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18/01/24, 10:43 Olhando para frente: desapego das quartas moradas

Texto da aula Aulas do curso

Engenharia da Santidade II

Olhando para frente: desapego das


quartas moradas
Deus não fará a nossa passagem para as quartas moradas sem antes
termos feito uma noite escura dos sentidos, para nos purificarmos de todas
as nossas imperfeições. Com esse esforço pelo qual devemos nos entregar,
sem reservas, ao Todo, chegará o dia em que Ele mesmo tomará as rédeas
de nossas almas e nos defenderá contra todos os ataques do diabo, do
mundo e da carne.

Nesta sétima pregação de nosso retiro, Padre Paulo Ricardo explica como
nós, “pedaços de homens”, devemos entregar tudo a Deus para que Ele faça
todo o resto necessário em nosso coração.

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Depois de termos conhecido as primeiras e as segundas moradas,


precisamos agora avançar ao próximo aposento deste castelo interior:
as terceiras moradas. Nessa fase da vida espiritual, a alma é chamada a
experimentar uma grande morte e ressurreição, causada, em primeiro
lugar, pelas purificações ativas, ou seja, as mortificações que a própria
pessoa faz para livrar-se das imperfeições, e, depois, pela purificação

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passiva, que Deus aplica às almas perseverantes, a fim de levá-las à


luminosidade divina das quartas moradas.

O deserto da via purgativa precisa ser vivido em espírito de oração e


penitência, hábitos próprios das segundas moradas, quando as almas já
se convenceram da necessidade de rezar e lutar contra os pecados
mortais. A preservação do organismo espiritual depende de atos de fé
cada vez mais intensos, radicados na humildade, na adoração e no
encontro com a misericórdia divina, que proporcionam à alma uma
refeição espiritual. Esses atos dão ao sujeito uma disposição maior, a
força do Evangelho, para lutar contra as insídias do maligno, as
provocações do mundo e, sobretudo, as desordens da carne. Com
perseverança essa alma chega às terceiras moradas, onde Deus lhe
concede graças abundantes e o desejo de não ofender sua Majestade,
pela guarda contra os pecados veniais e o bom aproveitamento do
tempo. “É estado desejável, sem dúvida”, afirma Santa Teresa (Terceiras
Moradas, I, n.5).

Devemos saber, porém, que as terceiras moradas não possuem um fim


em si mesmas, pois correspondem a um período de transição da alma,
realizado apenas pela vontade do Senhor. Essa transição é a purificação
passiva, por meio da qual Deus realiza uma transformação profunda no
organismo espiritual, e a pessoa se desprende totalmente dos apegos
materiais e afetivos para prender-se somente a Ele. Mas isso só
acontece no tempo de Deus, quando Ele quiser, e depois de muita
perseverança. Antes de qualquer purificação passiva, a alma necessita
de uma grande purificação ativa, uma demonstração incrível de
generosidade, que supere o simples cumprimento das regras de vida e
dos mandamentos de Deus.

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A passagem das terceiras para as quartas moradas é dramática. Há uma


espécie de “gargalo” ou, como disse Nosso Senhor, “porta estreita” pela
qual ninguém passa sem uma intervenção divina. Tal intervenção
depende ainda da generosidade de coração. Eis o que torna as terceiras
moradas, apesar das grandes graças desse estágio, um aposento
realmente deplorável. As terceiras moradas correspondem à idade
espiritual do jovem rico. Ele vivia em estado de graça, rezava e cumpria
regularmente os mandamentos de Deus. Era mesmo um rapaz exemplar.
Mas o seu apego aos bens impediu-o de fazer o grande salto da
perfeição. De certo modo, ele caiu no mesmo erro dos israelitas à
margem do rio Jordão, que, em vez de seguir caminho até a Terra
Prometida, preferiram mandar emissários para saberem o que havia do
outro lado. O medo congelou os corações deles. Deus, em razão disso,
impediu-os de conhecer o outro lado até a morte do último
remanescente do Egito. E assim Ele fará conosco até nos levar para as
quartas moradas.

As quartas moradas pertencem àqueles que têm o coração livre de


todos os apegos. Sabendo disso, temos de nos empenhar com
“determinada determinação” no caminho para além do Jordão. E a
receita é dada a nós pela santa madre: “¿Pensáis, hermanas, que es poco
bien procurar este bien de darnos todas al Todo sin hacernos partes?”. A
tradução em português ficou assim: “Pensais, irmãs, ser pouco benefício
procurar entregar-nos sem reservas ao Todo?” (Caminho de Perfeição,
VIII, 1). Nesses termos, perde-se um pouco a poesia e a originalidade das
palavras de Santa Teresa. Em todo caso, o que ela quer nos ensinar é a
entrega total (darnos todas...), sem reservas (... sin hacernos partes),
Àquele que reúne todos os bens em Si mesmo (... al Todo).

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Imaginemos, para melhor entendermos essa realidade, um soldado de


guerra que tenha perdido as pernas durante um dos combates. Agora ele
já não tem a mesma imponência de antes, e nem de longe se assemelha
à figura altiva e hierárquica que costumava ser em outras épocas. Esse
soldado vive humilhado pelas muletas, com a ajuda das quais ele
caminha entre um murmúrio e outro contra Deus. Certo dia, esse homem
vai à missa e, durante a homilia, ouve o sacerdote proferir palavras do
tipo: “Deus ama a todos, Ele quer todos...”. Indignado e aborrecido, o
homem levanta suas muletas como se estivesse a declarar guerra contra
o céu, interrompe o sacerdote, e dispara: “Diga-me, senhor padre, Deus
aceita um pedaço de homem?”. E esse padre, inspirado pela graça divina,
a graça de estado daqueles que precisam apascentar as ovelhas,
responde: “Deus aceita um pedaço de homem que se entrega por
inteiro, mas não aceita um homem inteiro que entrega só um pedaço”.

