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PORTO ALEGRE
2016
CENTRO UNIVERSITÁRIO RITTER DOS REIS - UNIRITTER
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
MESTRADO EM LETRAS
Maristela Rabaiolli
Porto Alegre
2016
MARISTELA RABAIOLLI
_______________________________________
Profa. Dra. Valéria Brisolara
UniRitter
Professora orientadora
______________________________________
Profa. Dra. Neiva Maria Tebaldi Gomes
UniRitter
Professora convidada
________________________________________
Profa. Dra. Graziela Frainer Knoll
UNIFRA
Professora convidada
Porto Alegre
2016
Aos meus pais, pelo amor e incentivo.
Agradeço, primeiramente, à minha orientadora, Profa. Dra.
Valéria Brisolara, por ter me mostrado os meandros da autoria
e as possíveis relações desta com as identidades presentes
em cada um de nós.
Às professoras da banca do exame de qualificação pela
prestimosa ajuda.
Às professoras da banca examinadora pelas valiosas
contribuições.
À equipe de professoras do PPGL pela humildade
demonstrada e pelo elevado nível das aulas.
Aos (às) colegas de mestrado pelos divertidos encontros.
Às funcionárias do PPGL pela colaboração prestada.
“A única coisa de que tenho certeza é a da singularidade do
indivíduo.”
Albert Einstein
RESUMO
Desde 1998, ano de sua primeira versão, o Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem) tem se consolidado como um dos principais instrumentos não só de
avaliação da educação básica, como também de ingresso à universidade. Avaliar a
aprendizagem não é uma preocupação apenas dos professores, mas também do
Ministério da Educação que, de posse dos dados, pode construir estratégias para
superar os desafios relativos à qualidade da educação. Uma dessas avaliações diz
respeito ao nível de proficiência dos estudantes em leitura e escrita, habilidades que
o Enem também avalia quando solicita a escrita de uma redação. Um dos critérios
contemplados na matriz de avaliação do exame refere-se ao investimento autoral do
candidato no momento da escritura do texto. Logo, a capacidade do estudante de
exercer uma autoria na redação, posicionando-se frente ao tema proposto, é
avaliada. Afinal, o texto instancia o lugar de dizer do candidato e reflete suas
convicções a respeito do mundo, da cultura e da historicidade, num espaço
enunciativo no qual, ainda que pese o caráter artificial do contexto de produção, ele
se pretende autor. Diante desse contexto, a presente dissertação objetiva investigar
traços de autoria e marcas identitárias presentes em cinco redações que obtiveram
nota mil no concurso 2014, cujo tema foi A publicidade infantil no Brasil. As referidas
redações foram disponibilizadas na Internet pelos próprios autores-candidatos, o que
favoreceu sobremaneira esta pesquisa. Para embasar este trabalho, buscam-se os
conceitos de autoria elucidados por teóricos como Michel Foucault, Roland Barthes,
Mikhail Bakhtin e por estudiosos brasileiros que se debruçam sobre o tema, como é
o caso do professor, linguista e consultor do Enem, Sírio Possenti. Suas noções de
indícios de autoria contribuem para a construção de uma matriz de avaliação
específica, cujos critérios servem para investigar marcas autorais e identitárias
deixadas no texto pelo candidato. Com relação às questões que envolvem
identidade, são essenciais os conceitos de Stuart Hall, de Kanavillil Rajagopalan e
de Eni Orlandi. Pelos estudos realizados neste trabalho, é possível constatar que os
conceitos de autoria e de identidade não são uniformemente empregados nem
objetivamente definidos devido à heterogeneidade de abordagens que envolvem o
tema e às filiações teórico-metodológicas dos estudiosos. Com relação às análises,
percebe-se que os textos possuem tanto marcas identitárias quanto autorais.
Since 1998, the year when it was first applied, the National Secondary Education
Examination (Enem) has been a major instrument not only for the evaluation of
primary education, both also for the admission to the university. Assessing and
evaluating learning is not a concern only of teachers, but also of the Ministry of
Education, which, having the results, can build strategies to overcome the challenges
concerning the quality of education. One of these evaluations is related to the
students’ proficiency level in reading and writing, skills that Enem also evaluates by
asking students to write a composition. One of the criteria considered in the
evaluation matrix refers to the applicant's authorial investment at the time of writing
the text, that is, the student's ability to exert an authorship, positioning himself or
herself in face of the proposed theme. After all, the text shows the applicant’s
position and reflects his or her beliefs about the world, culture and historicity, in a
declarative space in which, even despite the artificial character of the production
context. In this context, this master’s thesis aims to investigate authorial traces and
identity marks present in five essays that obtained the highest grade (a thousand) in
the 2014 examination. The theme was children advertising in Brazil. These essays
were made available on the Internet by the authors, that is, the applicants
themselves, which greatly favored this research. To support this study, the concepts
of authorship elucidated by theoreticians such as Michel Foucault, Roland Barthes,
and Mikhail Bakhtin, and Brazilian scholars, such as linguist and professor Sírio
Possenti, who acts as a consultant for Enem, were used. His notions of traces of
authorship contributed to the construction of a specific matrix, whose criteria are
used to investigate authorial and identitary traces left by the applicants in their texts.
Regarding identity, Stuart Hall, Kanavillil Rajagopalan and Eni Orlandi’s concepts are
essential. Based on the studies conducted, it is possible to conclude that the
concepts of authorship and identity neither are used in the same way nor objectively
defined, due to the heterogeneity of the approaches adopted. As for the analyses of
the texts, it was evidenced that the texts have both identitary and authorial traces, as
show in the study.
SUMÁRIO
2 AUTORIA E IDENTIDADE .................................................................................... 17
2.1 CONSTRUÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DOS CONCEITOS DE AUTORIA ............ 17
2.2 INDÍCIOS DE AUTORIA .................................................................................... 27
2.3 IDENTIDADE E MARCAS IDENTITÁRIAS......................................................... 30
2.4 IDENTIDADE E ESCRITA .................................................................................. 33
3 O ENEM E AS REDAÇÕES ................................................................................. 37
3.1ENEM: ASPECTOS HISTÓRICOS ..................................................................... 37
3.2 AS MUDANÇAS ................................................................................................. 38
3.3 VANTAGENS ..................................................................................................... 41
3.4 OS RESULTADOS............................................................................................. 43
3.5 AS PROVAS ...................................................................................................... 44
3.6 EIXOS COGNITIVOS, COMPETÊNCIAS E HABILIDADES DA ÁREA DE
LINGUAGENS, CÓDIGOS E SUAS TECNOLOGIAS .............................................. 46
3.7 A PROVA DE REDAÇÃO NO CONTEXTO DO ENEM ...................................... 51
3.8 A PROVA DE REDAÇÃO DO ENEM 2014 E SUAS POSSÍVEIS ABORDAGENS
................................................................................................................................. 56
3.9 METOLOGOGIA E MATRIZ DE AVALIAÇÃO DA PROVA DE REDAÇÃO ........ 57
4 FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................. 64
4.1 MATRIZ ESPECÍFICA........................................................................................ 64
4.2 DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS AUTORAIS E IDENTITÁRIOS ......................... 66
4.3 NÍVEIS DE AUTORIA......................................................................................... 68
4.4. CORPUS........................................................................................................... 69
4.5 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE ...................................................................... 70
5 ANÁLISE DO CORPUS ........................................................................................ 72
5.1 REDAÇÃO 1 ...................................................................................................... 72
5.2 REDAÇÃO 2 ...................................................................................................... 75
5.3 REDAÇÃO 3 ...................................................................................................... 78
5.4 REDAÇÃO 4 ...................................................................................................... 81
5.5 REDAÇÃO 5 ...................................................................................................... 84
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 88
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 92
ANEXOS.................................................................................................................... 96
11
1 INTRODUÇÃO
pesquisa. Escolhi analisar as redações que obtiveram nota máxima porque acredito
que a probabilidade de encontrar indícios de autoria e de identidade nessas
redações é muito maior do que em textos com notas inferiores, o que não significa
que nestes não possa haver tais indícios. Afinal, se as redações que compõem o
corpus atingiram mil pontos, significa que os candidatos obtiveram nota máxima em
todas as competências, inclusive na que contempla os aspectos referentes à autoria
previstos na matriz de avaliação, mais especificamente na competência III.
É importante mencionar que o Enem existe há dezesseis anos e tem se
consolidado como um dos principais instrumentos de avaliação da educação
brasileira e um dos mais importantes meios de acesso às universidades públicas do
Brasil. Segundo o Ministério da Educação (MEC), a maioria das Instituições Federais
de Ensino Superior (IFES) adota o exame, atualmente, como único meio de ingresso
por meio do Sistema de Seleção Unificada (SISU), e as demais instituições que
ainda não aderiram a essa modalidade deverão fazê-lo em breve.
Devido à sua importância, todos os anos o Enem conta com milhões de
candidatos que almejam uma vaga na universidade, seja esta pública ou privada, ou
que buscam obter a certificação do Ensino Médio. O exame é elaborado pelo MEC
em parceria com o Inep e com o Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e
Seleção e de Promoção de Eventos (CEBRASPE).
