber o que Henry havia escrito, ou
ver a prova de sua angústia nas manchas de tinta aleatórias.
Tye poderia ter se declarado lorde, mas isso não lhe dava
esse direito. Lorde Brackendale, que tinha o direito, nunca
teria tomado tal liberdade, por respeito a ela.
A fúria que acompanhou esse pensamento a convenceu a
dar um passo à frente e estender a mão.
— Eu gostaria de ter as minhas cartas.
Tye não se mexeu.
— Sem dúvida você as quer.
Ela respirou fundo tremendo de raiva.
— Essas cartas são privadas e pessoais. Elas foram
escritas por meu noivo, que morreu há alguns meses.
— Ah. Lamento ouvir...
— O que ele escreveu não tem utilidade para você.
— Eu não sei disso ainda.
— Eu garanto a você...
— Seu apelo é bastante convincente, Gatinha. No
entanto, como mal a conheço, seria um tolo em confiar em
você. Vou descobrir por mim mesmo se há informações de
valor ou não.
— O que você pode esperar descobrir com minhas
cartas? — ela exigiu.
Sua capa se mexeu quando ele cutucou a pilha de
pertences dela com a ponta da bota.
— Quem sabe o que posso descobrir? Segredos sobre
este castelo e as pessoas que vivem aqui. Segredos sobre você.
— Eu não tenho segredos.
Ele riu, um som áspero e terreno.
— Todo mundo os tem, Gatinha, embora nem todos
estejam dispostos a admiti-los.
Sua bota se moveu novamente. As roupas mudaram de
posição. Sapatos caíram. Seu olhar astuto deslizou para ela,
antes de enfiar as cartas na bolsa de couro em seu quadril e
pegar outro pacote de missivas que havia emergido: cartas de
Johanna. Ao lado delas estava a adaga de Claire, ainda em
sua bainha de couro.
Ele ergueu uma adaga.
— Você tem uma adaga, afinal.
— Não está amarrada à minha perna, — Claire sibilou.
— Como eu lhe disse.
Rindo, ele embolsou a adaga. Então se abaixou e agarrou
sua bolsa de joias, apenas visível sob seu vestido amarelo
como sua flor favorita dente-de-leão. Ele pegou um diário com
capa de couro, descobriu que as páginas estavam em branco
e o jogou de volta no chão.
Um gemido frustrado queimou sua garganta,
aumentando de volume quando ele chutou para o lado uma
caixa incrustada para ver o que havia por baixo.
— Você tem que tratar meus pertences dessa maneira?
— Devo ter certeza de que você não tem mais nenhuma
arma entre suas roupas elegantes.
— Ou joias, — ela disse asperamente.
— Ou joias, — ele concordou. — E quanto a moedas?
Você também tem um saco delas?
Claire se recusou a responder. Ela tinha uma pequena
bolsa de prata, mas certamente não iria ajudá-lo a roubá-la.
Sua relutância não pareceu incomodar Tye. Ele cutucou
várias camisas dobradas, amontoadas umas às outras, para
revelar outro diário encadernado em couro, aquele em que ela
havia escrito sua história do cavaleiro que Lady Brackendale
tanto gostava. Havia outras aventuras lá também, que ela
escrevera com Mary em um canto tranquilo do jardim, sem
ninguém para ouvi-las rir e gritar de alegria: histórias tolas e
românticas sobre donzelas solitárias sendo resgatadas por
heróis galantes e caindo apaixonado por suas damas. Ela e
Mary passaram dois dias escrevendo uma cena sobre um
herói e heroína se beijando, inspirada por seu beijo
maravilhoso de Henry. Mesmo enquanto ela rezava
desesperadamente para que Tye não se interessasse pelo
diário, ele se inclinou e o pegou.
Um gemido quebrou dela, o som ecoado por Mary.
— Por favor, — Claire disse.
— Você não quer que eu olhe para este livro? — Os olhos
de Tye brilharam. — Por que não?
Se ela contasse a ele o que estava no diário, isso só o
deixaria mais intrigado. Lutando contra o rubor que corria
por sua pele, ela meramente encolheu os ombros.
— O que há nessas páginas, Claire? — O polegar de Tye
roçou a tira de couro amarrada com um nó frouxo que
mantinha a capa fechada. — Você escreveu reflexões pessoais
nestas páginas? Você compartilhou pensamentos e sonhos
que nunca pensou que outra pessoa leria?
Seu rubor se aprofundou.
— Você revelou desejos secretos? — Suas palavras
desapareceram em um silvo sedutor.
Ela lutou contra o arrepio que se arrastava como uma
carícia proibida por sua espinha. Não era justo que sua voz
causasse tamanha destruição nela. Na verdade, seus escritos
não eram tão escandalosos, mas ela preferia que ele não lesse
suas histórias, especialmente aquela sobre beijos. O ato de
beijar era, afinal, duas pessoas compartilhando um amor
puro e glorioso para sempre. Ele apenas zombaria dela pelo
que ela havia escrito.
Ela cruzou os braços e encontrou seu olhar, o seu com
uma promessa de motim silencioso.
Ele deu uma risadinha.
— Meu Deus, Gatinha, você me deixa ainda mais
curioso. Estou ansioso para me acomodar com uma taça de
vinho e ler...
— É o suficiente! — Claire retrucou.
— Cada página.
— Oh, Deus, — Mary resmungou. Seus olhos se
arregalaram, como se ela pudesse se engasgar com o
desânimo.
Nunca antes Claire se sentiu tão vulnerável. O desejo de
implorar a Tye, para que não lesse o que ela havia escrito,
brotou dentro dela. No entanto, era exatamente o que ele
queria: que ela se rastejasse. Ela preferia comer todas as
páginas de seu diário do que dar a ele essa satisfação.
Enquanto secava discretamente as mãos suadas nas
saias, ouviu várias pessoas se aproximando. O mercenário na
porta saiu para o corredor, sua espada erguida.
Claire encontrou o olhar de Mary. A julgar pela
expressão de Mary, ela estava claramente esperando por um
resgate dramático, mas Claire se recusou a ceder até mesmo
ao mais breve surto de excitação. De tudo o que ela tinha
visto, o ataque de Tye tinha sido muito rápido e muito
completo para os homens de armas de Wode de ter tido a
chance de ganhar a batalha.
O mercenário voltou, seguido por mais três bandidos de
aparência rude. Suas capas e armaduras de cota de malha
estavam manchadas de sangue. Lutando contra a dor da
perda, só Deus sabe quantos dos lutadores leais de Wode
morreram na batalha, Claire olhou para suas roupas
espalhadas pelo chão.
— Milorde, — disse um mercenário.
Tye passou por Claire. Seu cheiro de terra, de couro,
cavalo e ar fresco da manhã, a provocou, e ela lutou contra a
indesejável tentação de vê-lo se afastar, seus passos cheios de
comando. Em vez disso, ela se ajoelhou e começou a recolher
seus pertences. Mary se abaixou ao lado dela para ajudar.
— Quais são as notícias que você traz? — Tye perguntou,
sua voz parecendo preencher cada parte do quarto.
— O pátio está seguro, — respondeu um mercenário
— Bom.
— Existem prisioneiros feridos, milorde. Você nos pediu
para chamá-lo...
— Eu pedi.
Claire sentiu o olhar de Tye sobre ela. Ignorando-o,
moveu a caixa embutida ao lado do vestido de seda que ela
dobrava.
Ela continuou a se dobrar enquanto Tye caminhava por
trás dela e parava. Ela sabia que era ele. Ela o sentiu, sua
presença descarada e exigente. Ele ficou parado à sua
esquerda, observando cada movimento dela.
Mary, com os olhos arregalados de apreensão, seguiu o
exemplo de Claire e continuou a endireitar os itens diante
dela.
Um sorriso desafiador apareceu nos lábios de Claire. Tye
poderia esperar que ela erguesse os olhos e o encarasse, mas
ela não obedeceu. Ele controlou sua vontade. Ele não merecia
seu respeito e nunca o teria.
Quando ela se endireitou sobre os calcanhares,
adicionando a camisa à pilha dobrada, o rangido de alerta do
couro soou ao lado dela. Antes que ela pudesse fugir, os
dedos dele se fecharam sob seu queixo e o ergueram.
Ela tentou se libertar, mas os dedos dele se apertaram,
não o suficiente para doer, mas o suficiente para mantê-la
quieta.
— Voltaremos a falar mais tarde, Gatinha. — O olhar de
Tye percorreu seu rosto voltado para cima e então pousou em
sua boca.
Claire engoliu em seco contra a pressão de seus dedos.
Seu olhar voraz a aqueceu, fez seus lábios queimarem e
formigarem, como se ele tivesse se curvado e esmagado sua
boca na dela. Ele olhou para ela como se quisesse reclamá-la.
Para torná-la sua.
Nunca.
Seu coração pertencia a Henry. Sempre pertenceria.
Claire se desvencilhou das mãos de Tye.
— Não vejo razão para voltarmos a falar.
Ele riu suavemente, claramente divertido por seu
desafio.
— Voltaremos a falar. Disso, você pode ter certeza.

***

Assim que os homens deixaram a câmara, o alívio fluiu


através de Claire, permitindo que seus ombros tensos
baixassem. Talvez agora o nó em seu estômago se aliviasse
um pouco.
— Essa foi a pior experiência de toda a minha vida! —
Mary desabou de costas no chão, seu vestido emaranhado em
torno de suas pernas. Seu braço gordo cobria seu rosto.
— Foi realmente horrível. — Claire se levantou da pilha
organizada de pertences na frente dela, com as pernas
instáveis. — Poderia ter sido muito pior, no entanto.
— Nós poderíamos ter sido espancadas até perder os
sentidos, — disse Mary, sem levantar o braço, — e deixadas
sangrando pelo chão.
Claire estremeceu.
— Sim.
— Ou brutalmente violadas. — As palavras de Mary
foram um sussurro estrangulado.
— Sim.
— Ou ambos. — Mary gemeu como um cão moribundo.
— Verdade, — Claire concordou, determinada a ficar
calma. — Mas nenhuma dessas coisas terríveis aconteceu.
Isso, com certeza, é um motivo para sermos gratas.
Um sopro incrédulo saiu de Mary. Claire se abaixou,
juntou sua pilha organizada de itens e os colocou no baú,
junto com as roupas que Mary dobrou. Parando por um
momento, com as mãos apoiadas nas laterais do baú aberto,
ela fechou os olhos e orou por firmeza e uma mente clara e
racional para ajudá-la a pensar sobre a situação.
Ela deve ser tão corajosa quanto Lady Brackendale.
Sucumbir ao desespero e às lágrimas não ajudaria em nada,
embora Claire tivesse aprendido nos dias após a morte de
Henry que muitas vezes se sentia muito melhor depois de um
bom choro.
Endireitando-se, ela olhou para a porta do quarto,
danificada, mas útil mais uma vez. Antes de partir, Tye
ordenou a um dos mercenários que tinha chegado do pátio
para encontrar um pouco de madeira e martelar nas ripas
quebradas. O bandido havia completado a tarefa e então
batido a porta para ficar de guarda junto com um de seus
colegas.
Claire ouvia o som dos homens conversando de vez em
quando, embora ela não pudesse entender o que eles diziam.
Decepcionante, pois ela desejava saber como Lady
Brackendale e os outros se saíram, mas pelo menos ela e
Mary tinham um pouco de privacidade agora. Com a porta
consertada, os homens do lado de fora não podiam espiar
para dentro. Nem podiam ouvir facilmente o que estava sendo
discutido, o que, com sorte, funcionaria a seu favor.
— Não acredito que você acha que há alguma razão para
ser grata. — Mary fungou. — Somos prisioneiras. Não temos
ideia do que vai acontecer conosco. Verdade seja dita, estou
extremamente preocupada. Oh, Claire, não consigo parar de
pensar em Lady Brackendale. Espero que ela esteja sendo
bem tratada.
— Eu também. — A preocupação com a mulher mais
velha pesou sobre Claire. A morte recente de Lorde
Brackendale, seguida da conquista do castelo, pode ser
avassaladora para a sua senhoria no seu frágil estado
emocional. Claire teria certeza de perguntar a Tye sobre Lady
Brackendale quando o visse, o que provavelmente aconteceria
em breve, se ela acreditasse na promessa de suas palavras de
despedida.
A ideia de encará-lo novamente era muito desagradável.
Significaria experimentar seu olhar penetrante e intenso
sobre ela. Isso significaria lutar contra a atração inquietante
da masculinidade que o rodeava como uma camada adicional
de armadura. No entanto, ela tinha que falar com ele
novamente. O bandido pode não dar atenção a uma palavra
do que ela diz, mas ela fará o possível para que ele cuide do
bem-estar de sua senhoria.
O braço de Mary sobre seu rosto se ergueu um pouco.
— Você acha que Lady Brackendale está bem? Quero
dizer... Você acha que ela foi estuprada?
Claire mentalmente afastou a possibilidade.
— Espero que os agressores tenham por ela o mesmo
respeito que tiveram por nós, senão mais respeito,
considerando a posição dela.
Mary olhou para Claire.
— Respeito? Claire, aquele... aquele bandido pegou suas
cartas e diário. Ele sabia que eram importantes para você e
também altamente pessoais.
Grrrr. Como se ela precisasse de um lembrete.
— Ele sabe, — Claire concordou. — Elas não serão muito
úteis para ele, no entanto, se não souber ler.
Mary se levantou para se sentar.
— Considerando que ele é um rufião de origem humilde,
é mais do que provável que ele não saiba ler. Eu certamente
não conheço nenhum bandido que possa entender palavras
escritas.
Claire reprimiu um sorriso. Ela nunca imaginou que
Mary tivesse tanto conhecimento sobre bandidos.
— Se Tye pode ler ou não, entretanto, é outro assunto, —
Mary continuou, seu tom ansioso. — Estávamos falando de
respeito e da falta dele. Ele colocou a mão no seu vestido!
— Eu sei, Mary, mas...
— Ele tocou suas pernas! E a maneira como ele olhou
para você, como se quisesse devorá-la...
Um rubor aqueceu o rosto de Claire. Para tentar
esconder sua reação, ela arrancou um fio imaginário solto de
sua manga. Ela não precisava de lembretes do que havia
acontecido. Escondida por seu vestido, suas pernas ainda
formigavam com o toque de Tye, que parecia mais uma
exploração reverente do que uma busca áspera. Ela nunca
esqueceria o calor de suas mãos sobre ela, ou o forte e
imperdoável desejo que se agitou dentro dela com sua carícia.
— O que aconteceu antes ficou para trás de nós, agora.
Devemos nos concentrar no que está por vir.
— O que você quer dizer?
Claire foi até Mary e gentilmente a colocou de pé.
Lutando para juntar os pensamentos desgastados que
corriam por sua mente, Claire apertou a mão de sua amiga.
— Você e eu precisamos ficar alertas, ouvir e observar
com muito cuidado. Devemos lembrar os menores detalhes de
tudo o que ocorre durante esta ocupação. Essas informações
serão importantes.
— Para Lorde de Lanceau? — Mary perguntou, limpando
seus cílios inferiores.
— Sim. Como Lady Brackendale disse, ele logo saberá da
aquisição aqui e iniciará um resgate.
O olhar de Mary iluminou-se de esperança.
— Você está certa. Ele vai vir.
Um sorriso apareceu nos lábios de Claire.
— Claro que estou certa.
Mary deu uma risadinha.
— Bem, na maioria das vezes.
— Quando não tive razão?
— O estábulo, dois invernos atrás. Lembra?
Oh, misericórdia. Claire realmente se lembrava.
— Tudo bem, então eu estava errada sobre o jovem lorde
esperando lá pelo seu beijo.
— Muito errada. — Mary franziu a testa. — Essa
situação poderia ter sido extremamente mortificante, se eu
não tivesse reconhecido o homem parado nas sombras como
Sutton.
— Sim. — Claire pigarreou. — Deixando de lado esse
incidente, precisamos nos concentrar no aqui e agora.
Podemos ser cativas, mas também somos testemunhas de
primeira mão...
— Cronistas, — disse Mary.
— Sim! — A excitação vibrou dentro de Claire como um
punhado de borboletas. — Oh, Mary. Que ideia maravilhosa!
— Ela correu para o baú e vasculhou o conteúdo. Com um
sorriso, ela puxou o diário em branco que Tye tinha visto
antes e jogado fora, junto com uma sacola contendo penas e
tinta.
— Eu estava guardando este diário para minhas
reflexões nas minhas primeiras semanas com a tia Malvina.
— Sua tia ainda estará esperando por você hoje. — Mary
disse, seus olhos se arregalando. — Quando você não chegar,
ela não ficará preocupada?
Claire balançou a cabeça.
— Esta nevasca afetou grande parte de Moydenshire. Ela
me disse em sua última carta para não deixar Wode se o
tempo estivesse ruim. Ela vai suspeitar que fui sensato e
fiquei para trás até um dia melhor para viajar.
— Eu entendo. — Mary mordeu o lábio. — Bem, se você
estiver disposta, eu digo que é um sacrifício digno, usar este
diário para o nosso relato da conquista de Tye.
— Sempre posso comprar outro diário.
Sorrindo, Mary acenou com a cabeça.
Gesticulando para que sua amiga a seguisse, Claire foi
até a mesa de cavalete e colocou o diário e a bolsa no chão.
Ela abriu o diário, a encadernação rangendo levemente, o
cheiro pungente de pergaminho curado subindo até ela.
— Como devemos começar? — Mary parecia um pouco
sem fôlego. — Devemos começar a partir do momento em que
ouvimos os gritos?
Claire tirou o pote de tinta e uma pena da bolsa. Ela
abriu a tinta com cuidado, certificando-se de não derramar
nada. Mergulhando a pena no líquido preto, ela disse:
— Que tal: '' Era uma manhã de neve... '
— Uma manhã fria e com neve, — corrigiu Mary,
inclinando-se para mais perto.
— Muito bem. — A ponta da pena arranhou o
pergaminho.
Era uma manhã fria e com neve neste dia fatídico na
grande fortaleza de Wode...
Capítulo Sete
Tirando as luvas de couro, Veronique entrou no solar
vazio. Ela estudou a cama desarrumada, a comida deixada na
bandeja, a mesa de carvalho em frente à cama que estava
posta com pequenos potes, pentes, grampos e enfeites de
cabelo com joias. A mobília da câmara era simples, mas de
boa qualidade e adequada a uma velha e rica lady que
gostava de seu conforto.
Um sorriso duro curvou os lábios pintados de carmesim
de Veronique quando ela cruzou para a mesa, jogou suas
luvas e adaga, e arrastou seus dedos sobre a coleção de luxos,
arrastando-os para fora do arranjo organizado que sugeria
que cada item tinha um lugar especial. Alfinetes caíram nas
tábuas do chão; ela os deixou onde caíram. Ela jogou um
pente de prata nas tábuas, onde pousou com estrépito.
Sua mão se ergueu, pairou e pegou um pote de barro
marrom.
— O que temos aqui? — ela murmurou, removendo a
tampa e cheirando o creme perfumado de lavanda dentro. Ela
mergulhou um dedo nodoso, tirou um pouco do creme e
esfregou nas costas da mão. O cosmético tinha uma
consistência boa e suave. Qualidade excelente. Provavelmente
tinha custado à sua senhoria, ou mais provavelmente a Lorde
Brackendale, uma pequena fortuna em moedas. Seu sorriso
se alargou, Veronique colocou a tampa de volta no pote.
Deslizando a mão dentro da capa, ela empurrou o pote na
bolsa de couro em seu quadril, junto com dois pentes de
cabelo de ouro cravejados de pedras preciosas.
Pegando um pente de cabelo prateado, incrustado com
pérolas, ela bateu contra a palma da mão e caminhou mais
para dentro do quarto. A espaçosa câmara estava bem
conservada. Era o tipo de quarto grande e confortável de que
Veronique gostava. Na verdade, isso ela merecia.
Sua mão fechou-se em torno da mecha de cabelo. Os
dentes delicados do pente se dobraram sob a pressão, mas em
vez de ceder, ela apertou ainda mais. Se as circunstâncias
fossem diferentes, ela teria desfrutado de uma câmara
luxuosa como esta e de todos os privilégios devidos a uma
rica lady dia após dia, ano após ano. Sim, sua vida teria sido
muito diferente se aquele bastardo do Geoffrey de Lanceau
não a tivesse posto de lado em favor da jovem filha de Lorde
Brackendale, que rapidamente se tornou a esposa de
Geoffrey.
Teria sido diferente se Geoffrey não tivesse se recusado a
aceitar que o menino que Veronique deu à luz era seu filho.
Tye era filho de Geoffrey; ela não tinha se deitado com
nenhum outro homem durante as semanas que engravidou.
Geoffrey só podia culpar a si mesmo pela batalha inevitável
que tinha pela frente; ele merecia ter uma morte dolorosa pela
forma como a rejeitou e a seu bebê.
Que dia maravilhoso seria aquele: o dia em que Geoffrey
morresse, morto pelo filho que ele abandonou há vinte anos.
A risada borbulhou dentro de Veronique e encheu o
silêncio da câmara. O orgulho queimava em seu peito, pois
finalmente, finalmente, Tye estava assumindo o papel que ela
havia imaginado para ele desde o dia em que foi gerado em
seu útero. Levou longos anos ensinando, orientando,
manipulando, mas tudo isso finalmente se uniu em um único
propósito: destruir de Lanceau.
Tye iria destruí-lo.
Abrindo a mão, Veronique olhou para o enfeite, muito
danificado agora para ser digno de conserto. Geoffrey logo
seria danificado, destruído. Que isso acontecesse em Wode
era ainda mais apropriado. Geoffrey nascera neste castelo,
neste mesmo quarto. Ele lutou anos atrás para recuperar a
honra de Wode e sua família, como parte de seu plano para
vingar seu pai, que morreu condenado como um traidor. E
aqui, na fortaleza que tinha sido o lar de tantos lordes de sua
reverenciada linhagem normanda, ele morreria.
Seus lábios se torceram, e então ela jogou a joia contra a
parede. À medida que o tilintar do metal diminuía, vozes
retumbantes do corredor a alcançaram. Ela tinha visto a
porta danificada da câmara mais adiante no corredor e, entre
as vozes, reconheceu a de Tye. Ele tinha um talento para
quebrar portas, e para rapidamente sufocar qualquer
oposição, como os ocupantes de que estavam no quarto, que
tinha sem nenhuma dúvida descoberto.
Veronique passou a mão na ponta da ampla cama de
corda, a colcha de seda azul clara macia sob a palma da mão.
Quando Tye assumia o papel de guerreiro ousado, ele poderia
ser formidável. Excepcionalmente. Seu rosto bonito endurecia
e seu olhar tornava-se uma adaga afiada, penetrante.
Às vezes, ela tinha um pouco de medo dele. Ela nunca
iria admitir isso para ele, no entanto. Por que ela deveria? Ela
não tinha razão para temer seu filho. Ele nunca a
machucaria; ela manteve um controle muito bom sobre suas
emoções para ele sonhar em se voltar contra ela.
A julgar pelos murmúrios assustados que se seguiram à
voz elevada de Tye, as mulheres na câmara o obedeciam. E
elas deveriam. Elas eram agora seus súditos, para ele fazer o
que quisesse. Uma risada obscena fez cócegas na garganta de
Veronique. Com seus apetites sexuais saudáveis, elas o
agradariam, sem dúvida.
Ela sentiu movimento perto da porta do solar, girou e
agarrou sua adaga, mas então Braden entrou, sua espada em
punho. Como ela amava a arrogância sem remorso em sua
caminhada; aquilo a atraíra em um nível sexual cru desde o
primeiro encontro.
Quando a viu, ele sorriu e abaixou sua arma.
— Amor.
Ela sorriu de volta.
— Está tudo bem no grande salão?
— Está garantido, como planejamos. Vim ver se era
necessário aqui em cima.
Necessário. Seu útero pulsou, uma palpitação de
antecipação. Ela sempre precisou dele, e tinha sido assim
desde o dia em que o viu pela primeira vez.
Braden passou por ela, seu olhar se aguçou enquanto ele
examinava a câmara. Ela conhecia aquele olhar. Ele uma vez
a estudou com tal meticulosidade. Ela tinha sido prisioneira
então, acorrentada por seus pulsos e tornozelos a uma parede
da masmorra, cativa de seu olhar e palavras ásperas. Um fogo
escorregadio começou a queimar entre suas coxas.
Com que clareza ela se lembrava de quando ele entrou
na masmorra do castelo governado por Dominic de Terre, o
melhor amigo de Lanceau e o mais leal cavaleiro. Ela foi presa
logo após a derrota na Fortaleza de Waddesford. De Lanceau
a colocara aos cuidados de Dominic para que ela e Tye
ficassem em locais seguros e separados, o que não adiantou
muito.
Quando Braden entrou na masmorra, ela sentiu sua
presença como uma mão quente deslizando sobre seu corpo.
Apresentado como um interrogador que se reportaria ao rei,
ele entrou em sua cela úmida e solitária para questioná-la e
bateu a porta; ela estremeceu por dentro com desejo perverso.
Ela desafiou seu olhar reprimido, lutou contra suas
indagações com sua inteligência e artimanhas femininas e,
nos dias seguintes, encontrou suas fraquezas: solidão e
ambição fracassada.
Com o passar dos dias de interrogatório, secretamente
tentou convencê-lo das vantagens que ele ganharia ajudando
a ela e a Tye, especialmente quando Tye logo governaria toda
Moydenshire.
— Você poderia ser um lorde, — ela persuadiu,
mantendo seu tom abafado. — Um lorde rico. Um homem com
uma propriedade, um castelo e um título digno de grande
respeito.
— Cuidado, — ele rosnou. — Eu não tolero mentiras.
— Mentiras? — Ela zombou. — Eu não minto. Tudo o
que mencionei pode facilmente ser seu. — Ela pausou por um
momento significativo, deixando suas palavras se
estabelecerem antes de entrar para o impulso verbal final. —
Está claro para mim que você é um homem inteligente e
habilidoso. Certamente você aspira ser mais do que um
interrogador? Certamente você merece mais?
Ele fez uma careta, disse a ela para parar de tentar
enganá-lo e continuou com seu questionamento. Na manhã
seguinte, seu rosto era uma máscara sem emoção, Braden
chegou com uma carroça coberta, quatro homens armados e
uma missiva assinada, e a levou acorrentada de sua cela.
— Ordens do rei, — Braden disse a Dominic, que estava
com raiva o suficiente para abrir um buraco na parede da
masmorra com as próprias mãos. — Devo levá-la a Londres.
O rei tem perguntas sobre as informações que ela forneceu
durante meu interrogatório. Nessas questões, ela responderá
ao próprio Rei John.
Dominic protestou ferozmente por ela ser levada, mas
nenhum lorde poderia anular uma convocação da coroa. A
alguma distância dos portões do castelo, no entanto, a
carroça e os cavaleiros foram atacados por mercenários, e os
homens que acompanharam Braden foram mortos, assim
como ele havia combinado.
Depois de libertar Veronique de suas correntes, Braden
explicou que a fuga era parte do acordo secreto de rei John
com ela; os dias de interrogatório que ela suportou foram uma
estratagema necessária, para garantir que Dominic não
tentasse impedir Braden quando ele a tirasse da masmorra.
Em troca de sua liberdade, ela retransmitiria informações
sobre De Lanceau ao rei. Além disso, Braden seria seu
protetor pessoal. Ela concordou com os termos e, em seguida,
o seduziu em uma união apaixonada que selou seu acordo.
Naquela noite, antes que a notícia da morte da comitiva de
Braden se espalhasse por Moydenshire, eles conseguiram
libertar Tye da masmorra de De Lanceau.
Como ela começou a apreciar Braden. Enquanto
obedecia a seu rei, ele também viu que com a instabilidade
política causada pelos impostos cada vez maiores do rei John,
seu confisco de castelos e terras em toda a Inglaterra e sua
guerra com o rei francês, havia oportunidades para homens
ambiciosos. Ele queria governar uma fortaleza; ele ansiava
por se tornar rei de sua própria corte e desfrutar do futuro
rico que ela lhe oferecia.
Ela adorava sua crueldade egocêntrica, quase tanto
quanto amava seu corpo nu em cima dela, fodendo a ela...
Braden se aproximou da janela do solar e abriu as
venezianas para olhar para fora. Com o corpo formigando de
desejo, Veronique foi até a porta e a fechou.
Braden olhou para ela. Ele estava claramente tentando
parecer surpreso. No entanto, ela o conhecia muito bem para
confundir o brilho em seus olhos com espanto. Esse olhar
ardente era pura luxúria.
Veronique deu uma risadinha obscena. Balançando os
quadris, ela caminhou em direção a ele.
Braden fechou as venezianas e a encontrou no meio do
caminho.
— Por que você estava rindo? — Ele deslizou o braço em
volta da cintura dela. O cheiro dele, uma mistura de couro
gasto, ar fresco e suor pungente, abordou seus sentidos,
despertando visões de seus membros nus entrelaçados,
roçando, empurrando juntos. Seu útero vibrou avidamente.
Sorrindo na cara dele, ela disse:
— Estou imaginando a raiva de Geoffrey quando ele
descobrir que Wode foi capturada. Ele ficará especialmente
furioso quando ouvir o nome do novo lorde.
Braden riu.
— É a única razão?
Ela mordiscou sua mandíbula.
— Não. — Braden sempre tinha um gosto tão bom:
salgado e picante, como perigo e excitação.
Enquanto as mãos dela rondavam sob sua capa, ele
disse suavemente:
— Não deveríamos encontrar Tye?
— Nós vamos. Em um momento.
O olhar aquecido de Braden pousou em sua boca.
— Tye tem a situação sob controle.
— Ele tem.
— A fortaleza está tomada.
— Está. — Ela encontrou a bainha da túnica de Braden,
e então suas mãos deslizaram por baixo, para a
protuberância de seu sexo restringida por sua confortável
chausses de lã. Suas mãos se fecharam sobre sua
masculinidade, e ela foi recompensada por sua inalação
aguda e estremecimento.
— Veronique...
— Seremos rápidos. Ninguém vai sentir nossa falta.
— Mmm, — ele rosnou, um som de interesse definitivo.
Ele estremeceu novamente quando ela acariciou sua carne
inchada.
— Afinal, Tye deve liderar este dia, — ela persuadiu com
suas palavras e dedos. — Este é o seu momento de glória. Não
queremos tirar nada da vitória dele.
— Verdade. — Braden cerrou os dentes contra o
tormento contínuo dela.
— E nós temos uma cama. Uma cama de verdade, não
um catre malcheiroso e fedorento.
Com a mão livre, Braden soltou o cinto da espada e
jogou-o na cama, deixando a arma perto o suficiente para ele
agarrá-la se necessário. Seu braço ao redor dela se apertou.
Quando as mãos dela deslizaram até seu peito para soltar o
alfinete que prendia sua capa, ele puxou a parte inferior de
seu corpo mais completamente contra o dele.
Os lábios de Veronique se separaram em um gemido de
desejo. Ela fornicou em muitos lugares, mas acasalar neste
solar onde Geoffrey tinha nascido, neste castelo que ele
considerava tão sagrado... Como ele odiaria tal ato. Mais uma
razão para fazer isso. A excitação inebriante fez seus
membros ficarem fracos.
Ainda nas mãos de Braden, ela se virou e recuou, até
que suas pernas atingiram a estrutura de madeira da cama.
Com um grunhido baixo, ele a soltou, apenas o tempo
suficiente para ela afastar sua capa. No instante em que a
vestimenta caiu de seus ombros, ele a puxou para si, puxou-a
contra seus quadris e bateu sua boca contra a dela.
Sua língua atacou em um beijo duro, faminto e
possessivo. Ela retribuiu o beijo. Uma respiração ofegante
saiu dela quando ela mordeu, beijou e chupou sua boca
molhada. Suas coxas estremeceram. Sua mão livre se moveu,
deslizando entre seus corpos, mergulhando através de
camadas de tecido para que ela pudesse puxar a saia e tomar
sua dureza dentro dela.
— Prostituta, — Braden disse contra sua boca.
Ela riu suavemente. Ela nunca gostou da palavra
'prostituta'. Parecia comum; normal. Mas a maneira como a
voz de Braden ficava rouca, áspera, quando ele falava, fez
soar como um carinho.
— Sim, — ela respirou de volta. — Eu sou sua prostituta.
— Ela arrebatou sua boca em outro beijo acalorado, enquanto
o puxava para o colchão. As cordas rangeram quando
pousaram juntos na cama. Depois de empurrar a mão dela
ainda entre seus corpos, ele deslizou os dedos em sua roupa.
Ele ainda estava de luvas. Ela queria, precisava, para sentir
sua pele nua contra a dela.
Então o couro frio de sua luva deslizou sobre sua carne
quente e escorregadia, e ela ofegou, arqueando as costas, cega
de prazer. Um gemido saiu dela. Oh, mas se sentia bem...
O dedo enluvado de Braden sacudiu sobre sua
protuberância mais sensível. Sua cabeça girou com a
sensação requintada.
— Mais, — ela ofegou. Ela queria muito mais.
Vozes invadiram sua mente grogue de prazer. Os homens
estavam fora da câmara. Uma das vozes era de Tye.
Ela assobiou uma praga. Era melhor ele não
interromper. Agora não.
Enquanto seu corpo ficava tenso por outra deliciosa
pulsação de prazer, Braden praguejou e se sentou. Ele puxou
a mão dela assim que a porta do solar bateu para dentro.
Tye entrou correndo, dois mercenários em seus
calcanhares, as armas em punho.
Apoiando-se nos cotovelos, Veronique olhou carrancuda
para o filho. Tye parou abruptamente, estreitando os olhos.
Com uma fungada de desdém, Veronique se sentou, ajeitou
suas roupas de volta no lugar e se levantou junto com seu
amante.
— Mãe. Braden.
Braden ajeitou suas roupas e se abaixou para pegar sua
capa.
— Eu irei para o salão, — disse ele, pegando o cinto da
espada da cama. — Vou verificar se está tudo em ordem. —
Depois de um breve aceno de cabeça para Tye, ele deixou a
câmara.
— Tye, — disse Veronique, uma mordida em seu tom
suficiente para que ele soubesse que ela não tinha apreciado
a interrupção. Ele deve ter visto que a porta estava fechada.
Ele poderia pelo menos ter batido. Ela olhou para os
mercenários maliciosos de cada lado dele, e seus sorrisos
desapareceram. Seus olhares caíram para o assoalho.
Franzindo a testa, Tye baixou a espada.
— Agora eu sei porque a porta estava fechada. Eu a
tinha deixado deliberadamente aberta.
Veronique deu uma risada frágil.
— Você pensou que os servos poderiam ter escapado do
salão e se escondido aqui?
Ele embainhou sua lâmina.
— Era uma possibilidade.
Ela fez uma careta para ele. Maldito, desgraçado
incômodo de um filho.
— Foi isso?
Tye riu como se ela tivesse brincado.
— Claro. Este castelo está sitiado.
— Estava, — ela corrigiu. — Você venceu a batalha. A
fortaleza está sob seu controle. Não há dúvidas.
— Estou feliz que você tenha fé em mim, mãe. — Suas
palavras foram agradáveis o suficiente, mas havia um tom
áspero em sua voz. Ela não merecia tanto desrespeito, não
depois de tudo que ela sacrificou em sua vida para trazê-lo a
esta vitória tão esperada.
Um leve sorriso se formou em seus lábios. Talvez ele
precisasse de um lembrete do quanto devia a ela, o quão
longe ele tinha ido em seus vinte anos por causa de tudo que
ela fez para torná-lo o guerreiro que era hoje. Dentro de um
ou dois dias, ela encontraria uma maneira adequada e
inesquecível de deixar esse lembrete muito claro. Seu sangue
esquentou novamente com a ideia de tal desafio.
Por enquanto, porém, ela o deixaria saborear sua vitória.
Ele precisava do sabor glorioso do triunfo para perceber o
quanto gostava disso; uma vez que ele provou o poder
abrangente de um nobre lorde, ele não iria querer abandoná-
lo, e isso o manteria firmemente ao seu lado até o dia em que
matasse seu senhor.
Passando por ela, Tye foi até a mesa e tirou um livro com
capa de couro de sua bolsa. Ele não o jogou em cima da
mesa, mas o pousou com muito cuidado, algo incomum para
ele. Sua atenção se voltou para os itens espalhados pelo chão.
— Vejo que você inspecionou o solar.
— Eu o fiz. — Ela alisou a manga da capa. — Se
quisermos ajudá-lo a manter seu controle aqui, devemos estar
familiarizados com todos os cômodos.
Tye soprou e tirou uma pilha de cartas, amarradas com
fita, de sua capa. Ele colocou o pacote em cima do livro.
A curiosidade a puxou para a mesa.
— O que você tem aí?
— Nada que diga respeito a você.
Seus dedos coçaram para desamarrar a fita brilhante e
olhar através das missivas.
— Você pegou esses itens de um dos membros do
castelo?
— De uma jovem lady. Ela está na câmara ao fundo do
corredor.
Veronique encostou o quadril na beirada da mesa.
— Uma linda jovem lady?
— Muito bonita.
Ela sorriu.
— Quem sabe quais segredos escandalosos você pode ter
descoberto sobre ela?
Ele sorriu.
— Meus pensamentos são exatamente isso.
— Bem, então... — Veronique pegou as cartas.
Sua mão se fechou sobre a dela com firmeza. Seus dedos
bronzeados pareciam tão fortes e capazes segurando os
nodosos e tortos dela.
A raiva cresceu porque ele ousou impedi-la. Veronique
inalou uma respiração lenta e calmante e disse a si mesma
que deveria deixá-lo vencer este dia; mais tarde, ela o deixaria
de lado.
— Esta noite, podemos aproveitar o que pegamos. Agora,
ainda há trabalho a ser feito. — Tye gesticulou para os
mercenários perto da porta. — Mãe, pegue esses homens, vá e
encontre Braden. Pesquise o resto do nível superior.
Certifique-se de que ninguém está se escondendo nas
escadarias distantes ou nas ameias traseiras.
— Certamente você já tem homens verificando as
ameias? — Veronique reclamou. A ideia de voltar para o frio
fazia seus ossos doerem.
— Eu tenho. No entanto, até que tenhamos contado os
prisioneiros e os mortos, não posso considerar minha
aquisição completa. E, mãe, — ele sorriu, aquele sorriso largo
e cativante que sempre aqueceu um pouco seu coração, — Eu
sei que você está tão ansiosa para comemorar nossa vitória
quanto eu.
Capítulo Oito
Tye desceu as escadas fechadas da construção e saiu
para o pátio. A neve estava caindo com menos intensidade
agora. Flocos giravam com a brisa que soprava sobre as
ameias e desciam para o pátio interno, onde o chão branco
estava escurecido pela sujeira revirada, manchas de sangue e
armas caídas que precisavam ser coletadas e contadas.
Mercenários guardavam a casa de guarda do portão. A
ponte levadiça estava no lugar e a grade levantada, como Tye
ordenara. Mais de seus homens armados caminhavam pelas
ameias, enquanto outros cuidavam de prisioneiros agrupados
na masmorra, alguns com as mãos amarradas. Nenhum
cadáver jazia no chão como um forte lembrete da aquisição;
eles foram removidos. O pátio mantinha uma sensação de
calma controlada.
Tye parou no meio do caminho e respirou satisfeito. O
orgulho intenso o invadiu. Tudo tinha corrido muito bem.
Wode, e tudo dentro de suas paredes, pertencia a ele agora.
Ele pensou na lady obstinada que encontrou antes e deu um
sorriso de lobo. Ela foi uma surpresa inesperada, mas uma
que ele pretendia desfrutar.
Botas esmagando a neve chamaram sua atenção. Ele se
virou para enfrentar um mercenário com cabelo castanho
oleoso e uma barba desgrenhada, saindo da masmorra.
— Três mortos, meu senhor, — disse o homem, —
incluindo um dos nossos.
Tye concordou com a cabeça. Perder qualquer homem
era lamentável, mas os mercenários sabiam antes do cerco
que ferimentos graves ou morte eram possíveis.
— Está tudo em ordem com os prisioneiros?
O mercenário fez uma careta.
— A maioria deles se recusa a cooperar. Eles vão retaliar
na primeira oportunidade, tenho certeza. Se você nos permitir
machucá-los ou usar nossas adagas neles...
— Como eu disse antes, não é assim que eu quero que as
coisas sejam feitas. — Mantendo o olhar desafiador no
homem, Tye acrescentou: — Quero uma lista dos nomes dos
prisioneiros. Se nem você nem seus homens podem fazer a
lista, consiga um prisioneiro para fazê-lo. Pelo menos um
deles saberá ler e escrever.
— Como vamos persuadir um prisioneiro a escrever a
lista?
Tye sorriu friamente.
— Você encontrará uma maneira. Afinal, eu paguei
muito bem para lidar com essas questões.
O som de uma luta atraiu a atenção de Tye para os
homens perto da masmorra. Um dos guerreiros de Wode,
ensanguentado e ferido, resistia a seus dois captores.
— Comece com ele, — disse Tye.
O mercenário soprou.
— Esse não vai nos ajudar.
Oh, mas ele vai. Desembainhando a espada, Tye
caminhou até os prisioneiros. Empurrando vários para o lado,
ele apontou a arma para o peito do homem que ainda lutava
contra os mercenários prendendo seus braços, apesar do
brilho de suor em seu rosto pálido e do sangue escorrendo de
sua cota de malha quebrada.
— Você, — disse Tye.
— Vá para o inferno, — o homem fervia de raiva.
— Estive lá e saí. Agora, você vai...
— Eu vou? Ou o que? Você vai me matar? — Hostilidade
brilhou nos olhos do guerreiro.
— Continue lutando e você vai se matar. — Tye enfiou a
lâmina no centro do torso coberto pela cota de malha do
homem. — Qual é o seu nome?
O homem apertou os lábios, recusando-se a responder.
O olhar de Tye deslizou pelos rostos rebeldes dos cativos
até chegar a um rapaz loiro, segurando seu braço direito, que
estava perto da entrada da masmorra. Ele não parecia ter
mais de quatorze anos de idade e era provável que o filho de
um dos homens de armas do castelo.
Quando a atenção de Tye voltou para o guerreiro, a
preocupação brilhou nos olhos do homem. Ah. Ele suspeitava
que Tye usaria sua espada no rapaz ferido. Tye não tinha
intenção de fazer isso, mas o guerreiro não precisava saber
disso.
— Se você não me ajudar, — Tye avisou baixinho, — vou
encontrar outro que o faça.
— Ninguém aqui vai te ajudar, — o homem grunhiu.
Um grito ecoou do pátio: o grito de uma mulher.
Murmúrios de choque percorreram os prisioneiros, e os
mercenários se aglomeraram, empurrando os prisioneiros,
armas destinadas a mantê-los protegidos.
Tye deu uma olhada furtiva. Sua mãe caminhava em
direção a ele, Braden ao seu lado. Tropeçando na frente deles
estava um menino de cabelos castanhos de não mais que oito
ou nove anos, suas mãos amarradas na frente dele. O sangue
brilhava em sua testa, e sua capa e as calças estavam
molhadas e manchadas de sangue.
O guerreiro jurou baixinho.
— Você conhece aquele menino? — Perguntou Tye.
Com uma expressão de consternação, o homem acenou
com a cabeça.
— Mova-se, — Veronique estalou, dando uma tapa na
nuca do menino. Ele gritou e cambaleou, quase caindo para a
frente na neve suja.
O guerreiro lutou de novo, ignorando a pressão da
espada de Tye, mas não conseguiu se livrar dos mercenários.
— Diga-me o que eu quero saber, — disse Tye, — e o
menino estará seguro.
A cautela sombreava os olhos do guerreiro mais velho.
Quando Veronique se aproximou, ela agarrou o jovem
pelas costas de sua capa e puxou-o contra ela. A adaga dela
brilhou, um flash brilhante contra o lado de seu pescoço; ela
forçou a cabeça dele para trás contra seu corpo. O olhar
apavorado do menino se fixou no guerreiro, e ele gemeu.
— Ajoelhe-se, — zombou Veronique.
O garoto obedeceu, seus movimentos desajeitados. Uma
vez que ele estava ajoelhado, ela agarrou um punhado de seu
cabelo e puxou com força.
— Outro cativo, eu entendo. — Tye se virou para que
pudesse se dirigir a ela e ao guerreiro.
— Eu o encontrei escondido atrás de algumas rodas de
carroça encostadas em uma parede. — Veronique olhou
furiosamente para o rosto do menino. — Ele estava usando
uma funda para atirar pedras nos mercenários que
guardavam o postern. Ele estava tentando feri-los e, em
seguida, escapar pela porta.
— Muito bem, mãe.
Seu sorriso de lábios vermelhos se alargou, tornou-se
cruel.
— Ele servirá de exemplo para qualquer outro que
planeje tentar escapar. — Empurrando a ponta da adaga
contra a pele do garoto, ela puxou seu pescoço ainda mais
para trás, expondo a coluna esticada de sua garganta.
Tye suprimiu o desejo de estremecer. Durante o duro
interrogatório pelos homens de De Lanceau, ele teve sua
cabeça puxada para trás em um ângulo semelhante, e não foi
agradável. No entanto, a julgar pela crescente tensão do
guerreiro, o menino significava muito para ele; a situação
difícil do garoto era a persuasão extra de que Tye precisava.
— Fique quieto agora. Seja um bom menino, —
Veronique murmurou para seu prisioneiro. — Quando eu te
cortar...
— Não, — o menino gorgolejou.
— Por favor, — o guerreiro murmurou.
— Espere, mãe.
Franzindo a testa, Veronique se acalmou. O menino
respirou em pânico, seu peito subindo e descendo em um
ritmo impiedoso.
— Por que devo esperar? — Veronique explodiu.
— Por favor, — o guerreiro disse com voz rouca. — Ele é
meu neto. Witt tem apenas nove anos.
Sustentando o olhar tenso do homem mais velho, Tye
permaneceu em silêncio, esperando. Os outros cativos se
entreolharam, claramente inquietos.
A rebelião foi drenada pela postura do homem mais
velho. Seus ombros caíram e de repente ele parecia cansado.
— Meu nome é Sutton.
— Você vai fazer o que eu mando, Sutton? — Perguntou
Tye.
O guerreiro acenou com a cabeça uma vez.
— Se você poupar Witt, eu o farei.
Tye baixou a espada e se afastou.
— Uma decisão sábia. — Ele sinalizou para os
mercenários abandonarem o controle sobre o guerreiro. Para
sua mãe, ele disse: — Solte o menino.
Um rosnado furioso saiu de Veronique.
— Tye...
— Faça como eu digo.
Ela murmurou palavras que ele não ouviu, mas afastou
a adaga da carne do rapaz. O menino correu para seu avô e
colocou os braços em volta de sua cintura. Lágrimas
brilhavam no rosto do rapaz.
Estremecendo com a dor de seus ferimentos, Sutton
curvou seu amplo braço ao redor do menino.
— O que você fez com Lady Brackendale? Ela está
segura? E as outras senhoras?
— Estão todas bem.
Com os dentes cerrados, o guerreiro disse:
— O que você quer de mim?
— Para começar, espero uma lista com todos os nomes
dos prisioneiros.
— Por que você quer essa lista?
Tye não tinha que se explicar a este prisioneiro, mas a
resposta foi rápida em sua língua.
— Wode é minha fortaleza agora. Cada homem nessa
lista deve lealdade a mim.
— Não pelos meus cálculos, — o guerreiro murmurou. —
Quando de Lanceau descobrir sobre este cerco...
De Lanceau. À menção do nome de seu senhor, Tye
apertou o punho envolto em couro de sua espada.
— Eu não me importo com de Lanceau. Eu quero a lista.
Você vai começar agora.

***

— Alguém está vindo! — Mary sussurrou.


