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Castelo Interior e o Combate Espiritual

Dentro do estudo sobre o castelo interior, a meditação e a experiência da vivência, os


passos que temos que dar exigem muito de nós. Por isso é necessário, de modo especial,
ter esse coração suplicante, porque, ao olhar para Santa Teresa de Ávila, nós vemos que
ela é uma grande mestra que nos ensina que o caminho das moradas do castelo interior é
de combate. Aqueles que querem ficar no comodismo ou lutarem com as próprias forças
correm grande risco de se perderem eternamente. Nós podemos correr esse grande risco.

Certa vez Santa Teresa de Ávila, ao participar de uma missa, viu dois demônios
próximos ao padre, como se o Senhor estivesse mostrando que aquele padre estava
em pecado mortal, para que Santa Teresa rezasse por ele. Também, para mostrar que
mesmo os ministros ordenados estando em pecado mortal, eles continuam sendo
aqueles que nos dão de forma válida o sacramento. Por meio disso, percebemos o
quão necessário é valorizarmos o sacramento e rezarmos pelos sacerdotes. Santa
Teresa também teve uma experiência extremamente forte, podendo ver uma pessoa
que passou anos enferma vivendo uma vida de pecado, que mesmo tentando sair do
pecado, não conseguiu confessar-se e endireitar-se antes da morte. Santa Teresa
ainda pôde ter uma visão de vários demônios “brincando” com o corpo de uma alma
pecadora falecida, como um claro sinal de condenação daquela alma que foi morta
em pecado mortal. Durante o velório, os convidados, de forma piedosa, acreditavam
que aquela alma havia sido salva, enquanto Santa Teresa via vários demônios no
velório. Santa Teresa também passou pela experiência de poder ter uma visão do
lugar que estaria reservado à ela no inferno, caso não buscasse uma vida santa,
visão essa que marcou completamente a sua vida.

Precisamos estar atentos, porque muitas vezes estamos escravos das mãos do
demônio, como estava a alma que citamos acima. Podemos achar que estamos
vivendo uma vida completamente santa, enquanto os demônios brincam com nossos
corpos. Isso não deve nos levar ao desespero, claro, mas ao profundo
arrependimento.
As Primeiras Moradas

Estas primeiras moradas são vastas anti-câmeras que se distribuem ao redor de toda a
periferia do castelo, por isso digo que não se imagine serem poucos os aposentos, mas
milhares, e as almas entram aqui de muitas maneiras. Há uma multidão delas nestes vastos
aposentos. Algumas só passam por lá e muitas param aí e não avançam. Não
encontraríamos, nós, nestas moradas a maior parte dos cristãos. Para julgá-lo escutemos a
descrição que Santa Teresa faz do estado dessas almas: São almas que estão em estado
de graça. Isso é evidente para a santa, que lhe é suficiente notá-lo com observação firme.
Assim, com mal falar dos que estão em pecado mortal, dizíamos quão negras e de mau
odor são suas águas, assim aqui, embora Deus nos livre, isso não passa de comparação,
pois não se trata do mesmo caso daqueles.

Só se pode entrar no castelo em estado de graça, porque apenas a graça permite


estabelecer com Deus esta relação de amizade, que é a oração e a vida espiritual.
Esta graça possui certa vida, mas muito anêmica. Tais almas chegam aí animadas de
boa intenção, embora ainda estejam muito envolvidas no mundo. Eles têm bons
desejos, boa intenção e desejos que muitas vezes se manifestam no decorrer a Deus.
Vez por outra, se encomendam a nosso Senhor, refletindo sobre quem são, ainda que
de forma muito profunda. No espaço de um mês, rezam um dia ou outro, distraídas
com as mil coisas que lhe enchem o pensamento. Vê-se que a sua vida espiritual não
é intensa. Essa alma não fica reduzida ao mínimo, que lhes permite não morrer. Na
verdade, não diz Santo Afonso de Ligório que o mínimo vital da caridade para não
sucumbir de inanição, é fazer pelo menos um ato por mês?

Nestas primeiras moradas a vida sobrenatural é grata ao redor deste mínimo. O que impede
que o fermento da vida cristã se desenvolva nelas? São ainda pessoas muito absorvidas
pelo mundo, desvanecidas com honras e pretensões, elas são extremamente apegadas a
elas. Podemos adivinhar com que dificuldade sobem até Deus, no entanto, o seu
movimento é sincero, elas procuram de quando em quando libertar-se. Por fim, entram nas
primeiras dependências da parte de baixo, mas entram com elas tantos parasitas, que não
lhes permitem ver a formosura do castelo, nem sossegar. Este mínimo de vida espiritual que
a santa sublinha, com a misericórdia maternal, esta centelha que a custo brilha, não basta
para iluminar a alma. De fato, ela não vê em si a luz de Deus, e
Santa Teresa habituada a luz clara e pura que preenche a sua alma, freeza esta deficiência
desta alma que está neste estado.

Notareis que estas primeiras moradas quase não recebem nenhuma réstia de luz que
sai do palácio onde está o rei. Embora não estejam escuras e negras como quando a
alma está em pecado, estão de alguma maneira obscurecidas e não se consegue ver
quem está nelas. Isso não por culpa do aposento, mas porque entraram com a alma
tantas cobras, víboras e animais peçonhentos que não a deixam ver a luz. É como se
alguém entrasse num lugar com muita claridade e tendo um cisco nos olhos, quase
não os pudesse abrir. O aposento está claro, mas a alma não o percebe por causa
dessas feras, que a obrigam a fechar os olhos para não ver senão a elas. Esta semi
obscuridade exclui não só toda experiência mística, propriamente dita, mas também a
necessidade habitual de voltar para Deus. Ainda que, de fato, deseje ver e gozar sua
formosura, a alma não consegue e não parece poder desvencilhar-se de tantos
impedimentos. Nesta semi obscuridade, nos tropeços destas primeiras moradas,
criadas pelo transbordar das tendências e pela liberdade que lhes é deixada, os
demônios encontram na alma um terreno favorável a sua ação tenebrosa. O demônio
deve manter legiões de seus emissários em cada peça, a fim de impedir a passagem
das almas de umas para as outras. Não entendendo a pobre alma, de mil formas ele a
faz cair em ilusão. Algumas das artimanhas do demônio chegam até aos bons
serviços da alma.

Nas moradas superiores, as potências da alma tem força o suficiente para lutar contra o
demônio, mas nestas primeiras, pelo contrário, o terreno é tão favorável a ação do demônio,
tão facilmente estas almas são vencidas, embora nutra um desejo de não ofender a Deus,
que na opinião da Santa, elas não podem permanecer nestas regiões sem perigo, entre
animais peçonhentos que não a deixaram de morder pelo menos uma vez ou outra, e
podemos adivinhar que esta mordida é o pecado, e pecado grave.
Pecado Mortal

Este receio de ver as almas cair em pecado mortal para perseguir Santa Teresa,
quando descreve as primeiras moradas, é bem presente. Como poderia sentir a alma
tão perto do precipício e não tremer como uma mãe por causa dela? Nem sequer
terminou a descrição do estado da alma nestas primeiras moradas e já fala do pecado
mortal. Quererem inspirar temor a ele, para que o evitassem. Diz Santa Teresa:

Conheço uma pessoa a quem nosso Senhor quis mostrar como fica uma alma
quando comete um pecado mortal. Se entendessem o que significa isso, ninguém
seria capaz de pecar, ainda que tivesse de se submeter aos maiores sofrimentos, para
fugir das ocasiões. Assim, quis essa pessoa que todos o entendessem.

Também, nós, conhecemos essa pessoa, trata-se da própria Santa Teresa, como dão
testemunho seus outros escritos. Utilizará, então, sua experiência mística para nos
dar uma descrição tão precisa e tão metafórica do pecado mortal, que tanto o teólogo
como o poeta estarão satisfeitos e onde todos poderão se deparar com o horror de
cometê-lo. Antes de tudo, eis aqui o estado da alma:

Não há treva tão tenebrosa, nem coisa tão escura e negra que se compare aos que estão
em pecado mortal. Quão negras e de mau odor são suas águas. Como explicar essa
escuridão? Basta dizer que o próprio sol, que lhe dava a alma tanto resplendor e formosura,
se encontra ainda no centro da alma, mas é como se isso não acontecesse. De fato,
sublinha a santa, Deus continua presente na alma. Admito que realmente é assim,
quando a alma não está em graça e não por falta do sol de justiça que está nela, mas por
se mostrar incapacitada de receber a luz. Aquele sol resplandecente que está no centro da
alma não perde o seu resplendor e formosura, pois continua dentro dela e nada pode
apagar o seu brilho.

