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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CAMILA DA SILVA CHAVES

AUTONOMIA COMO ELEMENTO DE ESPERANÇA E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL:


CRENÇAS DE PROFESSORES SOBRE SEU PAPEL COMO EDUCADORES

Rio de Janeiro
2016
AUTONOMIA COMO ELEMENTO DE ESPERANÇA E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL:
CRENÇAS DE PROFESSORES SOBRE SEU PAPEL COMO EDUCADORES

Camila da Silva Chaves


Orientadora: Professora Doutora Christine Siqueira Nicolaides

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em
Linguística Aplicada da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários para a obtenção do título de Mestre
em Linguística Aplicada.

Orientadora: Profª. Drª. Christine Siqueira


Nicolaides

Rio de Janeiro
2016
AUTONOMIA COMO ELEMENTO DE ESPERANÇA E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL:
CRENÇAS DE PROFESSORES SOBRE SEU PAPEL COMO EDUCADORES

Camila da Silva Chaves

Orientadora: Professora Doutora Christine Siqueira Nicolaides

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação


em Linguística Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada.

Examinada por:

______________________________________________________________
Presidente: Profa. Doutora Christine Siqueira Nicolaides

______________________________________________________________
Prof. Doutor Rogério Casanovas Tilio - UFRJ

______________________________________________________________
Profa. Doutora Walkyria Alydia Grahl Passos Magno e Silva - UFPA

______________________________________________________________
Profa. Doutora Ana Paula Marques Beato-Canato - UFRJ(1° suplente)

______________________________________________________________
Profa. Doutora Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold - UFRJ (2° suplente)

Rio de Janeiro
2016
DEDICATÓRIA

Dedico esta dissertação de mestrado a meus pais,

Mariza Rodrigues da Silva Chaves

e Celso de Oliveira Chaves,

por sempre me apoiarem e acreditarem

na importância da educação.
AGRADECIMENTOS

A minha família, por sempre estar ao meu lado, me apoiando em todos os momentos e
valorizando meus esforços.

Aos professores e colegas do Programa Interdisciplinar de Linguística Aplicada, por terem


compartilhado suas experiências e conhecimento.

Aos professores participantes desta pesquisa.

Aos integrantes do grupo EASEL, por todo o aprendizado que construímos em conjunto.

A minha orientadora Christine Nicolaides, que me acolheu em seu grupo de pesquisa e com
isso me proporcionou um mundo de possibilidades e novos aprendizados. Agradeço-a por
sempre acreditar em nossas ideias e pesquisas.

E a todos que de alguma forma contribuíram e apoiaram esta pesquisa.


Das utopias

Se as coisas são intangíveis...ora!

Não é motivo para não querê-las...

Que tristes os caminhos, se não fora

A presença mágica das estrelas!

(Mario Quintana)
CHAVES, Camila da Silva. Autonomia como elemento de esperança e transformação social:
crenças de professores sobre seu papel como educadores. Dissertação de Mestrado, Programa
Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística Aplicada, Faculdade de Letras,
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2016.

RESUMO

A ideia de autonomia não se restringe ao plano individual, pelo contrário, engloba


também o plano sociocultural, entendendo a educação como “um ato de intervenção no
mundo” (FREIRE, 1996, p.109). Nesta perspectiva, o elemento esperança é essencial para se
afastar da “educação como reprodução” e se aproximar de uma ideia de “educação como
transformação” (VIEIRA, BARBOSA, PAIVA e FERNANDES, 2003, p. 219). A autonomia
de professores, portanto, pode ser compreendida como processo de desenvolvimento de
competências tanto individuais quanto sociais que terão como objetivo contínuo a promoção
de mentes autodeterminadas, questionadoras e criticamente conscientes (tanto as suas como a
de seus aprendizes), visando transformações sociais dentro e fora do ambiente escolar. Assim,
este trabalho teve como objetivo analisar quais são as crenças de professores de uma escola
pública da cidade do Rio de Janeiro sobre seu papel em sua comunidade de prática como
membros autodeterminados, engajados socialmente e críticos, através de uma visão da
educação como meio de desenvolver emancipação e transformação social, buscando
compreender como estas crenças se relacionam com o desenvolvimento de sua autonomia.
Esta é uma pesquisa qualitativa, que se enquadra em um paradigma interpretativista e se
utiliza de princípios etnográficos como a triangulação de dados, a visão êmica e a
reflexividade. Os dados observados foram gerados através de entrevistas, observação de
conselho de classe e sessão de discussão com os professores, revelando que a autonomia de
professores pode ser um elemento de esperança e transformação social. Os professores
expressaram um entendimento de seu papel como educadores que remete a uma participação
proativa e responsável que permite a cooperação, a interdependência e o questionamento,
visando atuar de forma transformadora na sociedade.

Palavras chave: autonomia de professores, crenças, esperança, transformação social.


CHAVES, Camila da Silva. Autonomia como elemento de esperança e transformação social:
crenças de professores sobre seu papel como educadores. Dissertação de Mestrado, Programa
Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística Aplicada, Faculdade de Letras,
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2015.

ABSTRACT

The idea of autonomy is not restricted to the individual range. On the contrary, it also
embodies the sociocultural range, understanding education as “as act of intervention in the
world” (FREIRE, 1996, p.109). Under this perspective, the element hope is essential to stand
back from the “education as reproduction” and approach the idea of “education as
transformation” (VIEIRA, BARBOSA, PAIVA e FERNANDES, 2003, p. 219). Teacher’s
autonomy, therefore, can be understood as the process of development of individual as well
as social competences which will have as a continued objective the promotion of self-
determined, inquisitive, and consciously critical minds (theirs as well as their students’),
aiming for social transformations inside and outside of the school environment. Therefore, the
objective of this work was to analyze the beliefs of teachers in a public school in Rio de
Janeiro about their roles in their community of practice as self-determined, socially and
critically engaged members, through a view of education which understands it as a way of
developing emancipation and social transformation, aiming at comprehending how their
beliefs relate to the development of their autonomy. This is a qualitative research with an
interpretivist paradigm and using some ethnographic principles as data triangulation, emic
vision e reflexivity. The data observed was generated through interviews, observation of
teachers meeting and discussion session with the teachers, and revealed that teacher autonomy
can be an element of hope and social transformation. The teachers expresses an understanding
of their role as educators which makes reference to a proactive and responsible participation
that permits cooperation, interdependence and questioning, aiming at performing in a way to
transform society.

Key words: teacher autonomy, beliefs, hope, social transformation.


LISTA DE SIGLAS

CBLA – Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

CRE – Coordenadoria Regional de Educação

EASEL – Estudos sobre Autonomia Sociocultural de Ensinagem de Línguas

JIC – Jornada Giulio Massarani de Iniciação Científica, Artística e Cultural

LA – Linguística Aplicada

PPP – Projeto Político Pedagógico

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

ZDP – Zona de Desenvolvimento Proximal


LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Dimensões da autonomia do professor.................................................................. 40

Quadro 2: Elementos da autonomia do professor................................................................... 44


Quadro 3: Dimensões reflexivas sobre as competências profissionais do professor, voltadas
para o desenvolvimento da autonomia..................................................................................... 46

Quadro 4: Relação entre os elementos de autonomia e as categorias de análise.................... 94


SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ............................................................................................................. 6

LISTA DE SIGLAS ................................................................................................................ 10

LISTA DE QUADROS........................................................................................................... 11

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS .......................................................................................... 14

2 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 18

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...................................................................................... 23

3.1 A PESQUISA NO ÂMBITO DA LINGUÍSTICA APLICADA ....................................... 23

3.2 CRENÇAS DE PROFESSORES, SUAS ATITUDES E AUTONOMIA. ........................ 27

3.3 AUTONOMIA ................................................................................................................... 31

3.3.1 CONCEPÇÕES SOBRE A AUTONOMIA DE PROFESSORES ................................. 38

3.3.2 A AUTONOMIA DE PROFESSORES COMO POSSIBILIDADE DE


EMANCIPAÇÃO (INTER)PESSOAL E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL ............................ 42

4 METODOLOGIA................................................................................................................ 49

4.1 NATUREZA E OBJETIVOS DA PESQUISA .................................................................. 49

4.1.1 NATUREZA DA PESQUISA ......................................................................................... 49

4.1.2 OBJETIVO GERAL DA PESQUISA ............................................................................. 51

4.1.3 PERGUNTAS DE PESQUISA E OBJETIVOS ESPECÍFICOS .................................... 52

4.2 CONTEXTO DE PESQUISA ............................................................................................ 53

4.3 PARTICIPANTES ............................................................................................................. 54

4.4 GERAÇÃO DE DADOS .................................................................................................... 56

4.4.1 ENTREVISTAS .............................................................................................................. 56

4.4.2 OBSERVAÇÃO DE CONSELHOS DE CLASSE ......................................................... 57

4.4.3 SESSÃO DE DISCUSSÃO COM OS PROFESSORES ................................................ 58

4.4.4 DIÁRIO DE PESQUISA ................................................................................................. 59

4.5 CATEGORIAS DE ANÁLISE .......................................................................................... 59


4.5.1 ADAPTAÇÃO ................................................................................................................ 60

4.5.2 CONSCIÊNCIA SOCIAL E EMPATIA ......................................................................... 61

4.5.3 COOPERAÇÃO .............................................................................................................. 61

4.5.4 TRANSFORMAÇÃO ..................................................................................................... 61

5 ANÁLISE DE DADOS ........................................................................................................ 63

5.1 ADAPTAÇÃO ................................................................................................................... 63

5.2 CONSCIÊNCIA SOCIAL E EMPATIA ............................................................................ 70

5.3 COOPERAÇÃO ................................................................................................................. 75

5.4 TRANSFORMAÇÃO ........................................................................................................ 80

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS: AUTONOMIA E ESPERANÇA .................................... 91

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 98

ANEXOS ............................................................................................................................... 103


14

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este trabalho busca despertar algo que muitas vezes sentimos estar apagado quando se
fala de educação no Brasil: a esperança. Freire (1996) afirma que

Um dos piores males que o poder público vem fazendo a nós, no Brasil,
historicamente, desde que a sociedade brasileira foi criada, é o de fazer muitos de
nós correr o risco de, a custo de tanto descaso pela educação pública,
existencialmente cansados, cair no indiferentismo fatalistamente cínico que leva ao
cruzamento de braços. ‘Não há o que fazer’ é o discurso acomodado que não
podemos aceitar. (FREIRE, 1996, p. 67)

Portanto, a esperança em questão não tem relação alguma com o verbo esperar, pelo
contrário, tem muito mais a ver com fazer, sem se deixar acomodar com a realidade vigente.
Esta, então, é uma esperança baseada no material humano, no agir de professores que lidam
rotineiramente com as problemáticas da educação pública no Brasil.

O senso comum tende a desacreditar que a produção de algum resultado produtivo e


positivo possa vir de dentro do ambiente do ensino público. Porém, será possível afirmar que
nada dá certo, ou que não há esperança?

Já ouvi pessoas dizerem que o professor da escola pública não faz nada, que o ensino é
péssimo e que ninguém se importa. Acontece que eu testemunhei algo diferente. Eu mesma
nunca trabalhei na escola pública, mas convivi desde pequena com minha mãe e minha tia,
que trabalharam neste ambiente durante toda sua vida profissional. Minha mãe é professora de
língua portuguesa e trabalha há 30 anos com ensino público. Minha tia também deu aula de
português, mas passou uma grande parte de sua carreira como coordenadora, diretora adjunta
e, por fim, diretora.

Em todos esses anos, vi minha mãe preparar suas aulas com todo cuidado e contar das
conversas que tinha com alguns alunos que não tinham com quem conversar ou a quem
recorrer. Até hoje, mesmo estando cansada, por muitas vezes frustrada, a vejo preparando
uma aula sobre figuras de linguagem utilizando letras de músicas atuais e depois contando
animada como a aula foi boa e como os alunos ficaram empolgados. Por todos esses anos, a vi
presentear alunos com livros que comprou do próprio bolso porque eles comentavam com ela
que gostariam de ler alguma obra e ela prontamente providenciava.
15

Por causa de minha mãe e minha tia, acabei convivendo com outros professores que
trabalharam com elas e também ouvi muitas histórias. Algumas tristes, outras encorajadoras.
Entretanto, mesmo diante do cansaço e da frustração, o sentimento de fazer alguma coisa por
seus alunos e de mudar algo prevaleceu. Mesmo com todas as limitações, a sensação de
incômodo com a situação acabava sendo uma demonstração de que nem tudo estava perdido.
Essas professoras não haviam desistido, elas persistiam.

É importante destacar que esta pesquisa não tem a intenção de mascarar a realidade do
ensino público, mostrando somente o lado positivo. Entretanto, tem como propósito
reconhecer que o lado positivo existe e que este tem como base o material humano presente
na escola.

Desta forma, este trabalho tem como foco a autonomia de professores, analisada
através de suas crenças. O interesse para desenvolver esta pesquisa surgiu, primeiramente, a
partir de meu ingresso na Faculdade de Letras da UFRJ, que me permitiu ter acesso ao grupo
de pesquisa do qual faço parte há seis anos. O grupo é intitulado de Estudos de Autonomia
Sociocultural em Ensinagem de Línguas (EASEL) e é orientado pela professora doutora
Christine Siqueira Nicolaides.

O grupo se dedica a assuntos que circulam ao redor da ensinagem1 de línguas e,


principalmente da ensinagem de língua inglesa, apresentando um foco muito forte em
questões socioculturais, entendendo a importância do contexto social para as interações que
acontecem no ambiente educacional.

Junto ao grupo, portanto, desenvolvemos algumas pesquisas, abordando tanto a


autonomia de aprendizes como a de professores, podendo destacar três deles como mais
relevantes para as reflexões nas quais se baseia este trabalho. Em 2010, apresentamos na
XXXII JIC2 da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a comunicação “A autonomia
no ensino e aprendizagem de línguas adicionais: uma questão somente individual?”. Neste
trabalho, discutimos as possibilidades da autonomia que vão além de sua perspectiva
individual. Em 2011, apresentamos o pôster do trabalho “Desenvolvimento da autonomia
sociocultural de aprendizes na interação professor-aluno” no IX CBLA3. Neste trabalho4,

1
Szundy e Nicolaides (2013) explicam que o termo ensinagem tem sido utilizado “na intenção de substituir os
termos ensino e aprendizagem separadamente, não marcando assim sua dicotomia, mas sua íntima relação no
que diz respeito não só a sua concepção, mas também em termos de práxis pedagógica” (p.15).
2
Jornada Giulio Massarani de Iniciação Científica, Artística e Cultural.
3
Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada
16

exploramos mais profundamente o conceito de autonomia sociocultural e suas implicações na


interação entre professor e aluno. Em 2013, participamos do X CBLA com o pôster do
trabalho “Crenças de professores de inglês e o desenvolvimento da autonomia”. Esta pesquisa
teve como objetivo estudar as crenças de professores de inglês sobre o desenvolvimento de
sua própria autonomia.

Estes trabalhos foram importantes porque representam a evolução das minhas


reflexões ao longo destes anos de participação no grupo de pesquisa. Partimos da quebra de
paradigmas, ao discutir a autonomia para além de sua perspectiva individual. Em seguida,
exploramos o conceito de autonomia sociocultural e suas implicações nas interações em sala
de aula. Por fim, entramos em contato com a questão das crenças de professores associadas ao
desenvolvimento de sua autonomia.

Portanto, através das reflexões proporcionadas pelas leituras e pelos trabalhos


desenvolvidos no grupo de pesquisa durante a graduação, desenvolvi o interesse pela
autonomia de professores, como esta ocorre e qual seria sua importância em termos de
educação. Percebi que grande parte dos trabalhos e artigos aos quais tive acesso direcionava-
se para a autonomia do aprendiz exclusivamente – e muitas vezes para a aprendizagem de
línguas estrangeiras (DICKINSON, 1994, BENSON, 1997; OXFORD, 2003; NICOLAIDES,
2003) – e poucos trabalhos focavam na autonomia do professor. E quando esta era abordada,
entendiam-na principalmente como um meio para promover a autonomia do aprendiz
(BENSON, 2008). Comecei a me questionar se esta não seria uma visão limitada para a
autonomia de professores, visto que esta poderia englobar outras dimensões, como
autorregulação, responsabilidade social, diálogo entre as vozes da comunidade educacional,
sensibilidade moral e tomada de voz para participar de decisões (RAYA, LAMB e VIEIRA,
2007).

Desta forma, com base nas leituras e reflexões proporcionadas pelo grupo de pesquisa,
comecei a me propor alguns questionamentos que acabaram por me guiar no desenvolvimento
desta pesquisa. Algumas destas perguntas foram:

 Se a autonomia deve se preocupar com o social, e se os estudos em Linguística


Aplicada, doravante LA, tendem cada vez mais para esse lado, porque não

4
Este trabalho deu origem a um artigo publicado nos anais eletrônicos do CBLA: O desenvolvimento da
autonomia sociocultural de aprendizes e sua interação na realização de tarefas em grupo (CHAVES, NERES e
MOREIRA, 2011).
Disponível em: <http://www.alab.org.br/images/stories/alab/CBLA/ANAIS/temas/06_02.pdf >
17

trabalhar a autonomia de professores dentro de um ambiente escolar, voltando essa


pesquisa para o social e não somente para a disciplina de língua inglesa?
 Se a interação é tão importante para a autonomia de aprendizes, porque não para a
autonomia do professor? Por que a autonomia do professor precisa estar limitada à
função de desenvolver a autonomia do aluno? Que tipo de desdobramentos poderia
oferecer a autonomia do professor? O professor não pode se favorecer de sua
própria autonomia? Que potenciais a autonomia do professor poderia trazer para o
ambiente escolar?

Estes questionamentos não serão minhas perguntas de pesquisa, mas ajudaram na


reflexão que gerou este trabalho, juntamente com a minha convivência com professores do
ensino público, em especial minha mãe e minha tia. A persistência que percebi nos relatos
destas pessoas me incentivou a refletir e questionar se a autonomia não teria alguma relação
com suas atitudes e crenças.

Para melhor compreender como acontece a autonomia de professores, decidi


investigar suas crenças sobre seu papel como educadores, relacionando-as com suas atitudes e
com o conceito de autonomia. Esta relação será abordada ao longo deste trabalho, iniciando
com o capítulo de introdução, que explora brevemente os conceitos de autonomia e crenças e
apresenta os objetivos desta pesquisa. Nos dois capítulos seguintes, serão discutidos os
fundamentos teóricos do trabalho e sua metodologia. Posteriormente, nos dois últimos
capítulos será feita a análise de dados e as considerações finais.
18

2 INTRODUÇÃO

A concepção de autonomia que comumente permeia o entendimento geral está


relacionada com o conceito de independência, de agir e pensar por conta própria. Percebe-se
essa correlação ao observar os significados semelhantes à palavra autonomia encontrados no
dicionário de sinônimos: independência, emancipação, soberania, liberdade, autogoverno,
autossuficiência5. Na maioria das vezes, portanto, o entendimento é de que autonomia está
relacionada apenas com uma perspectiva individual, em que tornar-se ou ser autônomo está
limitado ao agir sozinho, sem assistência e de forma independente.

O filósofo Rousseau, mesmo não mencionando a palavra autonomia, já falava sobre a


relação entre esta e o aprendizado. Em sua obra Emile (1762), Rousseau defende a ideia de
uma “educação natural”, ou seja, voltada para a curiosidade natural da criança, que deveria
aprender em contato direto com a natureza. No modelo de Rousseau, “os aprendizes são
responsáveis por suas próprias ações e aprendem desfrutando ou sofrendo com suas
consequências” (BENSON, 2001, p.24). Ou seja, a aprendizagem autônoma implicaria então
a tomada individual de decisões e, consequentemente a aceitação das consequências geradas
pelas mesmas.

Um dos pioneiros no estudo da autonomia relacionada a aprendizagem de línguas,


Holec (1981) entende a mesma como a habilidade do aprendiz se responsabilizar por seu
próprio aprendizado. Nesta perspectiva, assim como de outros autores (DICKINSON, 1994;
LITTLE, 1999), o aprendiz seria capaz de fazer todas as escolhas em seu processo de
aprendizado, decidindo o que, como e quando aprender (PAIVA e BRAGA, 2008).

Dickinson (1994) ressalta que a autonomia deve ser vista como “uma atitude diante da
aprendizagem e não como uma metodologia” (DICKINSON, 1994, p.2), descrevendo, então,
cinco habilidades essenciais para os aprendizes. Sendo estas: “identificar o que está sendo
ensinado, ou seja, estar consciente dos objetivos do professor” (p6); “determinar e
acompanhar seus próprios objetivos, juntamente com aqueles do professor, ou seja, eles são
capazes de formular seus próprios objetivos de aprendizagem” (p6); “selecionar e
implementar estratégias de aprendizagem adequadas” ( p7); “monitorar e avaliar seu próprio
uso de estratégias” (p7); e “monitorar sua própria aprendizagem” (p7).

5
http://www.sinonimos.com.br/autonomia/
19

As primeiras ideias sobre autonomia, portanto, voltavam-se para uma concepção mais
individual de aprendizado. Entretanto, definir autonomia é um trabalho complexo, já que esta
“tem uma variação de possíveis conotações, nem todas elas ligadas ao individualismo”
(OXFORD, 2011, p. 253). A autonomia, desta forma, possui diferentes facetas, que podem ser
exploradas e entendidas dependendo dos diferentes contextos. Raya, Lamb e Vieira (2007, p5)
sugerem que “em lugar de ficarmos restringidos por definições, devemos permanecer
sensíveis e abertos a circunstâncias e contextos particulares”. Desta maneira, em contextos
educacionais, o desenvolvimento da autonomia ultrapassa questões somente individuais,
preocupando-se também com as dimensões sociais. Portanto, a concepção de autonomia que
permeia este trabalho estende-se para além de uma perspectiva individual, do fazer por si
próprio, relacionando-se com uma abordagem sociocultural, entendendo que a autonomia
“envolve não só o indivíduo, mas todo o contexto socio-histórico” (NICOLAIDES e TÍLIO,
2011, p. 178).

Desta forma, considerar a autonomia em contextos educacionais é levar em conta tanto


sua dimensão individual como sua dimensão social. Freire (1974, p.81) afirma que “a
educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação, implica
a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como também a
negação do mundo como uma realidade ausente dos homens”. Ou seja, a educação que se
volta para o desenvolvimento da autonomia considera tanto a individualidade dos membros da
comunidade escolar quanto sua história e seu lugar no mundo social.

No tocante à educação, a ideia de autonomia presente nesta pesquisa, então, valoriza


como metas educativas “a emancipação (inter)pessoal e a transformação social” (RAYA,
LAMB e VIEIRA, 2007, p.45), tornando-se “num interesse coletivo e num ideal
democrático”, no qual “a autonomia do professor e do aluno constituem dois lados da mesma
moeda” (RAYA, LAMB e VIEIRA, 2007, p.45). Assim, a autonomia de professores não
constitui apenas um meio para a autonomia dos aprendizes. Estas se integram e se interlaçam
com o objetivo de promover a emancipação (inter)pessoal e a transformação social.

O desenvolvimento da autonomia de professores, então, “tem que ver com encurtar a


distância entre a realidade (o que é) e o nosso ideal (o que deveria ser), através da extensão
dos limites da liberdade e da exploração de novos territórios (o que pode ser)” (RAYA,
LAMB e VIEIRA, 2007, p.50).
20

Em vista disto, esta pesquisa tem como foco a autonomia de professores, observada a
partir de suas crenças a respeito de seu papel como educadores. Entende-se crenças como
formas de perceber o mundo, pensar e construir a realidade, podendo ser tanto individuais
como sociais. Estas são construídas a partir de processos interativos de interpretação e
ressignificação, constituindo-as como dinâmicas, contextuais e paradoxais. (BARCELOS,
2006).

A análise das crenças é importante para evidenciar pensamentos, percepções e formas


de agir dos professores e como estes elementos podem se relacionar com a autonomia dos
mesmos. Ao mesmo tempo, também traz visibilidades para estes professores, destacando a
importância de suas vozes.

A observação da autonomia de professores a partir de suas crenças se deu dentro do


contexto de uma escola pública municipal da zona norte do Rio de Janeiro, tendo como
objetivo analisar como as crenças destes professores sobre seu papel como educadores
relacionam-se com sua autonomia.

O contexto escolhido é uma escola pública que atende a uma clientela de crianças que
em sua maioria vive em comunidades carentes, enfrentando problemas de saneamento,
violência, falta de assistência médica, além de negligência por parte dos responsáveis
(informação retirada do Projeto Político Pedagógico6 da escola). A escolha por um contexto
de escola pública mostrou-se mais adequada para os propósitos da pesquisa e mais
condizentes com as motivações que me levaram a desenvolver este trabalho.

Por conseguinte, o objetivo desta pesquisa é analisar quais são as crenças de


professores de uma escola pública da cidade do Rio de Janeiro sobre seu papel de educadores
em sua comunidade de prática como membros autodeterminados, engajados socialmente e
críticos, através de uma visão da educação como meio de desenvolver emancipação e
transformação social, buscando compreender como estas crenças se relacionam com o
desenvolvimento de sua autonomia.

