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A Educação e o Trabalho

Interprofissional na Promoção
da Equidade nas Redes de
Atenção à Saúde

Organizadores
Antonio Pithon Cyrino
Marcelo Viana da Costa
Anna Cristina Rodopiano de Carvalho Ribeiro
Lélia Cápua Nunes
Lucas Cardoso dos Santos
A Educação e o Trabalho
Interprofissional na Promoção
da Equidade nas Redes de
Atenção à Saúde

Organizadores
Antonio Pithon Cyrino
Marcelo Viana da Costa
Anna Cristina Rodopiano de Carvalho Ribeiro
Lélia Cápua Nunes
Lucas Cardoso dos Santos
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN
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Vice-Reitor: Prof. Tit. Alessandro Fernandes Moreira

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A Educação e o Trabalho
Interprofissional na Promoção
da Equidade nas Redes de
Atenção à Saúde

Organizadores
Antonio Pithon Cyrino
Marcelo Viana da Costa
Anna Cristina Rodopiano de Carvalho Ribeiro
Lélia Cápua Nunes
Lucas Cardoso dos Santos

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Faculdade de Medicina de Botucatu, Unesp


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A Educação e o trabalho interprofissional na promoção da equidade nas redes de


atenção à saúde / organizadores: Antonio Pithon Cyrino ... et al. – São Paulo : Cultura
Acadêmica, 2024.
240 p.

Disponível também em formato eletrônico (ebook)


ISBN: 978-65-5954-431-8

1. Educação interprofissional. 2. Atenção à saúde. 3. Equidade no acesso aos


serviços de saúde. 4. Relações interprofissionais. I. Cyrino, Antonio de Pádua Pithon. II.
Costa, Marcelo Viana da. III. Ribeiro, Anna Cristina R. de Carvalho. IV. Nunes, Lélia
Cápua. V. Santos, Lucas Cardoso dos.

CDD: 613.07

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SUMÁRIO

12 Apresentação - I Colóquio Internacional de Educação


e Trabalho Interprofissional em Saúde: trajetória e
significados para o contexto brasileiro
Marcelo Viana da Costa e George Dantas de Azevedo

38 Prefácio - A educação e o trabalho interprofissional em


saúde: aprendizagem da colaboração e da solidariedade
como forma de resistência
Mara Regina Lemes De Sordi

56 Capítulo 1 - Interprofessionality as a driver of change in


work and health education
Scott Reeves

70 Parte I - A educação interprofissional no Brasil: a


vivência de algumas universidades pioneiras

72 Capítulo 2 - Formação em saúde e educação


interprofissional: o projeto da Universidade Federal do Sul
da Bahia (UFSB)
Márcio Florentino

80 Capítulo 3 - Desenvolvimento do currículo interprofissional


na Universidade Federal de São Paulo, campus Baixada
Santista: das experiências às aprendizagens e desafios
Sylvia Helena Silva Batista e Nildo Alves Batista

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100 Capítulo 4 - A proposta interprofissional dos cursos da Saúde
da UnB Ceilândia e o acesso da comunidade de Ceilândia
Clélia Maria de Souza Ferreira Parreira

110 Capítulo 5 - A Educação Interprofissional nas graduações de


Medicina e Enfermagem em práticas na Atenção Primária à
Saúde, na Faculdade Medicina de Botucatu, Unesp
Antonio Pithon Cyrino e Lucas Cardoso dos Santos

134 Parte II - A Educação Interprofissional no âmbito


das Politicas Nacionais de Reorientação da
Formação em Saúde

136 Capítulo 6 - A proposta do PET-Saúde e a Educação


Interprofissional
Eliana Goldfarb Cyrino, Anna Cristina Rodopiano de Carvalho Ribeiro,
Lélia Cápua Nunes e Lucas Cardoso dos Santos

148 Parte III - O trabalho Interprofissional em contextos


complexos: promovendo a equidade em saúde

150 Capítulo 7 - O trabalho interprofissional em contextos


complexos: promovendo a equidade em saúde
José Ivo Pedrosa

170 Capítulo 8 - Educação e prática interprofissional em saúde


no Brasil: avanços e possibilidades
Jaqueline A.M. da Silva e José Rodrigues Freire Filho

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180 Parte IV - Desenvolvimento de pesquisas em educação
interprofissional no Brasil

182 Capítulo 9 - Atitudes de Estudantes de Enfermagem e


Medicina para a aprendizagem e o Trabalho Interprofissional
Marcelo Viana da Costa, George Dantas de Azevedo e Maria José Pereira Vilar

200 Capítulo 10 - Educação Interprofissional no contexto da


atenção primária à saúde
Jaqueline Alcântara Marcelino da Silva e Marina Peduzzi

212 Capítulo 11 - Avaliação de um programa de educação


interprofissional: estudo de caso do pet-saúde da UFMG.
Ana Maria Chagas Sette Câmara e Diana Lúcia Moura Pinho

242 I Colóquio Internacional de Educação e Trabalho


Interprofissional em Saúde
A educação e o trabalho interprofissional na promoção da
equidade nas redes de atenção à saúde no SUS

243 Debate de encerramento: “Formação de rede


colaborativa: Propostas para contribuição da educação
e trabalho interprofissional na luta pelo fortaleciment o e
consolidação do Sistema Único de Saúde.”
George Dantas de Azevedo, Félix Rigolli e Nildo Batista

250 Carta de Natal

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Apresentação

I Colóquio Internacional de Educação e Trabalho


Interprofissional em Saúde: trajetória e significados para
o contexto brasileiro

Marcelo Viana da Costa


George Dantas de Azevedo

Imenso é o desafio de apresentar a coletânea de reflexões e debates realizados


no I Colóquio Internacional de Educação e Trabalho Interprofissional em Saú-
de por três grandes razões: importância desse tema no cenário global, coerência
com os princípios basilares do Sistema Único de Saúde (SUS) e importância
histórica para fortalecimento desse debate no contexto brasileiro, tópicos que
organizam o presente texto.
No que se refere ao cenário global, a interprofissionalidade ganha visibi-
lidade frente ao aumento da complexidade dos problemas e necessidades de
saúde, demandando ações integradas para o fornecimento de respostas efetivas
(CENTRE FOR THE ADVANCEMENT OF INTERPROFESSIONAL
EDUCATION, 2016; FRENK et al., 2010). A educação e o trabalho inter-
profissional começam a se contrapor, de forma mais intensa, à tendência pela
fragmentação dos atos em saúde (SCHMITT et al., 2013). Evidências robustas
começam a surgir no sentido de associar a forte divisão do trabalho em saúde a
um conjunto de implicações aos serviços de saúde, aos usuários, trabalhadores e
sistemas de saúde (REEVES et al., 2016).
Para os serviços de saúde, essa lógica estabelece uma rotina de forte compe-
tição, uma vez que as ações estão centradas na dimensão técnica e expertises das
profissões. A colaboração como princípio fundamental para a construção de
uma identidade de equipe, orientada pelas necessidades de saúde dos usuários,
perde força e cada profissional estabelece seus próprios objetivos, inseridos em
seus escopos de práticas (AGRELI; PEDUZZI; BAILEY, 2017; SAN MAR-
TÍN-RODRÍGUEZ et al., 2005). A sinergia não encontra espaço em um ce-
nário marcado pelos silos profissionais (PROCH, 2012).

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As implicações desse desenho assistencial para os usuários são muitas. Per-
cebem-se em uma linha de produção, consumindo diferentes atos em saúde, de
diversos profissionais e expertises, vivenciando intenso processo de alienação na
coprodução dos cuidados ofertados. São expostos muitas vezes à duplicação de
ações em saúde, natural de um clima de pouca interação, potencializando um ce-
nário propício para exposição do usuário a erros evitáveis (REEVES et al., 2016).
Na perspectiva do trabalhador de saúde, a forte divisão do trabalho também
traz implicações para a percepção da capacidade de respostas de sua atuação.
As diferentes práticas profissionais, na maioria das vezes, não dialogam, exi-
gindo assim maior energia para a superação de problemáticas originadas da
falta de colaboração entre os membros da equipe (MISFELDT et al., 2014;
THISTLETHWAITE; MORAN, 2010).
Todos esses aspectos repercutem para a capacidade de respostas do sistema
de saúde. Os serviços de saúde ofertam um grande leque de procedimentos,
com pouca centralidade nas necessidades de saúde dos usuários, tendo que
cada vez mais dispor de grandes volumes de recursos financeiros, que nem
sempre são revertidos na melhoria dos resultados em saúde (OANDASAN;
REEVES, 2005).
Os pontos apresentados até aqui trazem uma breve incursão nas razões para
grande emergência do tema no cenário global – sem a pretensão de aprofun-
dá-los, mas como introdução para a defesa da importância desse debate para
o fortalecimento dos sistemas de saúde, especialmente o SUS –, segundo pilar
dessa apresentação.
O SUS foi pensado com intenso compromisso com a reorientação do mode-
lo de atenção à saúde para superar as históricas desigualdades sociais, expressas
também no acesso aos serviços essenciais de saúde. A idealização de um sistema
de saúde que toma por base os princípios da integralidade, universalidade e
equidade é, sem nenhuma dúvida, um claro compromisso com a justiça social
(PAIM et al., 2011).
A justiça social necessária para uma mudança na lógica das relações sociais
requer, entre outras estratégias, políticas sociais de redução das desigualdades
e um sistema de saúde que considere as necessidades de saúde como central na
ordenação das ações, serviços e políticas que consigam entender as necessidades
dos diferentes grupos sociais. São eixos estratégicos para a melhoria da qualida-
de de vida e saúde das pessoas (VICTORA et al., 2011).

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A integralidade da atenção, universalidade e equidade das ações e políticas de
saúde – elaboração de políticas sociais alinhadas às complexas e dinâmicas ne-
cessidades das pessoas – passa, inevitavelmente, pela mudança na compreensão
de saúde-doença como processo produzido na dinâmica dessa sociedade. Essa
compreensão ampliada, por sua vez, é determinante para que as transformações
aqui mencionadas aconteçam (PAIM et al., 2011; PAIM, 2013).
A compreensão de saúde-doença como processo determinado sócio e histo-
ricamente expõe, com clareza, a natureza complexa nas necessidades de saúde.
O atendimento dessas necessidades se torna impossível com modelos de aten-
ção centrados apenas na oferta de serviços de saúde, sem a necessária articula-
ção com políticas sociais capazes de garantir os diversos direitos que asseguram
melhores condições de vida e saúde (NUNES, 2013).
É partindo dessa definição ampliada de saúde que se justifica a relevância do
debate da interprofissionalidade para o SUS. Tomando por base esse conceito,
vários constructos teóricos subsidiaram o movimento de reformas no modelo
de atenção à saúde, fundamentais também para a elaboração de políticas de
reorientação da formação em saúde.
Robustos referencias teóricos sobre atenção primária à saúde como ordenado-
ra do sistema de saúde; necessidades de saúde; trabalho em saúde e trabalho em
equipe; integralidade do cuidado; trabalho como principio educativo; educação
permanente em saúde; interdisciplinaridade, entre tantos outros, demonstram a
intenção de construir um sistema de saúde para além da oferta de serviços de
saúde. São temas fundamentais para a garantia de direitos fundamentais para a
justiça social e, consequente, melhoria da qualidade de vida e saúde das pessoas.
No que se refere às premissas de reorientação do modelo de atenção à saúde,
é importante pontuar os aspectos centrais que permeiam e articulam as seguin-
tes discussões:
• A atenção primária à saúde como ordenadora do sistema de saúde se dá,
entre tantas razões, pela capacidade de respostas, considerando que os serviços
são orientados pelas necessidades do território (MENDES, 2002, 2015).
• As necessidades de saúde valorizam aspectos centrais que compõem o pro-
jeto de felicidade e de vida das pessoas (AYRES, 2001; SCHRAIBER; MEN-
DES-GONÇALVES, 2000).
• O trabalho em saúde traz o caráter dinâmico e processual, fazendo uma cla-
ra defesa dos usuários como sujeitos ativos na produção do cuidado, chamando

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atenção para as intensas relações interpessoais (FRANCO; MERHY, 2012;
PEDUZZI, 2003; PEDUZZI; CIAMPONE, 2005).
• O trabalho em equipe demonstra a importância da horizontalização nas re-
lações entre os profissionais, marcada pela permanente integração e partindo de
um objetivo em comum (PEDUZZI, 2003; PEDUZZI; CIAMPONE, 2005).
• A integralidade do cuidado se coloca como premissa para a mudança na
forma de compreender as necessidades de saúde e de agir sobre elas, entenden-
do a necessidade de ações articuladas e interdependentes como forma de dar
resposta às necessidades de saúde complexas inseridas na dinâmica da socie-
dade. Importante destacar que todas essas discussões consideram a centrali-
dade do usuário e de suas necessidades como premissa para o fortalecimento
do sistema de saúde e consequente melhoria da qualidade de vida e saúde das
pessoas (CECILIO, 2009; PINHEIRO; GUIZARDI, 2006; PINHEIRO;
MATTOS, 2006)

No que se refere à reorientação da formação em saúde, muitos marcos teó-


rico-conceituais e metodológicos orientam e mobilizam esforços no sentido de
formar profissionais com perfis alinhados ao projeto de justiça social:
• A educação permanente em saúde se configura como um tema estratégico e
marco histórico na realidade brasileira pela capacidade de resgatar a militância
por uma reforma no ensino da saúde orientado pelo projeto histórico de forta-
lecimento do SUS, tomando por base o trabalho como princípio formativo que
estimula a articulação entre os processos de formação e a realidade dos serviços
de saúde com a clara intenção de avançar na transformação do sistema de saúde
(CECCIM, 2005, 2009; CECCIM; FERLA, 2011).
• O trabalho como princípio formativo mostra a potência da inserção cada
vez mais cedo de estudantes nos serviços de saúde como pressuposto para uma
formação crítica e reflexiva a partir da realidade do trabalho em saúde. A apren-
dizagem pelo trabalho, dessa forma, mostra-se potente no desenvolvimento da
responsabilidade social dos profissionais e estudantes, tornando-os implicados
com as mudanças necessárias e esperadas na realidade dos serviços em saúde
(RIBEIRO, 2009; SAVIANI, 1994).
• A interdisciplinaridade encoraja a superação da perspectiva tecnicista na
medida em que faz a defesa da articulação de diferentes saberes como premissa
para a compreensão e atuação resolutiva e eficaz na dinâmica dos serviços de

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saúde. Ganha força por estimular profissionais e estudantes a terem uma visão
mais ampla dos aspectos determinantes da saúde-doença enquanto processo,
determinado pela conjuntura social e histórica da sociedade (ALMEIDA FI-
LHO, 2000; PÁTARO; BOVO, 2012; VILELA; MENDES, 2003).

Mudanças sustentáveis necessárias ao fortalecimento do SUS exigem que o


debate sobre formação e trabalho em saúde aconteçam de forma articulada em
razão de sua relação de interdependência. Assim, é fundamental que se assuma a
defesa intransigente da reorientação da formação dos profissionais de saúde para
êxito das mudanças nas práticas em saúde. Não se trata de qualquer reforma, pois
esta precisa ser orientada para o fortalecimento do sistema de saúde – especifica-
mente o SUS – e assumir o compromisso de situar o usuário e suas necessidades
na centralidade do processo de produção dos serviços de saúde.
Destarte, esses marcos teórico-conceituais e metodológicos orientam, ao lon-
go da história, as políticas da reorientação da formação em saúde, buscando for-
talecer e reafirmar a responsabilidade social do SUS como dispositivo de defesa
de uma vida mais justa para todos. Nesse sentido, a formação dos profissionais
de saúde assume papel estratégico para que tenhamos sujeitos efetivamente
comprometidos com a melhoria da qualidade de vida e saúde das pessoas.
Apesar de diferentes abordagens, pontos fortes e fragilidades, essas políticas
demonstram claramente esse compromisso pelo fortalecimento do SUS. Foram
acúmulos históricos que buscaram de forma permanente a qualificação dessas
políticas, configurando-se como propostas contra-hegemônicas e resistindo às
muitas ameaças de enfraquecimento do SUS, nos diferentes momentos históri-
cos. Reservadas às respectivas importâncias, é justo mencionar, mesmo que de
forma breve, a intencionalidade dessas políticas (COSTA, 2014).
As primeiras iniciativas com foco na reorientação da formação profissional
em saúde aconteceram no início dos anos 1980, por meio do Programa de Inte-
gração Docente-Assistencial (IDA). A proposta do programa era romper com
o distanciamento entre a universidade e a realidade dos serviços de saúde. Essa
articulação se efetivou pela inserção dos alunos nos serviços de atenção primária
(DIAS; LIMA; TEIXEIRA, 2013; GONZÁLEZ; ALMEIDA, 2010).
O IDA, no entanto, não conseguiu provocar grandes mudanças nas propos-
tas curriculares e recebeu críticas pela maneira como essa integração foi feita.
Os serviços de saúde foram utilizados apenas como espaço para o treinamento

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dos alunos, com pouco envolvimento dos profissionais e da comunidade e com
pouco impacto na adoção de estratégias pedagógicas que rompessem com o
modelo tradicional.
Nos anos 1990, por incentivo da Fundação Kellog, foi implantado o Projeto
Uma Nova Iniciativa (UNI), também definida como Uma Nova Iniciativa na
Educação dos Profissionais de Saúde. A ideia central da proposta era a arti-
culação entre a universidade, os serviços de saúde e a comunidade. Essa nova
proposição se apresentava mais completa pela intenção de romper com a relação
pouco participativa de outros setores, como a comunidade, conforme apresen-
tado na lógica do IDA (RIBEIRO, 2000)
O Projeto UNI foi bem avaliado não só por tentar superar as limitações da
iniciativa anterior, mas também por se mostrar em sintonia com a necessidade
de aproximar as instituições formadoras dos problemas que assolavam a comu-
nidade, reforçando ou resgatando o papel social da universidade e reconhecen-
do a necessidade de intervir em um contexto marcado por fortes desigualdades
e injustiças sociais (DIAS; LIMA; TEIXEIRA, 2013; RIBEIRO, 2000).
Os acúmulos produzidos pelas experiências da IDA e dos Projetos UNI pro-
vocam a reflexão em torno da formação do profissional médico e sua adequação
às necessidades de saúde da população e coerência com o perfil esperado para
fortalecimento do SUS. Tem-se, assim, no início dos anos 2000, o lançamento
do Programa Nacional de Incentivo às Mudanças Curriculares nos Cursos de
Medicina (Promed) (SOUZA; DA ROS; ZEFERINO, 2012).
O foco principal do programa era incentivar mudanças curriculares de forma
a ter um perfil de médicos egressos coerentes com as necessidades de implanta-
ção e fortalecimento do SUS e permitir que estudantes de medicina pudessem
ter estágios em hospitais universitários e nos serviços da atenção primária (AL-
VES et al., 2013).
Considerando o caráter contra-hegemônico e os aprendizados obtidos com
essas políticas, as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos da saúde re-
presentaram um grande avanço nos movimentos para reorientar a formação dos
profissionais de saúde por destacar a necessidade de formar um profissional hu-
manista, com competência não apenas técnica, mas também ética e política; pela
intenção de formar um profissional de saúde apto a assumir a responsabilidade
frente à consolidação do SUS; e por formar a capacidade crítica e reflexiva dos
profissionais para que estes possam identificar as necessidades de saúde de uma

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forma mais ampliada e pela ênfase dada à integralidade da atenção que valoriza
todos os níveis de atenção, assim como todas as categorias profissionais, dando
centralidade às necessidades do usuários, expressas nas dimensões individuais e
pedagógicas (PEREIRA; LAGES, 2013; ROSSONI; LAMPERT, 2004).
É bem verdade que a efetivação dessas diretrizes varia muito em decorrência
das diferentes visões de mundo e da identificação com as bases ideológicas que
fundamentam a condução dos processos formativos nas diferentes partes do
país, mas sem dúvida também demarca a intenção de superar um dos maiores
entraves para o SUS: a formação de seus profissionais (CARVALHO; CEC-
CIM, 2006; ROSSONI; LAMPERT, 2004; STREIT; BARBOSA NETO;
LAMPERT, 2012).
Seguindo esse compromisso, outras políticas começam a ser elaboradas para
que as limitações das iniciativas anteriores possam ser superadas, efetivando
sucessivos processos de avaliação e discussão da reforma do ensino na saúde. É
nesse contexto que a Política de Educação Permanente (EP) ganha visibilidade
e resgata grande militância na defesa do SUS por se propor a atuar em três
áreas estratégicas: a educação em serviço, como forma de assegurar qualificação
técnica diante das transformações em curso; a educação continuada, com o ob-
jetivo de qualificar a força de trabalho em saúde, em seus locais de trabalho; e a
educação formal dos profissionais de saúde, em que as instituições formadoras
também são espaços dessa política (CECCIM, 2005).
A educação permanente em saúde assume grande envergadura, nos anos
mais recentes, como orientação que transversaliza outras importantes políticas
de saúde no país, evidenciando sua relevância da formação nas mudanças do
cenário e produção dos serviços de saúde (CECCIM; CECCIM, 2012).
Nesse sentido, o Programa de Reorientação da Formação Profissional em
Saúde (Pró-Saúde) e o Programa de Educação pelo Trabalho em Saúde (Pet-
-Saúde) se consolidam na história como exitosas políticas indutoras de mudan-
ças na formação em saúde.
O Pró-Saúde se configura como importante ferramenta de incentivo à su-
peração do tradicional modelo de formação em saúde, dando importância aos
processos sociais e econômicos da população a partir da compreensão amplia-
da de saúde; fortalecimento da articulação com os serviços públicos de saúde,
fortalecendo as ações de prevenção e promoção da saúde; reconfiguração da
pesquisa com foco na produção do conhecimento voltado para o fortaleci-

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mento do sistema de saúde; e adoção de novas estratégias pedagógicas e da
atenção básica como importante espaço de formação (BRASIL, 2007; HA-
DDAD et al., 2010).
A orientação teórica com foco no fortalecimento da compreensão dos deter-
minantes sociais do processo saúde-doença é um dos eixos que fundamenta o
Pró-Saúde. Esse eixo tem como escopo valorizar os perfis epidemiológicos e as
intervenções com vistas à transformação destes; produzir conhecimento coe-
rente com as demandas apontadas pela realidade de vida e saúde da população,
bem como pelas necessidades de fortalecimento do SUS; e viabilizar pós-gra-
duação e educação permanente para que os processos de educação e formação
estejam atrelados a necessidades de fortalecimento de áreas estratégicas do SUS
(BRASIL, 2005; 2007).
O Pet-Saúde, por sua vez, tem como eixo condutor a indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão e deixa mais clara a intenção de adotar a interdisci-
plinaridade, a interprofissionalidade e a realidade do trabalho como princípios
formativos importantes para a vivência da realidade no processo de formação
(HADDAD et al., 2010; TANAKA et al., 2012). A política encoraja a adoção
de novas metodologias, na medida em que adota o ensino tutorial e permite a
aproximação, nos espaços de produção dos serviços de saúde da atenção básica,
de alunos e professores de diferentes cursos da saúde (COSTA; BORGES,
2015; HADDAD et al., 2012).
Outra política importante no contexto brasileiro com foco na mudança da
lógica da formação e do trabalho em saúde acontece mais recentemente e toma
por base um problema histórico em todo o mundo: a desigualdade na distri-
buição de profissionais médicos. No Brasil, esse cenário é marcante em regiões
remotas do país ou carentes, acentuando as enormes desigualdades sociais, ex-
pressas também no acesso aos serviços de saúde.
O Programa Mais Médicos representou uma grande contribuição para o for-
talecimento da atenção primária à saúde na medida em que constituiu como
um de seus pilares o provimento médico em áreas desassistidas. Esse provi-
mento aconteceu com oferta de estímulos aos profissionais inscritos nesse eixo
da política, além de ofertas educacionais com foco em temas estratégicos para
o fortalecimento da atenção básica (SANTOS; COSTA; GIRARDI, 2015).
Interessante notar que o eixo de provimento emergencial foi uma estratégia
encontrada para assegurar a distribuição dos profissionais médicos em curto

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prazo, mas também previu ações capazes de garantir a fixação de profissionais
nessas áreas remotas ou desassistidas em curto e longo prazo, buscando a conti-
nuidade e sustentabilidade dessa política (OLIVEIRA et al., 2015).
Assim, o programa estabeleceu como um de seus eixos estratégicos a amplia-
ção de novas vagas do curso de medicina em áreas que não ofertavam essa pos-
sibilidade, mas com condições de garantir os cenários de práticas no processo de
formação. Com essa estratégia, houve um processo de interiorização das vagas
dos cursos de medicina como aposta para a fixação desses profissionais nessas
localidades ou regiões (PINTO et al., 2014). A política, por sua vez, assumiu
o compromisso de abertura de novas escolas de medicina, estabelecendo como
um dos requisitos a adoção de novos desenhos curriculares, superando a pers-
pectiva meramente técnico-científica e investindo fortemente no compromisso
ético, social e humanístico.
Outras importantes políticas marcaram a história da reorientação da forma-
ção em saúde e merecem menção neste texto, a exemplo do Projeto de Profissio-
nalização dos Trabalhadores de Enfermagem (Profae), que se configurou como
uma das maiores políticas de qualificação da enfermagem brasileira (GÖT-
TEMS; ALVES; SENA, 2007); o Laboratório de Pesquisas sobre Práticas de
Integralidade em Saúde (LAPPIS), analisando e encorajando o fortalecimento
da integralidade como mote do debate da formação e do trabalho em saúde
(INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL, 2012); as residências multipro-
fissionais em saúde (CASANOVA; BATISTA; RUIZ-MORENO, 2015es-
sencial para a integralidade no cuidado. Objetivo: O objetivo da pesquisa foi
analisar a percepção dos profissionais que cursam a Residência Multiprofissio-
nal em Saúde (RMS; e os mestrados profissionais em ensino da saúde (VILE-
LA; BATISTA, 2015), importantes no processo de qualificação dos docentes e
preceptores nesse processo de reformas da formação em saúde.
Esse resgate, embora breve, tem o escopo de demonstrar que, ao longo da
história de lutas pelo fortalecimento do SUS, as políticas de reorientação da
formação em saúde tomaram por base a necessidade de novas bases para o tra-
balho em saúde e em grande medida buscaram enfrentar problemas históricos
da formação dos profissionais da área.
A formação excessivamente técnica, que se configura como um dos pilares
para o distanciamento da formação das condições de vida e saúde das pessoas,
foi enfrentada com movimentos de fortalecimento da integração ensino-servi-

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ço-comunidade, em que todos os cenários vivenciam processos de qualificação
e resgatassem o compromisso por uma vida mais justa para todos. Mudanças
curriculares e inovação no processo ensino-aprendizagem estimularam o desen-
volvimento do pensamento crítico e reflexivo, a integração de conhecimentos e
a ampliação do olhar sobre o caráter dinâmico e complexo das necessidades de
saúde. A formação em serviço se configurou como estratégica para a superação
da dicotomia teoria-prática, dando visibilidade ao trabalho como pressuposto
para uma aprendizagem significativa e responsável. A ampliação e interiorização
das vagas dos cursos da saúde é um claro compromisso de levar uma atenção
integral e resolutiva para todas as regiões do país, reduzindo as desigualdades
de acesso e melhorando os resultados em saúde.
Esse resgate introduz os argumentos para a compreensão da importância
do debate da educação e do trabalho interprofissional para o SUS. Os marcos
teórico-conceituais e metodológicos da interprofissionalidade, no cenário bra-
sileiro, somam-se aos esforços históricos na melhoria dos serviços de saúde, na
oferta de uma atenção integral e no compromisso de (re)situar o usuário e suas
necessidades na centralidade do processo de produção dos serviços de saúde
(PEDUZZI et al., 2016, 2020).
O horizonte da educação interprofissional é o desenvolvimento de compe-
tências colaborativas para que profissionais demonstrem interesse e estejam
dispostos para a realização do efetivo trabalho em equipe, o que pode ser uma
grande contribuição para fortalecer o princípio da integralidade da atenção em
um país com dimensões continentais e necessidades de saúde muito complexas
(PEDUZZI et al., 2013).
Por mais que temas como o trabalho em equipe ocupem lugar de destaque
nas diretrizes curriculares nacionais, configurando-se também como premissa
para a reorientação do trabalho em saúde, ainda é frequente a forte fragmenta-
ção das práticas em saúde. No Brasil, assim como em outras partes do mundo,
algumas áreas da atenção à saúde experimentam níveis mais elevados de inte-
gração das práticas dos diferentes profissionais de saúde, enquanto outras ainda
perpetuam a lógica dos silos profissionais. Apesar das distintas configurações,
são as práticas que demonstram mais avanço no que se refere à incorporação de
elementos centrais da interprofissionalidade.
A educação das profissões da saúde, apesar de inúmeros avanços em diferen-
tes temas, ainda demonstra limitações no que se refere à clareza da intenção no

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desenvolvimento de competências capazes de sustentar os princípios da colabo-
ração no cotidiano das relações interprofissionais – compartilhamento, parce-
ria, interdependência e equilíbrio de poderes entre as profissões (D’AMOUR et
al., 2005; D’AMOUR; OANDASAN, 2005). A mais expressiva contribuição
da educação interprofissional na realidade brasileira está na reflexão sobre a ne-
cessidade da clara intencionalidade na melhoria da colaboração nas dinâmicas
de formação e trabalho em saúde como prerrogativa para melhoria da qualidade
da atenção e dos resultados em saúde, como apresentado em sua definição.
A educação interprofissional, definida como “a ocasião em que membros
de duas ou mais profissões aprendem em conjunto, de forma interativa, com
o propósito explícito de melhorar a colaboração e a qualidade dos cuidados”
(REEVES et al., 2016), chama a atenção para a necessidade de incluir as com-
petências colaborativas como um dos objetivos das ofertas educacionais. Reunir
diferentes categorias em um mesmo espaço não é suficiente para compor uma
iniciativa de educação ou trabalho interprofissional em saúde. Como a definição
indica, é fundamental que essas competências componham o conjunto de obje-
tivos da aprendizagem, que serão buscadas por meio de metodologias sistemati-
camente elaboradas, e que processos de avaliação sejam pensados para construir
evidências de processo e de resultado dessas iniciativas.
É inegável os avanços obtidos pelas políticas de reorientação da formação
em saúde no Brasil; e os marcos teórico-conceituais e metodológicos da
interprofissionalidade desvelam possibilidades para o enfrentamento das
limitações ainda existentes na dinâmica do trabalho em equipe em saúde.
Como demonstrados aqui, mesmo que brevemente, referenciais nacionais para
o fortalecimento do SUS dialogam com os pressupostos da educação e do
trabalho interprofissional (COSTA et al., 2015, 2016).
Assim, a interprofissionalidade encontra terreno fértil nos acúmulos históri-
cos decorrentes das políticas de reorientação da formação em saúde e, na inte-
gração ensino-serviço-comunidade, encontra espaço para fortalecer os pilares
da colaboração nas relações interprofissionais e interpessoais do trabalho em
saúde. Dialoga com o princípio da integralidade da atenção, na medida em que
busca enfatizar as necessidades de saúde dos usuários como objeto de aten-
ção à saúde e mobilizador da horizontalização das relações entre os diferentes
profissionais de saúde. Nos movimentos de reformas curriculares e revisão das
diretrizes curriculares encontra espaço para a incorporação da interprofissio-

22
nalidade, com possibilidades de explicitar a intencionalidade nos programas e
componentes curriculares, em uma tentativa de minimizar as barreiras físicas e
culturais presentes nas instituições formadoras.
Acompanhando o crescimento do interesse sobre a educação interpro-
fissional em todo o mundo e percebendo a relevância desse debate para a
realidade brasileira, conforme apresentado anteriormente, um grupo de
pesquisadores amadurece a ideia de realização de um evento para aprofun-
dar e sistematizar essa discussão e dar visibilidade às pesquisas e estudos
que começam a se ampliar no país. Convidados e temas a serem abordados
começam a ser pensados como forma de viabilizar uma atividade capaz de
trazer novas contribuições e estimular cada vez mais estudos e pesquisas
sobre a interprofissionalidade no Brasil.
Por se tratar do primeiro evento sobre a educação e o trabalho interprofissio-
nal como tema central, optou-se por um colóquio para oportunizar discussões
em pequenos grupos sobre a relevância e interface da temática nas diversas po-
líticas de reformas do modelo de atenção e de formação em saúde do Brasil. O
espaço do evento foi organizado de forma a superar o formato mais comum de
cadeiras em filas, optando-se por mesas para pequenos grupos de participantes.
Essa estrutura foi importante para viabilizar um espaço de trocas de experiên-
cias, impressões e ideias sobre as discussões trabalhadas no colóquio.
No processo de elaboração do colóquio, os temas para conferências, mesas
redondas e debates foram escolhidos de forma a ter uma maior aproximação e
aprofundamento nos marcos teórico-conceituais e metodológicos da interpro-
fissionalidade para o contexto do Brasil. As apresentações abordaram iniciativas
de formação dos profissionais de saúde orientadas pela interprofissionalidade
ou potentes para a adoção dos fundamentos da educação interprofissional e
colaborativa; políticas de saúde brasileiras que avançam na perspectiva do tra-
balho interprofissional e das práticas colaborativas; socialização de resultados
de pesquisas brasileiras, concluídas e em andamento, sobre educação e trabalho
interprofissional; e discussão de uma agenda de compromissos que visam forta-
lecer essa agenda para o contexto brasileiro.
Entre as experiências de formação em saúde orientadas pelos princípios da
educação interprofissional, algumas foram importantes para provocar o debate
no evento e demonstrar que, apesar de desafiador, é possível fazer o enfrenta-
mento à realidade da fragmentação presente na produção do conhecimento e

23
das práticas em saúde. Para tanto, exige-se um movimento de ruptura que nem
sempre é fácil, mas, quando acontece, satisfatórios são os seus resultados.
Considerando a dimensão continental do país e as muitas políticas indutoras
de mudanças na formação e no trabalho em saúde, é possível afirmar que muitas
são as iniciativas exitosas de formação em saúde orientadas pelos princípios da
educação interprofissional existentes no país. Para o primeiro colóquio, algumas
foram selecionadas para estimular o debate e a reflexão:
• Universidade Federal de São Paulo, campus Baixada Santista – O campus
foi criado em 2006, tomando por base os princípios da interdisciplinaridade e
interprofissionalidade, e tem intensa articulação com a realidade dos serviços
de saúde da região da Baixada Santista. Além da graduação, oferece residências
multiprofissionais, mestrados e doutorados, sempre buscando dar ênfase no de-
bate sobre trabalho em equipe, integralidade do cuidado e interdisciplinaridade,
por meio da prática reflexiva e integrada às demandas sociais.
• Universidade de Brasília, campus de Ceilândia – os cursos de graduação
e pós-graduação defendem uma formação do profissional de saúde, que inde-
pendente da sua especificidade e que trabalha conjuntamente com outros pro-
fissionais para melhorar a qualidade da atenção à saúde ofertada à população.
Trata-se de uma proposta abraçada pelos movimentos sociais da cidade e que se
consolidou por meio do permanente respeito às vozes da comunidade na defini-
ção das ações estratégicas do campus e que traz apenas as intenções pedagógicas
universitárias e acadêmicas frente às demandas das comunidades locais.
• Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita (FMB/Unesp) – A instituição tem uma longa e exitosa tra-
jetória nas políticas de reorientação da formação em saúde e apresenta uma ini-
ciativa bem consolidada - chamada Integração Universidade-Serviços-Comu-
nidade (Iusc) - entre os estudantes de medicina e enfermagem. Toma por base
a integralidade e humanização do cuidado e aborda temas estratégicos para a
mudança da lógica assistencial, tais como a determinação social do processo
saúde-doença-cuidado e necessidades sociais. A Iusc estimula o pensamento
crítico e reflexivo, buscando estabelecer uma aprendizagem significativa a partir
da vivência dos participantes. Mudanças curriculares dos cursos de medicina e
enfermagem foram induzidas a partir dos acúmulos históricos da Iusc.
• Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) – A instituição de ensino
superior aposta do redesenho do ensino universitário comprometido com o

24
enfrentamento das desigualdades e diferenças históricas, que se aprofundam
com a ausência de políticas afirmativas e inclusivas. Uma proposta pedagógica
e institucional com clara intencionalidade de desenvolver o projeto de univer-
sidade em uma perspectiva de formação crítica e humanística para o desen-
volvimento da ciência e para a pesquisa. Aborda a dimensão da desigualdade
como central, na medida em que a universidade busca construir junto com a
região, com a sociedade e com as comunidades uma perspectiva de desenvol-
vimento social e humano que procura transformar a realidade em que está
inserida a universidade. Sobre esses marcos teórico-conceituais e metodoló-
gicos que a UFSB adota os bacharelados interdisciplinares, que são quatro
grandes bacharelados de três anos, terminativos e que titulam como formação
superior: Artes, Humanidades, Saúde e Ciências. No primeiro ciclo, a forma-
ção é geral e, no segundo ciclo, profissionalizante. Em todos os ciclos a forma-
ção está orientada para o desenvolvimento das competências interdisciplinar,
interprofissional e intercultural.
Além de mostrar as iniciativas exitosas que se aproximam ou se mostram
potentes para a incorporação dos referenciais da educação interprofissional na
formação dos profissionais de saúde, o evento buscou também apresentar po-
líticas de saúde que avançam na perspectiva do trabalho interprofissional e das
práticas colaborativas. Por todos os aspectos mencionados anteriormente e pela
luta para construção de um sistema de saúde orientado pelos princípios da in-
tegralidade, equidade e universidade, muitas políticas conseguem avançar na
incorporação dos princípios da colaboração na produção dos serviços de saúde.
No âmbito das políticas de reorientação da atenção à saúde, a experiência
do Consultório de Rua foi apresentada e discutida como espaço com clara
atuação interprofissional e colaborativa. A população em situação de rua en-
frenta um contexto de vida extremamente complexo, que se constitui como
imenso desafio para os profissionais de saúde. Compreender as necessidades
de saúde e estabelecer vínculos diante das especificidades da população em si-
tuação de rua exige um redesenho permanente das relações interprofissionais
no planejamento e avaliação das ações em saúde. É uma ação fundamental no
propósito de construir um sistema de saúde que consiga dar centralidade às
necessidades de população que muitas vezes é invisível para a lógica de uma
sociedade capitalista. O sucesso dessa iniciativa é a centralidade do usuário
e o trabalho demanda cada vez mais as competências colaborativas para o

25
adequado enfrentamento dos problemas de saúde e busca de respostas às ne-
cessidades de saúde das pessoas em situação de rua.
A lógica na produção dos serviços de saúde dos Centros de Atenção Psi-
cossocial (Caps) também foi apresentada como exemplo exitoso de trabalho
interprofissional. A atuação nessa linha de cuidado é reconhecida em todo o
país pela integração das diferentes práticas profissionais, buscando oferecer ser-
viços de saúde integrais e resolutivos frente à complexidade da vida e saúde das
pessoas que vivem com sofrimentos psíquicos. A centralidade do usuário e suas
necessidades é o pilar para o sucesso na incorporação dos princípios da colabo-
ração nos muitos Caps em todo o país.
Em relação às políticas de estímulo à reorientação da formação em saúde,
foram apresentados o sucesso alcançado em três importantes iniciativas e polí-
ticas: a Residência Multiprofissional em Saúde, o Pet-Saúde e o Programa Mais
Médicos. Todos foram abordados neste texto, e no I Colóquio Internacional de
Educação e Trabalho Interprofissional em Saúde foram debatidos os aspectos
que tornam essas políticas potentes para a incorporação dos princípios da Edu-
cação Interprofissional.
O Pet-Saúde foi discutido como uma das políticas mais bem-sucedidas de in-
dução de mudanças na formação e no trabalho em saúde. A política que se orienta
pelo trabalho como princípio formativo vem estimulando importantes avanços
no fortalecimento da interdisciplinaridade e interprofissionalidade no contexto
da formação em saúde. Muitas realidades de formação vivenciaram mudanças
na direção da integração ensino-serviços-comunidade por meio do PET-Saúde,
mostrando a forte tendência da formação descolada da realidade de vida e saúde
das pessoas. Em muitos cenários, o PET-Saúde vem sendo a única experiência
que possibilita o encontro entre estudantes de diferentes cursos.
Também foi debatida a importância da Residência Multiprofissional em
Saúde como cenário potente para a educação interprofissional, na medida em
que busca a formação em serviço, em permanente contato com os profissionais
que atuam nos cenários de atuação dos residentes e os respectivos usuários
dos serviços de saúde.
Alguns desafios foram mencionados para o fortalecimento da Educação Inter-
profissional (EIP) nas residências multiprofissionais. Apesar de ser um cenário po-
tente para a aprendizagem interprofissional e colaborativa, a cultura do tribalismo
das profissões ainda se mostra muito forte. Por outro lado, experiências de residên-

26
cias integradas foram mencionadas como esforços no sentido de avançar na forma-
ção de especialistas com competências para atuarem efetivamente em equipe.
O Programa Mais Médicos – política dos anos mais recentes – também foi
apresentado como contexto promissor para a adoção da educação interprofis-
sional. No Brasil, muitas vagas do curso de medicina foram criadas com forte
compromisso de interiorização das vagas como estratégia de fixação de profis-
sionais médicos em áreas remotas ou desassistidas. As novas vagas não foram
criadas de qualquer forma, mas com intensa orientação para a adoção de novos
desenhos curriculares. Muitas das novas escolas e faculdades de medicina con-
seguiram incorporar a interprofissionalidade como um dos pilares da nova for-
mação médica no Brasil. Além desses aspectos, o Programa Mais Médicos pro-
vou a revisão das diretrizes curriculares de medicina, que trazem de forma clara
a importância da interprofissionalidade para a formação de um novo perfil de
profissionais médicos frente à complexidade das necessidades atuais de saúde.
Outro momento do evento foi a apresentação de resultados de pesquisas, em
andamento ou concluídas, sobre educação e/ou trabalho interprofissional em
saúde. Produtos de mestrados e doutorados de diversas universidades brasi-
leiras mostram que esse é um tema promissor para investigações científicas no
país. As pesquisas apresentadas foram de mestrados e doutorados da Universi-
dade Federal do Rio Grande do Norte, Universidade de São Paulo, Universida-
de de Brasília e Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Para abordar esses temas e dialogar com os marcos teórico-conceituais e me-
todológicos da interprofissionalidade, o evento contou com participação de con-
vidados nacionais e internacionais, representantes do Departamento de Gestão
da Educação na Saúde (Deges) do Ministério da Saúde e da Organização Pan-
-Americana de Saúde (Opas). Os convidados internacionais foram: professor
Roger Strasser, da Northern Ontario School of Medicine, Ontario, Canadá; e
o professor Scott Reeves, da Kingston University & St George’s, University of
London, que trouxeram relevantes contribuições para o amadurecimento do
debate da educação e trabalho interprofissional no contexto da formação dos
profissionais de saúde.
O professor Roger Strasser trouxe relevantes contribuições sobre a incor-
poração da educação interprofissional no ensino na comunidade. Além disso,
apresenta os acúmulos históricos do Canadá na valorização dos usuários como
coparticipantes na produção dos serviços de saúde e provoca reflexões sobre

27
a educação médica em áreas rurais ou remotas. Defende também a educação
interprofissional como um importante dispositivo teórico-conceitual para o de-
senvolvimento de um perfil profissional alinhado às necessidades de saúde das
pessoas e chama a atenção para a necessidade de fortalecer o princípio do social
accountability na formação médica para superar o histórico modelo de formação
descolado da realidade de vida e saúde das pessoas.
Strasser destaca que o ensino orientado pelas demandas da comunidade,
com estratégias para fixação desses profissionais e incorporação da educação in-
terprofissional para o desenvolvimento de competências colaborativas e centra-
lidade do usuário no processo de produção dos serviços de saúde, são aspectos
centrais para reformas bem-sucedidas na formação em saúde.
Como atividade do Colóquio, o professor Strasser visitou a Escola Multicampi
de Ciências Médicas (EMCM), que foi criada no contexto do Programa Mais
Médicos como estratégia de ampliação e interiorização das vagas do curso de me-
dicina. A EMCM traz uma proposta de formação orientada pela social accounta-
bility para o desenvolvimento de competências técnico-científicas, ético-políticas,
humanísticas e culturais coerentes com as especificidades das regiões do semiá-
rido nordestino, especificamente, a região do seridó potiguar. Strasser conversa
com os docentes da EMCM e conta os resultados obtidos com o ensino médico
em regiões rurais do Canadá, evidenciando a potência do social accountability para
o fortalecimento do sistema de saúde e reiterando a relevância do movimento em
torno da reorientação da educação médica adotado pela EMCM.
O outro convidado internacional – professor Scott Reeves –, por sua vez,
fez a conferência de abertura sobre a interprofissionalidade como indutora de
mudanças na formação e no trabalho em saúde e avanços obtidos em todo o
mundo. Apresenta os marcos teórico-conceituais e metodológicos da educação
interprofissional e destaca a alegria de visualizar o avanço do interesse pela edu-
cação interprofissional no Brasil.
Em sua apresentação, destaca o surgimento nos últimos 20 ou 30 anos desse
tipo de abordagem educacional em todo o mundo e faz um panorama da EIP
como um movimento global. Além disso, fornece uma visão geral sobre as evi-
dências existentes no campo da educação interprofissional e destaca a necessi-
dade de elaboração de evidências mais robustas sobre as experiências existentes
em todo o mundo e suas implicações sobre as mudanças nos contextos da for-
mação e do trabalho em saúde.

28
Traz também a definição de educação interprofissional e chama a atenção
para a frequente confusão conceitual que há em torno do tema. Faz um pano-
rama das iniciativas existentes e destaca a equivocada ideia que juntar pessoas
de diferentes profissões da saúde já pode ser definida como educação interpro-
fissional. Com essa ressalva, o Scott destaca a importância da intencionalidade
no fortalecimento da colaboração nas relações interprofissionais como premissa
para melhorar a qualidade da atenção à saúde. Sua apresentação deu o tom das
demais discussões do evento e orientou as reflexões sobre as iniciativas brasilei-
ras, implicações futuras e elaboração da agenda de compromissos para fortaleci-
mento dessa agenda no contexto da formação e do trabalho em saúde no Brasil.
Falar sobre o professor Scott Reeves e sua atuação no evento se constitui
em uma homenagem e mostra sua relevância para a emergência do interesse
pelo tema no contexto global. A vinda do professor Scott para o Brasil por oca-
sião do I Colóquio Internacional de Educação e Trabalho Interprofissional em
Saúde foi um desdobramento das relações estabelecidas entre ele e pesquisa-
dores brasileiros. Em 2012 e 2013, Scott Reeves foi orientador estrangeiro do
doutorado-sanduíche do primeiro autor deste texto e sua vinda ao Brasil abriu
espaços para outros pesquisadores brasileiros interessados no tema realizarem
estudos sob sua orientação.
Na sua apresentação, mencionou o desejo de retornar ao Brasil em outras
oportunidades e disponibilizou o espaço do Journal of Interprofessional Care –
no qual era editor – para publicar resultados de pesquisas brasileiras sobre o
tema. A partir dessa primeira participação, o professor Scott esteve presente
virtualmente nas edições seguintes do evento, dando dicas, orientações e se
colocando sempre à disposição para apoiar iniciativas comprometidas com o
avanço da discussão no Brasil.
Infelizmente, em maio de 2018 fomos surpreendidos com a triste notícia do
precoce falecimento do Prof. Scott, que deixou muitos amigos e colegas pesqui-
sadores profundamente entristecidos. Por todas as contribuições do professor
Scott Reeves para o avanço do debate da interprofissionalidade no Brasil e para
a trajetória pessoal e profissional de um dos autores desta apresentação, este
texto tem um sentido muito especial.
Por duas décadas, o professor Scott Reeves se consolidou como o nome mais
forte e influente no cenário mundial em relação ao debate da educação e do tra-
balho interprofissional. Estabeleceu uma grande rede de colaboração em estudos

29
e projetos com instituições e pesquisadores de todo o mundo. Deixou um legado
de mais de 400 publicações de importante impacto, alcançando o índice h de 77 e
o índice i10 de 217. Teve importante protagonismo na sistematização de centros
para o avanço da educação interprofissional em muitos países, ampliando o conta-
to e parcerias com outros pesquisadores brasileiros antes de sua morte.
Exerceu com maestria a capacidade de estabelecer relações de colaboração, de
forma respeitosa, apreciativa e generosa. Lamentavelmente, não tivemos mais a
oportunidade de tê-lo conosco presencialmente, mas carregamos com alegria
e orgulho o privilégio de aprender com ele um pouco da vasta discussão sobre
EIP. Ensinava com rigor teórico-conceitual e metodológico, mas sempre valori-
zando as nossas experiências, limitações e desejos. Foi um grande líder que sem
nenhuma dúvida vai inspirar muitos pesquisadores e estudiosos interessados
nessa temática em todo o mundo.
Não há dúvidas de que continua contribuindo para o fortalecimento da dis-
cussão da interprofissionalidade no trabalho e na educação em saúde no nosso
país. Esse texto que apresenta o percurso e o significado do I Colóquio Inter-
nacional de Educação e Trabalho Interprofissional em Saúde para o contexto
de luta para construção e consolidação do SUS é também uma homenagem e
agradecimento ao professor Scott Reeves pela generosidade, colaboração e rigor
de seus ensinamentos.
Por fim, é fundamental registrar também nossos agradecimentos à profª An-
gela Paiva – que, em 2015, na condição de reitora da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, apoiou e acreditou na relevância do tema e colocou à
disposição a estrutura da universidade para sediar o evento; ao Departamento
de Gestão da Educação na Saúde do Ministério da Saúde; aos Projetos Pró-
-Ensino da FMB/Unesp e Universidade Federal de São Paulo, campus Baixada
Santista; e à Opas. O apoio e parceria dessas instituições foram fundamentais
para o sucesso do evento, que certamente se constitui como importante marco
histórico no debate da interprofissionalidade do Brasil.
A todos os convidados – nacionais e internacionais –, participantes,
equipe de apoio, parceiros e instituições mencionados, registramos nossos
sinceros agradecimentos.

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35
Autores

George Dantas de Azevedo


Professor Associado IV da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, orientador
do Mestrado Profissional em Ensino na Saúde e do Mestrado Profissional em Educação,
Trabalho e Inovação em Medicina (UFRN). Atual Diretor da Escola Multicampi de
Ciências Médicas do Rio Grande do Norte (UFRN). Doutorado em Medicina (Área
de Concentração: Tocoginecologia) pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo.

Marcelo Viana da Costa


Enfermeiro. Doutor em Ciências da Saúde (UFRN). Realizou Doutorado Sanduíche
no Centro para Inovação em Educação Interprofissional na Universidade da Califórnia
(San Francisco, EUA). Docente da Escola Multicampi de Ciências Médicas da Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Norte. Docente do Programa de Pós-Graduação
Mestrado Profissional em Ensino na Saúde, da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Coordenador da Rede Brasileira de Educação e Trabalho Interprofissional
em Saúde (ReBETIS) e Membro da Rede de Educação Interprofissional em Saúde das
Américas (REIP). Estuda e pesquisa sobre Educação Interprofissional em saúde, Tra-
balho Interprofissional em saúde, Trabalho em saúde, formação profissional em saúde e
políticas de reorientação do trabalho e da formação em saúde.

