Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
AUTOBIOGRAFIA
TRADUÇÃO
BRUNO ALEXANDER
THOMAZ PERRONI
Autobiografia
Benjamin Franklin
1ª edição — maio de 2019 — CEDET
EDITOR:
Felipe Denardi
TRADUÇÃO:
Bruno Alexander & Thomaz Perroni
PREPARAÇÃO DO TEXTO:
Danilo Carandina
REVISÃO ORTOGRÁFICA:
Juliana Amato
ILUSTRAÇÃO:
Fernando Mena
CAPA:
Mariana Kunii
DIAGRAMAÇÃO:
Pedro Spigolon
DESENVOLVIMENTO DE EBOOK:
Loope Editora — www.loope.com.br
FICHA CATALOGRÁFICA
Franklin, Benjamin.
Autobiografia / Benjamin Franklin; tradução de Bruno Alexander & Thomaz
Perroni — Campinas, SP: Editora Auster, 2019.
Título original: The Autobiography of Benjamin Franklin
ISBN: 978-65-80136-04-9
CONSELHO EDITORIAL:
Adelice Godoy
César Kyn d’Ávila
Silvio Grimaldo de Camargo
Auster — www.editoraauster.com.br
Capa
Folha de Rosto
Créditos
Parte I
Parte II
Parte III
Parte IV
Posfácio
PARTE I
Twyford, na casa do bispo da diocese de Santo Asaph, 1771.
Enviado a B. F. em N. E.
15 de julho de 1710
Josiah Franklin
e Abiah, sua esposa,
jazem aqui enterrados.
Viveram carinhosamente juntos em matrimônio
por cinqüenta e cinco anos.
Sem patrimônio ou qualquer ocupação lucrativa,
através do trabalho árduo e diligente,
com a bênção de Deus,
mantiveram confortavelmente
uma família numerosa,
e criaram treze filhos
e sete netos
de forma respeitável.
Por este exemplo, leitor,
encoraja-te a seres diligente em tua vocação,
e não percas a fé na Providência.
Ele foi um homem piedoso e prudente;
ela, uma mulher discreta e virtuosa.
Seu filho mais novo,
em consideração filial à sua memória,
coloca aqui esta lápide.
Recomendando-nos depois a
E ele ainda podia ter ligado a esta linha aquela que juntou — menos
adequadamente, na minha opinião — a uma outra:
Bem, mas não seria a falta de juízo (quando o homem está tão infe-
liz ao ponto de ter de buscá-lo) uma espécie de desculpa por sua
falta de modéstia? E então os versos não ficariam mais adequados
assim?
Nota: O que até agora escrevi foi com a intenção expressa no início
e, portanto, contém várias historietas de cunho familiar sem impor-
tância para os outros. O que doravante se segue foi escrito muitos
anos depois, em cumprimento aos conselhos contidos nessas car-
tas, e, desta forma, dirigidas ao público. Os acontecimentos trazidos
pela Revolução resultaram na interrupção.
1 Em 1752, na Inglaterra, Irlanda, País de Gales e nas colônias britânicas instituiu-se uma
mudança na contagem oficial do calendário, pela qual deixou-se de lado o calendário julia-
no (Old Style) e adotou-se o gregoriano (New Style); além disso, passou-se a considerar o
dia 1º de janeiro o início efetivo do ano, em vez do dia 25 de março, ou Lady Day, Dia da
Anunciação — NT.
2 Formato de livro em que páginas de texto são impressas numa só folha de papel, que en-
tão é dobrada duas vezes, produzindo assim quatro folhas (oito páginas). Cada folha de
um livro in quarto, portanto, representa um quarto do tamanho da folha original — NT.
3 The pilgrim’s progress, no original; clássico da literatura épica e alegórica protestante, es-
crito por John Bunyan — NT.
4 Daniel Defoe (autor de Moll Flanders e Robinson Crusoe), An essay upon projects [Um
ensaio sobre planos], 1697. Retratava a Inglaterra da época como uma era de projeções e
planejamentos — NT.
5 Cotton Mather (1663–1728) foi um pastor puritano bastante conhecido e influente nos
EUA do início do século XVIII. Neste livro — Bonifacius, or essays to do good —, instrui o
leitor a agir de modo humanitário e solidário — NT.
6 No original, Grub-street style. Uma rua de um distrito bem próximo de Londres, conhecida
por abrigar escritores de aluguel, poetas do baixo escalão e toda uma atividade pseudolite-
rária barata. Grub-street tornou-se depois um termo pejorativo para qualificar escritores pi-
caretas e de improviso, e, de modo geral, toda produção literária de baixo valor — NT.
7 The Spectator foi uma publicação diária criada na Inglaterra por Joseph Addison e Ri-
chard Steele, que circulou de 1711 a 1712 (foi reavivado em 1714 por seis meses). Cada
número tinha cerca de 2.500 palavras, sendo que a tiragem do primeiro foi de 555 exemp-
lares, publicados pela primeira vez em 1º de março de 1711. Os números publicados entre
1711 e 1712 foram reunidos posteriormente em sete volumes; o oitavo volume foi formado
pelos números que circularam em 1714. Grandes nomes da intelectualidade inglesa contri-
buíram para o jornal — NT.
8 Thomas Tryon (1634–1703); o livro em questão era, provavelmente, The way to health
(1691), seu livro mais famoso — NT.
9 Edward Cocker (1631–1675); seus escritos sobre aritmética foram editados e publicados
em 1678; a compilação tornou-se referência e passou de cem edições. Na época, tornou-
se costume dizer que tal conta estava “de acordo com Cocker”, no sentido de que estava
correta — NT.
10 John Seller (1632–1697), Practical navigation (1681); Samuel Sturmy (1633–1669), The
mariner’s magazine (1669) — NT.
11 A Lógica de Port-Royal, ou Logique de Port-Royal, é o nome mais conhecido para La lo-
gique, ou l’art de penser [A lógica, ou: a arte de pensar], importante livro didático de lógica,
publicado pela primeira vez anonimamente em 1662. Sabe-se que seus autores são Antoi-
ne Arnauld (1612–1694) e Pierre Nicole (1625–1695), membros proeminentes do movimen-
to jansenista, fortemente concentrado nas abadias de Port-Royal-des-Champs e Port-Royal
de Paris. Também Blaise Pascal (1623–1662) provavelmente contribuiu muito para o texto
— NT.
12 James Greenwood (1683–1737), An essay towards a practical english grammar (1711)
— NT.
13 Conhecido como Memorabilia de Xenofonte, ou Ditos e feitos memoráveis de Sócrates
— NT.
14 Anthony Ashley Cooper (1671–1713), terceiro Conde de Shaftesbury, político e filósofo
moralista, autor de Characteristics of men, manners, opinions, times (1711); e Anthony Col-
lins (1676–1729), filósofo inglês proponente do deísmo, autor de A discourse of free thin-
king (1713) — NT.
15 Creio que esse tratamento duro e tirânico que ele me dispendia foi uma das coisas que
imprimiram em mim a aversão ao poder arbitrário que permaneceu comigo durante toda a
vida.
16 Barquinho de um mastro e uma vela — NT.
17 Bradford havia sido impedido de imprimir livros sobre os religiosos quakers sem prévia
autorização, mas o fez mesmo assim. O livro do político quaker George Keith, New-En-
gland’s spirit of persecution transmitted to Pennsylvania, foi um dos impressos (aliás, o pri-
meiro livro impresso em Nova York) — NT.
18 Líderes da revolta dos camisards contra a promulgação do Édito de Fontainebleau por
Luís XIV, que revogava o Édito de Nantes e ordenava a destruição das igrejas huguenotes.
Muitos migraram para a Inglaterra e para a América à procura de refúgio — NE.
19 Lv 19, 27 — NT.
20 Ex 16, 3 — NE.
21 Moedas de ouro da época — NT.
22 As tipografias eram sempre chamadas de “capela” por seus funcionários, provavelmente
porque a primeira imprensa da Inglaterra foi instalada numa antiga capela, transformada
em tipografia — NT.
23 O Diário foi impresso por Jared Sparks a partir de uma cópia feita em Reading em 1787,
mas nele não constava o “Plano” — NT.
24 Robert Boyle, filósofo naturalista, proferiu uma série de preleções ou sermões (original-
mente oito por ano) voltados para a relação entre o cristianismo e a nova filosofia naturalis-
ta (a “ciência” de hoje) que emergia, na época, na sociedade européia — NT.
25 Certa vez, arranjei quinhentas libras para o filho dele.
PARTE II
Carta do Sr. Abel James, com notas sobre a minha vida (recebida em Paris)
Benj. Vaughan
Todos esses pontos podiam constituir uma boa doutrina, mas co-
mo não eram o tipo de doutrinação que eu esperava daquele texto,
desisti de encontrá-lo em qualquer outro tipo, desgostei-me e deixei
de ouvi-lo pregar. Alguns anos antes (a saber, em 1728), eu tinha
elaborado uma pequena liturgia em forma de oração para uso pes-
soal, intitulada Articles of belief and acts of religion [Artigos de fé e
atos religiosos]. Voltei a usá-la e não mais compareci às cerimônias
públicas. Minha conduta poderia ser repreensível, mas aqui a con-
fesso, sem tentar desculpar-me por ela. Meu objetivo é relatar os fa-
tos e não dar desculpas para eles.
Foi por essa época que concebi o árduo e arrojado projeto de al-
cançar a perfeição moral. Meu desejo era viver sem cometer nenhu-
ma falta, nunca. Queria dominar tudo o que me levasse a cometê-
las, fosse por inclinação natural, por hábito ou pelas companhias.
Como sabia, ou pensava que sabia, o que era certo e o que era er-
rado, não via por que não fazer sempre um e evitar o outro. Cedo,
porém, percebi que assumira uma tarefa mais difícil do que havia
imaginado. Enquanto tomava cuidado para não incorrer em determi-
nada falta, muitas vezes era surpreendido por outra. O hábito apro-
veitava-se da desatenção e a inclinação natural era, por vezes, mui-
to forte frente à razão. Por fim, concluí que a mera convicção espe-
culativa de que era do nosso interesse sermos completamente virtu-
osos não era suficiente para evitar nossos deslizes, e que os hábitos
contrários à virtude deveriam ser eliminados, e outros bons adquiri-
dos e sedimentados, antes de nos considerarmos capazes de uma
retidão constante e uniforme na conduta. Com esse propósito, ela-
borei o seguinte método.
Nas diversas enumerações das virtudes morais que conheci pelas
leituras, verifiquei que as listas variavam de tamanho, na medida em
que diferentes autores incluíam mais ou menos idéias sob o mesmo
tema. A temperança, por exemplo, foi limitada por muitos à comida e
à bebida, enquanto que outros estenderam seu significado para
abranger qualquer outro prazer, apetite, inclinação ou paixão, física
ou mental, até mesmo em relação à nossa avareza e ambição. Para
efeito de clareza, propus-me a usar mais temas, com menos idéias
ligadas a cada um, em vez de poucos nomes e um número maior de
idéias. Incluí, então, sob o nome de treze virtudes, tudo o que no
momento me ocorria como necessário e desejável, e anexei a cada
uma delas uma pequena descrição, expressando plenamente o al-
cance de seu significado.
Os nomes das virtudes, com seus respectivos preceitos, eram:
12. Castidade: Não use o sexo exceto para fins de saúde e procria-
ção; nunca até o torpor, a fraqueza ou de modo a prejudicar a repu-
tação e a paz do outro ou de si mesmo.
Manhã
5–8. Pergunta: Que boa ação realizarei no dia de hoje? Levantar,
lavar-me e proferir “Poderosa bondade!”. Planejar as tarefas do dia,
tomar a resolução do dia; prosseguir no presente estudo e café-da-
manhã.
8–12. Trabalhar.
Tarde
12–14. Ler, ou revisar minhas contas e almoçar.
14–18. Trabalhar.
Noite
18–22. Pergunta: Que boa ação realizei no dia de hoje? Guardar
as coisas em seu lugar. Jantar. Música, diversão ou conversas. Exa-
minar o dia.