Para desenvolver tal objetivo, proponho as seguintes perguntas de pesquisa:

1- Como as crenças de professores sobre seu papel na escola mostram-se relacionadas


com o desenvolvimento de uma autonomia como caminho para uma participação

6
Toda escola deve elaborar seu Projeto Político Pedagógico (PPP). Este é um documento, que reúne as propostas
de ação e as diretrizes pedagógicas da mesma.
21

autodeterminada, socialmente responsável e criticamente consciente? Como essas


crenças extrapolam os ambientes pedagógicos como espaço para emancipação
interpessoal e transformação social dos participantes neles inseridos (professores e
alunos)?
2- Como essas crenças em direção ao desenvolvimento de autonomia dos professores se
refletem em ações práticas do dia a dia escolar? Quais as reações e soluções
encontradas pelos professores perante as dificuldades que surgem nesse ambiente? Em
que medida esses obstáculos os impedem de levar a cabo seus objetivos como
educadores?

Desta forma, com o intuito de responder a estar perguntas, esta dissertação está
organizada em seis capítulos: considerações iniciais, introdução, fundamentação teórica,
metodologia, análise de dados e considerações finais: autonomia e esperança.

Nas considerações iniciais e nesta seção de introdução descrevi minhas motivações


para desenvolver este trabalho e seus objetivos, fazendo um breve apanhado teórico e
trazendo um pouco da ideia de autonomia que perpassa a pesquisa.

O capítulo dedicado à fundamentação teórica é divido em três sessões. A primeira é


intitulada A pesquisa no âmbito da Linguística Aplicada e descreve a inserção deste trabalho
no campo da LA, dialogando com suas teorias. A segunda chama-se Crenças de professores,
suas atitudes e autonomia. Esta seção apresenta o conceito de crenças e sua relevância para o
entendimento sobre a autonomia de professores. A terceira explora o conceito de autonomia,
trazendo a subseção A autonomia de professores como possibilidade de emancipação
(inter)pessoal e transformação social. Esta discute mais detalhadamente sobre a autonomia de
professores e a concepção da mesma adotada neste trabalho.

O capítulo a seguir explora a metodologia utilizada no desenvolvimento deste


trabalho, sendo dividido em cinco seções que tratam da descrição dos seguintes elementos:
objetivos e natureza da pesquisa, contexto, participantes, geração de dados e categorias de
análise.

O capítulo de análise de dados tem como objetivo apresentar os dados gerados durante
a pesquisa, tecendo diálogos com as teorias que a fundamentam. Este capítulo procura
responder as perguntas de pesquisa utilizando categorias de análise geradas com base na
observação dos dados.
22

No capítulo intitulado de considerações finais: autonomia e esperança, procuro


estabelecer uma conversa entre estes dois conceitos, à luz dos dados gerados durante essa
pesquisa, procurando concluir este trabalho. Além disso, retorno às perguntas de pesquisa,
com o intuito de respondê-las conectando-as com os dados gerados.

Na próxima seção, portanto, serão discutidos os pressupostos teóricos que dão


direcionamento a este trabalho.
23

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Esta pesquisa situa-se no campo da Linguística Aplicada, doravante LA, buscando dar
voz aos professores e evidenciar sua interação e participação no contexto social no qual
atuam. Para isto, o foco será em suas crenças e como estas se relacionam com o
desenvolvimento de sua autonomia.

Entende-se por crenças as formas de pensar, de ver, construir e perceber a realidade.


Estas podem ser tanto sociais como individuais e são resultantes de um processo interativo
com nossas experiências, no qual as resinificamos constantemente. Por isto são dinâmicas,
podendo interagir com nossas ações de três formas: por causa e efeito, de maneira interativa
ou de modo complexo. Ademais, as crenças encontram pontos em comum com as identidades
e as emoções. Estes três conceitos se entrelaçam e se influenciam interativamente.
(BARCELOS, 2006, 2013)

A autonomia, por sua vez, é entendida como um construto que integra dimensões
individuais, sociais e políticas. O desenvolvimento da autonomia de professores, portanto, é
um processo contínuo que foca na promoção de capacidades que visem tanto a independência
como a interdependência, estimulando reflexões críticas sobre a educação. Esta por sua vez,
tendo o objetivo de promover a liberdade e a transformação social (RAYA, LAMB e
VIEIRA, 2007).

Portanto, este capítulo tem como objetivo principal situar teoricamente a pesquisa no
âmbito da LA, e, em seguida, explorar os conceitos de crenças e autonomia, propondo um
diálogo entre os mesmos. Para atingir tal objetivo, primeiramente, farei um breve panorama
do que se entende por LA contemporânea, estabelecendo sua relação com este trabalho, para
em seguida, explorar os conceitos de crenças e autonomia que perpassam a pesquisa.

3.1 A PESQUISA NO ÂMBITO DA LINGUÍSTICA APLICADA

No início dos estudos em Linguística Aplicada, esta surge como “uma disciplina
voltada para os estudos sobre ensino de línguas estrangeiras” (PAIVA, SILVA e GOMES,
2009, p.25). Nesta perspectiva, “as teorias linguísticas forneceriam a solução para os
24

problemas relativos à linguagem como que se defrontam professores e alunos em sala de


aula” (MOITA LOPES, 2006, p.18).

Entretanto, as pesquisas nesta área se expandiram por outras perspectivas e “hoje se


configura como uma área imensamente produtiva, responsável pela emergência de uma série
de novos campos de investigação transdisciplinar, de novas formas de pesquisa e de novos
olhares sobre o que é ciência” (PAIVA, SILVA e GOMES, 2009, p.25). Desta forma, a LA
contemporânea

[...] não tem como objeto a aplicação de teorias que partem de outras áreas como a
própria linguística, educação, psicologia, sociologia ou antropologia, constituindo
uma área autônoma que estabelece diálogos interdisciplinares com estas outras áreas
em processo de compreensão e transformação de contextos situados de usos da
linguagem. (SZUNDY & NICOLAIDES, 2013, p.15)

A pesquisa em LA no Brasil cada vez mais transita por outros contextos que não a sala
de aula de línguas, estimulando o diálogo com outras áreas de conhecimento. Assim, “a
questão da pesquisa, em uma variedade de contextos de usos da linguagem, passou a ser
iluminada e construída interdisciplinarmente. Tal perspectiva tem levado à compreensão da
LA não como conhecimento disciplinar, mas como indisciplinar” (MOITA LOPES, 1998;
apud MOITA LOPES, 2006, p.19), já que não está vinculada diretamente a uma ‘disciplina-
mãe’, como a Linguística, permitindo-se estar na fronteira e caminhando por diferentes áreas
das ciências sociais e humanas.

Este movimento de diálogo com diferentes teorias do campo das ciências sociais e
humanidades, Moita Lopes (2006, p.14) chama de LA mestiça, que tem como objetivo “criar
inteligibilidade sobre problemas sociais em que a linguagem tem um papel central”. Desta
maneira, mostra-se importante levar em conta as mudanças e características sociais, culturais
e históricas dos contextos de pesquisa e dos participantes envolvidos.

A LA contemporânea entende a linguagem como prática social. Ou seja, compreende


que a linguagem é “um processo socialmente condicionado” (FAIRCLOUGH, 1989, p. 22),
destacando uma relação interna e dialética entre linguagem e sociedade. “Fenômenos
linguísticos são sociais no sentindo de que, quando uma pessoa fala, escuta, escreve ou lê,
fazem-no de certa maneira que é determinada socialmente e que ao mesmo tempo provoca um
efeito social” (FAIRCLOUGH, 1989, p.23). A linguagem como prática social, portanto, afeta
e é afetada pelo social.
25

Portanto, “trabalhar com a linguagem é necessariamente intervir na realidade social da


qual ela faz parte” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 126). Rajagopalan (2003, p. 125), ainda
destaca que “a linguagem se constitui em importante palco de intervenção política, onde se
manifestam as injustiças sociais pelas quais passa a comunidade em diferentes momentos da
sua história e onde são travadas constantes lutas”. Através da linguagem, portanto, é possível
acessar informações importantes sobre a realidade social, bem como modificá-la e
transformá-la.

Fabrício (2006, p.48) destaca que a LA passa por “um momento de revisão de suas
bases epistemológicas” em que é importante a compreensão dos seguintes elementos.

1- de que, se a linguagem é uma prática social, ao estudarmos a linguagem


estamos estudando a sociedade e a cultura das quais ela é parte constituinte e
constitutiva;
2- de que nossas práticas discursivas não são neutras, e envolvem escolhas
(intencionais ou não) ideológicas e políticas, atravessadas por relações de poder, que
provocam diferentes efeitos no mundo social;
3- de que há na contemporaneidade uma multiplicidade de sistemas semióticos
em jogo no processo da construção de sentidos.
(FABRÍCIO, 2006, p.48)

Estas observações são cruciais para refletir sobre uma nova agenda de pesquisa em LA
que considere os contextos de uso da linguagem, admita a impossibilidade da neutralidade,
entenda que significados fixos não existem, especialmente no mundo globalizado. Fabrício
(2006) traz um esboço do que significa a globalização.

Está em operação um campo de forças plurais que entrelaça uma série de novos
significados, modos de produção de sentido, práticas, técnicas, instituições,
procedimentos de subjetivação e relações discursivas, tornando problemática a
adoção de pontos de vista e explicações causais simplistas a respeito de fenômenos
sociais. (FABRÍCIO, 2006 , p.47)

Estas mudanças atravessam e influenciam a produção de conhecimento no mundo


contemporâneo. Portanto, para que a LA “possa falar à vida contemporânea”, é essencial que
esta “se aproxime de áreas que focalizam o social, o político e a história” (MOITA LOPES,
2006, p.96). Afinal, os conhecimentos nestas áreas possibilitam entender melhor a vida social
e criar novas alternativas para a mesma. Moita Lopes (2006, p.18) ainda destaca o desafio da
contemporaneidade que se baseia na reflexão de “como podemos criar inteligibilidades sobre
a vida contemporânea ao produzir conhecimento e, ao mesmo tempo, colaborar para que se
abram alternativas com base nas e com as vozes dos que estão à margem”. Ou seja, a
26

necessidade de uma LA que ao produzir conhecimento, também proporcione oportunidades


de transformação, criando visibilidade e possibilidades de mudança para os problemas sociais.

Com o intuito de produzir conhecimento como forma de transformação, de abertura


para novas vozes e de compreensão de contextos sociais do dia-a-dia, procuro olhar mais
atentamente para a interação e a atuação de professores no ambiente escolar, com a intenção
de observar seus posicionamentos dentro da comunidade de prática escolar.

Os pressupostos teóricos desta pesquisa passeiam por teorias dos campos das ciências
humanas e sociais, buscando uma relação dialógica entre essas ideias, com o objetivo de
proporcionar visibilidade para contextos do mundo em que vivemos, através do entendimento
da linguagem como prática social.

Desta forma, a análise das crenças e atitudes de professores em sua interação no


ambiente escolar tem como propósito contemplar as “práticas sociais vividas por pessoas de
carne e osso no dia-a-dia” (MOITA LOPES, 2006, p.88), valorizando “um processo de
renarração ou redescrição da vida social como se apresenta, o que está diretamente
relacionado à necessidade de compreendê-la” (MOITA LOPES, 2006, p.88). Afinal, procura
estudar/entender/escutar/observar perspectivas dentro do contexto escolar, dando voz aos
professores e focando em suas crenças e em sua atuação como grupo inserido na comunidade
de prática escolar.

Intervir social e politicamente, buscar a compreensão da realidade que nos cerca e


valorizar as vozes quem vive as práticas sociais são ideias fortemente relacionadas à
autonomia. Desta forma, a observação e análise dessas crenças e atitudes de professores
podem trazer esclarecimentos valiosos sobre o desenvolvimento de sua autonomia na
interação com o ambiente sociocultural no qual atuam. O contexto de uma escola pública na
zona norte da cidade do Rio de Janeiro busca ainda contemplar as perspectivas de quem vive
essa realidade de perto todos os dias, preocupando-se com “os sujeitos socio-históricos de
nossa realidade social” (KLEIMAN, 2013, p. 40), buscando “olhar com olhos do Sul, para o
Sul” (KLEIMAN, 2013, p.50). Ou seja, este trabalho busca contemplar as vozes e crenças dos
professores que vivem a realidade da educação no Brasil todos os dias.

O estudo da autonomia de professores visa observar como esta se desenvolve no meio


educacional, levando em consideração fatores inibidores e estimuladores da mesma. Portanto,
esta é uma oportunidade de compreender melhor a realidade social tanto do ensino público,
27

bem como dos membros da comunidade escolar, colocando em foco a fala dos professores,
evidenciando seus sentimentos, crenças, convicções e frustrações, bem como suas atitudes e
ações.

Para isto, na próxima seção o conceito de crenças será explorado, visando uma melhor
compreensão de sua relação com as atitudes e autonomia dos professores.

3.2 CRENÇAS DE PROFESSORES, SUAS ATITUDES E AUTONOMIA.

Quando atuamos no mundo, construímos e percebemos significados através da


linguagem, utilizando nossas crenças. O conceito de crenças tem suas raízes em disciplinas
como antropologia, sociologia, psicologia, educação e filosofia (BARCELOS, 2004),
apresentando assim uma variedade e complexidade de definições.

Ao descrever as possibilidades da palavra pensamento, o filósofo John Dewey (1909),


descreve crença como um significado do pensamento que precisa de algum tipo de evidência
ou testemunho. Dewey (1909, p. 1-2) acredita que uma crença pode ser de dois tipos.
Primeiramente, aquelas que precisam de pouca ou nenhuma justificativa para serem críveis e,
em segundo lugar, aquelas das quais precisamos de evidências para poder sustenta-las. Ou
seja, as crenças podem ter como base um conhecimento real ou suposto. (Dewey, 1909, p.4).

Pajares (1992) lista alguns conceitos associados à ideia de crenças citados na literatura
de psicologia educacional sobre o assunto, indicando a complexidade na definição de tal
termo.

“[Crenças] aparecem sob disfarce, com os pseudônimos - atitudes, valores,


julgamentos, axiomas, opiniões, percepções, concepções, sistemas conceituais,
preconcepções, disposições, teorias implícitas, teorias explícitas, teorias pessoais,
processos mentais internos, estratégias de ação, regras de hábitos, princípios
práticos, perspectivas, repertórios de entendimento e estratégia social” (PAJARES,
1992, p.309).

Assim, a percepção de crenças está ligada aos valores, concepções, ideias, pontos de
vista, maneiras de entender a vida social, que fazem parte da nossa compreensão do mundo,
influenciando também a maneira como agimos nele.
28

Para explorar melhor o entendimento da ideia de crença, destaco cinco definições de


diferentes pesquisadores, citadas por Barcelos (2004). Holec (1987, apud. Barcelos 2004,
p.130) afirma que crenças são “suposições dos aprendizes sobre seus papéis e funções dos
professores e dos materiais de ensino” (p.130). Gardner (1988) diz que são “expectativas na
mente dos professores, pais e alunos referentes a toda tarefa de aquisição de uma segunda
língua” (p.130). Benson e Lor (1999) diferenciam concepções de crenças. Concepções seriam
“o que o aprendiz acredita que são os objetos e processos de aprendizagem. [Crenças, por sua
vez,] referem-se ao que o aprendiz acredita ser verdadeiro sobre esses objetos e processos”
(p.130). As palavras suposições, expectativas e acredita, contidas nestas definições, remetem
a maneira como as pessoas entendem, interpretam e constroem relações com as situações com
as quais se deparam em suas vidas.

Nossas formas de pensamento e as maneiras que enxergamos o mundo ao nosso redor


são construídas tanto de forma individual como social, e estas podem influenciar a maneira
como agimos nas diversas comunidades de prática em que atuamos. Neste trabalho,
entendem-se crenças, portanto, como

[...] uma forma de pensamento, construções da realidade, maneiras de ver e perceber


o mundo e seus fenômenos, co-construídas em nossas experiências resultantes de um
processo interativo de interpretação e (re)significação. Como tal, crenças são sociais
(mas também individuais), dinâmicas, contextuais e paradoxais. (Barcelos, 2006,
p.18)

Ao definirmos crenças como “co-construídas em nossas experiências”, situamos o ser


humano em um contexto sócio-histórico e entendemos “a linguagem como prática social,
culturalmente construída” (SILVA, 2010, p.33). Logo, nossas crenças estabelecem uma
relação complexa com nossas ações e com o contexto social.

Barcelos (2006, p. 25) aponta essa relação complexa entre contexto, crenças e ações,
mencionando três maneiras de se perceber as relações entre crenças e ações descritas por
Richardson (1996):

A primeira seria uma relação de causa e efeito, em que crenças influenciam ações. A
segunda seria uma relação interativa em que as crenças e ações se influenciam
mutuamente. E a terceira seria dentro da tradição hermenêutica que sugere “uma
relação complexa entre as crenças de professores e suas ações” (RICHARDSON,
1996, p.104; apud BARCELOS, 2006, p.25)

A relação de causa e efeito diz respeito a como as crenças afetam o comportamento,


ou seja, escolhemos agir de determinada maneira por causa do que acreditamos. A relação
29

interativa traz um movimento de troca, no qual as crenças influenciam as ações, assim como
as experiências e reflexões sobre ações podem transformar as crenças de alguma maneira A
relação hermenêutica aponta para duas possibilidades: a de as crenças não terem
correspondência com as ações; e a influência do contexto sobre as crenças.

Barcelos (2006, p.32) acredita que “a compreensão mais aprofundada das crenças fica
difícil sem a análise das ações dentro de um contexto, principalmente tendo em vista a
complexidade das crenças e a força dos fatores contextuais”. Medrado (2009, p.94-95)
também destaca a importância de olharmos “para o contexto social e histórico no qual os
professores estão inseridos, tentando observar como esse contexto define/ influencia a
representação que eles têm de si mesmos e dos lugares que ocupam, com base nas escolhas
que fazem discursivamente”. Desta maneira, para entender as crenças e atitudes de
professores no ambiente escolar, é preciso entender, analisar e observar este contexto do
ponto de vista sócio-histórico-cultural.

Além da relação com o contexto, Barcelos (2013) destaca a importância de considerar


o estudo das emoções e identidades nas pesquisas sobre crenças, evidenciando quatro razões
para a relevância dessas relações. Em primeiro lugar, a interdependência entre emoções e
cognição, ou seja, “o que é racional depende de nossas preferências emocionais” e “nossas
emoções requerem interpretação racional” (ZEMBLYAS, 2004, p.187). Em segundo lugar, a
importância do fator afetivo, isto é, a cognição está ligada a pensar, saber e acreditam, mas
também a sentir. Em terceiro lugar, Barcelos (2013) afirma que não há estudos que
investiguem a relação entre identidades, emoções e crenças. Por último, a ausência de
modelos teóricos sobre crenças que contemplem a influência de emoções e identidades.

Damasio (2004) aponta a emoção como um elemento primordial para a evolução e


sobrevivência do ser humano, influenciando nos mecanismos básicos de regulação da vida e
exercendo “um papel crucial em praticamente todos os aspectos de aprendizagem, raciocínio e
criatividade” e contribuindo “para a construção da consciência” (DAMASIO, 2004, p.49). As
emoções, portanto, têm sua influência sobre diversos aspectos do pensamento e, por
consequência, sobre as crenças. Barcelos (2013) destaca quatro maneiras pelas quais as
emoções podem influenciar as crenças, baseando-se nos trabalhos de Damasio (2004),
Winograd (2003) e Fridja, Manstead e Bem (2000), sendo estas: “provocando mudanças nas
operações mentais e na produção de imagens no cérebro bem como mudanças corporais;
ratificando e fornecendo evidência para as crenças; conduzindo a atenção para informação
30

relevante” (BARCELOS, 2013, p.175); e, “despertando, entremetendo e moldando crenças ao


criá-las, alterná-las, torna-las mais resistentes à mudança ou ampliá-las” (BARCELOS, 2013,
p.175).

Com base em uma breve revisão de estudos na área da psicologia, Barcelos (2013)
aponta que a relação complexa entre emoções e crenças que podem ter repercussões na
construção das identidades. A autora destaca que

emoções e crenças estão relacionadas de forma complexa, e nessa relação, as


crenças e emoções se influenciam interativamente. Emoções moldam crenças
intensificando-as, tornando-as mais fortes ou fracas, criando crenças e alterando-as;
essas crenças, por sua vez, moldam as emoções que sentimos. Ao mudar nossas
crenças e emoções, estamos criando eus possíveis e possíveis espaços para
construção de identidades diferentes dentro do que é plausível ou permitido
construir, dadas as estruturas de poder da sociedade em geral. (BARCELOS, 2013,
p.177)

A relação entre crenças e emoções, portanto, apresenta-se de forma integrada, já que


ambas moldam uma a outra. Ou seja, nossa maneira de sentir o mundo influencia nossas
crenças assim como estas desenham nossos sentimentos a respeito da vida. A modificação de
ambas, portanto, possibilita a construção de diferentes identidades.

Desta forma, as identidades, por sua vez, também encontram relação com os conceitos
de crenças e emoções. Barcelos (2013) revela características semelhantes nas definições
destas três concepções:

esses três conceitos são descritos de maneiras semelhantes: as identidades são


múltiplas, dinâmicas, híbridas, contestadas, conflitantes; as crenças são paradoxais,
complexas, dinâmicas e contraditórias; as emoções são ativas, interativas,
processuais e construídas social e discursivamente. (Barcelos, 2013, p177)

Os conceitos de crenças, emoções e identidades estão, portanto, interligados,


interagindo e promovendo mudanças entre si. Suas características dinâmicas, paradoxais e
sociais permitem essa interligação. Entendemos, portanto, que as crenças não podem ser
compreendidas independentemente de um contexto e que possuem relações diferentes e
complexas com as ações, emoções e com as identidades dos indivíduos.

Este trabalho, consequentemente, se identifica com uma abordagem contextual para a


investigação de crenças, afinal, tem como objetivo compreender a crença de professores em
contextos específicos (BARCELOS, 2001). Miccoli (2010, p.140) explica que essa
31

abordagem busca “entender a crença como um fenômeno construído nas relações de natureza
dinâmica que acontecem em um determinado contexto de um meio maior”.

A análise das crenças dos professores sobre seu papel na comunidade de prática
escolar precisa levar em conta a realidade em que lecionam, suas identidades, suas emoções e
suas histórias de vida, para estabelecer relações com o desenvolvimento da autonomia desses
professores. Nicolaides (2010) destaca a importância de levar em conta a abordagem
contextual ao estudo de crenças, explicando que nesta perspectiva,

[...] procura-se compreender a linguagem como um conjunto de práticas culturais,


representando a ordem social e como essas representações se constituem em atos
sociais. Estudiosos da área, por meio de estudos etnográficos, têm como sujeitos
falantes, mais especificamente, atores sociais, pertencentes a um determinado
contexto em particular, organizados em uma variedade de instituições sociais,
contexto esse impregnado de expectativas, crenças e valores morais sobre o
mundo. (NICOLAIDES, 2010, p.274)7

Ao abordar crenças sob uma perspectiva contextual, colocando os professores


participantes como sujeitos falantes, ou seja, como atores sociais, esta pesquisa compreende
que suas concepções de mundo e de sua profissão, ou seja, de suas crenças, podem ser
reveladoras de suas atitudes e assim, também, de sua autonomia. Assim sendo, o
desenvolvimento da autonomia de professores pode ser inibido ou estimulado de acordo com
as crenças que circulam nos contextos educacionais nos quais estão inseridos.

Na próxima seção, a ideia de autonomia será mais profundamente explorada, trazendo


reflexões sobre as diversas facetas deste conceito, culminando com o desenvolvimento de
considerações sobre a autonomia de professores e seu papel transformador.

3.3 AUTONOMIA

No decorrer desta pesquisa, durante uma discussão com os participantes, o professor


HUGO8, que leciona a disciplina de educação física, trouxe um jornal publicado no dia 7 de
dezembro de 2014 com uma propaganda da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro (ANEXO
1). O anúncio continha os seguintes dizeres: “nossa linha de produção é simples: construímos
escolas, formamos cidadãos e criamos futuros. Fábrica de Escolas do Amanhã. Mais
7
Grifo meu.
8
Os nomes dos professores participantes foram substituídos por nomes fictícios.
32

educação para o Rio de Janeiro”. Na imagem da propaganda, crianças estão sentadas em


cadeiras escolares, enfileirada em uma linha de montagem industrial. A propaganda tinha o
intuito de divulgar o projeto das Fábricas de Escolas do Amanhã, que fabricará módulos para
a construção de unidades de ensino com turno único de funcionamento. Entretanto, a imagem
utilizada, nos remete a um processo uniformizador dos aprendizes, que seriam ‘construídos’
pela escola durante sua vida escolar.

Nas redes sociais, a propaganda foi comparada a música e clipe de ‘Another Brick in
the Wall’(ANEXOS 2, 3, 4) da banda Pink Floid. No clipe desta música, os alunos aparecem
sentados em carteiras escolares, enfileirados em uma esteira industrial, e adentram uma
máquina que os deixa sem rosto, ou seja, os uniformiza em uma máscara única. A música fala
sobre o caráter uniformizador que a educação pode ter.

A propaganda também sofreu críticas da Faculdade de Educação da UFRJ que lançou


uma nota de repúdio (ANEXO 5), argumentando que “ideia de fabricação de seres humanos
como peças industrializadas produzidas em série, contraria frontalmente uma concepção
pedagógica responsável e republicana”9(ANEXO 5).