Dados do Inep mostram que, em 2014, o exame registrou um recorde de
inscritos com mais de 8,7 milhões de participantes 1. Esse número é 21,6% maior em
relação ao ano anterior. As provas foram realizadas em dois dias. No primeiro, os
candidatos tinham de responder, em quatro horas e meia, a 45 questões de Ciências
da Natureza e suas Tecnologias e a 45 de Ciências Humanas e suas Tecnologias,
totalizando 90 questões. No segundo dia, foram aplicadas as provas de Linguagens,
Códigos e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias e Redação. Nesse dia,
devido à escrita da redação, os candidatos tinham cinco horas e trinta minutos –
uma hora a mais que no dia anterior – para fazer a prova.
Como se pode verificar, não há, no Brasil, exame que se equipare ao Enem,
tamanha é sua abrangência. Os participantes concorrem a mais de um milhão de
vagas em instituições públicas e privadas por meio do Sisu, do Programa
Universidade para Todos (PROUNI) e do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES).
1
Dados disponíveis em: <http://www.brasil.gov.br/educacao/2014/06/enem-2014-tem-mais-de-8-7-
milhoes-de-participantse-confirmados>.
13
mediados pelas tecnologias informatizadas (ZART, 2014); que tratam dos Indícios
de autoria em textos de estudantes (CAVALCANTI, 2014); que fazem Um estudo
sobre a coerência em redações do Enem produzidas no Paraná (ARAUJO, 2004);
que abordam as Redações do Enem/2012: réplicas ativas nas múltiplas vozes
(POLACHINI, 2014); e muitos outros, mas não foi encontrado nenhum que analise a
relação entre autoria e identidade em redações de candidatos ao Enem.
Por conta disso, penso que é necessário promover uma reflexão acerca dos
textos produzidos pelos candidatos aspirantes a uma vaga na universidade no que
tange aos aspectos autorais e identitários, porque o Enem, assim como a maioria
dos concursos de seleção de estudantes, se realiza sob grande tensão e é, em
geral, bastante competitivo. Logo, não basta ao candidato fazer boas provas
objetivas, é necessário que ele tenha um bom desempenho na escrita do texto para
se classificar e conseguir a tão almejada vaga.
A esse respeito, o desempenho do candidato na redação é avaliado conforme
a matriz de referência do Enem por meio das seguintes competências2:a):
Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da Língua Portuguesa; b):
Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de
conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto
dissertativo-argumentativo em prosa; c): Selecionar, relacionar, organizar e
interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de
vista; d): Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a
construção da argumentação; e): Elaborar proposta de intervenção para o problema
abordado, respeitando os direitos humanos.
Cada competência possui níveis de habilidades3 que vão de 0 a 5, com
exceção da competência II que não possui o nível 0, pois esse nível caracterizaria a
Fuga ao tema. As minúcias dessa matriz de avaliação são abordadas no capítulo
dois deste trabalho. Como se pode verificar, apesar de essa ser uma matriz que
contempla também a questão autoral, dá pouca ênfase a ela. Dessa forma, nada
2
As competências gerais que são avaliadas no Enem estão estruturadas com base nas
competências descritas nas operações formais da teoria de Piaget, tais como a capacidade de
considerar todas as possibilidades para resolver um problema; a capacidade de formular hipóteses;
de combinar todas as possibilidades e separar variáveis para testar a influência de diferentes fatores;
o uso do raciocínio hipotético-dedutivo, da interpretação, análise, comparação e argumentação, e a
generalização dessas operações a diversos conteúdos. (Enem. Relatório Pedagógico, 2007, p. 41).
3
As habilidades decorrem das competências adquiridas e referem-se ao plano imediato do “saber
fazer”. Por meio das ações e operações, as habilidades aperfeiçoam-se e articulam-se, possibilitando
nova reorganização das competências. (Enem. Documento básico, 2002, p.11).
15
impede que o texto seja avaliado mais detidamente nesse quesito, o que também é
proposto no escopo deste trabalho.
Nesse cenário, o objetivo deste trabalho é investigar marcas autorais e
identitárias presentes em cinco textos nota mil produzidos pelos candidatos ao Enem
2014. A fim de atingir esse propósito, torna-se necessário refletir sobre questões
assim formuladas: O que vem a ser autoria? Que posições discursivas o candidato
ocupa ao escrever? Que marcas linguístico-discursivas podem ser identificadoras de
indícios de autoria no texto escrito? Quem é esse autor que escreve a redação e
como ele “joga” com as expectativas que cria no seu interlocutor? Como a
identidade do candidato se presentifica no texto? Todos esses questionamentos já
seriam suficientes para justificar a relevância desta pesquisa, mas há outras razões
que serão expostas ao longo dela.
Sabe-se que nenhuma estrutura se sustenta sem alicerces, por isso, para a
realização da presente pesquisa são primordiais os conceitos de autoria elucidados
por pensadores como Michel Foucault (2011), Roland Barthes (2004) e Mikhail
Bakhtin (1986). Também são relevantes os estudos de pesquisadores brasileiros
como Maria José Coracini (2010) e Sírio Possenti (2002). Da mesma forma, para
tratar das questões que envolvem identidade, são essenciais os conceitos de Stuart
Hall (2010), de Rajagopalan (2003) e de Eni Orlandi (2012).
A fim de atingir os objetivos propostos, esta dissertação estrutura-se em
quatro capítulos. O primeiro evidencia a diversidade de conceitos de autor, autoria e
identidade concebidos ao longo da história; apresenta uma revisão teórica desses
conceitos; elucida como o candidato ao Enem se relaciona com o mundo por meio
da linguagem verbal escrita, através dos gêneros discursivos, e de como ele se
constitui identitariamente à medida que escreve; aponta quais marcas podem ser
consideradas indicativas de autoria e, além disso, mostra as relações entre autoria e
identidade.
O capítulo seguinte é dedicado ao Enem e às suas respectivas redações.
Após oferecer um histórico do exame, analisa mais detidamente os Eixos Cognitivos
da área das Linguagens e suas Tecnologias, a Prova de Redação e a sua Matriz de
Avaliação, cujas competências – sobretudo a competência III – contemplam critérios
relativos à autoria.
O terceiro capítulo trata da metodologia utilizada nesta pesquisa e apresenta
uma matriz de avaliação específica que contempla critérios indicativos de indícios de
16
autoria e de marcas identitárias. Essa matriz foi criada com base no referencial
teórico estudado, e, também, nas Diretrizes da Prova de Redação, nos Relatórios
Pedagógicos, nos Textos Teóricos e Metodológicos, nos Guias do participante, no
Documento Básico e nos Editais, todos do Enem. A referida matriz pode contribuir
tanto com a matriz atual do Enem quanto com os professores que queiram optar por
uma avaliação mais específica que contemple critérios envolvendo os indícios de
autoria. No último capítulo, os textos que compõem o corpus são analisados a partir
da matriz específica e discute-se a relação dos indícios de autoria com os conceitos
de autoria e de identidade.
Esta dissertação busca contribuir com os professores de língua portuguesa
oferecendo-lhes subsídios para a avaliação de textos, pois mostra que é possível
avaliá-los tendo como base outros critérios que não os comumente utilizados pelos
professores-avaliadores no dia a dia da sala de aula, por universidades e seus
concursos vestibulares. A análise do corpus procura ultrapassar o nível de avaliação
meramente linguístico/gramatical, presente na superfície do texto, buscando
expandir as perspectivas para níveis pragmático-discursivos de língua, isto é, da
língua em uso.
17
2 AUTORIA E IDENTIDADE
Há muitos anos tentei livrar-me dele e passei das mitologias dos subúrbios
aos jogos com o tempo e o infinito, mas estes jogos pertencem a Borges
agora e tenho que inventar outras coisas. Desta forma, minha vida é uma
fuga e perco tudo, e tudo pertence ao esquecimento, ou ao outro. Não sei
qual dos dois escreve esta página.
Jorge Luis Borges
publicado por Barthes em 1968, Barthes (1984) afirma que os primeiros movimentos
para se responsabilizar um autor pelo que ele havia escrito começaram na Idade
Média. Nesse período, as autoridades religiosas buscavam os responsáveis pelos
livros “heréticos” com dois objetivos: punir seus autores e queimar as obras que
contrariavam a doutrina estabelecida.
No final do século XVIII e no início do século XIX, estabeleceu-se um regime
de propriedade dos textos, isto é, criaram-se regras sobre os direitos do autor e
sobre os direitos de reprodução das obras. Isso, segundo Foucault (2011), em seu
texto “O que é o autor”, de 1969, com o objetivo de impedir a apropriação, por
terceiros, da propriedade intelectual de um determinado autor. O mesmo se verifica
hoje na Lei brasileira nº 9610, de 19 de fevereiro de 1998, que trata dos Direitos
Autorais.
No referido texto, Barthes (1984) chama a atenção para o seguinte trecho da
novela Sarrasine, de Balzac:
Era a mulher, com os seus medos súbitos, os seus caprichos sem razão, as
suas perturbações instintivas, as suas audácias sem causa, as suas
bravatas e a sua deliciosa delicadeza de sentimentos. (BARTHES, 1984, p.