Agachada perto da lareira em seu quarto, Claire
freneticamente olhou para a tinta secando nas páginas
abertas do diário. Ela e Mary tinham acabado de escrever
duas páginas detalhadas sobre suas percepções de Tye. Mary
foi especialmente útil em encontrar as palavras certas para
descrever o quão ameaçador e totalmente desprezível ele tinha
sido.
— Depressa, Claire! Esconda o diário. — Com um grito
nervoso, Mary agarrou o tinteiro e a pena e os enfiou no baú.
Claire ficou de pé, procurando por um bom esconderijo.
A cama. Ela correu para a cabeceira da cama, abaixou-se e
deslizou o livro para a saliência estreita onde a cabeceira se
juntava à estrutura da cama. Felizmente, o diário cabia
naquele espaço estreito entre a cama e a parede.
— Bem feito. — Mary disse, assim que a porta se abriu.
Dois mercenários, homens grandes e corpulentos,
entraram.
— Você deve vir conosco, — anunciou um deles, sua voz
semelhante ao rosnado de um cão zangado.
Mary correu para o lado de Claire. Entrelaçando os
dedos com os de Mary, Claire perguntou:
— Por quê? O que você quer conosco?
— Não questionamos as ordens do senhorio, — disse o
outro bandido. — Nós apenas obedecemos.
A garganta de Claire se apertou, como se ela tivesse
engolido o caroço duro e áspero de uma ameixa. Por que
motivo Tye pediu para vê-las? Ainda assim, ele não precisava
de nenhum motivo, não se ele se visse como o conquistador
governante de Wode.
— Muito bem, — disse Claire, dando um aperto
tranquilizador na mão de Mary. Ela não queria ver Tye, mas,
ao deixar a câmara, ela e Mary obteriam mais informações
sobre o estado do castelo após o cerco, sobre as quais
poderiam escrever no diário.
Com um mercenário andando na frente delas e outro
atrás, ela e Mary foram escoltadas até o grande salão. A vasta
e cavernosa câmara estava quase silenciosa. Claire nunca
tinha ouvido o coração do castelo onde a maioria dos servos
comiam, conversavam e dormiam, tão quieto, especialmente
quando ela contava mais de quarenta pessoas dentro de suas
paredes: servos assustados, mercenários vigilantes e uma
resoluta Lady Brackendale.
Até mesmo o fogo na enorme lareira de pedra parecia
queimar sem seus assobios e estalos normais. O fogo tinha
queimado mais baixo do que o normal, sem dúvida porque as
criadas encarregadas de manter o fogo não tinham permissão
para cuidar dele. As mulheres se sentavam amontoadas em
mesas no lado oposto do salão, chorando ou olhando para as
mãos.
Assim que ela alcançou os juncos secos e ervas cobrindo
o chão, Claire correu passando pelo mercenário líder para
Lady Brackendale, sentada em um banco em uma mesa
próxima. Mary ficou ao lado dela.
— Ei! Você, — o bandido atrás de Claire gritou, mas ela o
ignorou.
Sarah estava sentada em frente a Lady Brackendale, um
cachorro aninhado a seus pés. As mesas de cavalete eram
normalmente onde os criados se sentavam e comiam. No
entanto, a mesa no estrado elevado reservada para a nobreza
foi bloqueada por três mercenários com espadas
desembainhadas. Os homens ficaram ao longo da borda do
estrado, claramente atentos a qualquer indício de rebelião de
seus reféns.
Liberando a mão da de Mary, Claire afundou-se no
banco ao lado da senhoria. No sol da tarde fluindo pelas
janelas do teto do corredor, a mulher mais velha parecia
pálida, suas mãos manchadas de idade apertadas em cima da
mesa. Seus dedos não brilhavam mais com anéis; as joias
caras obviamente haviam sido confiscadas. No entanto,
apesar das indignidades que ela sem dúvida enfrentou, ela se
sentou com pose majestosa, seu vestido caído
cuidadosamente sobre o banco, sem o menor desleixo em sua
postura.
— Milady. — Claire tocou no braço da senhoria. — Você
está bem?
— Tão bem quanto se pode esperar. — Os lábios de Lady
Brackendale formaram um sorriso tenso. — É bom ver você.
Claire sorriu de volta.
— E você também.
O mercenário chegou ao lado de Claire e olhou para ela.
— Eu não te dei permissão para sentar aqui.
— Você está certo, — ela disse rapidamente. — Você não
me permitiu, mas certamente não houve nenhum dano, não
é? Eu prometo que não causaremos problemas.
O bandido, prestes a agarrar seu braço, hesitou.
— Deixe-a em paz — ordenou Lady Brackendale.
— Por favor. — Claire forçou um tom suave. — Será mais
fácil para você ficar de olho em nós mulheres, se sentarmos
juntas.
Como se para mostrar sua concordância, Mary se
acomodou no banco ao lado de Claire e se aconchegou mais
perto.
O mercenário sorriu com desprezo e se afastou, com a
mão caindo ao lado do corpo.
— Bom. Fique por enquanto. Seu senhorio estará aqui
em breve.
O pensamento de ver Tye novamente deixou Claire tonta
e desconfortavelmente quente. A maneira como ele demorou
em seus pensamentos, cada momento desde que invadiu seu
quarto, era chocante e muito indesejável.
— Você está bem? — Lady Brackendale perguntou, seu
olhar sério mudando de Claire para Mary. — Vocês não foram
maltratadas?
— Não, — Claire disse.
— Bom. Sarah e eu também fomos tratadas
razoavelmente bem. Até agora, pelo menos.
Mary se inclinou para frente.
— Claire, tem que dizer a sua senhoria como foi valente.
Por que, quando aquele patife Tye...
— Tye? — interrompeu sua senhoria. — Qual é o
sobrenome dele?
— Eu não sei, — Claire disse. — Ele não me disse.
— Ele é o moreno? O líder?
Claire acenou com a cabeça.
— Pelo menos você descobriu seu nome de batismo. Bem
feito. Como você conseguiu isso?
Franzindo a testa, Mary perguntou:
— Sim, como você conseguiu isso, Claire? Você deve ter
feito isso antes dele...
— Sim, antes que ele fizesse suas ameaças, — Claire
interrompeu, esperando que Mary percebesse a importância
de não divulgar tudo o que tinha acontecido lá em cima. Sua
senhoria não precisava mais se preocupar. Ela estava sob
tensão suficiente. — Suas palavras anteriores pretendiam nos
assustar e nos fazer obedecer. Ele não pretendia nos
prejudicar.
Mary franziu o nariz em claro desacordo.
A boca da sua senhoria abriu-se de espanto.
— Por que você pensaria que ele não tinha intenção de
prejudicar você?
Por causa da suavidade de seu toque quando ele me
revistou. Porque ele teve muitas oportunidades de infligir danos
se quisesse, e não fez. E pela maneira como ele olhou para
mim, como se eu fosse fascinante, bonita e... estimada.
Ela ainda estava lutando por uma resposta adequada
quando o olhar de Lady Brackendale se aguçou.
— Claire?
Um calor traidor penetrou no rosto de Claire. Ela lutou,
esperando desesperadamente encontrar uma resposta que
satisfizesse a sua senhoria.
— Seus capangas contratados sem dúvida
argumentariam que ele tinha motivos para machucar a mim e
a Mary quando invadiu meu quarto. Afinal, havíamos nos
recusado a abrir a porta. Nós o ameaçamos com um atiçador
de fogo e uma vara. No entanto, Tye optou por não nos
machucar.
Sua senhoria franziu o cenho.
— Ele provavelmente estava muito ocupado terminando
o cerco.
— Verdade, mas...
— Ele levou suas joias? Suas moedas?
— Sim, — Claire disse.
— Ele os usará para pagar seus servos — disse sua
senhoria — e para comprar lealdade aqui em Wode.
— Ele vai tentar subornar os servos? Para colocá-los
contra você? — Mary estremeceu.
— Não vai funcionar, — Claire insistiu. — Seus servos te
adoram. Eles são leais a você. Eles juraram fidelidade ao seu
senhorio...
— Que está morto. — Um traço de derrota obscureceu o
olhar de Lady Brackendale. — A maioria dos servos são
firmes, mas não tenho dúvidas de que alguns podem ser
comprados pelo preço certo.
Um silêncio tenso se instalou em torno da mesa. Sua
senhoria parecia cansada. O choque do dia finalmente estava
cobrando seu preço.
Claire tentou encontrar outra coisa para discutir, um
assunto que não aumentasse o desespero como um cobertor
empoeirado. Elas podiam ser cativas, mas também conheciam
a fortaleza e as pessoas que viviam nela. Devia haver uma
maneira de frustrar os planos de Tye. Elas apenas tinham que
permanecer fortes e descobrir o que fazer.
— Quando esse Tye chegar, direi a ele exatamente o que
penso dele e tudo o que ele fez, — disse sua senhoria. — Ora,
ele merece...
Uma porta se fechou com estrondo, o som subindo da
escada que conduzia ao pátio. Lady Brackendale se enrijeceu
e suas mãos cerradas se apertaram, deixando os nós dos
dedos brancos. No lado oposto da mesa, Sarah estremeceu.
Passos de botas ecoaram nas escadas do prédio
principal. O silêncio caiu no salão.
Ele estava vindo. Claire reconheceu o ruído surdo de sua
voz. Outras pessoas caminhavam com ele e logo entrariam no
salão.
Os pelos de seus braços se arrepiaram. Um aperto
repentino se formou no meio de seu peito, tornando cada
respiração desconfortável. Apoiando os cotovelos na mesa, ela
pressionou as mãos em punhos entre as costelas, contra o
corpete, para tentar diminuir o desconforto.
Os mercenários no estrado olharam para a abertura no
início da escada.
Claire resistiu ao desejo de olhar para lá também. Ainda
assim, ela soube o momento em que Tye entrou no salão. A
consciência passou por ela, tornando-a agudamente
consciente do carvalho inflexível sob seus cotovelos, a frieza
da madeira contra sua pele, e o cheiro de cera de abelha
subindo da mesa.
Mary se aproximou ainda mais de Claire.
Ele é apenas um homem, Claire disse a si mesma. Não é
um rei ou um deus. Apenas um homem de carne e osso, e um
criminoso.
Ele nunca deve saber o quanto a intrigava. Ela manteve
a cabeça erguida e olhou para frente, para a mesa das criadas
que olhavam com os olhos arregalados em sua direção.
Ele caminhou até a borda do estrado, chegando
finalmente à vista dela. A luz do sol deslizou sobre seu cabelo
despenteado pelo vento, ombros largos e as dobras de sua
capa, deixando-o em um banho de ouro. Quando ele
empurrou a ponta de sua capa e colocou a mão enluvada no
punho de sua espada, a luz iluminou suas pernas fortes e
musculosas.
Mãe Maria, mas ele era magnífico. Não era apenas um
homem, e um criminoso, mas o macho mais bem formado que
ela já tinha visto.
— Por fim — murmurou Lady Brackendale. — Agora
terei algumas respostas.
— Por favor, cuidado, — Claire sussurrou. — É uma
situação perigosa, e você... — é velha e frágil. — Eu não quero
ver você se machucar.
Os lábios da sua senhoria separaram-se, como se ela
fosse responder, mas depois surgiram mais duas pessoas:
uma mulher esguia, de cabelos ruivos, com um manto
comprido, segurando uma adaga; e um guerreiro alto
segurando uma espada larga. Eles pareciam se conhecer bem,
a julgar pelo sorriso sedutor que a mulher de lábios de rubi
deu ao homem. A dupla parou a uma curta distância de Tye e
estudou os reféns, seus olhares duros e penetrantes. A
mulher parecia especialmente implacável.
— Quem são aqueles dois? — Mary sussurrou por trás
de sua mão.
— Shhh, — Claire sussurrou de volta, esperando não
atrair a atenção da mulher de aparência cruel.
— Eu não posso suportar este dia, — Mary disse
suavemente.
No estrado, Tye falou baixinho com os três mercenários,
que sorriram. Então ele subiu na plataforma elevada e
caminhou atrás da mesa enorme, o eco oco de seus passos
ecoando pelo salão. Ele parou na imponente cadeira de
carvalho esculpida empurrada contra a mesa, onde o lorde do
castelo se sentaria, então puxou a cadeira e moveu-se na
frente dela. Olhando para o outro lado do salão, seu olhar
parecendo viajar por todos os rostos que o encaravam, ele
tirou as luvas e as deixou cair sobre a mesa.
Apoiando as mãos espalmadas sobre a mesa, Tye se
inclinou para frente, como um lorde descontente prestes a dar
um sermão em seus servos. Fios de cabelo castanho escuro,
soltos da tira de couro em sua nuca, deslizaram ao longo da
gola de pele de sua capa e acentuaram a linha dura de sua
mandíbula.
Lady Brackendale soprou.
— Olhe para ele.
— Eu estou olhando, — Claire disse. Ele era bonito,
assustador e atraente; ela não conseguia desviar o olhar.
O olhar de Tye pousou em Claire. O canto de sua boca se
ergueu em um sorriso que a lembrou de cada palavra e toque
que havia passado entre eles antes. Um calor selvagem correu
por ela, direto para a ponta dos pés. Ela instintivamente
baixou o olhar para a mesa.
O arrependimento clamava dentro dela.
Você não deveria ser a primeira a desviar o olhar. Segure
seu olhar e não o interrompa. Ele providenciará para que você
não seja mansa e indefesa, mas forte e orgulhosa, como Henry
e Lorde Brackendale teriam desejado de você.
Ela forçou o queixo para cima e olhou de volta para o
estrado. A atenção de Tye não estava mais nela, mas em Lady
Brackendale. O banco embaixo de Claire balançou enquanto
sua senhoria, tremendo de raiva, se levantava.
— Eu exijo uma explicação para o ataque ultrajante de
hoje, — ela disse, seu tom afiado o suficiente para lascar
pedra.
— É por isso que você foi trazida aqui, — respondeu Tye
friamente.
— Explique, então.
Um sorriso conciso curvou seus lábios.
— Em breve.
— Em breve? Ha! Ha! Ha! Juro que você não tem uma
explicação razoável, — disse Lady Brackendale. — Seja você
quem for, não tem o direito de estar naquele estrado.
Murmúrios ansiosos percorreram o salão. Claire engoliu
em seco enquanto os dois mercenários pairando perto da
mesa caminhavam em direção a sua senhoria.
— Você não é um lorde, Tye! — Lady Brackendale
chutou os bandidos que agarraram seus braços. — Você é um
rufião ganancioso, mesquinho e egoísta que...
— Eu sou um lorde, — disse Tye, sua voz
implacavelmente calma. — A partir de hoje, eu governo esta
fortaleza.
— Nunca! — Lady Brackendale lutou. Os mercenários
haviam prendido seus braços e estavam tentando forçá-la a se
sentar novamente. Claire estremeceu com o tratamento duro.
No mínimo, suas mãos punitivas deixariam hematomas
horríveis na pele da sua senhoria.
Claire saltou sobre seus pés.
— Por favor. — Ela encontrou o olhar de Tye. — Lady
Brackendale vai se machucar. Isso não ajudará em nada.
— Ela deveria se sentar e ficar quieta, — Tye rosnou. —
Você também deveria.
Claire entrelaçou as mãos. Como queria ficar de pé, para
mostrar lealdade à sua senhoria e provar aos que a cercavam
que não tinha medo de enfrentar os conquistadores,
especialmente Tye. No entanto, quando seu olhar se iluminou
com um brilho imprevisível, suas pernas trêmulas desabaram
e ela se sentou.
— Você não tem o direito de dar ordens neste castelo! —
Lady Brackendale finalmente se sentou, presa pelas mãos dos
mercenários, seus olhos brilhando e o decote de seu vestido
torto. — Não dê ouvidos a ele, nenhum de vocês! Ele fala
mentiras.
Um brilho escuro cruzou as feições de Tye.
— Eu minto? Garanto a você, meu sangue é tão nobre
quanto o seu. Um pouco disso, de qualquer maneira. — Fez
sinal para que os bandidos soltassem a senhoria e se
afastassem. Eles obedeceram, mas permaneceram perto o
suficiente para contê-la novamente se necessário.
— É de linhagem nobre, você disse? — Lady Brackendale
desafiou. — A que família estimada você pertence?
— Daquele que governou este castelo por quase cento e
cinquenta anos.
Sua senhoria soltou um som sufocado.
— Você não pode querer dizer...
— Meu pai é Geoffrey de Lanceau.
— O quê? — Lady Brackendale ofegou.
Um grito atordoado saiu de Claire. Este homem era filho
de Lorde de Lanceau? Impossível. Certamente mentira. Já
tinha conhecido o encantador herdeiro do seu senhorio. Seu
nome era Edouard.
No entanto, havia uma notável semelhança entre Tye e
seu senhorio. Isso significava que Tye era filho ilegítimo de De
Lanceau? Nesse caso, Tye não seria o primeiro bastardo
gerado por um lorde rico.
— O que você afirma é uma mentira! — A voz da sua
senhoria tremeu.
— É a verdade, — a mulher ruiva disse com um sorriso
presunçoso. Seus dedos se moveram em sua adaga de uma
maneira que deixou as entranhas de Claire tão frias quanto
gelo.
Sua senhoria ficou carrancuda.
— Eu conheço Lorde de Lanceau e sua esposa, Elizabeth.
Eles têm um filho, mas o nome dele é Edouard.
— Edouard é meu meio-irmão. — A boca de Tye se
apertou. — Eu sou um bastardo, o filho que de Lanceau
desejou nunca ter nascido. Esta, — ele gesticulou para a
ruiva, — é minha mãe, Veronique Desjardin.
O olhar de Lady Brackendale deslizou sobre Veronique, e
então ela fungou alto, um ruído de intenso desdém.
— Lorde de Lanceau nunca...
— Trair sua adorável esposa? Derramar sua semente em
alguém que não seja a mãe de seus filhos? — Zombaria
gotejava de cada palavra de Veronique. — Você realmente
acredita que ele recusaria outras mulheres que abrissem suas
coxas para ele?
Misericórdia.
Veronique não tinha vergonha? Falar de um lorde
altamente respeitado dessa maneira não era apenas
imprudente, mas imperdoável.
Um rubor avermelhou as maçãs do rosto de sua
senhoria.
— Você fala da maneira mais vulgar.
Veronique riu.
— Eu apenas digo o que todos nós sabemos ser verdade.
Seu senhorio não difere em seus desejos luxuriosos de
qualquer outro homem, exceto que por meio de seu império
de tecido, ele se distinguiu por se tornar um dos nobres mais
ricos e poderosos da Inglaterra.
Um silêncio tenso se estendeu pelo salão. O choque
estava registrado nos rostos dos criados que testemunharam
a conversa.
— Se bem te entendi — disse cuidadosamente a sua
senhoria — tu és uma das mulheres que, como dizes, ' abres
as coxas' para o seu senhorio? Tye é o resultado dessa união?
— Isso é correto, — disse Tye.
Veronique sorriu.
— Eu satisfiz todas as necessidades de Geoffrey na noite
em que Tye foi concebido.
— Eu entendo. — O rosto de Lady Brackendale ficou
pálido. Ela parecia prestes a ficar fisicamente doente. — Além
disso, se bem te entendi, o seu senhorio traiu a mulher, a
quem dizem que ama muito, para se deitar contigo?
O sorriso exultante de Veronique se desvaneceu. A raiva
apertou suas feições.
Tye respondeu por ela.
— Veronique era amante do meu pai há muitos anos,
antes de ele conhecer Lady Elizabeth. Ele tomou a lady para
ser sua esposa depois dela.
— Ah. — A expressão da sua senhoria iluminou-se de
alívio. — Então, se eu entendi corretamente, Veronique...
Você não satisfez o seu senhorio a cada necessidade, afinal?
Claire sufocou uma risadinha assustada.
— Oh, que coisa, — Mary sussurrou.
— Vadia! — Veronique gritou. O homem ao lado dela fez
uma careta. Ela caminhou em direção à senhora, havia uma
alegria doentia no brilho excessivo de seus olhos âmbar. —
Apenas espere.
O ar ficou pesado com o perigo. Claire se levantou
novamente, o medo pulsando em suas veias.
— Por favor, — ela gritou para Veronique. — Nenhum de
nós quer mais derramamento de sangue.
Veronique ignorou Claire nem diminuiu seus passos.
Sua capa estalou sobre suas pernas, o barulho agourento no
silêncio horrível.
O suor umedeceu as palmas das mãos de Claire. Por que
sua senhoria falara com tanta ousadia? Ela pretendia se
machucar? Provocou Veronique deliberadamente para provar
a brutalidade dos conquistadores? Nesse caso, esse plano
representava um grande risco. Risco mortal.
Com os dentes à mostra em um sorriso malicioso,
Veronique se aproximou de sua mesa. Com a postura rígida, a
cabeça erguida, sua senhoria esperava, como se resolvida a
aceitar qualquer desagrado que ocorresse a seguir.
A poucos passos da sua senhoria, a ruiva ergueu a
adaga.
O olhar em pânico de Claire voou para Tye, que estava
em silêncio e vigilante no estrado. Na penumbra, os ângulos
de seu rosto eram definidos por sombras, sua expressão
ilegível. Por que ele não estava impedindo sua mãe? Ele iria
deixá-la esfaquear Lady Brackendale? O desespero cresceu
até que Claire mal conseguia respirar com a pressão que
esmagava suas costelas.
— Pare ela! — Claire gritou com Tye. — Se Lady
Brackendale for machucada, você vai ganhar a repulsa de
todas as pessoas desta fortaleza.
O olhar de Tye a prendeu onde estava.
— É assim mesmo?
Claire lutou contra o pânico tentando dominá-la. Agora
não era o momento de ficar calada. Ela deve salvar sua
senhoria.
— Sim.
Tye se endireitou, levantando as mãos da mesa. Seus
movimentos cuidadosamente controlados a lembravam de um
gato furioso se preparando para atacar.
Parando atrás de Lady Brackendale, Veronique
empurrou a adaga contra o pescoço de sua senhoria. O aço
brilhou contra a pele clara e enrugada. Um leve movimento,
mesmo o mais leve estremecimento, e a adaga de Veronique
tiraria sangue.
— Por favor! — Claire gritou. Seu estômago embrulhou.
Oh, misericórdia, ela ia vomitar, bem aqui, na frente de todos.
Pior de tudo, na frente dele.
Enquanto ela lutava contra o desejo mortificante de
vomitar, Tye apontou um dedo para ela.
— Venha aqui.
Capítulo Nove
Do outro lado da distância que os separava, Tye
observou os olhos de Claire se arregalarem em choque e
trepidação. Seus lábios se separaram em uma inalação afiada
que provava que ela não esperava que ele a desafiasse
daquela maneira.
Ela deveria saber. Ela era como uma gatinha mimada
que tinha acabado o espetáculo de um monte de miados
imprudente, e que tinha de repente ficado cara a cara em
uma batalha e com várias cicatrizes. Suas garras não eram
páreo para ele, um gato, experiente que poderia sufocar um
adversário com um golpe.
Este era o seu salão agora, com todos os presentes em
dívida com ele. Claire, de todas as pessoas, deveria ter se
rendido à autoridade dele. O fato de que ela não tinha... A
fúria rosnou nas entranhas de Tye. Ele admirava o desafio de
Claire, mas de jeito nenhum perderia esse choque de
raciocínio e palavras de uma mulher, especialmente na frente
de tantas testemunhas.
Essa era uma batalha que ele iria vencer.
Por todos os meios necessários.
Ainda de pé na mesa, Claire nervosamente torceu as
mãos, mas não obedeceu imediatamente sua ordem. Sua
raiva fervente aumentou; com a emoção da vitória da manhã
ainda queimando em seu sangue, ele reconheceu o crescente
fogo da luxúria.
Ele poderia ser paciente um pouco mais, mas se ela o
pressionasse demais, não lhe deixaria escolha a não ser fazer
o que precisava para subjugá-la. Ele usaria qualquer arma ao
seu alcance. Isso incluía o desejo.
— Venha aqui, Claire. Agora.
— Oh, Claire, — Mary sussurrou, agarrando sua manga.
A mão de Lady Brackendale, segurando a borda da
mesa, tremulou, um sinal de angústia, mas ela obviamente
não ousava falar ou mover a adaga em seu pescoço. Seus
olhos, porém, brilharam de preocupação.
— Vai ficar tudo bem, — disse Claire, dando um tapinha
no ombro de Mary. Ela alisou as mãos na frente de seu
vestido e começou a andar em direção ao estrado.
Tye a observou se aproximar, sem tirar o olhar dela.
Deus do céu, mas ela se movia com graça ágil, quase
deslizando sobre o chão coberto de junco. A luz do sol brilhou
em seu cabelo ondulado, transformando as mechas em ouro
sedoso. A luz desceu, destacando as curvas agradáveis de
seus seios e quadris.
Ela era bonita. Elegante. Uma lady de criação nobre e
perfeita.
Uma mulher que merecia a atenção de um homem muito
mais digno, não um assassino bastardo como ele.
O pensamento o atingiu como um punho. Ele conseguiu
reprimir o desejo instintivo de recuar. Inferno, ele não iria se
desculpar por quem ou o que ele era. Sua linhagem pode não
ser tão pura quanto a dela, mas ele era filho de Geoffrey de
Lanceau. O mais importante, Tye era um lorde agora. Ele
poderia ter qualquer mulher que quisesse, fosse ela uma lady
ou não. Especialmente se ela fosse uma lady.
Claire parou em um raio de sol abaixo do estrado e olhou
para ele. O movimento fez com que uma brilhante mecha de
cabelo caísse sobre seu ombro. Ele seguiu o deslizamento da
seda loira, deixou seu olhar viajar para a curva de seu
cotovelo, e então ao longo de seu braço esguio para suas
mãos, apertadas firmemente na frente dela. Então,
lentamente, seu olhar percorreu a frente de seu vestido,
enquanto apreciava novamente as ondas exuberantes e
sombras provocantes de sua figura delineada por seu vestido.
Finalmente, seu olhar travou com o dela.
Claire apertou os lábios, uma tentativa óbvia de
controlar sua ansiedade. Ele lutou contra um sorriso,
reconhecendo orgulho e teimosia na expressão de sua boca.
Ela era uma oponente digna. Uma que ele gostaria de domar.
Ele espalmou as mãos mais uma vez sobre a mesa e se
inclinou para frente, chegando mais perto do nível dos olhos
dela. De seu ponto de vista, ele podia ver a parte da frente de
seu corpete, até o decote escuro entre a protuberância
superior de seus seios, uma visão mais tentadora do que ele
jamais havia imaginado.
Ele sentiu o aroma sedutor de leite e mel dela e quis
respirar mais fundo, para se entregar. Haveria tempo para
isso e muito mais depois.
Ele mal podia esperar.
Ela estremeceu ligeiramente sob sua leitura, mas não
desviou o olhar.
— Você fala com muita ousadia para alguém em sua
posição, Gatinha. — Apesar de sua raiva, ele manteve a voz
baixa, garantindo que suas palavras exatas não alcançassem
os outros que os observavam. Havia poder em manter as
testemunhas se perguntando o que estava sendo dito, em
alimentar o medo e o suspense que praticamente zumbiam no
ar.
Seus dedos se contraíram.
— Eu só estava tentando ajudar.
Ele riu, o som rouco para seus próprios ouvidos.
— Ameaçando um motim entre os servos?
— Falando a verdade, — Claire disse com firmeza. — Sua
senhoria é muito querida aqui. Seus súditos leais...
— São meus agora. Por direito de conquista, eles serão
leais a mim, gostem ou não. Você também.
A raiva iluminou seus olhos azuis. Ele ouviu a réplica
silenciosa dela tão claramente como se ela tivesse falado: Eu
vou, seu bastardo?
— Não vou tolerar rebelião ou deslealdade neste salão,
especialmente quando é dita na frente de um salão cheio de
outras pessoas.
Ele meio que esperava que ela cedesse a um pedido de
desculpas precipitado, ou desse voz a uma enxurrada de
palavras angustiadas que provariam que ele venceu aquele
choque de vontades. No entanto, apesar de sua expressão
cautelosa, ele não viu nenhum sinal de rendição.
— Eu tive que falar, — ela disse ferozmente. — Eu não
conseguiria ficar em silêncio. Alguém tinha que ajudar Lady
Brackendale, antes que ela tivesse a garganta cortada.
— Sua senhoria tem idade para cuidar de si mesma. —
Seu lábio se curvou em um sorriso de escárnio. — Com seus
anos de sabedoria, ela também deve saber quando manter a
boca fechada.
O olhar de Claire se desviou, como se suas palavras
tivessem atingido sua consciência.
— Pode ser assim. No entanto, ela não está bem. Ela tem
estado mal desde a morte de Lorde Brackendale.
— Ela é uma tola por provocar a mim e a minha mãe.
— Sua mãe. — Os lábios de Claire se separaram em uma
respiração instável. — Você poderia tê-la impedido, mas
mesmo agora, Veronique está com uma adaga pressionada no
pescoço de sua senhoria e está ameaçando sua vida.
Ele olhou para Lady Brackendale, refém da lâmina da
adaga. Seu olhar encontrou o de sua mãe, queimando com
fúria triunfante, e ele sorriu antes que sua atenção se fixasse
novamente em Claire.
— Lady Brackendale deve assumir a responsabilidade
pelo que ela disse. É apenas justo.
Seus olhos brilhando em desespero, Claire balançou a
cabeça.
— Machucá-la não levará a nada.
Verdade. Machucar Lady Brackendale, mesmo que sua
mãe fizesse o corte, era provavelmente o pior movimento
tático neste momento, especialmente com as tensões em alto
e com tantos espectadores. Sentir que Claire vacilava, porém,
dividida entre sua lealdade à senhoria e ceder às exigências
dele, era delicioso demais para deixá-la ir, especialmente com
todos os olhares do salão sobre eles.
— Que escolha eu tenho? — ele perguntou. — Não vou
ignorar o insulto que ela fez à minha mãe. Lady Brackendale
entenderá que sou eu quem está no poder aqui.
— Por favor...
— Por favor? — O gosto inebriante da vitória inundou
sua boca. Ele se aproximou ainda mais dela. — O que,
exatamente, você está querendo, Gatinha?
— Estou querendo... — Ela mordeu o lábio inferior.
— Deseja barganhar pela segurança de sua senhoria?
— O que você permitiria?
— Depende. — Seus dedos se curvaram, as pontas dos
dedos pressionando contra a mesa de carvalho dura. — A tua
oferta teria de ser digna da ofensa que a sua senhoria causou.
Há também a questão de suas próprias palavras tão ousadas.
Olhando fixamente para seu rosto requintado, ele pôde
pensar em uma oferta que aceitaria prontamente, uma
barganha que seu membro ansiava com intensidade
implacável. Ela teria que se oferecer de boa vontade, no
entanto. Ele tinha habilidade suficiente com o sexo frágil para
garantir que, embora ela fosse provavelmente uma donzela,
ficaria completamente satisfeita que ele a tomasse.
Ele mudou seu peso para aliviar o inconveniente,
pressionando o aperto de sua chausses.
— Eu... não tenho nada a negociar.
Ele riu suavemente.
— Não é verdade, Gatinha.
— Você pegou minhas joias e moedas junto com meu
diário e cartas. Você não tem uso para nenhuma das minhas
outras posses. O que, então?
— Certamente você pode pensar em pelo menos uma
coisa que me agradaria?
Claire o encarou, como se procurasse a resposta em suas
feições.
— Você não pode querer dizer...
— O quê, Gatinha?
Ela corou e cruzou os braços sobre o peito.
— Eu não posso ler sua mente, — ele persuadiu.
— E eu não consigo ler o sua! — ela sibilou, seu rosto
ficando com um tom mais escuro de vermelho.
Claire claramente não queria admitir a perigosa verdade
enchendo seus pensamentos. Ela iria manter essa guerra de
juízo, para tentar contornar a armadilha verbal em que ela
havia entrado tão habilmente. Bem, desta vez, ele não iria
deixá-la escapar.
Ele se inclinou ainda mais perto dela, as dobras de sua
capa agrupando-se no tampo da mesa. Ele estava quase perto
o suficiente para estender a mão e tocá-la, para correr os
dedos pela superfície úmida de sua bochecha, se assim
desejasse.
Suavemente, ele murmurou:
— Se o que você está pensando envolve minha boca
movendo-se sobre a sua...
Ela fez um som estrangulado.
— Você estaria certa.
— Um beijo, — ela ofegou. Seu olhar cravado em seus
lábios. Sua expressão registrou repulsa e fascinação. — Você
barganharia pelo meu beijo?
— Sim. Para começar.
— Para começar? O que acontece depois do beijo? — Ela
estava respirando mais rápido agora, como um coelho
encurralado na visão de um falcão.
— Eu tocaria em você.
Ela mordiscou o lábio inferior com os dentes novamente.
Ele imaginou o sabor de seus exuberantes lábios vermelhos
sob os seus, e como ela ofegaria de prazer atordoado quando
ele deslizasse a língua em sua boca, suavemente no início, e
então mais profundamente, ferozmente, cada golpe liso
pretendia excitar e seduzi-la.
— Onde... você me tocaria?
— Onde eu quiser.
Sua boca se separou em um pequeno gemido.
— Eu não tocaria em você apenas com minhas mãos, —
acrescentou ele, — mas com meus lábios e língua. — Sua voz
se tornou um rosnado vigoroso. Ossos de Deus, mas ele
queria começar agora, independentemente de onde estivessem
ou de quem estivesse assistindo. — Eu descobriria cada
pedacinho de você, cada curva feminina, depressão e buraco.
— Mãe Maria! — Claire guinchou.
— E então…
— Então? — Seus cílios tremeram. Ela parecia prestes a
desmaiar.
— Então, — disse ele, prolongando a última nota por um
momento comovente. — Se o que você está imaginando é
chocante, impróprio e inquestionavelmente pecaminoso...
então é exatamente o que aconteceria.
Sua mão voou para sua garganta. Seus dedos se
curvaram contra o pescoço como as pétalas murchas de uma
flor.
— Não!
— Sim, — ele rugiu.
— Você diz essas coisas para me chocar!
Ele riu com voz rouca.
— Eu digo essas coisas porque as quero dizer...
— Tye, — sua mãe chamou, quebrando a teia sensual
que o tinha enredado. — Quanto tempo devo esperar?
Ele se endireitou lentamente. Na mesa de cavalete, sua
mãe ainda mantinha Lady Brackendale presa com uma
adaga.
— Eu entendo sua impaciência, mãe, — disse Tye, ciente
do olhar ansioso de Claire sobre ele. — Tem todo o direito de
querer retribuição, pois a sua senhoria foi desrespeitosa. Ela
merece ser punida.
— Estou feliz que você concorda. — Veronique puxou a
cabeça da senhoria ainda mais para trás. Sussurros
horrorizados percorreram os criados, e vários puseram-se de
pé, como se fossem intervir.
— No entanto, — disse Tye, — decidi, em honra à minha
vitória, ser indulgente.
Claire ofegou.
Veronique ofegou.
— O quê?
— Desta vez, vou permitir que Lady Brackendale saia
ilesa. Ela falou precipitadamente. No futuro, tal tolice dela ou
de qualquer outra pessoa neste castelo será punida
rapidamente.
Cuspindo uma maldição maldosa, Veronique largou a
mulher mais velha e puxou a adaga.
Ele encontrou o olhar furioso da mãe antes de olhar para
a sua senhoria.
— Lady Brackendale perdeu o privilégio de estar neste
salão. Mãe, leve dois mercenários contigo. Você e Braden
acompanharão sua senhoria ao quarto de hóspedes em frente
ao solar. Ela permanecerá lá, sob guarda, até que eu diga o
contrário.
O sorriso desdenhoso de Lady Brackendale enviou uma
fúria açoitando Tye.
— Tire ela da minha vista, — ele murmurou. Os
contratados puxaram sua senhoria do banco e, com
Veronique e Braden logo atrás, empurraram-na escada acima
até o andar superior do castelo e desapareceram de vista.
A atenção de Tye voltou para Claire, ainda parada abaixo
do estrado. Ela parecia aliviada, mas também cautelosa.
— Obrigada por não machucar Lady Brackendale.
— Não se precipite em me agradecer, Gatinha. — A fome
por ela ainda queimava dentro dele. A necessidade o
provocava, enchendo-o de uma sensação de irritação de
frustração.
Como se sintonizada com suas emoções voláteis, ela
disse rapidamente:
— Você e eu não fizemos nenhum acordo. Sim, você
falou de seus... desejos, mas não concordamos...
— Verdade, nós não concordamos. Não no caso de Lady
Brackendale. No entanto, ainda tenho que julgar sua
insolência.
Seu rosto empalideceu.
— Eu sei que falei precipitadamente...
— Você falou. Você também vai deixar meu salão. Como
Lady Brackendale, você permanecerá trancada em seu quarto
até que eu diga o contrário. Ele acenou para dois mercenários
parados abaixo do estrado. Quando os homens a seguraram
pelos braços, ele disse: — Assim que estiver sozinha em seu
quarto, sugiro que pense no que discutimos. Você e eu
falaremos novamente em breve.
Capítulo Dez
De pé na borda frontal do estrado, Tye olhava para o
grande salão. Seu salão. Afinal.
Há pouco tempo, ele mandou os servos de volta às suas
funções; assegurou-lhes que não sofreriam nenhum dano,
desde que o obedecessem e a seus homens. Ele reconheceu a
raiva e o ressentimento no povo, especialmente depois que
Lady Brackendale foi escoltada para fora do salão, e os avisou
que seus mercenários esmagariam qualquer tentativa de
levante; aqueles que se rebelassem seriam punidos.
Quando a multidão saiu, ele ordenou que várias
mulheres ajudassem a cuidar dos feridos na masmorra. Como
suas feridas foram tratadas quando ele era prisioneiro na
masmorra de seu pai, ele teria a mesma misericórdia para
com os guerreiros em Wode. Esperançosamente, tal
generosidade ajudaria o povo do castelo a vê-lo de maneira
mais favorável.
Em breve, um mercenário chegaria ao salão com uma
lista dos prisioneiros feridos. Tye também aguardava uma
prestação de contas das armas recuperadas após o cerco. Por
enquanto, porém, ele não tinha nada mais urgente a fazer do
que esperar.
Enquanto ele sorria, saboreando o brilho inebriante da
realização, o baque das toras nos ladrilhos chamou sua
atenção para as criadas ajoelhadas diante da lareira,
colocando madeira fresca para reacender o fogo. Elas olharam
nervosas para ele antes de voltarem ao trabalho. Ele ignorou
seus sussurros furtivos. Com o passar dos dias, elas e todos
os outros se acostumariam com sua presença. Assim que o
rei John aprovasse oficialmente a posição de Tye, os
sussurros diminuiriam. Ainda mais quando Tye matasse seu
senhor e reivindicasse toda Moydenshire. A excitação
percorreu seu corpo, pois sua tão esperada vitória sobre o pai
viria em breve. Muito em breve.
Ele caminhou ao longo do estrado, estudando o salão
que parecia estar bem cuidado. Os juncos no chão estavam
razoavelmente limpos; as janelas altas cobertas com artefatos
de chifres de animais não estavam rachadas ou quebradas; e
as paredes eram decoradas com tapeçarias coloridas e sem
poeira. Era um salão do qual seu lorde se orgulharia. E ele
também.
Ele circulou a ponta da mesa e desceu pela parte de trás,
parando na cadeira reservada para o lorde do castelo.
Puxando a cadeira, ele se acomodou nela. Seus dedos se
curvaram sobre os apoios de braço, desgastados com o passar
dos anos. Quantos homens da linhagem de Lanceau se
sentaram nesta cadeira antes dele? O carvalho envelhecido
rangeu enquanto ele mudava o peso do corpo, colocava as
pernas na mesa e as cruzava na altura dos tornozelos.
Era estranho olhar para baixo desta posição privilegiada
para o resto do salão, quando toda a sua vida, ele foi indigno
de colocar os pés no estrado.
Mesmo na cadeira do lorde, no entanto, era uma visão
malditamente fria.
Ele estava feliz por ter mantido sua capa, pois agora que
as demandas mais urgentes do dia haviam acabado, o salão
parecia frio. Olhando para trás, para a lareira, ele viu que o
fogo estava queimando bem; as criadas estavam se
preparando para partir.
O fogo na câmara de Claire já teria apagado agora.
Haveria um no quarto que Lady Brackendale agora ocupava?
Ele não conseguia se lembrar. Enquanto ficaria muito feliz em
deixar sua senhoria congelar com sua língua afiada, ele era,
lamentavelmente, o responsável pelo seu bem-estar.
Quando as mulheres se afastaram do fogo, ele as
chamou.
— Quero que as fogueiras nas lareiras sejam acesas no
resto da fortaleza, — disse ele. — Além disso, diga aos criados
na cozinha que quero comida e bebida quente servidas o mais
rápido possível.
— Sim, meu senhor, — as mulheres responderam.
Elas correram para a escada. Mais criados apareceram,
carregando panos de linho e baldes de água fumegante para
limpar as mesas de cavalete. Eles olharam para ele e
rapidamente começaram a trabalhar.
Momentos depois, sua mãe desceu as escadas do
patamar de cima, Braden ao seu lado.
— Está tudo em ordem? — Perguntou Tye.
— Lady Brackendale está protegida na câmara, como
você ordenou, — disse sua mãe.
Ela estava se regozijando. Tye ergueu as sobrancelhas,
um pedido silencioso de mais informações.
— Sua senhoria tem algumas hematomas. Quase
imperceptível. — Empurrando um dedo nodoso para ele, sua
mãe disse: — Se você me impedir de cortar um prisioneiro
mais uma vez, vou bater em sua cabeça.
Tye riu.
— Você não me bate em anos.
Saltando ao chão do salão, Veronique caminhou em
direção a ele.
— Você merecia muito mais pancadas do que recebeu.
— Disso não tenho dúvidas. — Ele sorriu. — Estou
muito grande agora para você me dobrar sobre seus joelhos.
— Não me provoque. Eu posso te surpreender.
Braden gargalhou.
— Cuidado, amor. Seu filho é um homem adulto. Ele
pode apenas surpreendê-la.
— É melhor ele não me surpreender.
Tye não resistiu a uma risada provocante.
— Você não gosta de surpresas, mãe? Ou você não confia
no que eu posso fazer?
Ele tinha falado em tom de brincadeira. Ainda assim, o
olhar dela se cravou nele, o tempo suficiente para que a
inquietação se agitasse dentro dele, uma sensação indesejável
que o lembrava de cada vez que ele falhou em atender às
expectativas dela.
Sua boca se achatou em uma linha dura e ela desatou a
capa.
— Não espero surpresas da minha própria carne e
sangue. Tye sabe que seus esforços devem ser despendidos
em assuntos mais importantes.
Em seu tom nítido, ele ouviu um lembrete de por que
eles capturaram este castelo: para destruir seu senhor e
assumir o controle do império de Lanceau. Era o que ambos
queriam, pelo que trabalharam pacientemente e o que estava
facilmente ao seu alcance agora.
O sorriso malicioso de Tye se desvaneceu. Sua mãe
estava certa em castigá-lo; ela, afinal, sempre lutou pelo que
era melhor para ele. Ela o protegeu, o criou, quando seu pai,
se tivesse a chance, teria matado os dois. Tye baixou a cabeça
para ela em um aceno rápido, e ela sorriu friamente.
Ela tirou a capa, jogou-a sobre a mesa no estrado e, em
seguida, alisou com as mãos o vestido agarrado às suas
curvas esguias. O olhar faminto de Braden passou por ela, e
ela sorriu para ele, tão sugestivamente que Tye não tinha
dúvidas de que eles logo estariam terminando o que ele
interrompeu quando invadiu o solar mais cedo.
— A propósito, — sua mãe disse, — Braden e eu
ficaremos na grande câmara na torre Norte. O solar, é claro, é
seu.
Eles concordaram dias atrás que ele ocuparia o solar de
Wode, mas ela obviamente queria exercer algum controle
sobre os preparativos do dia.
— Tudo bem, — disse ele.
— Bom. Agora, devemos comemorar sua vitória neste
dia. — Veronique franziu o cenho para a mesa. — Sem vinho?
Sem cerveja?
Ciente dos servos labutando que ouviam a conversa, Tye
disse:
— Pedi comida e bebida. Que chegará em breve.
Veronique fez uma careta.
— Os servos devem a você sua lealdade. Se você pediu
comida e vinho, eles deveriam ter sido trazidos
imediatamente. Você não pode ignorar esse desprezo. Aqueles
que trabalham na cozinha devem ser arrastados para o pátio
e fortemente açoitados.
— Mãe...
— Eu posso cuidar das chicotadas para você, Tye, —
Braden disse, parecendo ansioso por uma razão para infligir
dor. Não se admirava que ele e a mãe de Tye se dessem tão
bem.
— Tenho certeza de que o que pedi estará aqui em breve.
— Tye captou o olhar de uma das criadas, que era inteligente
o suficiente para entender a ordem silenciosa em seu olhar.
Ela largou o pano e correu para a escada.
Veronique observou a mulher ir e mais uma vez encarou
Tye.
— Antes que eu esqueça, há outro assunto que devemos
discutir.
— Que assunto é isso?
— A lady que te desafiou.
— Claire. — O corpo de Tye respondeu com uma dor
voraz que reacendeu o fogo em sua virilha. Logo, ele iria
verificar como ela estava. Ele deve ter certeza de que os
criados cuidaram das fogueiras, afinal.
— Claire, não é? Não sabia que vocês dois se conheciam
tão bem.
Sua mãe sempre tinha que bisbilhotar. Não querendo
divulgar mais sobre Claire do que o necessário, ele disse:
— Não nos conhecemos bem. Eu mal a conheço.
— Ela é a linda que você descobriu enquanto procurava
nos aposentos do andar de cima?
Ele assentiu.
— Estou surpreso que você a deixou escapar com tanto
desrespeito antes, especialmente com todos aqueles servos
prestando testemunho.
— Eu poderia tê-la esmagado a qualquer momento, mãe,
se eu quisesse.
— Ainda, não o fez. Estou desapontada.
Decepcionada. Tye odiava aquela palavra que saía de
seus lábios quando falava dele.
Sufocando um grunhido irritado, Tye lentamente
empurrou para trás na cadeira e colocou os pés no chão. Ele
não se desculparia pela maneira como lidou com a situação
no salão. Sua mãe poderia ter preferido um derramamento de
sangue horrível, mas o derramamento de sangue não iria
conquistar o respeito entre o povo do castelo.
A risada de sua mãe perfurou seus pensamentos.
— Você não tem mais nada a dizer sobre o assunto?
Ele deliberadamente manteve o olhar zombeteiro em sua
mãe.
— Terei outras oportunidades de reprimir a ousadia de
Claire, se necessário.
— Mmm. Eu vi como você falou atentamente com ela, e
como olhou para ela.
— Como, exatamente, foi isso?
— Como se você quisesse jogá-la na mesa, puxar o
vestido para cima e tomá-la.
Exatamente correto. Um sorriso maroto apareceu em
seus lábios.
— Como você me conhece bem.
— Você é meu único filho. — Ela sorriu. — Você também
é um homem de apetites vigorosos, seja a mulher uma
donzela, uma cortesã ou uma viúva. Estou surpresa que você
não tenha violentado a lady durante seu primeiro encontro.
— No meio de uma tomada do castelo? Teria sido mais
do que tolo.
Ela olhou timidamente para Braden, que riu, e então de
volta para Tye.
— Bem, agora que o cerco acabou e este castelo é seu,
você pode fazer o que quiser com ela. Sempre que você quiser.
Quantas vezes quiser.
Sobre isso, eles estavam de acordo. Só de pensar em
Claire enviou um arrepio quente por ele.
— Lady Sevalliere é adorável, mesmo que ela...
— É problema, — interrompeu Veronique. — Adorável ou
não, quer você a deseje ou não, ela é um desafio ao seu
governo aqui. Um que seria sensato eliminar.
Tye estava ciente da maneira como sua mãe lidava com
as pessoas que considerava problemáticas. A adaga dela
cortou mais gargantas do que ele poderia contar com duas
mãos, e essas eram as mortes que ele conhecia.
— Mãe...
— Ela não pode se opor a você dessa forma novamente.
— Eu posso lidar com Claire. — Ele lançou um olhar de
advertência para a mãe.
— Não tenho dúvidas de que você pode e vai lidar com
ela. Suas mãos hábeis acariciaram metade das mulheres na
Inglaterra.
Tye apertou a mandíbula. Ele pode ter necessidades,
mas não era solto com seus afetos. Ele não acasalou com
qualquer mulher. Ele encontrou o olhar azedo da mulher que
esfregava uma mesa próxima; ela sem dúvida odiava a ideia
dele tocando a bem educada e inocente Claire. Estimulado
por uma pontada de aborrecimento, ele sorriu para ela. Ela
corou de um vermelho vivo e esfregou como se sua vida
dependesse disso.
Os lábios pintados de Veronique se separaram, como se
ela pretendesse dizer mais, mas um estrondo abafado encheu
o salão. Um momento depois, o mercenário que Tye esperava
apareceu.
Finalmente.
Tye se levantou, as pernas da cadeira raspando no chão.
O homem, exibindo um hematoma arroxeado na testa,
parou e fez uma reverência. Pedaços de gelo caíram da bainha
de sua capa.
— Os prisioneiros estão bem cuidados? — Perguntou
Tye.
— Sim, meu senhor. Eu tenho a lista que você solicitou,
escrita por Sutton.
Tye caminhou ao longo da parte de trás da mesa.
— Você pode revisar a lista comigo no caminho para a
masmorra. Desejo verificar pessoalmente os prisioneiros. —
Ignorando o lamento indignado de sua mãe, ele disse a ela: —
Lamento ter que ir embora, mas tenho deveres a cumprir.
Vou me juntar a você na celebração de nossa vitória assim
que puder.
Com o mercenário logo atrás, Tye cruzou o salão e
desceu para o pátio. Quando ele irrompeu pela porta do
prédio anterior, soltou um suspiro afiado, imensamente feliz
por estar ao ar livre.
Enquanto Tye fazia uma avaliação rápida do pátio, uma
forma escura chamou sua atenção: um objeto preto peludo
espremido atrás de um barril perto dos estábulos. Ele pode
não ter notado antes, mas era a pena de uma flecha
projetando-se de trás do barril em um ângulo estranho. O
objeto não se moveu, porém, e a julgar por seu tamanho e
forma, provavelmente não era mais do que uma peça de
roupa descartada.
— Milorde? — perguntou o mercenário.
— Conte-me sobre a lista, — disse Tye, apontando para a
masmorra. O que quer que estivesse atrás do barril teria que
esperar.

***

Tye é o homem mais desagradável, irritante e arrogante


que já conheci. Juro que ele não tem nenhum conhecimento de
honra ou bravura, muito surpreendente nesta era de cavalaria,
e chegou a tal conclusão não apenas porque ele corajosamente
reivindicou este castelo para si mesmo. Verdade seja dita,
ainda estou chocada com a barganha ultrajante que me propôs
no grande salão, que envolvia ele me beijando, me tocando e
ainda estou mortificada demais para lembrar e, se me atrever
a refletir mais, vai ser causa de desmaiar.
Que tipo de homem acredita ter direito a tais intimidades,
especialmente com uma lady que ele mal conhece? Meus
pensamentos se recusam a parar de meditar sobre essa
questão, embora eu nunca cederei a um acordo tão ridículo.
Sei que beijar é a intimidade mais maravilhosa e especial
entre um homem e uma mulher que se amam e que passarão o
resto de suas vidas juntos. Eu sei exatamente que os beijos
devem ser como aquele que Henry e eu compartilhamos. Um
beijo simplesmente não pode ser apreciado com um patife
conquistador.
Se Tye acredita que pode me beijar, está muito enganado.
Eu sou, e sempre serei, dedicada ao meu amado Henry, que
partiu.
Largando a pena, Claire leu o que havia escrito e deu um
aceno satisfeito. Ela descartou a maior parte do que pretendia
dizer. Ela enfiou a pena e a tinta na bolsa e as guardou de
volta em seu baú.
Então ela colocou o diário perto da lareira para que a
tinta secasse completamente. O fogo tinha se reduzido a
brasas e os mercenários haviam levado embora o atiçador,
então ela não tinha como atiçar o fogo, mas com sorte ainda
haveria calor suficiente. Se ao menos ela não tivesse perdido
tanto tempo deliberando antes de colocar a pena no
pergaminho e escrever; no entanto, isso não poderia ser
evitado agora.
Ciente de um frio se instalando, Claire caminhou por
toda a extensão de seu quarto, esfregando os braços com as
mãos. Ela se sentiu um pouco mais quente, embora o frio não
estivesse apenas no ar; estava bem dentro dela, um nó gelado
de incerteza quanto ao que aconteceria com ela a seguir.
As palavras de Tye retumbaram novamente em sua
mente. Se o que você está pensando envolve minha boca
movendo-se sobre a sua... você estaria certa.
Sufocando um pequeno grito, ela girou nos calcanhares,
seu vestido girando em seus tornozelos, e caminhou através
de seu quarto.
Eu tocaria em você... Gostaria de descobrir cada
pedacinho de você, cada curva feminina, depressão e buraco.
Ele não deveria ser capaz de atormentá-la quando não
estivesse por perto. No entanto, suas palavras simplesmente
não a deixavam em paz.
A preocupação corroeu os pensamentos de Claire. O que
estava acontecendo no salão agora? Lady Brackendale estava
bem? E o que dizer de Mary?
Claire suspirou, pois parecia uma eternidade desde que
os guardas a trouxeram de volta para seu quarto, a
empurraram para dentro e trancaram a porta, sem qualquer
lenha para o fogo ou mesmo algo para beber. Se ao menos ela
pudesse falar com Tye, perguntar-lhe abertamente suas
intenções, não apenas para com o povo que vivia na fortaleza,
mas para ela.
Ela não tinha experiência para guiá-la com um homem
como ele: um patife governado por paixões ferozes e segredos
sombrios. Que ele a desejasse era aterrorizante e, Deus a
ajudasse, emocionante.
Ela fez uma careta para sua idiotice.
— Não é emocionante. Não, não, não!
Agachando-se perto da lareira, ela inspecionou a tinta.
Parecia seca, mas ela esperaria um pouco mais, só para ter
certeza, antes de esconder o diário novamente.
Assim que ela se levantou, vozes soaram do lado de fora
de sua porta. Ofegante, ela agarrou o diário, fechou-o com
força e correu para a cama.
Ela tinha acabado de guardar o diário e se endireitar,
quando a porta se abriu.
Tye passou pela porta.
Capítulo Onze
A pulsação de Claire saltou quando o olhar de Tye se
fixou em sua posição perto da cama. Memórias de sua
conversa anterior lotaram sua mente, e o pavor a envolveu.
Ele tinha vindo para finalizar a barganha que ele tão
descaradamente propôs?
Tye deu vários passos em seu quarto e então parou.
Seus lábios formaram uma linha fina, como se ele avaliasse
se ela iria cooperar ou desafiá-lo novamente.
As pernas de Claire de repente ficaram instáveis. Ela não
desabaria na frente dele. Isso só provaria o quanto ele a
perturbava, e seu orgulho simplesmente se recusava a
reforçar sua arrogância. Mantendo contato visual com ele, ela
caminhou até a lareira e parou na beira dos ladrilhos, feliz
com o calor que começava a esquentar o lado direito de suas
saias.
Virando-se ligeiramente, Tye acenou para alguém no
corredor. Uma jovem entrou apressada, carregando uma
bandeja. Claire sentiu os cheiros perfumados de ensopado de
carneiro e pão de grão assado quando a garota colocava a
comida na mesa de cavalete, então esperou com os olhos
baixos.
— Traga o resto, — disse Tye, — bem como mais lenha.
A garota fez uma reverência e saiu correndo. Depois de
acenar com a cabeça para seus homens de guarda do lado de
fora, Tye fechou a porta.
Ele os havia fechado juntos.
Apenas os dois.
Claire nunca tinha estado sozinha com um homem
antes. Não de carne e osso, de qualquer maneira, ao contrário
dos heróis galantes que preencheram seus devaneios e
imaginações românticas. Ela sempre teve Mary para
acompanhar as visitas de Henry, para evitar qualquer
impropriedade, não que Claire esperasse qualquer coisa de
seu pretendente mais honrado, e também frustrou quaisquer
tentativas daqueles que gostavam de fofocas do castelo e de
provocar um escândalo.
Tye obviamente não se importava com o decoro ou o
potencial de criar um escândalo que chegaria rapidamente
aos ouvidos dos criados. A vergonha se apoderou de Claire,
zombando dela por todas as ocasiões em que ela foi tão
cuidadosa em proteger seu bom nome e virtude virginal. Tudo
tinha sido em vão.
No entanto, logo após essa vergonha, veio a indignação.
Se ela tivesse escolha, não teria permitido que Tye entrasse
em seu quarto. Ainda assim, ela não teve escolha; ela era uma
prisioneira. Uma refém para ser resgatada ou usada para
promover suas ambições.
Quando ele não falou, apenas ficou olhando para ela,
Claire cruzou os braços. Com sorte, ao ficar de braços
cruzados, ele não perceberia o quanto ela tremia.
O olhar de Tye baixou para seus braços, depois se
ergueu novamente para seu rosto. Sua boca relaxou em um
sorriso torto.
Ela não conseguia mais suportar o silêncio
constrangedor.
— Por que você sorri?
— Porque quero.
— Por que você quer? — Ele percebeu que ela estava
tremendo? Nesse caso, ela teria que encontrar uma maneira
melhor de esconder seu desconforto.
Tye encolheu os ombros.
— Melhor sorrir do que fazer cara feia, sim? Ou devo
estar carrancudo? Você estava planejando travessuras,
Gatinha, enquanto estava sozinha?
Malícia. Isso poderia descrever sua recente entrada no
diário. Certamente, porém, o que ela escreveu foi mais
apropriadamente descrito como informação de primeira mão
sobre um importante evento histórico. Portanto, não
travessura.
— Eu não fiz nada de importante, — ela respondeu,
orgulhosa de que sua voz não tivesse captado e traído sua
mentira. Lembrando que ele a encontrou de pé ao lado da
cama, ela acrescentou: — Aproveitei a oportunidade para
descansar.
Suas sobrancelhas se ergueram. Se ela o deixasse
desconfiado, ele poderia ordenar uma busca em seu quarto.
Ele poderia encontrar o diário atrás da cama dela.
— Como eu poderia fazer travessuras? — ela disse com
veemência. — Você pegou minhas cartas, assim como o diário
que eu poderia ler ou escrever para me ajudar a passar o dia.
Uma emoção que ela não conseguia nomear cintilou em
seus olhos.
— Foi o que fiz.
— Pare. — Ela assentiu energicamente. — Você sabe a
verdade. — Quando as palavras deixaram sua boca, ela se
encolheu por dentro. Por que ela disse isso? Ela iria se meter
em problemas se não conduzisse a conversa para um terreno
mais seguro. Quando o olhar dele se intensificou, ela
perguntou: — Como está Lady Brackendale? Tenho me
preocupado com ela.
— Ela está descansando e confortável.
— Ela está bem? Quando ela foi forçada a sair do salão...
— Ela está bem.
Um suspiro de alívio escapou de Claire.
— Estou feliz. E Mary?
— Em seu quarto. Ela também está bem. — O sorriso de
Tye se alargou, revelando seus dentes brancos e regulares. —
No entanto, acho que ela provavelmente está preocupada
porque acha que eu droguei seu ensopado.
A atenção de Claire mudou para sua bandeja de comida.
Comida drogada era uma possibilidade. Qual a melhor
maneira de manter um castelo inimigo sob controle do que
drogar a comida com ervas medicinais? Lançando um olhar
frio para ele, ela perguntou:
— Você drogou o ensopado?
Ele revirou os olhos.
— Claro que não. Não cheguei perto da cozinha neste
dia.
— Um de seus homens poderia ter feito isso, ou mesmo...
sua mãe.
— Minha mãe estava cuidando de outros assuntos.
Confie em mim, Claire. Se eu quisesse que você fosse
subjugada, existem outras maneiras de fazer isso.
Que pensamento horrível. Uma parte curiosa dela queria
perguntar o que ele quis dizer, mas na verdade, ela não
queria saber.
Ele apontou para a comida.
— Por que não comer enquanto está quente?
— Obrigada, mas não estou com fome, — sua barriga
soltou um barulho alto e ela instintivamente pressionou as
mãos sobre o estômago.
Tye deu uma risadinha.
— Tudo bem. Estou com fome. Mas, — Mesmo que a
comida não esteja drogada, eu não poderia dar uma mordida
com você no quarto, observando cada movimento meu.
— Eu não deveria ter mencionado drogar a comida. —
Tye se dirigiu para a mesa, seus passos longos consumindo a
curta distância. — Aqui. Vou provar a você que a comida não
está corrompida.
— Sério, você não precisa...
— Oh, mas eu quero. — Ele pegou a colher com cabo de
madeira, o único utensílio. Parecia pequenina em sua mão
calejada e bronzeada pelo sol. Ele ergueu o implemento para
ela ver e então pegou a tigela de barro com ensopado.
Colocando-a na palma da mão esquerda, ele mergulhou a
colher e ergueu-a para revelar um monte de vegetais coberto
com um grosso molho marrom.
Sua boca encheu de água. A cozinheira fazia um bom
guisado, sempre bem temperado com vinho e ervas secas
cultivadas no jardim do castelo. Como Claire ansiava por
provar.
Com um brilho malicioso nos olhos, Tye ergueu a colher
e abriu a boca. O ensopado deslizou entre seus dentes, uma
mancha de molho brilhando em seu lábio inferior. Ele fechou
os lábios em torno da colher e puxou-a, lentamente, aos
poucos, enquanto seus olhos se fechavam em uma expressão
de extremo deleite.
— Mmm, — disse ele, o som apreciativo profundo e
retumbante. — Delicioso.
Os músculos de sua mandíbula se mexeram enquanto
ele mastigava. Ela queria desviar o olhar; deve desviar o
olhar. De alguma forma, ela não conseguiu. Ela só podia
olhar impotente para seus lábios carnudos e bem formados
enquanto se moviam; seus olhos ainda estavam fechados,
seus cílios grossos roçando sua pele. Por fim, ele engoliu em
seco e suas pálpebras se abriram, seu olhar intenso e
exultante.
Novamente, ele ergueu a colher.
— Bom. — Sua voz saiu estranhamente tensa e sem
fôlego. — Você provou seu ponto. Obrigada por...
— Eu não terminei ainda.
— Quer comer mais ensopado?
Ele riu baixinho, como se comer estivesse longe de sua
intenção. Então, segurando a colher como uma vela acesa, ele
a levou à boca novamente. Sua língua deslizou para fora para
deslizar sobre a folha da colher, como se para lamber até a
última gota de molho.
Misericórdia. Ele fazia isso depois de cada colherada de
ensopado que comia, ou seus dramas pretendiam atormentá-
la? Sua língua deslizou em uma exploração lenta e
escorregadia, enquanto ele a observava olhando-o.
Ela tentou permanecer impassível, mas o que ele estava
fazendo era completamente revoltante e completamente
hipnotizante. Que curioso, que um estranho e formigante
calor se acendeu em seu baixo ventre. Sua língua brilhante
curvou-se sobre a colher com tal característica pecaminosa,
como se não fosse uma colher, mas algo totalmente
diferente... O que, entretanto, ela não tinha ideia, e isso a
perturbou ainda mais.
— Chega, — ela disse, tentando ignorar as sensações
angustiantes que ele evocou.
— Estou te chateando? — Tye deu outra lambida lenta e
vigorosa na colher. A julgar por sua expressão, a colher agora
tinha o mesmo gosto de quando continha ensopado.
— Essa colher está mais do que limpa, — ela disse
asperamente. — E agora está coberta com sua saliva.
Tye piscou.
— Que pena.
— Espero que haja vinho naquela caneca da bandeja.
Vou usar um pouco para limpar a colher.
Ele riu, um som de diversão irônica, e então colocou o
utensílio sobre a mesa. Ela caiu com um leve baque.
— De fato, há vinho.
— Obrigada, senhor.
— Embora se eu te beijasse, você teria minha saliva em
sua boca.
Se eu fosse beijada. Todo o corpo de Claire congelou,
entorpecido pelo pensamento de sua boca pressionando a
dela. Como se ele soubesse que enquanto ela estava sozinha,
sua mente não tinha nada a fazer além de se preocupar e
divagar, seus pensamentos, de fato, se voltaram para Tye
puxando-a para seus braços e beijando-a? De todas as
traições, seu corpo doeu para que isso acontecesse, embora
ela soubesse que o beijo dele nunca poderia se comparar ao
de Henry.
Havia apenas uma maneira que ela determinaria com
certeza, porém, que o beijo de Tye não poderia ser comparado.
Oh, Deus, o que ela estava pensando?
Ela encarou o fogo, seu coração batendo
descontroladamente. Se eu te beijasse, você teria minha saliva
na boca, zombou sua mente.
— Não fale desses assuntos, — disse ela. Sua voz soou
mansa, e ela pigarreou antes de olhar para ele.
Tye não se moveu da mesa.
— Do que eu não deveria falar?
— Você falou em beijar. — Claire ergueu a mão direita e
pressionou-a sobre a lareira, o mais casualmente possível; ela
precisava do peso sólido da pedra para se apoiar. — Nós... nos
beijando.
— Sim.
Seus dedos se curvaram contra a pedra áspera.
— Beijar não é uma questão para se tomar de ânimo
leve, — disse ela, tentando soar severa.
— Eu concordo.
Ele não parecia estar zombando dela. Na verdade, ele
parecia estar levando a discussão muito a sério.
— O beijo também acontece entre homens e mulheres
que se preocupam um com o outro. Que têm uma ligação
romântica um com o outro.
— Normalmente, — ele concordou. — Mas nem sempre.
Como ele ousava parecer tão atrevidamente atraente, tão
perigosamente atraente, quando ela lutava para ser racional e
provar que ele estava errado. Será que ele sabe tudo que
havia para saber sobre o beijo? Improvável. No entanto, ele
sem dúvida sabia muito mais do que ela.
Uma curiosidade persistente cresceu dentro dela, um
desejo de saber quantas mulheres ele havia beijado. As
mulheres que ele beijou eram lindas? Ele beijava como os
heróis das chansons que ela e Mary leram? Seus beijos eram
tão apaixonados e habilidosos que a mulher em seus braços
quase se derretia de deleite?
Pare com isso, Claire! Essa curiosidade não é sábia.
Claire observou a fumaça subindo do fogo. Como ela
odiava a sensação de que Tye estava rindo silenciosamente
dela. Sua vida tinha sido muito menos complicada antes que
ele arrombasse a porta de seu quarto.
Apoiando o quadril contra a mesa, os braços largos agora
cruzados sobre o peito em um eco masculino da postura dela,
ele disse:
— Você ficou em silêncio, Gatinha. Isso significa que
concorda comigo?
Ela lutou para lembrar exatamente o que ele disse.
— Você disse que homens e mulheres que se beijam têm
um interesse romântico um pelo outro, — ele a lembrou. —
Eu disse que geralmente é verdade, mas nem sempre.
Seu olhar ardente a prendeu onde ela estava. Ela sentiu
aquele olhar penetrante tão intensamente como se ele a
tivesse tocado. Um turbilhão de sensações vibrantes surgiu
dentro dela, aquelas que eram inteiramente novas para ela e
que não conseguia controlar. Por baixo de sua camisa de
linho transparente, a pele em seu seio ficou quente, com uma
leve coceira. Ela queria deslizar os dedos sob o vestido e alisar
a pele irritada, mas não ousou.
Ela não queria concordar com ele sobre beijar. Seu olhar
a advertiu, em um nível muito primitivo, que ele estava
determinado a vencer sua batalha de palavras.
— Nós não concordamos. — Ela acenou com a mão em
um gesto de desprezo. — Realmente não importa o que eu
acredito sobre beijar, não é?
— Por que não?
— Você e eu nunca vamos nos beijar.
Ele riu. O som descarado a provocou.
— Nunca?
— Nunca.
— Por que não? Você tem medo do meu beijo, Gatinha?
— Não, não. — Mentirosa, sua consciência gritou. Na
verdade, você está aterrorizada, porque almeja seu beijo. Mais
do que você sempre quis beijos de Henry. Muito, muito
perversa.
Com uma elegância preguiçosa que ela não teria pensado
ser possível para um homem de seu tamanho e força, ele se
afastou da mesa. Um propósito, agora, brilhava em seus
olhos.
— Eu não estou com medo, — ela repetiu com firmeza. —
Eu já beijei um homem antes. O beijo foi perfeito, e por isso
não desejo mais. Nunca.
Tye riu de novo, o som mais rouco dessa vez. Ele
interpretou suas palavras como um desafio. Por que ele teria
feito isso? Ela apenas declarou a verdade.
Ele se aproximou, os braços ao lado do corpo, as mãos
levemente fechadas.
Claire instintivamente deu um passo para trás, e seu
calcanhar bateu na parede lateral da lareira. Seu corpo
pressionado contra a pedra, apoiando-se em seu suporte
sólido. Fios de seu cabelo ficaram presos na pedra quando
seu olhar voou para a porta. Sem chance de passar correndo
por ele. Mesmo se ela alcançasse a porta, os guardas do lado
de fora a impediriam de escapar.
O que ela ia fazer?
Deve mantê-lo falando. Distraia-o do assunto totalmente
perigoso e complicado do beijo.
— A-agora que resolvemos esse assunto, — disse ela
rapidamente, — há outro que gostaria que você explicasse.
Ele hesitou a alguns passos de distância. A luz do fogo
brilhou no cabo de sua adaga em seu quadril. Seu olhar
nervoso deslizou pela frente de sua túnica, o tecido agarrado
aos músculos largos de seu peito, para encontrar seu olhar.
Ele sorriu, como se soubesse exatamente o que ela iria
perguntar.
— O que é, Gatinha?
— Não posso deixar de me perguntar por que, se você é
filho ilegítimo de Lorde de Lanceau, esperou até este dia
nevado de janeiro para decidir desafiá-lo. — A expressão de
Tye escureceu com cautela, mas ela seguiu em frente. — Por
que você não falou com ele anos atrás? Por que não tentar
resolver suas diferenças muito antes de agora?
— Eu confrontei meu senhor, meses atrás, em
Waddesford Keep. No entanto, a situação não se desenrolou
como minha mãe e eu havíamos previsto.
— A Fortaleza de Waddesford, — Claire disse. — Lembro-
me de ter ouvido falar de uma batalha lá.
— Uma batalha na qual eu esperava finalmente ganhar o
reconhecimento de meu senhor de que sou seu filho, não
apenas um homem que ele queria matar.
— Ele queria que você morresse?
A fúria aqueceu os olhos de Tye.
— Ele queria que eu morresse desde o dia em que nasci.
Passei a maior parte da minha vida evitando seus espiões.
Ela não conseguia imaginar uma vida assim.
— Misericórdia! Quaisquer que sejam as circunstâncias
do seu nascimento...
— Um homem como De Lanceau aceitaria suas
responsabilidades? Oh, sim, ele quer que as pessoas
acreditem que ele é um homem de honra, um homem que se
preocupa com seus súditos e sua família, mas ele não tem
honra. Não quando se trata de mim e minha mãe. Ele
também a quer morta há muitos anos. Estou muito feliz por
ele nunca ter conseguido matá-la.
Claire estremeceu com a amargura na voz de Tye.
O fogo estalou, disparou faíscas, quando ele disse:
— Minha mãe me contou sobre o dia, anos atrás, em que
ela me levou a um prado. Eu era apenas um menino na
época. Ela tinha marcado um encontro com meu pai, para me
apresentar a ele. Minha mãe acreditava que era a coisa certa
a fazer. Mesmo que meu senhor a tivesse deixado de lado, ela
o amou profundamente, e por respeito a ele, sentiu que ele
merecia saber sobre mim.
— O que aconteceu? — Claire perguntou suavemente.
— Meu senhor chegou com um pequeno exército. Ele se
recusou a acreditar que eu era seu filho. Ele exigiu uma prova
de minha linhagem, o que, é claro, minha mãe não poderia
fornecer. Não para sua satisfação, de qualquer maneira.
Mesmo assim, de Lanceau queria que minha mãe me
entregasse a ele. Ela recusou. Ela me disse que temia que eu
fosse massacrado.
— De Lanceau teria ordenado o assassinato de uma
criança? — Claire balançou a cabeça. — Diz-se que ele adora
crianças, especialmente as suas. Eu não posso acreditar
nisso.
— Acredite — rosnou Tye. — Minha mãe saiu correndo
do campo comigo nos braços. Ela salvou minha vida. Ela
continuou fugindo, viajando de cidade em cidade, fazendo o
que fosse preciso para comprar comida, enquanto tentava não
ser capturada e morta. Para nossa segurança, ela fugiu para
a França, onde cresci. Lá, meu pai e seus homens não podiam
me alcançar tão facilmente. Quando eu tinha idade suficiente
para segurar uma espada, mamãe me fez começar a treinar
para me tornar um guerreiro. Ela disse que eu tinha que
saber como me defender, para lutar até nas batalhas mais
cruéis, porque um dia, eu ficaria novamente cara a cara com
meu senhor. Eu fiquei forte. Entrei em torneios para ganhar
dinheiro para comida e hospedagem. Eu me tornei um
homem e fiquei ainda mais determinado a lutar contra meu
pai até a morte e reivindicar o que me foi negado.
— Quando você voltou para a Inglaterra? — Claire
perguntou, chocada, mas fascinada. A história de Tye era
semelhante a uma das chansons heróicas de que ela tanto
gostava.
— Voltei a essas terras há meses. Eu sabia que era forte
o suficiente para desafiar meu pai e vencer. A mãe concordou.
Nós nos estabelecemos em Waddesford Keep, trabalhando em
uma conspiração para derrubar meu senhor, mas
lamentavelmente, graças ao meu miserável meio-irmão
Edouard, nossos planos deram errado. Minha mãe e eu fomos
feridos e capturados. Felizmente, com a ajuda de Braden, o
amante de minha mãe, nós dois conseguimos escapar.
A angústia e a amargura da história de Tye eram difíceis
de testemunhar. Havia alguma verdade no que ele disse a ela?
Será que De Lanceau o tratou tão mal e ainda querê-lo
morto?
— Durante sua prisão, — Claire disse cautelosamente, —
você deve ter visto seu senhor. Você não teve a chance de
falar com ele?
— Quando ele me interrogou, você quer dizer? — Tye
soprou, o som cheio de escárnio.
— Essa certamente não foi a única vez que você o viu.
Um sorriso conciso apareceu nos lábios de Tye.
— Quando me recusei a responder às suas perguntas,
ele saiu e não voltou. Sem dúvida, ele esperava que eu
morresse sozinho e esquecido em minha cela no Castelo de
Branton, mas...
Branton Keep. O castelo onde Henry foi morto. Uma dor
aguda perfurou Claire. Seria possível que Tye fosse prisioneiro
lá quando Henry estava de serviço na masmorra? Tye poderia
lhe dar alguma nova visão sobre os últimos momentos de seu
amado?
Ela memorizou todos os detalhes do que foi dito sobre a
fuga do prisioneiro e o assassinato de Henry. A informação
que Lorde Brackendale transmitiu a ela na privacidade do
solar, entretanto, suas grandes mãos segurando as dela e sua
voz suavizada pela preocupação paternal, tinham sido
esparsas, não mais do que um esboço do que acontecera a
Henry. O seu senhorio procurara poupar-lhe os sentimentos,
uma bondade que se desperdiçara, pois ela chorara durante
dias. Lágrimas queimaram os olhos de Claire agora, pois ela
queria saber tudo, entender a verdadeira natureza das
circunstâncias que levaram seu noivo dela. Ela tinha que
saber tudo.
Um toque em seu braço a fez pular. Tye havia diminuído
a distância entre eles. Como ela não percebeu que ele estava
se aproximando? Ele deve ter se movido sem fazer barulho.
Tye estava perto. Perto demais.
Ela estava chocantemente ciente de cada aspecto de sua
proximidade. Ele preencheu o espaço à sua frente, uma
parede sólida de um homem alto, forte e imponente. O calor
de seu corpo a atormentava, persuadindo-a com a
possibilidade de estender a mão e tocá-lo, de sentir o calor de
seu corpo através de sua túnica. Que maldade, que ninguém
mais saberia sobre aquele toque, exceto os dois. E por essa
razão, ela queria ainda mais, embora não devesse.
Com cada respiração acelerada, ela inalou seu perfume,
o cheiro de couro mais forte, a sugestão de sabão menos
intensa, e o mais tentador de tudo, a essência masculina
terrestre que era exclusivamente sua. Sua cabeça girava de
ansiedade e antecipação.
— Tye...
Seu dedo pressionou seus lábios, silenciando-a.
— Sem mais perguntas. Eu terminei de falar sobre mim.
— Seu olhar faminto pousou em sua boca.
Ele queria retomar a discussão sobre beijos.
Com um movimento de lado de sua cabeça, ela deslocou
seu dedo. Ainda assim, ela sentiu o peso da pele dele
pressionando a dela.
— O que você quiser, eu...
— O que eu quero, pego. Se você não aprendeu nada
sobre mim, mas deve entender que sou esse tipo de homem.
— Você vai me beijar, — ela sussurrou.
— Sim.
— Mesmo que eu não esteja disposta?
— Sim.
— Mesmo que eu já tenha tido o beijo perfeito?
— Especialmente se você acreditar nisso.
Seu rosto estava quase sem fôlego. Ela pressionou as
costas contra a pedra dura, esperando o aperto brutal e
implacável de sua boca. Em vez disso, a ponta de seu nariz
roçou o dela em uma carícia suave e provocante. Fios soltos
de seu cabelo faziam cócegas em seu rosto, enquanto sua
respiração deslizava sobre sua bochecha.
— Eu posso estar errado, — ele murmurou, enviando
arrepios em sua pele, — mas penso que você pode estar
disposta.
Suas mãos se acomodaram em sua cintura. Seu aperto,
leve, mas firme, enviou um doce fogo correndo por suas veias.
Oh, mas ela não deve deixá-lo beijá-la. Se ele soubesse que
ela queria seu beijo, não havia como dizer o quão longe as
intimidades poderiam ir.
Sua mente girava, tentando desesperadamente pensar
em uma maneira de detê-lo. Inclinando o queixo para cima,
ela perguntou:
— Por que você acha isso?
Sua boca cobriu a dela. Seus lábios macios e quentes
roçaram os dela com o mais leve dos toques. Seu corpo
respondeu instantaneamente. O calor dentro dela saltou,
disparou. De repente, ela se sentiu quente, sem peso, como se
tivesse sido pega por um raio de sol ofuscante.
Ela não percebeu que tinha fechado os olhos até ouvir
sua risada rouca.
Suas pálpebras se abriram. O ar em seus pulmões foi
expelido com um suspiro.
Ele sorriu.
— E então? Foi tão bom quanto o seu beijo perfeito?
— Não, — ela disse sem fôlego. Uma mentira. Uma
falsidade necessária. Ela tinha que fugir, pois o beijo tinha
sido maravilhoso. Tão surpreendentemente maravilhoso, na
verdade, ela queria outro, mas não iria desmaiar nos braços
deste canalha.
Se ela o deixasse com raiva, ele a soltaria e se afastaria.
Não era?
— Não — repetiu Tye. Seus olhos se estreitaram.
Ele não parecia nada dissuadido. Na verdade, ele parecia
ainda mais determinado a provar que ela estava errada.
Ai, meu Deus...
Sem aviso, a boca de Tye desceu sobre a dela. Antes,
seus lábios o haviam convidado. Desta vez, eles tentaram
impiedosamente. Sua boca saqueou, seguindo a dela
enquanto ela tentava desviar o rosto.
Com um grunhido rouco, suas mãos se levantaram para
capturar seu rosto. Sem interromper o beijo, seus polegares
pousaram sob seu queixo. Ele a segurou firme e a beijou com
habilidade implacável. Este não era apenas um beijo; era uma
promessa de que ela nunca, jamais esqueceria este momento.
Um tremor de incerteza percorreu seu corpo. Ela tentou
convocar um protesto, mas uma fricção emocionante se
espalhou de onde seus lábios se encontraram. O fogo lento
correu como uma chama gananciosa por seu torso até o
útero, fazendo todo o seu ser ganhar vida com desejo. A força
de seu beijo empurrou sua cabeça contra a pedra. Com o
corpo dele apertando o dela, ela estava impotente para
impedir seu ataque.
E, de todas as imaginações vergonhosas, ela não queria.
Nunca se sentiu tão incrivelmente viva.
Ela não conseguia se mover. Ela não conseguia pensar.
Ela mal conseguia respirar. Tye consumiu todo seu foco com
a sensação chocante de seus lábios reivindicando os dela.
Claire ofegou, faminta por ar. Faminta por ele.
Ele ergueu a boca da dela, permitindo-lhe a mínima
chance de inalar, antes que seus lábios destruíssem os dela
novamente, os beijos mais rápidos, mais ferozes.
Demais.
Um gemido cresceu dentro dela. Enquanto ela se rendia
à sua sedução, enquanto seus lábios se abriam e o beijavam
de volta, sua língua se deslizou para dentro para roçar contra
a dela.
Prazer.
Suas pernas se dobraram. Ainda o beijando, ela sentiu
seu corpo deslizar lentamente pela parede, seu cabelo e
vestido presos na pedra. Seu largo braço deslizou ao redor de
sua cintura, pegando-a, puxando-a de volta, mantendo suas
bocas travadas em uma dança frenética e molhada enquanto
ele a puxava para frente contra seu corpo duro e musculoso...
Uma batida sacudiu a porta da câmara.
— Milorde, — um mercenário gritou de fora.
Claire piscou, assustada nos braços de Tye.
Tye ergueu a boca da dela.
— O que? — ele gritou. Quando a porta se abriu
lentamente, ele a soltou e girou para longe, deixando-a para
encontrar o seu equilíbrio. Uma repentina sensação de perda,
de ter algo extraordinário arrancado dela, rasgou Claire.
Caindo para trás contra a parede, ela respirou fundo,
tentando limpar sua mente confusa.
A criada que havia entregado a comida antes espiava da
porta.
— Estou com a água que você pediu para que sua
senhoria se lave — disse ela, claramente com medo de se
mover mais para dentro da câmara.
— Deixe na mesa — disse Tye, caminhando até a porta.
A preocupação gravou as feições da garota quando ela
olhou para Claire e então correu para dentro.
A felicidade persistente dentro de Claire desapareceu, e
ela levou uma mão instável aos lábios. Ela beijou o
conquistador que liderou a aquisição de Wode. Ele deixou
suas intenções claras, e mesmo sabendo o que iria acontecer,
ela não gritou por ajuda, ou lutou, ou bateu o joelho naquele
lugar que supostamente machucava tanto os homens. Em vez
disso, ela o deixou fazer o que ele queria.
E ela adorou. Mesmo agora, ela queria que ele a beijasse
novamente. Aqueles beijos pareciam tão bonitos e certos... o
que só provou o quão habilmente o bandido a seduziu. Um
mestre habilidoso em cortejar mulheres, ele sabia exatamente
o que fazer para fazê-la se render a ele.
Com os olhos ardendo, ela se virou e olhou para o fogo.
Como ela deixou aquele beijo acontecer? Por que ela não
encontrou a força dentro de si para lutar contra ele? Sua
fraqueza foi uma traição, especialmente a Henry.
— Há outras atrás de mim, — dizia a criada. — Elas têm
lenha.
— Bom, — respondeu Tye. — Mande-as entrar.
Uma mulher de cabelos castanhos se ajoelhou ao lado de
Claire e acrescentou mais lenha ao fogo. Uma garota mais
jovem se abaixou ao lado dela para empilhar toras extras nos
ladrilhos.
— Você está bem, milady? — a mulher perguntou
baixinho. — Nós estávamos preocupadas.
— Estou bem, — disse Claire. — Obrigada.
Quando as servas acabaram com o fogo, Claire
mentalmente esmagou todos os pensamentos remanescentes
dos beijos de Tye. Ela era uma tola por se concentrar no
prazer que ele tinha lhe mostrado; ele era o inimigo. Sua raiva
se acendeu novamente, ela se lembrou de Tye e do mercenário
forçando seu caminho para dentro de seu quarto, o confronto
com ele no salão e a pobre Lady Brackendale sendo levada
embora. Esses eram os momentos para ela manter em
primeiro plano em sua mente.
Assim que as servas partiram, Claire enfrentou Tye. Seu
olhar se chocou com o dela, e novamente ela sentiu seus
lábios pressionados nos dela, suas mãos em sua cintura, sua
respiração em sua pele. A excitação traidora cresceu dentro
dela, mas ela endureceu sua espinha.
A boca de Tye se curvou em um sorriso reconhecedor.
Sua expressão sugeria que ele sabia exatamente como ela se
sentia: dilacerada pela culpa, mas também pelo desejo. Ele
tinha planejado levá-la a tal tormento? Talvez seu objetivo o
tempo todo tivesse sido fazê-la desejá-lo.
O ressentimento a levou a perguntar a ele. No entanto,
quando ela estava prestes a falar, Tye saiu. A porta se fechou
atrás dele com um clique intransigente.
Capítulo Doze
Tye passou pelos mercenários que guardavam a câmara
de Claire. A fumaça saía das tochas das paredes e enchia a
passagem de sombras turvas; a névoa acre picou seus olhos,
mas ele deu boas-vindas ao desconforto, pois todo o seu corpo
estava tenso com a emoção reprimida... e o desejo não
satisfeito.
Momentos atrás, beijou Claire porque queria, e só porque
ele podia. Ele sabia como dar prazer a uma mulher com seus
lábios e língua, como levá-la a um estado tão intenso de
desejo luxurioso, que ela choramingaria, gemeria, suspiraria e
imploraria para que ele não parasse. Quando a arrogante e
pequena Claire fingiu ser indiferente a ele, insistiu que eles
nunca se beijariam, e alegou já ter experimentado o beijo
perfeito, seu orgulho masculino rugiu dentro dele como uma
besta respondendo ao grito de um desafiante.
No início, ele a beijou como uma lady protegida e bem-
nascida, como Claire esperaria de um pretendente: com
reserva e gentileza. Ele tinha testemunhado tais beijos no
passado, nas poucas ocasiões em que visitou cortes nobres,
geralmente como um convidado de sua mãe e seu amante na
época. Uma pequena e tola parte de Tye queria mostrar a
Claire que embora ele não fosse igual a ela, e nunca seria,
entendia suas expectativas e o que significava ser
cavalheiresco.
Quando ela disse que seu beijo não era comparável ao
perfeito, entretanto... Isso havia obliterado seu desejo de ser
galante. A necessidade familiar de vencer, de se superar,
cresceu dentro dele, e ele utilizou seus anos de habilidade
para lhe dar um beijo que ela nunca esqueceria.
Ele a beijou do jeito que seduzia uma cortesã ou uma
viúva experiente que conhecia os jogos sensuais jogados entre
homens e mulheres no quarto de dormir, e Claire floresceu
em seu abraço. Ela respondeu a seu ataque sensual com uma
paixão surpreendente que ele nunca esperaria.
Mesmo agora, ainda sentia seu corpo flexível arqueando-
se contra ele, seu cabelo macio roçando seu pulso, seus
suspiros ansiosos contra sua boca. Ele tinha como objetivo
permanecer no controle, beijá-la até que ela se rendesse, os
olhos vidrados, a qualquer prazer que ele oferecesse em
seguida. Ainda assim, quando ela o beijou de volta, sua
masculinidade endureceu com uma fome mais forte e urgente
do que qualquer que ele experimentou em muito tempo.
Ele ainda estava duro como uma rocha. Inferno
sangrento.
Parando em frente às portas do solar, Tye passou os
dedos pelos cabelos. O que havia de errado com ele? O beijo
de uma donzela não deveria tê-lo despertado tanto.
Ele empurrou uma das portas do solar. Alguns
momentos a sós o ajudariam a recuperar o controle de sua
virilha e limpar sua mente...
Sua mãe, ajoelhada em frente a um quadrado de pano
estendido sobre o chão, olhou para ele.
— Tye.
— O que você está fazendo aqui? — Ele bateu a porta
atrás de si, com força suficiente para avisá-la que não estava
com humor para discussões verbais.
Seus dedos apertaram a bolsa de pano que ela segurava.
— Qual é o seu problema?
— Nada que diga respeito a você. — Ele passou por ela e
foi até a mesa de cavalete, onde um criado havia deixado uma
jarra de vinho tinto. Ele se serviu de uma taça cheia e bebeu
um grande gole.
O olhar de sua mãe não o deixou. Seu olhar avaliador
viajou sobre ele, e ele olhou para ela, contente que sua túnica
escondia a razão mais urgente para seu mau humor. Sua mãe
prosperava na satisfação sexual, mas de forma alguma ele
falaria sobre sexo com ela agora, especialmente quando
estava faminto por isso.
— Você parece um gato que ficou com a pata presa na
porta, — ela disse com uma risada abafada.
Tye bebeu mais vinho, deixando o líquido picante girar
em sua boca antes de engolir.
— Se você diz.
— Eu digo. — A risada dela irritou seus nervos em
frangalhos. — Peça a uma das criadas para lhe dar prazer. Há
muitas por aí. Elas não podem se negar você. Gaste sua
luxúria e você se sentirá muito melhor.
Era para ser um bom conselho maternal? Tye engoliu o
vinho antes que se engasgasse.
— Existem assuntos mais urgentes agora.
— Mais importante do que desfrutar de seus direitos
como lorde deste castelo? Mais importante do que estabelecer
sua autoridade aqui? Eu não acho.
Com um baque, ele largou sua taça. Com as mãos nos
quadris, ele a olhou carrancudo, ainda de joelhos nas tábuas.
— Você não me disse o que está fazendo em meu quarto.
No chão.
Seus lábios vermelho rubi se curvaram em um sorriso de
desdém.
— Não se preocupe. Não esqueci que o solar é seu. Assim
que terminar aqui, vou me juntar a Braden no quarto da torre
que estamos usando.
Tye apontou para a bolsa que ela mexia nos dedos; o
conteúdo estremeceu.
— Estou supondo, então, que você está aqui por causa
do que está nessa bolsa?
Ela acenou com a cabeça.
— Eu queria testar minhas novas pedras rúnicas.
— Pedras rúnicas?
— Para adivinhação. Eu as comprei algumas semanas
atrás, para me ajudar a ver como o futuro se desenrolaria.
Especificamente, seu futuro.
Tye lutou contra um suspiro de impaciência.
— Mãe...
— Eu precisava encontrar uma maneira de ter as
respostas. Meu conjunto de ossos de dedos teria funcionado,
mas como você sabe, eles foram roubados de mim em
Waddesford Keep.
Ele se lembrou daqueles ossos de dedos. Coisas
horríveis. Eles foram cortados das mãos de prisioneiros
franceses e dados a sua mãe como um presente de um
pretendente apaixonado. Ela curou os ossos, os manteve em
uma bolsa entre seus pertences mais valiosos e afirmou que
lançá-los lhe dava uma visão dos dias que viriam. Os ossos
não os ajudaram a triunfar em Waddesford Keep e, verdade
seja dita, ele ficou aliviado quando eles desapareceram. Agora
ela estava colocando sua fé nas pedras rúnicas?
— Ações, não pedras tolas, vão nos ver vencer nos
próximos dias.
Ela ergueu uma sobrancelha perfeitamente moldada.
Pedras se derramaram na amostra de tecido.
— Eu acredito que há um grande poder nesta câmara.
Seu pai nasceu nesta quarto.
Tye encolheu os ombros e bebeu mais vinho.
O aborrecimento apertou o conjunto de seus ombros.
— Você não se importa? É ainda mais apropriado que
você mate seu senhor nesta fortaleza. O círculo do destino
estará completo.
Sua mãe parecia tão certa, se não um pouco confusa da
cabeça. Quando Tye levou a taça aos lábios novamente, seu
olhar mudou para os itens no pano.
— O que no inferno é isso?
Estudando o cobertor, a mão direita de sua mãe pairou,
como se avaliasse o padrão de objetos espalhados à sua
frente.
— São dentes? — Tye se aproximou, inclinou-se e pegou
um dos pequenos pedaços de osso branco, incapaz de conter
um choque de repulsa. O que estava em sua mão era um
dente de trás, com uma mancha enegrecida de sangue velho e
seco embaixo. — A julgar pelo tamanho, pertencia a uma
criança. — Seu estômago se rebelou. — Espero que você não
tenha cortado isso da gengiva de algum pobre menino
francês.
— Claro que não, — disse sua mãe. — Eles são seus
dentes infantis.
— Meus? — Tye riu, o som vazio de qualquer humor.
Antes que ele pudesse se alertar sobre as palavras, exigiu: —
Eles caíram por conta própria ou você os arrancou da minha
boca? — Certamente ele teria se lembrado desse tipo de dor,
mas, novamente, sua mãe era tortuosa. Ela poderia ter
alcançado esse objetivo específico de várias maneiras se
quisesse: ervas medicinais, um golpe rápido na cabeça...
— Você tem que perguntar? — O choque alargou seus
olhos. Ela piscou, como se lutasse contra uma torrente de
lágrimas. — Eu nunca te machucaria assim.
Tye se fortaleceu contra uma onda de remorso. Sua mãe
era uma atriz muito boa; ele quase acreditou nela. Ainda
assim, em seu coração, ele sabia que ela o machucaria se
servisse a seu propósito. Era uma coisa horrível de se
reconhecer sobre uma mãe mas ele testemunhou as
profundezas de sua crueldade muitas vezes ao longo dos
anos. Ainda assim, ele não percebeu malícia quando se
tratava de dentes.
— Por que se preocupar em manter meus dentes?
— Eu não mantive todos eles, apenas alguns. Achei que
eles poderiam ser úteis. Na verdade, eles são.
— Útil, — ecoou Tye. — De que maneira?
— Eles ajudam a guiar as pedras. — Sua expressão se
tornou intensa e focada enquanto ela se inclinava para mais
perto do cobertor. Um suspiro, pensativo, separou seus
lábios.
Outro objeto que caiu mais perto da borda do cobertor
chamou sua atenção: uma pedra cor de âmbar, contendo uma
abelha, trancada para sempre em sua prisão de resina. Um
lampejo de memória arranhou o fundo de sua mente. Ele
pegou o âmbar, fascinado pela beleza e pela severidade da
lembrança.
— Isso era meu também.
— Mmm, — sua mãe murmurou.
— Alguém me deu, — disse Tye. — Não consigo me
lembrar quem.
— Nem eu, — sua mãe disse vivamente. — Não que isso
importe.
Virando o objeto liso na palma da mão, ele perguntou:
— Por que você tem este âmbar? Eu me cansei dele e não
o quis mais? Ou...
— Eu o tirei. Você estava muito apegado a isso. Você
estava distraído, quando precisava se concentrar em outros
assuntos.
Seus dedos se fecharam em torno do âmbar, a resina fria
contra a aspereza de sua palma, que exibia calosidades
permanentes de empunhar armas. A raiva rastejou ao longo
das bordas de seus nervos. Por sua própria admissão, ela
tirou outra posse que tinha sido importante para ele, porque
ela queria controlar seu foco. O que mais sua mãe escondeu
dele que ele talvez nunca soubesse que tinha acontecido ou
existido, porque era muito jovem para se lembrar?
Sua mãe se ajoelhou com um grunhido e um estalo nas
juntas.
— Não pense muito sobre aquele âmbar idiota. Isso não é
importante.
— Você está certa. Ainda assim, vou mantê-lo.
— Por quê? — A zombaria manchava suas feições. — É
uma bugiganga. Não tem utilidade para um lorde.
— Eu gosto disso. É razão suficiente para eu mantê-lo.
— Levantando-se, ele se virou e colocou o âmbar sobre o
diário e as cartas que tirou de Claire.
Sua mãe praguejou baixinho. Pedras estrondaram. Ele
olhou para trás para vê-la passando os dedos pelo pano,
juntando os itens para guardá-los.
— Você descobriu o que queria saber? — ele perguntou.
— As pedras não estavam claras. Achei difícil me
concentrar. Da próxima vez, o caminho ficará mais claro.
— Se você diz.
— Eu digo. — Ela dobrou o pano, enfiou-o na bolsa e
depois fechou a bolsa. Quando ela se levantou do chão, ele a
pegou pelo braço e a ajudou a se levantar. — Agora. — Ela
deu um tapinha no braço dele. — Vá encontrar uma
prostituta. Várias, se desejar. A cama é grande o suficiente.
Ele sorriu, mas não respondeu quando ela saiu da
câmara. Quando a porta se fechou atrás dela, ele suspirou.
Ele tinha fome de apenas uma mulher, e ela não iria se deitar
com ele tão cedo.
A memória de Claire de pé em seu quarto, olhos
faiscando com desejo e fúria, despertou uma nova onda de
luxúria dentro dele. Ele poderia ir até ela agora, jogá-la na
cama e aplacar o calor em sua virilha. Ela não conseguiria
impedi-lo. Ela poderia odiá-lo pela maneira como a fazia
ansiar por seu toque, mas ele poderia lhe trazer prazer.
Ele ousaria?
Ele era um tolo por não ousar?
Ele bebeu o resto de seu vinho e caminhou para a porta.
Capítulo Treze
Claire acordou assustada. Sua mente preguiçosa
reconheceu que seu quarto ainda estava preto como tinta,
como quando ela apagou a vela para dormir. Isso significava
que ainda era noite. Quando seus sentidos se aguçaram, ela
percebeu que alguém estava de pé ao lado da cama,
segurando uma vela acesa.
Tye.
Seus olhos se arregalaram. Deitada de costas sob um
monte de cobertores para evitar o frio noturno, ela olhou para
ele, seu rosto moldado em ouro e sombra escura pela vela
bruxuleante. A luz, embora fraca, revelava que ele ainda
estava vestido com as roupas que usara antes.
O que ele queria?
— Não grite, — disse Tye baixinho. — Acordado?
Ela se levantou para se sentar, abraçando os cobertores
contra o peito. Sua mente correu com explicações de por que
ele estava em seu quarto. Cada novo motivo era mais
perturbador do que o anterior.
Ela era sábia em não gritar? Mesmo se ela o fizesse, Tye
poderia ter dito a seus homens para não darem ouvidos aos
gritos vindos de seu quarto.
Só porque queria que ela ficasse quieta, entretanto, não
significava que ele pretendia lhe causar algum mal.
Rezando para que ela não estivesse sendo
completamente tola, Claire assentiu.
Afastando-se da cama, ele gesticulou para a porta da
câmara.
— Venha.
Ela deveria partir com ele. Ele a estava levando para
outra parte do castelo, longe de seus homens?
— Agora? — ela perguntou.
— Agora.
— É meio da noite.
— Sim.
— Eu não estou vestida.
Sua boca se achatou, e na mudança sutil de sua
expressão, ela viu o cansaço em suas feições.
— Enrole-se em um cobertor. Você vai entender o porquê
em breve.
Seus dedos pressionaram mais fundo na cama quente.
Ela não queria ir com ele. Beijá-lo naquela tarde provou que,
quando se tratava dele, ela tinha poucas defesas. Se ele a
beijasse novamente com a fome possessiva e a delicadeza
devastadora que ele usou antes, ele poderia quebrar todas as
defesas que ela tinha.
— Desobedeça-me, — advertiu Tye, — e Lady
Brackendale vai sofrer.
Ele parecia tão assustador que ela não se atreveu a
desobedecer. Ela puxou as cobertas.
O olhar de Tye pousou em seus seios, seus mamilos
redondos como contas sob o linho. Ela corou, mesmo
enquanto o calor ardia em seus olhos. Um músculo pulsou
em sua mandíbula antes de ele virar as costas para ela.
— Venha agora.
— Eu... deveria colocar um vestido.
No meio do caminho para a porta, Tye balançou a
cabeça.
— Um cobertor vai servir.
— Mas...
— Agora, — ele rosnou.
No mesmo momento, o grito estridente de uma mulher
foi transmitido pela porta aberta. O som fez os dentes de
Claire baterem, pois era a voz de Lady Brackendale.
Claire saiu da cama e puxou um cobertor de entre os
lençóis. O pano fino e áspero se enrolou facilmente em seu
corpo. Ela estremeceu, pois as tábuas do assoalho pareciam
camadas de gelo sob seus pés descalços.
— O que aconteceu? — ela perguntou. — Sua senhoria
está bem?
Sem responder, Tye saiu. Ela o seguiu, quase esbarrando
em um dos guardas do lado de fora. O idiota fez uma careta, e
ela correu atrás de Tye.
Ele parou na câmara de Lady Brackendale e bateu três
vezes. A porta se abriu, revelando um mercenário cuja
expressão sombria se tornou ainda mais assustadora por
uma cicatriz desfigurando seus lábios superior e inferior.
— Lady Sevalliere está aqui para ajudar, — disse Tye.
O mercenário deu um passo para o lado, permitindo que
Claire entrasse no quarto. Velas queimavam na mesa mais
próxima, lançando um brilho nebuloso. Lady Brackendale
estava sentada na beira da cama estreita, um cobertor
enrolado nos ombros, olhando para o fogo em frente. Suas
mãos estavam cruzadas no colo, sua postura rígida com
desafio. No entanto, seu foco parecia estar em algum lugar
diferente do presente.
— Ela teve um pesadelo? — Claire perguntou baixinho.
Lady Brackendale sofria com eles desde a morte de seu
marido. Os acontecimentos do dia foram suficientes para
causar terror noturno a qualquer ocupante do castelo.
— É a segunda vez que ela me perturbou com seus
gritos, — disse Tye da porta, — jurei que a calaria ou a
mataria. Sua dama de companhia não ajudou em nada; ela
começou a chorar, então eu a mandei embora. É por isso que
você está aqui.
Claire acenou com a cabeça, mesmo enquanto sentia o
olhar dele em suas costas. Com o cobertor enrolado em volta
dela, pouco de seu corpo estava exposto à vista dele, além de
suas pernas e pés nus, mas seu estômago ainda se agitava
loucamente, como se ela estivesse nua diante dele. Quão
chocante e mortificante, e ainda, de todas as sensações
vergonhosas, quão incrivelmente emocionante, pensar que
um bandido como ele iria olhar para ela daquela maneira.
Cuidado com o perigo que ele representa para você e para
todos que você ama. Não pense em você mesma, Claire, mas
em ajudar Lady Brackendale.
Enrolando as mãos com mais força no cobertor, Claire
forçou a calma em sua expressão e olhou para Tye.
— Sua senhoria não vai incomodar de novo.
— Certifique-se de que ela não o faça. — Ele girou nos
calcanhares e foi embora. O mercenário o seguiu e, uma vez
do lado de fora, fechou a porta, deixando Claire sozinha com
sua senhoria.
— Lady Brackendale, — Claire disse suavemente,
cruzando para a cama. Ela sentou-se e segurou as mãos
enrugadas da sua senhoria. A mulher mais velha respirou
fundo, mas não se mexeu por ficar olhando fixamente para o
fogo.
— Lady Brackendale, — disse Claire novamente,
passando a mão pelo cabelo solto da mulher se arrastando
para baixo do cobertor. — Você está bem?
A mulher mais velha piscou e então encontrou o olhar de
Claire. O reconhecimento suavizou os traços de sua senhoria.
— Claire, — ela sussurrou.
— Você teve um sonho desagradável?
A mulher mais velha acenou com a cabeça e olhou para
a porta da câmara. Um violento estremecimento a percorreu.
— Quando acordei, um mercenário entrou furioso no
quarto, gritando comigo. Ele me avisou para não gritar
novamente. Ele ameaçou... — Ela estremeceu novamente. —
Esquece. Ele não me machucou, e você está aqui agora. É um
grande conforto.
— Eu não vou te deixar, — Claire prometeu, gentilmente
pressionando as mãos de sua senhoria. — Vou ficar com você
até o amanhecer.
— Obrigada. — A mulher mais velha balançou a cabeça.
— Ter você aqui... É uma gentileza que eu não esperava de
nossos captores.
— Nem eu, — Claire admitiu. No entanto, antes que
pudesse ponderar mais sobre a intrigante gentileza, sua
senhoria soltou suas mãos e estendeu a dela para pegar o
cobertor que escorregava de seu ombro frágil. Hematomas
feios marcavam o antebraço de Lady Brackendale.
— Misericórdia! — Claire ofegou. — Você teve esses
hematomas quando foi levada do salão?
— Sim. — Aliviando os dedos manchados pela idade sob
o cobertor, a senhoria puxou para baixo o decote da camisola
para revelar outro hematoma vermelho-arroxeado perto da
clavícula. A lesão não seria visível quando a senhora se
vestisse, mas cada movimento, cada roçar de pano naquela
pele tenra, lhe causaria dor.
Lágrimas de raiva queimaram os olhos de Claire.
— Que horrível! Quem foi?
— Veronique, — disse Lady Brackendale. — Ela queria
me machucar, e o fez, usando o cabo de sua adaga. Estou
surpresa que ela não quebrou nenhum osso.
— Eu sinto muito, — Claire disse. — A maneira como ela
te machucou... É imperdoável.
A mulher mais velha sorriu fracamente.
— Ainda estou viva.
— Ela bateu em você em algum outro lugar?
— Não. — A expressão de Lady Brackendale ficou séria.
— E você? Você está bem? Depois que aquele patife a
convocou para o tablado, temi que você pudesse sofrer uma
punição grave.
Claire lutou contra um tremor quente e frio.
— Ele não gostou que eu o desafiasse e me disse isso
sem rodeios. No entanto, saí do salão sem ser ferida. — Na
verdade, seus beijos apaixonados, antes, em seu quarto
tinham sido muito mais uma punição; ele despertou dentro
dela um desejo surpreendente que ainda não tinha ido
embora.
— Estou muito aliviada por você ter saído ilesa. — Sua
senhoria ficou em silêncio por um longo momento, o polegar e
os dedos indicadores afagando a borda franjada da manta. —
Você deve ter cuidado com ele, Claire.
— Eu sei.
Lady Brackendale estudou o rosto de Claire.
— Quer Tye seja o bastardo de Lanceau ou não, se ele
pode persuadir o rei John a conceder-lhe uma reivindicação
legítima a esta fortaleza e suas terras ou não, são questões
além de nosso controle. Eles serão resolvidos em breve. No
entanto, Tye é um homem implacável, inteligente e
determinado. Ele é o tipo de homem que, quando vê algo que
deseja, o pega.
Tye havia dito isso ele mesmo. Um rubor aqueceu o rosto
de Claire, pois ela sabia aonde essa discussão estava levando.
— Milady...
— É claro que ele quer você.
— Não importa, — Claire disse, um pouco rápido demais.
— Ele nunca me terá.
— Você pode realmente ter tanta certeza? — Sua
senhoria suspirou, o som carregado de preocupação. — Tye
não é idiota. Ele pode tratá-la com gentileza no início, pois
cortejará e conquistará sua confiança. Como todos os homens
que desejam riquezas e poder, porém, ele sabe que a melhor
maneira de garantir seu governo aqui é se casar e ter
herdeiros.
— Casar! Ter herdeiros. — Claire torceu a frente de seu
cobertor com força contra o peito. — Isso não tem nada a ver
comigo.
— Você não é casada ou prometida. Melhor ainda para
ele, você é órfã.
— Independentemente disso...
— Ele não terá que fazer muitas perguntas para saber
que você vem de uma linhagem distinta. Você é, doce Claire,
perfeitamente adequada às necessidades dele.
— Eu não tenho desejo de me casar com ele!
— Ele não se importará com o que você deseja, apenas
como alcançará suas ambições.
Essa discussão estava se tornando cada vez mais
inquietante.
— Milady, — Claire implorou.
— Eu sei que é perturbador ouvir, mas você deve
entender completamente a situação. Tye, lamentavelmente,
tomou Wode em um momento em que o rei está lutando para
manter seu domínio sobre a Inglaterra. Como você deve ter
ouvido, Lorde de Lanceau e muitos de seus aliados se
ressentem dos pesados impostos e multas que a coroa impôs
nos últimos anos, entre outras queixas. Antes de morrer,
Arthur me disse que De Lanceau está organizando um
documento importante, uma Carta Magna que colocará
restrições aos poderes do rei John. O rei está ciente deste
documento e, claro, se opõe fortemente a ele.
— Eu entendo. — Claire nunca tinha ouvido falar da
Carta Magna antes, mas tendo conhecido De Lanceau, ela
poderia vê-lo seguir tal curso se ele acreditasse que era
necessário e justo.
— As ações de Lorde de Lanceau representam uma
ameaça significativa para o rei. Se o rei John acredita que Tye
será leal a ele e irá promover as ambições da coroa, ele pode
muito bem lhe conceder Wode.
— Certamente não! Este castelo pertenceu à família de
Lorde de Lanceau por muitos anos.
— Especialmente por esse motivo. — O olhar da sua
senhoria escureceu de inquietação. — Que melhor maneira de
insultar Lorde de Lanceau, de demonstrar o poder superior do
rei, do que conceder todos os direitos sobre a propriedade a
outra pessoa? Não qualquer um, claro, mas o filho ilegítimo
que seu senhorio nunca aceitou?
Claire mordeu o lábio. A situação parecia terrível, mas
certamente mais para sua senhoria, que seria forçada a
deixar sua casa, do que para Claire.
— Se entendi o que você me disse, milady, o rei pode
ceder Wode a Tye, se assim o desejar. Tye não precisa se
casar e ter herdeiros para reivindicar o castelo. Portanto, ele
não tem motivo para me perseguir.
Um pálido sorriso tocou os lábios de Lady Brackendale.
— Isso reforçaria a petição de Tye ao rei para dizer que
você está grávida de seu filho, especialmente se ele puder
alegar que você se deitou com ele de boa vontade.
A vergonha cutucou Claire, zombando dela por encontrar
prazer em beijar Tye. Obviamente, seus beijos tinham a
intenção de desgastar sua resistência a ele até que ela
entregasse sua inocência; ele não teria que forçá-la, ela
ansiosamente lhe daria o que ele queria. Como ele deve estar
se regozijando, pois ela mal resistiu.
Incapaz de ficar parada por mais tempo, Claire se
levantou da cama e correu para o fogo. Fechando os olhos
contra a luz brilhante das chamas, ela lutou para encontrar a
lógica em seu mundo que estava girando além de seu alcance.
— Certamente, milady, o que você disse não pode
acontecer, pode? Tye nos disse que ele é um bastardo. Ele não
é o primeiro filho do casamento entre o lorde e a lady. Pelas
leis da Inglaterra, porque ele é ilegítimo, ele não pode herdar.
Lady Brackendale riu, o som áspero.
— Se o rei John deseja conceder a Tye este castelo e uma
noiva, ele encontrará um meio de fazê-lo. No passado, o rei
usou subornos, prisões, coerção e até assassinatos
sancionados para conseguir o que queria.
— Misericórdia, — Claire murmurou, seus olhos voando
pelo quarto. Que palavras perigosas. No entanto, elas
mostraram o quão profundamente Lady Brackendale confiava
nela, que ela compartilhava de tais sentimentos.
— Pense nisso, Claire — sua senhoria disse suavemente.
— Se for dada a opção de conceder Wode a Tye, um patife que
o rei acredita que pode controlar, ou De Lanceau, um homem
que ele sabe que é seu inimigo, quem você acha que ficará
com o castelo?
Sem dúvida, Tye ficaria.
Sua senhoria levantou-se e foi para o lado de Claire.
— Eu sei que é muito a considerar.
— É verdade. — Claire odiava como sua voz vacilava.
— Só podemos rezar para que os homens De Lanceau
cheguem logo e que esmaguem Tye e seus capangas antes
que o rei tenha a oportunidade de conceder Wode a Tye.
Melhor ainda, Tye será morto na luta e você não terá que se
preocupar.
As entranhas de Claire se contraíram. Embora não
desejasse casar-se com Tye, não queria que ele morresse, não
por feridas horríveis infligidas na batalha. Ela não desejaria
esse tipo de morte para ninguém.
— Não quero mais mortes em Wode. Além disso,
certamente De Lanceau poupará a vida de seu filho, mesmo
que ele seja ilegítimo.
— Veremos, — murmurou Lady Brackendale. Ela não
parecia convencida.
Claire lutou para conter as emoções ainda turbulentas
dentro dela.
— Por enquanto, farei tudo o que puder para evitar Tye.
Quanto menos estou perto dele, menos chance ele tem de...
para...
— Te seduzir — concluiu sua senhoria.
Seduzir. Claire lutou contra um gemido. Até o som da
palavra sibilante e semelhante a uma cobra implicava
tentação.
As toras no fogo estalaram, levantando faíscas
vermelhas. Claire saltou, e sua senhoria estalou a língua e
tocou o braço coberto pelo cobertor de Claire.
— Lamento ter perturbado você, embora o que eu disse
precisasse ser dito.
Dividida pela tristeza e arrependimento na voz de Lady
Brackendale, Claire sustentou o olhar da senhoria. A mulher
mais velha parecia cansada e frágil à luz bruxuleante do fogo.
— Você me fez ver minha situação aqui de uma maneira
muito mais clara, — disse Claire. — Sou grata por isso.
Lady Brackendale sorriu.
— Você sempre foi corajosa, principalmente nas semanas
difíceis que Henry foi morto. Admiro sua força de vontade.
Vou ver você bem nos próximos dias.
— Obrigada, milady, mas...
— É por isso que espero que você continue forte e não
sucumba ao desespero. Nem tudo está perdido aqui. Ainda
não.
A confusão passou por Claire.
— Perdoe-me, milady, mas a maneira como você explicou
as ambições de Tye...
— Verdade. — Lady Brackendale aninhou-se mais
profundamente em seu cobertor e seu tom baixou um pouco
acima de um sussurro. — No entanto, ao passar a tarde
sozinha, observando as sombras se moverem na ameia,
lembrei-me de algo que Arthur me disse uma vez. Um detalhe
importante que ele me advertiu para guardar para mim
mesmo, a menos que houvesse uma necessidade extrema de
compartilhar as informações. — A esperança cintilou nos
olhos da sua senhoria.
— Que detalhe? — Claire perguntou, intrigada.
— No nível inferior da torre de menagem existem vários
quartos usados para armazenamento. Você sabe o que quero
dizer?
— Sim. Um contém vinho e cerveja. Outro, armas...
— Exatamente. Há uma porta secreta construída na
parede posterior da câmara usada para armazenar vinho. É
parte de uma passagem oculta que leva a uma porta na
parede externa do castelo.
— Eu ouvi falar de passagens secretas dentro das
fortalezas, — disse Claire. Mary explodiria de excitação
quando soubesse de tal passagem em Wode. Ela gostaria de
explorá-la e registrar a experiência no diário.
— Existem várias outras portas secretas dentro do
castelo, mas não me lembro onde estão. Minha memória...
não é mais como costumava ser. — Fazendo uma careta, sua
senhoria encolheu os ombros. — Em termos de passagem na
adega, a porta externa há muito está coberta de vinhas e
hera. Isso não deve representar um problema. Lorde de
Lanceau cresceu nesta fortaleza. Ele saberá onde encontrar a
entrada e poderá usá-la ao libertar a fortaleza.
Claire sorriu, sua excitação crescendo a cada momento.
— Podemos usar a porta para escapar.
— Não, a menos que possamos descer para o nível
inferior. É impossível agora, com nossos aposentos sendo
vigiados dia e noite. Além disso, há a questão de passar pela
porta do outro lado. A folhagem do lado de fora precisará ser
cortada antes que a porta se abra.
— Eu poderia tentar, ou poderíamos enviar uma das
criadas...
— E ela fazer todo o caminho até a outra extremidade,
apenas para descobrir que está presa? Não posso imaginar o
perigo se ela falhasse e Tye, ou sua mãe cruel, a encontrasse.
Tal falha também garantiria que Tye selaria a passagem para
que De Lanceau não pudesse usá-la.
Todos os pontos positivos.
— Vou levar algum tempo considerando, então, chegar a
um bom plano, — Claire disse. — Devemos fazer o que
pudermos para ajudar. Certamente não podemos apenas
sentar e esperar que seu senhorio nos resgate.
— Eu concordo. — Os olhos de Lady Brackendale
brilharam. — Podemos, pelo menos, garantir que a porta da
adega esteja destrancada.
— Destrancada? — Claire repetiu.
— A chave está sob uma laje solta na parede traseira.
— Eu entendo. Bem, vou tentar pensar em uma maneira
de descer para aquele quarto.
— Você vai precisar de um motivo convincente. Caso
contrário, Tye ficará desconfiado.
Claire de repente se sentiu gelada, apesar do cobertor e
do calor das chamas. Ela nunca foi uma boa mentirosa. Ela
não queria saber qual seria sua punição por enganar Tye.
— Não é uma tarefa fácil, — ela disse finalmente, suas
palavras competindo com o crepitar do fogo.
— Não é nada fácil — concordou a senhoria com um
suspiro de cansaço.