Logo, Deus não é diretamente atingido pelo pecado, mas o pecado afeta a relação
entre a alma e Deus. Apenas a alma sofre os danos essenciais. Somos criados por
Deus e devemos retornar para ele. Deus é o nosso fim. Retornamos para ele pelo
caminho que ele determinou para nós, cumprindo sua vontade e dando-lhes glória, ao
mesmo tempo em que encontraremos também a felicidade. Este caminho nos é
indicado pelas obrigações gerais ou pelos preceitos particulares que nos são
impostos. Através da obediência, a alma mantém a sua orientação e segue a sua
caminhada rumo à Deus. Com a face voltada para ele, dele recebe luz, seu calor e sua
vida. Quando, pelo contrário, deliberado e voluntariamente a alma se recusa a
obedecer a Deus para satisfazer uma paixão e buscar um bem particular, ela não está
mais orientada para ele. O pecado que então comete é constituído por essa escolha
voluntária e a atitude de afastamento que daí resulta, pela qual se prefere um bem
particular ao invés de Deus. Enquanto não tiver se retratado de sua atividade de
pecado e não retornar para Deus, permanecerá privada de todos os proveitos
espirituais que lhe asseguram sua orientação e sua união com ele.

Se sobre um cristal que está ao sol se puser um pano espesso e negro, claro está
que, embora o sol coloque sua luz sobre ele, não terá efeito sobre o cristal.
Compreendi que quando a alma está em pecado mortal, esse espelho da própria alma
se cobre de densa névoa e fica muito escuro. A alma em estado de graça
assemelhava-se a essa árvore da vida plantada nas próprias águas vivas de vida, que
é o próprio Deus. Ao cometer o pecado mortal, perde esta vida.

Diz Santa Teresa:

Deus mostrou-me, também, o estado da alma em pecado, sem nenhum poder, mas
como a alguém que tivesse de todo atado e preso com os olhos tapados, que mesmo
querendo não consegue ver, andar e ouvir.

Esta impotência, evidentemente, deve ser entendida na ordem sobrenatural, porque na


ordem natural a alma pode continuar a agir e até mesmo a realizar atos naturalmente bons,
mas estas boas obras não têm nenhum mérito. Não se beneficia em nada, decorrendo que
todas as obras que fizer, estando ela em pecado mortal, são de nenhum fruto para alcançar
a glória. Sua caridade pode vivificar as boas obras. Sem ela, toda obra é morta. Esta
caridade não mais se difunde na alma. A alma, pelo pecado, perdeu contato com esta
nascente divina de amor transbordante, que é tudo para ela. Perdeu o frescor e a fertilidade.

Porque a intenção de quem comete um pecado mortal não é contentar a Deus, mas
dar prazer ao demônio, sendo este as próprias trevas. A pobre alma se torna treva
com ele. A alma perde ainda os demais proveitos espirituais da presença deste Deus
que era sua vida e sua fecundidade. Morta para a vida sobrenatural, está condenada,
por seu estado, à exterioridade completa. Todas as boas obras que fizer são de
nenhum fruto para alcançar a glória, isso porque não procedem do princípio pela qual
nossa virtude é virtude, ou seja, o próprio Deus. Se o lugar que está plantada a árvore
é o demônio, que fruto ela pode dar? Um homem espiritual disse-me certa vez que
não se espantava com o que faz aquele que está em pecado mortal, mas com o que
não faz.

Muitas vezes nós mesmos nos acostumamos a viver em estado de pecado mortal. Quando
tratamos a confissão como um livramento do inferno e não como um dever e obrigação,
começamos a usá-la de forma completamente irresponsável. Isso pode causar até mesmo
uma dureza de coração.

Como ficam os pobres aposentos do castelo? Como se perturbam os sentidos, isto é,


a gente que é vivo e as potências. Com que cegueira e incompetência desempenham
suas funções?

A santa realça os proveitos que tiraram da visão de uma alma em estado de pecado
mortal, sendo o principal, o imenso temor de ofendê-lo. Aos muitos que são menos
favorecidos que a Santa, a fé oferece um espetáculo vivo e doloroso que mostra de
forma horrível o poder do pecado. Jesus tinha vindo à terra para nos livrar do pecado,
tomando ele sobre si.

“Eis o cordeiro de Deus aquele que tira o pecado do mundo.”

Foi com esses termos que João Batista apresentou Jesus Cristo à multidão nas
margens do Jordão. A santa humanidade em Cristo ungida com a ação da divindade,
e por esse motivo em pecado, tinha tomado sobre si o pecado do mundo. O peso do
pecado, Jesus o tomou ao vir a esse mundo. O pecado do mundo, como manto de
desonra, cobria desde o princípio o santo por excelência e fez dele uma vítima. Entre
as ondas de luz e felicidade, que lhe provinha da visão beatífica da divindade, que
nele habitava corporalmente, e o pesado fardo da desonra que o oprimia. Jesus
Cristo caminhava corajosamente e seguiu para sua paixão.

Por um processo que, para nós, permanece misterioso, Jesus alterou de alguma
maneira o equilíbrio de sua alma. Permitiu as ondas do pecado, contidas pelos
eflúvios da visão, que transbordassem sua alma e que cumprisse a sua obra de
destruição com todo o seu poder. Os sentidos são invadidos, as faculdades da alma,
inteligência e vontade ficam envolvidas. Em Cristo, nada poderia se macular, mas ele
pode sofrer e morrer. Esta humanidade santa vai tornar-se o terreno das duas
maiores forças que existem: aquela da divindade, que santifica, e aquela do pecado
do mundo de todos os tempos. É um inferno que lança um ataque ao céu, para nele
derramar as suas trevas, seu ódio e sua morte. Para poder dimensionar o sofrimento
de Cristo, sua repugnância, suas trevas e o peso do ódio que o suporta, seria preciso
medir a distância que separa a sua santidade do pecado, cujas ondas destruidoras o
invadem. O sofrimento reside no contraste e no vigor com estas forças que se
estreitam, sendo a santidade passiva e parecendo que só o ódio tem o direito de lutar
e destruir. É hora do poder das trevas.

Quer saber qual a fealdade do pecado mortal? Olhemos para o sofrimento de Cristo. São
João de Ávila fala que, se nós percebemos o sofrimento fora, pelas chicotadas e os
espinhos, maior ainda seria o sofrimento interior. Lutemos para que a ingratidão não tome
conta do nosso coração. Às vezes nos entregamos facilmente ao pecado mortal, assim
perdendo nosso vigor, força e fé. O pecado mortal nos torna inimigos de Deus. Se
morremos em pecado mortal, sem a contrição perfeita, vamos direto para o inferno. Não
podemos brincar com a nossa salvação.
O Inferno

Conta Santa Teresa de Ávila:

Certo dia, estando em oração, acabei me vendo, sem saber, no Inferno. Isso durou
muito pouco tempo, mas mesmo que eu vivesse muitos anos, parece-me impossível
esquecer. A entrada me pareceu um longo e estreito túnel, semelhante a um forno
muito baixo, escuro e apertado. O solo dava impressão de conter uma água igual a
uma lama muito suja, e o odor era pestilencial, havendo nele muitos répteis daninhos.
Havia no fundo uma concavidade aberta na parede, parecida com um armário onde
foi colocado, ficando bastante apertado. Tudo isso é agradável, em comparação com
que senti ali. Isto que digo está muito além da verdade. O que senti parece ser
impossível de definir, de fato, e de entender, mas senti um fogo na alma que não sei
como explicar. As dores corporais eram insuportáveis, ainda mais que percebi que
elas seriam sem fim. Tudo isso é insignificante, porque dizer que é igual a sensação
de estarem sempre arrancando a alma é pouco, pois isso seria equivalente a tê-la
retirada por alguém. Nesse caso, no entanto, é a própria alma que se despedaça. Não
sei como fazer jus com palavras ao fogo interior e ao desespero que se sobrepõe à
gravíssimos tormentos e dores. Eu não via quem os provocava, mas o sentia
queimando-me e retalhando-me, mesmo assim tenho a impressão de que aquele fogo
e aquele desespero interior são o pior.

Quando se está num lugar tão pestilento, sem poder esperar consolo, não se pode
ficar nem sentado e nem deitado, porque não há lugar para isso, pois me puseram
naquela espécie de buraco feito na parede. Entre essas paredes que espantam a
visão, somos apertados e ficamos sufocados. Não há luz, mas sim trevas escuras.
Não entendo como pode ser que, não havendo luz, seja possível ver tudo o que causa
padecimento. Nessa ocasião, o senhor não quis que eu visse mais coisas do Inferno.
Mais tarde, tive outra visão de coisas assombrosas sobre o castigo de alguns vícios.
Vê-las me mostrou o quão espantosas eram, mas como não senti o sofrimento, não
tive tanto temor.