49)
E depois responde:
Será para sempre impossível sabê-lo, pela boa razão de que a escrita é
destruição de toda a voz, de toda a origem. A escrita é esse neutro, esse
compósito, esse oblíquo para onde foge o nosso sujeito, o preto-e-branco
aonde vem perder-se toda a identidade, a começar precisamente pela do
corpo que escreve. (BARTHES, 1984, p. 49)
Assim, pode-se afirmar que ele relaciona autoria a uma maneira singular de
orquestrar vozes.
Barthes, embora tenha sido acusado de matar o autor empírico,
evidentemente não faz isso – nem poderia fazê-lo – apenas explica que “o texto é
um tecido de citações” e que a autoria vai além da mão que o escreveu. Barthes via
o texto como “um tecido de citações saídas dos mil focos da cultura” cabendo ao
escritor
Imitar um gesto sempre anterior, jamais original; seu único poder está em
mesclar estruturas (...) a ‘coisa’ interior que tem a pretensão de traduzir não
é senão um dicionário todo composto, cujas palavras só se podem explicar
através de outras palavras. (BARTHES, 1984, p.69)
isto é, que suscita múltiplas interpretações e, para exemplificar, cita Kafka, Mallarmé
e James Joyce como grandes autores de obras abertas. Essa infinidade de leituras,
como se pode observar, tem relação com a duplicidade da palavra mencionada por
Barthes. A obra fechada, por sua vez, é lida no seu sentido literal. Assim, pode-se
inferir que, dependendo do gênero discursivo, para usar um termo bakhtiniano, é
necessário que um texto seja mais aberto ou mais fechado para que cumpra sua
função. Um texto científico, por exemplo, não deve ser encarado como uma obra
aberta.
No segundo ensaio – “O Leitor modelo” –, Eco chama a atenção para a
necessidade de o autor prever um leitor e observa que é preciso haver movimentos
de cooperação entre ambos. Tal cooperação está também implícita no princípio da
coerência. Já no texto “Entre autor e texto”, o filósofo italiano ressalta a importância
do leitor na construção do texto e enfatiza que aquilo que o autor empírico quis dizer
ao escrever não costuma ter muita importância, pois o que importa, de fato, é o que
diz o texto e não o que diz o autor. A esse respeito, Eco assim se refere:
escreve costuma deixar em seu texto. Nesse mesmo ensaio, Bakhtin chama a
atenção para a confusão que comumente se faz entre autor-pessoa e autor-criador.
O filósofo sustenta que o primeiro é componente da vida e o segundo é
componente da obra, sendo o autor-pessoa o que comumente chamamos de autor
empírico, ou seja, a pessoa de carne e osso que escreve. Dizendo de outro modo, o
autor-pessoa seria o escritor, o artista; já o autor-criador seria uma função estético-
formal engendradora da obra. Hoje, parece um tanto óbvio que não se deve
confundir um com outro, mas em 1929, ocasião em que o filósofo fez essa
afirmação, ela chamou a atenção dos estudiosos para essa questão. E, mesmo
agora, no século XXI, ainda há quem os confunda, pois é bastante frequente se
tomar um pelo outro. Sobre isso, Bakhtin assim se pronuncia:
que se entende por citação. E ela normalmente é assinalada por marcas linguísticas
como aspas, travessões e recursos gráficos.
Também Ponzio (2008) a respeito da palavra alheia assim se manifesta:
Falamos sempre através da palavra dos outros, seja por meio de uma
simples imitação, como uma pura citação, seja em uma tradução literal ou,
ainda, seja através de diferentes formas de transposição, que comportam
diferentes níveis de distanciamento da palavra alheia: a palavra entre
aspas, o comentário, a crítica, o repúdio, etc. (PONZIO, 2008, P. 101)
(...) poder-se-ia dizer que há, em uma civilização como a nossa, um certo
número de discursos que são providos da função “autor”, enquanto que
outros são dela desprovidos. Uma carta particular pode ter um signatário,
ela não tem autor; um contrato pode ter um fiador, ele não tem autor. Um
texto anônimo que se lê na rua em uma parede terá um redator, não terá
um autor. A função autor é, portanto, característica do modo de existência,
de circulação e de funcionamento de certos discursos no interior de uma
sociedade. (FOUCAULT, 1969, p.274)
Nota-se que autoria para Foucault não é, como diria Guimarães Rosa, algo
trivial, uma linguagem “de em dia de semana”. Ao contrário, para haver autoria é
preciso escrever com certa singularidade e, para isso, dentre outras ações, é
necessário reagrupar certos textos e relacioná-los entre si, pois “um discurso
associado ao nome do autor não é uma palavra cotidiana, indiferente (...) que passa,
imediatamente consumível” (FOUCAULT, 1969, p. 276).
Se para Foucault a função-autor está atrelada à obra, e esta, por sua vez, só
existe quando publicada ou reconhecida por um grupo de pessoas, para Bakhtin
(1986), a função autor está intimamente associada à assinatura do autor em textos
que se inserem em um gênero discursivo específico dentro de uma esfera de
circulação também específica. É importante mencionar que o gênero, segundo
Bakhtin (2011) contém o tema, o modo composicional e o estilo e, ao elaborá-lo, o
autor espera ser lido/questionado/interpelado por alguém. Percebe-se, assim, que
cada estudioso oferece uma parcela de contribuição ao assunto aqui discutido.
25
Finalmente, toda essa questão tem a ver com a maneira como se concebe a
autoria. É a noção de autor que está em questão nas formas de
interpretação. O que caracteriza a autoria é a produção de um gesto de
interpretação, ou seja, na função-autor o sujeito é responsável pelo sentido
do que diz, em outras palavras, ele é responsável por uma formulação que
faz sentido. O modo como ele faz isso é que caracteriza a sua autoria.
Como, naquilo que lhe faz sentido, ele faz sentido. Como ele interpreta o
que interpreta. (ORLANDI, 2012, p. 97).
26
Essa definição indica que a autoria é não só um construto que envolve risco,
mas também um processo de interpretação que implica uma tomada de posição. É,
além disso, um processo marcado pela história e pelas condições de produção nas
quais o sujeito está inscrito.
De igual orientação, na obra Escritura de si e alteridade no espaço papel-tela,
Coracini (2010), retomando Derrida e Foucault, comenta que escrever é para eles
cortar a folha (papel que é também vegetal...), levantar a pele das palavras,
fazer incisões, cortes, enxertos, in-serções de si no corpo estranho do outro
– palavra, texto, que é sempre do outro e sempre meu ou de quem escreve,
de quem assina – transformando, deformando, degradando, com
legitimidade – afinal, o autor se sente “dono” da língua – o corpo ou o
corpus (defunto, morto). (CORACINI, 2010, p. 31).
Ao que parece, para ser autor é preciso possuir tais características, as quais
dificilmente são perceptíveis em autores de textos cotidianos que escrevem notícias
de jornal, receitas culinárias, artigos de opinião ou redações escolares. O que os
autores desses textos revelariam, segundo Possenti (2013) seriam indícios de
autoria, e não a autoria a que Foucault se refere, contudo não há dúvida de que
ambas estão relacionadas.
Com relação a esses indícios de autoria presentes nos textos, Caramagnani
(2010) investigou, em trechos de introdução de trabalhos acadêmicos, mais
precisamente em dissertações e teses, em que medida os mestrandos e
doutorandos forneciam o que ela chama de indícios dos movimentos do autor. Os
indícios a que a autora se refere são abordados por Possenti (2002) quando ele
propõe que a noção de autoria seja redefinida. Essa redefinição diz respeito ao fato
de que a autoria seria “um efeito simultâneo de um jogo estilístico e de uma posição
enunciativa”. (POSSENTI, 2002, p. 107).
Sobre tais indícios, Possenti (2013) relata que, numa determinada época,
quando era coordenador de uma banca de correção de redações de vestibular, o
que chamava, especialmente, a sua atenção, e a de alguns corretores, eram os
traços de autoria presentes nos textos. Esses traços faziam com que os textos
deixassem de ser “simples redações” para se tornar redações com indícios de
autoria. Segundo Possenti, os traços eram predominantemente de estilo, e as
marcas mais empregadas pelos vestibulandos eram as aspas, a ironia, as citações
singulares, os jogos com o leitor.
A propósito do estilo, Possenti (2001) afirma que para se verificar indícios de
autoria em um texto do gênero redação escolar, a noção de estilo precisa ser
reinterpretada e retirada do domínio do romantismo. A esse respeito, o autor assim
argumenta:
A noção de estilo mais corrente é, a rigor, romântica, e só fez sentido na
medida em que foi compreendida como a expressão de uma subjetividade
(unitária, psicológica). Tanto a estratégia do desvio quanto a da escolha,
categorias alternativamente utilizadas na tradição da estilística, tanto para
descrever um fato de língua (ou de texto) quanto para descrever uma
atividade psicológica, confirmam basicamente essa inscrição romântica.
(POSSENTI, 2001, p. 15).
29
algum é muito mais produtivo. Aulas nas quais os alunos possam reescrever seus
textos ajudam a combater a reprovação, pois, além de fazer mais sentido,
promovem a autorreflexão e a construção de uma autoria.