36
37
Prefácio

A educação e o trabalho interprofissional em Saúde:


aprendizagem da colaboração e da solidariedade como
forma de resistência

Mara Regina Lemes De Sordi

Introdução

O Primeiro Colóquio Internacional de Educação e Trabalho Interprofissio-


nal em Saúde (CIETIS), realizado em Natal, 2015, pode ser considerado como
um avanço para o debate nacional das políticas de Educação e de Saúde.
Há tempos vinha crescendo o argumento da pertinência de um modelo de
formação capaz de fomentar práticas profissionais desenvolvidas de modo co-
laborativo e solidário; e que expressassem, mais do que nunca, compromissos
com o Sistema Único de Saúde (SUS) e com sua sustentabilidade ético-política
e econômica. Talvez o presságio de que tempos taciturnos nos espreitavam e
diante de contexto tão complexo e desafiador, foi tomando forma a defesa da
interprofissionalidade como mais uma das estratégias para a aprendizagem po-
lítica da competência coletiva e da consciência emancipatória.
Pesquisadores e profissionais da saúde e de áreas afins (re)encontram-se na
luta pela qualidade da formação em saúde e valem-se desse colóquio para regis-
trar e compartilhar saberes, experiências e esperanças acumulados no frenético
vaivém da vida tecida em nome de um modelo assistencial que recomponha o
humano como razão de ser. Cada participante se envolve no debate contando,
sem censura, as aproximações e tergiversações na direção de uma formação in-
terprofissional contestadora do modelo tradicional de ensino cuja racionalidade
se afasta do agir comunicativo plural. A construção de um entendimento basilar
que impulsione a todos os concernidos no trabalho em saúde socialmente refe-
renciado parece ser impostergável.

38
Deriva deste encontro, o nascedouro de uma rede: a Rede Brasileira de Educa-
ção e Trabalho Interprofissional em Saúde (Rebetis) e a decisão de se produzir um
livro que garanta a memória do encontro, as pactuações realizadas e o reconhe-
cimento das lacunas a serem preenchidas historicamente.
Somos brindados neste livro-memória com textos que retratam os entendi-
mentos sobre educação e trabalho interprofissional no momento desse CIE-
TIS. Cada autor, a seu modo, envolveu-se com a possibilidade do tecer junto,
outros caminhos para a formação dos profissionais da saúde. Sob diferentes
formatos e ênfases, vamos colecionando ideias tratadas no CIETIS que possi-
bilitam tanto a discussão de princípios quanto a formulação franca de dúvidas.
Haverá espaço para a educação e o trabalho interprofissional em cenários que
desafiam nossa capacidade de resistir aos retrocessos totalitários e fundamenta-
listas, nas lógicas de poder e da ciência? Essa foi a questão-dúvida lançada por
um dos autores e que nos convoca à reflexão, hoje lamentavelmente expressão
de uma quase-verdade que nos maltrata a esperança.
Incluo-me nesse “nós”, posto que a participação no CIETIS ampliou meus hori-
zontes para o tema e me fortaleceu ao perceber que muitos e variados atores sociais
tem se engajado em uma luta norteada pelo compromisso com o SUS, o qual vem
sofrendo sistematicamente ataques que podem culminar na privação de um direi-
to básico garantido constitucionalmente a todos os cidadãos brasileiros: o direito à
saúde e a condições de acesso universal aos serviços de saúde, de modo humanizado
e eticamente responsável. Tais atores sociais, por sua vez, atuam na micropolítica das
práticas e exercem seu protagonismo de forma propositiva e deliberada, buscando
ultrapassar os limites de uma formação uniprofissional que se separa da realidade e
se ancora na desarticulação teoria-prática, na cisão entre trabalhadores e usuários e
na perspectiva piramidal do cuidado centrado na figura do médico.
É fato que o caráter interprofissional das práticas, ligadas tanto ao modelo
de formação quanto aos serviços de saúde, introduz mais complexidade ao
cenário, embora, paradoxalmente, deva ser reconhecido como uma forma
potente de enfrentamento da complexidade do atual contexto. A gravidade dos
problemas sociais que recaem sobre nossas cabeças toma tamanho vulto que
desaconselham soluções individuais. Conclamam à ação coletiva e se ancoram
em redes de apoio construídas pacienciosa e corajosamente.
Por um momento, paro e me pergunto o quão implicado estamos com a in-
terprofissionalidade. Saberemos implementá-la como práxis ou, seduzidos pelo

39
fascínio que as palavras novas exercem sobre nós, vamos nos contentar a falar
sobre essa categoria, disputando sentidos em vez de desvelar seus princípios e
fazê-los circular em busca de uma inteligibilidade fecunda que nos fortaleça
em uma luta pelo bem comum? Não se trata apenas de questão epistemológi-
ca, ainda que esta nos ajude a concretizá-la. É necessário enfrentar com vigor
a dimensão ética que percorre e justifica a educação e o trabalho pautados na
interprofissionalidade. Essa dimensão é que merece acordos fortalecendo agen-
das. Em nome do que e de quem defendemos um processo de trabalho em saú-
de interprofissional, regido pelos princípios da responsabilização participativa
(SORDI; FREITAS, 2013) e no qual as relações sejam horizontais e, nem por
isso, menos rigorosas, posto que abertas ao controle social?
Recordo-me que, na época do evento, minha fala se centrou nas questões
de cunho avaliatório. Entendida a multiplicidade de abordagens da avaliação
educacional, a pergunta disparadora foi: o que muda na avaliação quando se
trabalha na perspectiva interprofissional?
Decorrido algum tempo do evento e procedendo a leitura dos textos que
sintetizam o tom das falas e dos debates, optei por incialmente retomar minha
relação com as produções dos colegas e me deixar surpreender por elas. Nada de
falar categoricamente sobre a avaliação. Seria, também, contraproducente negar
a perspectiva interdisciplinar da avaliação. Porém, como pensar a avaliação a
partir dos compromissos e princípios da interprofissionalidade sem considerar
a natureza altamente refratária da avaliação às mudanças de quaisquer ordens?
Categoria ligada ao poder de um sobre os outros, parece pouco possível imagi-
nar a decisão de aplicá-la de forma compartilhada, negociada e baseada em uma
dialogia que respeita a diversidade de saberes e olhares.
Uma formação e trabalho interprofissionais assentam-se na defesa da cola-
boração e da solidariedade. Nutrem-se do respeito e do diálogo, valorizam a
escuta e se afastam da competição em busca do melhor. Nossa cultura avaliativa
afasta-se dessas premissas e, portanto, novas formas de entendimento sobre a
avaliação precisam ocorrer quando se defende a construção de práticas inter-
profissionais, sob pena de contradição performativa.
A produção de um juízo de valor sobre alguém ou sobre algo colocado frequen-
temente na condição de objeto da avaliação não condiz com o reconhecimento
dos múltiplos sujeitos envolvidos no processo de trabalho em saúde. Se essa pos-
tura avaliativa e os subsequentes usos dos resultados da avaliação precisam ser

40
rechaçados na educação e trabalho tradicionais, podemos imaginar o quanto a
defesa da interprofissionalidade como valor desestabiliza a cultura de avaliação
ainda hegemônica. Logo, há de se reinventar forma de avaliação igualmente inter-
profissional que deseje a pluralidade de visões sobre o fenômeno e na qual todos
os atores se percebam pertencentes, empoderados para participarem em condi-
ções igualitárias de um pacto de qualidade polifônico e corajosamente assumido
por todos (BONDIOLLI, 2004). Inspirada pelo provocante título de um texto
de Perrenoud (1999) – “Não mexam na minha avaliação! ” –, confesso que com-
preendi a complexidade envolta na avaliação das aprendizagens ligadas ao espírito
da interprofissionalidade no trabalho e na formação. Titubeei frente às contradi-
ções que antevi entre o discurso sobre a interprofissionalidade e a práxis interpro-
fissional, com destaque para o compartilhamento dos processos de avaliação com
vários outros, dadas as relações de poder que historicamente se perpetuam.
Com essa inquietação, debrucei-me na leitura dos textos do livro-memória,
buscando inventariar possibilidades transformadoras neles insinuadas.

Os textos do livro-memória e as interfaces com a avaliação


interprofissional: quem tiver olhos, que veja.
Quem tiver coragem, que atue!

É traço comum aos textos o reconhecimento da relevância das políticas de


reorientação da formação profissional em saúde desenvolvidas pela Secretaria
de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), do Ministério da
Saúde, em determinada época, como promotoras da Educação Interprofissional
(EIP), destacando-se a centralidade de vários programas indutores de mudanças,
entre eles, o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde, PET-Saúde,
citado como disparador inequívoco de um modo novo de conceber experiências
formativas que conjugam ensino e serviços em busca de uma articulação que
beneficie, em especial, os usuários do sistema de saúde. A indissociabilidade
entre escolas e serviços de saúde altera a hegemonia do professor como único
formador do profissional da área, dando visibilidade e valor a outros atores,
como os profissionais dos serviços (preceptores), e unindo, via projeto comum,
o esforço de articular e referendar a cogestão do processo educativo rompendo
com seu caráter uniprofissional.

41
As experiências relatadas neste livro igualmente destacam o favorecimento
do debate da EIP em função das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs)
em sua fase de retomada e mudança, capitaneadas pelas DCNs do curso de
Medicina de 2014. Tempos de DCNs que novamente anunciam o esgotamento
de um modelo de formação que se distancia das necessidades sociais de Saúde
como referentes para organização das dinâmicas curriculares dos cursos. Mo-
delo de saúde que se contenta com o discurso da integração pois lhe faltam
condições objetivas que não obstaculizem o estar juntos, operando de modo
complementar e não piramidal para enfrentar o já tão criticado processo de tra-
balho centrado no saber médico. DCNs que recuperam e reforçam a Estratégia
de Saúde da Família (ESF) como expressão de avanço integrador em relações
historicamente marcadas pela hierarquia e valorização das especialidades.
O texto que abre a obra, assinado por Scott Reeves e denominado “Interpro-
fessionality as a driver of change in work and health education”, mobiliza nossas
emoções, provocadas pela morte precoce deste expoente na defesa da EIP. O
capítulo retrata os conceitos básicos da EIP e explora eventuais equívocos no
seu uso. Destaca também que a EIP é um esforço colaborativo que se concentra
em melhorar a cooperação entre alunos de diferentes profissões e que não existe
nada mais significativo do que a percepção por parte dos alunos de que o corpo
docente como um todo consegue trabalhar em conjunto, como modelos eficazes
de conduta interprofissional. Isso pode causar um impacto enorme no aprendi-
zado desses alunos, o que se contrapõe à tradicional forma hierárquica existente,
que despotencializa as aprendizagens e a assistência à saúde, por conseguinte.
A EIP surge como uma possibilidade de reduzir as preconcepções profissionais
negativas que prejudicam as tentativas de colaboração e produzem, por sua vez,
formas precárias de comunicação, que induzem ao erro e prejudicam a qualida-
de da atenção à saúde.
O autor aponta o crescente interesse pela bandeira da EIP nos últimos anos
e reconhece que esta é um tipo de atividade educacional de alto custo financeiro
e que, no momento, a base de evidências que a sustenta é relativamente fraca
para que se avaliem seus efeitos, em especial, aqueles de longa duração, ainda
pouco explorados nas pesquisas. O autor salienta ainda que se trata de uma
experiência complexa e exigente sob vários aspectos, como os fatores organi-
zacionais; as desigualdades de investimento entre diferentes programas profis-
sionais; e as culturas na prática clínica e educacional que enfatizam separação e

42
isolamento, conspirando contra posturas colaborativas. A explicitação de uma
estrutura conceitual englobando quatro fatores interconectados – relacionais,
processuais, organizacionais e contextuais – é apresentada como potente pelo
autor para melhor compreensão de um trabalho em equipe interprofissional,
influenciando novas experimentações nesse campo que requer, a seu ver, muita
investigação, sobretudo qualitativa.
Na sequência, a organização dos textos do presente livro espelha a progra-
mação do colóquio e engloba três frentes: (1) A EIP no Brasil: a vivência de
algumas universidades pioneiras; (2) A EIP no âmbito das políticas nacionais
de reorientação da formação em Saúde; e (3) O trabalho interprofissional em
contextos complexos: promovendo a equidade em saúde
Chamam a atenção relatos de experiências de mudança curricular em univer-
sidades recém-criadas e que se valem dessa situação (menos estruturada) para
atuar propositivamente na direção da EIP. Márcio Florentino Pereira anuncia
o vanguardismo da experiência de criação da Universidade Federal do Sul da
Bahia (UFSB). Segundo o autor, o projeto busca contribuir para a formação de
uma democracia intercultural do conhecimento, da educação, ciência, pesquisa
e tecnologia, tendo sido propostos Institutos de Artes, Ciências e Humanida-
des (IACH) que são responsáveis diretamente pela formação dos estudantes
do primeiro ciclo em bacharelados e licenciaturas interdisciplinares. A proposta
busca ainda, na formação profissional, evitar a escolha e especialização precoces,
consideradas modelos geradores de desigualdades em saúde e promotoras de
processos de trabalho e cuidado pouco efetivos entre as profissões. No modelo
proposto pela UFSB, a aprendizagem deve acontecer em contextos de organi-
zação dos serviços de saúde e na dinâmica de vida e trabalho das comunidades,
com fortes influências do pensamento e dos métodos da Saúde Coletiva em
projetos que articulam saberes e práticas nas comunidades e nos serviços que
compõem a rede do SUS da região. Segundo o autor, incorporar a interprofis-
sionalidade na educação profissional em saúde significou lidar com dimensões
ligadas a um espaço desigual de poder no mercado das profissões, de hierarqui-
zação profissional, social, econômica e política, com hegemonia de uma catego-
ria profissional sobre outra, como pode ser o caso da categoria médica.
Na mesma esteira, Clélia Maria de Sousa Ferreira Parreira compartilha
a experiência da Faculdade de Ceilândia da Universidade de Brasília (FCE/
UnB) que envolveu os seis cursos da instituição na formulação de consensos

43
sobre o considerado comum à formação de profissionais de saúde, a des-
peito das especificidades de cada profissão. Favorecidos pela estrutura não
departamental, a FCE/UnB optou por construir sua identidade a partir de
princípios que valorizam a EIP e por um desenho modular aplicável a todos
os cursos. Esses módulos permitem o estabelecimento de trilhas de apren-
dizagem com diferentes percursos, integradas, do ponto de vista formativo,
e de forte caráter interprofissional. Realça a autora que, mesmo no instante
em que se discute ou se exercita a instrumentalização para a ação profissio-
nal – que possui aspectos próprios em cada curso, pois reflete atividades
específicas ou práticas exclusivas da profissão –, são assegurados espaços ou
momentos nos quais, desde a perspectiva da qualificação até a ação em saúde,
o saber acumulado pelas diferentes profissões para o cuidado e a segurança
do paciente é compartilhado.
Sylvia Helena Batista e Nildo Alves Batista socializam a experiência que pro-
tagonizaram no campus Baixada Santista da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp) e que caminha na mesma intencionalidade interprofissional. Os pro-
jetos políticos pedagógicos dos cursos assumiram a EIP como direcionadora da
formação em saúde, implicando no desenvolvimento de uma proposta curricu-
lar interdisciplinar e interprofissional; e rompendo com uma estrutura tradi-
cional centrada nas disciplinas e na formação específica de determinado perfil
profissional. A dinâmica dos eixos comuns que envolve o trabalho formativo
a partir de turmas mistas (estudantes de todos os cursos aprendendo juntos)
configura uma característica fundante para a aprendizagem interprofissional: ao
partilharem espaços conjuntos de estudo, os estudantes aprendem com o outro
sobre a produção comum do cuidado e sobre o próprio fazer profissional.
Interessante destaque é feito pelos autores e aponta que a postura coletiva,
participativa e dialógica na idealização dessa proposta de EIP em saúde com-
binou (1) condições históricas do processo brasileiro de construção do SUS e
das políticas públicas de Educação, Saúde e reorientação da formação em Saú-
de que foram implementadas a partir de 2003; (2) condições institucionais de
uma universidade que ousou expandir e ampliar, possibilitando novas ideias e
construções; (3) condições singulares da existência de um profissional da área
médica que reconhece a necessidade de inverter a lógica de formação na Saúde;
e (4) a especial condição de um campus da expansão da educação superior pú-
blica, atraindo diferentes docentes, técnicos e estudantes.

44
Observa-se a acuidade das três experiências de inovação curricular (UFSB;
FCE/UnB e campus Baixada Santista da UNIFESP) em relação aos desafios de
uma formação voltada para os interesses de saúde da população brasileira, mo-
dulando o recém-ingresso no curso de Saúde a outros formatos de aprendiza-
gens e variadas composições relacionais perpassadas pelos princípios do SUS,
assumido como ordenador da formação.
Avançando um pouco mais, temos as reflexões de Jaqueline Alcântara Mar-
celino da Silva e José Rodrigues Freire Filho, que, ao discutirem avanços e pos-
sibilidades da EIP, apontam que esta apresenta capacidade para inverter a lógica
da educação verticalizada e tradicionalmente estabelecida; favorece aprendiza-
do sobre o trabalho em conjunto e específico; oportuniza avanços para a con-
solidação dos processos de equipes de saúde, por meio da efetiva colaboração
entre os profissionais; e prioriza métodos de aprendizagem que favorecem a
interação e o compartilhamento de saberes e práticas. Enfatizam a contribuição
da EIP no fortalecimento da ESF, processos enriquecedores do cuidado e que
se estabelecem por meio do apoio matricial, consulta compartilhada e Projeto
Terapêutico Singular (PTS). Também destacam que as experiências brasilei-
ras sobre trabalho interprofissional na Atenção Primária à Saúde (APS), por
meio da ESF, reafirmam os avanços para contemplar as necessidades de saúde.
Todavia, a elaboração de estratégias para apoiar os processos de implementa-
ção da EIP, como o estabelecimento de uma rede colaborativa de educação e
trabalho interprofissional no cenário brasileiro, ainda é necessária e pode ser
estabelecida no âmbito da educação permanente em saúde e no cotidiano dos
serviços com articulação entre gestores, trabalhadores, formadores e usuários. A
criação do Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde (COAPES), que
prevê a aproximação da academia com os serviços, favorecerá, sobremaneira, o
engajamento dos profissionais de saúde, que ainda não se reconhecem como
formadores, dos gestores, das representações dos conselhos de saúde e das uni-
versidades; e fortalecerá a atuação desses atores em um processo já instituído,
que poderá impulsionar o movimento da EIP e dar visibilidade às ações dessa
abordagem educacional com potencial para a transformação das práticas em
saúde, segundo os autores.
Jaqueline Alcântara Marcelino da Silva e Marina Peduzzi somam-se aos de-
fensores da EIP, com destaque ao contexto da Atenção Primária. Abordam no
texto um quadro conceitual que fundamenta a compreensão da EIP e da prática

45
interprofissional no contexto da APS e alguns de seus elementos-chave, tais
como colaboração interprofissional, reconhecimento dos papéis profissionais e
comunicação interprofissional. Entendem que a ampliação da EIP, do traba-
lho em equipe e da prática interprofissional colaborativa contempla a defesa
da APS no SUS, na perspectiva do processo comunicativo intersubjetivo, de
enfrentamento das tensões presentes no cotidiano dos serviços entre profissio-
nais/trabalhadores, gestores, usuários, família e comunidade. Destacam como
contribuição para a compreensão da EIP e da prática interprofissional no con-
texto da APS o referencial do processo de trabalho em saúde, aqui articulado à
sociologia das profissões e ao agir comunicativo habermasiano.
Outras duas contribuições teóricas ao debate versam sobre as questões de
avaliação. Inicialmente, o trabalho de Ana Maria Chagas Sette Câmara e Diana
Lúcia Moura Pinho centra sua atenção na avaliação da experiência do PET-U-
FMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Advogam que, com a evolução
do conceito saúde para um sistema complexo de interações entre as condições
de saúde e fatores contextuais, mudanças tornam-se necessárias na formação
dos profissionais da saúde e estas, por sua vez, precisam ser iluminadas pelo
uso formativo da avaliação. Optam pela descrição do modelo 3P de avaliação
do ensino e aprendizagem. Esse modelo destaca todos os elementos que consti-
tuem a experiência educacional, assim como os vários fatores que determinam
a experiência e a relação entre eles. É um modelo que procura ser abrangente
e pode ser útil para observar o processo como um todo, identificando pontos
que merecem ser avaliados com maior profundidade. As autoras utilizam, en-
tre outras formas de captar potência do PET-Saúde como expressão de EIP, a
aplicação do “Questionário de medida da disponibilidade para a aprendizagem
interprofissonal”, que recorre a um conjunto de perguntas para medir a atitude
e disponibilidade para o aprendizado interprofissional no trabalho em equipe.
Tais perguntas são distribuídas em três subescalas: Trabalho em Equipe e Co-
laboração; Identidade Profissional; e Atenção Centrada no Paciente. Consta-
tou-se que o modelo de ensino-aprendizagem em pequenos grupos interprofis-
sionais (o que constitui a base do trabalho do PET-Saúde), a responsabilização
do preceptor pelos bolsistas, a metodologia dialógica, a avaliação formativa e a
interação com profissionais de serviço e usuários se configuram uma experiên-
cia inovadora e estimulam a reconfiguração de saberes relacionados ao ensinar
ao aprender e à ideia de teoria-prática.

46
Já o trabalho de Jose Ivo Pedrosa sistematiza e traz algumas reflexões sobre
as questões que emergiram na roda de conversa em que participaram pesquisa-
dores, docentes e sujeitos ligados aos movimentos sociais populares, cuja per-
gunta disparadora foi: quais as relações entre o trabalho interprofissional em
saúde e a promoção da equidade? O autor apresenta um texto provocativo e
singularmente importante para lembrar aos leitores que nos serviços de saúde
existem duas invisibilidades. A primeira é a invisibilidade dos profissionais que
se caracterizam pelo “saber/fazer serializado”, tornados invisíveis pela ritualísti-
ca dominante no encontro entre profissional e usuário, no qual um detém total
controle sobre o outro; pela burocracia, caracterizada pela busca das dosagens
e dos parâmetros dos exames complementares que impedem a escuta da his-
tória do Outro; e pelo monólogo prescritivo e normatizador e sofrimento do
profissional que se sente impotente, não criativo e limitado. Já a segunda forma
de invisibilidade diz respeito aos usuários dos serviços que se tornam invisíveis
pela dor, pela necessidade de calar a dor, pelo sofrimento, pela alienação e pela
impotência. Segundo o autor, o trabalho interprofissional desenvolvido por
equipes de saúde, na perspectiva do cuidado integral, torna-se dispositivo para
a promoção da equidade por sua capacidade de trazer à consciência os efeitos
da multiplicidade dos aspectos gerados pela exclusão social. As experiências de
trabalho interprofissional são potentes e agregadoras, pois surgem em diversos
espaços (como em movimentos sociais, extensões universitárias e pesquisas de
intervenção participativa) e com diversos sujeitos (como docentes, discentes e
lideranças sociais) e distintas intencionalidades de mudanças.
Observa-se, a partir da contribuição do autor, a necessidade de reconfigurar
o entendimento do espaço “aula”, em especial, quando o que está em jogo é uma
aprendizagem que se pretende interprofissional e, portanto, ligada à realidade
social. Nesse sentido, a inclusão de outros atores sociais no processo de apren-
der-ensinar e avaliar uma profissão em uma perspectiva socialmente pertinente
não pode deixar à margem os saberes populares, sob pena de não os reconhecer
como potentes e legítimos.
Marcelo Viana da Costa, George Dantas de Azevedo e Maria José Pereira
Vilar apresentam as reconhecidas potências da EIP, em especial, no desenvol-
vimento das competências colaborativas que sustentam o processo de trabalho
coletivo em saúde. Porém, com o mesmo rigor, examinam e problematizam as
duras questões que atravessam a EIP, tais como lógicas curriculares tradicio-

47
nais, hierarquização entre as profissões e compartimentalização das aprendi-
zagens que consagram um modelo de formação que, historicamente, reforça os
“silos” profissionais, repercutindo fortemente na dificuldade da colaboração e da
corresponsabilidade entre os profissionais assim formados.
A complexidade dos problemas de saúde e sociais a serem enfrentados requer
outra disposição dos profissionais, que devem se mostrar mais flexíveis e aber-
tos ao contraditório, aprendendo a negociar e produzir novos sentidos. Nessa
perspectiva, a EIP é considerada central à mudança atitudinal, que pode ser
estimulada nos processos formativos iniciais com desdobramentos nos serviços
de saúde. Os autores buscam captar percepções de estudantes de Medicina e de
Enfermagem sobre as práticas colaborativas e, para tal, valem-se de um instru-
mento desenvolvido por pesquisadores da Universidade do Oeste da Inglaterra
e que sofreu algumas adaptações para melhor aplicação em nossa realidade. O
instrumento usa a escala de Likert com quatro subescalas: habilidades de comu-
nicação e trabalho em equipe; atitudes em relação à aprendizagem interprofis-
sional; percepções de interação entre profissionais de saúde; e percepções sobre
as inter-relações profissionais. Os dados apontam a aceitação dos estudantes da
relevância da EIP, mas sinalizam os marcadores ligados à hierarquia das profis-
sões, atravessamentos sócio-históricos e culturais que geram certa insegurança
ligada à perda da identidade profissional caso a EIP se desenvolva a contento.
Os autores indicam ainda a insipiência dos modelos de EIP no cenário bra-
sileiro e simultaneamente advertem o quanto a ampliação do debate sobre a
EIP na realidade brasileira pode ser um aliado importante para a superação de
problemas históricos, que comprometem seriamente a qualidade dos cuidados
de saúde e sociais da população.
O texto de Eliana Goldfarb Cyrino, Anna Cristina Rodopiano de Carvalho
Ribeiro, Lélia Cápua Nunes e Lucas Cardoso dos Santos parte de uma po-
tente interrogação acerca do grande desafio da formação nas graduações em
Saúde na atualidade. Os autores realizam um resgate histórico de políticas
públicas de saúde indutoras de inovações paradigmáticas capazes de reorien-
tar o eixo da formação em saúde e que provocaram estratégias e incentivos
contumazes e qualificados ao processo de mudança na formação das gradua-
ções na Saúde. Entre essas estratégias, os autores destacam a centralidade do
PET-Saúde, que já apresentava caráter intersetorial e a incorporação da inter-
profissionalidade na edição de 2013, o que estimulou esforços nas instituições

48
de ensino superior para desconstruir modelos institucionais cristalizados e
extremamente especializados, fragmentados e hospitalocêntricos. A este es-
forço exitoso, somou-se as novas DCNs dos cursos de Medicina, que legi-
timaram a presença da interprofissionalidade na formação e na inserção dos
alunos nas redes de serviço – entendidas como campos de prática e aprendi-
zado – ao presentificarem a interprofissionalidade como tema transversal nos
eixos Atenção, Gestão e Educação na Saúde. O capítulo ainda versa sobre um
conjunto de experimentações e saberes necessários para consolidar tal mu-
dança paradigmática. Os autores concluem que a transformação da educação
e das práticas de saúde e o desafio da reorientação da formação em saúde
perpassam pela valorização do aprendizado e do trabalho compartilhado em
rede, pela integralidade do cuidado, pela participação social, pelo encontro
interprofissional e pelo suporte e incentivo governamental, situação na qual
esses e demais elementos, quando acordados e consubstanciados pela força
da lei, oferecem sustentabilidade às transformações ensejadas na integração
ensino-serviço-comunidade e na educação pelo trabalho.
Antonio Pithon Cyrino e Lucas Cardoso dos Santos iniciam seu capítulo
pela contextualização dos processos de mudança nas escolas médicas brasilei-
ras orientados para ampliar as práticas de formação na APS, explicitando seus
marcos históricos diferenciados. Destaca que, a partir de 2000, as demandas por
qualificação da força de trabalho do SUS passam a ser por indução do Ministé-
rio da Saúde (MS) e promovem o envolvimento das escolas médicas mediante
diferentes programas de reorientação da formação das profissões de Saúde.
Os autores dissertam sobre a experiência da Faculdade de Medicina de Bo-
tucatu na adesão aos movimentos de reorientação do eixo da formação desde
sua criação, com destaque a um novo programa de ensino na comunidade: o
Programa de Interação Universidade, Serviço e Comunidade (PIUSC), criado
em 2003. O programa enfrentou desafios e resistências, inclusive por parte dos
professores do curso, sendo que, em 2008, assume novo formato e passa a ser
conduzido por um conjunto diversificado de professores-tutores, o que permi-
tiu estimular a troca de experiências entre as diversas áreas do conhecimento
por meio de uma prática interdisciplinar coerente com uma das propostas pe-
dagógicas, a EIP. Posteriormente, o programa foi transformado em disciplina
curricular e, na sequência, passou a ser desenvolvido nos cursos de Medicina
e Enfermagem, configurando experiência de EIP. O capítulo explora dados de

49
uma dissertação de mestrado na qual se objetiva compreender a percepção e a
vivência da EIP entre discentes dos referidos cursos.
Entre outros achados, a EIP permitiu que os próprios estudantes de Me-
dicina se se sentissem mais interessados no conteúdo de outros cursos. Cabe
observar, segundo o autor, que o julgamento crítico sobre o trabalho da equipe
pode ser qualificado quando o docente tematiza questões como o papel de cada
profissional na equipe de saúde e/ou a possível colaboração interprofissional
presente nas equipes. Ainda que se reconheça a experiência como potente, esta
demanda um processo contínuo e crítico de formação docente e há a necessida-
de de que essa prática pedagógica colaborativa tenha início já no primeiro ano
de graduação das profissões da Saúde. Reitera-se a necessidade da manutenção
de espaços para discussão sobre o uso da EIP abordagem capaz de trazer mu-
danças na formação profissional, bem como um espaço de estudos que se pro-
ponham a avaliar sua prática e seu impacto no exercício futuro dos profissionais.

Projeções sobre o futuro da EIP

Textos lidos e saboreados, observo em mim, com alegria, o vício do avaliador.


Estaremos nos aproximando ou nos distanciando de uma educação e de um
trabalho interprofissionais? Quais indícios justificam uma ou outra resposta?
Refletir sobre a imagem de futuro ambicionada, ou seja, o “ainda não” da in-
terprofissionalidade, iluminada pela avaliação processual, interpeladora de sen-
tidos e produtora de novos sentidos, mobiliza-me. Se o Colóquio em questão
abriu possibilidade de melhor entendimento sobre a temática da educação in-
terprofissional e, portanto, subsidiou aproximações potentes, por que me ocorre
certo medo? Medo de que, afinal?
Conceber mudanças na avaliação congruentes à educação e ao trabalho in-
terprofissional não pode ser algo reduzido a estratégias que se contentam em
ensinar o processo de trabalho em saúde nos espaços artificiais da sala de aula
quase sempre sob a regência uniprofissional. Aprender a interprofissionalida-
de depende muito de uma proposta pedagógica em que ensinar e avaliar não
sejam entendidos de forma dicotômica ou desarticulada. Ora ensino, ora ava-
lio. Não. A tríade “ensinar-aprender-avaliar” precisa ser tomada em sua intei-
reza, e não mais como algo estático e desgarrado de um trabalho pedagógico

50
intencionalmente pensado e exercitado a várias mãos. Essa avaliação precisa
ser igualmente compartilhada com diferentes atores para dar conta da mul-
tidimensionalidade do processo de trabalho em saúde. Mais do que nunca, a
articulação ensino-serviços é vital.
Uma avaliação para assistir as aprendizagens necessárias à formação do pro-
fissional da saúde e que pretenda expressar a interprofissionalidade como ca-
tegoria fundante precisa rever sua base ético-epistemológica. Requer espaços
e iniciativas em que se ensine e se aprenda de modo colaborativo e solidário; e,
por conseguinte, reclama por uma avaliação igualmente acolhedora, pautada no
diálogo e no uso formativo da avaliação como espaço de confronto honesto de
posições regido pela implicação com o outro, ou seja, com o usuário do sistema
de saúde (BARBIER, 1985).
Cabe ainda destacar que a aderência dos processos de avaliação aos princí-
pios da interprofissionalidade não se resolverá apenas no âmbito das microde-
cisões do professor nos espaços educativos (nível micro). Teremos que pensar
a avaliação também na instância meso (cujo protagonismo está no coletivo de
atores que atuam referenciando-se no projeto pedagógico do curso e dos ser-
viços de saúde, devidamente ordenados pelos requerimentos do SUS) e ainda
na avaliação em nível macro, concebendo políticas institucionais e externas que
responsabilizem-se pelo provimento de condições objetivas para que os encon-
tros entre os vários sujeitos (sem os quais a interprofissionalidade não se efe-
tiva) possa ocorrer de modo não fortuito. Igualmente, as políticas regulatórias
dos cursos da área da Saúde precisam contemplar, nos instrumentos de avalia-
ção, as dimensões caras ao exercício da interprofissionalidade.
São inúmeras rupturas a se fazer para a construção substantiva de um sen-
tido para a interprofissionalidade na realidade de nosso país, marcada por as-
simetrias gigantescas, inaceitáveis sob o ponto de vista da justiça social. O tra-
balho interprofissional, tanto nas escolas quanto nos serviços de saúde, ajuda a
conectar as pessoas e pode humanizar as relações. Também favorece a supera-
ção da impessoalidade imposta por uma racionalidade técnica que esteriliza as
emoções e que está centrada na ideia de um “eu-isso profissional”, que sozinho se
imagina dando conta do cuidado de um outro “eu-isso”, objeto do cuidado, um
“eu-isso” coisificado, sem vontade e sem direitos. Esse campo de relações frias,
impessoais e perpassadas pelo viés de uma sociedade em que a solidariedade é
banalizada e entendida como disfunção abre espaço, no processo de trabalho e

51
de formação em saúde, para relações intersubjetivas em que se autoriza e legiti-
ma a atuação de profissionais que competem pela visibilidade e reconhecimento
individual. Admitida como natural, essa relação desumanizada entre profissio-
nais envolvidos em um processo de trabalho que é plural e complementar des-
potencializa a ação coletiva e a luta por um bem comum.
Essas questões explicam as causas do medo a que me reportei no início
desta seção.
Ao retomar tal atividade, vejo que sentia outro medo que me constrangia a
alma, mas que não conseguia traduzir com clareza. Premonição? Quem sabe?
Pressentia algo que se chocava com o clima e as ideias tão potentes do colóquio,
rumo a práticas colaborativas e solidárias.
Hoje, olhando para nosso contexto político e pós-golpe, sob efeito da pande-
mia; do negacionismo; da naturalização de discursos e práticas conservadoras e
neoliberais; do sucateamento das políticas de saúde e educação; da agressão ao
meio ambiente; e da privatização, indago-me como tomar a EIP como causa e
bandeira de luta.
A avaliação necessária ao novo profissional de saúde deve ser perpassada pelo
ideário de um projeto educativo emancipatório que desafie a todos os envolvidos
(SANTOS, 2005) e que enfrente, com coragem cívica, as questões de poder que
perpassam a avaliação autorizando a fala de alguns e desautorizando a de muitos
outros. Como poderá uma educação e formação que se pretendem interprofissio-
nais rechaçar a participação de todos na avaliação, em uma obra que é coautoral?
Conforme Silva e Brandão (2011), uma avaliação que incorpore as pessoas
permite observar as próprias construções e escolhas nos espaços sociais, relati-
vizando a tendência de atribuir aos outros, sempre distantes e ingovernáveis, a
responsabilidade pelo que acontece conosco. “O que isso tem a ver comigo? ”:
esta pergunta parece central para mobilizar os coletivos escolares e dos serviços
de saúde para entenderem sua missão e seu compromisso social e para construí-
rem condições para uma accountability inteligente (AFONSO, 2012), guiada
pelo interesse comum e que, portanto, dialoga com o fenômeno educativo em
sua inteireza e complexidade.
Ressalta-se a percepção, nos processos de educação e de trabalho interprofis-
sionais, da possibilidade de produzir encontros que nos permitam sermos mais
“Nós” na luta contra “Eles”, em nome de um projeto de futuro que faça sentido
e provoque sentidos emancipatórios.

52
O complexo contexto social nos convoca a atuar na micropolítica dos espaços
que habitamos no sentido de transformar esse estado de coisas, que põe em ris-
co o direito à saúde, coletiva e duramente conquistado e materializado no SUS;
e que será preservado se for objeto de luta igualmente coletiva, solidariamente
organizada e desenvolvida de modo interprofissional.
Nós precisamos atuar na direção de uma avaliação responsavelmente pra-
ticada e que nos informe sobre nossos vacilos, inconsistências, avanços e que,
principalmente, mantenha-nos alinhados com as exigências de uma formação
em saúde sintonizada com os reclamos da sociedade. Juntos, responsavelmen-
te organizados e admitindo a avaliação como categoria ordenadora do futuro,
poderemos atuar no presente de modo igualmente fraterno e rigoroso. Que
se negociem os ritmos, mas nunca os princípios que regem a educação e o
trabalho interprofissionais.

Referências
AFONSO, A. J. Para uma conceptualização alternativa de accountability em educação. Ca-
dernos CEDES, Campinas, v. 33, n. 119, p. 471-484, 2012.
BARBIER, R. A pesquisa-ação na instituição educativa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1985. 280 p.
BONDIOLI, A. O projeto pedagógico da creche e a sua avaliação: a qualidade negocia-
da. Campinas: Autores Associados, 2004. 238 p.
PERRENOUD, P. Avaliação: da excelência à regularização das aprendizagens entre duas
lógicas. Porto Alegre: Artmed, 1999. 184 p.
SANTOS, B. S. Não disparem sobre o utopista. In: SANTOS, B. S. A crítica da razão in-
dolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez Editora, 2005. p. 329-381.
SILVA, R. R.; BRANDÃO, D. B. Nas rodas da avaliação educadora. In: CAMPOS, R. O.;
FURTADO, J. P. Desafios da avaliação de programas e serviços em saúde. Campinas:
Editora da UNICAMP, 2011. p. 139-158.
SORDI, M. R. L.; FREITAS, L. C. Responsabilização participativa. Revista Retratos da
Escola, Brasília, v. 7, n. 12, p. 87-99, 2013.

53
Autora

Mara Regina Lemes De Sordi


Professora Associada do Departamento de Estudos e Práticas Culturais (DEPRAC)
da Faculdade de Educação da UNICAMP, Professor Permanente do Programa de Pós
Graduação da Faculdade de Educação atuando na Linha de Pesquisa: Currículo, Ava-
liação e Docência; Coordenadora do Laboratório de Observação e Estudos Descritivos
(LOED) da Faculdade de Educação. Desenvolve pesquisas no campo da avaliação edu-
cacional na interface Saúde e Educação.

54
55
Capítulo 1

Interprofessionality as a driver of change in work and


health education1

Scott Reeves

Introduction

In this talk I discuss a number of key issues about interprofessional educa-


tion (IPE). First, I present some of the basic concepts related to this type of
education. I then discuss the emergence of IPE in the last 20 or 30 years, across
the world, to provide a sense of where we are at today with the global IPE
movement. Next, I present information about the evidence base for IPE befo-
re discussing some of the key elements linked to successfully developing IPE.
Finally, I present a series of concluding comments related to IPE.

Part 1: Basic IPE concepts

In terms of the basic concepts of interprofessional education, the definition


developed by the Centre for the Advancement of Interprofessional Education
(CAIPE), a UK organization that’s been going for about 30 years, is “occasions
when two or more students learn with, from and about each other to impro-
ve collaboration and patient care”. This definition was adopted by the World
Health Organization Study Group report published in 2010 that examined
the nature of interprofessional education. The critical elements involved in this
definition are: the fact that this is an interactive endeavor which depends on
two or more professionals coming together and engaging in learning with one
another. The aim of this learning is to improve the way that they collaborate,
1 Opening conference of the 1st International Colloquium on Education and Interprofessional Work in
Health (Natal, 2015).

56
the way that they talk with one another, the way they coordinate their activities,
and ultimately to improve the care that they deliver to patients.
However, if you look at the literature, we still have problem with confusion
around the definition of this approach. Often people think IPE is an activity
like we are having today people where sit together in different professions and
listen to a lecture. That’s not interprofessional education. It’s a small group acti-
vity very interactive which aims to improve the care that we deliver.
This type of education depends on a number of activities, and primarily we
see that interprofessional education is delivered as a seminar-based activity:
students in classrooms in small groups interacting with one another usually
learning together about a clinical scenario where they discuss the issues rela-
ted to patient care and collaboration, and hopefully resolve them. We are also
seeing IPE, especially in western countries, delivered in the form of simula-
tion – from advanced technologically oriented simulations, using computers,
through to classroom-based role plays. The workplace is being another area
where we’ve seen a lot of interprofessional education for qualified practitioners.
We see this type of IPE in the form of patient safety and quality improvement
activities. In Europe, colleagues have engaged in an interprofessional training
ward model where students from different professions work together in shifts
for two weeks to deliver care to patients under clinical supervision.
Over the last 5 or 10 years we’ve seen the growth of online IPE. Tradi-
tionally, IPE had to occur with everybody in the same room learning at the
same time, learning the same thing. With the development of the Internet,
interprofessional education can become a both a synchronous and non-syn-
chronous activity delivered over the World Wide Web. Now you do not have
to learn together in the same room at the same time. You can do it in different
time zones, in different places across the world. As a result, online IPE opens
up this type of education to more engagement with learners from across the
world. Also, we now have the use of blended learning, which is the combina-
tion of traditional methods, such as seminars or simulated learning with on-
line activities. The aim of which is to provide learners with a more interesting
and compelling learning experience.
There are a number of key concepts that interprofessional education rests
upon. The first of which is that IPE is a collaborative endeavor, so it focuses
on improving collaboration between learners from different professions, as

57
well as between faculty members – because faculty have to collaborate ef-
fectively to be able to deliver this type of education. Indeed, there is nothing
more significant than students seeing that faculty members and professors
collaborate together as effective interprofessional role models. That can have
a huge impact on their learning.
This type of education also depends on learners working together in small
teams or groups, interacting, discussing and learning with one another. As a
result, IPE is an egalitarian activity. Of course, anybody who’s worked in heal-
thcare, certainly in the West, knows that there is a very hierarchical division of
labor, as professionals occupy different social and economic positions. So this
type of education tries to provide a ‘level playing field’ for learners when coming
together to learn together equally with one another.
IPE is an experimental type of activity, drawing upon the principles of adult
learning. In health professions education, the best education draws upon real-
-life problems that we see in practice and we use those problems as compelling
and motivational educational experiences.
Reflection is another critical part of this type of educational activity. Some
of the best work I’ve seen has had the students with their professors coming
together and engaging in interprofessional reflection. At the end of the lear-
ning experience they reflect on what went well, what challenges there were
and how they addressed them. The reflection is an important part of this type
of process of education.
Overall, therefore, IPE aims to improve collaborative ability. For many years
there was a belief that healthcare professionals would train in their respecti-
ve professional programs and would finish that program as both a competent
practitioner (a physician or a nurse), and also as a competent interprofessional
collaborator. That is not the case. Students do not exit their courses as compe-
tent interprofessional collaborators as they simply did not receive any educa-
tion to support the development of these abilities. So a key aim of this type of
education is to improve that collaborative competence. IPE therefore aims to
provide students with the attitudes, the skills and behaviors so they can actually
collaborate in an effective manner.
There is an outcome typology which I think is a useful to consider at this
point. Developed from Kirkpatrick’s educational model, it contains a range of
outcomes that one can think about when planning and evaluating interprofes-

58
sional education. And it is important to think about these different outcomes:
from Level 1 related to ‘reaction’ which is focused on whether students liked
their interprofessional education, whether they felt they had value; to Level
2a linked to whether IPE improved learner attitudes and perceptions of one
another to overcome any negative stereotyping; through to Level 2b where the
students develop collaborative knowledge and skills; to Level 3 which is focused
on whether the IPE affected learners’ behaviors (to work in a more collaborative
manner); to Level 4a which is focused on if there was a more collective response
resulting from the IPE where colleagues learnt how to work together in their
organizations in a more collaborative manner; to Level 4a focused on exami-
ning if IPE had any effect of improving patient care.

Part 2: The emergence of IPE

In this part of the talk I want to consider the emergence of interprofessional


education. When I first got involved in this type of education in the early 1990s
it was a much smaller field, but over the intervening years the field significantly
expanded on a global basis.
In terms of why this type of education originally developed and expanded
can be linked to early attempts to reduce negative professional stereotyping
where students from different professions see one another in a hostile manner;
or improve situations where qualified professionals working with one another
held negative stereotypes which undermined their attempts to collaborate.
Limited interprofessional communication has been a feature of many heal-
th care systems – such systems are not set up to be truly interprofessional and
to provide good opportunities for communication. As a result, communica-
tion is often fragmented. For example, as I mentioned before, professionals
have not traditionally been trained to be good team workers. They therefore
lack the teamwork skills, and as a result often there is frustration and friction
and tension generated.
The report of Institute of Medicine published in 2000 reported that arou-
nd 100,000 patients per year died as a result of poor communication between
health professionals. And this is what happens every year and results in patients
receiving the wrong medication or the wrong dosage which can kill them. In-

59
terprofessional education is trying to improve that communication to reduce
error and ensure that professionals are working together in a more efficient and
effective manner to enhance quality and safety.
Also, in the last 10 or so years we are seeing more of a focus on patient and
client centered approaches. Here, the patient as one of the members of the in-
terprofessional team who has a voice and can communicate with the professio-
nals about their care. IPE aims to help professionals understand the need for
this patient-centered approach.
The rise of chronic illnesses across the globe is another driver for IPE and im-
proved collaboration as professionals need the skills to work together to meet the
demands of patients with complex health needs due to their chronic conditions.
The rising cost of health care, particularly in the West, is an important fac-
tor. Again interprofessional education is advocated as a way to try and get pro-
fessionals to work together to be more effective and efficient in attempting to
address those rising costs by delivering care in a more cost-effectively manner.
Finally, the use of the media has been an important driver for interprofes-
sional education. Across the globe, the media continues to report failures of
interprofessional collaboration in newspapers and on TV – due usually to a
breakdown in communication between professionals. These well-publicized
events result in more pressure placed upon governments to think how they can
reduce these failures.
Around the world we are now seeing a number of policy makers who are
advocating the need for interprofessional education. For example, the Institu-
tion of Medicine in the US and the Canadian government (Health Canada)
are both big proponents of interprofessional education and teamwork. Where
I come from, the UK, the Department of Health is a prominent supporter in
advocating policies for the use of teamwork and interprofessional education.
Over the past 30 years, the World Health Organization has produced three or
four key documents that all advocate for the use of interprofessional education.
We have also seen other national policy makers support the use of IPE. For
example, departments or ministries of health in Australia, Japan, Norway, Swit-
zerland and many other countries are all calling for the use of IPE. As a result,
IPE is a very important part of health care policy now.
Another important development since the 1980s has been the growth of
national organizations that have championed the use of interprofessional edu-

60
cation and collaborative practice. The first champion was the UK Centre for the
Advancement of Interprofessional Education which founded in 1987. Then,
the Canadian Interprofessional Health Collaborative was founded in 2006.
Also, now in the US we have a National Center for Interprofessional Practice
and Education. These are just a few examples – there are many other national
groups that have developed across the world.
When I first got involved in the IPE field, there was only one journal for
the field: the Journal of Interprofessional Care ( JIC). I am very fortunate to
be the editor of that journal so I am very proud of it and the papers we pub-
lish. But what we have seen in the last few years is the development of three
other journals. First, we had the development of JRIPE ( Journal of Research
into Interprofessional Practice and Education), which is the Canadian Journal
founded in 2009. We now also have two journals from the US: Health and In-
terprofessional Practice and the Journal of Interprofessional Practice and Edu-
cation. So here we have seen the IPE field maturing, as there are four journals
for colleagues to publish their work in. Nursing and medical education journals
will often publish interprofessional education reports, but it is good to know as
a field we have our own journals.
Another important development is the growth of interprofessional con-
ferences. Twenty years ago, interprofessional education was only discussed
in other people’s conferences – in medical education conferences, nursing
education conferences, occupational therapy education conferences and so
on. But we have a number of international conferences that colleagues can
attend, present their work and connect with others. The first was All Toge-
ther Better Health (ATBH), a conference that started in 1997 in London.
This conference has now occurred in Canada, the US, Sweden and Japan,
most recently (in 2016) it was held in Oxford, UK. There are other inter-
professional conferences: NIPNET – the Nordic conference for colleagues
based in Sweden, Denmark and Norway; Collaborating Across Borders
(CAB) – a conference for Americans and Canadians that happens every
other year. There is also EIPEN – the European interprofessional confe-
rence, and finally there is a newer conference which was held in Melbourne,
Australia in October 2015.
So again, it’s encouraging to see that this is a worldwide with we are now with
a number of colleagues you can easily connect and contact and dialogue with.

61
Part 3: Evidence for IPE

I now want to talk about interprofessional education and the nature of


the evidence for this type of education. IPE is an expensive type of educa-
tion activity to invest in, so we need to know, empirically, about its effects.
At this point, I should say that the evidence base for interprofessional edu-
cation is relatively weak. But so is the evidence base for medical education,
nursing education, social work education – collectively, the evidence for any
form of health professions education is not as strong as it could be. As a
result, the evidence for interprofessional education is very similar to other
forms of education.
In relation to the IPE evidence, I am going to talk about some work I have
completed which is called a ‘review of reviews’ of IPE – in essence this is a review
or synthesis of the different systematic reviews of IPE. The aim of this review
was to synthesize different reviews to generate a ‘meta-level’ type of evidence for
IPE and so provide a ‘state-of-the-science’ for interprofessional education. The
first paper we published on this work was in 2010, which was recently updated
in 2015 for an Institute of Medicine committee I worked on that examined how
we effectively measure the impact of interprofessional education on collabora-
tive practice and patient care.
Here is what we did: we completed a number of searches looking for diffe-
rent reviews of interprofessional education. Of the reviews we found, we read
them carefully and abstracted key information from each. Specifically in each
review paper we looked at what types of IPE interventions were implemented,
how they were evaluated and what outcomes they reported. We also completed
a quality assessment of all included reviews as well.
The key results from this work were: we found eight reviews, of which there
were systematic reviews and also scoping reviews. These reviews reported on
over 400 studies published from 2000 to 2013. Most of the papers in these
reviews were published in North America. We found when we looked at the
reviews was a similar use of the definition of interprofessional education, as
many of the reviews used the CAIPE definition that I previously mentioned.
And the reviews reported a similar range of outcomes. Importantly, what this
told us was that there is a consensus growing within the field of interprofessio-
nal education in relation to undertaking research work.

62
But we also found variability in these reviews. The IPE courses could range
from 2 hours to 3 months or longer. The courses could have a range of learners
from different professional groups and could use a variety of different interac-
tive learning methods. So the IPE programs included in the reviews contained
wide variation. In regards to research designs, there were a very wide range of
designs that were employed. In addition, there was wide variability in the qua-
lity of the studies that were included. So while we had a consensus in one area,
there was still variability in relation to the IPE evidence base.
In relation to the focus of the included studies, this review of reviews showed
that the bulk of interprofessional education tended to be undertaken as pilot
studies –small studies with small samples and limited data collected. There was
a focus on reporting the learner perspectives – gathering data which only provi-
des evidence of what learners thought about their interprofessional education,
and if they felt it had an impact – which really only provides a weak form of
evidence. There was a focus on reporting short-term at outcomes - Levels 1 to
2a and 2b. I would argue there is a saturation of evidence at these levels, as there
are now lots of studies reporting these outcomes. So we therefore have good
evidence of students reporting what they think has happened as a result of their
involvement in interprofessional education. However, we do not have good evi-
dence of the use of qualitative approaches connected to learning, teaching and
assessment. So we do not know what a good interprofessional facilitator does,
because we do not have the qualitative evidence – observations of facilitation.
We also do not have much evidence for the long-term effects of interprofessio-
nal education. In addition, we do not have a great amount of data on patients’
or clients’ perspectives linked to the care they have received from professionals
following their IPE – Levels 4a and 4b. Increasingly, patients have been involved
interprofessional education but we do not have data from this group very often.
Similarly, we do not have much data on factors related to the organization and
development of interprofessional education - how you can grow IPE within an
institutions and then how can you make it sustainable. We actually have lots of
experience, but we have not gathered much empirical evidence of those factors.
Economically, we do not have much data in relation to the costs and be-
nefits of IPE. We know that interprofessional education can be expensive to
provide, but we do not have a good sense of what the benefits of investing
this kind of education. And finally, theoretically, we have very limited use

63
of theories in interprofessional education. And this is very important when
you are evaluating to interprofessional education. Because without the use
of theories, it is difficult to actually provide information about what is more
generalizable – what factors can cut across contexts. So, we don’t really know
this if we do not use theoretical approaches.
However, in the past five years or so, I’ve seen some developing areas. There
is more use of qualitative work and mixed methods research. A mixed methods
approach is an important design to use because you combine qualitative data
with quantitative data to provide a more comprehensive understanding about
the effects of an interprofessional education program. Also, through the use of
qualitative studies, we have more data about the role of facilitators and how
they can affect learning within the IPE context. People are also beginning to
capture data after the IPE program is finished to see whether short term ou-
tcomes (Levels 1, 2a and 2b) captured after the program has completed has
sustained overtime (Levels 3, 4a and 4b), after a period of weeks or months. So
those are excellent developments for the IPE evidence base. Also, as a journal
editor myself who receives around 500 manuscripts per year, I am seeing that
the quality of evidence of submitted papers is improving, which is good to see.