Fiquei tão abismada e ainda estou enquanto escrevo, apesar de já terem passado
quase 6 anos. Desde então, tudo me parece fácil, diante de um momento em que se
tenha que sofrer o que lá padeci. Fico atordoada ao pensar que, lendo muitas vezes
livros onde se explica algo das penas do Inferno, eu não tivesse medo e nem as
tomasse pelo que são. Isto criou em mim uma grande compaixão pelas almas que se
condenam e intensos ímpetos de salvar almas, pois tenho a impressão de que para
livrar somente uma só delas, eu voluntariamente enfrentaria muitas mortes. Quão
maior não será o nosso desassossego diante dessa dor que não se acaba? Infligidas
tantas almas que o demônio leva consigo a cada dia. Ó, almas remidas pelo sangue
de Jesus Cristo, entendei-vos e tendes dó de si mesmos. Como é possível que
entendendo essa verdade, não procureis tirar a mancha do cristão. Tirar o pecado da
alma. Que Deus, em sua misericórdia, nos livre de tão grande mal, pois só há uma
coisa, enquanto vivemos, o que de fato merece esse nome, já que acarreta males
eternos e sem fim, o pecado.
O grande pecado deste tempo é ter perdido a dimensão da gravidade do pecado. Ficamos
anestesiados e acostumados a pecar. Confessamos, mas voltamos para a vida de pecado
novamente. Nenhuma descrição das penas do Inferno se compara àquilo que a santa viu
durante a sua oração. O medo sadio do Inferno é algo necessário. Devemos ter medo de
ofender a Deus. Embora alguém possa estar em alguma morada alta, ainda existe o temor
de se afastar de Deus. Como fala a palavra: “Onde há o amor, o temor cessa.” Ao
iniciarmos a caminhada, costumamos ter muito medo das penas do Inferno, às vezes até
esquecemos da maior pena que é a de se esquecer de Deus. Todas as vezes que caímos
em pecado mortal é como se estivéssemos falando para Deus que não amamos ele.

Notamos que Santa Teresa percebeu características de uma alma condenada, mais
especificamente, a perda dos sentidos, como a imobilidade e a escuridão. Quando
vier a tentação, medite sobre o amor de Deus, e se ela persistir, medite sobre o
inferno. Precisamos levar a nossa salvação a sério. Julgamos, pecamos e acabamos
por esquecer que corremos o risco de nos perdermos completamente no inferno.
Temos muita facilidade em reconhecer o pecado dos outros, mas perdoamos os
nossos próprios pecados, mesmo que sejam mortais. Colamos desculpa para não
fazer jejum. Nos achamos extremamente santos, sem perceber que estamos vivendo
em soberba. A soberba invisível nos leva a cair na luxúria, que é um pecado visível,
para tomarmos conta de que estamos nos perdendo.
O Diabo no Castelo

O grande objetivo do demônio, quando a alma está na segunda morada, é incitar a


alma a retornar ao pecado, lutando contra todos os passos dados em direção à
Jesus. Na vida espiritual, parar é o mesmo que retroceder. O demônio pode trazer a
tentação por meio do desânimo espiritual, precauções e ansiedades mundanas,
dessa maneira, distraindo as almas do caminho. Pode tentar as almas a se
confessarem com menor frequência, rezarem menos e, aos poucos, deixarem a vida
espiritual de lado, assim focando mais nos prazeres mundanos. O demônio sempre
tenta nos levar a permanecer na zona de conforto. Faz com que não busquemos
conhecimento, maturidade, oração e disciplina. Ele quer que sejamos completamente
descansados.

Porém, o demônio é impotente contra uma alma humilde. À medida que sua
humildade aumentar, o inimigo será menos influente contra você. O demônio quer
nos ver orgulhosos, cheios de arrogância e superioridade. Quando nos rebaixamos
para Deus, buscamos a oração e a humildade, ficamos mais fortes na batalha.
Precisamos buscar levar a sério a vida espiritual, sempre procurando a oração, a
confissão, ler a bíblia, confiança na misericórdia e disciplina religiosa.
Oração Vocal e Oração Mental

Alguns consideram que a oração vocal é a oração que se faz falando com a boca e a
oração mental é aquela que se faz em silêncio, falando somente em pensamento.
Contudo, não funciona assim. Oração vocal é aquela que fazemos com palavras
compostas por terceiros, quando, por exemplo, rezamos o rosário ou lemos as
orações de algum livro. Elas são orações vocais, mesmo que lidas por pensamento.
Por outro lado, a oração mental é aquela que fazemos ao falar com Deus ou com a
virgem Maria, com o uso de nossas próprias palavras, as quais não estão escritas em
livros, semelhante quando nos dirigimos aos nossos pais ou irmãos, falando com
nossas palavras, sem a necessidade de usar livros para isso. Seria ridículo que para
falar com nossos pais tivéssemos que dizer o que outra pessoa disse ou que
tivéssemos que aprender a fazer isso com algum livro. Então, a mesma coisa
precisamos fazer para falar com nosso Deus e Pai. Ele nos conhece muito, mais que
os nossos pais da terra e, também, nos ama infinitamente mais, portanto, devemos
nos dirigir a ele com absoluta confiança, dizendo-lhe tudo aquilo que nos preocupa.
Ele não necessita que lhe digamos com muita diplomacia, pois, conforme nos foi dito
por Jesus Cristo, vosso pai sabe de tudo que tens necessidade antes mesmo de lhe
pedir algo. Além disso, o espírito socorre nossa fraqueza, pois não sabemos o que
pedir e nem como convém, mas o espírito intercede por nós com gemidos inefáveis.
Aquele que prescruta os corações sabe qual o desejo do espírito, pois é segundo
Deus que ele intercede pelos Santos.

Às vezes acontece de falarmos aos homens sobre algo que não sabemos explicar ou
sobre o que eles não conseguem entender. Isso, porém, não acontece com Deus,
porque antes mesmo de pronunciarmos as palavras ele já conhece os nossos
desejos. Trata-se a oração mental de falar com Deus sobre coisas que nos
preocupamos. Esta conversa da alma com Deus pode se mesclar com a meditação,
mas também pode ser feita separadamente em outra hora. O melhor lugar para a
oração é diante do sacrário, mas ela também pode ser feita em qualquer lugar, até
mesmo durante um passeio, porque Deus está sempre conosco e sempre nos escuta.
O tempo de dedicação a esta conversa com Deus nunca pode ser inferior a meia hora.
Santo Afonso nos recomenda uma hora, e São Pedro de Alcântara diz que tudo o que
seja menos de uma hora, uma hora e meia e duas horas é curto prazo de oração. Da
minha parte, recomendaria ao iniciante fazer uma ou pelo menos meia hora sem
nunca faltar ao exercício, exceto por motivo de enfermidade ou outra grave ocupação.
Quando for o caso de ter que escolher entre faltar a leitura meditada ou a oração, falte
então a meditada, pois o quanto for possível, nunca se deve deixar de orar.

A leitura meditada favorece a oração mental, mas se tivermos que optar entre fazer
somente uma dessas, que seja a oração mental. Os livros têm que ser instrumentos para
nos ajudar a rezar, mas nunca um empecilho. São João de Ávila fala que a função dos livros
é nos elevar para Deus.

Diz São Bernardo: O próprio silêncio e a ausência de ruído exterior dirigem a alma
para o pensamento das coisas do céu. Segundo palavras do próprio Jesus, o silêncio
do nosso quarto é propício para a oração, mas, de fato, o melhor lugar para orar é
junto ao sacrário. São João de Ávila afirma que não há lugar mais devoto para orar do
que em uma igreja em que há Jesus no santíssimo sacramento. Se quiseres rezar
bem, é necessário aderir ao silêncio exterior e ao interior. É preciso ter a necessidade
de se desprender dos afetos terrenos.

Antes do pecado original, Deus sempre se encontrava com Adão e Eva no mesmo lugar ao
cair da tarde. A oração nunca pode estar em segundo lugar. Claro que precisamos encaixar
o tempo da oração de acordo com o tempo livre que temos na nossa rotina, mas deve ser
sempre um momento a ser priorizado.

Conversando acerca de certas pessoas que são apegadas ao mundo, declarou o


senhor a Santa Teresa: .