Nota-se, assim, que não existe uma única definição para os termos autor e
autoria. As concepções variam conforme a corrente teórica adotada pelo estudioso
em face de sua formação acadêmica e ideológica. Isso significa dizer que os
conceitos são situados e relacionados ao momento social e histórico em que são
produzidos. É relevante pontuar, todavia, que ambos os termos são construções
históricas e sociais e estão atrelados às condições de produção, pois são processos
que variam no tempo e no espaço.
Como se pode observar, os termos passaram (e provavelmente ainda
passarão) por muitas instâncias. Elas vão do autor-criador, em Bakhtin; passam pelo
escritor, em Barthes e vão até a função-autor, em Foucault. Essa diversidade de
conceitos é, talvez, o que se poderia chamar de pontos de divergência entre os
autores, pois eles descrevem e explicam os termos a partir de uma determinada
perspectiva e num determinado contexto histórico-social. Contudo, não se pode
negar que cada um, a seu modo, traz sua contribuição para as questões relativas ao
autor e à autoria.
Com relação a essas questões, convém lembrar que tanto Bakhtin, quanto
Barthes e Foucault, cada um a seu modo, fazem reflexões quanto ao papel do
indivíduo como autor dos discursos e questionam, assim como Hall (2010), a
unicidade do sujeito. E, a partir disso, desenvolvem sua noção de autor e autoria.
Vale ressaltar que ambos os termos envolvem conceitos amplos e complexos. É
natural, portanto, que todo estudioso, em face da sua formação acadêmica e do seu
interesse de pesquisa se filie a alguma corrente teórica e adote uma determinada
perspectiva para descrever e explicar a realidade. Saussure (1916) no Cours de
Linguistique Générale já ensinava que “é o ponto de vista que cria o objeto”. Logo,
dependendo da perspectiva adotada tem-se uma determinada concepção em
relação ao objeto em análise.
para seus intérpretes, os sujeitos não seriam agentes individuais da história, mas
peças de uma engrenagem social. O segundo avanço que descentrou o sujeito vem
da descoberta do inconsciente por Freud. Com sua teoria, o pai da psicanálise
contrariou o conceito de sujeito racional provido de uma identidade fixa e unificada.
O terceiro avanço está associado ao Estruturalismo, pois Saussure argumentava
que não somos autores das afirmações que fazemos ou dos significados que
expressamos na língua, já que só podemos utilizá-la nos posicionando no interior de
suas regras, porque ela preexiste a nós. O quarto avanço ocorreu com os estudos
de Foucault sobre o que ele chamou de poder disciplinar. O objetivo desse poder
consistia em manter a vida, as atividades, o trabalho, as infelicidades e os prazeres
do indivíduo sob estrito controle e disciplina para produzir um ser humano dócil. E,
por fim, o último avanço diz respeito ao impacto do Feminismo e de todos os demais
movimentos sociais associados com o ano de 1968. Tais movimentos contribuíram
sobremaneira para os novos conceitos de família, de sexualidade e de trabalho
doméstico e politizaram a subjetividade, a identidade e o processo de identificação
entre homens e mulheres, mães e pais, filhos e filhas, expandindo, assim, a
formação de identidades sexuais e de gênero. E os descentramentos continuam,
afinal a pós-modernidade é um processo sem fim de rupturas.
Semelhante concepção é adotada por Rajagopalan (2003) quando afirma que
a identidade de um indivíduo se constrói na língua e por meio dela. Isso significa,
segundo o autor, que o indivíduo não tem uma identidade fixa anterior e fora da
língua. Nessa perspectiva, os sujeitos não têm identidades fixas ou permanentes,
mas várias identidades provisórias e variáveis. Também Ricento (2005) postula que
a identidade é constituída na e pela linguagem. Assim, não haveria identidade, mas
sim identidades ou identificações, ou seja, a identidade não existiria no interior dos
sujeitos, pois é uma construção, sempre em processo, a partir da interação.
atravessa o tempo e o espaço porque, por meio dela, podemos saber o que
aconteceu nos séculos passados e projetar o futuro. Isso não acontece com a fala,
pois, por mais alto que gritemos, nossa voz não consegue ir muito longe. Não
bastasse isso, dominar a escrita foi (e continua sendo) uma arma poderosíssima,
pois quem não a domina sempre vai depender dos outros para manter viva sua
cultura, e, quiçá, sua espécie. Tudo o que ouvimos ou falamos não permanece muito
tempo guardado na memória, se quisermos guardar, precisamos fazê-lo por escrito.
Assim, parece razoável aceitar a ideia de que não existe autoria sem sujeito,
assim como não existe sujeito sem identidade e ambas – autoria e identidade – têm
uma relação íntima com a cultura e com a ideologia daquele que escreve. O sujeito
está dentro de uma cultura, e toda cultura – assim como todo o sujeito – é
ideológica. Logo, não existe sujeito sem ideologia. E são essas marcas ideológico-
autorais que o autor deixa em seu texto no momento da escritura.
37
3 O ENEM E AS REDAÇÕES
3.2 AS MUDANÇAS
39
4
Disponível em:< http://portal.inep.gov.br/web/enem/edicoes-anteriores/relatorios-pedagogicos>
40
5
Disponível em: < http://www.publicacoes.inep.gov.br/portal/download/1401>
41
3.3 VANTAGENS
Os benefícios para quem faz o Enem são muitos. Para os estudantes, por
exemplo, a nota pode ser utilizada como acesso ao ensino superior em
universidades brasileiras que aderirem ao exame como forma única ou parcial de
seleção. Cada universidade tem autonomia para aderir ao Enem conforme julgue
melhor. Muitas faculdades e universidades usam a nota do Enem em seus
processos seletivos. Isso tem feito com que cada vez mais alunos participem
anualmente da prova. Em Portugal, a Universidade de Coimbra e a Universidade da
Beira Interior, na Covilhã, aceitam a nota do Enem para seriar os candidatos.
A nota também é utilizada por candidatos com interesse em ganhar pontos
para o ProUni. Tanto esse programa quanto o Sisu são online e permitem ao
estudante escolher cursos e vagas entre as instituições de ensino superior
participantes que utilizarão o Enem como forma de ingresso. A participação no
6
Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/rss_enem/-/asset_publisher/oV0H/content/id/112749>
7
Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/educacao/2014/06/enem-2014-tem-mais-de-8-7-milhoes-
de-participantse-confirmados>
42
em cada questão. Dessa forma, as questões são colocadas em uma sequência, sem
qualquer tipo de agrupamento.
O Enem mantém a exigência de compreensão dos enunciados, cobra domínio
sobre os conteúdos aprendidos no Ensino Médio e valoriza o aspecto lógico e de
interpretação do aluno, em um método diferente daqueles que os vestibulares
geralmente utilizam ao fazer com que o aluno, muitas vezes, decore fórmulas e
datas e tenha que recorrer a elas. O Enem visa a avaliar a capacidade de raciocínio
e as ideias do candidato e não a simples memorização de conteúdos.
3.4 OS RESULTADOS
3.5 AS PROVAS
Ano Tema
1998 Viver e aprender
1999 Cidadania e participação social.
2000 Direitos da criança e do adolescente: como enfrentar esse desafio nacional?
2001 Desenvolvimento e preservação ambiental: como conciliar os interesses em
conflito?
2002 O direito de votar: como fazer dessa conquista um meio para promover as
transformações sociais que o Brasil necessita?
2003 A violência na sociedade brasileira: como mudar as regras desse jogo.
2004 Como garantir a liberdade de informação e evitar abusos nos meios de
comunicação.
2005 O trabalho infantil na sociedade brasileira.
2006 O poder de transformação da leitura.
2007 O desafio de se conviver com as diferenças.
2008 A preservação da floresta Amazônica.
2009 O indivíduo frente à ética nacional.
2010 O trabalho na construção da dignidade humana.
2011 Viver em rede no século XXI: os limites entre o público e o privado.
2012 Movimento imigratório para o Brasil no século XXI.
2013 Efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil.
2014 Publicidade infantil em questão no Brasil.
53
Pode-se verificar pelo excerto acima que o Enem pauta sua concepção nas
orientações dos PCNEM e estes, por sua vez, pautam-se em Bakhtin, cujas trocas
linguísticas decorrem da relação de forças entre os interlocutores. A linguagem,
nessa concepção, é entendida como produto e produção cultural, nascida nas
práticas sociais. Ela, assim como o homem, destaca-se por seu caráter criativo,
contraditório, pluridimensional, múltiplo e singular a um só tempo.
Em relação à variante linguística, a proposta de redação do Enem solicita ao
candidato que escreva um texto em prosa na modalidade escrita formal da língua
portuguesa, isto é, conforme a língua urbana de prestígio, o que equivale à também
chamada norma culta. Essa modalidade de língua está contemplada na primeira
competência da matriz de avaliação.
Essa variante é exigida porque, apesar de representar um determinado grupo
social, o valor que lhe é atribuído no contexto das legitimações sociais é inegável.
Ela é o consenso do que está nos documentos oficiais, nas leis, nos livros de
qualidade, nos jornais e revistas de grande circulação. Tal modalidade procura
assegurar a unidade linguística imaginária do país, uma vez que essa se sobrepõe
às variedades regionais e individuais, sem eliminá-las.