Ora, o soldado dessa história é cada um de nós. De fato, somos pessoas


despedaçadas pela vida, maculadas por tantas lutas, e envergonhadas
pelos próprios pecados, pelas grosserias de um passado inglório e não
muito longínquo. Feridos pela serpente, nós somos reféns de uma
batalha espiritual, cuja vitória, embora seja nossa, custa sangue e muitas
cicatrizes. Custou o sangue de Cristo, aliás. Agora, precisamos oferecer
esses corpos chagados por inteiro a Deus... Darnos todas al Todo sin
hacernos partes. Santa Teresa insiste nessa matéria, “porque nisso está
tudo”, diz ela,

porque, quando nos apegamos apenas ao Criador e consideramos


nada todas as coisas criadas, Sua Majestade nos infunde as virtudes
de maneira tal que nós, trabalhando pouco a pouco de acordo com
as nossas forças, não teremos mais lutas a travar, pois o Senhor

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toma a si nossa defesa contra os demônios e contra o mundo inteiro


(Caminho de Perfeição, VIII, 1).

O fruto desse desprendimento é, segundo o padre Garrigou-Lagrange, “a


paz, a tranquilidade da ordem onde a alma está estabelecida em relação
a Deus e ao próximo” (As três idades da vida interior, I, 2, X, p. 458). Mas
ninguém chegará a esse estágio, que é fruto de uma ação
exclusivamente divina, sem antes retirar todos os obstáculos à vontade
de Deus, por meio de uma purificação bem ativa ou “noite escura dos
sentidos”, como ensina São João da Cruz.

Para ilustrar essa intervenção de Deus na alma, pela qual nos


desapegamos de todos os bens para ficarmos com o Sumo Bem,
pensemos em outra história. Uma mulher católica recebe um convite
para ser madrinha de casamento de um casal de amigos. Naturalmente,
ela se alegra com aquela notícia e logo inicia os preparativos para a
festa. Marca salão, encomenda o vestido, compra novos sapatos... enfim,
coisa de mulher. Chegada a data da cerimônia, essa mulher vai à
cabeleireira, produz-se toda, põe o seu vestido modesto, como deve ser
o vestido de uma católica, e, depois de horas de maquiagens e enfeites,
ela toma o carro e se dirige para a igreja. No banco de trás, vai o seu
menino, faceiro e contente. O trânsito está normal e o tempo totalmente
iluminado. Parece um dia perfeito. Até que... Um silêncio suspeito
estabelece-se no carro. Ela olha pelo retrovisor e vê a tragédia: o menino
todo sujo com uma barra de chocolate que havia encontrado no banco.

Essa mulher estaciona o carro e tenta limpar a criança em tempo de


chegar para o casamento. Mas o esforço é vão. Quanto mais ela tenta
limpá-la, mais a criança faz arte. Minutos depois, os dois ainda estão

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sujos e, além disso, estressados. Essa mulher católica, tentando viver a


vocação materna, faz um esforço tremendo para não estapear o próprio
filho. Ela está preocupada com o casamento e estressada com o filho,
chorando de tristeza e de raiva. De repente, um grupo de assaltantes
passa pelo local disparando aleatoriamente suas armas de fogo. E um
projétil atinge o ombro do filho da mulher. Naquele instante, casamento,
vestido, chocolate, estresse... Nada mais faz sentido para ela. A mulher
desapegou-se de tudo para salvar a vida do filho, pois aquele era o seu
bem maior. Com a rapidez de uma bala, essa mulher encontrou o amor.

A alegoria da “bala perdida” simboliza o arrebatamento realizado por


Deus nas almas que lutam heroicamente pela santidade. A pessoa é
atingida pelo único bem necessário, e já não precisa do mesmo esforço
para manter-se na comunhão com Deus, pois Ele mesmo “toma a si
nossa defesa contra os demônios e contra o mundo inteiro” (Caminho de
Perfeição, VIII, 1). Ela adquire uma paciência infusa, aquilo que as
Sagradas Escrituras chamam de hypomoné (ὑπομονή) (cf. Lc 8, 15).

As almas de terceiras moradas devem, pois, viver à procura do grande


bem, exercitando-se pelas virtudes infusas. Falaremos delas
ulteriormente. Por ora, basta-nos saber o bem que nos aguarda e o
caminho para chegarmos até ele: o desapego. De Martas agitadas,
preocupadas com as mazelas das três primeiras moradas, tomaremos
posse do “único bem necessário”, como Marias aos pés de Nosso
Senhor Jesus. Marta estava dividida, inquieta pelas preocupações do
mundo. Fazia-se em partes, para retomar a expressão de Santa Teresa.
Mas o conselho de São Pedro é precisamente este: “Lançai sobre Ele
toda a vossa preocupação, pois Ele é quem cuida de vós” (1Pe 5, 7).

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Nas quartas moradas, a pessoa é atraída pelo grande amor de Deus, que
Ele mesmo infunde na alma para atraí-la ao único necessário. Assim,
todo o resto se torna ridículo. Essa atividade sobrenatural de Deus na
alma é coisa que nenhuma psicologia, nenhum tratamento terapêutico
pode explicar ou, muito menos, produzir. O sobrenatural é trabalhoso,
custa um esforço tremendo como verdadeiras dores de parto. Mas
depois vem a gratuita e providente ação divina. Apressemos, pois, o
passo, para que Deus tome logo as rédeas de nosso coração na luta
contra o demônio, o mundo e a carne.

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