22–5. Dormir.
26 Pr 22, 29 — NT.
27 Fl 4, 8 — NT.
28 Joseph Addison, estadista e célebre escritor inglês, cujos notáveis ensaios no Spectator
contribuíram para imprimir à literatura inglesa um rumo mais sério e cheio de dignidade
(1672–1719) — NT.
29 Tusculanas, 5.2.5.
30 Pr 3, 16–17.
31 James Thomson, poeta escocês da época — NT.
32 Nada mais adequado do que a virtude para construir a fortuna de um homem.
PARTE III
E screvo agora em casa, em agosto de 1788, sem o auxílio que
esperava dos meus papéis, muitos dos quais se perderam com
a guerra. Encontrei, no entanto, o seguinte.
Depois de mencionar o grandioso e extenso projeto concebido por
mim, parece adequado fazer um relato sobre o projeto e seu objeti-
vo. A primeira vez que ele me ocorreu aparece no seguinte pedaço
de papel, preservado por acaso:
Por essa época, minhas idéias eram de que a seita deveria come-
çar e se espalhar primeiro entre os homens jovens e solteiros; que
cada iniciado deveria não só declarar sua aceitação daquele credo
como também deveria ter procedido às treze semanas de exame e
prática das virtudes, segundo o modelo mencionado acima; que a
existência dessa sociedade deveria ser mantida em segredo até
atingir um número considerável, para evitar solicitações de admis-
são de pessoas indesejáveis, embora cada um dos membros deves-
se buscar, dentro do seu círculo de conhecidos, jovens corretos e de
boa índole a quem, com muita cautela, o projeto seria transmitido
aos poucos; que os membros deveriam contar entre si com o conse-
lho, o auxílio e o apoio uns dos outros, na promoção dos interesses,
do trabalho e do progresso na vida; que, como forma de nos distin-
guirmos, adotaríamos o título de “Sociedade dos Homens Livres e
Tranqüilos”: livres, porque pela prática e pelo hábito das virtudes es-
taríamos libertos do domínio do vício, e em particular pela prática da
diligência e da frugalidade, livres de dívidas, que expõem um ho-
mem ao constrangimento e a um tipo de escravidão de seus credo-
res.
Esse é o tanto que consigo lembrar do projeto, além de que o co-
muniquei parcialmente a dois rapazes, que o adotaram com certo
entusiasmo. No entanto, minhas condições limitantes, e a necessi-
dade de estar muito envolvido com meu negócio, fizeram que eu
adiasse o prosseguimento do projeto na época. Minhas múltiplas
ocupações, tanto públicas quanto particulares, levaram-me a conti-
nuar protelando sua realização, sem que fosse levado a efeito até
agora, que já não tenho mais forças ou energia suficientes para tal
empreitada. Ainda assim, porém, sou da opinião de que era um pla-
no viável e poderia ter sido muito útil na formação de uma grande
quantidade de cidadãos de bem. E não me senti desestimulado pela
aparente magnitude da tarefa, pois sempre acreditei que um homem
relativamente capaz pode conseguir efetuar grandes mudanças e
realizar grandes feitos para a humanidade se, antes, traçar um bom
plano e, ao eliminar todo tipo de diversão ou outros meios de empre-
gar o tempo que distraiam a atenção, fizer da execução daquele pla-
no seu único foco de estudo e de trabalho.
Em 1732, publiquei meu almanaque pela primeira vez sob o nome
de Richard Saunders. Dei continuidade a ele por cerca de 25 anos,
sendo popularmente conhecido por Poor Richard’s Almanac [Alma-
naque do pobre Richard]. Esforcei-me para torná-lo útil e interessan-
te e, assim, a demanda foi tão grande que obtive lucros considerá-
veis, vendendo quase dez mil exemplares por ano. Ao constatar que
era lido por muita gente, por circular em quase todos os bairros da
província, considerei-o um veículo apropriado para levar instrução à
gente comum, que dificilmente comprava outros livros. Tratei, por-
tanto, de preencher os pequenos espaços existentes entre as princi-
pais datas do calendário com dizeres e provérbios, especialmente
exaltações à diligência e à frugalidade como meios de obter riqueza,
para que incentivassem a virtude, considerando que é mais difícil
para aquele que passa necessidades agir sempre com honestidade
— conforme diz um dos provérbios: “Saco vazio não pára em pé”.
Reuni, então, provérbios que continham a sabedoria de muitos
povos e épocas e os dispus num texto coerente no prefácio do al-
manaque de 1757, como um longo discurso de um velho sábio aos
participantes de um leilão. Concentrar o foco naqueles conselhos,
até então espalhados, fez com que causassem maior impressão.
Aprovado universalmente, o texto foi copiado em todos os jornais da
Europa e reimpresso em tamanho maior na Grã-Bretanha, para ser
afixado nas casas. Foram feitas duas traduções para o francês e
grandes quantidades foram adquiridas pelo clero e pela alta socie-
dade para distribuição gratuita entre os paroquianos e moradores
pobres. Na Pensilvânia, como o texto desestimulava gastos inúteis
com bens supérfluos importados, alguns pensaram que ele tivera
uma parcela de influência na crescente fartura financeira observada
durante muitos anos após a sua publicação.
Considerava também o meu jornal como outro meio de transmitir
a instrução, e, tendo isso em vista, costumava imprimir ali trechos
retirados do Spectator e de outros autores moralistas. Às vezes, pu-
blicava pequenos textos meus, compostos a princípio para serem li-
dos no Junto. Dentre eles havia um diálogo socrático tentando pro-
var que, sejam quais forem seus deveres e suas capacidades, um
homem mau não merece ser chamado de sensato. E um artigo so-
bre abnegação, indicando que a virtude não terá sido alcançada até
se tornar um hábito e até estar livre do assédio das inclinações con-
trárias. Esses textos podem ser encontrados nos jornais do início de
1735, aproximadamente.
Ao conduzir o meu jornal, tive o cuidado de excluir todo tipo de di-
famação, calúnia e ataques pessoais, que nos últimos anos torna-
ram-se tão deploráveis para o nosso país. Sempre que me solicita-
vam incluir qualquer matéria dessa ordem — e alguns autores invo-
cavam, como era de seu costume, a liberdade de imprensa e que
um jornal era como uma diligência, em que o pagante tinha direito a
um lugar —, minha resposta era que, caso desejasse, o texto seria
impresso separadamente e o autor teria quantos exemplares quises-
se para ele mesmo distribuir, mas eu não assumiria a responsabili-
dade de divulgar seu insulto. Acrescentava também que o contrato
com meus assinantes era oferecer-lhes algo útil e interessante e
que não ocuparia as páginas com uma rusga pessoal que não lhes
dizia respeito, sendo, assim, ostensivamente injusto com eles. Mui-
tos dos impressores da atualidade não têm escrúpulos em satisfazer
a malícia dos indivíduos com falsas acusações sobre nossos carac-
teres mais nobres, alimentando animosidades e chegando a provo-
car duelos. Além de tudo, são tão indiscretos a ponto de imprimir co-
mentários imorais sobre o governo de estados vizinhos e até sobre
a conduta de nossos melhores aliados, daí resultando as con-
seqüências mais prejudiciais. Menciono esses assuntos como um
alerta aos nossos jovens tipógrafos, para que eles sejam estimula-
dos a não poluir suas impressoras e desgraçar sua profissão com
essas práticas infames: recusem-se a elas, ao observarem através
de meu exemplo que essa maneira de proceder não será, no geral,
prejudicial a seus interesses.
Em 1733, enviei um de meus artífices a Charleston, na Carolina
do Sul, onde precisavam de um tipógrafo. Equipei-o com impressora
e tipos e acertei uma sociedade, pela qual eu receberia um terço
dos lucros do negócio, pagando um terço das despesas. Era um ho-
mem instruído e honesto, porém ignorante em assuntos contábeis,
e, embora vez por outra enviasse algumas quantias, não conseguiu
acertar a contabilidade de nossa sociedade num nível satisfatório
enquanto viveu. Quando ele adoeceu o negócio continuou com a
viúva, que nascera e se criara na Holanda, onde o conhecimento de
contabilidade fazia parte da educação feminina, como fui informado.
Ela não só me enviou o balanço mais claro possível das transações
passadas como também prosseguiu com registros trimestrais com
extrema regularidade e exatidão, conduzindo o negócio com tama-
nho sucesso que não só criou uma família de boa reputação como
também, ao término do contrato da sociedade, foi capaz de arrema-
tar a tipografia, estabelecendo o filho.
Menciono aqui este assunto principalmente para recomendar
aquele ramo de educação às nossas jovens, por ser, talvez, de mai-
or utilidade para elas e seus filhos do que música ou dança, no caso
de uma viuvez, por protegê-las de possíveis perdas nas mãos de
homens ardilosos e dar-lhes condições para administrar um estabe-
lecimento comercial lucrativo, com correspondência estabelecida,
até que um filho cresça para assumi-lo e continuar com ele, para o
benefício duradouro e enriquecimento da família.
Por volta de 1734 chegou aqui um jovem chamado Hemphill, pre-
gador presbiteriano vindo da Irlanda. Com sua bela voz, fazia exce-
lentes preleções que pareciam de improviso e congregavam um
considerável número de pessoas de diferentes credos, que corriam
para admirá-lo. Tornei-me, entre os demais, um de seus constantes
ouvintes, já que seus sermões me agradavam por serem pouco dog-
máticos, embora inculcassem com veemência a prática da virtude,
ou o que a religião chama de boas obras. Contudo, aqueles de nos-
sa congregação que se consideravam presbiterianos ortodoxos de-
saprovavam sua doutrina e tiveram o apoio da maior parte do velho
clero para acusá-lo de heterodoxia perante o sínodo, de modo que
ele fosse silenciado. Tornei-me seu fiel partidário e contribuí o máxi-
mo que pude para constituir um grupo para defendê-lo, e combate-
mos a seu favor, por algum tempo, com algumas esperanças de su-
cesso. Muito se escreveu contra e a favor na ocasião, e percebendo
que, embora fosse um elegante pregador, ele era um escritor medío-
cre, coloquei minha pena a seu serviço e escrevi dois ou três panfle-
tos e um artigo para a Gazette de abril de 1735. Esses panfletos,
conforme acontece em geral com escritos polêmicos, embora fos-
sem lidos com avidez, logo saíam de moda, e duvido que ainda
exista um exemplar sequer deles.
No transcorrer da polêmica, um incidente infeliz atingiu gravemen-
te sua causa. Um de nossos adversários, ao ouvi-lo fazer um ser-
mão muito elogiado, pensou que já o lera em algum lugar antes, ou
pelo menos parte dele. Ao pesquisar, encontrou o trecho citado por
extenso em uma das British Reviews, retirado de um artigo do Dr.
Foster. Foi uma constatação que desgostou muitos do nosso grupo,
que por isso abandonaram a causa de Hemphill, e acelerou nossa
derrota no sínodo. No entanto, fiquei ao lado dele, por preferir que
ele nos oferecesse bons sermões de autoria de outros do que ser-
mões ruins de sua autoria, embora esta fosse a prática de nossos
pregadores habituais. Mais tarde, ele me revelou que nenhum dos
sermões que fizera era de sua autoria e acrescentou que sua me-
mória era tão prodigiosa que ele conseguia reter e repetir qualquer
sermão depois de uma única leitura. Após a nossa derrota, ele nos
deixou para buscar melhor sorte noutro lugar e eu saí da congrega-
ção, abandonando-a para sempre embora continuasse, por muitos
anos, com minha contribuição de apoio aos pastores.
Em 1733, comecei a estudar línguas estrangeiras e logo consegui
dominar o francês de modo a poder ler livros franceses com facilida-
de. Em seguida, passei para o italiano. Um conhecido, que também
estava aprendendo o idioma, costumava me convidar para jogar xa-
drez. Percebendo que aquilo consumia muito do meu tempo dispo-
nível para estudar, acabei recusando-me a jogar, a não ser com uma
condição: que o vencedor de cada partida tivesse o direito de impor
uma tarefa, fosse em partes da gramática para decorar ou em tradu-
ções, etc., que o perdedor deveria cumprir antes do encontro se-
guinte. Como nosso jogo era bastante equilibrado, assim combatía-
mos naquela língua. Mais tarde, com um pequeno esforço, aprendi
espanhol suficiente para a leitura de livros.