Part 4: Key elements in developing IPE

I now want to talk about factors linked to developing interprofessional edu-


cation in your university or your clinical institution. There are educational fac-
tors to consider. The first of which is that there remains an uncertainty about
which are the best IPE models that you can use. Colleagues have developed and
delivered different types of interprofessional education using different models,
but we do not have good insight or good empirical knowledge about which is
the best to use and best to replicate from one setting to another. So, we have
uncertainty with that element.
We also have an uncertainty about how to facilitate this type of education.
Clearly, given the interactive nature of IPE, the facilitator needs to be good at
small group facilitation, but there are other competencies that the facilitator
also needs as well in terms of managing the complexity of learning with diffe-
rent professional groups, managing contrasting learners styles and preferences.

64
IPE is a complex type of education to facilitate, due to the fact that it involves
managing very heterogeneous groups of learners. Even in nursing education,
for example, although you are dealing with one professional group, there is still
a lot of variability with learners, their needs and wants and desires. But with
interprofessional education, that complexity and heterogeneity becomes more
profound because we have to manage a number of different professional groups
which results in increased differences and complexity. So, it is complex. Also,
when you develop IPE you can find that learners may resist their interprofes-
sional education, because they don’t see the value of it. Actually, that resistance
or apathy can be shared with one’s colleagues in the faculty - the other profes-
sors who do not see the value in investing in this form of education.
There are also organizational factors to think about. Logistically, with IPE,
trying to get lots of students from different professional programs together in
the same spaces, matching different curricular activities, overcoming difficulties
from professional regulatory bodies is very difficult. Organizationally, this is a
very challenging type of education to implement within an institution. Funding
imbalances between different professional programs, as not all professional pro-
grams have the same resources, which that can cause tension between them, As
I said above, one of the key points of this type of education is that it depends on
equality. We have to adopt an egalitarian approach, and so funding has to be ba-
lanced between professions to achieve this. There is variability of support from
senior managers (not all managers and leaders may actually support this type of
education), and so that is another a key challenge, because if the leadership in
your institution is not supportive about interprofessional education it makes a
lot harder to move forward. It can make it impossible. Also, there is the issue of
isolation: isolation across an institution and isolation between institutions. For
example, the work of different departments within one institution is usually
very independent, and so it can be very difficult to encourage colleagues with
different schedules, different values and cultures within a single organization to
come together to talk. Collaborating between different institutions is therefore
even more complicated. So this factor can really affect the development of this
type of education.
There are professional factors to consider. One has to be mindful about
the issues related to professional socialization, that each professional group
has its own separate professional socialization processes which can affect and

65
undermine interprofessional education. For example, socialization can make
issues like professional boundary protectionism (where people become very
protective and unwilling to share) a problem. As a result, colleagues may see
that interprofessional education will mean an overlap of their professional
expertise which will generate tension. But this view is incorrect. Good in-
terprofessional education enhances what different professionals do together.
IPE is not about one profession doing the work of other profession, it is
about understanding interconnectedness - how professionals can work effec-
tively together, as a nurse, as a physician, as a therapist, as a social worker in
a complementary manner. Another factor here is professional cultures and
hierarchy which can generate further tension and isolation between different
professions. In relation to social and economic hierarchies, these elements
can make things difficult for people to come together and share and be col-
laborative. The cultures in clinical practice and also education emphasize a
separateness and isolation which can only be problematic.
At this point I want to mention a conceptual framework which was initially
developed to understand interprofessional teamwork. I think it as some of the
interesting and useful component parts to think about the different elements
that can influence the development of interprofessional education. This fra-
mework involves four inter-linked factors: relational, processual, organizational
and contextual – all of which combine to affect the development and delivery
of interprofessional activities. You can read more about this framework in Ree-
ves, Lewin, Espin and Zwarenstein, ‘Interprofessional Teamwork in Health and
Social Care’, published in 2010 by Wiley/Blackwell publishers in the UK. So if
you’re thinking about developing an IPE curriculum or thinking about doing
some evaluation, these factors should be helpful to consider.

Concluding comments

In conclusion, IPE is now a very well described field. We now have good
evidence of short-term outcomes related to knowledge and attitudes (Levels
1, 2a and 2b). We are developing understanding of key issues linked to inter-
professional education. Over the past few years there have been some impres-
sive developments in the IPE field.

66
In terms of building the evidence, there is a need to evaluate IPE so over time
you have empirical papers which you can provide to policy makers and senior
managers to show what impact IPE has on a range of outcomes. But I do think
we need to be focusing more on generating evidence for on the behaviors, prac-
tice and patient outcomes (Levels 3, 4a and 4b).
We also need to think more about collaborating with colleagues from other
institutions to undertake work which can be more significance in its approach.
We also need to focus on qualitative research that explores IPE teaching and
learning processes in more detail. We certainly we need to think about econo-
mics as well - the costs and benefits of IPE. Finally, I would argue we also need
to start generating some theories for the IPE field, as well as apply theories
from other fields such as sociology to understand the complexity of this form
of education in more depth.
We have seen the sustained growth of interprofessional education across the
globe for a number of years now. We have seen the growth of community IPE
colleagues, and it’s good to see we have colleagues now who are expanding of
the evidence base knowledge of IPE, which is good. We’ve got some important
work to do. We need to keep developing IPE curricula, provide faculty develo-
pment to improve IPE facilitation and continue to undertake more empirical
work. With all these activities we need to focus on improving quality and we
need to make sure we are publishing our work in the literature to disseminate
key messages to our colleagues.

67
Autor

Scott Reeves (in memoriam)


Kingston University & St George´s, University of London, Reino Unido.

68
69
Parte I

A educação interprofissional no Brasil:


a vivência de algumas universidades
pioneiras

70
71
Capítulo 2

Formação em saúde e educação interprofissional:


o projeto da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB)

Márcio Florentino Pereira

A UFSB e a formação em saúde

Realizado na cidade de Natal, RN, em 2015, o Primeiro Colóquio Interna-


cional de Educação e Trabalho Interprofissional em Saúde foi um marco im-
portante para o debate nacional das políticas de educação e saúde. A implemen-
tação de programas federais nas universidades brasileiras nos últimos anos que
teve ligação com o desenvolvimento das políticas gerou experiências e expecta-
tivas em torno dos conceitos da educação e do trabalho interprofissional, como
o debate da integração de competências profissionais na área de saúde, com
maior flexibilidade dos processos curriculares e da articulação com os serviços,
o Sistema Único de Saúde (SUS) e as comunidades.
No presente colóquio, a UFSB participou dos debates acerca de experiên-
cias de Educação Interprofissional, que estão em processo de estruturação no
país, com a apresentação do seu Projeto Político Pedagógico. Nesse momento,
juntamente com outras instituições públicas e com especialistas internacio-
nais, a UFSB teve a oportunidade de apresentar dimensões do projeto da
universidade, de recente implantação e que apresenta inovações importantes
do ponto de vista das competências interprofissionais em saúde, tais como o
modelo de ciclos de formação e profissionalização, em uma perspectiva geral
interdisciplinar e intercultural.
A UFSB foi resultado do Programa de Expansão das Universidades Fe-
derais Brasileiras, do Ministério da Educação, e começou a ser implantada
em setembro de 2014, na região Sul e extremo Sul da Bahia, como a mais
jovem universidade federal do país. Sob a orientação e comando do pro-
fessor doutor Naomar de Almeida Filho, foi instituída equipe dirigente,
que formulou e estruturou o seu Plano Orientador (UNIVERSIDADE

72
FEDERAL DO SUL DA BAHIA, 2014). A proposta da universidade foi
construída e inspirada no referencial de educação proposto por Anísio Tei-
xeira (TEIXEIRA, 1957, 1963, 1964, 1968) e na concepção de uma uni-
versidade nova e popular, para o Brasil, articulando, além do pensamento
de Anísio, outros importantes autores como Milton Santos, Paulo Freire,
Pierre Levy e Boaventura de Sousa Santos (SANTOS, 2002; SANTOS;
ALMEIDA-FILHO, 2008).
Na construção do projeto, adotou-se a visão de Milton Santos para estru-
turar a organização e inserção viva da universidade na região, com sua rede
de ensino, pesquisa e extensão. Considerou-se para tanto outra cartografia
do território e do espaço, vistos aqui como processos dinâmicos do lugar e do
território. Assim, a UFSB foi projetada e organizada na região Sul e extremo
Sul da Bahia (BA), por meio de uma rede de ensino superior estruturada em
Colégios Universitários (CUNIs), na qual a formação universitária integra-se
com a rede de ensino médio dos municípios. Para a formação interdisciplinar
e intercultural, foram propostos os Institutos de Artes, Ciências e Humanida-
des (IACH), nos três campi universitários, que são responsáveis diretamente
pela formação dos estudantes no primeiro ciclo, em bacharelados e licenciatu-
ras interdisciplinares (UFSB, 2014).
O Plano Orientador da UFSB apresenta uma visão crítica dos atuais mo-
delos pedagógicos de ensino-aprendizagem, propondo superar as excessivas
cargas teóricas e disciplinares. Busca ainda, na formação profissional, evitar
a escolha e especialização precoces, consideradas modelos geradores de desi-
gualdades em saúde e promotores de processos de trabalho e cuidado pouco
efetivos entre as profissões. O plano também apresenta estratégias de acesso
e permanência na universidade, assim como um processo pedagógico baseado
no encontro de saberes e práticas interdisciplinares e na aprendizagem ativa e
colaborativa em equipes interprofissionais. O projeto busca contribuir para a
formação de uma democracia intercultural do conhecimento, da educação, da
ciência, da pesquisa e da tecnologia.
Para enfrentar as desigualdades presentes no campo da formação em Saúde,
os estudantes entram na UFSB em um primeiro ciclo de três anos de duração, na
formação interdisciplinar em Saúde, no bacharelado (UFSB, 2014), na qual per-
correm trilhas formativas flexíveis e constituídas a partir de componentes curricu-
lares (CC) organizados em quadrimestres como eixos norteadores da formação.

73
Nesse percurso são desenvolvidas as competências e habilidades cognitivas, refle-
xivas e atitudinais dos estudantes, em projetos que articulam saberes e práticas
nas comunidades e nos serviços que compõem a rede do SUS da região.
No modelo proposto pela UFSB, a aprendizagem deve acontecer em contextos
de organização dos serviços de saúde e na dinâmica de vida e trabalho das comu-
nidades, com fortes influências do pensamento e dos métodos da Saúde Coletiva.
Incorpora também as novas diretrizes definidas a partir da lei do programa Mais
Médicos para o Brasil (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 2014) para
os cursos de Medicina. São novas competências e dimensões, que passam pela
redefinição conceitual da saúde e dos processos de trabalho, que ocorrem na for-
mação profissional e técnica, nos atos de cuidado e atenção clínica e da formação
geral; e questões que envolvem um arcabouço teórico e metodológico mais amplo
e complexo, de determinações e estruturas no campo da saúde.
Nesse caso, incorporar a interprofissionalidade na educação profissio-
nal em saúde significou lidar com dimensões ligadas a um espaço desigual
de poder no mercado das profissões, de hierarquização profissional, social,
econômica e política, com hegemonia de uma categoria profissional sobre
outra, como pode ser o caso da categoria médica. A implementação das mu-
danças ligadas ao trabalho em equipe e novos perfis de competências resul-
tam, muitas vezes, em movimentos contraditórios e conflitantes, de avanços
e recuos, com possibilidades de crises no percurso. Portanto, deve ser um
tema com amplo envolvimento de várias representações e segmentos sociais
e corporativos, assim como do Controle Social, representado no Conselho
e na Conferência de Saúde. Trata-se da possibilidade de alargar o debate
e de radicalizar nas mudanças necessárias, junto com a sociedade, na qual
todos os sujeitos e atores que atuam nos campos social e popular do direito
à saúde devem ser considerados e mobilizados.

A UFSB e a educação interprofissional em saúde

A proposta de Universidade Nova presente no projeto da UFSB introduz


a reflexão crítica e a formação humanística para o desenvolvimento da ciên-
cia, da formação profissional e da pesquisa em saúde, na perspectiva do desen-
volvimento social e humano. Considera ser fundamental a compreensão das

74
desigualdades em saúde e a necessidade de transformação da realidade local e
regional. O modelo proposto busca analisar o campo de saberes e práticas da
saúde articulados em rede de serviços e nas comunidades como um Sistema de
Saúde Escola, organizado em Ciclos e com uma proposta acadêmica e pedagó-
gica diferenciada do modelo curricular.
No projeto da UFSB, o trabalho em saúde e a aprendizagem compartilha-
da estão focados em três dimensões de competências: competência interdis-
ciplinar, competência interprofissional e a competência intercultural. No caso
do território Sul da Bahia, as competências interculturais estão presentes nos
cursos, pois temos uma realidade de organização dos povos e saberes tra-
dicionais, como indígenas e quilombolas, além de uma gama de imigrantes
estrangeiros atraídos pelo turismo da região.
Na proposta do Bacharelado Interdisciplinar (BI) de Saúde da UFSB, que
representa o primeiro ciclo da formação, existem, atualmente, opções para três
áreas de concentração que levam ao segundo ciclo profissional em Medicina,
Psicologia e Saúde Coletiva. Durante os três anos do BI, o primeiro ano é de
formação geral, o segundo é de formação na grande área interdisciplinar e no
terceiro ano os estudantes optam por uma área de concentração, na qual sina-
lizam para qual etapa profissional querem seguir no segundo ciclo. Com esse
modelo, procura-se superar a centralidade da formação profissional em saúde
baseada em especialidades, que estão, em sua maioria, estruturadas em currícu-
los excessivamente rígidos e disciplinares.
Para cursar o segundo ciclo em Medicina, por exemplo, a área de concentra-
ção é Saúde, Enfermidade e Cuidado. Nessa etapa, os estudantes deverão estar
organizados em Equipes Ativas de Aprendizagem (EAA), cumprindo CC, que
possibilitam o desenvolvimento das habilidades e competências previstas no per-
fil dos egressos do BI. Além disso, nessa etapa os estudantes também realizam ati-
vidades que permitem uma aproximação com as competências interprofissionais,
com abordagens de Educação, Promoção e Vigilância em Saúde (UFSB, 2014),
por meio de projetos desenvolvidos no cotidiano de trabalho da Equipe de Saúde
da Família (ESF). A proposta organiza-se a partir de concepções de aprendiza-
gem ativa, colaborativa e compartilhada, em articulações com as competências
interprofissionais necessárias para a atuação nos processos de territorialização,
por exemplo, como uma das diretrizes que permitem maior integração social do
campo da Saúde, em conexões permanentes com a realidade social e o SUS.

75
Desafios para um projeto de educação interprofissional

Para a estruturação e desenvolvimento de um projeto de formação em saúde


que tenha como referência a Educação e o Trabalho Interprofissional, como
no caso da UFSB, um conjunto de desafios devem ser observados. O primeiro
deles é o desafio político e filosófico na definição dos conceitos que orientam o
trabalho em saúde e a compreensão do seu objeto de intervenção, que envolve
a saúde das pessoas, das famílias, das comunidades e coletividades. Tal com-
preensão pode ser restrita e eminentemente tecnicista ou orientada como um
campo da complexidade, sendo ao mesmo tempo um campo histórico, social,
político, econômico, plural, comunicacional, sensível, coletivo, comunitário, cul-
tural, fenomenológico, científico, tecnológico, informático, ambiental, biológico,
ecológico, sustentável, clínico, propedêutico, técnico, profissional.
O segundo desafio está no desenho do modelo teórico e metodológico a ser
desenvolvido, quando optamos por realizar mudanças e inovações que incor-
poram as competências interdisciplinares, interprofissionais e interculturais. O
projeto da UFSB, no qual a formação está organizada nos ciclos, pressupõe de-
senhos curriculares muito flexíveis e voltados às necessidades de aprendizagem
do aluno no contexto que esta é realizada. O BI está articulado em três grandes
eixos: 1. Formação ética, política e humanista; 2. Formação científica; e 3. For-
mação prática, cognitiva e vocacional. Assim, percebe-se que as dimensões de
competências estão organizadas no currículo em ciclos e eixos.
O projeto não apresenta disciplinas, mas sim componentes de aprendizagem
e/ou CC que buscam organizar a formação a partir de uma articulação entre
primeiro, segundo e terceiro ciclos. Para fazer a articulação interciclos à propos-
ta, no caso da área responsável pelos cursos profissionais de segundo ciclo, te-
mos a indicação de Laboratórios de Competências em Saúde, que são unidades
ou blocos organizados a partir de equipes docentes (EDs), interdisciplinares,
interprofissionais, interciclos e intercampi. Os cursos estão organizados de for-
ma intercampi, e não multicampi, em três unidades localizadas na região sul da
Bahia, interligadas por redes de tecnologia digital web.
Outro desafio determinante no processo está ligado ao planejamento, gestão,
estruturas físicas e de comunicação, que compõem um conjunto de dimensões
que irão interferir nos encaminhamentos e nas melhores condições materiais para
o desenvolvimento do projeto. No caso da UFSB, os trabalhos de planejamento

76
das estruturas materiais e físicas devem estar em pleno acordo com o modelo aca-
dêmico e pedagógico, cuja base organizativa está localizada no trabalho de EDs.
As EDs são estruturas abertas e horizontais na forma de laboratórios de aprendi-
zagem com vinculação de docentes, discentes da graduação ou da pós-graduação, bem
como de pesquisadores e de representação da comunidade. Para garantir a representa-
ção da comunidade, foi constituído um mecanismo formal chamado de “grau universi-
tário especial”, que permite a um pajé, pai de santo ou um mestre em artes e ofícios, por
exemplo, a participação em uma ED e possibilidade da participação na definição da
base epistemológica necessária para que o estudante trabalhe na e com a comunidade.
O planejamento curricular e acadêmico é outro aspecto do Plano Orientador
(UFSB, 2014) que é central como desafio para a estruturação de um Sistema
de Aprendizagem Ativa e Colaborativa em Saúde. A incorporação de residentes
como tutores dos estudantes da graduação, assim como a atuação dos estudan-
tes de graduação no monitoramento de um colega do ano anterior, são estraté-
gias para efetivação, no currículo, das equipes ativas de aprendizagem (EAA),
com forte componente de avaliação individual e de equipe nos processos de
progressão interna de primeiro para segundo ciclo.
A proposta é trabalhar em uma lógica integradora de ensino, serviços e co-
munidades, na qual, nas pactuações com os gestores, haverá compromissos entre
gestão e formação para o desenvolvimento da formação interprofissional e edu-
cação permanente, na qualificação do trabalho das equipes do SUS. A proposta
do Contrato de Ação Pública, Ensino e Serviço (COAPES) (CNE, 2014) foi de-
senvolvido com os municípios que sediam os três campi da UFSB, na região, com
apoio da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde (SEGTES)
do Ministério da Saúde e do Ministério da Educação, para definir exatamente o
sistema saúde-escola da região. Esse modelo pressupõe uma organização em tor-
no de grandes programas, nos quais a educação permanente vai ser o carro-chefe,
permitindo a formação de preceptores, com expectativa do pessoal que trabalha
na Rede SUS, em torno de cursos de especialização e mestrados profissionais.

Conclusão

A proposta da UFSB está estruturada a partir de parcerias que envolvem


prefeituras; o estado da Bahia; e os Ministérios da Saúde e Educação, assim

77
como uma articulação com equipes profissionais locais e comunidades da região.
Considerando o contexto e os desafios identificados, no fim, algumas questões
surgem: qual seria a equipe interprofissional ideal para um sistema de trabalho
e cuidado interprofissional? No caso da UFSB, poderiam ser incorporadas, por
exemplo, as profissões de Assistência Social? Enfermagem? Então, qual a equi-
pe interprofissional desejável para atuar na atenção básica do SUS? Esses são
elementos para o debate da educação e trabalho interprofissional.
Como consideração final, a partir da experiência em curso na UFSB, temos mais
perguntas que respostas, em um processo de muita inovação, dificuldades e resis-
tências advindas de um modelo que atua de forma contra-hegemônica. Como avan-
çar na formação em Saúde em contextos de crises dos referênciais da modernidade
(estado, direitos, democracia, participação, trabalho, educação...)? Como resistir aos
retrocessos totalitários e fundamentalistas, nas lógicas de poder e da ciência? Por
fim, faz-se necessário um esforço permanente de debate crítico e criativo na constru-
ção do projeto de Universidade Popular, de educação inclusiva e de nação soberana.

Referências
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (Brasil). Câmara de Educação Superior.
Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médico. Brasília: CNE/MEC, 2014.
SANTOS, B. S. A reinvenção da emancipação social. In: SANTOS, B. S. (org.). Demo-
cratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civili-
zação Brasileira, 2002. p. 22-25.
SANTOS, B. S.; ALMEIDA FILHO, N. M. A universidade no século XXI: para uma
universidade nova. Coimbra: Almedina, 2008.
TEIXEIRA, A. Ciência e arte de educar. Educação e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v.
2, n. 5, p. 5-22, 1957.
TEIXEIRA, A. Mestres de amanhã. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília,
v. 40, n. 92, p. 10-19, 1963.
TEIXEIRA, A. A universidade de ontem e de hoje. Revista Brasileira de Estudos Peda-
gógicos, Brasília, v. 42, n. 95, p. 27-47, 1964.
TEIXEIRA, A. Uma perspectiva da educação superior no Brasil. Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 50, n. 11, p. 21-82, 1968.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL DA BAHIA. Plano orientador. Itabuna:
UFSB, 2014.

78
Autor

Márcio Florentino Pereira


Formado em Odontologia pela Universidade Federal de Goiás – UFG. Especializado
em Políticas Públicas e Planejamento em Saúde. Ingressou como professor Assistente
na UFG e realizou Mestrado e Doutorado em Ciências da Saúde pela Universidade de
Brasília – UnB. Em 2008 fez estágio de doutoramento sanduiche no Centro de Estudos
Sociais – CES em Coimbra. Chefe do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade
de Saúde da UnB, como Professor Adjunto, onde coordenou o projeto de expansão da
área, com a implantação do Curso de Graduação, do Mestrado Profissional e Douto-
rado em Saúde Coletiva. No período desenvolveu pesquisa a respeito das experiências
de Participação e Controle Social do SUS. Logo após assumiu a Secretaria Executiva
do Conselho Nacional de Saúde, órgão colegiado responsável pelo desenvolvimento das
políticas de saúde no Brasil. Acompanhou no período a formulação e deliberação do
Programa Mais Médicos para o Brasil. Atualmente participa do projeto de implantação
da Universidade Federal do Sul da Bahia - UFSB. Uma Universidade Regional com
projeto e proposta inovadora de caráter Popular e Intercultural.

79
Capítulo 3

Desenvolvimento do Currículo Interprofissional na


Universidade Federal de São Paulo/campus Baixada
Santista: das experiências às aprendizagens e desafios

Sylvia Helena Batista


Nildo Alves Batista

Uma história recente... campus Baixada Santista: primeiro


campus de expansão da Unifesp

O campus Baixada Santista foi o primeiro campus do processo de expansão da


Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), implantado em 2004, quando se
firmou um convênio entre a Unifesp e a Prefeitura Municipal de Santos (PMS).
A presença da universidade pública foi sempre uma demanda histórica da re-
gião da Baixada Santista. Nas palavras da então deputada Mariangela Duarte2:
Temos certeza que a criação de uma universidade federal na região metro-
politana da Baixada Santista e litoral, por desmembramento da Unifesp, será
fundamental para complementar as ações que desencadearão o desenvolvimen-
to social e tecnológico da região. (Folha de São Paulo, 19 de janeiro de 2004)3
É importante ressaltar que a luta pela vinda do campus para a cidade de
Santos uniu toda a Câmara de Vereadores, a Prefeitura, o Governo Estadual
e o Governo Federal, traduzindo um compromisso com os anseios e a garan-
tia do direito à educação superior da população brasileira e, particularmente,
com a comunidade da Baixada Santista4. Ressalta-se a abrangência da região
metropolitana da Baixada Santista, composta por nove municípios, com uma
2 A referida deputada foi a autora da Emenda 11060009 apresentada ao Congresso Nacional/Comis-
são Mista de Planos, Orçamentos e Fiscalização/Emendas à LDO 2005, dentro do Programa Univer-
sidade do Século XXI.
3 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u14800.shtml.
4 Importante pronunciamento sobre a implantação do campus Baixada Santista foi feito na reunião de
fevereiro de 2004 no Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana da Baixada Santista
(disponível em http://www.agem.sp.gov.br/condesb_atas_2004_74.htm).

80
delimitação territorial de 2.373 km2 e aproximadamente um milhão e 600 mil
habitantes: contexto sócio-político-demográfico que justifica a importância de
uma universidade pública na região.
Configura-se que a criação e implantação do campus Baixada Santista da
Unifesp ocorreram por meio da organização da sociedade da região e da luta de
diferentes setores e instâncias executivas e legislativas. Nessa direção, a sua sus-
tentabilidade envolve, necessariamente, a ampliação e consolidação das forças
sociais, políticas e institucionais.
É importante sublinhar que a criação e implantação do campus abrangeram,
ainda, as políticas de expansão da educação superior pública desenvolvidas no
país a partir de 2003, no governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva, con-
sideradas âncoras fundamentais de todo o processo de ampliação da democrati-
zação do acesso e permanência de jovens e adultos na universidade pública bra-
sileira (BRASIL, 2014; GENTIL; LACERDA, 2016; ALMEIDA FILHO,
2011; AMÂNCIO FILHO, 2004).
O campus Baixada Santista da Unifesp destinou-se, inicialmente, ao desen-
volvimento do ensino, pesquisa e extensão na área das Ciências da Saúde. O
Projeto Político Pedagógico construído para tal foi resultado de esforços coleti-
vos de discussão acerca dos propósitos da Unifesp como instituição pública na
região e de seus movimentos de articulação com a sociedade.
Em setembro de 2004 iniciaram, como modalidade sequencial de formação
específica, com fornecimento de diploma de nível superior em áreas de fronteira
das ciências humanas com as da saúde, os cursos de Educação e Comunicação
em Saúde e o de Gestão em Saúde. O vestibular foi realizado e vários servidores
da Prefeitura Municipal de Santos que buscavam qualificação para avançar na
assistência à população tiveram possibilidade de vivenciar essa formação. Esses
cursos, desenvolvidos no período noturno com duração de dois anos, diploma-
ram suas turmas em outubro de 2006.
Destaca-se, dessa forma, a vocação, desde sua criação, do campus Baixada
Santista de estar inserido nas demandas, necessidades e perspectivas da comu-
nidade, tendo com a Prefeitura de Santos um permanente vínculo de parceria e
trabalho conjunto a favor da vida e da garantia de direitos da população.
Em 2006, foram implantados os cursos de graduação em Nutrição, Psicologia,
Fisioterapia, Terapia Ocupacional e Educação Física. Em 2009, o quadro de pro-
fissões da saúde se ampliou no campus com a criação do curso de Serviço Social.

81
Em 2012, teve início o Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnolo-
gia – ênfase em Ciências do Mar (BICT-Mar), turmas vespertina e noturna,
dialogando com mais uma fundamental área para a cidade de Santos: o porto.
O projeto garantia, ainda, que os egressos do BICT-Mar teriam a oportunidade
de continuar seus estudos em nível de graduação por mais dois anos em um dos
seguintes cursos: Engenharia Ambiental Portuária; Engenharia Petrolífera e de
Recursos Renováveis (ambos implantados em 2015); Oceanografia (com data
prevista para início em 2019); e Engenharia de Pesca e Aquicultura e de Ecolo-
gia Marinha (cursos ainda sem data prevista para início).
Atualmente, o campus Baixada Santista é composto pelo Instituto Saúde e
Sociedade, organizado em sete departamentos, incluindo o Departamento de
Ciências do Mar, embrião do futuro Instituto do Mar (IMar).
As atividades formativas desenvolvidas no campus Baixada Santista en-
contram sua infraestrutura configurada em quatro prédios próprios (Edifício
Central, Edifício Acadêmico II, Edifício Acadêmico III, Edifício Acadêmico
IV), um prédio cedido pela Prefeitura Municipal de Santos (Unidade Aca-
dêmica I) e dois espaços alugados com as instalações para o desenvolvimento
das atividades poliesportivas.

Projetos Políticos Pedagógicos dos cursos da Saúde:


a opção pela Educação Interprofissional

Os Projetos Políticos Pedagógicos dos cursos da Saúde no campus Baixada


Santista da Unifesp estão pautados na formação de um profissional da área da
Saúde preparado para o trabalho em equipe interprofissional, com ênfase na in-
tegralidade no cuidado ao paciente. Para essa formação, assumiu-se a Educação
Interprofissional (EIP) como direcionadora da formação em saúde, implicando
no desenvolvimento de uma proposta curricular interdisciplinar e interprofis-
sional, além de romper com a estrutura tradicional centrada nas disciplinas e
na formação específica de determinado perfil profissional (UNIVERSIDADE
FEDERAL DE SÃO PAULO, 2006, 2017).
Compreende-se a EIP como dispositivo teórico-epistemológico e metodológico
para aprendizagem da prática colaborativa, favorecendo com que estudantes de vá-
rias profissões possam aprender sobre os outros, com os outros e entre si (BARR,

82
2001, 2017; REEVES, 2016; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE,
2010; BARR, 1998). Peduzzi (2001), Mângia (2010) e Batista (2012, 2013) afir-
mam que a EIP ancora-se no trabalho em equipe e na perspectiva do trabalho cole-
tivo, favorecendo a integração e a cooperação nas práticas de atenção à saúde.
A EIP como orientadora da formação em saúde coaduna-se com a compreen-
são da saúde como direito, bem como articula-se com uma concepção ampliada do
processo saúde-doença, com a perspectiva crítica trazida pelas Diretrizes Curricu-
lares Nacionais (BRASIL, 2001) e com os princípios da integração ensino-servi-
ço-comunidade (TEIXEIRA; COELHO, 2014). Nesse contexto, investe-se em
situações de aprendizagem que possibilitem aos sujeitos construírem itinerários
formativos em redes de colaboração (KASTRUP; TEDESCO; PASSOS, 2008).
O processo de implementação dos cursos da Saúde no campus Baixada
Santista foi revelando a grande conexão entre EIP e a interdisciplinaridade.
Batista (2006) afirma em relação a um projeto de formação interdisciplinar
e interprofissional:

[...] implementar outras formas de organizar as situações


de ensino, pesquisa e extensão, desenvolvendo atividades
acadêmicas que tenham como eixos nucleares a participa-
ção do estudante, a produção contextualizada de saberes e a
prática, não perdendo de vista a análise dos condicionantes
políticos e culturais que influenciam e conformam os mo-
dos de viver, aprender e trabalhar. (BATISTA, 2006, p. 45)

Costa et al. (2015) argumentam que as conexões ainda demandam aprofun-


damento e clareza conceitual, pois:

[...] os pontos trazidos pelas [instituições de ensino su-


perior] IES apontam que a materialização das ações funda-
mentam-se na busca de possibilitar a aprendizagem compar-
tilhada, a interação entre os diferentes atores na discussão de
cenários reais e suas necessidades. Esses pontos apresentam
muita aderência com a educação interprofissional, no entanto
são apresentados como iniciativas interdisciplinares ou mul-
tiprofissionais. (COSTA et al., 2015, p. 714)

83
Apreende-se, assim, que a EIP, ao ser vivenciada no cotidiano da for-
mação em Saúde no campus Baixada Santista, tem configurado percursos
formativos singulares, imbricando histórias institucionais dos sujeitos par-
ticipantes e das áreas profissionais e disciplinares, com os condicionantes
no plano das políticas públicas.

O currículo interprofissional dos cursos da Saúde no


campus Baixada Santista: uma obra em construção

A proposição do Projeto Pedagógico para a formação em Saúde orientado


pela EIP feita, em 2005, pelo Prof. Dr. Nildo Alves Batista5 expressava uma
compreensão do processo formativo como processo sócio-histórico, traduzindo
as disputas epistemológicas e políticas e, portanto, demandando superação das
fragmentações teoria-prática, básico-clínico, saúde-doença e ensino-assistência.
O mencionado professor propôs uma configuração curricular a partir de
eixos comuns e específicos, constituindo os cursos que, em seus itinerários
de aprendizagem profissional, partilham e compartilham espaços comuns de
formar-se para o cuidado.
Partiu-se do entendimento do currículo como prática social, cultural e histó-
rica (PINAR, 2016), ambicionando o arranjo dos eixos e módulos no itinerário
formativo: no primeiro ano dos cursos, os eixos comuns ocupam cerca de 70%
da carga horária semanal e as unidades curriculares do eixo específico, 30%.
Essa lógica vai alterando, com os eixos específicos assumindo maior centralida-
de por meio dos módulos específicos, estágios curriculares profissionalizantes e
trabalhos de conclusão de curso.
Projetou-se uma construção de totalidade: os cursos e suas propostas for-
mativas são construções que implicam os eixos comuns e os específicos. Desse
modo, foi prevista uma articulação entre os quatro eixos, orientados pela for-
mação de profissionais da saúde comprometidos com atuações potencialmente
transformadoras da realidade social com ênfase na EIP e na interdisciplinarida-
de, com enfoque metodológico problematizador com vistas à produção do co-
nhecimento (BATISTA, 2013). Essa proposição em eixos vai se delinear como
uma característica estruturante dessa proposta curricular interprofissional.
5 Idealizador do Projeto Político-Pedagógico e primeiro Diretor do campus Baixada Santista da Unifesp.

84
A organização curricular em eixos e módulos procurou superar a métrica
disciplinar, constituindo novos territórios e redesenhando fronteiras sem negar
os campos profissionais existentes, sendo essa uma característica interprofissio-
nal fundamental desta proposta curricular.
É revelador perceber que, em que pese os princípios epistemológicos acima
descritos, a primeira expressão gráfica dos eixos traduziu, em certa medida, um
entendimento dos eixos ainda em paralelo:

Eixo o Ser Humano Eixo o Ser Humano Eixo rabalho Eixos específicos
em sua dimensão e sua inserção social em saúde em saúde
biológica

O detalhamento dos eixos específicos em Saúde seguiu as especificidades


de cada uma das áreas, em consonância com as políticas de saúde e educa-
ção vigentes. Cada formação profissional vem sendo pensada e construída em
suas especificidades e no conjunto do projeto de formação em Saúde do cam-
pus Baixada Santista.
O eixo “O ser humano em sua dimensão biológica” abrange temas/áreas/
campos disciplinares biológicos para a formação na área da Saúde de forma
integrada e crescente em complexidade. O curso de Serviço Social não se incor-
pora nesse eixo comum.
O eixo “O ser humano e sua inserção social” abrange os saberes e práticas
das ciências sociais e humanas em Saúde, envolvendo diferentes dimensões
da produção da vida humana (relação natureza e cultura, marcadores so-

85
ciais das diferenças, educação, trabalho, condições de vida, subjetividade e
relações sociais).
O eixo “Trabalho em Saúde” busca compor os saberes e práticas do campo da
Saúde Coletiva com “outros campos de saberes e práticas a constituição de um
modo de pensar e agir profissional. O objetivo será contribuir para a construção
de algo como ‘esquema conceitual-operacional-comum’ às diferentes áreas pro-
fissionais...” (CAPOZZOLO et al., 2013, p. 70).
A dinâmica dos eixos comuns que envolve o trabalho formativo a partir de
turmas mistas (estudantes de todos os cursos aprendendo juntos) configura
uma outra característica fundante para a aprendizagem interprofissional: ao
partilharem espaços conjuntos de estudo, os estudantes aprendem com o ou-
tro sobre a produção comum do cuidado e sobre o próprio fazer profissional.
A formação em saúde no campus Baixada Santista agrega, também, ou-
tra característica da formação interprofissional: a diversidade de saberes, a
troca de conhecimentos e a pluralidade das experiências de aprendizagem
como norteadoras das opções metodológicas e de avaliação no contexto dos
cursos. Ao favorecer o trabalho coletivo em grupos, duplas e/ou trios de
estudantes de diferentes cursos, a escuta sensível e o olhar ampliado, pro-
duz-se espaços inventivos de aprendizagem, de conhecimento e do cuidado
interprofissional em saúde.
Durante toda a formação nos cursos do campus Baixada Santista, procura-se
desenvolver uma outra característica que o grupo assume como nuclear na for-
mação interprofissional: redes entre as atividades de ensino, pesquisa e exten-
são. Assim, há um período protegido de quatro horas semanais (não deve haver
atividades de unidades curriculares), no qual investe-se no desenvolvimento
de projetos colaborativos, integrando toda a comunidade acadêmica em prá-
ticas de extensão e pesquisa.
A vivência e a construção ativa da formação em saúde possibilitou rede-
senhar a tradução gráfica dessa proposta interprofissional, Em sua versão
mais atual, temos:

86
EIXO COMUM
Trabalho em Saúde

EIXOS ESPECÍFICOS

EIXO COMUM EIXO COMUM


O ser humano e sua O ser humano e
dimensão biológica sua inserção social

Estas são traduções provisórias, coletivas e em permanente reconstru-


ção. Como nos diz Andrade (1984, p. 6): “O problema não é inventar. É ser
inventado hora após hora. E nunca ficar pronta nossa edição convincente”.

O currículo interprofissional dos cursos da Saúde no campus


Baixada Santista: uma obra de muitas mentes e mãos

A postura coletiva, participativa e dialógica na idealização dessa proposta


de EIP em saúde combinou (1) condições históricas do processo brasileiro de
construção do Sistema Único de Saúde (SUS) e das políticas públicas de edu-
cação, saúde e reorientação da formação em saúde que foram implementadas
a partir de 2003; (2) condições institucionais de uma universidade que ousou
expandir e ampliar, possibilitando novas ideias e construções; (3) condições sin-

87
gulares da existência de um profissional da área médica que reconhece a necessi-
dade de inverter a lógica de formação na saúde; e (4) a especial condição de um
campus da expansão de educação superior pública, atraindo diferentes docentes,
técnicos e estudantes.
Identifica-se, dessa maneira, que os projetos pedagógicos dos cursos da
Saúde do campus Baixada Santista da Unifesp resultam de muitas mãos e
mentes, constituindo equipes ou grupos docentes não apenas orientados pela
lógica da mesma profissão, mas por interesses próximos de ensino, pesquisa e
extensão. Após a contratação do primeiro grupo de docentes do campus, em
novembro de 2005, as estratégias e ações para efetivação do projeto pedagó-
gico foram sendo construídas coletivamente por todos (docentes, técnicos de
assuntos educacionais e, posteriormente, por estudantes que foram ganhando
espaços de representação).
Um outro movimento importante abrangeu a criação de diferentes instân-
cias para atender a ampliação de atribuições e atividades no campus, com a
meta de prosseguir na expansão com qualidade e excelência do ensino pú-
blico. Foram se constituindo as comissões de curso; os departamentos aca-
dêmicos; a Comissão de Gestão e Acompanhamento do Projeto Pedagógico
(CGAPP); as Câmaras de Ensino de Graduação, de Extensão e de Pesquisa;
e o Núcleo de Apoio ao Estudante.
A dimensão de mãos e mentes coletivamente implicadas revela-se, também,
na permanente atividade de avaliação dos Projetos Políticos Pedagógicos dos
cursos: fóruns, pesquisas coletivas, oficinas e Projeto de Avaliação Curricular.
Há uma dimensão singular e estruturante: o coletivo interprofissional que
se expressa nos programas e projetos de extensão. A Universidade da Terceira
Idade (UATI), o Cursinho Popular Cardume, o Quiosque da Saúde, o Centro
de Alimentação e Nutrição Escolar (CECANE), a UNIFESTA (Universidade
em Festa), entre outros, trazem as perspectivas da integração ensino-serviço-
-comunidade, favorecendo o aprender junto, nos espaços dos serviços de saúde,
com o colega, com o docente, com o profissional de saúde, com a equipe, com o
usuário e com a comunidade.
Nesse âmbito, é importante realçar também a inserção do campus Baixada
Santista nas políticas indutoras do Ministério da Saúde e do Ministério da
Educação, abrangendo o Pró-Saúde, PET-Saúde, Residência Multiprofissional
em Saúde e Mestrado Profissional em Ensino na Saúde.

88
Aprendizagens e desafios do e no processo
de desenvolvimento curricular de um projeto
pedagógico interprofissional

No percurso até aqui construído, imbricando condições políticas, institucio-


nais, científicas, profissionais e pessoais, é possível delinear núcleos de aprendi-
zagem e de desafio:

1. A integração da rede formativa na perspectiva horizontal


(estágios, extensão, Eixo Trabalho em Saúde) e vertical (graduação,
Residência Multiprofissional em Saúde, mestrado profissional,
mestrado acadêmico e doutorado)
A perspectiva de rede formativa vem sendo tecida ao longo da experiência no
campus Baixada Santista: rede como articuladora de saberes e práticas, como
espaço de criação de novos itinerários de aprendizagem e como produtora de
caminhos e alternativas frente às demandas sociais.
Assumir a expressão “redes formativas” implica explicitar a concepção de for-
mação que a sustenta. Nesse sentido, formação:

[...] traz em si uma intencionalidade que opera tanto


nas dimensões subjetivas (caráter, mentalidade) como nas
dimensões intersubjetivas, aí incluídos os desdobramentos
quanto ao trajeto de constituição no mundo de trabalho
(conhecimento profissional). Portanto, não se trata de algo
relativo a apenas uma etapa ou fase do desenvolvimento
humano, mas sim como algo que percorre, atravessa e cons-
titui a história dos homens como seres sociais, políticos e
culturais. (BATISTA, 2001, p. 135)

Pensar e fazer as redes formativas têm demandado um trabalho permanen-


te na articulação, em nível horizontal, entre as atividades desenvolvidas nos
estágios, na extensão e no eixo Trabalho em Saúde, buscando superar práticas
isoladas nos mesmos espaços/cenários/territórios e aglutinando propostas
de formação crítica, propositiva e eticamente comprometida com as neces-
sidades da comunidade.

89
Na trajetória dos projetos pedagógicos dos cursos de Saúde do campus Bai-
xada Santista, a formação interprofissional encontra em políticas públicas indu-
toras, como o Pró- Saúde, PET-Saúde e Centro Colaborador de Alimentação
e Nutrição do Escolar (CECANE), importantes ressonâncias que contribuem
para o fortalecimento das redes formativas.
No âmbito das redes formativas no tocante à graduação, à residência multipro-
fissional em saúde, ao mestrado profissional e aos programas de mestrado e dou-
torado acadêmicos, fundamental tem sido o esforço em articular, integrar, poten-
cializar aprendizagens, intervenções na realidade e produção de conhecimento.

2. A avaliação permanente como monitoramento crítico e propositivo


Uma aprendizagem fundante refere-se à avaliação do processo de implantação
dos projetos pedagógicos dos cursos de Saúde do campus Baixada Santista de
como monitorar, acompanhar e construir perspectivas colaborativas e críticas.
Nessa direção, empreenderam-se (e empreendem-se) avaliações mais pon-
tuais no escopo dos eixos, dos módulos e dos cursos, produzindo indicadores e
dispositivos de mudança e transformação de projetos e práticas (CAPAZZO-
LO et al., 2013; JURDI et al., 2017).
Outro caminho avaliativo tem sido o desenvolvimento de pesquisas sobre os
projetos pedagógicos e as possibilidades da EIP em Saúde: a primeira pesquisa,
desenvolvida com o fomento do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico, Processo nº 409389/2006-4), foi intitulada “A Educação
Interprofissional na graduação em Saúde: preparando profissionais para o traba-
lho em equipe e para a integralidade no cuidado”. O projeto agregou pesquisado-
res e professores atuantes nos diferentes eixos específicos e comuns e teve como
objetivo investigar, acompanhar e aprimorar essa proposta de formação profissio-
nal para o trabalho em equipe na perspectiva da integralidade no cuidado.
Uma segunda pesquisa – “A interdisciplinaridade como princípio formativo
na graduação em Saúde: dos planos às concepções docentes” (CNPq processo
nº 401539/2006-7) – assumiu como objetivo analisar a interdisciplinaridade
como princípio formativo em uma proposta inovadora na graduação em Saúde.
Ao cruzar as vozes dos documentos e dos professores, apreendeu-se que a in-
terdisciplinaridade emerge como alicerce, perspectiva, instrumento e interface,
representando, respectivamente, um modo diferente de ser, conhecer, fazer e
viver junto. As dificuldades relatadas abrangeram a resistência dos profissionais,

90
formação ainda centrada na fragmentação dos conteúdos, ausência de trabalhos
em equipe e dificuldade de construir interações mais articuladas.
Foram desenvolvidas pesquisas que focalizaram a perspectiva de estu-
dantes e docentes dos cursos; a análise da potência do estágio curricular; e
a monitoria desenvolvidas na perspectiva interprofissional (ROSA, 2007,
2008; SOUZA, 2011; SOUTO; BATISTA; BATISTA, 2014; SANTOS;
BATISTA, 2015). Os estudos mostram que há uma convergência no que se
refere à valorização da EIP por parte dos graduandos como uma formação
em saúde que possibilita a aprendizagem do trabalho em equipe, da ação co-
laborativa e da interdisciplinaridade.
Nos últimos dois anos, investigações com os egressos reforçaram a potência
da educação interprofissional em saúde. Nesse âmbito, destaca-se a pesquisa
“Análise de um projeto de educação interprofissional na formação em saúde:
ótica dos egressos”, cujos resultados sinalizaram o desenvolvimento de compe-
tências essenciais para as profissões da saúde e a satisfação dos egressos com a
formação recebida e forneceram contribuições para a análise da formação em
Saúde, na perspectiva da EIP (ROSSIT; BATISTA; BATISTA, 2014).

3. Os módulos como expressão de possibilidade de mudança da


perspectiva de rigidez disciplinar
A perspectiva de construir arranjos de conteúdos científicos articulando
diferentes disciplinas, ciências e saberes revela grande potência para superar a
fragmentação disciplinar que, a despeito das denúncias, ainda se faz presente na
formação superior brasileira.
O módulo como estratégia de organização e formulação de uma unidade cur-
ricular no âmbito dos projetos dos cursos do campus Baixada Santista traduz a
intencionalidade de potencializar a interdisciplinaridade e a interprofissionali-
dade na formação de nossos estudantes. A referida intencionalidade ancora-se
no reconhecimento acadêmico, político e pedagógico de que a interdisciplinari-
dade e interprofissionalidade contribuem para a superação da fragmentação dos
saberes, ainda presente nas propostas de ensino superior.
O movimento de concepção dos módulos inspira-se na busca pela flexibi-
lidade, interdisciplinaridade, interprofissionalidade e contextualização. A fle-
xibilidade reflete-se na construção dos currículos a partir de organização de
conteúdos por módulos, atividades eletivas e projetos.

91
A organização curricular que privilegia o módulo traz em sua raiz a in-
terdisciplinaridade, proposta que pretende romper com a fragmentação do
conhecimento e a segmentação presentes na organização linear-disciplinar
adotada anteriormente.
A contextualização, por sua vez, garante estratégias favoráveis à construção
de significações. Um plano de curso elaborado em consonância com o contexto
e com a realidade social possibilita a realização de aprendizagens que façam
sentido para estudantes, professores e comunidade.
A opção pelos módulos como aglutinadores de parte das experiências de
aprendizagem em nosso campus articula-se com a elaboração e implantação
das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN); as concepções ampliadas de
saúde e produção de cuidado; e assunção do SUS como ordenador da for-
mação em Saúde.
Nessa aprendizagem, emergem como desafios a transformação de práticas
docentes mais isoladas em exercício coletivo de um projeto pedagógico e na
superação da justaposição de disciplinas.

4. A pesquisa e a extensão como espaços potencializadores da


formação interprofissional: ressignificação do ensino universitário
Na experiência do campus Baixada Santista, fundamental tem sido a tríade
ensino-pesquisa-extensão, abrangendo projetos que triangulam diversas ques-
tões e proposições, encontrando no trabalho junto com a comunidade um sen-
tido ético-político estruturante das práticas acadêmicas.
A característica do campus como o espaço da Unifesp com maior número
de programas e projetos sociais, abrangendo temáticas vinculadas aos cam-
pos dos direitos humanos; diversidade sexual; violência; educação popular;
alimentação escolar; saúde e movimento, entre outras, traduz uma “vocação”
historicamente situada.

5. A construção de estágios profissionalizantes na lógica interprofissional


Um dos projetos ainda não concretizados na formação em Saúde no campus
Baixada Santista refere-se à construção de estágios profissionalizantes na lógica
interprofissional: nos estudos já realizados e referidos acima, um achado que
aparece com vigor é a percepção dos estudantes quanto às experiências nos es-
tágios na ótica uniprofissional, desconectando-se com o restante da proposta.

92
As dificuldades encontradas fazem ancoragem (1) nas definições e orienta-
ções presentes nas DCN dos cursos (que abrem pouco espaço para a interpro-
fissionalidade nos momentos formativos dos estágios profissionalizantes); (2)
nas normativas de alguns conselhos de profissões que não aceitam uma pre-
ceptoria que não a feita pelo profissional da respectiva profissão (chegando, em
alguns casos, a impedir propostas de preceptoria cruzada, ou seja, preceptor
de outra área profissional que possa supervisionar equipes de estudantes no
estágio); (3) na organização dos serviços de saúde, obstaculizando propostas
interprofissionais; e (4) nas próprias dinâmicas institucionais, as quais parecem,
ainda, reforçar que o momento do estágio profissionalizante deve ser feito entre
pares da mesma profissão.
Em todas essas dificuldades é possível reconhecer a presença de uma cultura
de formação profissional que mantém a ênfase nas competências específicas,
cindindo-as das competências comuns e colaborativas na produção do cuidado
integral. Nesse sentido, os processos de avaliação dos projetos pedagógicos, as
experiências no campo das políticas indutoras e, de forma especial, nos Pro-
gramas Pró-Saúde e PET-Saúde (PROPET) e no Edital PET-Saúde 2015
(PETGraduaSUS) têm fortalecido a busca por superação dessa realidade.
O desafio constituiu-se, então, na efetiva concretização de um estágio profis-
sionalizante interprofissional, respeitando as DCN, mas inserindo um espaço
de aprendizagem colaborativa na perspectiva da interprofissionalidade.