***

Tye estava deitado de costas no solar, os braços cruzados


atrás da cabeça sobre o travesseiro de penas, o cobertor
puxado até o peito nu. A luz da lareira oposta lançava
sombras inconstantes nas paredes da câmara.
Mais cedo, duas criadas colocaram lençóis limpos e
cobertores limpos na cama, trabalhando rapidamente para
que pudessem terminar e ir embora. Inclinando-se, ele as
observou dobrar e dobrar, enquanto dois mercenários
maliciosos montavam guarda perto da cama. Embora na
maior parte do tempo Tye confiasse nos bandidos que
empregou, ele queria ter certeza de que as mulheres não
roubariam nenhum de seus pertences ou enganariam os
homens que, triunfantes após o cerco bem-sucedido, estavam
ansiosos para gastar seu entusiasmo entre as coxas de uma
ou duas belas moças.
Na caminhada final de Tye pelo pátio antes de se retirar
para a noite, ele viu um mercenário em um canto sombreado,
as mãos segurando os seios de uma mulher pressionada
contra a parede, a perna direita enfiada entre suas coxas.
Seus gemidos ansiosos seguiram Tye enquanto ele caminhava
para o edifício. Ele cerrou os punhos, lutou contra a agitação
potente de seu sangue, pois facilmente, ele se imaginou
acariciando a plenitude exuberante dos seios de Claire,
persuadindo os mesmos sons famintos de seus lábios.
O desejo estremeceu nele. Tye gemeu, esfregou a testa
com a palma da mão e tentou afastar todos os pensamentos
de Claire de sua mente. Sim, ele queria sexo, mas precisava
dormir mais. Ele tinha descansado pouco nos dias que
antecederam o ataque, e seus membros doíam por causa dos
esforços do dia na batalha, especialmente a perna
anteriormente fraturada, que havia se curado bem, mas ainda
doía nas noites frias ou úmidas. Ele precisava de todo seu
juízo sobre si no dia seguinte, pois com certeza haveria novos
desafios pela frente, incluindo aqueles colocados por uma
loira esguia de olhos brilhantes.
Tye fechou os olhos, inspirou lenta e deliberadamente, e
depois o soltou. Passaram-se meses desde que ele dormiu em
uma cama tão limpa e macia. A cama de corda com seu
grosso colchão de penas era um luxo que ele só
experimentara em seus namoros com viúvas ricas ou cortesãs
ricas; na maioria das noites, ele dormia em um colchão de
palha no chão, com um único cobertor para afastar o frio da
noite. Agora, cada vez que ele inspirava, o doce aroma de
lençóis secos ao sol enchia suas narinas. O colchão embalou
seu corpo. O chiado e o crepitar do fogo o acalmaram.
No entanto, o sono se recusou a vir.
Por causa dela.
— Infernos, — ele rosnou, abrindo os olhos. Ele abriu o
braço. Ele bateu no colchão, o som surpreendentemente alto.
Um barulho de farfalhar assustado veio da lareira.
A culpa o percorreu quando puxou a roupa de cama,
levantou-se, vestiu o robe de lã que estava pendurado na
ponta da cama e caminhou até a lareira. Ignorando a corrente
de ar passando pelas tábuas do piso, ele se agachou ao lado
da tela de madeira que havia apoiado em uma das
extremidades da lareira. Perto dela estava uma caixa lateral
baixa, forrada com um cobertor. Um gato preto e branco
estava encolhido lá dentro, orelhas achatadas, os olhos
dourados fixos com cautela em Tye.
Quando ele investigou a flecha projetando-se de trás do
barril no pátio, ele encontrou o gato. A infeliz criatura pegou
uma flecha em uma de suas patas traseiras. Um olhar para o
animal e Tye sabia que não poderia deixá-lo morrer.
Ignorando o uivo e as garras do felino, ele o puxou para fora
de seu esconderijo. Com um mercenário segurando o animal,
Tye removeu a flecha, lavou o ferimento com vinho, aplicou
pomada e amarrou uma bandagem.
— Calma agora, — murmurou Tye. Ele estendeu a mão
para o gato. O felino não era selvagem, pois sua pelagem era
espessa e brilhante e estava obviamente bem alimentado.
Antes, ele o deixara acariciar suas costas e coçar sob o
queixo, seus olhos se fechando de prazer. Também havia
arrancado pedaços de frango cozido de seus dedos.
O felino sibilou e lutou para se levantar, mas sua perna
traseira enfaixada impedia sua capacidade de se mover. Com
um sorriso satisfeito, Tye notou que a bandagem não estava
manchada de sangue. Um bom sinal. Com sorte, a ferida
sararia rapidamente.
Ele coçou a cabeça peluda do gato. O felino tolerou a
atenção, sua postura ainda cautelosa. Com sorte, porém, sua
inquietação logo diminuiria. Tye disse gentilmente:
— Não vou mais incomodá-lo. Descanse, meu amigo. Te
verei de manhã.
O felino não fez nenhum som, apenas caiu de volta na
cama. Com os olhos brilhando à luz do fogo, viu Tye caminhar
até a mesa e a jarra de vinho que o esperava.
Ele engoliu um gole do vermelho picante, saboreando a
queimação que descia até seu estômago. Sua mãe o acharia
estúpido por resgatar o gato, mas ele se sentiu compelido a
fazer o que pudesse, nem que fosse como uma homenagem ao
gatinho preto e branco que encontrara em um beco em Rouen
quando era menino. Por alguns meses, aquele gato foi seu
melhor amigo.
Seu amado animal de estimação havia desaparecido um
dia, e sua mãe se recusou a deixá-lo ter outro.
— Animais de estimação são uma distração. Você não
pode se apegar, — ela reclamou, silenciando seu protesto
choroso com um tapa pungente em seu rosto. — Você tem
assuntos mais importantes em que pensar.
Ele bebeu mais vinho, mesmo quando a dor de perder
aquele animal de estimação anos atrás roçou seu coração
novamente. Carrancudo, ele forçou a angústia de lado. Ele
não era mais um menino solitário; ele era um homem adulto
com um destino. Ele não podia mudar seu passado, mas
poderia fazer de sua vida agora o que quisesse.
Seu olhar se desviou para as portas do solar. Claire
estava a apenas uma curta caminhada de distância. Ela
entenderia o quanto ele sentia falta daquele gatinho que o
seguia como um cachorro e dormia ao seu lado todas as
noites? De alguma forma, ele sabia que ela entenderia.
Claire. O calor em sua virilha aumentou novamente, e
sua mão apertou a haste da taça de prata. Ele desejava beijá-
la novamente, senti-la estremecer em seus braços, se afogar
em seu perfume. Ela era muito mais do que ele merecia, mas
ainda assim, a queria para si.
Ele se forçou a se afastar da porta. Quando seu olhar
deslizou sobre a mesa, ele se acalmou, pego pela pilha de
cartas e o diário que havia tirado de seu quarto.
Que melhor maneira de aprender a encantá-la, tentá-la,
seduzi-la, do que descobrir tudo o que pudesse sobre ela?
Essas páginas continham seus segredos; elas abriam
caminho para conquistar seu coração, se ele se atrevesse a
tentar.
Já que ele não conseguia dormir, poderia muito bem
aproveitar a noite.
Capítulo Quatorze
— Acorde.
A voz do homem se intrometeu na mente sonolenta de
Claire. Seus olhos ainda fechados, ela suspirou, seus
pensamentos perseguindo um sonho que se desvanecia. Ela
estava correndo por um mercado lotado, seguindo Henry, que
estava andando na frente. De alguma forma, ele não sabia
que ela estava atrás dele. Ela o chamou freneticamente,
tentou alcançá-lo.
— Claire, acorde.
Ela gemeu, pois suas pálpebras estavam pesadas demais
para abrir. Lady Brackendale não conseguia dormir, e Claire
se recusou a adormecer até que sua senhoria estivesse
dormindo. Parecia que há momentos atrás Claire tinha
adormecido.
A luz do sol de repente brilhou além das pálpebras de
Claire. Alguém abriu as venezianas de uma janela próxima.
Enquanto Claire se mexia, seus olhos finalmente se abriram,
ela percebeu que ainda estava sentada na cadeira de espaldar
alto que puxou ao lado da cama para poder falar com sua
senhoria enquanto a mulher mais velha se aquecia sob os
cobertores.
Uma tábua do chão rangeu perto, e então alguém tirou
uma mecha de cabelo do ombro de Claire. Ele. Tye apareceu
ao lado dela, vestido com uma túnica de lã verde-escura,
meia-calça e botas de couro preto. Seu olhar deslizou do
cabelo preso em seus dedos para o cobertor enrolado em
torno dela, e então para baixo. Ela olhou para baixo, para ver
que uma ponta do cobertor havia caído até sua cintura
enquanto ela dormia, expondo seu seio esquerdo mal coberto
pela camisa. Por causa da brisa fresca que soprava de fora,
seu mamilo se tornou redondo como uma baga sob o tecido
fino.
Ela agarrou o cobertor e o colocou sobre o outro ombro,
escondendo tudo, menos o pescoço.
Tye riu e soltou seu cabelo.
Ao lado de Claire, Lady Brackendale se mexeu, erguendo
a cabeça despenteada do travesseiro. Ela olhou turvamente
para Tye.
— Bom dia, milady. Você dormiu bem? — Perguntou Tye.
A mulher mais velha soprou, um som de desgosto.
— Vou considerar isso como um acordo. — A atenção de
Tye voltou para Claire. — Há comida esperando em seu
quarto para você quebrar seu jejum. Uma criada também está
trazendo água para você se lavar.
— Obrigada, — Claire disse, sua boca seca de sono.
— Vou acompanhá-la de volta ao seu quarto.
— Você precisa vir? — A ideia de passar mais um dia
sozinha e uma prisioneira a fez estremecer por dentro.
As sobrancelhas de Tye se ergueram.
— O que há de errado com sua câmara?
A nota perigosa em sua voz a deixou inquieta. Na
verdade, ela não tinha o direito de reclamar; ela preferia ficar
trancada em seu quarto do que na masmorra. Ainda assim,
segurando firmemente o cobertor, ela disse:
— Certamente você não vai nos confinar em nossos
aposentos todos os dias que for o lorde aqui.
— Lady Brackendale deve ser confinada até que eu diga
o contrário, como disse no salão. — Seus olhos se
estreitaram. — Eu sou um homem de palavra.
Um homem de palavra. Isso era uma questão de debate,
mas enquanto ele falava, os pensamentos de Claire voltaram
para a discussão que ela tivera com Lady Brackendale na
noite anterior. Mantendo suas vozes abafadas, elas tramaram
maneiras de Claire descer para os quartos de
armazenamento. O plano que elas traçaram era arriscado e
tinha mais probabilidade de falhar do que de ter sucesso, mas
ela faria tudo o que pudesse para fazê-lo funcionar. Primeiro,
porém, ela tinha que ser capaz de andar livremente pelo
torreão.
— Na verdade, você insistiu na prisão de sua senhoria —
disse Claire — porque estava demonstrando a todos no
grande salão que era você quem estava no poder. No entanto,
não há mais dúvidas de que você é o governante aqui. Você e
seus homens têm controle total sobre Wode. Não há como
qualquer um de nós escapar.
— Fico feliz que você entenda isso, — disse Tye com um
sorriso tenso.
— Já que sabemos que não podemos fugir do castelo, —
Claire acrescentou, — não representamos nenhuma ameaça
para você. Tenho a certeza de que falo por Mary e pela sua
senhoria quando digo que gostaria de comer com elas no
grande salão, e passear nos jardins, e sentar-me à lareira do
salão à noite, em vez de ficar encerrada no meu quarto. Essas
atividades também podem ajudar a aliviar os pesadelos de
sua senhoria.
Tye balançou a cabeça.
— Não é...
— E mais, você vai nos conceder uma curta caminhada
lá fora, ao ar livre? Certamente não é pedir muito?
— Cuidado, Gatinha. Você soa como se estivesse
estabelecendo demandas.
— Não exijo. — Ela baixou o olhar e suavizou o tom para
não parecer confrontadora. — Solicitações apenas.
— As solicitações só serão atendidas se eu desejar
atendê-las.
Ela lutou contra o ressentimento.
— Claro...
— E se eu perceber que há algum... benefício... para
mim.
Claire ficou tensa. Ela não tinha dúvidas quanto ao tipo
de benefício que ele queria dizer.
Um suspiro veio de Lady Brackendale, agora sentada na
cama, seu cobertor enrolado em torno dela.
— Como você ousa fazer tal sugestão?
A mão de Tye pousou no ombro de Claire. Enquanto ela
respirava instável, os dedos fortes e bronzeados dele
deslizaram ao longo da dobra do cobertor perto de seu queixo,
um toque leve, mas controlador. Um puxão rápido do tecido, e
ele poderia descobrir seu seio novamente, e não havia nada
que ela pudesse fazer para detê-lo.
— Oh, eu ouso, — ele murmurou. — Por que não
deveria?
— Ela é uma jovem lady inocente, que merece a atenção
de um homem muito melhor do que você — disse Lady
Brackendale, em um tom de fazer um homem adulto se
encolher.
O rosto de Tye, capturado pela luz do sol, endureceu em
uma máscara de fúria. Sua mão escorregou de Claire e se
fechou em um punho.
— Estou bem ciente de quem e o que sou, e quem e o
que ela é. Aprendi muito sobre ela desde que nos
conhecemos, agora que li algumas de suas cartas.
— Misericórdia, — Claire sufocou. — Você leu minhas
missivas para Henry? — Elas foram devolvidas a ela depois de
serem descobertos nos pertences de Henry, e ela os guardou
junto com as cartas que recebeu dele.
— Até agora, eu li algumas de sua irmã. — Tye sorriu
novamente. — Hoje à noite, vou ler mais. E então, há o seu
diário...
Ela só podia imaginar o que ele pensaria dela então, da
zombaria que faria de sua história sobre beijos.
Em meio a uma névoa de constrangimento, ouviu sua
senhoria dizer:
— Não se preocupe, Claire. Um bandido como ele não
sabe ler. Ele está apenas dizendo para atormentar você.
— Eu posso ler, — disse Tye.
Lady Brackendale riu.
— Você? Mesmo? Quem te ensinou tal habilidade?
— Uma mulher que conheci na França. — Sorrindo, ele
acrescentou: — Devo pegar uma das cartas de Claire e ler em
voz alta? Vou tentar encontrar uma boa.
Claire estremeceu.
— Céus, não. — Sua senhoria soprou. — Posso imaginar
o que essas cartas podem dizer.
— Você? — Tye sorriu. — Mesmo?
A expressão da mulher mais velha azedou.
— Se você tem algum respeito por Claire, vai devolver
essas cartas particulares para ela. E você vai ficar longe dela.
Muito longe.
— Você não está em posição de me dizer o que fazer,
Lady Brackendale. — Carrancudo, ele se afastou. — Claire,
sua visita aqui terminou.
— Mas...
— De novo, você me contradiz, Claire? Está claro que
você também não me respeita.
A raiva na voz de Tye silenciou o resto do que Claire
queria dizer. Ele estava certo. Ela não o respeitou. Ela
duvidava que respeitaria.
Como se estivesse em sintonia com seus pensamentos
rebeldes, ele a agarrou pelo braço e a colocou de pé.
— Pense nisso, — disse ele, — antes de se atrever a fazer
mais pedidos.

***
Sentada na tina redonda de madeira posicionada perto
da lareira, Veronique esfregou o braço nu. O sabão se
espalhou em sua pele brilhante e na toalha de linho em sua
mão, enquanto o cheiro inebriante de rosas flutuava da água
do banho que já estava esfriando, apesar do fogo próximo.
Suspirando, ela voltou sua atenção para o outro braço.
— Você está carrancuda, amor, — Braden disse da cama
do outro lado da câmara na torre norte. Ele estava deitado
sob os cobertores, um braço largo cruzado atrás da cabeça
enquanto a observava se banhar. Os olhos de pedra preciosa
do anel de caveira em sua mão direita brilhavam com a luz
lançada pelo fogo e o sol da manhã filtrando-se pelas frestas
das venezianas que cobriam a janela.
Veronique fez beicinho.
— Há uma corrente de ar da janela. Além disso, a água
não está mais quente.
Ele deu uma risadinha.
— Não por falta de esforço dos servos. Eles correram
para cima e para baixo pelas escadas com seus baldes como
se estivessem sendo chicoteados.
Franzindo o nariz, Veronique disse:
— Eu queria chicoteá-los pelo jeito que alguns deles me
olharam.
— Eu sei que você queria. Você mostrou uma contenção
notável.
Ele se demorou na palavra contenção, e ela sorriu.
— Então eu me contive. Como na véspera passada.
Eles fornicaram na cama, na mesa de cavalete, no
chão... Ela o fez trabalhar duro para lhe dar prazer, mas ela
não tinha dúvidas de que ele tinha gostado de cada momento
de seus acoplamentos barulhentos, selvagens e satisfatórios.
Pensar na maneira como ele empurrou seu pênis dentro
dela, dominou-a, sua masculinidade tão dura, grossa e
impaciente, fez com que um rubor percorresse sua pele. Seus
mamilos endureceram.
— Amor? — ele ronronou, apoiando-se nos cotovelos. Os
cobertores escorregaram de sua parte superior do corpo para
revelar mais de seu peito musculoso salpicado de pelos
escuros. Ela rastejou em cima daquele corpo deslumbrante
na noite passada, o sugou, provocou e acariciou até que ele
estava suando, ofegando e jurando que não aguentaria mais.
— Mmm? — ela finalmente respondeu, concentrando-se
em lavar as mãos. O sabão escorregou por sua pele,
borbulhou entre seus dedos, caiu com um sussurro na
superfície nebulosa da água. Ela estava perfeitamente ciente
de cada som e sensação enquanto seu corpo se agitava em
uma antecipação luxuriosa...
A roupa de cama farfalhou, mas ela não olhou para ele.
Isso estragaria tudo. Ela o ignoraria até que ele viesse para
ela, como ele faria. Como ela esperava.
Seus passos bateram nas tábuas e ele se ajoelhou ao
lado da tina. Ele segurou seu rosto e a forçou a encontrar seu
olhar. O ardor brilhou em seus olhos.
—Não me ignore, prostituta, — ele rosnou.
O ardor latejava entre suas pernas. Como ela amava
quando a paixão dele ficava mais dura.
— Dê-me um motivo, então, para lhe dar toda a minha
atenção.
— Eu vou. — Sua voz endureceu. — Primeiro, porém,
você me dirá quando receberei minha dívida.
As pontas dos dedos dele cravaram em sua mandíbula.
Ele não a estava machucando, mas claramente esperava sua
resposta imediata. Ela se soltou de seu aperto, a metade
submersa de seu cabelo se mexendo na água, e disse
calmamente:
— Você sabe o que deve acontecer primeiro. Tye deve
matar seu senhor.
— Então serei premiado com um castelo próprio, — disse
Braden.
— Claro. Já discutimos isso muitas vezes antes. —
Gracejando, ela acariciou sua bochecha com a mão molhada e
pingando. — Você deve ser paciente.
— Eu sou, já faz um bom tempo, — ele resmungou.
— Eu sei. — Ela forçou um tom calmo, embora
silenciosamente desprezasse sua impaciência. A tentação de
governar um castelo próprio manteve Braden sob seu controle
por meses; ela deve mantê-lo ansioso por essa recompensa,
pelo menos até a vitória de Tye. — Eu prometo, você receberá
seu castelo muito em breve.
— Eu não quero apenas ter qualquer um. Eu quero uma
grande e lucrativa propriedade. Eu quero uma fortaleza tão
boa quanto Wode.
Ela mordeu a língua. Bastardo ganancioso.
— Eu tenho direito a uma recompensa rica. Você não
pode negar.
Não posso? A raiva cresceu dentro dela enquanto
levantava o joelho esquerdo para esfregá-lo.
— Eu arrisquei minha vida mais de uma vez por você e
Tye, — Braden adicionou enquanto ela ensaboava sua pele. —
Sem mim, você nunca teria sido capaz de conquistar Wode.
Ganancioso e também arrogante, sua mente se alterou.
No entanto, na verdade, ela sabia disso há muito tempo. Ela
achava sua arrogância altamente convincente, especialmente
quando ela reconheceu que sua ambição era tão grande
quanto a dela.
Com esforço, ela controlou sua raiva. Muito ainda
poderia ser perdido, apesar da aquisição de Wode por Tye. Por
enquanto, Tye precisava de Braden. Ela também. Quando ela
usou suas pedras rúnicas na noite passada, elas revelaram
isso a ela.
Sobre o barulho da água, ela disse:
— Você está certo. Nunca teríamos tido sucesso sem
você.
— Eu terei meu belo sustento, então.
Ela encontrou seu olhar novamente.
— Quando de Lanceau estiver morto, você terá sua
escolha de suas propriedades. Isso te agrada?
Os olhos de Braden brilharam com antecipação.
— Tye concordará com esse acordo?
— Eu vou garantir que ele faça.
— Eu vou cobrar de você essa promessa, amor.
Ela fez uma pausa, a mão ensaboada no joelho direito
levantado. Certamente, Braden não a havia ameaçado. Ele
bem sabia que ela não toleraria esse tipo de ousadia, nem
mesmo dele.
Seus dedos calejados deslizaram ao longo de sua
mandíbula, como se para acalmar a raiva que ele sentia
agitando-se dentro dela.
— Quando eu for lorde, — ele murmurou, — não irei
apenas atender aos meus próprios desejos, mas também aos
seus.
— Como assim? — ela perguntou, incapaz de reprimir
uma vibração de prazer.
Seus dedos deslizaram, acariciando.
— Você ficará ao meu lado como lady do meu castelo.
Você terá um título, privilégio, tudo o que você sempre quis:
vestidos da mais fina seda; joias brilhantes; servos para
atender a todos os seus desejos, não importa o quão pequeno
seja a propriedade.
Ah. Talvez ele não fosse um idiota, afinal.
— Você realmente vai me dar esses luxos?
Sorrindo, ele se inclinou para frente e pressionou seus
lábios nos dela.
— Eu vou.
Ela suspirou em sua boca, pois seus beijos eram tão
sedutores quanto suas palavras. Seus lábios exigiram,
reclamaram, e ela se inclinou em direção a ele, pegando tudo
o que ele oferecia.
Recuando, ele sussurrou:
— Eu te amo.
Ela congelou, sua respiração ficou presa como um nó de
pedra em sua garganta. Ele a amava? Muitos de seus
amantes ao longo dos anos haviam dito essas mesmas
palavras, mas eram um reconhecimento de paixão, nada
mais. Ela não era o tipo de mulher que os homens amavam.
Braden estava brincando; ele tinha que estar. Sorrindo,
ela disse:
— Claro que você...
— Eu amo.
— Você?
— Te amo, — ele repetiu, sua expressão solene. — Você
sabe que é verdade, sim?
Espanto e prazer percorreram seu corpo, abrindo
caminho até seu coração que se despedaçou, murchou e
morreu após a rejeição de Geoffrey de Lanceau. Amar e perder
De Lanceau doera além da medida; ela jurou nunca amar
novamente. Ela não permitiria tal vulnerabilidade, pois aquela
fraqueza quase a destruíra. Em vez disso, ela manipulava,
usava, tomava o que ela queria e precisava de homens, mas
nunca oferecia seu coração.
Com a admissão de amor de Braden, entretanto, parte
dela respondeu rapidamente; parte dela reconheceu que, de
todas as ocorrências inesperadas e indesejadas, ela também
poderia amá-lo.
Ela largou a toalha; sua mente cambaleando com o
choque, ela observou o linho submergir lentamente sob a
água turva. Como ela se permitiu se apaixonar? Quando ela
se tornou tão fraca?
— Você parece surpresa, — Braden disse com uma
risada irônica.
Veronique engoliu em seco, lutando contra emoções que
não conseguia controlar. Infernos. Ela não gostava de ficar
inquieta.
— Eu...
— Nós combinamos bem, você e eu. Juntos, seremos
verdadeiramente formidáveis. Seremos o tema de muitas
chansons cantadas com admiração e medo em toda a
Inglaterra.
Que perspectiva tentadora. Porém...
— Você não quer ficar ao meu lado, amor? E ser minha
esposa?
Sua esposa. Ele queria se casar com ela. A suspeita se
amontoou em sua mente atordoada. Ele realmente se
importava com ela ou queria se casar com ela para ter mais
influência sobre Tye? Braden era um homem astuto que
ansiava pelo poder. Ela poderia apenas ser parte de uma
trama tortuosa...
Ele suspirou. Apertando ambas as mãos ao lado da tina,
ele se levantou, trazendo sua nudez esplêndida e excitada
para sua visão completa.
Incapaz de desviar o olhar de sua masculinidade
impressionante tão perto de seu rosto, ela umedeceu os
lábios.
— Braden...
— Meu amor é verdadeiro, Veronique. — Ele se abaixou
na tina, colocou-a de pé e a ergueu em seus braços.
Água pingava de seu cabelo e corpo molhados nas
tábuas. No ar frio da câmara, arrepios subiram em sua pele.
— O que você faz?
— Eu provarei que te amo, — ele rosnou contra sua
boca. — Uma e outra e outra vez, até que você concorde em se
casar comigo.
Uma gargalhada luxuriosa partiu dela.
— Podes tentar.
— Oh, eu vou. — Ele caminhou até a cama, largou-a no
colchão e rastejou em cima dela, separando suas pernas com
os joelhos.
Seu cabelo era uma massa embaraçada e encharcada
sob os lençóis, ela semicerrou os olhos para ele.
— Você é muito descarado. Eu não te amo. Eu nunca
irei...
— Nunca? — Com o rosto tenso de desejo, ele mergulhou
nela, então parou, mantendo-se perfeitamente imóvel,
fazendo-a ofegar, contorcer-se e gemer de frustração.
Enquanto ela amaldiçoava e cravava as unhas em seus
braços protuberantes, seus lábios se afastaram em uma
risada áspera. — Você deveria saber mais do que me desafiar.
Eu pretendo vencer.
Capítulo Quinze
Olhando pela janela para o céu sem nuvens da tarde,
Claire se assustou quando batidas rápidas soaram na porta
de seu quarto. Ela hesitou, seus dedos se curvando no
parapeito de pedra da janela, enquanto ela decidia se deveria
ou não atender as batidas. Tye provavelmente estava fora de
sua porta, e ela estava muito cansada depois de uma noite
quase sem dormir para outro confronto com ele. Além disso,
ela ainda não entendia como ele a fazia se sentir daquela
maneira: inquieta; quente e espinhosa por toda parte; e
ansiosa por outro beijo. Era totalmente vergonhoso que ela
sentisse tais coisas...
A porta do quarto dela se abriu.
Claire ofegou, pois ela ainda não tinha respondido.
Felizmente ela não estava trocando de roupa ou escrevendo
no diário. Afastando-se da janela, ela juntou as mãos na
frente dela.
Tye cruzou a soleira da porta, seu manto flutuando na
parte de baixo de suas botas de cano alto que exibiam
manchas úmidas. Seu cabelo, amarrado para trás como de
costume com uma fina tira de couro, parecia soprado pelo
vento.
Ela tentou agarrar-se à sua indignação, mas a visão dele
tão inegavelmente bonito trouxe uma onda de admiração
tecendo por dentro dela. Ele não parecia um bandido de
origem humilde; ele parecia um lorde que governava uma
vasta e próspera propriedade. Um homem que, como ele havia
dito antes, pegava o que queria e fazia o que queria. Isso
obviamente incluía entrar sem permissão nos aposentos
privados das mulheres.
— Boa tarde, milady.
Até sua voz a afetou. Ela estremeceu por dentro, como se
fosse uma corda de harpa que ele puxou com os dedos.
— Boa tarde, — disse ela, seu tom frio, mas educado.
— Você estava curtindo o sol, eu vejo. Está mais quente
lá fora do que hoje cedo.
— Bom. — Isso significava que a neve derreteria e de
Lanceau seria capaz de mover seu exército e expulsar Tye e
seus mercenários. Mais uma vez, ela teria sua liberdade e,
finalmente, poderia viajar para a casa de sua tia e começar
sua nova vida.
— Você parece satisfeita, — observou Tye.
Claire deu de ombros descuidadamente; ela certamente
não iria compartilhar seus pensamentos com ele.
— Eu não gosto do frio.
— Nem eu, verdade seja dita. Prefiro os dias mais
amenos da primavera. Quando as árvores estão em flor e os
campos estão verdes novamente, os dias de alguma forma
duram muito mais como uma...
— Promessa, — ela terminou por ele.
— Exatamente.
Ambos sorriram. Um silêncio amigável instalou-se.
Misericórdia, mas ela não deveria se sentir à vontade
perto dele. Ambos podiam desfrutar da beleza da primavera,
mas ela era sua prisioneira. Ela se baseou na indignação que
havia surgido dentro dela momentos atrás e disse:
— Eu estou supondo que você tem um motivo para
entrar em meu quarto sem esperar pela minha permissão
para adentrar. Um motivo que nada tem a ver com o clima?
A alegria desapareceu de seus olhos.
— Você adivinhou corretamente. Eu te ofendi, entrando
como entrei?
— É uma cortesia que um homem espere de uma lady
sua ordem de entrar antes dele adentrar em seu quarto
privado. Ela pode estar se vestindo, tomando banho ou...
indisposta de alguma outra forma.
— E se você não me ouviu por algum motivo, como um
barulho alto do lado de fora? Eu deveria ter continuado a
bater? Ou eu deveria ter percebido que você estava
indisposta?
Uma pergunta justa. Tye não parecia estar brincando
com ela; ele parecia genuinamente intrigado com as nuances
do cavalheirismo.
— Normalmente, você esperaria do lado de fora e
continuaria batendo até receber a minha ordem de entrar. Se
eu não atendesse, você voltaria mais tarde. Claro, se eu
estivesse gravemente doente e sob os efeitos de uma poção de
cura, talvez não ouvisse sua batida e, portanto, não seria
capaz de responder. Nesse caso, por estar doente, não haveria
problema em entrar em meu quarto sem esperar por
permissão.
— É bom saber, — disse Tye.
— Nossa situação atual, no entanto, é um pouco
diferente do normal, — ela admitiu. — Embora eu possa ser
uma lady, também sou uma refém. As regras de decoro são,
sem dúvida, diferentes.
Ele sorriu.
— Sem dúvida.
Seu sorriso maroto suavizou suas feições. Ela lutou
contra a vibração indesejada de sua barriga.
— Agora que eu expliquei...
— De uma maneira tão perspicaz, — interrompeu Tye, —
devo uma explicação a você. Mas, primeiro, perdoe-me por
não ter esperado sua resposta antes. Vou me lembrar de ser
mais galante no futuro. Tão galante, isto é, tão honesto como
eu possivelmente possa ser.
Tye estava brincando com ela agora? Ela não tinha
certeza.
— Meu verdadeiro propósito ao vir vê-la, — continuou
ele, — era perguntar se você gostaria de dar um passeio.
— Um passeio? — A excitação correu por ela. Seria
maravilhoso desfrutar de um pouco de ar fresco. Além disso,
daria a ela a chance de ver como o resto do povo do castelo
estava se saindo. — É uma ideia muito agradável e bem-
vinda, milorde.
A surpresa brilhou em seus olhos.
— Você me chamou de 'milorde'.
— Eu chamei.
— Isso me agrada.
Ela só fez isso para acalmá-lo. Ainda assim, Claire lutou
contra um formigamento ridículo de prazer.
— Estamos ambos satisfeitos então, porque estou muito
feliz que você tenha oferecido um passeio.
— Afinal, algo que fiz agrada a você.
Desejo perpassou suas palavras. Isso sugeria que o
respeito dela importava para ele, embora defendesse a si
mesmo e suas ambições acima de tudo.
O desconforto a percorreu e ela desviou o olhar, sem
saber o que dizer a seguir.
O silêncio demorou. Ela ficou intensamente ciente do
olhar dele enquanto a percorria, do decote quadrado de seu
vestido de lã verde esmeralda até a bainha decorada com um
padrão gracioso de flores bordadas em fio de prata, para
combinar com o bordado nas pontas das mangas. Ela calçara
sapatos de couro marrom com biqueira pontuda e, quando ele
os viu aparecendo pela bainha, sua boca se contraiu e ele
passou a mão pela boca como se quisesse esconder um
sorriso.
Claire colocou as mãos nos quadris.
— O que foi?
Ele deu uma risadinha.
— Meu vestido é tão divertido? Achei modesto e
adequado para um dia sozinha no cativeiro.
— O que você está vestindo é adorável. — Seu tom
tornou-se um rosnado rouco que transmitia seu total apreço
pela vestimenta perfeitamente ajustada que havia sido
desenhada por um alfaiate que viajou de Londres, e que
também fez vestidos para Lady Brackendale e Mary. — No
entanto, — Tye gesticulou para seus sapatos, — dois passos
lá fora e esse delicado couro será arruinado.
— Vou calçar as minhas botas. Se eu soubesse da
caminhada, teria a certeza de vesti-las mais cedo.
Apesar da sugestão de gelo em seu tom, o sorriso maroto
de Tye não vacilou.
— Estou certo de que você teria, milady.
Por alguma razão, por causa do sorriso dele, ela estava
tendo problemas para se concentrar no que deveria fazer.
— Ainda está frio, então também vou buscar minha
capa.
— Uma ideia inteligente.
— E minhas luvas mais quentes.
— Talvez um chapéu, também? — Ele balançou sua
cabeça. — Não me lembro de alguma vez ter estado tão
envolvido com o vestir de uma mulher.
Claire caminhou até seu baú, abriu a tampa e enfiou a
mão dentro.
— Isso é porque você geralmente está ocupado tirando as
roupas de uma mulher.
Assim que as palavras saíram de sua boca, ela se agitou.
Santa Mãe Maria. Ela realmente disse isso em voz alta? Ela
deveria ter se contido.
A risada de Tye ecoou.
— Gatinha, você me conhece tão bem.
Ai, meu Deus. Ela nunca, jamais, teve a intenção de ser
tão tímida ou falar tão abruptamente. As roupas dobradas
diante dela tornaram-se um borrão colorido, e ela fechou os
olhos com força e orou por fortaleza e sabedoria.
— Eu mal te conheço, milorde. Não sei por que disse
essas palavras.
Abrindo os olhos novamente, ela procurou por suas
luvas favoritas forradas de pele. Ela não ousava olhar para
Tye, não conseguia olhar para ele, enquanto continuava a
lutar contra seu constrangimento.
— Eu também não estou certo do por que você o disse,
— ele murmurou, sua voz parecida com um ronronar. —
Embora, eu possa adivinhar.
A ansiedade se apoderou dela.
— Não se incomode...
— Você estava pensando em eu despir uma das minhas
amantes? — Sua voz baixou para um sussurro sedutor. —
Minhas palmas roçando seu vestido. Meus dedos
desamarrando as amarras do lado, uma por uma. Minhas
mãos, puxando sua camisa de linho macia...
— Pare. — Claire lutou contra o calor traidor que latejava
em sua pele, agarrou as luvas e fechou a tampa do baú. — Eu
não tenho pensamentos tão pecaminosos.
O olhar ardente de Tye capturou o dela.
— Talvez, então, você estivesse imaginando...
— Eu não estava...
— Eu te despindo?
Sua boca se abriu em um suspiro.
— Seduzindo você?
— Bondade de Deus! — Claire sussurrou.
— Tomando você?
Oh, meu Deus! Ela teria deixado cair as luvas, mas
conseguiu se controlar e trazer o foco de volta para a
conversa, por mais desastrosa que pudesse ser.
— Em sua mente, você viu minhas palmas deslizando
sobre seu vestido, — Tye murmurou. — Meus dedos,
desamarrando as amarras...
— Não.
— Enquanto minhas mãos puxavam o linho fino...
— É o suficiente! — Ela estremeceu com uma pressa
mortificante de necessidade e desejo proibido. Ela deve parar
de zombar dele, o mais rápido possível.
Lady Brackendale estava certa em avisá-la na noite
anterior; Claire não devia, por um instante, esquecer a
verdade sobre quem era Tye.
— Nunca imaginaria um encontro tão obsceno entre nós,
— ela conseguiu dizer.
Tye piscou, um gesto que lhe disse que ele sabia que ela
estava mentindo.
— Você estava imaginando outras ocorrências
escandalosas, então?
Ela reprimiu um grito de frustração.
— Como a nossa conversa torceu para tal caminho?
— Não fui eu quem falou em despir.
— Sinto muito. Não vou falar sobre isso de novo.
— Talvez eu vá.
Ela ergueu as mãos. Ele não iria ceder. Ele a faria se
contorcer, até... o quê? Ela caísse de joelhos na frente dele e
implorasse que ele a beijasse, tocasse, a despisse como ele
havia descrito, porque ansiava por sua atenção? Que terrível,
que ela não estivesse completamente horrorizada com a ideia.
Seu sorriso presunçoso deu a entender que ele podia ler
as emoções em guerra dentro dela, embora ela nunca tivesse
pretendido que elas fossem expostas para seu escrutínio.
Com dedos desajeitados, Claire colocou sua capa. Em
seguida, ela enfiou as mãos nas luvas, esticando cada dobra
para garantir que o couro fosse colocado corretamente em
seus dedos.
Cada momento de silêncio era uma tortura. Ele não se
aproximou, não tentou tocá-la, mas a observou com seu
familiar olhar predatório.
— Não me incomodarei com um chapéu, — disse ela, —
então estou pronta para minha caminhada.
— Não exatamente, — ele murmurou.
Ele iria beijá-la novamente! Ele iria exigir isso, em troca
de libertá-la de seu quarto.
Ela não podia permitir aquele contato físico; um beijo
devastador, e ela estaria perdida...
— Suas botas. — Ele apontou para o chão ao lado de seu
baú, onde suas botas de couro até o joelho esperavam.
— Oh. Obrigada. — Claire agarrou suas botas, sentou-se
na beira da cama e tirou os sapatos.
— Tinha uma expressão curiosa em seu rosto, — disse
Tye, parecendo divertido. — O que você esperava que eu
dissesse então?
Claire afastou as dobras grossas de sua capa e vestido
para que ela pudesse ver seu pé esquerdo e então o empurrou
em sua bota.
— Não é importante.
— Permita-me julgar por mim mesmo.
Agora ele parecia irritado. A última coisa que ela queria
era deixá-lo com raiva; ele poderia mudar de ideia sobre a
caminhada, e ela queria muito sair do quarto. Puxando a bota
certa, ela disse:
— Achei que você fosse estabelecer as condições para
minha saída da câmara. Felizmente, eu estava errada.
— Condições? Como um beijo?
— Sim. — Calçando as botas, ela se levantou, alisando a
capa e o vestido de volta ao lugar. Apesar da calma que ela
conseguiu transmitir em seus movimentos, seu coração
saltou e palpitou como um pardal ferido. Seus lábios
formigaram, sua carne lembrando o quão apaixonadamente
ele tinha devastado sua boca antes, e sabendo que ele poderia
facilmente fazer isso novamente.
Finalmente encontrando o olhar de Tye, ela o encontrou
sorrindo. Sua respiração pairou, suspensa, enquanto seu
olhar faminto pousou em sua boca.
— Este dia ainda não acabou, Gatinha.
Ela ajustou as luvas novamente para ocupar as mãos.
Ele estava planejando beijá-la do lado de fora, talvez na frente
de um pátio cheio de testemunhas? Que pensamento
enervante.
— É verdade, o dia não acabou, — disse ela, — mas isso
não significa que vamos nos beijar.
Ele parecia pronto para discordar dela. Em vez disso, ele
girou nos calcanhares e caminhou para a porta.
— Se você quiser dar um passeio, venha agora.
Claire correu atrás dele.
Ele abriu a porta e gesticulou para que ela fosse
primeiro. Quando ela passou, ele disse:
— Um aviso, Claire. Tente escapar de mim nesta
caminhada e não gostará das consequências. Compreende?
— Sim.
Com passos rápidos, Tye a conduziu pelo corredor
enfumaçado pelas tochas até o patamar e os degraus que
levavam ao grande salão. Enquanto descia as escadas, ela
rapidamente olhou ao redor da grande câmara diante dela, na
esperança de ver que os conquistadores celebrantes haviam
se entregado a muita comida e bebida na noite anterior e,
portanto, não seriam tão eficazes hoje em manter seu domínio
na fortaleza. No entanto, a sala parecia ser mantida em seu
padrão usual, as mesas e bancos limpos e um fogo generoso
queimando na enorme lareira. Os cães cochilavam nas beiras
da lareira. Na mesa do lorde no estrado elevado, uma criada
estendeu uma toalha de linho limpa. Além dos homens
armados parados perto da entrada da construção, vigiando a
escada que levava ao pátio, a sala parecia igual a todos os
dias em que ela morava em Wode.
Tye acenou com a cabeça para os guardas enquanto
caminhava para as sombras da construção , Claire logo atrás.
A fumaça da tocha e um bolor úmido a envolveram enquanto
descia as escadas, e então ela passou pela porta e saiu, para
o sol brilhante.
Claire não resistiu a um sorriso.
Uma risada irônica desviou seu olhar para Tye, que
esperava a vários passos de distância.
— Por que você está me encarando?
— Eu nunca vi você sorrir assim antes, — disse ele.
— É uma tarde gloriosa. — Incapaz de conter a onda de
empolgação, ela acrescentou: — Um dia adorável deve ter
coisas maravilhosas pela frente.
— Um resgate, você quer dizer?
Era realmente o que ela estava pensando. Ela não se
preocupou em responder, apenas afastou o cabelo do rosto.
Tye não parecia se importar. Ele gesticulou através do pátio, e
ela caminhou na direção que lhe indicou, através da neve
derretida que tinha sido pisada formando lama
esbranquiçada.
À frente, as portas da cozinha estavam escancaradas e o
cheiro de pão e carne assada flutuava na brisa. As criadas
voltavam dos galinheiros com cestas de ovos, enquanto do
lado de fora dos estábulos, rapazes cuidavam dos cavalos, os
casacos dos animais brilhando ao sol. Tudo parecia como
normalmente era, ela notou com um arrepio, exceto pelos
mercenários nas ameias que estavam assistindo a tudo o que
acontecia no pátio abaixo. Mais bandidos contratados
guardavam a casa de guarda do portão e a entrada das
masmorras. Ela não deve se esquecer de registrar esses
detalhes no diário.
Tye a levou para o jardim do castelo. Um muro de pedra
e argamassa na altura da metade de um portão de ferro
forjado separava o jardim do resto do pátio. Levantando a
trava, ele empurrou o portão aberto. Ele gesticulou para que
ela entrasse.
A neve ainda se espalhava como um cobertor branco
felpudo sobre os canteiros elevados onde a cozinheira
cultivava vegetais e ervas. Maçãs, ameixeiras e pereiras com
galhos nus se estendiam em direção ao céu. Enquanto ela
caminhava mais para o jardim, um grande monte de neve
caiu de um galho de árvore e aterrissou com um baque forte,
fazendo-a pular.
No mesmo instante, outra pessoa gritou em choque.
Claire viu uma mulher, freneticamente varrendo a neve de
sua cabeça, cambaleando para fora das sombras de uma
árvore. Um pouco da neve obviamente tinha descido para a
nuca, pois ela se contorcia e se contorcia em uma dancinha
estranha.
— Mary, — Claire gritou.
Sua amiga girou, sua mão enluvada ainda segurando as
costas de sua capa.
— Claire? — Mary acenou e correu em sua direção, mas
seus passos diminuíram quando avistou Tye, que fechara o
portão e estava encostado na parede, os braços cruzados,
observando-as.
— É bom ver você, — Claire chamou.
— E você. — O olhar cauteloso de Mary deslizou para
Tye novamente. — Tudo está bem? Você não sofreu nenhum
dano?
Tye soprou indignado.
Claire fechou a distância entre ela e Mary e puxou sua
amiga para um abraço apertado. Ao inalar o cheiro familiar de
sabão e água floral de sua querida amiga, as lágrimas
picaram seus olhos.
— Estou muito melhor agora que te vi.
Recuando para o comprimento do braço, Mary sorriu.
— Eu sei o que você quer dizer. Passar o dia todo
sozinha em meu quarto foi horrível.
— Um tormento, — Claire concordou. — Como você
está? Você está bem, além de morrer de tédio?
— Eu estou. E Lady Brackendale?
— Eu a vi ontem à noite. Ela está bem o suficiente. —
Deslizando o braço pelo de Mary, Claire a puxou em direção
aos canteiros de vegetais cobertos de neve.
— Tye está nos observando tão atentamente, — disse
Mary com um estremecimento.
— Eu sei. Eu me recuso a deixá-lo arruinar esta
caminhada, no entanto, e mais especialmente, meu encontro
com você. Ignore-o.
— Eu farei o meu melhor.
— É isso que as heroínas corajosas de nossas histórias
fariam.
Mary deu uma risadinha.
— Verdade.
A neve se acumulou na bainha da capa de Claire
enquanto ela caminhava, cruzando em uma linha de pegadas
deixadas por um pássaro. Ela parou ao lado de fileiras de
estacas que haviam sido usadas na primavera passada para
apoiar os feijões verdes.
— Você acha que alguma coisa do que Tye nos disse no
salão é verdade? — Mary perguntou baixinho. — Você acha
que ele realmente é o filho ilegítimo de Lorde de Lanceau?
Claire se abaixou e pegou um galho que havia caído na
neve.
— Eu mesma tenho pensado nisso. Eu honestamente
não sei.
— Ele parece-se mesmo com o seu senhorio e tem uma
maneira semelhante e autoritária, — disse Mary. — Muitos
nobres lordes geraram bastardos, dentro e fora do casamento,
então é possível.
— Se Lorde de Lanceau se deitou com a mãe de Tye. —
Claire quebrou um pedaço de galho. — Nós duas conhecemos
bem Veronique. Enquanto não conheço bem o seu senhorio …
— O que ele teria visto nela, você quer dizer, para querer
levá-la para sua cama?
— Exatamente.
— Foi há muitos anos, — disse Mary. — Ela pode ter
sido bem diferente naquela época.
— Sem dúvida tão egoísta e ambiciosa, no entanto, —
Claire disse baixinho.
— Sim, bem, sugiro que encontremos um assunto mais
seguro para discutir — disse Mary, parecendo nervosa. — Ela
está se aproximando do portão.
Claire deu as boas-vindas a um surto de travessura.
— Bem então. Com os dois assistindo, devemos dar a
eles um bom desempenho.
— O que você quer dizer? Se você está pensando em
tentar escapar...
— Hoje não. Somos vigiadas de perto.
A compreensão iluminou as feições de Mary.
— Como nossas heroínas, porém, estaremos buscando a
oportunidade perfeita.
— Bom. — Claire se abaixou, pegou um punhado de
neve e a transformou em uma bola. — Nesse ínterim... — Ela
jogou a bola de neve em um arbusto fino, e um tordo
assustado disparou de seus galhos para as árvores.
— Aquele pássaro ofendeu você ou foi o arbusto? — Mary
perguntou.
— Esse arbusto, — Claire respondeu com um sorriso, —
e Tye.
Mary riu, antes que a preocupação obscurecesse seu
olhar.
— Tem certeza que é sábio fingir tal coisa? Se ele
perceber...
— Coragem, Mary. — Claire moldou outra bola de neve e
a jogou. A neve voou no ar em uma nuvem branca, e ela deu
uma risadinha. Como era bom ser boba e rir.
— De repente, Tye não é mais tão bonito como era antes.
— Mary pegou um pouco de neve. — Na verdade, ele parece
bastante desgrenhado.
— Ele também não é tão mandão e barulhento.
— Pegue isso, — disse Mary, sua bola de neve batendo
no arbusto.
Outra bola de Claire rapidamente o seguiu.
— Ha! Ha! Ha!
Claire se abaixou para pegar mais neve; um monte de
umidade gelada bateu em sua cabeça.
— Minha mão escorregou. — Os olhos de Mary
brilharam.
— A minha vai escorregar agora, — Claire avisou. Ela
jogou neve no rosto de Mary.
Momentos depois, o ar estava impregnado com torrões de
branco voando.

