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OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DO ENSINO DE HISTÓRIA NA

FORMAÇÃO DE PROFESSORES.
PROFA. DRA. MARIA PAULA COSTA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE/G

Resumo: A disciplina de História tem paulatinamente ganhado espaço nas


discussões cotidianas, em meio a campanha eleitoral em 2018, os escândalos
de corrupção, “trocas” de governo, situação econômica cada vez mais crítica
presenciamos debates acalorados, narrativas negacionistas, conservadoras
foram se propagando via grupos de whatsap, nas mídias e redes sociais. Estes
na ânsia da explicação rápida acusaram os(as) professores(as) de História de
doutrinadores(as), definindo de forma pejorativa todos os historiadores, como
“esquerdistas”, deslegitimando o papel da ciência histórica.
Sabemos que esse exercício argumentativo, para além de um viés político com
fins de generalizar, homogeneizar a disciplina e desestruturar aqueles que nela
desenvolvem seus trabalhos, evidenciou a presença de diferentes sujeitos
exercitando o uso público da História. Tais discussões revelaram, ao mesmo
tempo, a preocupação com os discursos e ações daqueles que têm a História
como métier, mas também demonstrou a praticidade da História o que, de
alguma forma, descortinou a fragilidade desse campo de atuação e acentuou a
desvalorização da profissão de professor(a) de História criando uma série de
estereótipos para caracterizar sua função, sua fala e atuação.
O objetivo deste trabalho consiste em problematizar como esse processo
histórico impactou a visão dos(as) acadêmicos(as) do último ano da licenciatura
em História de uma universidade pública quando questionados sobre sua
formação, o papel do professor e a função da história na atualidade.

Palavras-chaves: História; Ensino; Formação de professores.

Introdução/Justificativa
As pesquisas sobre o ensino de história constituem-se um lugar
privilegiado para pensarmos a complexidade que envolve o ato de ensinar e
aprender, se por um lado foi necessário adentrar aos portões da escola,
conhecer sua dinâmica, seus sujeitos, suas experiencias, presenciamos um
momento em que passamos a ouvir outras vozes, muitas vezes, vozes não
pertencentes a dinâmica escolar. Essas adentram neste ambiente e constroem
discursos que buscam explicitar a função do(a) professor(a) e seu papel na
sociedade. Mas que vozes são essas?
A área de humanas e aqui vou me debruçar a pensar a disciplina de
História vem sofrendo ferrenhos ataques com o objetivo, muitas vezes de
procurar responsáveis por um sistema que já vem sendo desvalorizado e
desgastado ao longo do tempo, mas se olharmos atentamente esse processo,
algo mudou nesse discurso, ou podemos dizer, outras narrativas trouxeram uma
nova dinâmica e engrossaram o coro construindo acaloradamente e sem muita
reflexão debates sobre a prática do(a) professor(a) na sala de aula e o lugar da
escola na formação dos sujeitos.
Se antes as políticas públicas de formação de professores que envolviam
as reformulações dos cursos de graduação, legislações a serem cumpridas
foram o foco de análise, assim como as pesquisas que consideravam as
experiencias dos(as) professores(as) e olhavam a dinâmica das aulas, do
processo de ensinar e aprender constituíam novas perspectivas sobre o que se
esperava do papel do(a) professor(a), promovendo debates e discussões, os
anos de 2018 e até mesmo anteriormente, em 2015 construíram um novo debate
sobre o papel do(a) professor(a) e o lugar da História enquanto disciplina. É
como se, a sociedade, que faz parte da escola (mas aqui estou pensando não
na comunidade escolar) invadisse o ambiente escolar e denunciasse as mazelas
e por que não dizer, segundo as análises desses, “as atrocidades” que são
ensinadas dentro dos muros da escola.
Todo processo político que vivenciamos no século XXI fez emergir
discursos conservadores e negacionistas que jamais pensaríamos ouvir, como
por exemplo: terra plana, ideologia de gênero, professor doutrinador, esquerdista
(este no sentido pejorativo), escola sem partido, entre tantos outros. Tais
discursos se referiram ao ensino escolar e suas práticas.
Ao prestarmos atenção à nossa volta, não era difícil no trabalho, nas
conversas em filas, nos consultórios, nos ônibus, nos bares, nos almoços de
família, nas mensagens reencaminhadas nos grupos de whatsap, nas mídias,
nas redes sociais de forma geral, encontrarmos embates sobre o lugar e a
importância que a História ocupa na sociedade. Isso por que, motivados pelas
eleições, pelos escândalos de corrupção, golpes de governo, situação
econômica, desemprego presenciamos debates na tentativa de achar “os
verdadeiros” culpados. Estes na ânsia da explicação rápida, muitas vezes, se
limitavam a acusarem a História de ser doutrinadora colocando à baila, os que a
escrevem e definindo, de forma pejorativa o papel dos(as) professores(as).
Sabemos que esse exercício argumentativo, para além de um viés político
com fins de generalizar, homogeneizar a disciplina e desestruturar aqueles que
nela desenvolvem seus trabalhos, evidenciou a presença de diferentes sujeitos
exercitando o uso público da História. Todos, de alguma maneira, se sentiram
parte da História e foram autorizados a refletirem sobre seu papel e os rumos do
país. Tais discussões revelaram, ao mesmo tempo, a preocupação com os
discursos e ações daqueles que têm a História como métier, mas também
demonstrou a praticidade da História o que, de alguma forma, descortinou a
fragilidade desse campo de atuação.
Certamente não é atual a desvalorização da profissão de professor(a) no
Brasil, mas somamos a isso, a condição de ser professor(a) de História nas
atuais circunstâncias, onde criou-se uma série de estereótipos para caracterizar
sua função, deslegitimar sua fala e atuação, não sendo incomum ecoarem vozes
defendendo sua irrelevância. Não é nosso objetivo aqui apontar mocinhos e
bandidos, nem defender ou acusar opiniões, mas sim buscamos compreender
como esse processo histórico sobre o significado de ensinar e aprender história
vem sendo delineado na formação de professores e os impactos desses
discursos nos formandos de um curso de licenciatura em História.
Objetivos
O objetivo deste trabalho1 consiste em problematizar como esse processo
histórico de instabilidade política impactou a visão dos(as) acadêmicos(as) do
último ano da licenciatura em História de uma universidade pública quando
questionados sobre sua formação, o papel do professor e a função da história
na atualidade.
Resultados