Ao comparar a escola como uma linha de montagem, a Prefeitura do Rio de Janeiro


demonstra uma visão de educação bancária, descrita por Paulo Freire (1974). Na concepção
bancária, “a educação é o ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos
(...), refletindo a sociedade opressora, sendo dimensão da ‘cultura do silêncio’” (FREIRE,
1974, p.67). Esta visão “anula o poder criador dos educandos ou o minimiza, estimulando sua
ingenuidade e não sua criticidade, satisfaz os interesses dos opressores” (p.69). Ao desprezar
a criatividade e o raciocínio crítico, esta ideia de educação acaba, por consequência,
prejudicando a autonomia no ambiente escolar.

Em sua obra Pedagogia da Autonomia (1996), Paulo Freire não define diretamente
autonomia, mas traz conceitos importantes que ajudam a construir uma ideia de autonomia,
sua importância na vida escolar, e como docentes e discentes têm papel fundamental no
desenvolvimento da mesma. O autor afirma, por exemplo, que “não há docência sem
discência” (FREIRE, 1996, p. 21), ou seja, “quem forma se forma e re-forma ao formar e

9
Nota de repúdio disponível em: http://www.adufrj.org.br/index.php/noticias-destaque/2035-faculdade-de-
educa%C3%A7%C3%A3o-repudia-propaganda-de-mau-gosto-da-prefeitura.html
33

quem é formado forma-se e forma ao ser formado” (p.23). Esta é uma visão que rejeita o
entendimento da educação como transmissão de conhecimento, assumindo que a docência e a
discência “não se resumem à condição de objeto, um do outro” (p.23). Portanto, aprender e
ensinar são processos imbricados, podendo ser chamados então de um só processo, o de
“ensinagem”.

A partir destas ideias expostas por Paulo Freire (1996), podemos perceber que a
autonomia não se restringe ao plano individual, nem ao autodidatismo, mas se estende para o
plano sociocultural, abrangendo tanto docentes como discentes e destacando uma visão de
educação como “um ato de intervenção no mundo” (FREIRE, 1996, p.109).

Outros pensadores também descreveram a educação e o ato de ensinar, trazendo ideias


que remetem à autonomia. Benson (2001, p.23) traz à tona o pensamento de algumas dessas
personalidades, como Galileu, por exemplo, que julgava não ser possível “ensinar nada ao
homem, somente ajuda-lo a encontrar isto dentro de si próprio”. Rousseau, por sua vez,
acreditava na ‘educação natural’, ou seja, a criança, ao aprender, deveria seguir seus próprios
impulsos, aprendendo aquilo que lhe interessa e não algum assunto pré-determinado pelo tutor
ou professor (p. 23-24). Dewey considerava que a função da educação tinha a ver com a
preparação do aprendiz para a vida social e política, com o objetivo de melhorar a sociedade
em que vivem (p. 25-26). Apesar de não trazerem uma definição de autonomia, estes autores
apresentam o início de um pensamento para a “ensinagem” autônoma.

Na área de estudos de aprendizagem de línguas, a ideia de autonomia surge voltada


para a questão do aprendiz. “Aplicações práticas focavam no aprendizado autodirecionado e
levaram ao desenvolvimento de centros de autoacesso e ao treinamento de aprendizes como
pontos focais para experimentação” (BENSON, 2006, p.22). Ou seja, a autonomia era
comumente associada ao ato de estudar sem a ajuda de um professor.

Em vista disso, os primeiros trabalhos voltados para a definição de autonomia na área


de ensino e aprendizagem de línguas a descrevem a partir de uma perspectiva mais individual,
baseada na capacidade do aprendiz em se desenvolver de forma independente, controlando de
forma consciente todo o processo de aprendizado. Alguns destes conceitos são apresentados a
seguir.

Holec (1981) é o primeiro a definir o conceito de autonomia como a habilidade do


aprendiz em se responsabilizar por seu próprio aprendizado. Dickinson (1987, p.11) entende
34

autonomia como “a situação na qual o aprendiz é totalmente responsável por todas as decisões
relativas ao seu aprendizado e a implantação dessas decisões”. Little (1999), por sua vez,
entende que a autonomia se desenvolve quando o indivíduo aceita a responsabilidade por seu
próprio aprendizado. Estas definições têm grande correlação com a ideia de independência do
aprendiz, ou seja, sua capacidade de fazer escolhas e controlar seu próprio aprendizado, de
modo a aprender sozinho. Estas concepções, entretanto, deixam de lado possíveis implicações
socioculturais que permeiam o desenvolvimento da autonomia.

Nicolaides (2003), por sua vez, acrescenta um viés social à definição de autonomia,
destacando a importância tanto da independência, mas também da autonomia do aprendiz em
sua atuação ativa em contextos sociais. A autora entende que ser autônomo significa:

[...] saber definir metas; entender seu papel de aprendiz como responsável pelo
processo de busca e apreensão do conhecimento; estar apto a definir formas de
buscar seu conhecimento desenvolvendo habilidades e técnicas para trabalhar de
forma independente e em outros contextos diferentes do acadêmico; ser capaz de
detectar suas dificuldades e procurar soluções para serem implementadas tendo
maior controle sobre sua aprendizagem; conseguir avaliar-se não só no final, mas
durante o processo de aprendizagem; desenvolver a capacidade de exercer
autonomia como aprendizes nas oportunidades oferecidas pelo contexto de forma
responsável e assim, tomar consciência de seu papel modificador do meio social no
qual está inserido. (NICOLAIDES, 2003, p. 91-92)

Esta definição engloba a dimensão individual, ao apresentar o aprendiz como


responsável por seu aprendizado, buscando desenvolver aptidões técnicas e maneiras de
driblar suas dificuldades de forma independente. Por outro lado, remete também ao social, por
considerar o exercício da autonomia tanto dentro do ambiente de aprendizado quanto fora do
mesmo, voltando-se para a ação consciente e modificadora nas comunidades de prática10 das
quais faz parte. Assim, esta definição apresenta três singularidades da autonomia de
aprendizes: a tomada de responsabilidades, o desenvolvimento de técnicas e habilidade de
aprendizado, e a capacidade de atuação responsável de acordo com o contexto.

Benson (1997), por sua vez, também destaca três ângulos de visão da autonomia de
aprendizes. O autor sugere um modelo separado em três versões: técnica, psicológica e

10
Comunidades de prática, segundo Wenger (1998), estão em todos os lugares e participamos de inúmeras delas
ao mesmo tempo. Os membros destas (chamados de practicioners) são naturalmente conectados pelo que fazem
juntos, compartilhando rotinas, vocabulário, estilos e etc. Wenger (2015) define comunidade como “um grupo de
pessoas que compartilham uma preocupação ou uma paixão a respeito de algo que fazem, e aprendem a fazê-lo
melhor a medida que interagem regularmente” (p.1). Uma comunidade de prática, portanto, possui uma
identidade definida por interesses que levam os envolvidos a aprenderem uns com os outros.
35

política. A versão técnica busca inspiração no positivismo e está relacionada com aprender
uma língua fora do contexto de sala de aula. O aprendiz se depara com situações em que tem
que tomar responsabilidade por seu próprio aprendizado e “o principal objetivo é equipar o
aprendiz com habilidades e técnicas que lhes permitam lidar com situações que possam
surgir” (BENSON, 1997, p. 18). A versão psicológica tem como base o construtivismo e o
desenvolvimento da autonomia é visto como uma transformação interna do indivíduo, uma
capacidade, um construto de atitudes e habilidades. A versão política tem relação com a teoria
crítica e diz respeito ao controle sobre o processo e conteúdo do aprendizado. O aprendiz deve
ser capaz de “controlar tanto seu aprendizado individual e como o contexto institucional no
qual este se insere” (BENSON, 1997, p 18).

Oxford (2003) apresenta uma crítica ao modelo proposto por Benson, fazendo as
seguintes observações: o modelo valoriza excessivamente a versão política, não contempla a
perspectiva sociocultural, concentra estratégias de aprendizado apenas na versão técnica e não
mostra construtos importantes para cada versão, como contexto, agência, motivação e
estratégias de aprendizagem.

Para a autora, contexto refere-se a “toda situação, pano de fundo, cenário ou ambiente”
(OXFORD, 2003, p.80) relevantes para a aprendizagem. Desta forma, o contexto pode ser a
situação física, o ambiente de maneira geral, o conjunto de ideologias que permeiam uma
determinada interação, o cenário sociocultural ou as comunidades de prática. A agência, por
sua vez, significa “a qualidade de ser uma força ativa para produzir um efeito” (OXFORD,
2003, p.80), podendo referir-se a características psicológicas do indivíduo, a autorregulação,
participação ativa ou controle sobre uma situação. A motivação é “a condição de ser movido
para a ação ou o desejo interno de produzir uma ação” (OXFORD, 2003, p.80), tendo relação
com vontade ou desejo de autorregulação, de fazer parte de uma comunidade, ou de ter voz
própria, podendo ser influenciada por fatores situacionais e apresentando também graus de
intensidade. As estratégias referem-se ao plano que se faz para atingir um objetivo, podendo
ser ferramentas, atributos psicológicos, estratégias cognitivas e metacognitivas. Estas podem
ser aprendidas na interação e têm potencial para obter acesso a estruturas de poder e
alternativas culturais (OXFORD, 2003).

A partir destas observações a respeito do modelo de Benson, Oxford (2003) propõe


um novo modelo que mantém as versões técnica, psicológica e muda a versão política para
36

político-crítica. Ademais, inclui também a perspectiva sociocultural, enfatizando a interação


social como componente mais importante da autonomia.

As alterações feitas pela autora têm como base os pressupostos da Teoria


sociocultural, desenvolvida por Vygotsky (1978). Rego (2001) destaca cinco teses básicas,
que considero importantes para a compreensão do que Oxford entende por autonomia
sociocultural.

A primeira tese afirma que as “características tipicamente humanas [...] resultam da


interação dialética do homem e seu meio sociocultural” (REGO, 2001, p.41). Ou seja, o ser
humano transforma e é transformado pelo mundo ao seu redor. A segunda tese é consequência
da primeira e acredita que as funções psíquicas humanas “se originam nas relações do
indivíduo e seu contexto cultural e social” (REGO, 2001, p.42). O desenvolvimento humano é
mutável e dependente “das formas sociais da vida humana” (REGO, 2001, p.42). A terceira
tese considera o cérebro como órgão principal da atividade mental, porém, não é um sistema
fixo e imutável, podendo mudar seu funcionamento ao longo do desenvolvimento histórico
tanto do indivíduo quanto da sociedade. A quarta tese fala sobre a mediação das atividades
humanas através de “instrumentos técnicos e sistemas de signos, construídos historicamente”
(REGO, 2001, p.42), entendendo que a relação humana com o mundo se dá de forma indireta,
sendo mediada por ferramentas criadas pelo ser humano. Ou seja, o ser humano não seria
capaz de agir diretamente no mundo em que vive e precisaria lançar mão de artefatos
culturais, que podem ser simbólicos ou físicos, como mediadores e reguladores de suas
relações consigo e com os outros (LANTOLF, 2000). A última tese baseia-se na ideia de que
“os processos psicológicos complexos [...] não podem ser reduzidos à cadeia de reflexos”
(REGO, 2001, p.43). Focaliza, portanto, na importância do “estudo das mudanças que
ocorrem no desenvolvimento mental a partir do contexto social” (REGO, 2001, p.43).

Em vista disto, Oxford (2003) divide a perspectiva sociocultural em duas versões: a


sociocultural I e a sociocultural II, ambas com foco no ensino mediado, mas voltadas para
aspectos diferentes da interação.

A versão sociocultural I entende autonomia como autorregulação11 obtida através da


interação com um par mais experiente. Nesta perspectiva, o aprendizado acontece em

11
Oxford (2003) entende que a auto-regulação (self-regulation) acontece quando um par mais experiente
funciona como andaime para dar assistência a um par menos experiente, tendo como objetivo a agência do
último, ou seja, sua atuação de forma intencionalmente independente.
37

contextos culturais e sociais, situados historicamente, através de mediação com indivíduos


mais capazes ou artefatos culturais.

A versão sociocultural II não tem a autonomia como objetivo principal, mas sim a
participação – inicialmente periférica e depois mais completa – na comunidade de prática.
Baseada nos trabalhos de Rogoff e Lave (1984), Lave e Wenger (1991) e Wenger (1998),
também considera a mediação no processo de aprendizado. Porém, nesta perspectiva o
indivíduo não é tão importante quanto a comunidade de prática. O foco, portanto, é no
contexto, nas relações que acontecem nesta comunidade e no ambiente cultural e social.

Nicolaides (2010) critica a separação da perspectiva sociocultural nas versões I e II,


retomando sua concepção de autonomia apresentada anteriormente (2003). Segundo a autora,
a autonomia “não deve estar limitada ao plano individual, mas voltada sempre para o social,
de forma que o aprendiz estivesse sempre consciente de seu papel agente sociohistórico no
grupo no qual está inserido” (NICOLAIDES, 2010, p.271). A aprendizagem, portanto,
aconteceria de forma integrada, ou seja, os planos individual e social “acontecem de forma
concomitante e constante” (NICOLAIDES, 2010, p.271). Nicolaides (2010, p.272), então,
propõe “uma concepção de autonomia sim voltada para o desenvolvimento do indivíduo
autônomo com capacidade de dar voz às suas próprias ideias, angústias, realizações pessoais,
mas voltada também para o contexto social no qual está inserido”.

As definições de autonomia apresentadas até o momento trazem importantes reflexões


sobre o que é ser autônomo e sobre a importância social do exercício da autonomia.
Entretanto, contemplam prioritariamente a autonomia de aprendizes, fazendo-se necessário
explorar outros conceitos e trabalhos voltados para autonomia de professores, que é o foco
deste trabalho. Entende-se nessa pesquisa, portanto, a autonomia como um conjunto de
capacidades desenvolvidas através de uma visão emancipatória de educação, com o objetivo
de promover transformações sociais.

Desta forma, nas duas seções a seguir, o conceito de autonomia de professores será
discutido, partindo de algumas visões sobre o assunto para um estudo mais aprofundado sobre
o conceito de autonomia adotado neste trabalho.
38

3.3.1 CONCEPÇÕES SOBRE A AUTONOMIA DE PROFESSORES

A autonomia de professores tem sido comumente associada ao desenvolvimento da


autonomia do aprendiz (BENSON e HUANG, 2008), entendendo a primeira como uma
maneira de alavancar a segunda. Entretanto, esta perspectiva se mostra insuficiente no que se
refere às possíveis facetas que a autonomia do professor apresenta.

Benson (2008) acredita que os professores enxergam sua própria autonomia como
uma sugestão para a tomada de controle por parte do aprendiz. O autor argumenta sobre
diferentes perspectivas que aprendizes e professores têm sobre autonomia. Estas diferenças
resultariam das estruturas de poder que permeiam as relações entre esses indivíduos. O autor
acredita que

da perspectiva dos professores, a autonomia está relacionada principalmente à


organização institucional e de sala de aula dentro de um currículo estabelecido. Em
outras palavras, da perspectiva dos professores a autonomia tende a sugerir a tomada
de controle dessa organização pelo aprendiz, o qual tem legitimidade inquestionável.
Da perspectiva do aprendiz (que vejo como tangencial, e não como oposta, a
perspectiva de professores), a autonomia está relacionada principalmente com o
aprendizado, de uma maneira bem mais abrangente, e a relação com suas vidas além
da sala de aula.”(BENSON, 2008, p.15)

Desta forma, Benson (2008) descreve uma autonomia de professores com o objetivo
exclusivo de promover a tomada de controle por parte do aluno, restringindo-a ações como
organização curricular e da sala de aula dentro dos paradigmas institucionais. Esta visão não
contempla a autonomia docente de maneira completa e acaba por excluir outras facetas
importantes, como a interação e cooperação entre professores, a possibilidade de
autorregulação e o cultivo de um olhar mais crítico e contextualizado sobre a realidade
sociocultural que envolve a vida escolar.

Este excerto ainda levanta questões importantes como as estruturas de poder e a


relação da autonomia com a vida do aluno fora de sala. Cotterall e Crabbe (2008) afirmam
que a relação entre a autonomia do professor e a do aprendiz é influenciada pela visão
tradicional dos papéis de aluno e professor. Ou seja, muitos ainda enxergam o professor como
único detentor do conhecimento. Todavia, esses papéis podem e devem ser permutados,
quebrando essa polaridade nas relações entre aluno e professor. Assim, é possível vislumbrar
a autonomia de professores e alunos de forma mais integrada.
39

Smith e Erdogan (2008, p.84) acreditam que o conceito de autonomia do professor


pode ter diferentes dimensões. Estas podem estar relacionadas a capacidades como ação
profissional ou desenvolvimento profissional. Os autores destacam estas dimensões como
formas de entender melhor “as maneiras nas quais a autonomia de professores e a promoção
de uma pedagogia para a autonomia do aprendiz podem estar relacionadas” (p.85). Estes
conceitos visam ações profissionais e desenvolvimento profissional com o objetivo único de
promover a autonomia do aprendiz, entendendo a autonomia do professor como uma maneira
de chegar a esse objetivo, apesar de apontar a correlação entre as duas.

Shaw (2008, p.187) apresenta algumas questões sobre a relação entre autonomia de
alunos e professores: “é possível que não haja relação nenhuma entre estes dois construtos?”;
“é possível que o excesso de estresse para realizar a autonomia do aluno possa ser prejudicial
para a autonomia do professor?”; “é possível que professores trabalhando independentemente
um dos outros sejam realmente autônomos?”. Shaw sugere que não há necessariamente uma
conexão entre autonomia de alunos e autonomia de professores, podendo haver ou não,
dependendo do contexto. O autor acredita que a autonomia do professor pode ser prejudicada
pela crença da necessidade da autonomia do aprendiz, que nem sempre tem conexão com as
necessidades dos mesmos. Ele entende que o diálogo é necessário “com professores como
companheiros críticos, motivados a questionar as suposições uns dos outros e explorar novos
caminhos para questionamentos” (SHAW, 2008, p.200). Neste processo, os professores
seriam capazes de compartilhar compreensões e buscar a melhor adaptação para seus cursos e
programas (SHAW, 2008).

Os questionamentos levantados por Shaw (2008) trazem reflexões sobre as


possibilidades da autonomia de professores, que nem sempre vai se restringir a um meio para
chegar à autonomia de aprendizes, e que pode ter uma importante relação com a cooperação e
a troca com colegas de profissão. Para Shaw (2008), essa autonomia docente pode ser
alcançada através do desenvolvimento profissional (LAMB, 2000) como forma de resistência
a discursos hegemônicos. Lamb (2000, p.125) acredita que “a reflexão crítica obriga os
professores a considerar as origens e os contextos de suas próprias crenças, teorias e prática,
bem como as implicações destes na relação com seus alunos”. Para o autor, este é um
processo longo e complexo que precisa ser desenvolvido ao longo da carreira do professor.

Como forma de promover um desenvolvimento profissional voltado para a reflexão


crítica e a promoção da autonomia, Lamb (2000) sugere algumas ideias que se aplicam a
40

diferentes estágios da educação profissional docente. Algumas questões relativas à autonomia


levantadas foram: o desenvolvimento de uma prática reflexiva como forma de promover a
autonomia de professores e, assim, também de seus alunos; a preparação por parte dos
professores para encorajar a independência em seus alunos dentro e fora da sala de aula; a
importância de expor os professores em formação a práticas autônomas em seu próprio
aprendizado; e a relevância de aprender de forma social, através do aprendizado em grupo e
avaliação entre os pares.

A autonomia de professores, sob esta visão, está voltada para questões como a
promoção de uma prática mais crítica e ao mesmo tempo coletiva, valorizando o trabalho em
grupo e o estímulo à autonomia do aprendiz. Desta forma, o desenvolvimento profissional
tem reflexos nas ações práticas.

Baseando-se nos trabalhos de McGrath (2000) e Smith (2000), Smith (2003) destaca
algumas dimensões da autonomia do professor relacionadas com a ação e o desenvolvimento
profissionais, como é possível observar no quadro explicativo abaixo.

Em relação à ação profissional:


a- Ação profissional autodirigida
b- Capacidade para ação profissional autodirigida
c- Liberdade de controle sobre a ação profissional
Em relação ao desenvolvimento profissional:
a- Desenvolvimento profissional autodirigido
b- Capacidade para desenvolvimento profissional autodirigido
c- Liberdade de controle sobre desenvolvimento profissional
Quadro1: Dimensões da autonomia do professor. [traduzido e adaptado de Smith (2003, p. 4)]

Smith (2003) entende, portanto, que a autonomia de professores pode se relacionar


tanto com a ação profissional em si, ou seja, com a capacidade de controlar as ações de forma
livre e responsável, como ao desenvolvimento profissional. Este tem a ver com a consciência
sobre a prática docente. Smith (2003, p.4) comenta que este “poderia ser considerado uma
forma de ação profissional, mas ação e desenvolvimento não são necessariamente a mesma
coisa”. Ele acredita que é possível agir de forma autodirigida, mas mesmo assim não aprender
com as experiências.
41

Smith (2003, p.6) acredita que “convencer professores do valor da autonomia de


aprendizes parece ser insuficiente. Da mesma forma que, e se não for mais importante, é
necessário focar no desenvolvimento da autonomia dos próprios professores, idealmente em
todas as dimensões que identificamos”. Ele afirma que “um real engajamento e reflexão sobre
uma pedagogia para autonomia parecer ser um meio particularmente poderoso para
desenvolver a autonomia de professores (- alunos)” (SMITH, 2003, p.6).

Vieira et.al. (2008) também destacam a importância da educação de professores para o


desenvolvimento da autonomia dos mesmos e de seus aprendizes. As autoras acreditam que a
escolha de “articular o desenvolvimento dos professores com o desenvolvimento dos
aprendizes em uma mesma estrutura” (VIEIRA et.al., 2008, p.218) é um posicionamento
ideológico, pois entende-se que “uma visão ideal de educação como liberação e
empoderamento é determinante de transformação e não de reprodutividade” (VIEIRA et.al.,
2008, p.218). Ou seja, fazer essa escolha significa promover uma pedagogia para a
autonomia, adotando uma abordagem reflexiva para a formação de professores, que pode
favorecer a promoção da autonomia tanto de aprendizes como de professores.

Vieira et. al. ainda (2008, p.219) definem a autonomia do professor como “disposição
e habilidade para administrar obstáculos dentro da visão de educação como forma de
liberação e empoderamento”. As autoras acreditam que o elemento esperança é essencial para
se afastar da “educação como reprodução” e se aproximar dessa ideia de “educação como
transformação”. Transformar, então, torna-se um ato ideológico, que também exige
compreender o fato de que somos “limitados pelas forças históricas e culturais que agem
sobre nossa personalidade pessoal e profissional” (VIEIRA et.al. 2008, p.218). No que diz
respeito à formação de professores, a compreensão dessa dimensão socio-histórica, aliada a
elementos como experimentação, regulação e negociação, são apontados pelas autoras como
fatores essenciais para o desenvolvimento de uma pedagogia para a autonomia.

Duboc e Santos (2007) comentam sobre uma mudança na abordagem teórica da


autonomia do professor nas pesquisas em educação.

Nas últimas décadas, a literatura sobre a autonomia do professor tem se deslocado


de uma perspectiva excessivamente centrada nos aspectos metodológicos e técnicos
para uma perspectiva que leva em consideração aspectos mais amplos, como
responsabilidade social e consciência crítica. Assim entendida, a autonomia constitui
não só um processo de conquistas pessoal, mas também um processo de
transformação da instituição escolar, na medida em que novas práticas participativas
e democráticas vão sendo implementadas e consolidadas (DUBOC e SANTOS,
2007, p.22).
42

Desta forma, os autores destacam a possibilidade de diferentes conceitos para a


autonomia do professor, ressaltando a importância de elementos como a responsabilidade
social, a consciência crítica e a possibilidade de transformação do ambiente escolar. Esta
abordagem mais reflexiva e social da autonomia de professores encontra congruências com a
supracitada pedagogia para a autonomia.

A partir de uma visão de educação emancipatória e transformadora, baseando-se na


ideia de pedagogia para a autonomia, Raya, Lamb e Vieira (2007) propõem uma definição de
autonomia com um foco no desenvolvimento de capacidades que visem uma participação
autodeterminada, socialmente responsável e criticamente consciente.

Esta visão propõe uma abordagem abrangente da autonomia de professores,


englobando aspectos, individuais, sociais e críticos. Por esta razão, os conceitos apresentados
por Raya, Viera e Lamb (2007) direcionarão este trabalho, servindo de embasamento para as
categorias de análise. Na próxima seção, estas ideias serão abordadas de forma mais
detalhada.

