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Comentário sobre a aridez espiritual

Muitas vezes colocamos na conta da aridez a falta de vontade e disposição para as coisas
espirituais, o que acaba culpando ao próprio Deus pela nossa falta de progresso e felicidade na
vida cristã.

Contudo, nem sempre a aridez é obra da Providência Divina e nem do maligno. Na grande
maioria dos casos, não se trata aridez e sim de preguiça mesmo. Pode ser que tenhamos
aprendido errado sobre o real sentido e origem da aridez espiritual e por isso classificamos toda
e qualquer apatia e falta de vontade como um momento de aridez, quando no fundo, não passa
de tibieza ou laxismo.

Pelo que lemos na vida dos santos que viveram essa experiência, a aridez autêntica, acontece
quando a pessoa já está em uma caminhada ascética mais profunda, ou, digamos, mais
avançada. A aridez é autêntica quando ela produz frutos benéficos à alma.

Se, no entanto, a “aridez” provoca em nós cada vez menos vontade de estar na presença de
Deus e não crescemos nas virtudes, certamente não se trata de aridez, mas de preguiça.

A aridez autêntica é um estado ao qual a alma é conduzida pelo próprio Deus, pois, de outra
forma, não suportaria permanecer em tal estado sem pecar gravemente. Porém, é um estado
espiritual profícuo. A aridez falsa ao contrário, não produz frutos.

Não podemos chamar de aridez a falta de consolações e sensações durante a oração, afinal de
contas, a função da oração não é nos conceder prazeres, mas, nos unir ao Senhor, que segundo
o Seu beneplácito, pode favorecer a alma com consolações. Consolações, sensações, visões ou
gozos esses que não são concedidos pelo merecimento da pessoa, mas, pela mercê do próprio
Deus. Destarte os sinais sensíveis não atestam a santidade da pessoa que reza. O que atesta essa
união com o Senhor, é a verdadeira vivência das virtudes teologais, a saber, a fé, a esperança e
a caridade de modo humilde e constante.

A aridez, ou seja, a ausência do sentir e a aparente ausência de Deus, não diminui a fé, nem a
esperança tampouco a caridade. Ao contrário, é justamente nesse momento de escuridão que
essas três virtudes são fortalecidas para que a alma possa atravessar esse deserto rumo à
santidade. A respeito do deserto, é necessário esclarecer que ele não é um lugar vazio e
infecundo. O deserto é o lugar que descobrimos o quão cheio somos de inutilidades que ocupam
o precioso lugar de Deus.

É no deserto que podemos purificar a nossa visão, nosso discernimento e os nossos sentimentos,
pois, sem tantas distrações, temos a capacidade de ver a situação tal qual ela é, sem distorções
nem véus.

Jesus foi conduzido até o deserto1, e para quê? Certamente Ele não cederia às tentações de
satanás, porém, tenho para mim que ao passar pelo deserto, Ele quis nos ensinar como viver de
maneira profundamente fecunda esse tempo necessário à alma que deseja se unir a Ele. No
deserto, para sobreviver, somos obrigados a nos desfazer dos excessos, dos pesos
desnecessários, das ilusões, dos mortos. Temos que estar sempre caminhando para não
sucumbir, ainda que estejamos feridos ou até mesmo com medo do desconhecido que se
descortina à nossa frente. No deserto aprendemos a nos abrigar nos locais certos que nos
protejam dos ataques dos inimigos.
É um lugar desconhecido pela alma, mas, que já foi mapeado por Aquele que até lá nos conduz
e justamente por isso, é um lugar para vencer. Ao ser conduzido a tal lugar, a única certeza é
que, Aquele que nos introduz nesse misterioso estado, é justo e fiel para sustentar, de forma
amorosa, o nosso caminhar até quando for necessário à nossa salvação.

Não é um momento fácil de viver, do ponto de vista afetivo, afinal de contas, somos seres
sensoriais, somos viciados nos prazeres, dos quais, contudo, necessitamos nos desprender, para
poder alçar um voo livre ao final da jornada.

A aridez é justamente essa preparação para o voo livre que promoverá o encontro entre amado
e Amante.

Concluímos, portanto, que nem toda escuridão, silêncio ou falta de gozo quer dizer aridez. A
aridez é um fruto, um alimento sólido para os adultos, para aqueles que a experiência já
exercitou na distinção do bem e do mal1, que é dado não por merecimento próprio, mas pela
suprema vontade Divina.

A minha aridez é fruto de uma íntima união com Deus ou da preguiça espiritual, ou seja, a
tibieza?

Fabrício Alves da Siva

Referências

1. Lucas 4, 1-15;
2. Hebreus 5, 14.

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