***

— Olhe para elas. — A boca de Veronique se torceu com


desdém. — Elas agem como crianças travessas.
Assistindo Claire e Mary brincar na neve, Tye sorriu.
— Elas não estão causando nenhum dano. — Ele sempre
achou Claire bonita, mas com seu cabelo emaranhado
brilhando como o mais puro ouro na luz do sol e seu rosto
iluminado de alegria, ela era mais requintada do que ele já a
tinha visto.
— Aquelas duas são prisioneiras. Senhoras privadas de
todos os direitos e privilégios nobres. Reféns a serem trocadas
pelo que desejamos. — As sobrancelhas perfeitamente
formadas de Veronique se ergueram. — Esqueceste-te?
— De jeito nenhum. No entanto, existem maneiras de
conseguir o que queremos. — Sua voz baixou. — O que eu
quero.
— De boa vontade, você quer dizer, ao invés de força ou
coerção?
— Sim, — ele disse quietamente. Claire caiu de joelhos
na neve. Enquanto ele observava, ela caiu de costas para
olhar para o céu azul sem fim. Com uma vibração dramática
de sua mão, Mary caiu ao lado dela. Ambas respiravam com
dificuldade.
Sua mãe o encarou, seu olhar inflexível.
— Não pela força? Que tolice você fala?
Tolice? A raiva ganhou vida dentro de Tye. Ele mal
resistiu ao desejo de rosnar para ela.
— Falo o que sei ser verdade.
— Em seguida, você vai me dizer que seu coração está
lhe dizendo para agir assim.
Ele riu, o som desprovido de alegria.
— Eu perdi meu coração há muito tempo. Você se
certificou disso.
— Eu fiz, e com razão. Nenhum guerreiro de qualquer
mérito depende de suas emoções. Ele depende de sua
inteligência, habilidades de luta e, quando necessário, da
fraude a sangue-frio.
— Claire dificilmente é uma oponente nas listas de
torneios ou no campo de batalha, mãe.
— Ela ainda é uma adversária.
Balançando a cabeça, ele murmurou:
— Não se preocupe. Eu sei muito bem como ela e eu
estamos em desacordo em muitos assuntos.
— Espero que sim. — Veronique tirou um vinco da
manga da capa. — É assim que deve ser se quisermos vencer
esta batalha final contra seu senhor e então tomar tudo o que
era dele. Nossa vitória é o que importa. Nem preciso lembrar a
você, não é?
A nitidez de suas palavras fez Tye enrolar os dedos
enluvados contra a pedra áspera.
— Mãe...
— Eu odiaria pensar que você tenha noções de qualquer
tipo de ligação duradoura com Claire. Você sabe melhor.
Como sua mãe o lembrava da realidade de sua posição,
para garantir que ele soubesse que uma jovem de sangue
puro e culta como Claire era digna de um homem muito
maior do que ele jamais poderia ser.
Por tudo o que ele fez em sua vida, Claire merecia
melhor.
Com a atenção de Tye mais uma vez nas duas mulheres
que estavam se levantando, ele disse:
— Não preciso de lembretes. Seus esforços seriam
melhor em outro lugar.
Veronique franziu a testa, causando a formação de uma
ruga na camada de pó fino que cobria sua testa.
— Em outro lugar?
— Braden deveria me dar um relato completo das armas
no arsenal da fortaleza até esta manhã. Ele ainda não me
apresentou sua lista.
A timidez brilhou nos olhos de sua mãe, um olhar que
disse a Tye exatamente o que atrasou Braden.
— Ele tem estado muito ocupado...
— Espero essa lista até o pôr do sol. — Quando ela
ofegou de indignação, Tye segurou seu olhar, recusando-se a
recuar. — Você vai lembrá-lo, ou devo?

***

Uma onda sufocante de fúria açoitou Veronique. Que


coragem! Que grosseria de seu próprio filho.
Ela engoliu a desagradável queimação de raiva, mesmo
enquanto seu olhar guerreava com o de Tye. Ele não vacilou,
não desviou o olhar ou deu a menor indicação de que iria
ceder, nem mesmo quando a brisa soprou o cabelo em seus
olhos. Nesta batalha de vontades, eles eram pares.
O orgulho, feroz e agridoce, diminuiu a queima ácida de
sua fúria, antes que ela se obrigasse a quebrar seu olhar e
olhar para a parede de pedra entre eles. Melhor que ela fosse
a única a ceder. Melhor que ela o deixasse acreditar que
estava em total controle, tendo tudo dentro do castelo sob seu
comando, até mesmo ela. Se sua própria mãe não o
respeitasse como lorde, ninguém mais o faria e, sem dúvida,
seu confronto estava sendo testemunhado não apenas pelas
duas senhoras, mas por outras pessoas que estavam
trabalhando no pátio. Ela tinha que fazer sua parte, não
importava o quanto isso a irritasse.
Depois que um momento se passou, o suficiente para
Tye acreditar que ela o reconheceu como o vencedor, ela
ergueu o olhar. Ela lutou contra a raiva em submissão, mas
ainda assim, sofreu um aperto desconfortável em seu peito.
Alojada como uma rocha denteada contra seu esterno, era
uma sensação que raramente experimentava, mas, todas as
vezes, tinha sido causada por Tye. A cada vez, acontecera
depois que ele rejeitou seu conselho, como se suas opiniões
não tivessem peso.
Ela era sua mãe. Ele devia a ela, mais do que poderia
esperar retribuir.
— Bem? — Tye exigiu.
Um pouco da pressão em seu peito diminuiu, pois ela
gostava de saber que o tinha deixado esperando por uma
resposta.
— Vou encontrar Braden e perguntar sobre a lista.
— Bom.
— Há um outro assunto, — ela disse secamente.
— Sim?
— Sim. Da próxima vez que falarmos, você não usará
esse tom sujo comigo. Não vou ter você falado daquela
maneira.
Tye a estudou e depois às senhoras que agora
caminhavam de braços dados pelo jardim.
— Bem? — Veronique imitou o tom que ele usou ao falar
com ela momentos atrás e olhou para ele como o fazia quando
ele era um menino, quando esperava obediência imediata.
— Bom.
Não
— Sim, mãe.
Não
— Me desculpe por ter sido rude, mãe. — Meramente um
‘bem’ seco e desdenhoso.
Veronique lutou contra uma nova onda de angústia. Ela
estrangulou a emoção, matando-a com a raiva que nutriu por
anos e anos e que aprendeu a recorrer à menor provocação.
A raiva a manteve viva depois que Geoffrey a rejeitou e
tomou Elizabeth Brackendale para ser sua esposa. A raiva a
sustentou durante o parto e a criação de Tye sozinha na
França, e a raiva continuaria a sustentá-la, mesmo depois
que Tye matasse seu pai e Geoffrey finalmente morresse.
A raiva também lhe daria a astúcia de que precisava
para garantir que Tye fizesse o que ela esperava dele.
Recusando-se a encontrar o olhar de seu filho
novamente, recusando-se a dizer adeus, ela se virou e
começou a atravessar o pátio. Ao deixar as sombras das
árvores frutíferas e entrar em plena luz do sol, ela sorriu, pois
sentiu Tye lutando com surpresa, culpa e raiva pelo modo
como ela se afastou sem a cortesia de uma única palavra de
despedida.
Ela esperava que ele lutasse com sua consciência pelo
resto do dia.
Seus pensamentos voltaram para o jeito que ele parecia
há pouco tempo, quando ele olhava Claire. Antes que ele
recuperasse sua compostura, ela pegou uma expressão em
seu rosto que ela nunca tinha visto antes. Admiração?
Respeito? Carinho, mesmo?
A angústia voltou a crescer, mas Veronique a esmagou
de volta. Nenhuma lady iria atrapalhar o destino de Tye,
certamente não uma virgem bonita.
O sorriso de Veronique se alargou. O dia prometia ser
realmente interessante.
Capítulo Dezesseis
Claire caminhou ao lado de Mary, seguindo a parede de
pedra elevada dos canteiros de ervas que apareciam através
da neve. Em voz baixa, Claire disse:
— Lembre-se de acenar com a cabeça e sorrir como se eu
estivesse contando uma história divertida.
— Tudo bem. — Mary esboçou um sorriso. — Você vai
me contar notícias terríveis?
— Não.
— Graças a Deus, porque se fosse assim...
— Ouça, agora, — Claire disse, mais severamente do que
ela pretendia. — Sinto muito. Não quero ser impaciente, mas
não sei quanto tempo temos até que Tye nos separe
novamente.
À luz do sol que penetrava pelas árvores frutíferas, Mary
parecia preocupada, mas baixou a cabeça e sorriu.
— Continue.
— Eu posso precisar da sua ajuda. Depende se eu
mesma puder chegar às câmaras de armazenamento ou não.
— As câmaras abaixo da torre de menagem?
— Sim. Ontem à noite, Lady Brackendale estava tendo
pesadelos e Tye me levou para seu quarto para acalmá-la. Ela
me contou sobre uma passagem secreta no quarto que
contém o vinho e a cerveja. É uma forma de entrar no castelo
que De Lanceau conhecerá quando morou aqui quando
criança. Devo de alguma forma chegar ao porão e destrancar
a porta, para que tudo esteja pronto quando seu senhorio
chegar com seu exército para enfrentar Tye.
Mary franziu a testa.
— Isso parece perigoso. Se Tye descobrir, ou pior ainda,
sua mãe... A maneira como ela tratou Lady Brackendale no
salão...
— Eu sei, — Claire disse, — mas pode ser a única
maneira de nos libertar. É um risco que as donzelas
obstinadas de nossas histórias correriam, se estivessem em
nossa situação difícil.
Mary riu suavemente.
— Graças a Deus pelas donzelas obstinadas.
— Você vai me ajudar?
— Claro. O que quer que você precise que eu faça, farei.
— Seu sorriso não escondeu completamente sua careta. —
Vou ficar totalmente apavorada, meu estômago embrulhado,
meus joelhos batendo juntos como venezianas quebradas,
mas vou pensar em nossas donzelas desafiadoras e dar o meu
melhor. E prometo não desmaiar desta vez. Não, a menos que
você precise de mim.
Claire apertou o braço de Mary.
— Obrigada. Agora, me ajude a pensar em um bom
motivo para visitar as adegas. Um em que Tye e seus homens
acreditarão.
— Hmm. — Um par de pássaros gaio-azul, voando
através dos galhos acima, de repente mergulhou sobre os
canteiros do jardim à frente deles. — Suponho que não seja
suficiente alegar que a conquista de Wode por Tye a levou a
beber?
Claire balançou a cabeça.
— Ou que o beijo dele deixou um gosto tão ruim na sua
boca, que você precisa enxaguar com um licor forte?
O calor se espalhou pelo rosto de Claire.
— Na verdade, quando ele me beijou...
Mary parou abruptamente.
— Ele a fez beijá-lo! Eu sabia. Eu simplesmente sabia,
pela maneira como ele estava olhando para você.
Claire pegou as duas mãos de Mary nas dela.
— Ouça...
— Ele forçou você? Ele tentou receber mais do que um
beijo? Ele... violou você? Se ele a desonrou...
— Ele não fez isso. — Claire ouviu o barulho de passos
se aproximando. — Na verdade, ele tem sido muito mais
cavalheiresco do que eu esperava.
Mary ficou boquiaberta. Perguntas refletiam em seus
olhos. Ela estava claramente explodindo para perguntar o
quão cavalheiresco Tye tinha sido, para recolher todos os
menores detalhes, mas ele havia chegado perto.
Com sua proximidade veio uma explosão rápida de
desejo proibido. Tentando manter o controle de suas emoções
indisciplinadas, Claire manteve a expressão fria e olhou em
sua direção, recebendo-o, mas sem dizer uma palavra.
— Foi uma caminhada suficiente por hoje, — ele disse.
— Amanhã então? — Claire se atreveu a perguntar.
— Vamos ver.
— Obrigada, porém, por hoje, — disse Mary. — Foi uma
surpresa agradável.
Por um instante, a cautela deixou suas feições. Ele
sorriu, um lampejo de seus dentes uniformes e brancos, e o
ardor iluminou seus olhos cinzentos. Ele poderia seduzir uma
mulher com aquele sorriso. Pegá-las em toda a força daquele
charme bandido, Mary corou escarlate.
Claire lutou contra uma repentina e inesperada pontada
de ciúme. Que estúpido sentir ciúme. Tye não significava
nada, não era nada para ela. Assim que De Lanceau
recuperasse o controle de Wode, ela nunca mais veria Tye.
— Estou feliz que você tenha gostado da caminhada. —
Ele gesticulou em direção ao portão. — Agora, você vai voltar
para a fortaleza.
Um protesto cresceu dentro de Claire, pois ela preferia
ficar no jardim. Fazer um estardalhaço agora, porém, poderia
significar que ela não teria mais caminhadas. Se ela estava
confinada em seu quarto, não havia nenhuma chance de ela
encontrar um caminho até o porão e completar o que
precisava ser feito. Ela não poderia arruinar essa chance;
Lady Brackendale dependia dela.
Claire assentiu com a cabeça, pegou o braço de Mary
novamente e se encaminhou para o portão. Tye seguiu alguns
passos atrás. Claire sentiu seu olhar em suas costas.
Você estava pensando em eu despí-la como uma das
minhas amantes? Minhas palmas roçando seu vestido. Meus
dedos desamarrando as amarras do lado, uma por uma.
Minhas mãos, puxando sua camisa de linho macia...
— Claire? — Mary sussurrou. — Você está bem?
Claire descobriu que haviam alcançado o portão. Com o
rosto quente, ela levantou a trava e empurrou, puxando Mary
com ela. De forma alguma Claire iria discutir os pensamentos
pecaminosos que a atormentavam. Certamente não com Tye
ao alcance da voz.
O pátio à frente estava mais lotado do que no início do
dia. Os criados puxavam baldes de água do poço para levar
para a cozinha. Um grupo de criadas esfregando roupas em
tinas de madeira com água fumegante olhou para Claire e
Mary, mas rapidamente voltou sua atenção para suas tarefas,
como se temesse que os mercenários de guarda pudessem
pensar que elas não estavam fazendo suas tarefas.
Um menino saiu correndo da porta da cozinha. Seu
cabelo uma bagunça emaranhada, sua expressão sombria, ele
arrastava um balde envolto em vapor. Ele olhou para frente,
para onde parecia estar indo: a masmorra.
Mary puxou a manga de Claire.
— Aquele menino. É Witt, neto de Sutton.
Claire diminuiu a velocidade e enfrentou Tye.
Claramente não esperando que ela parasse tão
repentinamente, ele quase se chocou contra ela, antes de
parar, franzindo a testa.
— Milorde, como Sutton está indo? — Claire perguntou.
— Nada bem. Ele tem febre.
— Oh, pobre homem, — Mary sussurrou.
— Você deve ajudá-lo, — disse Claire. — Ele não pode
morrer.
Os olhos de Tye se estreitaram.
— Ele é um prisioneiro, ferido em batalha. Alguns
prisioneiros morrem. É assim que as coisas são.
Claire respirou fundo. Ele parecia tão sem coração, como
se o destino de Sutton não fosse sua preocupação. De tudo o
que ela descobriu sobre Tye, ele não parecia tão cruel em
suas relações com o povo do castelo como sua mãe parecia
ser.
— Essa pode ser sua opinião sobre o assunto, — ela
disse uniformemente. — No entanto, uma vez que você se
declarou lorde desta fortaleza, cada homem, mulher e criança
aqui é agora sua responsabilidade, incluindo prisioneiros
feridos.
— Verdade, e eu não negligenciei os cativos ou minha
responsabilidade para com Sutton. Suas feridas estão sendo
tratadas. Sua esposa ajuda a cuidar dele, e Witt está ao lado
de sua cama todos os dias.
— Você está dizendo que nada mais pode ser feito por
Sutton? Que ele está recebendo todos os cuidados que sua
febre e feridas exigem?
— Claire...
— São perguntas justas, milorde.
A ameaça brilhou em seus olhos.
— São também questões muito ousadas, Gatinha. Talvez
você precise de um lembrete firme de que também é uma
prisioneira. Minha prisioneira. — Seu olhar deslizou
lentamente pela frente de sua capa.
— Devemos voltar para nossos aposentos, — disse Mary,
puxando a manga de Claire novamente.
— Em um momento. — Eles estavam discutindo o bem-
estar de um guerreiro honrado que dedicou anos de sua vida
para defender Wode. Suas ansiedades não devem anular uma
conversa tão importante. — Podemos ver Sutton?
— Por quê?
— Ele é um bom homem. Um amigo.
A expressão de Tye escureceu com suspeita.
— Uma visita nossa pode levantar seu ânimo, — Claire
insistiu. — Ele pode estar preocupado conosco. Pode ajudá-lo
a ver que estamos bem.
— Em seu estado febril, duvido que ele vá reconhecê-las.
Além disso, você realmente deseja ver seus ferimentos? Eles
não são agradáveis.
Ignorando o protesto de sua barriga, Claire disse:
— Vamos vê-lo.
O olhar de Tye deslizou dela para um ponto além de seu
ombro. Alguém ou alguma coisa havia chamado sua atenção.
— Você não vai visitar Sutton hoje, — Tye disse,
convocando um mercenário que estava por perto. — Leve
essas mulheres para o grande salão. Eles podem comer a
refeição do meio-dia lá. Se elas lhe causarem qualquer
problema, escolte-as a seus aposentos. — Seu olhar pousou
novamente em Claire. — Se elas lhe derem algum problema,
quero ser informado o mais rápido possível.

***
O grande salão de Wode ecoava com as risadas obscenas
e vozes altas de mercenários desfrutando de sua refeição. As
criadas passavam entre as mesas, entregando jarros de
cerveja e vinho junto com travessas de pão e queijo.
Cachorros, esperando por pedaços perdidos de comida,
pairavam perto dos bancos onde os homens estavam
sentados. Metade das mesas estavam ocupadas, e o
mercenário andando atrás de Claire e Mary as mandou para
uma mesa vazia perto da parede oposta. Foi um alívio estar
separada dos bandidos barulhentos, mas a mesa estava a
uma boa distância de qualquer saída do salão.
— Eu estarei observando vocês, — o mercenário disse.
Ele lançou um olhar de advertência para Claire, então Mary,
antes de ir para uma mesa próxima, sentando no banco,
arrastando um prato de comida e enfiando uma fatia de pão
em sua boca.
Mary suspirou enquanto se acomodava no banco em
frente a Claire.
— Aquela caminhada foi curta demais.
Claire deu um sorriso.
— Pelo menos estamos conseguindo nos ver.
— Verdade. — Os olhos de Mary brilharam. — Agora eu
também sei que você foi beijada. Por ele, nada menos.
Claire tirou as luvas, sem pressa, pois não queria falar
na frente da serva que se aproximava da mesa. A garota
colocou uma tábua de madeira com fatias de queijo e pão na
frente delas. Uma segunda criada largou uma jarra de vinho e
duas canecas, fez uma rápida reverência e saiu correndo.
Com os braços apoiados na mesa, Mary se inclinou para
frente.
— Ninguém mais está perto o suficiente para ouvir
agora. Então, como foi?
— Bem...
— Foi uma provação nojenta, úmida e viscosa que você
se obrigou a suportar? Ou foi tão maravilhoso quanto
escrevemos em nossas histórias?
Era ainda mais maravilhoso do que descrevemos.
Verdade seja dita, foi ainda melhor do que o beijo perfeito de
Henry. Claire lutou contra a vontade de rir.
— Os lábios dele eram macios e gentis? Ou eles eram
rudes de paixão, quentes com o desejo vilão queimando por
ele?
Ai, meu Deus.
— Mary...
— Se você me negar os detalhes, Claire, ficarei muito
chateada.
— Eu não tinha a intenção de negar os detalhes a você,
— Claire insistiu, pegando uma fatia de pão e uma fatia de
queijo.
— Estou contente de ouvir isso. — Mary arqueou as
sobrancelhas. — Então?
Claire mordeu um pouco de pão e mastigou lentamente.
— Seus beijos eram...
— Beijos? Ele beijou você mais de uma vez, então?
Claire terminou o que estava em sua boca.
— Sim.
— Deixe-me adivinhar. Ele a prendeu contra a parede de
forma que você ficou impotente para resistir, então arrebatou
sua boca. Depois de beijá-la até quase que desmaiasse, Tye
prometeu mais maldade se você não se curvasse a ele.
Um pedaço de queijo se alojou no meio da garganta de
Claire. Ela tossiu, ofegou e procurou a jarra de vinho. Com
um sopro impaciente, Mary derramou um pouco do líquido
carmesim em uma caneca e colocou nas mãos de Claire.
Claire bebeu um pouco do vinho. O vermelho forte fez
seus olhos lacrimejarem.
— Então? — Mary exigiu, mordendo um pedaço de
queijo. — Eu estou certa?
Piscando forte, Claire limpou o borrão de lágrimas de sua
visão. Então, ela tomou outro gole.
— Ele era um pouco exigente em suas atenções, — disse
ela. — No entanto, não posso dizer que arrebatado seja a
palavra certa para descrever o que ele fez aos meus lábios.
— Abusou deles?
— Não.
— Conquistou-os?
Claire franziu a testa.
— Na verdade...
— O que então? Cortejou-os?
Dando de ombros, Claire disse:
— Cortejado é a melhor palavra que você sugeriu até
agora.
Mary piscou como uma coruja assustada.
— Misericórdia.
— Para um guerreiro de sua laia, eu diria que ele
mostrou uma contenção bastante cavalheiresca.
Duas fortes batidas do coração ecoaram nos ouvidos de
Claire, antes de Mary franzir a testa.
— Perdoe-me, mas acho isso muito difícil de acreditar,
especialmente em relação a um bandido que reivindicou Wode
impiedosamente e que provavelmente conquistou mulheres e
castelos durante toda a vida.
— Eu também acho difícil de acreditar. E ainda... —
Claire balançou a cabeça, puxou um pouco de pão da fatia
grossa em sua mão e colocou o pedaço na boca.
— Sim?
Claire engoliu em seco.
— Às vezes, sinto que ele está lutando consigo mesmo. É
como se ele estivesse travando algum tipo de guerra interna
particular. Eu sinto que ele... quer mais de sua vida do que
tem atualmente, algo que está além de seu alcance. —
Distraída por uma gargalhada rouca de uma mesa de
mercenários, ela desviou o olhar. — Eu pareço ridícula.
— Não é totalmente ridícula.
Claire riu.
— Ora, obrigada.
Mary riu e se serviu de um pouco de vinho.
— Pelo que você disse, parece que você acredita que Tye
tem uma consciência.
— Talvez ele tenha.
Mary deu um gole pensativo em sua bebida.
— Cuidado para não pensar bem dele, Claire. Ele não se
sente culpado por capturar esta fortaleza e se nomear lorde.
Nem está perdendo o sono por causa dos homens bons que
foram feridos no cerco. Você viu como ele rejeitou suas
perguntas sobre Sutton.
— Verdade. Ele parece convencido de que tem o privilégio
de ser o governante aqui. — Claire colocou outro pedaço de
pão na boca e mastigou. — No entanto, quando ele e eu
estamos sozinhos...
— Sozinhos? — Mary ficou imóvel, a mão apertando a
taça. — O que mais você não me disse?
— Por sozinhos, quero dizer que ele veio ao meu quarto
para falar comigo ou, como aconteceu esta tarde, para me
acompanhar até os jardins. Nesses momentos, por um breve
período de tempo, vejo um homem diferente daquele que é
com seus mercenários. Agindo como lorde, ele é comandante,
distante e frio. Quando ele está comigo, há um calor em seu
olhar, uma leveza em sua voz, até mesmo um humor em suas
palavras que acho encantador. Não posso deixar de me
perguntar se esse é o homem verdadeiro.
— Mãe Maria. De seus lábios, ele soa quase heróico.
Assobios estridentes e gargalhadas irromperam da mesa
mais distante dos mercenários. Eles estavam provocando uma
das criadas, puxando sua trança até a cintura para tentar
puxá-la para o colo de um bandido corpulento, e Claire
estremeceu.
— Eu não iria tão longe a ponto de dizer heróico.
Intrigante, com certeza.
— Você está narrando todas essas reflexões, acredito, no
diário?
— Eu estou. Escrevo sempre que sei que Tye está
ocupado e provavelmente não vai me surpreender. É mais
seguro para todos nós se ele não souber sobre o diário.
— Eu concordo. — O olhar de Mary caiu para suas mãos
enquanto ela quebrava outro pedaço de queijo. — Não me
atrevo a imaginar o que aconteceria se Veronique o
encontrasse.
Um estremecimento rastejou por Claire. Ela revirou os
ombros, afastando a inquietação.
— Eu me recuso a pensar sobre isso acontecendo.
Devemos nos concentrar em outros assuntos mais urgentes.
Mary acenou com a cabeça solenemente, claramente
entendendo a referência de Claire à porta secreta no depósito
abaixo. Claire deu uma olhada rápida na entrada da pequena
câmara contígua ao salão, que era usada pelos servos durante
os banquetes e outras ocasiões especiais para servir jarras de
vinho e cerveja; a porta que dava para a escada que descia
para o nível inferior ficava naquela câmara.
Rosnados desafiadores chamaram a atenção de Claire
para dois vira-latas brigando por um pedaço de pão. Antes
que a discordância piorasse, Witt, que estava sentado na
mesa mais próxima, arrancou a casca de pão de uma travessa
e jogou para os cachorros. O animal maior saltou e agarrou a
crosta do ar e os vira-latas seguiram caminhos diferentes
para devorar suas descobertas.
Com a cabeça baixa, Witt voltou à sua refeição. Ele
estava sentado ao lado de uma criada rechonchuda de
cabelos grisalhos, que colocou o braço em volta de seu ombro
e deu-lhe um aperto afetuoso. Sua boca se moveu enquanto
falava perto de seu ouvido, provavelmente palavras de
conforto.
Um aperto doloroso se fechou em torno do coração de
Claire. Ela odiava envolver Witt em seu plano, mas ele poderia
ser a única pessoa que poderia torná-lo bem-sucedido.
Fingindo alisar uma mecha rebelde de seu cabelo, Mary
olhou por cima do ombro. Ela avistou Witt e então olhou para
Claire. Suavemente, Mary disse:
— Você vai pedir a Witt para nos ajudar?
— Sim. — Claire escolheu outro pedaço de queijo. —
Com sorte, ele e eu podemos escapar juntos e ir para o
depósito.
— O vinho costuma ser usado para limpar feridas, —
disse Mary. — Se você for questionada em qualquer momento,
pode dizer que o vinho é necessário para tratar Sutton.
— Bem pensado. — Claire sorriu e acrescentou: — Nosso
plano não funcionará, entretanto, sem você. Eu preciso que
você os distraia.
Mary empalideceu. Então, claramente reunindo sua
coragem, ela acenou com a cabeça.
— Que tipo de distração?
— Você é boa em desmaiar.
— Eu farei o meu melhor para superar meu desmaio em
seu quarto.
— Perfeito. — Claire estudou a mesa barulhenta de
mercenários. O interesse provocador dos homens pela criada
tinha se tornado mais ousado, mas ela os estava frustrando;
ela golpeou um bandido malicioso que tentou beijá-la na
boca. — Há mais do que suficiente homens obscenos e
tateantes entre os lacaios de Tye, — disse Claire. — Com a
persuasão certa, você poderia encorajar pelo menos um deles
a maltratá-la de uma maneira digna de um desmaio
dramático.
Os olhos de Mary brilharam de entusiasmo. Então seu
rosto se enrugou de preocupação.
Claire preparou palavras de encorajamento, apenas no
caso de Mary precisar ser mais convincente. Sem Mary, o
plano certamente fracassaria. No entanto, antes que Claire
pudesse falar, Veronique saiu da câmara, puxando o capuz de
sua capa para revelar suas belas feições austeras. Seu cabelo
ruivo brilhava.
Uma onda de apreensão se espalhou por Claire. Ela
desejou manter a calma e o foco.
— Você parece inquieta. Quem acabou de entrar no
salão? — Mary perguntou.
— Veronique. — Claire forçou um sorriso. — Não precisa
se preocupar. Ela não pode saber o que estávamos
discutindo.
A mulher mais velha parou na parte inferior da escada
que conduzia ao segundo nível. Sua cabeça se inclinou, e seu
olhar viajou sobre o povo nas mesas até que ela encontrou
Claire. Quando seus olhares se encontraram, um choque
congelante percorreu Claire, uma sensação semelhante a
mergulhar em um rio coberto de gelo.
Um sorriso zombeteiro curvou os lábios de Veronique.
Ela ergueu a mão, alisou a frente da capa e começou a subir
as escadas, seus passos lânguidos sugerindo que ela não
tinha motivo para se apressar. Claire sentiu, entretanto, que
os modos despreocupados da mulher mais velha eram uma
ilusão. Veronique tinha um lugar bem definido que pretendia
ir e um propósito muito deliberado em mente.
Claire lutou contra um mau pressentimento. O que quer
que Veronique fosse fazer, não era um bom presságio para
ninguém em Wode.
Principalmente Claire.

***

Veronique fechou a porta do quarto de Claire e se


recostou no painel. Os mercenários do lado de fora, feios,
estúpidos e idiotas, iriam avisá-la se Claire estivesse voltando
para seu quarto. Se eles falhassem em dizer a ela... Bem, eles
tinham sido informados sobre quais mutilações, infligidas em
partes masculinas específicas, eles iriam suportar.
Estreitando os olhos, Veronique estudou a câmara. A
quarto cheirava a ar fresco misturado a outra essência. Não
era o perfume de rosas, como ela preferia. Nem violetas, nem
lavanda. O cheiro indescritível a lembrava de mel e era
atraente e doce, um pouco como a própria jovem irritante.
O sol da tarde entrava pela janela, as venezianas abertas
para deixar entrar a luz do dia. A luz brincava nas paredes de
pedra sem pintura, no assoalho revestido de poeira fina, na
cama que havia sido cuidadosamente feita, seja pela própria
mão de Claire ou pela criada que, a julgar pelo fogo na lareira,
entregou mais lenha mais cedo e também limpou jarras de
água e vinho na mesa de cavalete.
Veronique caminhou até a cama. A colcha de seda verde
grama era bordada com flores douradas. Tão linda. Tão
patético para um tecido tão caro e suntuoso ser desperdiçado
em uma coberta de cama para uma mulher que nem era a
lady da fortaleza. Seus lábios se curvaram em um sorriso de
escárnio, Veronique cravou os dedos na roupa de cama e
puxou, fazendo com que os travesseiros combinando voassem
para o chão. O perfume de mel subiu dos lençóis da cama e
sua boca se apertou de nojo.
Como ela desejava puxar a adaga escondida dentro de
sua manga, mergulhar na cama, cortar e destruir. Essa
destruição, entretanto, seria muito óbvia e facilmente
atribuída a ela.
O que ela precisava realizar agora devia ser feito com
discrição, pois quando, finalmente, Tye fosse reconhecido pelo
rei como o governante legítimo de Wode, a lealdade dele seria
para com ela, sua mãe, como deveria ser, não a bela de olhos
azuis que viveu nesta câmara.
— Você nunca terá o coração de Tye, Claire, —
Veronique murmurou. — Vou me certificar disso.
Deixando cair a colcha, Veronique caminhou até o baú.
Ela ergueu a tampa e examinou o conteúdo. O que ela
procurava poderia estar aqui, ou poderia fazer uma busca
mais cuidadosa no quarto antes de descobri-lo. De qualquer
forma, ela o encontraria, um objeto que, quando apresentado
a Tye, causaria a mortificação absoluta de Claire. Que
instância deliciosamente satisfatória seria, ver Claire cair de
joelhos pelo constrangimento.
Veronique afastou as camadas de roupas, sapatos e
outros itens. Ela franziu a testa e deixou cair a tampa do baú.
O que ela procurava não estava lá dentro. Os itens eram
pessoais, mas não de natureza emocionalmente carregada.
Tocando o queixo, Veronique estudou a câmara
novamente, pois deve haver algo por aqui. Ela caminhou pelo
quarto, estudando as paredes para ver se havia argamassa
quebrada, as tábuas para ver se havia alguma solta que
pudesse esconder uma cavidade secreta embaixo. Ela se
juntou a mais do que alguns lordes que mantinham suas
riquezas enfiadas sob as tábuas do assoalho.
Alcançando a cabeceira da cama novamente, ela colocou
as mãos nos quadris. Amaldiçoando baixinho, ela puxou a
cama de volta no lugar, em seguida, contornou o pé da cama
para pegar os travesseiros.
Quando ela se abaixou, seu olhar caiu sobre a borda da
estrutura da cama. Um ladrilho fino corria ao longo da borda
da moldura, uma área ampla o suficiente para formar uma
prateleira estreita. Sua boca se curvou em um sorriso
conhecedor enquanto ela jogava os travesseiros na colcha e se
movia para a cabeceira da cama. Ela alcançou entre a
estrutura da cama e a parede, e seus dedos roçaram o couro
liso.
Ela puxou o objeto para a luz. Era um livro, o primeiro
quarto de suas páginas preenchido com linhas de tinta preta.
As letras foram perfeitamente formadas e executadas com um
toque feminino distinto.
— Bem, agora. — Veronique abriu nas primeiras
páginas, o cheiro pungente de pergaminho curado subindo
para suas narinas enquanto ela lia algumas linhas:
Tye invadiu meu quarto com a cabeça erguida, seus
passos firmes, sem o menor traço de humildade ou remorso em
seu comportamento. Ele agiu como se tivesse todo o direito de
reivindicar Wode, mas isso não pode ser, pois este castelo
pertence por direito a Lorde de Lanceau. Como, então, Tye pode
acreditar no que faz?
Estou fria por dentro de medo. Estou terrivelmente
assustada, mais do que jamais estive em minha vida, e não
apenas por mim, mas por Lady Brackendale, Mary e todos
aqueles de quem gosto.
Uma risada corajosa brotou da garganta de Veronique.
Que perfeito. No entanto, pode haver seções ainda mais
reveladoras. Ela deslizou as páginas de lado e parou.
Não posso explicar as sensações que Tye despertou
dentro de mim. Quando ele me tomou em seus braços, me
beijou com tanta habilidade e ousadia, fui pega por uma
tempestade selvagem e poderosa. Uma grande tempestade de
confusão, desejo e admiração girou dentro de mim. Eu estava
com medo, mas meu coração ainda dispara quando penso
naquele momento. Tenho vergonha de como me sinto, mas
preciso de mais. Quero mais.
— Claro que você quer mais. — Veronique foi para outra
página. — Ele seduziu mais mulheres do que você pode
imaginar.
Não sei o que Tye realmente sente por mim. No entanto,
seu beijo foi exigente e surpreendentemente gentil. Isso me
confunde ainda mais. Como pode um bandido tão amargo e
implacável ser terno, especialmente para com uma mulher que
para ele não é mais do que uma prisioneira?
Certamente, há momentos em que parece que o aço em
torno de seu coração, armadura forjada de ódio e ambição, cai.
Nesses momentos, me pergunto se vejo o verdadeiro Tye, um
homem que é muito mais do que parece à primeira vista.
A mandíbula de Veronique endureceu.
Um homem com uma alma compassiva.
— Não. Não! — Veronique fechou o livro com força. Tye
não era compassivo. Ela o criou para não existir
campassividade, porque seu destino era destruir seu senhor.
Veronique olhou para o diário. Ela deveria levar para Tye
agora. Ela zombou das palavras de Claire que elogiava suas
habilidades de sedução, com Claire ali para testemunhar
tudo. Que diversão maravilhosa.
Veronique se voltou para a porta da câmara. Ao fazer
isso, outra ideia ainda mais tentadora tomou forma em seus
pensamentos. Ela tremia de excitação e antecipação de um
plano verdadeiramente maligno.
Rindo baixinho, ela colocou o livro de volta atrás da
cama e então caminhou até a porta. Alguns arranjos deviam
ser feitos, e então, Claire não seria mais uma ameaça.
Claire não gostaria de ver Tye nunca mais.
Capítulo Dezessete
Tye acabava de abrir a porta da construção principal
quando um grito soou das ameias.
— Milorde!
O grito, atravessando o pátio, parecia urgente. Os
cabelos finos arrepiaram-se na nuca de Tye. Um silêncio
imediato caiu, como se todos ao alcance da voz tivessem feito
uma pausa para ouvir o que estava acontecendo.
Ele se virou para olhar para o muro perto da casa de
guarda do portão, de onde o grito tinha se originado. Um
mercenário com uma besta acenou com o braço no ar,
determinado a chamar a atenção de Tye.
— O que é? — Tye gritou.
— Um cavaleiro, — o mercenário gritou de volta. — Ele
está se aproximando da portaria.
As mãos enluvadas de Tye se fecharam em punhos. Seu
pai soubera da captura de Wode? Ele não esperava enfrentar
seu senhor ainda, mas ainda era possível que De Lanceau
pudesse estar chegando com um exército a reboque...
Tye correu pelo chão lamacento e se dirigiu para a
guarita. Braden encontrou Tye no meio do caminho.
— Um homem? — Tye perguntou enquanto Braden
caminhava ao lado dele.
— Sim. De acordo com os mercenários, não há outros o
seguindo. Não há exércitos à vista, tampouco, de qualquer
direção.
Tye franziu a testa.
— Ele poderia ser um mensageiro, então. Talvez ele
tenha sido enviado por meu senhor.
— Ou ele pode não ter nenhuma conexão com seu pai.
— Precisamos descobrir o propósito do homem aqui,
acima de tudo, se ele é um espião.
— Quais são seus pedidos? — Braden perguntou.
— Diga a ele o que combinamos anteriormente: que Lady
Brackendale está doente e que há uma doença mortal
correndo pelo castelo. Isso significa que ninguém pode entrar
ou sair.
Braden acenou com a cabeça e desviou em direção às
escadas externas até as ameias.
— Espere, — Tye chamou.
O guerreiro mais velho hesitou e olhou para trás.
— Eu mesmo vou questionar o homem.
A cautela se infiltrou na expressão de Braden.
— Isso é sábio? Se o cavaleiro foi contratado por seu pai
para confirmar que você está aqui...
— Você estará por perto, para sinalizar aos mercenários
para feri-lo. Nós o faremos prisioneiro.
Um sorriso implacável curvou a boca de Braden.
— Concordo.
Tirando do rosto fios de cabelo despenteados pelo vento,
Tye se dirigiu para as sombras da casa de guarda do portão, o
olhar no cavaleiro agora visível através das ripas de madeira e
ferro da grade levadiça. Tye ficou observando enquanto o
jovem com a altura dos seus ombros e cabelos castanhos
claros se aproximava e parava sua montaria na margem
oposta, onde a ponte levadiça, quando baixada, pousaria no
chão.
O suor se agarrava ao pelo do cavalo cinza, indicando
que o cavaleiro havia viajado alguma distância. A mandíbula
de Tye endureceu. Se seu pai tivesse enviado esse lacaio, teria
ordenado que ele chegasse a Wode o mais rápido possível.
— Bom dia, — disse o homem aos homens nas ameias.
Então, claramente ciente de Tye, sua atenção se voltou para a
grade levadiça. Ele apertou os olhos como se estivesse
lutando contra o sol da tarde para tentar ver melhor quem
estava na escuridão atrás da barreira.
— Bom dia, — Tye chamou de volta. Os ombros do
homem eram largos sob sua capa de lã marrom. Ele usava
uma cota de malha por baixo da roupa exterior e uma espada
presa ao cinto. Ele poderia ser um cavaleiro, embora não
parecesse estar usando esporas.
— Tudo está bem? — o cavaleiro perguntou. O cavalo
soprou e deu vários passos para o lado, obviamente sentindo
a inquietação de seu mestre. — Não é comum encontrar a
ponte levadiça erguida.
— Você visita com frequência, então? — Tye perguntou,
evitando deliberadamente uma resposta direta à pergunta do
homem.
— Frequentemente, para que não me façam tal pergunta.
— A carranca do cavaleiro se aprofundou. — Quem é você?
Eu não reconheço sua voz.
— Eu sou novo, — disse Tye facilmente. — Fui
contratado da aldeia, junto com uma série de outros, quando
Lorde de Lanceau ordenou a seus homens de armas de Wode
a cavalgar com ele, não há vários dias.
O jovem considerou a resposta e então acenou com a
cabeça.
— Você vai me perdoar, — acrescentou Tye, — eu não sei
quem você é ou por que está aqui.
— Meu nome é Delwyn, — disse o cavaleiro. — Delwyn
de Lysonne. Estou aqui por Lady Claire Sevalliere.
Claire. Um aperto desagradável apertou as entranhas de
Tye. Ela disse que seu prometido estava morto, morto meses
atrás. Este rapaz era um pretendente ávido, na esperança de
conquistar o amor dela? Esperando reclamá-la como esposa?
Ele parecia ter a posição social certa, a idade certa para que
isso acontecesse.
— O que você quer com Claire?
As palavras de Tye emergiram como um rosnado, e
Delwyn recostou-se na sela, claramente surpreso com a
veemência.
— Tenho uma carta para ela, de sua irmã, Johanna. Não
foi dito para você esperar que as cartas fossem entregues?
— Não.
— Ele está mentindo, — Braden murmurou, caminhando
atrás de Tye.
Tye olhou para o guerreiro mais velho.
— Claire tem uma irmã que lhe manda cartas. Eu
mesmo as vi. — Li algumas delas também.
Braden encolheu os ombros.
— Deixe-o falar um pouco mais, então. — Ele parecia
impaciente, entretanto, para dar a ordem de que o homem
fosse ferido.
Voltando sua atenção para o cavaleiro, Tye disse:
— A carta é o único propósito de sua visita?
— Que outra razão haveria?
Braden assobiou em suspiro.
Que outra razão, na verdade, seu bastardo.
— Perdoe-me mais uma vez, — disse Tye, forçando a
calma em sua voz. A raiva havia aumentado tão facilmente,
mas aquele não era um momento para cometer erros
imprudentes. — Não é minha intenção ofender, mas
recebemos notícias de assassinos e ladrões que atacam
pessoas a várias léguas de Wode. Recebemos ordens de ser
extremamente cautelosos com visitantes nos portões.
— É sensato ser cauteloso, especialmente nestes tempos
de incerteza, — disse Delwyn. — Ainda assim, mesmo se eu
fosse um assassino ou um ladrão, o que não sou, eu sou um
homem, dificilmente uma ameaça. Se você tiver dúvidas sobre
meu honorável caráter, Claire vai atestar por mim.
— Há também outro assunto. — Era hora de me livrar
desse idiota irritante. — A doença se espalhou por Wode. Lady
Brackendale e muitos outros estão doentes e, por enquanto,
não se sabe como a doença se espalhou.
O rosto do jovem empalideceu.
— Claire? Ela está doente?
— Ela está bem, — disse Tye. — No entanto, até que a
doença tenha se esgotado ou uma cura seja encontrada,
ninguém tem permissão para entrar ou sair do castelo.
— Eu entendo. Mas...
— Essas são minhas ordens.
A preocupação cintilou nas feições de Delwyn. Ele
ajustou o aperto nas rédeas do cavalo, as mãos enluvadas
abrindo e fechando em um gesto de frustração.
— O que posso fazer para ajudar? Você precisa de
comida? Ervas curativas? Posso perguntar a milorde...
— Não há nada a ser feito por enquanto, — disse Tye. —
Temos tudo o que precisamos.
— Vou orar por uma recuperação rápida para todos os
que estão doentes, bem como uma cura a ser encontrada
rapidamente.
Um sorriso duro apareceu na boca de Tye.
— Eu que agradeço. Agora, se você gentilmente nos
permitir voltar...
— A carta, — disse Delwyn. Soltando as rédeas de seu
cavalo, ele abriu sua capa e puxou uma missiva enrolada de
seu cinto. Um selo de cera amarela brilhou contra o
pergaminho esbranquiçado.
— Recuse, — Braden gritou.
— Isso o deixará ainda mais desconfiado — respondeu
Tye em voz baixa. — Além disso, pode haver informações
nessa carta, notícias sobre o paradeiro de De Lanceau que
seria sensato saber.
— Talvez. — Braden fez uma careta. — Mas...
— Diga aos homens para baixarem a ponte levadiça.
— Tye.
— Faça. — Tye sustentou o olhar do homem mais velho.
— Ele vai me entregar a carta pela grade levadiça. Então, ele
vai embora.
Amaldiçoando em voz baixa, Braden se afastou para
entregar a ordem.
Dando um passo à frente, Tye colocou a mão enluvada
em uma ripa horizontal da grade levadiça e encontrou o olhar
de Delwyn.
— Vou levar a missiva para Claire. A ponte levadiça está
sendo baixada agora, então você pode cavalgar e me entregar
a carta. A grade levadiça permanecerá no lugar.
— Concordo. — O alívio suavizou as feições de Delwyn.
Com o rangido e o gemido de ferragens, a ponte levadiça
baixou sobre o fosso. Um baque áspero ecoou, o som da
plataforma se acomodando na terra coberta de neve.
Os cascos da montaria de Delwyn batiam nas pranchas
enquanto ele cavalgava. Ele parou ao lado da grade levadiça.
Inclinando-se, ele empurrou a missiva pelas ripas. O
pergaminho raspou na barreira e então foi passada as mãos
de Tye.
Ele encontrou o olhar de Delwyn, uma confirmação
silenciosa de que sua troca estava completa. O jovem acenou
com a cabeça. Então seus olhos se estreitaram e ele estudou
o rosto de Tye antes de se afastar e se endireitar na sela.
— Dê meus cumprimentos a Claire, — disse Delwyn. —
Diga a ela que a veremos em breve.
***
Tye esperou até que Delwyn tivesse cavalgado na metade
da estrada que dava para Wode. Tocando a missiva ainda
lacrada contra a palma da mão aberta, e convencido de que o
rapaz estava bem fora do alcance da voz, Tye se virou para
Braden, ainda parado nas sombras.
— Eu quero que você o siga por um ou dois dias.
Um sorriso malicioso alargou a boca de Braden.
— Eu ficarei feliz em fazê-lo.
— Eu quero saber para onde ele vai a seguir, o que faz,
quem encontra. Precisamos saber com certeza se ele está se
reportando ao meu senhor.
— Vou selar meu cavalo e seguir meu caminho.
— Além disso, faça algumas investigações discretas nas
aldeias locais. Descubra o que puder sobre o paradeiro de
meu pai. Mas cuidado. Se meu senhor souber que você
ajudou a mim e minha mãe a escapar da prisão no verão
passado, será um homem procurado.
Braden soprou e pousou a mão no punho da espada.
— Eu o iludi até agora. Além disso, posso lutar melhor
do que a maioria dos cavaleiros. Eu não estou preocupado.
— Muito bem. Relate para mim assim que tiver
novidades.
— Concordo. — A expressão do homem mais velho
tornou-se presunçosa. — Verdade seja dita, estou feliz por ter
um motivo para deixar o castelo por um tempo.
— Por quê?
— Eu dei a sua mãe algo em que pensar esta manhã.
Minha ausência... — Determinação e travessura brilharam
nos olhos de Braden. — Com sorte, minha ausência a
incentivará a me dar uma resposta.
— Resposta? — A julgar pelas marcas vermelhas de
mordidas e arranhões no pescoço de Braden, Tye quase não
queria saber a natureza do que havia sido discutido. Se de
alguma forma se tratava dos planos para Wode, ele queria
saber todos os detalhes.
Braden apenas sorriu e caminhou para os estábulos.
Capítulo Dezoito
Três batidas rápidas na porta de seu quarto fizeram
Claire se endireitar sobre seu baú, onde ela estava
procurando por uma camisa mais grossa para usar na cama.
A noite havia caído e a brisa que entrava pelas venezianas
fechadas prometia uma forte geada durante a noite.
Depois de jantar com Mary no salão mais cedo, ela foi
escoltada de volta para seu quarto, onde passou o resto da
tarde, dividida entre momentos de tédio absoluto e
preocupação terrível. Depois de escrever outra entrada em
seu diário e terminar o vinho que sobrou em seu quarto, ela
decidiu ir para a cama. Uma boa noite de sono, se seus
pensamentos se desfizessem o suficiente para deixá-la dormir,
faria maravilhas para acalmar seus nervos. Com sorte, a
quantidade de vinho mais do que o normal que ela bebeu a
ajudaria a descansar também.
Com a batida na porta, porém, seus planos para esta
noite poderiam mudar. Talvez ela fosse levada para o quarto
de Lady Brackendale novamente?
Sem se mover do baú, Claire observou a porta. Ela sabia
que Tye estava do lado de fora, porque reconheceu sua voz
quando ele se dirigiu aos guardas.
Ela esperou que a porta se abrisse, que Tye entrasse com
sua habitual arrogância arrogante.
A porta não se mexeu.
Que curioso. Da última vez, ele não esperou por seu
aviso para entrar; ele apenas fez o que quis. Tye realmente
atendeu ao que ela disse a ele sobre a nobre cortesia? Que
desenvolvimento surpreendente.
— Entre, — ela disse.
O painel abriu imediatamente para dentro e Tye entrou
em seu quarto. Ele vestia uma túnica de lã azul como a meia-
noite que ia até os joelhos, chausses e botas de couro pretas.
Com o cabelo preso em uma mecha elegante, os ângulos
sensuais de suas maçãs do rosto eram ainda mais
pronunciados.
Santa Mãe Maria, mas ele era magnífico. Ele roubou seu
fôlego.
Ela ficou subitamente instável em seus pés. Com um
suspiro estrangulado, ela pressionou a mão direita contra o
esterno, onde sua pulsação latejava em altas batidas.
— Eu assustei você, Gatinha? Você explicou antes que
era apropriado um homem bater...
— Eu sei, e você fez exatamente a coisa certa. Obrigada.
— Quando seu sorriso se alargou de prazer, ela desejou não
ter bebido tanto vinho. Não ajudava em nada o fato de ela se
sentir um pouco tonta. — Você não me assustou. Eu estava...
recuperando o fôlego.
— Eu entendo. — Ele estudou o baú aberto. —
Encontrou o que procurava?
— Sim. — Ela se abaixou, enfiou a mão por baixo de
uma pilha de vestidos de seda e tirou uma camisa do baú. A
tampa caiu de volta no lugar com um sonoro estrondo.
— Bom. Então você está livre para vir comigo.
— Oh, por quê? — Ela não teve a intenção de responder
tão rapidamente, ou soar tão inquieta. Não havia vantagem
em revelar que ele a intimidava, não apenas com suas
demandas, mas com sua sensualidade crua que ainda
tornava a respiração mais difícil do que o normal. Sem
dúvida, o vinho aquecendo suas entranhas também era o
culpado por sua intensa reação a ele. Se ao menos ela tivesse
sido mais sensata.
O sorriso preguiçoso de Tye causou uma sensação de
vibração em seu estômago.
— Eu só queria conversar. Certamente não há mal
nisso?
— De jeito nenhum. — Fale. Ela poderia fazer isso. Claro
que ela poderia, mesmo se ele fosse o homem mais
devastadoramente bonito que ela já conheceu, um canalha
que a beijou com habilidade requintada e insinuou que queria
mais dela.
Possivelmente esta noite ele exigirá mais, sua consciência
sussurrou. Você está realmente disposta a confiar nele? Você
tem coragem?
Ela foi até a cama e colocou a camisa, feliz por sua mão
firme não revelar sua ansiedade. Então, ela caminhou até
Tye. Ele gesticulou para que Claire saísse da câmara, e ela
passou por ele e saiu para o corredor, fazendo o possível para
ignorar seu olhar ardente viajando sobre ela.
— O que você deseja discutir? — ela perguntou quando
ele caminhou ao lado dela.
— Eu vou te dizer quando chegarmos ao grande salão.
O salão. Um suspiro silencioso de alívio percorreu seu
corpo. Haveria muitas outras pessoas lá. Pelo menos ele não a
estava levando a algum lugar isolado, como seu solar.
Eles chegaram ao patamar e, com curiosa galanteria, ele
gesticulou para que ela descesse as escadas para o salão na
frente dele. A maioria das mesas da refeição noturna tinham
sidos limpas e colocadas contra as paredes, dando espaço
para os criados colocarem seus colchões de palha para dormir
durante a noite. Três mesas haviam sido deixadas perto do
estrado, e mercenários sentaram-se nelas. Cinco bandidos
lançam apostas em um jogo entre dois competidores
corpulentos. Em outra mesa, quatro homens bebiam,
conversavam e riam, sem se importar em acautelar sua
linguagem rude ou abaixar suas vozes.
Enquanto o olhar de Claire percorria o salão, ela viu que
a maioria das tochas de junco ao longo das paredes distantes
haviam sido apagadas. Crianças dormiam no canto escuro,
vários cachorros deitados ao lado de seus catres.
Tye apontou para a lareira. Um fogo ardia, seu brilho
dourado quente e convidativo. Duas cadeiras de espaldar alto
foram empurradas para o lado da lareira. Uma mesa
aninhada entre elas, posta com uma jarra de vinho, duas
taças e um prato com duas fatias grossas de bolo.
— Por favor. Sente-se, — disse Tye.
Ela o fez, sentando-se perto da borda da cadeira. O leve
cheiro de gengibre flutuou sobre o cheiro forte de fumaça de
madeira. Aquilo era bolo de gengibre no prato? O bolo especial
da cozinheira, feito com uma receita que havia sido
transmitida às mulheres da família da Cozinheira? O favorito
de Claire? Como Tye conseguiu isso e por que ele se
incomodou?
Você sabe porquê. Esta noite, ele exigirá mais, sua
consciência provocou.
Lutando contra uma nova onda de tontura junto com um
formigamento de pavor, sim, era certamente pavor, não
excitação, Claire juntou as mãos umedecidas de suor no colo.
Ele poderia exigir mais, mas ela o recusaria. Seria preciso
muito mais do que um pedaço de bolo para convencê-la.
Tye se deixou cair na outra cadeira, encostou-se no
encosto esculpido e apoiou o pé esquerdo com a bota de lado
no joelho direito, uma postura que o fez parecer relaxado e
controlado. Os dedos de sua mão esquerda percorreram o
braço liso e polido da cadeira; as pequenas e deliberadas
carícias despertaram a imagem dele acariciando sua pele nua
com as pontas dos dedos.
Claire olhou fixamente para o fogo e tentou se lembrar
quantos pares de sapatos havia em seu baú. Contar ajudaria
a controlar seus pensamentos devassos.
— Você está pronta para fugir, eu vejo.
— Fugir? — Ela apertou as mãos com mais força. — Não.
— Como disse antes, desejo apenas conversar. Qualquer
coisa a mais exigiria uma superfície muito mais macia abaixo
de você do que uma cadeira de madeira.
Misericórdia. Quando Tye dizia coisas como essas,
certamente não ajudava.
— Você fala muito descaradamente esta noite, meu
senhor.
— Todas as noites, na verdade.
Provavelmente era verdade. Ela sorriu, enquanto o cheiro
de bolo a provocava. Que vergonha que sua boca se encheu
de água com a lembrança do sabor da iguaria úmida e
picante.
— Você gostaria de um pouco de bolo?
Oh, certamente queria, mas ela não deve parecer muito
ansiosa.
— De que tipo é isto?
Seu sorriso não vacilou, como se soubesse exatamente
por que ela estava demorando em tomar sua porção.
— É bolo de gengibre, com bastante passas. A cozinheira
mencionou que este é um dos seus favoritos. Eu sei que você
também gosta de tortas de maçã com creme e...
— Você esteve discutindo sobre mim com cozinheira?
— Não você em particular. — Ele pegou o prato e
ofereceu a ela. Claire demorou mais um momento, e então
não conseguiu mais lutar contra a tentação. Ela pegou a fatia
de bolo mais próxima. Ela mordeu, suspirando quando os
sabores picantes e doces caíram em sua boca. Tye pegou o
outro pedaço, deu uma mordida e mastigou. — Muito bom, —
ele murmurou.
— Mmm. — Claire concordou. Com o canto do olho, ela o
observou comer. Ele não enfiou o bolo na boca para engoli-lo,
mas comeu um bocado de cada vez, saboreando-o. Quando a
língua dele deslizou para lamber uma migalha do canto da
boca, sua mente imediatamente voltou ao dia em seu quarto
quando ele lambeu a colher, repetidas vezes da maneira mais
pecaminosa. Ela lutou para manter seus pensamentos sob
controle. — Você estava dizendo? — ela finalmente perguntou.
— Sobre a cozinheira?
— Visitei a cozinha ontem para ver em que estado
estava, — respondeu Tye. — Ela falou sem parar sobre o
vazamento no telhado de palha perto da parede dos fundos,
lamentou seus tachos e panelas desgastados e apontou a
necessidade de novas prateleiras para a despensa. Na opinião
dela, a cozinha não é o padrão que deveria ser para um
castelo deste tamanho e fama. Ela insistiu que poderia fazer
pratos muito mais finos com utensílios de cozinha melhores.
Lutando contra uma pontada de arrependimento, Claire
engoliu outro pedaço do bolo. A cozinheira vinha pedindo a
Lady Brackendale há meses para consertar o telhado e novas
panelas e frigideiras. A sua senhoria prometera tratar do
assunto, mas apanhada na dor e no desespero, nada fizera.
— Prometi a cozinheira que assim que Wode for
formalmente concedido a mim, vou consertar a palha e
comprar para ela todos os utensílios de cozinha de que
precisar. Pude ver que ela estava encantada, embora tentasse
continuar com o estratagema de ficar indignada com a minha
aquisição aqui. Hoje, quando passei pela cozinha, ela me
presenteou com o bolo de gengibre. Ela mal sorriu quando
empurrou o prato para mim, mas pude ver que queria que eu
provasse. — Terminado de comer seu bolo, ele limpou as
migalhas da túnica. — Eu fiz o meu melhor para soar grato
por seus talentos. Se eu tiver sorte, ela pode me surpreender
com outra guloseima amanhã.
Com um suspiro, Claire terminou o resto de sua fatia.
— Você não é apenas ousado, mas tortuoso, — disse ela,
lambendo um pedaço de bolo de seu dedo.
— Às vezes, é necessário ser tortuoso. Isso me levou a
Wode, e estou aqui para ficar. — Tye observou sua língua
deslizar sobre sua pele. Seu olhar escureceu e se encheu de
uma fome que a fez largar rapidamente a mão de volta em seu
colo.
— Conte-me sobre Delwyn de Lysonne, Claire.
Seus olhos se arregalaram.
— Como você sabe sobre ele?
— Ele chegou aos portões do castelo hoje cedo. Ele
trouxe uma carta de sua irmã.
Claire mal conseguia conter sua alegria.
— Johanna é muito boa em enviar cartas. Ela deve ter
percebido, com a tempestade de neve, que eu ainda estava em
Wode...
— Ainda em Wode? Você não mora aqui sob a guarda de
Lady Brackendale?
— Eu moro. No entanto, decidi semanas atrás, por...
motivos pessoais, deixar Wode e ir morar com minha tia. Eu
deveria viajar para sua fortaleza, desde que o tempo estivesse
bom, no dia do cerco.
— Sorte minha, então, que a neve caiu e eu escolhi
aquele dia para atacar, — disse Tye com uma piscadela.
Sorte? Misericórdia. Tentando ignorar uma sensação
inadequada de prazer, Claire disse: — Devo escrever para
Johanna. Assim que a situação em Wode estiver resolvida, é
claro.
Tye assentiu, mas o ardor penetrante de seu olhar não
diminuiu.
— Você não respondeu minha pergunta ainda. Delwyn...
— Ele é um amigo, um escudeiro da fortaleza onde
Johanna vive como protegida.
— Ele falou com ternura de você.
— Eu o conheço desde que éramos crianças. Ele
entregou todas as cartas da minha irmã.
A tensão de repente pareceu definir a postura de Tye.
— Ele está cortejando você?
Uma risada chocada borbulhou de Claire.
— Não.
— Ele parecia o homem perfeito para chamar sua
atenção. Jovem, bonito e de boa linhagem nobre.
À luz bruxuleante e às sombras do fogo, as feições de Tye
pareciam talhadas na pedra. Se ela não soubesse melhor,
pensaria que ele estava com ciúmes.
— Se Delwyn está cortejando alguém, — disse ela, —
espero que seja Johanna.
O olhar de Tye não vacilou. Nem mesmo um piscar de
seus cílios.
— Sempre achei que ele e Johanna combinavam bem.
Eles têm quase a mesma idade. Eles compartilham muitos
amigos. Eu incentivei minha irmã a aceitar seus avanços e
acredito que tive sucesso.
— É a verdade?
— Se você leu minhas cartas e de Johanna, como afirma
ter feito, então sabe que estou dizendo a verdade.
O silêncio entre eles persistiu, marcado pelos estalos e
assobios do fogo. Então, Tye sorriu. Seu sorriso torto
continha um charme tão devastador que a cabeça de Claire
girou. Ela ainda devia estar sentindo os efeitos do vinho que
bebeu há pouco, ou Tye era inteiramente responsável por sua
tontura. Ela agarrou um braço da cadeira para se equilibrar.
— Eu li apenas algumas de suas cartas, — ele finalmente
disse. — Como você sabe, tem havido muito a realizar nos
últimos dias. — Antes que Claire pudesse dizer uma palavra,
ele acrescentou baixinho: — Eu também leio devagar. Demoro
um pouco para entender as palavras.
Era uma admissão rara de um homem tão orgulhoso.
— Se posso perguntar, quem te ensinou a ler? Não é
comum para... — um homem de sua laia, seus pensamentos
continuaram. Mas ela não queria ofendê-lo. Não quando ela
teve a oportunidade ideal de descobrir mais sobre ele.
Franzindo a testa, ela tentou encontrar as palavras certas.
— Para um patife e um bastardo, você quer dizer?
Ela mordeu o lábio.
— Eu não quis dizer...
— Se você quer saber, uma rica viúva francesa me
ensinou. Seu nome era Georgette. Eu era seu amante quando
muito mais jovem, um papel que gostei muito e vivi ao
máximo.
A julgar por seu sorriso imprudente e o brilho
provocador em seus olhos, Tye esperava chocá-la. Ele tinha
conseguido. Ainda assim, Claire não podia ignorar uma
pontada de tristeza, por saber que ele tinha sido o brinquedo
de uma mulher rica e sujeito a seus caprichos. Ele se
permitiu ser usado de tal forma porque acreditava que não
tinha outra escolha na vida? Talvez ele precisasse
desesperadamente da generosidade de Georgette para comer e
ter um lugar para dormir. Claire não deveria se importar em
saber seus motivos, mas ela sim.
— À tarde, — disse ele, — depois de ter satisfeito todos
os seus desejos, Georgette gostava de sentar-se na cama,
abrir uma página de um livro e me ensinar as palavras. Ela
tinha uma pequena coleção de tomos encadernados em couro
que se tornaram seus depois que seu marido, um comerciante
de especiarias, morreu. Ela me disse que ensinar-me a ler foi
seu presente para mim. Ela disse que a habilidade de leitura
do marido o ajudou a negociar com compradores menos que
honrados, que acrescentaram cláusulas aos contratos sem
avisá-lo de antemão. Ele foi capaz de apontar os acréscimos e
corrigir os documentos. Da mesma forma, ela insistiu que
saber ler me ajudaria a evitar negócios desfavoráveis em
minha vida. Se eu quisesse, poderia me tornar mais do que
uma mera espada de aluguel.
Georgette obviamente gostava de Tye, caso contrário, ela
não se daria ao trabalho de ensiná-lo.
— Há quanto tempo foi isso? — Claire perguntou. —
Você ainda mantém contato com ela?
Seu sorriso foi tingido de pesar.
— Ela morreu. Ela pegou uma tosse que piorou e não ia
embora, não importa o quanto ela gastasse em visitas da
curandeira local e em cataplasmas de mau cheiro. Em seus
últimos dias, eu simplesmente a segurei, deitada ao lado dela
na cama, enquanto ela estremecia e tossia. Ela morreu em
meus braços.
— Eu sinto muito, — Claire sussurrou.
— Eu também. Não vou esquecê-la tão cedo. — Ele
balançou a cabeça, como se quisesse sair daquele momento
triste. — Desde que ela faleceu, não passei muito tempo
praticando minha leitura. É por isso que ainda sou lento.
— Você leu a carta de Johanna que chegou hoje? —
Claire perguntou. Ela não tinha visto ainda. Talvez ele
pretendesse mantê-la, junto com as outras que havia
confiscado, em vez de dá-la a ela.
— Sim. — Ele estendeu a mão para o quadril, levantou a
ponta da túnica e retirou um pergaminho enrolado enfiado no
cinto da chausses. Ele entregou a carta a ela.
Seus dedos se fecharam em torno do pergaminho,
aquecidos por seu corpo. A borda quebrada do selo de cera
tocou sua palma. Ela deveria estar com raiva por ele ter lido
primeiro. Afinal...
— Eu precisava ter certeza de que a carta não era um
estratagema, — respondeu Tye, sem uma pitada de
desculpas. — Além disso, podia ter notícias do meu pai.
Ela colocou a carta no colo.
— Tinha?
— Não.
— Então você leu minha correspondência pessoal em
vão.
— Eu discordo, Gatinha. Aprendi sobre os vestidos novos
que sua irmã comprou em uma loja na vila próxima e os
quatro pares de sapatos que ela comprou para usar com eles.
Claire deu uma risadinha.
— Ela gosta de fazer compras.
Tye revirou os olhos.
— E continuou falando sobre a cor e o design de suas
compras. — Enquanto a risada de Claire desaparecia, ele se
inclinou para frente, pegou a jarra de vinho e derramou um
pouco do líquido vermelho escuro em uma taça. Ele entregou
a ela.
— Obrigada. — Ela não bebia muito; já estava tonta o
suficiente. No entanto, demoraria tanto quanto pudesse com
Tye, pois era uma mudança bem-vinda da solidão de seu
quarto. Conversando com ele, ela também colheria novos
detalhes sobre ele para incluir no diário.
Ela deu um gole na taça. A bebida não era vinho, como
ela esperava, mas um licor picante e frutado.
— Bom? — Tye perguntou, tomando um gole também.
— Delicioso. O que é?
— Licor de Blackberry. Eu encontrei no porão.
Ela parou, a taça a meio caminho de seus lábios. Seu
estômago deu um nó. Repreendendo-se silenciosamente por
seu choque óbvio, ela levou o recipiente à boca e bebeu.
— O depósito abaixo do castelo? — ela perguntou,
orgulhosa que sua voz não vacilou.
As sobrancelhas escuras de Tye se ergueram.
— Tem outro?
Ela riu, com mais entusiasmo que pretendia.
— Só existe um. Porém, se Lorde Brackendale tivesse
conseguido convencer sua senhoria do contrário, teriam
havido várias. Ele amava seus licores. Ele comprou a maioria
de um mosteiro a algumas léguas daqui. Os monges usam as
frutas cultivadas em seus jardins e pomares para fazer vinhos
e licores, que vendem em uma barraca no mercado local. Seu
senhorio tinha acumulado uma boa coleção.
— De fato, ele tinha.
Depois de engolir outro gole, Claire olhou para a taça.
Enquanto suas entranhas se esquentavam com a bebida
potente, a tristeza a puxava, pois sentia falta de seu senhorio:
seu riso ruidoso, sua gentileza e seu irônico senso de humor.
Ela não conseguia imaginá-lo muito satisfeito por um de seus
valiosos e caros licores ter sido aberto e apreciado por um
canalha que havia confiscado o castelo.
Ciente de que Tye a estava observando, ela olhou para
cima, um pouco rápido demais. Sua cabeça girou por um
momento antes de sua visão clarear, mas o nó em sua barriga
permaneceu. Se ele esteve no porão, poderia ter descoberto a
porta oculta. Ela tinha que descobrir, e de uma forma que
não o alertasse para o fato de que a quarto era mais do que
um lugar para armazenar bebidas.
Apertando mais a haste do cálice, ela perguntou:
— O que mais você encontrou no porão?
— Barris de cerveja. Barris de vinho. — Ele encolheu os
ombros. — Muitas teias de aranha também.
Ele não mencionou a porta secreta. Ele tinha encontrado
ou não? Claire se esforçou para pensar em uma maneira de
continuar seu questionamento e não deixá-lo desconfiado.
— Por que você está tão curiosa sobre o depósito? —
Perguntou Tye.
Ai, meu Deus. Forçando um encolher de ombros
descuidado, ela disse:
— Nenhuma razão em particular. Eu só estive lá uma
vez. Ainda existem algumas câmaras na fortaleza que não
visitei.
— Eu vi a maioria delas. — Seu tom endureceu, como
em advertência. Ele estava dizendo sutilmente que sabia
sobre a porta do porão e que se ela esperava escapar por lá,
esse plano não funcionaria?
A tontura a provocou novamente. O que quer que ele
estivesse pensando, ela deve convencê-lo do contrário.
— Um lorde precisa conhecer cada câmara de sua
fortaleza. Da mesma forma, ele deve conhecer a história de
sua fortaleza, desde o dia em que os pedreiros começaram a
construí-la.
Estendendo a mão, Tye pegou a jarra de vinho.
— Eu conheço a história de Wode.
— Você conhece?
Seus lábios se estreitaram.
— As partes que importam para mim.
Um alarme de cautela a percorreu. E, no entanto, ela
não conseguia evitar que as palavras saíssem de sua boca.
— Essas partes, com certeza, significam mais quando
consideradas como partes do todo.
Enquanto se servia de mais licor, ele fez uma pausa. A
taça de vinho pairou, a luz do fogo brilhando na superfície de
prata gravada.
— Conheço a história desta fortaleza como se fosse uma
tapeçaria, — disse ela. — Se algum dos fios estiver faltando,
ou se houver furos no tecido, a tapeçaria está incompleta.
Ele terminou de encher sua taça e ofereceu mais licor
para ela. Ela balançou a cabeça. Ele largou o jarro, a tensão
não deixando suas feições; sua mão apoiada no braço de sua
cadeira se fechou em um punho.
— Você fala da história deste lugar como se cada ano
fosse significativo, — disse ele.
— Exatamente correto. Cada ano tem contribuído para
fazer desta fortaleza o que é hoje.
Ele zombou.
— O que importa para mim, tudo o que importa, é que
Wode pertencia ao meu pai. Eu o conquistei. Eu ganhei
através da vitória na batalha. É meu agora, e continuará
sendo meu. Não acredite que há mais, Gatinha, pois não há.