3.3.2 A AUTONOMIA DE PROFESSORES COMO POSSIBILIDADE DE


EMANCIPAÇÃO (INTER)PESSOAL E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

Raya, Lamb e Vieira (2007, p.4) acreditam que uma das razões para desenvolver uma
pedagogia para a autonomia está na “nossa disposição e necessidade humanas de nos
tornarmos indivíduos autodeterminados e participantes ativos nas comunidades sociais”. Os
autores afirmam que
uma pedagogia para a autonomia implica que professores se tornem agentes de
mudança, pelo que uma das principais razões para promover prende-se com o
fato de favorecer também a emancipação do professor. Embora este aspecto de
uma pedagogia para a autonomia tenha sido frequentemente ignorado ou entendido
como um efeito secundário, entendemos que o desenvolvimento da autonomia
dos alunos está ligado ao desenvolvimento da reflexividade dos professores e
pode promover a sua disposição e capacidade para desafiarem o status quo e
lutarem por melhores condições educacionais e sociais. (RAYA, LAMB e
VIEIRA, 2007, p.4)12

Nesta perspectiva, os autores destacam a importância de desenvolver também a


emancipação do professor, indicando-a como elemento essencial de mudança e de fomento de

12
Grifo meu em negrito.
43

uma pedagogia para a autonomia. Assim, a promoção da reflexividade dos professores


também favoreceria a tomada de atitude dos alunos com relação a sua realidade social.
A pedagogia para autonomia tem por referência “uma visão de educação como
emancipação e transformação, por oposição a opressão e reprodução” (RAYA, LAMB e
VIEIRA, 2007, p.6). Isto significa que

alunos e professores são vistos como consumidores críticos (e não passivos) e


produtores criativos do saber, cogestores dos processos de ensino e
aprendizagem, e parceiros na negociação pedagógica; significa também,
abandonar uma noção reificada do conhecimento a favor de uma visão do
conhecimento como construto dinâmico do conhecedor (professor e aluno);
finalmente, significa que a educação é vista como uma oportunidade para lutar por
uma vida melhor, isto é, uma vida que seja mais racional, justa e satisfatória”
(RAYA, LAMB e VIEIRA, 2007, p.6)13

Desta forma, a proposta de uma pedagogia para a autonomia busca enquadrar três
domínios: o contexto, o aluno e o professor (RAYA, LAMB e VIEIRA, 2007). A partir desta
proposta, Raya, Lamb e Vieira (2007) propõem uma definição comum para autonomia do
aluno e do professor, pretendendo “enfatizar a sua natureza semelhante, bem como a sua
interdependência em contextos escolares” (RAYA, LAMB e VIEIRA, 2007, p.2). Afirmam
ainda que “a adopção de uma definição independente do sujeito visa alargar o seu âmbito e
sublinhar o seu potencial transdisciplinar” (RAYA, LAMB e VIEIRA, 2007, p.2). Deste
modo, a definição proposta pelos autores, e que servirá como base para esta pesquisa, entende
a autonomia como “competência para se desenvolver como participante autodeterminado,
socialmente responsável e criticamente consciente em (e para além de) ambientes educativos,
por referência a uma visão da educação como espaço de emancipação (inter) pessoal e
transformação social” (RAYA, LAMB e VIEIRA, 2007, p.2). Esta definição de autonomia
não está voltada somente para a questão do aprendizado e do aprendiz, mas também para a
importância de questões sociais, culturais e históricas que envolvem tanto alunos como
professores. Ademais, destaca a importância de uma visão de autonomia voltada para a
transformação e para uma emancipação que se expanda para além do ambiente escolar.

Nesta definição, a palavra competência “envolve disposições atitudinais,


conhecimentos e capacidades para desenvolver autodeterminação, responsabilidade social e
consciência crítica” (RAYA, LAMB e VIEIRA, 2007, p.2). O trecho para se desenvolver diz
respeito ao entendimento da autonomia como um contínuo, ou seja, “diferentes níveis de

13
Grifo meu.
44

autogestão podem exercidos em diferentes momentos” (RAYA, LAMB e VIEIRA, 2007,


p.2). Como participante expressa que a autonomia “implica assumir um papel proativo e
interativo” (RAYA, LAMB e VIEIRA, 2007, p. 3). A participação autônoma, portanto, pode
ser autodeterminada, socialmente responsável ou criticamente consciente.
A participação autodeterminada refere-se a uma dimensão individual da autonomia,
destacando competências como “autoconhecimento, agência responsável, auto regulação, auto
direção” (RAYA, LAMB e VIEIRA, 2007, p. 3). A participação socialmente responsável
representa a dimensão social da autonomia, preocupando-se com elementos como “voz,
respeito pelos outros, negociação, cooperação, interdependência” (RAYA, LAMB e VIEIRA,
2007, p. 3). Por fim, a participação criticamente consciente entende que “a autonomia
comporta implicações morais e políticas e implica cultivar uma mente inquiridora e
independente” (RAYA, LAMB e VIEIRA, 2007, p. 3).
O quadro abaixo resume as três formas de participação autônoma mencionadas na
definição proposta por Raya, Vieira e Lamb (2007). Estas serão consideradas elementos da
autonomia do professor para propósitos de análise.

Elementos da autonomia do professor


Participação
Autodeterminada  Dimensão individual da autonomia.
 Diz respeito a competências como
autoconhecimento, agência
responsável e auto direção.
Socialmente responsável  Dimensão social da autonomia.
 Destaca competências como voz,
respeito pelos outros, negociação,
cooperação e interdependência.
Criticamente consciente  Dimensão moral da autonomia.
 Foca no desenvolvimento de mentes
questionadoras e independentes.
Quadro 2: Elementos da autonomia do professor com base na definição de autonomia de Raya, Lamb e Vieira
(2007)

Ao propor uma participação autônoma que acontece em (e para além) de ambientes


educativos, os autores entendem que “os espaços educativos formais podem e devem permitir
45

aos indivíduos exercer o direito de desenvolver a sua autonomia e, por conseguinte, promover
a aprendizagem ao longo da vida, tanto dentro como fora das instituições educativas” (RAYA,
LAMB e VIEIRA, 2007, p. 3).
A autonomia proposta guia-se por uma visão da educação como espaço de
emancipação (inter)pessoal e transformação social, compreendendo que

o desenvolvimento do aluno e do professor no sentido da autonomia parte do


pressuposto de que a educação é um fenómeno moral e político, cujo propósito é
transformar (em lugar de reproduzir) o ‘status quo’. Neste sentido, a autonomia é um
interesse coletivo orientado por ideais democráticos e emancipatórios (RAYA,
LAMB e VIEIRA, 2007, p. 3).

Através desta perspectiva de autonomia, Raya, Lamb e Vieira (2007, p.44) pretendem
situar a “autonomia profissional numa perspectiva social e política mais ampla”, promovendo
a interligação entre a autonomia do professor e do aluno. Compreende-se, portanto, que

a autonomia do professor (tal como a autonomia do aluno) pode ser vista como
uma competência relacional onde a autodeterminação é simultaneamente
constrangida e potenciada pela responsabilidade social, o que significa que o seu
crescimento assenta na interdependência entre o Eu e o Outro. Evolui através do
diálogo, direto ou mediado, com vozes significativas na comunidade educacional, da
negociação e do compromisso, da sensibilidade moral em relação a situações
problemáticas, da abertura à diversidade e à consciência crítica dos contextos, da
participação na tomada de decisões e da voz. Tudo isto está ao serviço da
emancipação (inter)pessoal e da transformação social. (RAYA, LAMB e
VIEIRA, 2007, p.46)14

Em vista disto, o desenvolvimento da autonomia do professor – assim como a do


aluno - acontece de forma interdependente, baseando-se na negociação e no diálogo
interpessoal. A tomada de decisões, portanto, passa a ser compartilhada, assim como o espaço
para as diversas vozes que podem fazer parte do contexto educacional. A autonomia, portanto,
se dá de forma reflexiva, levando em consideração as problemáticas a serem solucionadas
dentro de um contexto.
Raya, Lamb e Vieira (2007) propõem aos professores uma série de reflexões críticas
para desenvolver uma pedagogia para a autonomia, sem determinar um conjunto de regras
prescritivas. Afinal, “não pode haver uma ‘teoria prática’ da pedagogia para a autonomia que
abarque a diversidade de discursos e práticas que encontramos nas escolas” (RAYA, LAMB e
VIEIRA, 2007, p.46). A partir deste pensamento, propõem, então, quatro dimensões

14
Grifo meu.
46

principais de uma competência profissional que tem a função de facilitar a autonomia tanto de
professores como de seus alunos. Estas dimensões estão envoltas em observações baseadas na
autorreflexão sobre valores, crenças e disposições, assim como a autorreflexão sobre como
colocar esses elementos em prática e também a autorreflexão sobre ações profissionais e
agência.
Para melhor compreender do que se tratam essas dimensões, segue um quadro
explicativo e resumido, com base nas ideias de Raya, Lamb e Vieira
(2007), apresentando as principais intenções e reflexões sugeridas em cada uma destas. Estas
dimensões também serão utilizadas na análise, assim como os elementos da autonomia do
professor mencionados anteriormente.

Dimensões reflexivas para a autonomia do professor


Dimensões Características
 compreensão do seu papel e de seus
alunos como agentes de mudança
Construção de uma visão crítica da educativa e social;
educação.  visão do ensino como uma atividade de
questionamento, adotando uma posição
crítica com relação a programas,
manuais e materiais didáticos;
 promoção da mentalidade crítica dos
alunos, flexibilizando-os à diversidade
cultural.
 encorajamento do professor a reflexão
sobre atitudes como “desafiar rotinas e
convenções”(p.48), procurar a harmonia
entre tradição e inovação;
 buscar envolver os alunos no processo
Gestão de constrangimentos locais para a de busca por soluções no que diz
criação de espaços de manobra. respeito a sua aprendizagem, dividindo
“convicções e preocupações
pedagógicas” (p.48);
 “articular a dimensão pessoal da
47

aprendizagem (expectativas,
necessidades e interesses individuais)
com a natureza social e interativa da
cultura de aula e da escola” (p.48)
 fomentação da autoestima dos alunos;
 promoção de envolvimento dos alunos
no processo de experimentação,
Centralização do ensino na formulação de estratégias e tomada de
aprendizagem responsabilidades que envolvem a
aprendizagem (p.48-49).
 compartilhamento de “teorias, práticas e
preocupações com membros da
comunidade profissional”, convidando
Interação na comunidade profissional colegas de trabalho, membros da equipe
escolar e alunos para buscar melhorias e
trabalhar em conjunto;
 colocar questões para debate e
participar ativamente das
“problemáticas da escola e da educação
em geral” (p.49)
Quadro 3: Dimensões reflexivas sobre as competências profissionais do professor, voltadas para o
desenvolvimento da autonomia. (RAYA, LAMB e VIEIRA, 2007)

No quadro anterior, as palavras mudança, questionamento e pensamento crítico são


chave para a definição das dimensões reflexivas para a autonomia do professor. Assim, o
desenvolvimento da autonomia de professores através da promoção reflexiva suas
competências profissionais, apresenta a possibilidade de compreender a realidade do contexto
social e agir dentro de seus constrangimentos e oportunidades.
Deste modo, autonomia de professores possui diferentes facetas que englobam
questões individuais, sociais, políticas e facilitadoras de transformações. Neste ponto, é
importante retomar a definição de Nicolaides (2010), que propõe uma noção de autonomia
voltada tanto para o indivíduo autônomo, quanto para o contexto social no qual o mesmo se
insere. Esta visão de autonomia relaciona-se com a definição apresentada por Raya, Lamb e
Vieira (2007), já que visa também o desenvolvimento dos indivíduos para a fomentação de
48

uma sociedade melhor e mais justa (NICOLAIDES, 2010). Ou seja, um olhar mais atento para
o contexto social pode permitir uma participação mais ativa, responsável e crítica dos
membros da comunidade escolar, tendo como objetivo mudanças sociais significativas.
A autonomia de professores, portanto, pode ser compreendida como um processo de
desenvolvimento de competências tanto individuais quanto sociais que terão como objetivo
contínuo a promoção de mentes autodeterminadas, questionadoras e criticamente conscientes
- tanto as suas como a de seus aprendizes -, visando transformações sociais dentro e fora do
ambiente escolar.
Portanto, para melhor compreender o desenvolvimento da autonomia dos professores
no ambiente escolar é importante buscar um entendimento sobre suas crenças como
educadores. Desta forma, este trabalho tem como objetivo principal analisar as crenças de
professores de uma escola pública sobre seu papel de educadores em sua comunidade de
prática como membros autodeterminados, engajados socialmente e críticos, através de uma
visão da educação como meio de desenvolver emancipação e transformação social, buscando
compreender como estas crenças se relacionam com o desenvolvimento de sua autonomia.
Esta análise se dará a partir de dados gerados através de anotações em diário de pesquisa,
entrevistas individuais, observação de conselho de classe e sessão de discussão entre os
professores, como será observado no capítulo seguinte dedicado à metodologia.
49

4 METODOLOGIA

Neste capítulo serão apresentados os pressupostos metodológicos que guiam esta


pesquisa, destacando sua natureza, objetivos e perguntas, bem como a descrição do contexto,
dos participantes de pesquisa, dos instrumentos utilizados na geração de dados e das
categorias de análise.

4.1 NATUREZA E OBJETIVOS DA PESQUISA

Nesta seção, descreverei os princípios e objetivos que permeiam este trabalho.

4.1.1 NATUREZA DA PESQUISA

Esta é uma pesquisa qualitativa, que se enquadra no paradigma interpretativista e se


utiliza de alguns princípios etnográficos, como explicitarei adiante.
A pesquisa qualitativa entende que “o significado é socialmente construído”
(CROKER, 2009, p.7) e tem como foco os participantes e em como estes “vivem e interagem
com um fenômeno em um determinado período e em um contexto específico”. (CROKER,
2009, p.7). Ou seja, uma pesquisa qualitativa busca “entender, interpretar fenômenos sociais
inseridos em um contexto” (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 34). Assim, nesta perspectiva,
“o pesquisador está interessado em um processo que ocorre em um determinado ambiente e
quer saber como os atores sociais envolvidos nesse processo o percebem, ou seja, o
interpretam” (BORTONI-RICARDO, 2008, p.34).
O paradigma interpretativista também acredita que “as realidade sociais são
construídas por seus participantes em seus enquadres sociais” (BRUNO, 2013, p.75).
Portanto, para entender estas realidades,

os pesquisadores interpretativistas interagem e conversam com os participantes


dessa realidade a respeito de suas próprias percepções, sem tentar equacionar
ou generalizar essas percepções e normatizá-las, mas, sim, com a declarada
intenção de procurar a diversidade de perspectivas. A tarefa de pesquisa de um
interpretativista consiste em entender e interpretar como os diferentes participantes
de uma dada realidade constroem significados para o mundo que habitam. Para
tanto, o pesquisador deve ter acesso a essas múltiplas perspectivas acerca dos
eventos estudados. Aqui, o pesquisador torna-se o principal instrumento de
pesquisa ao observar, fazer perguntas e interagir com os participantes
estudados. O interesse maior concentra-se no papel da subjetividade no processo de
pesquisa. No entanto, o que não pode escapar ao investigador é que seu tema
50

central será sempre a vida humana, a experiência humana da existência.


(BRUNO, 2013, p.75-76)

Desta forma, o paradigma interpretativista concebe que as percepções dos


participantes da pesquisa são essenciais para o entendimento da realidade social na qual se
inserem, trazendo para o trabalho diferentes perspectivas. Neste caso, o papel do pesquisador
torna-se essencial ao lidar com os instrumentos de pesquisa de forma a trabalhar com os dados
de maneira a valorizar sempre a experiência humana.
Isto posto, com base no paradigma interpretativista, os seguintes princípios
etnográficos serão utilizados como base para esta pesquisa: a visão êmica dos participantes, a
reflexividade, e a triangulação dos dados.
A visão êmica refere-se à necessidade de co-construir uma visão da pesquisadora em
conjunto com a dos participantes da pesquisa para chegarmos o mais próximo possível de
como eles realmente entendem a realidade na qual estão inseridos. Ou seja, “o olho do
observador interfere no objeto observado” (BORTONI-RICARDO, 2008, p.58), já que a
bagagem cultural dos pesquisadores pode influenciar no processo de interpretação da
realidade. Este pressuposto fica evidente na utilização dos instrumentos de pesquisa, que
destacam tanto a voz da pesquisadora como, e principalmente, a dos professores participantes.
Estes instrumentos foram: entrevistas, observação de reuniões de conselho de classe, sessão
de discussão com os professores e diário de pesquisa. Este princípio também é
complementado pela triangulação de dados, que será descrita mais adiante.
A questão da reflexividade diz respeito às crenças do pesquisador em relação ao
ambiente que ele pretende investigar, ou seja, aceita-se “o fato de que o pesquisador é parte
do mundo que ele pesquisa” e também “membro de uma sociedade e de uma cultura”
(BORTONI-RICARDO, 2008, P.58). Ou seja, “o pesquisador não é um relator passivo e sim
um agente ativo na construção do mundo” (BORTONI-RICARDO, 2008, P.59). Isto é, as
ideias, crenças, impressões e reflexões da pesquisadora sobre o contexto pesquisado, bem
como sobre os dados gerados, são relevantes para o entendimento da pesquisa. Desta forma, a
pesquisadora tem um papel ativo no processo, trazendo consigo sua bagagem cultural e seu
sistema de crenças.
Por fim, a triangulação dos dados gerados consiste em comparar e contrastar os dados
para melhorar nosso entendimento em relação à realidade social analisada. Assim sendo, o
pesquisador precisa “reunir registros de diferentes naturezas” (BORTONI-RICARDO, 2008,
P.61) para construir a triangulação de dados. Nesta pesquisa, a triangulação acontece através
51

da utilização de diferentes instrumentos, permitindo o cruzamento de diferentes perspectivas


em diferentes momentos da pesquisa.
Logo, com base nos princípios interpretativistas de nos pressupostos etnográficos
apresentados anteriormente, apresento a seguir o objetivo geral desta dissertação, seguido
pelos objetivos específicos e perguntas de pesquisa.

4.1.2 OBJETIVO GERAL DA PESQUISA

Por entender a autonomia do professor é um construto sociocultural que vai além do


ensinar propriamente dito, se estendendo para além do ambiente escolar e visando a promoção
de transformação social, tomo a definição de autonomia proposta por Raya, Lamb e Vieira
(2007) como base para a definição dos objetivos, perguntas e categorias de análise para esta
pesquisa. Nesta perspectiva, a autonomia baseia-se no desenvolvimento de competências que
visem uma participação proativa, responsável, cooperativa e voltada para questões sociais e
morais, referindo-se a uma visão de educação “como espaço de emancipação (inter) pessoal e
transformação social” (RAYA, LAMB e VIEIRA, 2007, p.2).
O objetivo geral desta pesquisa é, portanto, analisar quais são as crenças de
professores de uma escola pública da cidade do Rio de Janeiro sobre seu papel de educadores
em sua comunidade de prática como membros autodeterminados, engajados socialmente e
críticos, através de uma visão da educação como meio de desenvolver emancipação e
transformação social, buscando compreender como estas crenças se relacionam com o
desenvolvimento de sua autonomia.
Ao apontar a autonomia como um construto em desenvolvimento, é importante
ressaltar que esta pesquisa não tem o intuito de determinar um grau de autonomia para os
professores participantes ou dizer se são autônomos ou não. O propósito é compreender como
a autonomia dos mesmos se desenvolve (ou não) no contexto estudado, levando em
consideração fatores socioculturais, como as implicações do meio escolar em questão; as
possibilidades de agência, interação e cooperação; e as crenças, identidades e emoções dos
professores participantes.
Desta forma, para buscar uma compreensão melhor do desenvolvimento da autonomia
dos professores participantes no contexto escolar estudado, esta pesquisa analisará as crenças
dos mesmos, levando em consideração seu dinamismo e sua correlação com suas emoções e
identidades.
52

Com foco em crenças e autonomia e visando aprofundar o objetivo de pesquisa,


portanto, na próxima seção, serão apresentados as perguntas e objetivos específicos desta
dissertação.

4.1.3 PERGUNTAS DE PESQUISA E OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Com o propósito de aprofundar a análise proposta no objetivo geral, delimitei as


seguintes perguntas norteadoras:

1- Como as crenças de professores sobre seu papel na escola mostram-se relacionadas


com o desenvolvimento de uma autonomia como caminho para uma participação
autodeterminada, socialmente responsável e criticamente consciente? Como essas
crenças extrapolam os ambientes pedagógicos como espaço para emancipação
interpessoal e transformação social dos participantes neles inseridos (professores e
alunos)?
2- Como essas crenças em direção ao desenvolvimento de autonomia dos professores se
refletem em ações práticas do dia a dia escolar? Quais as reações e soluções
encontradas pelos professores perante as dificuldades que surgem nesse ambiente? Em
que medida esses obstáculos os impedem de levar a cabo seus objetivos como
educadores?

A partir destas perguntas, apresento os seguintes objetivos específicos:

1- Analisar a relação entre as crenças dos professores e o desenvolvimento de uma


autonomia como caminho para uma participação autodeterminada, socialmente
responsável e criticamente consciente, buscando entender se estas crenças vão além do
ambiente escolar por visarem a emancipação interpessoal e a transformação social de
professores e alunos;
2- entender a relação entre as crenças dos professores e suas atuações práticas, expressas
por suas ações e reações às dificuldades e obstáculos que enfrentam para atingir seus
objetivos em seu ambiente de trabalho.
Apresentados os objetivos geral e específicos de pesquisa, assim como suas perguntas
norteadoras, na próxima seção será apresentando em mais detalhes o contexto estudado.
53

4.2 CONTEXTO DE PESQUISA

A pesquisa foi realizada em uma escola municipal na Zona Norte15 da cidade do Rio de
Janeiro que abriga desde a educação infantil até o sexto ano do ensino fundamental. É
importante ressaltar que a última série faz parte do projeto “sexto ano experimental”, no qual
as aulas de Português, Matemática, Ciências, História e Geografia são ministradas por PII
(professores de primeiro a quinto anos, formados em pedagogia ou com formação em ensino
médio Normal), enquanto as aulas de inglês, educação física e artes são ministradas por PI
(professores licenciados nas respectivas áreas).

A escola foi fundada na década de 70 e possui salas de educação infantil e


fundamental, sala de leitura, sala de informática, auditório e cozinha experimental. A
instituição sofreu uma reforma recentemente, porém, a obra não foi finalizada pela prefeitura,
deixando a desejar em diversos aspectos de acabamento e obrigando a equipe escolar a ocupar
algumas salas de aula para abrigar sala dos professores, diretoria e coordenação.

De acordo com o Projeto Político Pedagógico da escola, a maioria dos alunos é de


baixa renda e vive em comunidades e em moradias precárias. O PPP ainda indica que os
alunos vivem uma realidade extremamente dura, na qual sofrem com a desestruturação dos
lares, carência de afeto, de orientação e apoio de familiares, falta de perspectiva de vida,
convivência com situações de risco e violência, e problemas de saneamento.

A escola define em seu PPP o objetivo de “construir uma educação que atenda às
necessidades dos alunos, valorizando todos os envolvidos no processo de ensino e
aprendizagem, democratizando o saber, despertando o prazer de aprender, de ler e de
pesquisar”. Dentro deste objetivo, um dos princípios destacados é a construção do indivíduo
“que respeite a individualidade, seja autônomo, capaz de invenção e progresso, digno e
solidário e consciente de seu contexto histórico”.

A escolha deste contexto de pesquisa aconteceu, primeiramente, por um motivo


pessoal já descrito nas considerações iniciais, que foi a minha convivência de perto com
professores da rede pública de ensino desde minha infância. Em segundo lugar, escolhi
desenvolver a pesquisa em uma escola próxima do local aonde sempre vivi, para tentar
compreender melhor a realidade que está ao meu redor. Outro motivo, mais especificamente
para a escolha de uma escola pública, foi a tentativa de contemplar a vivência de professores
15
O nome da escola não será citado para preservar a identidade dos participantes.
54

que trabalham em um sistema frequentemente criticado pela opinião pública e que sofre com
diversas dificuldades, dentre elas a carência de recursos das próprias escolas, mas também a
carência enfrentada pelos aprendizes que as frequentam.

É relevante, portanto, dar voz a esses professores e evidenciar a realidade escolar que
pode (e vai) além dos fatores negativos, como precariedade do ambiente físico da escola,
problemas médicos dos alunos que interferem em seu desempenho escolar, falta de suporte
dos órgãos governamentais, dentre outros. Ao colocar em evidência as crenças dos
professores, é possível perceber uma energia direcionada para a superação destas dificuldades,
proveniente de uma conscientização e aproximação com a realidade que vivenciam
rotineiramente.

Esta pesquisa, por adotar o princípio etnográfico da visão êmica, valoriza a visão dos
participantes, bem como suas crenças, identidades e emoções. Portanto, com o objetivo de
destacar estes elementos, a próxima seção é dedicada à descrição dos professores participantes
desta pesquisa.

4.3 PARTICIPANTES

Os participantes desta pesquisa foram sete professores de ensino fundamental:


HUGO16, professor de educação física; RÔMULO, de inglês; RITA, de sala de leitura;
TÂNIA e SANDRA, de alfabetização; e CRISTINA e MARIA, de Ensino Fundamental I.
Estes foram os professores que se voluntariaram para participar da pesquisa.
Por entender que as identidades e histórias de vida dos professores participantes desta
pesquisa são de extrema importância para a compreensão de suas crenças, atuação e
autonomia, faz-se necessário conhecer um pouco da trajetória e das características de cada um
dos professores envolvidos na pesquisa.
HUGO é um professor de educação física de 59 anos que trabalha como professor há
34 anos, sendo 11 anos na escola em questão. Decidiu por esta profissão por causa de uma
atitude inspiradora de um professor que teve em sua época escolar. Hugo relatou em sua
entrevista que perdeu a mãe quando era adolescente (tinha por volta de 13 anos) e por esta
razão passou por problemas financeiros, não podendo nem mesmo comprar o uniforme
necessário para as aulas de educação física. O professor da disciplina resolveu ajudá-lo,
16
Os nomes de todos os participantes da pesquisa foram modificados para preservar suas identidades.
55

doando o uniforme e o encorajando a continuar as aulas. HUGO disse que naquele momento
pensou: “quando eu crescer quero ser igual a esse cara, ajudar as pessoas” (dados da
entrevista realizada em 28 de maio de 2014). Ele explica que gosta muito da profissão e que a
entende como sua verdadeira vocação, mesmo com todas as dificuldades da carreira.