6. A sustentabilidade do projeto: condições de trabalho, gestão


acadêmica colegiada e formação docente
No conjunto das investigações sobre os projetos pedagógicos, nos fóruns de
avaliação e nas narrativas de professores, técnicos e estudantes, há um desafio
central: a sustentabilidade da proposta de formação interprofissional em saúde.
O percurso nos ensina que a mencionada sustentabilidade tem diferentes ní-
veis e planos. Aqui, destacamos a relação com as políticas públicas, as condições
institucionais, as condições de trabalho para docentes e técnicos, as condições
de aprendizagem para os estudantes, a produção de uma gestão acadêmica co-
legiada e a formação docente.
No plano das políticas públicas, mostra-se estruturante assumir o compro-
misso com o SUS: a prática e a inserção dos estudantes no SUS ocorrem desde
o início da graduação, em diferentes cenários e ambientes de aprendizagem, de

93
modo que a prática é direcionada para o enfrentamento e equacionamento de
demandas da comunidade, no marco dos processos de trabalho e de suas possi-
bilidades de superação. Dessa forma, compreende-se a formação interprofissio-
nal como processo que se movimenta em direções múltiplas, conhecendo con-
flitos, mas também produzindo as possibilidades de negociação, de atribuição
de significados e de compromisso comum com a integralidade na assistência, no
compromisso ético-político com a população.
No que se refere às condições institucionais, mostra-se fundamental que se-
jam reforçadas, pactuadas e negociadas permanentemente as diretrizes e prin-
cípios orientadores dos projetos pedagógicos. Efetivar espaços de planejamento
e avaliação coletivos, atualizar os documentos que mostram a missão, valores
e objetivos do campus Baixada Santista e dos cursos da Saúde e desenvolver
lugares de escuta dos problemas, dificuldades e sugestões de aperfeiçoamento
dos projetos pedagógicos se apresentam como desafios nucleares na busca da
sustentabilidade desta proposta.
É importante sublinhar que as condições institucionais imbricam-se
com as condições de trabalho para docentes e técnicos, fazendo ganhar
visibilidade a questão do financiamento; infraestrutura física para o
desenvolvimento do trabalho e das atividades acadêmicas; e valorização
da docência universitária em sua dimensão do ensino. Esses projetos
pedagógicos exigem de todos um envolvimento, engajamento, compromisso
e qualidade científica que, em muito, supera a mera atribuição de carga
horária. No caso dos docentes, fundamental tem se revelado a necessidade
de pensar indicadores de progressão na carreira que expressem, claramente,
o valor que a universidade e o campus atribuem aos professores em suas
práticas pedagógicas que buscam a formação interprofissional.
A sustentabilidade da formação interprofissional em Saúde demanda tam-
bém que as condições de aprendizagem dos estudantes sejam alargadas, su-
perando um conjunto de módulos obrigatórios e favorecendo a criação de
módulos eletivos e/ou de outros formatos de situações de aprendizagem in-
terprofissional. Formar-se nesta proposta exige, ainda, tempo livre para cir-
cular em outras experiências e lugares que permitam diálogos, trocas e cons-
truções com outros interlocutores, além de docentes e técnicos, incluindo
profissionais dos serviços, usuários do SUS e participantes dos conselhos e
de movimentos sociais.

94
Um plano central para a sustentabilidade abrange a efetiva gestão acadê-
mica colegiada: desde o início do campus, em 2006, com o detalhamento do
projeto pedagógico do campus e dos projetos pedagógicos dos cursos envol-
vendo o idealizador do campus Baixada Santista, os 32 primeiros docentes e
20 técnicos, passando pela instalação do Colegiado Provisório (embrião do
que hoje é a Congregação do Campus); pela implantações da CGAPP (que na
Unifesp assume, atualmente, o formato das Câmaras de Graduação (CEG)
Extensão e Cultura (CAEC) e de Pesquisa e Pós-Graduação (CPPG)) e do
Núcleo de Apoio ao Estudante (NAE) (hoje presente no Estatuto da Uni-
versidade e presente como política institucional em todos os campi); e pelo
formato interdisciplinar e interprofissional dos departamentos acadêmicos. O
desafio tem sido consolidar e ampliar essa cultura, superando os movimentos
de isolamento de áreas ou de hierarquização entre eixos comuns e específicos
e entre departamentos e comissões de curso.
A formação docente compreende outro plano que se mostra importante
para a sustentabilidade da proposta em tela: foco de atenção desde 2006, o
desenvolvimento docente no campus viveu, até o momento, dois ciclos. O
primeiro ciclo ocorreu de 2006 a 2014, com a Comissão Local de Desenvol-
vimento Docente tendo participação na proposição de atividades de discus-
são e aprimoramento da docência e das atividades avaliativas, com reuniões
mensais. Já o segundo ciclo ocorreu a partir de 2014, quando o desenvol-
vimento docente nos campi da Unifesp passou a ser gerido pela Coordena-
doria de Desenvolvimento Docente (criada na Pró-Reitoria de Graduação
em 2012), tendo um coordenador de cada campus em sua composição. O
desafio da formação docente para propostas inovadoras, criativas e com-
prometidas com as políticas públicas mostra-se presente. Assumi-lo e, efe-
tivamente, enfrentá-lo revela-se central para a sustentabilidade da formação
interprofissional em Saúde.
Com essas aprendizagens e desafios e com a permanente disponibilidade
para a luta em defesa da educação pública e da saúde como direito, ecoam as
palavras do professor Nildo Batista (2013):
Construir o Campus Baixada Santista é um sonho que ganhou concre-
tude com a chegada de professores, técnicos, estudantes, profissionais dos
serviços, comunidade. Estamos no processo com avanços, recuos, rupturas,
continuidades... O que faremos com o que fizemos até aqui é uma produção

95
em aberto: continuo apostando que vale a pena a educação interprofissional
na formação em saúde.

Referências
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98
Autores

Nildo Alves Batista


Médico, pediatra. Mestre em Medicina (Pediatria) e Doutor em Medicina (Pediatria)
pela Universidade de São Paulo. Professor Titular da Universidade Federal de São Pau-
lo. Livre-Docente em Educação Médica pela Universidade Federal de São Paulo. Mem-
bro Titular da Academia de Medicina de São Paulo. Atual Presidente da Associação
Brasileira de Educação Médica (ABEM). Desenvolve atividades de ensino e pesquisa
relacionadas com a Educação Médica e com o Ensino na Saúde, com atuação principal-
mente nas áreas: educação médica, educação em saúde, docência e formação docente em
Medicina e ensino em Ciências da Saúde.

Sylvia Helena Souza da Silva Batista


Psicóloga, professora associada III da Universidade Federal de São Paulo/Campus Bai-
xada Santista. Realizei mestrado e doutorado em Psicologia da Educação pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo e Livre Docência Ensino em Ciências da Saúde
pelo Departamento Saúde, Educação e Sociedade/Campus Baixada Santista/Unifesp.
Docência, pesquisa e extensão no campo do ensino na saúde constituem os eixos estru-
turantes de meu itinerário acadêmico.

99
Capítulo 4

A proposta interprofissional dos cursos da saúde da UnB


Ceilândia e o acesso da comunidade de Ceilândia

Clélia Maria de Sousa Ferreira Parreira

Apresentar a experiência de implantação do campus Ceilândia da Uni-


versidade de Brasília (FCE/UnB), em evento dedicado à reflexão e à troca
de experiências curriculares inovadoras e comprometidas com a educação
interprofissional, é um privilégio.

1. Das lutas à implantação do campus Ceilândia da


Universidade de Brasília (FCE/UnB)

As histórias de Ceilândia e de Brasília se confundem e têm como aspectos


comuns a sua construção durante o período de 1956 a 1960; a erradicação de
acampamentos e favelas e a construção de conjuntos habitacionais satélites no
período de 1960 a 1979; a não oferta de moradia e controle da migração entre
1979 e 1983; a urbanização das favelas como perspectiva eleitoral entre 1982
e 1985; a nova república; e a privatização das terras públicas verificadas desde
1988 (GOUVÊA, 1991) agravada em tempos atuais.
O desenho do espaço urbano relacionado à dificuldade de mobilização da
população por seus direitos de moradia, notadamente observado na criação de
Brasília e no próprio processo de construção de Ceilândia, ilustra o uso da terra
como moeda eleitoral, evidenciando a força do controle social exercido pela seg-
mentação urbana (PAVIANI, 1991).

100
Contudo, Ceilândia também carrega historicamente em sua comunidade um
forte caráter reivindicatório6. Celeiro de lutas e de articulação entre iniciativas po-
pulares, associações e outras formas de agregação comunitária de defesa de direi-
tos, Ceilândia sedia impulsos com agendas políticas temáticas, como é o caso do
Movimento Popular por uma Ceilândia Melhor (Mopocem) e do Pró-Univer-
sidade Pública de Ceilândia (Mopuc), cuja pauta por mais de 20 anos exigiu a
criação de universidade pública na cidade.
Assim, nascida em 1971 sob a lógica urbanística que, imposta pela cons-
trução da nova capital federal, levou à exclusão e segregação da classe traba-
lhadora, Ceilândia recebeu, em 2008, o campus Universitário da Universidade
de Brasília (FCE/UnB).
Tal conquista inseriu-se no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI –
2002-2006) da UnB, apoiada pela política de expansão universitária7 que ainda
criou outros dois campi: o campus de Planaltina, inaugurado em 2006, e o campus
do Gama, aberto em 2007. Com o atendimento à demanda posta pelos movimen-
tos sociais de Ceilândia há décadas, a UnB potencializou a já vigorosa relação cons-
truída com a comunidade, em seus mais de 50 anos de existência (RÊSES, 2015).

2. FCE/UnB: construindo a História do tempo presente

Desde a sua implantação, docentes da FCE/UnB documentam seu pro-


cesso de organização. Nesse esforço, pesquisas e projetos de extensão têm
originado a publicação de artigos e/ou apresentação de trabalhos em eventos
científicos e acadêmicos, versando sobre o desenho curricular dos cursos de

6 É o caso da Associação dos Incansáveis Moradores de Ceilândia (ASSIMOC), cuja história passou a
ser preservada com a instalação do Museu da Memória Viva de Ceilândia, em funcionamento desde
1993. Criado e mantido pelo historiador Manoel Jevan Gomes, o museu reúne objetos dos primeiros
moradores transferidos para a cidade, além de artefatos, fotos e publicações sobre a chegada dos
seus primeiros habitantes.
7 Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni),
instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, do Ministério da Educação (MEC), cujos
objetivos incluem a criação de condições para a ampliação do acesso e permanência na educação
superior, em nível de graduação, o aumento da qualidade dos cursos e a melhora do aproveitamento
da estrutura física e de recursos humanos existentes nas universidades federais, além do estímulo à
diversidade no sistema de ensino superior.

101
Saúde ofertados8; sobre o perfil dos primeiros estudantes aprovados9; sobre a
proposta pedagógica institucional10; e sobre os desafios, vivências e conheci-
mentos produzidos em relação à criação do campus, ou ainda sobre a realidade
na qual o campus passou a funcionar11.
Nessa perspectiva de memória, produção de conhecimento e interlocução
social é que se tem o registro da presença do Mopuc em reunião do Conselho
Universitário da UnB, em maio de 2008. No evento, a coordenadora do órgão,
Eliceuda Silva de França, enfatizou a importância da implantação do campus
de Ceilândia para ampliação do acesso ao ensino superior e para minimizar a
dívida social e histórica das universidades com comunidades e segmentos popu-
lacionais mais vulneráveis como os lá encontrados.
Dada a relevância dessa interlocução, quando se instituiu o Conselho
Pleno da Faculdade de Ceilândia, assegurou-se um assento para os movi-
mentos sociais, sendo este ocupado – desde o primeiro ano de seu funcio-
namento – pelo próprio Mopuc. Além desse espaço, o recém-criado Con-
selho de Ética da FCE/UnB também tem garantido a interlocução com os
movimentos sociais: o Centro de Educação Paulo Freire de Ceilândia (CE-
PAFRE), instituição de valor histórico no Distrito Federal e que mantém
sólida parceria com a UnB, desfruta de um assento sob a representação de
Madalena Torres.
No âmbito do movimento estudantil, destaca-se a participação do Mo-
vimento Sem Campus (MARQUES, 2013) na implantação da FCE/UnB,
cuja atuação foi decisiva para a aceleração da entrega das instalações do

8 É o caso da discussão sobre a reestruturação e a expansão das universidades públicas brasileiras,


com destaque para o caso da graduação em Saúde Coletiva (PARREIRA; FLORES; PINHO, 2009;
PARREIRA; FLORES, 2010; PARREIRA; ESCALDA; RODOVALHO, 2014), sobre o projeto pedagó-
gico do curso de Fisioterapia (MARÃES et al., 2010) e sobre a formação de terapeutas ocupacionais
(FURLAN et al., 2014).
9 Logo no segundo semestre do início dos cursos foi feito um estudo para conhecer o perfil dos ingres-
santes (MONTAGNER et al., 2010).
10 De todos os aspectos, o que mais resultou em publicações ou apresentações em eventos acadêmi-
cos e científicos, no Brasil e no exterior, foi – certamente – aqueles que referiam à proposta pedagó-
gica institucional (FLORES; PARREIRA; PINHO, 2009; PARREIRA; FLORES; PINHO, 2009; PINHO;
PARREIRA; FLORES, 2012; PARREIRA, 2016; SOUSA; PARREIRA, 2016).
11 A perspectiva antropológica foi importante na documentação do início da criação do campus. As
narrativas produzidas expressaram os desafios para conciliar os desejos e possibilidades, embates e
consensos (FLEISCHER, 2011, 2012).

102
campus universitário. A organização dos estudantes tem sido muito atuan-
te nos colegiados dos cursos, no Colegiado de Graduação e Extensão e no
Conselho Pleno da Faculdade, no qual a representação discente é também
assegurada por cada curso. Essa presença é ainda mais relevante por ser a
FCE/UnB uma unidade acadêmica que não se configura em forma departa-
mental, mas sim colegiada.
Por sua vez, a FCE/UnB vem assumindo espaços estratégicos nas instâncias
colegiadas gestoras da cidade, tanto de uma forma geral quanto naquelas especí-
ficas voltadas à gestão da saúde no âmbito local, como é o caso da representação
da Faculdade no Conselho Gestor da Região Oeste (composta pelas cidades de
Ceilândia e Brazlândia), no Conselho Local de Saúde e na Comissão de Inte-
gração Ensino-Serviço do Distrito Federal.

3. FCE/UnB: uma proposta pedagógica interprofissional

A estrutura administrativa não departamental da FCE/UnB fez com que a


construção dos projetos pedagógicos de seus cursos fosse um desafio coletivo.
Para o desenho curricular de cada uma das graduações, buscou-se consensos
sobre o considerado comum à formação de profissionais de saúde, a despeito
das especificidades de cada profissão.
Atualmente, são seis os cursos ofertados: Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia,
Fonoaudiologia, Saúde Coletiva e Terapia Ocupacional. Com exceção do curso de
graduação em Saúde Coletiva – com 60 ingressantes por semestre –, os demais
têm ingresso semestral de 50 estudantes, o que significa 620 ingressantes/ano.
Para atender às necessidades das diferentes formações, a FCE/UnB possui
mais de 150 docentes, em dedicação exclusiva e contrato de 40 horas semanais.
Desde sua criação, a FCE/UnB tem participado de todos os Programas de
Reorientação da Formação em Saúde, induzidos pelos Ministérios da Educa-
ção e da Saúde (FURLANETTO; PINHO; PARREIRA, 2015), com exce-
ção dos que exigem a existência do curso de Medicina no campus universitá-
rio. Tendo isso em vista, a Faculdade tem reafirmado seu projeto pedagógico
institucional, que prevê a inserção dos estudantes dos seis cursos, desde o
início de sua formação, na rede local de atenção à saúde, conforme orientado
pelas Diretrizes Curriculares Nacionais que regem tais graduações.

103
Os projetos pedagógicos dos cursos possuem princípios comuns: a inten-
cionalidade da educação; a dimensão ampliada da saúde; o processo saúde-
-doença como socialmente construído; a complexidade da atenção; a singu-
laridade do cuidado e, ainda, a aprendizagem como sendo indissociável do
próprio desenvolvimento humano.
Do ponto de vista da estruturação curricular, a FCE/UnB optou por dese-
nho modular aplicável a todos os cursos. São eles:
1. Módulo Modo de Vida: predomínio de conteúdos e abordagens co-
nexos à aproximação dos estudantes com o processo de trabalho, enquanto
produção e reprodução da sociedade em nível local, regional e geral, com as
relações sociais que lhes são características e campo de saberes e práticas em
saúde que lhes são inerentes.
2. Módulo Sistemas Biológicos: predomínio de conteúdos e abordagens
conexas com a compreensão dos sistemas biológicos implicados no processo
saúde-doença.
3. Módulo Especificidades do Fazer Profissional: predomínio de con-
teúdos, aspectos e abordagens conexos com a qualificação da ação dos es-
tudantes nas questões diretamente implicadas na prática de estruturação,
organização e gestão da atenção em saúde e na consolidação do Sistema
Único de Saúde (SUS).
4. Módulo Cenários de Práticas: predomínio de conteúdos e aborda-
gens conexos com a promoção de vivências que contribuam para o exercício,
a reflexão e a propositura das práticas profissionais na assistência, atenção
e gestão do cuidado.
Esses módulos permitem o estabelecimento de trilhas de aprendizagem
com diferentes percursos, integradas, do ponto de vista formativo, e de forte
caráter interprofissional.
As trilhas induzem à aproximação dos estudantes com conteúdos formativos
considerados relevantes às distintas profissões, razão pela qual os graduandos
as realizam conjuntamente. Mesmo no instante em que se discute ou se exercita
a instrumentalização para a ação profissional – que possui aspectos próprios
em cada curso, pois refletem atividades específicas ou práticas exclusivas da pro-
fissão –, são assegurados espaços ou momentos nos quais, desde a perspectiva
da qualificação para a ação em saúde, o saber acumulado pelas diferentes profis-
sões para o cuidado e a segurança do paciente é compartilhado.

104
Outro elemento facilitador da vivência ou exercício interprofissional na for-
mação dos estudantes da FCE/UnB são os Seminários Integrativos. Equivalem
a dois créditos curriculares integráveis como obrigatórios ou optativos, a de-
pender de como tenham sido adotados nos projetos pedagógicos dos cursos,
têm duração de 30 horas e como objetivos sistematizar e agregar os conteúdos
trabalhados ou desenvolvidos durante o semestre de forma complementar, no
decorrer do período acadêmico, a partir de questões geradoras apresentadas ao
conjunto dos cursos por uma comissão.
Essa comissão é instituída a cada semestre e é composta, obrigatoriamen-
te, por um docente de cada curso. Sua função é a de elaborar a proposta e a
metodologia dos seminários, estabelecer forma de funcionamento da edição,
eleger e aprovar, no âmbito dos colegiados dos cursos e no Conselho de En-
sino, Pesquisa e Extensão, uma temática capaz de enriquecer tratativas de
problemas emergentes ou questões especialmente relevantes para a formação
em Saúde e que não sejam prioritariamente abarcadas pelas demais ativida-
des acadêmicas ofertadas, justamente por serem complexas e por sinalizarem
manejo diferenciado.
Para além da temática dos Seminários Integrativos adotada no semestre, os
estudantes são provocados a fazer uso de outras linguagens tanto para o proces-
samento das informações pertinentes à compreensão dos assuntos relacionados
ao tema gerador quanto para a apropriação e socialização das questões discu-
tidas na edição. Os produtos elaborados pelos grupos interprofissionais são
compartilhados em encontros presenciais, em uma programação semestral que
reúne aproximadamente dois mil estudantes. Durante a realização dos Seminá-
rios Integrativos, todas as demais atividades acadêmicas são suspensas, para que
haja espaço e foco na apresentação dos resultados alcançados.
Embora a proposta pedagógica institucional da FCE/UnB e os projetos pe-
dagógicos dos cursos apontem para um desenho formativo que repercute e se
vincula, de maneira orgânica, ao trabalho colaborativo em Saúde (ABBAD et
al., 2016), existe preocupação com a necessidade de atualização docente para
a mediação e a condução de experiências de educação interprofissional, uma
vez que há resistência para o rompimento com o modelo de ensino superior
predominante, que se mantém uniprofissional (COSTA, 2016; PARREIRA;
CYRINO; ESCALDA, 2016), e no qual a maioria dos próprios docentes fo-
ram originalmente formados.

105
4. Considerações finais: dos desafios da vivência
interprofissional no ensino e no serviço em Saúde

A Faculdade de Ceilândia, partícipe da troca de experiências entre propostas


curriculares interprofissionais, mantém-se presente desde o primeiro “Colóquio
de Educação e Trabalho Interprofissional em Saúde” e encontra-se vinculada
à Rede Brasileira de Educação e Trabalho Interprofissional em Saúde (ReBE-
TIS), como membro de sua Comissão Consultiva.
Ainda que existam inúmeras barreiras para a adoção de desenhos forma-
tivos interprofissionais, em instituições de ensino superior, a criação de redes
colaborativas, como a ReBETIS, comprometidas com o estudo e a avaliação de
experiências em desenvolvimento no Brasil é um grande passo.
Destarte, a vinculação da Faculdade de Ceilândia à ReBETIS tem sido fun-
damental para conhecimento de trabalhos similares em outras instituições de
ensino superior brasileiras, cuja existência produz elementos relevantes à ado-
ção ou criação de estratégias que promovam trocas e discussões sobre ações,
formas e instrumentos adequados à implementação e avaliação de desenhos
curriculares interprofissionais.
São muitos os aspectos que precisam ser aprofundados, ou melhor, com-
preendidos, nos processos nos quais mudanças estratégicas envolvem a
cultura institucional, como é o caso das regulamentações específicas, que
devem ser atendidas para a aprovação de novos cursos; dos modelos for-
mativos tradicionais vigentes, que precisam ser revisitados; da resistência
de parte dos estudantes à formação generalista, por considerarem que ela
enfraquece a formação técnica e a qualidade da profissionalização; da ina-
dequação entre escolhas metodológicas e desenho curricular; e do desco-
nhecimento ou falta de apropriação dos docentes com relação ao projeto
pedagógico do curso, o que inviabiliza ou compromete a implementação das
transformações necessárias.
Todavia, tais transformações nas graduações em Saúde urgem, pois, como
argumenta Peduzzi (2016), o SUS é interprofissional. Faz-se necessário a che-
gada de novos profissionais, egressos de cursos com currículos interprofissio-
nais e com vivências plenas em serviços de saúde desde o início da formação,
que provoquem – ou, em alguns casos, atualizem – o debate sobre as competên-
cias para o trabalho em equipe e para a prática colaborativa em saúde.

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SUS nas graduações em Saúde da FCE. In: CONGRESO DA ALASS - CA-
LASS, 27., 2016, Brasília. Anais [...]. Brasília: UnB, 2016. p. 14-15.

108
Autora

Clélia Maria de Sousa Ferreira Parreira (in memoriam)


Pedagoga, Mestra em Educação e Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília
(UnB), com pós-doutorado em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita (Unesp/Botucatu). É docente no Curso de Graduação em Saúde Coletiva
na Faculdade de Ceilândia (FCE/UnB) e coordenadora do PET/Interprofissionalidade
da FCE em parceria com a Escola Superior de Ciências da Saúde, da Secretaria de Saúde
do Distrito Federal (ESCS/SES/DF).

109
Capítulo 5

A Educação Interprofissional nas graduações de Medicina


e Enfermagem em práticas na Atenção Primária à Saúde,
na Faculdade Medicina de Botucatu, Unesp

Antonio Pithon Cyrino


Lucas Cardoso dos Santos

Os processos de mudança nas escolas médicas brasileiras, orientados para


ampliar as práticas de formação na Atenção Primária à Saúde, podem ser divi-
didos em dois grandes períodos históricos, a despeito das diferenças existentes
entre os processos que as impulsionaram: o primeiro período compreende o
final dos anos 1950 ao início da década de 1990; e o segundo, mais recente, tem
início na década de 2000.
Em um plano mais geral, o que os diferencia essencialmente é que, no primeiro
período, os diferentes movimentos de mudança da educação médica foram pro-
postos por instituições internacionais não governamentais, enquanto no segundo
período, a proposição de reformas mais extensivas parte de demandas por qualifica-
ção da força de trabalho do Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, se no primeiro
período, acima citado, as instituições internacionais promotoras das reformas bus-
caram a adesão de instituições de ensino e gestores públicos da América Latina, no
segundo período, o envolvimento das escolas médicas se deu por indução do Minis-
tério da Saúde (MS) mediante diferentes programas de reorientação da formação
das profissões de saúde. Temos, assim, um contraste bastante expressivo entre um
movimento de reforma médica orientado de fora para dentro, provocado por ques-
tões coerentes com problemas e conflitos dos Estados Unidos da América (EUA) e
o mais recente, produzido a partir de demandas nacionais do SUS.
Assim, podemos afirmar que o primeiro período foi bastante influenciado pelos
projetos de reforma médica da Medicina Integral e Medicina Preventiva nos anos
1960 e, mais ao final dessa década, pela Medicina Comunitária. A Medicina Pre-
ventiva provocou, entre outras iniciativas, a criação dos departamentos de Medicina
Preventiva nas escolas médicas, enquanto a Medicina Comunitária influenciou as

110
instituições de ensino na criação de serviços experimentais de saúde em comuni-
dades rurais ou urbanas e/ou no seu envolvimento com o Programa de Integração
Docente Assistencial (PIDA), dos anos 1970 e 1980. Nesse primeiro período, ain-
da incluiríamos o Programa Uni da Fundação Kellog, como um projeto de reforma
da escola médica (LINS; CECÍLIO, 1998), ao qual voltaremos mais à frente.
A implantação do SUS, por sua vez, produziu novas demandas que logo se
confrontaram com a inadequação da formação dos profissionais de saúde para
atenderem especialmente a novas necessidades de atenção à saúde da popula-
ção brasileira – como aquelas requeridas pelo Programa de Saúde da Família
(PSF)12 –, bem como para enfrentar a escassez de médicos de família para com-
por a equipe desse programa.
O novo papel do MS – de ordenador da formação de recursos humanos em saú-
de – só se efetiva com a criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação
na Saúde (SGTES), pouco mais de 10 anos após a implantação do SUS (BRASIL,
2002). Isso se deu em um contexto de crítica ao modelo tradicional de ensino das
profissões da saúde e certo avanço no debate e nas experimentações de mudanças
com algumas iniciativas que se desenvolveram nos anos 1990 – como a Comissão
Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico (Cinaem)13 – que foram
relevantes no fortalecimento político de propostas de reorientação da formação mé-
dica, com a difusão de “novas redes conceituais” (CRUZ, 2004, p. 302) envolvendo o
papel cuidador do médico, a autonomia do usuário e a humanização do ato médico.

Os projetos de ensino na comunidade na FMB – Unesp:


52 anos de experimentação

A Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB) – Universidade Estadual Paulista


(Unesp), antiga Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu (FCMBB),
fundada em 1963, tem uma história de pouco mais de 50 anos de ensino com a co-
munidade local e serviços de Atenção Primária à Saúde (APS).
12 A escassez de médicos para a composição de uma equipe completa do PSF só será efetivamen-
te enfrentada com o provimento emergencial desses profissionais por meio do Programa Mais
Médicos para o Brasil.
13 “A [...] Cinaem foi composta por 11 entidades que, entre os anos de 1990 e 2000, realizou, em
conjunto com as escolas médicas brasileiras, um processo de avaliação destas e uma proposta de
reformulação para o ensino médico no Brasil” (CRUZ, 2004. p. xxxiii).

111
Ao longo desse período, foi influenciada e contribuiu com diferentes mo-
vimentos de reforma da escola médica, como os da Medicina Preventiva e da
Medicina Comunitária (CYRINO; SCHRAIBER, 2002) e, mais recentemen-
te, com aqueles que impulsionaram mudanças que se deram com a Reforma
Sanitária e a criação do SUS.
É sob tais influências que, em 1970, o curso de Medicina, da então a FCM-
BB14, inicia um internato integrado envolvendo os departamentos e docentes
da Medicina Preventiva; Moléstias Transmissíveis e Infecciosas; Psicologia;
e Pediatria na unidade sanitária da comunidade rural da Fazenda Lageado
(CYRINO, 2002).
Esse internato foi substituído, em 1973, pelo internato rural em Saúde Pú-
blica, realizado em diferentes municípios da região – Timburi, Itatinga, Pardi-
nho e Anhembi – em distintos períodos até 1985, tendo como objetivo oferecer
aos alunos experiências de promoção, proteção e recuperação da saúde e o estu-
do da epidemiológico de doenças mais prevalentes (MAGALDI; GIAROLA;
OLIVEIRA, 2002).
Em 1972, com a instalação do Centro de Saúde Escola, também se abre um
novo campo de estágio para a graduação de Medicina e diferentes programas de
residência médica como esforço de oferta de práticas extra-hospitalares, aproxi-
mando alunos e residentes de práticas com famílias e comunidades (CYRINO;
MAGALDI, 2002) e a extensão da atenção às necessidades de saúde da popu-
lação (CYRINO; SCHRAIBER, 2002).
Já na década de 1980, novos campos de estágio, para a graduação e residência,
também se abriram com a instalação de unidades básicas de saúde (UBS) no
município de Botucatu. Cabe também destacar a criação, em 1989, do curso de
graduação em Enfermagem (ROMANHOLI, 2010).
Para a FMB, foi também relevante, nos anos 1990, a participação no Pro-
grama Uni da Fundação Kellogg, movimento que também assumiu certa
influência na reforma das escolas médicas, que resultou na criação da Rede
Unida, fusão do antigo PIDA, com os projetos Uni em andamento no
país, em 1997.

14 A FCMBB incluía os cursos de Medicina, Biologia, Veterinária e Agronomia, que foram depois des-
membrados em unidades separadas. Em 1976, a FCMBB foi incorporada à Unesp, fruto da unificação
dos Institutos de Ensino Superior do Estado, espalhados por todo o estado de São Paulo, passando
a receber o nome de Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB).

112
A FMB foi selecionada para desenvolver o Programa Uni, em parceria com
a Prefeitura Municipal de Botucatu e organizações comunitárias locais. Esse
programa tinha como proposta mais relevante:
“promover os movimentos de progresso sincrônico na educação, na prestação
de serviços de saúde e na comunidade; apoiar modelos de Integração Docente
Assistencial no âmbito do Sistema Local de Saúde, baseados no trabalho inter-
disciplinar e multiprofissional e na inovação de métodos pedagógicos; promover
o aprimoramento da formação profissional dos graduandos na área de saúde, ade-
quando-os à futura prática profissional e às necessidades de saúde da comunida-
de; promover a participação comunitária nas decisões relativas ao setor de saúde”
(MACHADO; CALDAS JUNIOR; BORTONCELLO, 1997, p. 148).
Até o início dos anos 1990, no curso de Medicina, apenas o Departamento
de Saúde Pública mantinha atividades de ensino nas UBSs. Com o Programa
Uni, essa prática foi ampliada com o estágio de Pediatria na Comunidade do
quarto ano médico, oferecido pelo Departamento de Pediatria, até o presente,
no Centro de Saúde Escola e em UBS tradicionais, observando que, embora
haja a participação de médicos dessas unidades, esse programa não foi esten-
dido a Unidades de Saúde da Família (USF) (TREZZA; PREARO, 1995).
Houve também outras iniciativas de integração docente-assistencial imple-
mentadas com o Projeto Uni, que não se sustentaram ao longo do tempo.
Foi também relevante para os processos de mudança na FMB a construção
das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação de Medicina e
Enfermagem (DCN), em 2001, e a criação pelo MS do Programa de Incenti-
vo às Mudanças Curriculares das Escolas Médicas (Promed), em 2002.
Após a criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na
Saúde (SGTES), em 2003, sob nova conjuntura política-institucional, são
lançados – mediante acordos interministeriais do MS e do Ministério da
Educação (MEC) – diferentes programas de incentivo às mudanças do en-
sino de graduação das profissões da saúde, como o Programa Nacional de
Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde), em 2005, e
o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), a partir
de 2008. Esses dois programas, em especial, permitiram a sustentação e o
aprimoramento de iniciativas de ensino tratadas neste capítulo, como as
disciplinas que integram a Interação Universidade, Serviço e Comunidade
(IUSC) que apresentamos a seguir.

113
Interação Universidade, Serviço e Comunidade: de
programa experimental a conjunto de disciplinas oficiais

Foi nesse contexto que se desenvolveu na FMB, a partir de 2003, um novo pro-
grama de ensino na comunidade – o Programa de Interação Universidade, Ser-
viço e Comunidade (PIUSC) – oferecido, progressivamente, aos três primeiros
anos do curso de Medicina. O PIUSC foi elaborado, em 2002, em parceria com a
Secretaria Municipal da Saúde de Botucatu (SMSB) como proposta submetida
ao edital do Promed, do MS e do MEC (UNESP, 2002). A FMB-Unesp foi uma
das 19 escolas de Medicina selecionadas nesse edital, o que viabilizou sua implan-
tação. Como já comentado, subsequentes financiamentos de diferentes programas
do MS/MEC15 foram essenciais para a sustentabilidade e desenvolvimento16 do
PIUSC ao longo desses 19 anos, enquanto um espaço de inovação, experimenta-
ção político-pedagógica e de pesquisa no ensino na APS.
O PIUSC teve como pressuposto ético-político e técnico os eixos temáticos
da integralidade das ações e da humanização do cuidado e valorizou as ações de
educação em saúde e promoção da qualidade de vida (CYRINO et al., 2005).
Nessa conjuntura, algumas disciplinas do curso de Medicina, como Geriatria
e Pneumologia, também começaram a ser desenvolvidas na APS, e outras como
Obstetrícia e Saúde Pública, que já atuavam nas UBS/USF, mantiveram suas
atividades nesse espaço (CYRINO et al., 2007).
A parceria entre a SMSB e a FMB e os incentivos do governo federal foram essen-
ciais para garantir a expansão e qualificação da Atenção Básica e uma melhor formação
dos profissionais médicos e enfermeiros nessa instituição (CYRINO et al., 2007).
Em 2008, o PIUSC ganhou um novo reforço com a seleção da FMB e SMSB
para desenvolverem o Programa PET-Saúde no município, com a participação de
docentes, profissionais da rede de saúde municipal e graduandos de Medicina
e Enfermagem (UNESP, 2008).
A composição do corpo docente para essas disciplinas foi um grande desafio,
pois, inicialmente, foi pensado que os próprios professores da FMB assumiriam
15 Esse ciclo virtuoso de políticas públicas, produzidas no interior da SGTES do MS, a partir de 2003,
promoveram um forte processo de indução de mudanças nas graduações das profissões da Saúde
no país, com destaque para a ampliação do espaço de ensino na APS no currículo.
16 A continuidade do PIUSC foi assegurada pela possibilidade de pagamento de bolsa, dos programas
do MS/MEC, a profissionais da rede local de saúde que passaram a atuar como professores-tutores,
dado que, nesse período, não houve contratação de docentes para esse Programa.

114
o programa, o que efetivamente não ocorreu. Uma saída para tal dificuldade foi
selecionar profissionais de diferentes áreas de formação – enfermeiros, fisiote-
rapeutas, fonoaudiólogos, médicos, pedagogos, profissionais da comunicação,
psicólogos, profissionais do serviço social e sociólogos –, para atuarem como
professores-tutores, o que proporcionou um importante ganho, dadas as possi-
bilidades de experiências interdisciplinares (UNESP, 2002).
Portanto, esse conjunto diversificado de professores-tutores permitiu es-
timular a troca de experiências entre as diversas áreas do conhecimento por
meio de uma prática interdisciplinar (ROMANHOLI, 2010), coerente com
uma das propostas pedagógicas, a Educação Interprofissional. Essa perspec-
tiva pedagógica se fortalece quando se realiza com professores de diferentes
formações profissionais, que aprendem e interagem em conjunto visando à
melhoria da qualidade no cuidado à saúde de sujeitos, famílias e comunidade
na APS (CYRINO et al., 2007).
Dado que a maior parte dos professores-tutores do Programa eram profissio-
nais de Saúde da SMSB, acordos com tal órgão garantiram a liberação de quatro
horas semanais para esses profissionais se dedicarem às atividades do PIUSC.
A seleção desses professores-tutores foi realizada segundo alguns critérios,
como: vivência na APS, experiência com trabalho em grupo, ensino na gradua-
ção e trabalho em USF.
Vale lembrar que, em muitos períodos, foram oferecidas bolsas de apoio fi-
nanceiro a esses profissionais, viabilizadas pelos diferentes projetos de indução
do MS, como o já citado PET Saúde (MANOEL, 2012).
A implantação das disciplinas, que passaram a compor o PIUSC, como tra-
tamos à frente, configurou-se como um grande processo de formação docente,
também fomentada pelo programa Pró-Ensino na Saúde, da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do MS, que permitiu
que muitos professores-tutores cursassem o mestrado e o doutorado, amplian-
do, assim, a dimensão da experimentação e da pesquisa dentro do nosso projeto
(BRAVO et al., 2018).
Esse processo de formação docente se dá, em especial, pela participação dos
professores-tutores nos encontros realizados regularmente a cada quinze dias
de discussão do cotidiano do PIUSC, e que envolveram progressivamente a
temática da Educação Interprofissional e das competências comuns e colabo-
rativas das profissões da saúde.

115
Essa experiência formativa de tutores e docentes, reconhecendo as dificul-
dades e conflitos no cotidiano do trabalho grupal, incluiu um programa volta-
do à gestão de conflitos, desenvolvido ao longo seis meses pelo Instituto Sedes
Sapientiae, de São Paulo.
Em 2005, reconhecendo as vantagens de um ensino mais próximo da rea-
lidade de vida das comunidades locais, a FMB se inscreveu e foi contempla-
da com recursos do MS por meio do Pró-Saúde, com características seme-
lhantes ao Promed – reorientar a prática profissional em escolas superiores
na área da saúde (BRASIL, 2009).
Nesse mesmo ano, foi elaborada a proposta de transformar o PIUSC em
disciplina curricular, o que só ocorreu em 2007, quando passou a ser chamado
de Integração Universidade, Serviço, Comunidade (IUSC) – IUSC I (1o ano),
IUSC II (2o ano) e IUSC III (3o ano).
A partir de 2008, frente à perspectiva da Educação Interprofissional e à com-
patibilidade de conteúdos e objetivos das disciplinas do curso de Enfermagem
com os das disciplinas IUSC I e II, um novo passo foi dado para a integração
entre os cursos de Medicina e Enfermagem, por meio de tais disciplinas. Para
que essa integração se viabilizasse, algumas disciplinas do currículo da Enfer-
magem cederam, parcial ou totalmente, sua carga horária17.
Com isso, as disciplinas IUSC passaram a estar presentes nos três primeiros anos
do curso de Medicina e nos dois primeiros da Enfermagem, com objetivos e estra-
tégias específicas a cada ano, visando a uma maior compreensão dos problemas de
saúde pública e da complexa relação entre o individual e coletivo. Desse modo, as
práticas cotidianas dos alunos se dão com pessoas nos territórios, mediante visitas
domiciliares e atividades nos serviços de saúde e em outros equipamentos públicos.
As disciplinas estão organizadas ao longo dos três anos, de forma que seus
objetivos gerais e específicos se somam e complementam, conforme se descreve
a seguir. O objetivo geral do primeiro ano da IUSC é permitir que o aluno
desenvolva ações para o cuidado e promoção da saúde em parceria com a co-
munidade e com os serviços de saúde, tendo como tema e foco o SUS, o estudo
de territórios das UBS/USF, ações em uma creche e o acompanhamento da
criança e de sua família por meio de visita domiciliar.
17 Para a formalização dessa integração, a partir de 2014, duas novas disciplinas foram incluídas no
currículo de Enfermagem: PIUSC I e II, respectivamente inseridas no primeiro e segundo anos do
curso, oferecidas anualmente, diferentemente das demais disciplinas, que são semestrais.

116
No segundo ano, os alunos mantêm as visitas domiciliares iniciadas no
primeiro ano, porém, ampliam o olhar para toda a família e, ainda, buscam
planejar, executar e avaliar atividades de educação em saúde, desenvolvidas
nos mais variados espaços e equipamentos sociais, a partir de demandas da
própria comunidade.
Já no terceiro ano, restrito ao curso Medicina, os alunos desenvolvem uma
vivência clínica na qual se busca fomentar a construção de vínculo longitudinal
aluno-usuário por meio de múltiplos encontros dessa díade.
Os graduandos dos cursos de Medicina e Enfermagem somam cerca de
120 alunos a cada ano: 30 da Enfermagem e 90 da Medicina. Para o desen-
volvimento das atividades da IUSC I e II, esses alunos são divididos em dez
grupos mistos, compostos de 12 a 14 discentes, sob a supervisão de um pro-
fessor-tutor. Dada a diferença numérica de alunos dos dois cursos, os peque-
nos grupos apresentam uma composição com cerca de 70% dos alunos de Me-
dicina. Já na IUSC III, para a prática clínica, os grupos de alunos são menores,
com cinco a seis membros.
Dentre as diversas estratégias pedagógicas utilizadas nas três disciplinas, desta-
camos duas: o uso da narrativa como proposto pela Medicina Narrativa (CHA-
RON, 2006) e a educação freireana problematizadora (CYRINO et al., 2005).
Alguns obstáculos frente à implementação dessas disciplinas merecem
destaque, como a considerável diferença no número de alunos da medicina
e enfermagem presentes a cada ano, como já mencionado, impedindo que
parte dos alunos da Medicina realizem visitas domiciliares com um colega
do curso de Enfermagem.
Outra dificuldade encontrada se dá pela diferença entre as médias para apro-
vação nas disciplinas entre os dois cursos e diferenças em suas grades curricula-
res que impedem a integração deles no terceiro ano.
Há de se pontuar, mesmo ocorrendo de forma mais recorrente no início da
implantação do programa e progressivamente de forma muito pontual, que al-
guns professores-tutores estabeleciam formas de tratamento diferenciadas com
os alunos de acordo com o curso de origem.
O fato de o terceiro ano não ser compartilhado também se apresenta como
uma limitação por não permitir a experiência das práticas colaborativas, justa-
mente quando os alunos estariam atuando na clínica e poderiam se aproximar
do que seria específico e comum na profissão de cada um.

117
Outra resistência encontrada está justamente dentro da própria institui-
ção – FMB –, na qual colegas docentes de outras disciplinas não compreen-
dem a lógica da IUSC e acabam por minimizar suas potencialidades por
desvalorizarem o papel dos agentes comunitários de saúde no apoio aos
alunos nas visitas domiciliares, por exemplo.
Considerando a relevância da experiência de implantação do ensino inter-
profissional nas disciplinas IUSC I e II, apresenta-se a seguir parte dos resul-
tados da dissertação de mestrado18 que buscou compreender a percepção e a
vivência da educação interprofissional entre discentes dos cursos de Medicina
e Enfermagem da FMB, com destaque para os fatos de que o estudante apren-
de sobre e com os colegas de outro curso e o docente media o processo de
ensino-aprendizagem (SANTOS et al., 2015)19.

O estudante aprende sobre e com os colegas de outro curso

A vivência e a experiência nas disciplinas de IUSC permitiram aos interlocu-


tores deste estudo, alunos dos cursos de Medicina e Enfermagem, reconhecerem
que aprenderam sobre e com os colegas do outro curso. Tal fato é relevante se
considerarmos que, anteriormente ao desenvolvimento da Educação Interpro-
fissional nessas disciplinas, não havia práticas curriculares de integração entre
estudantes e docentes desses dois cursos. Portanto, essa experiência representa
a primeira iniciativa de integração interprofissional entre esses cursos.
Todavia, é importante reconhecer que não são poucos os obstáculos que se
interpõem entre discentes de cursos diferentes (GILBERT, 2005; KHALILI et
al., 2013), especialmente entre Medicina e Enfermagem, se consideramos os con-
flitos na relação entre médicos e enfermeiros já bem estudados (HOLYOAKE,
2011; STEIN; WATTS; HOWELL, 1990). Outras dificuldades foram apre-
sentadas anteriormente, como a diferença, entre os dois cursos, no número de
alunos em cada grupo e entre as médias para aprovação nas disciplinas.

18 Lucas Cardoso dos Santos. A Educação Interprofissional na graduação de Medicina e Enfermagem:


vivências e percepções de alunos. 2015. Dissertação (Mestrado em Programa de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva) – Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP. Financiamento da Capes.
19 O texto presente neste capítulo é uma versão do texto que resultou no artigo: Santos, Simonetti
e Cyrino, 2018.

118
Essas barreiras ameaçam o esforço, no interior da Educação Interprofissio-
nal, para tornar o “ambiente de aprendizagem um espaço no qual os alunos se
sintam seguros para se expressarem abertamente”, elemento-chave para uma
“efetiva aprendizagem” (OANDASAN; REEVES, 2005, p. 25).
No Brasil e em outros países, uma dessas barreiras são as diferenças de renda
e gênero (SWEET; NORMAN, 1995) que marcam essas áreas profissionais,
pois orientam previamente diferentes expectativas e escolhas de formação uni-
versitária, situação que se alinha à realidade da instituição estudada.
Observa-se que, já no início do curso, os estudantes expressam concepções
estereotipadas da profissão escolhida e das demais (KHALILI et al., 2013),
o que influencia o modo como se relacionam, como enunciado por uma estu-
dante da Enfermagem:

[...] porque nós temos a visão dos alunos da Medicina [...]


deles serem deuses e estarem ali salvando vidas, como eles di-
zem. [...] é difícil eles pedirem a sua opinião [...]. (Thereza20, E)

Outras vezes, essas concepções estereotipadas foram identificadas como dis-


putas ou hostilidades entre os discentes desses cursos:

Tem gente, por exemplo, que fala “Ah! É por causa da


enfermeira isso”. E aí você vê que é um pouco de preconcei-
to, mas não em relação à profissão, e sim isso, de rixa... de
curso, que tem. E, do mesmo jeito, eu já ouvi muito, como,
por exemplo, tipo “Esses médicos não sei o que”, de um jeito
depreciativo também. (Rodrigo, M)

O distanciamento observado entre os estudantes de Medicina e de Enferma-


gem foi reconhecido por alguns deles como resultado do isolamento dos pri-
meiros em relação aos colegas de outros cursos.
Contudo, a Educação Interprofissional oferecida permitiu que os próprios
estudantes de Medicina se percebessem nesse distanciamento e se sentissem
mais interessados no conteúdo de outros cursos:
20 Buscando preservar a identidade dos alunos, os nomes foram alterados. E ou M, após o nome do
interlocutor, faz referência ao curso do entrevistado: E – Enfermagem e M – Medicina.

119
Em nenhum momento eu achei que iria parar para con-
versar com uma [colega] da Enfermagem [...]. [Agora] a
gente compara como as disciplinas são dadas num curso e
no outro. Até onde [vai a] anatomia? [A] embriologia? A
[...] fisiologia? E eu acho isso muito interessante, esse con-
tato para gente entender o outro. Porque [...] se a gente não
entender como ele é formado e o que ele faz, eu não consigo
me relacionar bem [...]. (Cláudia, M)

Assim, pode-se reconhecer que a Educação Interprofissional contribuiu


para a quebra de barreiras e aproximação entre áreas profissionais durante a
formação, com mais chance de se alcançar uma prática interprofissional e co-
laborativa futura (KHALILI et al., 2013; HOLYOAKE, 2011), como indica
um estudante de Medicina:

Eu acho muito legal porque a gente acaba percebendo


um pouco a diferença, por exemplo, do currículo do outro
curso. [...] mas é legal ter uma relação assim com estudan-
tes de outro curso [para] já irmos aprendendo como lidar
com as outras carreiras que vão estar sempre trabalhando
conosco. Então, isso é interessante [...] desde o início da
faculdade. (Rodrigo, M)

Neste estudo, foi também possível reconhecer diferentes perspectivas dos su-
jeitos entrevistados quanto à experiência de aprendizado compartilhado entre
os pares de outros cursos. Para alguns deles, a presença do colega de outro curso
no cotidiano das atividades da disciplina pode ser vista como uma fortaleza ao
permitir uma troca de saberes e juízos:

Eu acho uma das disciplinas mais interessantes da fa-


culdade [...] por ter pessoas novas, pessoal da Enferma-
gem, poder trocar conhecimento com eles [...]. Porque, na
maioria das vezes, as pessoas trazem coisas novas, a gente
consegue compartilhar conhecimento, opiniões e até para
confrontá[-las]. (Claudia, M)

120
Já para outros estudantes, a experiência da aprendizagem compartilhada re-
quer reciprocidade do outro para com o seu aprendizado e, quando isso não
ocorre, podem não perceber essa troca como positiva ou, até mesmo, podem
percebê-la como negativa:

[...] quando a gente estava fazendo visita para essa paciente


e tinha na minha carga horária Psicologia, [...] apenas eu [me
via] passando conhecimento para [meu colega], e não ele para
mim. [...]. Eu chegava nele antes da visita e falava assim: “Olha
[...] a gente tem que chegar [na paciente], tem que conversar
desse jeito e você também tem que conversar”. (Rosa, E)

[Nós] temos a disciplina Relacionamento Enfermeiro-Pa-


ciente e Psicologia já no primeiro ano, o que facilita para que
tenhamos um olhar mais abrangente do paciente. Os alunos da
Medicina [...] só têm as matérias básicas. [...]. Então, você vai, por
exemplo, a uma visita familiar com [...] uma aluna da Medicina
e percebe que ela tem muita dificuldade ainda de chegar no pa-
ciente, conversar, de perguntar sobre a vida dela. Então, eu acho
que isso atrapalha muito [o meu aprendizado]. (Thereza, E)

As diferenças de competências dos colegas da Medicina, como indicadas pelos


estudantes de Enfermagem, decorrem de assimetrias na grade curricular, que faz
com que muitas disciplinas com conteúdos comuns ou próximos sejam ministra-
das mais tardiamente no curso de Medicina, o que não é entendido como uma
oportunidade de orientar o colega e exercitar a Educação Interprofissional.
A positividade da experiência de Educação Interprofissional é percebida
por alguns estudantes, especialmente quando desenvolvem atividades comuns
aos dois cursos. Para uma aluna de Medicina, tal vivência não seria possível
com conteúdos “específicos”:

Porque não entra em nenhum momento em coisa especí-


fica do curso de cada um. Por exemplo, eu acho que tem coi-
sas da Enfermagem, de administração que a gente não tem
essa vivência na IUSC, não tem necessidade, eles têm essas

121
atividades no curso deles. E a gente, por exemplo, cirúrgi-
cas, coisas muito mais médicas, a gente também não tem na
IUSC. Então, a IUSC está num ponto comum entre os cur-
sos, acho que é por isso que dá certo junto. (Alessandra, M)

É interessante observar ainda que Alessandra distingue o que é


comum do que é específico de cada curso, coerente com os objetivos das
disciplinas estudadas que buscam desenvolver as “competências comuns”
e as “colaborativas”, sem desvalorizar as “competências complementares”
ou específicas21. Embora a aluna esteja tratando de conteúdos, estes podem
compor o conjunto de saberes e habilidades a serem acionados pelo profissional
para resolver situações problemáticas concretas no mundo do trabalho, o que
chamamos de “competência” (MANFREDI, 1998).
São nesses momentos de aplicação/compartilhamento dos saberes que os
estudantes acreditam que a Educação Interprofissional foi proveitosa e enri-
quecedora, pois percebem em tais momentos a oportunidade de aprenderem
juntos e compartilharem saberes. A valorização desses encontros com os colegas
de outros cursos também aparece quando os alunos sugerem que outros cursos
da área da saúde também fossem incluídos nas disciplinas estudadas, para que
pudessem conhecer outras profissões da saúde.
As atividades desenvolvidas nas UBS ensinaram a Thereza, aluna de Enfer-
magem, o que é uma prática colaborativa, especialmente por meio da atuação
conjunta de membros da equipe de diferentes profissões, e permitiram aos estu-
dantes construírem uma percepção mais atenta à equipe das UBS:

As duas [médica e enfermeira] fizeram uma consulta à


gestante juntas. E eu achei muito legal aquilo, porque, na
verdade [...] o aluno não tem a visão de uma equipe. O alu-
no tem a visão do profissional independente. (Thereza, E)

Se, por um lado, a experiência nos serviços permitiu aos alunos observar
bons exemplos de práticas colaborativas, por outro, também lhes possibilitaram
21 As competências comuns são aquelas semelhantes entre todas as profissões, enquanto as comple-
mentares são as que “distinguem uma profissão da outra” e as colaborativas, “aquelas necessárias
para trabalhar efetivamente com os outros” (BAAR, 1998, p. 16).

