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José Schrijvers
A BOA VONTADE
Revisão
Maria Lúcia Almeida
Capa
Priscila Pozzoli
Diagramação
Aline Benitez
Schrijvers, José.
ISBN: 978-85-62219-64-1
A boa vontade
Capítulo I
4 Confissões, X, 17.
Capítulo III
6 Ibid.
7 Ibid, a. 1, ad 2.
8 Suma Teológica, 1-2, q. 28, a. 3.
Primeira Parte - A boa vontade 17
ração que está preso, ainda que por um fio, a um objeto cria-
do. Para esta alma não pode haver paz nem felicidade, nem
inclinação para o bem. Arrasta-se ao invés de voar. Nunca se
elevará para Deus, nunca não conhecerá a doce intimidade re-
servada às almas puras.
Por que certas almas chamadas ao amor não compreendem
isto? Por que não dizem adeus às afeições da terra, elas que po-
deriam ter o Rei por amigo (cf. Pv 22,11)? Não sabem que todo
o progresso na santidade fica estagnado quando o coração ou o
espírito, deliberadamente, se desvia para uma criatura qualquer
ou se deixa cair em culpáveis fraquezas, ainda que leves.
Entretanto, que a alma assim arrastada não perca a con-
fiança. Se ela quer emendar-se e quer procurar a Deus com
coração sincero, achá-Lo-á. Purifiquese no sangue do Cordeiro
e ver-se-á de novo revestida de inocência e beleza.
Para sustentar nossa boa vontade e desenvolvê-la sem ces-
sar, para reerguê-la nas fraquezas e curá-la de suas misérias,
Deus nos deu seu próprio Filho e com Ele, diz São Paulo, como
não teria dado tudo? Como não nos haverá de agraciar em
tudo junto com ele? (Rm 8,32).
Com efeito, em Jesus e por Jesus, podemos obter todas as
graças atuais de que necessitamos para fazer um ato de amor.
Se alguém duvidar disto, leia esta página admirável do Evan-
gelho, onde Jesus condena a preocupação inquieta quanto aos
bens temporais:
Não vos preocupeis com a vossa vida quanto ao que ha-
veis de comer, nem com o vosso corpo quanto ao que haveis de
vestir. Não é a vida mais do que o alimento e o corpo mais do
que a roupa? Olhai as aves do céu: não semeiam, nem colhem,
nem ajuntam em celeiros. E, no entanto, vosso Pai celeste as
alimenta. Ora, vós não valeis muito mais que elas? Quem den-
tre vós, com as suas preocupações, pode acrescentar um só
côvado à duração da sua vida? Quanto à roupa, por que vos
inquietais? Considerai como crescem os lírios do campo; não
trabalham nem fiam. E, no entanto, digo-vos que mesmo Salo-
mão em toda sua glória não se vestiu como um deles. Ora, se
Primeira Parte - A boa vontade 19
Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e que ama-
nhã será lançada ao forno, não fará ele muito mais por vós,
homens fracos de fé? Por isso, não andeis preocupados, dizen-
do: Que iremos comer? Ou, que iremos beber? Ou, que iremos
vestir? Porque com tudo isto é que se preocupam os pagãos.
Vosso Pai celeste sabe que necessitais destas coisas. Buscai,
em primeiro lugar, o Reino de Deus e sua justiça e todas estas
coisas vos serão dadas por acréscimo. Não vos inquieteis, por-
tanto, com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá suas
preocupações. A cada dia basta a sua pena. (Mt 6,25-34)
Não sabe também nosso Pai celeste que nossa boa vontade
tem necessidade de incessantes socorros atuais? Podemos fazer
a injúria de crer que a sua bondade é menos generosa quando
se trata de nossa vida sobrenatural? Deus estará menos pronto
a ajudar seu filho quando este Lhe pede para poder amá-Lo, do
que quando Lhe solicita um benefício temporal?
Qual de vós, sendo pai, se o filho lhe pedir um peixe, em
vez do peixe lhe dará uma serpente? Ou ainda, se pedir um ovo,
lhe dará um escorpião? Se vós, pois, que sois maus, sabeis dar
coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai celeste dará o
Espírito Santo àqueles que o pedirem. (Lc 11,11-13)
Deus nada pode recusar à alma que pede. Repetiu isto vin-
te vezes no seu Evangelho. E quem mais e melhor pede do que
a alma de boa vontade? Todo o seu ser está em movimento para
rogar a Deus o seu auxílio.
Mas o que é uma alma de boa vontade? É uma alma que
só aspira a Deus, que sofre por não poder amá-Lo o bastante,
que enlanguesce pelo desejo de possuí-lo melhor, de estreitá-lo
mais fortemente. Ora, esta aspiração, este doloroso desejo, é
uma prece de um poder irresistível.
A alma de boa vontade é um coração simples, puro, reto,
e nosso Deus, Ele assim o quis, não sabe resistir ao apelo ao
menor sinal de aflição de semelhantes almas. Deus espreita a
preparação de seu coração para poder atendê-la: fortalece o seu
coração e lhe dá ouvidos (Sl 10,17) e interroga com os olhos
os filhos dos homens (Sl 10,5).
20 José Schrijvers
11 Santo Afonso, Homo Apost., t. III app. 1, n. 8. São João da Cruz, Noite Escura, liv.
I, cap. XVIII-XIX. Subida do Carmelo, liv. II, cap. XIV-XV.
32 José Schrijvers
presente, o que Deus mesmo não quer fazer por um socorro es-
pecial, ela obtê-lo-á com o tempo e graças ao tempo. Deus as-
sim o deseja: é com este fim que a deixa sobre a terra. O tempo,
este precioso auxiliar, conduzi-la-á infalivelmente à santidade,
contanto que permaneça fiel ao dever presente.