Já mencionei que estudara apenas um ano no curso de latim, ain-
da muito jovem, e que, depois, negligenciei totalmente essa língua.
Mas depois de travar conhecimento com o francês, o italiano e o es-
panhol, fiquei surpreso ao verificar, lendo um testamento em latim,
que compreendia muito mais daquele idioma do que imaginava, o
que me estimulou a retomar seu estudo, quando fui ainda mais bem-
sucedido, pois as línguas anteriores facilitaram imensamente o meu
caminho.
Considerando tais circunstâncias, fui levado a pensar que existe
certa incoerência em nosso modo de ensinar idiomas. Dizem que é
adequado começar pelo latim e que, depois de adquiri-lo, fica mais
fácil aprender as línguas modernas dele derivadas. Ainda assim,
não começamos pelo grego para facilitar o aprendizado do latim. É
verdade que, se você puder escalar e chegar ao topo de uma esca-
daria sem usar os degraus, será mais fácil passar por eles na desci-
da. Mas, certamente, se você começar pelo degrau mais baixo, será
ainda mais fácil chegar ao topo. Assim, eu levaria à consideração
daqueles que supervisionam a educação de nossa juventude se,
uma vez que muitos daqueles que começam com o latim o abando-
nam depois de se dedicar por alguns anos sem adquirir uma boa
proficiência, e o que aprenderam se torna quase inútil, pois que seu
tempo foi perdido, não seria melhor começar pelo francês, passando
para o italiano, etc., porque, embora levando o mesmo tempo para
aprender outros idiomas, eles poderiam abandonar os estudos des-
tes sem jamais chegar ao latim, mas em compensação teriam
aprendido outra língua, ou duas, que poderiam lhe ser úteis na vida
atual.
Após ausentar-me de Boston por dez anos, e por estar em condi-
ções mais favoráveis, fiz uma viagem até lá para visitar meus paren-
tes, que não pudera visitar antes. Na volta, passei por Newport para
ver o meu irmão, ali estabelecido com sua tipografia. Nossas antigas
diferenças tinham sido esquecidas e o encontro foi bastante cordial
e afetuoso. Sua saúde piorava aos poucos e ele me pediu que,
quando morresse, o que segundo ele não deveria tardar muito, eu
levasse comigo seu filho, então com dez anos, e o introduzisse no
negócio da tipografia. Assim procedi, mandando-o à escola por al-
guns anos antes de levá-lo para a oficina. A mãe dele levou o negó-
cio adiante até que ele ficasse adulto, quando então ajudei-o com
um sortimento de tipos novos, já que os de seu pai estavam desgas-
tados. Foi assim que resgatei por completo a falta cometida com
meu irmão ao deixar de trabalhar com ele tão cedo.
Em 1736 perdi um de meus filhos, um bom menino de quatro
anos, acometido de varíola. Lamentei amargamente por muito tem-
po, e ainda lamento, não o ter tratado com inoculações. Menciono-o
aqui em consideração aos pais que evitam esse procedimento, su-
pondo que jamais se perdoariam se o filho viesse a morrer por cau-
sa dele. Meu exemplo mostrou que o lamento pode ser igual em am-
bos os casos e que, portanto, o mais seguro seria optar pelo trata-
mento.
Nosso clube, o Junto, mostrou-se tão útil e trouxe tamanha satis-
fação a seus membros que vários deles quiseram apresentar seus
amigos, o que não poderia ser feito sem exceder o número que jul-
gávamos conveniente, a saber, doze. Desde o início, havíamos es-
tabelecido a regra de manter nossa instituição em segredo, que foi
bem observada. A intenção era evitar o pedido de admissão de pes-
soas inapropriadas, algumas das quais, talvez, tivéssemos dificulda-
de de recusar. Fui um dos contrários a qualquer acréscimo ao nosso
número, mas, como contraponto, redigi uma proposta para que cada
membro se esforçasse para formar um clube subordinado, com as
mesmas regras em relação aos quesitos, etc., mas sem mencionar
a ligação com o Junto. As vantagens apresentadas eram: o aperfei-
çoamento de um número muito maior de jovens cidadãos ao faze-
rem uso de nossas instituições; uma noção melhor dos sentimentos
gerais da população em qualquer ocasião, na medida em que o
membro do Junto deveria propor [ao seu subgrupo] os quesitos que
desejássemos e reportar ao Junto o que se passasse no subgrupo;
a promoção de nossos interesses particulares em termos de negóci-
os, graças a recomendações mais freqüentes, e ao aumento de nos-
sa influência sobre a esfera pública e do nosso poder de fazer o
bem, ao espalhar os sentimentos do Junto pelos diversos subgru-
pos.
O projeto foi aprovado e cada membro tomou para si a tarefa de
formar seu clube, embora nem todos tivessem êxito. Apenas cinco
ou seis clubes se formaram, com diferentes nomes como Videira,
União, o Grupo, etc. Os clubes eram úteis para eles mesmos e nos
proporcionavam bastante divertimento, informações e instrução,
além de corresponderem, num grau considerável, às nossas visões
de influenciar a opinião pública em determinadas ocasiões, que
exemplificarei ao longo do tempo, conforme ocorreram.
Minha primeira promoção foi ter sido escolhido, em 1736, para o
cargo de escrevente da Assembléia Geral. Naquele ano, a escolha
foi feita sem oposição, mas no ano seguinte, quando meu nome foi
novamente proposto (a escolha, assim como a dos membros, era
anual), um novo membro fez um longo discurso contra mim, favore-
cendo outro candidato. Entretanto, fui escolhido, o que muito me
agradou, porque, além de receber diretamente pelo cargo de escre-
vente, a colocação me proporcionava maior oportunidade de manter
um interesse por parte dos membros, assegurando-me o serviço de
impressão de votos, leis, papel-moeda e outros de cunho oficial,
que, no conjunto, eram muito lucrativos.
Portanto, não me agradava a oposição desse novo membro, que
era um cavalheiro abastado e instruído, dono de talentos que pode-
riam garantir-lhe, com o tempo, uma grande influência na Câmara, o
que de fato mais tarde aconteceu. No entanto, minha intenção não
era conquistar sua simpatia demonstrando-lhe um respeito servil de-
pois de algum tempo, recorri a este outro método. Sabendo que ele
possuía em sua biblioteca certo livro raro e curioso, escrevi-lhe um
bilhete expressando o desejo de manusear o tal livro e pedindo-lhe
o favor de emprestá-lo por alguns dias. Ele o enviou de imediato e
eu o devolvi, cerca de uma semana depois, com outro bilhete, mani-
festando meu profundo reconhecimento pelo favor prestado. Em
nosso encontro seguinte, na Câmara, ele falou comigo (algo que ja-
mais tinha feito) com imensa afabilidade. Dali em diante, manifestou
prontidão para me atender em todas as ocasiões. Tornamo-nos
grandes amigos e nossa amizade continuou até sua morte. Esse é
outro exemplo da verdade contida numa velha máxima que eu
aprendera, que diz: “Aquele que alguma vez lhe fez uma gentileza
lhe fará uma segunda mais rápido do que aquele com quem você foi
gentil um dia”. Isso mostra como é muito mais vantajoso ser pruden-
te em eliminar uma conduta hostil do que ressentir-se, revidar ou dar
continuidade a ela.
Em 1737, o Coronel Spotswood, ex-governador da Virgínia e en-
tão diretor-geral dos Correios, descontente com a conduta de seu
representante na Filadélfia pela negligência em apresentar a presta-
ção de contas e por sua inexatidão, destituiu-o do cargo e o ofere-
ceu a mim. Aceitei-o de pronto e vi naquilo uma grande vantagem,
pois, embora o salário fosse baixo, o cargo facilitava a correspon-
dência que melhoraria o meu jornal e aumentaria o número de assi-
nantes, assim como o de anúncios, de modo a me garantir uma ren-
da considerável.
O jornal de meu antigo concorrente decaía na mesma proporção,
e eu estava satisfeito, sem retaliar sua recusa, na condição de dire-
tor dos Correios, em permitir que meus jornais fossem entregues pe-
los distribuidores. Assim, ele sofreu imensamente por ser negligente
com a devida contabilidade. Menciono o fato como uma lição para
aqueles rapazes que venham a ser empregados para gerir os negó-
cios de outrem: façam sempre a prestação de contas e executem re-
messas com extrema clareza e pontualidade. A reputação adquirida
ao observar essa conduta é a mais poderosa de todas as recomen-
dações para novos empregos e para o desenvolvimento dos negóci-
os.
Começava, então, a orientar meu pensamento para a vida públi-
ca, porém, a partir de assuntos de menor relevância. A guarda muni-
cipal foi uma das primeiras coisas que entendi como carente de re-
gulamentação. Ela era conduzida por policiais das respectivas divi-
sões em turnos. O policial avisava antecipadamente alguns morado-
res que deveriam acompanhá-lo na ronda noturna. Aqueles que de-
cidiam jamais comparecer pagavam a ele seis xelins por ano para
serem dispensados, quantia que supostamente estava destinada a
cobrir o gasto com substitutos. Mas, na realidade, o valor era muito
superior ao necessário para aquela finalidade e fez do posto de poli-
cial uma incumbência lucrativa. E o policial, por uma bebida qual-
quer, muitas vezes arranjava uns maltrapilhos para acompanhá-lo
na ronda, companhia, aliás, que os moradores respeitáveis não que-
riam compartilhar. As caminhadas durante a ronda também eram
negligenciadas, e a maioria das noites eram passadas nas tabernas.
Escrevi, então, um artigo sobre essas irregularidades, a ser lido no
Junto, no qual insistia mais especificamente sobre a injustiça daque-
la taxa de seis xelins para os policiais, respeitando as condições da-
queles que a pagavam. Como, por exemplo, uma pobre dona de ca-
sa viúva, cujos bens a serem protegidos por uma vigilância talvez
não excedessem cinqüenta libras, pagava o mesmo que o comerci-
ante mais abastado, possuidor de milhares de libras em mercadori-
as em seus depósitos?
No geral, propunha uma vigilância mais efetiva, com a contrata-
ção de homens capacitados para servir no posto em caráter perma-
nente. E, como forma mais eqüitativa de suportar o gasto, a institui-
ção de um imposto proporcional à propriedade. Essa idéia, depois
de aprovada pelo Junto, foi transmitida aos outros subgrupos, como
se fosse uma criação de cada um deles. E embora o plano não fos-
se levado a efeito de imediato, ao preparar a mentalidade das pes-
soas para a mudança ele preparou o caminho para a lei promulgada
alguns anos depois, quando os membros dos subgrupos se torna-
ram mais influentes.
Por essa época, escrevi um artigo (lido primeiro no Junto e publi-
cado mais tarde) sobre os diferentes acidentes e descuidos que pro-
vocavam incêndios nas residências, com cuidados em relação a
eles e meios propostos para evitá-los. Falou-se muito a respeito da
matéria, considerada de utilidade pública, e ela deu origem a um
projeto apresentado logo a seguir para se formar uma companhia
para o combate mais rápido de incêndios e para a assistência mútua
na remoção e na segurança de mercadorias em situações de perigo.
Os partidários do projeto logo foram reunidos, chegando a trinta. Os
artigos do nosso estatuto obrigavam cada membro a manter sempre
preparados e prontos para uso um certo número de baldes de cou-
ro, com sacolas e cestos reforçados (para acomodar e transportar
as mercadorias), que deveriam ser levados em cada episódio de in-
cêndio. Combinamos, ainda, fazer uma reunião social mensal, à noi-
te, para discorrer e transmitir as idéias que nos ocorriam em relação
a incêndios, e que poderiam ser úteis à conduta naquelas ocasiões.