“Gostaria de falar-lhe, mas as criaturas fazem tanto barulho a seus ouvidos que não
consigo me fazer ouvir em nenhum momento. “

Escreve certo ator que, em geral, o melhor horário para a oração é de manhã e durante a
noite, mas principalmente durante o dia, pela experiência de São Gregório. Quando a
oração é feita antes dos afazeres, o pecado não encontra brecha para entrar na alma. Um
ato fervoroso de amor feito de manhã na oração já é suficiente para manter o fervor da alma
durante todo o dia.

Quanto ao tempo que deve durar a oração, a regra dos santos foi consagrada e todas
as horas deixadas livres entre as ocupações convenientes à vida humana. São
Francisco de Borja empregava na oração oito horas, porque os superiores não lhe
permitiam mais. E quando já havia transcorrido as oito horas, pedia que, por
caridade, lhes permitissem alongar um pouco mais. Santo Antão passava a noite em
oração. Quando nascia o sol, que era sinal de que precisava terminar, reclamava ao
astro rei por ter amanhecido tão rápido. Dizia o padre Baltazar Alvares:

“Bom religioso neste desterro, quando não está em oração, deve se encontrar em um
estado de violência, como uma pedra fora do seu centro. “

Quando elevamos nosso coração a Deus, estamos imitando os bem-aventurados.

Em relação à postura, a mais conveniente para orar é a de joelhos, mas se o


desconforto for motivo de distração, então ela pode ser feita de forma modesta,
sentado. Não que seja pecado rezar deitado ou de maneira mais “relaxada”, mas pode
favorecer ao pecado, causando cansaço e preguiça no corpo. A alma de oração é,
também, uma alma de mortificação. É impossível ser uma alma de oração se não for,
também, uma alma de penitência e sacrifício. Como alguém aguentaria uma hora de
oração se não está disposta a sofrer muito por Deus? A oração é a coisa mais
maravilhosa do nosso mundo, quando Deus se deixa sentir na alma, mas também, é
horrivelmente angustiante quando a deixa sentir as angústias da securas. Não há
doçura no mundo que se compare ao sabor da oração. Todos os prazeres deste
mundo são desmedidos e desinteressantes, quando comparados às doçuras da
oração. Contudo, não devemos realizar a oração com a finalidade de apego aos
consolos divinos, conforme já alertamos várias vezes, mas com a intenção de
conhecer qual a vontade de Deus para conosco. Como preparação para orar, destrua
a própria vontade, e diga ao Senhor: “Fala, pois teu servo ouve.” Isso deve ser feito
com ânimo resoluto, porque, pelo contrário, faltando tal disposição, o senhor não
falará conosco.
Meditação

Quando as faculdades estão suficientemente exercitadas e alimentadas para


prescindirem de um apoio, a alma pode abordar a oração em sua forma mais
tradicional, que é a meditação. A meditação consiste em fazer reflexões e
considerações sobre um assunto previamente escolhido, para criar em si mesmo
uma convicção fecunda ou uma resolução. Pode ser orientado por diversos métodos
que comportam todos um prelúdio de presença de Deus e humildade. Um corpo de
meditação no qual se criam pela reflexão as convicções e, por fim, uma conclusão
onde se exprime os sentimentos, os pedidos e se individualizam as resoluções.
Destas meditações muito bem dispostas, adaptadas às necessidades das diversas
almas, os livros oferecem modelos. As obras que explicam os métodos de oração
discursiva ou apresentam meditações com as reflexões a serem feitas. Os afetos a se
formar e os atos a realizar foram numerosos em todas as épocas.

Devemos ser bem críticos em relação às obras que escolhemos para ler. Devemos buscar,
principalmente, obras que falem sobre as escrituras. Algo que pode ajudar os iniciantes na
vida espiritual, aqueles que estão nas primeiras moradas, é a meditação sobre a paixão de
Cristo, céu, inferno e o mistério da encarnação, e a leitura de livros de santos como Santo
Afonso e São João de Ávila. A meditação nos ajuda a desenvolver o foco na vida espiritual.
Se não treinarmos o nosso coração para se abrir ao Senhor, nunca teremos uma vida santa.
Por meio das meditações alcançamos resoluções para nossas vidas, como por exemplo: a
resolução do perdão, da fé e da confiança. Uma das grandes tentações das primeiras
moradas é a soberba. Já que nas primeiras moradas lutamos contra o pecado mortal, ao
sair delas podemos cair na ilusão de achar que nos tornamos imunes a qualquer tipo de
pecado mortal. Essa soberba pode nos levar a cometer ainda mais pecados, como a
vaidade, orgulho e o ato de julgar os irmãos. À medida que crescemos na vida espiritual,
começamos a sentir uma grande liberdade interior, nesse momento, o demônio pode usar
esse sentimento de liberdade como forma de nos tentar. Abandonar o pecado é algo
extremamente necessário, mas não podemos achar que ficaremos eternamente imunes a
ele. É preciso estarmos sempre lutando
As Segundas Moradas

A grande meta da nossa vida é se unir completamente a Deus. Esse é o simbolismo do


castelo interior: uma grande caminhada para Deus. Quando estamos em pecado mortal,
nos desviamos do castelo e ficamos presos ao pecado. Ao tomarmos a decisão de se
entregar a Deus, estamos tomando a decisão de entrar ou, também, voltar ao castelo. É
comum que a alma nas primeiras moradas ainda tenha um pouco de inconsistência na sua
vida espiritual, já que ainda não possui uma boa prática da oração mental. Porém, nas
segundas moradas começamos a desenvolver uma maior constância na vida espiritual e
adquirimos uma melhor experiência com a oração mental.

Antes de tudo, a alma sem oração não tem luz, pois quem tem os olhos fechados não
pode ver o caminho que conduz à pátria. As verdades eternas são coisas espirituais
que não se veem com os olhos do corpo, mas somente com os da alma, isto é, com o
pensamento e a consideração. As pessoas que não fazem a oração mental não
conseguem enxergar as verdades espirituais, por isso não entendem a importância
da salvação eterna. A causa da perda de tantas almas é descuidar de considerar o
grande negócio da nossa salvação. A desolação reina em toda a terra, porque
ninguém medita em seu coração. O Senhor nos assegura que aquele que tem diante
dos olhos as verdades da fé, isto é, a morte, o juízo e a eternidade feliz ou infeliz, não
cairá nunca em pecado. O nosso divino Salvador nos manda ter sempre cingido os
nossos rins e nas mãos lanternas acesas. As lanternas simbolizam boa-ventura, que
são justamente as santas meditações. É na oração que o Senhor nos fala e ilumina
para acertar com um caminho da salvação.

A oração mental é um espelho que nos mostra todas as manchas que temos na alma.
Ainda que nos pareça que não há em nós imperfeições, estas aparecem bastante,
logo que Deus nos abre os olhos da alma. Quem não faz oração não conhece os seus
defeitos e por isso não consegue ter aborrecimento contra eles, nem tão pouco ver
os perigos que correm a sua salvação. Mas quem se dá a oração, logo enxerga os
seus defeitos e os perigos de se perder, cuidando de remediar-se. Davi, meditando na
eternidade, movia-se a praticar as virtudes e a se purificar dos vícios. O esposo dos
cantares dizia: “Apareceram as flores na nossa terra! Chegou o tempo da poda!
Ouvi-se a voz da rola!”. Quando a alma faz como a rola solitária e se retira e
recolhe-se na oração para falar com Deus, então aparecem as flores, isto é, os bons
desejos. Vem também o tempo de podar, isto é, de reformar os defeitos que se
descobrem na oração mental. É assim, porque a meditação tem por efeito regular os
afetos, dirigir as ações e corrigir os defeitos. Além disso, sem a oração não se tem a
força necessária para resistir aos assaltos dos inimigos, para praticar as virtudes
cristãs.

A oração age sobre o nosso coração como o fogo age sobre o ferro. Quando este
está frio, é muito duro e difícil de se trabalhar, mas submetido a ação do fogo, ele
amolece e se amolda facilmente à vontade do ferreiro. Para observar os preceitos
divinos e os conselhos evangélicos é preciso ter um coração dócil e disposto a
receber as impressões celestes e pronto para executá-las. Isto é o que Salomão pedia
a Deus: “Darei ao vosso servo um coração dócil”. Presentemente, por causa do
pecado, o nosso coração é naturalmente duro e todo inclinando aos prazeres do
sentido. Ele resiste às leis do Espírito, assim como se queixava o apóstolo: “Eu sinto
em meus membros uma outra lei rebelde, a lei do meu espírito”. Mas o homem se
torna brando e dócil sob a influência da graça que recebe na oração. Meditando na
bondade divina, no grande amor que Deus lhe teve e nos grandes benefícios que ele
fez, se inflama e se dispõe a obedecer a voz divina.