122
desenvolver uma capacidade de julgamento do que pode ou não ser um bom
exemplo a ser seguido:

Eu sempre falo que vendo as outras pessoas a gente sempre


consegue ver o que queremos ser e o que não queremos ser
também. Então, vendo algumas coisas, eu pude ir vendo com o
que eu me identificava mais, [...] que eu achava legal, algumas
coisas que eu já, talvez, não achava tão interessante. Coisas que
eu posso pensar em fazer o dia em que eu for uma profissional
e algumas que talvez eu faria diferente. (Maria, E)

A vivência dos estudantes nas UBS também lhes possibilitou conhecer o papel
que os outros profissionais desempenham na equipe de saúde, como:

[...] o agente comunitário, que é alguém que é da comu-


nidade, que sabe os problemas, que vai lá na prática e pode
trazer essas informações que são relevantes. É isso que vai
complementar a abordagem depois. Tudo que você pode
fazer dentro do consultório, que não seja uma análise pon-
tual: saber onde está inserido esse paciente, as outras rela-
ções que estão além do que a gente pode ver na abordagem
clássica. Eu acho que são muito válidas. (Elcio, M)

Isso eu achei muito legal, [nas UBS], tinha consulta de


médico e de nutricionista, [a tutora] encaixou os alunos lá
para ver [...] um pouco como o médico trabalha, como a
nutricionista trabalha. (Alessandra, M)

Cabe observar que esse julgamento crítico sobre o trabalho da equipe pode ser qua-
lificado quando o docente tematiza questões como o papel de cada profissional na
equipe de saúde e/ou a possível colaboração interprofissional presente nas equipes.
Também é importante registrar que alguns interlocutores deste estudo apon-
taram que o contato que tiveram com os profissionais das unidades foi pequeno,
o que sugere a necessidade de estratégias pedagógicas que fomentem uma maior
interação entre estudantes e profissionais dos serviços de saúde.

123
Eu acho que, na teoria, a IUSC dá bastante importância
[...] para a relação que você vai ter com o pessoal da unidade
básica. Mas, na prática, o contato é quase nulo com a equipe
de saúde. Eu tive mais na IUSC I porque numa das primei-
ras visitas quem me levou à casa do paciente foi a assisten-
te social da unidade. Então a gente conversou e ela contou
como era o seu trabalho, o que exatamente fazia e foi bem
legal. [...] então, o contato era mais com a professora mes-
mo, com o restante da equipe não acontecia. (Rodrigo, M)

A despeito das dificuldades elencadas e das diferenças de visões sobre a expe-


riência de Educação Interprofissional, é possível verificar que a prática em ser-
viços na APS oferece uma oportunidade para conhecer o trabalho e o papel dos
diferentes profissionais e a eventual colaboração entre estes. Ao mesmo tempo,
as oportunidades dadas aos estudantes para que aprendam juntos podem ao
longo do tempo reduzir os estereótipos em relação às outras profissões.

O docente media o processo de ensino-aprendizagem

Esta categoria temática expressa o modo como muitos interlocutores deste


estudo reconhecem no docente um importante papel na viabilização e no forta-
lecimento da Educação Interprofissional no cotidiano das disciplinas.
Antes de examinar o papel de mediação que o docente pode exercer em sua
prática pedagógica, discute-se o quanto a própria composição do corpo docente,
com grande diversidade profissional, pode contribuir com a Educação Interpro-
fissional na perspectiva dos próprios estudantes.
Essa grande diversidade de perfis profissionais dos docentes provoca distin-
tas percepções entre os estudantes. Para alguns, foi bastante positivo quando o
docente tinha uma formação profissional diferente da sua, pois percebiam um
maior aprendizado e uma possibilidade de conhecer sobre outra profissão:

Eu achei melhor ter um tutor que não fosse médico [...]


achei que foi importante eles trazerem [...] informações di-

124
ferentes por outros caminhos, que eu acho que não teria
sido feito por alguém que fosse médico. (Cláudia, M)

[...] porque eu não esperava ter uma tutora dentista. Ela


pôde mostrar a sua visão e o quanto uma unidade precisa
de vários profissionais para completar a assistência. [...] foi
bem legal trabalhar com ela por ser de uma profissão total-
mente diferente [...]. Eu acho que quando você traz um tu-
tor que é de uma área diferente da sua você aprende muito
mais. (Thereza, E)

Já para outros alunos, ter um docente de outra área profissional foi negativo,
pois perde-se uma oportunidade de aprendizado relacionando as competências
específicas de sua própria profissão.

Eu acho que talvez fique defasado... Como a gente tra-


balha muito com assistência de Enfermagem, cuidado de
Enfermagem e tudo mais... eu acho que talvez por esse
lado fique faltando e poderia ser complementado: “Ah,
porque no caso da Enfermagem, os cuidados seriam esses,
a assistência seria essa”. Mas não que prejudique. Eu acho
que pode ficar incompleto. (Graziella, E)

Embora esse ponto de vista possa expressar comportamentos ainda enraiza-


dos em uma perspectiva uniprofissional de proteção de uma área de conheci-
mento e trabalho (KHALILI et al., 2013), também é próprio de uma socializa-
ção específica das profissões, que molda os valores e a identidade dos estudantes
(GILBERT, 2005) e pode, na ausência de uma formação interprofissional efe-
tiva, limitar o contato entre estudantes de distintas áreas profissionais. Nessa
socialização, também é importante que o colega de outro curso reconheça e
valorize sua futura profissão:

[...] porque com a enfermeira eu me via lá, eu me via nela,


ela falava as coisas e eu me via falando. Eu me pegava pen-
sando: “Um dia eu posso ser assim”. (Rosa, E)

125
Eu quero saber o que o enfermeiro faz. [...] então, o
interesse seria para ativar mais a curiosidade, despertar o
interesse desses alunos [de Medicina] seria colocar com o
enfermeiro. (Graziella, E)

Há aqui um desafio para o docente, pois, ao mesmo tempo em que precisa


valorizar as singularidades das diferentes profissões da saúde e sua complemen-
taridade na ação da equipe, precisa também lidar com as identidades unipro-
fissionais muito fortes de alguns estudantes que percebem a Educação Inter-
profissional e a prática colaborativa como ameaças para seus próprios limites
profissionais (KHALILI et al., 2013).
A experiência desenvolvida nas disciplinas da FMB com professores de
diferentes áreas profissionais mostra-se potente para fortalecer a EIP, toda-
via, demanda um processo contínuo e crítico de formação docente, dado que
“aprende-se a ensinar na perspectiva da Educação Interprofissional, ensinando
e refletindo sobre as experiências, construindo saberes, estratégias e projetos
coletivos” (BATISTA; BATISTA, 2016, p. 203).
O papel mediador do docente é muito importante no enfrentamento dos obstá-
culos presentes entre os estudantes no reconhecimento das outras profissões, como
anteriormente apontado, posto que uma atuação crítica desse profissional pode
contribuir para a superação dos estereótipos que os estudantes trazem. Em um dos
relatos sobre a atuação do tutor, uma aluna da Enfermagem valoriza sua atuação:

Igual a uma paciente que eu atendi e acompanhei. Ela tinha


problema de memória e não sabia lidar com isso. Cheguei na
unidade de saúde e falei com o meu professor[-tutor], que
me disse: “Conversa com a médica, veja até onde isso afeta [a
paciente], o porquê que isso acontece. E depois a gente vem
e conversa sobre isso com a enfermeira também”. (Rosa, E)

O docente, ao valorizar o papel e saber de cada profissão da saúde, contribui com


o enfrentamento dos estereótipos que os estudantes possuem sobre essas profissões.
Ao mesmo tempo, pode estimular a troca de saberes entre os alunos de diferentes
áreas profissionais e destes com os profissionais da equipe de saúde, construindo
assim oportunidades de Educação Interprofissional e de práticas colaborativas.

126
Há, todavia, situações reportadas nas quais o docente teve dificuldade em
lidar com a diversidade de áreas profissionais dos estudantes, o que pode deses-
timular uma prática de aprendizado voltada para a EIP:

[...] quando eu cursei, ainda não era uma matéria obrigatória


para a Enfermagem. Então, na época, por exemplo, era muito
falado, assim, até mesmo por pessoas do grupo:“Nós da Medici-
na e as meninas da Enfermagem”. Tipo, a gente não tinha nome
no primeiro ano, era tipo “as meninas da Enfermagem”, como a
gente era tratada. Até mesmo pelos tutores. (Thereza, E)

Os conhecimentos, habilidades e atitudes do docente para exercer esse pa-


pel de mediador no desenvolvimento da Educação Interprofissional envolvem
diversos atributos, entre os quais destacam-se as “experiências prévias, a inten-
cionalidade para o trabalho em grupo interprofissional, a flexibilidade e a criati-
vidade para vivenciar as situações de maneira compartilhada com os estudantes
e, em especial, o envolvimento e compromisso docente com a Educação Inter-
profissional” (BATISTA; BATISTA, 2016).
Alguns estudantes destacaram a relevância do vínculo construído com o do-
cente, sua experiência anterior e sua capacidade de promover a troca entre os
pares como elementos importantes para o processo ensino-aprendizagem:

No primeiro ano a gente já tem aquele laço com o profes-


sor, então, deixar o mesmo tutor no segundo ano seria bom,
porque ela já sabe até que ponto ela pode deixar a gente ir e
até que ponto ela pode “puxar a rédea”. Então eu acharia isso
bem legal, continuar a mesma professora. (Rosa, E)

No segundo ano foi muito mais dialogado [...] e você ti-


nha que buscar, trazer e compartilhar com o grupo. Então
aconteciam discussões. E no final [a docente] sempre [...]
acrescentava uma informação. Então eu acho que era mais
dialogado e mais construtivo até, também porque você aca-
bava buscando o conhecimento e complementando com o
que o outro trazia. (Thereza, E)

127
[...] não vi diferença nenhuma por elas serem de outra
área profissional [...] agora uma coisa que influenciou é a
experiência [anterior]. (Graziella, E)

Os dados empíricos deste estudo indicam a relevância do papel mediador


do docente para o desenvolvimento da Educação Interprofissional tanto no en-
frentamento dos obstáculos e estereótipos dos estudantes quanto no desenvol-
vimento de uma prática pedagógica que valorize a diversidade de saberes das
diferentes áreas profissionais da saúde, promova a construção de uma relação
de respeito mútuo entre os estudantes e fomente momentos de troca de saberes
entre pares e com a equipe de saúde, coerente com o observado por outros au-
tores (BATISTA; BATISTA, 2016; REEVES, 2016).

Considerações finais

Esta investigação, ao olhar a Educação Interprofissional sob a perspectiva de


estudantes da Enfermagem e Medicina, verificou a presença de estereótipos em
relação à área ou profissão do colega já desde os primeiros anos de graduação,
o que indica a necessidade de que essa prática pedagógica tenha início já no
primeiro ano de graduação das profissões da saúde.
Ao mesmo tempo, os resultados obtidos sugerem que a Educação Interpro-
fissional é vivenciada quando o compartilhamento de saberes entre os pares,
os trabalhadores e usuários da saúde no contexto no qual se inserem é uma
dimensão valorizada e destacada no cotidiano das práticas de ensino-aprendi-
zagem. Os dados ainda apontaram aprofundamentos que estão no entorno dos
fundamentos essenciais para a operacionalização dessa estratégia pedagógica no
ensino da saúde, entre eles, a importância do professor.
Reitera-se a necessidade da manutenção de espaços para discussão sobre o
uso da Educação Interprofissional como abordagem capaz de trazer mudanças
na formação profissional, bem como um espaço de estudos que se proponham a
avaliar sua prática e seu impacto no exercício futuro dos profissionais.
Nesse sentido, faz-se necessário ampliar as pesquisas envolvendo a temática,
tanto no cenário investigado quanto em outros contextos. Assim, são bem-vin-
das iniciativas para estimular novas pesquisas que tenham como foco a identi-

128
ficação das fortalezas e fragilidades que permeiam o uso da Educação Interpro-
fissional como prática de ensino, com vistas a qualificar o cuidado na saúde e
alcançar um trabalho colaborativo efetivo nas equipes de saúde.

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Universidade Estadual Paulista. Botucatu: UNESP, 2008.

131
Autores

Antonio Pithon Cyrino


Médico Sanitarista. Professor associado do Depto de Saúde Pública da Faculdade
de Medicina de Botucatu, Unesp. Mestrado e Doutorado em Medicina (Medicina
Preventiva) pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado no Programa de Pós-
graduação em Antropologia Social, UnB.
Lucas Cardoso dos Santos
Enfermeiro formado pela Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB), Universidade Es-
tadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), especialista em Saúde da Família
pela Universidade Federal de São Paulo, Mestre em Saúde Coletiva pela FMB-UNESP
e doutorando pelo Programa de Enfermagem da FMB-UNESP. Atua como enfermeiro
em uma Unidade Saúde da Família no município de Botucatu e preceptor no Programa
de Residência em Enfermagem Obstétrica e tutor no Programa de Residência Multipro-
fissional em Saúde da Família.

132
133
Parte II

A Educação Interprofissional no âmbito


das Politicas Nacionais de Reorientação
da Formação em Saúde

134
135
Capítulo 6

A proposta do PET-Saúde e a Educação Interprofissional

Eliana Goldfarb Cyrino


Anna Cristina Rodopiano de Carvalho Ribeiro
Lélia Cápua Nunes
Lucas Cardoso dos Santos

Um dos grandes desafios enfrentados não só no Brasil, mas em todo o mundo


é o de tornar a Educação na Saúde estratégia efetiva de transformação das prá-
ticas de Saúde, na perspectiva da produção da integralidade e da humanização
do cuidado. Nesse sentido, a reflexão aqui proposta norteia-se pelas seguintes
questões: como trabalhar simultaneamente a Educação e a transformação das
práticas de saúde? Ao ampliarmos para termos mundiais, qual o grande desafio
da formação nas graduações em Saúde na atualidade?
Tais questões nos convocam a uma mudança paradigmática: a aproximação
do espaço de formação da Educação com o espaço do trabalho, ou seja, a articu-
lação profunda entre Educação e Sistemas de Saúde e a formação profissional
totalmente integrada ao espaço do trabalho (FRENK et al., 2010).
Ao transpormos esse quadro para a especificidade brasileira, tal mudança
paradigmática perpassa pela formação profissional das graduações em Saúde no
e para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Debatida e experienciada há décadas, no Brasil, no contexto do movimento
da Reforma Sanitária, das transformações no Sistema de Saúde e das ações
formuladas pela Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde
(SGTES) instituída no Ministério da Saúde (MS) em 2003, tal mudança, na
contemporaneidade, requer conquistas na consolidação de diretrizes e na reo-
rientação da formação das 15 profissões da Saúde22, na perspectiva do SUS.

22 Biomedicina, Biologia, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia,


Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Saúde Coletiva, Serviço Social
e Terapia Ocupacional.

136
A expansão de cobertura assistencial da Atenção Básica (AB) à saúde, cujo
modelo centrado no cuidado tomou corpo na esteira da progressiva implan-
tação do SUS, demandou a construção de políticas públicas orientadoras da
gestão, da formação e qualificação dos trabalhadores e da regulação profissional.
São políticas que provocaram estratégias e incentivos contumazes e qualificados
ao processo de mudança na formação das graduações na saúde: à permanente
inovação do trabalho e das formas de cuidar; e ao provimento e fixação de pro-
fissionais de Saúde na rede de atenção do SUS.
Políticas Nacionais como as de Humanização, de Educação Permanente, de
Educação Popular em Saúde, entre outras, foram construídas e implantadas
na perspectiva de avanços do SUS, com o desenvolvimento do eixo gestão do
trabalho e educação na saúde, a partir de estratégias governamentais voltadas à
indução de mudanças na formação em saúde.
Nesse sentido, cabe relembrar o Programa de Incentivos às Mudanças
Curriculares dos Cursos de Medicina (Promed), que, em portaria inter-
ministerial assinada pelo Ministério da Saúde (MS) e pelo Ministério da
Educação (MEC) em 2002 se propôs a fomentar a adequação das escolas
médicas às Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) de 2001 (BRASIL,
2002). Da mesma forma, o Programa Nacional de Reorientação da Forma-
ção Profissional em Saúde (Pró-Saúde) – inicialmente voltado às escolas
médicas, de Odontologia e de Enfermagem e, posteriormente, expandido
para as demais profissões da Saúde –, em 2005, foi o primeiro a propor
mudanças na formação a partir do diálogo com as necessidades de saúde da
população e com o trabalho no SUS (BRASIL, 2007), contudo, com alte-
rações sentidas muito mais na esfera metodológica do que propriamente na
questão do trabalho em saúde.

[...] o eixo paradigmático que alinha e organiza a polí-


tica de educação na saúde é a integração do ensino com a
rede de prestação de serviços do SUS instituído como ato
pedagógico que aproxima profissionais da rede de serviços
de saúde das práticas pedagógicas e os professores dos pro-
cessos de atenção em saúde possibilitando a inovação e a
transformação dos processos de ensino e de prestação de
serviços de saúde. (HADDAD, 2011, p. 45).

137
À guisa do repertório construído por essas e outras experiências e
ancorado na integração ensino-serviço-comunidade por meio da educação
pelo trabalho, formação em rede e participação social, o Programa de
Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) foi lançado em 2008,
no âmbito do MS e do MEC (BRASIL, 2008).
Carregando a ideia de que alunos, professores e trabalhadores do SUS apren-
dem nas Unidades Básicas de Saúde, nos locais de urgência e emergência e nas
Redes de Atenção à Saúde (RAS) produzindo nova cultura de formação profis-
sional, o PET-Saúde tem se revelado importante dispositivo à consolidação do
SUS, à reorientação da formação em saúde e à articulação entre as instituições
formadoras e o SUS.
A partir da formação e atuação de grupos de aprendizado tutorial compostos
por docentes de Instituições de Ensino Superior (IES), preceptores (trabalha-
dores do serviço) e estudantes das profissões da saúde, o PET-Saúde, inicial-
mente elaborado para a Estratégia de Saúde da Família, abarcou em edições se-
guintes a vigilância em Saúde, o campo psicossocial e, em um terceiro momento,
as RAS. O programa também incorporou, em seu último edital, o curso em
Saúde Coletiva como Profissão da Saúde. O quadro I apresenta todos os editais
PET-Saúde publicados até o presente momento (2009-2018):

Quadro 1. Editais PET-Saúde segundo ano do edital e objetivo do programa, Brasil,


2009 a 2018.

PET-Saúde Edital Objetivo

PET-Saúde/Saúde Nº 15, de 12
da Família (SF) – de novembro Ter como foco a Estratégia Saúde
2009 de 2008 da Família (ESF) como modelo da
reorganização da Atenção Primária
em Saúde e ordenadora das redes de
Nº 18, de 16 atenção à saúde no Sistema Único de
PET-Saúde/SF –
de setembro Saúde (SUS).
2010/2012
de 2009

PET-Saúde/ Nº 7, de 3 Fomentar a formação de grupos de


Vigilância em Saúde de março de aprendizagem tutorial na área de
(VS) – 2010/2012 2010 vigilância em Saúde.

Continua na próxima página

138
Fomentar grupos de aprendizagem
tutorial no âmbito da Atenção em Saúde
PET-Saúde/Saúde Nº 27, de 17 Mental – como no âmbito de crack, álcool
Mental (SM) – de setembro e outras drogas –, visando à qualificação
2011/2012 de 2010 da formação dos estudantes dos cursos
da área da Saúde e dos profissionais da
Saúde Mental.

Mobilizar instituições de ensino superior


do país, em parceria com as secretarias
municipais e estaduais de Saúde e com
Nº 24, de 15
Pró-Saúde/PET- a participação da comunidade, na maior
de dezembro
Saúde – 2012-2014 integração ensino-serviço, a centralidade
de 2011
na produção de saúde e no cuidado
humanizado na formação da graduação
das profissões da área da Saúde.

Nº 28, de 22 Fomentar a formação de grupos de


PET-Saúde/VS –
de novembro aprendizagem tutorial na área de
2013/2015
de 2012 vigilância em Saúde.

Desenvolver intervenções na modelagem


das redes de atenção à saúde visando
à qualificação das ações e serviços
Nº 14, de 8 de saúde oferecidos à população nos
PET-Saúde/Redes –
de março de diversos pontos de atenção das redes e a
2013/2015
2013 inserção das necessidades dos serviços
no contexto das redes como fonte de
produção de conhecimento e pesquisa
nas instituições de ensino.

Propor mudança curricular alinhada às


DCN dos cursos de graduação na área
No 13, de 28
PET-Saúde/ da Saúde e a qualificação dos processos
de setembro
GraduaSUS de integração ensino-serviço-comunidade
de 2015
articuladas entre o SUS e as instituições
de ensino.

Fomentar trabalhos com foco


na interprofissionalidade,
interdisciplinaridade, intersetorialidade,
em rede, integração ensino-serviço e
PET-Saúde/ No 10, de 23 diversificação dos cenários de práticas
Interprofissionalidade de julho de como prerrogativas para mudanças,
– 2018/2019 2018 na dinâmica do trabalho em saúde,
fortalecendo o conceito de humanização
do cuidado e o princípio da integralidade
da assistência no contexto das redes
colaborativas na formação para o SUS.

Fonte: Bravo (2019).

139
Apresentando-se como inovação pedagógica ao integrar graduações na Saú-
de e ao fortalecer a prática acadêmica interligando atividades de ensino, pesqui-
sa e extensão com demandas sociais de formação compartilhada, a trajetória
do PET-Saúde nos revela, por meio de seus editais e edições, a potência e o
aprimoramento de seu próprio constructo.
Em 2012, o desenvolvimento de instrumentos e ferramentas de autoavalia-
ção por assessores do MS abriu espaços de reflexão sobre as potencialidades e
fragilidades das propostas apresentadas pelas IES ao PET-Saúde. Em 2013, o
edital PET-Saúde destacou a formação interprofissional na dimensão da inte-
ração ensino-serviço-comunidade e da formação pelo trabalho no SUS como
vivência imprescindível nas RAS por meio da Educação Permanente em Saúde
(EPS) e, nas IES, no âmbito das graduações em Saúde.
Em seus primeiros editais, o PET-Saúde já apresentava caráter intersetorial
e a incorporação da interprofissionalidade na edição de 2013 aprofundou esfor-
ços nas IES quanto à transformação de currículos nas graduações da Saúde. A
elaboração de módulos, projetos, disciplinas obrigatórias ou até mesmo disci-
plinas optativas capazes de promover encontros e aprendizagem entre estudan-
tes de diferentes cursos apresentou-se enquanto uma ação indutora à descons-
trução de modelos institucionais cristalizados e extremamente especializados,
fragmentados e hospitalocêntricos.
Entendida como aprendizagem compartilhada com interação entre estudan-
tes e/ou profissionais de diferentes áreas e integração de práticas (PEDUZZI
et al., 2013), a interprofissionalidade incorporada ao PET-Saúde adensou a va-
lorização do professor, do preceptor e das vozes dos alunos, juntamente com
as singularidades do adoecer em diferentes sujeitos históricos e aos elementos
culturais e antropológicos presentes no processo de trabalho em saúde.
Nesse contexto, as novas DCN dos cursos de Medicina, publicadas em 2014,
legitimaram a presença da interprofissionalidade na formação e na inserção dos
alunos nas redes de serviço – entendidas como campos de prática e aprendiza-
do – ao presentificarem a interprofissionalidade como tema transversal nos eixos
Atenção, Gestão e Educação na Saúde e como partícipe da formação médica mais
geral, humanista, crítica e compromissada com a defesa da cidadania, da dignida-
de humana e da saúde integral da população (BRASIL, 2014).
Quanto à perspectiva da avaliação formativa e das singularidades das dife-
rentes IES, as edições do PET-Saúde contaram com visitas pedagógicas de as-

140
sessores do MS, nos quais encontros reflexivos apontaram direcionamentos à
otimização da integração ensino-serviço-comunidade, à presença das escolas na
RAS e à construção de parceria efetiva entre os atores sociais envolvidos. Assim,
as escolas puderam falar: “Não estamos conseguindo fazer isso! Não estamos
conseguindo caminhar desse jeito! Nos ajudem!” e os assessores, por sua vez,
puderam acolher e construir caminhos conjuntos e exequíveis em consonância
com os princípios do SUS e com as transformações esperadas, com resultados
sensivelmente positivos.
Os processos avaliativos junto com o PET-Saúde Indígena e com o PET-Re-
des de Atenção à Urgência/Emergência, realizados pela equipe do MS, tam-
bém indicaram a necessidade de revisitar e repensar conjuntamente os projetos,
realizar oficinas de trabalho e ajustar rotas para alcançar os objetivos propostos,
momento em que o material do Instituto Regional Faimer Brasil (FAIMER-
-BR) foi utilizado como aporte e adaptado (INSTITUTO REGIONAL FAI-
MER, 2008).

Figura 1. Materiais adaptados do Faimer-BR para o planejamento dos projetos PET-Saúde


Indígena e PET-Redes de Atenção à Urgência/Emergência.

Se por um lado tais processos descortinaram obstáculos a serem enfrentados


na implementação da formação interprofissional – como divergências no corpo
docente e na articulação entre as IES e a RAS, a premente sustentabilidade das
mudanças empreendidas no interior das escolas, os desencontros do horário dos
cursos de saúde e a sobrecarga dos professores –, por outro prisma, a avaliação de
44 relatórios de projetos PET-Redes revelou avanços na integração ensino-servi-
ço e na interprofissionalidade em projetos PET-Saúde (BRASIL, 2015):

141
Então, não foi uma visita, não foi um texto, não foi uma
reunião, não foram experiências específicas que me marca-
ram no PET-Diabetes. O que ficou mais evidente, na me-
mória, foi o projeto como um todo e minha mudança de
visão em relação ao paciente. Uma diabetes bem controlada
requer uma tríade impecável: medicação, dieta, exercícios;
entretanto, os problemas para se controlar a doença não são
só três, são muito mais, indo desde dificuldades financeiras
à frágil relação Médico/paciente. Talvez não a visita, o texto,
ou a reunião, mas o conjunto da obra me atentou mais ao
paciente. Saber ouvir e saber contar, fazendo narrativas, por
exemplo, abre nossos olhos. A realidade diferente, todos
nós sabemos que existe, o que nos foi mostrado, agora, é a
dificuldade de se adaptar o tratamento a essa realidade, e foi
isso que o PET fez bem. (PASSARELLA, 2013, p. 151).

A outorga de inúmeras bolsas para docentes, preceptores e estudantes em todo


território nacional, a presença mista de bolsistas e voluntários nas IES e a agilida-
de e capilaridade do impacto com que ações indutoras de mudança ressoaram na
atenção à saúde fizeram das edições PET-Saúde lugares privilegiados para produ-
ção de conhecimento e pesquisas em temas e áreas estratégicas do SUS.
O uso de metodologias inovadoras; a aprendizagem significativa e diver-
sificada; a reflexão sobre a práxis; e a produção de saberes sobre EPS, inte-
gração ensino-serviço-comunidade e ensino na saúde resultaram na seleção
de 28 artigos, selecionados a partir de 400 submissões e publicados em su-
plemento na Revista Interface23 e de 57 capítulos compilados em livros da
Rede Unida24 acerca dos projetos PET-Saúde e PRÓ-Saúde de questões

23 Revista Interface (Botucatu). v. 19, supl. 1, 2015.


24 “Formação Profissional em Saúde e Protagonismo dos estudantes: Percursos na Educação
pelo Trabalho” – Ricardo Burg Ceccim e Eliana Goldfarb Cyrino. “Integrando conhecimentos
e práticas em saúde: equipes e usuários interagindo na educacão pelo trabalho em territórios
sanitários” – Alcindo Antônio Ferla, Erica Rosalba Mallmann Duarte e Alexandre Medeiros de Fi-
gueiredo. “Vivências da formação de profissionais de saúde: aventuras e percursos de educação
pelo trabalho” – Miriam Thais Guterres Dias e Daniel Canavese. “Integração entre universidade
e sistemas locais de saúde: experimentação e memórias da educação pelo trabalho” – Alcindo
Antônio Ferla e Heider Aurélio Pinto.

142
relativas às experiências em diferentes localidades do Brasil. Os autores dos
trabalhos são os atores sociais que experienciaram as edições do PET-Saú-
de em espaços de serviço e ensino, no Brasil.
Cabe ressaltar que, simultaneamente ao fomento de modelos formativos para
o campo, o MS empreendeu esforços em política de governo para expansão do
ensino superior no país. Em 2003, havia cerca de 210 mil estudantes universitá-
rios de profissões da saúde – à época inexistia o curso de Saúde Coletiva – e, em
2012, foi atingido o número de aproximadamente 400 mil estudantes (UNI-
VERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS, 2015). Em 2003, contava-
-se com 2.524 cursos de profissões da saúde, que aumentaram para 5.499 cur-
sos em 2012 (UFMG, 2015). O mesmo pode-se dizer da expansão na abertura
de escolas médicas no Brasil que, desde 2014, apresenta resultados relevantes,
porém, ainda insuficientes para a superação do déficit de cerca de quatro mil
médicos com especialização em Medicina de Família e Comunidade para quase
40 mil equipes da Saúde da Família, na AB (OLIVEIRA et al., 2019).
As políticas nacionais e as ações apresentadas neste texto constituem acervo
de experimentações e saberes capaz de pavimentar a problematização de obs-
táculos persistentes e deflagrar iniciativas que consolidem o avanço à mudança
paradigmática na educação pelo trabalho interprofissional na saúde, em cená-
rios inovadores e adequados às necessidades sociais e de saúde da população e
dos indivíduos, à segurança do paciente e às idiossincrasias do SUS.
A transformação da educação e das práticas de saúde e o desafio da reorien-
tação da formação em saúde perpassam pela valorização do aprendizado e do
trabalho compartilhado em rede, integralidade do cuidado, participação social,
encontro interprofissional e suporte e incentivo governamental, situação na qual
esses e demais elementos acordados e consubstanciados pela força da lei ofere-
çam sustentabilidade às transformações ensejadas na integração ensino-servi-
ço-comunidade e na educação pelo trabalho.

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação
Superior. Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Ofi-
cial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 8-11, 23 jun. 2014.

143
BRASIL. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Portaria Interministerial nº 3.019,
de 27 de novembro de 2007. Dispõe sobre o Programa Nacional de Reorientação da
Formação Profissional em Saúde – Pró-Saúde – para os cursos de graduação da área da
saúde. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 28-29, 12 nov. 2007.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Interministerial n° 1.802, de 26 de agosto de 2008.
Institui o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde – PET-Saúde. Diário
Oficial União: seção 1, Brasília, DF, p. 27, 26 ago. 2008.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Interministerial nº 610, de 26 de março de
2002. Institui o Programa Nacional de Incentivo às Mudanças Curriculares para
as Escolas Médicas (PROMED). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p.
75, 1 abr. 2002.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde.
Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Coordenação de Ações Estratégicas
em Educação na Saúde. Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde/PET-
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BRAVO, V. A. A. Reorientação da formação do profissional de saúde na atenção pri-
mária: o que os projetos Pró-Saúde articulados ao Pet-Saúde ensinaram. 2019. 147 f.
Tese (Mestrado em Saúde Coletiva) - Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade
Estadual Paulista, Botucatu, 2019.
FRENK, J. et al. Health professionals for a new century: transforming education to stren-
gthen health systems in an interdependent world. Lancet, London, v. 376, n. 9756, p.
1923-1958, 2010.
HADDAD, A. E. A enfermagem e a política nacional de formação dos profissionais de
saúde para o SUS. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 45, n. 2, p.
1803-1809, 2011. Número especial.
INSTITUTO REGIONAL FAIMER (Brasil). A rota do sol. Material adaptado de
“Grove Gameplan” por Luís Fernando Farah de Tófoli. Licenciado por Creative Com-
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www.researchgate.net/figure/Figura-5-Planejamento-de-um-grupo-Pet-Saude-Indige-
na-realizado-em-oficina-de_fig5_272293865. Acesso em: 7 abr. 2020.
OLIVEIRA, F. P. et al. Programa Mais Médicos: avaliando a implantação do eixo Forma-
ção de 2013 a 2015. Interface (Botucatu), v. 23, p. 1-17, 2019. Supl. 1.
PASSARELLA, T. M. Programa de Educação pelo Trabalho para a saúde PET-saúde/
Saúde da Família: um estudo sobre a percepção dos participantes acerca da integração
ensino-serviço-comunidade. Dissertação (Mestrado profissional em Desenvolvimento e

144
Políticas Públicas) – Escola Nacional de Saúde Pública, Instituto de Pesquisa Econômi-
ca Aplicada, Brasília, 2013.
PEDUZZI, M. et al. Educação Interprofissional: formação de profissionais de saúde para o
trabalho em equipe com foco nos usuários. Revista da Escola de Enfermagem da USP,
São Paulo, v. 47, n. 4, p. 977-983, 2013.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Núcleo de Educação em Saúde
Coletiva. Projeto de pesquisa de avaliação: análise exploratória da gestão na educação
na saúde. Belo Horizonte: UFMG, 2015.

145
Autores

Eliana Goldfarb Cyrino


Sou mãe, avó, mulher, professora de universidade pública, médica, militante da saúde
coletiva e dos direitos humanos. Sou formada na Faculdade de Medicina de Jundiaí,
fiz mestrado em Medicina Preventiva e Social na FMUSP e em Educação Para Pro-
fissionais de Saúde, na University of Illinois, EUA. Doutora em Pediatria pela FMB/
UNESP. Sou professora Associada do Depto de Saúde Pública da FMB/ UNESP. De
2013 à 2015, fui Coordenadora Geral de Ações Estratégicas da Educação na Saúde, no
Departamento de Gestão da Educação na Saúde e Diretora de Programas da Secretaria
de Gestão e da Educação na Saúde, Ministério da Saúde do Brasil. Atualmente sou su-
pervisora do Centro de Saúde Escola de Botucatu, Unidade da FMB, onde valorizamos
a educação pelo trabalho, a interprofissionalidade e a atenção primária à saúde no SUS.
Anna Cristina Rodopiano de Carvalho Ribeiro
Historiadora e sanitarista, Doutoranda e Mestre em Saúde Pública (FSP-USP), pesqui-
sadora no Centro de Memória da mesma instituição e especialista em Educação Perma-
nente em Saúde (UFRGS). Atuou como Consultora da UNESCO e do Ministério da
Saúde em Vigilância em Saúde e, nos últimos anos, esteve envolvida com o Ensino na
Comunidade e com as Tecnologias Leves do Cuidado, ora na docência em Saúde, ora na
Preceptoria de Residência Multiprofissional em Saúde (INTERASUS/OPAS), É mi-
litante do SUS, acredita em rodas e redes e luta pela ampliação da consciência crítica
sobre as forças históricas que operam no campo da Saúde Coletiva.
Lélia Cápua Nunes
Nutricionista. Mestre em Saúde Coletiva pela UFJF. Doutoranda em Saúde Coletiva
pela UNESP. Professora Assistente do Departamento de Medicina da Universidade Fe-
deral de Juiz de Fora – Campus Governador Valadares.
Lucas Cardoso dos Santos
Enfermeiro formado pela Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB), Universidade Es-
tadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), especialista em Saúde da Família
pela Universidade Federal de São Paulo, Mestre em Saúde Coletiva pela FMB-UNESP
e doutorando pelo Programa de Enfermagem da FMB-UNESP. Atua como enfermeiro
em uma Unidade Saúde da Família no município de Botucatu e preceptor no Programa
de Residência em Enfermagem Obstétrica e tutor no Programa de Residência Multipro-
fissional em Saúde da Família.

146
147
Parte III

O trabalho Interprofissional em contextos


complexos: promovendo a equidade em
Saúde

148
149
Capítulo 7

O Trabalho Interprofissional em Contextos Complexos:


Promovendo a Equidade em Saúde25

José Ivo Pedrosa

Introdução

Tomando como ponto de partida o título deste capítulo, consideramos que a


complexidade do contexto social e político, no qual os movimentos da socieda-
de participam como sujeitos que vocalizam suas necessidades, é que fundamen-
ta e justifica o desenvolvimento do trabalho interprofissional na saúde.
Outra dimensão dessa complexidade encontra-se intrínseca à promoção da
equidade em saúde, pois esta traz como pressuposto a existência de iniquidades
que, historicamente, reproduzem-se na cultura e nas instituições, colocando o tra-
balho interprofissional como estratégia para responder às necessidades de saúde.
Max-Neef (1998), economista mexicano que discute a problemática do de-
senvolvimento voltado para satisfação das necessidades das pessoas, coloca que:

[...] las persecuciones, producto de intolerancias políticas,


religiosas y de otros tipos, san tan antiguas como la humani-
dad. Sin embargo, nuestro logro más novedoso es la tendên-
cia de los principales liderazgos políticos actuales de orientar
sus acciones a generalizaciones tán increíblemente esquizo-
frênicas acerca del enenigo, que nos están conduciendo direc-
tamente hacia el ommicídio; es decir, hacia la posible matan-
za de todos nosotros. (MAX-NEEF, 1998, p. 46)

25 Texto produzido com base nas discussões da roda de conversa “O trabalho interprofissional em
contextos complexos: promovendo a equidade em saúde” no I Colóquio Internacional de Educação
e Trabalho Interprofissional em Saúde: a educação e o trabalho interprofissional na promoção da
equidade nas redes de atenção à saúde no SUS.

150
Ainda segundo o mesmo autor, essa esquizofrenia política tem gerado diver-
sas patologias coletivas do medo, as quais podem ser originadas a) por manipu-
lação ideológica; b) por violência, por isolamento, exílio e marginalização; e c)
por frustrações em projetos de vida.
Na perspectiva de ultrapassar o que, aparentemente, parece ser um círculo
vicioso – necessidades complexas que exigem respostas complexas, que geram
saberes e fazeres cada vez mais complexos –, neste capítulo, resgatamos a vi-
vência de sujeitos que se encontram diretamente vinculados a movimentos da
sociedade brasileira em direção à política de promoção da equidade, particu-
larmente, os novos movimentos sociais que, segundo Gohn (2003), podem ser
considerados ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabi-
lizam formas distintas de a população se organizar e expressar suas demandas.
Aqui, consideramos, entre os movimentos sociais, os movimentos sociais
populares, que se caracterizam por terem como campos de ação territórios de-
limitados, lutas específicas e formas diversas de organização e liderança. Cons-
tituem-se em torno das lutas do campo e da floresta, dos direitos da população
indígena, da população em situação de rua, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
transgêneros (LGBT), população cigana e outros movimentos que se sentem
em situação de exclusão social.
Esses sujeitos se encontraram e dialogaram sobre a temática no I Colóquio
Internacional de Educação e Trabalho Interprofissional em Saúde: a Edu-
cação e o Trabalho Interprofissional na Promoção da Equidade nas Redes
de Atenção à Saúde no SUS, promovido pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN), com apoio da Organização Pan-Americana de
Saúde (OPAS) e Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde
(SGTES) do Ministério da Saúde, que ocorreu em Natal, RN, Brasil, nos
dias 8 e 9 de junho de 2015.
O capítulo sistematiza e traz algumas reflexões sobre as questões que emer-
giram na roda de conversa em que participaram pesquisadores, docentes e su-
jeitos ligados aos movimentos sociais populares cuja pergunta disparadora foi:
quais as relações entre o trabalho interprofissional em saúde e a promoção da
equidade? Com base na transcrição das discussões a sistematização, este capí-
tulo foi formatado em três eixos: O trabalho interprofissional como promotor
da equidade em saúde; A potência e as possibilidades do aprender/fazer profis-
sional; e Os desafios da formação interprofissional.

151
1. O trabalho interprofissional como promotor da
equidade em saúde

A primeira questão surge do significado de equidade para aqueles que vi-


venciaram e vivenciam a exclusão enquanto resultado da desigual distribuição
dos elementos que produzem vida e saúde. Para os movimentos sociais, existe
uma dimensão geral da exclusão que se faz presente, particularmente, nos mo-
vimentos sociais populares, e uma dimensão singular dos sujeitos envolvidos se
organizando em seus territórios específicos.
A Constituição brasileira define em seu Art. 196 que:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido


mediante políticas sociais e econômicas que visem à redu-
ção do risco de doença e de outros agravos e ao acesso uni-
versal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação. (BRASIL, 1988).

A Lei 8080/90, em seu artigo 3º, considera que:

[...] a saúde tem como fatores determinantes e condicio-


nantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamen-
to básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação,
o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essen-
ciais; os níveis de saúde da população expressam a organiza-
ção social e econômica do País. (BRASIL, 1990).

Em Parágrafo Único, amplia sua abrangência considerando que “[...] o dis-


posto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade con-
dições de bem-estar físico, mental e social” (BRASIL, 1990).
Nessa perspectiva, exclusão e iniquidade mostram-se como efeitos negati-
vos de determinantes da saúde e doença e causam sofrimento; portanto, seu
enfrentamento não pode ocorrer de forma fragmentada. Para os movimentos
sociais populares, o sentido geral de exclusão e iniquidade os aproxima na luta
em prol da equidade, na perspectiva dos direitos e da justiça social (VIEIRA-
-DA-SILVA; ALMEIDA FILHO; 2009), mas a singularidade de cada mo-

152
vimento em relação às suas necessidades exige que os sujeitos se identifiquem
com a necessidade no sentido de reconhecê-la como sendo parte de sua reali-
dade, ou seja, uma situação-limite (FREIRE, 1978) que impede a plenitude
da vida humana com dignidade.
A saúde, em sua concepção ampliada, compreende que toda ação nesse âmbito
exige uma ação interprofissional e multidisciplinar. Isso implica considerar que; na
dialética relação entre amplitude e complexidade das necessidades sociais e respos-
tas apresentadas sob a forma de projetos, programas e políticas públicas; emerge
a noção de complementaridade do trabalho em saúde. A compreensão da com-
plexidade das necessidades de saúde das populações excluídas é de tal amplitude
que Guimarães et al. (2011), em pesquisa realizada em região de grande pobreza
na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, relatam que em toda a região pesquisada foi
encontrado um quadro de sofrimento difuso, que caracteriza-se pela presença de
múltiplos e variados sintomas “[...] que se expressam por meio de queixas somáticas
inespecíficas, tais como: dores generalizadas, medo, ansiedade, insônia, nervosismo,
baixa estima, perda da esperança de vida, entre outras manifestações” (p. 292).
Guimarães et al. (2011) acrescentam ainda que esse tipo de sofrimento que
não se classifica em um quadro patológico visível, não é acolhido nos serviços
públicos de saúde, uma vez que as queixas não são comprovadas por meio de
exames ou recursos tecnológicos de diagnóstico.
Os serviços de saúde, por exemplo, são lugares onde ocorre uma relação en-
tre fantasmas, entes invisíveis que só ganham forma e cor nos momentos em
que são conectados, isto é, no momento de fazer o prontuário, no momento
de dizer o nome para a prescrição da receita, nos dados da história da moléstia
atual, quando questionados ou quando lhes é permitido narrar sua história, no
momento em que a queixa adquire uma denominação, um código, e assim se
justifica a prescrição terapêutica.
Nos serviços de saúde, existem duas invisibilidades. A primeira é a invisibili-
dade dos profissionais que assim se caracterizam pelo “saber/fazer serializado”,
que aparece no cotidiano dos serviços voltados para o cumprimento de metas e
procedimentos em que não há tempo para a construção de projetos terapêuticos
singulares, tendo por base a interdisciplinaridade; e em que o processo de redu-
ção/transformação do sujeito em usuário de um sistema centrado em saberes
e práticas específicas – o trabalho em saúde – é organizado de tal modo que
não possibilita considerar a vivência do Outro. Esses profissionais são tornados

153
invisíveis pela ritualística dominante no encontro entre profissional-usuário, no
qual um detém total controle sobre o outro; pela burocracia da busca das dosa-
gens e dos parâmetros dos exames complementares, que impedem a escuta da
história do Outro; e pelo monólogo prescritivo e normatizador, gerando sofri-
mento do profissional, que se sente impotente, não criativo e limitado.
A segunda forma de invisibilidade diz respeito aos usuários dos serviços que
se tornam invisíveis pela dor, pela necessidade de calar a dor, pelo sofrimento,
pela alienação e pela impotência.
Nos espaços nos quais circulam fantasmas não existe diálogo, pois não exis-
tem sujeitos, ou melhor, existem sujeitos sujeitados às normas do conhecimento
técnico-científico – no caso dos profissionais –, às normas burocrático-admi-
nistrativas – no caso dos gestores e administradores –, e às normas de compor-
tamento/conduta – no caso dos usuários.
Porém, quando a conversa começou a girar a roda se percebeu que:

[...] cada vez que a gente discutia, a gente via que toda a
ação em saúde, ela necessita desse trabalho interprofissional...
uma só abordagem, um só tipo de visão, uma só prática, ela
não atende, ela não dá conta, ela não responde essas necessi-
dades, esses gritos e esses anseios desses movimentos. (Tre-
cho extraído da transcrição do Relatório do Grupo)

Nessa perspectiva, é perceptível que a determinação das necessidades de saú-


de de modo amplo não se mostra fragmentada. De maneira geral, existe uma
compreensão que a situação de classe e o sentido de pertencimento aos “gru-
pos dos excluídos” faz com que as situações-problemas sejam reconhecidas, no
plano da consciência, como situações que somente poderão ser superadas por
meio de ações intersetoriais, multidisciplinares e interinstitucionais. Porém, ao
mesmo tempo, as singularidades que cada grupo apresenta geram necessidades,
que, por sua própria condição, demandam ações específicas.
Dessa forma, no relato do grupo, observamos que as questões relativas à saú-
de da população LGBT, por exemplo, passam da afirmação da identidade de gê-
nero para a atuação específica do urologista, do endocrinologista, do psicólogo,
fisioterapeuta, entre outros, inclusive demandando cuidados de profissionais
externos ao campo da Saúde.

154
Entre o momento da afirmação da identidade de gênero e o momento do
reconhecimento das necessidades daí decorrentes, existe um espaço, um vazio
que, na verdade, encontra-se repleto de ideologias que se reproduzem na forma-
ção, no mercado de trabalho dos profissionais de saúde e no imaginário popular
(GAUTHIER, 2012). Esse vazio, que por um lado fertiliza o campo da indivi-
dualidade, da competitividade entre os movimentos na busca de sustentabilida-
de – e, sob o ponto de vista do trabalho em saúde, torna necessária a existência
de subespecializações – e do trabalho competitivo e hierarquizado, por outro
lado, evidencia a insuficiência do conhecimento fragmentado e aponta para a
possibilidade da integralidade entre os saberes técnico-científico e popular.
Como resultado, entre os movimentos sociais populares, existe uma plurali-
dade de identidades que não é de fácil apropriação e reconhecimento. A questão
deixa de ser ou não ser, mas como ser vários, isto é, como assumir as múltiplas
identidades para compreender os determinantes das necessidades e enfrentá-los?
Houve o seguinte discurso nas discussões que ocorreram na roda de conver-
sa, que evidencia a importância do trabalho interprofissional em saúde:

[...] não se identificar com isso não tem só a ver com um


determinante, mas por questões sociais, emocionais, cultu-
rais entre outros aspectos. Trabalhar esse estigma, esse pre-
conceito, essas deficiências, essa exclusão no caso de pessoas
com deficiência também, que estão neste grupo, ela exige
diversas práticas de abordagens profissionais [...]. (Trecho
transcrito do Relatório do Grupo)

É possível perceber que o trabalho interprofissional desenvolvido por


equipes de saúde, na perspectiva do cuidado integral, torna-se dispositivo para
a promoção da equidade por sua capacidade de trazer à consciência os efeitos da
multiplicidade dos aspectos gerados pela exclusão social.
Por meio do trabalho interprofissional em saúde, é possível desfazer as amar-
ras que subjugam e fazem as pessoas portadoras de transtorno mental a serem
olhadas somente como sujeitos limitados, tipificados e portadores exclusiva-
mente de necessidades/problemas relacionados ao campo psíquico, do mesmo
modo que a população LGBT é vista quase unicamente vinculada ao HIV, a
população negra, submissa à anemia falciforme, e assim por diante.

155
A potencialidade do trabalho integrado entre as profissões de saúde existe
no compartilhamento de saberes, tecnologias e, principalmente, no diálogo e
negociação entre a equipe que oferta habilidades dos profissionais e o usuário
que apresenta modos de viver singulares, no sentido de construir formas de en-
frentamento do problema, que, tendo a exclusão como determinação essencial,
expressa-se por meio de vários determinantes, tais como os:
a) Estruturais – são os que geram estratificação social e divisões de classe e
definem a posição socioeconômica individual dentro das hierarquias de poder,
prestígio e acesso a recursos. Têm suas raízes nas instituições e nos mecanismos
do contexto socioeconômico e político. Os principais determinantes estratifica-
dores são: renda, educação, ocupação, classe social, gênero e raça/etnia.
b) Intermediários e proximais – são os determinantes relativos às condições
materiais de vida (ambiente físico, potencial de consumo, condições de trabalho
e redes de vizinhança); aos aspectos individuais, biológicos e de “estilos de vida”;
aos aspectos psicossociais (eventos ou ambientes estressantes e redes de apoio);
e à missão e qualidade dos serviços de saúde ofertados à população.
c) Transversais – são determinantes vinculados aos processos de coesão
social/capital social: características da organização social como normas, redes,
intercâmbios que facilitam a coordenação e cooperação em beneficio mútuo;
utilização e articulação nas redes sociais; e condições nas quais ocorre a partici-
pação cidadã nas decisões (SOLAR; IRWIN, 2010).
O trabalho interprofissional exige, nessa perspectiva, a competência técnica e
específica de cada núcleo do saber que configura determinada profissão (CAM-
POS, 2000) e a competência social de compreender como o usuário/cidadão
interpreta seu lugar no mundo e se reconhece como sujeito capaz de construir
seu projeto de emancipação (FREIRE, 1971), portador de identidades plurais
que se expressam em necessidades diversificadas.
Em síntese, existe por parte dos movimentos sociais populares a compreen-
são de que o cuidado integral contribui para a construção da identidade plural
que compreende o ser humano com todas suas singularidades. A percepção am-
pliada que os movimentos sociais populares atribuem à saúde, centrada nas ba-
ses de suas culturas ancestrais, contribui significativamente para a necessidade
de ser visto “como um todo” e de ser escutado e respeitado.
Ao lado disso, existe a consideração de que o trabalho interprofissional pode
ser o local da escuta e da visibilidade daquilo que somente é possível ser visto e

156
ouvido em determinados momentos e contextos, porque as necessidades apre-
sentadas por esses grupos em seus aspectos específicos questionam o próprio sis-
tema de atenção, assim como abrem discussões sobre processos de formação de
profissionais que desconsideram as especificidades dos seres humanos que, ao se
conscientizarem como cidadãos portadores de direitos, vocalizam e se mobilizam
em torno de necessidades de saúde que passam a ser temas de agendas políticas.