A utilidade dessa instituição logo transpareceu, com muito mais
gente desejosa de ser admitida do que pensávamos ser conveniente
para uma companhia. Foram aconselhadas a formar uma outra, que
foi devidamente organizada. E assim continuou: uma companhia
sendo formada depois da outra até que se tornaram tão numerosas
a ponto de incluir a maioria dos moradores que eram donos de pro-
priedades. Agora, no momento em que escrevo, mais de cinqüenta
anos desde que foi inaugurada por mim com o nome de Union Fire
Company, ela ainda existe e prospera, embora os primeiros mem-
bros já tenham falecido (exceto eu e um outro, um ano mais velho).
As pequenas multas pagas pelos membros por faltarem às reuniões
mensais foram empregadas na compra de carros de combate às
chamas, escadas, ganchos e outros utensílios para cada compa-
nhia, levando-me a duvidar da existência de alguma cidade no mun-
do mais bem-equipada com os meios de extinguir princípios de in-
cêndio. Na verdade, desde a criação dessas instituições a cidade ja-
mais perdeu para as chamas mais do que uma ou duas casas a ca-
da ocorrência, e muitas vezes elas foram apagadas antes que meta-
de da casa onde tinham começado fosse tomada.
Em 1739 chegou à Filadélfia, vindo da Irlanda, o Reverendo Whi-
tefield, que já se tornara um notável pastor itinerante por lá. A princí-
pio, permitiu-se que ele pregasse em algumas de nossas igrejas,
mas o clero, tomando-se de antipatia por ele, logo impediu-lhe de
usar seus púlpitos, e ele se viu obrigado a pregar no campo. As mul-
tidões de todas as seitas e denominações que vinham ouvir seus
sermões eram imensas, e era um exercício de especulação para
mim, mais um na multidão, observar a influência extraordinária de
sua oratória sobre os ouvintes e como eles o admiravam e o respei-
tavam, apesar de serem freqüentemente insultados pelo pastor, que
afirmava que por natureza eles eram metade bestas e metade
demônios. Foi maravilhoso observar a transformação que logo se
cumpriu nos modos de nossa população. De indiferentes ou alheios
à religião, parecia que todos estavam se tornando religiosos, de for-
ma que não se podia caminhar pela cidade à noite sem escutar os
Salmos sendo entoados, em cada rua, por várias famílias.
Ao se constatar a inconveniência das reuniões a céu aberto, sujei-
tas às intempéries, logo foi proposta a construção de uma casa para
os encontros e pessoas foram designadas para arrecadar as contri-
buições. Rapidamente obtiveram uma quantia suficiente para provi-
denciar um terreno e construir o prédio, que media cerca de 30 me-
tros de comprimento por 20 metros de largura, quase o tamanho de
Westminster Hall. A obra foi levada adiante com tal espírito que pô-
de ser concluída num tempo bem mais curto do que o esperado.
Tanto a casa quanto o terreno foram confiados a gestores e serviri-
am a qualquer pregador de qualquer crença religiosa que desejasse
dizer algo ao povo da Filadélfia, não destinados a acomodar qual-
quer seita específica, mas a população em geral. Assim, mesmo se
os muçulmanos de Constantinopla enviassem um missionário para
pregar o maometismo para nós, ele ali teria um púlpito à sua dispo-
sição.
Ao nos deixar, o Sr. Whitefield seguiu pregando por todas as colô-
nias até a Geórgia. A colonização daquela província acabava de ser
iniciada, mas, em vez de ser feita por camponeses dispostos e es-
forçados, acostumados ao trabalho — as únicas pessoas qualifica-
das para tal empreitada —, ela foi levada adiante por famílias de co-
merciantes falidos e outros devedores insolventes, muitos deles in-
dolentes e preguiçosos, saídos da prisão. Essa gente, assentada
nos bosques, sem capacidade para abrir clareiras ou para suportar
as agruras de um novo assentamento, sucumbiu em grande núme-
ro, deixando muitas crianças abandonadas e desassistidas. A visão
daquela situação miserável inspirou o coração benevolente do Sr.
Whitefield com a idéia de ali construir um orfanato, onde elas seriam
sustentadas e instruídas. Ao voltar para o Norte, ele pregou em no-
me dessa obra de caridade e fez grandes arrecadações, pois sua
eloqüência exercia um poder incrível sobre o coração e a carteira
dos ouvintes, dentre os quais eu, por exemplo.
Eu não discordava da idéia, mas como a Geórgia carecia de ma-
terial e homens, e a proposta era que eles fossem trazidos da Fila-
délfia a um custo muito alto, pensei que seria preferível que a casa
fosse construída ali, e as crianças trazidas de lá. Foi o que aconse-
lhei, mas ele se mostrou tão resoluto em relação ao primeiro projeto
que rejeitou meu conselho e, por isso, recusei-me a contribuir. Logo
depois, estava por acaso em uma de suas pregações quando perce-
bi que ele pretendia finalizá-la com uma coleta. Intimamente, resolvi
que ele não obteria nada de mim, mesmo levando em meu bolso um
punhado de moedas de cobre, três ou quatro dólares de prata e cin-
co pistolas de ouro. Conforme ele prosseguiu, comecei a ceder, e
por fim decidi doar os cobres. Uma outra demonstração pungente de
sua oratória me envergonhou pelo meu gesto e resolvi dar as pra-
tas, e ele encerrou de forma tão admirável que esvaziei os bolsos na
travessa de coleta, com o ouro e tudo. Durante esse sermão, estava
presente também um dos membros de nosso clube que compartilha-
va comigo o mesmo sentimento em relação à construção na Geór-
gia, e, suspeitando de uma possível coleta, esvaziara os bolsos em
casa. Perto do encerramento da preleção, porém, ele sentiu uma
imensa vontade de doar e pediu a alguém que estava ao seu lado
algum dinheiro emprestado para aquele fim. Infelizmente, o pedido
fora feito ao único homem da assistência a não ser afetado pelo pre-
gador. A resposta foi: “Em outra ocasião qualquer, amigo Hopkinson,
emprestaria de bom grado, mas não agora, que você parece estar
fora de seu juízo”.
Alguns dos inimigos do Sr. Whitefield fingiram supor que ele esta-
ria usando essas coletas em benefício próprio. Eu, porém, que o co-
nhecia na intimidade (fora contratado para imprimir seus sermões e
jornais, etc.), jamais tivera a mínima suspeita quanto à sua lisura.
Até a presente data sou, sem dúvida, da opinião de que sua conduta
sempre foi a de um homem absolutamente honesto, e penso que o
meu testemunho a seu favor tem um peso maior por não termos
qualquer ligação religiosa. Na verdade, ele costumava orar pela mi-
nha conversão, mas jamais teve a satisfação de acreditar que suas
preces tinham sido ouvidas. Nossa amizade era apenas polida, sin-
cera de ambas as partes, e durou até sua morte.
O exemplo seguinte serve para ilustrar, em parte, os termos da
nossa relação. Quando em Boston, chegado de uma de suas vindas
da Inglaterra, ele me escreveu dizendo que logo deveria ir à Filadél-
fia, mas que não sabia onde se hospedar, pois soubera que o velho
amigo que costumava recebê-lo, o Sr. Benezet, tinha se mudado pa-
ra Germantown. Minha resposta foi: “O senhor conhece a minha ca-
sa, se puder se arranjar nas exíguas acomodações, será bem-vindo
de coração”. Ele respondeu que, se o meu oferecimento era em
consideração a Cristo, eu não deixaria de ser recompensado. Ao
que retruquei: “Que eu não seja mal interpretado: não o faço em
consideração a Cristo, mas em consideração ao senhor”. Um de
nossos conhecidos comuns observou com ironia que, sabendo eu
ser o costume dos santos, ao receberem alguma graça, tirar o peso
da retribuição dos ombros colocando-o nos Céus, tinha tramado
acertá-la na Terra.
A última vez que vi o Sr. Whitefield foi em Londres, quando ele me
consultou sobre sua preocupação com o orfanato e seu propósito de
transformá-lo em uma instituição de ensino superior.
Sua voz era forte e clara e articulava palavras e frases com perfei-
ção, podendo ser ouvido e compreendido a grande distância, princi-
palmente porque seus ouvintes, por mais numerosos que fossem,
guardavam o mais absoluto silêncio. Certa noite, ele pregava do alto
da escadaria do fórum, que fica no meio da Rua do Mercado e no la-
do oeste da Rua Dois, que a corta em ângulos retos. Ambas as ruas
estavam lotadas de ouvintes até uma distância considerável. Estan-
do entre os últimos na Rua do Mercado, fiquei curioso para saber
até onde ele poderia ser ouvido e desci a rua até onde ela dava no
rio. Ouvi claramente sua voz até me aproximar da Rua do Fronte,
quando um barulho naquela rua a abafou. Imaginando, então, um
semicírculo, cujo raio seria a distância entre mim e o pregador, e
que estivesse ocupado pelos ouvintes, aos quais atribuía individual-
mente meio metro quadrado, calculei que ele poderia ser ouvido por
mais de trinta mil pessoas. Essa estimativa me reconciliou com os
relatos dos jornais, sobre ele ter pregado para 25 mil pessoas nos
campos, e com as antigas histórias sobre generais em longos dis-
cursos diante de seus exércitos, do que às vezes duvidava.
Por ouvi-lo tantas vezes, podia facilmente distinguir sermões iné-
ditos e os que ele costumava pregar ao longo de suas viagens. Nes-
tes últimos, ele se aperfeiçoara tanto pela freqüência das repetições
que a tônica, a ênfase e modulação de voz eram tão bem colocadas
que, mesmo sem interesse no assunto, era impossível não gostar
da preleção. Seria um prazer semelhante ao que se obtém ouvindo
uma música de excelente qualidade. Essa é uma vantagem dos pre-
gadores itinerantes sobre os que ficam sediados num mesmo lugar,
por não poderem aprimorar as apresentações dos sermões com tan-
tos ensaios.
De tempos em tempos, o material que ele escrevia e imprimia ofe-
recia grande vantagem aos seus inimigos. Expressões descuidadas
ou até opiniões equivocadas, usadas nas pregações, seriam mais
tarde explicadas ou qualificadas por outros que supostamente as te-
riam acompanhado, ou seriam negadas. Mas litera scripta monet [a
palavra escrita permanece]. Os críticos atacavam seus textos com
violência e com tamanha veemência a ponto de diminuir o número
de adeptos e evitar que aumentassem. Sou, portanto, da opinião de
que, se ele jamais tivesse escrito, teria deixado atrás de si uma seita
muito mais numerosa e importante, e sua reputação, nesse caso,
ainda poderia crescer, mesmo depois de sua morte. Não havendo
nada seu por escrito que pudesse ser censurado e servir para impu-
tar-lhe um caráter menos digno, seus seguidores teriam liberdade
para atribuir-lhe uma variedade tão grande de qualidades quanto
sua admiração entusiasmada gostaria que ele possuísse.
Meus negócios prosseguiam prosperando e minhas condições
eram cada vez mais facilitadas, com um jornal muito lucrativo, sendo
por algum tempo o único nesta província e nas vizinhas. Vivenciei
também a verdade contida na observação que “depois de ganhar as
primeiras cem libras é mais fácil ganhar as segundas”, que exalta a
natureza prolífica do dinheiro.
Com o êxito da sociedade na Carolina, fui estimulado a partir para
outras e a promover vários dos meus bons operários, estabelecen-
do-os com tipografias nas diferentes colônias, em termos semelhan-
tes aos da Carolina. A maioria deles se saiu bem, e no fim do con-
trato de seis anos já tinham condições de comprar os tipos de mim e
de seguir trabalhando por conta própria, condição que viabilizou a
criação de várias famílias. As sociedades muitas vezes terminam
com brigas, mas fui feliz quanto a isso, pois as minhas foram todas
conduzidas e levadas a termo amigavelmente. Creio que assim se
passou muito pela precaução de ter tudo bem explicitado nos nos-
sos artigos, tudo o que deveria ser feito ou esperado de cada sócio,
sem haver, portanto, motivos por que brigar — precaução, aliás, que
recomendo a todos os que formam sociedades. Isto porque, seja
qual for a estima ou a confiança que os sócios tenham entre si, ao
firmar o contrato podem surgir pequenas invejas ou desgostos, com
sentimentos de desigualdade quanto ao cuidado ou ao peso do ne-
gócio, etc., resultando muitas vezes no fim da amizade e da relação,
talvez com processos legais e outras conseqüências desagradáveis.