Ao contrário, sem oração o coração ficará duro, obstinado e desobediente, assim se


perderá. O coração duro terá fim desgraçado e aquele que ama o perigo nele
perecerá. Eis porque São Bernardo exortava ao Papa Eugênio Terceiro que nunca
abandonasse a oração por causa dos negócios exteriores. Alguns consideram ocioso
perder o tempo considerável que as pessoas devotas consagram aos exercícios da
oração, e dizem que poderiam empregá-lo em outras obras, mas não sabem que as
almas na oração adquirem força para vencer os inimigos e exercitar as virtudes. É por
isso que o Senhor proíbe perturbar o sono da sua esposa: “Não desperteis a minha
amada! A deixe dormir o tempo que quiser”. Diz “o tempo que quiser “, porque o
sono que a alma toma na oração é todo voluntário, mas ao mesmo tempo necessário
para a sua vida espiritual. Quem não dorme, não tem força para trabalhar e nem
caminhar, mas vai caindo pela estrada. A pessoa que não repousa e não toma forças
na oração torna-se incapaz de operar o bem e resistir às tentações.

Lê-se na vida da venerável Maria Crucifixa que, estando na oração, ouviu o demônio
gabar-se de ter feito certa religiosa faltar a oração comum e de continuar a tentá-la
enquanto grava, estando já prestes a sucumbir a pobre irmã. Pelo que a serva de
Deus correu logo a socorrê-la e com o auxílio divino a livrou da má sugestão. Veja em
que perigo se põe a religiosa que deixa a oração. Santa Teresa dizia que aquele que
deixa a oração não tem necessidade de demônios que o levem ao inferno, mas que
nele se põe com as suas próprias mãos. Aquele que abandona a oração torna-se, em
pouco tempo, ou um bruto ou um demônio. A oração é necessária para a nossa
salvação, e a meditação é necessária para orar bem. Sem a oração, Deus não nos
concede seus auxílios e sem estes não podemos observar seus mandamentos. É por
isso que o apóstolo exortava os seus discípulos a orarem sem cessar.

Todos nós somos pobres e mendigos, assim como Davi falava de si mesmo. O único
recurso dos pobres é pedir esmola aos ricos. Todo recurso está igualmente na
oração, pois com ela obtemos de Deus as suas graças. É impossível viver bem sem a
oração.

De onde vem o grande relaxamento que se nota nos costumes senão na falta de
oração? Deus está todo disposto a nos enriquecer com suas graças, mas ele quer ser
rogado e como que forçado a nos dar pelas nossas orações. Aquele que se aplica
bem a oração não pode cair em pecado. Os demônios param de nos tentar quando
estamos armados da oração. Sem a oração não há comunicação com Deus para
conservar as virtudes. Para obter as graças não basta orar só de boca, é preciso fazer
de coração. A oração mental é necessária para entender a perfeição, ou seja, para o
caminho de santidade.

Quem não frequenta a oração se priva do vínculo que une uma alma a Deus e não
será difícil ao demônio dominá-lo. E onde se abrazarão tanto de amor divino os
santos a não ser na oração? Por meio da oração São Pedro de Alcântara chegou a
arder tanto de amor de Deus, que um dia, para se refrigerar, chegou a se lançar em
um tanque gelado e fez a água ferver como em uma caldeira posta ao fogo. São Felipe
Neri, pondo-se em oração, se inflamava e se tremia de tal modo que fazia abalar toda
a cela. São Luiz Gonzaga, na oração, se abrasava do divino ardor, de sorte que
também seu rosto parecia todo afogueado e seu coração batia com tanta força que
parecia estar a ponto de saltar fora do peito. São Lourenço escreveu que pela oração
tem a virtude de expulsar as tentações, dissipar a tristeza, reparar as perdas da
virtude e reanimar o fervor que se extingue e aumenta as chamas do amor divino.

Uma alma aplicada a oração é como a árvore plantada perto da corrente das águas,
que dá frutos o tempo todo. São João Crisóstomo compara a oração a fonte que está
no meio do jardim.
Combate Contra os Demônios

Todas as noites no início das completas, a Santa Igreja faz ouvir a exortação do
apóstolo São Pedro. Sejam sóbrios e vigilantes. Eis que vosso adversário, o diabo,
vos rodeia como leão a rugir procurando a quem devorar.

(“ Completas” são orações que os monges, os sacerdotes, institutos religiosos e alguns


leigos fazem antes de dormir).

Nas segundas moradas começamos a desenvolver uma vida de oração mais constante, por
conta disso, o Demônio começará a preparar mais armadilhas e tentações para nos fazer
desistir ou voltar para as primeiras moradas novamente.

O ódio dos Demônios é poderoso e está sempre desperto. É normal que utilizem
todas as ocasiões para impedir a ação de Deus nas aulas. Os recursos dos Demônios
são variados e numerosos. Ninguém pode considerar-se ao abrigo de seus ataques. É
esta a opinião de Santa Teresa, expressa em muitas passagens das suas obras. Nas
suas ascensões espirituais não houve época em que não os tivesse encontrado e que
não tivesse necessidade de combatê-los. Desde as primeiras moradas ela nos avisa:
“Mas como é mal-intencionado o Demônio”. Ele deve manter legiões de seus
emissários em cada peça a fim de impedir a passagem das almas de umas para as
outras. Não entendendo a pobre alma, de mil formas ele a faz cair em ilusão, mas já
não o consegue tanto, perdendo sua força com as almas que se aproximam de onde
está o rei.

Ó, Jesus, em que barunfada metem aqui os Demônios a pobre alma aflita, que está
sem saber se passa adiante ou se retorna a primeira sala, porque de outro lado a
razão lhe faz ver o engano que é atribuir o menor valor a todas essas coisas, em
comparação do sumo bem que pretende. A fé lhe ensina qual é o verdadeiro caminho.
Representa-lhe a memória o fim em que vão parar todas essas vaidades. Trazem a
lembrança mortes, e algumas repentinas de pessoas conhecidas que muito gozaram
desses prazeres. Quão depressa caíram no esquecimento de todos alguns que
conheceu em grande prosperidade e jazem debaixo da terra pisada pelos
transeuntes. Quantas vezes ao passar de uma dessas sepulturas considera que está
ali aquele corpo e os vermes fervilhando nele, e assim muitas outras coisas que lhe
passam pela mente. Inclina-se a vontade de amar aquele em que tem visto tão
inumeráveis graças e tantas mostras de amor. Quisera corresponder ao menos em
parte, especialmente ao ver como este verdadeiro amante nos acompanha e jamais se
aparta de nós. Logo, por sua vez, acode o entendimento e mostra que não achará
melhor amigo, ainda que viva muitos anos, pois cheio de falsidade está o mundo
todo, e saturado de trabalhos, cuidados e contradições os prazeres que lhe oferece o
Demônio. Deixe-se de andar por moradas alheias, pois a sua própria é tão rica de
bens, se dela quiser gozar, onde poderá achar tudo que lhe é necessário, como em
sua casa, especialmente com tal hóspede que lhe dará domínio sobre todas as suas
riquezas, se ela consentir em não andar perdida como filho pródigo atrás do alimento
dos animais imundos. Não desanimes, portanto, quando vos acontecer de cair e nem
deixeis de procurar ir sempre adiante, pois dessa mesma queda tirará Deus vosso
bem, como faz o vendedor de triaga que para provar que é boa bebe primeiro o
veneno. Pode haver maior mal que não nos acharmos em nossa própria casa? Que
esperança pode ter de encontrar sossego em lares alheios quem no seu próprio não
logar em sossegar? O caso é que nossos tão grandes verdadeiros amigos e parentes
com quem sempre, mesmo que contra a vontade, havemos de conviver, isto é, as
nossas potências. Porque segundo disse ao princípio: Já vos tenho escrito como os
havei de portasse nas perturbações que neste ponto causar o Demônio, e como o
começar a recolher se não há de ser força de braços, mas sim com suavidade. Não o
direi mais aqui, só acrescento que ao meu ver é de grande vantagem consultar
pessoas experimentadas, pois pode acabar julgando erradamente que em fazer certas
coisas necessárias e de obrigação há grande prejuízo para vossa alma. Mas ainda
quando não acharmos quem nos ensine, tudo fará o senhor redundar em nosso
proveito, contanto que não o deixemos começar. Para este mal não há remédio a não
ser recomeçar. Sem isto, pouco a pouco irá perdendo a cada dia mais a alma e ainda
queira Deus que o entenda.
Terceiras Moradas
Introdução