RÔMULO tem 29 anos e leciona a disciplina de língua inglesa há mais de dez anos.
Ele relatou que iniciou na profissão trabalhando de forma voluntária em uma ONG e
posteriormente em cursos particulares, iniciando no ensino público há cerca de cinco anos.
Rômulo explicou que uma de suas frustrações é a falta de interesse dos alunos e que já pensou
algumas vezes em mudar de carreira.

RITA tem 53 anos, dos quais dedicou 22 ao trabalho em escolas públicas do


município, sendo 20 destes na escola atual. A professora relatou ter decidido pela carreira
quando estava no ensino fundamental e teve uma professora que admirava muito. Atualmente
trabalha prioritariamente com sala de leitura.

TÂNIA tem 56 anos e trabalha como professora há 30 anos, sendo 12 destes na escola
pesquisada. Ela relatou que sempre quis ser professora desde jovem e, por isso fez curso
normal. No momento ela trabalha com turmas de alfabetização e realfabetização17 e ressalta a
importância de estimular a autoestima de seus aprendizes.

SANDRA tem 38 anos e está na carreira de magistério há 19 anos, desde que terminou
seu curso normal, sendo dois anos na escola atual. Recentemente se formou em língua
portuguesa, mas afirma que sua maior motivação é trabalhar com turmas de alfabetização.
Recentemente ela sofreu algumas decepções com a profissão por ter recebido ameaças de
alunos e mães de alunos.

CRISTINA tem 49 anos e diz ter escolhido essa profissão por querer ajudar a quem
teve uma origem como a dela. Filha de mãe semianalfabeta e pai analfabeto, ela teve que se
esforçar muito e pedir ajuda de vizinhos com seus estudos. CRISTINA trabalha por cerca de
20 anos como professora.

17
O projeto de realfabetização faz parte do Projeto de Reforço Escolar na Prefeitura do Rio de Janeiro e tem
como objetivo a realfabetização de alunos que mesmo tendo avançado nos anos escolares, são analfabetos
funcionais.
56

MARIA tem 48 anos, trabalha há 30 anos em escolas públicas. Ela diz que nunca se
imaginou em outra profissão e acredita que mesmo diante de todas as dificuldades que
enfrentam, a maioria dos professores se dedica e tenta fazer o seu melhor.

Neste segmento, portanto, foram apresentando os professores participantes desta


pesquisa, com o objetivo de conhecer um pouco de sua história, bem como de suas
identidades.
Na seção a seguir, serão explorados os procedimentos e instrumentos utilizados para a
geração de dados, justificando suas escolha e relevância para o presente trabalho.

4.4 GERAÇÃO DE DADOS

Os dados da presente pesquisa foram gerados durante o ano de 2014, tendo início no
dia 28 de maio de 2014 e se estendendo até 18 de dezembro de 2014. Primeiramente, foi
pedida a autorização da diretora da escola, que conversou com os professores, caso
desejassem se voluntariar para participar da pesquisa. Sete professores decidiram contribuir
com as entrevistas e com a sessão de discussões, enquanto o restante dos professores não se
opôs à minha presença e à gravação em áudio dos conselhos de classe. Os professores
participantes assinaram um consentimento autorizando a utilização dos dados de pesquisa
(ANEXO 6).
A geração de dados foi dividida em três etapas, sendo estas:

1- entrevistas semiestruturadas individuais gravadas em áudio com os sete professores


participantes;
2- observação e gravação em áudio de duas reuniões de conselho de classe;
3- sessão de discussão coletiva com cinco dos professores participantes.

Estas etapas foram levadas em concomitância com meu diário de pesquisa que
continha anotações, observações e reflexões sobre todo o processo de pesquisa.

4.4.1 ENTREVISTAS

As entrevistas individuais com os sete professores foram gravadas em áudio no dia 28


de maio de 2014 e transcritas posteriormente. O modelo utilizado foi o de entrevista
57

semiestruturada. Ou seja, havia perguntas pré-estabelecidas, porém estas poderiam ser


flexibilizadas e expandidas de acordo com as respostas dos entrevistados, com o objetivo de
buscar esclarecimentos.

Nesta etapa, os professores responderam individualmente às seguintes perguntas: 1-


Conte-me um pouco de sua trajetória profissional; 2- Em que você se baseia para planejar
suas aulas? ; 3- Você costuma conversar com seus colegas quando planeja suas aulas?; 4-
Você sente que tem liberdade para desenvolver o planejamento de suas aulas?

A utilização deste instrumento de pesquisa permite uma maior flexibilidade, “podendo


o entrevistador repetir ou esclarecer perguntas, formular de maneira diferente; especificar
algum significado, como garantia de estar sendo compreendido”, assim conseguindo
“informações mais precisas, podendo ser comprovadas, de imediato, as discordâncias”
(MARCONI e LAKATOS, 2003, p.198).
Através das entrevistas, os participantes tiveram a oportunidade de contar suas
experiências, realizando

“o trabalho de reorganizá-las, conferindo atualidade a eventos ocorridos há algumas


horas ou há minutos do momento da narração. O ato de narrar constitui, assim, um
retorno à experiência, mas não é a experiência; a narração está condicionada ao
contexto, às pessoas nele envolvidas e tem um fim determinado. No entanto, ao
contar sua experiência, o narrador possibilita a si e aos que estão ao seu redor a
pensarem sobre ela”. (SANTOS, 2013, p.30)

Desta forma, as entrevistas tiveram como objetivo a aproximação com os professores


participantes, promovendo uma compreensão melhor sua trajetória de vida, como
desenvolvem seu trabalho e sua relação e interação com os outros membros da comunidade
escolar.

As entrevistas foram uma oportunidade para iniciar as reflexões levantadas durante a


pesquisa, sendo possível perceber como os professores se relacionam suas práticas escolares
rotineiras e como entendem sua trajetória profissionais, assim como seu papel e seus objetivos
como professores.

4.4.2 OBSERVAÇÃO DE CONSELHOS DE CLASSE

Duas reuniões de Conselho de Classe foram observadas, gravadas em áudio e


transcritas posteriormente. A primeira reunião aconteceu no dia 11 de junho de 2014 e a
58

segunda no dia 17 de setembro de 2014. Durante essas reuniões, professores, coordenação e


direção discutem sobre as turmas e os alunos, debatendo estratégias para sanar os desafios
encontrados no ambiente escolar. Também conversam sobre aspectos práticos e
organizacionais, tomando decisões sobre os eventos e a rotina da escola.

A observação “é um elemento básico de investigação científica” (MARCONI e


LAKATOS, 2003, p.191), possibilitando o estudo mais amplo de fenômenos e
comportamentos, e permitindo a “evidência de dados não constantes do roteiro de entrevistas
ou de questionários” (MARCONI e LAKATOS, 2003, p.191). ,
Desta forma, este instrumento de pesquisa permite uma observação mais ampla e
espontânea das interações que acontecem no ambiente escolar. Dentro do princípio da
reflexividade, admitindo que a presença da pesquisadora modifica o meio pesquisado de
alguma maneira, mesmo assim, a observação possibilita perceber as crenças dos professores
de acordo com os assuntos, problemas e questões que surgem no decorrer das reuniões de
conselho de classe.
A observação dos conselhos de classe foi uma oportunidade entender melhor as
interações entre os professores e como lidam com problemas e situações cotidianas. Também
contribuiu para uma melhor compreensão de suas crenças, emoções e atitudes a partir de suas
ações e comentários.

Durante estas reuniões, foi possível observar como os professores exercem sua
autonomia tanto de forma autodeterminada como na interação com a comunidade de prática e
com os membros da mesma. Ficaram evidentes nestas observações, as vozes e as
possibilidades e constrangimentos em relação a seu empoderamento como professores.

4.4.3 SESSÃO DE DISCUSSÃO COM OS PROFESSORES

No dia 18 de dezembro de 2014, foi feita uma sessão de discussão com os professores,
com o objetivo de entender melhor suas crenças sobre seu papel no ambiente escolar. Esta
discussão foi gravada em áudio e transcrita posteriormente, e girou em torno das seguintes
palavras: professor, escola e aluno. As palavras foram apresentadas e eles tiveram que discutir
entre si o que estas significavam para eles, assim como que ideias vinham as suas mentes ao
pensarem nessas palavras.
59

Durante a sessão, interferi eventualmente para fazer algumas poucas perguntas ou para
apresentar a palavra seguinte a ser discutida. Na grande maioria do tempo, os professores
conversaram entre si, explicitando suas crenças a respeito das questões que envolvem as três
palavras discutidas.
Este instrumento de pesquisa enquadra-se no pressuposto etnográfico da visão êmica,
buscando valorizar a voz dos participantes. Portanto, a sessão de discussão foi útil para
explorar o entendimento dos professores sobre seu papel na comunidade de prática escolar,
afinal, ao exporem suas opiniões e pensamentos sobre as palavras professor, escola e aluno,
deixaram aflorar suas crenças e emoções, que nos permitem entender melhor sua relação com
o atual cenário educacional e com o seu papel como educadores.

4.4.4 DIÁRIO DE PESQUISA

O diário de pesquisa foi mantido desde o início da mesma, como objetivo de anotar
minhas impressões sobre todo o processo. Nele foram registradas minhas impressões sobre a
escola, os professores e os acontecimentos com os quais me deparei no decorrer da pesquisa,
além de minhas reflexões sobre os rumos da pesquisa.
A utilização deste instrumento permitiu desenvolver a reflexividade, entendendo que a
bagagem cultural da pesquisadora que interfere em sua forma de enxergar o mundo ao redor.
Portanto, o diário de pesquisa foi utilizado tanto para registrar minhas impressões, mas
também como fonte de reflexão sobre minhas ideias e sobre todo o processo de pesquisa.

4.5 CATEGORIAS DE ANÁLISE

Nesta seção, serão definidas as categorias de análise, que têm como base,
primeiramente, os dados gerados durante a pesquisa, ou seja, as crenças e atitudes de
professores que surgiram no decorrer da investigação. Em concomitância, consideram-se
também os seguintes elementos: a definição de autonomia e as dimensões reflexivas –
direcionadas ao professor - de competência profissional visando a autonomia, ambas
apresentadas por Raya, Vieira e Lamb (2007). Por esta razão, estão intimamente conectadas
com as perguntas e objetivos de pesquisa.
A definição proposta pelos autores engloba uma autonomia que tem como objetivo
promover a emancipação (inter)pessoal e a transformação social dentro e fora do ambiente
60

escolar, através do desenvolvimento de competência que permitam uma participação


autodeterminada, socialmente responsável e criticamente consciente (RAYA, LAMB e
VIEIRA, 2007). Como forma de desenvolver uma pedagogia que favoreça essa autonomia, os
autores propõem quatro dimensões reflexivas direcionadas para a atuação do professor:
construção de uma visão crítica da educação, gestão de constrangimentos locais para a criação
de espaços de manobra, centralização do ensino na aprendizagem e interação na comunidade
profissional (RAYA, LAMB e VIEIRA, 2007, p. 48-49).
As categorias de análise, portanto, foram desenvolvidas a partir da observação das
possibilidades apresentadas pelos dados gerados na pesquisa em concomitância com
elementos provenientes da definição de autonomia e das dimensões reflexivas propostas por
Raya, Lamb e Vieira (2007).
Assim, as categorias de análise adotadas neste trabalho são: adaptação; consciência
social e empatia; cooperação; e transformação. Cada categoria busca estabelecer uma relação
com a autonomia e pode ter ligação com um ou mais conceitos, sendo importante observar
que estas não são fechadas, se entrelaçando e apresentando frequentemente características em
comum. Portanto, os dados serão acomodados nas categorias com as quais encontrem mais
afinidade, suscitando eventualmente diálogos com as demais.
Em seguida, apresentarei uma breve descrição das categorias de análise, destacando os
principais elementos relacionados às mesmas, que serão exploradas de forma mais
aprofundada no capítulo de análise, com a ilustração dos dados gerados.

4.5.1 ADAPTAÇÃO

A categoria adaptação relaciona-se principalmente com os seguintes elementos:


participação autodeterminada, participação socialmente responsável, participação criticamente
consciente, construção de uma visão crítica da educação, gestão de constrangimentos para a
criação de espaços de manobra.
Portanto, a categoria adaptação refere-se à busca de uma maior compreensão da
realidade, evitando negá-la, e assim, buscando fazer algo para modifica-la. Nesta categoria,
será possível observar crenças e atitudes de professores que buscam adaptar-se de forma
consciente à realidade da comunidade de prática na qual estão inseridos, expressando, por
exemplo, uma visão crítica de materiais e cronogramas utilizados. Sua autonomia, portanto, se
expressa através de sua agência diante da realidade na qual se encontram.
61

4.5.2 CONSCIÊNCIA SOCIAL E EMPATIA

Esta categoria tem a intenção de explorar crenças e atitudes que se refiram a:


participação socialmente responsável e a centralização do ensino na aprendizagem.
Neste caso, a autonomia tem a ver com as relações humanas estabelecidas dentro do
ambiente escolar, compreendendo a importância da qualidade nas interações. Os conceitos
chave desta categoria estão conectados ao respeito mútuo, tratando a educação como uma
atividade humana.
Desta forma, as crenças evidenciadas nesta categoria revelam uma autonomia voltada
para atitudes que vão além do trabalho de ‘ensinagem’, destacando elementos como
afetividade, respeito pelo aprendiz e valorização de sua autoestima e consciência da realidade
social.

4.5.3 COOPERAÇÃO

Nesta categoria estão presentes os elementos: participação autodeterminada,


participação socialmente responsável e interação na comunidade profissional.
A autonomia neste sentido refere-se ao compartilhamento de experiências e
preocupações profissionais dentro do ambiente escolar, favorecendo a interação entre colegas
de trabalho e entendendo o potencial transformador que estes diálogos possuem.
As crenças evidenciadas nesta categoria dizem respeito à autonomia de professores
sob uma perspectiva colaborativa. Os participantes parecem buscar construir em conjunto,
valorizando as trocas e a interação na comunidade de prática em que atuam.

4.5.4 TRANSFORMAÇÃO

O foco maior desta categoria está nos seguintes elementos: participação


autodeterminada, participação socialmente responsável, participação criticamente consciente e
interação na comunidade profissional.
O objetivo é explorar as crenças e atitudes dos professores que demonstram como os
mesmos enfrentam as dificuldades com as quais se deparam em sua rotina. Portanto, a
autonomia expressa nesta categoria tem o intuito de demonstrar a possibilidade de ação,
mesmo diante de dificuldades e impedimentos, com o intuito de trazer transformações para a
realidade na qual estão inseridos.
62

As crenças que se encaixam nesta categoria decorrem do conflito entre as restrições


que os professores encontram em sua rotina de trabalho e a maneira como lidam com esses
constrangimentos. A autonomia evidenciada nessas crenças demonstra a atitude de resistência
e resiliência dos professores, corroborando com a visão de educação emancipatória e
promotora de transformações.

Desta forma, este capítulo teve como objetivo descrever os percursos metodológicos
desta pesquisa. Na primeira seção, foram delimitados os objetivos, natureza e perguntas de
pesquisa. Em seguida, na segunda seção, foi feita a descrição do contexto. A terceira seção foi
dedicada a caracterização dos participantes, contando um pouco de sua trajetória. Os
procedimentos e os instrumentos utilizados para a geração de dados foram detalhados na
quarta seção. Na última seção, foram especificadas as categorias de análise e como elas se
relacionam com as perguntas de pesquisa. Estes procedimentos e percursos serviram de guia
para o próximo capítulo, que é dedicado à análise de dados.
63

5 ANÁLISE DE DADOS

Este capítulo tem como objetivo apresentar e analisar os dados, de maneira a dialogar
com as teorias que fundamentam esta pesquisa e entender como as crenças de professores
sobre seu papel no ambiente escolar se relaciona com a autonomia dos mesmos. Essa relação
será analisada de acordo com as crenças e ações (BARCELOS, 2006) apresentadas nos dados,
tendo como fundamento, a definição de autonomia proposta por Raya, Lamb e Vieira (2007) e
as reflexões propostas pelos mesmos autores aos professores com vistas à promoção de uma
pedagogia para a autonomia. A intenção é observar como as crenças dos professores se
relacionam com os seguintes elementos provenientes destas teorias: participação
autodeterminada, participação socialmente responsável e participação criticamente consciente,
assim como, construção de uma visão crítica da educação, gestão de constrangimentos locais
para a criação de espaços de manobra, centralização do ensino na aprendizagem e interação na
comunidade profissional. Todos estes elementos estão permeados por uma visão de educação
promotora da autonomia dos participantes da comunidade em questão, que tem como
propósito a emancipação (inter) pessoal e a transformação social, alcançando horizontes para
além do ambiente escolar.

A partir dos dados gerados, quatro categorias foram geradas, as quais relacionam-se
com as crenças e atitudes autônomas dos professores observadas durante a pesquisa. Estas
são: adaptação, empatia, cooperação e transformação. Cada uma das categorias está conectada
a um ou mais dos elementos supracitados, como será possível observar na análise dos dados
nas sessões deste capítulo.

5.1 ADAPTAÇÃO

Os dados destacados nesta sessão têm como objetivo evidenciar as crenças e atitudes
de professores que se relacionam com uma autonomia voltada para a adaptação consciente
perante a realidade encontrada na comunidade de prática observada. Freire (1996, p.19)
afirma que “como consciência presente no mundo não posso escapar à responsabilidade ética
do meu mover-me no mundo”. Deste modo, os dados aqui observados destacam um
64

movimento consciente, entendendo que professores podem ser agentes de mudança (RAYA,
LAMB e VIEIRA, 2007, p.6).

Os elementos de autonomia presentes nesta categoria são: participação


autodeterminada, participação socialmente responsável, participação criticamente consciente,
construção de uma visão crítica da educação, gestão de constrangimentos para a criação de
espaços de manobra.

No decorrer da pesquisa, alguns professores expressaram uma preocupação em


comum com a maneira como estruturam suas aulas e lidam com o material didático disponível
e com os desafios que se apresentam na sala de aula, demonstrando uma atitude crítica com
relação ao planejamento de suas aulas. Vejamos o excerto de entrevista a seguir.

Excerto 1- entrevista individual do dia 28/05/2014

RÔMULO: Então, o material deles é bom. Nosso material é feito pela Cultura18, a mesma
empresa que faz o livro da Cultura faz o livro da Prefeitura. É ótimo, só que não condiz com
a realidade dos alunos. Você chega num quinto ano, a maioria, 80% dela já sabe o que é
beijar na boca e além, você vai ficar falando pra ela do coelhinho da Alice que tá atrasado?,
Que o sol está feliz?, não condiz, entendeu?

No excerto 1, o professor RÔMULO comenta sobre o material didático de língua


inglesa, que ele considera bom, mas que não condiz com a realidade e com a maturidade dos
alunos. Por esta razão, ele procura adaptar o material e trazer novas possibilidades para poder
aproximar o aluno e trazer a sua atenção, como é possível observar no excerto a seguir.

No próximo excerto, RÔMULO questiona o cronograma escolar proposto pela


Prefeitura, afirmando buscar alternativas para aproximar seus alunos.

Excerto 2- entrevista individual do dia 28/05/2014

RÔMULO: Sinceramente, eu não penso assim, eu tenho que dar o cronograma que lá em
cima quer. Eu tenho que dar o que vai servir pro meu aluno. Eu já fui aluno um dia, então
assim, de que adianta o carinha, ele já vem pra escola ‘p’ da vida porque tem que vir pra
escola, que a maioria é assim, eu tento aproximá-lo pra que ele não crie um problema maior
na sala de aula, pra não atrapalhar tanto o colega do lado.

18
Cultura Inglesa, curso de idiomas.
65

Neste excerto, então, o professor RÔMULO continua a falar de sua preparação de


aulas, demonstrando sua preocupação com o cronograma e sua adequação às necessidades
reais do aluno. Ao relembrar suas experiências, ele demonstra empatia com seus aprendizes,
entendendo a necessidade de atuar de forma proativa e trazer algumas adaptações para o
cronograma e para os materiais utilizados em sala de aula.

No excerto 3, a seguir, RÔMULO continua relatando sua relação com os materiais


didáticos que traz para suas aulas. Desta vez, apresenta a vontade de trazer atividades
diferenciadas, aos quais os alunos, a princípio, não teriam acesso.

Excerto 3 – entrevista individual do dia 28/05/2014

RÔMULO: Às vezes eu pego o material do curso, trago. Porque ‘ah, a gente não sabe falar’,
mas uma coisa ou outra, pra falar é fácil, por exemplo, eles adoram quando começa a falar
nomes de fruta ou de comida. Então, eu procuro incentivar eles a falarem.

Ao trazer materiais de fora, de cursos de inglês particulares, para suas aulas,


RÔMULO exibe uma atitude positiva estimulando seus alunos a falarem algumas palavras e
não os subestimando.

RÔMULO evidencia em sua fala a crença de que os conteúdos explorados na sala de


aula precisam ser remodelados e, principalmente, adaptados, para que se integrem às
necessidades dos indivíduos daquela comunidade de prática. Suas crenças, portanto, revelam
uma participação ao mesmo tempo autodeterminada e socialmente responsável. O professor
apresenta ainda uma visão crítica de sua prática, ao não menosprezar a capacidade de seus
aprendizes, estimulando-os e expondo-os a novas possibilidades.

Nas turmas de realfabetização, o trabalho de adaptação precisa ser constante. A


professora TÂNIA demonstra cuidado ao desenvolver suas aulas, destacando, assim como
RÔMULO, a inadequação do material para os propósitos e objetivos a serem alcançados com
suas turmas, como se observa no excerto a seguir.

Excerto 4 – entrevista individual do dia 28/05/2014

TÂNIA: A criança, quando ela passa da idade de ser alfabetizada, ela se torna uma criança
muito desinteressada. Então você realmente tem que arrumar outras maneiras de poder
chamar atenção, diferente daqueles cinco anos que ele já viu, entendeu? Quer dizer, então o
livro didático ele não funciona. A apostila ela já vem prontinha e coisa e tal. Só que você tem
66

que dar outros exercícios por fora né. Exercícios de alfabetização mesmo. ‘Olha aqui cara, b
com a é bá, l com a é lá’, bem método tradicional mesmo, pra que ele possa entender a
sequência e possa ler. Não adianta você vir com sonzinho, método fônico, a coisa da
abelhinha. Não adianta. A historinha do A. O A foi dar a mão ao I, e coisa e tal. Não adianta.

Neste excerto 4, ao dizer que os alunos passaram da idade de serem alfabetizados,


TÂNIA expõe sua crença de que existe uma idade para que a alfabetização aconteça. Ela é
categórica ao dizer que o material não funciona, já que acredita que o método não é adequado
para a idade e o conhecimento de mundo dos alunos. Entretanto, ela demonstra compreender
o perfil de seus alunos, reforçando que estes precisam ser motivados a aprender de maneiras
diferentes do que já foram expostos durante o tempo em que estiveram na escola.

RÔMULO também trabalha com as turmas de realfabetização, e tem uma crença


parecida sobre os livros didáticos disponíveis. Ele não acredita ser possível usar os livros de
outras séries com turmas de realfabetização, por estes não atendem aos interesses dos
aprendizes. Vejamos o excerto a seguir.

Excerto 5 – entrevista individual do dia 28/05/2014

RÔMULO: Nos projetos eles não tem livros. Eu acho injusto, no caso o Realfa, eles são
semialfabetizados. Pô, vou trazer um livro pra eles, de primeiro ano, segundo ano, o cara vai
tacar o livro na minha cabeça. Então não, prefiro eu montar o material com eles. Uso
quadro, trago uma folha, ‘vambora, atividade’, trago wordsearch que eles amam.

No excerto 5, observa-se que RÔMULO leva em consideração a opinião dos


aprendizes, já que busca montar o material com eles, ou seja, ele demonstra uma tentativa de
incluir os alunos no processo, levando em consideração suas necessidades e interesses. Não é
possível determinar até que ponto acontece essa participação dos alunos no desenvolvimento
das aulas, porque extrapola o espaço desta pesquisa. Entretanto, as crenças evidenciadas neste
extrato, revelam a intenção de integrar a cooperação dos aprendizes. Assim sendo, a dimensão
da autonomia voltada para a centralização do ensino na aprendizagem fica evidente neste
excerto, já que traz à baila o envolvimento dos aprendizes no processo de aprendizagem.

A professora SANDRA também acredita no desenvolvimento de um trabalho voltado


para as necessidades dos aprendizes. Ela lida com turmas de alfabetização e acredita que os
objetivos estabelecidos pela prefeitura nem sempre condizem com o desempenho que o aluno
67

pode atingir em sala de aula. Por este motivo, ela apoia uma abordagem baseada em um
diagnóstico sobre possibilidades do aprendiz, como podemos observar no excerto 6.