Em geral, eu tinha razões de sobra para estar satisfeito por ter me
estabelecido na Pensilvânia. Lamentava, porém, por duas razões:
não haver recursos para defesa e nem para uma educação comple-
ta dos jovens, ou seja, não havia uma guarda nacional nem uma ins-
tituição de ensino superior. Portanto, em 1743, elaborei uma propos-
ta para estabelecer uma academia. Nessa época, pensando no Re-
verendo Peters, que não desempenhava cargo algum, como a pes-
soa talhada para supervisionar tal instituição, expus-lhe o projeto.
Ele, por sua vez, ao ver mais lucratividade no serviço aos proprietá-
rios, que era bem-sucedido, declinou da empreitada. Sem conhecer,
naquele momento, outra pessoa adequada para tal missão, deixei o
plano de lado por um tempo. Tive mais sucesso no ano seguinte,
1744, em propor e fundar uma Sociedade Filosófica. O texto que es-
crevi para essa finalidade será incluído nos meus escritos quando
forem reunidos.
Em relação à defesa, a Espanha em guerra por vários anos contra
a Grã-Bretanha, e, por fim, tendo a França como aliada, colocava-
nos em grande perigo. E como fracassara o longo e dedicado esfor-
ço de nosso governador, Thomas, de persuadir nossa Assembléia
quaker a aprovar uma lei da guarda nacional e a tomar outras provi-
dências para a segurança da província, decidi tentar o possível para
constituir uma associação voluntária de pessoas. Para promovê-la,
escrevi e publiquei um panfleto intitulado “Pura verdade”, no qual ex-
punha de forma cabal nossa situação desprotegida, com a necessi-
dade de união e disciplina para nossa defesa, e prometia propor, em
poucos dias, uma associação a ser formada, em termos gerais, para
aquele fim. O panfleto surtiu um efeito rápido e surpreendente. Pedi-
ram-me que elaborasse o documento para a associação e, depois
de redigir um rascunho dele com alguns amigos, convoquei os cida-
dãos para uma reunião no grande prédio mencionado anteriormen-
te. A casa ficou lotada. Eu tinha providenciado uma quantidade de
exemplares impressos e espalhei penas e tinta por todo o salão. Fiz
uma pequena exposição sobre o assunto, li o texto e o expliquei. Em
seguida, distribuí os panfletos, que foram assinados com entusias-
mo e sem a mínima objeção.
Quando a Assembléia se dispersou e os papéis foram recolhidos,
contamos mais de 1.200 assinaturas. E como outros exemplares fo-
ram distribuídos pela província esse número acabou passando de
dez mil. Tão logo foi possível, esses voluntários logo se armaram,
organizaram-se em companhias e regimentos, elegeram seus pró-
prios oficiais e passaram a se reunir toda semana para receber ins-
truções quanto ao manejo de armas e outras partes da disciplina mi-
litar. As mulheres, organizando voluntariados entre si, providencia-
ram sedas coloridas, que ofereceram às companhias devidamente
pintadas com diferentes divisas e epígrafes, fornecidas por mim.
Definido o quadro de oficiais das companhias que compunham o
regimento da Filadélfia, escolheram-me como seu coronel. Mas,
considerando-me incompetente para desempenhar a função, recu-
sei o posto e recomendei o Sr. Lawrence, personagem refinado e de
influência, que foi nomeado. Propus, então, que se fizesse uma lote-
ria para fazer face às despesas de construção de um forte abaixo da
cidade e guarnecê-lo com um canhão. Os bilhetes esgotaram-se ra-
pidamente e logo o forte foi erguido — com o vigamento dos mer-
lões feito de troncos cheios de terra. Compramos uns velhos ca-
nhões em Boston, mas, não sendo suficientes, escrevemos para a
Inglaterra solicitando outros e, além deles, alguma ajuda dos nossos
proprietários, embora sem muita expectativa de obtê-la.
Nesse ínterim, o Coronel Lawrence, William Allen, Abram Taylor,
escudeiro, e eu, fomos enviados a Nova York pelos membros da as-
sociação com a missão de tomar emprestados alguns canhões do
Governador Clinton. A princípio, ele se recusou; porém, durante o
jantar com o seu Conselho, onde se bebeu grande quantidade de vi-
nho Madeira, como era costume local, baixou a guarda, dizendo que
nos emprestaria seis. Depois de mais alguns cálices, ele passou pa-
ra dez e, por fim, com extrema boa vontade, concedeu-nos dezoito
canhões. Eram excelentes canhões, com suas carretas, que logo
transportamos e montamos em nossa fortificação, onde os associa-
dos mantinham uma vigilância noturna enquanto durou a guerra e,
assim como os demais, eu cumpria minha missão como soldado ra-
so.
Minha atuação nessas operações agradou ao governador e ao
Conselho. Conquistei sua confiança e eles me consultavam a cada
medida em que sua cooperação era avaliada como útil para a asso-
ciação. Recorrendo à ajuda da religião, propus a eles que procla-
massem um jejum, com a finalidade de promover a regeneração e
implorar as bênçãos dos Céus para a nossa empreitada. A moção
foi aprovada, mas, como era o primeiro jejum a acontecer na provín-
cia, o secretário não contava com uma experiência anterior pela
qual pudesse redigir a proclamação. Minha educação na Nova Ingla-
terra, onde todos os anos proclamava-se um jejum, foi, na ocasião,
de alguma vantagem: redigi-a como no estilo costumeiro; foi traduzi-
da para o alemão, impressa em ambas as línguas e divulgada pela
província. Essa medida deu ao clero das diferentes seitas a oportu-
nidade de influenciar suas congregações a aderirem à associação, o
que talvez tivesse sido geral, à exceção dos quakers, se a paz não
tivesse acontecido em seguida.
Dada a minha atividade nesses assuntos, alguns dos meus ami-
gos achavam que eu poderia ofender aquela seita e, assim, perder
meus interesses na Assembléia da província, onde os quakers eram
maioria. Um jovem cavalheiro, que tinha também alguns amigos na
Câmara e desejava suceder-me no cargo de escrevente, informou-
me que tinha sido decidida a minha substituição na eleição seguinte.
De bom grado, ele me aconselhava a me demitir, por ser mais coe-
rente com minha dignidade do que ser excluído. Minha resposta foi
que sabia, por ler ou ouvir falar, de uma figura pública que tomara
como regra jamais solicitar um posto ou recusar, quando oferecido.
“Concordo com essa regra”, respondi, “e a colocarei em prática com
um pequeno adendo. Jamais pedirei, nem recusarei, nem me demiti-
rei de um cargo. Caso desejem dispor do cargo de escrevente em
nome de outro, devem destituir-me dele. Não quero, por abandoná-
lo, perder o meu direito adquirido pelo tempo de serviço, nem lançar
mão de represálias contra meus adversários”. Nada mais ouvi sobre
o assunto e fui escolhido por unanimidade, como de costume, na
eleição seguinte. É possível que tivessem apreciado minha saída
espontânea, por desgostarem da minha recente intimidade com os
membros do Conselho, que tinham se unido aos governadores em
todas as discussões sobre os preparativos militares, que por tanto
tempo haviam interferido na Câmara. Entretanto, não lhes interessa-
va substituir-me apenas pelo meu zelo em relação à associação, e
não tinham outra justificativa a dar.
Na verdade, tinha motivos para acreditar que a defesa do país
não desagradava a nenhum deles, contanto que sua participação
nela não fosse exigida. Pude verificar que um número bem maior
deles, bem superior ao que eu imaginava, era claramente pela defe-
sa, embora contrários a uma guerra ofensiva. Diversos panfletos
contra e a favor do assunto foram publicados, e alguns por bons
quakers, a favor da defesa, que acredito terem convencido a maior
parte de seus seguidores mais jovens.
Um episódio em nosso Corpo de Bombeiros me fez compreender
melhor os sentimentos que prevaleciam entre eles. Fora proposto
que deveríamos estimular um projeto para construir uma fortificação,
aplicando as reservas existentes, cerca de sessenta libras, em bilhe-
tes de loteria. Segundo as nossas regras, nenhum dinheiro estaria
disponível até a reunião seguinte após a proposta. A companhia do
Corpo de Bombeiros tinha trinta membros, dos quais 22 eram qua-
kers e oito, apenas, de diferentes seitas. Nós oito comparecemos
pontualmente à reunião, mas, embora pensássemos que alguns dos
quakers se juntariam a nós, não tínhamos a menor certeza de con-
seguir a maioria. Apenas um quaker, o Sr. James Morris, compare-
ceu, declarando-se contrário à medida. Lamentava-se profundamen-
te que tivesse sido proposta, conforme dizia ele, pois que os amigos
eram todos contrários a ela, e se criaria uma discórdia tal capaz de
destruir a companhia. Dissemos-lhe que não havia razão para isso.
Éramos minoria, e se os amigos eram contra a medida e nos supe-
rassem na votação, teríamos e deveríamos acatar, como é o costu-
me em todas as sociedades. Chegada a hora dos trabalhos, foi pro-
posta a votação. Ele concordou que o fizéssemos, segundo diziam
as regras, mas que, como ele nos assegurava que um certo número
de membros pretendia estar presente com a finalidade de fazer opo-
sição, parecia-lhe justo conceder um pouco mais de tempo para que
aparecessem.
Estávamos nesse embate quando um garçom se aproximou, di-
zendo que havia dois cavalheiros no andar de baixo desejando falar
comigo. Desci e vi que eram dois de nossos membros quakers. Dis-
seram que oito deles estavam reunidos numa taberna perto dali, de-
terminados a vir votar a nosso favor se fosse o caso, o que eles es-
peravam não ser necessário, e que preferiam que não solicitásse-
mos tal ajuda se pudéssemos prescindir dela, já que votarem numa
medida dessas poderia comprometê-los com os amigos e os mais
velhos. Estando, então, seguro da maioria, subi de volta, e depois
de simular uma pequena hesitação, concordei com o adiamento por
mais uma hora, o que o Sr. Morris considerou extremamente corre-
to. Para nossa grande surpresa, nenhum dos outros amigos contrá-
rios à medida apareceu, e, ao findar a hora, aprovamos a resolução
por oito a um. Assim, dos 22 quakers, oito estavam prontos para vo-
tar a nosso favor e treze, por estarem ausentes, manifestaram não
estar dispostos a se opor à medida. Pude então, mais tarde, calcular
a proporção de quakers sinceramente contra a defesa como apenas
um em 21. Eram todos membros regulares em sua seita, e com boa
reputação dentro dela, e tinham plena noção do que fora proposto
naquela reunião.
O honrado e instruído Sr. Logan, que sempre pertencera à seita,
foi um dos que escreveram um comunicado aos seus membros de-
clarando-se partidário da guerra defensiva e ancorando sua opinião
em vários argumentos contundentes. Colocou sessenta libras nas
minhas mãos, a serem empregadas nos bilhetes de loteria para a
construção da fortificação, com orientações expressas de aplicar
quaisquer possíveis prêmios integralmente naquela empreitada. Ele
me contou a seguinte historieta de seu velho mestre, William Penn,
a respeito de defesa. Ele viera jovem da Inglaterra com aquele pro-
prietário e como seu secretário. Eram tempos de guerra e o navio
deles foi perseguido por uma embarcação armada, supostamente
inimiga. O capitão se preparou para a defesa, mas disse a William
Penn e seu grupo quaker que não esperava ajuda deles e que pode-
riam se recolher às suas cabines, o que fizeram, exceto James Lo-
gan, que decidiu ficar no tombadilho, onde foi posicionado com uma
arma. O suposto inimigo era, na verdade, amigo e, portanto, não
houve combate. Contudo, quando o secretário desceu para comuni-
car a notícia, William Penn repreendeu-o gravemente por ficar no
tombadilho, optando por auxiliar na defesa do navio, algo contrário
aos princípios quakers, especialmente porque não fora solicitado pe-
lo capitão. Essa reprimenda, feita diante de todo o grupo, ofendeu o
secretário, que respondeu: “Sendo seu servo, por que o senhor não
me ordenou que descesse? É que, quando percebeu que havia peri-
go, desejou muito que eu ali ficasse para ajudar a combater o na-
vio”.