1
Este trabalho faz parte da pesquisa desenvolvida na modalidade de Pesquisa Isolada (PqI), na
Universidade Estadual do Centro-Oeste, junto ao departamento de História, onde atuo como
docente.
Os sujeitos que participaram desta pesquisa são acadêmicos e
acadêmicas do último ano da licenciatura em História de uma Universidade
pública do Paraná. Foram coletados questionários em 2019 e 2020 (de forma
remota), totalizando 34 participantes.
Ao analisarmos o perfil dos participantes temos os seguintes dados: o
grupo está dividindo em 22 mulheres e 12 homens, com idades entre 20 e 27
anos, sendo que a maioria está entre 21 e 22 anos. Ingressaram na graduação
em 2016 e 2017.

Compreendermos que antes mesmo de ingressarem ou escolherem o


curso suas identidades já estavam sendo construídas, assim concordamos com
Veiga sobre a construção da identidade docente: “a identidade docente é uma
construção que permeia a vida profissional desde o momento da escolha do
ofício, passando pela formação inicial e pelos diferentes espaços institucionais
onde se desenvolve a profissão, o que lhe confere uma dimensão no tempo e no
espaço” (VEIGA, 2009, p.29).
Neste sentido, uma das questões que compunha o questionário dos
acadêmicos (as) era: Por que você escolheu história? (questão número 2)
Ao analisarmos as respostas evidencia-se que a maioria escolheu o curso
porque queria ser professor(a). Tivemos 17 respostas que fizeram essa
indicação, sendo que em segundo lugar empatados estão os que escolheram
História por ser uma matéria escolar que gostavam ou por terem facilidade.
Vejamos algumas respostas:

1- “Escolhi História – Licenciatura devido à vontade de ser


professor.”
2- “Por ser pública e queria ser professor.”
3- “Interesse começou na escola e sempre foi minha 1ª opção.”
4- “Me tornar professor.”
5- “Por ser perto da minha casa, pelo interesse na história e ser
uma professora de qualidade.”
6- “Sempre gostei de História, me identificava muito com a
matéria no Ensino Médio.”
Deste modo, as respostas deixam perceptível que a identidade docente é
construída antes mesmo de ingressarem num curso superior, ou seja, o fazer-se
professor faz parte da nossa identidade individual, das nossas escolhas, do
nosso caminhar.
Segundo Nóvoa:
A maneira como cada um de nós ensina está directamente
dependente daquilo que somos como pessoa quando
exercemos o ensino. [...] Eis-nos de novo face à pessoa e ao
profissional, ao ser e ao ensinar. Aqui estamos. Nós e a
profissão. E as opções que cada um de nós tem de fazer como
professor, as quais cruzam a nossa maneira de ser com a nossa
maneira de ensinar e desvendam na nossa maneira de ensinar
a nossa maneira de ser. É impossível separar o eu profissional
do eu pessoal (NÓVOA, 1994, p.17).