Nossa vida compõe-se de uma infinidade de pequenos
atos sem aparência exterior e quase imperceptíveis. A santida-
de é fruto destes atos, ela não se conquista por meio de ações
brilhantes. Estas, entretanto, não nos são proibidas.
Devemos santificar-nos da mesma forma como apren-
demos a falar, a ler e a escrever: quantos milhões de atos fo-
ram precisos para alcançar este resultado? Contai, se podeis,
o que se faz ao ler um livro: ato de percepção visual de cada
letra, de cada palavra, de cada frase; atos correspondentes
dos sentidos interiores para registar e completar cada uma
destas percepções; em seguida, atos de formação de cada
noção, de cada juízo, de cada raciocínio; atos de memória,
de comparação dos conceitos, de juízos e de ideias. Estendei
este exemplo a todas as ocupações do dia, da semana, do
ano, da vida, e chegareis a um conjunto de atos, cujo núme-
ro desafia todo cálculo.
Entretanto, graças a esta constante aplicação, o homem
pode assimilar uma multidão de conhecimentos e levar a bom
termo tarefas valiosas. O mesmo acontece na vida espiritual.
A vida da alma justa é um encadeamento de pequenos atos de
virtude, que ela multiplica sem se aperceber graças à intenção
virtual. Cada momento consagrado ao dever contém novo mé-
rito, novo grau do amor de Deus.
Imaginai, se podeis, o que semelhante alma acumula de
atos meritórios em um só dia, em um só ano, sobretudo, se é
cuidadosa em dar à intenção toda pureza, toda intensidade.
Ajuntai a isto a ação incessante da graça, que trabalha esta
alma, que a desapega da criatura e dela própria, que a trans-
forma sem que o saiba, que a orna de virtudes, que lhe instila
gota a gota a divina Caridade, que a enraíza sem cessar cada
vez mais em Cristo, que a habilita a viver com Deus – e assim
60 José Schrijvers
Jesus –, não sou amado. Sou tesouro que não é apreciado. Que-
ro criar para mim almas que me compreendam. Sou uma tor-
rente que quer transbordar e da qual não se pode mais reter as
águas. Quero criar almas para mim, almas que as recebam!
Quero fazer taças para encher com as águas de meu amor...
Farei prodígios! Nada me deterá, nem os esforços de Satanás,
nem a indignidade das almas. Farei para mim vítimas para pa-
gar estes prodígios. Tenho sede de corações que me apreciem e
que me façam realizar o fim pelo qual lá estou... Sou ultrajado,
profanado. Antes que os tempos se acabem, quero ser indeni-
zado de todos os ultrajes que recebi... Quero espalhar todas as
graças que foram recusadas...”.
Que alma poderia ser insensível ao ponto de resistir a este
ardente apelo? Que coração poderia fechar-se diante desta torrente
que quer transbordar? Quem teria a triste coragem de não recolher
com avidez todas as graças recusadas até aqui pelas almas?
Mas, também, quem não quisera estar entre as vítimas que
Jesus fará para si, a fim de pagar seus prodígios? Quem não
exclamará com São Paulo: Glorio-me na cruz de Jesus Cristo!
(Gl 6,14). Com Cristo estou pregado à Cruz (Gl 2,19). Com-
pleto, em minha carne, o que falta à Paixão de Cristo, por seu
Corpo que é a Igreja! (Cl 1,24).
Ser vítima de amor por Jesus Cristo não é a mais invejável
sorte que possa caber a uma alma? É a assimilação perfeita ao
divino Crucificado. É nosso Chefe; somos seus membros. Vive
em nós como vivemos nele. Somos como um prolongamento
de seu ser. Sofre em nós como sofremos nele. Dá-nos seus so-
frimentos, damos-lhe os nossos; lega-nos sua sorte, e nós ofe-
recemos-lhe a nossa; é Redentor, e nós o somos por nossa vez.
E não pensemos que este favor seja reservado só aos sa-
cerdotes. Sem dúvida Jesus ama os sacerdotes. De toda a eter-
nidade o Verbo pensou neles e alegrou-se da dignidade que
lhes destinava, da intimidade que lhes reservava. Compreendo
que tenha inspirado a uma Santa Teresa, a uma Santa Maria
Madalena de Pazzi, a uma Santa Catarina de Sena e a tantas
outras, de rezar por seus sacerdotes e imolar-se por eles.
72 José Schrijvers
25 Ibidem, p.102.
TERCEIRA PARTE
ra, fixou sua morada nas alturas divinas, onde as nuvens das
preocupações humanas não a podem mais atingir, onde o di-
vino Sol não lhe esconde mais sua brilhante luz e seu fecundo
calor. O que poderia temer ainda? Ela que tem por Amigo o Rei
(cf. Pv 22,11), que é convidada por Ele cada dia à sua mesa (cf.
Est 5,8), que pode chegar livremente até Ele (cf. Est 5,2), que
sente transbordar de seu coração a torrente de paz e de felicida-
de, da qual Ele lhe concede a graça de inundá-la? (cf. Sl 35,9)
Capítulo II
PRIMEIRA PARTE
A boa vontade
Capítulo I - A boa vontade em si mesma..........................................7
Capítulo II - A boa vontade domina todas as criaturas................... 11
Capítulo III - A boa vontade possui todos os tesouros de Deus......15
SEGUNDA PARTE
A alma de boa vontade tende à perfeição
Capítulo I - A perfeição pela oração...............................................25
Capítulo II - A perfeição pela ação.................................................43
Capítulo III - A perfeição pelo sofrimento......................................59
TERCEIRA PARTE
A alma de boa vontade que chega à perfeição
Capítulo I - A sua vida aos olhos dos homens................................75
Capítulo II - A sua vida em Deus....................................................81