A modalidade escrita da língua, diferentemente da oral, não dispõe de
recursos contextuais como gestos, entonação, expressões faciais, etc., por isso é
preciso seguir mais rigorosamente as suas exigências, afinal o interlocutor está
54
8
A prova consta nos anexos.
57
Com relação às situações que levam à nota zero, receberão essa nota os
textos: a) em branco; b) com menos de oito linhas escritas; c) que fogem ao
tema/assunto; d) que não atendam ao tipo textual; e) que contenham impropérios,
desenhos ou outra forma proposital de anulação; f) que desrespeitem os direitos
humanos; g) que apresentem parte do texto deliberadamente desconectada com o
tema proposto; e h) com cópia literal dos textos motivadores.
Cada competência possui seis níveis de habilidades (com exceção da
competência II que possui cinco apenas10). Os níveis variam de zero (0) a seis (6) e
cada nível equivale a 40 pontos, totalizando 200 pontos. Por exemplo: se na
competência I o candidato atender completamente (grifo meu) aos critérios
estabelecidos, demonstrando excelente domínio (grifo meu) da modalidade escrita
formal da língua portuguesa e de escolha de registro, cometendo, de forma
excepcional (grifo meu), desvios gramaticais ou de convenções da escrita, sem
reincidir no erro, ele receberá 200 pontos nessa competência; mas se o candidato
atender apenas parcialmente (grifo meu) aos critérios estabelecidos, demonstrando
bom domínio (grifo meu) da modalidade escrita formal da língua portuguesa e de
escolha de registro, ele receberá 160 pontos e assim por diante até chegar a zero
numa escala descendente. Assim, se o candidato atingir 200 pontos em cada
competência receberá nota máxima, isto é, mil (1000) pontos.
Cada redação é avaliada por dois avaliadores, de forma independente, sem
que um conheça a pontuação dada pelo outro. Caso haja discrepância de mais de
80 pontos entre uma competência e outra, ou de 100 pontos na soma total da nota,
a redação passa por uma terceira avaliação. Esse terceiro avaliador tem acesso à
nota que cada um dos avaliadores que o antecedeu atribuiu ao texto e pode
concordar com um ou com outro ou, ainda, atribuir uma terceira nota que será
somada e dividida com a nota do avaliador que mais se aproximou do terceiro
avaliador. Se, ainda assim, houver discrepância, o texto é avaliado por uma banca
composta por três avaliadores que atribuirão a nota final ao texto, sendo
descartadas as notas anteriores. A nota final da redação é dada pela média
aritmética simples das notas atribuídas a cada uma das cinco competências por dois
corretores.
10
A nota zero nessa competência equivale à fuga ao tema e, por isso, a redação deverá ser zerada e
não avaliada normalmente.
63
4 FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS
Este capítulo trata da metodologia que será utilizada nesta pesquisa para
proceder à análise dos textos selecionados a fim de identificar neles indícios de
autoria e marcas identitárias. Para a análise do corpus, construiu-se uma matriz
específica que contempla os referidos critérios. A matriz é explicada e justificada a
seguir.
Conforme se verifica na matriz de avaliação do Enem, a competência III,
sobretudo nos níveis 4 e 5, contempla aspectos referentes à autoria. Eles estão
assim descritos: (4) [o candidato] apresenta informações, fatos e opiniões
relacionados ao tema, de forma organizada, com indícios de autoria, em defesa de
um ponto de vista e (5) [o candidato] apresenta informações, fatos e opiniões
relacionados ao tema, de forma consistente, configurando autoria, em defesa de
um ponto de vista.
Afora essa descrição, não consta no material pesquisado explicações
detalhadas do que seriam esses indícios de autoria, nem, tampouco, que elementos
configurariam a autoria. Essa falta de explicação pode acarretar dificuldades para os
corretores, pois nem todos têm domínio desses conceitos.
Dessa forma, a matriz específica vem tentar complementar tais critérios,
tratando especificamente dessa questão.
11
As planilhas das universidades citadas constam nos anexos.
66
01 02 03 04 05 06
Controle da dispersão
Densidade textual
responsabilidade
argumentativo
Assunção de
sentidos
Escore
Estilo
Item/nível de
5 E+ E+ E+ E+ E+ E+
Excelente
4 E- E- E- E- E- E-
3 S+ S+ S+ S+ S+ S+
Satisfatório
2 S- S- S- S- S- S-
1 N+ N+ N+ N+ N+ N+
Não Satisfatório
0 N- N- N- N- N- N-
Escore
NOTA: Tabela elaborada pela autora.
Cada critério da matriz contém exigências que devem ser observadas pelo
candidato no momento da escrita do texto. A aproximação ou o distanciamento em
relação aos critérios o aproximam o afastam das exigências a serem atendidas na
69
matriz de referência, que é pautada também por conceitos. Tais conceitos são assim
descritos:
4.3.1 Nível excelente – o conceito E+ equivale ao nível excelente. Os
candidatos que satisfizerem plenamente a exigência focalizada receberiam esse
conceito. Está no nível excelente o participante que obtiver nota máxima em todos
os critérios exigidos, demonstrando total habilidade na manipulação deles. Nesse
nível, a redação alcançaria 1000 pontos. O E- também equivale ao nível excelente,
porém a habilidade demonstrada pelo candidato, em um ou mais critérios, oscila; por
isso, a redação obteria uma nota que alcançaria entre 800 e 900 pontos.
4.3.2 Nível satisfatório – a redação que está no nível S+ é considerada uma
redação mediana. A qualidade do texto cai consideravelmente em relação ao nível
excelente, mas, ainda assim, é considerada uma boa redação, possibilitando ao
candidato conseguir a vaga na universidade, dependendo da pontuação exigida pelo
curso no qual o candidato deseja ingressar. Dessa forma, o texto receberia uma nota
entre 600 e 700 pontos. O conceito S-, também em nível satisfatório, situa-se numa
escala inferior ao S+, pois, neste caso, o candidato tende a se distanciar da
exigência solicitada na matriz. A nota obtida giraria em torno dos 500 pontos, pois a
exigência é parcialmente satisfeita. Mesmo assim, essa nota possibilitaria ao a
conquista da certificação do ensino médio.
4.3.3 nível não satisfatório – está no nível N+ a redação do candidato que
observar apenas minimamente o que é exigido na matriz de referência. Este texto
situa-se abaixo dos 500 pontos. No nível N- o candidato se afasta ainda mais das
exigências, o que significa que não houve a observância dos critérios exigidos. Em
ambos os casos, o candidato seria desclassificado, pois a pontuação obtida ficaria
aquém do exigido.
4.4. CORPUS
12
Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/ENEM/2015/noticia/2015/05/leia-redacoes-do-
ENEM-que-tiraram-nota-maxima-no-exame-de-2014. html> Acesso em: 23 de maio de 2015.
70
5 ANÁLISE DO CORPUS
5.1 REDAÇÃO 1
Antônio Ivan Araujo Monteiro – CE
(sem título)
1 A publicidade infantil movimenta bilhões de dólares e é responsável por
2 considerável aumento no número de vendas de produtos e serviços direcionados às
3 crianças. No Brasil, o debate sobre a publicidade infantil representa uma questão
4 que envolve interesses diversos. Nesse contexto, o governo deve regulamentar a
5 veiculação e o conteúdo de campanhas publicitárias voltadas às crianças, pois, do
6 contrário, elas podem ser prejudicadas em sua formação, com prejuízos físicos,
7 psicológicos e emocionais.
8 Em primeiro lugar, nota-se que as propagandas voltadas ao público mais
9 jovem podem influir nos hábitos alimentares, podendo alterar, consequentemente, o
10 desenvolvimento físico e a saúde das crianças. Os brindes que acompanham as
11 refeições infantis ofertados pelas grandes redes de lanchonetes, por exemplo,
12 aumentam o consumo de alimentos muito calóricos e prejudiciais à saúde pelas
13 crianças, interessadas nos prêmios. Esse aumento da ingestão de alimentos pouco
14 saudáveis pode acarretar o surgimento precoce de doenças como a obesidade.
15 Em segundo lugar, observa-se que a publicidade infantil é um estímulo ao
16 consumismo desde a mais tenra idade. O consumo de brinquedos e aparelhos
17 eletrônicos modifica os hábitos comportamentais de muitas crianças que, para
18 conseguir acompanhar as novas brincadeiras dos colegas, pedem presentes cada
19 vez mais caros aos pais. Quando esses não podem compra-los, as crianças podem
20 ser vítimas de piadas maldosas por parte dos outros, podendo também ser excluídas
21 de determinados círculos de amizade, o que prejudica o desenvolvimento emocional
22 e psicológico dela.
73
pode ser analisado como uma marca identitária, pois está no inconsciente coletivo a
ideia de que os brasileiros são manipuláveis. Com isso, o candidato também busca a
adesão do leitor/avaliador em relação às suas ideias, na tentativa de persuadi-lo,
buscando seu engajamento.