Nos meus muitos anos de Assembléia, onde a maioria era quase
sempre de quakers, foram freqüentes as oportunidades de perceber
o constrangimento que seu princípio contrário à guerra causava,
sempre que a Coroa os solicitava a prestar ajuda para fins militares.
Por um lado, não desejavam ofender o governo com uma recusa di-
reta; por outro, a comunidade dos amigos quakers, por uma anuên-
cia contrária aos seus princípios. Daí lançarem mão de uma série de
evasivas para evitar a concordância e modos de disfarçá-la quando
era inevitável. Por fim, o meio mais comum era contribuir com di-
nheiro sob a expressão “para uso do rei”, e jamais investigar como
tinha sido usado.
Todavia, se o pedido não fosse direto da Coroa, a expressão não
era tão apropriada e alguma outra tinha de ser inventada. Certa vez
faltou pólvora (acho que foi para a guarnição em Louisburg) e o go-
verno da Nova Inglaterra solicitou uma quantia da Pensilvânia, pedi-
do que o Governador Thomas de imediato transmitiu à Câmara,
que, por sua vez, não pôde doar dinheiro para comprar pólvora, que
era um artigo de guerra. Entretanto, votaram um auxílio de três mil
libras à Nova Inglaterra, que seriam repassadas às mãos do gover-
nador e usadas para comprar pão, farinha, trigo ou outros grãos. Al-
guns membros do Conselho, pretendendo causar um constrangi-
mento ainda maior à Câmara, aconselharam o governador a não
aceitar a provisão, por não ser o que ele solicitara. Ele, porém, res-
pondeu: “Vou aceitar o dinheiro, porque entendo muito bem o seu
significado: os ‘outros grãos’ são a pólvora”, que foi comprada sem
qualquer objeção.
Relembrando esse fato, quando no Corpo de Bombeiros tememos
pelo sucesso da proposta em favor da loteria, disse ao meu amigo
Sr. Syng, um de nossos membros: “Se formos derrotados, propore-
mos a aquisição de um carro de bombeiros com o mesmo dinheiro e
os quakers não se oporão a isso. Em seguida, se você me nomear e
eu a você como um comitê para essa finalidade, compraremos um
grande canhão, que não deixa de ser uma máquina de fogo”.33 “Ve-
jo”, disse ele, “que você progrediu por estar tanto tempo na Assem-
bléia. O seu estratagema casaria perfeitamente com o ‘trigo ou ou-
tros grãos’ daquela vez”.
Esses constrangimentos sofridos pelos quakers, por terem firma-
do e publicado como um de seus princípios que qualquer tipo de
guerra seria ilegal, e do qual, uma vez publicado, por mais que mu-
dassem de idéia, não tinham como escapar com facilidade, recor-
dam-me uma conduta que julgo mais prudente, praticada por outra
seita entre nós, a dos dunkers. Eu conheci um de seus fundadores,
Michael Welfare, logo depois que ela surgiu. Ele queixou-se de que
eram caluniados de modo insuportável pelos fanáticos de outras
crenças, acusando-os de princípios e práticas abomináveis, comple-
tamente estranhas a eles. Disse-lhe que aquilo sempre acontecia
com novas seitas e que, para pôr um fim a tais abusos, imaginei que
seria bom publicar os postulados de sua crença e as regras de sua
disciplina. Ele argumentou que aquilo tinha sido proposto entre eles,
sem que se chegasse a um consenso pela seguinte razão: “Quando
nos reunimos pela primeira vez como uma sociedade”, disse, “tinha
sido do agrado de Deus iluminar nossas mentes de tal forma que
víssemos que algumas doutrinas, que julgávamos cheias de verda-
des, eram falhas e que outras, que víramos como falhas, eram, de
fato, verdadeiras. De tempos em tempos, apraz a Ele conceder-nos
mais luz, assim nossos princípios têm-se aprimorado, e os nossos
erros, diminuído. Agora não temos certeza se chegamos ao fim des-
sa progressão e à perfeição do conhecimento espiritual ou teológico
e tememos que, uma vez impressa nossa confissão de fé, nos sinta-
mos presos e confinados por ela, e talvez fiquemos avessos a rece-
ber mais aprimoramento; e ainda mais nossos sucessores, ao con-
ceberem o que nós, seus fundadores e anciãos, fizemos como algo
sagrado, jamais se afastariam disso”.
Uma seita com esse nível de modéstia talvez seja um exemplo
singular na história da humanidade, dado que todas as outras se
vêem como donas da verdade e as que divergem delas estão, por-
tanto, erradas. Como o homem que caminha em meio à cerração e
só enxerga os que estão à sua frente e os que o seguem envoltos
pelo nevoeiro, mas pode perceber com clareza aqueles que estão
nos campos, de ambos os lados, mas próximos a ele, embora na
verdade ele esteja no meio da bruma, como qualquer um deles. Pa-
ra evitar esse tipo de constrangimento, os quakers recentemente
passaram a evitar cargos públicos na Assembléia ou na magistratu-
ra, preferindo abrir mão do controle a abrir mão de seus princípios.
Respeitando a cronologia, devia ter mencionado antes que, em
1742, inventei uma estufa de metal para o melhor aquecimento dos
cômodos, ao mesmo tempo em que economizava combustível, já
que o ar fresco sugado era aquecido ao entrar. Presenteei o Sr. Ro-
bert Grace, um de meus amigos mais antigos, com o modelo, e ele,
que tinha uma forja, considerou lucrativa a confecção das placas pa-
ra essas estufas, pois sua demanda crescia. Com o objetivo de pro-
mover a demanda, escrevi e publiquei um panfleto intitulado “Relato
sobre as recém-inventadas Estufas Pensilvânia”, contendo explica-
ções específicas sobre sua construção e funcionamento, demonstra-
ção de suas vantagens sobre qualquer outro método de aquecimen-
to doméstico e resposta e eliminação de todas as objeções aponta-
das ao seu uso. O panfleto surtiu um bom efeito. O Governador Tho-
mas ficou tão satisfeito com a construção da estufa, conforme des-
crito no panfleto, que me ofereceu a patente para venda exclusiva
por um determinado período. No entanto, recusei a oferta com base
em um princípio que sempre pesou para mim nessas ocasiões, a
saber: conforme nos beneficiamos das invenções dos outros, deve-
ríamos nos alegrar com a oportunidade de servi-los com um invento
nosso, o que deve ser feito de forma gratuita e generosa.
Um serralheiro londrino, porém, baseando-se em meu panfleto e
trabalhando na construção da estufa em sua cidade, com algumas
pequenas modificações no equipamento que até prejudicavam seu
funcionamento, conseguiu por lá uma patente e fez uma pequena
fortuna. E esse não foi o único exemplo de patentes tiradas por ou-
tros com invenções minhas, embora nem sempre com o mesmo su-
cesso, o que nunca contestei, por não querer me beneficiar pessoal-
mente de patentes e por detestar brigas. O uso dessas estufas em
muitas residências daqui e das colônias vizinhas tem sido e é uma
grande economia de lenha para os moradores.
Selada a paz e, portanto, finalizada a função da associação, ori-
entei os pensamentos novamente para a fundação de uma institui-
ção de ensino superior. Meu primeiro passo foi incorporar à concep-
ção alguns amigos assíduos, sendo boa parte deles proveniente do
Junto. O passo seguinte foi escrever e publicar um panfleto intitula-
do “Propostas referentes à educação da juventude na Pensilvânia”,
que distribuí gratuitamente entre os principais moradores. Assim que
pude avaliar que os espíritos estavam preparados, lancei uma subs-
crição para abrir e manter uma academia. O pagamento seria por
meio de quotas anuais, por cinco anos, pois assim parcelando jul-
guei que a subscrição poderia ser maior e acredito que tenha sido,
chegando a não menos, se bem me recordo, que cinco mil libras.
Na introdução a essas propostas, firmei a iniciativa não como um
ato pessoal, mas de alguns cavalheiros de elevado espírito público,
evitando o quanto possível, de acordo com minha regra habitual,
apresentar-me ao público como o autor de qualquer plano em seu
benefício.
Para dar início imediato ao projeto, os subscritores escolheram
entre si 24 gestores e indicaram o Sr. Francis, então advogado-ge-
ral, e a mim, para elaborar documentos de constituição para a dire-
ção da academia. Depois de escritos e assinados, alugou-se uma
casa, os professores foram contratados e os cursos foram abertos,
creio que no mesmo ano de 1749.
Com o número de alunos crescendo rapidamente, logo a casa fi-
cou pequena e estávamos à procura de um terreno bem localizado
com a intenção de construir, quando a Providência colocou em nos-
so caminho uma grande residência pronta, que, com poucas altera-
ções, serviria muito bem ao nosso propósito. Este é o prédio menci-
onado antes, construído pelos seguidores do Sr. Whitefield e que
obtivemos da seguinte forma.
É preciso observar que as contribuições para a construção daque-
le prédio tinham sido feitas por adeptos de diferentes seitas, daí ha-
ver certo cuidado na nomeação dos gestores, em cujo nome o pré-
dio e o terreno deveriam constar para que nenhuma seita predomi-
nasse — uma vez que, com o passar do tempo, tal predominância
poderia significar uma apropriação de todo o prédio para uso daque-
la seita, o que contrariava a intenção original. Foi então que um re-
presentante de cada seita foi indicado — um da igreja anglicana, um
presbiteriano, um batista, um morávio, etc. — e, no caso de vacân-
cia por morte, seriam substituídos mediante uma eleição entre seus
adeptos. O morávio, porém, não agradou aos colegas e depois de
sua morte resolveram não ter mais nenhum representante daquela
seita. A dificuldade, então, era como evitar ter dois de outra seita
com essa nova configuração.
Várias pessoas foram indicadas, mas não se chegou a um acor-
do. Por fim, mencionaram o meu nome, observando que eu era ape-
nas um homem honesto sem filiação a seita alguma, o que os levou
a escolher-me. O entusiasmo com que a casa fora construída há
tempos já não se verificava, e seus gestores não tinham conseguido
obter novas contribuições para pagar o aluguel do terreno e abater
outras dívidas geradas pela construção do prédio, o que os cons-
trangia imensamente. Por pertencer agora a dois grupos de gesto-
res, o do prédio e o da academia, eu tinha uma boa oportunidade de
negociar com ambos, e levei-os, por fim, a um acordo, mediante o
qual os gestores do prédio deveriam cedê-lo aos da academia, sen-
do que estes se comprometiam a saldar a dívida daqueles, a manter
no prédio um hall permanentemente aberto para eventuais pregado-
res, de acordo com a motivação original, e a manter uma escola gra-
tuita para a instrução de crianças pobres. Redigiram-se os docu-
mentos e, ao saldar as dívidas, os gestores da academia tomaram
posse do local. Com a subdivisão do imenso e elevado hall em an-
dares, sendo as várias salas em cima e embaixo destinadas às dife-
rentes aulas, acrescida da compra de mais terreno, logo toda a es-
trutura estava ajustada para o nosso propósito e os alunos foram
transferidos para o prédio. O cuidado e o trabalho com a contrata-
ção dos operários, com a compra dos materiais e com a supervisão
da obra ficaram sob minha responsabilidade, e ocupei-me daquilo
com muita satisfação, porque não interferia nos meus negócios par-
ticulares, já que no ano anterior eu fizera sociedade com um homem
muito capaz, esforçado e honesto, Sr. David Hall, cujo caráter co-
nhecia muito bem devido aos quatro anos em que ele trabalhara pa-
ra mim. Hall tirou das minhas mãos toda a atenção com a tipografia,
repassando-me pontualmente minha parte nos lucros. Essa socieda-
de continuou por dezoito anos, bem-sucedida para ambos.