***
Com os braços cruzados, Veronique encostou-se à
parede nas sombras escuras dentro do edifício, fora da vista
do povo no salão. Ela observou Tye e a bela sentada com pose
majestosa perto dele, seu cabelo brilhando como o ouro mais
puro à luz do fogo e sua pele tão clara quanto neve fresca.
A inveja se desenrolou dentro de Veronique como uma
víbora acordada. Ela examinou o vestido de Claire, notando
cada curva feminina e inchaço sob o tecido de boa qualidade.
Uma vez, anos atrás, a figura de Veronique tinha sido notável,
seus seios altos e firmes, sua cintura pequena, seus quadris
generosos, bem diferente de seu corpo envelhecido agora que
fluía, doía e exigia um cuidado extraordinário com loções,
poções de ervas e horríveis tônicos que a faziam vomitar e
deixavam sua boca queimando com o gosto de maçã podre.
Mas sua beleza, envelhecida ou não, era a única coisa que
Veronique nunca abandonaria, independentemente do custo.
Qualquer custo.
A boca de Veronique se torceu enquanto Tye sorria para
Claire. Sem dúvida, ele estava cortejando a cadelinha,
cortejando-a com uma bebida, civilidade e indulgente junto ao
fogo, como se tivessem muito em comum, o que não tinham.
Tye foi sábio por ter enviado Braden para obter notícias
do paradeiro de De Lanceau; essas informações foram
cruciais para sua vitória e conquista do espólio que todos
mereciam. Nesse ínterim, porém, Tye deveria estar tramando,
armando, deleitando-se com sua raiva e a vingança que logo
seria sua, e não seduzindo uma virgem. Tal perseguição
poderia fazer com que Tye se tornasse descuidado e fraco.
Veronique simplesmente não permitiria, não quando ela tinha
investido tanto, sacrificado tanto, ano após ano para garantir
que Tye se tornasse o guerreiro forte para esmagar seu
senhor.
Claire poderia inclinar a cabeça timidamente e lançar
olhares discretos para o corpo musculoso de Tye, mas ela
apenas olharia. Ela poderia secretamente cobiçá-lo, mas ela
não deitaria com ele, não voluntariamente. Não iria despojar
de seu precioso corpo nobre, assim como ela não fornicaria
com os idiotas que limpavam os estábulos.
Uma risada perversa cresceu dentro de Veronique, pois
ela poderia, e iria, dar a Tye o que ele queria. Hoje à noite, ele
teria seu caminho com Claire. Então, em vez de ansiar por
ela, perceberia que o que ele ansiava não valia todo o esforço.
Era uma lição que o traria de volta sob o controle de
Veronique, focado mais uma vez na luta que se aproximava,
na qual ele destruiria seu pai e reivindicaria tudo.
Os dedos de Veronique deslizaram para a bainha da
manga do vestido. Ela tocou levemente a adaga enfiada ali,
bem como o pequeno frasco de vidro. O frasco tinha aparecido
perto da abertura em sua manga, e ela se certificou de que
estava posicionado onde queria antes de sair das sombras.
Com passadas soltas, Veronique caminhou até a lareira.
À luz do fogo, a expressão de Tye se endureceu. Ele
claramente não gostou do que Claire estava dizendo. A
presunção percorreu Veronique, pois aquela raiva era um
bom sinal. Ela sabia muito bem como a raiva de um homem
podia ser persuadida, manipulada e, com implacável
paciência, transformada em paixão acalorada que exigia uma
união vigorosa para amenizá-la. Anos atrás, ela usou o desejo
de vingança de Geoffrey contra Lorde Arthur Brackendale
para transformar sua fúria em uma paixão feroz; a lembrança
daquela paixão ainda tinha o poder de fazer seu útero se
contrair e seus seios doerem. Esta noite, ela transformaria a
fúria de Tye em uma luxúria poderosa e inegável.
Claire a viu primeiro. Seus olhos azuis se arregalaram.
Isso era medo na expressão de Claire? Ela deveria estar
com medo.
Tye fez uma pausa no meio do que estava dizendo.
— Mãe.
— Tye. — Veronique parou perto da mesa. — Você está
saboreando uma bebida perto do fogo, pelo que vejo.
— Estamos. O que você quer esta noite?
Se ele soubesse.
— Na verdade, eu esperava encontrar você.
— Ah. E?
A atenção de Veronique se voltou para Claire, sentada
tão ereta quanto um poste de cerca. Seu rosto estava um
pouco corado, mas então, sentar-se daquela forma ridícula
deixaria qualquer mulher desconfortável.
— Um dos mercenários está afiando minhas adagas para
mim. Quero ter certeza de que estou pronta para a batalha
quando seu pai chegar. Quer que eu veja se suas adagas
também estão afiadas?
Ele a estudou por um momento e então acenou com a
cabeça.
— Uma ideia inteligente.
— Posso ir ao solar e buscar suas adagas? Presumo que
ainda estejam na sua bolsa de selim, onde normalmente as
guarda?
— Sim, você pode ir para o solar. E sim, as adagas estão
lá. As adagas são tudo o que você pode tirar de meu quarto,
no entanto, — ele disse, suas palavras claramente um aviso.
Ele suavizou sua ameaça com um sorriso. — Ainda estou
refletindo sobre minha estratégia para a batalha pela frente e,
como sei onde coloquei os itens de que preciso, eles devem
permanecer em seus lugares.
Em outras palavras, Tye não queria que ela se
intrometesse em nenhum de seus pertences, incluindo o que
ele havia tirado do quarto de Claire. Maldito seja. Ele a
conhecia muito bem, pois esses eram exatamente os itens que
ela adoraria pegar emprestado por uma noite e devorar lendo.
Elas sem dúvida seriam deliciosamente divertidas,
considerando o que Veronique havia lido no diário de Claire.
— Eu entendo, — disse Veronique, seu tom educado,
apesar de seu aborrecimento.
— Bom.
Sua resposta brusca provou que ele queria parecer
totalmente no controle da conversa, provavelmente para
impressionar Claire. O desafio atingiu o autocontrole de
Veronique, mas ela conseguiu manter o sorriso agradável e a
expressão calma. Movendo sutilmente os dedos, ela tirou o
frasco da manga e colocou escondida na palma da mão.
— Sua jarra está quase vazia, — ela observou. — Essa é
a garrafa de bebida? — Ela apontou para o jarro de barro que
estava no chão ao lado direito da perna direita da mesa.
Tye se acomodou em sua cadeira.
— Eu irei...
— Não se incomode. Permita-me.
Tye parecia prestes a protestar. Recusando-se a deixar
seu sorriso escapar, Veronique se curvou e puxou o jarro para
ela. Ela rapidamente puxou a rolha do jarro, derramou o
líquido do frasco escondido na palma da mão e o empurrou de
volta em sua manga, em seguida, levantou-se com um
grunhido abafado de esforço. Ela despejou mais da bebida de
cor carmesim no jarro que estava sobre a mesa e então
encheu as duas taças.
— Pronto, — disse ela, sua tarefa concluída.
— Obrigado, mãe.
— Fiquei feliz em ajudar. — Na verdade, ela estava
encantada, pois seu plano tinha sido muito mais fácil de
executar do que ela esperava. Nem ele nem Claire poderiam
ter visto ela drogar a bebida; a mesa bloqueava sua visão. —
Você é o senhor desta fortaleza. Você não deveria servir sua
própria bebida. Essa tarefa está abaixo de você agora. —
Captando o olhar de Claire, Veronique sorriu.
Claire baixou o olhar.
Você deve ter medo de segurar meu olhar, vadia. Basta
você esperar.
— Agora, — disse Veronique, afastando-se, — vou cuidar
dessas adagas.
Capítulo Dezenove
Esfregando o polegar na lateral da taça, Tye observou a
mãe subir as escadas. Ela estava planejando. Disso, ele tinha
certeza.
O que quer que ela estivesse planejando, ele descobriria.
Ela podia acreditar que reinava livremente aqui em Wode,
mas com a vitória dele sobre o pai tão perto, a última coisa
que ele precisava era que ela fizesse algo inesperado.
— Você já falou com ela sobre Lorde de Lanceau? —
Claire perguntou, sua voz interrompendo seus pensamentos.
Tye arrancou o olhar de sua mãe.
— Eu falei.
— Tudo o que você sabe sobre ele veio dela?
— Quase tudo. O resto eu recolhi de lendas e boatos. Por
que você pergunta?
— É possível que…? — Claire hesitou, claramente
escolhendo suas palavras com cuidado. Seu olhar se fixou em
sua boca, pois doía de desejo de beijá-la. Ela teria gosto de
licor e bolo, e uma centena de outras doces tentações. — O
que quero dizer é que ela obviamente odeia seu senhor.
— Nós dois odiamos.
— Ela poderia... poderia ter mentido para você sobre ele?
— Mentido? — ele rosnou.
A garganta de Claire engoliu em seco, mas ela sustentou
seu olhar e assentiu.
— Mentido sobre o quê? — As palavras saíram dos lábios
de Tye como lascas de gelo. A maioria dos homens adultos
teria recuado imediatamente de seu interrogatório, mas sua
pequena gatinha teimosa apenas ergueu o queixo mais alto.
— Mentido para você, — ela se aventurou, — que seu
senhor... nunca te quis. Que ele se recusou a aceitar você.
Você deve admitir, seria uma vantagem para ela...
— Ele se recusou a me aceitar, na frente de seus
próprios homens.
— Eu entendo. — Ela falou tão baixo que ele quase não a
ouviu por cima do fogo. À luz inconstante, sua pele parecia
úmida e macia. Ele desejava tocar sua bochecha, sentir sua
pele contra a dele, fazer seu corpo derreter contra ele em um
beijo apaixonado. Ele ansiava por senti-la em seus braços.
— Quando essa recusa aconteceu? — ela perguntou.
Arrastando seus pensamentos rebeldes de volta à
conversa, ele disse:
— Eu era apenas um menino. Minha mãe tinha marcado
um encontro com meu pai, para me apresentar e fazer com
que ele me reconhecesse. De Lanceau chegou ao campo com
um pequeno exército, determinado a prender minha mãe.
— Prender ela? Há mais entre seu senhor e Veronique do
que apenas um lorde rejeitando sua ex-amante, então.
Tye encolheu os ombros.
— De Lanceau escapou por pouco de ser envenenado
anos atrás por minha mãe, quando se recuperava de um
grave ferimento causado por uma seta de besta. No entanto,
isso não é relevante para ele me reconhecer como seu filho.
— Verdade. Você pode ver, no entanto, por que ele pôde
hesitar em acreditar nas afirmações dela, especialmente uma
tão importante quanto você ser filho dele.
Ossos de Deus, mas ela falou tão calmamente, tão
racionalmente, como se tivesse todo o direito de defender as
ações condenáveis de Lanceau.
— O que quer que houvesse entre os dois, meu senhor
esperava terminar no dia do encontro. Ele pretendia matar
minha mãe. Quando ele me viu, percebeu que também
deveria me eliminar.
Claire respirou fundo.
— Você não pode querer dizer...
Tye sorriu friamente.
— Ele me queria morto.
— Nunca! Lorde de Lanceau é conhecida por adorar
crianças.
— Mas não a dele — zombou Tye. — Não a mim, seu
bastardo, nascido da cortesã que ele deixou de lado.
— Escute a si mesmo! Você realmente acredita que ele
pretendia te matar? Um menino inocente? Uma criança
indefesa? — A voz de Claire ficou mais aguda com repulsa.
— Por que não? Então eu não cresceria para ser uma
ameaça para ele ou sua família bem respeitada.
Os olhos de Claire brilharam à luz do fogo.
— Foi isso que sua mãe lhe disse?
— Ela disse.
— Eu pensei que sim.
A rejeição no tom de Claire o trouxe para frente em uma
onda de irritação, os braços apoiados nos joelhos. Ele
embalou sua taça em seus dedos enquanto dizia com firmeza:
— Devo minha vida a minha mãe.
— Tye...
— Ela me salvou da morte certa naquele dia. Ela se
recusou a me entregar a de Lanceau ou a permitir que ele me
tirasse dela à força. Minha mãe me protegeu, fugiu da
Inglaterra para me manter seguro, me criou e garantiu que eu
fosse treinado para me defender. Eu devo tudo a ela.
— Ela fez tudo o que você mencionou. Mas...
— Mas? Ela me fez quem eu sou agora. E agora, estou
pronto para receber o que me é devido.
Claire balançou a cabeça e olhou para sua bebida. A
irritação fervilhando dentro de Tye queimou mais quente.
— Meu senhor não terá o prazer de me matar. Ele
descobrirá que sou um oponente muito mais forte do que ele
esperava. Eu vou matá-lo, e nesse dia, vou me alegrar. Cada
dia que eu conquistar outra de suas propriedades, vou
comemorar, até que eu tenha tudo o que pertenceu a ele.
O remorso tocou o olhar de Claire.
— Você viu realmente Lorde de Lanceau desde que sua
mãe a apresentou a ele? Esse dia foi há muito tempo.
— Por que você pergunta?
Os lábios de Claire se curvaram em um sorriso
esperançoso.
— Pessoas mudam. Talvez se você pudesse vê-lo
novamente, falar com ele, só você e ele...
Falar? Só no inferno. Falar não causaria a derrota de seu
senhor.
— Eu vi meu pai pela última vez quando estava preso
meses atrás. Antes disso, eu o vi na batalha em Waddesford
Keep.
— Aquela batalha. Foi a primeira vez que ele viu você
desde aquele dia, há muito tempo?
— Sim. — Tye nunca esqueceria a ansiedade e a
angústia que o perseguiam a cada momento de todos os dias,
até que enfrentou seu senhor na Fortaleza de Waddesford.
Essas mesmas emoções viviam dentro dele agora, só que
tinham se tornado mais nítidas, profundas e muito mais
dolorosas.
— O que aconteceu em Waddesford Keep?
Ele se valeu do ódio intenso que fluía sempre que
pensava em seu pai.
— Pedi-lhe que me reconhecesse como filho. Na frente de
testemunhas, na frente de seus homens mais confiáveis e de
minha mãe, ele recusou.
Claire suspirou, sua expressão preocupada.
— Ele deu uma razão do porquê?
— Ele alegou que não há provas de que eu seja seu filho.
Disseram-me, porém, que basta olhar para ele e para mim
lado a lado para ver a semelhança.
— Ainda assim, você certamente deve entender sua
relutância. Ele tem apenas a palavra de sua mãe, bem como
uma semelhança de aparência entre vocês dois, e isso não é
muito para convencer ninguém disso...
Com um rosnado furioso, Tye derrubou sua taça e se
levantou.
Claire apressadamente largou sua taça e se encolheu na
cadeira, seus olhos enormes. Licor derramado pingava de
mesa com um constante toc toc toc.
A raiva queimou como uma chama branca e quente em
suas veias. Ele pegou os olhares cautelosos dos mercenários
nas mesas próximas e os encarou até que desviaram seus
olhares.
— Diga-me isso, se você puder, — ele murmurou,
olhando para Claire. — Se De Lanceau não acredita que eu
sou seu filho, por que ele tentou salvar minha vida? Porque se
importar?
— Salvar sua vida? — Claire parecia surpresa. —
Quando?
Tye flexionou a mão, a que ele costumava agarrar ao lado
da ameia. A lembrança da pedra áspera ferindo sua palma era
tão clara como se ele estivesse de volta à Fortaleza de
Waddesford, naquele momento perigoso e precário. A fúria e a
confusão o açoitaram, e ele olhou o fogo, seu calor o
lambendo, tão abrasador quanto sua tempestade interna.
— Foi perto do fim da batalha, — ele disse asperamente.
— Eu não tinha para onde ir, exceto para baixo.
— Baixo?
— Eu caí da borda da ameia. — Mais uma vez, ele ouviu
os gritos e clamores de luta feroz, sentiu o gosto da morte no
vento que açoitava ao seu redor. — No último momento,
agarrei-me e pendurei-me ali, com apenas ar sob meus pés. O
pátio estava muito abaixo.
— Misericórdia!
— Sim. Misericórdia. — Tye disse entre os dentes. Ele se
perguntou se algum dia seria capaz de esquecer aquele
momento de luta, tão fugaz, mas tão assustador. — Enquanto
eu lutava para me segurar, De Lanceau estendeu a mão. Ele
me disse para agarrar, e que me puxaria para cima.
— Um gesto gentil, — Claire disse. Sua admiração por de
Lanceau aqueceu sua voz.
— Gesto gentil? — A angústia rasgou Tye. Tudo teria
sido muito mais simples se De Lanceau tivesse aberto os
dedos de Tye que seguravam a pedra, fazendo-o cair, ou se
tivesse dado as costas a ele, retendo toda a compaixão e
deixando Tye entregue ao seu destino. Em vez disso, de
Lanceau se ajoelhou e ofereceu sua mão.
Por quê ? Por quê?
Tye de repente teve vontade de pegar a jarra de licor da
mesa e beber tudo de uma vez. O esquecimento bêbado tinha
que ser melhor do que essa dor lancinante.
— Claro que foi gentil, — Claire disse. — Seu senhor não
tinha que lhe oferecer ajuda.
— Verdade. No entanto, também havia muitas
testemunhas. Sem dúvida, ele queria parecer cavalheiresco
na frente de seus homens, oferecendo-me sua ajuda.
Uma risada incrédula saiu de Claire.
— Ele é um homem de honra. Ele vive pelas regras do
cavalheirismo. Se você fosse seu pior inimigo, ele teria
oferecido o mesmo.
— Ah. Portanto, não foi um gesto de misericórdia, então
— Tye grunhiu. — Foi um erro disfarçado de cortesia...
— Não foi o que eu...
— Assim como minha mãe disse.
O silêncio respondeu a ele, uma quietude medida apenas
pelo crepitar do fogo e a conversa abafada dos mercenários do
outro lado do salão. Ele deu as costas às chamas.
— Tye...
— Não tente me convencer de que meu pai agiu por
compaixão, pois suas próprias palavras confirmaram o que eu
suspeitava. Ele não se ofereceu para me ajudar por ser quem
eu sou, seu filho. Ele fez isso porque era esperado dele.
— Por favor, Tye. Seja qual for o motivo, ele ainda tentou
salvá-lo. Isso deve valer para alguma coisa.
— Deve?
— Sim. Quando voltar a ver o seu senhorio, deve
perguntar-lhe sobre aquele momento. Você deveria ouvir de
seus próprios lábios porque ele queria te salvar.
— Eu não me importo em ouvir seu raciocínio, — Tye
fervilhava, passando a mão pelo cabelo. No entanto, uma
pequena parte de sua alma disse que realmente ele queria
saber. Ele queria ouvir a verdade. Na verdade, ele poderia
perguntar, antes de executar seu senhor.
— Você não disse o que aconteceu, — disse Claire. —
Enquanto você lutava para se segurar, você segurou a mão de
De Lanceau?
— Eu não.
— Você caiu?
— Eu me deixei cair.
Ela pressionou a mão contra a boca. Horror e descrença
cintilaram em suas feições; o tormento emocional dentro dele
se intensificou.
— Eu me deixei cair, — ele repetiu com um grunhido, —
porque fiz uma escolha. Recusei-me a ceder ao meu senhor.
Eu não me renderia voluntariamente e me tornaria seu
prisioneiro, seu peão.
— Você tem sorte de ter sobrevivido a uma queda dessas,
— disse ela, colocando a mão no colo. — Você poderia ter sido
mortalmente ferido.
— Eu fui ferido. Quebrei os ossos da minha perna
direita. Infelizmente, não havia esperança de escapar, e
minha mãe e eu fomos levados cativos. Fomos separados e
presos em castelos diferentes, mas com a ajuda de Braden,
escapamos.
— Se bem me lembro, você viu Lorde de Lanceau
durante sua prisão.
— Sim. Uma vez.
— Você não teve a chance de discutir o fato de que você
pode ser filho dele?
Tye soprou.
— Ele veio me interrogar sobre o que aconteceu em
Waddesford Keep. Quando eu não quis cooperar, ele foi
embora e nunca mais voltou.
Ela arrastou um dedo fino sobre o lábio inferior. Ele teve
o desejo irresistível de caminhar até ela, agarrar sua mão e
mordiscar seus dedos, antes de reivindicar sua boca. Seria
tão fácil tomar seus lábios, pressioná-la nas costas da
cadeira, seu corpo macio embaixo dele...
— Você deve entender que era o dever de seu senhor
questioná-lo, como faria com qualquer homem feito
prisioneiro durante uma batalha, — ela disse. —
Independentemente de ele ser ou não seu pai, seu dever tinha
que ter prioridade.
— Como sempre, — murmurou Tye.
— Como tinha que ser, — ela rebateu.
Tye deu uma risadinha, o som áspero. Ela tinha certeza
absoluta da honra de De Lanceau; nada que Tye dissesse
mudaria sua opinião. A frustração e amargura dentro dele
não podiam mais ser contidas.
— Eu não sei por que me incomodei em compartilhar
meus pensamentos com você, — ele soltou fora.
— Por que você diz isso?
— Eu deveria saber que você ficaria do lado de meu pai.
— Tye pegou sua taça da mesa e esvaziou a vasilha.
Claire não respondeu. Ele derrubou a taça e olhou para
ela, um rubor rosado manchou suas maçãs do rosto. Seus
olhos azuis brilharam.
— Por que o brilho, Gatinha? — ele zombou.
— Eu tentei te ajudar.
— Mesmo?
— Mesmo.
A admiração percorreu seu corpo, pois ela não havia
quebrado seu olhar. A bebida a tornara tão corajosa? Ele
gostava bastante quando ela mostrava suas pequenas garras.
— Você, entretanto, tornou impossível para mim ajudá-
lo, — ela continuou. — Seu ódio está profundamente
enraizado e você é muito teimoso para dar atenção a ninguém
além de si mesmo.
— Isso te surpreende? — Tye sorriu afetadamente. — Eu
deveria saber que você não entenderia. Você, a jovem lady
mimada, protegida e bem criada que nunca enfrentou um
momento difícil em toda a sua vida.
A angústia cintilou em seus olhos, uma dor que revelou
que ela enfrentou uma turbulência muito maior do que ele
havia imaginado.
O arrependimento pesou em sua consciência. Ele odiava
ter causado dor a ela, embora tivesse todo o direito de estar
com raiva. O que, porém, aconteceu para causar-lhe tanto
tormento?
Como se cada ação exigisse um autocontrole imenso, ela
pegou a carta da irmã, colocou as mãos nos braços da cadeira
e se levantou.
Quando ele encontrou seu olhar novamente, todos os
vestígios de sua vulnerabilidade tinham desaparecido. Ela
olhou para trás com desafio e resolução.
— Não preciso ter vivido sua vida, Tye, para sentir
empatia por sua situação. Eu também tive coisas terríveis
acontecendo na minha. Eu sei como é viver com angústia no
coração.
— Angústia? Você realmente acha que me importo que de
Lanceau não me reconheça? Eu o odeio. Você me escutou?
Odeio ele!
Ela se virou.
— Boa noite, Tye.
— Aonde você pensa que está indo? — ele chamou
quando ela começou a subir as escadas. Como ela ousava
virar as costas para ele? Ele era o lorde aqui. Ele diria quando
ela pudesse sair do salão.
Ela não respondeu, apenas continuou caminhando em
direção às escadas, seu vestido flutuando em seus tornozelos.
Os mercenários, observando de sua mesa, murmuraram entre
si. Tye rosnou baixo em sua garganta, sua fúria e turbulência
interna perto de sufocá-lo. Ela não só o desobedeceu, mas
também o fez na frente de seus homens contratados.
— Eu não te dei permissão para sair, — rugiu Tye.
Nem a menor desaceleração de seus passos.
— Vocês. — Ele apontou para um mercenário. — Leve a
lady para seu quarto. — Ele com certeza não confiava em si
mesmo para fazer isso. Voltando-se para a lareira novamente,
ele praguejou e jogou a taça no fogo, onde ela ressoou contra
a parte de trás da lareira e ficou brilhando entre as chamas.
Capítulo Vinte
Claire lutou para conter as lágrimas. Ela segurou até que
a porta se fechasse atrás do mercenário, e então um soluço
escapou de seus lábios. Ela colocou a carta de Johanna na
mesa de cavalete para ler mais tarde. Abraçando seu próprio
peito com as lágrimas escorrendo pelo rosto, ela caminhou até
o meio do quarto, com os passos instáveis.
Misericórdia, mas sua cabeça girava. Seu estômago doía
pelo esforço de discordar de Tye. Suas emoções não eram tão
agudas há muitas semanas, a última vez foi quando ela soube
da morte de Lorde Brackendale, mas, novamente, ela
normalmente não bebia tanto vinho, ou um licor tão forte.
A intensidade do ódio de Tye... Era assustador e
agonizante de se ver. Que ele pudesse desprezar o homem que
provavelmente era seu pai em uma extensão tão profunda era
muito, muito triste. Ele odiava seu senhor por causa de erros
cometidos no passado que podiam ou não ser verdade, já que
Tye tinha apenas a palavra de sua mãe para seguir.
Claire estremeceu, lembrando-se do sorriso exultante
que Veronique lançou antes de ir para o solar. Aquela mulher
vil só tinha um interesse: ela mesma. Veronique alimentou
em Tye suas próprias queixas contra De Lanceau, ano após
ano, até que a amargura de Tye se tornou tão aguda quanto a
dela.
Enxugando a umidade em seu rosto, Claire se virou para
a mesa de cavalete. Ela vacilou, mas se firmou agarrando a
borda da mesa. Depois que sua cabeça parou de girar tanto,
ela agarrou uma toalha de linho para secar os olhos. Uma
caneca contendo uma bebida amarelo esverdeada estava ao
lado da tigela de água que a serva havia deixado para seu
banho noturno, e com novas lágrimas transbordando, Claire
sorriu. Uma calmante infusão de ervas costumava ser seu
ritual noturno antes de Tye assumir o controle do castelo.
Quão atencioso da parte da serva ter conseguido trazer uma
infusão para ela esta noite.
A caneca mal estava quente contra as pontas dos dedos
de Claire, a bebida deve ter sido feita há um tempo, mas ela a
levou aos lábios e deu um gole. A doçura do mel rodou sobre
sua língua, o sabor mal escondendo o gosto de mofo dos
outros ingredientes. Franzindo a testa ligeiramente, ela bebeu
novamente. Não era sua infusão usual de camomila, mel e
hortelã. Mas ainda assim, era reconfortante.
Ela foi até a janela e abriu as venezianas. O ar frio
acalmou seu rosto quente e ela se inclinou para a seteira
enquanto olhava para o céu salpicado de estrelas e bebia sua
infusão. Talvez a brisa ajudasse a impedir que sua cabeça
girasse. Era estranho que ela se sentisse tão tonta, mas o
licor que bebeu deve ter sido mais potente do que percebera.
A voz de um homem veio de algum lugar da noite,
provavelmente um mercenário conversando com um de seus
amigos enquanto patrulhava as ameias. Os pensamentos de
Claire se voltaram para Tye. Ele ainda estava no salão? Ele
estava com raiva, e ainda assim, ele parecia tão sozinho.
Como Tye poderia insistir que ela não entendia seu
tormento? Ela entendia tudo muito bem, tendo perdido seus
pais, Lorde Brackendale, e seu amado Henry. A morte de
Henry, especialmente, ensinou-lhe as profundezas da dor.
Com cada uma das palavras duras de Tye sobre seu
senhor, ela chorou por dentro pelo menino que tinha sido tão
insensivelmente rejeitado e pelo homem adulto que se tornou
tão amargo. Ela queria ir até ele, envolvê-lo com os braços e
abraçá-lo com força.
Pensamentos tolos. Pensamentos perigosos. E, no
entanto, mesmo agora, ela desejava fazer o que havia
imaginado.
Seus olhos se fecharam, pois ela desejava muito, muito
estar em seus braços. O desejo enrolado dentro dela, tentador
e implacável, causando peso em seus seios e entre as coxas...
Seus olhos se abriram. Esses sentimentos não eram
sábios. Nem um pouco sábio.
Mas, longe de toda maldade, ela ardia por ele. Ela
ansiava por saborear seus lábios nos dela; sentir seu corpo
largo e duro pressionado contra ela; para saborear seu toque
em sua pele nua...
Sua mão tremia quando ela ergueu a caneca e bebeu
novamente. Ela se afastou da janela, preparando-se para
fechar as venezianas, e o quarto girou ao seu redor.
Frenética para se segurar antes de cair, ela agarrou o
parapeito da janela. Seu pulso estava batendo em um ritmo
frenético. O suor gotejou em sua testa. Meu Deus, mas ela se
sentia estranha.
A inquietação percorreu seu corpo, mesmo enquanto
estremecia com uma rajada de vento forte. Ela esteve bêbada
antes. Certo, apenas uma vez, mas não se lembrava de ter se
sentido assim. Não, a lentidão de seus pensamentos, o calor
vertiginoso correndo por ela, os desejos febris que a
atormentavam... Isso era incomum.
Seus dedos ainda segurando a borda, ela apertou os
olhos para a caneca. A infusão. Também tinha sido incomum.
Ela tinha sido drogada? Quem teria ousado fazer uma
coisa dessas e por quê?
A raiva cresceu dentro dela. Com passos cuidadosos e
irregulares, ela caminhou até a porta e bateu no painel.
— Acalme-se, — um guarda resmungou do lado de fora.
— Eu quero falar com Tye, — Claire gritou de volta.
— De manhã...
— Agora! — Ela bateu na porta novamente.
Toc, toc, toc.
— Ouviste-me? Agora!
Toc, toc, toc...
— O suficiente! — O homem lá fora explodiu. — Pare
com esse barulho.
— Por favor, — Claire disse. — Eu tenho que falar com
ele. É importante.

***

Tye se esparramou na cadeira puxada para perto da


lareira do solar, uma taça de vinho tinto pendurada em sua
mão esquerda. Com a mão direita, ele acariciou o gato, Patch,
ele lembrou, deitado em seu colo. Tye perguntou aos criados
sobre o felino e soubera seu nome com um dos servos do
estábulo. Patch cochilava, apreciando a atenção; seu ronronar
alto era semelhante ao barulho da roda de uma velha carroça.
Com toque gentil, Tye moveu sua mão para a cabeça de
Patch e, em seguida, deslizou a palma para baixo nas costas
sedosas do gato, tomando cuidado para não roçar a perna
enfaixada. Foi preciso um pouco de persuasão e pedaços
suculentos de frango que Tye trouxera da cozinha, mas Patch
lhe concedeu uma medida de confiança esta noite. Enroscar-
se em Tye, entretanto, tinha sido ideia de Patch. O felino não
foi dissuadido por sua perna ferida e conseguiu ficar
confortável instantes depois de pular no colo de Tye.
Uma lenha na fogueira estourou ruidosamente, e Patch
se assustou, seus olhos arregalados, um olhar que, de
alguma forma, lembrava Tye de Claire. Com mão firme, Tye
acalmou o felino. O ronronar de Patch recomeçou, e seus
olhos se fecharam novamente.
Se as coisas fossem tão simples com Claire.
Enquanto coçava a nuca do gato, afundando os dedos no
pelo macio, o olhar de Tye se voltou para a lareira. Ele
vividamente se lembrou de como, no grande salão, o brilho do
fogo roçou as curvas e depressões de Claire; ele estava quase
bêbado de desejo por ela.
Bêbado. Ele bebeu mais vinho. Sim, depois do licor que
ele consumiu no salão e o que ele bebeu no solar, ele poderia
estar um pouco bêbado agora. No entanto, isso não explicava
inteiramente o peso em sua cabeça, a dor implacável em sua
virilha, a maneira como ele a queria com uma necessidade
que desafiava todo o bom senso.
Ele deveria estar zangado com ela, não cobiçá-la. Ela deu
as costas para ele, dispensou-o como se ele fosse nada além
de um simplório cabeça quente. E ainda assim, ele queria...
Uma batida soou na porta do solar. Patch acordou de
repente.
Carrancudo, Tye perguntou:
— O que é?
— Lady Sevalliere, milorde, — um mercenário gritou
através da porta. — Ela quer falar com você.
O aborrecimento se apoderou de Tye e, em seguida, uma
satisfação presunçosa. Será que ela percebeu seu erro ao sair
do salão como fizera antes? Talvez ela pretendesse se
desculpar.
Do contrário, é melhor ela ter um bom motivo para
incomodá-lo.
Amaldiçoando enquanto se endireitava e sua cabeça
girava, ele levantou Patch de seu colo e o colocou de volta em
sua cama. Com um miado mal-humorado, o felino se
acomodou em seu cobertor.
Tye limpou os vincos da túnica e caminhou até a porta.
Depois de balançar a cabeça para tentar limpar a névoa de
sua mente, ele abriu a porta, mandou o mercenário de volta
ao seu posto e se dirigiu ao quarto de Claire.
Ele bateu.
— Entre, — disse ela, sem demora.
Ele entrou. Claire estava perto da janela, uma mão
segurando o cabelo da nuca, como se para esfriar a pele
aquecida. Seu rosto estava rosado, levemente embaçado de
suor, embora o quarto estivesse frio. Ele teve um desejo
repentino e feroz de saber qual era o gosto da nuca dela.
Quando ele pressionasse seus lábios em sua nuca, sua pele
estaria quente mais para baixo? Sua pele teria um gosto doce,
como uma maçã madura, ou ligeiramente salgada?
A expressão dela tornou-se cautelosa, como se ela
estivesse a par de seus pensamentos indisciplinados. Ela
deixou cair suas mechas, e elas caíram em uma massa
dourada ondulada por suas costas. Então ela endireitou os
ombros, embora parecesse instável em seus pés.
Ele fechou a porta atrás de si. O que quer que ela tivesse
a dizer, seus homens lá fora não precisavam ouvir.
Claire inalou uma respiração instável. Seus olhos azuis
brilharam, brilhando com acusação. Ela claramente não iria
se desculpar com ele. Ela pretendia continuar a discordância
de antes?
— Você queria falar comigo? — Ele demandou.
— A infusão, — ela respondeu, gesticulando para a
caneca na mesa de cavalete. — Ou isso ou o licor que
bebemos antes.
Ela não parecia consigo mesma. Sua boca vacilou, como
se ela pairasse à beira de um abismo emocional, prestes a
explodir em uma tempestade de fúria ou explodir em
lágrimas.
— A infusão?
Ela enxugou a testa com a manga.
— É... não está certo.
— O que você quer dizer? Como não está certo? — Ele
caminhou até a mesa e pegou a caneca quase vazia de bebida
esverdeada.
— Normalmente não tem um gosto tão forte de mel. Eu
pensei, a princípio, que poderia ser apenas por causa da
forma como a infusão foi preparada esta noite, mas...
A suspeita arranhou o fundo de sua mente. Lutando
para controlar uma nova onda de raiva, ele perguntou
baixinho:
— Quem fez a infusão para você?
— Não sei. Estava na mesa quando voltei do salão. O
fogo foi cuidado e a água deixada para minha lavagem, então
presumi que a criada a havia deixado para mim, como
costumava fazer antes de sua conquista. Estou certa,
entretanto, não era nenhuma bebida fermentada trazida pela
criada. Não do jeito que me sinto agora.
Tye levou a caneca ao nariz e inalou. Ali, sob o cheiro
pungente de hortelã: a essência obscura que ele havia
antecipado estar adicionada. O afrodisíaco que sua mãe
mantinha à mão para quando seus amantes, incluindo
Braden, precisassem de algum incentivo.
Dane-se ela! Quanto sua mãe despejou na bebida de
Claire? Do jeito que sua própria luxúria crescia, ele não
ficaria surpreso se ela tivesse derramado no licor e no vinho
em seu solar também.
Claire se aproximou.
— Você não acredita em mim. — Ela estava perto o
suficiente agora para que ele sentisse seu cheiro de leite e
mel. Todo o seu corpo se excitou, agudamente ciente de sua
proximidade e do que ele desejava fazer com ela.
Ele pousou a caneca. A fúria pelas ações de sua mãe se
misturou com sua própria frustração por não ter previsto um
estratagema tão desagradável.
— Eu acredito em você. Há uma essência que reconheço
no perfume da infusão: um forte afrodisíaco.
— Afrodisíaco! — Claire ofegou e corou escarlate. — Você
quer dizer ervas destinadas a... a...
Ela parecia tão chocada que ele teve vontade de rir. No
entanto, não era uma situação em que ele quisesse encontrar
o menor humor.
— Sim.
A raiva iluminou seus olhos.
— Quem faria uma coisa tão vil? Você colocou na minha
bebida?
— Claro que não!
— Eu pensei que talvez fosse por isso que você me
chamou para o salão, para que pudesse ter a infusão
contaminada entregue em meu quarto.
— Eu não tive nenhuma participação em contaminar sua
bebida, — disse ele com firmeza. — Eu juro.
Ela apertou os lábios, como se decidisse se acreditava ou
não nele.
— Por quanto tempo vou me sentir assim?
— Assim que a poção passar, provavelmente pela
manhã, você se sentirá como de costume.
— Como sempre. — Uma risada estrangulada saiu dela.
— Nada é como de costume aqui. Não mais.
A incerteza em sua voz, combinada com uma pitada de
desespero, fez com que ele desejasse envolvê-la em seus
braços e beijá-la até deixá-la sem sentido. Alimentado pelo
desejo cantando em suas veias, o desejo tornando-se quase
fora de seu controle. Ele respirou lentamente e se acalmou.
— Você diz que está familiarizado com a essência, —
disse ela. — Quão?
— Eu conheço alguém que já usou antes.
— Você tem uma boa ideia, então, de quem é o
responsável.
— Eu tenho.
— Diga-me o nome dele ou dela. Eu exijo...
— Exija tudo o que quiser. Não tenho provas. Não vou
condenar alguém que pode não ter nada a ver com a
armadilha desta noite. — Embora duvidasse que um dos
criados tivesse tirado o afrodisíaco dos pertences de sua mãe,
mas não era impossível. Uma vez que ele terminasse aqui,
encontraria sua mãe. Se ela fosse a responsável, ele esperaria
uma explicação.
Claire suspirou asperamente e enxugou o rosto corado
com a mão.
— Quem faria tal coisa comigo? Para qual propósito? —
Lágrimas rolaram ao longo de seus cílios inferiores. — É um
truque vil, e eu... eu...
Suas pálpebras tremeram. Ela vacilou em seus pés. Tye
instintivamente a agarrou pelo cotovelo e ela prendeu contra
ele. Seu braço a envolveu, e ele inalou o cheiro delicioso e
tentador dela.
Ela olhou para ele, seu rosto perigosamente perto do
dele.
— A maneira como me sinto, agora...
— Como você está se sentindo? — ele sussurrou. Ele
ansiava por beijá-la, tocá-la, possuí-la, não importando as
consequências.
— Como se minha pele estivesse pegando fogo, — ela
sussurrou de volta.
— Em chamas, — ele repetiu suavemente. Ele sabia
exatamente como ela se sentia. Seu olhar caiu para a
plenitude rosada de seus lábios.
— Meu coração está acelerado, — ela continuou.
— Mmm. — Seu próprio pulso bateu contra suas
costelas. Ela podia ouvir, onde ela se encostou nele, com os
dedos pressionados em sua túnica?
— Meus lábios... — Timidez e desejo tocaram sua
expressão.
— Seus lábios, — ele persuadiu, roçando os dedos ao
lado de sua bochecha avermelhada.
— Eles desejam beijar você. — Antes que ele pudesse
dizer uma palavra, antes que pudesse começar a pensar nas
possibilidades que viriam, ela ficou na ponta dos pés e
pressionou a boca contra a dele.
Ele a beijou de volta com todo o desejo e luxúria que o
atormentava. Ela provou ser como ele se lembrava: deliciosa e
doce.
— Claire. — Suas mãos gananciosas deslizaram de sua
cintura, movendo-se para baixo no tecido suntuoso de seu
vestido até que se acomodaram nas curvas arredondadas de
seu traseiro. Com um grunhido, ele puxou seus quadris
contra os dele, mostrando o quanto ela o afetava.
Ela ficou tensa, mas não lutou para se libertar.
— Eu não quero ficar sozinha, não me sentindo assim, —
ela implorou. — Tye, eu quero...
— Quer? — ele pediu e então deslizou sua língua contra
a dela. Ela imitou as investidas provocadoras de sua língua, e
sua luxúria atingiu o nível febril.
— Eu quero estar com você.
Ele congelou. A excitação passou por ele. Um grito de
cautela soou, também, mas o prazer e desejo rugindo dentro
dele rapidamente abafou o protesto.
— Eu quero estar com você também, — ele sussurrou
contra sua boca. Beijando-a profundamente, ele deslizou os
braços por baixo dela, ergueu-a nos braços e se dirigiu para a
porta.
Capítulo Vinte e Um
Claire ergueu a cabeça do musculoso travesseiro do
ombro de Tye enquanto ele entrava no solar. Com uma chute
de sua bota, ele fechou a porta.
Sua cabeça ainda estava tonta pelo afrodisíaco da
infusão. E dele. Estar em seus braços, embalada contra seu
corpo duro, fez seus desejos ainda mais intensos. Havia tanto
prazer em apenas estar em seus braços, em se sentir segura,
protegida e desejada, mesmo que apenas por uma noite.
A quietude do solar se enredou ao redor deles enquanto
Tye caminhava até a lareira. O fogo era a única fonte de
iluminação do solar. Nenhum outro era necessário, porém,
quando seus olhos se ajustaram à luz fraca, ela viu
claramente a cadeira esculpida de frente para a lareira, o gato
com uma perna enfaixada cochilando perto da lareira, Patch,
dos estábulos, e a cama enorme.
Quando seu olhar percorreu a cama amarrotada, um
tremor a percorreu. Ela podia ser virgem, mas sabia o que
homens e mulheres faziam juntos na cama; ela e Mary
falaram sobre isso várias vezes quando Claire esperava que
Henry pedisse sua mão em casamento. Claire não tinha
dúvidas de por que Tye a trouxe aqui. Ela disse a ele que o
queria, afinal. Não era mentira; ela o desejava. Ela sofria por
ele, com uma fome que ameaçava consumi-la se não fosse
saciada.
Parte dela se emocionou com a ideia de deitar com ele, e
ainda... outra parte dela estava inquieta. Ela nunca esperou
deitar com ninguém além de Henry, uma vez que eles se
casassem. Agora, ela iria se deitar com um homem que não
havia prometido nada a ela, um canalha que teve muitas
amantes e que provavelmente a abandonaria em alguns dias.
Pare com essa tolice enquanto você ainda pode, gritou a
voz da razão. Diga a Tye que a poção o fez falar
imprudentemente. Volte para sua câmara.
Esse conselho pode ter vindo de Lady Brackendale. No
entanto, Claire ansiava por Tye, e ela não queria nenhum
outro homem, verdade seja dita, mesmo Henry. O desejo a
instigou a ficar, a aproveitar este prazer oferecido porque ela o
queria. Depois de deixar Wode para morar com a tia, ela seria
para sempre uma solteirona. Aqui, agora, ela tinha a chance
de saber o que era ser uma mulher desejada por um homem.
Parando perto da lareira, Tye virou a cabeça e
reivindicou sua boca em beijos lentos e profundos que
despertaram uma chama acalorada dentro dela. Ele pode ser
um trapaceiro, mas fazia seu coração disparar com seus
beijos e seu sorriso, e trouxe excitação e admiração em sua
vida.
Finalmente quebrando o beijo, Tye a colocou no chão,
soltando-a lentamente para que seu corpo deslizasse contra o
dele. Ela caiu de pé, feliz com o braço dele em volta de sua
cintura, pois ainda estava com a cabeça leve. Um suspiro
estremeceu em sua garganta e seu olhar ardente se fixou em
seus lábios, sua expressão severa com a necessidade.
Uma emoção a perseguiu, pois essa necessidade era para
ela. Que um homem como ele pudesse desejá-la... Era
surpreendente e maravilhoso.
— Gatinha, — ele sussurrou, sua voz rouca.
A emoção selvagem em seus olhos a tocou como uma
carícia. Ela queimava por dentro, queimava apenas para ele.
Sua boca desceu sobre a dela, e ela o beijou de volta,
tomando toda a paixão que ele oferecia e pedindo mais. Os
beijos de Tye ficaram mais ousados, reivindicando seus
lábios, conquistando sua língua. Ela ofegou, estremeceu,
erguendo as mãos para embalar seu rosto, para tocá-lo
enquanto suas bocas se sugavam, mordiscavam e se
moldavam juntas. A febre dentro dela aumentou. Ela se
esticou contra ele, ansiando por algo, mas sem saber bem o
quê. Sua pele estava tensa, quente e...
Um gemido rompeu dele, e suas mãos em sua cintura
deslizaram para cima. Sua boca molhada deslizou contra a
dela, enquanto seus polegares roçaram a parte inferior de
seus seios. O leve toque enviou um choque de fogo que a
percorreu. E então, suas mãos se moveram novamente, e
seus polegares acariciaram seus mamilos endurecidos.
— Oh, misericórdia, — ela gemeu, o prazer espiralando
direto para aquele lugar secreto e privado entre suas pernas.
— Você gosta disso? — ele murmurou, seus polegares
acariciando novamente. Ele acariciou sua bochecha e sua
respiração soprou em sua mandíbula.
Ela ofegou, fechando os olhos, as sensações quase
ferindo demais para suportar. A voz racional dentro dela a
cutucou novamente, insistindo que ela deveria se afastar e se
negar a Tye, mas o calor dentro dela estava cada vez mais
quente. A vozinha foi consumida por uma explosão de desejo.
Ela estava vagamente consciente de seu movimento, da
parte de trás de suas pernas batendo na estrutura da cama.
Com seus beijos ferozes e profundos, Tye a levou para baixo,
seu amplo corpo persuadindo o dela a se sentar na colcha e,
em seguida, recuar para se deitar na cama. As cordas da
cama rangeram quando o colchão se ajustou ao peso.
Ele tirou as botas e rastejou sobre ela. Mudando o peso
para um cotovelo, ele se colocou no lado direito dela, olhou
para o seu rosto e afastou os fios de cabelo de sua bochecha
com dedos cuidadosos.
— Gatinha. — A gentileza de sua voz trouxe lágrimas aos
olhos dela.
— Eu preciso... — ela começou, mas não sabia como
transmitir o que ela queria. — Eu anseio por...
— Eu sei, — ele sussurrou. Seus lábios pressionaram os
dela enquanto seus dedos deslizavam de sua bochecha para
sua garganta, e então se espalhavam sobre seu vestido. O
fogo se deslizou sobre sua pele, seguindo o caminho de sua
mão esquerda enquanto ele lentamente a arrastava para
cobrir seu seio esquerdo.
Um gemido passou por seus lábios. Seus quadris se
inclinaram para cima, uma resposta instintiva ao toque dele
enquanto ele segurava seu seio e a provocava, acariciava. Sua
camisa e vestido esfregando contra sua pele sensibilizada
certamente a deixariam louca.
— Tye, — ela gemeu, sua cabeça balançando. Uma
inquietação terrível a consumiu. Ela tinha que apaziguá-lo.
Agora. Com ele.
A mão dele ergueu-se de seu seio. Sentindo falta do
calor, desesperada por sua carícia, ela abriu os olhos. Sua
expressão era uma mistura de desejo e ternura de partir o
coração.
A frustração agitou-se dentro dela.
— Por que você parou de me tocar?
Ele a beijou novamente.
— Você não me quer?
Ele riu, o som rouco de descrença.
— Quero você. Mais do que posso dizer.
— Então...
Ele pressionou um dedo nos lábios dela. Ela olhou para
ele, silenciada, mas desejosa.
Por favor, ela chorou silenciosamente, intimamente.
Quão desesperadamente ela queria que ele a tocasse, para
mostrar o que fazer, para ajudá-la a satisfazer a fome
avassaladora. Nada mais importava, exceto aliviar a dor
sensual.
Ele respirou fundo, como se fosse falar. Não. Falar não
acalmaria o fogo dentro dela. Separando os lábios, ela passou
a língua sobre o dedo dele. Sua pele tinha um gosto salgado.
Maravilhoso.
Um juramento sibilado correu entre seus dentes, e ele
rolou de perto dela e sentou-se abruptamente.
Ela piscou para afastar as lágrimas. Ele se sentou de
costas para ela. Ela queria chorar, pois não tinha ideia de por
que ele se afastou. Suas emoções pareciam feridas, voláteis.
Quando ele passou a mão sobre a boca, ela ficou de joelhos
atrás dele, cambaleando em uma onda de tontura.
Ele disse que a queria. Talvez, de alguma forma, não
tivesse provado a ele o quanto ela o queria? Uma mulher mais
experiente teria deixado seus desejos muito claros.
Ela precisava mostrar a Tye que desejava deitar-se com
ele, pele nua com pele nua. A modéstia virginal não
alcançaria o que ela desejava.
Com as mãos trêmulas, Claire alcançou a bainha do
vestido e da camisa e puxou as roupas sobre as pernas, coxas
e quadris, e ainda mais alto. Ela tirou a meia de seda. Agora
usando apenas a luz do fogo, ela jogou a roupa embolada de
lado.
Tye olhou por cima do ombro.
— Claire...
Ele se virou. Seus olhos se arregalaram e então se
estreitaram em um olhar puramente predatório e apreciativo.
Enquanto seu olhar voraz percorria seu corpo nu, o triunfo a
invadiu.