2. As possibilidades do fazer/aprender interprofissional

Tomando como referencial a Política Nacional de Promoção da Equidade


e suas políticas específicas (BRASIL, 2013) – como as políticas de atenção à
saúde integral das populações negra, LGBT, do campo e da floresta, em situa-
ção de rua e cigana –, observa-se que sua fundamentação teórica toma como
base a iniquidade, exclusão e discriminação como determinantes que devem ser
enfrentados sob a égide do direito e inclusão social.
A política LGBT, para o Ministério da Saúde no Brasil:

[...] tem como marca o reconhecimento dos efeitos da


discriminação e da exclusão no processo de saúde-doença
da população LGBT. Suas diretrizes e seus objetivos estão,
portanto, voltados para mudanças na determinação social
da saúde, com vistas à redução das desigualdades relacio-
nadas à saúde destes grupos sociais. (BRASIL, 2013, p. 7)

Nessa política, destacamos como elementos fundamentais para a síntese de


nossa discussão os itens a seguir, considerados necessários e sob a responsabili-
dade do Ministério da Saúde:

VIII – elaborar protocolos clínicos acerca do uso de hormô-


nios, implante de próteses de silicone para travestis e transexuais;
IX – elaborar protocolo clínico para atendimento das
demandas por mastectomia e histerectomia em transe-
xuais masculinos, como procedimentos a serem oferecidos
nos serviços do SUS;

157
X – incluir os quesitos de orientação sexual e de iden-
tidade de gênero, assim como os quesitos de raça-cor, nos
prontuários clínicos, nos documentos de notificação de vio-
lência da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério
da Saúde (SVS/MS) e nos demais documentos de identifi-
cação e notificação do SUS;
XI – promover, junto às Secretarias de Saúde estaduais e
municipais, ações de vigilância, prevenção e atenção à saúde
nos casos de violência contra a população LGBT, de acordo
com o preconizado pelo Sistema Nacional de Notificação
Compulsória de Agravos;
XII – incluir conteúdos relacionados à saúde da popula-
ção LGBT, com recortes étnico-racial e territorial, no mate-
rial didático usado nos processos de educação permanente
para trabalhadores de saúde;
XIII – promover ações e práticas educativas em saúde
nos serviços do SUS, com ênfase na promoção da saúde
mental, orientação sexual e identidade de gênero, incluindo
recortes étnico-racial e territorial;
XIV – fomentar a realização de estudos e pesquisas volta-
dos para a população LGBT, incluindo recortes étnico-racial
e territorial;
XV – apoiar os movimentos sociais organizados da po-
pulação LGBT para a atuação e a conscientização sobre seu
direito à saúde e a importância da defesa do SUS; e
XVI – disseminar o conteúdo desta Política Nacional de
Saúde Integral LGBT entre os integrantes dos Conselhos
de Saúde. (BRASIL, 2013, p. 2)

Chama atenção, em todos os itens, a explicitação da necessidade de formação


profissional que possibilite a aquisição de conhecimentos e habilidades para de-
senvolver ações voltadas para a saúde dessas populações.
Porém, apesar da ênfase dada aos processos formativos, não existe no texto
da política menção alguma ao papel das instituições formadoras, principalmen-
te, às universidades e seus cursos de graduação.

158
Os médicos em formação, por exemplo, estão mais preocupados em dar diag-
nósticos precisos do que entender o curso da doença e seus sujeitos. Além disso,
as temáticas relativas à promoção da saúde LGBT estão invisíveis na trajetó-
ria de formação médica, formando médicos “indiferentes ao diferente” (BON-
NEWITZ, 2003, p. 119).
Freitas (2016), em estudo realizado por meio de entrevistas com profissio-
nais médicos que atendem em Unidades Básicas de Saúde, em Teresina, PI, em
pesquisa documental sobre os projetos pedagógicos de cursos (PPC) de Medi-
cina analisados, identifica que a trajetória de formação acadêmica e a atuação
desses profissionais apresentam distanciamentos, que expressam a falta da ex-
posição de conteúdos relevantes para a formação integral dos futuros médicos,
como no caso das questões relacionadas à população LGBT e suas necessidades
específicas; das formas de adoecimento; e das perspectivas de acolhimento e de
atendimento humanizado.
Para o grupo de discussão, os currículos não abordam ou orientam para as
necessidades sociais decorrentes das diversas situações relacionadas às condi-
ções de gênero, violência sexual, deficiência e diversidade.
Porém, considerando que as necessidades da sociedade brasileira, na atuali-
dade, exigem intervenções interdisciplinares e interinstitucionais, algumas ini-
ciativas, mesmo acontecendo de forma paralela às matrizes curriculares, vêm
sendo desenvolvidas nas universidades, como as experiências do Programa de
Educação no Trabalho (PET-Saúde), proporcionando o encontro entre estu-
dantes de diferentes cursos em cenários reais nos territórios da Estratégia Saú-
de da Família (ESF).
Entretanto, observa-se ainda a existência de reações de docentes, que insis-
tem em manter a cultura disciplinar e uniprofissional e de discentes que, por
diversos motivos, preferem o treinamento tecnocrático e da própria organização
universitária, cujos sistemas de gestão acadêmica não incluem tais atividades
como práticas de ensino-aprendizagem. Em outras palavras, continuam como
atividades experimentais, isoladas e excluídas dos componentes curriculares.
No plano da macropolítica, possibilidades do desenvolvimento do trabalho
interprofissional em saúde encontram-se na intersetorialidade definidas nas po-
líticas públicas. Para Bellini et al. (2014, p. 13), “a intersetorialidade, em relação
íntima com a interdisciplinaridade, fundamenta, juntamente com a integralida-
de, os princípios básicos do conceito ampliado de saúde”.

159
Todavia, as políticas públicas, mesmo preconizando ações intersetoriais e
integradas, não tomam a intersetorialidade e a integralidade como orientação
para a educação permanente dos envolvidos.
Considerando que no espaço do trabalho – no qual as ações acontecem – a
fragmentação do cuidado é constante, nas instituições formadoras os compo-
nentes curriculares são desenvolvidos de forma isolada, com cada disciplina em
seus limites, tendo como consequência a formação de profissionais que somente
conhecem o sentido de trabalho em equipe quando dividem a mesma unidade
de saúde com outros profissionais.
Mesmo em cursos em que os componentes curriculares são módulos que
buscam integrar os conhecimentos disciplinares, são necessárias o que cha-
mamos de intervenções pedagógicas para que se produza a integralidade
do saber e do ensinar.
Em um curso de Medicina com currículo integrado, foram realizados
Círculos de Cultura26 (FREIRE, 1999) entre os docentes para que cons-
truíssem de forma compartilhada os conteúdos do módulo. Dessa forma,
iniciaram juntos o planejamento do que contemplava o módulo – conhe-
cimentos, habilidades e atitudes – e passaram a utilizar metodologias se-
melhantes e convergentes, desenvolvendo formas de avaliação integradas
(PEDROSA; GALVÃO; SILVA, 2016).
Nessa perspectiva, é importante demarcar a afirmação que a integrali-
dade do cuidado, que exige o trabalho interprofissional em saúde, não é
resultado de decretos, leis ou mesmo necessidades objetivamente vocaliza-
das pelos movimentos sociais, mas sim um processo que pode ser disparado
pelos vários sujeitos em múltiplos espaços sociais. Além disso, resulta da
construção em que a sociedade participa da formatação e da missão de suas
instituições, principalmente, as vinculadas à formação de profissionais e à
produção e oferta de serviços eficientes para responder às necessidades da
contemporaneidade. É a sociedade participando de forma ativa dos modos
de organizar os serviços de saúde e definir os perfis dos profissionais ade-
quados a tais serviços.

26 Metodologia utilizada por Paulo Freire que é um modo de fazer a educação libertadora, o Círculo de
Cultura é um lugar onde todos têm a palavra, onde todos leem e escrevem o mundo. É um espaço
de trabalho, pesquisa, exposição de práticas, dinâmicas e vivências que possibilitam a elaboração
coletiva do conhecimento.

160
No Brasil, as experiências de trabalho interprofissional têm sido pontuais e
experimentais, existindo em decorrência do compromisso e da adesão de pes-
soas muito mais às inovações nos processos de trabalho do que às estruturas
disponibilizadas. Experiências que acontecem ultrapassando os limites e as
barreiras institucionais e organizacionais, flexibilizando determinadas normas
regimentais, podem ser consideradas rizomas, em alusão à imagem fitomórfica
utilizada por Guattari e Rolnik (1986):

Os sistemas em rizomas ou “em treliça” [...] podem de-


rivar infinitamente, estabelecer conexões transversais sem
que se possa centrá-los ou cercá-los. O termo “rizoma” foi
tomado de empréstimo à botânica, onde ele define os siste-
mas de caules subterrâneos de plantas flexíveis que dão bro-
tos e raízes adventícias em sua parte inferior. (Idem, p. 322)

Por tais características, as experiências de trabalho interprofissional são po-


tentes e agregadoras, pois surgem em diversos espaços (movimentos sociais, ex-
tensão universitárias e pesquisas de intervenção participativa) e com diversos
sujeitos (docentes, discentes, lideranças sociais e pessoas) e distintas intencio-
nalidades de mudanças.
Na roda de conversa, participaram sujeitos docentes que trouxeram uma ex-
periência de Uberlândia e outra da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Em Uberlândia funciona um ambulatório chamado “Em cima do salto”, volta-
do para o trabalho com as travestis. Essa experiência se iniciou em decorrência da
situação de um grupo de travestis que, tendo a prostituição como opção para sua
sobrevivência, faziam ponto perto da universidade. O apoio de alguns docentes e
profissionais para a conscientização, mobilização e articulação desse grupo concreti-
zou o ambulatório que, atualmente, conta com a participação de médicos residentes
de Endocrinologia, Urologia e Ginecologia, além de alunos do curso de Psicologia.
Para esse grupo, que também vivenciou parceria com a Polícia Militar, a des-
construção da imagem da polícia como exclusivamente coercitiva e a atuação da
corporação na perspectiva da segurança, minimizando as medidas repressoras e
violentas sofridas pelo grupo, foi um ganho relevante.
Quanto à experiência da UFAL, esta se encontra relacionada às demandas e ne-
cessidades dos movimentos do grupo indígena e negro. Essa experiência, embora

161
ainda iniciante, já demonstrou potência emergente devido à realização de seminá-
rio que serviu como dispositivo para mobilização acerca da constituição do Comitê
Estadual de Promoção da Equidade em Saúde, estratégia operacional indicada na
Política Nacional de Promoção da Equidade em Saúde (BRASIL, 2013).

3. Os desafios da formação interprofissional

Uma das reflexões mais discutidas foi em torno da formação, do desenvolvi-


mento das práticas profissionais e da participação popular. Essas três dimensões
precisam dialogar para que exista uma compreensão que o Outro não é objeto.
Uma das formas mais simples de “descoisificar” o usuário dos serviços de saúde e
considerá-lo como sujeito com capacidade de produzir modos de viver mais saudá-
veis é convidá-lo a inserir-se na discussão dessas dimensões que se interligam. Com
essa ação se propicia a vocalização de suas necessidades, por meio dos significados
que atribui à vida e à saúde por meio de suas palavras. Segundo Freire (1978), a
palavra é unidade necessária do presente de lucidez, alegria e transparência do so-
nho, em um processo necessariamente humano, que aparece como possível. É a per-
cepção falada da opressão e desigualdade vista como um problema que precisa de
resolução. É a presença de futuro de paz e de consciência pelo resgate da ética e dos
valores da democracia radical. É a enunciação de um compromisso e de uma ação. É
o prenúncio da práxis. É a matéria-prima do inédito viável.
Como a maioria das experiências de formação interprofissional acontece nos
serviços e nas práticas que se desenvolvem orientadas pela intencionalidade de
provocar mudanças na cultura corporativa das profissões de saúde, é possível a
construção de diversos olhares para analisar esses serviços, cenários de realiza-
ção das práticas técnicas e pedagógicas.
Nessa perspectiva, Feuerwerker e Merhy (2016) apresentam um ponto de
vista sob o qual podemos configurar esse cenário por meio de três imagens que
podem existir simultaneamente: “como aparelho, como roda ou como praça” (p.
62). Segundo os autores, as unidades de saúde são configuradas como aparelho
quando impõem suas normas e regras ao processo de trabalho, capturando a
subjetividade do usuário ao cumprimento de sua funcionalidade de ofertar ex-
clusivamente o que se encontra normatizado, regulamentado e incorporado à
sua dinâmica organizacional.

162
Dentro das unidades de saúde também existem rodas
operando. A roda que os trabalhadores e a gestão podem
instituir, fabricando suas equipes, seus modos de trabalhar
e invadindo o aparelho unidade de saúde. Reúnem-se, fa-
zem ofertas um para o outro, constroem compromissos e
regras. Organizam-se para atuar como coletivo, mas em que
cada um pode atuar de seu jeito. Atuam tanto para produ-
zir o acordo quanto para participar da produção de atos de
saúde, que, por exemplo, consideram cuidadores. (p. 62)

Assim também podem se configurar em praça, imagem trazida pelos autores,


como sendo um espaço público sem a necessidade de cumprir funcionalidades
ou ações específicas (FEUERWERKER; MERHY, 2016), uma ágora, espaço
democrático de vocalização de necessidades, demandas e desejos.
Sob esse ponto de vista, um dos desafios e uma das possibilidades para a
formação interprofissional é permitir-se abrir ao que é possível de ser cons-
truído no mundo do trabalho e tornar o processo de formação permeável ao
mundo do trabalho e ao mundo da vida. Daí ser preconizado pelo próprio
Ministério da Educação que os projetos pedagógicos dos cursos (PPCs) se-
jam, idealmente, construídos em discussão com a sociedade e com a comuni-
dade de docentes e discentes.
Contudo, em seguida, vem o retorno da velha questão: como acontece a parti-
cipação e, principalmente, quem participa dessa construção? A compreensão do
trabalho interprofissional traz de maneira muito forte a dimensão do fazer, da
ação produzida em conjunto com outros profissionais, incluindo a escuta e pro-
tagonismo do usuário a fim de que a interprofissionalidade se concretize em ato.
Por um lado, existem questões macropolíticas que dizem respeito a de-
terminantes mais intermediários e gerais, tais como a dinâmica da demo-
cracia representativa, que influencia desde o espaço legislativo (vereadores,
deputados e senadores) aos espaços institucionais, tendo sido apontados na
roda de conversa exemplos de como instituições oficiais reconhecem, como
interlocutores, lideranças que, muitas vezes, não representam os sujeitos
que eles deveriam representar.
Lembrando a citação acima de Feuerwerker e Merhy (2016), a imagem que
formatamos da unidade de saúde torna a participação popular na gestão e nos

163
conselhos locais de suma importância. Tal relevância se dá pelo fato de que a
participação popular ou reproduzirá a imagem de aparelho ou contribuirá para
a que a unidade de saúde seja vivenciada como roda ou como praça, promoven-
do diálogo entre profissionais, usuários e gestão em constante movimento e res-
gatando o sentido do ser protagonista, como resultado da ação crítica, dialógica
e criativa dos sujeitos envolvidos.
Porém, para que as práticas de saúde, realizadas em equipes multipro-
fissionais e voltadas para o cuidado integral, sejam orientadoras da forma-
ção, é imprescindível que as universidades, como instituições de formação
de profissionais de saúde, definam como eixo de sua prática pedagógica
as necessidades de saúde, os problemas e as práticas que emergem e são
produzidos nos serviços.
Na roda de conversa, foi consensual o fato de que os currículos existentes não
discutem ou incluem, em suas matrizes, temas voltados para a compreensão de
necessidades sociais que emergem na contemporaneidade, como as questões de
gênero, violência sexual, deficiência e diversidade.
Além disso, o modo de abordagem dos conteúdos que compõem as matri-
zes curriculares e sua gestão pedagógica contribui para a delimitação do campo
de visão do estudante e, consequentemente, da atuação do futuro profissional
diante de contextos complexos.
É essencial a comunicação do mundo epistemológico com o mundo da vida
para que os profissionais tomem como marcadores de sua formação/atuação
profissional as necessidades de saúde das pessoas. Para tal, é essencial a escuta
e a integração com este Outro, que apresenta as necessidades e com o qual
estabelece uma relação mútua de ensino-aprendizagem.
Por fim, um tema bastante discutido foi a potência da educação popular em
saúde em todo o contexto do desenvolvimento do trabalho interprofissional,
porque a educação popular em saúde se pauta nos princípios da amorosidade e
respeito na perspectiva ampla de compreensão dos modos de entender e viver
apresentados pelos diversos sujeitos.
Um princípio fundamental da educação popular em saúde encontra-se na
intencionalidade de transformar a realidade e de diminuir as iniquidades, tendo
como substrato a vontade e o interesse em superar as situações de sofrimento e
opressão, em tornar-se produtor de sua saúde, fortalecendo o empoderamento
dos indivíduos, grupos e coletivos; e tornando real e ativa a participação social.

164
Diante do que foi refletido, surgiram propostas cujo extrato é a compreensão
da saúde em perspectiva cultural e sociológica, a sistematização de novos pen-
samentos e ações e a constituição de área dentro do campo da Saúde Coletiva.
Nessa perspectiva, espaços como universidades, unidades, equipes de saú-
de, sujeitos, atores sociais – como pesquisadores, educadores, gestores e outros
profissionais – e movimentos populares devem assegurar o que já vem sendo
feito, na direção de refletir e reconfigurar o existente para conquistar e avançar
em novas perspectivas.
Há o reconhecimento de vasta produção, mas ainda de forma fragmentada.
Diante disso, os participantes da roda de conversa sinalizaram a necessidade de
desencadear movimentos transformadores da formação e das práticas de saúde,
em direção à mudança e adequação dos currículos e voltados para a percepção de
outras práticas e conscientização da participação na formulação, gestão e avaliação
das políticas públicas. Uma das estratégias citadas é a participação dos movimen-
tos populares na constituição do Contrato de Ação Pública de Integração Ensino
e Serviço (COAPES), nas Câmaras Técnicas e nos Conselhos de Saúde.
Caminhar em direção à implantação de novas Diretrizes Curriculares Nacio-
nais, ampliando dimensões para além das já existentes – com a inclusão de espa-
ços intergeracionais, de interculturalidade e de interprofissionalidade –; fugir do
domínio exclusivo da lógica organizacional; e adotar outras lógicas que fortale-
çam essa perspectiva, ofereçam suporte e auxiliem na aproximação entre serviços,
profissionais e movimentos sociais populares são movimentos necessários.
Tais movimentos não podem prescindir de mudanças nos perfis dos educa-
dores, particularmente, do docente universitário que precisa superar o imaginá-
rio dominante de que a prática da pesquisa apresenta mais excelência do que a
prática pedagógica. É necessário ressignificar o processo de formação como um
encontro/acontecimento entre saberes, vivências, sensibilidades e representa-
ções dos sujeitos que são envolvidos nos processos de formação.
Nos encontros se constroem apostas e agendas no sentido de abrir as uni-
versidades para a incorporação das necessidades sociais como eixo do processo
de formação de profissionais. Tal perspectiva contribui para modificar o conhe-
cimento incorporado na Academia que reproduz a formação uniprofissional,
competitiva e pautada em valores como produtividade, eficiência técnica, de
modo que promova a integração e diálogo com outros saberes que foram expro-
priados, mas que orientam as escolhas e os modos de viver dos sujeitos sociais.

165
Agradecimentos

O autor agradece imensamente a todos que participaram da roda de con-


versa, especialmente a Guilherme Gomes Ferreira (doutorando da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul), que atuou em conjunto com o
autor como animador da roda.

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167
Autor

Jose Ivo dos Santos Pedrosa


Médico, Mestre em Saúde Comunitária pela UFBA. Doutor em Saúde Coletiva pela
UNICAMP. Professor Titular em Saúde Coletiva da UFPI atuando no Curso de Me-
dicina no Campus Ministro Reis Velloso, em Parnaíba-PI e em Programas de Pós Gra-
duação em Saúde da Família e Ciências e Saúde. Integra o GT de Educação Popular em
Saúde da ABRASCO, entidade da qual é Vive Presidente

168
169
Capítulo 8

Educação e prática interprofissional em saúde no Brasil:


avanços e possibilidades

Jaqueline Alcântara Marcelino da Silva


José Rodrigues Freire Filho

1. Por que o trabalho Interprofissional é necessário?

O trabalho interprofissional favorece a integração entre profissionais de di-


ferentes áreas para atenção às necessidades de saúde dos usuários no âmbito do
Sistema Único de Saúde (SUS), sendo que a articulação de tais especificidades
possibilita a construção da prática colaborativa e o compromisso com a quali-
dade do cuidado (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2010). Segundo
a Canadian Interprofessional Health Collaborative (2010), as características
centrais da referida prática são a comunicação interprofissional e a participação
do usuário, da família e da comunidade no cuidado.
Importantes aspectos relacionados aos sistemas de atenção à saúde e ao de-
safio de atender às reais necessidades dos usuários precisam ser considerados,
como o aumento exponencial da população idosa e as questões associadas à
transição demográfica e epidemiológica marcada pela tripla carga de doenças
– infecciosas, parasitárias e problemas de saúde reprodutiva –, causas externas
e doenças crônicas que reforçam, sobremaneira, a importância de se investir
no trabalho em equipe interprofissional. Tal modelo de atuação profissional é
reconhecido para a obtenção de melhores resultados no cuidado, como eviden-
ciado em muitos estudos que demonstram os seus efeitos na organização do
trabalho em equipe, na satisfação dos trabalhadores, na segurança do paciente e
na redução de custos na assistência (MENDES, 2010; KÖRNER et al., 2016).
Pode-se dizer, assim, que os resultados do trabalho interprofissional reper-
cutem em três principais dimensões do cuidado: na equipe, nos usuários e no

170
serviço. Em relação à equipe, influenciam a satisfação, performance, efetividade e
saúde do trabalhador. No tocante aos usuários, reverberam na satisfação, imple-
mentação do cuidado centrado em suas necessidades, participação social, em-
poderamento e segurança do paciente. Nos serviços, promovem a continuidade
do cuidado, facilitam a documentação, redução de custos, favorecem reuniões
de equipe e contribuem na aprendizagem organizacional, produtividade e efeti-
vidade das ações de saúde (KÖRNER et al., 2016).
Segundo Agrelli, Peduzzi e Silva (2016), a perspectiva da prática centrada no
usuário requer que o trabalho esteja organizado em equipes interprofissionais,
para que sejam contempladas as múltiplas dimensões das necessidades de saúde
dos usuários, famílias e comunidades com o estabelecimento da colaboração, na
rede de atenção, entre diferentes serviços, equipes e investimentos na prática
comunicativa.
À luz dos princípios da universalidade, equidade e integralidade, pilares do
SUS, a Atenção Primária à Saúde (APS) constitui o ponto de acesso preferen-
cial dos usuários ao sistema. Nesse contexto, a Estratégia de Saúde da Família
(ESF), constituída por equipes de saúde interprofissionais, desenvolve ações em
prol do cuidado integral que fortalece a qualidade das intervenções e dos regis-
tros nos sistemas de informação.
No Brasil, acredita-se que o trabalho na ESF ganhará potência com o
fortalecimento de estratégias interprofissionais enriquecedoras do cuidado
que se estabelecem por meio do apoio matricial, consulta compartilhada e
Projeto Terapêutico Singular (PTS). O matriciamento consiste no apoio e
corresponsabilização sobre as necessidades de saúde apresentadas por usuá-
rios, famílias e comunidades. Envolve uma equipe de referência e outra que
apoia a compreensão dos casos e possibilidades de intervenção por meio
de discussões, atendimentos individuais,grupais compartilhados e visitas
domiciliares (BARROS et al., 2015). A consulta compartilhada integra ao
menos dois profissionais da saúde que dialogam para a tomada de decisão
sobre a conduta a ser tomada no caso do usuário; e o PTS previsto na Po-
lítica Nacional de Humanização prevê as etapas de diagnóstico da situação
vivenciada pelo usuário, definição de metas com a participação do usuário,
divisão de responsabilidades entre os profissionais da equipe e reavaliação
dos progressos obtidos no projeto, com elaboração de novas alternativas
(LINASSI et al., 2011).

171
2. Considerando a interprofissionalidade no contexto da
APS, quais avanços podem ser mencionados?

Para o desenvolvimento da prática interprofissional, a Organização Mundial


de Saúde (WHO, 2010) veiculou o marco para Educação Interprofissional em
Saúde (EIP), documento norteador que reforça a importância da formação en-
tre e com diferentes áreas profissionais, articuladas em prol do fortalecimento
do trabalho em equipe e da colaboração interprofissional necessária para a qua-
lidade da atenção à saúde. A referida estratégia educacional apresenta caracterís-
ticas que possibilitam reconhecê-la como uma abordagem alinhada às políticas
de saúde no âmbito do SUS, com a almejada reorientação do modelo de aten-
ção à saúde em prol da integralidade do cuidado, que repercutem em mudanças
na forma de atuação profissional (MATUDA; AGUIAR; FRAZÃO, 2013;
COSTA, 2016). Desse modo, o SUS e seus usuários buscam outras formas
de produzir cuidado em equipes integradas, que devem ser acompanhadas no
processo de formação dos profissionais de saúde (MADRUGA et al., 2015).
Contudo, a educação tradicional hegemônica e as práticas uniprofissionais
não oferecem subsídios para a operacionalização dos princípios adotados pelo
SUS na produção do cuidado, pois reforçam a fragmentação das ações profis-
sionais com valorização dos saberes especializados em detrimento do trabalho
em equipe. Em contrapartida, a EIP apresenta capacidade para inverter a lógica
da educação verticalizada e tradicionalmente estabelecida; favorece aprendiza-
do em grupo sobre o trabalho em conjunto e específico; oportuniza avanços
para a consolidação dos processos de equipes de saúde, por meio da efetiva co-
laboração entre os profissionais; e prioriza métodos de aprendizagem que favo-
recem a interação e o compartilhamento de saberes e práticas (PEDUZZI et
al., 2013; MADRUGA et al., 2015).
Nesse contexto, a operacionalização da política nacional de Educação Perma-
nente em Saúde para a formação e desenvolvimento dos trabalhadores do SUS
consiste em uma estratégia privilegiada para o encontro interprofissional por estar
voltada ao diálogo e reflexão coletiva sobre o processo de trabalho em saúde e as
possibilidades de sua reorganização com foco nas necessidades dos usuários.
Por todos esses aspectos, a EIP tem sido incorporada em importantes bases
legais da educação na saúde no âmbito da graduação, na realidade brasileira.
As recentes Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do curso de Medicina,

172
publicadas no ano de 2014, apresentam aspectos que possibilitam abordar pro-
cessos de ensino-aprendizagem sobre o trabalho em equipe, com o desenvol-
vimento de competências voltadas para a integração e interprofissionalidade
(MASETTO, 2011; BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015), assim como a
resolução nº 569 de 8 de dezembro de 2017 do Conselho Nacional de Saúde,
que expressa pressupostos, princípios e diretrizes comuns para as DCN dos
cursos de graduação da área da Saúde, com destaque para o compromisso com
o trabalho interprofissional, mediante a formação ancorada na integralidade da
atenção à saúde e do efetivo trabalho em equipe, em uma perspectiva colabora-
tiva e interprofissional.
Com efeito, as políticas de saúde destacam a interprofissionalidade como um
dos eixos de mudança da lógica da formação em saúde, como o Programa de
Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), criado pelos Ministérios
da Saúde e da Educação no ano de 2008 (CÂMARA; PINHO, 2015).
O PET-Saúde pode ser considerado uma proposta indutora da EIP em ins-
tituições de ensino, pois envolve o desenvolvimento de ações de interação e co-
municação entre os diferentes cursos de graduação na área da Saúde por meio da
inserção dos estudantes nos serviços, o que possibilita a experiência do trabalho
coletivo com ênfase na integração ensino-serviço. O programa traz avanços para o
debate da EIP no país, porém, os seus resultados demonstram que as instituições
de ensino necessitam de maior suporte institucional para dar sustentabilidade às
ações desenvolvidas e legitimação do ensino interprofissional nas políticas de reo-
rientação da formação em Saúde (BARR, 2015; COSTA et al., 2015).
Embora o cenário da formação em Saúde no Brasil expresse um espaço fértil
para aplicação da proposta da EIP, tanto na graduação quanto na pós-gradua-
ção, a maioria das experiências de ensino avançaram em propostas que utiliza-
ram como base conceitual e metodológica a interdisciplinaridade e multipro-
fissionalidade (PEDUZZI et al., 2013) que diferem da interprofissionalidade.
A disciplinaridade se refere ao campo dos saberes científicos e a profissio-
nalidade diz respeito às práticas profissionais no mundo do trabalho. Assim,
a interdisciplinaridade envolve a articulação do saber científico de diferentes
disciplinas e a interprofissionalidade envolve a interação entre áreas profissio-
nais, enquanto a multiprofissionalidade pode indicar a presença de diferentes
áreas profissionais que realizam ações lado a lado, mas de modo fragmentado
(PEDUZZI et al., 2013).

173
Mesmo frente à sua capacidade em ativar mudanças na formação em saúde, a
incorporação da EIP no Brasil ainda é incipiente e seus avanços destacam-se no
âmbito dos serviços da APS, por meio do trabalho em equipe e da prática inter-
profissional (SILVA et al., 2015; CÂMARA et al., 2016; PEDUZZI, 2016),
contexto potente para articulação ensino-serviço.
Nesse sentido, destaca-se a ESF, modelo ordenador da APS no país que
tem contribuído significativamente para ampliação do número de profissões
envolvidas nas equipes. Assim, ao constatar a necessidade de expandir a atua-
ção da ESF com o objetivo de ampliar as ações de APS; fortalecer o processo
de regionalização e territorialização; e apoiar a equipe para elevar a resolubili-
dade das ações de saúde, em 2008, o Ministério da Saúde criou os Núcleos de
Apoio à Saúde da Família (NASF), via Portaria GM nº 154, de 24 de janeiro
de 2008 (BRASIL, 2008).
O NASF é recomendando para o apoio matricial das equipes de saúde da
família mediante o compartilhamento de conhecimentos e tomada de decisões
conjuntas na análise dos casos dos usuários; portanto, consiste em uma robusta
estratégia para o desenvolvimento de práticas interprofissionais colaborativas.
As ações da equipe do NASF contribuem para resolubilidade da APS por meio
da atenção às necessidades de saúde dos usuários e aperfeiçoamento da coorde-
nação das ações nos serviços da APS (BRASIL, 2008).
As referidas mudanças no SUS indicam o fortalecimento do trabalho em
equipes interprofissionais nos serviços de saúde e a necessidade de formar
profissionais nessa perspectiva. Essa compreensão reforça a interface entre
os sistemas de saúde e educação, cujo processo histórico expressa a influência
das políticas públicas de saúde do país no desenvolvimento da formação pro-
fissional para o trabalho em equipe. Desse modo, o movimento interprofissio-
nal se estabeleceu de modo mais expressivo no âmbito das práticas de saúde,
com destaque para o NASF e ESF, que reforçam a importância da construção
de valores concernentes ao comprometimento institucional e administrativo
para implementação da EIP.
A formação de trabalhadores de saúde com habilidades e conhecimentos ne-
cessários para trabalhar efetivamente com outras áreas profissionais e aumentar
a qualidade da atenção à saúde é um avanço reconhecido do trabalho interpro-
fissional no país para a promoção da equidade em saúde, sobretudo no contexto
da APS (PEDUZZI et al., 2013; HEPP, 2015; REEVES, 2016).

174
As experiências brasileiras sobre trabalho interprofissional na APS, por
meio da ESF, reafirmam os avanços para contemplar as necessidades de saúde.
Todavia, a elaboração de estratégias para apoiar os processos de implementação
da EIP, como o estabelecimento de uma rede colaborativa de educação e tra-
balho interprofissional no cenário brasileiro, ainda se faz necessária (SILVA et
al., 2015; CÂMARA et al., 2016; PEDUZZI, 2016) e pode ser estabelecida
no âmbito da educação permanente em saúde e no cotidiano dos serviços com
articulação entre gestores, trabalhadores, formadores e usuários.

3. Novas possibilidades para EIP no Brasil

A articulação entre os sistemas de saúde e de educação no Brasil tem sido


fortemente estimulada pela Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educa-
ção na Saúde, do Ministério da Saúde (SGTES/MS), desde seu estabele-
cimento em 2003, para desenvolver e implementar propostas de natureza
integrativa, tais como o Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares
das Escolas Médicas (Promed), o Projeto de Profissionalização dos Traba-
lhadores da área de Enfermagem (Profae), o Programa de Formação de Pro-
fissionais de Nível Médio para Saúde (Profaps), a Universidade Aberta do
SUS (UNASUS), a Residência Multiprofissional em Saúde, o Programa
Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde)
e o PET-Saúde. O último refere-se ao movimento indutor da interprofis-
sionalidade em espaços extracurriculares.
A diversidade do Brasil, com cerca de 5570 municípios (BRASIL, 2015a)
organizados com autonomia, em cenários heterogêneos distribuídos nas cinco
regiões brasileiras – norte, nordeste, sul, sudeste e centro-oeste – consiste em
um desafio para relação entre o sistema educacional e da saúde na federação,
estados e municípios. Destaca-se a disputa atual entre universidades públicas e
privadas, que se caracteriza pela concorrência, muitas vezes desleal, para garan-
tir cenários de prática do SUS a serem utilizados como espaços de formação.
Tal situação poderá ser equacionada e organizada pela constituição do Con-
trato Organizativo de Ação Pública Ensino-Saúde (Coapes) nos municípios,
a partir da possibilidade de abertura para discussão e negociação de processos
voltados para a integração ensino-serviço-comunidade.

175
O Coapes consiste em uma iniciativa dos Ministérios da Saúde e da Educação,
cujas diretrizes constam na Portaria Interministerial nº 1.127, de 4 de agosto de
2015. Trata-se de um dispositivo da Política Nacional de Educação Permanente
em Saúde para formação e desenvolvimento profissional, com a finalidade de for-
talecer a atenção e gestão no SUS em prol da satisfação do usuário.
O estabelecimento de parcerias entre as instituições de ensino superior e
serviços de saúde, objeto do Coapes, visa garantir cenários de práticas para for-
mação. Como contrapartida, as instituições de ensino firmam o compromisso
de cooperar para a melhoria de indicadores de saúde e o desenvolvimento dos
trabalhadores de saúde do território, por meio da formalização e documentação
das relações entre as partes (BRASIL, 2015b).
O processo de contratualização ocorre com as secretarias estaduais munici-
pais de saúde e instituições formadoras envolvidas com a rede de ensino, pes-
quisa, extensão, o que contribui significativamente para o planejamento conjun-
to das metas entre os serviços de saúde e instituições de ensino, de modo que
a corresponsabilização se estabeleça entre trabalhadores, docentes, gestores e
usuários pela formação e cuidado (BRASIL, 2015a). Esses aspectos operacio-
nais do Coapes se aproximam das propositivas de Frenk et al. (2010) ao indica-
rem a mútua dependência existente entre os sistemas de formação e de saúde,
tão necessária para implementação da EIP.
Nesse sentido, a proposta do Coapes que prevê a aproximação da academia
com os serviços favorecerá sobremaneira o engajamento dos profissionais de
saúde, que ainda não se reconhecem como formadores, dos gestores, das repre-
sentações dos conselhos de saúde e das universidades, para fortalecer a atuação
desses atores em um processo já instituído, que poderá impulsionar o movi-
mento da EIP e dar visibilidade às ações dessa abordagem educacional com
potencial para a transformação das práticas em saúde.
Mesmo diante de sua relevância, a interprofissionalidade apresenta-se como
um movimento incipiente no cenário nacional, exigindo investimentos e estí-
mulo para o estabelecimento de espaços de vivência na formação dos cursos de
graduação em Saúde, capazes de garantir a transformação necessária. No ano
de 2016, alinhada à tal proposta, a SGTES lançou o edital PET-GraduaSUS,
com a finalidade explícita de fortalecer a interprofissionalidade.
Novas possibilidades para EIP podem ser construídas por meio da inserção
de um eixo de formação interprofissional nos currículos de graduação, pautado

176
nas necessidades do SUS, na importância do trabalho interprofissional em equi-
pes, na articulação ensino-serviço, na contribuição dos profissionais de saúde na
formação e incorporação de processos avaliativos baseados em conhecimentos,
habilidades e atitudes que são necessários para o trabalho interprofissional e
para qualidade do cuidado em saúde comprometido com a integralidade, equi-
dade, universalidade e garantia dos direitos dos usuários do sistema.

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178
Autores

Jaqueline Alcântara Marcelino da Silva


Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar) na área de Gestão em Enfermagem. Doutora e Mestre pela Univer-
sidade de São Paulo. Pesquisadora dos temas educação interprofissional em saúde, tra-
balho em equipe e prática colaborativa. Pós-doutorado na Universidade King´s College
London, no Reino Unido.
José Rodrigues Freire Filho
Consultor Internacional em Recursos Humanos em Saúde da Organização Pan-Ame-
ricana de Saúde/Organização Mundial de Saúde (OPAS/OMS). Doutor em Ciências
com pesquisa sobre Educação Interprofissional em Saúde pela Universidade de São
Paulo. Membro da Rede Regional de Educação Interprofissional das Américas (REIP),
com funções de acompanhamento e monitoramento das ações para implementação da
Educação Interprofissional na América Latina e Caribe, inclusive com investigações para
avaliar o impacto que a abordagem apresenta na área de recursos humanos para o acesso
universal à Saúde. Foi Consultor técnico do Departamento de Gestão da Educação na
Saúde do Ministério da Saúde e Apoiador Institucional da Diretoria de Desenvolvimen-
to de Educação em Saúde do Ministério da Educação.

179
Parte IV

Desenvolvimento de pesquisas em
educação interprofissional no Brasil

180
181
Capítulo 9

Atitudes de Estudantes de Enfermagem e Medicina para a


Aprendizagem e o Trabalho Interprofissional

Marcelo Viana da Costa


George Dantas de Azevedo
Maria José Pereira Vilar

Introdução

O debate sobre Educação Interprofissional aparece ligado às necessida-


des de melhorar as relações que se estabelecem entre os profissionais de
diferentes profissões da saúde por meio da colaboração no trabalho em
equipe. Para tanto, esforços são efetivados no intuito de elaborar conceitos
que possam dar sustentação à lógica do trabalho em equipe, pautado em
práticas colaborativas.
Esse debate reitera a necessidade da intencionalidade de colaboração entre os
membros da equipe como forma de assegurar a efetividade do trabalho em equi-
pe, enfatizando a autonomia profissional e a problemática dos limites profissio-
nais como gargalo importante na efetivação dessa perspectiva (CLEMENTS;
DAULT; PRIEST, 2007). Assim, há a necessidade de reforçar a importância
da comunicação, da coesão e da flexibilidade; e o desafio de gerenciar conflitos
e de articular conhecimentos e vivências na tomada de decisões (CAIPE, 2002;
MICHAN; RODGER, 2000). O trabalho em equipe, sobre essas bases, agrega
resultados positivos tanto para a lógica organizacional quanto para os sistemas
de saúde, equipe e usuário (MICKAN, 2005).
A colaboração, diante desse debate, ganha centralidade como elemento ca-
paz de permitir a articulação entre as diferentes práticas para assegurar atua-
ções mais resolutivas, além de outras vantagens (MICKAN; HOFFMAN;
NASMITH, 2010). Os primeiros esforços definem prática colaborativa

182
enquanto processo para compartilhar a comunicação e a tomada de decisão
entre diferentes profissionais para oferecer uma atenção mais resolutiva aos
pacientes/usuários (WAY; JONES; BUSING, 2000).
A reflexão e os esforços no debate em torno da necessidade de maior in-
teração e colaboração entre os diferentes profissionais de saúde colocam o
processo de formação no centro das discussões. O modelo de formação que,
historicamente, tem reforçado os silos profissionais se apresenta como grande
obstáculo para a efetivação de equipes de saúde mais aptas ao trabalho cola-
borativo e, assim, com maior capacidade de respostas aos problemas, no atual
contexto (PROCH, 2012).
O Center For The Advancement Of Interprofessional Education – CAI-
PE (CAIPE, 2002), importante instituição que incentiva e apoia a Educação
Interprofissional no Reino Unido, elabora inicialmente uma definição e defen-
de que a “Educação Interprofissional ocorre quando duas ou mais profissões
aprendem com, para e sobre a outra, para melhorar a colaboração e a qualidade
dos cuidados”. Um pouco mais tarde autores trazem uma pequena alteração a
esta definição, defendendo que “Educação Interprofissional é a ocasião em que
os membros (ou estudantes) de duas ou mais profissões aprendem com, para e
sobre o outro, para melhorar a colaboração e a qualidade dos cuidados”(HAM-
MICK et al., 2007), destacando que iniciativas de educação interprofissional
(EIP) se aplicam tanto para estudantes quanto para profissionais na realidade
da produção dos serviços de saúde.
Estudos de revisão sistemática têm contribuído, ao longo desses anos,
para o amadurecimento da conceituação, definindo que intervenção na edu-
cação interprofissional “ocorre quando os membros de mais de uma pro-
fissão da saúde e/ou assistência social aprendem em conjunto, de forma
interativa, com o propósito explícito de melhorar a colaboração interprofis-
sional e/ou a saúde/bem-estar dos pacientes/clientes” (ZWARENSTEIN;
GOLDMAN; REEVES, 2009). A atualização dessa revisão amplia o en-
tendimento, defendendo-a enquanto

Uma intervenção em que os membros de mais de


uma profissão da saúde ou assistência social, ou ambos,
aprendem em conjunto, de forma interativa, com o pro-
pósito explícito de melhorar a colaboração interprofis-

183
sional ou a saúde/bem-estar de pacientes/clientes, ou
ambos. (REEVES et al., 2013, p. 2).

Nas definições sobre educação interprofissional, é possível perceber a


evolução do entendimento de que a formação do profissional acontece em
diversos cenários, tanto na realidade da produção dos serviços de saúde
quanto nos espaços formais e informais de formação da força de trabalho
em saúde; assim esse processo deve ser compartilhado pelos atores envolvi-
dos, estudantes e/ou profissionais (REEVES et al., 2013). Outro aspecto
que chama atenção é que o amadurecimento do debate permitiu definir a
educação interprofissional como fundamento para o trabalho colaborativo,
colocando na centralidade do processo as necessidades sociais e de saúde
dos usuários, e superar o atual modelo de formação em silos profissionais,
em que há pouca ou nenhuma oportunidade de aprendizagem comparti-
lhada, o que acaba por determinar práticas também separadas e isoladas
(BAINBRIDGE; WOOD, 2012). Porém, há a necessidade de aprofundar
a compreensão da Educação Interprofissional como forma de superar a co-
mum confusão conceitual (REEVES et al., 2011) e entender a materializa-
ção dessa abordagem para a obtenção dos impactos esperados.
Embora haja evidências dos importantes benefícios do trabalho colabora-
tivo em equipes de saúde, as barreiras e desafios da educação interprofissional
são inúmeras. Entre as barreiras ou desafios, está a necessidade de pensar a
logística e o reconhecimento da importância de um planejamento rigoroso e a
necessidade de recursos para a obtenção dos resultados esperados. Os desenhos
curriculares se apresentam como outra barreira, na medida em que se organi-
zam a partir das necessidades de formação específica de cada profissão, exigindo
maior esforço para a negociação e flexibilidade desses desenhos. Nesse sentido,
a cultura atual reforça os limites profissionais para o diálogo e interação entre as
diferentes categorias profissionais e as relações de aprendizagem muito focadas
em perspectivas tradicionais que pouco contribuem para a efetivação da colabo-
ração e interação (GLOBAL FORUM ON INNOVATION IN HEALTH
PROFESSIONAL, 2013).
Partindo dessa discussão, este capítulo tem o objetivo de explorar as ati-
tudes de estudantes de enfermagem e medicina para a aprendizagem e o
trabalho interprofissional.

184
O percurso metodológico

Para o desenvolvimento da pesquisa, o Construcionismo Social foi selecio-


nado como epistemologia, no sentido crítico, porque oferece um conjunto de
ideias para a defesa da influência dos domínios cultural, social e histórico sobre
as ações efetivadas no processo de formação dos profissionais de saúde.
Essa perspectiva permite entender as dimensões reais e que têm seus pró-
prios mecanismos, bem como leis próprias, mas sem perder de vista o seu ca-
ráter crítico da realidade, refletindo permanentemente sobre a realidade como
algo em construção (MÉLLO et al., 2007).
Desse modo, a adoção do Construcionismo Social em sua tendência crítica,
como epistemologia para estudar o processo de formação, na perspectiva da
Educação Interprofissional, justifica-se por possibilitar o estudo da sociedade,
a partir do agir e do pensar humano (SOUSA FILHO, 2012). A formação em
saúde é permeada por padrões culturais que são incorporados e legitimados.
A lógica da formação reproduz as tendências de divisões sociais, presentes na
sociedade e nas relações de poder.
O estudo foi desenvolvido em duas universidades do Nordeste brasileiro. A
escolha foi motivada pelo fato de que ambas as universidades têm histórico de
participação em políticas de reorientação da formação profissional em saúde e
investiram esforços na implementação de mudanças no processo de formação
em saúde, com o objetivo de superar o modelo tradicional hegemônico.
Foi adotada uma escala, desenvolvida por pesquisadores da Universidade do
Oeste da Inglaterra, que teve como objetivo comparar a percepção referente
à comunicação, interações e relações interprofissionais estabelecidas, tanto no
processo de formação quanto no trabalho em equipe (POLLARD et al., 2006).
O instrumento está organizado na forma de escala de Likert e é compos-
to por quatro subescalas: habilidades de comunicação e trabalho em equipe;
atitudes em relação à aprendizagem interprofissional; percepções de interação
entre profissionais de saúde; e percepções sobre as inter-relações profissionais
(POLLARD; MIERS; GILCHRIST, 2005). No processo de construção e va-
lidação do instrumento, os autores encontraram indicadores de confiança sig-
nificativos, bem como boa consistência interna (alfa de Cronbach = 0,71 – n =
694), constituindo-se em uma ferramenta importante para a pesquisa em EIP
(POLLARD; MIERS; GILCHRIST, 2005).

185
Na subescala que avalia as habilidades de comunicação e trabalho em equipe,
as assertivas se referem às capacidades e atitudes em torno da comunicação dos
estudantes com colegas de outras profissões e com os usuários dos serviços de
saúde, evidenciando as facilidades ou resistências para compartilhar experiên-
cias e conhecimentos no trabalho em equipe.
Na aprendizagem interprofissional, as questões fazem referência às percep-
ções dos estudantes sobre as experiências de aprendizagem compartilhada com
estudantes de outros cursos e seus impactos na construção de habilidades e
atitudes, em torno do trabalho colaborativo como ponto necessário à realidade
da produção dos serviços de saúde.
A subescala de “interação interprofissional” identifica a forma como os dife-
rentes profissionais interagem na realidade do trabalho em saúde. As afirmati-
vas ressaltam pontos como hierarquia, visões estereotipadas, diferença de status
atribuídos às diferentes profissões, respeito e cooperação.
A última subescala mensura as percepções em torno das relações interprofis-
sionais, nas quais o estudante se posiciona em relação aos conhecimentos sobre
o papel de sua própria profissão e de outras práticas profissionais – confiança
que deposita em colegas de outras profissões –, e como se sentem se relacionan-
do com os mesmos.
Para a realização da pesquisa, foi feita a tradução do questionário. Na pri-
meira etapa do processo, o instrumento foi traduzido por dois tradutores, um
da língua de origem do questionário e outro da língua-alvo. O tradutor da lín-
gua-alvo foi um profissional com formação acadêmica em língua inglesa e co-
nhecedor do debate em torno do processo de formação em saúde. Essa fase foi
relevante porque permitiu que as duas versões fossem comparadas, a fim de cor-
rigir distorções em relação ao instrumento original. Cada tradutor produziu um
relatório com as observações do processo. Na segunda fase, os dois tradutores se
reuniram para avaliar as observações do relatório e chegar a uma primeira ver-
são da tradução. Por último, foi feita a retrotradução ou back translation. Nessa
fase, a primeira versão da língua-alvo foi traduzida, por dois tradutores, para
a língua de origem (BEATON et al., 2000), sendo que esses dois tradutores
não tinham aproximação com o tema central da pesquisa. Essa fase possibilitou
identificar e corrigir possíveis incongruências em relação à versão original.
Levando em consideração que se trata de um desenho de pesquisa de ca-
ráter descritivo e não inferencial, a amostra foi selecionada por conveniência.

186
A proposta foi descrever a frequência e distribuição das respostas dos estu-
dantes em relação às competências colaborativas trabalhadas na escala. Para a
utilização da média, para fins de comparação dentro do próprio grupo, foram
levados em consideração os escores estabelecidos para a construção do ques-
tionário (POLIT; HUNGLER, 1997).
Este estudo foi registrado e aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Uni-
versitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, por
meio do parecer de nº 16.652, de 29 de abril de 2012, que observou os objetivos
da pesquisa, riscos e benefícios aos quais os participantes foram submetidos.

Resultados e discussão

A primeira dimensão da escala aborda questões relacionadas às percepções posi-


tivas sobre a comunicação no trabalho em equipe, nas quais houve mais distribuição
para a concordância. As questões relacionadas à comunicação com os usuários e ao
trabalho em equipe apresentaram maior frequência de respostas positivas.

Tabela 1. Distribuição das respostas para comunicação e trabalho em equipe

Comunicação e trabalho em equipe Aceitação Rejeição

Afirmações n (%) n (%)

Sente-se à vontade justificando


recomendações/aconselhamento face a face 419 (96,9) 13(3,1)
com pessoas idosas.

Sente-se à vontade explicando um problema


para as pessoas que não estão familiarizadas 397 (91,5) 37 (8,5)
com o tema.

Tem dificuldade para adaptar o estilo de


comunicação (oral e escrita) para situações e 166 (38,2) 268 (61,8)
públicos específicos.

Prefere ficar quieto quando outras pessoas,


em um grupo, expressam opiniões com as 159 (36,7) 274 (63,3)
quais não concorda.

Continua na próxima página

187
Sente-se à vontade para trabalhar em equipe. 406 (93,6) 28 (6,4)

Sente-se desconfortável apresentando


127 (29,5) 304 (70,5)
opiniões pessoais em grupo.

Sente-se desconfortável assumindo a


143 (33,4) 285 (66,6)
liderança em um grupo.

Sente-se capaz de estar rapidamente


335 (77,7) 96 (22,3)
envolvido em novas equipes e grupos.

Fica à vontade para expressar opiniões


em grupo, mesmo quando sabe que outras 295 (68) 139 (32)
pessoas não concordam com elas.

Fonte: Questionário aplicado aos estudantes.

Na segunda dimensão, os resultados indicaram para maior predominância


de percepções positivas sobre a aprendizagem interprofissional. Apenas a afir-
mação que foi apresentada aos estudantes, com valores referentes ao nível de
concordância invertidos, obteve maior frequência de respostas negativas, o que
significa um bom resultado. De uma forma geral, os estudantes entendem a im-
portância de momentos compartilhados de aprendizagem e se mostram abertos
às possibilidades de vivência desses momentos.

Tabela 2. Frequência e distribuição das respostas para aprendizagem interprofissional

Aprendizagem interprofissional Aceitação Rejeição

Afirmações n (%) n (%)

As habilidades de comunicação com os


pacientes seriam melhoradas por meio da
303 (69,7) 41(9,4)
aprendizagem com estudantes de outras
profissões de saúde.

As habilidades de comunicação com outros


profissionais de saúde seriam melhoradas
355 (81,8) 22 (4,6)
por meio da aprendizagem com estudantes
de outras profissões de saúde.

Prefere aprender só com colegas de


25 (5,8) 359 (82,6)
profissão.

Continua na próxima página

188
Aprender com os estudantes de outras
profissões de saúde é indicado para facilitar 404 (93,9) 7 (1,7)
futuras relações profissionais de trabalho.

Aprender com os estudantes de outras


profissões de saúde seria mais vantajoso
para melhorar as competências de trabalho 356 (81,8) 35 (8)
em equipe do que aprender só com os
colegas de profissão.

A aprendizagem colaborativa seria uma


experiência positiva de aprendizagem para 403 (92,8) 6 (1,4)
todos os estudantes de saúde.