No que tange ao estilo, criatividade e originalidade, o candidato é bastante
habilidoso ao usar a língua. Embora não escreva utilizando vocabulário incomum
nem figuras retóricas, mostra capacidade de articular, de modo bastante particular, a
linguagem já empregada por alguém antes dele. O candidato consegue manipular as
palavras (no bom sentido do termo) para projetar no leitor os efeitos pretendidos. O
texto não é banal, ao contrário, é bem escrito e tem estilo. A respeito do estilo,
Possenti (2013), comparando o estilo de um autor com o de um jogador de futebol
ou de basquete, com relação à maneira como este joga, assim afirma:
(...) assumindo uma posição que é histórica, que representa uma ideologia,
um sujeito pode não obstante ser ele mesmo, ou seja, não ser igual a outro
que esteja na mesma posição – sendo que o que os distingue é exatamente
da ordem do como. Ou seja, um certo estilo não é incompatível com a
assunção – a necessária – de que o sujeito sempre enuncia de posições
historicamente dadas num aparelho discursivo institucionalizado e prévio
(POSSENTI, 2013, p. 109).
(...) ele põe em cena pontos de vista contraditórios sem “se perder”.
Controla as diversas vozes, e, pode-se dizer, joga com o leitor. Seu texto dá
voz a mais de um discurso, sem que perca o controle das ações.
Brevemente, trata-se, para mim, de um texto com indícios de autoria.
(POSSENTI, 2013, p. 242).
5.2 REDAÇÃO 2
Dandara Luíza da Costa
Por um bem viver
12 preferem se divertir com os objetos divulgados nas propagandas, tornando notório que
13 a relação entre ser humano e consumo está “nascendo” desde a infância.
14 É fundamental pontuar, ainda, que o crescimento do Brasil está atrelado ao tipo
15 que infância que está sendo construída na atualidade. Essa relação existe porque um
16 país precisa de futuros adultos conscientes, tanto no que se refere ao consumo, como
17 às questões políticas e sociais, pois a atenção excessiva dada à publicidade infantil
18 vai gerar adultos alienados e somente preocupados em comprar. Assim, a ideia do
19 líder Gandhi de que o futuro dependerá daquilo que fazemos no presente parece fazer
20 alusão ao fato de que não é prudente deixar que a publicidade infantil se torne
21 abusiva, pois as crianças devem lidar da melhor forma com o consumismo.
22 Dessa forma, é possível perceber que a publicidade infantil excessiva
23 influencia de maneira negativa tanto a infância em si como também o Brasil. É
24 preciso que o governo atue iminentemente nesse problema através da aplicação de
25 multas nas empresas de publicidade que ultrapassarem os limites das faixas etárias
26 estabelecidos anteriormente pelo Ministério da Infância e da Juventude. Além disso,
27 é preciso que essas crianças sejam estimuladas pelos pais e pelas escolas a terem
28 um maior hábito de ler, através de concessões fiscais às famílias mais carentes, em
29 livrarias e papelarias, distando um pouco do padrão consumista atual, a fim de que o
30 Brasil garanta um futuro com adultos mais conscientes. Afinal, como afirmou Platão:
31 “o importante não é viver, mas viver bem”.
Análise da redação 2
Falamos sempre através da palavra dos outros, seja por meio de uma
simples imitação, como uma pura citação, seja em uma tradução literal ou,
ainda, seja através de diferentes formas de transposição, que comportam
diferentes níveis de distanciamento da palavra alheia: a palavra entre
aspas, o comentário, a critica o repudio, etc. (PONZIO, 2008, p. 101).
pode ocupar o seu lugar, assim como ninguém pode ocupar o lugar da autora dessa
redação. A subjetividade está na seleção de autores citados, na combinação entre
eles e no uso que a autora faz das citações deles. E o uso que faz é só seu, o que
também configura autoria.
Com relação à quarta competência controle da dispersão, a candidata é
exímia em não deixar o texto à deriva. O texto é bem construído e os conectores são
variados e bem aplicados, o que favorece a progressão textual. Além disso, a
candidata sabe estabelecer relações entre o texto e o conhecimento de mundo do
seu interlocutor (o avaliador) garantindo a construção de sentido entre ambos.
Quanto ao quinto quesito domínio do texto dissertativo-argumentativo, o texto
em análise segue o cânone: apresenta introdução, desenvolvimento e conclusão. A
tese segundo a qual o excesso de publicidade infantil pode contribuir negativamente
para o desenvolvimento dos pequenos no Brasil, é apresentada logo no início. Em
seguida, a candidata apresenta os argumentos que a sustentam e, na conclusão,
apresenta a proposta de intervenção exigida nos comandos da prova de redação.
Vale lembrar que para dar força argumentativa ao seu texto a candidata se vale dos
discursos de outrem e de argumentos de autoridade.
No que diz respeito à Assunção de responsabilidade, ao utilizar citações e
paráfrases, a impressão que se tem é a de que a candidata faz uma tentativa de
apagar suas características individuais, já que a utilização do discurso de outrem
costuma tornar o texto mais impessoal, mas o discurso de outrem não deixa de ser
seu próprio discurso. A esse respeito, Ponzio (2008) afirma:
Dito isso, ainda que, por vezes, a autora do texto pareça tentar apagar sua
voz em prol da neutralidade científica, ela não obtém êxito, pois ao incorporar o
discurso de outrem ao seu, deixa claro seu posicionamento. Assim, há, no texto,
significativas marcas tanto autorais como identitárias.
5.3 REDAÇÃO 3
Giovana Lazzaretti Segati – RS
79
Análise da redação 3
Para haver autoria “não basta que um texto satisfaça exigências de ordem
gramatical. Também não basta que ele satisfaça exigências de ordem
textual. As verdadeiras marcas de autoria são da ordem do discurso, não do
texto ou da gramática” (POSSENTI, 2002, p.110)
5.4 REDAÇÃO 4
(sem título)
Análise da redação 4
83
Penso que um texto bom só pode ser avaliado em termos discursivos. Isso
quer dizer que a questão da qualidade do texto passa necessariamente pela
questão da subjetividade e sua inserção num quando histórico – ou seja,
num discurso – que lhe dê sentido. O que se poderia interpretar assim:
trata-se tanto de singularidade quanto de tomada de posição (POSSENTI,
2002, p. 109).
estilo. A esse respeito, Possenti (2002) defende a tese de que o que diferencia um
texto banal de um singular, isto é, de um texto com estilo, é o jeito, o como o autor
faz isso, e compara um texto singular com um jogador de futebol como Garrincha,
por exemplo, que sabia improvisar, ou seja, sabia jogar de um jeito diferente, não
obstante seguisse um esquema de jogo preestabelecido.
Quanto ao critério controle da dispersão, o texto é coeso e coerente. A
candidata demonstra total controle das ações sem deixar o texto à deriva. Os
conectores textuais e as retomadas lexicais são variados e bem empregados, o que
favorece a progressão textual e a construção de sentido. Há esforço da candidata
em estabelecer um diálogo entre o texto e seu interlocutor (o avaliador), para que o
conhecimento entre ambos seja compartilhado. Assim, a autora da redação
pressupõe um leitor-modelo, capaz de compreender e interpretar os sentidos do
texto.
Sobre o quinto critério, filiação ao tipo dissertativo-argumentativo, a candidata
não foge ao modelo prototípico de texto, apresentando introdução, desenvolvimento
e conclusão. Como era esperado, na introdução, a candidata apresenta sua tese e,
em seguida, os argumentos que a sustentam. Para dar consistência ao seu texto,
ela apresenta a voz de Marx e do Conanda. Na conclusão, obedece às exigências
da prova de redação apresentando a proposta de intervenção sem ferir os direitos
humanos.
Em relação à sexta competência, assunção de responsabilidade, percebe-se
que, intencionalmente ou não, a candidata tem responsabilidade sobre o que diz,
pois assume uma posição axiológica em seu texto/discurso, sobretudo quando
compartilha as ideias de Marx como se fossem suas. Os vários eus (o eu pessoa, o
eu estudante, o eu candidata e o eu cidadã) são perceptíveis no texto, logo, apesar
de ser difícil precisar de quem é a voz que fala no texto, ela é concretizada na voz
da candidata que é quem organiza as outras vozes e, consciente ou
inconscientemente, as assume como suas.
5.5 REDAÇÃO 5
Análise da redação 5
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A afirmação de Hall que inicia este trabalho diz muito a respeito da autoria,
pois num texto ou discurso raramente podemos colocar ponto final, visto que sempre
haverá alguém que com ele concorde ou discorde, ou seja, que dialogue com ele.
Outra questão importante de se colocar aqui é que um discurso nunca é original, ele
sempre faz referência a outros discursos/textos.
A linguagem, sobretudo na perspectiva bakhtiniana, é (inter)ação e não um
mero instrumento de comunicação. Para Bakhtin, a palavra comporta duas faces: ela
procede de alguém e se dirige a alguém. Assim, ela constitui o produto da interação
entre o locutor e o ouvinte (ou entre o autor e o leitor), pois serve de expressão de
um em relação ao outro. Assim é que se instaura o dialogismo, que é um princípio
constitutivo da linguagem e condição de sentido do discurso.