***

Ah, Deus, ela era linda. De seu rosto corado para seu
pescoço elegante e seios altos com mamilos rosados, para a
planura lisa de sua barriga e a penugem entre as coxas,
Claire era ainda mais excepcional do que ele tinha imaginado.
O desejo de Tye se tornou um inferno, furioso e insistente.
Ela era sua.
Ele a faria sua, aqui, esta noite.
Um grunhido de admiração retumbou em sua garganta
quando ele a encarou e ficou de joelhos na frente dela,
elevando-se sobre ela. Ele enterrou a mão em seu cabelo e
beijou seu rosto virado para cima. Ela suspirou contra sua
boca, o beijou de volta com igual fervor, e ainda assim, ela
estremeceu.
Ele ergueu os lábios dos dela.
— Você está com frio, Gatinha? Esta câmara pode ter
correntes de ar...
— Eu não estou com frio.
Ela estava nervosa, então. Ele a beijou suavemente.
— Não tenha medo.
— Eu não estou.
— Por que você está tremendo, então?
Uma risada tímida saiu dela.
— Não sei. Eu acho... Talvez eu esteja incerta.
Como ele esperava. Ela era inocente. Ele seria seu
primeiro amante.
O pensamento o encheu de uma poderosa onda de
prazer. Enquanto ela sorria, entretanto, tão incrivelmente
adorável, ele não conseguia descartar uma sensação
mesquinha de relutância. Sua mente estava confusa com o
licor e afrodisíaco, mas ele ainda tinha inteligência suficiente
para saber que a paixão dela era induzida pela poção de
ervas. Claire não era ela mesma. Se ela estivesse em total
controle de seus sentidos, não estaria nua e implorando para
que ele se acasalasse com ela?
Suas mãos deslizaram sob sua túnica, atraindo toda sua
atenção de volta para ela. Os dedos dele abriram caminho por
baixo da camisa e ele respirou fundo ao sentir o toque da pele
nua dela na dele. Rindo suavemente, ela pegou a bainha de
sua roupa e puxou-a para cima e sobre sua cabeça.
Jogando as roupas de lado, ela olhou para seu peito nu.
Apesar de suas muitas cicatrizes, algumas delas irregulares e
sulcadas, ela não parecia repelida pelo que via. Graças a
Deus.
— Beije-me, — ela sussurrou, beijando sua bochecha e
arrastando beijinhos até sua boca.
— Gatinha, — ele começou, mas ela reivindicou seus
lábios, rodando sua língua em sua boca com tal habilidade,
que ele esqueceu o que pretendia dizer e a beijou de volta.
Perdido novamente em sua fome, ele se inclinou para ela e a
pressionou de costas, cutucando suas coxas para que se
abrissem e se acomodasse entre elas. Seu peito se apertou
contra seu busto rechonchudo e quente. A masculinidade
dele, dura como pedra e lutando contra suas braies e
chausses, pressionou na umidade entre suas pernas.
Ela ofegou.
Ele gemeu, seus olhos se fechando.
Ele abaixou a cabeça para pressionar sua testa contra a
dela, flexionou os quadris novamente, a sensação dela contra
sua carne inchada era quase sua ruína. Enquanto ela gemia e
mexia os quadris, ele estremeceu. Ah, meu Deus. Ele estava
muito perto de...
— Tye, — ela choramingou. — Por favor.
Ele gemeu novamente, sua respiração saindo em ofegos
roucos, pois ele ansiava por se libertar de suas roupas, para
mergulhar em sua maciez quente e apertada. Mas ela não
estava pensando com clareza. De manhã, assim que o
afrodisíaco desaparecesse, ela teria vergonha de deitar com
ele. Claire poderia nunca mais falar com ele, e ele se
importava muito com ela para perdê-la dessa forma.
Sua cabeça latejava com a intensidade de seus
pensamentos. Ele se atreveria a tirar sua virgindade,
arruinando assim suas chances de se casar com um lorde
rico? E se ela engravidasse esta noite? Esse bebê seria um
bastardo, assim como ele.
Possivelmente era o que sua mãe pretendia: que Claire se
arruinasse e concebesse seu filho. Sem dúvida, sua
progenitora já estava planejando levar adiante suas ambições
através da ruína de Claire, um pensamento que despertou
sua raiva.
Pressionando beijos ao lado do pescoço úmido de Claire,
ele lutou contra uma sensação esmagadora de indecisão. Ele
queria Claire, muito. Mas havia muito mais a considerar do
que o que ele egoisticamente desejava.
Ele encontrou seu olhar. Seus olhos vidrados ficaram
confusos.
— O que está errado? O que?
Seu corpo gritando com a injustiça, ele se moveu para
quebrar o contato íntimo entre eles.
— Eu não posso te dar o que você quer, — ele disse
suavemente. — Assim não.
— Assim como?
— Sob o feitiço de um afrodisíaco.
O desânimo brilhou em seus olhos.
— Sinto muito, — acrescentou ele suavemente. — Eu
posso ser um trapaceiro e um bastardo... mas não vou
arruiná-la.
— Eu estava certa, mais cedo. Você não me quer. — Ela
parecia abalada, perdida. Ela tentou se esquivar, mas ele se
ergueu, prendeu os joelhos em cada lado de suas coxas e a
imobilizou.
— Eu queria você, — disse ele contra sua boca, — desde
o dia em que me desafiou com o atiçador.
— Mas você disse...
— Eu sei o que eu disse. — Ele sorriu. — Eu não vou
acasalar com você, mas ainda posso te dar prazer. — Ele
acariciou sua bochecha. — Existem maneiras, se você me
permitir.
— Você vai tirar esse desejo insuportável? — ela
sussurrou.
Ele assentiu.
— Vai... doer? Eu ouvi...
— Não vai doer nada. Vou fazer você gemer de prazer.
— Então... sim.
Sua masculinidade latejava, a antecipação ardendo
dentro dele como um fogo recém-alimentado. Ele beijou seus
lábios e garganta, persuadindo-a novamente com sua boca e
língua até que ela se contorceu ao seu toque mais leve. Então,
descendo por seu corpo, ele beijou todo um caminho entre
seus seios, descendo a curva suave de sua barriga, até que
sua cabeça se acomodou na junção de suas coxas.
Levantando-se sobre os cotovelos, ela franziu a testa
para ele, seu cabelo uma bagunça cativante e despenteada.
— O que…?
Ele abaixou a cabeça, preguiçosamente acariciou com a
língua sobre o botão de carne envolto em sua penugem
felpuda. Ela ofegou, seu corpo estremecendo. Ele lambeu
novamente e ela caiu para trás, os olhos fechados, outro
suspiro de admiração se arrancando dela. Ele saboreou cada
som. Esta noite, ela não saberia nada além do doce e
devastador êxtase. Seria uma noite que ela nunca esqueceria.
Com sua língua e lábios, ele lambeu, sugou e
atormentou. Suas mãos se fecharam na cama. Sua cabeça
balançou. Usando seus gritos e suspiros como guia, ele elevou
sua paixão cada vez mais alto.
Ele saboreou uma intensa e primitiva sensação de
satisfação enquanto sua surra se acelerava. Ela ofegou,
arqueou as costas e então ficou tensa. Ela soltou um gemido
impotente e agudo. Ele se imaginou enterrado dentro dela
enquanto ela se catapultava para o prazer, e uma respiração
rouca saiu de seus lábios.
— Tye! Oh...
Ele lambeu novamente, rodou sua língua e sugou.
Arrastando uma respiração atordoada, seus quadris
levantaram da cama mais uma vez, sua boca aberta, seu
corpo em convulsão em outro pico de prazer.
Ele desacelerou seu terno ataque, suavizou sua sucção e
se afastou dela.
Ela estava deitada na cama, respirando com dificuldade.
Como ela era gloriosa em sua beleza nua e saciada. O desejo
dentro dele se apertou a um fôlego longe da liberação. Ele não
queria uma mulher tanto desde... nunca.
Seus olhos sonolentos se abriram e ela sorriu para ele.
Então, ela franziu a testa e seu olhar caiu para sua
masculinidade inchada, lutando contra sua chausses.
— E você? — Ela se apoiou nos cotovelos novamente e
estendeu a mão, preparando-se para acariciá-lo.
— Não. — Seus dedos se fecharam em torno de seu
pulso. Se ela o tocasse, seu controle desgastante estaria
perdido.
— Tudo bem.
— Não esta noite, — ele disse, suavizando sua negação
com um beijo. Quando os olhos dela se fecharam, ele a
encorajou a se levantar e descansar a cabeça nos
travesseiros. Ela se enrolou sobre o lado esquerdo e ele puxou
a roupa de cama sobre os ombros. Sem dúvida, em alguns
instantes ela estaria dormindo.
— Tye? — ela murmurou.
— Sim?
— Obrigada.
Um sorriso orgulhoso curvou seus lábios.
— Durma agora, Gatinha.
Ele foi até o fogo, onde Patch abriu os olhos um
pouquinho, mas não se mexeu, não querendo sair de sua
caixa aconchegante. Os cobertores da cama farfalharam, e
Tye olhou por cima do ombro para ver Claire aninhada mais
profundamente na cama, os olhos fechados, o cabelo
escorrendo pelo travesseiro. Seu travesseiro.
Ela suspirou, parecendo completamente satisfeita.
Tye se voltou para o fogo e sorriu. Ele a havia levado a
esse contentamento. Ele havia lhe dado prazer como nenhum
outro homem jamais o fizera.
A dor implacável em sua virilha o lembrou de que ele não
havia saciado seu próprio desejo. Ele lutou contra o desejo.
Ele poderia satisfazer a necessidade carnal por si mesmo com
alguns golpes habilidosos de sua mão, mas essa noção tinha
pouco apelo; talvez fosse sua penitência sofrer esta noite. Ele
passou os dedos pelo cabelo umedecido de suor que em
algum momento se soltou da amarração de couro e riu
baixinho. A bebida e a poção definitivamente tinham
confundido sua mente.
A poção.
A fúria explodiu novamente, guerreando com a luxúria
de Tye. Que sua mãe o enganasse assim, o usasse assim, sem
se preocupar com seus desejos ou sentimentos, deixava um
gosto de cinza em sua boca.
Ele foi até a mesa de cavalete e serviu mais vinho. Então,
percebendo que provavelmente estava contaminado, ele jogou
fora o que estava em sua caneca, assim como a jarra, no fogo.
As chamas assobiaram e fumegaram quando ele colocou as
vasilhas de lado e afundou na cadeira perto da lareira.
— Maldição, — ele murmurou. Pelo menos a raiva estava
derrotando sua luxúria. Sua carne não estava mais dura
como uma rocha, mas o desejo nunca desapareceria
completamente. Ele queria Claire. Ele a queria mais do que
tudo.
Exceto, finalmente, matar seu senhor.
Ele esfregou a palma da mão contra a testa. Uma dor
surda instalou-se em sua testa, provavelmente causada pelo
afrodisíaco. Seria melhor dormir, mas de jeito nenhum ele iria
deitar ao lado de Claire agora, não até que seu sangue
esfriasse.
Seu foco mudou para as cartas e o diário que ele tirou do
quarto de Claire. Ele tinha lido algumas das cartas, mas não
todas. Com um puxão rápido, ele pegou uma da pilha de
correspondência que ela recebeu de seu jovem amante. O
aperto de Tye se intensificou instintivamente na pele
enrugada e curada, pois o rapaz usara pergaminho de boa
qualidade; o ansioso Henry obviamente pretendia
impressionar Claire com essa prova de sua riqueza.
Um ciúme amargo percorreu Tye. De tudo o que tinha
visto e ouvido sobre Henry, o rapaz tinha sido um bom par
para Claire; se ele não tivesse morrido, teria dado a ela uma
vida de luxo e respeitabilidade, todas as coisas que Tye não
poderia lhe oferecer. Não agora, pelo menos. Não até que seu
direito de governar Wode fosse validado pelo rei.
O quanto Tye queria que Claire fosse sua, não apenas
esta noite, mas para sempre.
Seu dedo roçou o selo de cera quebrado enquanto abria a
página do pergaminho e semicerrava os olhos para as linhas
de tinta preta. Ele silenciosamente pronunciou cada palavra,
como Georgette tão pacientemente lhe ensinara.
Minha querida Claire...

***

Claire acordou assustada. Ela esfregou o sono dos olhos


enquanto avaliava o ambiente. Sua mente, grogue, preguiçosa
e uma dor de cabeça brutal, reconheceu que o colchão
embaixo dela era mais gordo do que o de seu quarto, os
lençóis eram mais macios e o jogo da luz do fogo da lareira na
parede de pedra à sua frente era diferente.
Quando ela inalou o cheiro de lençóis secos ao ar
misturado com uma essência masculina tênue e terrosa, as
lembranças correram em sua mente: a poção; Tye indo para
seu quarto; Tye a erguendo nos braços e a levando para a
cama.
Ela ainda estava em sua cama. Nua. Além disso, ela
ainda se sentia maravilhosamente lânguida com as incríveis
sensações que ele tirou de sua carne disposta.
O que ele fez com ela... Foi muito pecaminoso, e ainda
mais por que ela gostou.
Claire rolou de costas e jogou um braço sobre o rosto,
lutando contra o medo e a excitação perversa. Rolar causou
uma dor intensa em sua testa. Gemendo, ela esfregou a testa.
Do outro lado da câmara, uma cadeira rangeu.
— Gatinha? — Tye se aproximou da cabeceira, sua
presença ousada suavizada pelo brilho dourado da luz do
fogo. Ele ainda usava chausses, embora tivesse tirado uma
túnica de lã preta. As bordas da frente do manto se abriram
onde ele amarrou em sua cintura, revelando as cicatrizes na
curva bem definida de seu peito, a ondulação de músculos
tensos em seu estômago.
Desgrenhado e parcialmente nu, ele era o homem mais
impressionante que ela já tinha visto. No entanto, ela não
conseguiu reprimir uma agitação de inquietação.
— Como você está se sentindo? — ele perguntou.
Sua cabeça doía tanto que ela mal conseguia pensar.
— Terrível, — ela sussurrou.
Ele suspirou e a cama afundou quando ele se sentou ao
lado dela.
— Deixe-me adivinhar. Sua cabeça dói como se um
ferreiro estivesse fazendo ferraduras com seu crânio, e seu
estômago está pronto para vomitar a comida de ontem.
Um sorriso relutante apareceu em sua boca.
— Como você sabe?
— São os efeitos colaterais da poção. Eu também me
sinto assim.
A preocupação genuína em seus olhos fez sua garganta
apertar. Ela não deveria estar deitada em sua cama, falando
com ele tão livremente, ou se importando como ele se sentia
ou o que pensava. Ele era o inimigo. Parte dela, porém, se
recusava a acreditar nisso por mais tempo.
Não depois do que eles compartilharam.
Ele se levantou, cruzou a câmara e voltou com uma taça.
Ele ofereceu a ela.
— É vinho fresco. Eu prometo que não contém nenhum
afrodisíaco.
Ela se ergueu para se sentar. Ele se sentou ao lado dela
novamente, sua atenção caindo para a mão dela segurando os
cobertores em seu peito.
Ela pegou a taça e bebeu.
— Você se sente de outra forma? — ele perguntou
suavemente.
Suas palavras retumbantes roçaram nela, despertando
uma nova onda de desejo pecaminoso.
— Tudo bem, — disse ela.
— Tudo bem? — Ele balançou a cabeça, claramente
desapontado. Ele estava fingindo estar desapontado, pelo
menos.
Ela não conseguiu conter um sorriso.
— Na verdade, está mais do que certo. O que nós
fizemos... você fez...
Quando ela não disse mais nada, as sobrancelhas dele
se ergueram, um pedido claro para que ela continuasse.
Ela olhou para o vinho. A intimidade anterior deles era
um assunto muito estranho e delicado, e ainda assim ela se
sentia curiosa.
— A experiência é sempre tão agradável?
Ele sorriu.
— Na maioria dos casos, sim.
— Eu entendo. Portanto, há alguma verdade no que ouvi
falar das criadas quando pensam que não estou ouvindo.
Tye deu uma risadinha.
— O que, por favor, diga, você ouviu?
— Bem, se um homem tem habilidade em... hum... seu
papel no... empreendimento carnal, então o ato pode ser
maravilhoso. No entanto, se um homem está bêbado ou não
é... hum... bem dotado... — Ela fez uma careta. A julgar pelo
sopro rude de Tye, ele estava se esforçando muito para conter
o riso. — Agora você está rindo de mim.
Ele ergueu a mão.
— Não, Gatinha...
— Você está rindo de mim. — Ela olhou ferozmente,
fazendo o seu melhor para parecer indignada. — Não posso
deixar de ter pouca experiência nessas questões. Na
verdade...
— Na verdade, — ele interrompeu, sorrindo, — acho isso
muito charmoso.
— Você acha?
— Mmm. — Ele se inclinou na direção dela. Ela não se
atreveu a se mover, pois com o colchão se mexendo, ela
temeu derramar vinho na cama.
O cheiro dele, puramente masculino, encheu seus
sentidos, enviando calor até os dedos dos pés quando ele
acariciou sua bochecha e deu um beijo perto de sua orelha.
Seus olhos se fecharam.
— Tye...
— Não tema, — ele murmurou contra sua pele, enquanto
beijava ao longo de sua bochecha. — Eu sei que você não está
bem. Não vou fazer mais do que beijar você.
Ela lutou contra a decepção.
E vergonha, com certeza.
Ele se afastou dela e pegou a taça. Depois de colocar o
recipiente na mesa de cabeceira, ele pegou sua mão livre,
entrelaçando seus dedos calejados com os dela em um aperto
suave.
— O vinho ajudou a aliviar a dor de cabeça?
— Um pouco. — A fadiga agora a atormentava, tornando
suas pálpebras pesadas. Ela ansiava por se enroscar sob os
cobertores novamente. Ela deveria voltar para seu próprio
quarto? Seria melhor, mas ela se viu relutante em deixá-lo.
Ela forçou as palavras:
— Eu deveria voltar para o meu quarto.
— Por quê?
— Não é... apropriado que eu esteja aqui.
Aborrecimento brilhou em seus olhos.
— Ah. Agora que a paixão induzida pela poção diminuiu,
você percebe que não sou digno de dar prazer a você.
— Não foi isso que eu quis dizer.
— Então o que você quis dizer?
Claire tentou dar sentido aos sentimentos que se
amontoavam dentro dela.
— Eu mesma não estou totalmente certa. Não me
arrependo do que aconteceu entre nós. No entanto, se os
servos me encontrarem aqui...
— Você se preocupa com o que o povo de língua solta vai
dizer.
— Eu não posso evitar, — ela disse miseravelmente. —
Como uma lady, fui ensinada a proteger minha reputação.
Não é possível simplesmente ignorar o que me ensinaram
desde que era criança. É parte de quem eu sou.
A boca de Tye se apertou.
— Eu sou o lorde aqui, — disse ele entre os dentes
cerrados. — Eu não me importo com o que os outros pensam
ou dizem. Você vai ficar.
Claire sustentou seu olhar cintilante, recusando-se a
ceder à sua fúria.
— Você se esforçou muito para não me arruinar, — ela
disse baixinho. — Aí está a prova de que, na verdade, você
tem cuidado. Há alguma honra em sua alma, Tye.
— Eu não sou um herói valente. Não se iluda, Gatinha.
Não vou negar que você estava na minha cama, especialmente
quando minha mãe planejou fazer isso.
Claire engoliu em seco, a angústia se instalando em seu
peito.
— Você quer se gabar para sua mãe, então, de que ela
teve sucesso? Que o esquema dela me fez deitar com você?
Ele olhou para suas mãos unidas, seu cabelo sedoso e
emaranhado parcialmente escondendo suas feições dela.
— Não tenho a intenção de me gabar, mas não vou negar
que deitamos juntos, Gatinha. Não é inteiramente uma
questão de orgulho masculino.
— Não? — Ela arqueou as sobrancelhas.
— Não. É também uma questão de te proteger. Se minha
mãe descobrir que seu plano não funcionou, que não tomei
sua virgindade, ela vai inventar outra armadilha para que isso
aconteça. Ou ela vai... garantir que você não seja mais uma
tentação para mim.
Não é mais que uma tentação. Tanta coisa não foi dita
nessas poucas palavras.
Tye apertou a mão dela.
— Não se preocupe. Eu vou lidar com a minha mãe. —
Depois de uma pausa, ele acrescentou: — Eu também verei
você retornar ao seu quarto antes que os servos comecem
suas tarefas diárias.
O alívio a invadiu.
— Eu gostaria disso. Obrigada.
Ele assentiu. Erguendo a cabeça, ele encontrou seus
olhos, sua expressão sombria.
— Eu peço desculpas pela poção. Que minha mãe se
atrevesse a fazer uma coisa dessas... — Ele fez uma careta. —
Terei certeza de que ela entenderá meu descontentamento.
— Pelo menos nenhum de nós se machucou.
Sua expressão ficou confusa.
— Você não está com raiva?
— De fato, eu estou. Estou muito zangada com sua mãe.
No entanto, não podemos mudar o que aconteceu esta noite.
Só podemos seguir em frente.
— Bravamente falado, Gatinha.
— Na verdade, que outra escolha nós tínhamos?
Ele passou o polegar sobre os nós dos dedos em uma
carícia terna.
— Pelo menos, apesar da intromissão de minha mãe,
você ainda é virgem. Você não precisa se preocupar se
concebeu um bebê esta noite, ou se está arruinada para o
nobre que deseja fazer de você sua esposa. Se houver alguma
dúvida sobre sua inocência, você pode ir a uma curandeira
para ser examinada. Ela vai confirmar que você não foi
tocada.
Tye falava tão solenemente, como se enquanto ela
dormia, ele estivesse meditando sobre o que havia acontecido
entre eles; era ainda mais prova de que ele se importava com
ela. O coração de Claire se aqueceu, mesmo enquanto sua
cabeça latejava em seu tormento implacável.
— Venha, agora, — disse ele, libertando os dedos dos
dela. — Você deve descansar. — Ele a incentivou a se recostar
no travesseiro e ajeitou a roupa de cama ao redor dos seus
ombros.
— Você não vai dormir? — ela perguntou, olhando para
ele.
Ele piscou.
— Vire de lado.
— Por quê ?
— Você verá.
Suspirando, ela obedeceu.
Ele deu a volta para o outro lado da cama e deitado
sobre a colcha, se esticou atrás dela. Curvando o braço em
volta da cintura dela, ele a puxou confortavelmente contra ele
e beijou sua nuca, exposta pelo derramamento de seu cabelo
no travesseiro. Como ela amava a sensação dos lábios dele em
sua pele.
— Mmm, — ela murmurou. — Eu gosto de dormir assim.
Ele beijou o cabelo dela.
— Eu também.
Uma sensação de contentamento a encheu. Sorrindo
contra o travesseiro, Claire fechou os olhos.
Que curioso, que aqui nos braços de Tye, ela se sentia
como se estivesse exatamente onde deveria estar.

***

Longos momentos depois, Tye se soltou do abraço de


Claire. O sono o iludiu, fugindo. Seu cheiro, seu calor
enrolado contra ele, e sua respiração em seu braço conspirou
para torná-lo agudamente ciente de cada lugar que seus
corpos se tocavam. Ele não conseguia se acalmar para
descansar quando sua virilha latejava.
Ela se mexeu quando ele se afastou, e então sua
respiração se estabilizou novamente no ritmo do sono. De pé
ao lado da cama, ele olhou para ela, linda mesmo enquanto
dormia, a maravilha de ela estar em sua cama ainda
aquecendo sua alma. Agora que ele esteve deitado ao lado
dela, sua cama pareceria vazia sem ela.
Como ele queria que ela fosse sua, não agora, mas para
sempre. Depois que ele matasse seu pai, e o rei John
reconhecesse seu direito de governar Wode, ela o veria como
um pretendente digno, até mesmo um lorde com quem queria
se casar? Afinal, Tye seria seu igual socialmente. Ou ela o
odiaria por ter assassinado de Lanceau, a quem ela
considerava um homem de grande honra? Depois que de
Lanceau morresse, Tye poderia nunca mais vê-la; ela poderia
recusar qualquer contato com ele, abandoná-lo como seu
senhor e outros fizeram.
O coração de Tye se apertou, pois ele não suportava
pensar em sua vida sem Claire. Ele nunca tinha imaginado
tomar uma esposa; até agora, ele não tinha vivido em um
lugar por tempo suficiente para estabelecer um lar. Além
disso, nunca se considerou digno de ser marido de qualquer
mulher, especialmente de uma lady com título. Ainda assim,
se ele pudesse passar o resto de sua vida com Claire, faria
qualquer coisa, qualquer coisa, para tornar isso possível. Ele a
estimaria, aproveitaria ao máximo cada dia passado com ela,
aprenderia tudo o que havia para saber sobre Claire. Ele seria
um marido tão bom para ela quanto Henry teria sido; melhor,
até.
Havia apenas uma coisa em que ele não cederia: seu
objetivo de matar seu senhor. O assassinato, entretanto, era
exatamente o que Claire se oporia. Lamentavelmente, desejo
que provavelmente significava de Tye para estar com Claire
sempre era impossível.
Inquieto de seus pensamentos, ele foi até a lareira,
esticando os braços sobre a cabeça e tirando a tensão dos
ombros enquanto caminhava. Tye sentou-se e pegou outra
carta, a última da pilha de Henry. Uma boa dose de fúria de
ciúme deveria ajudar a minar sua luxúria persistente.
Amada Claire, escrevo para você neste dia com tremenda
emoção.
Tye revirou os olhos e continuou a ler.
Fui enviado para Branton Keep. É uma grande honra ter
sido designado para servir a meu senhor Geoffrey de Lanceau.
Uma recordação arranhou o fundo da mente de Tye, e
não apenas porque o rapaz havia trabalhado para De
Lanceau. Algo nas palavras, a situação... era de vital
importância. Algo que ele ainda não compreendia.
Branton Keep...
Com a consciência zumbindo em advertência, Tye
continuou lendo lentamente. A lembrança de um jovem
desafiador, um tolo tentando ser um herói maldito, surgiu das
sombras dos pensamentos de Tye.
Não. Certamente não...
Recebi ordens para guardar os prisioneiros na masmorra.
Capítulo Vinte e Dois
Claire acordou com um som farfalhante. Deitada de lado,
o travesseiro macio contra sua bochecha, ela manteve os
olhos fechados e saboreou o calor preguiçoso que a percorria.
Era uma sensação perversamente deliciosa.
Quase tão perversamente deliciosa quanto o que Tye
fizera com ela na noite anterior.
Um formigamento quente dançou sobre sua pele. Dormir
juntos também tinha sido maravilhoso.
Ela sentia falta dele deitado ao lado dela. Ela vagamente
se lembrava dele se afastando dela durante a noite, o
empurrão do colchão quando ele saiu da cama, mas ela
rapidamente adormeceu novamente.
Outro farfalhar veio do outro lado da câmara. O barulho
parecia um pergaminho se desenrolando.
— Tye? — ela murmurou, sua voz gutural de sono,
enquanto ela tirava o cabelo despenteado de seu rosto.
— Tye, — Veronique zombou. — Balindo para ele
fornicar com você de novo, não é?
Ai, meu Deus. Um frio desagradável percorreu Claire. Ela
se sentou, abraçando os lençóis contra seu corpo nu.
Um sorriso curvando seus lábios pintados de vermelho, a
mulher mais velha encontrou o olhar de Claire. Com o cabelo
ruivo preso em uma trança em volta da cabeça, o vestido de lã
carmesim bordado roçando sua figura, Veronique parecia
polida e composta, como se se considerasse a lady da
fortaleza. Seu olhar avaliador viajou lentamente,
completamente, sobre o cabelo despenteado de Claire e os
ombros nus.
Claire lutou contra o desejo de se encolher, ao invés
disso tirou força de sua raiva. Veronique não estava apenas
estava segurando as cartas de Henry, mas ela conspirou para
Claire acabar na cama de Tye. Veronique drogou os dois, um
ato cruel que Claire não perdoaria.
Com os dedos apertados na cama, Claire perguntou:
— Onde está Tye?
— Ele saiu para cumprir suas obrigações, — disse
Veronique. — Existem assuntos muito mais importantes do
que você.
Claire tentou ignorar a ironia nas palavras da mulher
mais velha, mas elas foram ditas de forma severa e picadas
como pedaços de pedra lascada.
Olhando para Veronique, Claire disse:
— Você não tem o direito de ler essas cartas em suas
mãos.
— Claro que eu tenho.
— Não, você não tem. Eu não te dei permissão...
— Eu não pedi, — a mulher mais velha sorriu
maliciosamente. — Por que deveria, quando não preciso
disso?
O choque percorreu Claire.
— Tye lhe deu permissão, então?
Os olhos de Veronique brilharam.
— Não exatamente. No entanto, ele é o lorde deste
castelo e também é meu filho. Já que o ajudei a ganhar o que
lhe é devido, ele entenderá por que desejo saber o conteúdo
dessas cartas, especialmente se houver informações úteis
para nós.
Informações úteis, como se a correspondência privada de
Claire fosse tão irrelevante quanto um mapa ou uma lista de
mercadorias para comprar no mercado da aldeia. Claire
sufocou um grito de desgosto. Será que Veronique não tem
compaixão? Não tem respeito pelos bens pessoais dos outros?
— Eu direi a Tye que você leu minhas cartas, — Claire
disse.
— Eu não me importo. — Veronique jogou os
pergaminhos sobre a mesa. — Diga a ele que li todas elas. Eu
as tinha, sabe. Eu vim mais cedo, para devolver as adagas
afiadas de Tye, apenas para encontrá-lo dormindo.
Oh, misericórdia. Nada de bom viria de Veronique
descobrir Claire na cama de Tye, mesmo que a desgraçada
mulher tivesse planejado que isso acontecesse.
— Que surpresa foi encontrá-lo enrolado sob a roupa de
cama, tão exausto que nem se mexeu quando entrei. Deixei
as adagas e levei as cartas para o meu quarto para ler. Claro,
não demorou muito para adivinhar o que aconteceu entre
você e Tye na noite passada.
— Você colocou a poção no vinho, — Claire murmurou,
— bem como na minha infusão.
Os olhos de Veronique se arregalaram com falsa
inocência.
— Eu?
— Sim. Tye reconheceu o cheiro da poção.
— Garoto inteligente. — A mulher mais velha sorriu,
uma torção desagradável de sua boca. — Eu deveria saber
que ele descobriria o que eu tinha feito.
— Você o drogou também, — Claire continuou, suas
palavras tensas com fúria. — Você planejou que nos
deitássemos juntos, então, na verdade, não foi nenhuma
surpresa para você me encontrar aqui.
A mão de Veronique tremulou em um aceno de desdém.
— Bem...
— Tye também não gostou de você tê-lo drogado. Foi um
engano infame que você pregou em nós dois.
Por um breve momento, Veronique pareceu surpresa
com a ousadia de Claire. Então, sua expressão escureceu com
ameaça.
— Cuidado, Lady Sevalliere. Não sou a única que recorre
a enganos.
— Eu não sei o que você quer dizer.
— É mesmo? — Veronique pegou um livro com capa de
couro: o diário que Claire mantinha escondido em seu quarto.
— Reconhece? — Veronique falou lentamente, abrindo o
livro com a lombada pressionada contra seu torso para que as
páginas escritas em tinta preta fossem visíveis para Claire.
Ai, meu Deus.
— Encontrei páginas e mais páginas sobre o cerco,
incluindo descrições detalhadas dos mercenários que
participaram e os desdobramentos diários. Também há
percepções fascinantes de você. O que você escreveu sobre
Tye é, digamos, muito divertido e pateticamente romântico?
As bochechas de Claire queimaram. Ela poderia
simplesmente morrer de vergonha. Humilhá-la, entretanto,
era exatamente o que Veronique pretendia.
— O que você disse sobre Tye? — Veronique bateu no
queixo com o dedo torto. — Eu me lembro agora. Você disse
que ele foi enganado, manipulado por mim para cometer atos
terríveis.
Cabelos finos arrepiaram a nuca de Claire, pois ela
realmente havia escrito tais palavras. Julgando pelo olhar
punitivo da mulher mais velha, ela queria esmagar Claire
emocionalmente, espancá-la até que desabasse em lágrimas.
Isso só poderia acontecer, no entanto, se Claire permitisse.
Ela preferia morrer a ceder de qualquer maneira a esta
mulher.
Reunindo sua coragem em torno dela como um escudo,
Claire se recusou a deixar seu olhar vacilar.
— É verdade. Eu escrevi essas palavras.
— Tsk, tsk. Que sentimentos perigosos para uma refém
cuja vida pode estar em risco. — Veronique sorriu de uma
maneira que fez Claire se sentir mal com um mau
pressentimento.
— É nisso que eu acredito, — Claire disse, menos
desafiadora do que ela esperava. — Nem você, nem Tye, nem
qualquer outra pessoa me disse que eu estava proibida de
escrever meus pensamentos sobre o que estava acontecendo
neste castelo.
Com uma fungada irritada, Veronique fechou o diário.
Cruzando os braços, ela o segurou contra o peito.
— Não importa se você teve ou não permissão para
escrever tais palavras. Tye terá este diário e decidirá o que
fazer com ele. — Ela deu uma risadinha. — E, o que fazer com
você.
Os nós dos dedos de Claire embranqueceram quando ela
apertou a roupa de cama. Ela nunca pretendeu que Tye lesse
seus escritos particulares sobre ele. Ela tinha sido crítica em
alguns casos, simpática em outros. Talvez ela pudesse pegar o
diário e escondê-lo novamente antes que ele tivesse a chance
de lê-lo?
Mesmo enquanto sua mente desesperada se agarrava a
esse pensamento, uma das portas do solar se abriu. Tye
entrou. Ele estava completamente vestido com uma túnica
cinza pesada que ia até os joelhos e chausses preta, com a
espada presa ao cinto. A barba por fazer escurecia sua
mandíbula.
Um rubor a esquentou quando ela se lembrou dele
seminu e dourado pela chama do fogo, sua pele bronzeada
brilhando enquanto ele mergulhava a cabeça entre suas
coxas. Uma dor surda se espalhou por ela, uma dor que agora
reconhecia como uma fome sensual.
Veronique bateu palmas.
— Estávamos falando sobre você, Tye.
Seu olhar pousou em Claire, e seu pulso acelerou
descontroladamente. Ela sorriu, não pôde evitar depois da
noite que passaram juntos, mas o sorriso congelou antes de
se formar totalmente em seus lábios.
Algo estava errado.
Tye parecia inquieto, seus sentimentos fortemente
protegidos, longe do amante alegre que ela conhecera na noite
anterior.
Por quê ? O que aconteceu enquanto ela dormia? O medo
apagou o desejo dentro dela e a deixou gelada.
Tye desviou o olhar, as mãos cerradas ao lado do corpo.
Uma fúria inquieta cintilou em suas feições quando ele fechou
a porta e parou perto de Veronique.
— Mãe.
— Tye. — Ela deu um tapinha em sua bochecha.
Ele deu um passo para o lado, fora do alcance dela.
— O que você está fazendo aqui? Os servos ainda nem
acordaram.
— Eu devolvi suas adagas afiadas, como prometi.
Com as mãos nos quadris, ele fez uma careta.
— Mais cedo, — continuou Veronique, — eu também
peguei emprestadas as cartas de Claire. Acabei de devolvê-las.
Que leitura fascinante elas eram.
— Sangue de Deus! Eu disse para você não tocar nelas.
Por que o fez?
— Por quê? — Veronique riu, um som áspero. — Ainda
temos que vencer nossa batalha contra seu senhor. As cartas
podem conter detalhes que nos ajudariam a derrotá-lo.
Claire sufocou um grito indignado. Certamente Tye não
aceitaria essa justificativa para o que sua mãe tinha feito.
— Não pareça tão hostil, Tye. — Veronique estendeu o
diário de Claire. — Você sabia que ela tem mantido um
registro por escrito da aquisição deste castelo e de todos os
envolvidos? Existem seções fascinantes sobre você.
O olhar de Tye deslizou para Claire. Ela prendeu a
respiração com o peso de seu olhar angustiado; a
vulnerabilidade desapareceu em um piscar de olhos e foi
substituída por fúria.
— Isso é verdade?
Não fazia sentido negar. Sua mãe segurava a prova em
suas mãos. Claire acenou com a cabeça.
Tye pegou o diário das mãos de sua mãe.
— Você não sabia sobre este diário, então? — Veronique
perguntou alegremente.
— Não até agora, — disse Tye.
Veronique estalou a língua como se Claire tivesse
cometido o mais grave dos crimes.
— Que erro, Claire, manter segredos do senhor do
castelo.
Claire sufocou um grito de frustração.
— Como eu lhe disse...
— Tye tem seus próprios segredos, no entanto, —
Veronique continuou, abafando as palavras de Claire. —
Escuros segredos. Sim?
Ele parecia assombrado, inquieto até a alma.
— Mãe.
— A última carta do amado Henry de Claire é
especialmente esclarecedora.
O rosto de Tye se tornou tão temível que Claire
estremeceu.
— Chega! — ele rugiu.
Veronique sorriu para Claire.
— Você sabia que Tye matou Henry?
Capítulo Vinte e Três
— Você matou Henry? — As palavras de Claire
emergiram com o mais simples sopro de som. Ela olhava
boquiaberta para Tye, enquanto o horror a inundava em uma
onda de choque entorpecente. Seu coração se tornou um peso
de chumbo lutando para bater em seu peito.
O rosto de Tye era uma máscara de indignação. Seu
olhar ardente moveu para sua mãe antes de retornar para ela.
— Eu matei, — ele finalmente disse. Ele falou sem o
menor remorso.
A frieza dentro de Claire se estabeleceu em seus ossos.
Lágrimas arderam em seus olhos. Incapaz de controlar seu
tremor, ela virou a cabeça para olhar para a parede oposta e
levou a mão aos lábios. Oh Deus. Oh, Deus misericordioso. Ela
nunca esperou ouvir uma admissão tão terrível de Tye.
Mesmo assim, dias atrás, ele disse a ela que havia escapado
do cativeiro no Castelo de Branton, onde Henry trabalhava
para de Lanceau.
Ela deveria ter pressionado Tye para obter mais
informações sobre sua fuga, reunido o máximo de detalhes
possível. Em vez disso, ela deixou o bastardo seduzi-la.
Por meio de sua fraqueza, ela desonrou Henry.
A culpa não era inteiramente dela, no entanto. Ao reter a
verdade até agora, Tye a desonrou, todas as vezes que a
cortejou e, acima de tudo, na noite anterior.
Ele a traiu da pior maneira possível.
Ela nunca o perdoaria por isso. Nunca.
Ela olhou para a colcha na cama.
— Quão…? — O resto de suas palavras falhou. A culpa e
o ódio aumentaram, pois ela beijou o vilão que assassinou
Henry. Ela se deitou na mesma cama que Tye e o fez de boa
vontade. Ela o deixou acariciá-la, dar-lhe prazer...
O vômito escaldou o fundo de sua boca. Ela o forçou
para baixo.
— Uma expressão tão lamentável. — Veronique
gargalhou. — Parece que você acabou de apunhalá-la no
coração.
— Fique quieta, — Tye rosnou.
Claire deu um suspiro estremecido, mal segurando seus
soluços. Ela se recusava a chorar na frente de Veronique ou
Tye. Ela nunca se permitiria parecer tão derrotada. No
entanto, a dormência dentro dela estava derretendo em uma
dor agonizante.
Forçando-se a encontrar o olhar de Tye, ela perguntou:
— Por que você não me contou antes? — Ela parecia ter
perdido tudo o que amava; de muitas maneiras, tinha.
Um lampejo de arrependimento tocou seus olhos, mas
desapareceu em um instante.
— Não sabia que ele era o homem que eu havia matado.
Não até eu ler a última carta dele há poucas horas.
Era verdade ou Tye esperava que Claire nunca
descobrisse o que ele tinha feito?
A fúria ferveu dentro dela.
— Eu te odeio, Tye. Eu te odeio por tudo o que você fez!
— Tsk, tsk, — Veronique cacarejou. Ela parecia
encantada com o drama que se desenrolava.
— Deixe-a em paz, — Tye gritou para sua mãe. Sua
atenção novamente se fixou em Claire, e ela desviou o olhar,
com lágrimas escorrendo pelo rosto. — Nunca pretendi que
você descobrisse dessa forma, — disse ele.
Uma risada vazia saiu de Claire.
— Você pretendia me contar?
Ele não respondeu. Foi resposta suficiente.
Segurando a roupa de cama contra o peito, ela se
inclinou e agarrou suas roupas, ainda deitada na colcha.
Enquanto ela lutava para endireitar as roupas para vesti-las,
Tye caminhou até a cabeceira da cama. Ele colocou uma mão
gentil em seu ombro nu.
Claire recuou.
— Não me toque!
— Eu ia te contar, — ele disse baixinho, sua mão caindo.
— Uma vez que eu soubesse como.
Suas palavras continham uma dor crua que tocou a
ferida dentro dela. Ele quase parecia gentil, um novo desafio
emocional que ela não podia suportar. Sua boca se contraiu
em um soluço.
Ele fez um pequeno som estrangulado.
— Você tem que acreditar em mim.
Por que ele se importava se ela acreditava nele ou não?
Ela também não queria se importar, mas se importava. Seu
tormento era profundo.
— Pobre Claire, reduzida às lágrimas, — Veronique
murmurou, seu tom inegavelmente exultante. — Ela sofreu
muito esta noite.
A cabeça de Claire girou em uma rápida onda de raiva e
desespero. Um calmante esquecimento pairava nas bordas de
sua mente.
Enquanto Tye rosnava em resposta a Veronique, um
zumbido soou nos ouvidos de Claire. Ele ficou cada vez mais
alto, como um inseto se preparando para picar. A escuridão
acenava-lhe.
Ela fechou os olhos e a escuridão chegou e a tomou.

***

Com a mandíbula tensa, Tye olhou para Claire caída de


lado na cama, os olhos fechados, o cabelo espalhado ao redor
dela. Seu corpo curvado para dentro, como se ela
instintivamente tentasse proteger seu coração partido de
novos ataques. Uma dor esmagadora se espalhou por seu
peito, pois ele nunca quis machucá-la dessa forma. Ele se
inclinou sobre ela, puxou a roupa de cama que havia caído e
cobriu seus seios expostos.
Sua mãe veio atrás dele.
— Ela desmaiou?
— Sim, graças a você, — ele grunhiu. Conhecendo sua
mãe, ela queria ver Claire devastada pela dor; sua mãe
gostava desse esporte.
— Você me culpa? — Veronique soprou. — Eu não matei
Henry.
— Você não tinha que dizer a ela de uma maneira tão
descuidada, também. — Tye enfrentou sua mãe, palavras
amargas aglomerando-se dentro dele, sua fúria uma besta
selvagem e perigosa agarrando-se dentro dele pronta para se
libertar. Ela machucou Claire, sua cativante, adorável e linda
gatinha.
Tal proteção feroz agitou dentro dele. Ele lutou com a
intensidade de seus sentimentos, enquanto parte dele admitia
que Claire logo teria descoberto sobre Henry de qualquer
maneira. Ele tinha a intenção de contar a ela. Depois de ler a
carta e lutar com sua consciência, ele decidiu que deveria lhe
contar a verdade. Mesmo que fosse difícil, era a coisa certa a
fazer. Uma questão, acima de todas as ironias, de honra.
— Por que você está tão bravo? — sua mãe perguntou.
— Por que não? — ele rosnou. — Você desobedeceu
minhas ordens em relação às cartas. Você...
— Eu estava tentando te ajudar, — ela interrompeu. —
Antes de você me repreender pela poção em sua bebida, isso
era para ajudá-lo também.
Ele suprimiu uma risada atordoada.
— Ajudar-me?
— Uma vez que você a tivesse tomado, ela não seria mais
uma tentação. Com sua luxúria saciada, você seria capaz de
se concentrar novamente no desafio à frente: a razão pela
qual você conquistou esta fortaleza em primeiro lugar. —
Seus olhos se arregalaram, suavizados com um apelo. — Não
fique chateado. Eu quero que você tenha sucesso. Estou
orgulhosa do homem, o líder em que você se tornou.
Certamente você entende que devo fazer tudo o que puder
para garantir sua vitória? É uma vitória que você merece.
Tye balançou a cabeça. Dane-se ela. Sua mãe não
elogiava com frequência. Quando ela fazia isso, significava
muito para ele, como agora.
A raiva ainda fervilhava dentro dele, porém, guerreando
com o prazer das palavras de sua mãe. Ele tinha o direito de
ficar furioso. Claire não era uma prostituta para ele usar e
jogar fora. Ele também não era um menino estúpido que
precisava de uma mãe para exercer controle firme sobre suas
decisões e ações.
— Estou bem ciente do que pretendo alcançar, mãe.
— Então está tudo resolvido.
— Não, não está. Agradeço sua confiança em mim. No
entanto, o que você fez com Claire foi injusto.
— Injusto? Por que, eu...
— Não me drogue novamente. Não mexa no vinho ou nas
infusões de Claire.
Um suspiro desapontado escapou de sua mãe.
— Você... você sente pena dela?
Ele olhou de volta para a forma imóvel de Claire, e uma
angústia doentia encheu seu intestino. Ele sentia pena dela e
muito mais. Na verdade, mais do que ele já sentiu por
qualquer mulher em toda sua vida miserável.
— Tye, me diga a verdade. Você se importa com ela? —
Sua mãe parecia apenas curiosa, mas ele discerniu uma
intenção mais sombria por trás da pergunta.
Ele não admitiria se importar. Ele nunca revelaria que
queria que Claire fosse sua esposa. Ele não podia, pois a vida
dela corria um perigo terrível e imediato. Forçando um
encolher de ombros indolente, ele disse:
— Eu tornei a noite passada agradável para ela, se é isso
que você está perguntando.
Um brilho iluminou as feições de sua mãe.
— O que você planejou, com a poção na bebida,
aconteceu, — ele acrescentou, garantindo que sua mãe
soubesse o que ela queria saber. — Claire não será mais uma
distração.
— Bom. — Sua mãe deu uma risadinha. — Como foi
fornicar com ela?
— Não me pergunte mais sobre a véspera passada. — Ele
recuperou a camisa de Claire, tão sedosa e macia quanto sua
pele clara, e sacudiu as rugas. — Agora, devo pedir-lhe para
sair. Há muito a fazer neste dia se logo vou derrotar meu
senhor.

***

— Claire.
A voz de Mary se filtrou nos pensamentos adormecidos
de Claire. Então, ela sentiu uma cutucada em seu ombro.
— Vamos. Acorde.
Claire piscou os olhos abertos. Lembranças de tudo o
que havia acontecido no solar invadiram sua mente, fazendo
seus olhos queimarem novamente. Ela gemeu contra a
fronha.
— Finalmente você está acordada. — Mary se deixou cair
na beira da cama. — Vou começar a chamá-la de Rainha do
Sono ao Longo do Dia.
Engolindo em seco, com a garganta seca, Claire ergueu a
cabeça. Ela estava em seu próprio quarto, sob os cobertores
de sua própria cama, vestindo a camisa que usara na noite
anterior. Seu vestido estava amontoado na mesa de cavalete.
Tye deve ter deixado lá depois de carregá-la de volta para
seu quarto antes que os criados tivessem começado suas
tarefas matinais, como ele havia prometido. Sem dúvida, ele
também a vestiu com sua camisa. Ela soube instintivamente
que Tye o fizera, não Veronique; a mulher mais velha não
teria se incomodado. Um arrepio percorreu Claire, pois ele
colocou a roupa em seu corpo nu depois que ela desmaiou,
como se ela fosse uma boneca viva. Que coisa horrível,
simplesmente imperdoável, que ela tivesse desmaiado; ainda
assim, ela não foi capaz de evitar.
Seu olhar ardente voltou para Mary. Sua querida amiga
parecia preocupada.
— Você não está bem? Você não disse uma palavra e
está com uma aparência horrível.
— Eu... — As palavras desapareceram. Claire lutou
contra a pressão de um soluço crescendo dentro dela. Como
ela começaria a contar a Mary o que acontecera na noite
anterior?
— Tye foi me buscar no grande salão, sabe — disse
Mary, cruzando as mãos no colo. — Passei a noite passada no
quarto de Lady Brackendale e fui escoltada até o salão para
quebrar meu jejum. Foi totalmente inesperado, não ser
devolvida imediatamente ao meu quarto, mas fiquei feliz com
a oportunidade de esticar as pernas e desfrutar um pouco do
dia no salão. Foi onde Tye me encontrou. Ele disse que você
ainda estava dormindo, embora fosse o final da manhã. Ele
me pediu para olhar para você. Ele parecia, ouso dizer,
preocupado.
— Preocupado, — Claire ecoou com uma pequena risada.
Ela deixou cair a cabeça no travesseiro e, apesar de seus
melhores esforços para contê-las, as lágrimas transbordaram
de seus olhos.
Mary gentilmente passou a mão pelo cabelo solto de
Claire.
— Claire? Por favor. O que está errado?
Fungando, Claire se levantou e se sentou. Ela enxugou
as lágrimas do rosto com dedos trêmulos.
— O que quer que esteja pesando em seu coração, —
disse Mary solenemente, — posso dizer que é uma questão de
grande importância. Você precisa me dizer. Eu morrerei por
não saber.
— Eu vou te dizer, — Claire disse, fungando novamente.
— Eu tenho que dizê-lo. É demais para eu suportar sozinha.
— Aconteceu alguma coisa ontem à noite?
— Sim.
A impaciência brilhou nos olhos de Mary, mas ela se
sentou em silêncio, esperando que Claire continuasse.
— Tye... — Claire forçou um grito angustiado. — Ele
matou Henry.
— Oh, Deus! — Mary sussurrou. — Como?
— Na fuga do... Castelo de Branton. — As palavras de
Claire terminaram em um gemido desesperado, e então os
braços de Mary a envolveram, segurando-a com força,
enquanto ela chorava.
Enquanto Claire chorava no ombro de Mary, ela contou a
Mary tudo o que tinha acontecido, até o momento em que ela
desmaiou. Quando não havia mais nada para contar, Claire
simplesmente chorou, arrancada por soluços que drenaram
até a última gota de sua tristeza e a deixaram estremecida e
exausta. Em meio a tudo isso, Mary murmurou palavras de
conforto e nem uma vez a deixou sair de seu abraço.
Por fim, Mary se afastou de Claire e pegou um lenço.
— Você teve uma aventura e tanto ontem à noite, —
disse ela, entregando o quadrado de linho dobrado. — Você
falou a verdade que Tye não te machucou?
— Eu falei. Ele foi gentil comigo e, na verdade, muito
galante. É isso que torna tudo o que eu disse muito pior. —
Claire secou os olhos. Ela só podia imaginar a bagunça que
parecia, seu rosto vermelho e manchado, suas tranças um
emaranhado rebelde. À medida que sua respiração se
acalmava, a tristeza se instalou. Ela não era mais uma
donzela imaculada. Ela não tinha perdido a virgindade, mas
isso parecia insignificante perto da compreensão de que
encontrou prazer na cama do homem que assassinou seu
prometido.
Novas lágrimas ameaçaram. Mary poderia estar tão
chocada com o que ouviu que não gostaria mais de ser
melhores amigas.
O vestido de Mary farfalhou quando ela se afastou da
cama.
— Por favor, — Claire sussurrou. — Não vá.
Com uma pequena bufada de impaciência, Mary disse:
— Claro que não irei! Que tipo de melhor amiga você
acha que eu sou?
A esperança aqueceu Claire.
— Estou feliz. Eu não suportaria... perder sua amizade.
— Nem eu a sua — disse Mary com um sorriso terno. —
Estou andando de um lado para o outro porque, bem, penso
melhor com meus pés em movimento. Devemos seguir os
exemplos de nossas heroínas favoritas das Chansons.
Precisamos descobrir o que fazer a seguir.
Claire suspirou.
— Ainda não conseguimos chegar ao porão de
armazenamento e destrancar a porta, como Lady Brackendale
sugeriu.
— Devemos fazer disso nossa prioridade, — disse Mary.
Claire acenou com a cabeça e enxugou a última de suas
lágrimas.
— De Lanceau já deve ter sabido do cerco de Wode. Na
verdade, quanto mais cedo tivermos essa porta destrancada,
melhor.
Capítulo Vinte e Quatro
Um zumbido constante enchia o grande salão de Wode.
Os mercenários nas mesas perto da entrada da construção
enfiavam comida na boca enquanto falavam, gargalhavam e
arrotavam o caldo de legumes, o queijo e o pão servidos no
jantar. Sentada em uma mesa tranquila do outro lado do
salão com Mary, Claire dava pequenos bocados na comida e
manteve uma vigilância discreta sobre todos que entravam e
saíam.
Lady Brackendale não se juntou a elas para a refeição;
ela provavelmente não tinha permissão. Veronique e Tye
também não apareceram. Claire esperava que pelo menos ele
jantasse na mesa do lorde, apenas para mostrar sua
autoridade, mas ou seus deveres o impediram de participar
ou ele escolheu ficar longe.
Seja qual for o motivo, Claire estava feliz. Ela não queria
ter que enfrentá-lo. Não agora. Não até que ela tivesse um
controle firme mais uma vez sobre suas emoções.
Especialmente quando ela estava se preparando para se
deslizar para a adega.
Sentado à mesa em frente a elas, junto com um grupo de
criados, Witt pegou um pedaço de pão. O rapaz estava mais
do que disposto a ajudar com o plano delas, explicou-lhe
rapidamente enquanto os mercenários se cumprimentavam e
se acomodavam nos bancos ao lado das mesas.
Witt ergueu a cabeça, acenou levemente para ela e voltou
à refeição.
O olhar de Claire continuou, como se a comunicação
silenciosa não tivesse sido significativa, mas ela não
conseguiu suprimir uma onda de apreensão. Quando
chegasse o momento de agir, ela e Witt estariam prontos.
Esperançosamente, Mary também.
Mary pousou a colher ao lado da tigela de sopa.
— Eu simplesmente não consigo comer mais nada. Meu
estômago está revirando.
— O meu também, — Claire admitiu. Elas revisaram o
plano várias vezes antes que os mercenários as escoltassem
até o salão para comer. No entanto, muito dependia de Mary
desmaiar e fazê-lo de maneira brilhante. E se, apesar de suas
melhores intenções, ela não pudesse sucumbir no momento
certo? Seria catastrófico.
Claire deu um gole em seu vinho. Em voz baixa, ela
disse:
— Pelo menos não precisamos nos preocupar com Tye
nos vigiando.
Mary mordeu o lábio.
— Eu prometo fazer o que você precisa que eu faça. Só
me diga quando.
Claire estudou as mesas dos mercenários. A maioria dos
bandidos havia acabado de comer. Muitos estavam com o
rosto vermelho de tanta cerveja. Logo eles estariam voltando
para seus postos.
Claire respirou fundo.
— Tudo bem. Comecemos. — Ela bebeu um último gole
de vinho para dar sorte e se levantou.
Um som estridente, semelhante a um guincho ansioso,
irrompeu de Mary. Ela se levantou da mesa, seus lábios se
movendo em uma oração fervorosa.
Witt deixou seu pão de lado. Depois de uma palavra
rápida para os criados sentados de cada lado dele, ele se
levantou, puxando para baixo as mangas sujas de sua túnica.
Ele caminhou até o final da mesa.
— Boa sorte, — Claire disse suavemente para Mary.
— Você também. — Com a cabeça erguida, Mary
caminhou em direção aos mercenários.
Enquanto Claire se encaminhava para Witt, várias
criadas captaram seu olhar e discretamente assentiram. A
excitação percorreu Claire, pois o menino inteligente
claramente conseguiu recrutar mais ajudantes para sua
distração.
Mary alcançou os mercenários. Os homens a olharam
com desconfiança e diversão.
— Você. — Mary apontou para o bandido que havia
revistado suas vestes em busca de armas no dia em que o
castelo foi sitiado. — Eu quero uma palavra com você.
Com os braços apoiados na mesa, o homem semicerrou
os olhos para ela, seu sorriso revelando dentes manchados.
— O que você quer comigo, milady?
Servos curiosos se aglomeraram mais perto para assistir
ao drama que se desenrolava.
Exatamente como Claire esperava.
Ela resistiu ao desejo de se apressar. Passos lentos e
constantes. Apenas um pouco mais e ela alcançaria o lado de
Witt.
— Você me prestou um grave desserviço, — disse Mary,
claramente indignada.
— Eu? — O sorriso do caipira se alargou. Seus
companheiros mercenários, apreciando o espetáculo, riram e
se acotovelaram.
Claire alcançou Witt, e ele se moveu ao lado dela. Com
cuidado, eles se moveram para a pequeno quarto fora do
grande salão.
— Você enfiou a mão imunda no meu vestido, — disse
Mary.
Gritos de choque percorreram o salão.
— Uma violação! — uma mulher gritou.
— Que horrível, — outra falou estridente.
Depois de pegar uma tocha acesa do suporte de parede
mais próxima, Claire correu para a câmara lateral sombreada,
Witt logo atrás dela. Ele a seguiu até a porta em arco na outra
extremidade do quarto.
Com a mão na maçaneta da porta de ferro, ela olhou
para trás por cima do ombro.
— Devemos ir em silêncio, — ela sussurrou. — Pode
haver guardas abaixo.
— Sim, milady — Witt sussurrou de volta. Ele retirou um
objeto enfiado no cós da calça: um estilingue feito de linho.
Ele deu um tapinha na sacola de pano guardada lá também.
Ela sorriu.
— Bem feito.
— Eu sou um bom atirador, — disse ele, sorrindo. —
Você verá.
Claire abriu a porta. Uma luz fraca tremeluziu mais
abaixo na escada curva, indicando que as tochas foram
acesas; ainda mais razão para ser cautelosa.
Ela desceu as escadas de pedra irregulares, a mão
direita pressionada contra a parede, a mão esquerda
segurando a tocha. Seu vestido farfalhava a cada um de seus
passos e seus sapatos raspavam suavemente na pedra, mas
ela não pôde evitar esses sons. Witt estava apenas um passo
atrás, seus movimentos quase silenciosos, seu estilingue em
punho.
Os passos terminaram em um corredor largo. À esquerda
estava o caminho para o arsenal. À direita, as quartos de
armazenamento. Espiando pela parede da escada, ela
procurou por guardas.
Um bandido alto e armado estava fora do arsenal. No
entanto, em vez de ficar olhando para o que acontecia no
corredor, ele estava cutucando uma crosta de uma ferida que
cortava sua bochecha esquerda. Uma panela de barro,
semelhante às que as curandeiras locais usavam como
unguento, repousava sobre uma pilha de caixotes da altura
da cintura ao lado dele.
Ela sentiu Witt olhando ao seu redor.
Antes que ela pudesse dizer uma palavra, ele sussurrou:
— Eu posso cuidar dele.
O menino saiu da escada, correu para a parede oposta e
se agachou; a pilha de caixas bloqueava a visão do bandido.
Com passos silenciosos e cautelosos, Witt dirigiu-se ao
arsenal.
O guarda, ainda alheio, continuou a mexer em seu
ferimento.
Claire não queria ver o que iria acontecer, mas ela
também não conseguia desviar o olhar. Ela nunca se
perdoaria se Witt sofresse algum dano.
No meio do caminho para o mercenário, Witt parou e
enfiou a mão na sacola de pano. Ele deve ter feito um som
leve, pois o bandido franziu a testa, colocou a mão no punho
da espada e se afastou das caixas.
Witt correu para o salão. Erguendo o braço direito bem
alto, ele girou o estilingue, causando um ruído sibilante. Uma
pequena pedra voou da arma e atingiu o mercenário na testa,
que estremeceu e cambaleou para trás. Enquanto tentava
desembainhar a espada, Witt disparou outra pedra. O homem
bateu na parede, sua cabeça bateu na pedra e ele desabou,
inconsciente.
— Bem feito! — Claire respirou.
Witt voltou para ela.
— Tenho muito mais pedras, se precisarmos delas.
— Bom. Agora, vamos nos apressar, caso ele não seja o
único guarda aqui embaixo.
Juntos, eles caminharam para a câmara de
armazenamento de vinho. Claire colocou a tocha acesa no
suporte da parede dentro do quarto. A luz cintilou sobre os
grandes barris de madeira com revestimento de ferro, três
fileiras de profundidade e duas de altura, alguns revestidos
com poeira espessa, que estavam empilhados contra
tapeçarias desbotadas à sua esquerda. À direita, havia
prateleiras altas com barris e jarros menores, juntamente com
várias tochas de junco e rolos de corda.
— Vou ficar de guarda, milady, — disse Witt, —
enquanto você encontra a porta escondida.
— Tudo bem. — Com uma pontada de pavor, Claire
esperava que a porta não estivesse atrás dos barris. Se
estivessem cheios de cerveja ou vinho, ela e Witt não seriam
capazes de movê-los.
Parando ao lado das prateleiras, ela passou o dedo por
uma das jarras com uma rolha de cortiça. Seu olhar deslizou
de volta para as tapeçarias, ambas retratando cenas de
batalha. Um retratava um cruzado vitorioso segurando a
cabeça decepada de um animal. A tecelagem era tão longa
que se espalhava pelo chão sob a última fileira de barris. Ela
se lembrou de Lady Brackendale dizendo que não gostava de
olhar para uma visão tão horrível enquanto comia, e assim
ordenou que a tapeçaria fosse guardada. Por que, então,
estava pendurada no porão?
Claire examinou a tapeçaria enquanto caminhava na
frente das fileiras de barris na parede traseira. Ela não podia
ver nada fora de ordem, mas uma porta secreta destinava-se
a permanecer secreta, exceto para aqueles que sabiam que
estava lá.
— Witt, venha me ajudar. Precisamos mover esses barris
de lado.
A dúvida tocou o olhar do rapaz, mas ele veio para
ajudar. Juntos, eles se agarraram a um barril superior
empoleirado no final da fileira da frente, perto da parede
posterior. Eles deram um bom empurrão. Embora pesado, o
barril definitivamente não estava cheio. Com um baque surdo,
ele caiu no chão e rolou para longe, o líquido espirrando por
dentro.
— Mais fácil do que eu pensava, — disse Witt.
Claire olhou para a entrada da câmara. O barril caindo
fez um barulho alto. Ela correu para o salão, tentando ouvir
qualquer passo que se aproximasse, mas tudo permaneceu
em silêncio. Ainda assim, eles deviam se apressar.
— Agora, este barril, — Claire disse, agarrando o que
estava embaixo do barril que eles tinham acabado de mover.
Com fortes empurrões, eles conseguiram movê-lo para a
parede oposta.
Eles moveram mais quatro barris. Agora, a metade
direita da tapeçaria foi liberada. Ela puxou a tapeçaria
empoeirada da parede.
A diante , havia uma porta retangular de madeira alta o
suficiente para um homem agachado passar.
— Pronto, — ela sussurrou.
Witt estendeu a mão e empurrou a porta. Ele não se
mexeu.
— Está bloqueada.
— Lady Brackendale disse que a chave está sob uma
laje. — Caindo de joelhos, Claire apalpou as pedras sob seus
pés. Se a chave estivesse sob uma laje, sob um dos barris
cheios, seria difícil encontrá-la. No entanto, os barris
parcialmente cheios na frente da tapeçaria sugeriam que
alguém na fortaleza conhecia a porta e a deixara de fácil
acesso, se necessário. Isso significa que a chave também deve
estar em um local acessível.
Claire empurrou metodicamente cada pedra do chão à
sua frente, procurando por qualquer uma que balançasse ou
mudasse enquanto ela caminhava até a parede do fundo. Em
suas mãos e joelhos ao lado dela, Witt testou as pedras à sua
frente. Mordendo o lábio, Claire pressionou e rastejou. Nada.
Pouco antes de sua mão tocar a parede traseira, ela
empurrou uma pedra com uma depressão perto de um canto.
Com um som áspero e forte, a pedra subiu uma fração.
— Você achou! — Disse Witt.
— Espero que sim. — Mais uma vez, ela pressionou o
canto com o recuo. A pedra subiu na extremidade oposta,
mas não o suficiente para ela colocar a mão para levantá-la.
— Tente pisar nela, milady.
Lutando para ficar de pé, Claire fez o que ele sugeriu. A
pedra ergueu-se do lado de Witt. Movendo-se para ficar de
frente para a borda ascendente, ele agarrou a laje e puxou-o
com uma careta. A pedra pesada se soltou.
Com uma risada exultante, Claire caiu perto de Witt
novamente. Juntos, eles moveram a pedra de lado para
revelar uma cavidade sombreada.
Antes que ela reunisse coragem para alcançar o recesso,
Witt enfiou a mão, tateou ao redor e puxou uma chave
pendurada em um fino cordão de couro.
— Devo destrancar a porta, milady?
A ansiedade iluminava seu rosto. Claire sorriu, pois ela
sentiu que era importante para Witt que ele fosse o único a
cumprir essa importante tarefa. Assim que de Lanceau
recuperasse o controle da fortaleza, o rapaz podia gabar-se de
ter aberto a porta para que os homens do seu senhorio
pudessem entrar secretamente na fortaleza. Um dia, o rapaz
poderia até ser elogiado em uma chanson.
E porque não? Ele era um jovem corajoso. Ele mereceu a
honra.
— Vá em frente, então, — Claire disse. Antes que as
palavras saíssem de seus lábios, ele correu para a porta.
A chave deslizou para dentro da fechadura com um ruído
abafado de rangido. Então, ao girar a chave, um clique.
O menino abriu a porta. Uma rajada de ar frio e úmido
flutuou para fora da abertura, como se um espírito há muito
tempo esquecido tivesse estendido os braços gelados para
puxá-lo para dentro.
Olhando para a escuridão, ele estremeceu.
— Está cheirando a mofo lá dentro.
Espiando ao lado dele, Claire disse:
— Essa passagem provavelmente não é usada há anos.
— Eu devo entrar e ter certeza de que está tudo limpo.
Está tudo bem para você, milady?
Witt era tão corajoso e nobre quanto seu avô.
— Tudo bem. Espere um momento. — Claire pegou um
dos juncos das prateleiras, acendeu-o usando a tocha no
suporte de parede e entregou a ele.
Com um aceno de agradecimento, o menino pegou a luz
e entrou no túnel. A chama estalou, iluminando teias de
aranha caindo do teto baixo. Enquanto ele se movia mais
para dentro do corredor estreito, a luz da tocha moveu nas
paredes ásperas de pedra. A luz ficou mais fraca. Seus passos
não passaram de arranhões abafados.
Abraçando-se, Claire ficou muito quieta, ouvindo não
apenas os sons do túnel secreto, mas do salão principal. O
bandido que Witt deixara sem sentido acordaria logo, ou um
de seus camaradas o encontraria e soaria o alarme.
Depressa, Witt. Depressa.
Enquanto o silêncio continuava, uma sensação
incômoda de arrependimento pesou sobre ela. Tye ficaria
furioso se descobrisse a porta escondida destrancada; ela
estava, afinal, fazendo o que podia para ajudar seu senhor a
entrar e retomar Wode. Tye poderia até ser ferido ou morto na
batalha. Embora odiasse que Tye tivesse assassinado Henry,
ela não podia dizer honestamente que o queria morto.
Você tem o direito de odiá-lo. Ele te enganou, outra
vozinha dentro dela disse. Esqueceste-te?
Não. Ela não tinha e nunca esqueceria. Reunindo sua
determinação, ela forçou o arrependimento de lado.
Um ruído, um arranhar veio de dentro do túnel. A luz
ficou mais forte novamente. Witt saiu com dificuldade, as
roupas cobertas de poeira e teias de aranha, os olhos
enormes.
— Há algo ali, — ele disse, estremecendo.
— Ratos?
Ele estremeceu novamente.
— Não sei. Eu não vi, mas se afastou do alcance da luz.
— Mas o túnel está livre? — Claire perguntou, pegando a
tocha dele.
— Tanto quanto eu vi. Por favor, milady, não me faça
voltar para lá.
Seria melhor se todo o túnel fosse verificado em busca de
bloqueios, mas ela sabia que eles tiveram sorte de não terem
sido descobertos ainda.
— Fizemos o que viemos fazer. — Ela fechou a porta,
apagou o junco e colocou-o de lado, então puxou a tapeçaria
de volta no lugar. — Agora, vamos mover esses barris para
que não fiquem tão obviamente fora de lugar.
Eles manobraram os barris para a frente das fileiras.
Assim que terminaram de mover o último, gritos vieram do
salão. Witt fez um som estrangulado e avançou para a laje
desalojada. Ele jogou a chave na cavidade e empurrou a pedra
de volta para o chão.
As vozes ficaram mais altas.
— Encontre-os! — Veronique explodiu.
Oh, Deus. Ai, meu Deus!
— Milady! — o menino ofegou. Ele freneticamente limpou
a sujeira de suas roupas.
Não havia como passar correndo por Veronique e seus
homens que estariam fortemente armados. Pedras e um
estilingue também não eram páreo para mercenários
treinados quando não havia elemento surpresa.
Agarrando o braço de Witt, Claire o puxou em direção às
prateleiras de vinho e licores.
— Jogue junto, — ela murmurou.
Parecendo apavorado, ele acenou com a cabeça.
— Deixe-me ver, — disse ela, pensativa, sem se importar
em abaixar a voz. Ela pegou uma das jarras de cerâmica. —
Este pode funcionar. Ou...
Veronique correu para o porão, quatro mercenários de
rosto sombrio logo atrás.
— Lá estão eles! — a mulher mais velha gritou.
Claire lutou contra o trovejar de seu pulso. Fingindo
surpresa, ela olhou para Veronique.
— Algo está errado?
Os olhos da mulher se estreitaram em fendas brilhantes.
— Você sabe muito bem.
O medo tomou conta de Claire, mas ela sustentou o
olhar acusador de Veronique e disse calmamente:
— Estávamos procurando vinho para ajudar a curar as
feridas do avô de Witt.
— Não, você não estava. Diga-me o que você realmente
estava fazendo.
— Como eu disse, Witt queria vinho para banhar os
ferimentos de seu avô. Nós não pensamos que isso causaria
qualquer problema.
O olhar de Veronique era tão frio quanto sua risada
incrédula.
— Você está mentindo.
— Talvez você...
— Quieta, — a mulher mais velha ordenou.
— Por favor. Nenhum dano foi feito. Vamos voltar para o
salão...
— Quieta! — Veronique deu um tapa forte no rosto de
Claire. Claire cambaleou de volta para as prateleiras, e o jarro
de cerâmica escorregou de suas mãos. A cerâmica se
espatifou no chão, respingando vinho tinto em seu vestido e
nas lajes.
— Milady — gritou Witt. — Você está bem?
Com a mão pressionada na bochecha dolorida, Claire se
endireitou. Ela nunca havia sido atingida antes. Oh, como ela
queria arrancar aquele sorriso presunçoso do rosto de
Veronique.
— Você. — Veronique apontou para um mercenário. —
Procure nesta quarto. Descubra o que eles estavam fazendo.
O resto de vocês, leve esses prisioneiros para o salão. Se
algum deles disser uma palavra, acerte-os.
Dois mercenários se aglomeraram e seguraram os braços
de Claire. Witt estremeceu quando o terceiro mercenário
pegou seu estilingue e o saco de pedras, jogou-os em uma
prateleira e depois o agarrou pelas costas da túnica, mas
permaneceu em silêncio.
Claire e Witt foram empurrados para o salão principal,
onde o mercenário do arsenal estava, com marcas vermelhas
na testa.
— O garoto tinha um estilingue, — um dos bandidos
disse atrás de Claire.
— Não é de admirar que minha cabeça dói como o fogo
do inferno, — disse o mercenário do arsenal. Seus lábios se
afastaram mostrando seus dentes quando ele deu um passo
em direção a Witt.
Veronique interceptou o homem e colocou a mão
esquerda em seu peito.
— Uma pena que ele foi capaz de superar você. — Ela
sorriu para ele.
A vergonha, tingida de medo, tocou as feições do
bandido.
— Isso não acontecerá novamente. Eu juro.
— Você está certo. Não acontecerá. — Veronique ergueu
a mão direita, revelando uma adaga fina, e a cravou no
pescoço do homem.
Witt gritou e se encolheu.
Um grito de medo brotou dentro de Claire, mas ela o
forçou para baixo. Ela não se atreveria a arriscar a ira de
Veronique; ela deve fazer tudo o que puder para proteger Witt.
Os mercenários atrás dela se mexeram inquietos, como se
chocados com a estocada, mas com medo de falar.
O sangue escorreu pela túnica do bandido ferido. Um
ruído gorgolejante saiu dele. Seus olhos rolaram para trás e,
depois de cair de joelhos, ele caiu de cara no chão.
Veronique passou por cima de seu corpo trêmulo e
caminhou para a escada.
— Tragam eles.
Capítulo Vinte Cinco
— Ajoelhe-se, — rosnou Veronique.
Com a respiração entrecortada por entre os dentes,
Claire foi jogada de joelhos no grande salão, seu vestido
encharcado de vinho acumulando-se ao redor dela com os
juncos. Witt foi forçado a se ajoelhar ao lado dela.
Os mercenários ficaram atrás, observando, esperando
que qualquer um deles resistisse de alguma forma. Uma
excitação cruel pairou sobre os bandidos. Eles pareciam
ansiosos por uma luta, e Claire se forçou a ficar muito quieta.
O salão, zumbindo com o barulho momentos atrás, ficou
mortalmente silencioso. Claire sentiu o peso de muitos
olhares, de mercenários, servos e crianças que se agachavam
atrás das saias de suas mães. Mary estava deitada de lado no
chão, os olhos fechados, perto de onde ela enfrentou o
mercenário. As criadas que cuidavam dela haviam congelado
onde estavam agachadas; suas expressões cheias de choque
enquanto elas olhavam para Claire e Witt.
Uma preocupação intensa girou dentro de Claire. Mary
estava bem? Ela esperava desesperadamente que sua querida
amiga não tivesse sofrido algum dano.
Witt, também, deve ser salvo de maus-tratos. Ela o havia
atraído para o plano. Ela faria tudo que pudesse para poupá-
lo da punição.
— Encontre Tye, — disse Veronique. — Ele estava
procurando no nível superior.
Um dos homens atrás de Claire saiu correndo.
Uma sensação terrível de mal estar se instalou na boca
do seu estômago. Ela não queria enfrentar Tye. Ainda assim,
ela deveria. Em memória de Henry, ela deve.
Veronique entrou na linha de visão de Claire.
— Vocês neste salão, — ela disse, alto o suficiente para
que todos ouvissem. — Vão testemunhar o que acontece com
aqueles que tentam nos enganar.
Witt choramingou baixinho.
Claire ansiava por deslizar sua mão na dele, para
oferecer-lhe conforto, mas ela não ousou tentar com os
mercenários atrás deles.
O silêncio tenso continuou, cada uma de suas
respirações mais dolorosas. Claire olhou para os rostos
assustados assistindo. Os mercenários no salão tinham se
movido para ficar em todos os quatro lados do ambiente,
prontos para agir se ordenados.
Oh, Deus. Ai, meu Deus.
Passos rápidos ecoaram no patamar e depois nas
escadas que desciam para o salão. Tye. Ela soube o momento
exato em que ele a viu, pois a consciência a atingiu.
Lute, Claire. Por Henry. Pelo o homem valente que você
perdeu.
Ela enrijeceu a coluna contra o peso penetrante do olhar
de Tye e se recusou a deixar sua postura orgulhosa
escorregar. Apesar de seu tremor, ela olhou para frente e
contou seus passos. Nove. Dez…
O barulho de juncos avisou que ele alcançou o chão do
salão.
Ele foi até ela. Memórias de estar deitado nu em sua
cama a provocavam. A vergonha e o desejo indesejado a
atormentavam, e ela mordeu o lábio, esperando que ele
parasse na sua frente. Em vez disso, ele continuou andando e
ficou atrás dela e de Witt. Os músculos de seus ombros e da
parte inferior das costas se contraíram. Seu corpo inteiro
estava em um agudo estado de espera.
Ela se esforçou para ouvir seu próximo movimento. O
leve rangido de suas botas de couro a alcançou, assim como
seus dedos agarraram uma mecha de seu cabelo e
gentilmente o puxaram para trás. Ela se encolheu. Pior ainda,
sua carne respondeu, recordando cada toque terno de seus
dedos sobre ela e fazendo seu coração traidor doer.
A mortificação a atravessou, pois ela não tinha a
intenção de recuar. Ela deveria ter sido mais forte do que
reagir instintivamente dessa forma. No entanto, com o toque
em seu cabelo, ele lhe mostrou mais do que ela esperava: que
ele tinha uma forma de controle sobre ela, quer ela quisesse
ou não.
— O que você estava fazendo no porão, Claire? — Ele
falou baixinho, mas com uma autoridade que carregou sua
voz pelo salão. Enquanto falava, ele voltou a andar.
Ela mordeu o lábio com mais força, dando boas-vindas à
dor, aproveitando a raiva que fervia em seu peito. Se ela
ficasse em silêncio, não poderia condenar a si mesma ou a
Witt; nem ela faria com que os mercenários ou Veronique
machucassem o menino. Veronique não havia ordenado que
ela ficasse quieta?
Tye entrou em seu campo de visão e parou na frente
dela. Seus olhos estavam no nível de sua virilha, e ela se
recusou a olhar para ele ou para a espada embainhada presa
em seu cinto. Quando Claire olhou para os espectadores, ela
viu que Mary estava sentada, observando, seu rosto pálido.
— Vou perguntar mais uma vez, Claire. O que você
estava fazendo no porão?
Ela estava à beira do colapso, mas não podia desistir
agora. Ela também não conseguia ficar em silêncio. Ela deve
salvar Witt.
— Witt e eu estávamos pegando vinho, para que ele
pudesse dar banho nas feridas de Sutton.
— Uma mentira, — disse Veronique.
— Foi ideia minha ir para o depósito — acrescentou
Claire, — não de Witt. Assumo total responsabilidade.
As roupas de Tye farfalharam quando sua mão esquerda
agarrou seu queixo. Lentamente, pacientemente, ele exerceu
pressão suficiente para que ela fosse forçada a olhar para ele.
Ela se recusou a encontrar seu olhar, mas então, ele
amaldiçoou. A fúria brilhou em seus olhos enquanto seus
dedos roçavam levemente sua bochecha onde Veronique a
havia golpeado.
— Quem bateu nela? — Sua voz era um rosnado furioso.
— Eu bati, — disse Veronique. — Ela recusou minha
ordem para ficar quieta.
— Que insensato da sua parte.
— Ela foi desrespeitosa. Lady ou não, ela tem que
obedecer aos que estão no comando.
— Agora ela está relutante em falar.
Veronique fez uma careta.
— Devo convencê-la a falar? Posso começar a cortar o
menino...
Suspiros percorreram os espectadores no salão.
— Deixe o menino. Claire vai me dizer o que eu quero
saber.
Ela estremeceu, odiando que ele a sentisse tremendo.
Ela preferia arrancar os dedos dele a dizer uma palavra que o
levasse à porta secreta. Seu toque, entretanto, era quente,
persuadindo, causando estragos nela com a pressão de carne
sobre carne.
O som de passos se aproximando alcançou Claire. Ela
rezou para que não fosse o mercenário voltando da busca no
porão.
— O que você achou? — Veronique exigiu.
— Uma porta. Está escondida atrás de uma das
tapeçarias.
Claire fechou os olhos. Tudo o que ela e Witt fizeram foi
em vão.
— Ah. — Veronique deu uma risadinha. — Esta porta.
Para onde isso leva?
— Eu não investiguei. Achei que você gostaria de saber
imediatamente.
— Está desbloqueada?
— Sim, — o mercenário disse. — Eu teria destrancado,
mas não consegui encontrar a chave.
— Claire provavelmente sabe o paradeiro dessa chave, —
disse Veronique. — Se ela vai nos contar ou não...
A mão de Tye caiu do rosto de Claire e ela abriu os olhos.
Como ela desejou que pudesse simplesmente desaparecer da
situação incerta que enfrentava agora.
— Conte-me sobre a porta, — Tye exigiu. — Aonde isso
leva, Claire? Onde está a chave?
Ela apertou os lábios. Aguente firme.
Mas pobre Witt...
— Não diga a ele, milady! — Witt chorou. — Não.
Seus lábios tremeram.
— Se você não vai falar, Claire, você não me deixa
escolha. Acorrente o menino na masmorra — ordenou Tye,
virando-se de costas para ela. Acima dos murmúrios
preocupados dos criados, ele disse: — Leve Lady Sevalliere
para o meu solar.