Aprender com os estudantes de outras


profissões de saúde pode ajudar a superar os
396 (91,3) 11 (2,5)
estereótipos que existem sobre as diversas
profissões.

Gostaria de aproveitar a oportunidade de


aprender com os estudantes de outras 372 (85,7) 11 (2,3)
profissões de saúde.

Aprender com os estudantes de outras


profissões de saúde ajuda a melhorar o 219 (86,6) 19 (4,3)
serviço para o paciente.

Fonte: Questionários aplicados aos estudantes.

A terceira dimensão se refere às percepções dos estudantes acerca das in-


terações que se estabelecem entre os diferentes profissionais de saúde. Além
disso, permitiu que estudantes situassem suas percepções sobre as relações que
se estabelecem entre os diferentes profissionais – como diferenças de status, le-
gitimadas e incorporadas, entre as profissões –, bem como a conformação de
relações hierárquicas que podem trazer implicações importantes nas interações
e comunicações dos profissionais no trabalho em saúde.
Nessa parte do questionário, a maioria das afirmações se refere às percepções
negativas em relação às interações interprofissionais. Por isso, quanto menor o
valor, mais negativas são as percepções dos estudantes sobre o tema das asser-
tivas e, quanto maior o valor assinalado, melhores são as percepções, diferen-
temente das afirmativas que relatam relações mais positivas, nas quais a lógica
é inversa. Algumas questões chamaram a atenção pela frequência de respostas
neutras, que pode ter diferentes interpretações: tais achados podem ser uma

189
questão nevrálgica, pois refletem que os estudantes preferem não demonstrar
suas percepções; ou podem se constituir em assertivas pouco relevantes para a
realidade do estudante.
Foi possível visualizar que os estudantes têm uma visão muito negativa das
interações entre diferentes profissionais de saúde. A maioria dos estudantes
considera que as diversas categorias profissionais veem as demais com uma
percepção estereotipada, o que pode implicar na pouca aproximação ou debate
sobre as profissões em momentos coletivos de trabalho ou de formação. Per-
cebem a existência da hierarquia, a defesa de interesses específicos das catego-
rias, pouco respeito entre os diferentes atores da equipe de saúde, limitações na
comunicação, relações desiguais e pouca colaboração entre os profissionais de
saúde, conforme detalhado na tabela 3.

Tabela 3. Distribuição e frequência das respostas sobre a interação interprofissional

Interação interprofissional Aceitação Rejeição

Afirmações n (%) n (%)


Diferentes profissionais de saúde têm visões
386 (90,2) 8 (1,8)
estereotipadas entre si.

O canal de comunicação entre todos os


membros das profissões de saúde está 58 (13,5) 273 (64)
aberto.

Existe uma hierarquia de status nos serviços


de saúde que afeta as relações entre os 354 (82,9) 41 (7,3)
profissionais.

Diferentes profissionais de saúde são


tendenciosos em seus pontos de vista em 367 (86,2) 14 (3,3)
relação ao do outro.

Todos os membros das profissões de saúde


25 (5,8) 357 (83)
têm igual respeito por cada área.

É fácil se comunicar abertamente com


59 (13,9) 263 (61,7)
pessoas de outras áreas da saúde.

Nem todas as relações entre os profissionais


394 (91,8) 22 (5,1)
de saúde são iguais.
Continua na próxima página

190
Os profissionais de saúde nem sempre se
408 (95,1) 14 (3,3)
comunicam abertamente um com o outro.

Diferentes profissionais de saúde não são


398 (92,8) 12 (2,8)
sempre cooperativos uns com os outros.

Fonte: Questionário aplicado aos estudantes.

A quarta e última dimensão apresentou resultados mais positivos e se refere


à abertura dos participantes para o relacionamento com estudantes e profissio-
nais de outras profissões. De uma maneira geral, os participantes se apresentam
aptos a trabalhar com outros profissionais e posicionam-se satisfatoriamente
em valores, habilidades e atitudes referentes ao respeito, confiança e compreen-
são de papéis. O que chama atenção nessa subescala é que os estudantes se
apresentam dispostos a respeitar estudantes e profissionais de outras categorias,
mas, em relação a se sentirem respeitados, demonstram percepção predominan-
temente neutra e negativa.

Tabela 4. Distribuição e frequência das respostas sobre as relações interprofissionais

Relações interprofissionais Aceitação Rejeição

Afirmações n (%) n (%)

Tenho relação de igualdade com os colegas


348 (81,1) 33 (7,7)
de minha própria área profissional.

Tenho relação de confiança com colegas da


304 (70,9) 35 (8,1)
minha área profissional.

Tenho boa compreensão dos papéis dos


352 (82,2) 35 (8,2)
diferentes profissionais de saúde.

Confio nos relacionamentos com as pessoas


268 (62,5) 33 (7,7)
de outras profissões da saúde.

Sinto-me confortável trabalhando com


328 (76,9) 19 (4,4)
pessoas de outras profissões da saúde.

Sinto-me respeitado pelas pessoas de outras


150 (35,1) 150 (34,9)
profissões da saúde.
Continua na próxima página

191
Tenho confiança quando trabalho com outras
41 (9,6) 284 (66,2)
profissões da saúde.

Sinto-me confortável trabalhando com


313 (72,9) 17 (4)
pessoas da mesma categoria profissional.

Fonte: Questionário aplicado aos estudantes.

Discussão

O processo de construção de identidades profissionais acaba por delinear


papéis, valores e atitudes que vão muito além da educação e de processos de for-
mação (WELLER, 2012). A sociedade incorpora essas identidades, fortalecen-
do ainda mais as barreiras ao diálogo. Quando o estudante traz que o usuário
também resiste ao perfil profissional que reconhece a necessidade de colabora-
ção, reforça o papel histórico em que o médico toma decisões (SALAS; SIMS;
BURKE, 2005). Desse modo, as relações horizontalizadas podem implicar em
uma perda da característica e de sua identidade.
Esse processo contribui para que o diálogo e a interação se tornem cada vez
mais difíceis. As identidades profissionais, historicamente construídas, edificam
barreiras fortes para a interação interprofissional (MARTIMIANAKIS; MA-
NIATE; HODGES, 2009; REEVES et al., 2009). É interessante notar que as
falas dos estudantes mantêm aderência com a literatura. Estudantes de medi-
cina tendem a usar uma linguagem muito própria dentro do próprio grupo em
relação a temas da prática médica. Da mesma forma, os estudantes de enferma-
gem falam sobre as intervenções da enfermagem, buscando autonomia e status
pelo discurso do “monopólio do cuidado”, como trazido pela literatura (PRICE;
DOUCET; HALL, 2014).
No entanto, a medicina e a enfermagem têm uma história semelhante, sendo
profissões cujas práticas se articulam, desde a sistematização do hospital como
um lugar de cura, o que contribui para que as relações de colaboração sejam vis-
tas como normais na atenção aos usuários (REEVES; MACMILLAN; VAN
SOEREN, 2010; REEVES; NELSON; ZWARENSTEIN, 2008). Produ-
ções teóricas importantes têm discutido o “jogo” entre médicos e enfermeiros
que define as funções para cada profissional e desenha as interações entre eles.

192
É importante notar que o jogo ideal mantém relações verticais em que o médico
detém a direcionalidade dos atos em saúde e o enfermeiro posiciona-se como
auxiliar do trabalho médico. Esse jogo ganha força e sentido no processo de
formação, com estratégias que garantem atitudes profissionais coerentes com os
papéis socialmente atribuídos (STEIN; WIS, 1967).
Assim, é importante pensar sobre essas relações, por mais difícil que seja
questionar a zona de conforto estabelecida pelas relações de poder historica-
mente definidas. A relação entre médicos e enfermeiros deve ser pensada em
tempos de educação interprofissional, nos quais as relações hierárquicas ten-
dem mais a atrapalhar do que ajudar no trabalho colaborativo, devendo ser um
ponto a ser discutido no processo de formação (REEVES; NELSON; ZWA-
RENSTEIN, 2008).
A enfermagem, que tem diferentes níveis profissionais, também tem dificul-
dades de interagir com seus membros. Pela necessidade de agregar status à cate-
goria profissional (MACMILLAN, 2012), a enfermagem moderna reforçou a
forte divisão entre trabalho intelectual e manual, sendo uma realidade difícil de
superar e que afeta, de maneira peculiar, a construção de habilidades para o tra-
balho colaborativo. Portanto, o estabelecimento de relações de dominação, que
foi naturalizado por meio das hierarquias entre os profissionais, tem que ser
discutido em profundidade, a fim de criar mecanismos para reduzir o abismo
entre os profissionais de diferentes categorias ou de diferentes níveis em uma
mesma categoria (REEVES; MACMILLAN; VAN SOEREN, 2010).
O processo de formação, que se configura como instrumento útil para alcan-
çar as transformações necessárias, deve rever a maneira como as relações hierár-
quicas vêm sendo abordadas e de que forma as especificidades das categorias
profissionais justificam esse formato de relações (REEVES; MACMILLAN;
VAN SOEREN, 2010). Estudos mostram que estudantes da área da saúde que
participam de atividades, na perspectiva da educação interprofissional, desen-
volvem melhor habilidade de comunicação e trabalho em equipe, dispõem de
mais clareza sobre os papéis dos diversos profissionais que compõem a equipe
e se mostram mais aptos no gerenciamento de conflitos que possam surgir na
dinâmica do trabalho em saúde (BAKER; DURHAM, 2013).
Assim, as relações verticais, nas quais existe a direcionalidade do trabalho
técnico e da soberania de uma profissão sobre a outra, ganha força no ensino,
imitando a realidade em vez de transformá-la. Professores, administradores e

193
estudantes naturalizam a divisão de conhecimentos e práticas apoiados pelo
discurso da competência técnica de cada profissão e da identidade profissional,
que ganha força na lógica da hierarquia (WACKERHAUSEN, 2009).
Essa realidade cria barreiras muito sólidas para uma comunicação eficaz entre
os profissionais de saúde. Nesta pesquisa, os cursos de enfermagem e medicina
são citados por estarem presentes em ambas as realidades e serem os primeiros
cursos a participarem de políticas públicas que incentivam a transformação do
processo de formação.
No entanto, para que a educação interprofissional possa sustentar profissio-
nais com maior capacidade para a colaboração, é importante que a comunicação
seja competência fundamental a ser construída por todos os envolvidos na for-
mação dos profissionais de saúde e na realidade dos serviços de saúde. Por tudo
o que foi discutido e pelas barreiras de diferentes esferas (LAKATOS, 2005;
MINAYO, 1993), a realidade apresenta desafios que requerem ações e atitudes
que impactem nas várias facetas da realidade da formação em saúde.

Considerações finais

A realidade pesquisada, que se constitui em uma amostra do contexto brasi-


leiro, aponta para a necessidade de ampliar o debate, tanto no cenário investiga-
do quanto em outros contextos. Ao mesmo tempo, revela um cenário ainda dis-
tante para uma educação interprofissional e um trabalho colaborativo eficazes.
No entanto, no Brasil, há iniciativas importantes para estimular novas pes-
quisas, com o objetivo de identificar os pontos fortes e fracos, bem como in-
centivar as estratégias que estimulam a educação interprofissional e o trabalho
colaborativo como ferramentas importantes para a melhoria dos cuidados de
saúde no sistema de saúde brasileiro. Portanto, é essencial que os ideais que fun-
damentam o Sistema Único de Saúde (SUS) estimulem o compromisso com a
ampliação do debate em IPE na realidade brasileira como um aliado importante
para a superação de problemas históricos, que comprometem seriamente a qua-
lidade dos cuidados de saúde e sociais da população.
Embora seja uma tarefa desafiadora, envolvendo mudanças em várias
frentes que nem sempre são simples, adotar a educação interprofissional é
possível. Professores e estudantes se mostram abertos a essa possibilidade e

194
reconhecem as fortes limitações que ainda existem para a formação de pro-
fissionais mais aptos ao trabalho colaborativo. Embora seja possível perceber
a significativa confusão conceitual, os estudantes tendem a entender que, no
contexto atual, o enfrentamento dos problemas e o atendimento das necessi-
dades dos sujeitos exigem uma atuação interprofissional. Essa confusão con-
ceitual, por sua vez, é fruto de todo o cenário desenhado pela pesquisa e deve
se constituir como um dos pontos a serem trabalhados, tanto nos contextos
da pesquisa quanto no âmbito das atuais políticas de reorientação da educa-
ção das profissões de saúde.
O estudo chama a atenção para a necessidade de inserir o debate sobre Edu-
cação Interprofissional como forma de provocar a reflexão sobre aspectos das
dimensões macro, média e micro. A inserção do tema não implica apenas na
adoção do termo, de forma indiscriminada, nos documentos oficiais e não pode
se configurar como modismo ou mera condicionalidade. Exige um comprome-
timento desde os formuladores das atuais políticas de saúde até a atuação de
estudantes e professores nos espaços de ensino e aprendizagem.
É evidente que não se trata de uma tarefa simples, pelas fortes barreiras
culturais encorpadas no âmbito na universidade, nas categorias profissionais
e na própria sociedade. A Educação Interprofissional aponta para a
necessidade de discussão sobre a forte ideia de hierarquia, de soberania de
áreas de conhecimentos ou de categorias profissionais; e de (re)situar os
sujeitos, atribuindo-lhes centralidade, o que não é estranho para o sistema de
saúde brasileiro, pensado a partir da integralidade, universalidade e equidade.
O estudo, que apresenta limitações em virtude da inexistência de instrumen-
tos validados na língua portuguesa e da dificuldade encontrada para realizar
entrevistas e grupos focais em algumas realidades, deve ser ampliado para ex-
plorar o contexto de outros cursos da área da saúde, bem como identificar ou-
tras estratégias ou iniciativas. Também deve servir de estímulo para ampliar a
produção de conhecimentos sobre o tema e viabilizar novas práticas no âmbito
do processo de formação profissional em saúde.

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198
Autores

Marcelo Viana da Costa


Enfermeiro. Doutor em Ciências da Saúde (UFRN). Realizou Doutorado Sanduíche
no Centro para Inovação em Educação Interprofissional na Universidade da Califórnia
(San Francisco, EUA). Docente da Escola Multicampi de Ciências Médicas da Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Norte. Docente do Programa de Pós-Graduação
Mestrado Profissional em Ensino na Saúde, da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Coordenador da Rede Brasileira de Educação e Trabalho Interprofissional
em Saúde (ReBETIS) e Membro da Rede de Educação Interprofissional em Saúde das
Américas (REIP). Estuda e pesquisa sobre Educação Interprofissional em saúde, Tra-
balho Interprofissional em saúde, Trabalho em saúde, formação profissional em saúde e
políticas de reorientação do trabalho e da formação em saúde.
George Dantas de Azevedo
Professor Associado IV da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, orientador
do Mestrado Profissional em Ensino na Saúde e do Mestrado Profissional em Educação,
Trabalho e Inovação em Medicina (UFRN). Atual Diretor da Escola Multicampi de
Ciências Médicas do Rio Grande do Norte (UFRN). Doutorado em Medicina (Área
de Concentração: Tocoginecologia) pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo.
Maria José Pereira Vilar
Professora Associada do Departamento de Medicina Clínica da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte – UFRN. Fellow Brasil FAIMER Regional Institute - 2008

199
Capítulo 10

Educação Interprofissional em Saúde no contexto da


Atenção Primária27

Jaqueline Alcântara Marcelino da Silva


Marina Peduzzi

Introdução

O tema central deste estudo é a prática e a educação interprofissional em


saúde (EIP), que constitui modalidade de formação dos profissionais de saú-
de para integração do trabalho coletivo de todas as áreas da saúde e específico
de cada profissão, orientado pela colaboração e trabalho em equipe interprofis-
sional e interdisciplinar (REEVES et al., 2016). A EIP promove aprendizado
compartilhado e colaborativo entre estudantes ou profissionais de diferentes
áreas, compromissados com a integralidade da saúde.
A EIP busca fortalecer o trabalho em equipe e a prática interprofissional
colaborativa para assegurar acesso universal e qualidade da atenção às necessi-
dades de saúde dos usuários, famílias e comunidades, corroborando iniciativas
e esforços de transformação, articulada entre formação profissional e modelo de
atenção à saúde (FEUERWERKER; CAPOZZOLO, 2013; PEDUZZI et
al., 2013; FRENK et al., 2010; WHO, 2010).
A Atenção Primária à Saúde (APS) no Sistema Único de Saúde (SUS) con-
siste em cenário privilegiado para análise e implementação da EIP, pelo fato de
a APS ser reconhecida como ordenadora do cuidado aos usuários no SUS e
também por ter seu trabalho orientado pela lógica do trabalho em equipe, com
destaque à Estratégia de Saúde da Família.

27 Texto extraído da tese de doutorado desenvolvida pelo Programa de Pós-Graduação de Gerencia-


mento em Enfermagem da Escola de Enfermagem da USP. Silva, JAM. Educação Interprofissional
em Saúde e Enfermagem no contexto da Atenção Primária. Escola de Enfermagem da USP. São
Paulo, 2014. Apoio: FAPESP processo 2012/11200-8.

200
No referido contexto, destaca-se, por um lado, a relação recíproca e de mú-
tua influência entre educação e formação dos profissionais da saúde e, por
outro lado, práticas de atenção e gestão em saúde concebidas como esferas
interdependentes que podem ser compreendidas de forma mais ampla e críti-
ca se tomadas em conjunto (FRENK et al., 2010; WHO, 2010; PEDUZZI,
2013; PINTO et al., 2013).
Neste texto, apresenta-se quadro conceitual que fundamenta a compreen-
são da EIP e da prática interprofissional no contexto da APS e alguns de seus
elementos-chave, tais como colaboração interprofissional, reconhecimento
dos papéis profissionais e comunicação interprofissional. O quadro adotado
articula três referenciais: processo de trabalho em saúde, agir comunicativo e
profissões (SILVA et al., 2015).

Referencial

Para compreender as relações interprofissionais, é importante entender o


conceito de profissão. Neste estudo, optou-se pela construção sociológica de-
senvolvida por Eliot Freidson, que é reconhecido pela relevância da sua contri-
buição à sociologia médica e das demais profissões (SILVA, 2014).
Profissão é um conceito histórico e mutável de origem anglo-saxônica. Re-
quer formação específica para exercer determinadas habilidades, obter creden-
ciamento profissional e posição no mercado de trabalho; afinal, as profissões
constituem parte de um trabalho ou força de trabalho. Quando uma profis-
são organizada adquire o direito exclusivo de realizar determinado trabalho e
controlar a formação necessária para seu exercício, ocorre a profissionalização
(FREIDSON, 1998).
A autonomia, direito de controlar o próprio trabalho e determinar quem
pode executá-lo e como este deve ser realizado é o diferencial entre uma profis-
são e uma ocupação, conceitos muitas vezes assumidos como sinônimos. Assim,
a profissão pode julgar e controlar comportamentos por meio da sua autorregu-
lação (FREIDSON, 2009).
A sustentabilidade de uma profissão depende de aspectos políticos e sociais
que envolvem o reconhecimento social da elite, de leigos e do Estado. O últi-
mo apoia o credenciamento profissional, confere proteção a alguns profissionais

201
com treinamento formal qualificado e exclui aqueles que não preenchem este
requisito (FREIDSON, 2009).
A análise formal de uma profissão e sua estrutura política, jurídica e interpro-
fissional são características definidoras dos limites entre as práticas de diferentes
áreas profissionais. Na saúde, a organização social do tratamento das doenças
criou um espaço de interação entre o usuário e os profissionais da saúde no qual
ocorre um embate pelo controle e pelos resultados (FREIDSON, 2009).
Para garantir a atenção aos interesses públicos da saúde, é necessária uma
recomposição das relações profissionais em prol das necessidades de saúde dos
usuários e população do SUS. A lógica profissional da estrita autorregulação pode
representar um impedimento a esse avanço. Por isso, novas alternativas de regu-
lação profissional precisam ser estabelecidas para o reconhecimento da ampliação
do escopo de prática profissional das diversas áreas que compõem o campo, com
ênfase no âmbito comum do processo de trabalho em saúde e na perspectiva da
prática interprofissional colaborativa centrada no usuário (SILVA, 2014).
A proposta da EIP corrobora a recomposição das relações profissionais por
ser definida como uma intervenção na qual os membros de mais de uma profis-
são da saúde aprendem juntos, interativamente, com a finalidade de melhorar
a colaboração no cuidado aos usuários. Tal interação na aprendizagem requer a
participação ativa, com a troca de conhecimentos entre diferentes áreas profis-
sionais (REEVES et al., 2016).
A EIP pode contribuir para a formação voltada ao trabalho colaborativo em
equipe, bem como para a formação de interequipes e de rede de serviços para as
quais são necessárias mudanças no tocante à socialização dos papéis profissio-
nais e do processo de trabalho em saúde. Requer também o desenvolvimento
de uma relação interdependente e interativa, com comunicação interprofissio-
nal, parceria entre equipes, profissionais de saúde e usuários para a tomada de
decisão compartilhada sobre as necessidades de saúde no cuidado ao usuário
(ORCHARD et al., 2012; SILVA et al., 2015; REEVES et al., 2016).
A colaboração interprofissional consiste em um movimento de integração
que parte do uni/multiprofissional e da cooperação para arranjos de práti-
cas mais integrados entre os profissionais de diferentes áreas, com o esta-
belecimento de objetivos comuns (AGRELI; PEDUZZI; SILVA, 2016). A
literatura não apresenta consenso sobre o conceito de colaboração, por isso
é importante destacar que alguns autores relacionam a colaboração efetiva

202
com a participação do usuário (ORCHARD et al., 2012), sendo que outros
consideram diferentes níveis de colaboração que não envolvem o usuário e
variam entre potencial de colaboração, colaboração parcial e a colaboração
ativa, sendo que a última dependerá de ações estabelecidas com foco no
usuário (D’AMOUR et al., 2008).
O conhecimento profissional necessário para o cuidado dos usuários, famílias e
comunidade é produzido a partir da interação, da linguagem e da intersubjetivida-
de, que são aspectos centrais da teoria do agir comunicativo de Jürgen Habermas,
que pode ser compreendida com base em duas racionalidades que correspondem
a duas formas distintas de ação social: o agir instrumental e o comunicativo. O
agir comunicativo é orientado pela busca do entendimento, que remete ao comum
acordo almejado e pressupõe o compartilhamento intersubjetivo de um horizonte
ético comum, de normas e convicções. O agir instrumental ou estratégico pode
ser utilizado para convencer o outro para algo que interessa, de modo utilitarista
ou simplesmente para transmitir informações (HABERMAS, 2009).
Desse modo, a comunicação interprofissional pode ser estabelecida com di-
ferentes finalidades: comunicativa ou instrumental-estratégica. Para realizar
o cuidado interprofissional na saúde, é importante haver o equilíbrio entre as
referidas lógicas, de modo a evitar que a ação instrumental-estratégica invada
a ação dialógica e comunicativa entre profissionais e dos profissionais com os
usuários (CARVALHO et al., 2012; SOUZA et al., 2016).
À luz da abordagem habermasiana, pode-se dizer que o agir comunicativo
articulado ao instrumental está presente no cotidiano das práticas de cuidado
e fundamenta a busca e implementação de integração entre ações de promoção,
prevenção e recuperação da saúde que podem ocorrer em cada serviço, entre
diferentes serviços e com outros setores para atender à complexidade das
necessidades de saúde dos usuários, famílias e comunidade, considerando suas
singularidades e contexto histórico e social (SILVA, 2014).
O entendimento mútuo depende do estabelecimento de uma linguagem comum
entre estudantes, docentes e profissionais da saúde. Nesse sentido, a EIP pode con-
tribuir para eliminação de barreiras, mediante o compartilhamento de saberes e lin-
guagens (PINZANI; SCHIMIDT, 2016). Estudo recente realizado com método
misto colabora para que a comunicação interprofissional e o respeito sejam indis-
pensáveis para a prática interprofissional colaborativa por promoverem a abertura
para troca de ideias sobre o cuidado dos usuários (WONG et al., 2016).

203
A comunicação interprofissional contribui para construção de confiança,
vínculo, respeito mútuo, reconhecimento do trabalho do outro e colaboração
(SAN MARTÍN-RODRÍGUEZ et al., 2005; SOUZA et al., 2016). Segun-
do a Canadian Interprofessional Health Collaborative (2010), trata-se de um
domínio de competência central para construção da prática colaborativa e da
educação interprofissional que apoiem trabalho em equipe, escuta ativa, tomada
de decisão compartilhada, desenvolvimento de confiança, objetivos comparti-
lhados, estabelecimento conjunto do plano de cuidados dos usuários, compar-
tilhamento de responsabilidades e demonstração de respeito (CIHC, 2010).
Outro aspecto fundamental para a educação e prática interprofissional cola-
borativa é o reconhecimento do trabalho e do papel profissional do outro, que
requer o compartilhamento do saber. A socialização dos papéis profissionais
interdependentes pode ser construída com a EIP e contribuir para questionar
ou eliminar barreiras entre as profissões que dificultam as interações e possibi-
lidades de avanço no cuidado integral e integrado aos usuários (CIHC, 2010;
SILVA, 2014). Estudo recente acrescenta a essa análise o reconhecimento de
que usuários, famílias e comunidade se sentem satisfeitos quando os papéis pro-
fissionais são bem definidos. A clareza do próprio papel profissional e a com-
preensão das habilidades dos outros profissionais favorecem as possibilidades
de contribuição com a expertise de cada um no cuidado (WONG et al., 2016)
e fortalece a interprofissionalidade. Ou seja, a socialização dos profissionais de
saúde na perspectiva da EIP pode contribuir na construção de identidades pro-
fissionais específicas de cada área, com seu núcleo de atuação e identidade in-
terprofissional correlata (KHALILI et al., 2013; RAPPORTEUR et al., 2013).
Revisão sistemática recente indica elementos contextuais, características
dos estudantes, docentes e do processo de desenvolvimento da EIP que mais
afetam sua implementação. No contexto, aponta aspectos profissionais dos
serviços, interesse pelo desenvolvimento da colaboração interprofissional e do
trabalho em equipe, políticas governamentais, apoio institucional para prover
acesso a recursos financeiros, materiais, tempo e espaço físico. Em relação aos
estudantes, reconhece influências da disponibilidade para EIP, estereótipos,
hierarquias profissionais, gênero, idade, trabalho e experiência profissional
anterior. No tocante aos docentes, destaca a qualidade e habilidade para fa-
cilitar o processo ensino-aprendizagem interprofissional e a importância da
qualificação dos facilitadores, que contribui para confiança dos estudantes.

204
No processo da EIP, indicam a importância do design curricular, oportunida-
des de aprendizagens informais e métodos de ensino que promovam a refle-
xão dos estudantes (REEVES et al., 2016).
Também contribui para a compreensão da EIP e da prática interprofissional
no contexto da APS o referencial do processo de trabalho em saúde, aqui arti-
culado à sociologia das profissões (FREIDSON, 1998; 2009) e ao agir comu-
nicativo (FREIDSON, 2009).
No Brasil, os estudos sobre as práticas de saúde foram introduzidos por Ma-
ria Cecília Donnangelo, em sua pesquisa sobre assistência e mercado de traba-
lho médico (DONNANGELO, 1975), seguida pela investigação da Medicina
como prática técnica e social (DONNANGELO; PEREIRA, 1976). A obra
pioneira de Cecilia Donnangelo deu origem a um conjunto de estudos que, se-
gundo Schraiber (2008), podem ser grupados em duas vertentes, sendo a pri-
meira voltada às políticas e à estruturação da assistência à saúde, com destaque
para a dinâmica social de produção e consumo de serviços, que resultou em uma
extensa linha de pesquisa sobre o sistema de saúde brasileiro, a Reforma Sanitá-
ria e o SUS. A segunda vertente é dedicada ao estudo do mercado de trabalho,
profissões e práticas de saúde, que se desdobrou na investigação do processo
de trabalho em saúde, que foi iniciada por Ricardo Bruno Mendes Gonçalves e
continuada por vários outros autores.
O estudo do processo de trabalho em saúde, no qual Ricardo Bruno analisou
a Medicina, permitiu também compreender o processo de trabalho de outras
profissões (como Enfermagem e Odontologia), resgatando-as da neutralidade
com que são tratadas pela abordagem funcionalista. Compreender a dialética
dos objetos, instrumentos e finalidade do exercício concreto do trabalho, opera-
do pelos profissionais na atenção à saúde, expõe o caráter histórico e social das
práticas profissionais que se constituem a partir das suas relações no conjunto
das práticas de saúde e destas com a sociedade.
Segundo Ayres (2015), a investigação de Ricardo Bruno sobre o processo de
trabalho em saúde mostra a dupla posição ocupada pelos médicos nas socieda-
des capitalistas: de um lado, agentes pertencentes à elite intelectual que formula
os projetos sociais hegemônicos e, de outro, trabalhadores que produzem ser-
viços. Nesta posição, compartilham com outros profissionais/trabalhadores de
saúde avanços e dificuldades presentes na atenção às necessidades de saúde e,
sobretudo, se olhadas de uma perspectiva crítica, nas mudanças demandadas

205
pelo contexto das condições de saúde da população brasileira. Por outro lado,
a reprodução social, especificamente a que se dá nos processos de socialização
das profissões em saúde, tende a reiterar a posição dominante da Medicina,
como analisado por Freidson (2009) em sua também pioneira contribuição à
sociologia das profissões.
É no cenário das práticas de saúde e na sua leitura como processo de trabalho
que se podem observar as mudanças em curso na divisão do trabalho e na esfera de
competências e responsabilidades de cada área. Essa reconfiguração das relações
profissionais remete, de uma parte, ao movimento de cada profissão em assegurar
sua inserção no mercado de trabalho e, de outra parte, expressa a ampliação
do âmbito de atuação de diferentes áreas, aspecto que pode ser observado nas
atividades que mostram a já mencionada dinâmica entre objeto, instrumentos
e finalidade, de modo que os profissionais/trabalhadores de saúde, no conjunto
e em cada área profissional, tanto modificam suas ações já tradicionais quanto
assumem novas atividades e responsabilidades, ampliando seu escopo de prática.
Esses processos também expressam diferentes valores e concepções de saú-
de, de doença e de modelos tecnoassistenciais, que na APS do SUS colocam
em destaque, com profundas tensões e contradições, o direto à saúde, o aces-
so universal, a participação social e a integralidade da atenção à saúde como
horizonte normativo. Esse horizonte orienta, em parte, o debate mundial sobre
a EIP e as práticas interprofissionais colaborativas, em um contexto de aumento
da expectativa de vida e crescimento das condições crônicas que requerem,
especialmente na APS, atenção à saúde e formação dos profissionais de saúde
de caráter interprofissional.
Entretanto, a proposta da EIP também está subordinada à ordem econômica
e política que busca conter, ou mesmo diminuir, o financiamento da saúde públi-
ca (BRANDT et al., 2014). É nesse cenário contraditório que a EIP e a prática
interprofissional na APS remetem a escolhas frente à complexidade dos serviços,
da rede e da profunda desigualdade social, aspectos que envolvem o debate tec-
noassistencial, ético e político das práticas e mudanças necessárias para assegurar
o horizonte normativo acima referido. Entende-se que a ampliação da EIP, do
trabalho em equipe e da prática interprofissional colaborativa contempla a defesa
da APS no SUS na perspectiva do processo comunicativo intersubjetivo, de en-
frentamento das tensões presentes no cotidiano dos serviços entre profissionais/
trabalhadores; gestores e usuários; e família e comunidade.

206
Considerações finais

As reflexões construídas mostram que a EIP, no contexto da APS, pode con-


tribuir para o fortalecimento do trabalho em equipe por meio da reconfiguração
das relações profissionais, com o reconhecimento dos diferentes papéis, prática
colaborativa e comunicação intersubjetiva necessárias para atenção à crescente
complexidade das necessidades de saúde dos usuários do SUS.
A dinâmica do processo de trabalho em saúde, seu objeto, instrumentos, fi-
nalidade e agentes – trabalhadores e gestores de diferentes profissões, em in-
teração com os usuários – expressam as tensões e contradições presentes no
modelo tecnoassistencial implementado no âmbito da APS do SUS, que re-
querem a defesa do direto à saúde, do acesso universal, da participação social e
da integralidade da atenção.

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209
Autoras

Jaqueline Alcântara Marcelino da Silva


Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar) na área de Gestão em Enfermagem. Doutora e Mestre pela Univer-
sidade de São Paulo. Pesquisadora dos temas educação interprofissional em saúde, tra-
balho em equipe e prática colaborativa. Pós-doutorado na Universidade King´s College
London, no Reino Unido.
Marina Peduzzi
Professora Associada Sênior do Departamento de Orientação Profissional. Escola de
Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP). Doutora em Saúde Coletiva pela
Universidade Estadual de Campinas e Pós-Doutorado em Educação e Prática Interpro-
fissional pelo Kings College London, Universidade de Londres.

210
211
Capítulo 11

Avaliação de um programa de educação interprofissional:


estudo de caso do Pet-Saúde da UFMG

Ana Maria Chagas Sette Câmara


Diana Lúcia Moura Pinho

Apresentação

A formação dos profissionais de saúde tem sido discutida em todo o mun-


do, no sentido de reorientar a formação, fortalecer os sistemas de saúde e me-
lhorar a qualidade da assistência. O estudo realizado por Frenk et al. (2010)
identificou fragilidade e desigualdade no planejamento da formação dos pro-
fissionais de saúde, na acreditação dos profissionais e nas estratégias de ensi-
no-aprendizagem. A formação dos profissionais na área da saúde se mantém
fragmentada, com um currículo fechado e descontextualizado das demandas
do mundo contemporâneo. Os problemas são sistêmicos: conteúdos pouco
integrados, abordagens pedagógicas tradicionais, ausência do desenvolvimen-
to de competências gerais – trabalho em equipe, liderança e comunicação –,
atividades uniprofissionais ocupando a posição central, orientação predomi-
nantemente hospitalar e pouco preparo do estudante para a prática no siste-
ma de saúde. A tendência para atuação isolada das diferentes profissões da
área da saúde, que estão em constante competição, mantém o monopólio de
atuação no campo da saúde, que é um dos principais desafios da mudança na
formação dos profissionais da saúde. Este estudo verificou, ainda, que há es-
cassez de estudos sobre experiências de formação (inter)profissional de saúde.

212
Embora muitas instituições de ensino em diferentes regiões do país tenham
implementado iniciativas inovadoras, ainda são poucas as evidências disponí-
veis, no contexto brasileiro, sobre a efetividade dessas ações.
No Brasil, as graduações em saúde têm sido, tradicionalmente, estrutura-
das em cursos uniprofissionais, nos quais a aprendizagem, em cada disciplina,
faz uso de vocabulário próprio e de formas de resolução de problemas impul-
sionadas por uma compreensão específica de questões. Essa abordagem pe-
dagógica prepara o profissional para o modelo assistencial médico-centrado,
estruturado para resolver as demandas assistenciais a partir do conceito di-
cotômico saúde-doença com ações e procedimentos uniprofissionais. Com a
evolução do conceito de saúde para um sistema complexo de interações entre
as condições de saúde e fatores contextuais, mudanças tornam-se necessárias
na formação dos profissionais da saúde.
É nesse cenário que a Educação Interprofissional (EIP) se apresenta como
estratégia possível frente aos desafios impostos na sociedade contemporânea,
como uma ferramenta para o desenvolvimento da aprendizagem da prática
colaborativa e o trabalho em equipe, com o objetivo de promover a segurança
do paciente e melhoria da assistência (FRENK et al., 2010). A EIP promove,
além do desenvolvimento das competências colaborativas, a discussão de papéis
profissionais, a liderança/protagonismo e o compromisso na solução de proble-
mas (THISTLETHWAITE, 2013). Caracteriza-se por treinamentos conjun-
tos, aprendizagens compartilhadas nas quais duas ou mais profissões aprendem
juntas, com e sobre as outras, desenvolvendo parcerias e cooperações entre os
profissionais para promover o trabalho em equipe e melhorar a qualidade no
cuidado. É uma estratégia que amplia o olhar do profissional para as múltiplas
dimensões da saúde e para uma prática colaborativa, com ações multiprofissio-
nais integradas para uma rede de assistência integral (COSTA, 2014).
Existem poucos trabalhos sobre a educação interprofissional no Brasil
(COSTA, 2014). As experiências induzidas pelo Programa de Educação pelo
Trabalho em Saúde (PET-Saúde) (BRASIL, 2008, 2009) requerem avaliação
utilizando instrumentos validados que permitam estudos comparativos no ce-
nário nacional e internacional.
Neste capítulo vamos apresentar algumas reflexões a partir dos resultados
do nosso estudo de avaliação do PET-Saúde da Universidade Federal de Mi-
nas Gerais (UFMG) (CÂMARA, 2015). Nosso objetivo foi identificar tanto a

213
atitude dos discentes em relação à EIP quanto as estratégias pedagógicas para
o desenvolvimento da prática colaborativa possíveis de serem desenvolvidas no
ensino da graduação em Saúde.

A investigação

Nosso estudo foi realizado em três fases. Na primeira fase foram realizadas a
análise dos projetos PET-Saúde da UFMG e seus respectivos relatórios finais
(2009 e 2010/2011), revisão da literatura sobre EIP e entrevistas semiestru-
turadas com os tutores. Dos resultados da primeira fase emergiram questões
que nos conduziram à segunda fase do estudo, voltada à avaliação da disponi-
bilidade dos estudantes à EIP. Na terceira fase, os dados obtidos nas duas fases
iniciais foram integrados para produzir a análise final. A figura 1 apresenta o
fluxograma do caminho percorrido no desenvolvimento do estudo.
A interação entre as abordagens permitiu uma análise mais robusta da reali-
dade, superando as limitações do uso de métodos de forma isolada e com a opor-
tunidade de refletir sobre os aspectos quantitativos e qualitativos da investigação.
Olson e Bialocerkowski (2014) afirmam que, para promover uma agenda
de pesquisa dos processos de EIP, é necessária uma abordagem mais ampla,
uma avaliação realista que leve em conta a premissa de que “as intervenções
nunca trabalham por tempo indeterminado da mesma forma, ou e em todas
as circunstâncias, nem elas funcionam para todas as pessoas “ (p. 242). Assim,
as autoras recomendam que pesquisadores de EIP priorizem a compreensão
longitudinal das relações entre os mecanismos EIP e contextos dos cursos de
graduação na área da Saúde, usando métodos e técnicas variadas de investi-
gação, incluindo os métodos qualitativos em profundidade, para desvendar os
complexos processos envolvidos na EIP.
Assim, optamos pelo modelo de avaliação ensino e aprendizagem desenvol-
vido por Biggs (1993) – o Modelo 3P – e adaptado ao contexto da EIP por
Freeth e Reeves (2004). Esse modelo destaca todos os elementos que consti-
tuem a experiência educacional, assim como os vários fatores que determinam
a experiência e a relação entre eles. É um modelo que procura ser abrangente e
pode ser útil para observar o processo como um todo, identificando pontos que
merecem ser avaliados com maior profundidade.

214
Método - Fluxograma
1 Fase
a
2a Fase 3a Fase

Coleta Análise Coleta Análise


Adaptação
dos dados dos dados dos dados dos dados Interpretação
do instrumento
qualitativos qualitativos quantitativos quantitativos

Procedimentos: Procedimentos: Procedimentos: Procedimentos: Procedimentos: Procedimentos:


•Entrevistas n= 14 •Análise temática •Adaptação da escala •Cálculo amostral - 260 Comparação entre •Análise 3P
(questões abertas - do conteúdo (das 26, itens 3 - construtos. (88 em cada grupo) índices (teste de
Relatório+est 1+est 2
tutores e preceptores) entrevistas) •Convite Questionário Mann-Whitney e o
Validação:
•Análise documental •Revisão-identificação 1259 teste Kruskal-Wallis) e
•Dimensionalidade
Projeto PET-Saúde de escala atitudinal comparações múltiplas
(análise paralela) -
UFMG pós-teste Kruskal-Wallis.
Confiabilidade (Alpha
•Revisão da literatura Foi utilizado o teste de
de Cronbach) e
(instrumentos medida Nemenyi-correlação
validade da escala
para avaliar iniciativas variável idade: Teste de
(análise fatorial e
de EIP) correlação Spearman.
avaliação convergente

Produtos: Produtos: Produtos: Produtos: Produtos: Produtos:


•Revisão Literatura •Sínteses (definição •Questionário (medida Questionário n= 293 Pet-Saúde - S Nível 1a - atitude positiva
•Modelo Teórico do de categorias) para aprendizado Relatório de aplicação 1. Trabalho em equipe Nível 2a - mudança de
PET-Saúde UFMG •Artigo original (aceito interprofissional) 2. Identidade profissional atitude recíproca
•Manual entrevistador para publicação) •Escala de 21 itens e 3. At entrada no paciente Nível 2b - aquisição
•Questões norteadoras 3 construtos: conhecimentos e
Tempo - N
14 - Trabalho em equipe competências
Sexo - F (1,3)
03 - Identidade
Medicina (1) Medicina e Nível 3 - mudança
profissional prática
Odonto. (2)
04 - Atuação centrada
Gestão em Saúde e Nível 4 - mudança
no paciente organiza e prestação
Med. Vet (3)
GT 1' Maio (1,2,3) de ser
GT Heliopólis (1,3) Atitude positiva docentes
Impacto medicina/
odontologia
Identificação da potência
da Pedagogia dialógica
Paulo Freire

Figura 1. Fluxograma dos estudos no método misto – Avaliação do PET-Saúde UFMG

Utilizamos a classificação de resultados da evolução da EIP desenvolvida por


Freeth e Reeves (2004) descrita no quadro 1.

Quadro 1. Classificação dos desfechos do Modelo de Avaliação 3Ps de EIP


Reagir de forma favorável às experiências
Nível 1 Reação de aprendizagem compartilhada
interprofissional.

Mudar atitudes recíprocas ou percepções


entre grupos participantes em direção ao
Modificação de
Nível 2a valor e/ou à utilização de abordagens de
atitudes/percepções
cuidado em equipe para um paciente ou
grupo específico.

Continua na próxima página

215
Aquisição de Desenvolver aprendizado de
Nível 2b conhecimentos e conhecimentos e habilidades ligadas à
habilidades colaboração interprofissional.

Identificar as próprias especificidades


Mudança
Nível 3 profissionais e as dos outros profissionais e
comportamental
transformar sua prática profissional.

Mudança na prática Mudar as práticas organizacionais e de


Nível 4a
organizacional prestação de cuidados.

Benefícios aos Promover melhorias na saúde ou bem-estar


Nível 4b
pacientes dos pacientes/clientes.

Para a análise dos resultados resgatamos os princípios orientadores do mo-


delo de Kirkpatrick (1998) original, que são a base para o modelo proposto por
Freeth e Reeves (2004):
• Os resultados em cada uma das áreas não são hierárquicos.
• O objetivo é incentivar as avaliações integradas e abrangentes que norteiem
ações futuras.
• Há reconhecimento de que em cada nível torna-se progressivamente mais
difícil reunir dados confiáveis relacionados à intervenção educativa.
Em nossa avaliação seguimos as orientações propostas por Thistlethwait
(2013) no sentido de identificar os mecanismos para a incorporação da EIP
como um componente central dos currículos da área da Saúde e as aborda-
gens eficazes para o desenvolvimento de competências interprofissionais en-
tre os concluintes dos cursos.

Os preditores

Contexto
Em 2008 foi lançado o PET-Saúde (BRASIL 2008, 2009) como dispo-
sitivo para o fortalecimento do Programa de Reorientação da Formação
Profissional em Saúde (Pró-Saúde) (BRASIL, 2005). O PET-Saúde foi
instituído para fomentar grupos de aprendizagem tutorial na Estratégia
Saúde da Família, viabilizando programas de aperfeiçoamento e especia-

216
lização em serviço dos profissionais da saúde, bem como de iniciação ao
trabalho, estágios e vivências, dirigidos aos estudantes da área, de acordo
com as necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS). Tem como base
a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e a interação ensi-
no-serviço-comunidade. Explicita, no seu contexto, a intencionalidade da
interdisciplinaridade como o eixo condutor para a vivência da realidade no
processo de formação e coloca a pesquisa como estratégia de reconhecimen-
to das necessidades dos serviços e de saúde da população .
A proposta estimula a adoção de novas abordagens pedagógicas, assume o
ensino tutorial como referência e possibilita a interação, nos espaços de pro-
dução dos serviços de saúde na atenção básica, de alunos e professores de di-
ferentes cursos da área da Saúde com os profissionais e a comunidade. Com a
inclusão dos profissionais de serviço nos grupos tutoriais, também promove a
educação permanente.

Características da instituição de ensino superior


A UFMG é uma instituição pioneira na integração entre a universidade e
a sociedade. Em 1978, implantou o Internato Rural, no curso de Medicina, e
os estágios na rede de atenção primária, dano início ao modelo de integração
docente-assistencial no município. A discussão sobre qual modelo pedagógico
seria capaz de formar o profissional para atuar com eficiência, em sua própria
comunidade, e para refletir criticamente sobre ela aproximou a UFMG dos ser-
viços de saúde. Se, por um lado, um número crescente de cursos na UFMG
implantou atividades de ensino em serviço na rede de atenção primária, por
outro, raramente foi oportunizada a formação interprofissional entre as gradua-
ções em Saúde. Esse quadro alterou-se com a implantação do PET-Saúde, na
UFMG, em 2008, que possibilitou, nos cenários de prática, a articulação entre
os diversos cursos (CÂMARA et al., 2011).
Em 2008, o projeto PET-Saúde da UFMG foi elaborado por uma comis-
são de docentes dos 11 cursos de graduação da área da Saúde (Educação Físi-
ca, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina
Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia e Terapia Ocupacional). e re-
presentantes da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA).
Todos continuaram no projeto como tutores e preceptores, e essa parceria na
elaboração da proposta foi fundamental para a corresponsabilização em todo o

217
processo. Posteriormente, foram incluídos, como voluntários, docentes e estu-
dantes do curso de Gestão em Saúde (CÂMARA, 2015).
O edital de 2008 contemplou os 11 cursos e ofereceu bolsas para docen-
tes, preceptores e estudantes distribuídos em grupos tutoriais estruturados
em um docente, seis preceptores e 12 estudantes. O número de estudantes
bolsistas por curso foi definido levando-se em conta o número de matrí-
culas totais do curso e nas disciplinas vinculadas à atenção primária. Os
preceptores foram selecionados entre os atuantes na Estratégia de Saúde
da Família que atendessem às condições e critérios definidos pelo Edital
do PET-Saúde. Na escolha das unidades de saúde e na seleção dos precep-
tores, deu-se prioridade para aqueles que já desenvolviam atividades com
estudantes de graduação ou com a Residência de Medicina de Família e
Comunidade. Os profissionais dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família
(NASF) também participaram do processo.
No biênio 2010/2011 participaram 21 tutores, 84 preceptores, 168 alunos
bolsistas e um número variável de estudantes voluntários, distribuídos em 14
grupos tutoriais. As atividades desenvolvidas no PET-Saúde foram conside-
radas geradoras de crédito curricular para os estudantes e trabalho docente
na extensão universitária; e incorporadas à jornada de trabalho dos profis-
sionais de serviço. No entanto, conciliar as inúmeras atividades do projeto
com outras demandas acadêmicas e do serviço foi um desafio, o que também
é observado na literatura para a captação de docentes para a EIP (BARKER;
BOSCO; OANDASAN, 2005; BARR; NORRIE, 2010; BENNETT et al.,
2011; FREETH et al., 2005).
A coordenação do projeto foi conduzida por um colegiado gestor, com-
posto por tutores e preceptores. O acompanhamento das atividades foi
realizado por meio de reuniões mensais com a participação de todos os
docentes envolvidos e reuniões semanais de cada grupo tutorial. Foram
realizadas atividades de capacitação e aprofundamento em temas diversos,
no sentido de qualificar os integrantes dos grupos tutoriais para as ativi-
dades de pesquisa, de ensino e intervenção na atenção primária. O uso
de tais atividades como estratégia de educação permanente foi fundamen-
tal, pois empoderou o grupo para desafiar as resistências e estabeleceu um
acompanhamento e avaliação permanentes das ações, assim como manteve
a motivação e coesão do grupo.

218
Características dos docentes
Os docentes participantes foram indicados por seus respectivos departamen-
tos e a escolha dos professores-tutores levou em consideração as condições e os
critérios estabelecidos no Edital do PET-Saúde e a afinidade com a proposta,
assim como a inserção do docente na atenção primária. Todos os professores ti-
nham doutorado e experiência docente de mais de 14 anos, sendo esta uma ca-
racterística importante identificada em outros estudos (BARR; NORRIE, 2010;
BENNETT et al., 2011). A participação de docentes experientes na elaboração e
condução da proposta foi um aspecto essencial para seu desenvolvimento.
Como a maioria dos tutores não conhecia os pressupostos teóricos da EIP,
a condução de grupos tutoriais interprofissionais foi um desafio. Os docentes
utilizaram estratégias pedagógicas com as quais já tinham alguma familiarida-
de, sendo que Paulo Freire (FREIRE, 2012, 2013) foi a referência para muitos
planejarem e prosseguirem suas ações junto com o grupo tutorial.
O interesse pelo novo, a paixão pela docência, a atitude favorável a mudanças
na formação e a experiência em tutoria foram fatores de motivação e envolvi-
mento dos docentes com o projeto e a consolidação do SUS.
A gestão compartilhada do projeto transformou docentes, preceptores e es-
tudantes em protagonistas do projeto, desde a concepção até a análise dos resul-
tados. Os docentes desenvolveram competências para o trabalho em equipe e,
no fim do projeto, sentiram-se aptos para atuar, nos diferentes níveis de atenção
à saúde, em equipes interprofissionais.

Características dos estudantes


Participaram estudantes das etapas iniciais dos cursos até o penúltimo período.
Os estudantes do PET-Saúde participaram de um amplo processo de seleção,
evidenciando interesse e motivação para a atividade. O perfil dos estudantes foi
apontado como um facilitador, pois, além da motivação, eles apresentavam dispo-
nibilidade para o novo. Aqueles que estavam nas etapas iniciais eram mais dispo-
níveis, e os mais avançados em seus cursos compartilhavam as experiências e con-
tribuíam com o grupo e com o serviço, promovendo reflexões sobre o processo de
trabalho, a gestão e a estrutura dos serviços de saúde. A convivência entre os pro-
fissionais e estudantes das diferentes áreas promoveu uma reflexão sobre papéis
profissionais, diminuindo o preconceito e as diferenças. Os docentes e preceptores
aprenderam com os alunos, principalmente, novas tecnologias de comunicação.

219
O processo

A estrutura e dinâmica do projeto do PET-Saúde foi construída pelo grupo


de tutores, preceptores e estudantes que, após um ano de desenvolvimento, ela-
borou seu modelo teórico e educacional, apresentado na figura 2 (CÂMARA;
GROSSEMAN; PINHO, 2015).