Nesse contexto de linguagem, é possível constatar, pelos estudos realizados
neste trabalho, que os conceitos de autoria e de identidade não são uniformemente
empregados nem, tampouco, objetivamente definidos, logo, não são noções óbvias.
E nem poderiam ser, devido à heterogeneidade de abordagens que envolvem o
tema e às filiações teórico-metodológicas dos estudiosos que se debruçam a estudá-
lo. Talvez, por isso, a questão não foi, e, provavelmente, não será resolvida.
Entre os teóricos analisados, frequentemente encontram-se traços que se
superpõem, porém, mais amiúde, notam-se diferenças, e mesmo divergências que,
ao serem contrastadas, não se revelam nem melhores nem piores. Apenas mostram
diferentes aportes teóricos com seus limites, propósitos e possibilidades.
A Linguística textual e as outras áreas dos estudos da linguagem ainda não
dispõem de todas as respostas para as questões que envolvem o conceito de autor,
de autoria e de identidade. E é justamente essa falta de respostas que faz com que
os estudos proliferem na área. Afinal, cada teórico, dependendo de sua filiação
teórico-metodológica abordará o tema sob uma determinada perspectiva, isto é,
olhará para o objeto de um ângulo específico.
Afora as questões teóricas, que possuem uma diversidade de pontos de vista
e de abordagens, o que se percebe nos textos analisados, em relação às
regularidades observadas, isto é, em relação àquilo que se mostrou recorrente nos
textos, é que todos eles, em alguma medida, apresentam tanto marcas de
identidade quanto de autoria. Embora as marcas identitárias apareçam mais
89
candidatos, a “mão” que escreve será sempre única, particular, daí porque as
abordagens do tema são sempre diversas.
Nessa perspectiva, convém trazer novamente as palavras de Borges, pois
talvez ninguém tenha melhor definido autoria como ele. No texto Borges Y e Yo13,
um miniconto clássico sobre a divisão autor/escritor, de um lado; e, de outro, a
pessoa, Borges assim escreve:
13
No original: Al otro, a Borges, es a quien le ocurren las cosas. Yo camino por Buenos Aires y me
demoro, acaso ya mecánicamente, para mirar el arco de un zaguán y la puerta cancel; de Borges
tengo noticias por el correo y veo su nombre en una terna de profesores o en un diccionario
biográfico. Me gustan los relojes de arena, los mapas, la tipografía del siglo XVIII, las etimologías, el
sabor del café y la prosa de Stevenson; el otro comparte esas preferencias, pero de un modo
vanidoso que las convierte en atributos de un actor. Sería exagerado afirmar que nuestra relación es
hostil; yo vivo, yo me dejo vivir, para que Borges pueda tramar su literatura y esa literatura me
justifica. Nada me cuesta confesar que ha logrado ciertas páginas válidas, pero esas páginas no me
pueden salvar, quizá porque lo bueno ya no es de nadie, ni siquiera del otro, sino del lenguaje o la
tradición. Por lo demás, yo estoy destinado a perderme, definitivamente, y sólo algún instante de mí
podrá sobrevivir en el otro. Poco a poco voy cediéndole todo, aunque me consta su perversa
costumbre de falsear y magnificar. Spinoza entendió que todas las cosas quieren perseverar en su
ser; la piedra eternamente quiere ser piedra y el tigre un tigre. Yo he de quedar en Borges, no en mí
(si es que alguien soy), pero me reconozco menos en sus libros que en muchos otros o que en el
laborioso rasgueo de una guitarra. Hace años yo traté de librarme de él y pase de las mitologías del
arrabal a los juegos con el tiempo y con el infinito, pero esos juegos son de Borges ahora y tendré
que idear otras cosas. Así mi vida es una fuga y todo lo pierdo y todo es del olvido, o del otro. No sé
cuál de los dos escribe esta página.
91
REFERÊNCIAS
ABREU, Ana Silvia Couto de. Políticas de Autoria. São Carlos: EDUFSCAR, 2013.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
BAKHTIN, Mikhail. A forma espacial do herói. In: Estética da criação verbal. São
Paulo: Martins Fontes, 2000.
BRAIT, Beth (org). Bakhtin. Outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006.
DERRIDA, Jacques. A farmácia de Platão. 3 ed. rev. São Paulo: Iluminuras, 2005.
FARACO, Carlos Alberto. Autor e autoria. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin:
conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005.
94
GLOBO.COM. Disponível em
<http://g1.globo.com/educacaoj/Enem/2015/noticia/2015/05/leia-redacoes-do-Enem-
que-tiraram-nota-maxima-no-exame-de-2014.html.
ILARI, Rodolfo. Uma nota sobre redação escolar. In: Alfa Revista de Linguística.
Disponível em: <http://seer.fclar.unesp.br/alfa/article/view/3587/3356>. Acesso em
23 de maio de 2015.
ROSSI, Aida Maria Piva. Ensino médio: docência, identidade e autoria. São
Leopoldo: Oikos, 2010. 123 p. ISBN 9788578431389
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 3ª ed. São Paulo. Cultrix,
1971.
TEZZA, Cristóvão. Sobre o autor e o herói – um roteiro de leitura. In: Diálogos com
Bakhtin. 3ª ed. Curitiba. Editora da UFPR, 2001.
ANEXOS
Anexo 1 – Redação 1
Antônio Ivan Araujo Monteiro – CE
(sem título)
1 A publicidade infantil movimenta bilhões de dólares e é responsável por
2 considerável aumento no número de vendas de produtos e serviços direcionados às
3 crianças. No Brasil, o debate sobre a publicidade infantil representa uma questão
4 que envolve interesses diversos. Nesse contexto, o governo deve regulamentar a
5 veiculação e o conteúdo de campanhas publicitárias voltadas às crianças, pois, do
6 contrário, elas podem ser prejudicadas em sua formação, com prejuízos físicos,
7 psicológicos e emocionais.
8 Em primeiro lugar, nota-se que as propagandas voltadas ao público mais
9 jovem podem influir nos hábitos alimentares, podendo alterar, consequentemente, o
10 desenvolvimento físico e a saúde das crianças. Os brindes que acompanham as
11 refeições infantis ofertados pelas grandes redes de lanchonetes, por exemplo,
12 aumentam o consumo de alimentos muito calóricos e prejudiciais à saúde pelas
13 crianças, interessadas nos prêmios. Esse aumento da ingestão de alimentos pouco
14 saudáveis pode acarretar o surgimento precoce de doenças como a obesidade.
15 Em segundo lugar, observa-se que a publicidade infantil é um estímulo ao
16 consumismo desde a mais tenra idade. O consumo de brinquedos e aparelhos
17 eletrônicos modifica os hábitos comportamentais de muitas crianças que, para
18 conseguir acompanhar as novas brincadeiras dos colegas, pedem presentes cada
19 vez mais caros aos pais. Quando esses não podem compra-los, as crianças podem
20 ser vítimas de piadas maldosas por parte dos outros, podendo também ser excluídas
21 de determinados círculos de amizade, o que prejudica o desenvolvimento emocional
22 e psicológico dela.
23 Em decorrência disso, cabe ao Governo Federal e ao terceiro setor a tarefa
24 de reverter esse quadro. O terceiro setor – composto por associações que buscam
25 se organizar para conseguir melhorias na sociedade – deve conscientizar, por meio
26 de palestras e grupos de discussão, os pais e os familiares das crianças para que
27 discutam com elas a respeito do consumismo e dos males disso. Por fim, o Estado
28 deve regular os conteúdos veiculados nas campanhas publicitárias, para que essas
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29 não tentem convencer pessoas que ainda não têm o senso crítico desenvolvido.
30 Além disso, ele deve multar as empresas publicitárias que não respeitarem suas
31 determinações. Com esses atos, a publicidade infantil deixará de ser tão prejudicial
32 e as crianças brasileiras poderão crescer e se desenvolver de forma mais saudável.
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Anexo 2 – Redação 2
Dandara Luíza da Costa
Por um bem viver
1 O ornamento da vida está na forma como um país trata suas crianças'. A
2 frase do sociólogo Gilberto Freyre deixa nítida a relação de cuidado que uma nação
3 deve ter com as questões referentes à infância. Dessa forma, é válido analisar a
4 maneira como o excesso de publicidade infantil pode contribuir negativamente para
5 o desenvolvimento dos pequenos e do Brasil.
6 É importante pontuar, de início, que a abusiva publicidade na infância muda o
7 foco das crianças do que realmente é necessário para sua faixa etária. Tal situação
8 torna essas crianças pequenos consumidores compulsivos de bens materiais, muitas
9 vezes desapropriados para determinada idade, e acabam por desvalorizar a cultura
10 imaterial, passada através das gerações, como as brincadeiras de rua e as cantigas.
11 Prova disso são os dados da UNESCO afirmarem que cerca de 85% das crianças
12 preferirem se divertir com os objetos divulgados nas propagandas, tornando notório
13 que a relação entre ser humano e consumo está “nascendo” desde a infância.