***

Tye ficou na ameia varrida pelo vento, olhando para o


pátio escuro, onde tochas iluminavam as formas sombreadas
de mercenários vigiando. Mais de seus capangas contratados
caminhavam pela ameia oposta, as palavras uns para os
outros arrebatadas pelo vento e alcançando Tye em
fragmentos de som irreconhecíveis. Além das muralhas da
fortaleza, ele não conseguia ver nada além do preto como
tinta, a vila a diante e o campo sufocado pelo cobertor da
noite. Tudo parecia estar em ordem, mas como ele bem sabia,
a escuridão era boa para esconder o perigo. Lá fora, em algum
lugar, seu pai estava à espreita.
O vento passou uivando pelos merlões de pedra e
deslizou pelas ameias para esvoaçar seus cabelos e roupas.
Ele prendeu a respiração com o ar gelado, pois não havia
parado para colocar a capa. Quando os mercenários
colocaram Claire de pé, ele se afastou, não querendo dar a ela
um vislumbre da turbulência que se agitava dentro dele, uma
pressão implacável alimentada por decepção e raiva. Ele
enrolou as mãos contra a fúria fervente que o impeliu a bater
com o punho na parede de pedra, a bater uma e outra vez e
praguejar até que sua mão sangrasse e sua boca ficasse seca.
Meses atrás, ele poderia ter cedido ao alívio desses
impulsos. Agora, ele resistia. Ele precisava de sua mão para
empunhar sua espada. Ele precisava de sua voz para
comandar seus homens. Tão perto de conquistar seu senhor,
ele precisava de todos os recursos que tinha. Isso não tornou
a agonia dentro dele mais fácil, no entanto.
Claire. Ele cedeu a um gemido áspero. Ele odiava vê-la
tão apavorada, e encontrar a marca inchada em seu rosto
tinha lançado suas emoções mercuriais a um fervor letal. Ele
deveria detestá-la. Ela o traiu, abriu uma porta secreta que
seu pai sem dúvida conhecia, a fim de ajudar seu senhor a
entrar no castelo. No entanto, quando Tye pensava no que ela
tinha feito, a admiração se acendeu dentro dele. Ela era uma
guerreira, sua pequena gatinha feroz. Inteligente também. Ele
viu Mary desabar no chão e adivinhou que a tímida amiga
havia sido persuadida a fornecer uma distração no salão,
enquanto Claire cumpria sua tarefa.
A brisa da noite emaranhou o cabelo em seus olhos e ele
o empurrou para trás com dedos frios, lembrando, de todas
as coisas, como o cabelo de Claire parecia macio contra sua
pele. Ele adorou correr os dedos por sua suavidade, adorou o
cheiro dele contra seu rosto enquanto cochilava com ela
deitada em seus braços. Seu coração se apertou com uma
sensação que ele se lembrava de ter sentido apenas algumas
vezes antes, e nunca tão intensamente.
O que significava esse sentimento? Por que cada
pensamento, cada decisão, parecia mais complicado, por
causa de Claire? O pensamento dela o desprezando, nunca
querendo se deitar com ele novamente, o deixou vazio por
dentro, pois com ela, ele finalmente sentiu que pertencia a
alguém.
— Tye?
Infernos. Todos os seus músculos se contraíram com a
voz de sua mãe.
— Você esqueceu sua capa. — Ela caminhou ao lado
dele, envolta em seu pesado manto de pele curtida. — Você
quer pegar um resfriado?
— Eu não sou uma criança. — Se ela pretendia
repreendê-lo sobre como ele lidou com a situação no salão,
iria embora.
A mão enluvada dela percorreu suas costas em uma
carícia, provocando um grunhido de emoções conflitantes
dentro dele.
— Estou preocupada com você, é tudo, — disse ela.
— Preocupada. — Ele praticamente mordeu a palavra.
Na luz bruxuleante lançada por uma tocha de parede, ela
parecia chocada.
— Você é meu filho. É direito da mãe se preocupar com
seu filho.
Ele a estudou, procurando uma pista quanto ao
propósito dela. Ela estava zombando dele silenciosamente?
— Por que você está tão furioso? — ela perguntou, sua
expressão agora enganosamente inocente.
— Você bateu em Claire.
— Ela traiu você. Ela agiu para minar você...
— E eu vou lidar com ela do meu jeito. Você não deveria
ter batido nela.
Sua mãe soprou, um som de indignação.
— Com aquele ferimento muito perceptível em sua
bochecha, você provou que somos impetuosos e cruéis, —
disse ele, olhando para ela. — Achei que tivesse deixado claro
que nenhuma das mulheres seria machucada, especialmente
mulheres.
A boca de sua mãe se contraiu em desaprovação e então
ela encolheu os ombros.
— A marca vai sarar.
— Em algumas semanas. Nesse ínterim, ela usa uma
prova para que todos no castelo vejam que somos rufiões sem
princípios.
Um sorriso irônico curvou os lábios de sua mãe.
— Bem, nós somos.
— Podemos parecer ter controle sobre esta fortaleza, mas
juro que há muitas pessoas aqui que ainda são leais a Lady
Brackendale. Você não vê que a ferida de Claire vai reunir
apoio para sua senhoria e aumentar o ressentimento para
mim?
— Você armou homens, na verdade alguns dos melhores
mercenários da Inglaterra, para reprimir qualquer resistência.
— Sua mãe franziu a testa. — Por que você está tão
preocupado com o ferimento de Claire? É um ferimento leve e
não vale a pena se preocupar.
— Não é? Posso ser um patife nato, mas nunca bati em
uma mulher, especialmente em uma lady de nascimento
nobre. Eu não faria em nenhuma circunstância.
— Quão nobre de sua parte, — sua mãe zombou. — Você
pode ter esquecido, mas Claire é uma cativa. Ela é a inimiga
dessa conquista que nos trará a vitória sobre seu senhor.
Comparada ao nosso objetivo final, ela é insignificante.
Ele lutou para não levantar a voz.
— Claire não é...
— Claire, — sua mãe zombou. — Sempre Claire!
Ele pensou ter ouvido angústia em sua voz.
— O que você quer dizer com isso?
A raiva brilhou nos olhos de sua mãe.
— Você é realmente tão tolo a ponto de me fazer essa
pergunta?
Ele fechou a cara.
— Não sou idiota.
— Você está caído por ela.
A raiva de Tye aumentou.
— Cuidado, mãe.
— Eu não vou ter cuidado! Ela ameaça a todos. Tentei te
ajudar usando a poção. Ainda assim, você ainda...
— Você é muito ousada, — ele rosnou, mostrando os
dentes.
— E você é uma decepção.
As palavras foram semelhantes a um tapa brutal. Os
olhos de Tye ardiam, pois pior do que a fúria despertada por
aquelas palavras era a angústia. Que coisa horrível para ela
dizer. Ele sempre fez o que ela pediu, trabalhou duro para se
tornar o homem que ela queria que ele fosse. Agora ele era
uma decepção para ela?
O desejo de bater com a mão na parede de pedra cresceu
novamente, ainda mais forte do que antes.
— Tye, não tive a intenção de ser indelicada. Estou
apenas... preocupada.
Ele engoliu a resposta.
As feições de sua mãe suavizaram.
— Eu amo você. Como eu disse antes, quero o melhor
para você.
— Claro que você quer, — ele disse, endurecendo toda
emoção de sua voz. O ar gelado da noite infiltrou-se em sua
pele, e de repente ele sentiu um frio na alma.
Sua mãe deslizou os braços em volta da cintura dele e o
abraçou, apoiando a cabeça em seu peito. Ele passou os
braços frouxamente ao redor dela e saboreou o abraço por um
breve momento, pois sua mãe não o abraçava com frequência.
Além disso, o que quer que ele dissesse ou fizesse esta
noite, ele não queria colocar Claire em mais perigo.
Por fim, sua mãe se afastou.
— Você deveria entrar, — ela disse. — Você precisa se
aquecer perto do fogo.
Ele assentiu.
— Ao amanhecer, revisaremos nossos planos mais uma
vez. Quero ter certeza de que cobrimos todas as
eventualidades. — O ressentimento o consumia, mas ele o
reprimiu. Ele disse o que ela queria que dissesse, o que ela
esperava que ele dissesse. Suas palavras não decepcionariam.
Sua mãe sorriu.
— Uma ideia sábia. De manhã, então.

***

Enquanto Tye se afastava, a dor irritante encheu o peito


de Veronique novamente, junto com a sensação de perda. Era
semelhante a alguém pressionando lentamente uma adaga
em seu peito para sangrar seu coração. Muito desagradável.
Por que Tye não podia simplesmente fazer o que ela lhe
disse, como ele fez algumas semanas atrás? Ele tinha sido um
menino tão obediente uma vez. Por que ele tinha que ser tão
obstinado quando agora, mais do que nunca, eles precisavam
trabalhar juntos?
Se ao menos Braden estivesse aqui, mas ele ainda estava
fora na missão de Tye. Através de fazer amor suado e
apaixonado, Braden a teria ajudado a purificar seus
sentimentos e recuperar uma mente clara. Além disso, ela
tinha sua resposta para a pergunta que ele havia feito.
Quando ele voltasse para Wode, ela o faria pagar por cada dia
que passou fora da cama e então diria sim: realmente se
casaria com ele. Mas, por enquanto, ela deve encontrar uma
maneira de lidar com a situação com Tye sozinha.
Hoje à noite, ela deve consultar suas pedras rúnicas
novamente. Elas iriam guiá-la por este período problemático.
Veronique pressionou a mão contra o merlon mais
próximo e se inclinou na abertura ao lado dele, deixando o
vento gelado enroscar em seus cabelos e esbofetear seu rosto.
Ela deu boas-vindas à frieza. Isso tirou seu foco da agonia
dentro dela; trouxe clareza penetrante.
Claire. Ela se tornou um problema muito maior do que o
previsto.
Um problema que deve ser eliminado antes que a batalha
central comece.
A poção não saciou o desejo de Tye por ela. Claire ainda
o segurava com firmeza. Ela possivelmente tinha ganhado seu
amor?
Abrindo os olhos para a brisa brutal, Veronique sorriu,
uma curva implacável de seus lábios. Antes de se encontrar
com Tye pela manhã, ela lidaria com Claire.
De uma vez por todas.
Capítulo Vinte e Seis
Amarrada à cadeira no solar de Tye, Claire esperou. Sua
bochecha doía, e ela desejou poder esfregá-la suavemente
para aliviar o desconforto, mas seus pulsos estavam
amarrados, amarrados nas laterais traseiras da cadeira,
impediam tal movimento. Seus tornozelos também foram
amarrados e presos à cadeira.
Enquanto seu corpo era forçado a permanecer imóvel,
sua mente corria, provocando-a com imaginações do que
aconteceria uma vez que Tye entrasse. As lembranças a
atormentavam também, da noite passada neste mesmo
quarto, quando eles estiveram nos braços um do outro. Essas
preciosas lembranças doeram muito mais do que ela jamais
acreditou ser possível.
Se ao menos ela e Tye não fossem inimigos.
Se ao menos as circunstâncias fossem diferentes.
Se apenas...
Pareceu uma eternidade desde que Tye tinha virado as
costas para ela, e ela foi levada para o solar. Talvez sua raiva
tivesse esfriado um pouco desde então. Ou pode ter se
transformado em uma violenta tempestade pronta para ser
desencadeada.
Claire estremeceu apesar do calor subindo do fogo à sua
direita. Os mercenários viraram a cadeira para que ficasse de
frente para a porta, tornando mais fácil para eles olharem e se
certificarem de que ela estava onde a haviam deixado. Eles a
amarraram com força e as cordas ásperas cortaram sua
carne, principalmente em seus pulsos.
Estremecendo, ela balançou as mãos e os pés o melhor
que pôde, tentando evitar o entorpecimento se instalando em
seus dedos das mãos e dos pés. Patch, observando-a de seu
camarote perto da lareira, se levantou, espreguiçou-se
preguiçosamente e se deitou novamente, seus olhos se
fechando.
O que ela daria para ser capaz de se levantar e se esticar
como Patch tinha acabado de fazer.
Vozes a alcançaram através das portas do solar
fechadas. Ela ficou tensa quando o painel direito se abriu e
Tye entrou.
Seu rosto era uma máscara cuidadosamente controlada.
Muito diferente de como ele apareceu na noite anterior, com a
ternura suavizando seus olhos e sua boca rapidamente
formando um sorriso. A tristeza correu por ela, na última
véspera, ela o considerou o homem mais charmoso que ela já
conheceu. Agora, ele pode muito bem ser um estranho.
Tye fechou a porta atrás dele. Com as mãos nos quadris,
ele a estudou por um longo e tenso momento antes de
caminhar até a mesa onde seus diários e cartas ainda
estavam empilhados.
Ela devia falar primeiro? Isso ajudaria ou apenas
pioraria as coisas? Se ela soubesse como agir, talvez...
Ele tirou um objeto de seu alforje, que estava na ponta
da mesa, e a encarou.
— O que aconteceu antes, — ela disse, suas palavras
saindo rapidamente.
Ele ergueu a mão, silenciando-a, enquanto cruzava para
ficar na frente dela. Seu perfume único, de ar gelado de
inverno, couro e sabonete, fez seu interior se retorcer de
desejo e pesar. Ela olhou cegamente para as mãos dele, o que
ele estava segurando? Ao mesmo tempo em que ouviu o estalo
de uma rolha de cortiça sendo liberada e inalou o cheiro forte
de ervas.
O olhar de Tye pousou em sua bochecha.
— O pote... contém pomada? — Uma pergunta idiota. No
entanto, ela não podia imaginar que ele iria querer ajudá-la
de alguma forma, não depois do que ela fez.
— Sim, é um unguento. Isso ajudará a diminuir o
inchaço. — Ele mergulhou o dedo no pote, então roçou o
unguento esverdeado em sua bochecha, seu toque muito mais
gentil do que ela esperava.
— Obrigada.
Um músculo em sua mandíbula se contraiu. Ele aplicou
mais da pomada de cheiro pungente e, em seguida, deu um
passo para trás para colocar o pote na mesa. Enquanto ele se
movia, sua túnica se estendia sobre seus ombros largos,
delineando os músculos tensos abaixo, e o desejo espiralou
por ela. Lutando contra o desejo indesejável, ela enrolou os
dedos contra o encosto da cadeira.
— Eu sei que você está com raiva de mim, — disse ela.
Tye a encarou com tensão em sua postura, como se se
preparasse para lutar contra um oponente armado.
— Eu estou.
— Você deve entender...
— Eu entendo seus motivos.
— Como eu disse no salão, eu sou a única culpada pelo
que aconteceu. — As sobrancelhas dele se ergueram
enquanto ela falava, mas ela continuou. — Eu organizei o
truque. Não é culpa de ninguém. Só minha.
Com os olhos estreitados, ele a estudou e então acenou
com a cabeça.
— Se eu for punida...
Um suspiro áspero partiu dele. Ele diminuiu a distância
entre eles tão rápido que ela ofegou e caiu para trás contra a
cadeira, fazendo com que as juntas rangessem. Não havia
como escapar dele, no entanto. Ele segurou o rosto dela com
a mão, o polegar pairando sobre o ferimento.
— Isso, — disse ele com firmeza, — prova que estamos
muito além da mera punição.
Oh, a sensação de sua pele contra a dela! Ela estremeceu
por dentro, mas lutou contra a fome proibida. Ela precisava
entender suas palavras.
— O quê...?
— Precisamos tirar você desta fortaleza, longe de minha
mãe. É a única escolha agora.
A confusão confundiu seus pensamentos.
— Mas...
— Ouça. — Ele soltou o rosto dela e colocou as mãos nos
apoios de braços esculpidos da cadeira. — Eu estava com
raiva por hoje, sim. No entanto, você é uma mulher corajosa e
inteligente. Eu esperava que você tentasse escapar.
— Você esperava?
— O que eu nunca esperava... — Ele abaixou a cabeça,
seu cabelo sedoso perto de sua boca. Suspirando, ele
levantou a cabeça para encontrar seu olhar cauteloso. — Eu
não esperava sentir o que sinto... por você.
Sua voz se suavizou e suas palavras contiveram um leve
tremor. O que ela ouviu não foi raiva. Longe disso.
A surpresa a percorreu, rapidamente seguida pelo
choque e um ataque de outros sentimentos intensos que se
misturaram.
— Tye...
— Apenas... ouça! — Seu grunhido era semelhante ao de
uma besta ferida, e enquanto seu olhar se fixava no dela, ela
assentiu lentamente. — Devo dizer isso agora, pois não é fácil,
e eu... posso não ter uma chance de novo. — Ele hesitou,
claramente procurando por suas palavras. — Eu... nunca tive
a intenção de matar Henry. Eu não queria matar ninguém
naquela noite, apenas escapar.
Um caroço duro se alojou em sua garganta. Ela temeu o
que Tye diria em seguida, mas não teve escolha a não ser
ouvir.
— Henry foi dominado e ferido pelos homens de minha
mãe. Quando ela disse que iria castrá-lo...
— Castrá-lo? — Claire ofegou.
— Sim. Um destino terrível para um jovem. Para impedir
minha mãe, joguei Henry no chão. Eu esperava que ele ficasse
sem sentido por tempo suficiente para nós fugirmos. No
entanto, ele acordou. Em vez de ficar abaixado, onde estava
seguro, ele... me atacou. — Tye balançou a cabeça. — Foi um
ato insensato e temerário.
— Henry não era um tolo!
— Ele era, Claire. Ele obviamente queria ser um herói,
embora não tivesse esperança de sucesso.
— De Lanceau elogiou Henry como um guerreiro galante
e cavalheiresco. — O tom de Claire ficou rouco de angústia. —
Seu senhorio homenageou Henry em uma cerimônia
especial...
— Meu pai não estava nem perto da masmorra naquela
noite. Ele nunca viu o que aconteceu.
— Certamente, houve outras testemunhas que
prestaram contas.
— O único outro guarda na masmorra foi morto logo no
início por Braden. Embora alguns outros prisioneiros possam
ter visto o que aconteceu, nós os libertamos naquela noite.
Mesmo se alguns fossem recapturados, meu senhor não
confiaria nos contos de criminosos condenados. Não importa
o que eles dissessem, meu senhor me consideraria um
assassino implacável.
— Mas...
— Minha mãe estava lá naquela noite, e Braden, e os
homens que eles contrataram para abrir a masmorra. Eles
podem te dizer a verdade, mas eu duvido que você ou
qualquer outra pessoa acredite nisso.
Na verdade, ela não acreditaria. Claire não podia
suportar a ideia de enfrentar Veronique novamente,
especialmente para perguntar sobre a morte de Henry.
— Acredite em mim, Henry era um idiota. — As palavras
de Tye rangeram entre seus dentes. — Ele jogou sua vida
fora.
— Ele não fez isso! Ele cumpriu seu dever, e...
— Se fosse eu, se tivesse sido prometido a você... Se
tivesse sido honrado com o amor de uma mulher de tanta
beleza, graça e compaixão... Tye fez uma pausa, e o bater de
seu coração ressoou em seus ouvidos. — Eu teria feito
qualquer coisa, qualquer coisa, para permanecer vivo, para
que pudéssemos ficar juntos.
Lágrimas encheram seus olhos. Ela lutou para sustentar
a raiva que tinha atraído para obter força interior, mas estava
se tornando cada vez mais difícil.
— Quando percebi que o Henry de suas cartas era o
guarda da masmorra do Castelo de Branton, tentei pensar na
melhor forma de contar a você sobre sua morte. Você falou
muito bem dele. Eu não queria machucar você, embora eu...
soubesse que deveria.
— A verdade é sempre o caminho mais sábio, — disse ela
como se estivesse mecanicamente falando. Lady Brackendale
havia dito isso a ela há muito tempo. Claire agarrou-se a
essas palavras em busca de conforto em seus momentos mais
sombrios de desespero.
— Foi o que eu decidi, também. No entanto, fiquei com
raiva de ter que machucar você, — disse Tye. — Eu não posso
esquecer como Henry egoisticamente pensava apenas em si
mesmo, e não em você.
Lágrimas escorreram por suas bochechas. Ela olhou nos
olhos de Tye, procurou em sua expressão o mais simples
indício de astúcia, mas não encontrou nenhum. Na verdade,
seus olhos estavam úmidos, como se o que ele acabara de
dizer a ela tivesse sido difícil.
Ela se atrevia a acreditar nele? Será que seu relato do
que acontecera naquela noite era verdade? Parecia impossível.
Ele se endireitou e se afastou, deixando as mãos caírem
para os lados.
— Como posso saber se o que você acabou de me dizer é
verdade? — ela perguntou baixinho.
— Eu juro, pela minha honra. — Sua boca se contraiu
em um sorriso desanimado. — O pouco que eu tenho.

***

Seus lindos olhos revelavam tudo: seu coração ansiava


por acreditar nele, mas sua mente racional lhe dizia para não
dar atenção a uma palavra. Ele disse a ela a verdade sobre a
morte de Henry, no entanto. Pelo menos ele conseguiu dizer
antes de perdê-la para sempre.
Lutando contra uma sensação esmagadora de
arrependimento, Tye passou pela cadeira. A cabeça de Claire
virou para a direita enquanto ela tentava seguir seu
movimento, e suas tranças cintilantes, a parte inferior presa
entre suas costas e a cadeira, se juntaram em seu ombro.
Como ele desejava tocá-la, deslizar os dedos em seu cabelo e
puxá-lo de lado para dar um beijo em sua doce pele
perfumada. Ele queria tocá-la desde o momento em que
entrou no solar, mas não devia. Depois de sua confissão sobre
Henry, ela estaria mais propensa a cuspir em seu rosto do
que aceitar suas carícias.
Parando diretamente atrás dela, ele olhou para suas
mãos, amarradas a cada lado da cadeira. Seus dedos
agarraram a madeira. Enquanto ele olhava, elas se moveram
em eu aperto, um sinal claro de que ele a estava deixando
inquieta.
Ele se agachou e tirou a adaga de dentro da bota.
— O que você está fazendo?
A adaga raspou em sua bainha.
— Estou cortando suas amarras. — A adaga afiada
cortou facilmente as cordas e elas caíram no chão.
Com um gemido de alívio, Claire colocou as mãos no colo
e girou os ombros, relaxando os músculos tensos.
Depois de embainhar a adaga e colocá-la de volta na
bota, ele voltou para a frente dela e se ajoelhou, segurando
suas mãos. Virando-as para a direita e esquerda, com raiva
ele examinou as marcas vermelhas que circundavam seus
pulsos. Ela teria hematomas feios. Sua mãe ordenou que
Claire fosse amarrada com tanta força? Franzindo a testa, ele
alcançou atrás dele o pote de pomada.
— Não, — Claire disse rapidamente. — Obrigada, mas
acho que vou ficar bem.
Tye lutou contra a decepção. Ela não queria que ele a
tocasse novamente. Com um aceno conciso, ele soltou suas
mãos, deixando seus dedos caírem de volta em seu colo.
Ele permaneceu de joelhos. Sua consciência lhe disse
para se afastar, mas quando o olhar dela se fixou no dele e o
segurou, ele não conseguiu. Seus olhos o mantiveram cativo,
como se ele estivesse algemado ao chão.
Ele poderia perder sua alma naqueles olhos expressivos.
O arrependimento cresceu dentro dele, pois nunca poderia
admitir para Claire, mas ele sentiria sua falta quando ela se
fosse.
À luz do fogo, a pomada em sua bochecha brilhava.
— Como está sua bochecha agora? — ele perguntou.
— Melhor do que antes.
— Estou feliz. — Se ao menos ele pudesse deslizar os
braços em volta da cintura dela, inclinar-se e beijá-la, provar
com os lábios e a língua que ainda era o homem que ela amou
tão abnegadamente na noite anterior. Sabendo que não tinha
o direito de agir de acordo com esse impulso, ele sentou-se
sobre os calcanhares, dando-lhe alguma distância. — Há um
assunto que precisamos discutir, assim que você se sentir
capaz.
— Não Henry. — Seu peito subia e descia em uma
respiração irregular. — Por favor. Não mais. Eu não aguento...
— Não se trata de Henry. É sobre você.
Seus ombros abaixaram em óbvio alívio.
— Continue.
— Precisamos tirar você de Wode. Você não está mais
segura aqui. Se eu pudesse mandar você embora agora, o
faria. No entanto, é perigoso para qualquer pessoa, acima de
tudo uma jovem lady, viajar pelas estradas à noite.
— O que aconteceu?
— O fato de minha mãe ter lhe batido, quando eu disse a
ela que você não devia ser machucada... Ela a considera uma
ameaça. Eu a conheço. Eu sei exatamente do que ela é capaz
se acredita que é necessário.
O rosto de Claire empalideceu. Novamente, ele lutou
contra o desejo de alcançá-la, de confortá-la.
— Antes do amanhecer, vou levá-la ao porão. Você
entrará na passagem oculta e ficará lá, até que a batalha com
meu senhor comece. A qualquer momento, ele chegará com
seu exército.
— Mas...
— Corra para os homens do meu senhor. Eles vão tirar
você das muralhas do castelo e mantê-la segura.
Claire parecia incerta. Ela iria recusar sua chance de
liberdade? Ficar em segurança? Ele não permitiria.
Ele tirou a adaga embainhada de sua bota e a colocou
nas mãos dela.
— Esconda isto sob suas vestes. Se alguém tentar
impedi-la de escapar, use-a.
— Você confia em mim com uma adaga?
— Eu sei que você não é tola o suficiente para tentar me
esfaquear.
O sorriso mais simples tocou seus lábios, um
reconhecimento de seu humor irônico.
— Obrigada. No entanto, não vou embora sem Mary.
— Claire!
— Lady Brackendale também. Ela...
— Ela é uma mulher velha. Ela nunca administraria
ficar escondida no túnel, — disse Tye. — Ela seria apenas um
obstáculo para você.
— Eu não posso simplesmente deixá-la!
— Você deve. Eu farei o meu melhor para protegê-la. —
Incapaz de se conter por mais tempo, ele se ajoelhou e
gentilmente colocou as mãos sobre as dela que seguravam a
adaga. — Por favor. Mary pode ir com você, mas deve fazer o
que eu digo.
Claire acenou com a cabeça, finalmente. Um suspiro
escapou de seus lábios, antes que sua mão direita deslizasse
sobre a dele, seu toque tão inesperado que seus olhos
arderam.
— Venha conosco. Peça para se encontrar com seu pai.
Vou ajudar...
— Nunca, — Tye grunhiu. Ele esperava que a palavra
transmitisse toda a extensão de sua aversão por seu senhor.
— Você acabou de dizer que não pode confiar em sua
mãe, — Claire continuou. — Como você pode ter certeza de
que tudo o que ela lhe contou sobre seu pai é verdade?
Uma pontada nauseante de pressentimento percorreu
Tye. Ele lutou contra isso com uma maldição.
— Ele me rejeitou.
— Você está certo disso?
— Sim.
— E se você estiver errado? E se...?
— Chega, — ele rosnou. — Já discutimos isso.
Ela olhou de volta.
— Você deve a si mesmo saber a verdade.
— Eu já sei a verdade. — Tye riu amargamente. — Eu
sou um bastardo nascido. Eu vivi pela minha espada. Eu
dormi em estábulos imundos, matei cavaleiros, roubei comida
para não morrer de fome...
— Pare com isso. — Seus olhos brilharam com lágrimas.
— Eu também fiz coisas muito piores. Não sou um bom
homem, Claire. Longe disso.
— Tye.
— Eu sou...
— Compassivo, — ela sussurrou, apertando sua mão. —
Honroso.
— Dentes de Deus! — A vergonha sufocou um lampejo
momentâneo de espanto. Ela estava falando loucamente. Ele
não era absolutamente o homem que ela estava descrevendo.
Nem chegava perto disso.
— Um homem que não vê a misericórdia dentro de si,
embora esteja lá.
Tye balançou a cabeça.
— Ouça o que você está dizendo!
— Eu sei exatamente o que estou dizendo. — A convicção
brilhou em seus olhos úmidos. — Você tem escolha, Tye. A
escolha mais difícil que você pode fazer, mas mesmo assim
uma escolha.
— Por que eu quero outra escolha a não ser a de matar
meu senhor? — ele zombou.
Seu olhar se encheu de resignação relutante. Lágrimas
escorreram por seu rosto.
— Talvez você deva considerar a resposta a essa
pergunta.
Ele puxou as mãos das dela e se levantou. Raiva e
confusão agitaram-se dentro dele enquanto olhava para o
fogo. O calor saiu da chama, tão intenso quanto o inferno
fervendo dentro dele.
Claire se levantou da cadeira e tocou seu braço. Ele
enrijeceu, inflamado pela angústia e pela necessidade
profunda da alma de tomá-la em seus braços.
— Tye...
— Você pode ficar com a cama, — disse ele. — Durma
um pouco. Vou colocar guardas adicionais na porta esta
noite, e vou acordá-la antes do amanhecer.
Capítulo Vinte Sete
— Lorde Delwyn de Lysonne está esperando do lado de
fora da portaria, milorde.
Segurando uma fresta da porta do solar aberta, Tye
esfregou o pescoço para aliviar uma cãibra de deitar no chão
perto da lareira.
— Agora? Ainda não amanheceu.
— O cavalo dele está puxando uma pequena carroça. Ele
disse que tem uma entrega de mercadorias para o castelo. Ele
também perguntou por Lady Sevalliere.
Tye fez uma careta. A inquietação o envolveu, junto com
uma centelha de ciúme que o rapaz perguntou sobre Claire.
Tye olhou para ela, sentada na cadeira perto do fogo
como se ainda estivesse amarrada, como ele ordenou quando
a batida fez a porta sacudir. A julgar por sua expressão, ela
estava igualmente surpresa com a visita de Delwyn.
Quando ele olhou para o mercenário do lado de fora, um
dos quatro homens que ele ordenou que guardasse o solar até
que pudesse levar Claire ao porão, a carranca de Tye se
aprofundou. A chegada de Delwyn não poderia ser
importante. Ou poderia ser uma armadilha, parte de um
plano maior de De Lanceau para conseguir entrar na
fortaleza.
— Eu descerei em um momento, — disse Tye. — Acorde
o resto dos mercenários.
O homem fez uma reverência e se afastou.
Assim que a porta se fechou, Claire se levantou de um
salto.
— O que Delwyn está fazendo aqui de novo?
— Não sei. Eu estava prestes a fazer essa pergunta.
— Por que eu saberia? Talvez ele tenha outra carta da
minha irmã?
Um novo ciúme atormentou Tye quando ele cruzou a
câmara, agarrou sua cota de malha e a vestiu por cima das
roupas com que tinha dormido.
— Você está se preparando para a batalha. Você suspeita
que Delwyn está tentando enganá-lo?
— Não sei ainda o que esperar. Não serei pego de
surpresa.
Tye vestiu a capa, as luvas e o cinto da espada. Ela
observou, seu olhar semelhante ao de sua mão percorrendo
sua pele nua, tornando-o agudamente ciente dela em um
nível físico básico. Ele ouviu a respiração ofegante dela,
cheirou a fragrância de mel agarrada a sua pele, virou-se e
viu seus dedos tremendo em sua garganta.
Ela não tinha dormido muito na noite passada; enquanto
ele estava deitado perto do fogo, tentando dormir, ouviu seus
suspiros inquietos e viradas frequentes. Ele não pôde deixar
de se perguntar: Será que ela se preocupava consigo mesma
ou com ele?
Tye juntou o resto de suas adagas e as enfiou em uma
bolsa de couro. Enquanto prendia a bolsa ao cinto da espada,
ele viu a abelha em âmbar brilhando na mesa de cavalete.
Fogo do inferno, ele se sentia exatamente como aquela abelha,
preso por sua vida, nunca capaz de se libertar. Ele pegou o
âmbar e o enfiou na bolsa.
— Delwyn é um bom jovem, — disse Claire. — Estou
certo de que ele tem um bom motivo para sua visita esta
manhã.
Tye reprimiu uma réplica menos que admirável. Como
ele desejava caminhar até ela, puxá-la em seus braços e beijá-
la para dar sorte. Para beijá-la só porque ele queria. Para
beijá-la porque... ele não conseguia se imaginar vivendo sem
ela. Ele a queria. Ele precisava dela. Ela trouxe luz para sua
vida miserável e sem valor, e ele não queria que seus dias
juntos terminassem.
Durante a noite, ele pensou em muitas coisas que queria
dizer a ela, palavras que nunca disse a nenhuma outra
mulher. Amo você, Claire. Sempre vou te amar, minha linda
Gatinha guerreira.
No entanto, dizer essas coisas quando ele a estava
deixando ir seria injusto.
— Fique aqui, — ele disse a ela. — Os guardas não vão
deixar ninguém entrar. Virei buscá-la assim que puder.
— Tudo bem. — Em sua voz, ele ouviu a compreensão de
tudo o que discutiram na noite anterior. Quando ele viesse
buscá-la, seria para levá-la e a Mary ao túnel secreto. —
Tenha cuidado, — ela adicionou suavemente, enquanto ele
caminhava para as portas.
Cuidado. Com a mão na maçaneta da porta, ele fez uma
pausa. Parecia que ela gostava dele, pelo menos um pouco.
No entanto, ele ainda não tinha o direito de abraçá-la contra
ele.
Ele saiu da câmara e se dirigiu ao pátio, onde os criados
haviam começado seus deveres matinais. Uma geada cobria o
solo. A neve ainda permanecia em alguns lugares; alguns dos
montes mais altos não tinham derretido completamente e
estavam com uma crosta de gelo. Ele caminhou até a escada
externa que conduzia às ameias acima da casa de guarda do
portão. Um grupo de mercenários se reunia lá, suas
respirações emergindo como nuvens brancas no ar.
— Milorde, — eles disseram em saudação.
Tye olhou para a margem oposta. Delwyn montava em
seu cavalo atrelado a uma carroça de madeira. Tye
reconheceu o estilo da carroça; um dos marceneiros locais os
fez para transportar mercadorias do mercado.
— Bom dia, — Delwyn gritou para ele.
— Bom dia, — respondeu Tye. Embora pequeno, o
carroça coberto de lona era grande o suficiente para esconder
dois homens. — O que o traz aqui hoje?
O rapaz gesticulou para o carroça.
— Tenho a honra de trazer ervas frescas, tônicos de
ervas potentes e produtos curativos do próprio suprimento de
Milorde. Quando contei a ele sobre a doença em Wode, ele
insistiu que eu os trouxesse o mais rápido possível. Ele deseja
à querida Lady Brackendale uma rápida recuperação.
— É meio parecido com o seu senhor, — disse Tye, —
mas...
— A doença está diminuindo ou ainda está se
espalhando?
— Está contida. Por enquanto.
— Lady Sevalliere está bem?
— Sim, — Tye respondeu.
O alívio tocou as feições do rapaz.
— Estou feliz. Os bens que trago vão ajudar a aliviar o
desconforto daqueles que não estão bem. Claro, Lorde
Geoffrey de Lanceau foi informado da situação.
Os mercenários murmuraram uns para os outros.
— De Lanceau? — Um choque percorreu Tye. Por fim,
palavra de seu senhor. Braden ainda não havia retornado a
Wode, o que o estava atrasando? Tye precisava de notícias
atualizadas sobre o paradeiro de seu pai.
— Milorde é um aliado próximo de De Lanceau, —
Delwyn continuou. — Quando Milorde soube da doença, ele
imediatamente mandou uma carta para De Lanceau. Seu
senhorio disse para fazer o que fosse necessário para ajudar
Lady Brackendale, já que ela pertence à família dele.
Tye assentiu, reconhecendo a explicação do rapaz.
Enquanto Delwyn contava uma boa história, Tye sentiu que
havia muito mais coisas que o rapaz não revelava.
Aproximando-se da borda da ameia, ele forçou um sorriso
cordial e disse:
— Você parece bem informado sobre Lorde de Lanceau.
Delwyn sorriu com orgulho.
— Ele é um grande homem. Eu o encontrei em várias
ocasiões. É uma honra...
Enquanto o rapaz tagarelava, Tye refletia sobre suas
opções. Embora houvesse o risco de abrir os portões para
Delwyn, a carroça só podia conter dois homens, no máximo.
Se de fato Delwyn estava tentando enganar Tye, seus
mercenários poderiam facilmente subjugar um par de
convidados indesejados.
Além disso, o rapaz poderia ser útil. Quanto mais bem
informado Tye estivesse, melhor preparado estaria para o
ataque de seu senhor. Assim que Delwyn ficasse sem
informações para divulgar, ele poderia ser preso e pedir
resgate; ele obviamente pertencia a uma família rica e era
valorizado por seu lorde, então havia uma excelente chance
de ganhar um pagamento de resgate considerável.
O cavalo do rapaz soprou e bateu com o casco dianteiro,
como se sentisse a impaciência de seu mestre.
— Então? Você vai me deixar entrar? — O rosto de
Delwyn ficou vermelho de irritação. — Não posso voltar para
milorde com uma carroça cheia. Não quando esses
suprimentos foram enviados como um gesto de boa vontade.
— Abaixem a ponte levadiça, — Tye gritou para os
homens na casa de guarda do portão.
Com o guincho metálico das correntes, a plataforma
maciça começou a abaixar sobre o fosso.
Tye convocou dois dos mercenários.
— Você e eu vamos recebê-lo. Ele não deve ir além da
ponte levadiça até que tenhamos visto o que está na carroça.
Se ele não trouxe ervas e poções, você o levará cativo e o
acompanhará ao grande salão, para aguardar meu
interrogatório.
— Sim, meu senhor.
Tye desceu correndo as escadas para o pátio, os
capangas contratados logo atrás.
Nas sombras da casa de guarda do portão, Tye esperou
até que a ponte levadiça atingisse o nível do solo. A grade
subiu lentamente. Delwyn empurrou seu cavalo para frente e
a carroça roncou na plataforma.
Avançando à frente de Tye, os dois bandidos sacaram
suas espadas. Assim que a grade subiu até a altura da
cintura, eles se abaixaram e se aproximaram da carroça.
Com a abordagem dos mercenários, Delwyn parou sua
montaria.
— Qual é o significado disso?
— Perdoe meus homens, — disse Tye. — É apenas uma
precaução, mas eles devem verificar a carroça.
Delwyn hesitou, mas então disse:
— Claro.
Um dos bandidos alcançou a borda da tela.
A lona voou, caindo para cobrir as cabeças dos
mercenários quando dois homens em armadura de cota de
malha pularam na parte de trás da carroça. O choque tomou
conta de Tye, pois ele os reconheceu instantaneamente: seu
meio- irmão, Edouard, filho e herdeiro de seu senhor; e
Aldwin, um dos guerreiros mais leais de seu pai e o melhor
besteiro do país.
Ah, Deus, ele foi enganado. Enganado!
Amaldiçoando, Tye desembainhou a espada.
— Matem-nos! Abaixe a grade do portão! — ele gritou.
Sua voz foi abafada pelos gritos das ameias acima.
Inclinando a cabeça loira para trás, Aldwin colocou uma
trompa nos lábios e soprou uma única nota alta.
Uma explosão em resposta soou a uma curta distância.
Flechas voaram das ameias acima, várias se cravando na
lateral da carroça com um thud, thud, thud. Ainda presos na
lona, os dois mercenários cambalearam para trás. Saltando
da carroça, Edouard empurrou os mercenários, empurrando-
os para fora da ponte levadiça. Eles espirraram no fosso de
gelo.
— Ataque! Ataque, — homens gritaram das muralhas. —
Estamos sob ataque.
Tye congelou onde estava; o estrondo que ele mal ouvira
sobre os gritos dos homens estava ficando mais alto. Dezenas
de cavaleiros galopavam pela estrada em direção ao castelo. À
direita da estrada, soldados a pé saíram das árvores.
Infernos!
— Levante a ponte levadiça — gritou Tye de novo, com a
garganta ardendo. — Abaixe a grade! — Gritando as ordens,
ele correu em direção ao pátio, mas antes de dar três passos,
uma seta de besta se chocou contra a parede do portão ao
lado dele, espalhando pedaços de argamassa.
Tye girou. Atrás da carroça, Aldwin recarregou sua
besta.
Aldwin era um excelente atirador; ele nunca errou. Por
que, então, o ferrolho da seta não matou Tye? De Lanceau
ordenara a seus cavaleiros que poupassem Tye até que ele
pudessem lutar cara a cara?
Aldwin se preparou para atirar. O besteiro pode não ter
permissão para matar Tye, mas pode feri-lo, enfraquecendo-o
para o confronto com seu pai.
Aldwin não era a única ameaça. Com a espada erguida,
Edouard caminhou sob as tábuas da ponte levadiça em
direção a Tye. Nos ângulos rígidos de seu rosto, seu olhar de
aço, sua estatura muscular, Tye viu a imagem de seu senhor.
Tye ergueu a espada, pronto para lutar, notando, com
uma explosão de raiva, que Aldwin já havia matado dois dos
mercenários nos parapeitos. Seus cadáveres jaziam na ponte
levadiça. Enquanto observava, a frustração arranhando suas
entranhas, Delwyn persuadiu seu cavalo a avançar e
posicionou a carroça diretamente sob a ponte levadiça. Não
apenas forneceu um escudo defensivo para Aldwin, mas
também evitou que a grade do portão caísse até o solo. Não
havia como impedir os homens de seu senhor agora.
Condenação. Maldição! Seu senhor morreria por esse
erro, junto com todos os outros!
Edouard se aproximou com um sorriso sombrio.
— Bom dia, irmão.
— Vá para o inferno, — cuspiu Tye. Odiar seu meio-
irmão fazia seu sangue queimar. Ele quase matou Edouard
em Waddesford Keep; talvez hoje ele finalmente tivesse o
prazer de matá-lo.
— Renda-se, — ordenou Edouard.
— Nunca.
As palavras mal haviam saído dos lábios de Tye quando
Edouard se lançou. Suas espadas retiniram, o som ecoando
na área fechada sob a casa de guarda do portão. Edouard era
forte, seu ataque habilidoso e poderoso, e a ferocidade dos
ataques abalou os braços de Tye. Uma e outra vez as espadas
se chocaram, o metal brilhando na luz opaca.
Tye rosnou, girou, atacou mais uma vez, sua lâmina
deslizando na frente da cota de malha de Edouard.
Edouard deu um pulo para trás e retaliou, baixando a
lâmina com um arco, mas a ponta da bota prendeu-se em
uma pedra elevada. Ele se contorceu para evitar cair para a
frente e Tye aproveitou a vantagem. Ele correu na direção de
seu irmão e, com um golpe violento, o empurrou para trás.
Com um grunhido de dor, Edouard bateu na parede. Sua
cabeça bateu na pedra e ele ficou imóvel, os olhos revirando.
Respirando com dificuldade, Tye ergueu a espada,
preparando-se para enfiá-la no pescoço do irmão. Tomar
Edouard como refém lhe daria vantagem contra seu senhor...
Tye ouviu o apito de uma seta de besta um instante
antes de ela passar por sua cabeça. O raio ricocheteou na
pedra e caiu no chão. Mais uma vez, Aldwin errou. Esse tiro,
porém, tinha sido mais próximo do que o outro; um aviso,
destinado a proteger Edouard.
Afastando-se, Tye se atreveu a olhar para Aldwin. O
guerreiro loiro pegou uma nova aljava de flechas de Delwyn e
começou a recarregar sua arma. Edouard gemeu e endireitou-
se ficando em pé, apertando ainda mais a espada.
Gritos vindos do pátio chamaram a atenção de Tye,
lembrando-o da luta maior ainda a ser vencida. Neste dia, ele
enfrentaria e mataria seu senhor. Era muito melhor guardar
sua força para aquela luta do que desperdiçá-la lutando com
seu irmão.
Além disso, ele tinha que levar Claire para o túnel
escondido. Ela estava o esperando; ele não abandonaria sua
promessa de afastá-la do derramamento de sangue.
Sentindo seu irmão se preparando para outro ataque,
Tye correu para o pátio coberto pela luz fraca da manhã. À
frente, flechas desceram das ameias. Os mercenários estavam
lutando contra uma multidão de homens enlameados. Com
um novo choque, Tye reconheceu os lutadores: prisioneiros
acorrentados na masmorra.
Como eles escaparam? Eles também tinham armas. Os
homens de Tye que guardavam a masmorra na noite anterior
deveriam ter reprimido qualquer início de uma revolta. A fúria
se atou dentro de Tye e ele jurou punir os mercenários ele
mesmo assim que a batalha fosse ganha.
O suor escorria de sua testa enquanto ele se esquivava
de um mercenário e prisioneiro envolvido em uma luta de
adagas e se dirigia para a construção. Com o canto do olho,
ele percebeu um movimento perto dos estábulos. Sutton, com
o rosto pálido, espiava por trás de uma carroça.
Um objeto duro bateu na testa de Tye. Uma dor aguda se
espalhou por sua testa. Fazendo uma careta, ele olhou para o
chão. Uma pequena pedra rolou pela terra ao lado de sua
bota direita.
Ele se esquivou de uma flecha disparada das ameias e
praguejou quando outra pedra atingiu sua cabeça. Ele fez
uma careta, pois Sutton não era o único se escondendo atrás
da carroça. Witt disparou para fora, seu estilingue girando.
Encontrando o olhar letal de Tye, o menino mostrou a língua
e apontou a arma improvisada.
Tye girou e correu para a fortaleza, ignorando o baque de
uma pedra batendo nas costas. Um mercenário moribundo,
cambaleando para trás com uma flecha no pescoço, esbarrou
em Tye; ele empurrou o grosseiro para um dos homens da
masmorra, que atacou Tye com uma espada. Com um rugido
de frustração, o homem tombou no chão, o mercenário
desabando em cima dele.
Tye escancarou a porta do prédio e subiu ruidosamente
a escada para o grande salão. Mulheres e crianças estavam
amontoadas atrás de uma barricada de mesas de cavalete
empilhadas. Muitas das criadas olharam para ele. Algumas
sorriram alegremente, acreditando claramente que ele estava
condenado.
Ele olhou furioso para elas enquanto passava correndo e
subia as escadas para o solar.
Ao chegar ao corredor do nível superior, seus passos
diminuíram. Um medo nauseante rastejou dentro dele. Os
mercenários que ele designou para guardar o solar jaziam no
corredor, mortos.
Claire! Oh, Deus, não. Gatinha...
Contornando os cadáveres ensanguentados, Tye abriu a
porta do solar e entrou correndo. A câmara estava quente,
silenciosa e iluminada pelo brilho do fogo. E vazia, exceto por
Patch escondido debaixo da cama.
Uma adaga estava perto da lareira: a adaga que ele deu a
Claire.
Capítulo Vinte e Oito
No momento em que Tye deixou o solar, a antecipação
correu por Claire, gelando-a como flocos de neve congelados e
espalhados. Ela esfregou os braços, tentando afastar a
sensação desagradável.
O desejo por Tye se espalhou por ela, junto com a
preocupação. Ela sentiu que algo iria acontecer neste dia.
Algo importante e muito mais crucial do que ela e Mary
escapando pelo túnel escondido no porão.
O suor frio umedeceu suas palmas enquanto ela vestia o
vestido, a camisa, a capa, as luvas e as botas limpas que Tye
pegara em seu quarto na noite anterior. Ela estava ansiosa
para se afastar de Wode o mais rápido possível; Veronique era
uma mulher implacável, assustadora e imprevisível. Claire
nunca mais queria ser submetida à crueldade de Veronique
novamente.
No entanto, enquanto endireitava as luvas nos dedos,
parte dela sussurrou que, ao esconder-se no túnel, estava
abandonando Tye. Ele não tinha ninguém para falar por ele;
sua mãe pensava apenas em suas próprias ambições, e Tye
estava cego pelo tormento que Veronique o alimentara desde o
nascimento.
Claire se abaixou e deu um tapinha em Patch, que
acariciou sua mão. Um calor inebriante a encheu, a sensação
mais forte em seu coração. Ela não deveria fugir; por Tye, ela
deve ficar. Ela deve tentar encontrar uma maneira de resolver
a inimizade entre ele e seu pai. No mínimo, Tye merecia a
chance de perguntar a seu senhor sobre o passado.
Não tinha uma maneira de parar a luta mortal. De
alguma forma.
De Lanceau não era homem de ceder o castelo. Isso
significava que Tye seria morto.
A agonia a percorreu com o pensamento de Tye
morrendo. Tye estava certo; ele não era da mesma classe
social de Henry. No entanto, a vida de Tye ainda tinha valor.
Ele tinha sobrevivido, suportado muito, especialmente através
das manipulações de sua mãe.
Ele merecia saber que a vida poderia ser muito diferente
do que ele experimentou. Ele merecia ser respeitado, ser
capaz de viver sua vida do jeito que ele queria, não do jeito
que sua mãe exigia.
Tye merecia ser... amado.
Ela duvidava que ele já tivesse experimentado o amor
verdadeiro, inabalável e incondicional. O que era um
pensamento trágico.
Claire caminhou diante da lareira. Patch a observou com
os olhos semicerrados. Sim, ela estava certa em permanecer
em Wode. A liberdade poderia esperar; salvar a vida de Tye,
entretanto, não poderia esperar, pois o encontro entre Tye e
seu senhor se aproximava cada vez mais.
Quando Claire voltou a andar, uma das portas do solar
se abriu. Só poderia ser Tye, já que os guardas não deixariam
ninguém passar.
— Tye...
Veronique entrou, vestida em seu manto de pele forrada,
trazendo com ela o cheiro de água de rosas.
— Não é Tye.
Oh, Deus. Ai, meu Deus.
Dois mercenários a seguiam; eles também usavam cotas
de malha e empunhavam espadas brilhando com sangue
fresco. Um deles carregava um pedaço de corda enrolada.
Através da porta aberta, Claire viu homens deitados no
chão, suas roupas cortadas e manchadas de sangue.
Veronique e seus capangas mataram os guardas.
Claire alcançou a adaga que ela enfiou na manga
confortável de seu vestido. Um peso de repente roçou contra
suas pernas: Patch, mancando até a cama para se encolher
embaixo dela.
— Você estava planejando ir embora? — As sobrancelhas
de Veronique arquearam enquanto seu olhar viajava pela
capa de Claire, até suas botas. — Que estranho, quando você
é uma cativa. Aquela que ainda ontem conspirou contra o
senhor do castelo.
Veneno se aguçou as palavras da mulher, e Claire
estremeceu. Ela apontou a adaga para os três intrusos. Ela
não respondeu a Veronique. Ela nunca trairia Tye para sua
mãe.
Ela tinha que passar por Veronique e seus capangas e
correr!
Uma gargalhada áspera rompeu de Veronique.
— Você realmente espera me deter com essa adaga?
— Fique longe de mim, — Claire disse com firmeza.
— Temo que não. Veja, você é muito importante para o
que está por vir.
Empunhando a adaga, Claire deu um passo nervoso
para o lado, em direção à porta.
— O que você quer dizer?
— Amarre-a, — disse Veronique.
Claire correu para a porta, enquanto atacava com a
adaga. Um mercenário agarrou seu braço, arrancou a adaga
de sua mão e prendeu seus braços. Ela gritou, lutou, mas os
homens rapidamente a subjugaram e amarraram suas mãos
atrás das costas, sem se importar com as marcas de feridas
em seus pulsos.
Com suas roupas farfalhando, Veronique se aproximou
de Claire. A mulher mais velha agarrou o queixo de Claire, e
seus dedos curvados e envelhecidos cravaram na pele de
Claire até que ela ofegou de dor.
— Quaisquer que sejam os segredos que você está
guardando, vou arrancá-los de você.
— Nunca, — Claire atirou de volta.
— Hoje também terei o prazer de te matar.
O medo açoitou Claire, mas ela se recusou a ceder ao
olhar cruel de Veronique.
Sorrindo como se tivesse segredos próprios, Veronique
baixou a mão punidora.
— Você sabia que um exército se aproxima?
Os pensamentos frenéticos de Claire mudaram para Tye.
Ele estava ciente do exército que se aproximava? Seus
mercenários devem tê-lo alertado. Isso significava, porém, que
Delwyn estava trabalhando com De Lanceau. A batalha
mortal havia começado.
— Ah. Vejo pela sua expressão que agora você percebe o
que vai acontecer hoje. — Veronique deu uma risadinha. — É
por isso que preciso de você.
— De mim? — Claire disse, sua mente girando.
— Ninguém vai impedir Tye de fazer o que se espera dele.
Especialmente você.
— Você vai me usar para forçar Tye a matar seu senhor?
— Veja, você entende.
A repulsa quebrou o pânico que se agitava dentro de
Claire.
— Você se preocupa com Tye?
— Como se atreve?
— Você o ama como seu filho? Ou desde o dia em que ele
nasceu, você o viu apenas como um meio de destruir De
Lanceau? — Claire tremia enquanto falava, mas ela quis dizer
cada palavra. Dada a chance, ela tinha muito mais coisas
para dizer a essa mulher horrível.
A cabeça de Veronique se ergueu enquanto ela respirava
fundo. A fúria brilhou em seus olhos. Sua mão nodosa
deslizou em direção à capa, como se fosse tirar uma adaga,
mas antes que seus dedos tocassem a vestimenta, ela pareceu
mudar de ideia. Ela se virou.
— Traga-a.
Claire lutou, mas os homens a puxaram pelas tábuas.
Seguindo Veronique, eles arrastaram Claire por corredores até
uma escadaria apertada. A porta de madeira forrada de ferro
no topo se abria para as ameias. Os homens a empurraram
para a luz do amanhecer.
A brisa da manhã extremamente fria arrebatou o ar dos
pulmões de Claire. Gritos, o choque de armas e gritos de
homens feridos ecoaram do pátio, enquanto a uma curta
distância ao longo do parapeito, mercenários examinavam a
paisagem abaixo, disparavam flechas, encaixavam mais
flechas em seus arcos longos e atiravam novamente.
Os homens segurando Claire a puxaram para o meio da
ameia onde Veronique estava. A neve acumulada permaneceu
em algumas partes da calçada da ameia; onde a neve
derreteu, mas depois congelou durante a noite, o gelo preto e
liso brilhava.
Os bandidos pararam. Um homem de cada lado de
Claire, eles a seguraram firme. Através da lacuna entre os
merlões de pedra quadrada, ela viu que no solo coberto de
gelo fora do castelo, soldados de infantaria com bestas e arcos
longos estavam envolvidos em um ataque em grande escala.
Alguns guerreiros estavam jogando ganchos com cordas para
tentar escalar as paredes da fortaleza. Cavaleiros montados
circulavam mais para trás, emitindo ordens. Sem dúvida, as
forças de Tye estavam em menor número.
Acima do barulho no pátio, ela ouviu um grito. Essa era
a voz de Tye? Ela olhou para o pátio, para vê-lo correndo das
sombras da casa de guarda do portão. Ele se abaixou,
errando por pouco ser ferido por uma flecha, enquanto
avançava pela multidão de homens lutando na entrada das
masmorras. Tye estava se dirigindo para a construção de
vanguarda. Ele estava a caminho do solar para levá-la ao
porão?
Oh, Tye, ela chorou dentro de si silenciosamente.
Cuidado.
Seu coração doeu, pois quando ele a encontrasse
desaparecida, seus mercenários mortos, ele saberia que sua
mãe o traiu.
Um homem de cabelos castanhos perto do poço, que
acabava de matar um bandido contratado, viu Tye e começou
a andar em sua direção. Claire não reconheceu o homem,
mas por seus passos autoritários e capa fina, ele parecia ser
alguém importante. Ele ficou longe o suficiente para que Tye
não sentisse que estava sendo seguido.
Veronique passou por Claire, seu olhar aguçado também
no homem.
— Dominic. — Ela cuspiu o nome como uma maldição.
— Dominic? — Claire perguntou.
— O amigo mais próximo de De Lanceau. — Ela zombou.
— Bastardo arrogante. Ele pensou que eu não poderia
escapar de sua masmorra depois da batalha em Waddesford
Keep. Como ele estava errado.
— Ele ficará feliz em recapturá-la, então, — Claire disse.
Veronique pertencia a uma cela isolada, onde não poderia
mais causar danos a ninguém, incluindo Tye.
Veronique rejeitou as palavras de Claire com um sopro
de desgosto.
— Dominic nunca terá sucesso, isso eu prometo a você.
No entanto, se Dominic está aqui, isso significa que Geoffrey
também está. — Ela estudou os guerreiros no pátio com óbvia
ansiedade.
Claire torceu discretamente as mãos amarradas. Os
mercenários a amarraram com força e as cordas cortaram sua
carne já dolorida. Ainda assim, devia haver uma maneira de
se libertar. Ela apenas teria que encontrá-la.
Quando Veronique se inclinou mais sobre a ameia,
procurando por De Lanceau, a porta que eles usaram se abriu
com estrondo. O clangor de espadas colidindo ecoou nas
sombras da escada.
Movendo-se para trás, com a espada pronta para atacar
novamente, Tye emergiu da escada. Atrás dele vieram dois
cavaleiros usando cota de malha sob seus mantos. Alguns
degraus na frente estava o homem chamado Dominic. Logo
atrás estava um guerreiro alto, de ombros largos, cujo cabelo
castanho tinha mechas grisalhas. Sua túnica de seda, usada
sobre a cota de malha, trazia a imagem bordada de um falcão
voando.
Claire o reconheceu imediatamente: Lorde Geoffrey de
Lanceau.