Excerto 6 – entrevista individual do dia 28/05/2014

SANDRA: No início do ano a gente faz o diagnóstico, e aí a gente vê o que o aluno sabe e o
que ele não sabe. Então eu não posso pegar e trabalhar os objetivos que a prefeitura
estabelece se o aluno, por exemplo, ele não sabe ler. Eles cobram a leitura, interpretação e o
aluno não sabe ler, ainda não identifica o alfabeto.

De forma similar, MARIA realça a importância de conhecer os alunos, criando


estratégias à medida que desenvolve uma relação com os mesmos. No excerto a seguir, ela
reconhece que este processo leva tempo, mas que é necessário para o cultivo de estratégias na
sala de aula.

Excerto 7 – entrevista individual do dia 28/05/2014

MARIA: Eles precisam que você pare, que você converse, que você discipline mais do que
você ensina. Então a minha estratégia toda é baseada naquilo que eu conheço deles, que eu
aprendi a conhecer. Então é o tempo.

MARIA entende que conhecer os alunos, conversar, gerenciar, são atitudes necessárias
para desenvolver seu planejamento. Freire (1996, p. 45) acredita que “pormenores assim da
cotidianidade do professor, portanto igualmente do aluno, a que sempre pouca ou nenhuma
atenção se dá, têm na verdade um peso significativo na avaliação da experiência docente”. O
desenvolvimento de sua relação com os alunos ao longo do tempo parece permitir que
MARIA adote estratégias para suas turmas e, assim, crie espaços de manobra em sala de aula.

Durante as entrevistas, ao serem perguntados sobre o planejamento de suas aulas,


todos os professores relataram ter liberdade para trabalharem, deixando claro que esta é
propiciada pela escola. Estas circunstâncias parecem estimular uma participação
autodeterminada por parte dos professores, empoderando-os e evidenciando suas vozes na
comunidade escolar.

Ao final das entrevistas individuais, percebi uma unidade no discurso dos professores.
Todos afirmaram ter liberdade e ao mesmo tempo apoio da equipe, algo que disseram nem
sempre encontrar em outros ambientes de trabalho. Esta homogeneidade de opiniões me
chamou a atenção e fiz a seguinte anotação em meu diário de pesquisa.
68

Excerto 8 - anotação no diário de pesquisa no dia 28/05/2014

O engraçado é que os professores tiveram um discurso parecido, o que demonstra uma certa
“unidade” dentro do ambiente escolar. Todos disseram, por exemplo, que tinham liberdade
para planejar suas aulas e adaptar seus materiais, coisa que em outras escolas eles nem
sempre encontram.

O professor HUGO fala um pouco sobre essa liberdade e sobre o apoio que recebe da
equipe, transpassando uma percepção positiva sobre seus colegas de trabalho, o que acaba por
tornar seu trabalho mais produtivo, como se pode observar no excerto a seguir.

Excerto 9- entrevista individual do dia 28/05/2014

HUGO: A escola me dá todos os subsídios. O que eu imaginar, a escola apoia. Em termo de


auxílio, até os outros professores também são ótimos.

HUGO deixa claro que a escola apoia os professores na execução de suas ideias. Da
mesma forma, os professores também se apoiam uns aos outros. MARIA também relata uma
experiência parecida, comparando-a com a vivência que teve em outras escolas nas quais
trabalhou, como podemos observar no excerto 10.

Excerto 10 - entrevista individual do dia 28/05/2014

MARIA: Eu trabalhei em vários lugares e tem lugares que só Jesus. É, porque é aquela
coisa, às vezes a pessoa acha que todo mundo tem que ter o mesmo resultado e não dá.
Então a escola parece que quer colocar todo mundo numa caixinha. E cara, com tua turma
não vai dar, nunca vai dar. Aqui na escola tem dois sexto anos experimentais. A minha turma
anda completamente diferente da turma da tarde. Eu vejo, eu percebo pela maneira como a
professora, com os trabalhos que ela às vezes deixa colado. A minha turma anda totalmente
diferente da dela, entendeu? Então, não dá. Eu, assim, graças a Deus a gente aqui tem a
liberdade, mas não é toda escola não, não é mesmo.

No trecho anterior, MARIA critica as imposições a que foi submetida em algumas


escolas nas quais trabalhou. Ela tem a crença de que uma educação formatada, ou, como ela
mesma cita no excerto acima, uma escola que procura “colocar todo mundo numa caixinha”,
prejudica o desenvolvimento de seu trabalho. Esta visão criticada por MARIA, de colocar a
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educação em caixas, compartimentalizando-a, nos remete ao, já citado anteriormente nos


pressupostos teóricos, anúncio da Prefeitura sobre as Escolas do Amanhã. Neste, os alunos
aparecem sentados em carteiras, enfileirados em cima de uma linha de montagem. Essa
compartimentalização, como já foi associado anteriormente, tem suas conexões com a
educação bancária descrita por Freire (1974), enxergando aprendizes como repositórios de
conhecimento.

Entretanto, apesar de MARIA criticar as restrições que sofreu em outros locais de


trabalho, na escola em que a pesquisa foi realizada, ela afirma ter liberdade para adaptar o seu
trabalho de acordo com o perfil e as necessidades de suas turmas.

Desta forma, nestes últimos excertos - 8, 9 e 10 -, é possível observar que a


cooperação, o respeito e a valorização das vozes dos professores dentro do ambiente escolar
favorecem sua autonomia. A liberdade e o suporte que recebem os motivam a atuar de forma
proativa e engajada, fazendo valer sua voz, adaptando-se às circunstâncias através do
questionamento das estruturas pré-estabelecidas.

Nicolaides e Tílio (2011) enfatizam a importância dessa autonomia voltada para uma
perspectiva sociocultural, “partindo do pressuposto de que o indivíduo faz parte de um
contexto sócio-histórico e, como tal, é responsável por seus atos e pelas consequências daí
originadas, além de exercer um papel de modificador no e do meio social no qual está
inserido” (p.179). Nestes dados, podemos perceber que os professores têm noção da realidade
e não a negam, pelo contrário, tentam usar suas estratégias para modificar aquilo que está
engessado.

Nesta categoria, portanto, foi possível perceber a autonomia dos professores associada
à capacidade de adaptação. Os professores demonstraram exercer uma participação
autodeterminada, associada à construção crítica de uma visão crítica da educação, já que
demonstram agir de forma responsável, exercendo sua capacidade de autorregulação e
autodireção. Estas características de sua autonomia ficam evidentes em suas iniciativas para
agir de forma a contestar cronogramas, materiais e estruturas predeterminadas.

A gestão de constrangimentos para a criação de espaços de manobra e a participação


criticamente consciente também são observadas nas crenças que os professores têm em
relação ao seu planejamento de aula, exaltando a necessidade de adaptar suas aulas de forma
significativa, atentando a realidade da comunidade de prática em que atuam. Os professores
70

agem de forma autônoma ao avaliarem o contexto ao seu redor, questionarem e refletirem


sobre as convenções estabelecidas e agirem para modificar aquilo que não funciona.
Demonstram, desta forma, ter “uma mente inquiridora e independente” (RAYA, LAMB e
VIEIRA, 2007, p.3).

Por fim, a participação socialmente responsável fica evidente na relação das crenças
dos professores com o elemento social da autonomia, destacando componentes como respeito
pelos outros e cooperação, evidenciados em seu cuidado em respeitar as necessidades de seus
alunos e na preocupação da escola em criar um ambiente no qual os professores possam agir
de maneira mais livre e ao mesmo tempo integrada.

Isto posto, nesta categoria, foi possível observar a autonomia dos professores
participantes através de suas crenças na necessidade de exercer seu papel na escola de forma
consciente, evitando que compartimentalizações impostas pelo sistema escolar que
sobreponham as necessidades do contexto social no qual se inserem. Ademais, esse processo
autônomo é favorecido pela equipe e diretoria da escola, que além de proporcionar liberdade
para que exerçam seu papel como educadores, os apoia e encoraja a desenvolver suas ideias.

5.2 CONSCIÊNCIA SOCIAL E EMPATIA

Esta categoria de análise tem como objetivo destacar as crenças dos professores
participantes que se relacionem com uma autonomia voltada para o desenvolvimento da
consciência social e, ao mesmo tempo da empatia, no exercício de seu papel de educadores.
Os dados analisados nesta categoria, portanto, têm forte relação com o respeito pelos
aprendizes. Freire (1996) destaca a importância do respeito pelo educando, de despir-se da
arrogância e buscar agir com humildade. Ele afirma que “assim como não posso ser professor
sem me achar capacitado para ensinar certo e bem os conteúdos de minha disciplina não
posso, por outro lado, reduzir minha prática docente ao puro ensino daqueles conteúdos”
(FREIRE, 1996, p.103). O autor ainda salienta que “o que importa na formação docente, não é
a repetição mecânica do gesto, este ou aquele, mas a compreensão do valor dos sentimentos,
das emoções, do desejo, da insegurança a ser superada pela segurança, do medo que, ao ser
‘educado’, vai gerando a coragem” (FREIRE, 1996, p.45).
71

Assim sendo, esta sessão, traz observações sobre dados que evidenciam crenças e
atitudes direcionadas para a autonomia de professores relacionadas ao respeito pelo próximo,
favorecendo a autoestima de seus aprendizes. Os elementos de autonomia presentes nesta
categoria são: participação socialmente responsável e a centralização do ensino na
aprendizagem.
No decorrer da pesquisa, foi possível perceber a preocupação dos professores com o
lado humano e afetivo de seu trabalho. No excerto seguinte, HUGO conta durante a entrevista
como auxiliou um aluno que havia se machucado, mas que não recebia ajuda com os
curativos em casa.

Excerto 11 - entrevista individual do dia 28/05/2014

HUGO: a linha de pipa enrolou no tornozelo dele, ele levou 35 pontos, aí tava tudo
inflamado. Os dias que eu estava na escola, eu limpava, trazia água oxigenada, eu limpava
e fazia curativo. Mas lá em casa, não faziam. E ele numa boa. Fui fazendo, fazendo, depois
secou. Ele tirou os pontos. Ele chegou e ‘po, aí tio, aí’. Ele mostrou eu falei, tênis maneiro. Aí
ele, ‘po, tio, não é o tênis não, aquele machucado que o senhor fez curativo, aí tô bonzinho’.
Quer dizer, é uma coisa que o cara lembrou, marcou ele.

A atitude de HUGO marcou o aluno, fazendo com que ele se sentisse valorizado. Ele
busca o professor para mostrar como melhorou, demonstrando sua compreensão da
importância que o professor teve naquele momento. HUGO manifesta uma atitude
socialmente responsável ao demonstrar respeito e consideração por seu aprendiz. Este pode
ser um fator de motivação para este menino, podendo incentivá-lo a estar no ambiente da
escola.

A professora TÂNIA também busca valorizar seus alunos através do estímulo de sua
autoestima. No excerto a seguir, ela comenta sobre os apelidos negativos que os alunos nas
turmas de realfabetização recebem e como essa desvalorização pode afetar seu
desenvolvimento. A professora acredita que o tratamento que dá aos alunos os motiva a
aprender e a sair de casa para estar na escola.
72

Excerto 12 – entrevista individual do dia 28/05/2014

TÂNIA: Muitos não querem, mas a maioria quer. Porque eles são grandes, entendeu? Até
que esse ano não, mas eu já tive turma de REALFA que os alunos falavam: ih, ah lá a
turma dos burros. Entendeu? Quer dizer, então acaba tendo aquele rótulo que acaba
realmente prejudicando a autoestima deles. Então, um dos objetivos também desse projeto é
você trabalhar a autoestima. Então, quando vem com um perfume, eu ‘meu deus que perfume
cheiroso’. As vezes é um perfume horroroso. hhh. ‘ah, você comprou esse perfume aonde?,
‘nossa que batom lindo’, sabe? Eu procuro valorizar tudo, por que? A pessoa que ela tem a
autoestima valorizada, ela tem vontade de aprender. Ela tem vontade de sair.

Neste trecho, TÂNIA manifesta um pouco do seu entendimento sobre seu papel como
professora, concebendo que sua função não se limita a passar conteúdos. Ela entende que a
valorização da autoestima de aprendizes que se encontram em uma situação de desvalorização
– perante os colegas, por exemplo - é essencial para que tenham vontade de aprender, e assim
modificar a situação em que se encontram.

Os outros professores participantes, assim como a equipe da escola de maneira geral,


também se mostraram interessados no bem estar e na valorização de seus aprendizes. No
conselho de classe do dia 17 de setembro, por exemplo, a equipe da escola estava decidindo
como seria a festa de dia das crianças e um dos assuntos que estava sendo discutido era a falta
de renda pra comprar os presentes e comidas para a festa. A diretora decidiu doar o cachorro
quente, enquanto outros professores se comprometeram em doar refrigerantes e lanches.

Excerto 13 - Conselho de classe do dia 17/09/2014

DIRETORA: Eu vou dar o cachorro quente. Meu último ano, eu dou todo ano, mas então eu
vou encerrar esse ano também dando. Então eu vou dar o cachorro quente esse ano. O
Gustavo já prometeu o refrigerante do cachorro quente, já vai ser dado. Do cachorro quente
não, do bolo. Com o cachorro quente eu vou tentar ver se tem suco suficiente pras meninas
fazerem suco.

HUGO: você tem ideia de quantos refrigerantes são?

DIRETORA: O Gustavo vai dar 60 litros.

HUGO: 30 garrafas?
73

DIRETORA: 30 garrafas. Aí só pro bolo, porque a gente acha que não dá pras duas coisas,
porque é o dia inteiro. São os dois turnos. Eu acredito que o suco dê pros dois turnos. Então,
não vai ter o show de talentos porque lá eles vão ficar na quadra, são duas horas cada turma.
Vai ter o pula-pula e o brinquedão, que é escorrega. E aí enquanto um grupo fica, o outro
come cachorro quente e a gente troca. A gente vai tentar ver, se o dinheiro der, é, o picolé vai
ser nesse dia, não?

COORDENADORA: acho que não vai dar não tá.

DIRETORA: (...) alugar o algodão doce pro dia mesmo da festa sexta-feira que enquanto
eles estiverem na quadra eles vão comendo algodão doce. E também não sei se o dinheiro vai
dar tá gente. É 180? As 4 horas? Eu acho que é 180, à vontade por 4 horas.

RITA: eu acho melhor o algodão doce. Se fosse optar por causa de problema financeiro, eu
acho melhor o algodão doce.

RENATA: Posso dar o picolé?

COORDENADORA: perái, vamos por partes. Você doaria pra sua turma?

RENATA: não, pra escola.

RITA: você tem fábrica de sorvete?hhh

RENATA: não, porque eu queria fazer uma doação, ou doar um refrigerante.

HUGO: eu vou doar o refrigerante pro cachorro quente.

DIRETORA: Obaaa!

HUGO: 60 litros dá?

DIRETORA: dá, dá.

Neste trecho de conversa durante o conselho de classe, é possível identificar a vontade


de colaborar com a festa do dia das crianças de forma pessoal. Alguns se voluntariam para
doar lanches e bebidas com seu próprio dinheiro.

O excerto 13, portanto, revela tanto a dimensão individual como social da autonomia,
já que os professores agem de forma autodeterminada, tomando atitudes de forma
74

independente e se oferecendo para ajudar, mas ao mesmo tempo, de forma cooperativa,


destacando sua interdependência para buscar soluções.

Após observar esta conversa - destacada no excerto 13 - no conselho de classe, me


surpreendi em ver a iniciativa desses professores e anotei a seguinte reflexão em meu diário
de pesquisa.

Excerto 14- Diário de pesquisa, anotação no dia 17/09/2014

Pude observar neste COC a vontade dos professores de fazer o bem por essas crianças. A
iniciativa de alguns de doar do próprio bolso para a festa da criança mostra, pra mim, uma
vontade de fazer algo, de mover algo. Será que isto teria a ver com uma autonomia voltada
para o social, uma autonomia que visa modificar algo ao seu redor? O que move esses
professores?

Este comentário que anotei em meu diário de pesquisa e que se encontra transcrito no
excerto 14 decorreu de minha surpresa eu ver que os professores decidem usar seu próprio
dinheiro para contribuir com a festa das crianças. Então, respondendo às perguntas do trecho
14, acredito que a autonomia está presente nesta atitude dos professores, que ao moverem
esforços para promover uma festa legal para os alunos, demonstram que se importam. Os
alunos provavelmente nunca saberão de onde veio o dinheiro para a festa, mas somente o fato
de esta existir é significativo.

Quando decidem doar de seu próprio bolso para promover uma festa para seus alunos,
estão demonstrando o valor que dedicam aos mesmos, realçando um elemento importante, a
afetividade, como reforça a professora TÂNIA ao relatar o significado que a palavra professor
tem para ela, como podemos observar no excerto a seguir.

Excerto 15- Discussão com professores no dia 18/12/2014

TÂNIA: Pra mim professor é sinônimo de afetividade, de amor, de dedicação mesmo, de


gostar. E eu falo sem pudor nenhum porque quem me conhece sabe que eu realmente
trabalho por amor. Agora, claro, por dinheiro também, lógico. Mas eu acho que em primeiro
lugar, quando a gente pega uma turma, você tem que criar vínculos com essa turma.
Porque sem afetividade você não chega a lugar nenhum.

Neste excerto, que foi retirado da seção de discussão com os professores, TÂNIA
enfatiza ainda mais sua crença na relevância de desenvolver a consciência social e a empatia
75

no exercício de sua profissão. Ela acredita que estabelecer vínculos é essencial para ‘chegar a
algum lugar’, ou seja, para atingir seus objetivos como educadora.

Os dados observados nesta seção destacam crenças que revelam dois principais
elementos da autonomia: participação socialmente responsável e a centralização do ensino na
aprendizagem. A primeira está presente nas crenças dos professores na importância do
desenvolvimento de um relacionamento respeitoso, que valoriza a voz e a identidade dos
alunos. A segunda se destaca pela crença na importância do desenvolvimento da autoestima
dos aprendizes.

Ao mesmo tempo, em segundo plano, esta categoria revela em seus dados, de maneira
sutil, alguns elementos que poderiam ser associados com uma participação criticamente
consciente e uma visão crítica da educação por parte dos professores, já que se relaciona com
questões morais importantes como a dignidade e integridade de seus aprendizes, além de suas
crenças sugerirem a compreensão de seu papel como agentes de mudança. Entretanto, a
empatia e consciência social, evidenciadas nos dados desta categoria, não deixam claro este
viés crítico através das crenças dos professores.

5.3 COOPERAÇÃO

Os dados apresentados nesta sessão terão como foco a autonomia de professores


voltada para a interação no ambiente de trabalho, neste caso, a cooperação entre os membros
da equipe escolar. Wilches (2007) acredita que a autonomia de professores “não quer dizer
independência ou isolamento. Esta envolve interdependência, responsabilidade, suporte
mútuo, discernimento profissional e compromisso com a comunidade educacional”
(WILCHES, 2007, p. 269). Kohonen (1992) acredita que a noção de interdependência faz
parte da ideia de autonomia, significando a capacidade de cooperar com os outros em um
determinado contexto social e, desta forma, buscar soluções construtivas para possíveis
conflitos.

Retomo, assim, a fala de Shaw (2008), que acredita na importância do diálogo entre os
professores, capazes de questionar uns aos outros e buscar novos questionamentos de maneira
crítica. Portanto, esta categoria tem relação com participação autodeterminada, participação
76

socialmente responsável, participação criticamente consciente e interação na comunidade


profissional.

Os professores participantes mostram que valorizam a interação e a troca no ambiente


de trabalho, ajudando e cooperando com seus colegas. RITA, que trabalha com sala de leitura,
ao selecionar uma música para trabalhar com seus alunos o tema da Copa do Mundo,
pesquisou também a versão em inglês para que RÔMULO utilizasse em suas turmas.

Excerto 16 – entrevista individual do dia 28/05/2014

RITA: Aí eu falei com o RÔMULO. Peguei a musica em português e peguei a música em


inglês. Falei ‘ó, passa em inglês, que eu passo em português’, e a gente vai fazendo assim.

No excerto 16, é possível perceber a preocupação de RITA com uma unidade na


produção escolar, pensando também nas possibilidades que as aulas de outros professores
podem oferecer para o trabalho de forma geral. TÂNIA também percebe a importância da
troca para o desempenho de sua função, buscando ideias com a colega SANDRA, como
podemos observar no excerto a seguir.

Excerto 17 – entrevista individual do dia 28/05/2014

TÂNIA: Geralmente quando a gente divide a série, a gente sempre troca. Tem uma menina,
que é a SANDRA, que trabalha na última sala, ela trabalha com alfabetização também. Tô
sempre lá na porta dela pedindo sugestão, sabe. Porque eu acho, que a alfabetização é
troca. O que deu certo pra mim, o que não deu certo pra mim, de repente dá certo com o
colega. E o que não deu certo com a colega, de repente, entendeu? Então eu sou assim, eu tô
sempre procurando, eu tô sempre enchendo saco, eu tô sempre querendo. Por quê? Eles
precisam de novidade. Se eu chegar aqui e falar: ‘vamos pegar o caderno de língua
portuguesa, a bola é bonita’, eu não vou conseguir nada. Porque eles são extremamente
agitados, eles são extremamente curiosos, porque eles querem sair dessa maldição.

Neste excerto 17, TÂNIA comenta mais uma vez sobre suas turmas de realfabetização.
Sua crença no valor da cooperação e da interação com seus colegas fica evidente, já que ela
busca trocar informações quando o que ela sabe ou conhece não é suficiente para solucionar
os desafios que enfrenta em sua sala de aula. Ela demonstra acreditar que a cooperação em
seu ambiente de trabalho pode lhe trazer novas ideias e perspectivas que irão beneficiar seus
alunos a superar ‘a maldição’ a qual estão presos. No excerto a seguir, TÂNIA fala
77

novamente sobre a importância de pedir auxílio, relatando a dificuldade que ela teve para
trabalhar com uma turma há dois anos.

Excerto 18- entrevista individual do dia 28/05/2014

TÂNIA: Eu trabalho com uma turma a tarde, que já tem, há dois anos atrás, eu não estava
conseguindo trabalhar com eles com alfabetização. Olha que eu sou macaca velha nisso. Eu
realmente, eu pedi um socorro. Por que? Porque tem horas também que por mais que você
saiba, por mais que você veja, a tua cota de criatividade também se esgota. Você tá
entendendo? Também se esgota. Aí eu pedi socorro.

Neste trecho, a professora expressa a crença de que nem todas as soluções são
responsabilidade exclusiva do professor como indivíduo, mas que essa atribuição pode ser
compartilhada. Ela demonstra humildade ao procurar ajuda e entender que não é possível reter
todas as informações e soluções. Reforça também a importância da cooperação na resolução
de problemas e dificuldades com as quais os professores se deparam em sua rotina.

Ao ser questionada sobre sua liberdade para preparar suas aulas, TÂNIA ressalta
peculiaridades da convivência profissional e do ambiente de trabalho. Ela admite a existência
de desafios, mas destaca a importância de cultivar um ambiente de trabalho harmonioso. Suas
palavras - no excerto a seguir - deixam evidente que o ambiente existente na escola facilita
essa interação, como já havia sido discutido na categoria adaptação.

Excerto 19- entrevista individual do dia 28/05/2014

TÂNIA: Mas eu tenho, tenho sim, liberdade pra reclamar, tenho liberdade pra conversar,
elogiar, tenho liberdade pra pedir desculpa, porque depois que você começa a trabalhar
muito tempo num lugar, você acaba tornando aquelas pessoas, assim como se fossem pessoas
da tua família. Então tem horas que a gente se estressa sim, tem horas que a gente dá risada
sim. Mas o ambiente de trabalho é assim mesmo. Porque afinal das contas, a gente passa a
maior parte do dia aqui. 7h15 a gente chega aqui e eu chego em casa 6 horas. Então, se a
gente não procurar aqui fazer um ambiente legal de trabalho, como é que vai ser. Porque
eu acho que trabalho é meio de vida, não é meio de morte.

Nesta passagem, TÂNIA ressalta mais uma vez a liberdade que tem dentro do
ambiente escolar, podendo trocar ideias, reclamar e compartilhar dilemas com os seus colegas
de trabalho. Ela comenta sobre as peculiaridades das relações profissionais, que possuem
78

tanto pontos positivos como negativos, ressaltando também a importância de cultivar um bom
ambiente de trabalho.

O professor HUGO, durante o conselho de classe do dia 11de junho de 2014, enquanto
descrevia o trabalho que vinha desenvolvendo com suas turmas, agradeceu a professora
TÂNIA por sua preocupação com seus alunos, neste caso, mais especificamente, com a turma
de realfabetização. Vejamos o excerto a seguir.

Excerto 20 - conselho de classe do dia 11/06/2014

HUGO: Se puder fazer uma ressalva aí sobre as turmas da professora TÂNIA. Uma
excelente professora né. Está sempre preocupada com o desempenho da turma, às vezes
inverte até o horário de prova, pra fazer o melhor pro aluno. Se eles fizerem educação física
e voltar, vai prejudicar o rendimento. Tem toda essa preocupação com os alunos, quer dizer,
tá usando de estratégias, o máximo possível, para recuperar essas turmas.