Depois de certo tempo, os gestores da academia foram incorpora-
dos por um alvará do governador. Seus recursos financeiros aumen-
taram graças a contribuições obtidas na Grã-Bretanha e a cessões
de terras dos proprietários, às quais a Assembléia fez consideráveis
acréscimos. Assim estabeleceu-se a atual Universidade da Filadél-
fia. Fui um de seus gestores desde o início, agora por quase qua-
renta anos, e tive o imenso prazer de ver muitos dos jovens que ali
se formaram destacados por suas capacidades aprimoradas, ocu-
pando cargos públicos e destacando-se em seu país.
Conforme mencionei acima, quando me desliguei de meus negó-
cios particulares, gabava-me pela fortuna moderada, porém suficien-
te, que adquirira e que me garantia um tempo livre para o resto da
vida, a ser usado em estudos filosóficos e distrações. Adquiri toda a
aparelhagem do Dr. Spence, que viera da Inglaterra fazer conferên-
cias aqui, e prossegui, muito entusiasmado, com meus experimen-
tos com eletricidade. O público, porém, considerando-me agora um
homem desocupado, serviu-se de mim para seus propósitos, cada
seguimento de nosso governo civil, quase que ao mesmo tempo,
atribuindo-me algum tipo de obrigação. O governador incluiu-me na
Comissão de Paz, na prefeitura, como membro do Conselho Co-
mum e logo depois como conselheiro municipal, e os cidadãos, em
sua maioria, escolheram-me como deputado para representá-los na
Assembléia. Esse último encargo foi o que mais me agradou, pois já
estava cansado de ficar ali ouvindo os debates, nos quais, como es-
crevente, não podia participar e que, muitas vezes, eram tão desin-
teressantes que eu era levado a me distrair desenhando quadrados
ou círculos mágicos ou qualquer outra coisa para evitar o tédio. Ima-
ginei que ao me tornar membro da Câmara teria mais poder para fa-
zer o bem. No entanto, não pretendo aqui insinuar que a minha am-
bição não se sentiu lisonjeada com todas essas indicações. É certo
que sim, pois, considerando minha origem humilde, foram grandes
conquistas. E foram ainda mais prazerosas por terem sido testemu-
nhos espontâneos do apreço da opinião pública e pelo fato de eu ja-
mais tê-las solicitado.
Fiquei pouco tempo no cargo de juiz de paz, presenciando algu-
mas audiências e ocupando o assento para ouvir as argumenta-
ções. Percebendo que, para estar ali, era preciso um conhecimento
mais aprofundado das leis do que eu possuía, fui, aos poucos, me
afastando, com a desculpa de precisar atender às obrigações mais
relevantes como legislador na Assembléia. Fui reeleito para aquele
cargo por dez anos seguidos, sem que eu jamais pedisse um voto
aos eleitores ou demonstrasse direta ou indiretamente qualquer de-
sejo de ser escolhido. Quando assumi o assento na Câmara, meu fi-
lho foi indicado como escrevente.
No ano seguinte, sendo necessário assinar um tratado com os ín-
dios em Carlisle, o governador enviou uma mensagem à Câmara
propondo que nomeassem alguns de seus membros, que se juntari-
am a outros do Conselho, formando uma comissão para cumprir
aquela finalidade. A Câmara nomeou o seu presidente (Sr. Norris) e
a minha pessoa, e, constituída a comissão, seguimos para Carlisle e
nos encontramos com os índios, conforme o estabelecido.
Como os índios se embriagam com muita facilidade e, nessa con-
dição, brigam muito, causando muita desordem, proibimos terminan-
temente a venda de bebidas alcoólicas. Ao reclamarem da restrição
respondemos que, se permanecessem sóbrios durante o tratado, li-
beraríamos o rum que quisessem quando tudo estivesse concluído.
Eles prometeram e cumpriram a promessa, porque não tinham co-
mo comprar a bebida. O tratado foi conduzido com muita ordem e
concluído satisfatoriamente para os dois lados. Eles então reclama-
ram o rum e o receberam ao entardecer. Eram cerca de cem ho-
mens, mulheres e crianças e estavam alojados em cabanas tempo-
rárias, construídas em formato quadrado, fora dos limites da cidade.
À noite, ao escutar uma grande algazarra entre eles, os comissários
foram até lá verificar do que se tratava. Constatamos que tinham ar-
mado uma grande fogueira no meio do terreno e estavam todos em-
briagados, homens e mulheres, discutindo e brigando. A cor escura
dos corpos seminus, avistados apenas com a luz amortecida da fo-
gueira, correndo e se batendo com tochas, tudo ao som de uma gri-
taria horrorosa, parecia uma visão do Inferno, se pudesse ser imagi-
nada. Não houve como apaziguar o tumulto e voltamos para os apo-
sentos. À meia-noite, alguns deles vieram esmurrar nossa porta pe-
dindo mais rum, mas não demos ouvidos.
No dia seguinte, sensibilizados pelo mau comportamento que tan-
ta perturbação causara, os índios enviaram três de seus velhos con-
selheiros para pedir desculpas. O orador reconheceu a falta, mas
atribuiu-a ao rum e, em seguida, esforçou-se para isentá-lo, dizen-
do: “O Grande Espírito, criador de todas as coisas, tudo fez para al-
guma utilidade, e qualquer que seja o uso destinado a alguma coisa,
assim deve ser cumprido. Quando ele fez o rum, disse: ‘Que isto se-
ja para os índios se embriagarem’, e que assim seja”. Na verdade,
se for o desejo da Providência acabar com esses selvagens e, as-
sim, abrir espaço para os que cultivam a terra, é mais provável que
o rum tenha sido o meio indicado para isso. Ele já acabara com to-
das as tribos que, no princípio, habitavam o litoral.
Em 1751, o Dr. Thomas Bond, um amigo pessoal, teve a idéia de
construir um hospital na Filadélfia (um projeto beneficente, atribuído
a mim, mas que, na verdade, originalmente foi dele) destinado a re-
ceber e curar pessoas pobres enfermas, fossem cidadãos da provín-
cia ou de fora. Ele se dedicou com afinco a conseguir adesões, mas
como a proposta era uma novidade na América, e a princípio não
muito compreendida, obteve pouco êxito.
Por fim, ele me procurou e mostrou-se lisonjeiro, considerando
não ter como levar adiante um projeto de interesse público sem que
eu estivesse envolvido. “Porque”, disse ele, “aqueles a quem propo-
nho a adesão sempre perguntam: ‘Já consultou o Franklin sobre o
assunto? O que ele pensa a respeito?’, e quando respondo que não
(supondo que seria algo fora de seu alcance), eles não aderem, di-
zendo que vão pensar”. Indaguei sobre a natureza e a provável utili-
dade do plano e, obtendo dele uma explicação satisfatória, não só
aderi como também entreguei-me de corpo e alma à missão de ob-
ter mais adesões. Antes, porém, de solicitá-las, tratei de preparar o
espírito do povo, escrevendo sobre o assunto nos jornais, como era
meu costume nesses casos, e isso Thomas Bond não tinha feito.
As adesões seguintes foram mais espontâneas e generosas. No
entanto, como começassem a fraquejar, percebi que não seriam su-
ficientes sem algum auxílio da Assembléia. Propus apresentar uma
petição pela causa e assim o fiz. Os membros representantes do in-
terior não apreciaram o projeto imediatamente, argumentando que
ele só atenderia à cidade e que, por isso, apenas os citadinos deve-
riam arcar com os custos. Além disso, duvidavam que mesmo estes,
em geral, o aprovassem. Minha alegação contrária, de que o projeto
tinha aprovação a ponto de não haver dúvidas de que conseguiría-
mos arrecadar duas mil libras em doações voluntárias, foi considera-
da uma suposição extravagante demais e totalmente inviável.
Com base nisso, formulei meu plano. Pedi autorização para apre-
sentar um projeto de lei para a incorporação dos contribuintes de
acordo com o teor de sua petição, garantindo-lhes um espaço em
branco em relação ao valor da contribuição. A autorização foi conce-
dida, considerando-se principalmente que a Câmara poderia descar-
tar o projeto de lei caso não fosse do agrado de seus membros. En-
tão, elaborei-o de modo a tornar condicionante a sua cláusula mais
importante, a saber: “E que, sendo aprovada pela autoridade acima
mencionada, quando os ditos contribuintes tiverem designado seus
gestores e tesoureiro e suas contribuições tiverem alcançado um ca-
pital social no montante de 2000£ (cujos juros anuais devem ser
aplicados à acomodação dos doentes carentes no referido hospital,
livres de despesas com dieta, serviços, consultas e medicações) e
merecerem parecer favorável do presidente da Câmara então em
exercício, possa e deva então ser transformada em lei pelo dito pre-
sidente. A este será requerido, assim, assinar uma ordem ao tesou-
reiro da província para o pagamento de duas mil libras, pagáveis em
duas cotas anuais, ao tesoureiro do referido hospital, a ser aplicado
a sua fundação, construção e acabamento”.
A condição fez que o projeto de lei fosse aprovado, já que os
membros que se opunham ao subsídio, que agora sabiam que po-
deriam angariar crédito por serem caritativos sem incorrer em des-
pesas, concordaram para que ele passasse. Em seguida, ao solici-
tar as adesões junto à população, invocávamos a promessa condici-
onante da lei como uma motivação a mais para doar, uma vez que
cada doação seria dobrada, e assim a cláusula funcionava nos dois
sentidos. Dessa maneira, as adesões logo excederam a quantia re-
querida e nós reivindicamos e recebemos a doação pública, que nos
possibilitou executar o projeto. Um edifício belo e adequado foi rapi-
damente construído, e a instituição, de reconhecida utilidade pelo
seu funcionamento continuado, prospera até os dias de hoje. Não
me recordo de nenhuma de minhas manobras políticas cujo sucesso
tenha, na época, me dado tanto prazer, ou pela qual, refletindo so-
bre ela, tenha me perdoado mais facilmente por recorrer a um pouco
de astúcia.
Foi por essa época que outro empreendedor, o Reverendo Gilbert
Tennent, me procurou, perguntando se eu poderia ajudá-lo a conse-
guir uma subscrição para construir um novo templo. Seria para uma
congregação que ele reunira entre os presbiterianos, antigos segui-
dores do Sr. Whitefield. Recusei-me totalmente, sem querer ser de-
sagradável com meus concidadãos com a freqüente solicitação de
contribuições. Ele, então, quis que eu lhe fornecesse uma lista dos
nomes daqueles que, por experiência própria, eu conhecia pela ge-
nerosidade e espírito cívico. Achei que seria impróprio de minha par-
te, depois da bondosa acolhida às minhas solicitações, indicá-los
para serem incomodados por outros pedintes, e, assim, também me
recusei a fornecer a tal lista. Ele então pediu se, ao menos, eu pode-
ria aconselhá-lo. “Posso fazer isso agora”, disse-lhe, “e em primeiro
lugar aconselho a apelar para aqueles que sabe que darão alguma
coisa; em seguida, para aqueles que não tem certeza se doarão,
mostrando-lhes a lista dos que já doaram e, por último, não menos-
preze aqueles que tem certeza de que não doarão nada, pois pode-
rá estar equivocado em relação a alguns”. Ele riu e me agradeceu,
dizendo que seguiria o meu conselho. Ele o fez, pois pediu a todo
mundo na ordem sugerida e obteve uma quantia muito maior do que
esperava. Com ela, ergueu um templo amplo e muito elegante na
Rua do Arco.