Aprendemos que nas primeiras moradas a vida de oração ainda é bastante


desregulada. A alma ainda não vive uma rotina de oração constante durante essas
moradas. Durante essa fase pode acontecer da alma cair em pecado mortal e
retroceder no castelo. Embora Santa Teresa diga que a oração é a porta para entrar
no castelo, a oração de uma alma em pecado mortal é feita para que seu coração seja
mais aberto para Deus agir em sua vida, ajudando ela a voltar para o castelo. No
entanto, quem está no estado de graça e começa a desenvolver uma vida de oração
mais constante terá sua graça elevada, fazendo assim com que consiga avançar no
castelo. Mas nas primeiras moradas ainda não há uma estabilidade na oração,
embora a alma ainda esteja em estado de graça. É preciso muita disciplina para não
sair do castelo durante as primeiras moradas. Já nas segundas moradas a constância
na oração é maior, onde existe um combate mais real contra o demônio e a carne.
Nessa situação, a graça da alma vai crescendo, por isso corre o risco de retroceder,
porque o demônio tentará fazer de tudo para que essa alma saia do castelo. Uma
grande característica das segundas moradas é a maior dedicação à oração, algo que
convida o demônio a tentar ainda mais a alma. A vida espiritual tem como foco a
união com Deus. É isso que os santos pregam. As primeiras e as segundas moradas
se destacam como sendo as vias mais ascéticas, onde predominam os jejuns, a
mortificação dos sentidos, as renúncias e as penitências voluntárias, para treinar o
corpo, a mente e a alma para a convivência espiritual. Podemos usar a linguagem
antiga para descrever essas moradas, usando o termo “vias”: via purgativas, via
iluminativa e a via unitiva.
A Fase da Infância
Nas Primeiras Moradas

Infância: o princípio da caminhada nas moradas. Não se trata da idade da alma, mas
da idade de seu estado na morada. A fase da infância na vida interior representa a
alma ainda em estado inicial do processo. A terceira morada ainda é um estado
iniciante, mas durante essa fase o combate é ainda mais forte que nas últimas duas.
Há uma luta contra os pecados veniais e mortais. A luta contra os pecados veniais é
tão importante quanto a luta contra os pecados mortais, porque são tão prejudiciais
quanto os mortais. Também é possível que a alma fique estagnada na terceira morada
por se acostumar com aquele estado. Quando nos percebemos em estado de graça, é
possível que o demônio nos tente para cairmos na zona de conforto, nos tornando
prisioneiros do comodismo. Deus quer nos ver avançando nas moradas. Não
podemos nos estagnar em uma única fase. Durante a terceira morada a alma corre
risco de desanimar da caminhada ou até mesmo de se tornar egoísta diante de Deus,
querendo usar suas graças espirituais como motivo de exaltação diante dos irmãos,
para que os irmãos o vejam como superior. Durante essa fase também podemos cair
no estado de tibieza: um estado de mornidão. A tibieza é um estado de relaxamento
espiritual. Um estado onde a alma não vê mais importância em manter frequência na
oração por já se achar madura o suficiente. A alma se torna cega de egoísmo e
começa a levar sua vida espiritual como algo já não tão importante. O ato de se
abandonar nas mãos de Deus é extremamente necessário para a transição da alma. É
se permitindo ser guiado por Deus que a alma avança nas moradas.

Noite dos Sentidos


Ou Purificação Passiva:

Fase onde os ataques do demônio se tornam mais frequentes e a alma pode


presenciar mais turbulencias, perdas e, principalmente, tentações com mais
frequência e maior intensidade. O demônio começa até mesmo a tentar as almas por
meio de pensamentos imorais. Nesse período todos os ataques do demônio serão
feitos com maior intensidade. Deus nos puxa para a quarta morada permitindo que
passemos por calúnias de um padre conosco durante uma confissão, abandono dos
melhores amigos, desolação, solidão espiritual, perseguições e calúnias de irmãos.
Deus permite tudo isso para que o homem velho morra e o novo homem nasça. O
abraço de Deus é sim confortável e amoroso, mas ele também é doloroso. É
necessário deixar a soberba de lado e se permitir passar pela porta estreita da
humildade. Durante essa fase é possível que a alma desista completamente de rezar e
de continuar sua caminhada, por conta do peso das tentações e calúnias sofridas.
Deus espera a alma na quarta morada, mas a alma pode se recusar a passar pela
transição, por conta do peso que é necessário carregar durante essa fase. Todo esse
processo é necessário para elevarmos nosso amor por Deus. Essa fase poderia ser
considerada um castigo de Deus? Se enxergamos pela perspectiva dos Santos, sim.
O castigo, segundo os santos, é usado como uma tentativa de salvação. Deus não se
alegra em nos castigar, mas ele permite que sejamos castigados como forma de
remédio espiritual. É extremamente importante sempre fortalecermos o ato da oração,
porque é por meio dela que enxergamos as verdades espirituais. Quanto maior a
oração, maior a elevação espiritual. Deus quer nos ver orando! É por meio da oração
que sentimos o gosto da água cristalina. A oração nos eleva para Deus. É
extremamente necessário termos os olhos para a justiça e para a misericórdia. Deus
é amor e justiça.

A Passagem Pela terceira Morada:

Durante essa fase passaremos por grandes tentações e provações, como já foi citado
anteriormente. Nessa fase, é possível que as pessoas que mais amamos, sejam as
que menos nos compreenderão. Mas isso é graça de Deus. Os santos vêem o
sofrimento como presente de Deus. Quem reza, trabalha e sofre faz tudo. Quem sofre
por amor em Cristo se torna ainda mais amado por ele. É necessário passarmos por
esse processo de maneira paciente e amorosa. Não é fácil, mas é a melhor maneira
de passarmos por isso. Quando chegamos em um grau de felicidade em meio ao
sofrimento, nos tornamos ainda mais próximos de Deus. Lembre-se: Deus faz tudo
por amor. Precisamos passar pela porta estreita e pelo caminho doloroso para
alcançarmos o verdadeiro amor espiritual. Se mantenha firme, clame e espere por
Deus! Ore bastante durante essa fase! Deus não quer nos ver desesperados, mas sim
maduros e pacientes.
Resumo do Castelo Interior

O castelo interior é o último dos livros que integram o tríptico doutrinal de Santa
Teresa de Ávila: o livro da vida, o caminho de perfeição e o castelo interior. A autora o
intitulou por extenso. Este tratado chamado “Castelo Interior” escreveu Teresa de
Jesus, monja de Nossa Senhora do Carmo, às suas irmãs, filhas, as monjas
carmelitas descalças. A epígrafe, acrescentado o autógrafo depois de terminado o
livro, nos põe em boa pista. A autora é a monja Teresa de Jesus. O livro é um tratado
de teologia espiritual, mas se encontra em um símbolo básico: o castelo. Suas
destinatárias são as monjas carmelitas, então grupo sumamente reduzido entre uma
e outra, entre autora e leitoras. O livro abre um diálogo íntimo de mulher à mulheres.
As mulheres entendem melhor a linguagem uma das outras, assim sendo, se eu
acertar em dizer alguma coisa, serei de maior proveito, dado também o amor que lhe
devota. Se dirá no prólogo: por isso falarei com elas naquilo que escrever. O livro
cumprirá essa vontade no nível de estilo: falar escrevendo. No mesmo prólogo se
ensinou a possibilidade de diálogo com outros leitores, mas serão de certo modo
adventícios. A autora lhe seria desatino pensar em fazê-lo com outras pessoas.
Apesar de tudo, o livro resultará de alto interesse para teólogos e literatos.

Aqui recordaremos quatro pontos: a composição da obra, o autógrafo da mesma, suporte


simbólico, e a síntese do seu conteúdo doutrinal.