Figura 2. Estrutura e modelo teórico do PET-Saúde UFMG/SMS/BH

220
Os grupos tutoriais desenvolveram suas atividades integrados às equipes de tra-
balho dos centros de saúde participantes. A dedicação era de no mínimo oito horas
semanais às atividades interativas no espaço de trabalho: projetos de promoção à
saúde com a comunidade e de pesquisa segundo as necessidades do SUS; e ativida-
des de capacitação em metodologia de pesquisa e em temas relacionados à organiza-
ção do serviço. Foram também realizadas atividades de educação permanente para
os grupos tutoriais, como capacitações diversas em conteúdos específicos, levando
em conta as necessidades locorregionais, segundo as exigências do plano de trabalho
de cada grupo tutorial e avaliação do desenvolvimento do projeto.
Essa interação entre estudantes, docentes e profissionais do serviço no cuidado
individual e coletivo em cenários reais de aprendizagem foi o grande diferencial do
projeto. A articulação entre a instituição de ensino e a rede SUS intenciona que
todos os espaços de gestão e de serviços de saúde não sejam apenas meros cenários
de prática, mas que se constituam enquanto espaços de aprendizagem, tornando o
SUS uma rede-escola de cuidados capaz de articular o ensino, a gestão, a produção
de serviços e o controle social no seu cotidiano de práticas. Nesses espaços privile-
giados, a formação deve ser orientada pelas necessidades de saúde da população e
pelos desafios da prática profissional, amparada por uma abordagem interdiscipli-
nar de compreensão sobre a realidade do território, visando à formação estratégica
para a mudança das práticas em saúde a partir de uma construção interdisciplinar e
em equipe, fortalecendo na prática a Educação Permanente em Saúde.
Dessa forma, os grupos foram compostos por estudantes de diferentes cursos da
área de Saúde e preceptores de diferentes profissões, como médicos, enfermeiros,
psicólogos e assistentes sociais, que buscavam a constante troca de conhecimento e
forneciam apoio aos demais colegas a partir das especificidades de cada saber, desde
a concepção das atividades até sua execução e avaliação.
Esses grupos tutoriais se organizaram, sendo cada preceptor responsável por
uma dupla de estudantes. Assim, cada preceptor acompanhou o desenvolvimento
de dois estudantes, oportunizando feedback semanal e avaliação do portfólio. Ade-
mais, houve intercâmbio das diferentes áreas da Saúde na definição dos subgrupos
tutoriais, com capacitações teóricas integradas sobre diversos temas relacionados à
saúde. Foi possível observar que as atividades desenvolvidas com profissionais da
Unidade Básica de Saúde (UBS) e usuários revelaram aos integrantes do PET-Saú-
de a importância da interação de diferentes profissões e saberes para a efetivação
das práticas voltadas aos modos saudáveis de vida e integralização do cuidado ao

221
usuário, como oficinas, salas de espera e acompanhamento pelos estudantes das ati-
vidades dos diferentes profissionais. Segundo os docentes, os preceptores e agentes
comunitários de saúde foram estratégicos na condução de atividades de educação
em saúde e educação popular em saúde. Para a Organização Mundial da Saúde
(2003), as práticas educativas devem ser direcionadas para o desenvolvimento de
capacidades individuais e coletivas visando à melhoria da qualidade de vida, saúde e
autogerenciamento, principalmente no contexto das doenças crônico-degenerativas.
A Educação Popular em Saúde pode ser compreendida como um modo particular
de reconhecer e enfrentar os problemas de saúde mediante o diálogo com as classes
populares, o respeito às suas culturas e o reconhecimento dos seus saberes como
válidos, tendo como substrato o corpo teórico da Educação Popular, formulada por
Paulo Freire no Brasil (VASCONCELOS, 2007).
Os estudantes, primeiramente, passaram por todos os setores da UBS para
reconhecimento do funcionamento local e participaram do planejamento meto-
dológico das intervenções. Cada grupo tutorial desenvolveu ações em uma das
seguintes linhas de cuidado: Saúde da criança; Saúde do adolescente; Saúde da
mulher; Saúde do idoso; Saúde e ambiente; e Modos de vida saudáveis. A partir
dos resultados do planejamento, elaboraram propostas de intervenção e redação
dos artigos; propuseram e desenvolveram outros projetos de pesquisa a partir da
demanda da UBS; e apresentaram trabalhos em eventos científicos.
Com relação à assistência, os estudantes participaram de atividades de promoção
da saúde; grupos de prevenção e agravos; acompanhamento de atendimentos; visitas
domiciliares; e ações de gestão dos serviços (reuniões de equipe entre os profissionais
do NASF e as equipes de Saúde da Família; da comissão local de saúde; e do colegia-
do gestor do centro de saúde). Todos os grupos relataram a importante contribuição
dos agentes comunitários de saúde, que foram responsáveis pela acolhida dos estu-
dantes na unidade do serviço e na comunidade local.
As atividades desenvolvidas foram construídas com profissionais do servi-
ço, sendo que muitas delas foram incorporadas ao serviço permanentemente
e outras modificaram o processo de trabalho na unidade – modificação de
registro e procedimentos da sala de vacina, da identificação do perfil dos usuá-
rios da área de abrangência, do acompanhamento dos diabéticos insulinode-
pendentes e de grupos de educação em saúde.
O objetivo da educação interprofissional é preparar o estudante para a prá-
tica colaborativa, que resultará na melhoria da assistência e no cuidado do

222
paciente. Os resultados sugerem estratégias pedagógicas que podem facilitar
a aprendizagem colaborativa e ultrapassar barreiras estruturais e funcionais en-
contradas nos ambientes educacionais e na prática clínica, com práticas como:
ensino no cenário real de prática, prática reflexiva – em pequenos grupos tu-
toriais –, avaliação formativa, rodas de conversa e gestão compartilhada. Essas
estratégias foram importantes para a construção de um ambiente de segurança
afetiva, estimulando as relações, propondo situações de comunicação entre os
estudantes, favorecendo as atividades, permitindo o acesso às referências cul-
turais necessárias à aprendizagem e, enfim, subordinando o didático ao modo
como os estudantes atribuem um sentido às coisas e aos fatos.
Os estudantes tiveram a oportunidade de realizar projetos de pesquisa-ação e
foram frequentemente estimulados a fim de identificarem os problemas da reali-
dade e refletirem sobre ela, em um processo de aprendizagem e rompendo com a
proposição clássica de que a teoria precede a prática. A metodologia da problema-
tização foi norteadora do processo ensino-aprendizagem e estudos de situações-
-problema, uso de mapas conceituais e de narrativas, entre outras práticas edu-
cativas, foram utilizados, estimulando a reflexão crítica e experiência dialógicas.
Quanto às atividades desenvolvidas, todas foram pensadas, elaboradas e/ou
avaliadas por todo o grupo tutorial (tutor, preceptores e alunos) em rodas de
conversa quinzenais. Além disso, a maioria dos preceptores participou do curso
de capacitação de preceptores, oferecido pelo PET-Saúde, que abordou princí-
pios da educação de adultos, de avaliação e de estratégias de ensino.
O portfólio foi a estratégia de avaliação formativa e acompanhamento de
cada estudante, sendo avaliado pelo seu preceptor de referência, estruturado
com narrativas, estudos de casos e revisão de literatura, além da produção de
materiais educacionais. Os preceptores também construíram seus portfólios,
registrando a experiência de preceptoria como oportunidade de aprendizado e
desenvolvimento profissional. O docente-tutor acompanhou o desenvolvimen-
to de cada preceptor do seu grupo tutorial, acompanhando o registro de seu
portfólio e promovendo temas de capacitação.
A cada seis meses, as atividades eram reavaliadas e definidas novas estratégias
para superar as dificuldades e desafios identificados.
A incorporação das rodas de conversa foi considerada fundamental e estra-
tégica. A roda de conversa (CAMPOS, 2000) é um método de ressonância
coletiva que consiste na criação de espaços de diálogo em que todos podem

223
se expressar e, sobretudo, escutar os outros e a si mesmos. O objetivo é esti-
mular a construção da autonomia dos sujeitos por meio da problematização,
da troca de informações e da reflexão para a ação. Trocas de experiências,
conversas, discussão e divulgação dos conhecimentos constroem esse método
de trabalho desenvolvido junto com os grupos tutoriais para capacitar e forta-
lecer posturas coletivas e singulares favoráveis ao fortalecimento do SUS. No
projeto, esse espaço foi importante para autoanálise e autogestão, religando
as práticas de atenção com as ideias de gestão, dando a todos a liberdade de
discutir e expor suas ideias e opiniões. A participação livre e critica de todos –
tutor, preceptor e alunos – atribuiu sentido à prática educativa, notadamente
em relação à importância de um projeto terapêutico singular e à tomada de
decisão compartilhada (FREIRE, 2002; SAMPAIO et al., 2014).
O uso do portfólio como instrumento de avaliação formativa promoveu um
melhor acompanhamento de cada estudante e foi facilitador de um aprendizado
riquíssimo para os docentes sobre o saber e olhar do outro. Segundo Cotta, Costa
e Mendonça (2013), o portfólio é um método que proporciona um processo de
ensino-aprendizagem ativo, cujo enfoque está ancorado na comunicação dialógica
entre os diferentes sujeitos; a intenção é que os estudantes desenvolvam conhe-
cimentos, atitudes e habilidades. Nessa perspectiva, o portfólio representa uma
estratégia útil não somente para avaliação do desempenho, mas também como
instrumento para estimular a aprendizagem centrada nas competências.
A atitude e disponibilidade para aprendizagem interprofissional no contexto do
PET-Saúde foi avaliada pelo “Questionário de medida da disponibilidade para a
aprendizagem interprofissonal” (PEDUZZI, 2012), que utiliza um conjunto de
itens (perguntas) para medir a atitude e disponibilidade para o aprendizado inter-
profissional para trabalho em equipe. Os itens são distribuídos em três subescalas
(fatores) com as seguintes definições conceituais, com o número de itens no fator:
• Trabalho em Equipe e Colaboração (15) – relacionado a atitudes positi-
vas e disponibilidade para o aprendizado compartilhado.
• Identidade Profissional (6) – com itens que remetem a atitudes negativas
para a aprendizagem interprofissional e itens que se referem à autonomia pro-
fissional e objetivos clínicos da profissão.
• Atenção Centrada no Paciente (5) – atitude positiva e disponibilidade
para entender às necessidades da perspectiva do paciente baseadas em relação
de confiança, compaixão e cooperação.

224
A avaliação da disponibilidade para a aprendizagem interprofissional indica
que os estudantes que participaram do PET-Saúde foram mais sensibilizados
para o trabalho em equipe, colaboração, atenção centrada no paciente e iden-
tidade profissional, quando comparados aos estudantes que concluíram seus
cursos na UFMG e não participaram do PET-Saúde.

1. Trabalho em Equipe e Colaboração

Tabela 1. Medidas descritivas, teste estatísticos para o trabalho em equipe e colaboração


segundo sexo, participação no PET-Saúde, tempo de participação e curso de graduação
Variáveis Fatores N Média E.P 1º Q 2º Q 3º Q P-Valor

Feminino 237 0,847 0,014 0,786 0,929 1,000


Sexo < 0,001a
Masculino 56 0,716 0,035 0,607 0,768 0,875
Você participou Não 96 0,735 0,031 0,661 0,821 0,964
do Projeto PET- < 0,001a
UFMG? Sim 197 0,864 0,012 0,786 0,929 1,000

Menos de 3 meses 11 0,812 0,062 0,786 0,893 0,911


Tempo de
participação no De 3 a 6 meses 22 0,828 0,036 0,714 0,857 0,964
0,133b
Projeto PET- De 6 a 12 meses 108 0,854 0,017 0,786 0,929 1,000
UFMG
Acima de 12 meses 56 0,908 0,015 0,839 0,964 1,000
Educação Física 14 0,906 0,028 0,857 0,893 1,000
Enfermagem 29 0,873 0,024 0,750 0,929 1,000
Farmácia 22 0,873 0,036 0,821 0,946 1,000
Fisioterapia 33 0,902 0,024 0,893 0,964 1,000
Fonoaudiologia 18 0,903 0,024 0,821 0,929 1,000
Gestão de Serviços
9 0,837 0,052 0,786 0,857 0,964
de Saúde
Curso de
Medicina 78 0,669 0,038 0,500 0,750 0,964 < 0,001b
graduação
Medicina
19 0,810 0,036 0,714 0,821 0,929
Veterinária
Nutrição 23 0,958 0,011 0,929 0,964 1,000
Odontologia 9 0,869 0,039 0,750 0,893 1,000
Psicologia 16 0,786 0,046 0,679 0,821 0,929
Terapia
23 0,870 0,024 0,786 0,893 0,964
Ocupacional

Teste de Mann-Whitney
a

Teste de Kruskal-Walli
b

225
É interessante observar que os estudantes de Medicina apresentaram menor
disponibilidade para «trabalho em equipe e colaboração» em comparação com
estudantes dos demais cursos que participaram do PET-Saúde. Esses achados
concordam com outros estudos (EL-ZUBEIR; RIZK; AL-KHALIL, 2006;
REID et al., 2006) em que estudantes da graduação em Saúde tiveram uma
percepção positiva para EIP, especialmente uma disponibilidade para o “traba-
lho em equipe e colaboração”, sendo que, em pelo menos em outros dois estudos
(WHITEHEAD, 2007; ZWARENSTEIN; REVES; PERRIER, 2005), os
estudantes de Medicina pareciam ter uma atitude menos favorável.
Entre os entrevistados que participaram do projeto PET-Saúdel, o tempo de
participação não influenciou significativamente o valor do índice “trabalho em
equipe e colaboração”.

2. Identidade Profissional

Tabela 2. Medidas descritivas e testes estatísticos para o índice “Identidade Profissional”


conforme o sexo, participação no PET-Saúde, curso de graduação e tempo de participa-
ção

Variáveis Fatores N Média E.P 1º Q 2º Q 3º Q P-Valor

Feminino 237 -0,454 0,025 -0,750 -0,500 -0,250


Sexo 0,309a
Masculino 56 -0,395 0,053 -0,750 -0,500 -0,062

Você participou Não 96 -0,358 0,042 -0,750 -0,438 0,000


do Projeto PET- 0,013a
UFMG? Sim 197 -0,484 0,027 -0,750 -0,500 -0,250

Menos de 3 meses 11 -0,466 0,089 -0,688 -0,500 -0,250


Tempo de
De 3 a 6 meses 22 -0,307 0,097 -0,625 -0,312 0,125
participação no
0,100b
Projeto PET- De 6 a 12 meses 108 -0,484 0,035 -0,750 -0,625 -0,250
UFMG?
Acima de 12 meses 56 -0,556 0,049 -0,875 -0,625 -0,375

Continua na próxima página

226
Educação Física 14 -0,455 0,072 -0,750 -0,500 -0,250

Enfermagem 29 -0,556 0,061 -0,750 -0,625 -0,375

Farmácia 22 -0,438 0,094 -0,875 -0,438 -0,125

Fisioterapia 33 -0,686 0,047 -0,875 -0,750 -0,500

Fonoaudiologia 18 -0,417 0,095 -0,625 -0,562 -0,250

Gestão de Serviços
9 -0,389 0,111 -0,500 -0,375 -0,250
Curso de de Saúde
< 0,001b
graduação
Medicina 78 -0,252 0,050 -0,625 -0,250 0,125

Medicina Veterinária 19 -0,421 0,083 -0,688 -0,500 -0,125

Nutrição 23 -0,473 0,059 -0,625 -0,500 -0,312

Odontologia 9 -0,153 0,126 -0,500 -0,125 0,250

Psicologia 16 -0,562 0,092 -0,875 -0,688 -0,188

Terapia Ocupacional 23 -0,652 0,053 -0,875 -0,750 -0,500

Teste de Mann-Whitney
a

Teste de Kruskal-Wallis
b

Os resultados apontam que os estudantes dos cursos de Medicina e Odonto-


logia tem mais forte “identidade profissional”, sendo que os do curso de Medi-
cina apresentaram diferença estatística quando comparados aos estudantes dos
demais cursos, corroborando o resultados de outros estudos (GILBERT, 2005;
JAMES, 1989; RISKA; KATARINA, 1993). Da mesma forma, os estudantes
do curso de Odontologia também apresentaram maior índice de “identidade
profissional” quando comparados com os de Fisioterapia e Terapia Ocupacio-
nal. O sexo e o tempo de participação no projeto PET-Saúde não influenciaram
significativamente os resultados do fator “identidade profissional”.
Barker, Bosco e Oandasan (2005), Barr e Norrie (2010), Gilbert (2005),
James (1989) e Riska e Katarina (1993) identificaram que, durante a prática
clínica, os estudantes de Medicina raramente interagem de forma colaborativa
com alunos de outros cursos, havendo, portanto, a tendência de conviverem so-
mente com colegas da mesma profissão. Esses resultados colocam em evidência
que o atual modelo de ensino clínico pode limitar o desenvolvimento de rela-
ções positivas entre os alunos de diferentes profissões e restringe a compreensão
e o respeito para os papéis de cada profissional. O ambiente educacional deve
reconhecer e valorizar as diferenças entre profissões e estabelecer laços de con-
fiança e respeito, preparando o futuro profissional para o trabalho colaborativo.

227
3. Atenção Centrada no Paciente

Tabela 3. Medidas descritivas e testes estatísticos para o índice “Atenção centrada no


paciente”, conforme o sexo, participação no PET-Saúde, curso de graduação e tempo de
participação no PET-Saúde
Variáveis Fatores N Média E.P 1º Q 2º Q 3º Q P-Valor

Feminino 237 0,909 0,014 0,875 1,000 1,000


Sexo 0,005a
Masculino 56 0,833 0,034 0,750 0,938 1,000

Você participou Não 96 0,852 0,025 0,750 1,000 1,000


do Projeto PET 0,023a
- UFMG Sim 197 0,916 0,015 0,875 1,000 1,000

Menos de 3 meses 11 0,932 0,031 0,875 1,000 1,000


Tempo de
participação no 3 a 6 meses 22 0,926 0,027 0,875 1,000 1,000
0,993b
Projeto PET- 6 a 12 meses 108 0,898 0,027 0,875 1,000 1,000
UFMG
Acima de 12 meses 56 0,942 0,014 0,875 1,000 1,000

Educação Física 14 0,866 0,048 0,750 0,938 1,000


Enfermagem 29 0,888 0,062 0,875 1,000 1,000
Farmácia 22 0,869 0,046 0,875 1,000 1,000
Fisioterapia 33 0,936 0,034 1,000 1,000 1,000
Fonoaudiologia 18 0,958 0,018 0,875 1,000 1,000
Gestão de Serviços
Curso de 9 0,611 0,113 0,375 0,750 0,750
de Saúde < 0,001b
graduação
Medicina 78 0,923 0,017 0,875 1,000 1,000
Medicina Veterinária 19 0,822 0,034 0,750 0,875 0,938
Nutrição 23 0,951 0,017 0,875 1,000 1,000
Odontologia 9 0,847 0,110 0,875 1,000 1,000
Psicologia 16 0,961 0,025 1,000 1,000 1,000
Terapia Ocupacional 23 0,826 0,088 0,875 1,000 1,000

Teste de Mann-Whitney
a

Teste de Kruskal-Wallis
b

Observou-se diferença significativa do índice atenção centrada no paciente entre


os respondentes em relação à participação do PET-Saúde, sendo que o grupo que
participou do projeto apresentou maiores valores em relação aos respondentes que
não participaram. Apesar da igualdade das medianas entre os dois grupos, pelos
valores da média e do 1º quartil, nota-se que o grupo que participou do PET-Saúde
tendeu a concordar mais com os itens do fator “atenção centrada no paciente”.

228
Constatou-se ainda que há diferença significativa do índice “atenção centrada no
paciente” entre pelo menos um dos cursos de graduação. Com o teste de compara-
ções múltiplas, verificou-se que os cursos de Gestão de Serviços da Saúde e de Me-
dicina Veterinária apresentaram o índice “atenção centrada ao paciente” estatistica-
mente menor do que os cursos Psicologia e Fonoaudiologia, ou seja, estudantes dos
cursos de Gestão de Serviços da Saúde e Medicina Veterinária tendem a concordar
menos com os itens do constructo “atenção centrada no paciente” do que os demais
cursos. Entre os que participaram do PET-Saúde, observou-se que o tempo de per-
manência não influencia o valor do índice “atenção centrada no paciente”.
Cabe destacar que os participantes foram predominantemente do sexo fe-
minino. Observou-se diferença significativa nos índices “trabalho em equipe e
colaboração” e “atenção centrada no paciente” entre os sexos, sendo que os parti-
cipantes do sexo feminino tiveram maior concordância com os itens deste fator.
A teoria da socialização sugere que a identidade de gênero poderá resultar em
escolhas profissionais que se encaixem e suportem os estereótipos de gênero.
Tal como observaram James (1989) e Riska e Katarina (1993), às mulheres
tendem a ser atribuídos os “trabalhos com as pessoas” e o “trabalho emocional”
devido à sua suposta “competência natural” para esse tipo de trabalho.

229
O produto

Nossa analise descritiva dos resultados está sintetizada no quadro 2:

Preditores Processo Produto


Contexto
Política Indutora
Edital PET
Financiamento de bolsas para alunos,
docentes e preceptores; e locorregião
Número de estudantes (12 bolsistas,
1 voluntário por GT); tempo e
espaço disponivels
Créditos curriculares
Abordagem de ensino-aprendizagem Nível 1 - Atitude positiva dos participantes
Relacionamento com outros atores-chaves
Grupos interprofissionais Nível 2a - Mudança de atitudes reciprocas
Graduação ou percepções entre grupos participantes
Atividade de extensio Nível 2b - Aquisição de conhecimentos
Aprendizado no trabalho e/ou habilidades, incluindo as ligadas à
Características dos professores colaboração interprofissional
Concepção de ensino, aprendizagem Pesquisa contextualizada Competências colaborativas
centrada no aluno Encontros de supervisão semanais Trabalho colaborativo
Disponibilidade para o novo Expertise Duração da experiência de 3 a 24 meses Identidade profissional
Entusiasmo Avaliação formativa, aprendizagem dialógica
em grupos tuteriais Atenção centrada no paciente
Experiência na atençlo primária
Equipe de ensino, pofissionais do serviço Nível 3 - Mudança de práticas
e professores Nível 4 - Mudança na organização e
Relacionamento com outros atores-chaves prestação de cuidados

Características dos estudantes


Graduação
Disponibilidade para o novo
Entusiasmo
Conhecimento e interesse

Quadro 2. Uma análise descritiva do PET-Saúde UFMG a partir do modelo 3P

A análise descritiva do PET-Saúde a partir do modelo de avaliação de pro-


grama educacional 3Ps (quadro 2) nos permite visualizar, de maneira integrada,
os elementos do PET-Saúde UFMG (contexto e características dos docentes
e alunos) e as interações com o processo e os produtos. É interessante observar
que o processo é dinâmico e se retroalimenta, uma vez que interage com carac-
terísticas de professores, profissionais, estudantes e comunidade, assim como o
produto interage com eles e com o contexto.
A avaliação do programa de EIP do PET-Saúde da UFMG identificou
resultados em três categorias:
Nível 1 – Atitude positiva dos participantes
Nível 2a – Mudanças de atitudes recíprocas ou percepções entre grupos
participantes
Nível 2b – Aquisição de conhecimentos e/ou habilidades, incluindo as liga-
das à colaboração interprofissional.

230
Disponibilidade para:
• Trabalho colaborativo
• Identidade profissional
• Atenção centrada no paciente

Figura 3. Gráfico de barras com erro representando a média e os intervalos de 95% de


confiança do índice “Trabalho em equipe e colaboração” segundo o local de inserção do
grupo PET-Saúde

231
Figura 4. Gráfico de barras com erro representando a média e os intervalos de 95% de con-
fiança do índice “Identidade profissional” segundo o local de inserção do grupo PET-Saúde

Figura 5. Gráfico de barras com erro representando a média e os intervalos de 95% de


confiança do índice “Atenção centrada no paciente” segundo o local de inserção do grupo
PET-Saúde

232
As figuras 3, 4 e 5 demonstram, a partir dos intervalos de confiança, a va-
riabilidade dos grupos tutoriais nos diferentes contextos de inserção nos três
índices de construção de competências – trabalho colaborativo, identidade pro-
fissional e atenção centrada no paciente. Esses resultados colocam em evidência
a interação entre o processo e os elementos preditores (contexto, características
dos docentes e alunos) e destes com o produto (construção de competências).
Em geral, uma avaliação dos resultados a partir do modelo 3P concentra-se
em um ou mais níveis. Nosso estudo identificou resultados em três níveis que são
coerentes com os relatados por Banks e Janke’s (1998), Bond (1997), Falconer et
al. (1993) e Janson et al. (1997), especialmente na reação favorável às experiências
de aprendizagem compartilhada (Nível 1); mudança de percepção entre os dife-
rentes grupos tutoriais no que se refere à utilização da abordagem de cuidado em
equipe e atenção centrada no paciente (Nível 2a); e desenvolvimento de habilida-
des e competências ligadas à colaboração interprofissional, a exemplo do trabalho
em equipe e da atenção centrada no paciente (Nível 2b). A avaliação realizada por
Banks e Janke’s (1998) de uma sessão de EIP para estudantes de Enfermagem,
Terapia Ocupacional, Fisioterapia e Serviço Social revelou reação favorável sobre
a experiência de aprendizagem compartilhada interprofissional (Nível 1) e apren-
dizado sobre outros papéis profissionais (Nível 2b). Já o estudo de Bond (1997)
identificou que a equipe de saúde começou a trabalhar em conjunto de forma mais
colaborativa (Nível 3). Falconer et al. (1993) identificaram uma maior satisfação
do paciente e redução do tempo de permanência do paciente (Nível 4b); Janson
et al. (1997) constataram o desenvolvimento de relações mais estreitas de colabo-
ração entre participantes (Nível 3); e DePoy, Wood e Miller (1997) registraram
melhora nas atitudes para outros grupos profissionais (Nível 2a).
O PET-Saúde ofereceu de modo muito especial a oportunidade para que a
UFMG e a SMSA desenvolvessem os objetivos do Pró-Saúde (BRASIL, 2005,
2008), estruturados em três eixos: 1) orientação teórica com foco no fortaleci-
mento da compreensão dos determinantes sociais do processo saúde-doença;
2) cenário de práticas que objetiva fortalecer a articulação ensino-serviço-co-
munidade e ser diversificado, de forma que a realidade dos serviços de saúde se
configure como espaço de formação, reflexão e integração dos serviços próprios
das instituições formadoras com a rede de serviços do SUS; e 3) orientação
pedagógica que se debruça sobre mudanças curriculares e práticas pedagógicas
que fundamentam o processo de ensino-aprendizagem.

233
O PET-Saúde conseguiu a inserção dos estudantes desde o início dos cursos
na rede de saúde, sensibilizando o cenário para o acolhimento de estudantes de
todas as áreas. Ao mesmo tempo, aproximou a academia aos cenários reais de
prática na atenção básica à saúde, destacando seus elementos determinantes:
territorialidade, intersetorialidade e interdisciplinaridade.
O PET-Saúde representou uma oportunidade de formação em serviço para
os profissionais envolvidos, revelando-se uma estratégia potente de Educação
Permanente. Os projetos desenvolvidos pelos grupos tutoriais, assim como os
resultados das investigações desenvolvidas, contribuíram para a qualificação da
assistência e do processo de trabalho nas UBSs.
A integração do ensino, pesquisa e extensão, por meio de ações interdis-
ciplinares e interprofissionais, foi destacada como um dos pontos fortes do
projeto pelos tutores, preceptores e estudantes, tanto que muitos preceptores
interessaram-se pela pós-graduação stricto sensu, tendo como foco de pesquisa
os desafios da atenção básica.
Em relação às mudanças curriculares, a UFMG apresenta uma situação mui-
to heterogênea entre os 11 cursos da saúde envolvidos. Entende-se que a ade-
quação dos currículos às Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) de cada
curso é um objetivo de médio/longo prazo cuja execução extrapola a governa-
bilidade do PET-Saúde, embora sua potencial contribuição seja indiscutível.
Mudanças na prática pedagógica e novas estratégias de ensino-aprendizagem
foram incorporadas aos cursos pelos docentes-tutores, assim como projetos in-
terdepartamentais de ensino, pesquisa e extensão.
Quanto ao desenho do projeto, constatou-se que o modelo de ensino-apren-
dizagem em pequenos grupos interprofissionais, a responsabilização do precep-
tor pelos bolsistas, a metodologia dialógica, a avaliação formativa e a interação
com profissionais de serviço e usuários o tornaram uma experiência inovadora.
Além disso, o projeto estimulou a reconfiguração de saberes relacionados com o
ensinar e o aprender e com a relação teoria-prática.

Considerações finais

Avançar na implementação da EIP, a partir do modelo teórico proposto no


PET-Saúde UFMG, como estratégia de formação profissional para o SUS exige

234
conhecimento e análise aprofundados do processo e das demandas da educação
pelo trabalho, da reconfiguração do modelo assistencial, das ações propostas de
integração ensino-serviço e das oportunidades para a formulação e ampliação das
iniciativas para o desenvolvimento de habilidades e competências profissionais.
O estudo identificou que o PET-Saúde da UFMG possibilitou o enfrenta-
mento de alguns fatores considerados desafios para a EIP, assim como revelou
elementos ativadores de sucesso. A proposta de grupos tutoriais interprofissio-
nais inseridos no serviço, tendo a pesquisa como eixo condutor das ações e uma
aprendizagem dialógica, facilitou o processo de socialização e a prontidão para
o trabalho em equipe, a identidade profissional e a atenção centrada no paciente.
Além disso, a proximidade de docentes, estudantes e profissionais estreitou a
integração ensino-serviço. Questões administrativas, como o desafio da compa-
tibilidade de horário dos alunos e dos profissionais de serviço, foram enfrenta-
das com muito diálogo e negociação entre os integrantes dos grupos, mas ainda
consistem em um desafio para a implementação da EIP.
Outro aspecto importante identificado no estudo foi que o tempo de expo-
sição do estudante às experiências de aprendizagem interprofissional não in-
fluencia significativamente o valor dos índices “trabalho em equipe e colabora-
ção”, “identidade profissional” e “atenção centrada no paciente”. Esse dado indica
que ações educativas, vivências e projetos de curta duração de educação inter-
profissional podem também sensibilizar estudantes, docentes e profissionais do
serviço para a aprendizagem interprofissional.
Com ressalvas aos limites do estudo, no que se refere à singularidade do contexto
no qual foi desenvolvido, pode-se afirmar que a formação interprofissional fortalece
os vínculos e a corresponsabilidade nas práticas dos serviços de saúde. Para a polí-
tica de reorientação da formação dos profissionais da saúde, a experiência do PET-
-Saúde indica que ainda há alguns desafios a serem superados. O primeiro deles é
ampliar, nos fóruns das instituições de ensino, o debate e a formulação de estratégias
para que a formação interprofissional seja assumida como parte integrante dos pla-
nos de cursos. O segundo é trabalhar no sentido de que o conhecimento gerado
sobre a educação interprofissional na área da Saúde e as experiências dos grupos
tutoriais não fiquem restritos aos sujeitos mais diretamente envolvidos, mas sejam
também internamente discutidos e refletidos no fazer das instituições de ensino. O
terceiro consiste em dar maior visibilidade e espaço para o que as DCN recomen-
dam de forma mais clara no que tange à necessidade de serem desenvolvidas com-

235
petências comuns a todos os profissionais da saúde durante a formação profissional,
para a atuação em equipes interdisciplinares e interprofissionais.
Pesquisas futuras devem se concentrar tanto no desenvolvimento do corpo do-
cente para a EIP quanto no acompanhamento dos egressos das atividades de EIP.

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239
Autoras

Ana Maria Chagas Sette Câmara


Fisioterapeuta. Doutora em Ciências e Tecnologias em Saúde (UnB). Professora ad-
junta do Departamento de Fisioterapia da UFMG. Consultora da área de Fisioterapia
do Núcleo de Telessaúde de Minas Gerais. Desenvolve pesquisa nas áreas de Educação
Interprofissional e Prática Colaborativa na Saúde.
Diana Lúcia Moura Pinho
Professora Associada do Departamento de Enfermagem/Faculdade de Ciências da Saú-
de da Universidade de Brasilia/UnB, Docente Permanente dos Programas de Pós-Gra-
duação em Enfermagem/PPGENF e do Programa de Pós Graduação em Ciências e
Tecnologias em Saúde/PPGCTS da UnB. Bolsista de produtividade do CNPq-PQ2.
Desenvolve pesquisas no campo de Práticas do Cuidar em Saúde e Enfermagem; Edu-
cação e colaboração interprofissional em saúde.

240
241
I Colóquio Internacional de Educação e Trabalho
Interprofissional em Saúde
A educação e o trabalho interprofissional na promoção da
equidade nas redes de atenção à saúde no SUS

O aprofundamento do debate e a partilha de experiências durante o I Co-


lóquio Internacional de Educação e Trabalho Interprofissional em Saúde, in-
duziram movimento na perspectiva do compromisso com a construção, forta-
lecimento e consolidação de frentes de atuação e inovação em ensino, pesquisa,
extensão e prática da Educação e Trabalho Interprofissional no território brasi-
leiro, a partir da formação de rede colaborativa.
No intuito de congregar as reflexões e as proposituras que permearam o even-
to, foram convidados atores com histórias e experiências plurais no engajamento
às mudanças de práxis e de processos formativos na Educação e Trabalho Inter-
profissional para o debate de encerramento, sendo eles: Nildo Batista, docente
da Universidade Federal de São Paulo; Félix Rigolli, representante da Organiza-
ção Pan Americana de Saúde; Scott Reeves, docente da Kingston University & St
George’s, University of London; e George Dantas de Azevedo, docente da Univer-
sidade Federal do Rio Grande do Norte – Campus Caicó28.

28 A partir da transcrição do debate de encerramento, foi realizada preparação textual por Lélia Cápua
Nunes, Lucas Cardoso dos Santos e Anna Cristina Rodopiano de Carvalho Ribeiro, que buscaram
conferir concisão e fluidez às falas e preservar a potência e as singularidades do diálogo travado
entre os participantes.

242
Debate de Encerramento:
“Formação de rede colaborativa: Propostas para contribuição da
educação e trabalho interprofissional na luta pelo fortalecimento e
consolidação do Sistema Único de Saúde.”

Nildo Batista
Félix Rigolli
George Dantas de Azevedo

Nildo Batista

Estamos no momento certo, no lugar certo, na hora certa. Depois de termos


vivenciado tudo isso, ficaria um vazio enorme se não tirássemos daqui encami-
nhamentos e propostas de continuidade dessa discussão.
Esses dois dias, na verdade, trouxeram um pouco da nossa realidade a res-
peito da Educação Interprofissional. E, dentro dessa nossa realidade, nós rea-
firmamos a riqueza que, hoje, nós, no Brasil, vivenciamos: práticas de apren-
dizagens compartilhadas, treinamentos conjuntos, decorrentes em sua grande
maioria das políticas indutoras, das nossas adesões às Políticas do Ministério
da Saúde, Pró, PET, Residência Multiprofissional, Programa Mais Médicos.
O Brasil está vivenciando muito isto. Mas, ao mesmo tempo, nós vivenciamos
esta prática pedagógica e temos pouco conhecimento de que estas práticas
pedagógicas são princípios e fundamentos da Educação Interprofissional. E
essas nossas vivências são muito gratificantes quando nós escrevemos os Pró’s
e os PET’s que desenvolvemos.
Mas ainda temos pouco conhecimento do que nós podemos incorporar a
estas vivências, como uma proposta efetiva de Educação Interprofissional. En-
tão, temos o cenário montado, mas pouco conhecimento, ainda, no Brasil. As
pesquisas ainda são incipientes na área, apesar de muito promissoras.
Nós, no Brasil, estamos neste momento, com alguns poucos núcleos de pes-
quisas. São poucos para o que precisamos ter, mas já temos enfrentado um
grande desafio que é o de pesquisar as questões educativas que nos trazem de-
safios metodológicos e a necessidade de rupturas com desenhos de pesquisas
que estamos acostumados a fazer.

243
O campo da Educação Interprofissional se abre para nós como um campo
potente para pesquisa. É necessário refletirmos, apenas um minuto, e já come-
çam a brotar objetos de pesquisa a partir das nossas próprias práticas.
Neste momento, vários grupos começam a se constituir; estamos em um mo-
mento onde são várias as teses e dissertações sobre a Educação Interprofissional
que começam a ser produzidas e uma série de outras em produção. Nós esta-
mos neste momento!
Aqui temos vários colegas mestrandos, doutorandos animadérrimos com as
suas pesquisas. Então, apesar de incipiente, é um campo muito promissor, do
ponto de vista de pesquisa. Ainda pouco explorado do ponto de vista de fi-
nanciamento. Mas temos! Temos os grupos que são aqui constituídos; têm os
seus aceites de financiamento. Eu já tive do CNPq e de vários editais que tenho
concorrido e tenho ganhado, com financiamento de agências de fomento. E o
Pró-Ensino que foi um momento ímpar, onde o Ministério da Saúde, via CA-
PES, financiou projetos. E vários desses Pró-Ensino, também tomaram como
possibilidade explorar a Educação Interprofissional.
Temos um problema muito sério que é a ausência de publicações internacio-
nais. Estamos engatinhando do ponto de vista de publicações nos periódicos que
estão aí para veicular, justamente, as pesquisas sobre as práticas interprofissionais.
Frente a esta situação estabelecer redes colaborativas, que foi a fala da úl-
tima Mesa, torna-se extremamente propício. Redes colaborativas que pos-
sam nos fortalecer, enquanto grupos que estão desenvolvendo prática de
formação interprofissional.
O exemplo do PET, muito bem conduzido pela avaliação do Ministério da
Saúde, traz toda uma proposta que neste campo precisamos conhecer um pou-
co melhor, para que possamos fazer melhor e depois avaliar melhor.
Então, redes colaborativas nas práticas avaliativas e, claro, redes colaborativas
de pesquisa sobre Educação Interprofissional na graduação, na formação inicial,
nos Bacharelados Interdisciplinares que começam a aparecer no Brasil. E na
Educação Permanente, na formação continuada.
Então, eu acho que são potentes as redes colaborativas que, estimuladas por
esses dois dias, deixam uma sensação neste final de Colóquio de “Queremos
mais! Queremos avançar!”.

244
Félix Rigolli

Depois da participação de todos e do aprendizado acerca de coisas novas,


penso que temos um envolvimento muito mais amplo do que poderia parecer
no começo do Colóquio.
Eu, simplesmente, quero lembrar do que nós fizemos na OPAS e do que po-
derá ser feito no futuro para apoiar esta rede colaborativa, que poderá ter várias
formas e fontes. Dentro da OPAS apoiamos os Projeto PET e Pró-Saúde e eu
espero que de alguma forma isso continue.
Eu não sei se vai continuar, mas me parece que pelas avaliações de todos seria
muito triste que não continuássemos a apoiar.
Chamo a atenção que a prática interprofissional no SUS está integrada de
alguma forma a Estratégia de Saúde da Família, que passou de 34 mil a 39 mil
equipes de saúde, trabalhando um ao lado do outro. Nós sabemos que traba-
lham de forma interprofissional. Então, na verdade, se há um trabalho inter-
profissional, a Educação Interprofissional tem que estar vinculada ao fato que
incita uma prática interprofissional.
O SUS já tem, integralmente, uma prática que poderia e deveria ser mais in-
terprofissional, de forma que me parece uma dívida das instituições de ensino
adequar a formação aos 150, 200 mil profissionais que, no dia seguinte à formatu-
ra, pode ser que estejam trabalhando na equipe, apesar de terem sidos formados
isoladamente. Ou seja, no dia seguinte chegam e estão em uma equipe não saben-
do como fazer. Neste sentido, o Brasil não está atrás, o SUS é que está na frente.
O mercado de trabalho está na frente, digamos, da oferta formativa. E a
OPAS, durante esses anos, está fazendo pelo menos duas coisas que eu conhe-
ço: apoiando os editais temáticos de pesquisa que no ano passado foram feitos
para a Rede de Observatórios, mas que poderiam ter sidos feitos para pesqui-
sadores, para um Grupo de Pesquisa; E promovendo o prêmio InovaSUS, que
também está na SGTES e é feito pela OPAS, que é o que vimos hoje, inovação
que aparece no SUS em diferentes lugares, mas ninguém sabe porque não se
junta, não se sistematiza, não se comenta, estuda-se através de dissertações de
mestrado e teses de doutorado e quando aparece, consolida-se como inovação
que pode ser expandida para o resto do sistema.
Então, eu acho que de alguma forma a inserção do PET e Pró-Saúde, dos
editais de pesquisa sobre formação e da introdução dos Mais Médicos, impul-

245
sionaram muito o número de equipes completas que existem no SUS. E como
está funcionando isso na prática precisa vir junto com a educação permanente,
com a formação nas instituições de ensino. O terceiro InovaSUS, em 2016,
sobre formação interprofissional e práticas interprofissionais será bastante inte-
ressante e adequado e poderá mostrar o potencial do que já existe.

George Dantas de Azevedo

Eu vou tecer apenas alguns comentários, pois acho que já foi bastante discu-
tido de ontem para cá.
Chamo a atenção para esse momento que o Brasil vive, de expansão do Ensi-
no Superior, de ampliação de acesso especificamente na área médica, da expan-
são das Escolas Médicas.
E retomando a fala do Nildo, no início dessa sessão, e que eu faço das pala-
vras deles as minhas, acho que estamos no momento certo, na hora certa, no
lugar certo, com as pessoas certas, para fazermos isso acontecer.
Esses novos cursos talvez sejam a expressão maior da resistência. E por isso
vemos uma grande expansão de Escolas novas, algumas delas surgindo de forma
pioneira na região onde estão instaladas, sobre um novo paradigma educacional,
que prevê o estudante no centro do processo, o ensino baseado na comunidade e
no sistema de saúde. E aí, eu penso que esse é o momento propício para que essas
coisas novas aconteçam. Nós estávamos ontem, aqui, os quatro diretores de Esco-
las novas dizendo que nós não podemos deixar que isso, que esse projeto, que esse
programa, que essa política se transforme no que nós já temos hoje. Então, a gente
não pode correr o risco disso não dar certo. E, penso que o desafio da Interprofis-
sionalidade é um dos pontos mais importantes nesse processo.
Hoje nós temos aqui várias pessoas que pertencem às Comissões de Avalia-
ção dos Cursos e é uma tônica em todos os cursos a inserção da Interprofissio-
nalidade, do ensino na comunidade, do uso de metodologia ativas.
Então, todos os cursos dessa nova expansão, não somente nas instituições
públicas, mas também nas privadas, são concebidos sobre um novo modelo e
um novo paradigma. Então, nós vamos ter um percentual significativo de Esco-
las que nasceram com uma nova visão de ensinar Medicina e de estar inserido
em um sistema de saúde. Então, por isso penso que o momento é muito propí-

246
cio e nós precisamos construir as condições para isso. Eu cito algumas fortalezas
desse processo, sendo que uma delas foi muito falada aqui, que é o desafio da
resistência do corpo docente, e nessas novas Escolas todas, praticamente, tem
corpos docentes que já começaram multiprofissionais. Nós temos cursos hoje,
já nascendo com essa lógica, com corpos docentes com representatividade de
todas as áreas, derrubando assim paradigmas, de que para ensinar aos estudan-
tes de medicina tem que ser um médico.
Eu acho que não está apenas nisso, tem também o perfil do estudante que
está mudando, felizmente, com as políticas de promoção do acesso. Nós, hoje,
temos alunos de Medicina usuários do SUS. No curso de Caicó nós temos
uma parcela significativa de alunos que são usuários do Sistema Único de
Saúde. Nós temos alunos que são beneficiários das políticas públicas de dis-
tribuição de renda e de várias outras.
Então, são alunos que têm uma visão diferente e uma sensibilidade maior
para algumas questões. Então, acho que nós temos grandes potenciais para que
isso aconteça. Outro ponto que eu falo, relaciona-se a Rede, pois, esses cursos
estão em cidades pequenas e é diferente a receptividade dos profissionais das
cidades do interior e a dos profissionais daqui da capital, por exemplo.
O profissional de saúde, seja ele médico ou enfermeiro, da unidade da cidade
pequena, sente-se, extremamente honrado de receber um estudante de medici-
na que vai acompanhá-lo em seu processo de trabalho. Não só eles, mas todos
os profissionais da unidade de saúde se sentem honrados de ter estudantes ali.
Então, eu acho que nós temos um caminho fértil para isso. Por fim, dizer que a
despeito disso, nós não achamos que o jogo está ganho e que não há garantia de
que tudo vai dar certo nesse processo.
Realmente, tem desafios a serem enfrentados e para tanto o fortalecimento
da Rede é fundamental. Mas, infelizmente, nesses pequenos municípios, com
raras exceções, temos Redes de Saúde extremamente sucateadas, profissionais
com vínculos precarizados e isso tem que ser enfrentado para que a gente pos-
sa consolidar. E, tem a resistência de alunos, de professores; resistência que
não é apenas na medicina.
Então, eu acho que a gente precisa entender que a resistência à prática interpro-
fissional não é exclusiva da medicina. Acho que a gente precisa trabalhar isso em
todos os cursos e que essa resistência existe, mas que temos coisas boas também.
E, eu finalizo com uma fala de um aluno.

247
Recentemente, tive um feedback de um aluno de Santa Cruz, uma das cidades
onde acontece o estágio do último ano da medicina e que há um tempo atrás as
enfermeiras se retiraram da prática com os alunos pois esses eram resistentes a
atuarem com a enfermeira da Unidade.
Foi então que uma enfermeira me contou que o aluno ao chegar na Unidade, a
primeira coisa que disse foi: – Mas, quem falou para você que eu vim aqui para ficar
só como médico? Eu não vim aqui para aprender só com o médico. Eu quero, sim,
ficar com você, com o técnico na sala de vacina e com todos os outros profissionais.
Então, acho que a gente está quebrando isso. E o momento da expansão das
Escolas tem que ser usado como um grande gás para esse processo que todos
nós estamos vivenciando.

248
Autores

Nildo Alves Batista


Médico, pediatra. Mestre em Medicina (Pediatria) e Doutor em Medicina (Pediatria)
pela Universidade de São Paulo. Professor Titular da Universidade Federal de São Pau-
lo. Livre-Docente em Educação Médica pela Universidade Federal de São Paulo. Mem-
bro Titular da Academia de Medicina de São Paulo. Atual Presidente da Associação
Brasileira de Educação Médica (ABEM). Desenvolve atividades de ensino e pesquisa
relacionadas com a Educação Médica e com o Ensino na Saúde, com atuação principal-
mente nas áreas: educação médica, educação em saúde, docência e formação docente em
Medicina e ensino em Ciências da Saúde.
Felix Hector Rigoli
PhD em Ciências da Saúde, Universidade de São Paulo. Professor do Modulo Brasil,
School for International Training, Saúde e Globalização. Pesquisador Associado do Nú-
cleo de Bioética e Diplomacia em Saúde (NETHIS-FIOCRUZ). Especialista Sênior
OPAS e ISAGS-UNASUL na Área de Sistemas de Saúde. Pesquisador, palestrante
convidado e palestrante na Universidades de São Paulo, Universidade de Campinas
(UNICAMP), Universidade Federal de Rio de Janeiro, Universite de Montreal e Uni-
versidad de la Republica, Uruguai.
George Dantas de Azevedo
Professor Associado IV da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, orientador
do Mestrado Profissional em Ensino na Saúde e do Mestrado Profissional em Educação,
Trabalho e Inovação em Medicina (UFRN). Atual Diretor da Escola Multicampi de
Ciências Médicas do Rio Grande do Norte (UFRN). Doutorado em Medicina (Área
de Concentração: Tocoginecologia) pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo.

249
Carta de Natal, RN, Brasil

No Primeiro Colóquio Internacional de Educação e Trabalho Interprofis-


sional em Saúde, realizado em Natal (RN) nos dias 12 e 13 de julho de 2015,
foram discutidos e reconhecidos como principais desdobramentos e encami-
nhamentos futuros a ampliação e o aprofundamento da discussão da educação
e do trabalho interprofissional em saúde como potentes marcos teóricos, con-
ceituais e metodológicos para o fortalecimento do relevante papel das políticas
e estratégias indutoras de mudança da formação e do trabalho em saúde e das
Residências Multiprofissional em Saúde como espaços formativos para o efeti-
vo trabalho em equipe com vistas à integralidade no cuidado.
Frente a isso, algumas sugestões foram feitas e aprovadas pela plenária
final do colóquio:
1. Ampliar a discussão, inclusive conceitual, sobre a Educação Interprofissio-
nal no contexto das Residências Multiprofissionais em Saúde.
2. Aprimorar o processo de aproximação, aprendizagens compartilhadas e
treinamentos conjuntos com a residência médica, inclusive considerando o rele-
vante papel de preceptores de diferentes profissões da saúde, especialmente para
o desenvolvimento das competências comuns e das competências colaborativas
necessárias para o efetivo trabalho em equipe.
3. Sugerir a alteração do nome “Residência Multiprofissional” para “Residência
Interprofissional em Saúde”, tendo em vista o entendimento atual desses termos.
4. Considerando a importância política e acadêmica para a reorientação da
formação em saúde das políticas indutoras Pro-Saúde e Pet-Saúde, compreen-
der como fundamental sua continuidade, garantindo os avanços alcançados e a
ampliação de suas potências tanto para a formação quanto para a qualificação
dos serviços de saúde, em sintonia com o projeto político-ético do Sistema Úni-
co de Saúde (SUS), em uma perspectiva de educação emancipatória.
5. Mapear as experiências orientadas pela Interprofissionalidade nos serviços
e na formação em saúde – catálogo nacional.

250
6. Mapear, no contexto brasileiro, as pesquisas concluídas e em andamento
sobre Educação Interprofissional em saúde.
7. Organizar coletâneas, suplementos e cadernos para publicização, desta-
cando as contribuições do legado de Paulo Freire para essa discussão.
8. Captar financiamento via editais como Observatório, Programa Pesquisa
para o SUS (PPSUS) e InovaSUS para apoio e divulgação de iniciativas de
educação interprofissional em saúde.
9. Delinear uma pesquisa multicêntrica, abrangendo o território regional, lo-
cal e nacional; e estudos com outros centros no mundo.
10. Organizar eventos e/ou painéis em eventos científicos sobre a educação e
o trabalho interprofissional em saúde.
11. Estimular a incorporação dos marcos teórico-conceituais e metodológi-
cos da Educação Interprofissional na Rede das Novas Escolas Médicas, forta-
lecendo as inovações e ampliando o diálogo com outras formações em saúde.
12. Formar núcleos locais e regionais para a mobilização de escolas e expe-
riências em torno da Educação Interprofissional em saúde.
13. Formular propostas de desenvolvimento docente como estratégia po-
tente para o fortalecimento da Educação Interprofissional no contexto da for-
mação em saúde.
14. Elaborar comunidades de práticas como espaço de aprendizagem colabo-
rativa e em rede.
15. Desenvolver experiências on-line de discussão e aprofundamento concei-
tual sobre educação e trabalho interprofissional em saúde.
16. Tomar por base três grandes desafios para o fortalecimento e aprofunda-
mento do debate da Educação Interprofissional em saúde:
• Desafio teórico e conceitual: aprofundar estas questões com encontros, se-
minários e congressos em espaços formais e informais de formação e nos
cenários de produção dos serviços de saúde.
• Desafio político: incorporar a discussão da Educação Interprofissional em
outras instâncias de formulação de políticas de reorientação da formação e
do trabalho em saúde.
• Desafio organizativo: organização de uma rede brasileira, com missão, fina-
lidades e agenda de trabalho.
17. Reafirmar nosso reconhecimento ao trabalho, compromisso, envolvimen-
to e competência ética e política na condução de políticas e programas vincu-

251
lados à Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES),
do Ministério da Saúde, onde a professora Eliana Goldfarb Cyrino, atuou no
período de 2013 a 2015.

Natal, 13 de julho de 2015.

Autoria dos participantes

252
SOBRE O LIVRO EQUIPE DE REALIZAÇÃO
Formato: 15 X 21 cm Referências bibliográficas:
Macha: 12 x 18,4 cm Biblioteca do Campus de Botucatu, Unesp
Tipologia: Adobe Jenson Pro 10x15 Edição de texto
Papel: Polen (miolo) Renato Ribeiro (Preparação)
Cartão Supremo 250 g/m2 (capa) Liane Pilon (Revisão)
1ª edição: 2024 Tradução
Caroline Alberoni (inglês-português)
Editoração
Walter Flávio Costa
Capa
Walter Flávio Costa

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