A fala de HUGO no excerto 20, ao elogiar o trabalho feito pela professora TÂNIA,
corrobora com o que a mesma havia dito no excerto 19, destacando mais uma vez a relevância
da cooperação no ambiente escolar. Ao reconhecer o valor do trabalho TÂNIA, HUGO
demonstra entender o valor de uma autonomia voltada para o social, com foco na
colaboração.

Desta forma, os professores demonstram entender a importância dessas interações e da


cooperação e interdependência entre os mesmos para o desenvolvimento de seu trabalho.
Alguns deles reclamaram na mudança recente que ocorreu na grade de horários, que os
impede de se encontrarem frequentemente na sala dos professores para trocar ideias, como
observamos abaixo na fala de RITA.

Excerto 21 – entrevista individual do dia 28/05/2014

RITA: E na realidade, essa questão da grade, eu acho legal, mas pros professores tipo eu, a
gente que entra pra cobrir a grade, não é muito legal, porque enquanto eles estão na grade lá
embaixo, eles estão juntos. Mas inglês, artes, educação física e sala de leitura, a gente não
tem um momento junto. Meu centro de estudos é segunda-feira, sozinha. Porque terça-feira,
todas estão na grade, aí elas estão lá embaixo, elas podem conversar entre elas. E a
prefeitura simplesmente acabou com a reunião geral, por conta da grade, mas a gente não
tem um momento junto. E isso eu acho um entrave.
79

RITA considera a nova organização de horários um entrave, afinal não encontra um


horário em comum com os outros professores para trocar ideias sobre as turmas. No excerto a
seguir, MARIA também reclama da mudança instituída pelo governo.

Excerto 22 – entrevista individual do dia 28/05/2014

MARIA: Antigamente tinha o horário, era o planejamento, mas a gente parava toda a escola,
os alunos iam embora e toda escola se reunia. Mas é aquela coisa, o governo foi e cortou. Aí
veio a lei de 1/3 de planejamento, com isso, eles tiveram que fazer isso de qualquer maneira,
botar a toque de caixa. Só que ao mesmo tempo que isso é bom, porque eu tenho um dia que
eu posso planejar. Só que ao mesmo tempo é ruim. Se eu quiser falar com outro professor
sobre a minha turma, eu não posso porque ele está ocupado com a turma, entendeu? Eu
costumo conversar, a gente troca ideias, mas não dá muito pra você, você não tem muito
tempo. O que você faz é trabalhinho de corredor. Você conversa ‘ah, como é que tá a
turma”, ‘comigo tá assim’, ‘comigo tá assim’, e acabou, coisa de 15 minutos, no máximo 20.

MARIA comenta que é bom ter um tempo só para planejamento, mas que sente falta
de interagir com os outros professores e conversar sobre as turmas. A troca de ideias ocorre
geralmente de forma rápida, que ela demonstra considerar insuficiente. Suas crenças neste
excerto evidenciam ao mesmo tempo a concordância com a possibilidade de um horário para
planejamento de aulas, mas também um incômodo com a falta de oportunidade dentro da
grade escolar de trocar ideias com outros professores.

Nesta categoria de análise, o foco foi na autonomia com base na cooperação. A


observação dos dados nesta seção evidencia a valorização que os professores depositam no
diálogo e na interação significativa entre os mesmo. Destacam-se, assim, a participação
socialmente responsável, a interação na comunidade profissional, a participação
autodeterminada e a participação criticamente consciente, presentes em suas crenças.

A participação socialmente responsável destes professores se expressa pelas crenças


que relatam elementos como respeito pelo outro, capacidade de negociação e valorização da
colaboração e da interdependência. Da mesma forma, existe a valorização da interação na
comunidade profissional através do compartilhamento de ideias e práticas que possam
beneficiar os professores de modo geral e também como meio de trabalhar questões
problemáticas de suas rotinas. A participação autodeterminada se destaca na iniciativa de
questionar e criticar o pouco tempo que possuem para trocar ideias, avaliando de forma
80

negativa a falta de um horário em comum no qual todos os professores pudessem trocar


experiências sobre suas turmas. Esta também fica evidente, mesmo com as restrições, no
diálogo e na troca acontecem, mesmo que seja em poucos minutos, no corredor entre as aulas,
como citado pelos professores nos dados acima.

5.4 TRANSFORMAÇÃO

Durante a pesquisa, os professores participantes demonstraram muita frustração com a


profissão e com as dificuldades que precisam enfrentar em sua rotina como educadores.
Entretanto, algumas de suas crenças e atitudes expõem a sua vontade de fazer alguma coisa
relevante, numa tentativa de modificar a situação vigente. Em vista disto, esta categoria
evidencia os seguintes elementos relativos à autonomia: participação autodeterminada,
participação socialmente responsável, participação criticamente consciente, interação na
comunidade profissional e construção de uma visão crítica da educação.
Na entrevista individual, o professor HUGO relatou ter sentimentos ambíguos com
relação ao seu trabalho, revelando ao mesmo tempo frustração e empolgação, como é possível
observar no excerto a seguir.

Excerto 23 - entrevista individual do dia 28/05/2014

HUGO: Gosto da minha profissão, já tô formado há 34 anos, já estou aposentado no estado.


Devo me aposentar agora em 2015 no município tb. Com pesar, mas já são outros
problemas, a questão da clientela, os alunos já não estão respeitando tanto como
antigamente, aí já fica mais preocupante. Mas eu gosto, você vê, aqui eu adoro, venho pra
cá renovado, parece que eu tô recém formado, cheio de gás. Chego exausto em casa, sem
voz. Por que eu tenho uma resposta aqui ainda, a escola é ótima, eles gostam de mim, tem
uma troca. Fazem besteira, eu brigo, abraço, beijo, choro junto quando tem que chorar,
dou bronca quando tem que dar bronca.

Neste excerto 23, HUGO afirma gostar de sua profissão, mas revela a intenção de se
aposentar por causa dos desafios que vem enfrentando com relação à disciplina dos
aprendizes. Entretanto, HUGO deixa claro que, no ambiente de trabalho em questão, ele ainda
se sente motivado a trabalhar, já que percebe que seu trabalho tem retorno. É interessante
observar que HUGO valoriza a possibilidade de aproximação que tem com os alunos no
81

ambiente escolar. Ele afirma que na escola ainda tem abertura com os alunos tanto para
repreender como para compartilhar afeto. Desta forma, HUGO expressa a crença de que seu
papel como professor vai além de passar conteúdos, reconhecendo a importância das relações
humanas que constrói com seus aprendizes. Esta crença já estava evidente no excerto 11,
quando contou como o simples gesto de fazer um curativo no aluno pode ser significativo.

MARIA também expressa suas crenças sobre a profissão, demonstrando, ao mesmo


tempo, insatisfação e motivação. Vejamos no excerto a seguir.

Excerto 24 - entrevista individual do dia 28/05/2014

MARIA: Na realidade, a gente faz aquilo que a gente pode. Lógico, a gente vem trabalhar
muitas vezes insatisfeito com o salário, mas quando a gente tá aqui, você vai cruzar o braço
e não fazer nada?

MARIA acredita que os professores fazem o seu melhor no desempenho de seu


trabalho, mesmo com o sentimento de insatisfação em alguns momentos. Ela deixa em
evidência a crença de que o salário que considera baixo não seria uma desculpa para cruzar os
braços e não fazer seu trabalho da melhor maneira possível. No conselho de classe, a
professora reforça o mesmo pensamento, como se observa no excerto a seguir.

Excerto 25 - conselho de classe do dia 11/06/2015

MARIA: Eu faço meu trabalho, eu faço aquilo que eu gosto, posso não ser assim a
maravilha, a coca cola hhh, mas uma Pepsi hhh. Porque assim gente, quando a gente tá
disposto a trabalhar, a gente faz o melhor possível. E eu sempre falo pra eles, eu não saio da
minha casa na hora que eu saio, não me despenco de onde eu moro, pra vir pra cá pra não
fazer nada. Então eu trabalho sim, procuro trazer novidades, vou lá, cutuco lá na internet,
uso Datashow, uso Educopédia, trago atividades. Tô fazendo a minha parte. Só que tem
horas que a minha parte só não dá, não faz o efeito que eu gostaria que fizesse.

MARIA deixa clara sua frustração quando afirma que nem tudo sai do jeito que ela
gostaria, mas acredita fazer o melhor que pode, buscando diferentes alternativas. Ela acredita
fazer o melhor possível e demonstra não se acomodar. Ao dizer para os alunos que ela não
está ali para não fazer nada, ela reafirma sua vontade de exercer seu trabalho.

No excerto a seguir, a professora SANDRA também explicitou um pouco de sua


tristeza com sua profissão, especialmente por ter sido recentemente ameaçada por um aluno.
82

Excerto 26 – Discussão com professores no dia 18/12/2014

SANDRA: eu antigamente achava que fosse uma profissão que as pessoas respeitavam
muito, mas ultimamente tenho estado muito decepcionada (...)mais decepcionante porque
você procura fazer seu trabalho direito. Você tem todo cuidado com o aluno, você gosta do
aluno.(...) eu passo a noite às vezes fazendo atividade e procurando atividade pra aluno. E
na outra escola eu também fazia isso, eu gosto de fazer meu trabalho direito. Então a gente
às vezes deixa de visitar parente, deixa de fazer um monte de coisas pra trabalhar e a gente
recebe esse tipo de coisa e a gente fica muito decepcionada.

SANDRA se sente magoada por se dedicar tanto e não receber o retorno do seu
trabalho. Sua motivação parece estar abalada por não receber o respeito que merece. Ela diz
que gosta dos alunos e tem todo cuidado com eles, e que por isso se decepcionou muito com
as ameaças que sofreu recentemente. É possível perceber que mesmo com todos os
desapontamentos, sua dedicação profissional está presente em sua fala, quando afirma que
gosta de fazer seu trabalho direito.

Durante a entrevista individual, CRISTINA falou das motivações que a levaram a


escolher sua profissão. No excerto 27, ela conta um pouco de sua trajetória.

Excerto 27 – entrevista individual do dia 28/05/2014

CRISTINA: eu vim de uma família muito humilde, e senti a necessidade e o desejo, ao


mesmo tempo, de ajudar, pessoas que fossem humildes assim como eu, porque minha mãe
era analfabeta e meu pai semianalfabeto, e a gente vê a dificuldade que é, que ainda é, e que
era quando eu era criança, de pais tão humildes, terem filhos na escola estudando na escola
pública. A dificuldade que é pra auxiliar, pra ajudar, e que tem que ter um respaldo da
escola. E que eu não tive muito, porque naquela época que eu estudei, 40 anos atrás, eu
tenho 47, eu não vi muito essa política de apoio. E eu tinha muita dificuldade de aprender.
Então a minha ajuda vinha dos vizinhos, e um pouquinho do meu pai. Então, a partir do
momento que eu comecei a ter essa consciência, eu tinha essa vontade de ser professora, pra
que dentro da sala de aula, eu pudesse ajudar, pelo menos com os primeiros passos de uma
criança, na aprendizagem das crianças, eu pudesse auxiliar de alguma forma. Por isso que
eu escolhi a profissão de ser professora.

CRISTINA sente que sua história de vida e suas experiências serviram de motivação
para escolher o trabalho de professora. As dificuldades que viveu a estimularam a querer
83

modificar a realidade ao seu redor. Sua fala expressa a crença em sua profissão como
instrumento de transformação social.

No conselho de classe do dia 11 de junho de 2014, a professora RITA, que ministra as


aulas de sala de leitura, contou sobre as novas aquisições de livros feitas recentemente. Ela
procurou escolher livros que fossem mais condizentes coma proposta da escola, que no
momento tem priorizado a alfabetização.

Excerto 28 - conselho de classe do dia 11/06/2014

RITA: Olha só gente, antes do salão do livro, eu fui a (...) pra pedir ao pessoal que me desse
sugestão de livros. Obrigada Sandrinha, que me deu uma pequena lista, 40 livros. hhh

MARIA: Nossa!

TÂNIA: Caraca!

RITA: O que aconteceu, eu me empolguei com a lista da Sandrinha, e pedi, basicamente,


livros de alfabetização (...). Fomos na Ática e nos empolgamos e quando vimos, não
tínhamos mais dinheiro. (...) Então, vamos trocar esses livros que estão aqui e vamos
colocar esses pra alfabetização.

SANDRA: Porque o foco da escola é a alfabetização, é a base.

RITA: Compramos uma porção, (...) Infelizmente a prefeitura só dá 600tinhos. Nós que no
final botamos dinheiro e fiquei quase chorosa porque tinha um livro que falava sobre (...) e
não pude comprar.

É possível perceber na fala das professoras RITA e SANDRA, a consciência da


necessidade de reforçar a alfabetização para trazer transformações para a realidade da escola.
E mais uma vez, a equipe faz esforços financeiros para beneficiar seus alunos, usando seu
próprio dinheiro para complementar a verba fornecida pela prefeitura e comprar mais livros.

No diálogo transcrito no excerto 28, também estão presentes elementos de adaptação,


cooperação e empatia, já que os professores trabalham em conjunto, escolhendo os livros,
procurando encaixá-lo nos propósitos da escola e se preocupando com o desenvolvimento de
seus alunos a ponto de contribuir financeiramente quando não é sua obrigação. Portanto, a
professora RITA, com a ajuda da professora SANDRA, procura renovar a sala de leitura,
adaptando-a a realidade escolar e às necessidades dos alunos.
84

Em todas as etapas da pesquisa, os professores relataram uma dificuldade em comum.


Eles afirmam que um número considerável de alunos da escola apresentam problemas de
saúde física ou mental e que estes parecem não receber o tratamento e o auxílio apropriados.
No extrato a seguir, retirado da sessão de discussão, os professores conversavam sobre a
palavra ‘aluno’ e começavam a explicar que o apoio que recebem da CRE19 não é satisfatório.
A escola encaminha relatórios sobre alunos que possuem problemas de saúde física ou mental
e nenhum tipo de apoio ou retorno é oferecido.

Excerto 29 - Discussão com professores no dia 18/12/2014

TÂNIA: Poxa, aqui na escola a gente tem um grupo antigo, problemático, sabe, é difícil
você trabalhar. Você manda relatório pra CRE, esperando que você tenha uma resposta.
Não é pra você descansar não, até uma orientação pra você trabalhar com a criança.
Porque é muito chato você trabalhar com a criança, pô, você vê que a criança não tá
rendendo. Aquele cara, ele vem pra escola, você não tem o que fazer com ele, sabe, porque
você não é preparada pra isso. Realmente, você pode até dar um exercício de coordenação
motora e coisa e tal mas você sabe que o cara não precisa só daquilo. O cara precisa de
mais, e você não tem de onde buscar, porque você escreve 500 relatórios. Por exemplo, a
Luana20. A Luana era uma aluna que tinha aqui desde os 5 anos estava na escola. A Luana
saiu da escola com 12 anos, todos os anos a gente mandava relatório pra CRE. Sabe quantas
vezes em 7 anos ela foi atendida? Nenhuma vez. Saiu da escola, caiu na rua, foi morar com
um cara, e ficou viciada, e foi morar num sei aonde. Acabou. Perdeu-se a Luana. Agora ela
deve tá com uns 15, 16 anos.

RITA: É mesmo, a Luana.

HUGO: (...) Eu pegava ela ajoelhada, rezando, aí eu olhei assim ‘tá rezando porquê
Luana?’ “Ah, pra pedir uma saia ao Papai Noel e uma sandália”. Pra tu ver, a garota
pedindo ao Papai Noel, ajoelhada, uma saia e uma sandália. [Professor fala com lágrimas
nos olhos].

TÂNIA: E a família dela era horrorosa, a irmã era cracuda. O filho tá até aqui na escola.

HUGO: Dava trabalho, mas todo mundo gostava, pegava.

TÂNIA: Exatamente, entendeu. A gente não tem apoio.


19
Coordenadoria Regional de Educação.
20
Os nomes de alunos mencionados na conversa foram alterados com o objetivo de preservar suas identidades.
85

MARIA: Gente, eu tive aquele aluno autista, esse ano. Quantas visitas ele teve da CRE.
Zero. Nenhuma.

TÂNIA: Ninguém vem. E quando vem é ‘ah, a gente não pode fazer nada’.

RITA: É o desinteresse da CRE, é o nosso interesse, e o desinteresse do pai também. Quer


mais descaso desses responsáveis do que eles deixarem 3 anos as crianças junto com a
gente dentro dessa obra e não reclamarem com ninguém?

Neste excerto da discussão, a professora TÂNIA reclama que tem lidado com um
grupo antigo de alunos problemáticos e que, mesmo com o envio de relatórios, nenhuma
sugestão é apresentada. Ela deixa bem claro que não quer descansar, mas sim poder fazer
alguma coisa por aquela criança, demonstrando sua insatisfação com o quanto os órgãos
governamentais deixam a desejar.

TÂNIA e HUGO dão um exemplo desta situação, contando a história da aluna Luana.
Desde criança ela estudou naquela escola e os professores desconfiavam que ela tinha algum
tipo de problema mental, mas esta não recebeu o auxílio que necessitava e hoje vive de
maneira desestruturada devido ao consumo de drogas. O professor HUGO se emociona ao
contar sobre um episódio em que encontrou esta mesma aluna rezando para o Papai Noel por
uma saia e uma sandália, demonstrando seu pesar por toda essa situação de descaso.

Os professores demonstram preocupação por não poderem auxiliar seus alunos da


maneira que gostariam, ressaltando que se sentem sozinhos nessa empreitada. Tendo como
exemplo ainda o excerto 29, RITA reafirma o desinteresse do Estado com relação a estes
alunos e ressalta que os responsáveis por estas crianças também não se interessam. A
professora acredita que os únicos interessados são os professores. Para exemplificar o descaso
dos responsáveis, ela relata que não entende como ninguém reclamou ou se importou com a
obra inacabada, deixando seus filhos na escola mesmo que esta não estivesse em boas
condições estruturais.

No excerto 29, portanto, os professores deixam bem clara sua indignação. Entretanto,
eles ainda parecem expressar em suas crenças a consciência das possibilidades do exercício de
seu papel como professores. Eles acreditam que não podem perder a motivação e a esperança,
já que sem os professores, estas crianças não teriam ninguém lutando por eles.
86

Durante o conselho de classe do dia 11 de junho de 2014, a mesma temática vem à


tona. Os professores começam a reclamar das dificuldades de tocar seu trabalho quando seus
alunos com necessidades especiais ou problemas médicos não recebem o devido auxílio. No
excerto abaixo, é possível observar o momento desta discussão.

Excerto 30 - Conselho de classe do dia 11/06/2014

SANDRA: é que ano passado fizeram a mesma coisa. Ano passado fizeram essa auditoria. Aí
eu pedi sugestões (...). E ninguém resolveu (...).

DIRETORA: Quantas vezes eu já encaminhei casos seríssimos e não deu em nada (...)
Nenhuma resposta.

RITA: Infelizmente fala-se muito e faz-se muito pouca coisa.

DIRETORA: A parte da gente, todos os anos é feita. E esse ano, você bateu quantos
relatórios?

COORDENADORA: Nossa, mais de 15.

No excerto 30, a diretoria e os professores expressam sua frustração. Mesmo com


todos os relatórios enviados para a CRE sobre os alunos com dificuldades relacionadas a
algum problema físico ou mental, nenhuma medida foi apresentada. SANDRA afirma ter
pedido ajuda e sugestões, mas não obteve retorno. A diretora e a coordenadora encaminharam
mais de 15 relatórios e nenhum deles surtiu efeito.

O tema aparece novamente durante o conselho de classe do dia 17 de setembro de


2014, como se pode observar no excerto a seguir. A diretora relata ter mandado cerca de 18
relatórios para a CRE, comunicando sobre alunos que teriam alguma limitação, mas que não
possuem laudo médico.

Excerto 31 - Conselho de classe do dia 17/09/2014

DIRETORA: Essas crianças não tem acompanhamento nenhum. Se a gente não


acompanhar, ninguém vai acompanhar essas crianças. Você vê, ontem, vamos aos pontuais,
que são os com probleminha. Nós tínhamos 17, 18, nem sei quanto, que a gente mandou
relatório pra CRE, que não têm laudo, mas que têm algum problema, que veio aquele pessoal
da Secretaria Municipal de Acompanhamento da Criança com Deficiência. Primeiro elas
vieram na semana passada e conversaram com os 3 que têm laudo, conversaram com as
87

mães porque. Essas que tem laudo elas conversaram. Não vou dizer pra vocês que elas vão
fazer alguma coisa não. Porque eu acho que aquilo ali é pra inglês ver, pra gente não dizer
que a gente vive reclamando que elas não estão dando atenção à escola. E a escola tá se
fudendo com elas porque elas vêm aqui toda semana, porque nossa escola tá uma bosta.
Desculpa tá gente, mas na visão dela está. E aí, como a gente falou com elas que desde o
início do ano a gente mandou 20 relatórios e ninguém tinha olhado nada, elas mandaram
essas mulheres aqui. Não vão fazer nada com aqueles que não têm laudo não tá.

TÂNIA: até porque não fizeram ano passado.

DIRETORA: não fizeram, elas estão acompanhando a Joana desde ano passado, indo na
casa, mas elas vão falar pra gente que não tem jeito. Quer dizer, não há uma pressão, ‘ah,
vou botar no conselho tutelar se você não levar no médico’. (...) Agora, ao mesmo tempo,
aqueles 15 que não tem laudo, que aí elas iam pegar as 15 mães, conversar sobre a
importância de levar no médico, que na escola detectou que eles têm problema, aquela mãe
que todo dia a gente pede laudo e nunca traz. Sabe quantas vieram das 15? Quatro.
Entendeu? E não vai acontecer nada. Então, mudou sim, como a TÂNIA falou. Mudou. Que
antigamente, mesmo pobre, as mães acompanhavam. Eles não estão nem aí gente, o
camarada, você vê claramente que seu filho tem problema. O Alex não dorme, quebra tudo
dentro de casa, tá nesse nível. Quebrando geladeira a noite porque não dorme. Ele tá até
aprendendo, mas ele está louco. Ela ontem, depois que a gente pela trigésima vez deu o
relatório pra ela, ‘ não, eu conversei com a menina, vou levar ele no médico porque ele
precisa de remédio’. ‘Claro que ele precisa de remédio, senão daqui a pouco ele tá te
matando’. Porque ele já bate nela. Mas eles não estão nem aí. Então a TÂNIA falou, muita
coisa mudou. Mudou. Mas eu acho assim, infelizmente somos nós. A gente já está cansada,
a gente já tá de saco cheio, a gente não aguenta mais. Todo dia é dar murro em ponto de
faca, e a coisa não mudar, mas se a gente não fizer.

TÂNIA: a gente tem que continuar dando murro em ponta de faca

DIRETORA: Ninguém, não vai ter ninguém por essas crianças, só a gente.

No excerto 31, mais uma vez, professores e direção da escola reclamam da falta de
acompanhamento dos alunos. Podemos perceber então que este é um assunto recorrente na
rotina da escola. A diretora deixa claro em sua fala que a Secretaria Municipal de
88

Acompanhamento da Criança com Deficiência faz um trabalho ineficiente, deixando de lado a


maioria dos alunos que precisariam de assistência. Ademais, ela considera difícil que aqueles
que estão sendo atendidos tenham um acompanhamento adequado e eficiente, como TÂNIA
reforça que já testemunharam em anos passados.

No fim do excerto, ambas reforçam mais uma vez a crença de que precisam continuar
a agir em prol destes alunos porque não existe outra alternativa para os mesmos. Ou seja,
precisam “continuar dando murro em ponta de faca”, como TÂNIA comenta.

Ainda no conselho de classe do dia 17 de setembro de 2014, RITA fala sobre a


sensação de desânimo e angústia que por vezes a acomete. Vejamos o excerto a seguir.

Excerto 32 - Conselho de classe do dia 17/09/2014

RITA: Eu vou falar uma coisa, a gente fala assim ‘ah, não vou ligar não, ah, deixa pra lá’. A
nossa cabeça às vezes é assim, ‘ah, não quer aprender não aprende’. Mas é horrível você
chegar numa turma, e você ver o quanto eles não sabem nada. É angustiante. Angustiante
você pedir um verbo e o aluno falar ‘arame’ pra você. É angustiante isso gente, é
angustiante. E você pensa assim, ‘cara, esse cara vai pra frente’. A criatura pegar uma
tabuada, no projeto Mais Educação. Você fala assim, ‘tá, você pode olhar a tabuada’. Aí ela
vai olhar. Aí você fala assim ‘quatro menos um’, e ela vai olhar na tabuada quanto é quatro
menos um. Uma criança grande gente. Então, se perdeu de uma tal forma, que falam ‘ah
não tem jeito’. Tem jeito sim, mas é com muito ó [sinal com a mão, limpando suor da testa,
indicando trabalho].

No começo desta fala de RITA, ela se posiciona em nome de todos os professores,


compreendendo que o sentimento de impotência não é só seu. Ela compartilha a crença de que
muitas vezes os professores têm vontade de desistir ou de deixar as coisas como estão. É
possível perceber toda sua indignação e frustração quanto aos impedimentos que dificultam o
exercício de seu papel como educadora. Entretanto, a professora apresenta uma postura
criticamente consciente, ressaltando a importância de não desistir. RITA se diz angustiada
quando se depara com as dificuldades de seus alunos em aprender, mas, ao final de sua fala,
reforça a ideia de que os problemas com os quais se defronta, mesmo com todos os desafios,
são possíveis de ser solucionados através de seu trabalho.