***

O suor escorria pela nuca de Tye e escorria por suas


têmporas enquanto ele enfrentava Dominic e seu senhor. Ele
os encontrou no corredor de cima. Eles tinham acabado de
passar pela porta trancada da câmara onde Lady Brackendale
e Mary estavam amontoadas.
— Não se preocupe, — dissera De Lanceau. — Wode é
nosso. A conquista de Tye está concluída.
Ao vê-lo, o rosto de seu senhor se contorceu de fúria. Os
dois homens levantaram armas e correram para ele. Tye lutou
com os dois, mas eram excelentes espadachins. Mudando sua
estratégia, Tye os atraiu para a escada, ao longo dos
corredores iluminados por tochas e até a ameia.
Quando Tye desviou outro golpe de Dominic, este
perigosamente perto de cortar seu antebraço, ele percebeu
que outros estavam por perto e assistindo o confronto.
Ele arrancou o mais rápido dos olhares. Infernos! Claire
estava na ameia, perto de sua mãe. O pânico nauseante
apertou seu intestino, pois ele sabia por que sua mãe trouxe
Claire para a luta; ao mantê-la como refém, sua mãe
garantiria que Tye matasse seu senhor.
— Não é como combinamos, — ele gritou para sua mãe.
— Eu mudei o plano.
Sua raiva se tornou uma tempestade escaldante. Ele
queria dar uma ordem a sua mãe, exigir que ela deixasse
Claire ir, mas ele não ousou tirar o olhar dos homens diante
dele. Se ele não desse a esta luta toda a sua atenção, ele
morreria.
— Vejo que você encontrou seu pai. Que prazer vê-lo
novamente, Geoffrey.
— Não é nenhum prazer para mim, Veronique —
murmurou De Lanceau. Arreganhando os dentes, ele investiu
contra Tye, seu ataque tão rápido que forçou Tye a tropeçar
para trás para evitar ser ferido.
Enquanto Tye recuperava o equilíbrio, ele deu outra
olhada em Claire, presa entre os mercenários. Seus braços
estavam atrás das costas; suas mãos estavam amarradas. A
raiva guerreava com uma sensação horrível de impotência,
pois ele não tinha meios de ajudá-la ou protegê-la.
Uma vez que ele matasse seu senhor, sua mãe
provavelmente mataria Claire, assim como ela matou o
gatinho de sua infância e tudo o mais com que ele se
importou.
Ele falhou com Claire; ele não queria, mas tinha falhado.
De alguma forma, ele teria que afastá-la do perigo.
Enquanto Tye esperava, calculando seu próximo
movimento no breve impasse, ele percebeu que seu pai o
estava estudando, não um olhar superficial, mas uma
avaliação intensa. Ele estava percebendo o quanto Tye havia
mudado desde o homem espancado que ele prendeu em sua
masmorra meses atrás? Ele estava procurando uma
vantagem estratégica, uma fraqueza, para que pudesse vencer
esta luta? Tye fechou a cara, desafiando seu senhor com
todos os seus anos de ódio salvos.
De Lanceau não encontraria fraqueza; ele encontraria a
morte.
O olhar do senhorio endureceu e ele mudou o ângulo da
espada. Dominic se inclinou para a direita de Tye. Eles iam
atacar juntos.
— Vocês dois, — Veronique disse aos mercenários. —
Vão ajudar Tye. Eu posso cuidar de Claire.
Os bandidos se aproximaram.
Com um lampejo de aço, De Lanceau avançou. Tye
recebeu o golpe e se voltou bruscamente para conter um golpe
de Dominic. Então o encontro de aço tornou-se um som
constante enquanto os mercenários se juntavam à
escaramuça.
Tye golpeou, recuou, golpeou de novo. Por baixo da cota
de malha, a túnica grudava na pele, apesar da manhã gelada.
Seus braços queimavam com a tensão, seus ombros doíam,
mas ele ignorou o desconforto e continuou lutando, e se
voltando para Claire.
Com um grito de agonia, um dos mercenários tropeçou,
sangue escorrendo de um corte em seu pescoço. Ele desabou,
caindo em uma pilha contra a lateral da ameia.
— Agora as chances são um pouco melhores, — disse
Dominic, enxugando a testa suada na manga da capa.
O mercenário restante olhou para seu camarada morto,
rugiu de fúria e se lançou. Quando sua espada desceu em
direção a Dominic, sua bota escorregou em um pedaço de
gelo. O mercenário rodopiou e caiu com o estralo do osso em
um joelho. Com um golpe rápido da espada de De Lanceau, o
homem tombou, morto.
Tye deu vários passos para trás, trazendo-o para mais
perto de Claire. Ele tinha que afastá-la de sua mãe. De
alguma forma.
Os olhos de sua mãe brilharam ao sol.
— Mate seu senhor. Mate-o agora, como você sempre
quis desde menino.
Tye inalou o cheiro metálico de sangue: o cheiro de
batalha. A antecipação passou por ele e lançou a espada com
mais força.
— Continue! Mate ele!
Capítulo Vinte e Nove
Com os dedos trabalhando na corda que prendia suas
mãos, Claire estremeceu com o vento soprando nas ameias.
Como ela temia por Tye, temia tão intensamente que ela
queria gritar.
— Mate ele! — Veronique gritou novamente, ficando a
apenas um passo de Claire. — Mate o homem que negou tudo
a você.
Os ombros de Tye ficaram tensos, um prelúdio para um
ataque, e o coração de Claire doeu com a agonia de observá-
lo, seus movimentos controlados como os de um predador
habilidoso. Ele era deslumbrante em seu próprio jeito bruto e
indomado. Se ele morresse nesta ameia, seria uma perda da
qual ela nunca se recuperaria.
Que tolice ela se importar com o homem que assassinou
Henry. Ainda assim, se ela fosse honesta consigo mesma, ela
nunca realmente conheceu Henry; não do jeito que conhecia
Tye, como se ele fosse parte de sua alma.
Ela amava Tye. Ela o amava. Ele era falho, sua alma
seriamente danificada, mas ele não estava além da redenção.
— Tye! — ela gritou.
Seu corpo estremeceu como se ela o tivesse golpeado. Ele
ergueu a cabeça, e a esperança chamejou dentro dela. Ela
deve tentar alcançá-lo, desviá-lo de seu propósito mortal.
— Por favor. Pare com essa luta.
— Silêncio, — Veronique sibilou. Ela agarrou um
punhado do cabelo de Claire e puxou, jogando sua cabeça
para trás. Claire ofegou, mas então gritou: — Ele é seu
senhor!
— Que se recusou a me reconhecer, — rosnou Tye. —
Um homem que desejou que eu nunca tivesse existido.
— Pelos dentes de Deus, — rosnou De Lanceau.
Enquanto Claire girava a cabeça para o lado, ignorando a
dor punitiva em seu couro cabeludo para ver o confronto, Tye
avançou, sua espada encontrando a de seu senhor com um
estrondo ensurdecedor. De Lanceau retaliou, sua lâmina
baixando com um brilho letal. As armas colidiram e se
chocaram repetidas vezes.
Tye saltou para trás, passando a mão no rosto suado.
— Admita, pai. Você me quer morto.
De Lanceau sorriu severamente.
— Se for a última escolha, a menos que você se renda.
— Nunca. — Tye investiu de novo, a espada acertando o
braço esquerdo de De Lanceau e cortando o fino manto. O
lorde mais velho estremeceu, mas recuou antes que Tye
pudesse repetir o golpe e avançou com golpes poderosos que o
fizeram recuar vários passos.
Claire puxou contra o aperto de Veronique. A desgraçada
mulher não a largou, apenas enrolou o cabelo de Claire com
mais força em sua mão. O ódio ferveu dentro de Claire, mas
ela não ousou desviar o olhar da luta.
— Renda-se, — ordenou De Lanceau, respirando com
dificuldade, — ou eu o matarei.
— Por que você me odeia? — Tye instigou.
Claire engoliu um gemido. Oh, Tye!
— Devo listar as razões pelas quais você deveria morrer?
Você é um criminoso. Você escapou da minha masmorra, e
então teve coragem de invadir Wode...
— A propriedade de nossa família.
— Muito bem, Tye — murmurou Veronique.
— A fortaleza da minha família, — rugiu De Lanceau, os
olhos faiscando. — Uma fortaleza que os De Lanceaus
conquistaram por meio de lealdade e honra.
Claire tremeu com a violência prestes a ser
desencadeada. Oh Deus. Logo, não haveria esperança de
salvação.
— Eu nunca vou voltar para sua masmorra, — Tye
cuspiu.
— É onde um homem como você pertence. A menos que
você esteja morto.
— Um homem como eu. Você, pai, me transformou no
homem que sou agora.
Dominic assobiou.
— Eu? — De Lanceau praguejou.
— Você me deixou de lado quando eu era menino. Você
tem coragem de negar?
Uma risada incrédula saiu de Dominic.
— Você quer dizer o encontro anos atrás na clareira?
— Sim, aconteceu em uma campina, — disse Tye.
— Eu estava lá. Eu testemunhei tudo o que aconteceu.
Pelo que me lembro...
— Onde eu te coloquei de lado, não foi? — O olhar
estreito de De Lanceau deslizou para Veronique, depois de
volta para Tye. — Sua mãe também disse que eu lhe pedi
para entregá-lo para mim, mas ela recusou?
Lágrimas arderam nos olhos de Claire. De Lanceau tinha
querido cuidar de Tye, assim como ela pensava.
— Ela também disse que segurou uma adaga em sua
garganta, ameaçando matá-lo, para que pudesse escapar?
Claire ofegou de horror.
— Uma adaga... — Tye parecia incerto.
— Ele mente, — Veronique disse estridente. — Não
acredite nele!
— O lorde não mente — disse Dominic, lançando um
olhar feio para Veronique.
— Que tipo de mãe colocaria uma adaga na garganta de
seu filho? — De Lanceau mordeu fora. — Pense sobre isso.
Os dedos de Tye flexionaram em sua espada. Claire
sentiu que ele lutava para entender o que acabara de saber.
— Tye! — Claire gritou. — Por favor! Ouça ele.
— Silêncio! — Veronique explodiu. Uma adaga brilhou e
então o metal frio pressionou contra o pescoço de Claire. —
Mais uma palavra sua e cortarei sua garganta.
Claire se calou, sua cabeça ainda torcida para trás em
um ângulo estranho da punição da mão de Veronique em seu
cabelo.
— Mentira é o jogo da sua mãe, não o meu, — De
Lanceau grunhiu, o suor brilhando em sua testa.
— Se você me quisesse, — Tye atirou de volta, — você
teria ido atrás dela. Capturá-la.
— Eu tentei...
— Outra mentira! — Tye gritou.
— Eu enviei homens de armas para vasculhar minhas
terras. Procurei por semanas. Eu segui todas as pistas, todos
os avistamentos possíveis de você. Quando sua mãe fugiu
com você para a França... Não pude fazer muito.
A voz de De Lanceau falhou, uma traição de emoção
reprimida. Ele se importava com Tye. Parecia que ele ainda se
importava, mesmo agora.
Os lábios de Tye se curvaram.
— Você está me dizendo isso para me fazer render.
— Estou lhe dizendo a verdade, — disse De Lanceau. —
Se você acredita ou não, depende de você.
Tye, acredite no que ele diz. Pergunte o que está no fundo
do seu coração e você finalmente saberá...
Atrás de Lanceau, a porta da ameia se abriu novamente.
Um homem de cabelos escuros com uma espada
ensanguentada correu, seguido por um guerreiro de cabelos
loiros com uma besta.
— Edouard. Aldwin, — chamou Veronique. — Que bom
que se juntaram a nós.

***

Tye olhou ferozmente para seu irmão, que lhe lançou um


sorriso implacável e caminhou atrás de seu senhor. Aldwin
colocou-se ao lado de Dominic.
Tye amaldiçoou silenciosamente. Um contra quatro.
Probabilidade infernal, e ele ainda tinha que salvar Claire.
Sua mãe agora tinha uma adaga contra o pescoço dela.
— Você gostaria que eu interviesse um pouco, pai? —
Edouard perguntou, girando os ombros. — Eu posso cansar
Tye para você.
— Não — rebateu De Lanceau. — Ninguém luta esta
batalha por mim.
— Não quis ofender, pai.
— Eu sei. Esta luta não é apenas para determinar quem
governa Wode por direito, — disse De Lanceau. — Faz muito
tempo que está entre eu e Tye.
Tye manteve o olhar em seus oponentes, enquanto
lutava com as emoções conflitantes em guerra dentro dele.
Seu senhor afirmou que ele não o abandonou. Palavras falsas.
Tinham que ser.
Fora isso, tudo o que sua mãe lhe contara sobre sua
infância era mentira, como Claire havia insistido. Como o
próprio De Lanceau havia dito.
Ah, meu Deus! Qual era a verdade? Fúria e tormento
açoitaram Tye. Daquele redemoinho surgiu a pergunta que o
manteve acordado muitas noites para contar.
— Diga-me isso, pai. Por que você salvou minha vida em
Waddesford Keep?
Uma estranha emoção cintilou nos olhos cinzentos de De
Lanceau, uma emoção que Tye não conseguia definir.
— Teria sido mais fácil me deixar cair da ameia —
pressionou Tye. — Ainda assim, você estendeu a mão para me
salvar.
— Foi o que fiz — resmungou o senhorio.
— Por quê?
— Homens morreram dessas quedas. Você teve sorte de
só ter fraturado a perna...
— Você estava preocupado que eu morresse? Você
acreditou que valia a pena salvar minha vida? — Como idiota
ele queria que seu pai dissesse que a sua vida o importava.
Um leve sorriso curvou a boca de De Lanceau.
— Pela informação que você poderia ter fornecido, sim.
— Eu disse a você, — Veronique zombou. — Ele ofereceu
ajuda apenas por causa do que você poderia dizer a ele. Não
porque você é filho dele.
— Era apenas uma questão de honra entre os inimigos,
então? — Tye disse: — Nada mais?
De Lanceau parecia inquieto. Ele respirou fundo para
responder, mas Tye sabia qual seria a resposta. Seu senhor
nunca iria admitir que ele era sua carne e sangue. Ele já
tivera oportunidades antes.
Gritando, Tye se lançou. De Lanceau encontrou seu
avanço, retaliou, sua espada raspando no manto de Tye e
abrindo a bolsa amarrada ao cinto da espada. Adagas
embainhadas caíram na pedra, junto com a pedra âmbar. A
resina quicou, rachou e se partiu em dois pedaços desiguais,
libertando parcialmente a abelha.
Apertando os olhos para ver o âmbar, Aldwin disse:
— Você ainda tem isso?
Tye franziu a testa.
— O que você quer dizer?
— Eu lhe dei isso. Você era apenas um menino... — Por
um instante, Tye viu um lampejo de compaixão nos olhos do
besteiro. — Eu já fui aquela abelha, lutando para me libertar
de minhas circunstâncias. Eu consegui. Você também pode,
se desejar.
Tye sufocou um grito. Como Aldwin sabia exatamente
como ele se sentia?
Como ele escapou? Como?
— Renda-se! — seu senhor ordenou, atacando
novamente. Tye enfrentou o ataque, sua lâmina ressoando em
seu senhor uma, duas vezes. Três golpes poderosos, seu
senhorio pisou no gelo escorregadio. Ele vacilou, lutou para
encontrar apoio para os pés e atacou com um golpe no nível
da barriga que forçou Tye a pular para trás e se virar de modo
que seus corpos ficassem paralelos às paredes da ameia.
Suas espadas se chocaram. Passo a passo, eles se
aproximaram de Claire e Veronique.
De Lanceau manteve um ataque constante. Mesmo
assim, ele estava se cansando.
— Mate ele! — Veronique gritou.
De Lanceau escorregou mais no gelo. Ele cambaleou.
Arremessando-se para frente, ele deslizou em direção a
Veronique.
Gritos frenéticos irromperam de Edouard e Dominic.
Uma adaga brilhou. Veronique correu na direção de
Lanceau. Erguendo a adaga, ela se preparou para enfiar a
adaga na lateral do pescoço dele.
— Não! — Claire correu para Veronique.
Tye ergueu sua espada. Atacar!
Enquanto a adaga de sua mãe brilhava em seu arco para
baixo, Claire se chocou contra ela. Veronique gritou, lutou,
golpeou com a lâmina. No último momento, Tye ajustou a
queda de sua arma. O metal colidiu com um estrépito.
Com um grito de dor, sua mãe largou a adaga. A adaga
atingiu um merlon, ressoou nas pedras e deslizou para parar
contra um monte de neve atrás dela.
Com os olhos brilhando de fúria, ela olhou boquiaberta
para Tye.
O silêncio atravessou a ameia, quebrado apenas pelo
raspar das botas do seu senhorio enquanto se endireitava.
Com um alívio tremendo, Tye viu que Claire estava ilesa. Ela
também não estava mais ao alcance de sua mãe; ela correu
para trás dele para Edouard e Aldwin. Ela estava segura.
Graças a Deus.
— Lady Sevalliere, você está bem? — Edouard estava
dizendo.
— Eu estou.
— Eu tenho uma adaga, milady. Deixe-me soltar suas
mãos.
Tye sentiu a raiva castigadora do olhar furioso de sua
mãe. Esfregando a mão, ela perguntou:
— Que loucura foi essa?
— Como o pai disse, esta luta é entre ele e eu.
— Garoto estúpido! Eu poderia tê-lo ferido gravemente
para que você pudesse matá-lo.
— E o resultado dessa luta teria sido questionado a
partir de hoje? — Tye balançou a cabeça. — Vou vencer essa
luta de forma justa. Serei o senhor de Wode porque é meu
direito.
Veronique se moveu em direção a sua adaga.
— Depois de todos os anos que te protegi? Criei você?
Depois que Braden arriscou tanto para me ajudar a libertar
você do Castelo de Branton?
— Braden, — De Lanceau ecoou o nome, e Aldwin,
Edouard e Dominic trocaram olhares. Eles claramente sabiam
o que tinha acontecido com o homem, e por que ele não havia
retornado para Wode.
— O que você sabe sobre Braden? — Veronique exigiu.
— Nós o capturamos ontem. — Quando Veronique
ofegou, De Lanceau acrescentou: — Dominic suspeitou que o
interrogador tinha usado sua influência para libertar você e
Tye da prisão. Um dos homens de armas de Dominic
reconheceu Braden em uma vila próxima, e nós o prendemos.
— Eu não acredito em você! — Veronique zombou.
De Lanceau enfiou a mão dentro de sua capa. Um anel
de caveira de ouro brilhou ao sol: o anel de Braden.
— Ele... — Veronique ofegou.
— Ele morreu tentando escapar na noite passada, —
disse De Lanceau.
Nunca Tye tinha visto uma expressão tão torturada no
rosto de sua mãe. Se ele não a conhecesse melhor, juraria que
ela amava Braden. Um gemido agudo rompeu dela,
rapidamente substituído por um grito de fúria.
— Braden está morto por sua causa, Tye, — ela gritou.
— Sua!
— Isso não é verdade, mãe.
— Viu que tipo de homem é o seu senhor? Você me traiu
hoje para salvá-lo?
Mantendo um olhar atento sobre seu senhor, que
permanecia em silêncio, mas pronto para lutar, Tye disse:
— Mãe...
— Por que eu deveria dar ouvidos a uma palavra que
disser? — Ela se abaixou para pegar a adaga. O gelo brilhava
entre a neve aos seus pés.
— Cuidado! — Tye gritou.
Sua mão fechou-se na adaga, assim que ela escorregou.
Ela lutou para recuperar o equilíbrio.
O medo tomou conta de Tye. Sua mãe estava muito perto
da borda da ameia. Sim, ele estava furioso com ela, mas não
queria que ela caísse.
Com sua espada erguida para se defender de um ataque,
ele disparou em direção a ela, escorregando em um pedaço de
gelo escondido pela cor manchada da pedra.
Gritando, ela agarrou o merlon mais próximo. Seus
dedos nodosos se agarraram, mas a parte inferior de seu
corpo continuou a deslizar. Seu calcanhar bateu na pedra, ela
se retorceu e então, com um grito agudo, caiu pela abertura
entre os merlões.
— Mãe!
— Sangue de Deus! — De Lanceau murmurou.
Tye escorregou até a parede onde ela havia caído. De
joelhos, com a respiração acelerada apertando suas costelas
que mal conseguia respirar, ele espiou. Ela se agarrava à
borda da parede com a mão esquerda, os nós dos dedos tão
brancos quanto ossos. Ela ainda estava segurando a adaga,
nada de bom lhe faria agora.
— Solte a adaga. Deixe-me ajudá-la. — Tye não podia
deixá-la cair. Ela não sobreviveria.
Ele estava vagamente ciente de gritos atrás dele e outros
correndo para a parede caminhando. Com a mente
entorpecida de horror, ele se abaixou para agarrar o braço de
sua mãe. Uma lembrança passou por sua mente, de seu
senhor estendendo a mão para ele meses atrás em outra
ameia varrida pelo vento.
Com os olhos ardendo, Tye empurrou a memória de lado.
Seus dedos se fecharam em torno de seu pulso.
— Largue a adaga, — ele gritou para ela. — Agarre-se a
mim. Eu vou te puxar para cima.
— Você me traiu. — Seus olhos, brilhando de fúria,
também brilhavam com lágrimas.
Tye lutou para manter a calma.
— Por favor. Eu não quero que você caia.
— Você escolheu ele. Você escolheu seu senhor em vez
de mim. Como você pode?
— Acabou, mãe...
— Eu deveria ter matado você há muito tempo!
— Mãe! — A angústia atravessou Tye, mesmo quando a
adaga na mão dela refletiu com um propósito mortal. A
lâmina cortou seu pulso esquerdo. O sangue jorrou. Um jato
carmesim salpicou sua capa luxuosa e a parede.
— Oh, Deus, — Claire sussurrou em algum lugar atrás
dele.
— Não — sussurrou Tye com voz rouca.
Os lábios vermelhos de sua mãe se separaram em uma
risada enquanto sua cabeça se inclinava para trás. Ele lutou
para mantê-la segura, mas a adaga brilhou novamente e
cortou sua mão.
Com a dor aguda, ele instintivamente afrouxou o aperto.
Seu pulso escorregou livre de seus dedos.
— Mãe!
Ela despencou para trás caindo na água gelada do fosso.
Um grito áspero queimou a garganta de Tye enquanto
observava seu corpo quebrado e ensanguentado submergir.
Tye se endireitou e se afastou da parede. Sua visão ficou
turva. Sua mente vacilou.
Acima do assobio assustador do vento, ele ouviu seu
senhor se aproximando.
Lute, seus sentidos gritavam. Lute! Mesmo assim, ele não
desejava erguer a espada.
Um objeto sólido bateu na parte de trás de sua cabeça.
Capítulo Trinta
— Tye! — Claire gritou.
Ele desabou no parapeito, o lado direito do rosto contra a
pedra, os braços e as pernas abertos, a capa emaranhada
embaixo dele. Sua espada atingiu a parede da ameia pelo
cabo envolto em couro e caiu no monte de neve ao lado dele.
Com uma expressão séria, De Lanceau se afastou e
baixou a lâmina que subjugou Tye com um golpe calculado.
Edouard passou por ele. Cautelosamente, ele se ajoelhou
ao lado de Tye e colocou os dedos na lateral do pescoço de seu
meio-irmão.
— Ele ainda está vivo.
— Como eu pretendia, — disse De Lanceau. — Eu quero
que ele responda por seus crimes.
Enquanto Edouard ficava de pé e se juntava ao pai,
deixando Tye deitado na pedra lavada pelo vento, o desespero
cresceu dentro de Claire. De pé contra a parede da ameia, que
fornecia um sólido peso de sustentação atrás dela, ela
pressionou a mão trêmula contra a boca. Tye havia perdido a
batalha. Ele perdeu sua mãe, uma mulher vil, mas a única
mãe que ele conheceu. Em breve, ele pode muito bem perder
a vida. Seria um fim trágico para um homem cujo coração
galante provou que ele poderia ter realizado coisas
maravilhosas, se ao menos tivesse sido criado em uma vida de
honra em vez de vingança.
O olhar cinza de aço de seu senhorio encontrou o dela,
depois os dos outros cavaleiros.
— Que todos saibam que Tye perdeu a luta. Wode é mais
uma vez minha.
Aldwin deu um passo para o lado da ameia, levou a
trompa aos lábios e soprou. Nas três notas nítidas,
claramente um sinal de vitória entre os guerreiros de De
Lanceau, gritos de alegria se ergueram do pátio e dos terrenos
ao redor da fortaleza. Então, obviamente vendo uma
oportunidade na briga, Aldwin preparou sua besta e atirou
contra o muro, antes de encaixar outro dardo e atirar
novamente.
— Muito bem — disse Dominic, dando um tapinha no
ombro do senhorio.
De Lanceau sorriu. Os dois homens começaram a falar
em voz baixa.
Seu senhorio e seus homens regozijaram-se, mas o
estômago de Claire se revirou de preocupação e repulsa.
Afastando-se da parede, ela correu para Tye, sem se importar
com a tentativa de Edouard de interceptá-la. Ela caiu de
joelhos e gentilmente afastou o cabelo suado e emaranhado
que caíra sobre o rosto de Tye. Seus olhos estavam fechados,
sua mandíbula frouxa, seus lábios entreabertos. Suas
pálpebras não piscaram, nem havia qualquer outro sinal de
que ele sabia que ela estava por perto.
Ele estava morto? Ele morrera desde que Edouard
confirmou que estava vivo? Não. Não!
Ela colocou a mão perto do nariz e da boca de Tye. Com
alívio, ela descobriu que ele ainda respirava.
— Tye, — ela sussurrou, acariciando sua bochecha. —
Desperte. Por favor.
Nenhuma fraca agitação. Nem mesmo o menor traço de
uma resposta.
Oh, Tye. Eu não posso te perder. Eu não vou te perder,
porque te amo. Um soluço escapou de seus lábios enquanto
ela arrastava os dedos sobre sua testa e bochecha.
— Tye — ela sussurrou.
Edouard agachou-se ao lado dela, seu sorriso gentil.
— Não se preocupe, milady. Sua provação acabou agora.
O bastardo teve o que merecia.
— Ele merecia? Perdoe-me, meu senhor, mas não
compartilho de sua hostilidade para com seu irmão.
Os olhos de Edouard arregalaram com surpresa.
— Ele te tomou como refém. Fui prisioneiro dele meses
atrás em Waddesford Keep, e sei o quanto você e muitos
outros terão sofrido em suas mãos.
Sofrido. Ela forçou uma risada frenética. O que Tye tinha
feito a ela, mostrado a ela, nunca poderia ser considerado
sofrimento. Longe disso.
— Garanto a você, meu relacionamento com Tye está
longe de ser desagradável.
A surpresa agora definia o rosto do jovem lorde. Ele
olhou para o pai, que ainda estava falando com Dominic, e
depois de volta para ela.
— Bem...
Claire quase riu, exceto que Tye permanecia sem
resposta sobre o frio, na pedra dura. Angústia agitou-se
dentro dela por que ninguém, nem mesmo o seu senhorio, se
preocupou em verificar o quanto Tye estava ferido.
A raiva a impulsionou a ficar de pé. Ela encontrou o
olhar curioso de De Lanceau.
— Farei o que você ordenou, milorde — disse Dominic,
afastando-se. — Aldwin, devemos recuperar o corpo de
Veronique e, em seguida, ajudar a proteger o pátio.
Com uma reverência a De Lanceau, o besteiro loiro
caminhou ao lado de Dominic e os dois correram para o
castelo.
Claire tornou-se terrivelmente ciente do escrutínio de seu
senhorio. Não havia dúvida de que esse homem era o pai de
Tye; a semelhança era inegável. Tye tinha os mesmos olhos
cinzentos. Ele também apertava a mandíbula e franzia
levemente os lábios exatamente da mesma maneira.
— Lamento que Veronique a tenha atraído para o conflito
de hoje, milady, — disse seu senhorio. — Você está bem?
— Perdoe-me, meu senhor, mas não estou bem. Estou
longe disso.
O senhorio ergueu as sobrancelhas, um maneirismo que
mais uma vez a fez lembrar de Tye.
— Com todo o respeito, estou preocupada com Tye.
Precisamos tirá-lo desta ameia para um lugar onde ele se
sinta aquecido e confortável. Sua ferida precisa ser cuidada.
— Você parece se importar com o que acontece com ele.
— Eu me importo.
Depois de um momento, a mão livre de De Lanceau
moveu-se em uma ordem silenciosa e Edouard mais uma vez
se abaixou ao lado de Tye, tirou o cabelo na nuca e examinou
o ferimento.
— Por que você se importa? — perguntou seu senhorio.
Porque eu o amo. Porque ele perdeu tudo. Por essas
razões, lutarei por ele, lutarei para estar com ele, até meu
último suspiro.
— Ele... — Ela lutou para encontrar as palavras certas.
— Ele me provou que vale a pena salvar sua vida.
Ainda de joelhos, Edouard soprou, um som de total
descrença.
-— Perdoe-me, milady, mas acho isso difícil de acreditar
— disse De Lanceau, franzindo a testa para Tye.
— Em seus dias como lorde aqui, Tye me mostrou... que
havia muito mais em seu coração do que o desejo de matar e
conquistar.
A preocupação obscureceu os olhos de De Lanceau.
— Lamento ter que fazer uma pergunta tão indelicada,
milady, especialmente depois de tudo que você suportou nos
últimos dias. No entanto, como o lorde responsável por esta
fortaleza e todas as pessoas dentro de suas muralhas, eu
devo fazê-la. Você parece ter Tye em alta conta...
— Eu tenho.
— Ele... a seduziu? A forçou...
— Ele não me forçou ou, que eu saiba, qualquer outra
mulher neste castelo a se acasalar com ele. O que eu fiz, o
que Tye e eu compartilhamos... foi por minha própria escolha.
— Seu rosto queimou. No entanto, ela não desonraria as
lembranças dos prazeres que ela e Tye desfrutaram negando a
verdade.
— Ossos de Deus, — Edouard murmurou.
— De fato. — De Lanceau coçou o queixo com os dedos
enluvados. Ele parecia inquieto. — Se me permite ser ousado,
você está dizendo que você e Tye dormiram... estão juntos?
Seu rosto devia estar vermelho, mas ela se agarrou ao
juramento de não desviar o olhar.
— De certa maneira, sim.
— De certa maneira? — O olhar de De Lanceau piscou
com compreensão. — Ah. Perdoe-me novamente, milady, por
ter que fazer tal pergunta. Você ainda é uma donzela?
Ela acenou com a cabeça.
— Veronique drogou nós dois e tentou fazer com que
ele... me tomasse, mas Tye... resistiu. Ele não queria me
arruinar. Isso, com certeza, prova que ele tem alguma honra?
De Lanceau e Edouard trocaram olhares novamente,
enquanto um suor nervoso gotejava em sua testa. Essa
discussão era muito desagradável e imprópria, mas ela
precisava perseverar. Ninguém mais defenderia Tye.
Edouard levantou-se, limpando os dedos com sangue em
seu manto.
— Pai, ele tem um grande vergão na nuca. No entanto, a
lesão não é fatal.
De Lanceau assentiu.
Claire deu um suspiro de alívio.
— Você continua a pensar favoravelmente a respeito de
Tye, Lady Sevalliere, — seu senhorio disse. — Você está ciente
de que ele matou seu prometido, Henry?
— Eu estou. Tye me contou o que aconteceu naquela
noite na masmorra.
— Mesmo? — Edouard balançou a cabeça. — Teria sido
uma vantagem, especialmente se ele estava tentando seduzi-
la, para manter isso em segredo.
— Ele queria que eu soubesse a verdade, — disse ela
com firmeza. — Ele disse que não queria matar Henry, que
tentou deixá-lo sem sentido para que pudesse escapar, mas
Henry... recusou-se a ficar caído. Henry insistiu em ser um
herói e forçou Tye a uma situação em que ele não tinha
escolha a não ser matá-lo.
De Lanceau pareceu surpreso com o que ela disse.
— Por que você me olha desse jeito, meu lorde? — Claire
perguntou.
— Vários outros prisioneiros que escaparam naquela
noite, que foram recapturados, fizeram um relato semelhante.
Eu não acreditei neles, é claro.
A esperança aqueceu Claire, uma sensação semelhante a
ser pega em uma inundação de sol de verão.
— Tye estava tentando não matar Henry... Isso prova
ainda mais que há honra dentro dele, não é?
De Lanceau exalou profundamente.
— Milady...
— Certamente, sua bravura é ainda mais notável,
considerando que ele foi criado por uma mãe que manipulava
todos os seus pensamentos e ações. Ela o amava apenas pela
vingança que Tye exigiria de você quando ela acreditasse que
ele estava pronto.
— Isso é verdade. — A tristeza invadiu o rosto de seu
senhorio. Ele de repente parecia cansado, como se estivesse
assombrado pelo passado. — Como eu gostaria de tê-la
impedido há muito tempo. Lamentavelmente, não fui capaz.
A esperança dentro de Claire ficou mais brilhante.
— Tye tornou-se o homem que ele é agora, porque
acredita que você não se preocupa com ele.
De Lanceau rosnou.
— Por favor. Você deve dizer-lhe que se importava com
ele. Que ainda se importa.
— Milady. — Seu senhorio fez uma careta. — Ele não é
um herói cavalheiresco. Ele é um assassino treinado e
perigoso...
— Então, ele pode ser. Isso não descreve cada cavaleiro
neste reino?
— Ele também é um traidor da coroa.
— Respeitosamente, milorde, você também, se os
rumores recentes forem verdadeiros. Você não está
recrutando companheiros, lordes para a sua causa: uma
Carta Magna em breve será apresentada ao Rei John, que
limitará os poderes governantes da coroa?
Um rubor avermelhado escureceu as maçãs do rosto de
seu senhorio. Ele claramente não gostava de ser desafiado
dessa maneira.
— Não estamos discutindo meu caráter, mas o de Tye.
— Se me permite, sugiro perguntar a outras pessoas ao
redor da fortaleza sobre os dias em que Tye governou aqui.
Ele garantiu que todos nós estivéssemos aquecidos e
alimentados. Os feridos foram atendidos, e ele deteu sua mãe
de esfaquear Lady Brackendale...
— Pode ser. Ele ainda confiscou esta fortaleza e, no ano
passado, cometeu outros crimes. Ele também é um
trapaceiro, um sedutor sem remorso de mulheres.
Claire não pôde deixar de sorrir.
— Não que você também fosse um sedutor em seus dias
mais jovens, milorde? Lembro-me de uma famosa chanson de
Moydenshire que diz como você sequestrou Elizabeth
Brackendale e segurou-a por resgate e para reconquistar
Wode. Ao fazer isso, você ganhou tanto o castelo como o seu
amor.
Um músculo pulsou na bochecha de De Lanceau.
— Verdade, mas...
— Por que você está tão determinado a condenar Tye? Ele
é seu filho. Ele pode não ter a prova inquestionável para lhe
oferecer, mas não pode haver dúvida, pois ele se parece muito
com você.
O olhar do seu senhorio vacilou, mas ele não disse nada.
De Lanceau era tão teimoso quanto Tye! Pelo bem de
Tye, porém, ela tinha de chegar ao seu senhorio, para romper
os anos de inimizade entre os dois homens.
— Tye também salvou você do ataque de Veronique mais
cedo, — Claire insistiu. — Tye se arriscou a se machucar para
garantir que sua mãe não o matasse. Ele queria que a luta
permanecesse justa.
— Ele fez isso, na verdade, — Edouard murmurou. — O
que é bastante inesperado.
— Não é inesperado. Não para Tye. Eu sei, — Claire disse
ferozmente, segurando de olhar De Lanceau. — Você não
pode negar que foi um ato altruísta e honrado. Isso deve, pelo
menos, para Tye conquistar um pouco de respeito.
Seu senhorio murmurou uma palavra em voz baixa que
soou como mulheres. Ele olhou para Edouard, que deu de
ombros.
— Você sabe o quanto eu odeio Tye, pai. No entanto,
neste caso, eu tenho que concordar com Claire. Ele salvou
sua vida.
De Lanceau suspirou e sua atenção se voltou para o
pátio, onde a batalha estava terminando.
— Vou considerar tudo o que você disse, milady. Como
você sugeriu, falarei com outras pessoas na fortaleza.
Enquanto isso, Edouard, leve Tye para a masmorra. Assim
que Wode estiver garantido para minha satisfação, vou decidir
seu destino.
Capítulo Trinta e Um
Tye acordou de repente com a batida de uma porta.
Abrindo os olhos para as sombras, ele piscou várias vezes
para clarear a visão. Sua mente estava lenta, grogue, como se
ele emergisse de um lago profundo.
Lentamente, ele percebeu que estava deitado sobre o
lado direito em um chão de terra que cheirava a mofo,
podridão e sangue. Seu sangue. Ele vagamente se lembrou do
golpe impressionante que o deixou sem sentido.
De Lanceau vencera a batalha.
Seu senhor recuperou Wode.
Sua mãe o traiu e rejeitou.
Tye havia perdido tudo.
A imagem de Claire flutuou em sua mente, e seus olhos
queimaram quando ele se lembrou do último momento em
que a viu na ameia. Ele esperava que ela estivesse bem.
Tye flexionou as mãos e os pés. Sua mão ferida parecia
rígida; o corte havia fechado. Metal atingiu seus pulsos e
tornozelos. Suas botas tinham desaparecido; seus pés
descalços estavam tão frios que já não podia sentir os dedos
dos pés.
Com cuidado, ele achatou as palmas das mãos na terra e
se sentou, estremecendo com o barulho das correntes presas
aos anéis de ferro na parede de pedra atrás dele. Sua cabeça
girou.
Ele ficou imóvel até que a sensação de desconforto
diminuísse e então afastou o cabelo grudado em seu rosto,
para que pudesse ver onde estava preso. Com aquele
movimento simples, a dor atingiu seu crânio e pescoço. A
agonia... Ele ia vomitar.
Tye respirou fundo para acalmar seu enjoo. Sua força
cedeu e ele caiu de costas contra a parede. Sua cabeça
pendeu.
Em seu rápido estudo de seus arredores, ele reconheceu
a masmorra em Wode. Ele devia estar na parte de trás da
câmara subterrânea.
Tye engoliu em seco, a boca ressequida, um gosto ruim
agarrado à língua. A escuridão lhe acenou, incitou-o a fechar
os olhos e sucumbir ao nada, mas ele lutou por consciência
com os últimos fios esfarrapados de sua força de vontade. Ele
tinha que ficar acordado. Havia coisas que ele tinha a dizer,
devia dizer, antes de morrer.
Ele ouviu os homens se aproximando, lacaios de seu pai
estavam vindo para ele. Eles iam matá-lo; disso ele não tinha
dúvidas. Ele havia perdido a luta fundamental, perdeu tudo
no que tinha tanta arrogância e tentou reivindicação. Ele
pereceria hoje forçado a reconhecer seu pai como o vencedor,
com Edouard, Aldwin, e Dominic lá para testemunhar a sua
rendição e seu assassinato.
Por que seu senhor não o matou? Ele merecia morrer.
A bile subiu à garganta de Tye novamente, mas ele se
forçou a engolir, determinado a não vomitar na frente dos
outros homens. Era absurdo, talvez, agarrar-se a tamanha
vaidade, especialmente quando ele estava quase morto, mas
preferia morrer com alguma dignidade.
Ele iria morrer.
Um vazio terrível o encheu, pois havia perdido muito
mais do que ganhara.
A única mãe que ele conheceu o rejeitou e estava morta.
Seu senhor não o reconhecia como seu filho.
Além disso, a verdade agora estava dolorosamente clara:
toda a sua vida fora construída sobre mentiras. Com as
revelações de seu senhor, tudo que Tye acreditava sobre sua
infância foi destruída, a própria base de quem e do que ele
era, foi quebrado em pedaços inconsequentes que
rapidamente virariam pó.
Como ele tinha sido tão estúpido para acreditar que
merecia o reconhecimento de um lorde como de Lanceau? Tye
não era nada. Ninguém sentiria falta dele depois que ele
morresse, exceto, talvez, Claire.
Tye fechou os olhos e a amabilidade de Claire encheu
seus pensamentos: seu belo sorriso; o brilho dos seus olhos
quando ela sabia que ele ia beijá-la; o brilho da luz do fogo em
seu cabelo. Ele tinha sido um tolo, um arrogante, egoísta e
idiota. Se ao menos ele tivesse ouvido Claire, naquela noite,
no grande salão. Ela tentou fazê-lo questionar o que sua mãe
lhe tinha dito, mas ele tinha sido orgulhoso demais para
escutar.
Claire. Doce e preciosa Claire. Minha alma negra foi
seduzida pela pureza de sua luz.
Como ele ansiava por afundar as mãos em suas tranças
uma última vez. Como ele queria beijá-la, tocá-la, dizer o
quanto ela significava para ele... Mas esses desejos não eram
mais do que sonhos frágeis agora.
Enquanto ele respirasse pela última vez, enquanto o
mundo ao seu redor se desvanecesse na escuridão eterna, ele
manteria a imagem dela em sua mente. Ela tinha sido a
melhor parte de sua vida. Ele deixaria esta Terra valorizando
tudo o que ela lhe deu tão abnegadamente.
O tilintar de chaves advertiu Tye que os homens de seu
pai se aproximavam. Sua alma em profunda tristeza o
pressionando. Ele não podia levantar a cabeça. Inferno, ele
não queria. Quando pararam na frente dele, ele não se
preocupou em olhar para cima.
— Não é tão temível agora, não é? — Disse Edouard.
— Não podemos subestimá-lo. — A voz de Aldwin. — Seu
pai não ficará satisfeito se ele nos der um truque e escapar de
novo.
Edouard riu asperamente.
— Ele nunca passaria pelos guardas do lado de fora. Ele
não vai escapar de nós.
Tye permaneceu imóvel, de cabeça baixa, enquanto uma
mão forte agarrou seu pulso esquerdo e o peso de uma chave
roçou sua pele. Um clique, e seu pulso esquerdo caiu livre.
Um momento depois, o seu pulso direito.
— De pé, — Edouard ordenou.
Tye lutou para se levantar. Os homens agarraram seus
braços, puxando-o para cima, os dedos dos pés raspando no
chão antes que ele pudesse colocar os pés em posição correta.
Sua cabeça tombou e ele gemeu com a renovada tontura e
dor.
Um deles enfiou seus pés nas botas. Então, os homens o
puxaram em um ritmo acelerado. Ele tropeçou ao ser
impulsionado escada acima, para a luz do dia e, em seguida,
para os confins úmidos e iluminados por tochas do prédio
principal.
Mais passos e ele alcançou o grande salão. Seu corpo
enfraquecido vacilou, mas seus sentidos estavam aguçados o
suficiente para reconhecer os cheiros de palha seca, ervas
esmagadas e fumaça cinza do fogo recém-alimentado. Seu
coração se torceu em seu peito, pois havia outra nota
também, a sugestão da fragrância de leite e mel de Claire.
Talvez ele só tivesse imaginado aquele cheiro, porque queria
desesperadamente vê-la uma última vez.
O salão, encharcado de sol, ficou em silêncio, mas ele
sentiu um número de pessoas que o observavam. Edouard e
Aldwin o impeliu para a frente e empurrou-o a ficar de joelhos
na frente do estrado. Ele aterrissou com força, sua respiração
expeliu em um grunhido de agonia. Ele tombou para a frente,
seu cabelo caindo sobre o rosto, a testa quase tocando os
juncos. Com suas últimas reservas e falhas de força, ele se
obrigou a endireitar.
De Lanceau desceu do estrado, o falcão bordado em sua
túnica cintilando à luz do sol. O junco se esmagava enquanto
ele caminhava em direção a Tye.
O vazio voltou a crescer dentro de Tye. Por tantos anos
ele odiou este homem que sabia ser seu pai, tudo por causa
das mentiras de sua mãe.
Se a vida de Tye tivesse sido diferente, ele teria sido
reconhecido como um De Lanceau, não como um criminoso
cuja morte seria motivo para seu senhor comemorar.
Se sua vida fosse diferente, ele teria passado o resto de
seus dias com Claire, dias cheios de alegria, contentamento e
amor.
Muito amor.
Ele a amava, sem dúvida. Ele a amava ferozmente,
completamente. Sua vida poderia ter sido construída sobre
mentiras amargas, mas disso ele sabia sem a menor dúvida:
seu amor por Claire era verdadeiro.
— Tye, — seu senhor disse, sua voz alta no salão.
— Pai, — ele respondeu.
— Para que todos aqueles que testemunham aqui hoje,
você entende por que foi trazido diante de mim?
— Eu sitiei Wode, — disse ele calmamente. — Você
venceu a batalha para retirá-lo de mim. Agora, vou morrer.
O silêncio se estendeu.
— Capturar Wode é apenas uma das ofensas pelas quais
você está condenado. Entre os mais recentes estão o cerco de
Waddesford Keep e o assassinato de Lorde Henry Ridgeway.
O vazio dentro de Tye se aprofundou.
— Eu sei.
— Você reconhece seus crimes, neste dia, diante de
testemunhas?
Ele não negaria tudo o que havia feito. Aqui, agora, ele
assumiria a responsabilidade por sua vida miserável. Pelo
menos ele poderia morrer com um pingo de honra.
— Eu reconheço meus crimes, — disse ele.
— Você reconhece meu direito, como lorde de
Moydenshire, de aplicar uma punição digna da gravidade de
seus crimes?
Ele iria morrer. No entanto, a morte devia ser melhor do
que viver como ele vivia agora, com todos, incluindo Claire,
perdidos para ele.
— Sim, — ele respondeu.
— Há algo que você deseja dizer, antes de eu o entregar a
seu destino?
Lutando contra a dor no crânio, Tye ergueu a cabeça e
forçou os ombros doloridos para trás. Ele deve dizer o que
está em seu coração. Nesses momentos finais, ele tentaria ser
o homem que Claire sempre afirmou estar dentro dele.
Encontrando o olhar de seu pai, ele disse:
— Eu reconheço que cometi crimes que são dignos de
sua punição. Assumo total responsabilidade pelo que fiz. Por
toda a angústia que causei, eu sou culpado... — Sua voz
falhou. — Sinto muito.
As sobrancelhas de seu senhor se ergueram.
— Desculpa-se?
Tye concordou com a cabeça. As lágrimas escorreram por
seu rosto, mas ele não se preocupou em enxugá-las.
— Eu gostaria de poder começar de novo. Eu gostaria de
poder ser... — Ele pensou em como Claire o fazia se sentir, e
ele lutou contra um soluço. — Verdadeiro. — Em sua mente,
ele a viu sorrindo, e seu coração disparou de amor por ela. —
Galante. Honroso. Um homem digno de seu respeito. — Tudo
o que ele nunca seria.
— Belas palavras. — Uma nota estranha soou na voz de
seu senhor.
— Não dê ouvidos a ele. Ele não está arrependido, —
murmurou Edouard.
— Quieto, — seu senhorio ordenou.
— Pai, ele está tentando enganá-lo, porque perdeu a
batalha.
— Sem truques, eu juro. — O que Tye precisava dizer,
tinha a dizer, brilhava claro em sua alma. — Por favor, diga a
Claire que eu a amo. Eu peço... por tudo que fiz, espero que
você... me perdoe, — ele sussurrou.
O silêncio no salão parecia esticado como a corda de um
carrasco.
— O que você disse? — seu senhor exigiu.
Com mais firmeza, Tye disse:
— Perdoe-me. Eu te imploro. — Ele caiu para trás para
sentar-se sobre os calcanhares, a cabeça baixa. Não
importava mais se ele estava muito fraco para permanecer de
pé; Ele ia morrer. Com Claire não mais em sua vida, não valia
a pena viver de qualquer maneira.
— Implora? — Disse Edouard. — Isso não soa como o
Tye que eu conheço.
Tye fechou os olhos. Ele rezou para que sua morte fosse
rápida. Misericordiosa.
O cheiro picante de alecrim subiu do chão quando seu
senhor deu mais um passo em sua direção. Tye esperou pelo
som áspero do aço enquanto seu senhor desembainhava a
espada; o farfalhar de roupas quando seu senhor erguesse a
arma para derrubá-lo...
Uma mão pousou no ombro de Tye.
— Essas palavras, — disse De Lanceau calmamente, —
são as que eu esperaria de meu filho.
Tye congelou. Ele não deve ter ouvido direito.
Lentamente, com sua mente girando, ele forçou a cabeça para
cima.
O olhar úmido de seu senhor queimava de emoção. Seu
rosto mantinha a mesma expressão de quando tentara salvar
Tye da queda da fortaleza de Waddesford meses atrás.
— Filho? — Tye murmurou. A confusão o invadiu,
perseguida pelo mais ínfimo e tênue lampejo de esperança.
Seu senhor assentiu. Um leve sorriso apareceu em sua
boca.
— É justo que eu finalmente aceite que você é minha
carne e sangue.
Tye ofegou. Filho. Ah, meu Deus. Ele queria falar, para
honrar este incrível presente de seu senhor, mas as palavras
lhe faltavam.
— Claire me deu um relato completo do que aconteceu
antes de nossa batalha, — seu senhor continuou. — Ela me
mostrou seu diário documentando o cerco e os dias seguintes.
Ela insistiu muito para que eu entendesse como você agiu
nobremente em relação a ela e aos outros aqui, apesar da
interferência de sua mãe. As outras pessoas com quem falei
confirmaram o que ela me disse. — O olhar do seu senhorio
se estreitou. — Tye, você está disposto a fazer um juramento
para mim neste dia, jurar fidelidade a mim, jurar me obedecer
sem questionar pelo resto de seus dias de vida?
O choque atingiu Tye. Era uma oferta generosa, muito
mais do que ele merecia.
— Eu estou.
— Bom.
Ele estava realmente disposto a fazer o voto, mas não
havia razão disso só para ser morto.
— Eu vou... ser morto?
— Não neste dia.
O alívio correu por ele, tão intenso que quase desmaiou.
— Claire, — Tye ofegou. Ele tinha que vê-la. — Por favor.
Ela está aqui?
Seu senhor se afastou e acenou para alguém atrás de
Tye.
— Deixe-a entrar.
Tye ouviu o ranger de uma porta, seguido de passos
correndo.
— Tye, — Claire soluçou. — Oh, Tye. — Ela caiu de
joelhos, seu vestido se espalhando entre os juncos. Pegando
seu rosto com as mãos, ela o beijou repetidamente enquanto
chorava. Ele riu contra sua boca, deslizou os braços ao redor
dela e enterrou o rosto em seu pescoço, enquanto ele também
soluçava.
— Bem, — Dominic murmurou de perto. — Não era isso
que eu esperava que acontecesse hoje.
— Nem eu, — murmurou Edouard.
— Nem eu, — disse Aldwin com um sorriso.
Com o rosto molhado de lágrimas, Tye olhou para seu
senhor.
— Obrigado. — A alegria preencheu o vazio dentro dele.
Ele teve uma segunda chance; ele não perderia um único
momento. — Eu prometo, pai, com minha própria alma, eu...
— Certamente, você vai prometer, — seu senhor disse. —
Ainda temos muito que discutir e resolver. Os próximos dias
não serão fáceis. Agora, porém, você vai fazer o juramento
jurando lealdade a mim na frente dessas testemunhas. Então,
cuidaremos do seu ferimento na cabeça, antes que você
desmorone no chão do salão.
Capítulo Trinta e Dois
Sentada à mesa do lorde no estrado elevado, terminando
sua refeição de caldo de legumes, queijo branco e pão
integral, Claire não pôde deixar de sorrir, pois o salão estava
vivo novamente. Não era assim há muitos, muitos dias,
mesmo antes da conquista de Tye.
Velas tremeluziam nas fileiras de mesas de cavalete que
enchiam o salão e projetavam nos rostos das pessoas do
castelo em um banho de ouro enquanto comiam. Tochas de
junco queimavam nos suportes ao longo das paredes,
afastando as sombras que persistiam nas vigas de madeira
acima. Os cavaleiros, sentados juntos às mesas perto do
estrado, riam e zombavam entre si enquanto discutiam a
batalha do dia e a vitória de De Lanceau. Perto da lareira, dois
homens arrancaram seus alaúdes. A vibrante melodia se
transformou em uma onda de som, enquanto atrás deles,
uma grande chama queimava na lareira.
Mary estava sentada à direita de Claire. A luz da peça
central próxima de velas de cera de abelha fez o vestido de
seda azul de Mary cintilar.
— O salão não está lindo esta noite? — ela disse com um
suspiro feliz.
— Certamente que sim, — Claire concordou.
— A sopa também está muito mais saborosa do que de
costume — acrescentou Mary com um sorriso. — Sem dúvida
porque o senhorio jantará aqui esta noite.
Claire podia facilmente imaginar a cozinheira de rosto
vermelho voando pela cozinha, gritando por mais vegetais
picados e jogando punhados de especiarias e ervas secas no
caldeirão borbulhante para deixar o guisado em um estado
adequado para servir ao grande lorde de Moydenshire e seus
homens.
Enquanto tomava um gole de vinho, Claire sentiu um
pouco da tensão do dia se esvair. Mas nem tudo. Ainda havia
questões sem solução, incluindo o que aconteceria com ela e
Tye agora que ele se rendeu a seu senhor. Ela não conseguiu
falar com ele depois da reconciliação no salão, pois De
Lanceau o levara para tratar de seus ferimentos. Depois, de
acordo com o que Claire e Mary haviam colhido dos criados,
seu senhorio e Tye conversaram durante a maior parte da
tarde, enquanto Dominic, Aldwin e Edouard cumpriam outras
funções atribuídas. Como ela gostaria de saber o que Tye e
seu senhorio haviam discutido.
Largando sua taça, ela olhou para a esquerda, onde Lady
Brackendale estava tendo uma discussão animada com Lorde
de Lanceau e Dominic. Os anéis mais uma vez brilhavam nos
dedos de Lady Brackendale, e Claire sorriu, feliz em ver que
Tye tinha devolvido o que ele confiscou de sua senhoria, como
ele devolveu o que tinha tirado de Claire.
Sua atenção se voltou para a mesa logo abaixo do
estrado, onde ele se sentava entre Aldwin e Edouard. Vários
outros homens de confiança de De Lanceau também estavam
sentados lá, vigiando-o. O ferimento na cabeça de Tye devia
estar doendo. Ainda assim, em sua postura, a orgulhosa
inclinação de sua cabeça, ela sentiu resiliência. A admiração
a aqueceu, pois embora os homens de De Lanceau estivessem
claramente relutantes em aceitá-lo entre suas fileiras, ele
estava determinado a resistir. E ela sabia que ele estava
fazendo isso, em parte, por ela.
Enquanto ele colocava uma colher de sopa em sua boca,
olhou para ela, e seus olhares se encontraram. Tye sorriu, e
ela sorriu de volta, muito grata por ele estar vivo e por se
reconciliar com seu senhor. Ele e seu pai ainda tinham anos
de inimizade para superar, anos de manipulações de
Veronique para desfazer, mas eles o fariam, um dia de cada
vez. Juntos.
Lady Brackendale largou sua taça com um suspiro e
enxugou os lábios com um guardanapo de linho.
— Você está bem, milady? — Claire perguntou.
— Muito bem, agora que Tye não governa mais minha
fortaleza. — Suas bochechas estavam vermelhas e seus olhos
brilhavam. — É uma grande honra ter Lorde de Lanceau de
volta ao meu salão, comendo em minha mesa. — Inclinando-
se mais perto, ela sussurrou: — Ele é um homem tão
inteligente e bonito.
Claire sufocou uma risada.
— Quão satisfeita estou, meu querido Arthur, também
ficaria em ver este castelo voltar a ser como deveria ser.
— Um lugar livre de mercenários, — Mary acrescentou
com um estremecimento. — Ouvi dizer que os que
sobreviveram à batalha estão acorrentados na masmorra, até
que o seu senhorio os leve para serem castigados.
— Estou aliviada por finalmente estarmos livres de
Veronique — disse sua senhoria com uma fungada
desdenhosa. — Cair das ameias é uma maneira terrível de
morrer, mas não lamento que ela tenha morrido.
O arrependimento puxou Claire quando seu foco moveu
novamente para Tye. Ela não conseguia imaginar a angústia
de ser rejeitado pela própria mãe e depois vê-la morrer. Claire
não testemunhou a morte de seus pais, mas ela tinha alguma
ideia do que Tye estava sentindo agora. Ela faria tudo o que
pudesse para apoiá-lo, ajudá-lo enquanto ele sofria.
— Vai ser interessante ver o que se passa com o seu
senhorio e o filho que ele acaba de reconhecer, — murmurou
a sua senhoria.
Claire bebeu mais vinho.
— Também estou muito curiosa para saber o que será de
você e Tye, — acrescentou Lady Brackendale com um sorriso
significativo.
O vinho ficou preso no meio da garganta de Claire. Com
essas poucas palavras, Claire sentiu que a sua senhoria fora
muito bem informada de tudo o que se passara nos dias que
se seguiram ao cerco. Corando, Claire se forçou a engolir e
então tossiu em sua mão, enquanto Mary ria e dava tapinhas
nas costas dela.
— O que quer que aconteça entre Claire e Tye, — disse
Mary, — o romance deles ficará registrado no relato da
conquista.
— Oh, Deus, — Claire balbuciou.
— Nós temos a obrigação de terminar o nosso conto, —
Mary acrescentou, — e não apenas para nossa própria
satisfação. Devemos levar em consideração o povo de
ascendência De Lanceau que nascerá daqui a alguns anos e
que deseja conhecer os detalhes da história viva deste castelo.
— Você está certa. — Suspirando, Claire brincou com
um pedaço de queijo. — Mesmo eu não sei como meu
relacionamento com Tye vai acabar. Sua vida mudou. Ele terá
outros compromissos e maiores oportunidades. Como de
Lanceau, ele pode ter a mulher que quiser.
Mary fez uma careta.
— Claire, não seja tão dramática.
— Estou apenas falando a verdade.
Mary revirou os olhos e olhou além de Claire.
— Tye está se levantando da mesa.
Arrepios percorreram os braços de Claire. Era ridículo se
sentir tão ansiosa, mas muita coisa mudou para todos eles
neste dia.
Tye caminhou até o estrado e subiu na plataforma para
ficar diante de seu pai. Ele se curvou. O silêncio se instalou
no salão.
— Milorde, — disse Tye, seu tom perfeitamente educado.
— Sim? — seu senhor perguntou.
— Com sua permissão, gostaria de falar com Lady
Sevalliere. Em particular.
O olhar do senhorio deslizou para Claire. Um sorriso
secreto tocou seus lábios antes que ele dissesse:
— Claro.
O pulso de Claire acelerou. Ela se levantou um pouco
rápido demais, quase derrubando o vinho.
De Lanceau acenou para que Tye continuasse. Tye
caminhou até a frente da mesa, acenando respeitosamente
para Lady Brackendale enquanto passava, então acompanhou
o passo de Claire, até que ambos alcançaram o final da mesa.
Ele a pegou pelo braço e a ajudou a descer do estrado.
A conversa e a música recomeçaram, mas Claire
percebeu que muitas pessoas os observavam, incluindo
Edouard, que caminhava vários passos atrás; ele obviamente
estava seguindo Tye.
— Ordens de meu pai, receio — disse Tye perto de seu
ouvido enquanto a conduzia até a escada. — Edouard será
minha sombra até que meu pai tenha certeza de que pode
confiar em mim.
Claire apertou o braço de Tye.
— Edouard não será sua sombra por muito tempo,
então.
— Por que ele, então? — Tye fez uma careta enquanto
subiam as escadas. — Por que não Dominic ou Aldwin?
— Edouard faz parte de sua nova família. Você terá
muitas oportunidades de conhecê-lo bem.
— Se não acabarmos nos matando primeiro, — Tye
murmurou.
Claire conseguiu fazer uma careta fingida.
— Isso seria muito bobo da parte de vocês dois.
Malícia brilhou nos olhos de Tye.
— Você deve me manter no caminho da virtude então,
Gatinha. Se eu passar meus dias com você, não serei tentado
a lutar com meu irmão.
Ela se inclinou para perto, saboreando o cheiro familiar e
terreno de Tye.
— Você pode ficar tentado a fazer outra coisa? — ela
perguntou. Ela estava sendo muito tímida, mas com Tye, uma
brincadeira tão animada parecia certa.
— Certamente, eu ficaria tentado. — A piscadela
luxuriosa de Tye enviou faíscas deliciosas, quentes e frias ao
mesmo tempo dançando por ela. No nível superior do castelo,
ele parou do lado de fora da porta do quarto dela. — Pegue
sua capa. Eu não quero que você pegue um resfriado.
Depois de vestir a capa, Tye a conduziu por mais
passagens enevoadas de fumaça e subiu até a ameia,
sombreada pelo crepúsculo. A uma curta distância do
parapeito, ele foi derrotado por seu senhor. Sua mãe morrera
ali também. Doeu em Claire o pensamento de que ele havia
retornado ao lugar que lhe guardava tanta angústia.
— Por que aqui? — Claire perguntou suavemente.
Tye parou e segurou as mãos dela. A sensação de sua
pele áspera e quente enviou um calor em espiral em sua
barriga.
— Aqui, — ele disse suavemente, — é onde finalmente
entendi o que eu realmente queria, o que estava procurando,
toda a minha vida.
Atrás de Tye, Edouard encostou-se a um merlon e olhou
para o pátio iluminado por tochas. Ele estava longe o
suficiente para dar-lhes alguma privacidade, embora a brisa
sem dúvida levasse a conversa até ele.
Encontrando o olhar solene de Tye, Claire perguntou:
— O que você estava procurando?
— Não era vingança, — disse ele com seriedade, — nem
riqueza ou poder. — Ele apertou suavemente as mãos dela. —
Você.
Claire respirou fundo.
— Eu?
— Sim. Os dias que passei com você… Me fizeram sentir
completo. Procurado e visto por alguém. Nunca mais desejo me
sentir como antes de conhecê-la. Eu não quero mais ser
aquele homem.
Lágrimas encheram os olhos de Claire.
— Eu te amo, Claire.
— Eu também te amo, Tye, — ela sussurrou. — Mais e
mais a cada dia.
Ele sorriu, como se as palavras dela significassem muito
para ele. Então, apesar da brisa fria, ele se ajoelhou na pedra
e segurou a mão direita dela.
— Tye...
— Você quer se casar comigo, Claire?
Um soluço passou por seus lábios.
— Eu não tenho nenhum castelo ou fortuna para lhe
oferecer. Eu nem tenho um anel de noivado ainda. No
entanto, quando meu senhor e eu conversamos hoje, lhe disse
minhas intenções em relação a você, ele disse para pedir sua
mão de qualquer maneira.
— Tye...
— Por favor. Eu quero que você tenha um anel que goste.
Quero que você o escolha e, toda vez que olhar para ele, sinta
alegria. E não estou pedindo que se case comigo só porque
nós... deitamos juntos. Eu sei que não sou o homem perfeito,
não sou um lorde e nobre. Ainda assim, eu prometo aqui e
agora, vou cuidar de você e, se Deus quiser, de nossos filhos.
Serei um marido dedicado. Serei tudo o que você quiser que
eu seja...
Com a mão livre, ela tocou sua bochecha, persuadindo-o
a inclinar o rosto.
— Tye, — ela disse suavemente.
Seus olhos se encheram de agonia por esperar sua
resposta.
— Terei a honra de me casar com você.
Tye se levantou rapidamente.
— Verdadeiramente?
— Verdadeiramente. — Antes que ele pudesse dizer outra
palavra, ela se jogou em seus braços, beijando-o
profundamente, mostrando quanto amor e felicidade
transbordavam dentro dela.
Com um gemido, Tye a beijou de volta. Seus braços se
fecharam ao redor dela, segurando-a com força contra ele.
Uma risada veio por trás deles.
— Bem, — disse Edouard. — Este dia está cada vez mais
interessante.
Depois de desacelerar o beijo, Tye ergueu sua boca da de
Claire.
— Edouard, você tem que interromper enquanto estamos
nos beijando?
— Quando você está beijando uma mulher bonita e eu
sinto falta da minha esposa que está em casa? — Edouard
reclamou. — Sim, eu tenho.
Claire riu.
Sorrindo para ela, Tye disse:
— Podemos ir e contar aos outros as boas notícias,
Gatinha?
— Eu acho que é uma ideia esplêndida.
Epílogo
Branton Keep, Moydenshire, Inglaterra,
Início de abril de 1215

A luz do sol cintilou na armadura e cota de malha das


dezenas de cavaleiros reunidos no pátio do Castelo de
Branton. Uma sensação de excitação percorreu a multidão
enquanto os homens amarravam as armas e os alforjes aos
cavalos com freios e se preparavam para cavalgar para
Londres sob o comando de Geoffrey de Lanceau.
— Onde você está, Tye? — Protegendo os olhos com a
mão, Claire procurou por ele na multidão. Pouco mais de uma
semana depois de De Lanceau retomar Wode, ela e Tye se
casaram no pórtico da pequena igreja perto da fortaleza de
Branton, em um dia ameno no início de fevereiro. O pátio do
Castelo de Branton estava tão lotado quanto antes. Lady
Elizabeth, esposa de Lorde de Lanceau, convidou muitas
pessoas influentes; algumas, incluindo tia Malvina e
Johanna, acompanhadas por Delwyn, viajaram por léguas
para assistir à cerimônia e ao pródigo banquete no castelo.
Claire sorriu com a lembrança, pois tinha sido uma
grande celebração, um dia que ela nunca esqueceria. Depois
disso, ela e Tye continuaram a viver com os De Lanceaus
enquanto ele trabalhava ao lado de seu senhor todos os dias
para construir a confiança e a lealdade entre eles, que ambos
os homens claramente desejavam. Mary ainda morava com
Lady Brackendale, mas a visitava com frequência. Patch, que
se mudou com Claire e Tye para o Castelo Branton, dormia
na cama deles todas as noites e se apegou muito a Tye.
Logo, Claire, Tye e Patch estariam se mudando para sua
nova casa: um castelo à beira do rio com ricas terras que seu
senhorio havia concedido a Tye na semana passada. Quão
orgulhoso Tye tinha ficado, que seu senhor lhe confiou uma
propriedade. Ela também estava incrivelmente orgulhosa de
Tye, pois ele era de fato um homem diferente daquele que
sitiou Wode meses atrás.
Hoje, porém, Tye partiria com seu pai e o exército
enquanto Lorde de Lanceau viajaria em direção a Londres,
reunindo o apoio de nobres ao longo da rota que ainda não
haviam se comprometido com a Grande Carta, a Carta Magna
, que agora estava nas mãos do rei John. O rei tinha
prometido dar uma resposta à carta régia, proposto para o dia
vinte e seis de abril, mas de Lanceau tinha recebido notícias
dos seus pares de que o soberano pretendia rejeitá-lo, o veto
que o seu senhorio não estava disposto a aceitar.
Meses antes, em grande detalhe, Tye havia divulgado
como ele e Veronique haviam espionado de Lanceau em um
acordo clandestino com o rei. De Lanceau reuniu provas de
que o soberano agiu de acordo com essa informação para
subverter o progresso da Carta Magna, e planejou usar o que
descobriu para persuadir o rei a ratificar o documento.
Um suspiro ansioso passou pelos lábios de Claire, pois
ela precisava encontrar Tye. Embora seu marido tivesse
prometido se despedir dela, ela não podia esperar mais um
minuto para contar a ele o que pretendia dizer naquela
manhã; no entanto, ele se levantou e deixou seu quarto mais
cedo, provavelmente para ajudar seu pai com os preparativos
finais. Mary, que estava de passagem por uma semana, foi a
primeira a ouvir as novidades de Claire. Elas se agarraram
uma a outra e choraram.
Tão alto quanto ele era, Tye geralmente era fácil de se
detectar. Os cheiros de pedra aquecida pelo sol e cavalos a
alcançaram quando Claire ficou na ponta dos pés e se
esforçou para ver enquanto a multidão se separava.
— Talvez ele esteja nos estábulos? — Mary disse, ficando
ao lado de Claire.
Claire apertou os olhos contra o sol brilhante.
— Talvez. Oh, espere. Lá está ele, à direita daquela
carroça. Ele está conversando com seu pai. Lady Elizabeth,
Aldwin, Edouard e Dominic também estão lá.
Ela caminhou em direção ao grupo, Mary logo atrás. Tye
ainda usava o cabelo comprido e amarrado para trás com
uma tira de couro, e ele ainda não se sentia totalmente
confortável perto de seu irmão, mas em outros aspectos ele
mudou muito desde que ela o conheceu naquele fatídico dia
nevado de janeiro. Ele manteve sua promessa de viver uma
vida honrada. Ela não tinha dúvidas de que ele continuaria a
vivê-lo.
Como se sentisse sua aproximação, ele olhou em sua
direção e se moveu para encontrá-la no meio da multidão. Ele
sorriu.
Tye falou com seu pai e então avançou pela multidão
para alcançá-la.
— Gatinha. — Ele beijou sua bochecha. — Você está bem
hoje?
— Muito bem.
Mary sufocou uma risadinha com a mão.
Tye olhou para Mary, depois de volta para Claire.
— Por que vejo malícia nos olhos de Mary?
Claire riu, tanta excitação borbulhando dentro dela, ela
mal podia se conter.
— Mary conhece meu segredo. Devo compartilhar com
você antes de partir.
— Um segredo? — Tye piscou. — Estou intrigado.
— Bom, porque não posso mais manter as notícias para
mim mesma.
— Notícia? Que tipo de notícia? — Seu olhar deslizou
sobre ela, enquanto a preocupação tocou suas feições. —
Você está bem, Gatinha? Algo está errado?
Mary riu novamente.
Sem dizer uma palavra, Claire estendeu a mão, pegou a
mão de Tye e colocou a palma na curva suave de sua barriga.
Seu olhar cada vez mais arregalado travou com o dela.
— Você está grávida? — ele sussurrou.
— Sim, — Claire murmurou.
Tye a puxou para seus braços e a beijou, completa e
esplendidamente.
— Ossos de Deus, — disse ele, recuando-a para o
comprimento do seu braço. Alegria e admiração brilhavam em
seus olhos. — Eu vou ser pai.
— Estou muito feliz por vocês dois, — disse Mary.
Tye engoliu em seco.
— Quer seja um filho ou uma filha, esta criança será
muito amada, todos os dias.
— Vai ser, — Claire concordou, tocando sua bochecha.
— Disso não tenho dúvidas.
Tye a beijou novamente, e a alegria encheu o coração e a
alma de Claire, pois ela sabia, aqui e agora, que nunca esteve
mais contente.
Nunca tinha sido mais grata que agora por Tye, seu
marido, seu valente herói.

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