14 É fundamental pontuar, ainda, que o crescimento do Brasil está atrelado ao tipo
15 que infância que está sendo construída na atualidade. Essa relação existe porque um
16 país precisa de futuros adultos conscientes, tanto no que se refere ao consumo, como
17 às questões políticas e sociais, pois a atenção excessiva dada à publicidade infantil
18 vai gerar adultos alienados e somente preocupados em comprar. Assim, a ideia do
19 líder Gandhi de que o futuro dependerá daquilo que fazemos no presente parece fazer
20 alusão ao fato de que não é prudente deixar que a publicidade infantil se torne
21 abusiva, pois as crianças devem lidar da melhor forma com o consumismo.
22 Dessa forma, é possível perceber que a publicidade infantil excessiva
23 influencia de maneira negativa tanto a infância em si como também o Brasil. É
24 preciso que o governo atue iminentemente nesse problema através da aplicação de
25 multas nas empresas de publicidade que ultrapassarem os limites das faixas etárias
26 estabelecidos anteriormente pelo Ministério da Infância e da Juventude. Além disso,
27 é preciso que essas crianças sejam estimuladas pelos pais e pelas escolas a terem
28 um maior hábito de ler, através de concessões fiscais às famílias mais carentes, em
29 livrarias e papelarias, distando um pouco do padrão consumista atual, a fim de que o
30 Brasil garanta um futuro com adultos mais conscientes. Afinal, como afirmou Platão:
31 “o importante não é viver, mas viver bem”.
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Anexo 3 – Redação 3
Giovana Lazzaretti Segati – RS
Criança: futuro consumidor
1 A propaganda é a principal arma das grandes empresas. Disseminada em
2 todos os meios de comunicação, a ampla visibilidade publicitária atinge seu principal
3 objetivo: expor um produto e explicar sua respectiva função. No entanto, essa
4 mesma função é distorcida por anúncios apelativos, que transformam em sinônimos
5 o prazer e a compra, atingindo principalmente as crianças.
6 As habilidades publicitárias são poderosas. O uso de ídolos infantis, desenhos
7 animados e trilhas sonoras induzem a criança a relacionar seus gostos a vários
8 produtos. Dessa maneira, as indústrias acabam compartilhando seus espaços; como
9 exemplo as bonecas Monster High fazendo propaganda para o fast food Mc
10 Donalds. A falta de discussão sobre o assunto é evidenciada pelas opiniões distintas
11 dos países. Conforme a OMS, no Reino Unido há leis que limitam a publicidade para
12 crianças como a que proíbe parcialmente – em que comerciais são proibidos em
13 certos horários -, e a que personagens famosos não podem aparecer em
14 propagandas de alimentos infantis. Já no Brasil há a autorregulamentação, na qual o
15 setor publicitário cria normas e as acorda com o governo, sem legislação específica.
16 A relação entre pais, filhos e seu consumo se torna conflituosa. As crianças
17 perdem a noção do limite, que lhes é tirada pela mídia quando a mesma reproduz
18 que tudo é possível. Como forma de solucionar esse conflito, o governo federal pode
19 criar leis rígidas que restrinjam a publicidade de bens não duráveis para crianças.
20 Além disso, as escolas poderiam proporcionar oficinas chamadas de “Consumidor
21 Consciente” em que diferenciam consumo e consumismo, ressaltando a real
22 utilidade e a durabilidade dos produtos, com a distribuição de cartilhas didáticas
23 introduzindo os direitos do consumidor. Esse trabalho seria efetivo aliado ao diálogo
24 com os pais.
25 Sérgio Buarque de Hollanda constatou que o brasileiro é suscetível a
26 influências estrangeiras, e a publicidade atual é a consequência direta da
27 globalização. Por conseguinte é preciso que as crianças, desde pequenas, saibam
28 diferenciar o útil do fútil, sendo preparados para analisar informações advindas do
29 exterior no momento em que observarem as propagandas.
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Anexo 4 – Redação 4
Júlia Neves Silva Dutra – MG
(sem título)
1 A Revolução Industrial, ocorrida inicialmente na Inglaterra durante o século
2 XVIII, trouxe a necessidade de um mercado consumidor cada vez maior em função
3 do aumento de produção. Para isso, o investimento em publicidade tornou-se um
4 fator essencial para ampliar as vendas das mercadorias produzidas. Na sociedade
5 atual, percebe-se as crianças como um dos focos de publicidade. Tal prática deve
6 ser restringida pelo Estado para garantir que as crianças não sejam persuadidas a
7 comprar determinado produto.
8 A partir da mecanização da produção, o estímulo ao consumo tornou-se um
9 fator primordial para a manutenção do sistema capitalista. De acordo com Karl Marx,
10 filósofo alemão do século XIX, para que esse incentivo ocorresse, criou-se o fetiche
11 sobre a mercadoria: constroi-se a ilusão de que a felicidade seria alcançada a partir
12 da compra do produto. Assim, as crianças tornaram-se um grande foco das
13 empresas por não possuírem elevado grau de esclarecimento e por serem
14 facilmente persuadidas a realizarem determinada ação.
15 Para atingir esse objetivo, as empresas utilizam da linguagem infantil, de
16 personagens de desenhos animados e de vários outros meios para atrair as
17 crianças. O Conselho Nacional de Direitos de Criança e do Adolescente aprovou
18 uma resolução que considera a publicidade infantil abusiva, porém não há um
19 direcionamento concreto sobre como isso vai ocorrer. É imprescindível uma maior
20 rigidez do Estado sobre as campanhas publicitárias infantis, pois as crianças farão
21 parte do mercado consumidor e devem ser educadas para se tornarem
22 consumidores conscientes.
23 Logo, o Estado deve estabelecer um limite para os comerciais voltados ao
24 público infantil por meio da proibição parcial, que estabelece horários de transmissão
25 e faixas etárias. Além disso, o uso de personagens de desenhos animados em
26 campanhas publicitárias infantis deve ser proibido. Para efetivar as ações estatais,
27 instituições como a família e a escola devem educar as crianças para consumirem
28 apenas o que é necessário. Apenas assim o consumo consciente poderá se realizar
29 a médio prazo.
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Anexo 5 – Redação 5
Lucas Almeida Francisco – SE
(sem título)
1 A publicidade infantil tem sido pauta de discussões acerca dos abusos
2 cometidos no processo de disseminação de valores que objetivam ao consumismo,
3 uma vez que a criança, ao passar pelo processo de construção da sua cidadania,
4 apropria-se de elementos ao seu redor, que podem ser indesejáveis à manutenção
5 da qualidade de vida.
6 O sociólogo Michel Foucault afirma que 'nada é político, tudo é politizável,
7 tudo pode tornar-se político'. A publicidade politiza o que é imprescindível ao
8 consumidor à medida que abarca a função apelativa associada à linguagem
9 empregada na disseminação da imagem de um produto, persuadindo o público-alvo
10 a adquiri-lo.
11 Ao focar no público infantil, os meios publicitários elencam os códigos e as
12 características do cotidiano da criança, isto é, assumem o habitus – conceito de
13 Pierre Bourdieu, definido como 'princípios geradores de práticas distintas e
14 distintivas' – típico dessa faixa etária: o desenho animado da moda, o jogo eletrônico
15 socialmente compartilhado, o brinquedo de um famoso personagem da mídia, etc.
16 Por outro lado, a criança necessita de um espaço que a permita crescer de
17 modo saudável, ou seja, com qualidade de vida. Os abusos publicitários afetam essa
18 prerrogativa: ao promoverem o consumo exarcebado, causam dependência material,
19 submetendo crianças a um círculo vicioso de compras, no qual, muitas vezes, os
20 pais não podem sustentar. A felicidade é orientada para um produto, em detrimento
21 de um convívio social saudável e menos materialista.
22 De modo a garantir o desenvolvimento adequado da criança e diminuir os
23 abusos da publicidade, algumas medidas devem ser tomadas. O governo deve
24 investir em políticas públicas que atuem como construtoras de uma 'consciência
25 mirim', através de meios didáticos a fomentar a imaginação da criança, orientando-a
26 na recepção de informações que a cercam. Em adição, os pais devem estar atentos
27 aos elementos apropriados pelos seus filhos em propagandas, estimulando o
28 espírito crítico deles, a contribuir para a futura cidadania que os espera.
102
PARTE 1 – ELIMINATÓRIA
1.1 O texto produzido é uma dissertação? SIM NÃO
PARTE 2 – ELIMINATÓRIA
2.1 O tema proposto foi observado? SIM NÃO
PARTE 3 - CLASSIFICATÓRIA
3.1 CONSISTÊNCIA / COERÊNCIA TEXTUAIS (Pontos ganhos sobre 100)
Observação: esta arte compreende, também, a avaliação dos mecanismos/elementos de articulação, nos níveis
macro e microtextuais (sequenciação, paragrafação, coordenação/subordinação, definitivização,
pronominalização, nominalização, uso de operadores argumentativos, seleção lexical, grau de informatividade,
seleção e hierarquização dos argumentos)
3.1.1 TESE: EPRESSÃO DE POSICIONAMENTO CRÍTICO 10 15
ZERO 10 20 30
0 0, 0, 0, 1 1, 0 0, 0, 0, 1 1, 0 0, 0, 0, 1 1, 0 0, 0, 0, 1 1,
25 5 75 25 25 5 75 25 25 5 75 25 25 5 75 25