Assim como a diretora já havia afirmado no excerto 31, RITA sustenta, no excerto 32,
a crença da possibilidade de ação, compreendendo que suas atitudes têm relevância e podem
89

transformar a situação problemática com a qual convivem. Deste modo, algumas das falas
destacadas nos excertos 29, 31 e 32 indicam que, mesmo com todas as limitações, a equipe da
escola demonstra ter esperança, buscando motivação para agir dentro de suas possibilidades,
mesmo diante de uma situação de negligência por parte dos órgãos públicos.

As crenças exploradas nesta seção, portanto, conectam-se com as dimensões de


autonomia voltadas para a concepção de transformação. Os elementos presentes nesta
categoria foram: participação autodeterminada, participação socialmente responsável,
participação criticamente consciente, construção de uma visão crítica da educação e
interação na comunidade profissional.

A participação autodeterminada fica evidente quanto os professores expressam


autoconhecimento ao perceberem suas limitações, e ao mesmo, tempo, reconhecerem suas
frustrações para, por fim, escolherem a ação em vez da imobilidade diante dos impedimentos
com os quais se deparam.

Além disto, os professores demonstraram possuir uma mente inquiridora, que


questiona o sistema vigente, indicando uma participação criticamente consciente. Sistema
este que não assiste os alunos, especialmente aqueles que possuem algum tipo de limitação
física ou mental. A equipe escolar se mostra indignada ao perceber que os relatórios que
enviam e os esforços que desprendem para ajudar aquelas crianças são praticamente
ignorados. Da mesma forma, as crenças dos professores remetem a construção de uma visão
crítica da educação, já que estes compreendem seu papel de educadores como modificadores
da realidade escolar e social.

Esta preocupação por parte dos membros desta instituição escolar remete também à
dimensão social da autonomia e, portanto, à participação socialmente responsável. As
crenças dos professores evidenciadas nos dados demonstram o respeito que têm por seus
aprendizes. Ao mesmo tempo, fazem valer suas vozes, valorizando a interação na comunidade
profissional, ao colocar questões em debate e participar ativamente em discussões que
envolvem assuntos problemáticos com relação ao funcionamento das estruturas educacionais.

Retomo, portanto, a primeira citação deste trabalho, escrita por Freire (1996), na qual
ele afirma que o pior mal que o poder público vem infligindo à sociedade brasileira é que,
diante de tanto descaso em relação à educação, as pessoas reproduzam e acreditem no
discurso de que não há o que fazer. Através das crenças evidenciadas nas falas dos
90

professores participantes, é possível perceber que estes não se deixam “cair no indiferentismo
fatalistamente cínico que leva ao cruzamento de braços” (FREIRE, 1996, p.67). Pelo
contrário, reconhecem as dificuldades que enfrentam todos os dias e escolhem continuar
“dando murro em ponta de faca”, como externou TÂNIA no excerto 31.

No próximo capítulo, são feitas as considerações finais sobre este trabalho.


Primeiramente, é feito um panorama das minhas impressões sobre a pesquisa, para, em
seguida, retomar os objetivos e perguntas de pesquisa. O propósito é tentar responder tais
perguntas, retomando as observações sobre os dados analisados e explorando os elementos de
autonomia presentes na análise dos dados, sendo estes: participação autodeterminada,
participação socialmente responsável, participação criticamente consciente; assim como
construção de uma visão crítica da educação, gestão de constrangimentos locais para a
criação de espaços de manobra, centralização do ensino na aprendizagem e interação na
comunidade profissional. Ademais, levando em consideração uma visão de educação como
forma de emancipação (inter)pessoal e transformação social. Posteriormente, analiso os
possíveis fatores inibidores e promotores da autonomia dos professores no contexto de
pesquisa em questão, para, por fim, fazer a conexão entre os conceitos de autonomia e
esperança.
91

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS: AUTONOMIA E ESPERANÇA


“A esperança faz parte da natureza
humana” (FREIRE, 1996, p.72)

No primeiro dia em que estive na escola, a primeira imagem que avistei foi a de uma
obra inacabada, abandonada pela Prefeitura do Rio de Janeiro. A sala dos professores,
recepção e diretoria estavam interditadas e a equipe estava ocupando duas salas de aula
provisoriamente. Neste mesmo dia, enquanto esperava para fazer as entrevistas na sala dos
professores, uma fechadura da porta de uma das salas de aula caiu fazendo um grande
barulho. Alguns fios pendiam do teto e o auditório estava sem uso por falta de cadeiras e
aparelhagem.

Entretanto, outra imagem também marcou este primeiro dia. Assim que os alunos iam
chegando, eram recepcionados com muito carinho e atenção. À medida que ia conversando
com os professores e os entrevistando, comecei a perceber em suas falas um conflito de
sentimentos. Por um lado, a indignação e frustração, e de outro a consciência de seu trabalho e
a vontade de promover mudanças.

No decorrer da pesquisa e também ao transcrever e analisar os dados percebi que esta


dicotomia estava sempre muito presente. Porém, uma grande parte das crenças que surgiram
nas falas e diálogos dos professores despertaram-me o sentimento de esperança ao observar
sua compreensão sobre seu papel como educadores.

Este capítulo tem como objetivo fazer uma retrospectiva reflexiva a respeito do
trabalho e das impressões trazidas pelos dados gerados na pesquisa, procurando retomar um
diálogo com os objetivos e perguntas de pesquisa.

Esta pesquisa teve como objetivo analisar quais são as crenças de professores de uma
escola pública da cidade do Rio de Janeiro sobre seu papel de educadores em sua comunidade
de prática como membros autodeterminados, engajados socialmente e críticos, através de uma
visão da educação como meio de desenvolver emancipação e transformação social, buscando
compreender como estas crenças se relacionam com o desenvolvimento de sua autonomia.

Para atender a este objetivo, as seguintes perguntas de pesquisa serviram de guia para
as reflexões levantadas durante este trabalho:
92

1- Como as crenças de professores sobre seu papel na escola mostram-se relacionadas


com o desenvolvimento de uma autonomia como caminho para uma participação
autodeterminada, socialmente responsável e criticamente consciente? Como essas
crenças extrapolam os ambientes pedagógicos como espaço para emancipação
interpessoal e transformação social dos participantes neles inseridos (professores e
alunos)?
2- Como essas crenças em direção ao desenvolvimento de autonomia dos professores se
refletem em ações práticas do dia a dia escolar? Quais as reações e soluções
encontradas pelos professores perante as dificuldades que surgem nesse ambiente? Em
que medida esses obstáculos os impedem de levar a cabo seus objetivos como
educadores?

Com o intuito de responder a estas perguntas, os dados foram organizados em quatro


categorias de análise, sendo estas: adaptação, consciência social e empatia, cooperação e
transformação. As categorias surgiram a partir dos dados, através das crenças e atitudes dos
professores que se destacaram no decorrer da pesquisa. A base para a análise e para a
organização das categorias de análise fundamenta-se na definição de autonomia e nas
dimensões reflexivas propostas ao professor, ambas colocadas por Raya, Vieira e Lamb
(2007).

Portanto, nesta perspectiva, a autonomia, tanto de alunos como de professores, é


desenvolvida através de uma visão de educação que visa a emancipação - tanto individual
como colaborativa - e a transformação social, com repercussões dentro e fora do ambiente
escolar. Assim, a autonomia seria uma capacidade a ser desenvolvida com o propósito de
atuar de forma autorregulada, responsável, interdependente, colaborativa e crítica (RAYA,
VIEIRA e LAMB, 2007).

As dimensões reflexivas, por sua vez, baseiam-se em elementos como estímulo à


consciência do papel do professor como agente de mudança, desconstrução e reflexão sobre
rotinas e convenções, promoção da autoestima dos aprendizes e compartilhamento de
preocupações profissionais, dentre outros.

Desta forma, as categorias de análise tiveram como objetivo ressaltar alguns pontos
dessas teorias expostas nos dois parágrafos anteriores. Sendo estes: participação
autodeterminada, participação socialmente responsável, participação criticamente
consciente, construção de uma visão crítica da educação, gestão de constrangimentos locais
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para a criação de espaços de manobra, centralização do ensino na aprendizagem e interação


na comunidade profissional.
Ao observar os dados, à luz das perguntas de pesquisa, pude perceber que os
professores participantes demonstraram possuir um entendimento sobre seu papel como
educadores que remete a uma participação autodeterminada, socialmente responsável e
criticamente consciente. Também, foi possível perceber que os professores têm consciência
do papel que a educação possui como instrumento de transformação social, entendendo seu
impacto na sociedade.

A participação autodeterminada esteve presente nas seguintes categorias de análise:


adaptação, cooperação e transformação. Ficou evidente nas iniciativas dos professores,
adaptando suas aulas e materiais para a realidade em que trabalham, ajudando e procurando
ajuda com seus colegas e trabalho, e demonstrando a vontade de promover mudanças.

A participação socialmente responsável aparece com mais frequência nos dados


analisados, estando presente em todas as categorias de análise. Existe um forte
direcionamento dos dados em direção a uma dimensão social da autonomia, colocando
elementos como “voz, respeito pelos outros, negociação, cooperação, interdependência”
(RAYA, LAMB e VIEIRA, 2007, p. 3) em evidência. É possível perceber um clima de
integração entre os professores, assim como entre todos os membros da equipe escolar, que
parecem ter seus objetivos e propósitos alinhados.

A participação criticamente consciente aparece nas categorias adaptação e


transformação, se destacando nas crenças e posicionamentos questionadores dos professores
participantes. Os dados analisados nestas categorias revelam a inquietação e a visão crítica
que os professores têm sobre aspectos da educação e sobre as ações do Estado.

A construção de uma visão crítica da educação aparece nos dados das categorias
adaptação e transformação. Este aspecto fica evidente no posicionamento consciente dos
professores sobre seu papel de modificadores sociais, bem como na iniciativa de tornar seus
cronogramas e materiais mais condizentes com a realidade e as necessidades de seus alunos.

A gestão de constrangimentos locais para a criação de espaços de manobra aparece


na categoria adaptação. Nesta, o foco maior são as estratégias utilizadas para driblar
restrições e impedimentos, procurando integrar as necessidades e expectativas individuais dos
alunos com o todo social da escola.
94

A centralização do ensino na aprendizagem surge na categoria consciência social e


empatia. Este elemento está em destaque, principalmente, na fomentação da autoestima dos
alunos. As crenças observadas nos dados expõem a importância que os professores dão à
valorização de seus aprendizes.

A interação na comunidade profissional está presente nas categorias cooperação e


transformação. Nestas categorias, o compartilhamento de ideias, angústias, desafios, e o
debate sobre as problemáticas educacionais estão em forte evidência. Existe uma integração
entre os professores e a valorização do trabalho em conjunto.

Para melhor visualizar a associação entre estes elementos relacionados à autonomia e


as categorias nas quais aparecem, o quadro a seguir ilustra esta relação.

Elementos relacionados à autonomia Categorias de análise nas quais aparecem


Participação autodeterminada  Adaptação
 Cooperação
 Transformação
Participação socialmente responsável  Adaptação
 Cooperação
 Consciência social e empatia
 Transformação
Participação criticamente consciente  Adaptação
 Transformação
Construção de uma visão crítica da educação  Adaptação
 Transformação
Gestão de constrangimentos locais para a  Adaptação
criação de espaços de manobra
Centralização do ensino na aprendizagem  Consciência social e empatia
Interação na comunidade profissional  Cooperação
 Transformação
Quadro 3: Relação entre os elementos de autonomia (RAYA, LAMB e VIEIRA, 2007) e as categorias de
análise.

Os dados, portanto, revelam a possibilidade de transformação social e de emancipação


(inter)pessoal, que surge na maneira como os professores participantes compreendem sua
95

profissão, trazendo impactos positivos na vida de seus alunos, muitas vezes através de
pequenos gestos. “Às vezes mal se imagina o que pode passar a representar na vida de um
aluno um simples gesto do professor. O que pode um gesto aparentemente insignificante valer
como força formadora ou como contribuição à do educando por si mesmo” (FREIRE, 1996,
p.42).

Ao observar um desses gestos, questionei-me sobre as motivações dos professores. No


dia 17 de setembro de 2014, durante uma reunião de conselho de classe, fiz uma anotação em
meu diário de pesquisa, já citada na análise de dados no excerto 14. Nesta observação,
perguntei-me sobre o que suscita nos professores a inciativa de usar seu próprio dinheiro para
financiar a festa do dia das crianças e se estas atitudes não teriam relação com uma autonomia
voltada para o social, que tem como objetivo modificar o mundo ao seu redor.

Observando dos dados gerados na pesquisa, acredito que existe uma forte vontade de
mover algo, gerada pela inquietação destes professores. Os obstáculos os incomodam, mas os
motivam a fazer o que está dentro de seu alcance, algumas vezes contribuindo com seu
próprio dinheiro, algo que foge de suas obrigações. Por outro lado, a vontade de transformar
acaba sendo eventualmente tolhida por uma série de obstáculos que impossibilitam mudanças
mais profundas, restringindo a realização de seus objetivos como educadores. Este conflito de
elementos favoráveis e desfavoráveis pode beneficiar ou prejudicar a autonomia dos
professores.

A autonomia dos professores é favorecida dentro do ambiente escolar em questão


devido a alguns fatores. O primeiro deles é a relação estabelecida entre os membros da equipe
da escola. Os professores deixaram bem claro que têm liberdade tanto para planejar suas
aulas, como para trocar informações com seus colegas de trabalho. Além disso, essa abertura
acaba favorecendo também a cooperação entre os professores, que procuram trabalhar em
conjunto e quando têm seu horário de troca reduzido sentem falta desta interação, como foi
mostrado da análise de dados.

Outro ponto que pode ser favorável à autonomia destes professores é a sua consciência
a respeito de seu papel como educadores, permitindo que possam adaptar com seus conteúdos
e materiais de forma a lidar melhor com a realidade social em questão, favorecendo seus
aprendizes e um aprendizado mais significativo.
96

Sua consciência também se mostra importante no desenvolvimento da empatia no


ambiente escolar. Os professores participantes demonstraram ter essa capacidade, entendendo
a relevância da afetividade e da compreensão da realidade de seus alunos para a evolução dos
mesmos.

Em contrapartida, existem alguns fatores que podemos identificar como inibidores,


impedindo um maior desenvolvimento da autonomia de professores. O primeiro fator que
poderia destacar é a situação estrutural da escola, que precisa conviver com a situação de uma
obra inacabada, onde diretoria e sala dos professores precisaram ser realocadas para duas
salas de aula e onde o auditório encontrava-se sem utilidade, sem cadeiras e equipamentos por
causa da reforma abandonada.

Outros fatores a destacar são as condições de vida dos alunos e a falta de suporte dos
órgãos governamentais. Além de alunos com dificuldades financeiras e problemas familiares,
os professores relataram com tristeza- e em alguns momentos lágrimas - que recebem um
número considerável de alunos com algum tipo de deficiência física ou mental e que estes não
recebem o atendimento médico e o apoio pedagógico necessários.

Entretanto, mesmo diante de impedimentos, os professores demonstram exercer seu


papel de educadores de forma consciente e responsável, acreditando que seu trabalho pode
resultar em algo positivo. Raya, Lamb e Vieira (2007) falam sobre a importância da
autonomia e da esperança perante as restrições:

“Mesmo quando as mudanças parecem demasiado pequenas, podem fazer a


diferença em termos da qualidade do ensino e da aprendizagem. E mesmo
quando nada parece aberto à mudança, há sempre algo a ser explorado.
Dados os constrangimentos frequentemente encontrados em espaços educativos, um
dos mais importantes sentimentos no contexto do processo de mudança é a
esperança: “ter esperança é acreditar em possibilidades” (Van Manen, 1990:
123). A esperança pedagógica e a autonomia profissional andam e mãos dadas
na luta por uma educação melhor: uma educação que é emancipatória para
professores e alunos e que, em última análise, contribui para a transformação
da sociedade em geral. Se isto soar a utopia, então soa bem. Apenas os ideais
podem fazer com que a realidade avance, e não sermos capazes de cumpri-los
plenamente é justamente mais uma razão para continuarmos a tentar. Desta
perspectiva, lidar com a complexidade e com a incerteza é essencial a uma
aprendizagem profissional “re[ide]alista” ao longo da vida”. (RAYA, LAMB e
VIEIRA, 2007, p. 51)21

21
Grifo meu.
97

Deste modo, mesmo pequenas ações, gestos que circulem no meio educacional podem
fazer a diferença e trazer resultados positivos e possibilitadores de transformações sociais.
Acreditar nas possibilidades é uma expressão de autonomia, esperança e transformação social.

As crenças que os professores exprimem na criação de possibilidades através de seu


papel de educadores e no potencial da educação estão fortemente associadas a sua autonomia.
Estes elementos de esperança permitem a existência de ações que visem a emancipação tanto
de alunos como professores. A autonomia, portanto, é um elemento de esperança e
transformação social.

Assim, mesmo que as atitudes e crenças dos professores participantes analisadas neste
trabalho não pareçam ser grandiosas, ou seja, mesmo que não tenham uma evidência ou
reconhecimento devidos, são significativas para a realidade social na qual atuam. É possível
perceber que mesmo diante dos constrangimentos que relataram, estes professores acreditam
em possibilidades.

Através de crenças e atitudes dos professores voltadas para adaptação, consciência


social e empatia, cooperação e transformação, os dados demonstraram a possibilidade de uma
participação autodeterminada, socialmente responsável e criticamente consciente, voltada
para uma visão de educação que tem como objetivo a emancipação e a transformação social,
estendendo-se para além dos limites da vida escolar.

Estas crenças e atitudes observadas nos dados gerados remetem ao sentimento de


esperança de que Raya, Lamb e Vieira (2007) descrevem na citação acima. As ações que
executam e as crenças que exprimem a respeito de seu papel como educadores revelam a
viabilidade do cultivo de possibilidades através do desenvolvimento da autonomia de
professores.

O desenvolvimento da autonomia de professores, portanto, pode um elemento de


esperança e transformação social que abrange dimensões individuais, sociais e morais,
promovendo a atuação dos mesmos de forma significativa em sua comunidade de prática.
98

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103

ANEXOS
104

ANEXO 1:
105

ANEXO 2 – Letra da música em inglês

Pink Floyd – Another Brick in the Wall

Daddy's flown across the ocean


Leaving just a memory
Snapshot in the family album
Daddy what else did you leave for me?
Daddy, what'd'ja leave behind for me?!?
All in all it was just a brick in the wall.
All in all it was all just bricks in the wall.

"You! Yes, you behind the bikesheds, stand still lady!"

When we grew up and went to school


There were certain teachers who would
Hurt the children in any way they could
(oof!)
By pouring their derision
Upon anything we did
And exposing every weakness
However carefully hidden by the kids
But in the town it was well known
When they got home at night, their fat and
Psychopathic wives would thrash them
Within inches of their lives.

We don't need no education


We dont need no thought control
No dark sarcasm in the classroom
Teachers leave them kids alone
Hey! Teachers! Leave them kids alone!
All in all it's just another brick in the wall.
106

All in all you're just another brick in the wall.

We don't need no education


We don't need no thought control
No dark sarcasm in the classroom
Teachers leave us kids alone
Hey! Teachers! Leave us kids alone!
All in all it's just another brick in the wall.
All in all you're just another brick in the wall.

"Wrong, Guess again! 2x


If you don't eat yer meat, you can't have any pudding.
How can you have any pudding if you don't eat yer meat?
You! Yes, you behind the bikesheds, stand still laddie!"

I don't need no arms around me


And I don't need no drugs to calm me
I have seen the writing on the wall
Don't think I need anything at all

No! Don't think I'll need anything at all


All in all it was all just bricks in the wall.
All in all you were all just bricks in the wall.

Link: http://www.vagalume.com.br/pink-floyd/another-brick-in-the-wall.html#ixzz3ah8kzIc0
107

ANEXO 3 – Letra da música traduzida para o português

O papai voou pelo oceano


Deixando apenas uma memória
Foto instantânea no álbum de família
Papai, o que mais você deixou para mim?
Papai, o que você deixou para mim?
Tudo era apenas um tijolo no muro
Todos são somente tijolos na parede

"Você! Sim, você atrás das bicicletas, parada aí, garoto!"

Quando crescemos e fomos à escola


Havia certos professores que
Machucariam as crianças da forma que eles pudessem
(oof!)
Despejando escárnio
Sobre tudo o que fazíamos
E os expondo todas as nossas fraquezas
Mesmo que escondidas pelas crianças
Mas na cidade era bem sabido
Que quando eles chegavam em casa
Suas esposas, gordas psicopatas, batiam neles
Quase até a morte

Não precisamos de nenhuma educação


Não precisamos de controle mental
Chega de humor negro na sala de aula
Professores, deixem as crianças em paz
Ei! Professores! Deixem essas crianças em paz!
Tudo era apenas um tijolo no muro
Todos são somente tijolos na parede

Não precisamos de nenhuma educação


Não precisamos de controle mental
Chega de humor negro na sala de aula
Professores, deixem as crianças em paz
Ei! Professores! Deixem nós crianças em paz!
Tudo era apenas um tijolo no muro
Todos são somente tijolos na parede
108

"Errado, faça de novo!" (2x)

"Se não comer sua carne, você não ganha pudim.


Como você pode ganhar pudim se não comer sua carne?"
"Você! Sim, você atrás das bicicletas, parada aí,garota!"

Pt.3

Eu não preciso de braços ao meu redor


E eu não preciso de drogas para me acalmar
Eu vi os escritos no muro
Não pense que preciso de algo, absolutamente

Não! Não pense que eu preciso de alguma coisa afinal


Tudo era apenas um tijolo no muro
Todos são somente tijolos na parede

Link: http://www.vagalume.com.br/pink-floyd/another-brick-in-the-wall-
traducao.html#ixzz3yZEXLW3K
109

ANEXO 4 – Imagem que circulou na Internet


110

ANEXO 5 - Nota de repúdio emitida pela Faculdade de Educação (UFRJ)

Link: http://www.adufrj.org.br/index.php/noticias-destaque/2035-faculdade-de-
educa%C3%A7%C3%A3o-repudia-propaganda-de-mau-gosto-da-prefeitura.html

Acesso : 20/05/2015

“A Faculdade de Educação da UFRJ (FE-UFRJ) vem por meio desta manifestar o seu repúdio
à imagem utilizada na propaganda da SME, veiculada na página 05 do jornal O Globo, em 07
de dezembro de 2014. A FE-UFRJ compreende a pertinência de informar à população sobre a
criação de uma fábrica de construção de módulos, com a previsão de construção de 136
unidades de ensino climatizadas, e parabeniza a SME por toda iniciativa que objetive
aperfeiçoar o sistema de ensino público do município. A FE-UFRJ compreende, contudo, que
a imagem de alunos na esteira da linha de montagem de uma fábrica, associando o trabalho da
SME à ideia de fabricação de seres humanos como peças industrializadas produzidas em
série, contraria frontalmente uma concepção pedagógica responsável e republicana. A
formação a cargo da Educação Pública deve, em acordo com a legislação e as orientações
emanadas do Poder Público, priorizar a oportunidade de crescimento pessoal e coletivo, dos
educandos e educandas, através de valores como solidariedade e respeito à diversidade, e o
desenvolvimento de um espírito questionador e investigativo próprio ás bases das tradições
científicas e artísticas que compõem as práticas curriculares escolares.”
111

ANEXO 6 – Documento de autorização dos participantes

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Faculdade de Letras

Departamento de Letras Anglo-Germânicas

Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Linguística


Aplicada

Faculdade de Letras – Avenida Horácio Macedo 2151 – Departamento


de Letras Anglo-Germânicas – Cidade Universitária – Rio de Janeiro –
Cep: 21941-917

Telefones: (21) 2598-9770/9742

CONSENTIMENTO

Rio de Janeiro, _____ de ________de 2014.

Através deste documento, solicita-se sua participação num projeto de pesquisa que
prevê geração de dados através de gravações de entrevistas, reuniões e aulas em áudio e
vídeo, da observação de aulas e do registro de notas de campo. Os dados gerados serão
analisados no desenvolvimento de pesquisa qualitativa vinculada à Faculdade de Letras e ao
Programa Interdisciplinar de Linguística Aplicada, ambos da Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
Este documento garante que as identidades dos participantes da pesquisa serão
mantidas em anonimato. Indique, para cada item abaixo, o seu consentimento de uso dos
dados gerados utilizando sua rubrica. Os dados permitidos serão utilizados somente conforme
a permissão abaixo.
112

As gravações podem Áudio ______ Anotações ______


ser estudadas pelo
pesquisador envolvido
no projeto
As gravações podem Áudio ______ Anotações ______
ser estudadas pelos
bolsistas envolvidos
no projeto
As transcrições dos Áudio ______ Anotações ______
dados podem ser
usadas em publicações
científicas
As transcrições dos Áudio ______ Anotações ______
dados podem ser
usadas por outros
pesquisadores

Atenciosamente,

Camila da Silva Chaves

Mestranda do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar de Linguística Aplicada

Profa. Dra. Christine Nicolaides

Orientadora

Nome do(a) participante:________________________________________________

Assinatura do(a) participante:___________________________________________________

Data: ____________________________________________________

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