A composição da obra: a gestão e a redação do Castelo Interior se deve inicialmente a


presumida perda do livro da vida, sequestrado pela inquisição em 1575. Dois anos depois,
em 1577, a autora se propõe a recuperar o conteúdo doutrinal e autobiográfico daquele livro
escrito há 12 anos, caso ele se tenha perdido. Ela recorda a maior parte do seu conteúdo,
mas não o tem ao alcance das mãos. Escreverá, portanto, um livro novo, fá-lo requerida por
dois assessores ilustres: Jerônimo Gracián e o teólogo Alonso Velásquez. Ela inicia a
redação em Toledo no dia 2 de junho de 1577. Em fevereiro desse ano ela sofreu um grave
achaque de saúde, que a forçou a escrever com mão alheia ditando. Agora se recuperou
ligeiramente e escreve do próprio punho, mas ela reclama contra os ruídos e também contra
a fraqueza de cabeça e alternando a pena com os outros contra os negócios forçosos. Ela
redige diretamente sem rascunho prévio e sem traçado de esquemas e nem de anotações.
Acossada de fora pela situação crítica, quase extrema, que nesses momentos atravessa
sua obra de fundadora. Esses problemas que circundam a morte súbita do núncio papal
Romanetto, seu amigo, a fazem suspender a tarefa apenas iniciada. Em meados de julho
viaja à Ávila, aqui retoma a redação três ou quatro meses depois, já no inverno. No mês de
novembro desse rigoroso inverno, escreve os dois terços finais do livro. Em 29 desse mês
do ano, conclui. Sem tempo para revisá-lo e quiçá enviá-lo ao frei João da Cruz, residente
também em Ávila Extramuros, porque na noite de 3 para 4 de dezembro este último é
aprisionado e levado ao famoso cárcerezinho de Toledo. Teresa terá que submeter seu
escrito à aprovação de outros letrados assessores. Ela encomenda essa revisão em 1580,
ao carmelita Jerônimo Gracián e ao dominicano Diego em Segóvia. Os dois aprovam, mas
Gracián não duvida em retomar e emendar o livro com taxas, adições interlineares,
interpretações marginais, que afortunadamente não impedirão que ainda hoje leiamos
íntegro o texto da autora, tal como brotou de sua pena. Logo, para deixar o livro a salvo de
influências delatoras, Teresa o confia a custódia da esperta Maria de São José, e no
carmelio espanhol se conserva ainda hoje o original da obra.
O autógrafo e sua edição: É um caderno cartesio de 310 por 230 milímetros com total de
115 folhas, encadernado recentemente em veludo vermelho com pequenas anomalias,
folhas numeradas pela autora com algarismos romanos na margem superior direita de cada
folha e posteriormente numerado por página na margem inferior com numeração arábica,
devido a esta última à mão de Gracián. Na margem superior de cada folha a mesma santa
agregou aos cabeçalhos, ou seja, as moradas em abreviatura na página da esquerda e na
página da direita o número da morada correspondente. Precede um breve prólogo e o
manuscrito conclui com duas páginas e meia de uma pequena introdução que vai explicar o
propósito do livro das moradas. Por sua vez, por uma aprovação autografada pelo teólogo
inquisidor Rodrigo Alvarez, ela é assinada no dia 22 de fevereiro de 1582. Nem no interior e
nem no final do texto se inseriu epígrafe dos capítulos. Parece que o ditou a autora em
papéis avulsos que logo se perderam e que não chegaram nas cópias mais antigas. Uma
descrição detalhada do manuscrito autógrafo pode ser vista na nota histórica que
acompanha a edição fac-símile do original de 1990. O castelo não chegou a ser impresso
em vida da autora. Publicou pela primeira vez frei Luís de Leon em Salamanca em 1588
com o título “Livro Chamado Castelo Interior” ou “As moradas”. Mas o editor salamantino
não dispos do original de Teresa, que continuava em Sevilha. Em seu lugar utilizou uma
cópia não confiável que durante séculos foi responsável do texto Teresiano. Por fim, quando
o livro havia completado já os 300 anos de existência, o arcebispo de Sevilha o fez
reproduzir em edição fac-símile autobiografada. Mais recentemente, a editorial Monte
Carmelo fez sua reprodução em fac-símile fotos tático em 1990.

Suporte simbólico: Um dos maiores méritos literários do livro é o subjacente simbolismo


da exposição. A autora anuncia esse recurso doutrinal desde as primeiras linhas do capítulo
primeiro, logo, ela o desenvolve de forma lenta sem carregar as tintas e, ao mesmo tempo,
vai introduzindo e traçando os símbolos novos, todos eles elementares, mas de grande
densidade germinal. Os principais símbolos utilizados são 4: um símbolo estrutural
co-extensivo a toda a exposição e convertido em título do livro, ou seja, o castelo, que
reflete bem a paisagem castelhana geográfica e social. É um símbolo pontual para as
quartas moradas, também duas classes de águas mananciais: água de reservatório interior
e água de aquedutos longínquos. O terceiro símbolo seria a partir das quintas moradas: o
símbolo do bicho da seda, que se metafozeia em mariposa. O quarto símbolo seria, todavia,
emparelhado com o Interior, o símbolo nupcial, para as três moradas finais: quintas, sextas
e sétimas moradas. É enriquecido com outros elementos do cântico dos cânticos como a
adega, o vinho e o amor. Do ponto de vista literário, os 4 símbolos podem ter ascendência
na bíblia ou em autores espirituais cristãos ou não cristãos. Mas de fato tem raízes
existenciais autobiográficas. Teresa se experimentou a si mesma como um castelo ou um
palácio habitado. Nas últimas etapas de sua jornada espiritual, viveu uma intensa
experiência esponsal de amor transcendente: sentiu a transformação de seu ser como a de
um pobre verme grande e feio, que se transforma em borboleta capaz de voar livremente e
viver sem tocar a terra. Ela percebeu o lavor de sua tensão interior como água portadora de
vida. Já no livro da vida ela havia identificado a sua alma como jardim regado com toda a
sorte de águas. Do ponto de vista doutrinal os 4 símbolos têm semântica transparente para
o leitor: o castelo é a alma ou antes o homem ancorado e separado do mundo por fosso e
cerca. Condensa interioridade quase inacessível e com a vocação de transcendência por
ser, em última estância, morada de Deus e espaço para Deus. O duplo fluir da água e seus
dois mananciais, e algo turva uma que flui de lá do reservatório. Corresponde às duas
coordenadas da vida espiritual: uma ascética e laboriosa, mística e misteriosa e a outra
gratuita, que é o esforço do homem e a graça de Deus. A transmutação do bicho mariposa
indica o processo de crescimento e maturação do cristão, misteriosamente incorporado a
Cristo e identificado com ele. Por fim, o símbolo bíblico do amor esponsal sublinha e define
o caráter relacional e bipolar da vida da graça, que no homem realiza um processo de
simbiose com a pessoa divina. Simbiose em que vai consistir a santidade cristã. O
entrecruzado e símbolos com alguns poucos tipos bíblicos e com a série seleta de textos
tomadas a escritura dilata o calado teológico da exposição. Por sua vez, os quatro
símbolos, sobriamente desenvolvidos, ficam abertos e sugestivos para o leitor, que
facilmente se sente provocado a confrontá-los com a própria vida e interpretá-los a partir da
própria experiência.

A Síntese do Conteúdo Doutrinal: O Castelo Interior é uma lição de teologia espiritual que
suavemente se converte em um tratado de teologia mística escrito por uma mulher que
experimentou e pensou a fundo o próprio processo espiritual e místico, e a partir dele é
capaz de elevar-se do plano narrativo ao plano doutrinal e codificar seu modo o itinerário do
cristão, até chegar a plenitude da vida cristológica trinitária em função da igreja. Desde as
primeiras linhas da primeira morada fica centralizado o tema da vida espiritual em termos
originais: mistério do homem dotado de alma, capaz de Deus e mistério da comunicação
com a divindade que habita nele. Surge em seguida a tentativa de desembaraçar-se
rapidamente dos temas introdutórios. Primeiros passos da vida espiritual para enfrentar em
cheio o tema difícil que tão pouco se fala nos livros espirituais. Últimas fases da vida cristã e
pleno desenvolvimento da santidade. De fato a autora despacha somente em cinco
capítulos todo o tema acético que havia preenchido quase integralmente o caminho de
perfeição, e dedica o restante da obra, os 22 capítulos, à jornada forte, a entrada na terra
santa da vida mística: as quartas moradas. União e santificação inicial: quintas moradas. O
crisol do amor e suas manifestações mais fortes no místico: as cestas moradas.
Consumação na experiência dos mistérios cristológicos e trinitários, e plena disposição ao
serviço dos outros: sétimas moradas. Aparentemente, o livro e seu traçado se vão
improvisando sobre a marcha, mas na realidade, a síntese obtida na obra colhida em plena
granação a semeadora de muitos anos. Sobretudo as experiências do último quinquênio a
partir do trato com o frei João Da Cruz derão a autora uma nova visão do horizonte
espiritual. Não só entrou ela mesma nas fases finais, desde a graça decisiva na comunhão
na oitava de São Martinho em 1572, mas também as últimas vivências afiançaram-na. Um
duplo plano de experiência. O antropológico mistério do homem com mutantes extremos de
graça e de pecado, e outro trinitário, experiência da inabitação e das palavras evangélicas
que a prometem a quem ama e guarda os mandamentos. A Coroar ambos os ciclos de
experiência, sobreveio uma ulterior graça misteriosa cifrada na consigna “busca-te em mim”,
que é um convite a ultrapassar o movimento de interiorização. É uma busca de Deus no
castelo da alma, a maneira agostiniana, com uma ulterior imersão no mistério de
transcendente de Deus. É a graça que, em princípio desse mesmo ano de 1577, motivou o
certame em que participa o próprio Frei São João da Cruz e que inspira o poema teresiano:
“Alma, buscar-te asa em mim”. Foi essa série de experiências qual o pôs em andamento a
elaboração do castelo, delas depende, agora, a interpretação do mistério do homem de sua
vocação transcendente e de seu processo de vida, caminho da plenitude. Interpretação que
se articula em três momentos: uma base antropológica, que é a afirmação do homem e de
sua capacidade e dignidade, de sua abertura à transcendência, primeiras moradas, uma
fase cristológica que é a plenitude do mistério da morte e ressurreição para atuar no crente
e transformação em Cristo, que são as quintas moradas, e o ponto de arrimo trinitário que é
a experiência de Deus e de sua presença para elevar ao sono um potencial a ação do
homem a serviço de todos.