Nossa cidade, embora distribuída com regularidade, com ruas lar-
gas, alinhadas, cruzando-se em ângulos retos, sofria a desgraça de
ter, por muito tempo, as ruas sem pavimentação, e nos períodos
chuvosos as rodas das pesadas carruagens abriam sulcos que vira-
vam lamaçais, dificultando a travessia. No tempo seco, a poeira era
insuportável. Eu morava perto do chamado Jersey Market e via os
pobres passantes patinando na lama enquanto compravam os gêne-
ros. Uma faixa de terra que corria pelo meio desse mercado foi, fi-
nalmente, pavimentada com tijolos, de modo que, chegando ao mer-
cado, as pessoas podiam pisar em solo firme. Porém, para chegar
até lá era comum ficarem com os sapatos empoeirados. Ao falar e
escrever sobre o assunto, servi de meio para conseguir que a rua
fosse calçada com pedra entre o mercado e o passeio pavimentado
de tijolos de cada lado da rua, junto às casas. Por algum tempo, isso
facilitou o acesso à área seca do mercado, mas como o restante da
rua não era pavimentado, sempre que uma carruagem saía da lama
e passava para o calçamento, a lama era sacudida e lançada sobre
ele, e logo tudo estava coberto de lodo, que não era removido, pois
a cidade não dispunha de varredores.
Depois de procurar por algum tempo, encontrei um pobre homem
esforçado que se dispunha a manter o calçamento limpo, varrendo-o
duas vezes por semana e retirando toda a sujeira das portas dos vi-
zinhos pelo valor de seis centavos por casa. Então, redigi e imprimi
um texto apontando as vantagens que o bairro teria com essa pe-
quena despesa: a facilidade de manter as casas limpas, já que as
pessoas não trariam nos pés tanta poeira para dentro; o benefício
que seria para os comerciantes com o aumento da freguesia, etc., e
por não ter, em ocasiões de vento, a poeira trazida para suas mer-
cadorias, etc. Enviei um exemplar desse jornal a cada casa, e, daí a
um dia ou dois, fui até lá para ver quem se habilitava a assinar o
acordo para pagar os seis centavos. Houve unanimidade nas assi-
naturas, e por algum tempo o serviço foi bem executado. Todos os
moradores da cidade estavam encantados com a limpeza do calça-
mento que rodeava o mercado, sendo muito conveniente para to-
dos. Isso também aumentou o desejo de que todas as ruas fossem
pavimentadas e fez que as pessoas se tornassem mais suscetíveis
a aceitar um imposto para aquela finalidade.
Passado algum tempo, elaborei um projeto de lei para pavimentar
a cidade e apresentei-o à Assembléia. Foi logo antes de eu ir para a
Inglaterra, em 1757, e só passou depois que eu já havia partido,
com uma alteração quanto à forma de acesso, que julguei não ser
para melhor, mas com uma provisão adicional para, além de pavi-
mentar, iluminar as ruas, o que seria um grande avanço. Isso se deu
graças a um cidadão, o falecido Sr. John Clifton, que deu o exemplo
da utilidade dos lampiões ao mandar instalar um deles à sua porta e
deixou a população impressionada com a idéia de iluminar a cidade
inteira. As honras por essa obra de utilidade pública também foram
atribuídas a mim, mas na verdade pertencem àquele cavalheiro.
Apenas segui o seu exemplo, e tenho parte do mérito quanto à for-
ma de nossos lampiões, que diferiam dos lampiões em forma de
globo, antes fornecidos por Londres. Achávamos esses lampiões in-
convenientes, primeiro, por não permitirem a entrada de ar por bai-
xo, e a fumaça, sem ter como escapar rapidamente pela parte de ci-
ma, ficava circulando dentro do globo e ali se alojava, obstruindo a
passagem da luz. Além disso havia a necessidade de limpá-los to-
dos os dias e a possibilidade de serem destruídos e inutilizados por
uma pancada acidental. Foi então que sugeri que fossem montados
com quatro placas de vidro, uma longa chaminé para escoar a fuma-
ça e fendas na parte inferior, permitindo a entrada de ar e facilitando
a subida da fumaça. Dessa forma, eles se mantinham limpos, não
escureciam em poucas horas, como era o caso dos lampiões londri-
nos, e continuavam brilhando até o alvorecer. Além disso, uma pan-
cada acidental só quebraria uma das placas de vidro, facilmente
substituível.
Algumas vezes indaguei-me por que razão os londrinos não apro-
veitavam a idéia das aberturas na parte inferior de seus lampiões de
rua, como nos lampiões usados no bairro de Vauxhall, para facilitar
a limpeza. Parecia não lhes ocorrer que tais aberturas, feitas ali com
outra finalidade — a saber, acender a chama com mais rapidez, com
um pavio pendurado na lateral —, pudessem permitir outra, ou seja,
a entrada do ar. Portanto, depois de acesas por algumas horas, as
ruas de Londres logo estavam muito mal iluminadas.
A menção a essas melhorias evoca outra que propus, quando em
Londres, ao Dr. Fothergill, um dos melhores homens que já conheci
e grande promotor de projetos de utilidade. Eu tinha observado que,
quando secas, as ruas nunca eram varridas para a retirada da poei-
ra. Com as chuvas, a poeira ali acumulada transformava-se em la-
ma, que, depois de estar depositada por tantos dias no calçamento,
impossibilitava a travessia, a não ser nas passagens mantidas lim-
pas pelos varredores pobres. Com muito sacrifício, aquilo era raspa-
do e jogado dentro de carroças abertas na parte superior e, com os
solavancos da pavimentação, parte dos detritos era atirada fora, pe-
las laterais, e caía, muitas vezes transtornando os passantes. A ra-
zão apresentada para que as ruas empoeiradas não fossem varri-
das era não deixar que a poeira se espalhasse e entrasse pelas ja-
nelas das casas e das lojas.
Um acontecimento fortuito, porém, ensinou-me como uma grande
extensão poderia ser varrida em pouco tempo. Certa manhã, vi uma
pobre mulher à minha porta, na Rua Craven, varrendo o calçamento
com uma vassoura de piaçava. Muito pálida e aparentando fraque-
za, era como se estivesse se convalescendo de uma doença. Per-
guntei-lhe quem a havia contratado para varrer ali e ela respondeu:
“Ninguém, mas sou muito pobre e varro diante da porta da gente ri-
ca, esperando que me dêem alguma coisa”. Duvidei que ela varres-
se a rua inteira e prometi-lhe um xelim pela tarefa. Eram nove horas,
e ao meio-dia ela veio atrás do xelim. A julgar pela lentidão com que
a vira trabalhar mais cedo, mal podia acreditar que a tarefa já esti-
vesse concluída. Mandei meu criado averiguar e ele voltou dizendo
que a rua estava toda varrida e limpa, sendo que a poeira tinha sido
varrida para a sarjeta que passava pelo meio. A chuva que caiu em
seguida levou tudo embora, de modo que o calçamento e a sarjeta
ficaram perfeitamente limpos.
Pude então avaliar que, se uma mulher fragilizada era capaz de
varrer uma rua daquelas em três horas, um homem forte e saudável
o faria na metade do tempo. Aqui ressalto a conveniência de ter
apenas uma sarjeta numa rua estreita daquelas, correndo pelo
meio, em vez de duas, uma beirando cada calçada. No caso da sar-
jeta centralizada, toda a água da chuva escoa dos lados para o
meio, formando uma correnteza forte o suficiente para lavar a lama
que houvesse pela frente. No caso da divisão por dois canais, a
água escoada é fraca para limpar ambas e só deixa a lama mais di-
luída, fazendo as rodas das carruagens e as patas dos cavalos a es-
palharem pelas calçadas ao passar, tornando-as escorregadias e,
às vezes, respingando nos pedestres por ali. Minha proposta, comu-
nicada ao bondoso doutor, foi a seguinte:
Para a limpeza e manutenção mais eficaz das ruas de Londres e
Westminster, propõe-se que sejam contratados vários vigias para
varrer a poeira na estação seca e recolher a lama em outras épocas,
cada um nas diferentes ruas e travessas do seu quarteirão; que eles
sejam equipados com vassouras e outros instrumentos para essa fi-
nalidade, que devem ser mantidos em seus respectivos lugares e
disponibilizados para as pessoas pobres que venham a empregar no
serviço.
Que nos meses secos do verão a poeira seja toda varrida em montí-
culos, a distâncias convenientes, antes que as lojas e as janelas das
casas sejam abertas, quando, então, os varredores, munidos de um
carrinho coberto, também se encarregarão de recolher e levar tudo
embora.
Que a lama, quando raspada, não seja amontoada, vindo a ser espa-
lhada pelas rodas das carruagens e pelos cavalos, e que os varredo-
res disponham de estruturas montadas, não sobre um eixo de rodas
elevado, mas em nível mais baixo sobre pranchas deslizantes, com o
fundo de treliça, recoberto de palha, para reter a lama ali jogada, e a
água escoada, tornando a carga bem mais leve por ser a água o que
mais pesa; que tais estruturas sejam colocadas em distâncias regula-
res, e a lama transportada até elas em carrinhos de mão, e ali devem
ficar, até que toda a água seja drenada e que tragam os cavalos para
retirá-las”.
EDITAL
Lancaster, 26 de abril de 1755
Considerando-se a necessidade de 150 carroças, com quatro cava-
los cada, e 1.500 cavalos de sela ou de carga, para servir às forças
de Sua Majestade, ora acampadas em Will’s Creek, e tendo sua ex-
celência o General Braddock a honra de conferir-me poderes para
contratar o aluguel dos mesmos, cumpre-me notificar que, para
cumprimento desse propósito, estarei em Lancaster de hoje até a
noite da próxima quarta-feira, e em York, da manhã da próxima quin-
ta-feira até a noite de sexta-feira, onde estarei pronto para contratar
carroças e suas parelhas ou cavalos avulsos, nos termos que se se-
guem:
B. Franklin
Aos moradores dos condados de Lancaster, York e Cumberland
Amigos e concidadãos,
B. Franklin
Recebi do general cerca de oitocentas libras, a serem adiantadas
aos proprietários das carroças, etc. No entanto, sendo uma quantia
insuficiente, adiantei mais de duzentas libras e, em duas semanas,
as 150 carroças, com 249 cavalos de carga, estavam a caminho do
acampamento. O edital prometia o pagamento de acordo com a
avaliação feita, em caso de perda de alguma carroça ou cavalo. Os
proprietários, porém, alegando não conhecerem o General Braddock
e não saberem até que ponto poderiam confiar no que prometera,
insistiram para que eu lhes desse o meu aval, com o que concordei,
atendendo à reivindicação.
Certa noite, enquanto eu estava no acampamento ceando com os
oficiais do regimento do Coronel Dunbar, ele mencionou sua preocu-
pação com os subalternos. Segundo ele, em geral, eles não tinham
folga financeira e mal tinham como adquirir, neste país de vida cara,
os mantimentos necessários para uma jornada tão longa, por uma
região deserta onde não teriam nada para comprar. Sensibilizei-me
com o caso e decidi me esforçar para conseguir algum auxílio. Nada
disse a ele sobre a minha intenção, mas na manhã seguinte escrevi
à comissão da Assembléia, que dispunha de alguma verba pública,
recomendando amigavelmente que considerassem o caso daqueles
oficiais, e propondo que eles fossem presenteados com itens indis-
pensáveis e lanches leves. Meu filho, que tinha experiência em
acampamento e suas necessidades, elaborou uma lista a meu pedi-
do, incluída na carta. A comissão aprovou e agiu com tamanha dili-
gência que, conduzidos por meu filho, os mantimentos chegaram ao
acampamento quase ao mesmo tempo que as carroças. Consistiam
em vinte volumes, cada um contendo:
3 kg de açúcar em pedra
3 kg de açúcar mascavo de qualidade
500 g de chá-verde de qualidade
500 g de chá-preto de qualidade
3 kg de café moído de qualidade
3 kg de chocolate
½ pacote da melhor bolacha d’água
225 g de pimenta
1 L do melhor vinagre de vinho branco
1 queijo Gloucester
1 barril com 10 kg de manteiga
2 dúzias de garrafas de vinho da Madeira
2 galões de aguardente da Jamaica
1 garrafa de farinha de mostarda
2 presuntos bem curados
½ dúzia de línguas defumadas
3 kg de arroz
3 kg de passas