Outro elemento importante consiste na indicação da escola como um


lugar que desperta interesses e saberes e que incita a buscar e a aprender mais.
Dessa forma, perguntamos sobre o papel do professor e a função da
história hoje para estes(as) formandos(as) e pudemos constatar que a
expectativa foi abalada pelo momento histórico e pelas falas de desvalorização
do professor.
Assim, analisamos as questões 7 e 8 que eram: Para você qual é o papel
que o professor(a) desempenha na sociedade atual? No seu ponto de vista qual
a função da História hoje?
Ao analisar as respostas fica evidente que embora alguns estejam bem
abalados com os ataques que a disciplina, os professores e a escola estão
sofrendo, existe um reconhecimento da importância da função da história, da
prática docente e da escola como elementos centrais para a busca e produção
de conhecimento.
Vejamos algumas respostas:

1- Ser professor hoje parece difícil, acredito que ser professor é


tomar uma parcela de responsabilidade sobre a sociedade, de
certa forma é tentar fazer com que as pessoas aprendam a
pensar criticamente e nos tempos que vivemos isso não é bem
visto, a política nos desenhou como inimigos para a sociedade,
limita, torna precário. (2019)

2- Essa pergunta é muito complexa para ser respondida no atual


cenário político. Os professores e professoras são os
mediadores do conhecimento, responsáveis em gerar nos seus
alunos e alunas a curiosidade, a criatividade, alimentando a
consciência crítica sem desconsiderar suas individualidades e
seus pensamentos. Entretanto, vivemos uma maré de ataques,
que desestimulam novos profissionais e enfraquecem os que
ainda estão tentando ensinar fora dos moldes tradicionais.
(2019)

3- Quando se pensa em professor na conjuntura atual, a palavra


guerreiros me vem na cabeça. A sua função de ensinar virou
alvo de ataques sistemáticos sobre sua “ética” em sala de aula,
se tornou uma retórica de políticos que não aceitam que os
estudantes se expressem como seres críticos, visto que só a
educação proporciona isso, e apenas uma educação libertadora.
Hoje, mais do que nunca, o “professor aliado a educação são a
chave e nós (população) somos os cadeados, só ela nos liberta”;
(2019)

4- O papel da História hoje apesar de ser subjugado e muitas vezes


questionado por muitos que não a conhece enquanto ciência, é
que tem cada vez mais importância na nossa sociedade para
combater as inverdades e ensinar de maneira crítica sobre os
acontecimentos. (2020)
5- Acredito que mais do que nunca a História foi tão importante na
nossa sociedade, a qual está tão dividida politicamente, cercada
de informações (muitas vezes falsas e das quais a grande
maioria das pessoas não buscam certificar a sua veracidade),
atravessada por inúmeros conflitos ideológicos, pandemia, entre
diversas outras coisas que nós bem sabemos. Em meio a tudo
isso a História vem através da consciência histórica derrubar
mitos, desconstruir estereótipos e preconceitos socialmente
construídos e enraizados em nossa sociedade. (2020)

As respostas indicam que ao final da graduação os acadêmicos e


acadêmicas foram tocados por uma onda de ataques sobre o papel do(a)
professor(a) na sociedade, ao mesmo tempo que reafirmaram na disciplina de
História a potencialidade de tomada de consciência, de transformação. Os
desgastes causados por tantas notícias, a onda negacionista que cresceu no
Brasil não fez abalar a percepção da função da História.
Considerações Finais
A educação no Brasil está passando por um momento de desmonte em
todas as suas etapas, podemos dizer, que todo processo de pensar o ensino e
a aprendizagem sofreram uma desestruturação nos últimos anos. A pandemia
foi apenas um aspecto que causou muitas incertezas na organização
educacional e nos rumos que tomaremos.
Talvez a crença ou o sonho, a busca em um curso superior de licenciatura
seja almejado por menos sujeitos nos próximos anos, porém as respostas
analisadas aqui nos fazem perceber que a identidade docente no seu processo
de construção contínua sofreu sua maturação ao compreender o valor de ser
professor(a) de História em um momento que alguns negam seu passado e
recusam a ciência como pilares cruciais para o futuro.
Referências
NÓVOA, António. Os professores e as histórias da sua vida. In: ______ (Org.).
Vidas de professores. Portugal: Porto, 1994.
VEIGA, Ilma Passos Alencastro. A aventura de formar professores. São Paulo:
Papirus, 2009.

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