Sétimas moradas: Um breve sumário das sete etapas do processo das 7 moradas poderia
traçar-se à base do dado central de cada um, embora seja com risco de empobrecer a
exposição Teresiana.

Primeira morada: entrar no castelo de si mesmo, converter-se e iniciar o trato pessoal com
Deus, que é a oração, e conhecer-se a si mesmo.

Segundas moradas: lutar, porque persistem no homem os dinamismos desordenados.


Progressiva sensibilidade na escuta da palavra de Deus e na oração meditativa.

Terceiras moradas: é a prova do amor, é a superação do egoísmo, é o sucesso de um


programa de vida espiritual. Indícios de zelo apostólico, fases de aridez e impotência como
estado de prova.

Quartas moradas: brota a fonte interior, é uma ação da graça, é a passagem, experiência
mística. Mais intermitente momento de lucidez em fuza. Recolhimento da mente e do amor
místico passivo e a quietude da vontade para a unificação interior.

Quintas moradas: morre o bicho da seda. O homem renasce em Cristo. Nossa vida é Cristo.
Levou-me o rei adega do vinho. Aí entra os estados de união e conformidade com a
vontade de Deus, manifestado especialmente no amor ao próximo.

Sextas moradas: supremo crisal do amor. Tensão de vida teologal. Novo modo de sentir e
medir os pecados passados. Cristo presente de um modo admirável. Divino e humano a um
só templo. Ele sempre lhe faz companhia na sua alma. É o dispensório místico. É o tempo
da interioridade selada.

Sétimas moradas: o simbolismo esponsal é o matrimônio místico. Plena inserção nos


mistérios cristológicos e trinitários. Plena inserção na oração. Que nasçam sempre obras!
Fome da honra de Deus! Fome de levar almas à ele, como São Domingos e São Francisco,
como o crucificado. Ao longo de todo o processo o Cristo foi sempre o ponto visado.
Ponhamos os olhos em Cristo, nosso bem, e com ele aprenderemos. Ponha os olhos no
crucificado e tudo vos parecerá pouco.
Quartas Moradas

Na quarta morada predomina a parte mística, enquanto as três anteriores


predominam a parte ascética. Isso não significa que a parte mística não exista nas
outras moradas, mas sim que a parte ascética e mística andam lado a lado. O Senhor
quer nos levar cada vez mais para perto dele, nos fazendo avançar na caminhada
espiritual. É preciso deixar que o Senhor nos leve.

Dom de ser humilde e o silêncio não só entregam a alma à ação direta de Deus, mas
exercem uma pressão quase irresistível sobre a liberdade divina, para quem intervém
na vida espiritual da alma por meio dos dons do espírito santo. Qual é a natureza e
quais são os efeitos desta intervenção? Como se submeter aos diversos modos da
ação divina para lhe assegurar toda a sua eficácia? Antes de abordar esse assunto,
que constitui a parte mais importante de seus tratados, de modo especial o castelo
interior, Santa Teresa recolhe-se e reza.

Para começar a falar das quartas moradas, bastante necessário é o que fiz:
encomendar-me ao espírito santo e suplicar que daqui a diante fale por mim, a fim de
que eu possa dizer algo das moradas restantes de um modo que o entendais. Porque
se começa aqui a abordar coisas sobrenaturais, difíceis de explicar, a não ser que sua
majestade faça, como fez quando, há cerca de 14 anos, escrevi acerca do que até
então havia entendido. O entendimento não consegue fazê-lo de modo adequado
abordar tais coisas sobrenaturais, resultando tudo bastante obscuro para os que não
têm experiência. Quanto aos que já possuem, particularmente os que têm muito, bem
o entenderão.

Com efeito entramos no campo da teologia mística, que por definição é uma ciência
misteriosa e secreta. Modestamente a Santa viu que não tem a necessária ciência
para lançar toda a luz desejável sobre este assunto, então ela queixa-se: “para essas
coisas seria preciso instrução. Seria bom explicar aquilo que é o auxílio geral e o
auxílio particular. Isso também serviria para esclarecer muitas coisas que devem
estar erradas”. Assim, renunciando a explicar, Santa Teresa vai limitar-se a expor o
que a alma sente quando está nessa divina união. A ciência mística de São João da
Cruz virá em sua ajuda e vai esclarecer de maneira oportuna as descrições
espantosamente matizadas e precisas de Santa Teresa. A doutrina harmonizada dos
dois reformadores do Carmelo será o guia mais seguro nessas regiões misteriosas e
fornecerá à teologia mística seus princípios mais sólidos e seguros. Na quarta
morada acontece o que chamamos de “A Contemplação Em Geral”, ou seja, existe
uma intervenção de Deus na vida espiritual. Transformará a oração em contemplação,
e portanto a contemplação que se oferece logo de início ao nosso estudo. A
contemplação é uma visão global, penetrante e amorosa que prende o espírito às
realidades que consideram. É um olhar simples sobre a verdade, sobre o influxo do
amor.

Quando São Ricardo fala que a contemplação é uma visão global ele mostra que ela é
uma síntese viva das noções fragmentárias que a alma adquiriu habitualmente por
meio de olhares sucessivos. Essa visão global não é confusa se não nas aparências.
Parece esquecer os detalhes exteriores apenas para penetrar na coisa, propriamente
dita, com o poder do amor e fixa o olhar sobre a realidade. Essa visão global é
penetrante, amorosa e prende o espírito à realidade.

A contemplação tem formas e graus diversos, não se trata de reservar essa


denominação de contemplação àquela sobrenatural e infusa, da qual Santa Teresa
fala. É verdadeira contemplação todo ato de conhecimento e olhar simples sobre a
verdade e a influência do amor.

Santa Teresa se coloca diante do Senhor e suplica ao Espírito Santo para que a ajude a
conduzir as irmãs neste caminho, apresentando, de fato, o que é o castelo interior. É
preciso, assim como Santa Teresa, se colocar em postura de oração e de humildade,
pedindo para que o Senhor nos guie e ilumine a nossa inteligência. É preciso fazer essa
súplica ao Senhor. A quarta morada é uma fase de transição para as outras moradas, como
se fosse um trampolim para as demais moradas que virão. Em relação à explicação das
moradas: quanto mais você está avançado, melhor será a compreensão, porque você
consegue ver os feitos de Deus. A sua inteligência fica mais iluminada à medida em que
você avança nas moradas. Não que durante o processo você deixe de pecar, mas o desejo
pelo pecado ficará cada vez mais fraco. Lembrando que é Deus que nos puxa para a quarta
morada. A partir dessa morada começamos a caminhar com mais santidade, já podendo
nos considerar “santinhos”. Precisamos pedir ao Senhor que nos leve para essa morada.
Na quarta morada a qualidade da oração será maior. Enquanto antes existia mais um ato de
piedade, reflexão e meditação, agora prevalece a contemplação. A oração é elevada pelo
próprio Deus.

Havia um padre no deserto que, em determinado tempo, sentiu um desejo de recolhimento


e abaixou a cabeça sob uma pedra, se recolhendo em oração. Ele foi elevado de forma
sobrenatural à um encontro com Deus, e ninguém conseguia tirá-lo daquele grande êxtase.
Depois de 20 anos ele ergueu a cabeça e disse: “quanto tempo passei aqui?”
responderam-lhe: “20 anos. Olhe ao seu redor e veja como a cidade mudou.” Ele responde:
“Ao redor de um homem de Deus tudo tem que mudar.” Quando a alma se eleva, ela eleva
consigo o mundo inteiro. O demônio tem medo da alma unida à Deus, como tem do próprio
Deus.

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